PEDRO, Joana Maria & VERAS, Elias. Os Silêncios de Clio.
PEDRO, Joana Maria & VERAS, Elias. Os Silêncios de Clio.
PEDRO, Joana Maria & VERAS, Elias. Os Silêncios de Clio.
Os silêncios de Clio: escrita da história e (in)visibilidade das
homossexualidades no Brasil
Resumo
Os silêncios de Clio, acerca das homossexualidades no Brasil, Elias Ferreira Veras
não deixa de ser surpreendente se lembrarmos que, desde a Doutorando no Programa de Pós‐Graduação
segunda metade do século XX, a historiografia brasileira, seja em História Cultural, Universidade Federal
aquela praticada a partir de uma perspectiva marxista, seja de Santa Catarina (UFSC). Bolsita CAPES.
aquela afinada com o pensamento da escola dos Annales, Brasil
introduziu uma série de novos sujeitos, novas abordagens e eliashistoria@yahoo.com.br
novas problemáticas. Todavia, tal silêncio, que parece ecoar
o “pensamento heterossexual” na produção histórica, está
timidamente sendo rompido. Neste artigo, analisamos as Joana Maria Pedro
condições político‐epistemológicas que têm contribuído Professora Titular do Departamento de
para despertar Clio de seu longo sono heteronormativo e os Historia, Universidade Federal de Santa
desafios propostos à escrita historiográfica a partir da Catarina (UFSC) e pesquisadora do CNPq.
emergência dos estudos queer. Brasil
joana.maria.pedro@ufsc.br
Palavras‐chave: Historiografia; Homossexualidades; Teoria
Queer.
Para citar este artigo:
VERAS, Elias Ferreira; PEDRO, Joana Maria. Os silêncios de Clio: escrita da história e (in)visibilidade
das homossexualidades no Brasil. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 6, n.13, p. 90 ‐ 109,
set./dez. 2014.
DOI: 10.5965/2175180306132014090
http://dx.doi.org/10.5965/2175180306132014090
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Os silêncios de Clio: escrita da história e (in)visibilidade das homossexualidades no Brasil
Elias Ferreira Veras, Joana Maria Pedro
& Argumento
The silences of Clio: the
written history and
(in)visibility of the
homosexualities in Brazil
Abstract
The silences of Clio about the homosexualities in
Brazil are still remarkable if taken in consideration
that since the second half of the 20th Century the
Brazilian historiography, the one based on a Marxist
perspective and the one influenced by Annales’
school, introduced a serie of new subjects, views and
problematics in the debate. However, the silence
echoing the “heterosexual thought” in the historical
production has been slightly challenged. This paper
aims to analyze the political‐epistemiological
conditions that have contributed for Clio’s awakening
from its heteronormative hibernation and the
challenges of the historiography based in the
emergence of queer studies.
Keywords: Historiography, Homosexualities, Queer
Theory.
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Para Igor Queiroz, com afeto.
In memoriam.
Os silêncios de Clio
Nos últimos 40 anos, as homossexualidades1 no Brasil foram tema de pesquisa,
presente quase que exclusivamente de estudos antropológicos e sociológicos.2 Os
silêncios da história acerca das “sexualidades disparatadas” (FOUCAULT, 2009) não
deixam de ser surpreendentes se lembrarmos que, desde a segunda metade do século
XX, a escrita da história, seja aquela praticada a partir de uma perspectiva marxista, seja
aquela afinada com o pensamento da escola dos Annales (BURKE, 1997), introduziu uma
série de novos sujeitos, novas abordagens e novas problemáticas. Todavia, esse silêncio,
que parece ecoar o “pensamento heterossexual”3 (WITTIG, 2006) na historiografia
brasileira, está timidamente sendo rompido.
No presente artigo, sugerimos que, apesar de ainda ocupar um lugar marginal na
produção histórica,4 as experiências de gays, lésbicas, travestis e transexuais têm
despertado o interesse dos/as historiadores/as.5 Estaria a história “saindo do armário”?6
1
Utilizamos a palavra “homossexualidades”, no plural, para designar as experiências de gays, lésbicas,
travestis e transexuais. Contudo, reconhecemos às criticas dirigidas a este termo, assim como sua
tendência à generalização que esconde a multiplicidade das experiências e as transformações históricas
que marcam a trajetória dos sujeitos. Na perspectiva empregada neste texto, os sujeitos se constituem
atravessados pela pluralidade e multiplicidade dos discursos produzidos pelos dispositivos de poder e os
processos de subjetivação historicamente contingentes. Assim, longe de sugerir qualquer ideia de
essencialidade e generalidade, o termo “homossexualidades”, conforme o entendemos, aponta
justamente para a pluralidade das práticas culturais, afetivas e sexuais, em constante transformação. Para
saber mais sobre as diferentes denominações da experiência homossexual, ver: COSTA (1992).
2
Ver, a respeito: CARRARA; SIMÕES, 2007.
3
No começo dos anos de 1980, a filósofa, poeta e ativista lésbica Monique Wittig revolucionou o campo dos
estudos feministas com a publicação do texto O pensamento heterossexual (1978), no qual analisava a
heterossexualidade, não como prática sexual, mas, sobretudo, como regime político. Wittig definia o
pensamento heterossexual como dispositivo político que se constitui por meio de discursos que
produzem e instauram heteronormas em matéria de sexo e de gênero (WITTIG, 2006).
4
No último Simpósio Nacional da ANPUH, realizado em 2013, na cidade de Natal (RN), não foi apresentada
nenhuma conferência, mesa redonda ou minicurso sobre a temática.
5
Em uma das sessões do Simpósio Temático “Como a arte pode transformar a vida: experiências culturais e
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Dois instrumentos de pesquisa produzidos pelo historiador James Green lançam
luz sobre a (in)visibilidade das homossexualidades nos estudos históricos brasileiros,
desnudando seus paradoxos. O primeiro deles, Homossexualidade no Brasil: uma
bibliografia anotada (2003), escrito em parceria com as pesquisadoras Lance Arney e
Marisa Fernandes, corresponde a uma bibliografia acerca das homossexualidades
produzidas nas áreas de história e de ciências sociais nas décadas de 1980 e 1990. O
segundo, Frescos Trópicos: fontes sobre a homossexualidade masculina no Brasil (1870‐
1980) (2006), organizado por Ronald Polito, constitui uma compilação de trechos de
fontes históricas (registros policiais, tratados médicos, revistas e jornais) sobre a
homossexualidade masculina no Brasil de 1870 a 1980.
Durante a leitura dos guias de pesquisa, o/a leitor/a perceberá que a antropologia
foi pioneira na transformação das experiências homossexuais em reflexão acadêmica,
rompendo, desse modo, com a produção médica e jurídica moralista das décadas
anteriores aos anos 1970.
Os antropólogos Peter Fry, da Universidade de Campinas (UNICAMP), que na
década de 1970 iniciou um debate sobre gênero e homossexualidade a partir de pesquisas
sobre o comportamento entre homens da cidade de Belém (PA), e Luiz Mott (2008), da
Universidade Federal da Bahia (UFB), fundador do Grupo Gay da Bahia (GGB), são
lembrados como pioneiros nessa área de pesquisa no Brasil (ARNEY; GREEN;
FERNANDES, 2003). Esses estudos, produzidos pelos próprios sujeitos que assumiam
publicamente uma identidade homossexual, emergem como efeito e como elemento
integrante das transformações políticas e sociais que marcaram o País nas décadas de
1970 e de 1980 (GREEN, 2000; TREVISAN, 2011).
Nesse mesmo período, enquanto as mulheres se faziam protagonistas da escrita
da história, reparando uma tradição que as invisibilizava como sujeitos históricos
(SOIHET; PEDRO, 2007), os homossexuais questionavam não apenas a visibilidade
políticas de ontem e de hoje”, coordenado por Margareth Rago e Susel Oliveira da Rosa, durante a
ANPUH/2013 foram apresentadas comunicações que analisavam os diferentes aspectos das
homossexualidades no Brasil.
6
Expressão utilizada na comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), que designa
o ato de assumir publicamente a orientação sexual e/ou identidade de gênero.
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estigmatizante que associava suas experiências à patologia, como também sua
invisibilidade histórico‐social.
Os trabalhos de Fry e Mott – mas também a obra do escritor e jornalista João
Silvério Trevisan7 – são paradigmáticos desse momento histórico de entrada em cena –
acadêmico‐política – das “questões” homossexuais no Brasil, do mesmo modo que as
pesquisas de Green (2000)8 representam uma fissura na histórica invisibilidade das
homossexualidades na produção histórica brasileira.
João Bôsco Hora Góis (2003) argumenta que a produção de conhecimento sobre o
“universo” homossexual por aqueles que reivindicavam politicamente uma identidade
homossexual:
[...] representou uma guinada significativa na perspectiva de análise da
questão, assim como também aglutinou temas diametralmente opostos
daqueles estudados em momentos anteriores. Dessa forma,
abandonando a busca das origens ou das causas da homossexualidade e
das suas supostas consequências maléficas, partiu‐se para uma reflexão
sobre a construção social dos significados associados a ela e das
dificuldades enfrentadas pelos homossexuais na sociedade brasileira
(GOIS, 2003, p. 290).
Essa guinada na perspectiva, observada por Góis, coincide historicamente com o
deslocamento da produção de fontes sobre as homossexualidades. De acordo com os
autores de Frescos Trópicos: fontes sobre a homossexualidade masculina no Brasil (1870‐
1980):
[...] o deslocamento de fontes médico‐policiais para fontes jornalísticas é
um bom indicador das mudanças pelas quais passaram os homossexuais
masculinos na sua longa trajetória, ainda longe de ser concluída, em
busca de respeito e considerações sociais (GREEN; POLITO, 2006, p.19).
7
O livro Devasso no Paraíso: a homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade, de Trevisan, publicado
originalmente em 1986, é um marco nos estudos das homossexualidades no Brasil. Produto da fusão
entre pesquisa histórica e confissão pessoal, a obra é indispensável para a compreensão do
protagonismo político, acadêmico e social dos homossexuais no Brasil recente.
8
Referimo‐nos às pesquisas que deram origem ao livro Além do Carnaval: a homossexualidade masculina no
Brasil do século XX (GREEN, 2000).
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Ou seja, até a década de 1970, os registros sobre as experiências homossexuais
foram produzidos predominantemente pelo campo médico e policial, sendo “raríssimos
aqueles que ousaram deixar testemunhos de próprio punho acerca de sua condição, pelo
menos até os anos de 1960” (GREEN; POLITO, 2006, p. 17). Na década de 1970, “se vê
nascer um movimento de implicações políticas encabeçadas pelos homossexuais”,
marcado pela proliferação de fontes produzidas pelos próprios sujeitos.
Contudo, os instrumentos de pesquisa em questão revelam um paradoxo:
enquanto Frescos Trópicos reúne uma infinidade de fontes históricas a respeito das
experiências homossexuais, Homossexualidade no Brasil apresenta apenas dois trabalhos
produzidos no campo historiográfico ‐ 9 Homossexualismo: mitologias científicas, de
Celeste Zenha Guimarães (1994), e Reinventando o sonho, de Cláudio Roberto da Silva
(1998).
Ao mesmo tempo em que antropólogos/as e sociólogos/as se debruçavam sobre
as novas personagens que “entravam em cena” e as mulheres reescreviam a história a
partir de sua inserção nela, a maioria dos/das historiadores/as mantinha silêncio a respeito
da barulhenta presença dos homossexuais, que assumiam, cada vez mais, visibilidade na
sociedade brasileira a partir da década de 198010.
Por que os/as historiadores/as se dedicaram – e ainda se dedicam ‐ tão
timidamente ao estudo das homossexualidades? Qualquer familiaridade com a pergunta
feita nos anos 1980 por Maria Odila Leite da Silva Dias (o que tornava difícil a história das
9
Entendemos o campo historiográfico como aquele que reúne produções históricas, realizadas por
historiadores/as nos Programas de História. Os trabalhos de Mott (1986; 1987; 1989) ou de Trevisan (2011),
por exemplo, que abordam as homossexualidades no Brasil a partir de uma perspectiva histórica, não são
classificados, para efeitos da análise que pretendemos fazer no presente texto, como historiográficos,
embora, certamente, sejam de extrema importância para o conhecimento histórico das
homossexualidades no Brasil e para a escrita da história.
10
A emergência da Aids no Brasil (anos de 1980) e sua associação midiatizada às experiências dos sujeitos
homossexuais proporcionou uma visibilidade sem precedentes à homossexualidade na sociedade
brasileira. De um lado, reforçou o discurso estigmatizante, ao responsabilizar os homossexuais pela
transmissão do vírus HIV; de outro, possibilitou a criação de redes de solidariedade e de diversos grupos
de homossexuais com o objetivo de elaborar políticas públicas de prevenção e estratégias de
desconstrução da repatologização. No campo acadêmico, contribuiu para a ampliação dos estudos sobre
sexualidade e o “universo” homossexual.
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mulheres era a ausência de fontes ou sua invisibilidade ideológica?), e lembrada por Joana
Maria Pedro (2005, p. 85), não é mera coincidência.
Sem dúvida, a invisibilidade das homossexualidades nos estudos históricos não se
justifica pela ausência de fontes. Afinal, as fontes não são elas mesmas produto do
processo interpretativo, inventivo da operação historiográfica, resultantes da seleção e
classificação feitas pelos/as historiadores/as? Tampouco representam uma aversão dos/as
historiadores/as às novas temáticas – há muito os “marginais”, os “vencidos”, os
“excluídos”, os “silenciados” povoam os livros de história – ou mesmo ao tema da
sexualidade.
Tal invisibilidade pode ser explicada, em parte, pelos mesmos motivos que
excluíram as mulheres da escrita da história: sobretudo, pelas escolhas políticas
implicadas no fazer historiográfico, que, ao eleger determinados temas – eleição política
–, deixavam de lado outros temas, outros sujeitos e outras histórias.
Joana Maria Pedro e Raquel Soihet (2007) argumentam que a tardia utilização no
campo da história das categorias analíticas “gênero” e “mulher” – a visibilidade das
mulheres nos estudos históricos coincide com a introdução dessas categorias de análise –
deveu‐se, em certa medida, “ao caráter universal atribuído ao sujeito da história,
representado pela categoria ‘homem’. Acreditava‐se que, ao falar dos homens, as
mulheres estariam sendo, igualmente, contempladas” (p. 284).
Se, por um lado, a invisibilidade das mulheres era produzida pela hegemonia do
sujeito masculino universal, por outro, a exclusão das homossexualidades demonstra que
os homossexuais nem mesmo como o outro fazem parte da história. Estes sujeitos, na
lógica da história tradicional, não seriam o outro, mas o não‐humano, uma vez excluídos
da humanidade legitimada pela heteronormatividade.
Todavia, apesar das resistências às reflexões sobre as relações de gênero
encontradas na disciplina história, amparadas no argumento de que esses estudos seriam
uma “história militante e, portanto, ‘não‐cientifica’” (PEDRO; WOLFF 2011, p. 22), a
incorporação de novas categorias, como “mulher”, “mulheres” e “gênero” – certamente
um dos efeitos político‐epistemológicos do movimento feminista – proporcionou uma
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renovação na historiografia brasileira, da qual a produção das primeiras pesquisas sobre
as experiências homossexuais constitui um elemento integrante.
Embora Góis (2003) tenha argumentado, em artigo sobre os desencontros entre
os estudos de gênero e os estudos homoeróticos no Brasil,11 que existia uma “(quase)
ausência” de diálogo intelectual entre os campos em questão, a década de 2000 marcou
uma aproximação entre os estudos de gênero e os trabalhos sobre as
homossexualidades.
A proliferação, a partir dessa década, de trabalhos acadêmicos sobre o “universo
travesti” (BENEDETTI, 2005) que empregaram o gênero como categoria de análise; os
simpósios temáticos relacionados ao “universo” LGBTT ofertados durante as edições do
“Fazendo o Gênero”12, assim como os dossiês sobre o “universo travesti” e LGBTT
publicados, respectivamente, na Revista de Estudos Feministas (v. 20, n. 2/2012) e Cadernos
Pagu (n. 28/2007), parecem constituir uma evidência significativa da presença de
interlocução entre os dois campos, o que certamente não elimina suas contradições,
conflitos, disputas e tensões.
A antropologia e a sociologia aparecem novamente como pioneiras nesse cenário
de aproximação. As pesquisas/orientações empreendidas por Miriam Grossi sobre
identidades gays e lésbicas; por Richard Miskolci, sobre teoria queer; por Berenice Bento,
Larissa Pelúcio, Jorge Leite Junior, Alexandre Fleming, sobre transexualidades/
travestilidades; por Júlio Simões, Antonio Cristian S. Paiva (2007), Fernando Pocahy,
acerca da homossexualidade masculina, apontam para a intersecção entre os estudos
sobre homossexualidades, lesbianidades, transexualidades e travestilidades e a
perspectiva de gênero e queer com seus atravessamentos foucaultianos13.
11
Góis se referia à ausência de debate sobre a categoria gênero nos estudos produzidos acerca das
homossexualidades, assim como uma ausência de trabalhos sobre lésbicas, gays, travestis e transexuais
em dois dos principais periódicos feministas e de gênero brasileiros (Revista Estudos Feministas e
Cadernos Pagú).
12
Em setembro de 2013, aconteceu em Florianópolis, Santa Catarina, o 10º “Seminário
Internacional Fazendo Gênero: Desafios Atuais dos Feminismos”. Em Da série Fazendo Gênero: percursos e
inquietações, Jair Zandoná faz uma genealogia do Fazendo Gênero e sua importância para a configuração
e diversificação dos estudos de gênero no Brasil (Texto inédito).
13
A relação de pesquisadores/as das ciências sociais que se têm dedicado a analisar as homossexualidades a
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Esses estudos contribuíram para a pluralização das temáticas abordadas,
ampliando e complexificando os horizontes teóricos e metodológicos. Produziram
registros históricos sobre a diversificação identitária presente no Brasil nas últimas
décadas. São produtos do engajamento de pesquisadoras/es, em sua maioria ligadas/os
aos movimentos feministas e aos LGBT, que demonstram que a visibilidade de
determinadas temáticas na produção acadêmica, mais do que uma operação intelectual,
é uma operação política.
E quanto à produção histórica, como esta se configura uma década depois da
publicação dos instrumentos de pesquisa citados acima e, principalmente, depois do
lançamento do livro Além do Carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do século
XX (2000), pesquisa pioneira de James Green sobre a homossexualidade no Brasil?
O despertar de Clio
partir de uma perspectiva de gênero e da teoria queer é certamente mais ampla, impossível de ser
descrita em sua totalidade. Destacamos aquele/as que escrevem sobre o tema, orientam pesquisas
(monografias, dissertações e teses) e coordenam grupos de estudo/pesquisa. Eles desenham o panorama
da atual geografia dos estudos de gênero e das homossexualidades no Brasil. Essa geografia está se
expandindo para outras áreas do conhecimento, como a educação, a literatura, a comunicação social, as
artes, a geografia, a filosofia, dentre outras.
14
Certamente, a relação das pesquisas produzidas no campo da história sobre homossexualidades é mais
extensa. Este artigo não pretende ser um levantamento exaustivo dessas pesquisas, mas, a partir do
destaque de alguns títulos, apresentar uma amostra do recente interesse que caracteriza parte da
historiografia nacional, especialmente a constituída por historiadoras/es da história das mulheres, das
relações de gênero e/ou da perspectiva foucaultiana.
15
O historiador Albuquerque Junior tem eventualmente escrito sobre as homossexualidades a partir de
uma perspectiva foucaultiana da história. Ver, por exemplo: O Descarado, a Cara‐Metade, o Rosto (2014), A
pastoral do silêncio... (2012), Amores que não têm tempo... (2010), Epifanias da homoafetividade... (2008),
dentre outros.
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pode duvidar – ainda que se lhe possa resistir – da possibilidade de uma historiografia das
homossexualidades no Brasil.
O livro Além do Carnaval, do historiador James Green, resultante de rica pesquisa
sobre a homossexualidade masculina no Brasil de fins do século XIX ao início dos anos
1980, certamente contribuiu para a legitimação acadêmica da temática, transformando‐se
em bibliografia obrigatória nos trabalhos que se seguiram. À pesquisa de Green, que
analisa sobretudo as experiências das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, somam‐se
pesquisas realizadas em diferentes regiões do Brasil, que buscam destacar a pluralidade
das experiências de gays, lésbicas, travestis e transexuais em diferentes contextos.
Por sua vez, as pesquisas da historiadora Tânia Navarro Swain,16 que abordam as
experiências das mulheres lésbicas a partir de uma perspectiva feminista, indicam que a
quase invisibilidade dessas experiências, observada por Green (2003) na bibliografia
sobre a produção homossexual nas ciências sociais brasileiras nas décadas de 1980 e
1990, já não se faz presente.
16
Navarro‐Swain é uma das editoras da revista de estudos feministas Labrys. A publicação online tem o
objetivo de divulgar o conhecimento produzido pelas mulheres e servir de ferramenta para a
transformação da realidade desde o pensamento feminista. Suas edições encontram‐se disponíveis em:
http://www.tanianavarroswain.com.br/labrys/. Acesso em: 20 abr. 2014.
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Os trabalhos desenvolvidos no Programa de Pós‐Graduação em História da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), particularmente na linha de pesquisa
“Relações de Poder e Subjetividades”, têm contribuído para a vitalização, diversificação e
configuração, senão de um campo específico de estudo, de uma tendência nos estudos
historiográficos brasileiros: a entrada em cena das homossexualidades analisadas em sua
pluralidade.
Naquele programa,17 foram defendidas, em 2014, as dissertações As sexualidades
desviantes nas páginas do jornal Diário Catarinense (1986 – 2006), de Igor Henrique Lopes
de Queiroz, e A força de uma palavra: homofobia nas páginas da folha de São Paulo (1986‐
2011), de Maurício Pereira Gomes (2014). Está em fase de conclusão a dissertação A
performatividade do cárcere: uma possibilidade de trânsito no intransitável, de Camila
Diane Silva e a tese Além do paetê: produção discursiva e subjetividades travestis em
Fortaleza – CE (1970‐2000), de Elias Ferreira Veras. Tais estudos foram orientados por
Joana Maria Pedro, Roselane Neckel, Cristina Scheibe Wolff, Janine Gomes da Silva e
Rogério de Souza, cujas trajetórias são marcadas pelo diálogo com o
pensamento/movimento feminista e pela divulgação do gênero como categoria útil de
análise histórica.
Ao destacar os nomes das orientadoras e do orientador, não pretendemos inserir
esses trabalhos em uma genealogia do matriarcado, mas mostrar que, a despeito das
resistências, das dificuldades, dos conflitos, das diferentes concepções de gênero que
fazem da escrita da história uma arena de disputas políticas, as/os historiadoras/es
ligadas/os à história das relações de gênero têm acolhido os estudos das
17
As pesquisas que abordam as homossexualidades a partir de uma perspectiva de gênero e queer não se
restringem ao Programa de História da UFSC, mas se estendem às outras disciplinas desta universidade,
como a psicologia, com trabalhos desenvolvidos/orientados por Mara Lago; a antropologia/sociologia,
por Miriam Grossi, Carmem Rial e Luzinete Simões; a literatura, por Pedro de Souza. O Programa de Pós‐
Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas da UFSC, que reúne algumas das professoras citadas, é
um exemplo de como os estudos de gênero e as questões relacionadas à questão homossexual está em
expansão. Para efeito de exemplo, estão em desenvolvimento, naquele programa, as pesquisas de
Simone Ávila, sobre as experiências dos transhomens; de Rafael Saldanha, sobre os sujeitos que
oferecem serviços sexuais no site CAM4, e de Mauricio Pereira, sobre homossexualidades nas novelas da
Rede Globo.
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homossexualidades e enfrentado os desafios de reescrever a história a partir de outros
paradigmas.
Esses trabalhos são indícios da renovação epistemológica da escrita da história,
produtos da recente aproximação entre historiadores/as que se lançam à beira da falésia
que os estudos das sexualidades dissidentes no Brasil ainda representam.
Apropriando‐nos das observações de Carrara e Simões (2007), elaboradas para o
campo da antropologia, podemos afirmar que essa nova historiografia apresenta
influências das vertentes pós‐estruturalistas e dos estudos queer, que enfatizam a
instabilidade/fluidez das identidades sexuais e a imbricação da sexualidade em relações
de poder e em hierarquias sociais dinâmicas e contextuais.
Todavia, apesar da maior recepção dos temas relacionados às homossexualidades
pelos programas de história, da incorporação do gênero como categoria de análise
(SCOTT, 1990) e da aproximação de alguns/as historiadores das reflexões pós‐identitárias,
como a teoria queer, os pressupostos interpretativos baseados na dicotômica dos
gêneros continuam a nortear a disciplina, repetindo “incansavelmente a existência binária
de gêneros fundados em corpos sexuados” (NAVARRO‐SWAIN , 2008, p. 35).
Neste sentido, o diálogo com a teoria queer pode contribuir para a ampliação dos
limites dos estudos de gênero, ao enfatizar, por exemplo, os perigos do essencialismo.
Pode, sobretudo, desmontar a matriz heterossexual (BUTLER, 2003), que marca o fazer
historiográfico hegemônico e seus efeitos misóginos e homofóbicos.
Teoria Queer: uma perspectiva útil para a análise histórica
Queer pode ser traduzido por estranho, talvez ridículo, excêntrico, raro,
extraordinário. Mas a expressão também se constitui na forma pejorativa
com que são designados homens e mulheres homossexuais. Um insulto
que tem, para usar o argumento de Judith Butler, a força de uma
invocação sempre repetida, um insulto que ecoa e reitera os gritos de
muitos grupos homófobos, ao longo do tempo, e que, por isso, adquire
força, conferindo um lugar discriminado e abjeto àqueles a quem é
dirigido. Este termo, com toda sua carga de estranheza e de deboche, é
assumido por uma vertente dos movimentos homossexuais
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precisamente para caracterizar sua perspectiva de oposição e de
contestação (LOURO, 2001, p. 546).
Guacira Lopes Louro18 foi uma das primeiras autoras a escrever sobre teoria queer
no Brasil, reivindicando esta perspectiva para o campo da educação. Ela esclarece que
essa teoria/política se insere num contexto marcado por uma série de mudanças sociais
(as reivindicações políticas das chamadas minorias sexuais) e epistemológicas
(notadamente de inspiração pós‐estruturalista)19.
De acordo com a autora, a teoria queer tem como principal alvo de crítica a
racionalidade moderna, centrada nos binarismos, e as fronteiras tradicionais de
gênero/sexo, estabelecidas e reiteradas pela heteronormatividade compulsória. Desse
modo, constitui‐se na relação conflituosa entre os movimentos feministas, homossexuais
(compreendidos aqui em suas multiplicidades e contradições) e a produção acadêmica
(LOURO, 2001).
Judith Butler é a teórica queer que assumiu maior visibilidade no Brasil. No seu
livro Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade (2003), a filósofa
empreende uma crítica radical à política de identidade construída por parte do
movimento feminista, por considerá‐la essencialista, naturalizante e assimilacionista.
Embora reconheça o lugar estratégico dessa política na afirmação e na ocupação de
(outros) lugares políticos/sociais, pergunta se essa política também não produziu um
efeito regulador e excludente ao afirmar, contornar, limitar, restringir uma posição de
sujeito unificadora.
18
Além dos diversos artigos, capítulos e organização de livros sobre a teoria queer a partir de uma
perspectiva butleriana, Louro traduziu para o português o livro Judith Butler e a Teoria Queer, de Sara
Salih.
19
Miskolci (2012) afirma que, embora se tenha cristalizado nos Estados Unidos na segunda metade da
década de 1980, a teoria queer insere‐se no contexto de abertura proporcionada pelos novos
movimentos sociais surgidos duas décadas antes, sobretudo o movimento pelos direitos civis nos Estados
Unidos, o movimento feminista e o movimento homossexual e se efetiva como política radical em meio à
crise da Aids. O sociólogo aponta, entre os percussores da teoria queer: Guy Hocquenghem, pensador
francês, autor do livro O desejo homossexual; Gayle Rubin, antropóloga feminista, autora do ensaio
Pensando sobre o sexo (1984), e Nestor Perlongher, pesquisador argentino‐brasileiro, autor do livro O
negocio do michê (2008).
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Os estudos brasileiros sobre sexualidade e gênero se apropriaram, inicial e
principalmente, da noção de performatividade de gênero elaborada por Butler20.
Seguindo as reflexões dessa filósofa, os/as pesquisadores/as entenderam que as normas
regulatórias dos sexos e do gênero assumem um caráter performativo que, através de
reiteradas repetições, produzem e materializam aquilo que nomeiam a partir de uma
matriz heterossexual, que, por sua vez, reitera de modo compulsório a
heterossexualidade.
Contudo, se Butler avançou na questão da performatividade do gênero, inspirando
diversos trabalhos no Brasil, a filósofa Beatriz Preciado vem assumindo significativa
visibilidade no cenário nacional. Segundo a autora:
Como se pode perceber, a inicial concepção de gênero como “primeiro modo de
dar significado às relações de poder e um elemento constitutivo de relações sociais
fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos” (SCOTT, 1990), que tanto
influenciou a historiografia das relações de gênero, expandiu‐se, refez‐se, desfez‐se.
De acordo com Butler, o queer seria uma nova política de gênero, por meio da qual
os sujeitos lutam para desconstruir as normas que os constituem como sujeitos
(MISKOLCI, 2012). No campo historiográfico, somos de opinião que o queer pode
representar uma nova apropriação do gênero como categoria útil de análise histórica.
Através dessa perspectiva, podemos historiar e desconstruir os dispositivos de produção
dos corpos sexuados‐normatizados‐heterossexualizados‐abjetos.
Porém, a abordagem queer não sugere, no campo da história, somente a inserção
das experiências abjetas, a reconfiguração da categoria gênero ou a análise
20
Para uma análise critica da apropriação pelos estudos brasileiros da noção de performatividade, ver:
MISKOLCI; PELÚCIO (2007).
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desconstrutivista dos dispositivos da sexualidade. Uma escrita da história que leve em
consideração tal perspectiva acena para uma mudança epistemológica que efetivamente
rompa com a lógica binária e com seus efeitos de classificação e exclusão.
Desse modo, a operação historiográfica queer funcionaria como ferramenta para a
desconstrução da construção histórica dos binômios homem/mulher,
masculino/feminino, heterossexual/homossexual, norma/anormal, centro/periferia,
natureza/cultura; desconstrução da constituição desses pares; desnudamento das
relações de poder (lembremo‐nos de Michel Foucault!) que os legitimam; crítica aos
dispositivos de produção de abjeção, estigmatização e exclusão. Desconstrução,
deslocamento e reconfiguração.
Considerações finais ou por um diálogo entre Clio e hermafrodito
Se, conforme pensada por Scott, a categoria gênero promoveu uma crise na
historiografia tradicional nos anos 1990, não resta dúvida de que, no alvorecer do novo
milênio, é a própria categoria pensada como sinônimo de homem e mulher
essencializados que está em crise. Contudo, contenhamos as lágrimas. Nos combates
pela história, Clio‐Fênix quase sempre ressurge prenhe de outras histórias possíveis.
Assim, se as mulheres interrogaram a historiografia a respeito da sua invisibilidade,
interpelando o paradigma da história baseado na universalidade do masculino, os estudos
sobre o “universo” homossexual também partiram do questionamento da invisibilidade
do sujeito homossexual, lésbico, travesti e transexual. Tais estudos não interpelam
apenas a universalidade do masculino, mas, sobretudo, a universalidade da matriz
heterossexual.
Como alerta Navarro‐Swain (2008), o silêncio da história acerca das experiências
das mulheres e das homossexualidades é um silêncio político. Quebrar esse silêncio
significa fazer uma releitura das fontes utilizadas nas narrativas históricas, bem como
realizar uma crítica ao fazer historiográfico tradicional.
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Essa crítica, no entanto, não objetiva reivindicar uma história que privilegie o
sujeito homossexual ou uma história baseada apenas na visibilidade dos homossexuais –
escutemos Scott (1998) e sua crítica à “visibilidade da experiência” ‐; afinal, décadas de
pesquisas desenvolvidas pela “História das Mulheres e das Relações de Gênero”
ensinaram aos/as historiadores/as contemporâneos/as, mesmo aos/as mais surdos/as às
novas abordagens, aos/as mais apegados/as aos velhos paradigmas, que a história é
construída de modo relacional21.
A potência dos estudos das homossexualidades a partir de uma perspectiva queer,
especialmente no campo da história – o mais resistente à temática –, está na
possibilidade de crítica à heterossexualidade como norma (BUTLER, 2003), como regime
político (WITTIG, 2006) que produz compulsivamente homens e mulheres definidos a
partir dos seus sexos biológicos, operação fundante das desigualdades entre os sexos,
que exclui homossexuais, lésbicas, travestis e transexuais, não apenas da escrita
historiográfica, mas da própria condição de humanos.
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21
Miskolci (2012, p. 25) lembra que o queer não é uma defesa da homossexualidade; é a “recusa dos valores
morais violentos que instituem e fazem valer a linha da abjeção, essa fronteira rígida entre os que são
socialmente aceitos e os que são relegados à humilhação e ao desprezo coletivo”.
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Recebido em 18/05/2014
Aprovado em 09/12/2014
Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC
Programa de Pós‐Graduação em História ‐ PPGH
Revista Tempo e Argumento
Volume 06 ‐ Número 13 ‐ Ano 2014
tempoeargumento@gmail.com
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