Psicoeducação - Limites e Efetividade PDF

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PSICOEDUCAÇÃO: LIMITES E EFETIVIDADE

Bianca Amorim1

Introdução

O presente trabalho tem como objetivo discutir os limites e efetividades de um


trabalho psicoeducativo com o público da parentalidade: gestantes, mães, pais
e avós. É importante ressaltar, que a autora desenvolve um trabalho
psicoeducativo e online com puérperas e acompanha este público, tanto nesse
contexto quanto no de atendimento psicoterápico individual (presencial ou
online).

A Psicoeducação

A Psicoeducação surgiu no início dos anos 70, trazendo um modelo que envolve
o paradigma da complexidade humana e a multidisciplinariedade, para
compreender e aplicar suas ferramentas frente ao adoecimento do indivíduo. A
psicoeducação, prioritariamente, é uma intervenção psicoterapêutica que
adentrou o contexto clínico, como uma forma de auxiliar no tratamento de
doenças mentais, contando com mudanças comportamentais, sociais e
emocionais. Entende-se que a psicoeducação no contexto clínico, ensina tanto
para o paciente quanto para seus familiares, sobre o processo psicoterápico e,
desta forma, todos os envolvidos terão consciência e preparo para lidar com as
mudanças que ocorrerão a partir de estratégias de enfrentamento, fortalecimento
da comunicação e adaptação trabalhadas. Conscientização e autonomia são
tidos como resultados desse processo psicoeducativo de auxiliar pessoas
ensinando-as a se ajudarem (LEMES; ONDERE NETO, 2017).

Muitos acreditam que essa técnica terapêutica é advinda da psicologia cognitivo-


comportamental, porém, o modelo psicoeducacional abarca diferentes teorias
psicológicas e educativas, além de utilizar informações de outras áreas como a
educação, a filosofia, a medicina, entre outras. O objetivo principal é informar o

1
Bianca Amorim é psicóloga perinatal, desenvolve um projeto educativo e online com puérperas
chamado Renascendo após a Maternidade e é sócia-diretora da Escola de Profissionais da
Parentalidade.
paciente sobre sua condição de forma ampliada e não fragmentada, para apoiá-
lo na compreensão de todas as fases do seu atendimento (LEMES; ONDERE
NETO, 2017).

Mas, a psicoeducação não ocorre somente no contexto clínico e, nem somente,


como técnica psicoterápica. Ela pode ser realizada no contexto hospitalar, social,
organizacional e até mesmo no mundo virtual. Para além da técnica
psicoterápica, ela também pode ser utilizada de forma mais ampla para educar
o público da importância de cuidar da sua saúde mental/emocional. Mas, é
importante compreender os seus efeitos e limites para que não surjam resultados
negativos da sua prática, o que será abordado posteriormente.

A psicoeducação pode ser compreendida a partir de quatro perspectivas: 1) a


psicodinâmica, em que se volta mais para as questões afetivas e conflitivas do
sujeito; 2) a comportamental, com um enquadramento e foco em mudanças
comportamentais; 3) a sociológica, com o objetivo de envolver um grupo
promovendo a conscientização de seus comportamentos, ideologias e valores
sociais e 4) a cognitivo-afetivo, englobando a relação recíproca entre o aspecto
afetivo e cognitivo; entre outros caminhos (LEMES; ONDERE NETO, 2017).

No presente texto, focaremos na psicoeducação psicodinâmica e sociológica,


por serem as que mais se adequam ao nicho da parentalidade.

Parentalidade: mudanças e inseguranças

É importante contextualizar o momento atual da parentalidade, antes de


adentrarmos a temática da psicoeducação.

É incontestável, que vivemos transformações intensas nos últimos séculos


quanto aos modos de maternar e paternar. As revisões históricas sugerem que
os cuidados maternos, tal qual como hoje se entendem, com um enaltecimento
ao amor materno e adjetivados como “instintivos” e “naturais”, é uma realidade
recente dentro da história da civilização ocidental. Foi a partir de 1760, que
inúmeras publicações surgiram na Europa, estimulando a mulher a assumir os
cuidados com os filhos, sendo muitos desses conceitos construídos justamente
pelos discursos dos especialistas (em especial os médicos) e reforçados por
psicólogos, psicanalistas, pedagogos, psiquiatras, dentre outros profissionais, ao
longo do tempo. Estes adentraram o contexto familiar em função da alarmante
taxa de mortalidade infantil na Europa, visto que as crianças eram enviadas logo
após o nascimento para serem criadas por amas de leite, em condições não
muito adequadas para permitir a sobrevivência de boa parte dos bebês. Desta
forma, as responsabilidades maternas foram ampliadas e acompanhadas, de
uma crescente valorização da mulher-mãe, a dita “rainha do lar”. Isso concedeu
poder e respeitabilidade às mulheres com ênfase na valorização do papel
materno, desde que, é claro, elas não levassem todo esse poder para fora do
domínio doméstico. Em paralelo, o papel paterno entrou em declínio na Europa,
seja por sua ausência ou pelo descumprimento da sua função, que foi sendo
substituído pela ação do estado, nas classes mais populares, e pelos
especialistas, nas classes mais abastadas (Moura; Araujo, 2004).

No Brasil, entre os séculos XVI e XVIII, a organização familiar colonial ainda era
precedente ao que acontecia na Europa, aqui o poder paterno era supremo. Mas,
diferente do que acontecia na Europa, com a valorização do poder materno, no
Brasil, o poder paterno era similar ao poder de um patrão, visto que todos
(esposa, filhos e agregados) interessavam apenas enquanto “elementos a
serviço do patriarca”.

Entretanto, nos séculos XVIII e XIX, iniciou-se um “movimento” de higienização


das famílias brasileiras, com costumes gestados na Europa. Foi neste processo
que a mulher teve sua função reduzida à figura da “mãe higiênica” e, assim como
na Europa, a família se uniu ao discurso e poder do médico. Começou aí a
valorização do aleitamento materno, não mais terceirizados para as amas ou,
como no caso do Brasil, para as escravas; para o cumprimento de uma lei da
natureza que protegia o bebê. Foi desta forma que, também no Brasil, a
regulação da vida da mulher como principal cuidadora do lar e dos filhos foi
construída, cabendo ao pai, o poder patriarcal de proteção, sustento e autoridade
moral.

Na contemporaneidade, os papéis maternos e paternos foram se transformando,


com maior velocidade nos séculos XX e XXI. Com a entrada da mulher no
mercado de trabalho formal, a maternidade e os cuidados com o lar deixaram de
ser a única possibilidade. A família tradicional, consolidada no amor romântico,
começa a sair de cena e dá a possibilidade para a entrada de uma família com
possibilidade de escolha (Iaconelli, 2019).

O advento dos métodos anticoncepcionais propiciou às mulheres saírem do


modelo “instintivo” da maternidade, vendido em conjunto com o mito do amor
materno, para observarem os seus desejos quanto à escolha de ter ou não filhos
e até mesmo quantos filhos gostariam de ter. Afinal, o instinto entre humanos,
diferentemente de outros animais, não está acima do desejo, ou seja, boa parte
dos nossos atos e desejos é aprendida e será diferenciada de acordo com o
grupo social ao qual fazemos parte. E por isso, é possível também que homens
formulem o desejo acima das necessidades e assumam suas funções paternas
(Iaconelli, 2019).

Desta forma, a paternidade também vem sendo transformada, o modelo


patriarcal foi cada vez mais saindo de cena à medida que as transformações
feministas ganhavam destaque na sociedade. Além do aparecimento do
anticoncepcional e a entrada da mulher no mercado de trabalho formal
(acumulando uma jornada tripla: trabalho, casa e filhos), a possibilidade do
desquite (posteriormente, divórcio) também contribuíram para que o homem
deixasse de ser o provedor e centro de uma família (Iaconelli, 2019).

De acordo com a história, até ao fim do século XX, o pai exercia basicamente
uma função educadora e disciplinadora. A interação entre pai e filho era mínima,
em especial nos primeiros anos de vida, assim como sua entrada nos cuidados
diários à criança. Porém, em meio a estas mudanças, os homens ainda
caminham lentamente ao encontro de assumirem a função paterna, e o
movimento que tem acontecido ainda está muito interligado ao aumento de
mulheres que se, reconhecendo feministas, não toleram mais a mesma atitude
patriarcal das gerações anteriores. Portanto, o que vemos hoje de forma mais
clara e consumada é que o pai deixou de ser unicamente o provedor, para ser
também o cuidador. A ele cabe além do sustento, também prover amor, carinho,
brincadeiras, atenção e responsabilidade.

Todavia, almeja-se que esse homem também assuma a carga mental que, até
então, está nas mãos (ou melhor, na cabeça) das mulheres. Por carga mental,
nos referimos a nada mais do que o cuidado integral da criança, garantindo a
sobrevivência da cria, prevendo e antecipando tudo que é necessário para que
isso aconteça. Mas, a realidade é que ainda hoje, século XXI, grande parte dos
homens continuam sendo meros “ajudantes” da mãe, enquanto, o que se deseja,
é que eles assumam cinquenta por cento das responsabilidades pela criança,
inclusive dividindo a carga mental. 2

Na modernidade também houve, definitivamente, uma separação entre


conjugalidade e parentalidade. Para isso foi preciso uma reestruturação no que
era entendido como privado e público. À medida que passamos a escolher o
nosso parceiro e, não mais arranjar casamentos, transformamos essa
conjugalidade para um caráter privado e íntimo; enquanto que na parentalidade
a entrada do estado leva para o público a responsabilidade e garantia de prover
educação às crianças. Para além da intervenção do Estado, os avanços no
discurso da ciência, também adentraram o contexto familiar (Teperman, 2014).

A família interessa cada vez mais à ciência como uma parentalidade;


os discursos normativos e ortopédicos nos quais se ampara esse
neologismo pretendem excluir as imperfeições e excessos
característicos do drama familiar e investir nas habilidades e
competências pontuais dos pais. (Teperman, 2014, 89).

E é sobre o papel do especialista que discorrerei no próximo tópico.

O papel do especialista

Conforme abordado anteriormente, o papel do especialista ganhou força a partir


do século XVIII, sendo o pilar das transformações vivenciadas na parentalidade
nos últimos séculos. A começar pelo médico, que se tornou o grande detentor
do saber, substituindo completamente a intergeracionalidade e as tradições
vividas em determinadas culturas e famílias. Nas classes mais altas da
sociedade, a união do médico com a família produziu modificações que ainda

2
É importante frisar que para que isso ocorra, é preciso que se dê condições sociais, com
mudanças ainda mais profundas, a nível de estado e mercado de trabalho. Um exemplo seria a
mudança da licença maternidade para uma licença parental, onde mãe e pai pudessem decidir
quem e, por quanto tempo, cada um ficará em dedicação integral à criança.
hoje observamos, como a necessidade de um afastamento da família de origem,
para um fechamento em si mesma nesse momento da constituição da
parentalidade (Moura; Araujo, 2004). Nos dias atuais observamos que os
médicos (obstetras, pediatras, neonatologias, ginecologistas, dentre outros) são
as primeiras referências de um casal antes mesmo da gestação, mas, em
especial, durante o ciclo gravídico-puerperal e fonte de muita confiança para pais
e mães.

Voltando ao século XVIII, outros especialistas adentraram o contexto familiar


com suas teorias e, muitas vezes, suas “verdades”. Algumas áreas que se
debruçaram a estudar e produzir saberes sobre e para os pais foram: a
psicologia, a psicanálise, a pedagogia, a filosofia e a sociologia. Infelizmente,
muitas delas contribuíram negativamente para reforçar toda a construção
rousseauniana3 sobre a ‘boa mãe’, que se dedica exclusivamente aos filhos e ao
lar (Moura; Araujo, 2004).

Chodorow, socióloga e psicanalista feminista, indica a psicologia e a sociologia


pós-freudianas como importantes aliadas na produção de argumentos que
reforçaram o papel materno como o papel principal de uma mulher, idealizando
esse papel na medida em que colocam a relação mãe-bebê como primordial e
decisiva no desenvolvimento da criança (apud Moura; Araujo, 2004).

O discurso psicanalítico também foi muito disseminado e fonte de angústias na


parentalidade. Winnicott (1988), por exemplo, foi um dos autores que dedicaram
anos de produção no delineamento da figura da mãe, como sendo uma “mãe
dedicada comum”, que consegue integrar as particularidades próprias de cada
bebê, os diferenciando, a partir do apoio encontrado no ego materno, que é um
fator crucial para organização do próprio ego do bebê. Mas, que hoje sabemos,
pode ser desempenhada por outro cuidador que desempenhe a função materna
(apud Moura; Araujo, 2004).

A questão do pai na psicanálise também é alvo de estudo e reflexões,


desde as questões do Édipo preconizadas por Freud, que, critica-se,

3
Em referência a Jean-Jacques Rousseau ser um dos primeiros autores a lançar a ideia do
instinto materno em seus escritos.
normalizaria uma “família edipiana”, situando no patriarcado a garantia
de transmissão da lei paterna.” (Teperman, 2014, p. 55).

Teperman (2014), discorre em seu livro Família, Parentalidade e Época sobre


algumas críticas que a psicanálise recebeu a respeito das declinações do pai e
suas implicações também no contexto da atualidade onde encontramos famílias
monoparentais e homoafetivas, por exemplo. Ela sugere que é preciso fazer uma
limpeza no terreno, reafirmando que a psicanálise não preconiza um modelo de
família, pois isso seria incompatível com essa teoria.

Na contemporaneidade, muitos outros especialistas adentraram o contexto da


família. Os citados acima continuam desempenhando seus papéis, mas outros
profissionais surgiram, é o caso dos nutricionistas materno-infantil, consultoras
de amamentação/sono, doulas, educadoras parentais e perinatais, educadores
físicos, fisioterapeutas pélvicos, coaches, dentre outros. Junto com tantas áreas
se disponibilizando a prestarem um atendimento especializado aos
protagonistas da parentalidade (Gestantes, Mães, Pais) e os apoiarem frente aos
desdobramentos vivenciados neste momento da vida, observamos pais e mães
perdidos, buscando sempre respostas nos outros (especialistas e pares) e
lidando muitas vezes com informações desencontradas.

Iaconelli (2019, p. 31) destaca três fatores que acompanham o ciclo gravídico-
puerperal e contribuem para esses pais se sentirem assim: “ciência, consumo e
busca por garantias”. A ciência, muitas vezes representada pelo discurso do
médico, mas que podemos estender para todo saber científico produzido a cerca
deste momento de vida. Hoje, é comum, escutar nos consultórios de psicologia
ou em grupos de gestantes ou pós-parto, pais buscando mais informações e
algum grau de respostas para entender os comportamentos dos filhos, observar
se há alguma “normalidade” no desenvolvimento das suas funções e como
podem melhor enquanto pais e mães. Não é raro que eles questionem
profissionais sobre algumas teorias da psicologia na busca de serem bons pais
e assim ajudarem no desenvolvimento emocional saudável da criança. Teoria do
apego e disciplina positiva estão entre as mais repercutidas entre pais, por
exemplo.
O consumo faz parte da nossa sociedade contemporânea de forma, muitas
vezes, exacerbada e capitalista. Portanto, indústria e serviço oferecem um leque
de opções e oportunidades para apoiar pais e mães na difícil tarefa de
maternar/paternar. Por último, mas extremamente correlacionado com os dois
primeiros fatores, está a busca por garantias. Nossa sociedade valoriza e vive
no mundo idealizado, que acredita piamente que será possível fazer ou comprar
algo que garanta a felicidade e desenvolvimento saudável do seu filho. Os
especialistas surgem como uma garantia que há algo a ser feito que produza os
efeitos desejados por todos.

Furar essa lógica de prever garantias, apoiada em uma sociedade em que se


consome de tudo, e pautada, exclusivamente, no saber científico é o grande
desafio para os ditos “especialistas da família”. Será que as famílias precisam de
apoio? Será que é possível ser um aliado das famílias ao invés de mais um
ditador de regras e vendedor de modelos infalíveis para criar filhos lindos e
saudáveis?

Teperman (2014, p. 139-140) nos chama a atenção ao fato do termo


parentalidade ter surgido “em uma época na qual a função, disponibilidade e o
lugar que ocupam os pais são questionados”. A “terceirização” dos filhos (para
escola, serviços de saúde e culturais, dentre outros serviços ofertados por
especialistas), colocaria em xeque as competências dos pais e já revelaria
antecipadamente a família como fracassada e por isso, a necessidade de apoio
aos pais. Coloco terceirização entre aspas, pois compreendo que terceirizar, no
contexto familiar, tem tido uma conotação diferente do que realmente o é. No
dicionário, o termo faz referência “a contratar terceiros para a realização de
serviços não relacionados com a atividade principal da empresa”. Se estamos
falando da escola, do serviço de saúde e até mesmo das atividades culturais,
podemos compreender que os pais terceirizem esses cuidados, por não,
necessariamente, possuírem tais conhecimentos. Mas, todo cuidado é pouco
quando nos referimos a terceirização dos filhos para uma rede de apoio (babás,
creches, avós...). Ao chamar uma rede de apoio, os pais não estão passando
para o outro uma responsabilidade que é sua. Continuam tendo (ou deveriam)
sua autoridade e poder decisório a tudo que contempla seu filho.
Instruir pais e mães sobre “boas práticas” e recomendações gerais (amplamente
resguardado de estudos e evidências científicas) tem sido algo muito comum na
contemporaneidade, em especial, pelo advento da globalização e do poder da
internet. Estamos na era da informação e, hoje, é muito simples produzir e
compartilhar informações de especialistas com pais e mães. A psicanálise tem
ampla crítica a este papel do especialista, como o detentor do saber, que através
do discurso do mestre produz um laço social que está na ordem do impossível.
Por outro lado, todos que se identificam com os desafios e dilemas da
parentalidade e que, por isso, desejam atrair mais esse público para seu
trabalho, continuam em uma busca incessante para compreender o que ocorre,
de especial e diferente, neste momento da vida. Inclusive psicanalistas.

A constituição da parentalidade é um momento único e é (ou foi) vivenciado por


todos, se não enquanto pais, certamente no papel de filho. Não há dúvidas que
a subjetividade de cada um responderá de formas diferentes às intempéries
trazidas pelo desempenhar das funções maternas/paternas, porém não
podemos esquecer que há outras variáveis em jogo, que ao se tornarem
conscientes, podem promover mudanças importantes na qualidade das
vivências parentais.

Como fazer isso de maneira ética, responsável e guardando a subjetividade do


sujeito é o que trataremos no próximo tópico.

Psicoeducação na parentalidade

Agora que apresentamos o conceito amplo de psicoeducação, as


transformações vividas na parentalidade nos últimos séculos e também o papel
ocupado pelos especialistas desde o século XVIII; chega o momento de
refletirmos sobre como podemos atuar de forma psicoeducativa,
compreendendo que esta técnica pode ser terapêutica e dar suporte para pais
lidarem com angústias naturais da parentalidade, sem que isso signifique “jogar
areia” em cima da subjetividade alheia e ditar as regras para uma família.

No tópico psicoeducação, foi evidenciado as possiblidades de psicoeducação e


a autora ressaltou os focos na atuação psicodinâmica e sociológica. A
constituição da parentalidade é um dos momentos de crise no ciclo evolutivo de
uma pessoa, um momento de muita fragilidade psíquica, em que muitos conflitos
e instabilidades emocionais podem ocorrer. Para além do momento, as
mudanças socioculturais não podem ser deixadas de lado, à medida que
impactam diretamente as vivências do paternar e maternar. Frente às questões
de gênero e todas as transformações, não podemos negar o quanto isso, ainda
hoje, impacta o desenvolvimento das funções e como é preciso jogar luz sob
essas reflexões para que as pessoas “saiam do automático” e comecem a se
questionar diante dos desafios da parentalidade.

Conforme mencionado na introdução deste texto, a autora atua com


psicoeducação nas mídias sociais há 5 anos. Portanto, este será o contexto
utilizado para exemplificar algumas ações observadas como práticas positivas e
outras que talvez devam reavaliar os objetivos e ações. Provavelmente, o leitor
irá perceber que a autora não é psicanalista e, por isso, não concorda com várias
críticas tecidas ao papel do especialista. Contudo, não se furta de trazê-las para
este texto, pois as entende como substancialmente agregadoras para que seja
possível criar um paralelo entre essa técnica e a necessidade de se fazer - assim
como a psicanálise fez, e continua fazendo - uma limpa no terreno para não
incorrer no erro de produzir “modelos ideais de família” e formas corretas de
paternar e maternar. Necessitamos ter mais rigor e avaliação ao se valer desta
técnica, seja no contexto da internet seja nos demais contextos em que se é
possível fazer psicoeducação (clínica, escola, sala de espera, nos livros e
revistas, na rua...).

Uma questão central para se fazer psicoeducação na parentalidade é a


emancipação dos pais frente ao discurso dos especialistas, propiciando assim
que eles se sintam seguros para tomarem suas decisões sobre a educação dos
seus filhos. Volpe (2006) escreveu, em sua dissertação de mestrado, uma
análise sobre a mediação do discurso, do que ela chamou de “especialistas da
subjetividade” e o processo educativo. Ela descreve como ambíguo essa
tentativa de um especialista autorizar o saber dos pais, enquanto continua
produzindo dependência deles, à medida que continua produzindo conteúdos
direcionado aos próprios. Em sua dissertação, o foco foi a análise de textos, tanto
reproduzido em mídias e jornais, quanto em livros (sendo muitos deles Best
Sellers). Entretanto, é importante ressaltar que não será a produção continuada
da psicoeducação que fará com que os pais se sintam dependentes de um
especialista e sim, a qualidade e coerência do que se é falado neste conteúdo
psicoeducativo.

De fato, somente estimular e “levantar a bola” de que os pais precisam confiar


em si próprios e que saberão o melhor a ser feito para seus filhos, nos remete
mais a um texto de autoajuda, com autoafirmações, do que uma psicoeducação
propriamente dita. E aí, novamente recorro ao texto de Volpe, onda ela cita
Rüdiger que descreve a autoajuda como um “discurso prescritivo, [que] tem
como principal objetivo propor regras de conduta e fornecer conselhos [...] que
são consumidos para serem objetos de aplicação prática por parte do leitor”
(Rüdiger, 1995 apud Volpe, 2006, p.31).

E é aí que precisamos concentrar nossos esforços, como forma de diferenciar a


psicoeducação da autoajuda. Embora, eu não concorde que estar em uma
posição de especialista, nos coloque em uma situação de dominação perante o
outro; observa-se essa postura em muitos profissionais que estão a serviço
puramente da lógica mercadológica. Estamos vivendo um momento de
polarização em todos os sentidos, na parentalidade, temos produção de
conhecimento e estudos científicos que validam desde as práticas que a
sociedade de uma forma mais ampla “julga” como positivas, até as mais
controversas. Por isso, cabe ao especialista a consciência e ética de que, por
mais que tal prática tenha grandes adeptos e faça muito sentido para si, nunca
será uma verdade absoluta.

A psicoeducação passa muito mais pelo viés da autorização do que da solução.


Ao se ter noções sobre as construções parentais, sobre as mudanças de gênero
e do quanto a cultura atravessa a forma e dúvidas dos pais no desempenhar de
suas funções, seguramente sentir-se autorizado para agir ou experenciar uma
maternidade/paternidade de uma ordem diferente do que se espera, será
reconfortante e libertador para muitos. E isso impacta positivamente as vivências
parentais.

Para ajudar a refletir sobre os limites e efetividades da psicoeducação, trago


alguns exemplos, retirados da internet e proponho alguns caminhos para que
seja produzida uma psicoeducação com ética e responsabilidade. Ressalto que
a ideia não é expor outros profissionais e sim chamar a atenção para tudo que
foi evidenciando ao longo do trabalho de boas e más práticas.

Exemplificação da tentativa de
emancipar os pais e evidenciar que
eles precisam assumir as rédeas da
sua relação com os filhos. Porém,
uma frase solta, mais no sentindo de
autoafirmação, que soa como
autoajuda. Veja abaixo outro post
desta mesma psicoeducadora.
Aqui a mesma profissional que
escreveu a frase acima, muda a
postura e determina o que os pais
precisam fazer para solucionar o fato
da criança querer que a mãe a
acompanhe na hora de dormir.

Esse é só um exemplo, dentre


muitos outros, produzidos pelos
adeptos e admiradores da disciplina
positiva. Para quem leu todo o texto
escrito até aqui, certamente já
observou que psicoeducação não é
treinamento de pais. Para alguns
pais, o que essa teoria
supostamente qualifica como mais
adequada e positiva, pode até soar
adequada, mas será espontânea? E,
a intencionalidade como é dita cada
uma das frases é levado em conta?
Mais vale um “fique quieto
carinhoso”, do que um “aqui em cada
fazemos silêncio” dito com tom de
voz alto.
Essa é uma psicoeducação
realizada pela autora. Trago ela, pois
acredito que a autocrítica é sempre a
melhor solução para repensarmos a
nossa prática. O texto que
acompanha essa imagem foi escrito
com todo cuidado para não cair na
armadilha da culpabilização de
mães, mas alertando para fatos
importantes de serem refletidos
sobre o uso dos eletrônicos pelos
pais. Na frase da imagem, tomei
cuidado para usar a palavra cuidador
e não, mãe. Mas, a imagem remete
unicamente a mãe não seria
contraditório, então?
Agora, um exemplo também autoral
de um infográfico que leva a
gestante a refletir sobre o retorno ou
não da licença-maternidade. Apesar
do infográfico ser uma forma de
trazer respostas, utilizei essa
estrutura para fazer com que
gestantes se questionem sobre
pontos importantes para essa
tomada de decisão.

Um outro questionamento a cerca de uma psicoeducação é a dúvida do “ovo e


da galinha”, quem veio primeiro: a demanda de pais e mães para que
especialistas os apoiassem no desempenho das suas funções ou a oferta de
serviços dos mais variados especialistas que taxam os pais como incompetentes
e insuficientes e, por isso, estes os demandam?

Embora, eu não tenha a resposta, arrisco-me a sugerir que independente desta,


a oferta dos especialistas continuará a existir e a demanda será cada vez maior
à medida que estes não sejam alertados sobre a importância de compreenderem
seu papel frente às famílias. Terpeman cita uma frase muito interessante de
Giampino: “Apoiar a parentalidade, acompanhar os pais, deve ser, antes de
querer corrigir as parentalidades, evitar arruiná-las” (Giampino, 2014, p. 146
apud Terpeman, 2016, p. 43; tradução livre). Então, mais uma vez usando o
contraponto com uma teoria que não legitima o papel do especialista, acredito
que um psicoeducador, ético e responsável, se preocupa em não ofertar
soluções únicas, mágicas e muito menos professar “verdades” absolutas.
Procura ter mais embasamento teórico, inclusive os que extrapolam sua técnica
profissional, a fim de ter mais subsídios para o desenvolvimento de uma escuta
mais qualificada e que o distancie da sua vivência pessoal com a parentalidade
(novamente, seja enquanto pais e/ou no papel de filho).

Conforme falado no tópico psicoeducação, ela pode ser realizada tanto no


contexto clínico, quanto para as massas. Livros, revistas, blogs, vídeos e textos
em mídias sociais são espaços onde a psicoeducação, já é ocupado por ela há
algum tempo. Geralmente, é feita por profissionais da psicologia, mas não
exclusividade destes, afinal muitos outros especialistas ocupam um espaço de
fala frente a pais e há também muitos bacharéis em psicologia, com outras
formações, que falam de um outro lugar, que não da psicologia. Psicanalistas
também estão em todos esses espaços e, apesar das críticas, traçam estratégias
para falar para massas sem homogeneizar o discurso e colocar todo mundo na
mesma caixinha. Essa, de fato, não é uma tarefa fácil. Iaconelli (2019) relatou
em palestra recente4, sobre seu livro dirigido a pais, que relutou por um tempo e
por vezes se questionou como faria este tipo de registro sem ferir a subjetividade
daquele que a lê. Mas, o fez de forma brilhante, ao utilizar da sua experiência,
bagagem e embasamento para direcionar pais através da sua escrita a refletirem

4
Fala escutada em bate-papo promovido em 01/11/2019, no lançamento do livro “Criar Filhos
no século XXI”, em Brasília.
por si próprios a respeito de temas que estão dados na atualidade. Os dados
sim, estão postos de uma forma homogênea e generalizada, mas como cada
uma responderá a isso, foi o que a autora se preocupou em não responder. 5

A autora do presente trabalho observa o contexto psicoeducativo nas mídias


sociais, em especial, há 5 anos, quando começou a atuar profissionalmente
desta forma. Mas, não é preciso ser nenhum expert em tecnologia para saber
que no mundo atual “o like” pode ter mais, ou o mesmo valor que um título
profissional e o número de seguidores valida muito mais que um certificado . Por
isso, encontramos “de tudo um pouco” no mundo da psicoeducação. Pessoas
com nenhuma formação; profissionais com formação acadêmica, mas sem
embasamento teórico sobre a parentalidade e que sentem seguros e ancorados
em sua própria experiência; acadêmicos com muita bagagem e experiência na
área, mas sem uma linguagem acessível ao público fim; e também aqueles que
se sentiram tocados a atuar na área pela sua própria vivência pessoal, mas que
compreende que ela por si só não o qualifica e que por isso busca mais
embasamento teórico para solidificar sua prática.

Apesar das críticas tecidas por Volpe (2006), em sua dissertação, que traça o
perfil do especialista da subjetividade como sendo aquele que se aproveita do
espaço que consegue em grandes mídias e nas massas para afirmar o seu
conhecimento e posição de detentor do saber em detrimento dos que estão
produzindo conhecimento nas academias e vinculados a uma instituição; afirmo
que o discurso acadêmico precisa sair da lógica subversiva de que o
conhecimento só mora dentro das universidades. É possível produzir (e muito
bem) enquanto ser autônomo, que tem coragem para sair das “caixinhas”
vendidas como caminhos prontos e únicos na vida profissional. Busque
supervisão independente da sua prática (na clínica ou fora dela), esteja próximo
de pessoas com mais percurso na área e, principalmente, busque sempre mais
embasamento teórico (dentro ou fora das academias). Mas, não se esqueça: na
sua frente (ou lendo você), sempre existirá uma pessoa na qual você não sabe

5
Aliás, o título do livro certamente foi fonte de muito cuidado pela autora para fugir da armadilha
do como, algo que incessantemente os pais procuram e muitos especialistas acreditam que
precisam entregar.
nada a respeito, portanto cuide-se para não acreditar que sabe mais dela do que
ela própria.

Referências Bibliográficas

LEMES, C. B.; ONDERE NETO, J. Aplicações da psicoeducação no contexto


da saúde. Temas em Psicologia. Ribeirão Preto, v. 25, n. 1, mar. 2017.

IACONELLI, V. Criar filhos no século XXI. São Paulo: Contexto, 2019

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