Vinculo
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Denise Machado Duran Gutierrez1, Ewerton Helder Bentes de Castro2, Karine Diniz da Silva Pontes3
RESUMO
Desenvolvemos aqui um estudo teórico sobre maternidade centrado no vínculo mãe-filho.
Através do exame conceitual sobre a maternidade a contextualizamos como objeto sócio-
histórico que se modifica no tempo-espaço da cultura. Desse modo podemos falar em
“maternidades” e não em uma única forma de vivenciá-la e apreender sua complexidade
enquanto fenômeno psicossocial. Ao mesmo tempo conduzimos nosso olhar para as relações
afetivas e vinculares que se estabelecem na família reconhecendo as contribuições da
psicanálise da transmissão psíquica enquanto forma de elucidar certos processos que
identificamos na família contemporânea. A formação de vínculos muitas vezes condiciona a
saúde futura dos sujeitos e aparece como elemento central em seu desenvolvimento psíquico.
Para o estabelecimento dos vínculos afetivos contribuem elementos transmitidos pelas
gerações anteriores que funcionam como precipitados e cristalizações, configurando
microuniversos relacionais dentro dos quais as interações acontecem. Destacamos assim que
os princípios que compõem a análise da transmissão psíquica, como a importância das
relações intersubjetivas, os mecanismos de defesa que sustentam a transmissão de conteúdos
não elaborados, a função da transmissão, e as formas de apropriação são assim primordiais
para a compreensão mais aprofundada do processo de formação do vínculo mãe-filho e
merecem atenção nos estudos na área.
PALAVRAS-CHAVE: Maternidade; vínculo mãe-filho; Transmissão psíquica.
ABSTRACT
We develop here a theoretical study on maternity centered in the bond mother- child. Through
the conceptual examination on the maternity we contextualize it as social historical object that
modifies in the time-space of the culture. In this manner we can speak about “maternities” and
not in an only form to live it and to apprehend its complexity while psychosocial
phenomenon. At the same time we look to affective relations and bonds established in the
family recognizing the contributions of the psychoanalysis of the psychic transmission as
forms to elucidate certain processes that we identify in the contemporary family. The
formation of bonds many times conditions the future health of the individuals and appears to
be a central element in its psychic development. For the establishment of the affective bonds
contribute elements transmitted for the previous generations that function as precipitated and
crystallizations, configuring micron reflationary universes in which the interactions happen.
We point out the principles that compose the analysis of the psychic transmission, as the
importance of the inter subjective relations, the defense mechanisms that support the
transmission of contents not elaborated, the function of the transmission, and the forms of
appropriation are primordial for the deep understanding of the process of formation of the
bond mother-child that deserve attention in the studies in the area.
1
Psicóloga, Doutora em Saúde da Mulher e da Criança pelo Instituto Fernandes Figueira - FIO CRUZ, R.J.
Atualmente é professora efetiva da Universidade Federal do Amazonas.
2
Psicólogo, Doutor em Ciências. Atualmente é professor titular da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
3
Assistente Social e Psicóloga, mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
INTRODUÇÃO
de acordo com o contexto sócio histórico cultural, haverá variações na forma em que pais e
por se tornarem mães, pois para algumas a maternidade representa ainda uma possibilidade, e
especialmente no que se refere à conciliação entre sua função de autoridade e sua função de
provedores afetivos. O presente artigo pretende focar a relação mãe-filho, realizando uma
reflexão sobre os fatores que influenciam a formação do vínculo afetivo entre ambos,
formação do vínculo, desde a gravidez até os primeiros dias de vida da criança, bem como
uma reflexão sobre a transmissão psíquica entre gerações, a fim de melhor compreender a
houve uma mudança na relevância dada à mãe e nas formas de exercício da função materna,
que estão ligadas a transformações sócio histórico culturais que afetaram a família, além de
contribuir para uma maior compreensão sobre as vicissitudes atuais que a cercam e os
absolutismo político. Não existia ainda o que Ariès (1981) denomina de “sentimento de
infância”, sendo a família uma realidade moral e social mais do que sentimental, cujas
relações baseavam-se em fatores como idade, virtuosidade, dote, classe social, honra da
função de transmissão da vida, dos bens, dos costumes e do nome, não havendo preocupação
Estes valores faziam com que a relação pais-filhos fosse marcada pela violência
pelo distanciamento afetivo, pela recusa em amamentar, o que deu origem à prática comum
nos vários países europeus e no Brasil, de entregar as crianças para serem amamentadas por
amas-de-leite, mulheres pobres e doentes, que o faziam em busca de retorno financeiro. Além
disso, era comum que bebês fossem abandonados, ainda recém-nascidos: os “expostos”. A
infância tinha curta duração, seu término ocorrendo por volta dos 5 anos de idade (SILVA,
1998).
Neste contexto de abandono, até o século XVIII, a taxa de mortalidade infantil era
elevada, de modo que as mães desenvolviam uma frieza emocional a fim de não se apegarem
a seus bebês e sofrerem, caso o perdessem. Badinter aponta a indiferença materna como uma
ver desaparecer o objeto de sua ternura” (1985, p.85). Contudo, a despeito deste aparente
distanciamento afetivo e das dificuldades enfrentadas pelas mães, o amor materno sempre
Foi durante os séculos XVII e XVIII que emergiu o sentimento de família, com a
afetos, passando a criança a ser valorizada, à medida em que “se tornava uma fonte de
distância materna em relação aos filhos diminuiu, tendo as mães assumido mais efetivamente
os cuidados com os filhos, a partir de então considerados frágeis. Por meio dos preceitos de
Rousseau e da Filosofia das Luzes, bem como dos conselhos de moralistas, administradores e
médicos, as mães foram estimuladas a amamentar seus filhos e a se preocupar com sua
higiene e saúde física. Na verdade, a criança passou a ter um valor mercantil, sendo
patrimônio, por isso o Estado passa a se preocupar com sua perda (ARIÈS, 1981).
descrito por Giddens (1993) como um sentimento de perspectiva individual, que vincula amor
trabalho entre o casal e o filho passa a ser considerado um sujeito, sendo tanto o pai como a
A mulher, enfim, passa a ser vista como um indivíduo e não meramente como
prazer próprio e preocupa-se mais com sua imagem, sem correr o risco de ser condenada
moralmente (PEIXOTO et all, 2000). No que se refere ao papel materno, uma consequência
desta mudança, como atesta Chodorow (1990), foi o consequente aumento da função materna
destacam a desigualdade de expectativas que incidem, ainda hoje, sobre o homem e a mulher,
pois ainda se espera que os homens sejam “indivíduos sem família” e das mulheres se exige
Roudinesco (2003), porém, afirma que a mãe moderna assume uma função mais
masculinizante e o pai uma função maternalizante, à medida que passa a dedicar-se mais ao
cuidado dos filhos. Para a autora, o modelo de família conjugal não é mais o único possível,
bebês de proveta - fizeram com que a presença do pai e sua soberania simbólica na vida da
discussões bioéticas.
Peixoto et all (2000) ressaltam que as mudanças na vida familiar, levaram a uma
tempo, relacional e individualista, forte e frágil, à medida que, apesar da dissolução dos
vínculos conjugais, a vida privada, representada pelo casamento, ainda é desejada por muitas
pessoas.
configuração e nos princípios nos quais se baseiam os laços afetivos, Roudinesco (2003)
das gerações e que, embora feita de “feridas íntimas, violências silenciosas e lembranças
desejam renunciar: “Ela é amada, sonhada e desejada por homens, mulheres e crianças de
apesar de cada vez mais dessacralizada, a família permanece sendo a instituição humana mais
sólida da sociedade.
Desse modo podemos falar em “maternidades” e não em uma única forma de vivenciá-la e
apreender sua complexidade enquanto fenômeno psicossocial que dialoga com a sociedade
relações afetivas.
O termo vínculo tem sua origem no latim “vinculum”, que significa uma união
com características duradouras. De igual maneira, provém da mesma raiz que a palavra
“vinco”, que se refere a alguma forma de ligação entre partes que se unem e que são
inseparáveis, embora permaneçam delimitadas entre si. Vínculo também significa um estado
mental que pode ser expresso através de diversos modelos e abordagens (ZIMERMAN,
2010).
John Bowlby (2006 a) desenvolveu uma teoria designada como teoria da ligação,
comportamento que resulta em que uma pessoa alcance ou mantenha a proximidade com
algum outro indivíduo diferenciado e preferido, considerado mais forte ou mais sábio. Assim,
Pichon-Rivière (1998), para definir vínculo, nos remete à análise das relações de
objeto. Para o autor, “relação de objeto é a estrutura interna do vínculo. Um vínculo é, então,
um tipo particular de relação de objeto” (p.17). Essa relação envolve uma conduta mais ou
menos fixa com esse objeto, que tende a se repetir automaticamente. Há dois campos
psicológicos no vínculo, um interno e outro externo, sendo possível, portanto, estabelecer uma
relacional, com recíprocas influências entre as pessoas, que origina diferentes configurações
apenas no mundo exterior do sujeito, mas em seu mundo interior, por isso o vínculo primitivo
“na inter-relação do bebê recém-nascido com a sua mãe ou com alguma figura substituta
dela” (2010, p.21). A formação deste primeiro vínculo é facilitada pela disposição inata do
bebê para a vinculação, e não se inicia apenas com o nascimento deste, mas antes, já na
história da gravidez, que por sua vez, envolve a história de vida do casal.
Autores como Nóbrega (2005), Bowlby (2006 b), Winnicott (2001) e Szejer e
Stewart (1997) ressaltam que conceber um filho é um projeto que nasce do encontro de um
homem e de uma mulher, podendo ser consciente ou não, e sofrer diferentes configurações,
que já farão parte da história da criança. Assim, as motivações da gravidez são, por vezes,
inconscientes: o desejo de engravidar pode ser motivado pela necessidade da mãe de ter um
objeto de amor que nunca teve, uma tentativa de usar a vergonha de ter um filho ilegítimo
como uma arma contra pais dominadores, ou ainda pode ser que o filho represente uma arma
acentuado sentimento de culpa. Desse modo, Bowlby afirma que muitas mães “se tornam
mães solteiras por uma necessidade neurótica e não simplesmente por acidente” (2006,
p.107).
vivência da maternidade terá como pano de fundo todos os outros vínculos da vida da mãe,
essencialmente o vínculo primitivo, com seus próprios pais. É neste sentido que a escolha do
parceiro recebe influência dos modelos parentais, ocorrendo muitas vezes a “projeção
fantasmática” do outro, mecanismo que faz com que se idealize o parceiro de acordo com os
próprios desejos.
Ao se tornarem pais, surge uma nova relação entre o casal, influenciada pela
história de seu relacionamento. Cada gravidez se insere num determinado momento da vida
do casal, é diferente e tem o seu próprio significado, evocando para o pai e para a mãe, sua
própria história e os remetendo a ela. Para Szejer e Stewart (1997) esse fato é, muitas vezes
inconsciente, entretanto, “nem por isso menos real, porque o lugar que cada um ocupou e
ocupa ainda em sua linhagem deixa marcas, faz parte de cada um e é em função desse lugar
quanto das fantasias maternas. Durante a gestação, podem surgir sentimentos ambivalentes
Processos regressivos podem ocorrer com a grávida, fazendo com que ela deseje
“voltar atrás, voltar a ser a filhinha de sua própria mãe” (SZEJER e STEWART, 1997, p.87).
Winnicott afirma que a mãe “já foi um bebê, e traz com ela as lembranças de tê-lo sido; tem,
igualmente, recordações de que alguém cuidou dela, e estas lembranças tanto podem ajudá-la
filho, podendo intensificá-lo. Para Szejer e Stewart (1997), a mulher que dá à luz vive um rito
de passagem que lhe permite dar à luz a si mesma. Tettamanti (2008) afirma que a
maternidade é uma infinita sucessão de partos, onde a experiência de parir se repete em cada
em que surgirá a criança, antes um filho em potencial, que passa a ter um estatuto de sujeito
de direito e o status de pessoa. Winnicott (1988) ressalta que cada bebê é desde o começo
uma pessoa, necessitando ser conhecida por alguém, e que ninguém pode conhecer melhor um
bebê que a própria mãe. O bebê também aprende logo a interpretar a mãe, por isso é
útil para que os primeiros cuidados efetuados à criança sejam saudáveis. Para Chodorow
(1990) a aptidão para cuidar de uma criança decorre do fato da mãe haver vivenciado este
tipo de relacionamento quando criança, e ser capaz de regredir, embora permanecendo adulta,
primário têm algum aspecto do eu que deseja recriar estas experiências e esta capacidade não
é exclusiva das mulheres, mas pode ser exercida por homens e mães adotivas, por exemplo.
Este processo de identificação com o bebê foi muito bem descrito por Winnicott
sensibilidade que faz a mãe perceber e suprir as necessidades de seu filho, lançando as bases
de sua saúde mental, processo este essencial, uma vez que o bebê experimenta angústias
muito fortes nos estágios iniciais do desenvolvimento emocional, antes que seus sentidos
estejam organizados e seu ego desenvolvido. É em virtude desta dependência do bebê que
Bowlby afirma que “a mãe, nos primeiros anos de vida da criança, funciona como sua
Winnicott (1988) usa o termo “mãe devotada comum” para designar aquela mãe
que, naturalmente, se adapta de forma sensível e ativa às necessidades do bebê, que no início
será absoluta. Em estado saudável, o indivíduo nunca está isolado, mas preserva uma
o mundo é criação sua, mas ao atingir outros estágios, deve viver um processo de
“desilusionamento”, facilitado pela mãe, à medida que esta permite um contato cada vez
maior do bebê com a realidade. Porém, esta desilusão deve ocorrer apenas depois da mãe ter
proporcionado ao bebê uma crença nas coisas e nas pessoas, um sentimento de confiança
A relação mãe-filho pode, entretanto, ser patológica, quando, por exemplo, gera
problemas de fusão. Se a mãe, ou a pessoa que desempenha este papel, tiver sido uma criança
carente em sua história inicial, terá dificuldade em cuidar sozinha de seu bebê, da mesma
maneira que ela ainda precisa ser cuidada, em virtude de um sentimento de desamparo,
prolongada. Quando prolongada, pode indicar que a mãe permanece num estado de fusão com
Num extremo, a perda de interesse pela criança prejudica sua saúde emocional,
depressão pós-parto, gerando para o bebê, na visão de Winnicott (1988), uma experiência de
self”, que surge em virtude da necessidade de agradar a mãe. Ao invés de viver a experiência
como alguém diferente dele, para que o processo de individualização seja bem sucedido.
determina a qualidade dos cuidados que ela oferece ao seu filho. Pela possibilidade da
(1988) recomenda que figuras de apoio para a mãe se façam presentes, como o parceiro e
outros membros de sua família, para que ela se prepare e exerça melhor seu papel, buscando
Em síntese, a partir desta reflexão sobre o vínculo mãe-filho, constata-se que este,
por ser o mais primitivo, lança as bases para a saúde mental do indivíduo, e que existem
momentos críticos em sua formação, que vão desde o relacionamento do casal que gerou a
especial, da mãe, marcadas por sua própria história de vida, interferem na formação do
vínculo afetivo com o filho, uma vez que determinam a qualidade dos cuidados oferecidos à
abordado por Freud e, nos últimos anos ganhou impulso através da Psicanálise. Nela os
trabalhos têm buscado articular a realidade psíquica do sujeito à realidade do grupo no qual se
que nem sempre é linear, mas pode ser circular, intermitente, como ocorre nos sistemas
um afeto, e que se mantêm vivos, embora inconscientes. Granjon (2000) afirma que não são
os acontecimentos mais dolorosos os únicos que, uma vez transmitidos, serão traumáticos,
mas qualquer acontecimento cujo afeto não seja expresso, nem representado. Ainda sobre o
que é transmitido, Inglez-Mazzarella (2006) afirma que “toda a vida psíquica encontra-se no
impulso para transmitir algo: afetos, mecanismos de defesa, sintomas, traumas...” (p.80).
Bion (apud KAËS, 2001) definiu dois tipos de objetos que podem ser
matéria psíquica da história familiar que é transmitida ao longo das gerações, e os objetos
transformação. Kaës (2001) acrescenta que a transmissão pode se organizar a partir do que
constitui na dimensão negativa da transmissão, que ocorre quando as vivências do sujeito não
são registradas em palavras. O aspecto patológico da transmissão acontece, assim, quando não
uma geração não pode existir sem aquela que a precede e deve criar outra para perpetuar a
vida para além de seu desaparecimento. Sendo assim “há, antes de tudo, a vida a ser
transmitida” (GRANJON, 2000, p.25). Na visão freudiana existe uma espécie de impulso
que significa que o ser humano, ao nascer, é inevitavelmente nele incluído e passa a pertencer
a um conjunto intersubjetivo que segundo Kaës (2001, p.13) nos mantém como “servidores e
quais o sujeito está ligado, vão designar lugares, apresentar objetos, ritos, ideologias, indicar
limites e impor interditos. O sujeito se torna membro deste grupo e se constitui como tal
pelo grupo, que, nas palavras de Kaës (2001), são “predisposições significantes”, o indivíduo
outra.
como o processo e o resultado de ligações psíquicas entre aparelhos psíquicos e como se pode
processo de apropriação do sujeito da herança, à medida que este assume o pensar sobre o que
aquela na qual não há uma retomada transformadora da transmissão e que se dá “através” dos
das gerações no sentido descendente, sem contato direto, ou seja, as gerações passadas
sua singularidade, não pode por definição ser um atributo seu, mas uma formação que é
denegativo”, processo pelo qual aquilo que é recalcado, recusado, rejeitado, é imposto nas
relações subjetivas em grupos como a família, o casal e até nas instituições. Sendo um acordo
denegativo são poderosas e uma de suas funções é preservar o vínculo entre aqueles que a
mantêm, sob pena do sujeito se sentir excluído. Assim, ao mesmo tempo em que possui uma
função defensiva, o pacto denegativo organiza a convivência entre os membros, ainda que
Granjon (2000) afirma que quando não há um espaço de separação, uma devida distância
alienação, passando a ser portador de uma história que não lhe pertence e a qual não tem
acesso, fazendo com que renuncie à sua própria subjetividade. Nas palavras da autora, quando
transgeracional é (...) a repetição até a caricatura que liga uma geração à outra numa
identificação alienante” (p.199). Para o autor, o transgeracional só pode ser pensado como
Correa (2000) aponta as consequências dos silêncios e segredos, uma vez que a
“falta de inscrição do sujeito na sucessão das gerações e no tecido grupal comunitário, limita
ou impede o acesso aos processos de simbolização que organizam uma cadeia de significantes
(p.65)”. Contudo, mesmo não inscritos nem representados, estes conteúdos psíquicos
inconsciente, processo descrito por Winnicott (1963) como um “vivido não vivido e sempre a
que foi transmitido intergeracionalmente, pois transformações e ligações podem ser realizadas
pela descendência, haja vista que uma geração fica situada em relação às anteriores, “e os
integrantes dela, inscritos numa genealogia, podem fazer da herança algo próprio (p.82)”.
transmissão intergeracional, afirmando que este material metabolizado assim será transmitido
à geração seguinte.
relação pais x filhos, a forma como se dão as transmissões pelos pais e a apropriação por parte
espaço no qual, através do amor, se constrói a identidade pessoal. A criança precisa do olhar
do outro para tornar-se ela mesma, ao mesmo tempo em que os pais tentam consolidar o seu
afirma que esta ocorre quando os pais ocupam o lugar da criança, que fica sujeita ao que eles
lhe dizem ou calam. Desta forma, os pais transmitirão à criança conteúdos definidos a partir
da estrutura de seu psiquismo e de seu inconsciente. Surge, então, a questão de como a criança
ressaltando o papel da figura materna, Chodorow (1990) defende que todos os aspectos da
inconscientes, uma vez que, os conteúdos que serão internalizados dependerão dos afetos
durante o qual a criança já absorve as mensagens que lhe são transmitidas, e se intensifica
após o nascimento, através dos cuidados a ela dispensados. Quando estas mensagens são
delas se torna depositária e forçosamente herdeira, acarreta prejuízo para sua individualização,
criança, por não contar com um psiquismo maduro o suficiente para compreendê-los, corre o
risco de se identificar ao negativo, àquilo que não pôde ser elaborado por seus pais. Assim,
para “libertar” os pais, a criança se constitui num “continente de negativo”. Para isso, ela
“toma o lugar e não a carga daquilo que deveria ser mantido escondido, daquilo que não
deveria ser dito nem pensado [...] A criança não é mais herdeira, mas torna-se o negativo de
Rocha Coutinho (2006) afirma que diferentemente do passado, em que um modelo identitário
era fornecido a cada um de seus membros e em que valores e padrões de comportamento mais
comportamento tradicionais parecem coexistir, muitas vezes em conflito, com novos valores e
estes não podem ser dissociados da realidade social mais ampla na qual a família está
inserida.
sendo cada vez mais usado no entendimento da dinâmica das relações entre mãe-bebê. Os
autores definem o conceito como uma transferência - normal ou patológica - realizada sobre o
bebê, impondo-lhe, dessa forma, a partir de outra(s) geração(s), a marca, para melhor ou para
A criança pode assim, se ver no papel de ter que preencher um vazio de alguém
que não pôde realizar seu luto, que não pôde diferenciá-la como um ser separado. Este alguém
que a obriga a ocupar este lugar pode ser a própria mãe, com seus desejos, que transmite algo
que a criança não pode simbolizar. O contrário ocorre quando, transformando a herança, o
sujeito pode herdar e receber a transmissão como uma criação. Os elementos da história do
sujeito, que ele recebe sem saber, são por ele reinventados, reencontrados e recriados.
fundamental importância para a compreensão das relações patológicas entre pais e filhos, e
quadros patológicos na infância. A análise dos fatores que intervêm na transmissão dos afetos
filho, uma vez que a mulher, ao se tornar mãe, já é portadora de uma história própria e suas
vivências infantis poderão ser reativadas no momento em que se torna mãe. Neste sentido, os
princípios que compõem a análise da transmissão psíquica, como a importância das relações
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