Caderno Convivencia e Fortalecimento de Vínculos
Caderno Convivencia e Fortalecimento de Vínculos
Caderno Convivencia e Fortalecimento de Vínculos
ELABORAÇÃO
CONTRIBUIÇÕES
Essa publicação foi elaborada a partir da colaboração de muitas pessoas que se colocaram à disposição
para o encontro e para o diálogo sobre a convivência e fortalecimento de vínculos na política de
assistência social. Profissionais com fortes vínculos orgânicos e de cidadania com essa política social
que afetaram de forma determinante os resultados aqui apresentados; a todas eles o agradecimento
da equipe diretamente responsável pela sistematização das contribuições:
Especialistas Entrevistadas:
Aldaíza Sposati
Ana Lígia Gomes
Carla Bronzo
Denise Colin
Dirce Koga
Márcia Lopes
Simone Albuquerque
Por essa razão, este material aborda a concepção de convivência e fortalecimento de vínculos,
temas tão caros à Assistência Social. A expectativa é que seu conteúdo possa provocar a
reflexão e apoiar profissionais e gestores no desenvolvimento de práticas mais qualificadas e
participativas nas mais diversas localidades deste país tão diverso de dimensão continental.
Que as práticas no SUAS sejam sempre combativas aos processos de isolamento, de exclusão e
de discriminação e sejam sempre pautadas pela conduta ética, pela perspectiva da inclusão, da
participação social e da promoção do acesso a direitos de cidadania da população brasileira!
Boa Leitura!
Denise Colin
[...] hoje se vê que o movimento se define cada vez menos a partir de um ponto
de alavanca. [...] O fundamental é como se fazer aceitar pelo movimento de uma
grande vaga, de uma coluna de ar ascendente, “chegar entre” em vez de ser
origem de um esforço.
Gilles Deleuze
Este texto pretende configurar uma concepção de convivência e fortalecimento de vínculos que
possa ser fonte de diálogo para as diversas ações no campo da proteção social de assistência
social e orientadora para o serviço de convivência e fortalecimento de vínculos do Sistema
Único de Assistência Social - SUAS.
Para tanto, o leitor é convidado a fazer um pequeno recuo e retomar a compreensão afirmada
na Política Nacional de Assistência Social:
A proteção social básica tem como objetivos prevenir situações de risco [...]. (PNAS, 2004,
p.32).
Quais as situações de risco, perigo, incertezas que precisam ser prevenidas, impedidas
de acontecer? Ou seja, quais situações precisam ser antecipadas em suas consequências
negativas, exigindo que os envolvidos possam preparar-se para enfrentá-las?t
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material da vulnerabilidade) e aqueles cujas características sociais e culturais (diferenças) são
desvalorizadas ou discriminadas negativamente(dimensão relacional da vulnerabilidade).
No Sistema Único de Assistência Social – SUAS – a Proteção Social Básica – opera garantindo
seguranças de convívio, acolhida e sobrevivência, ou seja, evitando, prevenindo riscos sociais,
perigos eincertezas para grupos vulneráveis tanto do ponto de vista material, quanto do ponto
de vista relacional.
A dimensão relacional posta no direito ao convívio é assegurada ao longo do ciclo de vida por
meio de um conjunto de serviços locais que visam à convivência, a socialização e o acolhimento
em famílias cujos vínculos familiares e comunitários não foram rompidos.(Idem, p.30).
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Assim, recorta-se a especificidade da proteção social de assistência social no que diz respeito
à sua responsabilidade em relação a:
Desse modo, explicita-se que a assistência social está no campo societário e, como tal, são os
riscos sociais, advindos dos processos de convívio, de insustentabilidade de vínculos sociais que
se colocam dentre suas responsabilidades. Em outras palavras, sempre que as precariedades
do lugar e da situação vivida afetar pessoas, famílias ou grupos sociais produzindo sofrimento
ético político1, caberá uma ação da política no sentido de possibilitar que a situação seja
enfrentada num campo de responsabilidade pública e coletiva, porque estar protegido significa
ter forças próprias ou de terceiros, que impeçam que alguma agressão/precarização/privação
venha a ocorrer, deteriorando uma dada condição. (SPOSATI, 2007, p. 42).
1 Sofrimento ético-político é a denominação que os estudos da Dra. BaderSawaia atribuem aquele provocado pelo
reconhecimento negativo/desvalorizado que se faz de uma pessoa, ou seja, as diferenças são vividas como desigualdades.
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Heranças e Legados
Mario Quintana
Para compreender esse traço inovador é necessário reconhecer uma tradição no trabalho
social com famílias onde predominaram palestras “educativas” de orientação, associadas a
atividades manuais com vistas à produção de mercadorias2 que, uma vez comercializadas,
poderiam gerar renda3 às famílias. Assim, o trabalho social assumia mais uma característica
de integração social tanto pela via do disciplinamento de comportamentos, quanto pela
frágil e precária inserção no mundo produtivo. Conhecida como uma matriz de “polícia das
famílias”, tal concepção herdada pela política de assistência social das práticas tutelares e de
benemerência, expressam uma educação enquadradora e controladora, que buscava incutir
nas classes trabalhadoras os valores e modos de vida das elites. Um exemplo ilustrativo dessas
práticas foram os grupos de mães:
E no caso de crianças, adolescentes e idosos, esse trabalho era caracterizado pela oferta de
atividades culturais, esportivas e recreativas desconectadas e desarticuladas, justificadas
como necessidade de “ocupação do tempo”.
Para além dessa tradição, identifica-se mais recentemente a oferta de benefícios frequentemente
desarticulados em relação aos serviços socioassistenciais. Mostra-se, portanto, uma política
que possui pouca tradição em ações preventivas e antecipatórias a situações de risco social
que produzem vulnerabilidades. Confronta-se a perspectiva de alargar essa concepção com
uma tendência a entender a proteção social como algo que possa ser comprada no mercado,
o que por consequência restringe as desproteções a ter ou não poder de compra, renda. Essa
tendência, conformou uma imagem externa da política de assistência social quase que sinônimo
2 Essas atividades podem ser utilizadas como uma estratégia do trabalho social para o fortalecimento
de vínculos e da convivência
3 Esta não é a função da assistência social. As ações de geração de renda para as famílias devem ser
encaminhado a outras políticas públicas, associativismo, etc.
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de transferência financeira (Programa Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada,
dentre outros). Tal imagem está presente na população, nos meios de comunicação, em alguns
centros de pesquisa e até mesmo na concepção de alguns profissionais da área.
(...) exige forte mudança na organização das atenções, pois implica em superar a concepção
de que se atua nas situações só depois de instaladas, isto é, depois que ocorre uma
“desproteção”. O termo “desproteção” destaca o usual sentido de ações emergenciais,
historicamente atribuído e operado no campo da assistência social. A proteção exige que se
desenvolvam ações preventivas. (SPOSATI, 2009, p. 21).
Segundo a Política Nacional de Assistência Social/2004, a Assistência Social é uma política de proteção
social e
(...) deve garantir três tipos de segurança: i) segurança de sobrevivência4; ii) segurança de
acolhida; e iii) segurança de convívio. A segurança de sobrevivência refere-se à garantia de
uma renda monetária mínima que assegure a sobrevivência de populações que encontrem
limitações de rendimento ou de autonomia. É o caso de pessoas com deficiência, idosos,
desempregados e famílias numerosas ou sem garantia de condições básicas de vida. A
segurança de acolhida diz respeito à garantia de provisões básicas, em especial aquelas
que se referem aos direitos de alimentação, vestuário e abrigo. Alguns indivíduos, em
razão de idade, deficiência, situações de violência familiar ou social, abandono, alcoolismo,
entre outras situações, podem demandar acolhida. A terceira segurança está relacionada
à vivência ou ao convívio familiar.(IPEA, 2005, p. 32).
4 Na segurança de sobrevivência é assegurado sustento aos idosos e pessoas com deficiência na política de
assistência social por meio do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e às pessoas e famílias em situação de emergência e
vitimas de calamidade por meio dos benefícios eventuais.
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Ressalte-se ainda que a declaração do direito, especialmente no âmbito do direito social,
é insuficiente para assegurar sua efetividade, pois isso exige medidas que garantam a
vivência do direito.
A luta por direitos está longe de se ter esgotado ou de ter encontrado um ritmo regular.
Paralelamente à reiteração jurídico-formal dos direitos, continuam a se multiplicar as
situações de desrespeito, preconceito, exclusão e indiferença, assim como continuam
a se prolongar as situações de marginalidade, ―desproteção e arbítrio. (NOGUEIRA,
2005, p.3).
Por isso, é necessário aprofundar o debate para além da discussão sobre a não
institucionalização, posto que as respostas a serem providas pela segurança de convívio
se estendem em diferentes âmbitos: nos territórios vividos, no interior das famílias, nos
serviços públicos, enfim em distintos lugares em que as relações sociais se fortalecem
ou se fragilizam. Nesses diferentes espaços, que Dirce Koga (KOGA, 2012) denominou
como territórios vividos,é necessário conhecer as diferentes formas de vivência que lá
ocorrem. Ao ampliar o foco, trazendo a perspectiva do território, é possível observar como
as relações se dão e como se expressam, pois por vezes trata-se de convivências que
desprotegem e tornam as pessoas mais vulneráveis.
• Uma situação em que o trabalho social se caracteriza pela definição de tema comum
a todos os usuários (esporte, cultura, lazer, artesanato, reciclagem) com abordagem
e estilo pessoal (de quem faz) orientado por processos de formação, focado no
desempenho individual.
A dimensão de autonomia dos sujeitos aqui é entendida como uma capacidade de lidar com
sua rede de dependências, de eleger objetivos e crenças, atribuir-lhes valor com discernimento
e colocá-los em prática com a participação e apoio de outros. Assim, autonomia é sempre uma
5 Foram entrevistadas para essa produção: Aldaíza Sposati, Ana Lígia Gomes, Carla Bronzo, Denise Collin, Dirce
Koga, Lúcia Helena Nilson, Márcia Lopes, Rosemary Ferreira, Simone Albuquerque, Stela Ferreira, e Tarcísia de Gois Vieira.
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dimensão relativa e depende do acesso dos sujeitos à informação, de sua capacidade de utilizar
esse conhecimento em exercício crítico de interpretação. Dito de outra forma, autonomia
pode ser expressa pela maior capacidade dos sujeitos de compreenderem e agirem sobre si
mesmos e sobre o contexto conforme objetivos democraticamente estabelecidos. (CAMPOS
& CAMPOS, 2006, p.670)
Por outro lado, indica a proximidade com o reconhecimento do outro como sujeito de direitos,
capaz de manifestar interesse e participar de decisões e suas consequências para a intervenção
da política. Reconhecer a demanda de proteção, da pessoa reconhecida como sujeito de direito,
implica um movimento complexo, construído em longos anos de história, pelo qual situações
dantes pouco visíveis passam a ocupar um lugar na cena pública e a exigir respostas coletivas.
Assim, uma análise de situação não pode ser só das ausências, mas também das presenças
até mesmo como desejos em superar a situação atual(PNAS, 2004, p.45).
As consequências desta afirmação – para além da sua força declaratória – exigem o uso de
categorias analíticas próprias ao seu caráter público, o que incide num ponto nevrálgico da
sociedade brasileira, a saber, a possibilidade de igualdade afirmada pela lógica dos direitos:
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No horizonte da cidadania, a questão social se redefine e o “pobre”, a rigor, deixa de existir.
Sob o risco do exagero, diria que a pobreza e a cidadania são categorias antinômicas.
Radicalizando o argumento, diria que, na ótica da cidadania, pobre e pobreza não
existem. O que existe, isso sim, são indivíduos e grupos sociais em situações particulares
de denegação de direitos. É uma outra figuração da questão social, que põe em cena
a ordem das causalidades identificáveis e que armam, ao menos virtualmente, arenas
distintas de representação e reivindicação, de interlocução pública e negociação entre
atores sociais e entre a sociedade e Estado. (TELLES, 2001, p. 51).
(...) Aí está também o lado mais importante dos direitos, quando vistos pelo prisma
dos “sujeitos falantes” que se apresentam na cena pública. Essa presença desestabiliza
consensos estabelecidos e permite alargar o “mundo comum”, fazendo circular na cena
pública outras referências, outros valores, outras realidades, que antes ficavam ocultados
ou então eram considerados irrelevantes e desimportantes para a vida em sociedade.
(TELLES, 2003, p.69)
16
Convivência e Fortalecimento de Vínculos
A configuração do tema deste texto parte da premissa de que a orientação das políticas públicas
pauta-se no conhecimento acadêmico-científico e, dado o enfoque programático aqui posto,
interessa também reconhecer as experiências concretas dos municípios nos quais o SUAS vem
se consolidando nos últimos anos. Essas experiências, especialmente de implementação de
serviços socioassistenciais, têm procurado efetivar a direção do SUAS, construindo respostas
de coletivos de profissionais, e também de gestores para lidar com os desafios que se põem
em realidades tão diversas como se tem no Brasil. Por isso, combina-se aqui um conjunto de
elementos, tanto de formulações teóricas quanto de estudos empíricos.
6 Pode-se indicar que a ampla bibliografia pesquisada para esta consultoria seja sempre referida aos documentos que
acompanham a publicação deste produto.
7 Esse grande teórico (1896-1934) é um crítico de arte e advogado que, insatisfeito com as teorias formalistas e
sociológicas, buscou a Psicologia para compreender a criatividade artística e sua permanência na história da humanidade, apesar
das poderosas determinações sociais bloqueadoras. Encontra uma Psicologia em crise, que não lhe fornece respostas, afogada em
falsos confrontos entre teorias que reduzem a questão psicológica a apenas uma das dimensões que a constitui – o inconsciente, a
consciência, o comportamento ou a cognição –, como se o homem de cada uma dessas teorias fosse diferente daquele estudado
pelas demais. Inconformado, vai buscar na dialética de Marx e na filosofia monista de Espinosa orientação para esses antagonismos
retalhadores do homem. (SAWAIA, 2009, p. 365).
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objetivas da vida interferem diretamente na forma como as pessoas se constituirão como
sujeitos sociais, ou seja, nas escolhas que farão ao produzir e reproduzir a vida social.
Até aqui se delineou uma convivência entre sujeitos de direitos que se constituem à medida
em que se relacionam, capazes de escolha e de autonomia e de aprenderem entre si. Neste
percurso de entendimento, outros elementos a serem destacados são: estes sujeitos se
constituem na diferença e são capazes de afetarem-se mutuamente.
A capacidade de afetar e ser afetado pode ser dita analogamente como poder deixar marcas
no outro e ter marcas do outro em si. Trata-se de uma formulação da filosofia de Espinosa,
apropriada pela psicologia social na produção da pesquisadora BaderSawaia (2003, 2004, 2009).
Afetar e ser afetado são efeitos inerentes aos encontros entre as pessoas. Esses encontros
podem favorecer a expansão da vida, o sentimento de valorização, estimular a ação para
mudanças; ou podem gerar subordinação, desqualificação, redução de vida, desumanização.
Assim, sentimento e capacidade para agir são, nessa matriz de pensamento, inseparáveis.
Poder-se-ia dizer que sentimentos de valorização e de potência estão para fortalecimento
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de vínculos, assim como os sentimentos de subordinação e impotência estão para o isolamento
social e fragilização de vínculos.
Nos encontros que expandem e fortalecem as pessoas, estabelecem-se “paixões alegres”, que
ampliam a potencia de agir, fortalecendo a vontade de estar com os outros, de compartilhar
e de se afirmar como pessoa. Mas se os encontros desvalorizam e reduzem a vitalidade
nas pessoas estabelecem-se “paixões tristes”, que imobilizam, deprimem ou geram revoltas.
Assim, as emoções não estão dadas, não são passivas, não estão pré-definidas pela
característica pessoal, elas são produzidas nos encontros e são força motriz das ações.
Esses estudos reposicionam a questão das emoções tanto nos estudos acadêmicos quanto
na orientação programática de políticas sociais, visto que estabelece outros nexos entre
ação e razão, bem como buscam superar os modismos nos quais a emoção é entendida
como uma força interior que a partir do auto-esforço, da autoajuda o indivíduo modifica
ou supera. Há uma supervalorização do prefixo “auto”, que no limite torna-se uma ação
disciplinadora e que responsabiliza o indivíduo e o convoca a ser feliz, bem humorado e
conformado (SAWAIA, 2003).
Essa compreensão convoca um ponto de vista que reconhece que as emoções são desencadeadas
a partir da forma de tratamento recebido, do modo como se é visto pelos demais, do modo
como se é acolhido e ouvido ou do estatuto que se da à fala de um sujeito e às decisões que
ele toma. Dessa forma, os modos de convivência afetam as pessoas e fazem um efeito na
razão e no entendimento que elas têm de si e do mundo em que vive, podendo mobilizá-la ou
não, para enfrentar as condições de existência. Investir nos encontros que geram afetos que
potencializam a ação é contrapor-se, no plano da convivência, às relações sociais cristalizadas
que geram dependência, subordinação ou submissão.
Soa óbvio mencionar a importância de se perguntar como a própria família define seus
problemas, suas necessidades, seus anseios e quais são os recursos de que ela mesma
dispõe. Menos óbvio é pensar como ouvimos suas respostas e o estatuto que atribuímos
ao que se diz. (SARTI, 2010, p.34, grifo nosso).
• é abordado pela polícia por ser negro e estar caminhando muito rápido,
• não pode acompanhar a família num lugar público porque usa uma cadeira de rodas e
só existem escadas,
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[...] é preciso realizar pesquisas com aqueles que estão sendo instituídos sujeitos
desqualificado socialmente (deixando-se ser ou resistindo), isto é com aqueles que estão
incluídos socialmente pela exclusão dos direitos humanos, para ouvir e compreender os
seus brados de sofrimento. [...] Não basta definir as emoções que as pessoas sentem,
é preciso conhecer o motivo que as originaram e as direcionaram, para conhecer a
implicação do sujeito com a situação que os emociona. (SAWAIA, 2004, p. 109-110)
Para que situações de conflitos sejam modificadas, não é suficiente pensar sobre elas, pois
isso não altera as emoções. Somente quando se entra em contato com o que há de mais
singular da vida social e coletiva (os afetos) é que se promove uma transformação social.
Estudar a afetividade se justifica porque ela revela como o sujeito é afetado nas relações
sociais e se isso aumenta ou diminui sua potência de agir. (ZOZZOLI, 2011, p.03).
Vale lembrar que nessa perspectiva as emoções/afetos não são propriedades ou características
individuais, mas decorrentes das relações sociais, políticas e econômicas estabelecidas num
dado momento histórico, conforme já se afirmou anteriormente.
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controlar, mas que incide na aprendizagem dos sujeitos que participam deste encontro.
Portanto, as cristalizações também podem ser desarticuladas nas situações de convivência
resultando no estabelecimento de vínculos mais flexíveis. Não apenas repetição, mas também
criação de novos modos de agir e de se relacionar. Poderia aqui acentuar a dimensão estética,
da ordem do sensível e do criativo.
Já, a produção de Moreno8 permite compreender que vínculo é o resultado das relações e que
a vivência humana está marcada por papéis, desde o nascimento e ao longo de toda a vida do
indivíduo, enquanto experiência pessoal e modalidade de participação social.
O conceito de papel, que pressupõe interrelação e ação, é central para a teoria psicodramática.
Neste escopo, afirma-se que no começo existia o grupo, no fim existia o indivíduo. (Moreno,
1983, p.21, 22). Ou seja, o eu emerge dos papéis, antes mesmo de ter a noção de eu, da
personalidade, ou de construir a linguagem falada, a criança desempenha papéis. Dessa
forma, não há possibilidade de exercer o papel de pais sem filhos, com o nascimento de uma
criança começam a nascer simultaneamente pai e filho(a) ou mãe e filho (a). A família de
origem determina certos papéis, e o que o bebê faz modifica estes papéis. A entrada de novos
relacionamentos oferece a oportunidade de desenvolver outros. O movimento de cada um em
seus relacionamentos, suas escolhas desenvolve novos papéis e desenvolve este sujeito pelo
exercício de seus papéis sociais. Neste processo elegemos novas relações que passam a fazer
parte de nosso átomo social, alterando a estrutura anterior. A ação, a capacidade de agir, é
composta dos papéis e dos vínculos estabelecidos por meio das complementações dos papéis.
8 Jacob Levy Moreno (1889-1974) psiquiatra judaico romeno, conhecido como o pai do Teatro Espontâneo,
Psicoterapia de Grupo, Psicodrama e Sociodrama e Sociometria. O Psicodrama nasceu do teatro e dele retirou os principais
conceitos que o fundamentam prática e teoricamente. Um dos conceitos centrais doarcabouço teórico construído por Moreno é
o conceito de papel, por ser trata de como se dão os relacionamentos.
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é experimentando relacionar-se de forma criativa, agindo nas relações e por causa delas.
Promover bons encontros, que fortaleçam a potência de agir pode impulsionar a ação para
enfrentar situações conflituosas, alterar condições de subordinação, estabelecer diálogos,
desejar e atuar por um mundo mais digno e mais justo. Enfim, promover mudanças em que
haja corresponsabilidade entre a ação das políticas sociais e os sujeitos usuários.
Esta corresponsabilidade, que valoriza e investe na potência de agir está implicada com o
ponto de vista coletivo, que demanda participação, aqui entendida como sinônimo de tomada
de decisão (Bobbio, 2000), ou seja, corresponsabilidade com decisão coletiva.
As mães sempre colocam pra gente que seja serviços públicos, seja polícia, saúde, eles
procuram os equipamentos, e aqui o movimento é contrário dos equipamentos, nós
procuramos estar junto delas, portanto de alguma forma a gente tá dentro da casa delas,
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[...] eles entendem que o equipamento público tá lá dentro, por isso esse tanto de mães
acaba recorrendo à gente para orientar, dar uma palavra amiga, uma orientação mesmo,
do que eles podem fazer, quais são as possibilidades, o que ele pode fazer dentro da
comunidade, o que ele pode evitar; Então isso eu entendo como uma aproximação muito
grande, tenho dificuldade de identificar qual outro equipamento público que tem essa
ação, essa capilaridade. (Cristiane – pedagoga – coordenadora técnica - GDF).
Os técnicos apontam o valor dos laços afetivos, esta é uma condição para inclusão dos usuários
em dispositivos de decisão:
Para que essa mãe possa contar comigo, eu preciso ter um vínculo afetivo com ela, de
proximidade para que ela possa confiar em mim e tenhamos uma relação legal que vá
para além do grupo, porque o trabalho não é só o grupo é a família como um todo. (Arlete
– psicóloga CRAS Alterosa – Prefeitura de Betim)
Neste sentido, Stela Ferreira (FERREIRA, 2012), considerando a participação nos serviços
socioassistenciais aponta que por vezes participar está restrito a escolher um tema de interesse
a ser debatido ou inserido como palestra ou oficina a ser realizada. Há que se considerar o que
esse interesse mobiliza nas relações com os outros, nos espaços, nos territórios, na cidade e
ainda, como essa manifestação de interesse compõe os processos de decisão.
Intensifica-se, pela via da participação, a forte sinergia entre o traço político e ético dos vínculos
sociais, pois tais manifestações, embora aparentemente menores, podem ser catalizadoras de
processos mobilizadores de ações mais amplas, pois rompem fronteiras e limites simbólicos e
de poder ao motivar uma ação responsável consigo e com a coletividade. Uma motivação para
agir que envolve o interesse, mas também uma dimensão afetiva expressa no sentimento que
motiva a querer conhecer ou alcançar uma dada condição.
Por fim, há uma tensão e disputa para que o objeto de interesse e desejo do cidadão usuário
seja incluído nas decisões que orientarão o trabalho social.
Participar supõe modos de se expor, de ver e ser visto, de criticar e ser criticado, ser capaz
de argumentar, colocando em circulação diferentes saberes e modos de produção de
conhecimento. Tomados em sua igualdade, estes conhecimentos podem circular sem
reafirmar hierarquias, podem ser questionados sem ser desqualificados. (MDS, 2009, p. 44).
Essa conjugação conceitual que delineia a convivência numa medida que permita traçar seus
limites no escopo da Política de Assistência Social é sintetizada por Sposati (SPOSATI, 2012)
quando afirma: convivência é forma e vínculo é resultado. Assim, é possível reconhecer que o
conjunto de elementos combinados nesta narrativa também fala da produção de ligações entre
sujeitos de direito, capazes de afetar e ser afetados nos encontros, produtores e produzidos pelo
contexto em que vivem, capazes de escolha e decisões coletivas pelas quais se corresponsabilizam,
que participam e combinam objetivos comuns e assim aprendem a participar sentindo-se
pertencentes a um lugar, ou seja, capazes de identificar/reconhecer e afirmar o valor/qualidade
dos vínculos constituídos em sua trajetória.
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Para compor o entendimento de vínculos destaca-se a contribuição do sociólogo francês Serge
Paugam9 (PAUGAM, 2008) que define uma tipologia de vínculos. Sua produção se faz no debate
em torno da crise dos vínculos sociais, que ele associa ao reconhecimento das transformações
contemporâneas dos homens e de suas relações.
Ressalta que
[...] a expressão ‘vínculo social’ é atualmente empregada para designar todas as formas
de viver em conjunto, a vontade de religar os indivíduos dispersos, a ambição de uma
coesão mais profunda da sociedade no seu conjunto. (PAUGAM, 2008, p. 4)
Paugam desenvolve uma tipologia de vínculos sociais que se expressam, em síntese, a partir
da formulação de que os vínculos caracterizam um movimento que se estabelece em duas
direções “contar com”, expressão que traduz o que o individuo pode esperar das relações por
ele estabelecidas e “contar para” que expressa a expectativa e reconhecimento ao materializar
o que as pessoas esperam daquele indivíduo. Assim, afirma:
Os sociólogos sabem que a vida em sociedade coloca todo ser humano desde o nascimento
numa relação de interdependência com os outros e que a solidariedade constitui a todos os
estados de socialização a base do que se poderia denominar homo sociologicus, o homem
ligado aos outros e à sociedade, não somente para assegurar sua proteção face aos males
da vida, mas também para satisfazer suas necessidades vitais de reconhecimento, fonte
de sua identidade e de sua existência enquanto homem. (PAUGAM, 2008, p. 4).
Uma segunda tipologia estabelecida é a filiação de natureza eletiva10 que está ligada à
socialização fora da família na qual o individuo tem contato com outras pessoas, grupos
e instituições. Ela pode ocorrer em: grupos de amigos, comunidades locais, instituições
religiosas, esportivas, culturais, gangues de bairro, etc. Nesse processo o individuo
interage e tem também um papel autônomo, pois ele pode construir sua própria rede de
pertencimento para além das relações domésticas ou de consanguinidade.
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Por fim, se estabelece o quarto tipo, vínculo de cidadania, que se expressa no sentimento de
pertencimento a uma nação, logo, um membro reconhecido pelo país por meio de direitos e deveres.
Para o autor, essas quatro tipificações apresentadas são complementares e interligadas, elas
constituem um tecido social que envolve e implica cada pessoa. A intensidade dos laços varia
entre as pessoas e depende do tipo de socialização vivenciada nas diferentes esferas da vida.
Em síntese - “com que” as pessoas contam e “para o que” conta-se com elas – eis uma
bússola para mapear relações de proteção ou de ausência de proteção desde a esfera privada
(intrafamiliar), passando pela sociabilidade mais ampla (vínculos por escolhas afetivas ou de
identidade social), até a esfera de reconhecimento público que pauta as atenções e serviços
públicos (relações de cidadania pautada em responsabilidades do Estado e direitos do cidadão).
Este quadro desloca a perspectiva de considerar os vínculos de uma pessoa fracos ou fortes
em relação a outras pessoas, passa a ser necessário qualificar/caracterizar os vínculos para
dimensionar a proteção socioassistencial.
Na mesma direção, a construção de laços afetivos e de referência, dito de outra forma, “contar
com” pessoas ou serviços para diferentes momentos e situações na vida, é um aspecto muito
importante para compreender a convivência familiar e a capacidade protetiva de famílias, logo
trata-se de discutir convívio e convivência no campo da proteção socioassistencial ou proteção
social na assistência social. Todavia, discutir essa vivência do “contar com” como instrumento
de proteção não é suficiente para discutir uma política de convívio, pois ela é mais do que uma
questão de proteção, pois supõe um reconhecimento social e tem um potencial maior para discutir
e alargar padrões de civilidade e cidadania. (SPOSATI, 2012)
Nessa direção, os especialistas entrevistados trazem também contribuições para o debate sobre
vínculos (TORRES, 2012). É o caso de Aldaíza Sposati (SPOSATI, 2012) ao destacar que desconhece
gradientes de vínculo que se pautem pela ótica da proteção social. Assim vínculos fortes ou fracos
precisam ser avaliados tanto nas relações intrafamiliares quanto nas suas redes de apoio, o que
significa também considerar o elemento agressor, ou seja, o quanto aquela situação demanda
proteção e quais vínculos suportarão enfrentar a agressão.
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Para a pesquisadora Carla Bronzo (BRONZO, 2012) é necessário fazer uma distinção e analisar com
mais cuidado o que é vínculo. Quando se pensa na atuação orientada para vínculos familiares e
comunitários, é necessário reconhecer que são coisas diferentes e indicam eixos programáticos
distintos. O primeiro pressupõe uma dimensão psicossocial, que pode também incluir uma
intervenção terapêutica. Já para os vínculos sociais e comunitários a metodologia é mais coletiva
e menos intrafamiliar. Assim, a conotação e os objetivos do trabalho seriam distintos.
Afirma ainda que é preciso saber o que olhar para saber que efeito se pretende criar e como
o trabalho está funcionando. Assim é necessário identificar as situações de fragilização de
vínculos e como são motivadas. Tem a ver com ausência de autoridade, com ausência de
afetividade? Em que medida os vínculos estão sendo fortalecidos? Nesse caso, vale a pena
padronizar por instrumentais e criar indicadores de fortalecimento de vínculos, definindo que
situações precisam ser observadas e permitem afirmar que houve fortalecimento de vínculos.
Ana Lígia Gomes (GOMES, 2012) ao refletir sobre as particularidades desse trabalho na assistência
social aponta que deve haver uma direção, uma intencionalidade para a construção de vínculo e esse
vínculo é uma tradução de afeto. Entende como uma condição essencial para o desenvolvimento
do trabalho o estabelecimento do vínculo com os profissionais e a construção de uma referência,
especialmente para crianças e adolescentes. Destaca ainda que o vínculo a ser estimulado pelo
trabalho não se reduz aos profissionais, mas é também dos usuários entre si.
A gente tem várias áreas, mas a gente usa esse meio pra chegar num fim, que é
o fortalecimento de vínculos (...) às vezes uma criança dessas, um adolescente tem
muito mais liberdade pra falar com a gente que tá convivendo todos os dias, que tá
prestando atenção nos mínimos detalhes, do que de repente com um professor, com
um profissional da saúde, ou mesmo com seu pai, sua mãe, seu irmão, então isso eu
acho que é importante, fundamental e insubstituível no processo. (Cleyton – educador
social – meio ambiente - GDF).
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Vulnerabilidades
Manoel de Barros
Não se encontra uma definição que vocalize as diversas áreas do conhecimento atribuindo um
sentido unívoco à vulnerabilidade, apesar de existir um relativo consenso, em termos genéricos,
de que ela é o resultado da confluência da exposição aos riscos, da incapacidade de resposta
e da inabilidade de adaptação. (VIGNOLI, 2002, p.95). Nesta acepção, a vulnerabilidade pode
ser uma condição dos atores frente a acontecimentos adversos de variadas naturezas: ambientais,
econômicas,fisiológicas, psicológicas, legais e sociais, ao mesmo tempo em que pode ser uma
abordagem para a análise de diferentes tipos de riscos e de respostas, de ofertas de assistência,
ocorridas em sua materialização.
Vignoli (2002, p. 96) chama atenção para alguns aspectos que são destacados para informar o
determinante da vulnerabilidade social:
• Dinamismo das condições de pobreza (os fatores que determinam uma receita pequena e
persistente).
A leitura de Marandola (2009) permite acrescentar outros aspectos ligados à vida urbana e sua
configuração socioespacial:
27
• Segregação socioespacial da população de baixa renda (condições precárias da moradia,
em termos de infraestrutura, ambiental e de propriedade);
[...] a manifestação mais clara da carência de poder que experimentam grupos específicos,
mas numerosos, da humanidade.
Uma das ideias que conta com consenso é a de que a Proteção Social é resposta para situações
de vulnerabilidade e que as vulnerabilidades relacionais podem ser de diversas naturezas como
citadas a seguir. São descritas como vulnerabilidades por reduzirem as capacidades humanas
e colocarem os sujeitos na condição de demandantes de proteção social. As situações citadas
desvelam vivências em que as diferenças são vividas como desigualdades produzindo o que
11 Os eventos potencialmente danosos são distintos – fome, queda abrupta no comércio ou finanças, psicopatologias,
inundações - mas, em geral, possuem um aspecto comum: são relativamente limitados e específicos.
12 Os estudos da pesquisadora Raquel Rolnik discutem com precisão este urbanismo de risco.
28
BaderSawaia vem denominando em seus estudos como sofrimento ético-político, como dito
anteriormente neste texto, aquele provocado pelo reconhecimento negativo/desvalorizado
que se faz de uma pessoa.
Assim, a condição de vulnerabilidade deveria considerar a situação das pessoas a partir dos
seguintes elementos: a inserção e estabilidade no mercado de trabalho; a debilidade de suas
relações sociais e, por fim, o grau de regularidade e de qualidade de acesso aos serviços
públicos. A inserção relacional caracteriza-se pelos vínculos que os sujeitos estabelecem com
os grupos familiar e social, mais próximos, que configuram a percepção de pertencer a uma
determinada comunidade13.
Além disso, as situações de conflito aparecem quando há uma demanda de decisão coletiva,
momento em que é necessário construir consenso.
Pois bem, porque um conflito, considerando seu caráter prosaico, é considerado uma
vulnerabilidade relacional? Configura-se como vulnerabilidade sempre que produza sofrimento
13 Daniela Tavares Gontijo; Marcelo Medeiros. Crianças e adolescentes em situação de rua: contribuições para a
compreensão dos processos de vulnerabilidade e desfiliação social. Ciênc. saúde coletiva vol.14 nº 2. Rio de Janeiro Mar./
Apr. 2009. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232009000200015
29
ético/político por denotar que as diferenças são vividas como desigualdade e que a vontade
daqueles em condições de maior poder prevalece, o que torna impeditivo a coletivização.
As situações de preconceito e discriminação negativa são marcadas por uma vivência relacional
em que um atributo ou condição concreta de uma pessoa ou grupo é tomada como um qualificador
desvalorizante, ou seja, não só tem menos valor, mas também podem menos.
Estas situações são marcadas por questões da cultura dominante que justificam e
desresponsabilizam os autores da discriminação negativa, embora já se tenha na legislação o
reconhecimento destas situações como crime.
Assim, constitui-se uma vulnerabilidade relacional que demanda atenção, também redobrada.
30
serviços de interesse público, em grupos de cultura tradicional. Sem dúvida, a leitura destes
trabalhos pode colaborar com o aprofundamento da questão por parte do leitor. Mas pode se
dar também em decorrência de outras situações como a incapacidade de lidar com conflitos
ou quando há preconceito em relação a membros que compõem o grupo.
Tanto numa situação como em outra, estudos indicam que uma característica que marca estas
situações é o fato, em muitos dos casos, de que a atitude de abandono é entendida como sendo
uma opção em face de uma suposta situação pior. Outro aspecto encontrado nos estudos são as
intensas marcas naqueles que vivenciam o abandono, uma intensa desconfiança nas relações.
Como foi possível notar, a situação de abandono se delineia numa alta vulnerabilidade relacional.
Os impedimentos da convivência pela distância física ou pela cultura e/ou religiosidade produzem
sofrimento à medida que membros de grupos
são premidos pelas condições materiais a
migrar por sua conta e risco, ou grupos são
afastados de outros porque suas crenças e/ou
origens e modos de vida são divergentes. As
apartações também aparecem nas grandes
cidades nas práticas juvenis, quando gangues
e/ou tribos não podem circular por territórios
delimitados por outros e reciprocamente,
outros não podem circular em seu território.
Estas situações são redutoras das capacidades humanas, pois por um lado são vínculos em
sua face negativa (religiões, origens, modos de vida) e por outro, quando positivos, a distância
física é vivida como tristeza (na migração).
31
de informação sobre o real perigo que essa
pessoa pode causar, isso afeta negativamente
as pessoas que são o centro dessas situações.
Desse modo, o confinamento torna vulnerável todas as pessoas nele envolvidas, as que
estão diretamente confinadas e as responsáveis pelo confinamento.
No caso do idoso, as limitações e restrições causadas pelo envelhecimento muitas vezes leva os
familiares a limitar e restringir ainda mais os relacionamentos e a comunicação destas pessoas.
32
Violência: indivíduos ou grupos são impedidos ou compelidos
a ações em desacordo com sua vontade e interesse, por vezes
tendo a vida ameaçada etc.
A violência é o ponto extremo do exercício de poder de uma pessoa ou grupo sobre outra
pessoa ou grupo, em que o uso de força física e/ou psicológica induz e/ou obriga a realização
de atos e condutas em que aquele que realiza não quer ou não sabe por que faz.
14 Intervir nestas situações requer do profissional competências técnicas, ética e política, ou seja,
expertises para uma atuação com êxito, na perspectiva de (re)construção de projetos de vida.
33
34
Fortalecimento de Vínculos como Finalidade
[...] uma vida não mais vivenciada a partir da necessidade, em função dos
meios e dos fins, mas a partir de uma produção, de uma produtividade, de
uma potência, em função das causas e dos efeitos.
Gilles Deleuze
No sentido de concretizar esta perspectiva elaborou-se um conjunto de indicadores que precisa ser
tomado como orientador das estratégias de investigação/pesquisa dos profissionais da Política de
Assistência, ao mesmo tempo em que compõem os planos individuais e coletivos com os usuários
no sentido de ampliação e diversificação do campo relacional. Dessa forma, permitem a identificação
e qualificação dos resultados obtidos no exercício profissional e nos desafios da política.
Parte das relações de parentesco traz uma dimensão afetiva e apoiadora no cotidiano
capaz de proteger os indivíduos e/ou grupos. Há aqui o reconhecimento de que não são
35
todas as relações familiares que são capazes de proteger, e que aquelas que apresentam
laços positivos e presença afetiva e ordinária precisam ser identificadas e valorizadas.
Evidencia-se que os elementos fortalecedores são o gostar e apreciar o outro, além de
contar com ele para questões prosaicas do cotidiano.
15 Conforme já citado anteriormente, Paugam define quatro categoriais de vínculos, sendo esta uma delas.
36
Algumas relações de cidadania são fonte de aprendizado, de
diálogo e conquistas:
Sempre importante lembrar que neste processo existem conflitos e muitos problemas
a serem enfrentados, mas que eles são fortalecedores e precisam ser mapeados,
promovidos e valorizados.
Esses dois elementos – certeza e satisfação de necessidades sociais - nos ajudam a responder para
quem vale a referência que as equipes de profissionais do SUAS constroem: são referências de
proteção social para as famílias e indivíduos, que têm nas equipes a certeza de que encontrarão
respostas qualificadas para suas necessidades. Uma referência, portanto, construída a partir de
conhecimentos técnicos específicos e de uma postura ética que, ao acolher as necessidades sociais
dos cidadãos como direito, acenam em direção a horizontes mais acolhedores, compartilhados e
de maior autonomia. (NOB-RH, 2011, p. 42).
37
Estes processos de presença institucional/pessoal, ausência de julgamento moral
das condutas, certeza e empenho em garantir a satisfação das necessidades
sociais, com atenção diferenciada às questões relacionais são capazes de proteger
indivíduos e/ou grupos,etc.
38
Convivência como Processo e Metodologia
A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que
se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas,
porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo o que se
passa está organizado para que nada nos aconteça.
Jorge Larrosa
Antes nós fazemos uma reflexão, o porquê, porque tudo tem uma razão. Nós levantamos
a situação, problematizamos com eles a partir dos exemplos que eles têm, pra depois nós
construirmos algo da parte que a gente tem, não é nada assim: vamos fazer, não, é tudo
comentado, por isso a gente senta, se reúne, planeja, porque na verdade é mais importante
eles falarem do que a gente, a gente pensa em completar alguma informação que às vezes
é curiosidade, passa desapercebido, pra pontuar, mas quando eles falam é importante
mesmo. (Márcia – Educadora Social – dinamização- Governo do Distrito Federal).
Quando tem uma atividade que a gente não gosta nós falamos: Ah! Isso é chato, e aí podemos
fazer outra coisa. (Juliana – 10 anos, usuária do COSE – GDF).
Desse modo, as situações de convivência são tomadas como oportunidades que precisam
ser criadas, preparadas e a experiência é o foco de análise e entendimento.A abordagem é
39
de horizontalidade,que implica na alternância e variação de lugares, de saber e poder, com o
objetivo de ampliar, fortalecer e diversificar modos de relacionamento e os laços produzidos. Esta
abordagem se concretiza por meio de encontros de conversações e fazeres, caracterizados por:
Escuta
Estratégia que cria uma ambiência e um clima em que a história do outro é ouvida
tanto como realização quanto processo que constituiu o sujeito que fala, portanto
pertencente a uma lógica temporal não cronológica. Assim, a narrativa é constituída
a partir do interesse daquele que escuta. As perguntas que animam a narrativa estão
ligadas a elementos da própria fala e não de um roteiro prévio a ser seguido. Interesse
na história e apreço pelo trajeto vivido pelo sujeito que narra, busca dos motivos e não
das justificativas, busca do entendimento e não do julgamento sobre as situações que
são componentes estruturantes desta técnica.
Saber que há legitimidade e interesse pela sua narrativa oferece segurança para poder
partilhar questões aflitivas ou importantes e isso fortalece vínculos.
40
etc. precisam ser organizados de forma que os participantes interajam e conquistem algo
em conjunto, ou seja, porque colaboraram entre si.
Exercício de escolhas
41
com duas pessoas que irá escolher e trazer para o próximo encontro. Em novo encontro
as partes apresentam suas questões e o profissional apresenta uma proposta restaurativa
para eliminação dos aspectos graves da situação. Quanto mais estes procedimentos tiverem
a participação dos usuários, se constituirão como experiência coletiva e assim poderão
fortalecer e diversificaros modos de ralação.São práticas democráticas e participativas que
potencializam esta estratégia/método, a convivência/vínculos.
16 Como exemplo, podemos citar, a escolha, neste processo coletivo, de um representante de usuário
para compor/integrar o conselho municipal de assistência social e retorno das discussões para o coletivo; ou
um processo de avaliação do serviço ofertado em determinada unidade pública.
42
Experiência de aprender e ensinar horizontalmente
Estratégia que permite construir nas relações lugares de autoridade para determinadas
questões, desconstruindo a perspectiva de autoridade por hierarquias previamente
definidas. Implica a identificação de saberes e experiências dos usuários para que
possa organizar momentos em que cada um possa ocupar o lugar de quem ensina ou
protagoniza uma situação. Os jogos cooperativos são uma ferramenta para preparação
destes encontros, que sem dúvida são complexos e demanda do profissional a certeza
de que eles têm coisas a ensinar entre si e para os profissionais. Identificar as habilidades
e potencialidades dos usuários, famílias e grupos potencializam a prática profissional.
43
que são valorizadas para evidenciar as dificuldades que produzem. Associado a este
movimento de desconstrução é importante associar a construção da admiração e do
respeito. As biografias podem ser um recurso importante para construir a admiração
pela diferença, pois permitem conhecer as características e um entendimento sobre
elas. Os filmes Edit Piaf, Dois filhos de Francisco, Gonzaga – De pai pra Filho, dentre
outros, podem ser bons pontos de partida, a abordagem irá depender do grupo e do
profissional que topar o desafio.
Essa direção metodológica que toma a experiência de convívio como método de trabalho
e promove a variação e sustentação de vínculos relacionais, está presente em publicações
que orientam a consolidação dos serviços de convivência e fortalecimento de vínculos na
política de assistência social.Para evitar a exaustão e com vistas a fomentar a leitura mais
atenta daquelas publicações, demonstra-se a seguir algumas dessas expressões para
facilitar essa identificação das abordagens comuns.
44
Por aqui as coisas estão caminhando. O CJ – Caiçara está acompanhando a proposta de construção
de um mega complexo portuário aqui em Peruíbe. (...) Algo que somou à luta já encampada pelo
CJ Caiçara, em Cananéia, em favor do Rio Ribeira de Iguape livre de barragens.
Eles são grandões, mas estamos indo pras cabeças acreditando na mobilização popular.
Um processo que tem se mostrado importante e coerente para o fortalecimento de
autoafirmação enquanto movimento social que é o de Juventude e Meio Ambiente.
Nesse contexto de militância, acompanhado das mudanças nas vidas da galera, o CJ Caiçara
continua na mesma pegada, acreditando que “o processo é lento e o desapego do resultado é
importante”. Infelizmente os meios que temos de avaliar os avanços qualitativos, não dão conta
de uma evolução orgânica”. (Relato de jovem frequentador do CJ Caiçara em Itanhaém)17.
Nessa direção é importante ressaltar que nos Cadernos Projovem oferecem subsídios para o
desenvolvimento do trabalho do orientador, ou seja, busca dar consistência e substância ao
“como fazer”. Mas ao apontar a participação dos jovens, a expressão usada no início das sessões
é “o que o jovem pode fazer?”. Portanto, o poder fazer indica não só a identificação da potência
de ação dos jovens, mas também que o desencadear dessa potência está associado a desejos,
escolhas e condições de fazer, dizer pode não é dizer deve. Complementa essa aposta a indicação
de experiências e o relato dos jovens sobre a relevância dessa vivência para si e para os grupos
nos quais estão inseridos, desse modo o pode torna-se ainda mais explícito ao demonstrar que
foi possível em várias localidades.
Quando apresentamos os dados nos encontros regionais do Comitê foi um murmúrio e cochichos
de vozes que concordavam e discordavam e em alguns momentos o silêncio ao reconhecer uma
ação que não produzia cidadãos. Isso nos deu mais autonomia, reconhecimento e conquistas
profissionais. O melhor foi ver muitos revendo suas ações como o jeito de nos tratar como
‘coisas’. Não sou coisa sou sujeito de direitos e não de análise eterna. (Jovem participante da
Rede TXAI Jovem - Acre)18
17 Experiência disponível in MDS/ Projovem Adolescente. Caderno do Orientador Social: Ciclo II: Percurso
Socioeducativo V: coletivo articulador-realizador. Brasília, MDS, 2009.
18 Ibid.
45
no PAIF são definidas as estratégias metodológicas de acolhida, quer seja individual, em grupo; as
oficinas com famílias; as ações comunitárias; ações particularizadas e os encaminhamentos.
Ressalte-se ainda que trabalhar os afetos não se reduz a posturas mais sensíveis ou delicadas, não
se trata de características pessoais a serem buscadas no perfil dos trabalhadores do SUAS. Exige o
desenvolvimento de conhecimento com rigor teórico e metodológico sobre o impacto que a vivência
de sofrimento traz para as pessoas, pressupõe conhecer e aprofundar os debates sobre desigualdade
para além da sua expressão econômica, exige construção de conhecimento e sistematização dos
saberes produzidos na intervenção profissional, requer a apropriação do cotidiano vivido e domínio
dos processos de exclusão/inclusão, pressupõe enfim humanização da política.
Processo e metodologia
46
Consequências Programáticas
Eu creio no poder das palavras, na força das palavras, creio que fazemos coisas com as palavras
e, também, que as palavras fazem coisas conosco. As palavras determinam nosso pensamento
porque não pensamos com pensamentos, mas com palavras, não pensamos a partir de uma suposta
genialidade ou inteligência, mas a partir de nossas palavras. E pensar não é somente “raciocinar”
ou “calcular” ou “argumentar”, como nos tem sido ensinado algumas vezes, mas é, sobretudo, dar
sentido ao que somos e ao que nos acontece.
Jorge Larrosa
Nessa direção, apresenta-se a seguir uma situação ilustrativa da potência do trabalho social no
âmbito da política de Assistência Social para o fortalecimento e expansão de vínculos relacionais.
Pretende-se com essa concretização estabelecer um efeito demonstrativo e anunciar que o debate
sobre concepção, nessa perspectiva, está diretamente associado à dimensão programática e
interventiva da política,ou seja, associa-se às respostas que ela deve produzir, é isso que promove
sustentação e sentido ao diálogo.
47
Um adolescente de uma família de 7 filhos, sendo ele o 3º, deixou a escola no 7º ano e
começou a fazer bicos nas ruas do bairro e ganhar um dinheiro. Hoje ele tem 16 anos,
frequenta um Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, que começou a ir
porque tinha jogo na quarta-feira e depois, por causa do orientador social que organizava
o jogo passou a participar de um grupo de conversa que acontece toda quinta-feira. É um
bate-papo sobre assuntos diversos, mas cada vez o orientador propõe um jeito diferente
de conversar. Às vezes é uma dramatização, outras é um desenho ou a invenção de uma
história e todo mundo faz alguma coisa.
No primeiro desenho o garoto dizia ter uma relação conflituosa com o pai e com os irmãos
e não os diferenciava, tudo oque dizia eram meus irmãos, não conseguia discriminar, dizia
que todos eram chatos e não gostava deles. A relação com a mãe é boa, mas ela trabalha
fora e não tem muito tempo.
Havia deixado a escola depois de repetir duas vezes o 7º ano, a segunda vez por faltas.
Faz bicos, trabalha na feira, ajuda na mecânica, faz um serviço de banco para o dono da
padaria. Tem um amigo que já esteve internado na Febem por ter sido apreendido com
produto de furto. Este amigo está em cumprimento de medida socioeducativa por meio
da liberdade assistida e foi quem o convidou para ir jogar bola. Não tem namorada e nem
outros amigos.
Marcou uma conversa com o orientador e a partir do que ia dizendo ele ia desenhando.
O garoto foi contando que tinha descoberto que o irmão mais novo era muito bacana
e o estava ajudando no retorno a escola (estava cursando EJA para terminar o ensino
fundamental). Informou que a irmã e o irmão mais velhos é que não eram legais, realmente
não se davam bem. Estava torcendo pra sua irmã casar logo e sair de casa. Os três mais
novos não eram muito próximos, mas eram legais. Continuava fazendo bicos, mas todos
que davam serviço para ele estavam dando gorjeta porque ele voltou a estudar. Está feliz
porque esta namorando há um mês e esta apaixonado.
Seu grande amigo havia conseguido um trabalho com carteira assinada. Outra coisa que
havia acontecido é que ele estava participando de um grupo de teatro de uma ONG e esta
adorando. Foi nesse grupo que conheceu sua namorada.
O orientador social terminou o desenho e o garoto disse que estava faltando desenhar o
grupo de conversa, pois era uma coisa importante pra ele.
O diagrama mostra o campo relacional quando ele acessa o serviço, mostrando o quanto é
restrito e indiscriminado em relação aos irmãos. A legenda permite identificar as pessoas e os
tipos de relações estabelecidas.
48
O diagrama evidencia um jovem com vínculos frágeis por um lado e conflituosos por outro.
Apenas a relação com um amigo se mostra intensa e positiva.
49
Esta história é inventada e parcial, tem a pretensão de motivar os trabalhadores do SUAS,
por admiração e/ou crítica a também inventarem/narrarem histórias que expressem seus
objetivos e estratégias de trabalho a partir do ponto de vista de um observador que detém
seu olhar sobre as transformações na vida do usuário. Espera-se que os trabalhadores se
sintam mobilizados.
50
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