Parecer 9 GE Helena Copetti Callai PDF
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GEOGRAFIA
Helena Copetti Callai
Leitor crítico da área de Geografia
Janeiro de 2017
Introdução
A Geografia na Educação Básica tem, sem dúvida, um papel que lhe dá a sustentação
para ser objeto de estudo no desenvolvimento do ensino e aprendizagem de crianças e
jovens que têm na escola uma instituição que promova o acesso ao conhecimento.
Esse conhecimento carrega uma tradição que é da história dos homens vivendo nos
mais diversos lugares do mundo e que resulta da possibilidade, das condições e da
capacidade de encontrar e construir lugares para viver as suas vidas, considerando os
tempos e espaços.
Educar é o modo de contribuir para que os sujeitos se tornem humanos, o que
acontece desde o nascimento e que na escola passa a ter a dimensão de
sistematização do conhecimento de modo a ter elementos para interpretar e
compreender o que acontece no mundo.
Assim, todos devem ter o direito de aprender e serem educados para se inserirem no
mundo com ferramentas intelectuais que lhes permitam decodificar a realidade vivida
e compreender o seu papel como sujeitos do mundo. Uma proposição de Base
Nacional Curricular Comum para todos os estudantes - crianças e jovens brasileiros
pode se caracterizar como a possibilidade de que ocorra este acesso.
Diante disso, é importante destacar a proposição na Área de Ciências Humanas, que
faz as indicações a respeito das disciplinas de História e de Geografia no decorrer do
Ensino Fundamental, sugerindo o que deve demarcar a sua presença nos currículos e
no desenvolvimento do ensino na escola. Expõe que “... As ciências humanas na
educação básica devem ser encaradas como uma via de acesso do estudante à
aventura humana das ciências que a constituem, e que têm sido, por isso mesmo,
insubstituíveis na missão de propiciar o conhecimento e a reflexão sistemática sobre
outras experiências humanas que, por serem diversas, nos ajudam a empreender
deslocamentos que nos tornam mais humanos”. (BNCC V3_4.6.CH_v2).
Considerando essas premissas que decorrem do entendimento da educação e do
ensino de Geografia e da Área das Ciências Humanas apresento a leitura crítica do
documento de Geografia – da Base Nacional Comum Curricular.
Questões gerais
A proposta de Geografia se caracteriza por trazer a dimensão científica da ciência para
a dimensão da escola. É claro, no entanto para nós estudiosos de ensino da Geografia
que a ciência e a disciplina escolar têm cada uma delas características específicas que
lhes dão a feição própria. Mas, a matriz de referência da Geografia escolar continua
sendo a ciência geográfica, que muito embora tenha passado por (e ainda persistem)
diferentes correntes de pensamento carrega em si as marcas da Geografia clássica e
incorpora a dimensão da ciência moderna. Cabe, portanto, a uma orientação curricular
sinalizar a atenção que se deve dar à disciplina Geografia na escola, pois ali não é a
ciência em si que é transmitida, mas é ela que permite dar a referência básica do que
seja a Geografia a ser praticada.
Terminologia
É importante definir o que é entendido pelos termos que são básicos na Geografia e
que inclusive são conceitos que devem ser trabalhados. Muitos desses termos,
apresentados na proposta, estão vagos ou mesmo filiados a determinadas concepções
da Geografia, que trazem marcas e concepções diferenciadas e, portanto, deve estar
explicitado qual o entendimento dos mesmos ao fazer as proposições. Quaisquer
conceitos estão, sempre, filiados a uma ou outra concepção ou linha teórica, por isso a
observação da necessidade de esclarecimento a respeito dos mesmos, além de que
muitos dos termos são trazidos como sinônimos. A seguir está a indicação de termos
que precisam ser esclarecidos no decorrer do texto.
Noção - Conceito - Categorias; Letramento e alfabetização; Identidade; Cidadania;
Natureza, Ambiente, Meio; Meio físico; Elementos naturais; Impacto ambiental;
Questão ambiental e sustentabilidade; Lugar – por vezes é confundido com local, com
meio, com ambiente; Espacialidade pode ser o espaço tendo em si o tempo –
acumulação desigual de tempo (é esta a interpretação que está sendo considerada na
proposta?) pensamento espacial e raciocínio espacial, raciocínio geográfico; Local-
global –cotidiano; Práticas espaciais; Informações geográficas; Conceitos científicos.
As unidades temáticas
Essa proposição merece ser eleita como o ponto alto da proposta da Geografia, pois
desloca a fragmentação tradicional dos conteúdos escolares para dar a estes mesmos
conteúdos a contextualização que permite fazer a análise geográfica.
Estudar o mundo a partir do olhar da Geografia envolve questões que são específicas
da ciência geográfica e da disciplina escolar. Abordar os conteúdos considerando os
eixos permite trabalhar em todo o Ensino Fundamental com este aparato didático
pedagógico, de modo a complexificar e aprofundar o pensamento e o conhecimento.
Cabem aqui as observações apresentadas a seguir, de modo a sugerir o
aprimoramento da proposição:
O sujeito e seu lugar no mundo - “valorizar os contextos mais próximos da vida
cotidiana”, remete àquela estruturação tradicional de ensino em que não se considera
as escalas de análise, mas que se delimita por proximidade. Se este termo não tem
essa conotação deve ser definido e explicado. Mas, o mais adequado seria considerar
os contextos mais significativos dos estudantes, o que pode ser muito próximo, mas
não se limita à proximidade física e apenas à dimensão de espaço vivido no lugar. Ao
referir a contextos mais amplos seria interessante explicitar o que seja o amplo ou
alterar por complexos, pois podem ser contextos mais amplos e mais complexos.
Conexões e escalas - exigiria uma maior explicitação da questão, pois não se trata
apenas de articulações entre o local e global, mas de compreender que essas relações
são pautadas pelas formas de viver dos homens e os fenômenos que afetam as
populações são resultados de processos que exigem a compreensão da complexidade
das relações dos homens entre si.
Mundo do trabalho - neste item há muitos termos que são vagos e que não
contribuem para a compreensão do que está proposto. É importante esclarecer o que
se pretende, pois este pode ser o condutor da análise (através de conteúdos) desde o
início das Séries Iniciais, considerando a questão do trabalho e estudando como ela
acontece nos diversos lugares do mundo, desde a sua família, escola, bairro até
espaços e grupos mais complexos.
Formas de representação e pensamento espacial - estes dois termos precisam ser
explicitados, pois o primeiro diz da cartografia – aspecto indispensável no estudo de
Geografia. E o segundo seria “o pano de fundo” para estudar Geografia? “As noções de
orientação, de localização e o formato da terra, seus movimentos e consequências”
parece que são coisas distintas e que estão mal colocadas neste texto, assim do modo
como aparecem. Se permanecerem, devem ser melhor explicitados.
Protagonismo e práticas espaciais - é relevante e significativo envolver os estudantes
em vivenciar, interpretar e buscar alternativas para os problemas que enfrentam e,
portanto, realizar o ensino baseado em discussão de problemas pode ser um
interessante caminho. Essa postura didática pode, inclusive, fazer a interligação (tão
difícil muitas vezes) das questões humanas e das questões da natureza. As práticas
espaciais podem, portanto, ser o elo para a construção dos entendimentos.
Ambiente e sustentabilidade - a preocupação em superar a dicotomia Geografia física
e Geografia humana não se restringe necessariamente a esta unidade, mas deveria
acontecer em todas as demais unidades e na proposição de todas as atividades e
conteúdo. Mas cabe o questionamento de porque abordar apenas temas da Geografia
física neste eixo? A questão ambiental tem sido compreendida (em especial na
América Latina) como produto do processo histórico de ocupação e de apropriação do
território, da exploração indiscriminada dos recursos e pautada por interesses
geopolíticos, bem como da submissão política e econômica dos povos. Essa poderia ser
a postura adotada para a abordagem da questão ambiental nas aulas de Geografia?
No seu conjunto, esses seis eixos apresentam a orientação da abordagem geográfica e
se constituem num avanço significativo na medida em que a geografia escolar trabalha
com a geografia humana e a geografia física, ou se quisermos nominar de outra forma,
trabalha com os temas da sociedade e com os temas da natureza, sempre
considerando a dinâmica da natureza e a dinâmica social.
No quadro da página 4 (e que não possui título) é apresentada a síntese que entrelaça
as Unidades Temáticas com Principais conceitos e categorias e a Situação geográfica. É
importante distinguir categorias e conceitos, seja no título no interior do quadro, seja
no detalhamento que refere as unidades. Situação geográfica aparece aqui pela
primeira vez e acredita-se que o trabalho com situação geográfica (observado pelas
proposições mais adiante nesse texto da proposta) seja uma boa sugestão, pois
permite organizar os conhecimentos a serem desenvolvidos e as proposições didático-
pedagógicas. No entanto, neste quadro não há clareza das indicações na última coluna,
pois espaço vivido, espaço representado e concebido, espaço percebido e produzido
são elementos que configuram uma proposição teórica e metodológica de estudar
Geografia. E redes e interações espaciais, meio técnico-científico e informacional e
sistema terra são temas de conteúdo que em nada coadunam com os anteriores. E
pode-se questionar - o que significa e a que leva estudar o Sistema Terra?
Há algo entre a situação geográfica nesse quadro e o texto explicativo da mesma, que
não confere e merece maior explicação, pois os termos apresentadas nessa coluna
talvez possam ter outra denominação. E da mesma forma a coluna da situação
geográfica deveria apresentar outros aspectos.
Neste sentido, o texto a seguir deste quadro referido é claro e explicita a organização
do trabalho para o ensino da Geografia, pois estabelece com muita coerência a
Geografia a ser ensinada na escola, tendo o encaminhamento pela situação geográfica.
E a seguir, a referência à cartografia de modo bem explícito também está muito bem
apresentado e justificado.
1º Ano
O sujeito e seu lugar no mundo - em objetos de conhecimento seria adequado incluir
as relações estabelecidas no cotidiano, considerando os conceitos de espaço e de
tempo, pois a partir dessa unidade as demais são consideradas.
Protagonismo e práticas espaciais - o EF01GEO5 indica reconhecer a responsabilidade
de todos em relação ao meio ambiente, no entanto, seria adequado referir também
aos problemas sociais e econômicos que acontecem/existem no lugar. Protagonismo
significa ser sujeito autor de suas ações e essas, do ponto de vista da Geografia, não se
limitam ao meio ambiente.
2º Ano
O sujeito e seu lugar no mundo - acrescentar a história da sua família - se vivem nesse
lugar, desde quando, de onde vieram os antepassados.
Mundo do trabalho - em habilidades - seria mais interessante deixar em aberto a
orientação indicando apenas tipos de atividades de trabalho e, a partir do que seja
possível identificar no lugar em que vivem, fazer a relação com outras que existem
noutros lugares e que as crianças têm informação, portanto, o segundo objetivo
poderia ser excluído.
3º Ano
4º ano
O sujeito e seu lugar no mundo - por que dois objetivos, se a questão é mesma? Não
seria mais adequado referir a migrações e ocupação do território na formação da
sociedade brasileira?
Conexões e escalas - em objetos do conhecimento e em habilidades - o que seriam os
territórios étnicos-culturais? Essa forma de apresentação não reforça a discriminação?
A diferença faz parte da nossa história e da nossa população, então a questão é não
desconsiderar o diferente, mas abordá-lo inserido e contextualizado no conjunto.
Formas de representação e pensamento espacial - na última habilidade substituir
“ordem” por “estrutura”, para que não seja passada a ideia de ordem sequencial, o
que dificulta o entendimento das relações escalares.
Protagonismo e práticas espaciais - a primeira habilidade novamente reforça a
diferença, pois as organizações são mais do que étnico raciais. Ou se colocam mais
outros exemplos ou essas não precisam ser nominadas. A segunda também merece ser
reescrita, pois não são apenas “comunidades tradicionais... valorizando a diversidade
de saberes e bens culturais”, mas sim movimentos gerais de populações também
urbanas e inseridas na sociedade brasileira, que estão fazendo movimentos de apelo
ao não consumismo e a valorização da produção e venda direta.
5ºano
O sujeito e seu lugar no mundo - objeto de conhecimento não seria a população e
organização das sociedades em sua histórias e na organização atual? E também a
construção da cidadania num mundo carregado de diversidade?
6º ano
O sujeito e seu lugar no mundo - por que identidade sóciocultural? Não poderia ser
identidade territorial que envolve as demais dimensões e diz melhor de ser estudo de
Geografia? Por que destaque para indígenas e quilombolas se eles são parte da nossa
população? O (EFO5HI15) destoa das demais habilidades e para manter o objetivo
seria necessário rever os três anteriores.
Conexões e escalas - as habilidades propostas se aproximam da análise geográfica e,
entende-se pertinentes. No entanto, Objetos de conhecimento destoa delas e seria
mais adequado outra nominação para este item. Aliás, o que é Sistema Terra? Se
interessa usar essa terminologia é importante a definição do que está sendo entendido
pelo termo.
Protagonismo e práticas espaciais - em objetos de conhecimento - não seria mais
adequado nominar: transformações do modo de viver e uso dos recursos naturais? Por
que centrar em solo e água apenas? Em habilidades... os itens apresentados são
significativos, mas fragmentam os conteúdos e, seria importante, verificar o que une
essas questões no estudo de Geografia. Novamente parece que falta a dimensão do
humano que é quem faz as transformações e a quem elas são significativas. E veja-se
que a unidade é protagonismo e práticas espaciais. Protagonistas são os sujeitos e as
suas ações é que interferem nas relações de natureza social e com a natureza.
Ambiente e biodiversidade - habilidades estão formuladas de modo claro, mas por
que em Objetos do conhecimento referir apenas a ciclo hidrológico?
7º ano
O sujeito e seu lugar no mundo - em habilidades (EF07GEO9m) por que formação
sócio cultural apenas e não econômica também? No último item: são as diferenças
culturais que caracterizam a formação territorial do Brasil? Ou é mais do que isso?
Novamente aparece ênfase em indígenas e afrodescendentes... O destaque pode ser
entendido como segregação, como se os mesmos não fossem parte da população
brasileira desde o início da colonização e formação do território brasileiro.
Formas de representação e pensamento espacial - habilidades no último item o que
significa “escalas de um mesmo lugar”?
Protagonismo e práticas espaciais - a ênfase dada a “Terras e povos indígenas e
remanescentes de quilombolas” em objetos do conhecimento e também em
habilidades parece descabida, pois se reitera que o estudo da população brasileira em
sua organização na sociedade e as dimensões econômicas que são as que sustentam a
existência humana deveria incorporar esses povos e não serem considerados como
diferentes, pois eles formam a população brasileira. Existem regiões do Brasil
marcadamente características pela origem dos migrantes (de variadas etnias e de
vários períodos da história do Brasil) e transformar as populações indígenas e
quilombolas em “objeto de estudo” diferenciado acaba por segregar estes grupos,
como se fossem algo a parte na sociedade. Questiona-se o porquê de não estudá-los
junto com os demais grupos sociais? A título de exemplo, dados do Censo de 2010
informam que mais de 40% da população indígena vive nas cidades, no estado de São
Paulo este percentual cresce para 90 %. E o município de São Paulo é o 4º com maior
população indígena no Brasil. Nestes termos, como entender as “terras e povos
indígenas”?
8ºano
O sujeito e seu lugar no mundo - esta unidade está muito bem redigida, mas
questiona-se apenas por que Europa, Ásia e Oceania e não estão incluídas as Américas
e a África.
Conexões e escalas - por que não considerar também o norte e sul, além de ocidente e
oriente?
Obs. Qual a justificativa para abordar Ásia, Oceania e Europa e não Américas e a África
juntamente? Se existe algum motivo acerca disso é importante mencioná-lo, de modo
a deixar claro no texto as escolhas.
9 º ano
Conexões e escalas - em objetos de conhecimento não fica claro os dois itens
apresentados - se são dois temas ou se o primeiro tem a ver com o Brasil; e também
na ligação dos mesmos com as habilidades (objetivos de aprendizagem). E, no
(EF08GEO1m), o que significa “aplicar os conceitos de Estado, nação território,
governo, país para o entendimento…”
Mundo do trabalho - na terceira habilidade: Por que comparar questões do Brasil com
a de países da América e da África? Não seria mais prudente deixar em aberto a
escolha de com quem comparar a partir de estabelecimento de que recursos naturais
considerar?
Formas de representação e pensamento espacial - em objetos de conhecimento, por
que considerar América e África? Em Habilidades por que estabelecer diferença de
África e Américas (o 1º) e por que comparar mapas apenas da Europa, Ásia e Oceania a
partir de diferentes projeções cartográficas? E dos demais lugares e continentes?
Protagonismo e práticas espaciais- em objetos de conhecimento porque distinguir
EUA América espanhola e portuguesa e, a África para discutir a identidade? E os
demais países? E continentes? Em habilidades por que exemplificar com Haiti e deixar
de lado outros lugares que têm a mesma condição e característica?
Ambiente e biodiversidade - em Habilidades- (EF09GEO7) explicar o que se pretende e
qual o entendimento de “qualidades estéticas”, no contexto apresentado?
Obs. - A distribuição dos conteúdos entre os anos 8 º e 9 º repetem a tradição de
fragmentar os espaços ao estudar Geografia. Se existe motivação para tanto deve ser
explicitada de modo a indicar com clareza a opção e os motivos para tal abordagem. Se
a opção é estudar o mundo deve ser revista a organização dos objetos de
conhecimento.