Agamben - A Potência Do Pensamento PDF
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Giorgio Agambeni
ABSTRACT
The concept of potency has, in the occidental philosophy, a long history and,
at least from Aristotle, it occupies a central place of it. In this article, Giorgio
Agamben shows us how Aristotle looked for exhaustingly to collate with the
ambiguities and the aporias of his theory of the potency. The figure of the
potency that he extracts of this reading compels us to not only rethink the
relation between the potency and the act, between possible and real, but the
understanding of the alive being is all that must be revoked in question, if is
truth that the life must be thought as a potency that incessantly exceeds its
forms and its accomplishments.
A POTÊNCIA DO PENSAMENTO
RESUMO
★
Professor doutor de Estética na Universidade de Verona, Itália; e professor de Filosofia
no Collège International de Philosophie em Paris e na Universidade de Macerata, na Itália
potenza che compete a chi ha già la exis pondente àquele certo saber ou àquela
corrispondente a quel certo sapere o a certa habilidade. É nesse segundo sen-
quella certa abilità. E’ in questo secondo tido que se diz que o arquiteto tem a
senso che si dice che l’architetto ha la potência de construir mesmo quando
potenza di costruire anche quando non não está construindo, ou que o tocador
sta costruendo, o che il suonatore di de cítara tem a potência de tocar mes-
cetra ha la potenza di suonare anche mo quando não toca. A potência que está
quando non suona. La potenza che è qui em questão aqui difere essencialmente
in questione differisce essenzialmente da potência genérica que compete à
dalla potenza generica che compete al criança. A criança, escreve Aristóteles,
bambino. Il bambino, scrive Aristotele, é potente no sentido de que deverá so-
è potente nel senso che dovrà subire frer uma alteração por meio do apren-
un’alterazione attraverso l’appren- dizado; aquele que já possui uma técni-
dimento; colui che giá possiede una ca, ao contrário, não deve sofrer uma
tecnica, invece, non deve subire alteração, mas é potente a partir de uma
un’alterazione, ma è potente a partire exis, que pode não colocar em ato ou
da una exis, che può non mettere in atto atuar, passando de um não ser em ato a
oppure attuare, passando da un non um ser em ato (ek tou… me energein
essere in atto a un essere in atto (ek eis to energein – 417b, 1). Quer dizer, a
tou… me energein eis to energein – potência é definida essencialmente pela
417 b 1). La potenza è, cioè, definita possibilidade do seu não-exercício, as-
essenzialmente dalla possibilità del suo sim como exis significa: disponibilida-
non-esercizio, così come exis signifi- de de uma privação. Ou seja, o arquite-
ca: disponibilità di una privazione. L’ to é potente enquanto pode não-cons-
architetto è, cioè, potente, in quanto può truir, e o tocador de cítara é tal porque,
non-costruire e il suonatore di cetra diferentemente daquele que se diz po-
è tale perché, a differenza di colui che è tente apenas em sentido genérico e que
detto potente solo in senso generico simplesmente não pode tocar a cítara,
e che semplicemente non può suonare ele pode não-tocar a cítara.
la cetra, può non-suonare la cetra.
É desse modo que Aristóteles res-
È in questo modo che Aristotele ponde, na Metafísica, à tese dos
risponde, nella Metafisica, alla tesi dei Megáricos, que afirmavam, aliás, não
Megarici, che affermavano, peraltro non sem boas razões, que a potência existe
senza buone ragioni, che la potenza apenas no ato (energei mono dynastai,
esiste solo nell’atto (energei mono otan me energei ou dynastai – 1046b,
dynastai, otan me energei ou dynastai 29-30). Se isso fosse verdade, objeta
– 1046b, 29-30). Se ciò fosse vero, Aristóteles, nós não poderíamos consi-
obietta Aristotele, noi non potremmo derar arquiteto o arquiteto mesmo quan-
considerare architetto l’ architetto anche do não constrói, nem chamar o médico
quando non costruisce, né chiamare de médico no momento em que ele não
medico il medico nel momento in cui está exercitando a sua arte. Isto é, está
non sta esercitando la sua arte. In ques- em questão o modo de ser da potência,
tione è, cioè, il modo di essere della que existe na forma da exis, da sobera-
potenza, che esiste nella forma nia sobre uma privação. Há uma forma,
della exis, della signoria su una uma presença daquilo que não é em ato,
della luce non è, dunque, esatto. Si tratta, diáfano, dessa physis anônima capaz
piuttosto, di una metafisca del diafano, tanto das trevas quanto da luz).
di questa physys anonima capace tanto
Algumas páginas depois, fa-
della tenebra che della luce).
lando do senso comum, Aristóteles se
Qualche pagina dopo, parlando pergunta como se dá o fato de, en-
del senso comune, Aristotele si chiede quanto vemos, sentimos que vemos
come avviene che, mentre vediamo, noi (aisthanometha oti oromen) ou, enquan-
sentiamo di vedere (aisthanometha oti to ouvimos, sentimos que ouvimos. No
oromen) o, mentre udiamo, sentiamo di que concerne à vista, isso pode aconte-
udire. Per quanto riguarda la vista, ciò cer ou porque sentimos ver com um
può avvenire o perché noi sentiamo di outro sentido ou com a própria vista. A
vedere con un altro senso o con la vista resposta de Aristóteles é a de que nós
stessa. La risposta di Aristotele è che sentimos ver com o mesmo sentido com
noi sentiamo di vedere con lo stesso o qual vemos. Isso implica, porém, uma
senso con cui vediamo. Ciò implica, aporia: “dado que sentir com a vista sig-
però, un’aporia: “poiché sentire con la nifica ver, e aquilo que se vê é a cor mais
vista significa vedere, e quel che si vede aquilo que a cor tem, então, se aquilo
è il colore più ciò che ha il colore, allora, que vemos é aqui o próprio vidente, é
se ciò che vediamo è qui il vedente preciso que o princípio do ver (to oron
stesso, è necessario che il principio del proton) seja, por sua vez, colorido. É
vedere ( to oron proton ), sia a sua volta claro, portanto, que ‘sentir com a vista’
colorato. È chiaro, dunque, che “sentire tem mais de um significado, já que mes-
con la vista” ha più di un significato, mo quando não vemos, distinguimos
poichè anche quando non vediamo, com a vista as trevas da luz. Portanto, o
distinguiamo tuttavia con la vista la princípio da visão é de algum modo
tenebra dalla luce. Dunque il principio colorido” (425b 17-25).
della visione è in qualche modo
Nessa passagem extraordinária,
colorato” (425b 17-25).
na qual o problema da potência mostra
In questo passo straordinario, in a sua relação essencial com o da auto-
cui il problema della potenza mostra la afecção, Aristóteles retoma e desenvol-
sua relazione essenziale con quello ve a pergunta inicial: “por que, na au-
dell’autoaffezione, Aristotele riprende e sência de objetos externos, não há sen-
sviluppa la domanda iniziale: “perché, sação dos próprios sentidos?”, à qual
in assenza di oggetti esterni, non c’è tinha respondido afirmando que isso
sensazione dei sensi stessi?”, a cui aveva ocorre porque a sensação é em potên-
risposto affermando che ciò è perché la cia, e não em ato. As considerações se-
sensazione è in potenza, e non in atto. guintes permitem uma melhor compre-
Le considerazioni successive perme- ensão do significado dessa resposta.
ttono di comprendere meglio il sig- Quando não vemos (quer dizer: quando
nificato di questa risposta. Quando non a nossa vista permanece em potência),
vediamo (cioè: quando la nostra vista ainda assim nós distinguimos o escuro
rimane in potenza), tuttavia noi da luz, vemos, por assim dizer, as tre-
distinguiamo il buio dalla luce, vas como cor da visão em potência. O
vediamo, per così dire, le tenebre, come princípio da visão “é, de alguma forma,
colore della visione in potenza. Il prin- colorido”, e as suas cores são o escuro
cipio della visione “è, in qualche modo, e a luz, a potência e o ato, a privação e a
colorato”, e i suoi colori sono il buio e la presença. Isso significa que sentir ver é
luce, la potenza e l’ atto, la privazione e possível porque o princípio da visão
la presenza. Ciò significa che sentire di existe tanto como potência de ver quanto
vedere è possibile perché il principio della como potência de não-ver, e esta última
visione esiste tanto come potenza di não é uma simples ausência, mas algo
vedere che come potenza di non-vedere, existente, a exis de uma privação. A
e quest’ultima non è una semplice neurofisiologia moderna parece, neste
assenza, ma qualcosa di esistente, la exis ponto, estar de acordo com Aristóteles.
di una privazione. Quando, pela ausência de fontes lumi-
nosas ou porque estamos com os olhos
La neurofisiologia moderna
fechados, não vemos objetos externos,
sembra, su questo punto, d’accordo con
isso não significa para a retina a ausên-
Aristotele. Quando, per l’assenza di
cia de todas as atividades. O que acon-
sorgenti luminose o perchè teniamo gli
tece, ao contrário, é que a falta de luz
occhi chiusi, noi non vediamo oggetti
coloca em função uma série de células
esterni, questo non significa, per la re-
periféricas chamadas off-cells, que pro-
tina, l’assenza di ogni attività. Quel che
duzem aquela auto-afecção particular da
avviene, al contrario, è che la mancanza
retina que nós chamamos de escuro. A
di luce mette in funzione una serie di
escuridão é realmente a cor da potên-
cellule periferiche dette off-cells , che
cia, e a potência é essencialmente a dis-
producono quella particolare auto-
ponibilidade de uma steresis, potência
affezione della retina che noi chiamiamo
de não-ver.
buio. L’oscurità è veramente il colore
della potenza, e la potenza è POTÊNCIA PARA AS TREVAS
essenzialmente disponibilità di una
steresis, potenza di non-vedere. Em seu comentário ao De anima,
Temístio nota com singular perspicácia
POTENZA PER LA TENEBRA todas as implicações dessa passagem.
“Se a sensação não tivesse uma potên-
Nel suo commento al De anima,
cia tanto para o ato como para o não-
Temistio coglie con particolare acutezza
ser-em-ato, se ela fosse sempre e somen-
tutte le implicazioni di questo passo. “Se
te em ato, ela não poderia jamais distin-
la sensazione non avesse una potenza
guir o escuro (skotos) nem ouvir o si-
tanto per l’ atto che per il non-essere-
lêncio; da mesma forma, se o pensamen-
in-atto, se essa fosse sempre e soltanto
to (nous) não fosse capaz tanto do pen-
in atto, essa non potrebbe mai percepire
samento quanto do não-pensamento
il buio (skotos) né udire il silenzio; allo
(anoia), não poderia jamais conhecer o
stesso modo, se il pensiero (nous) non
sem-forma (amorphon), o mal, o sem-
fosse capace tanto del pensiero che del
figura (aneideon)… Se o pensamento
non-pensiero (anoia), non potrebbe mai
não tivesse algo em comum com a po-
conoscere il senza-forma (amorphon),
tência, não conheceria a privação
il male, il senza-figura (aneideon)… Se
(steresis)”.
il pensiero non avesse comunità con la
potenza, non conoscerebbe la privazione A grandeza – mas também a mi-
(steresis)”. séria – da potência humana está no fato
Come mai, allora, non soltanto termo “liberdade”, também não evoca
Aristotele non menziona mai, in questo de nenhuma forma o problema da von-
contesto, il termine ‘libertà’, ma tade e da decisão? É evidente, como
nemmeno evoca in alcun modo il pro- Schlomo Pines mostrou com clareza,
blema della volontà e della decisione? que para um grego o conceito de liber-
Certo, come Schlomo Pines ha mostrato dade define um status e uma condição
con chiarezza, per un greco il concetto social e não, como para os modernos,
di libertà definisce uno status e una algo que possa se referir à experiência
condizione sociale e non, come per i e à vontade de um sujeito. Mas decisi-
moderni, qualcosa che possa essere vo é o fato de que, para Aristóteles, a
riferito all’esperienza e alla volontà di potência, enquanto se determina como
un soggetto. Ma decisivo è che, per exis de uma privação, como potência de
Aristotele, la potenza, in quanto si de- não-fazer e de não-ser, não pode ser
termina come exis di una privazione, destinada a um sujeito como um direito
come potenza di non-fare e di non- ou como uma propriedade. No dicioná-
essere, non può essere assegnata a un rio filosófico contido no livro delta da
soggetto come un diritto o una proprietà. Metafísica (1022b, 7-10), lê-se que se a
Nel dizionario filosofico contenuto nel exis é uma relação entre aquele que tem
libro delta della Metafisica (1022b, 7- e aquilo que é tido, então “é impossível
10), si legge che se la exis è una ter uma exis (echein exin; exis, habitus
relazione fra colui che ha e ciò che è é o deverbal de “ter”), já que se chega-
avuto, allora “è impossibile avere una ria ao infinito, se fosse possível ter o
exis (echein exin; exis, habitus è il hábito daquilo que se tem”.
deverbale di ‘avere’), poichè si andrebbe
Que a exis de uma potência não
all’infinito, se fosse possibile avere
possa ser, por sua vez, possuída, isso
l’abito di ciò che si ha”.
significa a impossibilidade de um su-
Che la exis di una potenza non jeito no sentido moderno, isto é, de uma
possa essere a sua volta posseduta, ciò consciência auto-reflexiva como centro
significa l’impossibilità di un soggetto de imputação das faculdades e dos há-
in senso moderno, cioè di una coscienza bitos. Mas isso significa também que o
autoriflessiva come centro di impu- problema da potência não tem, para um
tazione delle facoltà e degli abiti. Ma grego – e provavelmente com razão –,
ciò significa, anche, che il problema nada a ver com o problema da liberda-
della potenza non ha, per un greco – e, de de um sujeito.
probabilmente, a ragione – nulla a che
fare col problema della libertà di un NADA HAVERÁ DE IMPOTENTE
soggetto.
Chegou o momento de questio-
NULLA SARÀ DI IMPOTENTE nar mais de perto a relação entre potên-
cia e impotência, entre poder e poder-
È venuto il momento di inter- não. Como pode, de fato, uma potência
rogare più da vicino la relazione fra passar ao ato, se toda potência já é sem-
potenza e impotenza, fra il potere e il pre potência de não passar ao ato? E
poter-non. Come può, infatti, una como podemos pensar o ato da potên-
potenza passare all’atto, se ogni potenza cia-de-não? O ato da potência de tocar
gliezza” degli interpreti che, con un ato não será nada, não pode ser, na ver-
“malcelato sentimento di trionfo” dade, senão aquela adynamia que, se-
attribuiscono ad Aristotele una simile gundo Aristóteles, pertence a toda
tautologia. L’impotenza, di cui si dice dynamis: a potência de não (ser ou fa-
che al momento dell’atto, non sarà zer). A tradução correta é, portanto: “é
nulla, non può essere, invece, che potente aquilo para o qual, se ocorre o
quell’adynamia che, secondo Aristotele, ato do qual é dito haver a potência, nada
appartiene a ogni dynamis: la potenza haverá de potente não (ser ou fazer)”.
di non (essere o fare). La traduzione Mas como entender, então: “nada ha-
corretta sarà, pertanto: “è potente ciò per verá de potente não –”? Como a potên-
il quale, se avviene l’atto di cui è detto cia pode neutralizar a impotência que
avere la potenza, nulla sarà di potente lhe co-pertence?
non (essere o fare)”. Ma come intendere,
Uma passagem do De Interpre-
allora: “nulla sarà di potente non–”?
tatione fornece algumas indicações pre-
Come può la potenza neutralizzare
ciosas. Em relação às negações dos
l’impotenza che le coappartiene?
enunciados modais, Aristóteles distin-
Un passo del De Interpretatione gue, e ao mesmo tempo relaciona, o pro-
fornisce delle indicazioni preziose. blema da potência e o da enunciação
A proposito delle negazioni degli modal. Enquanto a negação de um enun-
enunciati modali, Aristote distingue e, ciado modal deve negar o modo e não o
insieme mette in relazione, il problema dictum (por isso a negação de “possível
della potenza e quello dell’ enunciazione que seja” é “não possível que seja” e a
modale. Mentre la negazione di un negação de “possível que não seja” é
enunciato modale deve negare il modo “não possível que não seja”), no plano
e non il dictum (per cui la negazione di da potência as coisas não são diferentes
“possibile che sia” è “non possibile che e negação e afirmação não se excluem.
sia” e la negazione di “possibile che non “Já que aquilo que é potente não é sem-
sia” è “non possibibile che non sia”), pre em ato”, escreve Aristóteles, “a ne-
sul piano della potenza le cose gação também lhe pertence: de fato,
stanno diversamente e negazione e pode até não caminhar aquilo que é ca-
affermazione non si escludono. “Poiché paz de caminhar, e pode não ver aquilo
ciò che è potente non è sempre in atto” que pode ver” (21b, 14-16). Por isso,
scrive Aristotele “anche la negazione no livro theta e no De anima, a negação
gli appartiene: infatti, può anche da potência (ou melhor, a sua privação)
non camminare ciò che è capace di tem, como vimos, sempre a forma:
camminare e può non vedere ciò che “pode não” (e nunca a forma: “não
può vedere” (21b, 14-16). Per questo, pode”). “Por isso parece que as expres-
nel libro theta e nel De anima, la sões ‘possível que seja’ e ‘possível que
negazione della potenza (o, meglio, la sua não seja’ sucedem uma à outra, já que a
privazione) ha, come abbiamo visto, mesma coisa pode ser e não ser. As
sempre la forma: “può non” (e mai enunciações desse gênero não são, por-
quella: “non può”). “Sembra perciò che tanto, contraditórias. Por outro lado,
le espressioni “possibile che sia” e ‘possível que seja’ e ‘não possível
“possibile che non sia” conseguano que seja’ nunca estão juntas” (21b, 35-
l’una all’ altra, poichè la stessa cosa può 22a, 2).
NOTAS
1
Com agradecimentos a Cláudio Oliveira e Susana Scramim pela revisão da tradução.
2
Resumos e palavras-chave, em inglês e português, feitos pela Editoria da Revista.
Recebido em novembro/2005
Aceito em março/2006