Carrapatos Na Cadeia Produtiva de Bovinos
Carrapatos Na Cadeia Produtiva de Bovinos
Carrapatos Na Cadeia Produtiva de Bovinos
Carrapatos
na Cadeia Produtiva de Bovinos
O Brasil, um dos mais importantes participantes do
mercado mundial da carne, possui espaço para aumentar
a sua produtividade e qualidade sanitária. O cerrado abriga
um grande espaço produtivo e os cruzamentos entre raças
bovinas constituem uma conquista para a produtividade
por meio da heterose. Isso, por outro lado, leva à produção
de animais sensíveis ao carrapato. O controle adequado do
carrapato gera soluções no desenvolvimento sustentável
da pecuária no Brasil.
Neste livro, um grupo de pesquisadores oferece
informações sobre o manejo de carrapatos na pecuária. Os
17 capítulos incluem: informações sobre o carrapato-do-boi
e os carrapatos nos cavalos; exemplos da situação de
carrapatos na cadeia produtiva em outros países; as
principais doenças transmitidas por carrapatos na cadeia
produtiva de bovinos no Brasil; as propostas para o
controle do carrapato e os estudos sobre o transcriptoma
do carrapato-do-boi; e a variabilidade genética entre raças
bovinas e seus cruzamentos.
Esperamos que o leitor possa incorporar novas tecnologias
na prática do controle do carrapato na cadeia produtiva de
bovinos garantindo um bom lugar no mercado por meio
aumento da produtividade no sistema de produção.
Patrocínio:
ISBN 978-85-7035-230-9
9 788570 352309
CGPE 15110
Carrapatos
na Cadeia Produtiva de Bovinos
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
Embrapa Gado de Corte
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
Carrapatos
na Cadeia Produtiva de Bovinos
Renato Andreotti
Marcos Valério Garcia
Wilson Werner Koller
Editores Técnicos
Embrapa
Brasília, DF
2019
Exemplares desta publicação podem ser adquiridos na:
Embrapa Gado de Corte
Av. Rádio Maia, 830, Zona Rural
79106-550 – Campo Grande, MS
Fone: (67) 3368-2000
www.embrapa.br
www.embrapa.br/fale-conosco/sac
1ª edição
1ª impressão (2019): 1.000 exemplares
ISBN 978-85-7035-230-9
CDD 595.429
_________________________________________________________________________________
Maria de Fátima da Cunha – CRB1/2616 © Embrapa, 2019
Capítulo 5
Autores
Fabiane Siqueira
Bióloga, PhD em Genética, Pesquisadora da Embrapa Gado de Corte, Campo
Grande, MS.
Gustavo Trentin
Engenheiro-Agrônomo, Doutor em Agronomia, pesquisador em Embrapa Pecuária Sul,
Bagé, RS.
Margaret Saimo-Kahwa
Phd, Departamento de Biomolecular Resources and Biolab Sciences, College of Veterinary
Medicine, Animal Resources and Biosecurity, Makerere University, Kampala, Uganda.
Renato Andreotti
Médico-Veterinário, pós-doutor. Pós-doutor em parasitologia. pesquisador da Embrapa
Gado de Corte, Campo Grande, MS.
Renato Andreotti
Apresentação
Renato Andreotti
Marcos Valério Garcia
Wilson Werner Koller
Prefácio
O livro Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos vem na hora certa. Mais do que
nunca o Brasil necessita aumentar a competitividade no setor pecuário, e o enfrentamento
do imenso problema causado pelo chamado carrapato-do-boi é uma das providências
mais urgentes.
A Embrapa calcula em R$ 9 bilhões por ano, os prejuízos causados pelo carrapato-
-do-boi. Nesse valor estão inclusos os medicamentos aplicados, a perda de peso e até as
mortes que acontecem, especialmente em função da chamada tristeza parasitária bovina,
tema abordado nesse livro. Esse valor tende a aumentar significativamente em função da
resistência que os carrapatos estão demonstrando contra os princípios ativos usados e
também devido ao aquecimento global, que está provocando o aparecimento do carrapa-
to em regiões não afetadas anteriormente, como em parte da região sul e o aumento das
infestações nas demais regiões.
Outro dano expressivo causado pelo carrapato na pecuária brasileira e pouco mencio-
nado, mesmo entre especialistas, é o da perda da receita advinda da limitada utilização
das raças europeias no nosso país. No gado de corte, o Brasil é o maior exportador em
volume, mas os nossos preços por tonelada são muito menores do que os praticados pela
Austrália (- 25%) e pelos Estados Unidos (-33%), países que exportam volumes próximos
aos do Brasil. A causa principal desse baixo valor agregado é a qualidade da carne, já que
os nossos concorrentes principais produzem, em grande escala, bovinos da raça Angus,
cuja carne é mais macia e mais saborosa. Destaco que a Austrália e os Estados Unidos
experimentam temperaturas muito altas, em vários casos, mais altas que as observadas no
centro-oeste brasileiro. A diferença é que nesses países a presença do carrapato é peque-
na (na Austrália) e praticamente inexistente nos Estados Unidos. Ou seja, o problema é o
carrapato-do-boi e não o calor. As receitas brasileiras nas exportações poderiam agregar
mais R$ 4 bilhões se o nosso preço médio subisse 20%.
Existe um paralelo muito claro na produção de leite no Brasil. Os nossos índices médios
de produtividade ainda são muito baixos se comparados com os verificados nos países
onde a raça Holandesa é amplamente utilizada. De novo, a restrição mais forte decorre da
presença do carrapato-do-boi.
A boa notícia é que temos excepcionais pesquisadores na Embrapa, liderados pelo Dr.
Renato Andreotti, e outros renomados cientistas de universidades do Brasil e do exterior,
dedicando os seus conhecimentos, as suas experiências, as suas energias e a maior parte
das suas vidas para encontrar soluções para o controle e a redução forte da presença do
carrapato-do-boi na pecuária brasileira. O Dr. Renato é PhD em biologia molecular e é
reconhecido internacionalmente como um dos maiores, senão o mais importante cientista
na área que combate o carrapato-do-boi.
Esse livro compartilha com o mundo acadêmico, com as empresas do setor e, princi-
palmente, conosco, pecuaristas, um pouco do que os autores já sabem e um pouco do
que eles estão fazendo na construção do futuro competitivo da pecuária brasileira. Coloco
no topo das prioridades o desenvolvimento pela Embrapa, da vacina contra o carrapato-
-do-boi, tarefa que conta com o apoio e a parceria da Biotick, empresa que eu tenho o
orgulho de ser sócio. Menciono também as importantes lições relacionadas as aplicações
dos acaricidas corretos e ao manejo nutricional inteligente, que também contribui no con-
trole de carrapatos.
As lições ensinadas nesse livro, combinam o conhecimento científico, o desenvolvi-
mento tecnológico e a prática adquirida pelos autores na vivência com os pecuaristas
brasileiros. Essa combinação já foi testada e aprovada na solução de grandes problemas
da humanidade e terá sucesso também nessa imensa tarefa que é o Carrapatos na cadeia
produtiva de bovinos.
Empresário dos setores agropecuário (FSL Angus Itu), biotecnologia (BIOTICK) e de formação
(1)
de executivos (Quero Ser CEO). Foi CEO por 23 anos consecutivos das empresas: Grupo CAOA,
Suzano Papel e Celulose, Ford Motor Company, Grupo Itamarati e Cecrisa Revestimentos Cerâmicos.
Foi eleito 8 vezes Executivo do Ano – premiação do Jornal Valor Econômico.
Sumário
Introdução
A cada ano novos registros de espécies de carrapatos são divulgados ao redor do pla-
neta. Até o momento mais de 920 espécies são descritas no mundo, estas estão divididas
em três famílias, das quais duas são as mais importantes e abundantes: Ixodidae repre-
sentados por mais de 720 espécies, divididas em 14 gêneros, comumente conhecidos
por carrapatos “duros”, a segunda família com menor número de gêneros é a Argasidae
com mais de 200 espécies, representada por cinco gêneros e que são conhecidos como
carrapatos “moles”. Para finalizar a família Nuttalliellidae, somente com uma espécie
(Guglielmone et al., 2010; Nava et al., 2017).
No Brasil, a fauna de carrapatos até a presente data é composta de 73 espécies per-
tencentes a duas famílias: Ixodidae, com 47 espécies, e Argasidae, com 26 espécies.
Os ixodídeos estão divididos em cinco gêneros: Amblyomma, Ixodes, Haemaphysalis,
Rhipicephalus e Dermacentor. Sendo o gênero Amblyomma o de maior abundância
(Krawczak et al., 2015; Labruna et al., 2016; Wolf et al., 2016; Michel et al., 2017). Os ar-
gasídeos são compostos por quatro gêneros: Antricola, Argas, Nothoaspis e Ornithodoros
sendo este último comtemplado com o maior número de espécies (Luz et al., 2016; Muñoz-
Leal et al., 2017).
Diante deste contexto vale ressaltar que entre os cinco gêneros de ixodídeos encontra-
dos no país, os carrapatos do gênero Amblyomma e Rhipicephalus despertam um maior
interesse na comunidade científica, seja pela importância para a saúde pública, seja pelo
notável impacto econômico. Como exemplo de carrapato de importância em saúde pública
aqui se pode evidenciar o Amblyomma sculptum. Já com relação ao impacto econômico
pode-se destacar o Rhipicephalus (B.) microplus.
18 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
A b
A b
Figura 4. Animais com alta infestação por Rhipicephalus (B.) microplus. A – lesão no couro
do animal, região do pescoço. B – Miíase na região da barbela em função da alta infestação por
carrapatos.
Os prejuízos aos pecuaristas são uma realidade quando se trata do impacto causado
pelo carrapato-do-boi, no entanto ainda há o risco de contaminação ambiental em função
do mau uso dos produtos químicos empregados no combate dos carrapatos.
Como o R. (B.) microplus proporciona tantos prejuízos na cadeia produtiva bovina, o
controle desse ectoparasito deve ser realizado de forma eficiente a fim de minimizar ou
retardar o aparecimento da resistência. Além disso, deve-se ter atenção às especificações
dos produtos utilizados para o combate dos carrapatos e utilizar apenas produtos vete-
rinários, evitando assim a presença de resíduos na carne e no leite bem como os riscos
de intoxicação das pessoas e animais no momento da aplicação do carrapaticida. O uso
consciente dos produtos quimícos visa impedir contaminação ambiental.
Distribuição geográfica
Rhipicephalus (B.) microplus tem uma provável origem na Índia e na Ilha de Java, na
Ásia. As expedições exploradoras XVI, conforme registrado na história, que incluíam o
transporte de mercadorias e animais, permitiram a dispersão dos carrapatos a outros lo-
cais. Devido ao transporte de animais infestados, este parasita foi introduzindo nas regiões
tropicais e subtropicais do mundo onde originalmente não existiam. Posteriormente, veio a
se estabelecer entre os paralelos 32o Norte e 32o Sul, com alguns focos no paralelo 35o Sul
(NUÑES et al., 1982), (Figura 5).
A introdução desta espécie de carrapato no Brasil provavelmente se deu por conta das
expedições que transportavam animais domésticos parasitados, isso ocorreu no início do
século XVIII, sendo que hoje está amplamente distribuído em todo o território brasileiro.
Obviamente, que existe diferenças de itensidade de infestação nas distintas regiões do
Brasil, por conta das variações e condições cliamáticas de cada local bem como influen-
ciada pelas raças bovinas predominantemente criadas (Gonzales, 1995).
De maneira geral, devido às condições climáticas favoráveis do Brasil, este carrapato
adaptou-se em todas as regiões do país. No entanto, os fatores climáticos influenciam
diretamente as gerações anuais desse carrapato de forma diferente em cada região.
22 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
Por exemplo, na região Sul do país podem-se observar três gerações ao longo do ano,
enquanto que nas regiões Sudeste e Centro-Oeste podem-se observar de quatro a cinco
gerações (Campos Pereira et al., 2008; Cruz, 2017). Em contrapartida estudo conduzido
por Barros et al. (2017) na Caatinga sugere que esse bioma não é favorável à sobrevivên-
cia das larvas desta espécie de carrapato no periodo da seca e que as gerações estão
diretamente influenciadas pelas chuvas.
Com relação à fase parasitária, o período de parasitismo, que compreende desde a
fixação da larva até o desprendimento da teleógina, dura em média 21 dias.
Ciclo biológico
Trata-se de um carrapato que necessita de um único hospedeiro para completar seu
ciclo de vida (Rocha, 1984) e apresenta predileção em parasitar bovinos, com preferência
para Bos tauros e seus cruzamentos em relação ao Bos indicus (Gonzales, 1975).
Em suma, o ciclo de vida do R. (B.) microplus pode ser dividido em duas etapas, a fase
parasitária e a fase de vida livre (ou fase não parasitária). A fase parasitária compreende
desde a fixação da larva em um hospedeiro sensível até chegar ao estádio adulto, com
consequente desprendimento das teleóginas (fêmeas ingurgitadas). A partir deste mo-
mento dá-se o início da fase de vida livre em que, após cair ao solo, a teleógina busca local
adequado e inícia a ovipostura com subsequente incubação dos ovos e posterior eclosão
das larvas (Figura 6).
Estudos realizados por Gauss; Furlong (2002) relatam que as larvas podem permanecer
à espera de um hospedeiro na pastagem por mais de oitenta dias. A fase não parasitária
termina quando as larvas conseguem alcançar e fixar-se no hospedeiro ou quando elas
morrem sem encontrar nenhum hospedeiro em potencial.
Como dito anteriormente, as condições climáticas influenciam diretamente na duração
da fase não parasitária. Estudos mostram que, na primavera e verão (meses mais quen-
tes), o tempo desde o desprendimento da teleógina até o aparecimento de suas larvas na
Biologia e importância do carrapato Rhipicephalus (Boophilus) microplus Capítulo 1 25
Fase parasitária
A fase parasitária inicia-se com a fixação da larva em um hospedeiro susceptível, algu-
mas regiões do corpo do animal são mais desejadas (barbela, entre pernas, úbere, região
posterior e períneo) (Figura 9A, B), seja ela por causa da temperatura e espessura da pele
como também para se proteger da autolimpeza realizada pelos hospedeiros na tentativa
de eliminar esses ectoparasitas (Campos Pereira et al.,2008).
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Capítulo
Carrapatos em cavalos:
2 Amblyomma sculptum e
Dermacentor nitens
INTRODUÇÃO
Vale ressaltar que, no Brasil, os carrapatos são encontrados em todos os biomas, sen-
do que existem algumas particularidades quanto às espécies. Por exemplo, algumas es-
pécies do gênero Amblyomma são relatadas apenas em áreas de Mata Atlântica enquanto
que outras são mais adaptadas às condições de Cerrado.
O foco principal deste livro são os bovinos e o “carrapato-do-boi,” R. (B.) microplus,
cujo parasitismo causa grandes prejuízos à cadeia produtiva da pecuária bovina nacional
e internacional (ALMAZAN et al., 2018; GRISI et al., 2014). No entanto, os equídeos, além
de outras utilidades, são notadamente importantes no processo de criação de bovinos.
Eles são amplamente empregados no transporte de pessoas ou na lida diária das fa-
zendas, desempenhando várias tarefas no trabalho e estando intimamente próximos aos
seres humanos (Figura 1).
Diante disso, houve necessidade, também, de destacarmos duas outras espécies de
carrapatos que acometem principalmente os equídeos, sendo elas Amblyomma sculptum
Berlese, 1888 (Figura 2), o popular “carrapato-estrela” (conhecido como Amblyomma
cajennense até o ano de 2014), e o conhecido “carrapato da orelha-do-cavalo”, Dermacentor
nitens Neumann, 1897 (Figura 3), única espécie do gênero Dermacentor no país.
Essas duas espécies têm como hospedeiro principal os equídeos, contudo apresentam
distintos traços comportamentais e ciclos de vida. Destacamos aqui as particularidades
de cada uma dessas espécies, bem como a importância de ambas para a saúde animal
e humana.
A b
A b
Amblyomma sculptum
Até o ano de 2014, A. cajennense era considerada uma única espécie, cuja distribuição
abrangia desde o sul dos Estados Unidos até o sul do Brasil e norte da Argentina. Por se
tratar de uma espécie de ampla disseminação nas Américas e ter um importante papel na
saúde pública e animal, esse carrapato sempre foi alvo de muitos estudos. Diante disso,
Nava et al. (2014), após análises morfológicas dos diferentes espécimes de A. cajennen-
se de regiões distintas ao longo das Américas constataram que esse carrapato era, na
verdade, um complexo de espécies, denominado então de complexo Amblyomma cajen-
nense sensu lato. Esse complexo é composto por seis espécies, sendo elas: Amblyomma
cajennense sensu stricto, Amblyomma mixtum, Amblyomma sculptum, Amblyomma
tonelliae, Amblyomma interandinum e Amblyomma patinoi.
Apenas duas espécies deste complexo ocorrem no Brasil: o carrapato A. cajennense
s.s. e A. sculptum (Nava et al., 2014). Destas, a primeira ocorre na região amazônica,
sendo mais adaptada às condições úmidas pertinentes a esse bioma, enquanto que a
32 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
outra é mais adaptada às condições secas do bioma do Cerrado (Labruna, 2018; Nava et
al., 2014; Ramos et al., 2017). Dentre essas aqui será enfatizada a espécie A. sculptum,
cuja importância na saúde pública é amplamente conhecida.
Pode-se ressaltar que a identificação morfológica dos carrapatos na maioria das vezes
é realizada através do uso de chaves dicotômicas. Nesse contexto, no Brasil, os adultos
do gênero Amblyomma são identificados de acordo com Onofrio et al. (2006) e Nava et al.
(2014) e, as ninfas, de acordo com Martins et al. (2010) e Martins et al. (2016). As larvas,
no entanto são identificadas apenas até nível de gênero, pois ainda não há chaves dispo-
níveis que possibilitem a identificação até espécie. Uma alternativa para a identificação
dos carrapatos é o uso da biologia molecular, realizando extração de DNA do carrapato e
posterior sequenciamento.
Com relação especificamente ao A. sculptum, quando na fase adulta (Figura 2) é po-
pularmente conhecido como “carrapato-do-cavalo”, “carrapato-estrela” ou “rodoleiro”. Por
outro lado, as fases imaturas (larvas e ninfas) recebem as denominações de “micuim” ou
“carrapato-pólvora”, e também lhes são atribuídos os nomes de “carrapatinho”, “carrapato-
-vermelho” ou “vermelhinho”.
Essa espécie possui baixa especificidade parasitária em especial nas fases imaturas.
Assim sendo, parasitam uma ampla gama de hospedeiros, inclusive seres humanos. Os
cavalos, capivaras (Hydrochoerus hydrochaeris) e antas (Tapirus terrestris) são considera-
dos como seus hospedeiros principais, sendo assim, pelo menos um desses animais deve
estar presente em um local para que a população de A. sculptum se estabeleça (Labruna
et al., 2001; Souza et al., 2006). Outros animais já foram reportados como hospedeiros
eventuais, tais como: bovinos, suínos domésticos e selvagens, cães domésticos, cachorro
do mato (Cerdocyon thous), onça pintada (Panthera onca), onça parda (Puma concolor), ja-
guatirica (Leopardus pardalis), quati (Nasua nasua), tamanduá-bandeira (Myrmecophaga
tridactyla), tamanduá-mirim (Tamandua tetradactyla), gambá de orelha branca (Didelphis
albiventris), cervídeos, tatus, uma variedade de pequenos roedores, seriema (Cariama
cristata) (Almeida et al., 2012; Gomes de Sá et al., 2018; Martins et al., 2016; 2017; Nava et
al., 2017; Osava et al., 2016; Ramos et al., 2014; 2016; Tarragona et al., 2018).
A b
A b
época do ano. As larvas ocorrem no início do período seco do ano, sendo encontradas
de abril a julho, enquanto que as ninfas são predominantes de julho a outubro (final do
período seco e início do período de chuvas). A ocorrência dos adultos coincide com os
meses mais quentes e úmidos, sendo sua maior ocorrência de outubro a março (Oliveira
et al., 2000; Labruna et al., 2002; Oliveira et al., 2003; Guedes; Leite, 2008).
Essa dinâmica populacional dos carrapatos A. sculptum ao longo do ano é determi-
nada pela influência do período de diapausa comportamental das larvas. Esse período
corresponde ao tempo em que as larvas permanecem no solo, inativas. Disso resulta um
período prolongado no qual não se alimentam. As larvas eclodidas entre os meses de
outubro a março, que corresponde ao período de atividades dos adultos, permanecem
no solo até o mês de abril para, só então, saírem da diapausa e iniciar suas atividades
de busca por hospedeiros subindo nas folhas de capins e arbustos. Entre os fatores que
desencadeiam o término da diapausa está o fotoperíodo e a temperatura (Labruna et al.,
2002; 2003; Cabrera; Labruna, 2009).
Dermacentor nitens
A b
cobaias, cães e aves (galinhas domésticas) não foram hospedeiros competentes para
essa espécie de carrapato. Apenas em coelhos foi possível completar a fase parasitária,
permitindo a recuperação de teleóginas. No entanto, os pesos médios das fêmeas ingurgi-
tadas foram inferiores aos obtidos das teleógina provenientes dos equinos. Esse resultado
reforça, assim, notória preferência dos carrapatos D. nitens por equídeos.
Conhecido pelos danos causados na orelha dos animais, essa espécie de carrapato
tem por predileção parasitar o pavilhão auricular, períneo, divertículo nasal e a região da
crina (Figura 11), podendo ainda, quando em altas infestações, parasitar outros locais do
A b
Figura 11. Infestação por Dermacentor nitens em equinos, locais de predileção do carrapato.
A – Pavilhão auricular. B – Região do períneo. C – Região da crina.
38 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
corpo do animal (Borges; Leite, 1993; Borges et al., 2000; Labruna et al., 2002). Borges
et al. (2000) relataram que mais de 60% dos carrapatos D. nitens de um animal estão
presentes no pavilhão auricular. A alta concentração de carrapatos observada na Figura
11B é um caso excepcional.
Em estudos realizados na região Sudeste do Brasil, foi constatado que a espécie D.
nitens é mais frequentemente encontrada nos equídeos, sendo que, na grande maioria
dos haras estudados (95%), os animais estavam parasitados por esse carrapato, sendo
frequentes os relatos de altas infestações por esta espécie (Kerber et al., 2009). Outro
estudo conduzido em municípios dos estados de Minas Gerais e Bahia apresentaram
resultados semelhantes, sendo que os autores constataram que a prevalência de animais
infestados por D. nitens foi superior a 90% (Borges; Leite, 1993).
A b
pode levar alguns dias e, após encerrar a oviposição, a fêmea morre. Os ovos que ali
permanecem são naturalmente incubados. Após esse período de incubação eclodem as
larvas que, ao estarem aptas para buscarem por hospedeiros, sobem até as pontas das
folhas das gramíneas e ali permanecem à espreita de um animal, reiniciando o ciclo de
vida (Figura 15).
40 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
A b
A b
Devemos, contudo, sempre levar em conta que a fase não parasitária sofre influência
direta dos fatores abióticos, tais como as condições climáticas (temperatura e umidade),
bem como dos bióticos, porque estão susceptíveis a inimigos naturais, como formigas,
algumas espécies de aves, entre outros. Baixas temperaturas, por exemplo, podem au-
mentar o período de incubação dos ovos, prolongando a fase não parasitária do carrapato
e retardando, assim, o término do seu ciclo de vida (Bastos et al., 1996). A baixa umidade
pode influenciar negativamente sobre a eficiência reprodutiva de fêmeas ingurgitadas,
reduzindo significativamente o número de sua descendência (Guimarães da Silva et al.,
1997). Por isso, após uma teleógina se desprender do animal, vários fatores podem in-
fluenciar a sua sobrevivência e prolificidade, bem como a sobrevivência de seus descen-
dentes. Tais fatores podem, por vezes, resultar na morte da fêmea antes da ovipostura, na
Carrapatos em cavalos: Amblyomma sculptum e Dermacentor nitens Capítulo 2 41
produção de ovos inférteis, ou ainda, na morte das larvas que não entrarem em contato
com um hospedeiro (Pereira et al., 2008).
Com relação à dinâmica populacional, na região Sudeste do Brasil, essa espécie de
carrapato apresenta de três a quatro gerações anuais e os maiores picos de infestação
ocorrem no primeiro semestre do ano (Borges et al., 2000; Labruna et al., 2002).
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Capítulo
Carrapatos na cadeia
3 produtiva de bovídeos
no México
Rhipicephalus annulatus
Rhipicephalus annulatus é encontrado, em grande parte, em bovinos, mas pode oca-
sionalmente ser encontrado em outros animais, como cavalos, veados e alguns ungulados
exóticos nos EUA e raramente se alimenta em ovinos e caprinos. Este carrapato é encon-
trado principalmente em regiões tropicais e subtropicais, é endêmico em áreas da África,
as regiões do Sul da antiga União Soviética, o Oriente Médio, o Mediterrâneo e partes da
América do Sul e México. Lohmeyer et al. (2011) relataram em um estudo que amostras
de carrapatos coletados foram identificados como R. microplus e R. annulatus em 11 mu-
nicípios ao longo da fronteira México - Estados Unidos, mostrando que não há limite na
fronteira que divide o México dos Estados Unidos.
Amblyomma mixtum
Babesiose bovina
A babesiose bovina é hiperendêmica no México (López et al., 2008). As espécies de
protozoários pertencentes ao filo Apicomplexa que causam babesiose ou piroplasmose,
febre do Texas, água vermelha ou febre dos carrapatos, são conhecidas comumente como
Babesia bovis e Babesia bigemina. São parasitas intraeritrocitários que podem causar
febre, anemia hemolítica e, às vezes, hemoglobinúria e sintomas neurológicos em bovinos
infectados. Estima-se que aproximadamente 75% do rebanho bovino nacional, que em
2016 estava com 33,5 milhões de cabeças de gado estão em risco de adquirir babesiose
(Bautista Garfias et al., 2012)
A soroprevalência pode variar entre regiões geográficas, mas pode ser superior a 85%
em algumas áreas do território nacional (Bautista Garfias et al., 2012). A mortalidade nos
rebanhos bovinos pode ser alta durante os graves surtos de babesiose (Ojeda et al., 2010).
O risco de graves surtos em um rebanho aumenta quando o bovino não teve qualquer con-
tato anterior com o carrapato, especialmente nas raças taurinas. O controle de carrapato
integrado, a vacinação contra os hemoparasitas e, mais recentemente, a vacinação contra
os carrapatos são estratégias que têm sido propostas para diminuir problemas na saúde e
no impacto econômico da babesiose no México (Rojas-Martínez et al., 2018).
Uma alta soroprevalência de B. bovis e B. bigemina foi detectada em veados de cauda
branca no noroeste do país (Cantu-Martinez et al., 2008). Esses cervos também foram
identificados como positivos por reação em cadeia da polimerase (PCR) no Texas, Estados
Unidos (Holman et al., 2011). Esses achados sugerem que o veado de cauda branca pode
estar envolvido na transmissão da babesiose ao rebanho, pois esse pode estar infestado
com carrapatos contaminados. No entanto, estudos recentes mostraram que o cervo de
cauda branca não serve como reservatório de B. bovis que afeta aos bovinos (Ueti et al.,
2015).
Diagnóstico
Existe uma taxa de erro para um diagnóstico diferencial entre as doenças que cau-
sam o complexo TPB. Da mesma forma, os métodos convencionais como a utilização do
microscópio, podem tornar difícil a identificação dos agentes patogênicos quando esses
estão em baixas concentrações no sangue (Calder et al., 1996).
Para o diagnóstico imunológico da TPB, em estudos epidemiológicos, são utilizados
vários testes: imunofluorescência indireta (IFI), caracterizada pela sua alta sensibilidade e
especificidade e ensaio imunoenzimático (ELISA) cuja semiautomação permite a análise
de um número maior de amostras ao mesmo tempo (Lira-Amaya et al., 2017).
52 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
Com base nos relatos de uma alta prevalência de TPB na região tropical do México, foi
utilizado como um método de diagnóstico alternativo ou confirmatório a reação em cadeia
da polimerase (PCR) encontrando taxas de prevalência de 66,7%, 30,1% e 59,6 % para B.
bigemina, B. bovis e A. marginale respectivamente (Figueroa et al.,1993)
Babesiose em búfalo
Atualmente, existem poucos relatos da presença de TPB em novas espécies utilizadas
em sistemas de produção, como é o caso do búfalo (B. bubalis). No México, existem pou-
cos estudos que abordam a presença de Babesia spp. nos búfalos. Um estudo conduzido
por Romero-Salas et al. (2016) mostrou uma prevalência de 20% por meio de um ensaio
com nPCR em três unidades de produção no centro de Veracruz. Em trabalho recente,
Lira-Amaya et al. (2017) relataram a presença de TPB e confirmaram que o búfalo de água
localizado em quatro sistemas de produção na região tropical do México, são reservatórios
naturais de TPB. As técnicas utilizadas para diagnosticar a presença da doença foram IFI,
ELISA e PCR.
No entanto, não se pode garantir que os búfalos se comportem como portadores, já
que na maioria dos relatórios de B. bovis, segundo Ferreri et al. (2008) e Romero et al.
(2016) não foi realizado um acompanhamento clínico para garantir que o búfalo não apre-
sente nenhum sinal característico da doença.
Anaplasmose
A anaplasmose é comumente relatada nas regiões tropicais do México (García-
Ortíz et al., 2011), e o impacto econômico pode ser estimado em 26% de animais
doentes (Rodrígues et al., 2009). Estudos moleculares e sorológicos da doença rela-
taram prevalências entre 50 e 70% (Garcia-Ortíz et al., 2011). Segundo Almazán et al.
(2008), a diversidade genética de A. marginale está distribuída nas regiões tropicais
do México.
A transmissão de A. marginale pode ser feita de forma mecânica e biológica por
diferentes artrópodes hematófagos (Kocan et al., 2010) e de forma iatrogênica. No
Carrapatos na cadeia produtiva de bovídeos no México Capítulo 3 53
MÉTODOS DE CONTROLE
Uso de Acaricidas
No México, o uso de acaricidas é o principal método de controle contra carrapatos.
Atualmente, existem mais de 50 marcas comerciais distribuídas em várias famílias de
acaricidas: Organofosforado, Amidinas, Fenilpirazoles, Reguladores do crescimento,
Lactonas macrocíclicas. Elas podem ser aplicadas de diferentes formas: aspersão, imer-
são, no dorso (pour-on) parenteral (injetáveis) etc. (Rodríguez-Vivas et al., 2013).
Programas de controle para erradicação de R. microplus estão estabelecidos nas
diferentes regiões do México e estão e classificaram os territórios como: área livre que
abrange 599.367.84 km2 (30.60%), em fase de erradicação que abrange 67.472.76 km2
(3.44%) do território nacional e na fase de controle que é de 1.292.407202 km2 (65,96%)
do México (Senasica, 2016) (Figura 2). A estratégia utilizada para o controle e erradicação
dos carrapatos envolve diferentes aspectos como a dinâmica populacional, diagnóstico
de resistência e uso de acaricidas.
54 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
Figura 2. Situação atual das diferentes fases de controle do carrapato Rhipicephalus spp. no
território mexicano. Fonte: Dados oficiais de Senasica-Sagarpa, 2018.
Figura 3. Histórico da resistência e distribuição atual dos carrapatos que afetam a cadeia
produtiva do México (Amblyomma mixtum, Rhipicephalus annulatus e Rhipicephalus microplus).
Fonte: Mapa adaptado pelo autor.
Métodos alternativos
Com base nos altos custos do controle da transmissão de patógenos, produtores pro-
curam novas alternativas, como o uso de vacinas, raças naturalmente resistentes, rotação
de pastagens entre outras ferramentas.
A vacina GAVAC foi lançada pela companhia Revetmex S. A. de C. V. (Cd. De México),
em 1997 com o intuito de controlar R. microplus. A vacina foi utilizada por pouco tempo,
pois não apresentou eficácia específica contra A. mixtum, já que este ectoparasita é o
segundo mais importante parasitando bovinos no México. De La Fuente et al. (2007) rela-
taram que a vacina GAVAC, utilizada em Tamaulipas, México, reduziu em 67% no uso de
acaricidas e a carga parasitaria diminuiu até 80%.
Pesquisadores como Redondo et al. (1998) avaliaram o uso de vacinas associado com
acaricidas em uma fazenda com registros de resistência aos piretroides e organofosfora-
dos. A metodologia utilizada teve como intuito utilizar de forma alternativa o uso da vacina
GAVACTM e Amitraz, o resultado mostrou um impacto na redução da carga parasitária
aproximadamente de 100%. Esses resultados mostraram que o uso desse tratamento teve
um intervalo de até 132 dias com referência ao grupo controle.
56 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
Raças
Para aumentar a produção de leite e carne na região tropical, produtores têm como
objetivo selecionar raças naturalmente resistentes aos carrapatos. Uma alternativa para
selecionar os bovinos é identificar vacas com pouca carga parasitária e o cruzamento
com animais das mesmas características, assim como a introdução de gado zebuíno
no rebanho.
A produção de leite e carne é a principal característica das fazendas no trópico. As
raças mais comuns são (5/8 ou 3/4 B. taurus x B. indicus) com maior predominância de
zebu com pardo suíço ou zebu com holandês. Raças zebuínas de maior uso zootécnico na
região tropical são indubrasil, brahman, guzerat, gir e sardo negro (Villegas et al., 2001).
Alonso-Díaz et al. (2007) caracterizaram a carga parasitaria em dois genótipos de gado
(1/2 holandes, ¼ simental x ¼ zebu) o segundo genótipo foi (F1: ½ holandes x ½ zebu).
Resultando que animais da raça ¾ de europeu apresentaram maior carga parasitária na
maioria dos meses do estudo. Os autores mencionaram que na região tropical de Veracruz
os picos mais altos de R. microlus podem-se observar na primavera e o pico mais baixo
em inverno.
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Capítulo
Carrapatos na cadeia
4 produtiva de bovinos
em Uganda
Introdução
Devido à aplicação intensiva e aos altos preços dos acaricidas, os pecuaristas, es-
pecialmente os pastores, consideram que é antieconômico pulverizar ou mergulhar o
gado nativo semanalmente (Pegram et al., 1993) e, portanto, acabam usando doses
inapropriadas ou mais baixas de acaricida do que a dose recomendada e indicada pelo
fabricante (Okello-Onen; Rutagwenda, 1998). Alguns produtores também recorrem ao
uso de todos os outros meios possíveis, incluindo o uso de espécies de plantas como a
Euphorbia.
5 Amarração dos animais com uso irregular de forragem adicional e de resíduos de culturas.
6 Amarração dos animais com uso regular de forragem adicional e de resíduos de culturas.
7 Zero pastoreio com pastagem irregular, principalmente, nas áreas rurais onde as comunidades
são pobres.
9 Pecuária com pastos melhorados, a maior parte com raças melhoradas e geralmente fazendas
comerciais.
Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos em Uganda Capítulo 4 63
Fazendas diferem em relação a: área cultivada, raças, nível de estocagem, valor médio de
gado mantido e prática de manejo.
Uma grande proporção de criadores de gado (70%) trabalha com o sistema de ma-
nejo tradicional de pastoreio comunitário, incluindo os pastores do nordeste (Karamoja) e
sudoeste (Ankole, Figura 1), algumas partes do leste (através de Teso, Tororo e partes de
Busoga) onde tanto o sistema comunitário quanto o de amarração são praticados.
Nos sistemas tradicionais de pastoreio, os bezerros são confinados, alimentados em
casa e não podem pastar com adultos para limitar sua exposição a carrapatos. Em outras
formas de sistemas de manejo, as práticas de controle de carrapatos diferem em intensi-
dade e frequência.
Além de pastores que mantêm gado para produção de carne bovina e leite no su-
doeste de Uganda, a maioria dos produtores (59%) de outras partes do país mantem
principalmente gado de leite, comparados aos 30% que mantêm gado de corte e de leite
e 11% que mantêm apenas gado de corte.
Devido ao aumento da procura por carne e leite em Uganda, a maioria dos pro-
dutores (52%) mantem os cruzamentos e raças locais, enquanto 41% mantêm apenas
cruzamentos e muito poucos produtores (7%) possuem apenas raças europeias. Além
do gado, 59% dos produtores também mantêm outros animais como ovelhas, galinhas,
cabras ou porcos.
Produtores de gado leiteiro são pequenos proprietários, com um rebanho que varia de
3 a 280 cabeças de gado ou são produtores sem pastagens com um a cinco animais ou
fazendas leiteiras de tamanho médio com menos de 500 cabeças de gado.
64 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
O valor médio de cada cabeça de gado varia de US$ 200 a US$ 1.050, dependendo da
raça, sexo e propósito. Nas áreas onde os agropastores vivem, o gado é usado para arar
os campos para cultivo. Em algumas áreas do sudoeste e centro de Uganda encontram-se
fazendas, onde a maioria dos bovinos são raças nativas locais e suas cruzas com raças
Boran e europeias.
Raças bovinas
Raças nativas em Uganda são caracterizadas por baixos níveis de produção de leite e
carne. Isto se deve à combinação de baixo potencial genético com baixos níveis tecnoló-
gicos. O gado Zebu nativo possui sua maturação em 5 anos e pesa em média 250 quilos.
Em contraste, os bovinos de corte exóticos (Angus, Hereford, Semmintal e Cholalais)
possuem maturação com 2,5 anos e têm um peso vivo médio de 500 quilos, utilizando
boas práticas de manejo. A produção de leite do gado Zebu nativo, que constitui a maioria,
do setor leiteiro, é da ordem de 800 litros por ano, utilizando boas práticas de manejo em
contraste com o exótico gado leiteiro holandês, que produz uma média de 3.000 litros em
305 dias de lactação, em fazendas leiteiras melhoradas.
É, portanto, contra este cenário que os produtores têm sido rápidos em adaptar os sis-
temas intensivos de pastoreio que exploram o potencial de gado leiteiro e de corte de alto
rendimento através da utilização otimizada de pastagens e insumos técnicos relacionados
ao controle de doenças, raças e reprodução.
Raças nativas
Trata-se de uma raça nativa de dupla aptidão, encontrada principalmente nas regiões
oeste e sudoeste de Uganda. É um cruzamento entre gado longhorn sem cupim, que veio
do Egito para a Etiópia, e o Zebu com cupim da Ásia. O touro pesa em média até 500 kgs,
enquanto as vacas podem pesar até 410 kg.
Esta raça é conhecida por ser tolerante ao calor e adaptável a diferentes condições
climáticas, inclusive, acredita-se ser resistente a doenças e parasitas como teileriose e
carrapatos. O desempenho na produção de leite pode ser em média 1.106 litros por lacta-
ção com um teor de gordura de 5,35%.
Nganda
Esta raça (Figura 4) de animais com dupla aptidão é encontrada principalmente na re-
gião central (Buganda) e Busoga. Uma variante é o Nkedi encontrado na região leste, em
torno de Tororo, Pallisa e Mbale. Esta raça é um cruzamento entre o Ankole e o Zebu East
African Short horn encontrados principalmente na região central (Buganda) de Uganda.
O touro geralmente alcança 453 kg de peso vivo enquanto a fêmea pode chegar a
350 kg. Assim como as raças anteriores, esses animais são tolerantes ao calor dentro
de uma ampla gama de condições climáticas, acredita-se serem resistentes a doenças
e parasitas. Seu desempenho pode chegar a 859 litros de leite por lactação com teor de
gordura de 5,4%.
de gado nativo do povo Borana do sul da Etiópia para a produção de carne bovina.
Pertence ao grande Zebu, East African Short Horn e responde muito bem à alimentação
de qualidade sendo um herbívoro vigoroso.
Acredita-se ser resistente a doenças, adequada para pastagens secas e a uma ampla
gama de condições climáticas, bom desempenho utilizando alimentos de baixa qualidade.
É muito fértil, tem baixa mortalidade de bezerros, mães com boa habilidade materna, facil
manejo para agrupar e possui vida longa. O desempenho dá bons cruzamentos com gado
Bos taurus para leite e carne bovina.
As seguintes raças europeias são de duplo propósito e foram introduzidas nos anos
1960. Desde então a maioria é encontrada em cruzamentos com as raças locais.
Raças encontradas principalmente em fazendas onde as raças locais de Ankole estão
sendo melhoradas por cruzamentos: Brown Swiss; Sahiwal; Simmental.
Raças usadas principalmente para a produção de carne bovina, embora na maior parte
existam cruzamentos atualmente em Uganda: Bonsmara; Brahman; Charolais; Angus;
Romagnola.
Estas raças são encontradas em fazendas leiteiras e estão concentradas em torno da
região da bacia do Lago de Uganda. Elas são geralmente mantidas como raças puras,
mas, às vezes, como cruzamentos com as raças locais, especialmente o Ankole Longhorn.
Raças introduzidas no início dos anos 1960 para melhorar a produção de leite, no
entanto, com o tempo, essa tendência tem sido sustentada por um projeto internacional
de novilhas por meio do fornecimento de vacas leiteiras para as mulheres sem pastoreio:
Ayrshire; Guernsey; Holstein-Friesian; Jersey.
Carrapatos de um hospedeiro
• Rhipichephalus (B.) decoloratus transmite Babesia bigemina e Anaplasma margi-
nale, que causam babesiose e anaplasmose, respectivamente, todos comumente
encontrados em toda a Uganda.
• Rhipicephalus (B.) microplus, o agente causador de Babesia bovis, foi recentemen-
te relatado ao longo das fronteiras de Uganda, Sudão do Sul e Tanzânia.
O custo do tratamento de um único caso de ECF pode chegar a US$ 20 por animal.
No total, o número de animais perdidos pelos produtores pode variar de 1 a 21 animais,
sendo que alguns produtores (30%) relatam perder pelo menos 1 a 8 vacas adultas por
ano (Figura 7). A perda média por ano devido a mortes causadas por TBDs pode variar
de US$ 200 a US$ 5.645 dólares. Estas doenças afetam a produção pecuária de várias
formas, tais como a taxa de crescimento reduzida, perda na produção de leite, fertilidade
reduzida, perda de estoque de reposição, baixo valor do couro e mortalidade, que resul-
tam em perdas econômicas consideráveis para os criadores de gado.
• Pastoreio rotativo
• Pulverização em massa (Bomas-spray)
• Campanha de pulverização
• Banho privado e comunitário
• Coleta mecânica manual
• Queima de gramíneas
Em alguns lugares as plantas Euphorbia spp. têm sido usadas para o controle dos
carrapatos.
Figura 10. Mapa de Uganda mostrando as regiões afetadas pela resistência do carrapato aos
acaricidas.
Figura 11. Principais desafios com o uso de acaricidas identificados pelos produtores
em algumas áreas até mesmo a coformulação não funcione. Devido à gravidade da si-
tuação, alguns produtores recorreram ao uso de todo tipo possível de produtos químicos
contrabandeados.
Em amostras de carrapatos R. (B.) appendiculatus, e R. (B.) decoloratus foi observada
resistência a diferentes bases químicas na população de carrapatos testadas em Uganda:
Piretroides 90.0%; 60.0% e 63.0% Cipermetrina e Deltametrina respectivamente; associa-
ção Clorfenvinfos (30%) e Alfa Cipermetrina (3%) 43.3%; Organoforforado - Clorfenvinfos
13.3%; Amitraz 12.9%. Multiresistencia foi encontrada em 55,2% das amostras para os
carrapatos R. (B.) decoloratus. Ausência de orientações técnicas causam efeitos colate-
rais negativos em futuras opções de controle químico de carrapatos, ao bem estar animal
e à saúde pública (Vudriko et al., 2016).
Esforços atuais do governo para manejo dos carrapatos e das doenças transmitidas
por carrapatos (TBDs).
Curto Prazo
O governo está financiando o teste de novos acaricidas como Vectoclor, Bantik e
Eprinomectin, ao mesmo tempo que estimula a vacinação contra a TBDs.
Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos em Uganda Capítulo 4 75
Longo Prazo
O governo decidiu melhorar os serviços de extensão veterinária transferindo o con-
trole da doença dos distritos descentralizados de volta para o Ministério da Agricultura,
Recursos animais e Pesca (MAAIF). O governo está procurando restabelecer o zonea-
mento e o uso rotativo de acaricidas. O governo desenvolve projeto com relação a vacina
contra o carrapato dos bovinos com parceria entre Uganda e Cuba com o objetivo de
reduzir o uso de acaricida como meio de controle de carrapatos.
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2016. 4 p.
Capítulo
Carrapatos na cadeia
5 produtiva de bovinos
em Moçambique
Introdução
Caracterização de Moçambique
Moçambique é um país tropical situado na costa oriental da África austral. Tem 28.8
milhões de habitantes e está situado entre os paralelos 10o 27’ Norte, 26o 52’ latitude
Sul e os meridianos 30o12’ Oeste e 40o51’ longitude Leste. Possui uma área total de
799.380 quilômetros quadrados, sendo subdividido em três regiões nomeadamente:
Norte, Centro e Sul. As províncias de Cabo Delgado, Niassa e Nampula fazem parte
da região Norte, as de Manica, Sofala, Tete e Zambézia da região Centro e as provín-
cias de Maputo, Gaza e Inhambane fazem parte da região Sul. A cidade de Maputo
é a capital do país e tem estatuto de província (INE, 2018). O país é limitado ao norte
pela República Unida da Tanzânia; a oeste e no sentido norte/sul, pelas Repúblicas do
Malavi, da Zâmbia, do Zimbabwe e da África do Sul; ao sul pelo reino da Suazilândia e
pela República da África do Sul. A leste é banhado pelo Oceano Índico numa extensão
de 2.515 km, desde a ponta de Cabo Delgado na fronteira com a República Unida da
Tanzânia no Norte até a Ponta de Ouro na fronteira com a República da África do Sul a
Sul (INE, 2018) (Figura 1).
Moçambique possui um clima tropical úmido na região Norte e em toda a zona costeira,
tropical seco e árido no interior do país e clima tropical de altitude nas zonas montanhosas.
O clima apresenta duas estações bem distintas ao ano; o inverno e o verão. O inverno é
seco e frio, com raras chuvas, e vai de abril a setembro. O verão é quente e chuvoso e
vai de outubro a março. Entre as duas estações, poucas diferenças são observáveis na
mudança do verão para inverno. A partir de outubro/novembro as chuvas normalmente
começam a cair e continuam até março/abril. A média de umidade relativa do ar varia
de 75% a 80% e aumenta na estação seca para quente e chuvosa. A temperatura média
anual varia de 28oC a 30oC (INAM, 2018).
O gado bovino é tradicionalmente nativo e pode ser classificado em três tipos prin-
cipais: indiano (Bos indicus), mestiços (B. indicus x Bos taurus Taurus) e mestiços (B.
indicus x B. indicus) (Figura 2). O primeiro tipo, chamado de “Nguni”, também conhecido
por “landim”, caracteriza-se como um bovino de médio porte fruto de uma seleção de
mais de 100 anos, bem adaptado e muito tolerante a doenças transmitidas por carrapatos,
e que se concentra principalmente na região Sul do país. O segundo tipo, chamado de
“Angoni”, caracteriza-se como um bovino de pequeno porte, com chifres do tipo zebu e
que se concentra na região Centro do país, principalmente na província de Tete. O ter-
ceiro e último tipo é formado por raças não definidas que incluem apenas mestiços entre
diversas raças tais como “Jersey”, “Guernsey”, “Santa Gertrudes”, “Brahman”, “Simental”,
“Bosmara, Tuli, Hereford”, entre outras (Tembue et al., 2012). A exploração de bovinos pe-
los pequenos produtores do setor familiar é feita em sistema extensivo, em que os animais
são alimentados em pastoreio livre sem suplementação. Um dos grandes prejuízos na
cadeia de produção de bovinos são as doenças infecciosas e parasitárias, com destaque
para as doenças transmitidas por carrapatos.
B. bigemina R. decoloratus
R. evertsi evertsi
O controle de carrapatos
Embora alguns estudos sobre a vacinação contra DTC tenham sido conduzidos na
Faculdade de Veterinária da Universidade Eduardo Mondlane (UEM) na década de 1980,
não existe um programa vigente de vacinação contra estas doenças (Jacobsen, 1985). A
aplicação de acaricidas constitui o maior componente no sistema integrado de controle
de carrapatos e DTC em Moçambique. É realizado com o uso de acaricidas organofosfo-
rados e administrados aos animais na forma de banhos de imersão, chuveiro ou “pour-on”
(Figura 3). A estratégia da Direção Nacional de Veterinária preconiza administração de
acaricidas a intervalos regulares dependendo da época do ano.
Na estação chuvosa, quando há maior abundância de carrapatos, são recomendados
banhos de imersão/pulverização uma vez por semana e uma vez a cada duas semanas
no caso de aplicações em pour-on. Na época seca, é recomendado o banho de imersão/
pulverização uma vez a cada duas semanas e o pour-on uma vez a cada três semanas.
As pequenas explorações de produtores do setor familiar dependem da assistência
dos técnicos de extensão rural para o controle de carrapatos, com recurso aos banhos
de imersão.
Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos em Moçambique Capítulo 5 83
A b
Entretanto, o serviço dos tanques carrapaticidas para os banhos de imersão não está a
funcionar em pleno por diversas razões, entre elas, a destruição dos tanques carrapaticidas
durante os conflitos armados, a escassez de recursos humanos para dar assistência aos
tanques carrapaticidas, a insuficiência de recursos financeiros para aquisição das drogas e
a falta de água acessível para operacionalização dos tanques (Martins et al., 2010).
Ademais, devido à redução dos recursos financeiros alocados ao subsetor da pecu-
ária para a realização de campanhas sanitárias, existe um maior constrangimento para
o controle de carrapatos e doenças associadas. Este fato propiciou a eclosão de surtos
de doenças animais incluindo as transmitidas por carrapatos. Durante os últimos três
anos, surtos de doenças transmitidas por carrapatos foram registrados nas regiões Norte,
Centro e Sul de Moçambique. Entretanto, dados do Ministério da Agricultura e Segurança
Alimentar, no Informe sobre o Desempenho do Subsetor de Pecuária nos últimos três anos
(2015 a 2017) apontam para um aumento do número de banhos por cabeça por ano de
9,7 em 2015 para 10,7 em 2017.
Do final da década de 1980 até hoje, os acaricidas pour-on tornaram-se populares no
país, constituindo uma alternativa nos locais onde, por várias razões, as instalações de
imersão não estão operacionais. No entanto, esses acaricidas são onerosos para a maioria
dos criadores de gado, tendo em conta que cerca de 85 a 90% do gado em Moçambique
está em posse dos pequenos produtores do setor familiar. Os criadores privados e explo-
rações comerciais são independentes, fazendo o maneio sanitário de suas explorações
com recurso à assistência de veterinários privados. Estudos realizados, já no início dos
anos 1980, mostraram que algumas espécies de carrapatos foram resistentes a vários
fármacos usados, fato este relacionado com a utilização irregular da droga (Mavale, 1996).
Considerações finais
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Capítulo
Tristeza Parasitária
6 Bovina - Medidas de
controle atuais
INTRODUÇÃO
EPIDEMIOLOGIA
refrigerada e, portanto, apenas sob encomenda, além disso, a forma refrigerada tem a
desvantagem extra de não ter os lotes testados, pois a validade é muito curta. Assim, a
forma de controle primordial contra este complexo de doenças está intimamente relacio-
nada ao controle do carrapato.
Para que decisões corretas sejam tomadas para um efetivo controle da TPB é neces-
sário um conhecimento mínimo da imunopatogenia da doença, uma vez que os procedi-
mentos a serem adotados podem parecer, a primeira vista, paradoxais. Se, por um lado,
o controle do vetor é necessário para que a inoculação de Babesia sp. ou A. marginale
não seja excessiva, expondo os animais ao risco de desenvolvimento da doença clínica,
a erradicação do carrapato não é desejada em suas áreas de ocorrência natural, pois o
desenvolvimento e a manutenção da imunidade depende da inoculação mais ou menos
constante de Babesia spp. e A. marginale. A este processo de manutenção da imunidade
por reinfecção continuada dá-se o nome técnico de “imunidade concomitante”, que é
fundamental para que a forma clínica da doença não ocorra.
É importante mencionar que, nas áreas situadas entre os paralelos 32oN e 32oS, fora
das zonas marginais, pela situação de estabilidade, os surtos normalmente não ocorrem.
Nestes locais, a erradicação do carrapato é contraindicada, pois, nas propriedades sub-
metidas à erradicação, apesar de não haver surtos por ausência de infecção com os
agentes de TPB enquanto o rebanho permanecer sem a inclusão de novos animais, os bo-
vinos estarão completamente sensíveis a desenvolver sintomatologia clínica da TPB. Caso
os animais entrem em contato com animais infestados por carrapato, o risco de surtos de
infecção aos agentes da tristeza parasitária bovina será muito alto. Por outro lado, animais
criados em áreas livres, quando vendidos já adultos para propriedades com ocorrência de
carrapatos, provavelmente adoecerão, com elevado risco de morte.
Atenção especial deve ser dada às propriedades de gado leiteiro, uma vez que muitas
são livres do carrapato, não necessariamente apenas pelo tratamento intensivo com car-
rapaticidas, mas também devido a práticas de manejo que contribuem para a progressiva
“limpeza das pastagens”, no que diz respeito aos carrapatos, ou ainda pela criação das
vacas confinadas. As vacas sem contato com carrapatos, e, portanto, com os agentes de
TPB, não têm anticorpos contra estes patógenos e, portanto, o colostro não é capaz de
proteger as bezerras, que, apesar de mais resistentes, podem sucumbir a uma carga alta
de parasitos. Nas propriedades leiteiras é comum animais adoecerem por anaplasmose
(em algumas regiões, conhecida como “amarelão” devido à icterícia) uma vez que os
animais não estão imunes, por não terem contato com carrapatos, mas podem se infectar
com Anaplasma por meio da picada de moscas hematófagas. Além disso, nas proprieda-
des leiteiras é comum a movimentação de animais entre áreas livres e áreas de ocorrência
de carrapato. Atenção especial deve ser dada a estes casos, para a correta imunização
dos animais antes da entrada no rebanho.
Assim, para controlar efetivamente a TPB, deve-se primar por encontrar um equilíbrio,
no qual o controle de carrapatos seja realizado, mas não tão intenso, de modo a permitir a
inoculação de pequenas quantidades dos agentes de TPB nos animais.
Outro aspecto bem interessante da TPB é que, ao contrário do que acontece em ou-
tras doenças, animais jovens são mais resistentes que adultos. Esta maior resistência não
é devida apenas aos anticorpos maternos que os animais jovens recebem no colostro,
embora a imunidade passiva recebida da mãe possa auxiliar no controle da infecção. A
maior resistência dos animais jovens persiste, porém, além do período de duração dos
anticorpos ingeridos com o colostro (Goff et al., 2010).
90 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
Enquanto que, em áreas tropicais, o carrapato desenvolve quatro gerações por ano e
bovinos são encontrados em diferentes níveis de infestação ao longo do ano, em áreas
marginais, como no sul do Rio Grande do Sul, o carrapato desenvolve três gerações ao
ano: na primavera, no verão e no outono. No inverno, devido ao frio intenso, o carrapato
não desenvolve seu ciclo. Assim, o primeiro ciclo, da primavera, tem menor população
de carrapatos e esta população vai aumentando até seu ápice, no outono (Figura 1). Na
região sul, os surtos de TPB normalmente ocorrem no verão e outono, coincidente com as
maiores infestações por carrapato.
Desta forma, o ideal é que durante a primavera se inicie o controle do carrapato, pois,
nesta época, tanto a população de carrapatos no animal quanto na pastagem ainda é peque-
na. Os bezerros devem ser expostos ao carrapato, para garantir que a maioria dos animais
entre em contato, ainda jovens, com Babesia e Anaplasma, quando são mais resistentes.
No Sul do Brasil, a estação de nascimento, concentrada principalmente na primavera,
coincide com o aumento de disponibilidade forrageira e também com a primeira geração
de carrapatos, fato altamente desejável, pois assim os bezerros entram em contato com
os carrapatos quando a população destes parasitas é pequena. Expor os bezerros à in-
festação branda com carrapatos é o ponto chave para evitar surtos de TPB quando estes
se tornarem adultos.
Figura 1. Diagrama das três gerações de carrapatos em um ciclo de um ano, na região sul do Rio
Grande do Sul: Primeira geração na primavera (verde); segunda geração no verão (laranja); terceira
geração no outono (marrom).
Os bovinos adultos também necessitam de pelo menos um contato anual com o carra-
pato, pois a manutenção da imunidade depende de reinfecções continuadas, o que tam-
bém deve preferencialmente ocorrer na primavera, quando a infestação por carrapatos é
menos intensa.
Na realidade, em zonas marginais, a primavera é uma estação estratégica para o con-
trole de TPB, pois nesta estação é possível permitir uma exposição leve a moderada aos
carrapatos. Desde que primeiras larvas sobem nos animais, até que elas se tornem adul-
tas, leva um período de 18 a 24 dias, o que significa que quando o carrapato é facilmente
visível (pelo tamanho das teleóginas4), já faz um tempo que se iniciou a infestação. Assim,
o primeiro tratamento com carrapaticida deve ser iniciado quando as primeiras teleóginas
são observadas na primavera, ainda na primeira geração de carrapatos.
O descuido com o tratamento nesta estação do ano pode levar à maior contaminação
das pastagens e maior carga parasitária dos carrapatos e agentes da TPB nas estações
seguintes.
As fêmeas de carrapato adultas e ingurgitadas, por serem grandes, são facilmente
visualizadas, enquanto que as formas juvenis5 e os machos são menores e ficam sob a
pelagem, só sendo visualizados por um observador atento e preparado para a identifica-
ção dos mesmos (Figura 2). É importante salientar este ponto, pois, tanto B. bovis quanto
B. bigemina são transmitidas por fases iniciais do ciclo do carrapato. Frequentemente
4
Fêmeas ingurgitadas: cheias de sangue e ovos; de tamanho grande e, portanto, facilmente
observadas.
5
Formas juvenis do carrapato: larvas, ninfas e metaninfas.
92 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
A b
produtores relatam a perda de animais por TPB “sem” que estes estejam supostamente
“carrapateados6”. Na verdade, há carrapatos nos animais, mas nas formas juvenis, são
difíceis de visualizar. Popularmente, as formas juvenis são conhecidas como “carrapato
miudinho” ou “carrapato vermelhinho”, mas não são espécies distintas do vetor, apenas
diferentes fases do mesmo carrapato.
Embora bastante divulgado, atualmente considera-se que o uso de tratamentos car-
rapaticidas estratégicos, com datas fixas não é a melhor opção de manejo. O ideal é se
considerar caso a caso, cada propriedade isoladamente, pois a presença de carrapatos
nos animais está condicionada tanto a condições meteorológicas quanto ao microambien-
te fornecido por outros fatores, tais como o tipo de forragem ou a altura desta.
Baixas temperaturas interferem tanto na sobrevivência dos carrapatos quanto em seus
parâmetros reprodutivos (Short et al., 1989; Davey et al., 1991; Esteves et al., 2015). No
frio, os ovos de carrapatos podem demorar mais tempo para eclodir que o usual (Short et
al., 1989), postergando a liberação das larvas para uma época do ano com temperaturas
mais favoráveis ao seu desenvolvimento. O frio intenso e prolongado é a razão pela qual a
população de carrapatos na pastagem é drasticamente reduzida no inverno da região Sul
do Brasil, e os bovinos ficam temporariamente livres de carrapatos.
Além das condições meteorológicas, ao se fazer um diagnóstico do problema com
carrapatos na propriedade, deve-se levar em consideração as raças criadas e aspectos
do manejo dos animais, tais como, número de tratamentos carrapaticidas, ciclo de produ-
ção na propriedade (cria, recria, engorda), tipo de pastagem utilizada, rotação com outras
culturas, uso de diferimento7 de pastagem, entre outros.
6
Carrapateados: animais com parasitismo pelo carrapato.
7
Diferimento: O diferimento de pastagens, vedação ou produção de feno em pé pode ser entendido
como uma estratégia de manejo que consiste em selecionar determinadas áreas da propriedade
e excluí-las do pastejo, garantindo acúmulo de forragem para ser pastejada durante o período de
escassez, minimizando os efeitos da sazonalidade de produção de forragem (Santos et al., 2009).
Tristeza Parasitária Bovina - Medidas de controle atuais Capítulo 6 93
Quimioprofilaxia
taxa de inoculação com Babesia e Anaplasma pode ser insuficiente para a imunização
(muito baixa) ou alta o suficiente para que os animais adoeçam, mesmo sob efeito da
droga. É importante salientar que a quimioprofilaxia não possui a mesma função da vacina,
pois não garante a infecção.
Quando o imidocarb é fornecido aos animais a cada 28 dias, como fazem alguns pro-
dutores, não ocorre a quimioprofilaxia, pois a infecção não se estabelece e os animais
não se tornam imunes. Esta estratégia de manter os animais continuamente tratados pode
ser usada para animais de alto valor zootécnico, quando provenientes de áreas livres de
carrapatos.
Em áreas de instabilidade enzoótica, mesmo tomando-se todos os cuidados acima,
casos isolados de TPB ainda podem ocorrer. Analisando-se particularmente o problema
no estado do Rio Grande do Sul, o risco de surtos aumenta pelo fato de que boa parte dos
animais criados tem sangue taurino (europeu) e são mais sensíveis à TPB que os zebuínos
(Bock et al., 2004); o mesmo ocorre em propriedades leiteiras, que, geralmente, mantém
animais com elevado grau de sangue taurino.
Quando casos isolados ocorrem, o tratamento específico aliado à terapia de suporte
(soro, hepatoprotetores e, eventualmente, transfusão sanguínea) tem bom efeito curativo,
desde que os animais sejam tratados a tempo. É importante tratar os animais no local
onde eles estejam, pois a simples movimentação dos mesmos até os centros de manejo
pode levar à morte, já que, em alguns casos, os animais já estão com anemia bastante
pronunciada.
O controle da tristeza parasitária bovina está intimamente associado ao controle de
seu vetor, o carrapato do boi, R. (B.) microplus. Os níveis de infestação dos bovinos por
este vetor pode resultar em surtos, quando as infestações são ausentes, muito brandas
ou elevadas, ou em sucesso no controle da TPB, quando as infestações são moderadas.
Na falta de uma vacina, métodos de pré-imunização e quimioprofilaxia são opções
para minimizar surtos de TPB quando o manejo do carrapato não propicia condições de
infestações moderadas.
Tristeza Parasitária Bovina - Medidas de controle atuais Capítulo 6 95
Pré-imunização e vacinação
(Noh et al., 2008), capaz de proteger bovinos tanto contra alta infecção por A. marginale
como pela prevenção de anemia severa. No caso das babesioses, microrganismos mortos
inteiros também podem conferir proteção, demonstrando que o desejável desenvolvimen-
to de vacinas não-vivas seria possível. No entanto, a obtenção de formulações de menor
custo e maior reprodutibilidade lote-a-lote, sem perda de segurança e eficácia, estimulam
pesquisas para o desenvolvimento de vacinas de nova geração. Entre elas o uso de um
conjunto de proteínas recombinantes, muitas das quais já foram descritas no primeiro livro
desta série (Carrapatos no Brasil, 2013).
Nos últimos anos, novas abordagens têm sido adotadas, com uso de tecnologias mais
aprofundadas em genômica, proteômica, nanotecnologia e bioinformática. Assim, com
análises genômicas mais completas, descrição de novos imunógenos, identificação de
epítopos9, uso de adjuvantes e carreadores nanoparticulados, entre outras possibilidades,
a pesquisa para o desenvolvimento de uma nova vacina contra TPB continua.
Dentre as proteínas principais de membrana (MSP, do inglês Major Surface Protein) de
A. marginale, a MSP-1a permanece em análise, com resultados bastante promissores. A
imunização de camundongos e bovinos com MSP1-a usando nanotubos de carbono como
um sistema carreador de moléculas apresentou resultados bastante significativos com a
indução de forte resposta imune e biocompatibilidade (Silvestre et al., 2014; Silvestre et
al., 2018).
Os estudos com nanopartículas como componentes de uma formulação vacinal vêm
avançando muito nos últimos anos. Além das análises com nanotubos de carbono, como
já mencionado, vesículas de sílica foram avaliadas como nanocarreadores de VIRB9-1,
VIRB9-2 e VIRB10 (Zhang et al., 2016; Zhao et al., 2016), imunógenos promissores
identificados em A. marginale. Nestes sistemas nanoencapsulados, pode-se alcançar
uma alta capacidade de ligação de proteínas e, seguindo-se à imunização de camun-
dongos, é possível obter indução de resposta imune específica satisfatória. Importante
dizer que linhagens de células T de bovinos, obtidas de animais imunizados com fra-
ção de proteínas da membrana externa de A. marginale, são também estimuladas in
vitro por VIRB9-1, VIRB9-2 e VIRB10 quando complexadas a nanoparticulas (Zhang et
al., 2016).
Sequências repetitivas foram identificadas em MSP1-a como tendo efeito no processo
de adesão da riquétsia a eritrócitos bovinos e células de carrapato (Herbert et al., 2017).
Assim, a porção N-terminal em MSP1-a que contém estas sequências, conservadas en-
tre isolados de A. marginale, também tem sido avaliada como possível componente de
uma vacina.
Uma construção híbrida de proteínas, com porções repetitivas de MSP1-a e epítopos
comuns de proteínas da membrana externa [(OMP, do inglês Outer Membrane Protein)
OMP7, OMP8 e OMP9] de A. marginale levam à redução de riquetsemia após desafio
homólogo em camundongos (Cangussu et al., 2018). Assim, a construção de quimeras
proteicas apresenta potencial na elaboração de vacinas multiantigênicas.
A identificação e a utilização de epítopos conservados de células T CD4 e células B
podem ser decisivos na elaboração de uma vacina contra TPB (Deringer et al., 2017). É
preciso considerar a necessidade da disponibilidade de sequências genômicas de dife-
rentes isolados de A. marginale e os estudos de variabilidade para diferentes proteínas
(Brayton et al., 2005; Dark et al., 2011; Pierlé et al., 2014).
Menor porção de antígeno com potencial de gerar a resposta imune.
9
Tristeza Parasitária Bovina - Medidas de controle atuais Capítulo 6 97
O estado da arte para o desenvolvimento de uma vacina contra babesiose difere bastan-
te em relação às pesquisas voltadas para o desenvolvimento de vacina contra Anaplasma.
Uma discussão razoável sobre este ponto já foi apresentada no capítulo relacionado à
TPB, também no primeiro livro desta série Carrapatos no Brasil, (Santos et al., 2013).
Continua sendo um dos entraves ao desenvolvimento de uma vacina de subunidade o fato
de que poucas proteínas de superfície são conservadas (Brayton et al., 2007; Jackson et
al., 2014). A identificação de proteínas/epítopos conservados é limitada, sendo necessário
também que análises de genomas de isolados de B. bovis e B. bigemina sejam feitos em
maior amplitude. Associa-se a isto a realidade em relação à complexidade antigênica dos
eucariotos (protozoários, neste caso) em relação aos procariotos e o intricado ciclo de vida
destes agentes patogênicos.
Resultados promissores foram obtidos para análise de uma vacina multi-antigênica
composta pelas proteínas recombinantes de merozoítos de B. bovis MSA-2a1, MSA-2b,
MSA-2c emulsionadas em adjuvante Montanide ISA 720 (Gimenez et al., 2016). Anticorpos
IgG específicos para estas proteínas, produzidos em camundongos imunizados, inibiram
significativamente a invasão de eritrócitos bovinos por merozoítos de Babesia bovis da
linhagem S2P (BboS2P). Com este resultado, a avaliação de sua eficácia em bovinos pode
ser realizada.
Em estudos mais recentes com isolados de B. bovis obtidos no sul da África, análises
dos genes de cisteíno peptidase 2 (BbCP2), proteína de corpo esférico 4 (BbSBP-4) e
b-tubulina (BbβTUB) indicaram relação filogenética próxima entre cepas de B. bovis de
várias partes do mundo (Mtshali; Mtshali, 2017). No entanto, análises realizadas com gene
rap-1 mostraram claramente o agrupamento filogenético de diferentes isolados do sul
da África enquanto separa-se de outros agrupamentos de isolados do Brasil, Argentina,
Uruguai e Estados Unidos (Mtshali; Mtshali, 2013). Assim, novos alvos de pesquisa como
potenciais candidatos a componentes de uma vacina contra B. bovis estão sendo apre-
sentados, mas o desenvolvimento de uma vacina de uso global apresenta-se como de
maior dificuldade.
Um número ainda menor de publicações relacionadas à vacina contra B. bigemina
tem sido disponibilizado nos últimos anos. Mas, em 2018, o gene mic-1, que codifica para
uma proteína estocada em micronemas (do inglês micronemal protein-1) e associada ao
processo de invasão da célula do hospedeiro, foi identificado em B. bigemina (Hernández-
Silva et al., 2018). Em B. bigemina o gene mic-1 é expresso como RNA e tem produção
detectada ao nível proteico. Por fim, anticorpos anti-MIC-1 (A, B e C) foram capazes de
inibir in vitro a infecção de eritrócitos por B. bigemina em diferentes níveis. A partir daí,
novos estudos poderão ser realizados tendo em vista o desenvolvimento de uma vacina.
Com o intuito de desenvolver uma nova vacina viva contra B. bovis e B. bigemina, um
grupo de pesquisadores no México tem contribuído em relação ao estabelecimento do
cultivo in vitro destes dois patógenos em meio de cultura livre de soro e suplementado com
insulina, transferrina, selenite e putrescina (Rojas-Martínez et al., 2017; Rojas-Martínez et al.,
2018a) para a produção de cepas vacinais. Esta vacina foi recentemente testada a campo,
no México, em bovinos “naïve” desafiados por infecção natural e apresentou capacidade
de desenvolver proteção nestes animais (Rojas-Martínez et al., 2018b).
Embora haja considerável esforço da comunidade científica nacional e internacional
no desenvolvimento de vacinas modernas contra TPB, ainda não se chegou a uma vacina
comercial diferente da clássica vacina viva contendo A. centrale e cepas atenuadas das
babésias. Diversos fatores contribuem para isso, inclusive a baixa alocação de recursos de
98 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
pesquisa para este tema, além das dificuldades técnicas na obtenção de vacinas contra
microrganismos complexos e intracelulares (diversidade antigênica, pouca conservação
entre isolados, sistemas de evasão bem elaborados) assim como, possíveis alterações
existentes na interação parasito-hospedeiro. Ainda assim, os resultados até aqui acumu-
lados nos estudos com Anaplasma e Babesia têm fornecido subsídios à perspectiva de
desenvolvimento de novas vacinas.
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Capítulo
Piroplasmose
7 equina
Introdução
A ENFERMIDADE
et al., 1998a, b; Battsetseg et al., 2002; Stiller et al., 2002; Ueti et al., 2005; Kerber et al.,
2009). Portanto, medidas de controle, além dos testes sorológicos, muitas vezes incluem
quarentena e controle de carrapatos. Estes procedimentos, além de extremamente dis-
pendiosos, afetam negativamente o mercado internacional de equinos e a participação em
competições equestres internacionais (Martin, 1999).
Etiologia
A piroplasmose equina é causada pelos hematozoários Theileria equi e Babesia
caballi, sendo que os animais podem ser parasitados por um ou ambos agentes, os
quais são transmitidos principalmente através de carrapatos ixodídeos (Zaugg, 2006).
Contudo, a transmissão pode ocorrer por agulhas contaminadas com sangue de animais
portadores, transfusões sanguíneas ou por via transplacentária (Roncati, 2006; Georges
et al., 2011).
Ciclo
O ciclo da T. equi em equinos inicia com a inoculação de esporozoítos junto com a
saliva do carrapato. Os esporozoítos inicialmente invadem linfócitos, onde desenvolvem
macro e micro esquizontes que originam merozoítos, os quais invadem eritrócitos (Schein
et al., 1981; Friedhoff, 1990). Nos eritrócitos, os parasitos dividem-se sucessivamente por
fissão binária, originando organismos piriformes que muitas vezes aparecem em conjun-
to formando uma estrutura conhecida como “Cruz de Malta”, típica de T. equi. Quando
os merozoítos são ingeridos pelos carrapatos, dá-se a continuidade do ciclo através de
reprodução sexuada no intestino e, posteriormente, esporogonia nas glândulas salivares.
Até então, somente transmissão transestadial foi demonstrada em T. equi, não ocorrendo
transmissão transovariana (Mehlhorn; Schein, 1998). O ciclo do parasito no carrapato é
limitado a uma geração, fazendo com que equinos portadores sejam o reservatório da
infecção e os principais responsáveis pela manutenção de uma área endêmica (Friedhoff
et al., 1990).
O ciclo da B. caballi envolve apenas os eritrócitos e inicia-se com a inoculação dos
esporozoítos pelo carrapato por ocasião de seu repasto nos hospedeiros vertebrados. Os
esporozoítos penetram nos eritrócitos do hospedeiro onde se transformam em merozoítos.
A multiplicação é por divisão binária e são formados dois merozoítos piriformes, inicial-
mente unidos e depois separados que destroem o eritrócito, ficam livres e penetram em
novos eritrócitos. Quando o carrapato ingere os eritrócitos parasitados ocorre formação de
esporozoítos nas glândulas salivares destes invertebrados que serão inoculados em um
novo hospedeiro (Wise et al., 2013).
Epidemiologia
Os agentes encontram-se mundialmente distribuídos em regiões tropicais e subtro-
picais, sendo a prevalência da infecção diretamente relacionada com a ocorrência dos
carrapatos vetores (Friedhoff; Soule, 1996). É estimado que 90% da população mundial
de equinos estejam expostos aos agentes, ainda que em alguns países a infecção não
ocorra de forma endêmica (Friedhoff et al., 1990). No Brasil, estudos epidemiológicos
para detecção de anticorpos contra os agentes têm registrado prevalências variáveis,
caracterizando áreas de instabilidade e de estabilidade enzoótica (Heuchert et al., 1999;
Cunha et al., 1996; Ribeiro et al., 1999; Tenter; Friedhoff, 1986; Pfeifer et al., 1995).
Por outro lado, se tem notado que as prevalências são, também, variáveis de acordo
Piroplasmose equina Capítulo 7 103
com a raça e os sistemas de criação e manejo dos animais (Botteon et al., 2002; Nizoli
et al., 2008).
Patogenia
O período de incubação na piroplasmose é de cerca de 8 a 10 dias e a parasitemia
pode chegar a 1% de hemácias parasitadas no caso da B. caballi e dificilmente o animal
morre de anemia. No caso de T. equi, a parasitemia é maior podendo alcançar níveis
mais elevados e, em animais imunossuprimidos ou sem contato prévio que lhes garanta
imunidade, pode chegar a 80% levando esses animais à morte por anemia aguda (Wise
et al., 2013).
Infecções por T. equi caracterizam-se pelo desenvolvimento de anemia hemolítica
progressiva nos animais infectados, sendo a patogenia da enfermidade determinada prin-
cipalmente pela lise de eritrócitos durante a invasão e multiplicação do parasito (Knowles
et al., 1994; Lording, 2008). Quando equinos suscetíveis são infectados desenvolvem a
fase aguda da doença, a qual cursa com febre, anemia, hemorragias petequiais de muco-
sas, hemoglobinúria e icterícia (Zobba et al., 2008). A gravidade da doença neste estágio
depende da virulência da cepa, da dose do inóculo e da condição imunológica do animal
(Cunha et al., 1998; Ambawat et al., 1999). A mortalidade em infecções por T. equi é baixa.
Em geral os animais recuperam-se da fase aguda da doença, porém permanecem como
portadores do parasito (Ueti et al., 2008). Durante a fase crônica da infecção, são comuns
os sinais clínicos inespecíficos como inapetência, perda de peso e queda no desempenho
físico e reprodutivo (Schein, 1988). Nos quadros imunossupressivos, a reagudização da
doença é favorecida e os animais podem apresentar diferentes graus de anemia, com
agravamento dos sinais clínicos (Oladosu, 1988; Oladosu; Olufemi, 1992; Cunha et al.,
1997; Nogueira et al., 2005).
Resposta imune
Os protozoários estimulam tanto a imunidade inata quanto a adquirida, dessa forma,
os animais infectados desenvolvem imunidade que normalmente confere proteção contra
a doença clínica no caso de re-exposições ao parasito (Cunha et al., 2006). Esta proteção
tem sido atribuída à contínua estimulação do sistema imune por parasitos que persistem
no organismo durante a fase crônica da enfermidade (Schein, 1988). Equinos infectados
desenvolvem altos títulos de anticorpos contra proteínas de superfície de merozoítos, o
que provavelmente está envolvido no controle da multiplicação e eliminação do parasito.
Assim sendo, tanto mecanismos celulares como aqueles dependentes de anticorpos pa-
recem desempenhar papéis fundamentais no controle de hematozoários (Knowles et al.,
1994; Cunha et al. 2006).
Animais infectados por T. equi persistem infectados por anos, provavelmente durante
toda vida. A doença torna-se crônica devido à fraca imunidade natural do hospedeiro
que se deve à adaptação do parasito às defesas naturais, ou seja, sua capacidade de
evasão da resposta imune por meio de variação de seus antígenos de superfícies (Nizoli,
2005). Entretanto, o retorno à fase aguda da doença pode ocorrer quando os animais são
imunossuprimidos (Nogueira et al., 2005).
Em animais infectados por B. caballi é verificado o declínio da produção de anticorpos,
sendo o animal tratado ou não com fármacos babesicidas, e já se observa uma eliminação
espontânea do parasito com intervalo de três a 15 meses (Schwint et al., 2009).
104 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
DIAGNÓSTICO
TRATAMENTO
CONTROLE E PROFILAXIA
A eliminação total dos vetores é muito difícil uma vez que as larvas dos carrapatos
são muito resistentes, podendo permanecer viáveis por longos períodos em condições
ambientais favoráveis. Assim, a fauna silvestre representa um fator de risco considerável
pela possibilidade de disseminar os carrapatos. Além disto, é comum as éguas viajarem
com seus potros para fins de reprodução, se contaminando em outras áreas.
Quimioterapia e quimioprofilaxia
A quimioprofilaxia da piroplasmose, que consiste na administração de dipropionato de
imidocarb em equinos infectados (quimioprofilaxia secundária), ou não (quimioprofilaxia
primária), na dosagem de 1,2 mg/kg/dia, está recomendada nas seguintes situações.
A quimioprofilaxia pode ser realizada com dois objetivos: em primeiro, para impedir
reagudizações da infecção em animais portadores crônicos que serão submetidos a situ-
ações estressantes, como por exemplo, treinamento, transporte prolongado, tratamentos
com corticosteróides, etc. (Nogueira et al. 2005). Em segundo, para impedir a primo-
-infecção em animais submetidos a fatores de risco, como viagens para temporadas de
reprodução, participação em exposições ou eventos equestres, onde eles estarão sujeitos
à exposição de carrapatos.
Controle de fômites
Outra fonte de transmissão que deve ser monitorada é o uso de agulhas e seringas
descartáveis. O correto manejo deve passar por uma educação sanitária por parte de
tratadores/treinadores dos animais, que muitas vezes são os principais focos de dissemi-
nação da doença a partir de animais portadores.
Animais convalescentes que necessitam transfusões sanguíneas devem receber san-
gue de animais doadores sorologicamente negativos para piroplasmose. Outra importante
fonte de infecção é a utilização de plasma no tratamento de afecções no potro neonato.
Nesses casos, os riscos de transmissão são aumentados pela própria iatrogenia, de res-
ponsabilidade da intervenção de veterinários ou tratadores.
Vacinas
O desenvolvimento de vacinas representa um campo de grande interesse na pes-
quisa envolvendo hemoparasitos de importância veterinária. Os principais obstáculos
nesta área são o desconhecimento a respeito da imunidade protetora desenvolvida
pelo hospedeiro e a grande variedade de mecanismos de evasão do sistema imune
utilizados pelos parasitos (Jenkins, 2001). Vários estudos têm sido realizados buscan-
do elucidar esses aspectos e um modelo de como o hospedeiro mantém hemopara-
sitos sob o controle e evita surtos clínicos em subsequentes exposições ao agente
(Brown, 2001).
Desenvolvimentos no campo da biologia molecular tornaram possível clonar genes de
antígenos de diferentes patógenos em sistemas heterólogos. A produção de proteínas
recombinantes possibilita determinar os antígenos que representam os principais alvos da
resposta imune dos hospedeiros vertebrados. A partir da identificação destes antígenos
é possível testar por imunização ativa, o potencial imunoprotetor de cada uma destas
proteínas. Os estudos indicam que os antígenos protetores e ou seus epítopos mais im-
portantes podem representar candidatos a serem utilizados como constituintes de vacinas
recombinantes contra o respectivo patógeno (Nizoli, 2009).
Piroplasmose equina Capítulo 7 109
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Portanto, além dos testes sorológicos, medidas de controle muitas vezes incluem qua-
rentena e controle de carrapatos. Estes procedimentos, além de serem muito vulneráveis,
afetam negativamente o mercado internacional de equinos e a participação em compe-
tições equestres ou em temporadas reprodutivas no exterior. Entretanto sua profilaxia se
torna difícil, porque não existem vacinas disponíveis no mercado, aumentando assim o
interesse nas pesquisas a respeito do agente e no desenvolvimento de uma vacina eficaz.
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301-308.
Capítulo
Febre Maculosa
8 Brasileira
Introdução
A febre maculosa (FM) é uma doença infecciosa aguda transmitida pela picada de
carrapatos infectados com bactérias do gênero Rickettsia (Figura 1). Foi relatada pela
primeira vez no Estado de Idaho, nos Estados Unidos, em 1899 e, em 1906, Howard Taylor
Ricketts demonstrou a importância do carrapato na transmissão da doença (Harden, 1985;
Ricketts, 1991). Sua distribuição espacial ocorre em países ocidentais como Estados
Unidos, Canadá, México, Panamá, Costa Rica, Argentina, Colômbia e Brasil (Dantas-
Torres, 2007).
No Brasil, a FM também é conhecida como tifo transmitido pelo carrapato, febre pete-
quial ou febre maculosa brasileira (FMB). Foi descrita pela primeira vez em 1929, em São
Paulo, e, logo em seguida, relatada no Rio de Janeiro e Minas Gerais (Dias; Martins, 1939).
Vamos abordar este tema devido à importância dessa doença para a saúde pública
no Brasil, principalmente na área rural, por colocar em risco os trabalhadores da cadeia
produtiva de bovinos.
Etiologia
Em 2009, foram identificados novos grupos para o gênero Rickettsia, utilizando técnicas
de filogenia molecular. Aproximadamente 150 milhões de anos atrás, o gênero Rickettsia
se dividiu em dois clados principais, um que infecta, principalmente artrópodes, e outro
que pode infectar diversos protistas, outros eucariotos e artrópodes. Houve então uma
radiação rápida há cerca de 50 milhões de anos, e isso coincidiu com a evolução das
adaptações que ocorreram na história de vida em alguns ramos da filogenia e, então,
novos clados foram formados para o gênero Rickettsia (Weinert et al., 2009).
Estudos baseados em análise filogenética classificaram as espécies de Rickettsia spp.
em cinco grupos principais: grupo da febre maculosa (GFM), grupo tifo (GT), o grupo
transicional (GTR), grupo R. canadensis e o grupo R. bellii (Weinert et al., 2009; Parola et
al., 2013).
O GFM inclui mais de 20 espécies associadas a carrapatos (Roux et al., 1997). Dentre
essas espécies podemos citar os agentes responsáveis pela febre das Montanhas
Rochosas e febre maculosa brasileira (R. rickettsii), febre maculosa do mediterrâneo ou
febre botonosa (R. conorii), febre da picada do carrapato (R. africae), tifo do carrapato
de Queensland (R. australis), tifo da Ilha Flinders (R. honei), tifo siberiano ou do norte da
Ásia (R. sibirica), febre maculosa oriental (R. japonica), tibola (R. slovaca), rickettsiose
associada a linfangite (R. sibirica mongolotimonae), rickettsiose europeia (R. helvetica),
febre maculosa causada por R. parkeri, tifo das pulgas californianas (R. felis), rickettsiose
variceliforme ou vesicular por ácaro (R. akari) (Raoult; Roux, 1997; Fournier et al., 2000a, b;
Fournier et al., 2005; Lakos, 2002; Uslan; Sia, 2004; CDC, 2006; Baird et al., 1996; Chung et
al., 2006; Dyer et al., 2005). O GFM possui ainda três espécies consideradas emergentes,
que são a R. massiliae (Beati; Raoult, 1993), R. aeschlimannii (Raoult et al., 2002) e a R.
amblyommii (Apperson et al., 2008).
Febre Maculosa Brasileira Capítulo 8 115
Circulação do patógeno
Figura 2. Casos confirmados de febre maculosa no Brasil nas Regiões/ Unidades da Federação
de notificação, no período de 2007 a 2017. Fonte: Ministério da saúde/SVS – Sistema de Informação
de Agravos de Notificação – Sinan Net.
Figura 3. Casos confirmados de febre maculosa, no Brasil, segundo Faixa Etária dos pacientes
apurado no período de 2007 a 2017. Fonte: Ministério da saúde/SVS – Sistema de Informação de
Agravos de Notificação – Sinan Net.
Nestes últimos anos, nota-se que o número de casos notificados aumenta geralmen-
te no período da seca, que se estende de maio a agosto (Angerami et al., 2009). Esse
período é conhecido como “temporada da febre maculosa”, que coincide com a época
onde é mais frequente a prevalência do estágio ninfal do carrapato Amblyomma sculptum,
fazendo com que a presença deste instar no ambiente seja o maior fator responsável pelos
surtos de FMB ocorridos anualmente (Brites-Neto et al., 2013).
Fatores de risco para aquisição da FMB incluem uma série de características. A idade
é relacionada a um maior número de casos em adolescentes e jovens adultos (Figura 3).
Este fato, aliado também ao maior número de casos em indivíduos do sexo masculino, su-
gere que esse estrato social seja mais suscetível devido a ser mais exposto aos carrapatos
vetores, uma vez que participam com maior frequência de atividades laborais em áreas
de risco, como em zona rural. De maneira geral, áreas são consideradas de risco quando
estão presentes o vetor A. sculptum (no Cerrado) ou A. aureolatum (Mata Atlântica); reser-
vatórios naturais (capivaras, gambás e pequenos roedores); hospedeiros amplificadores
(equinos e cães), em regiões periurbanas, com presença de vegetação média a densa,
principalmente, em áreas onde a vegetação primária é degradada e está próxima a fontes
de água (Milagres et al., 2013; Souza et al., 2015; Scinachi et al., 2017).
Embora a R. rickettsii tenha sido isolada pela primeira vez em meados do século XX, e
tenha sido considerada, por muito tempo, como única transmitida por carrapatos, outras
118 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
espécies desse gênero de bactérias já foram identificadas. Dessa forma, além da FMB,
existem outras riquetsioses que utilizam carrapatos como vetores de seus agentes, apesar
de geralmente apresentarem sintomas mais brandos (Parola et al., 2005; Merhej; Raoult,
2011).
De fato, a FMB é a riquetsiose mais letal no Brasil, com taxa de letalidade de 40%, tor-
nando-a de maior importância para saúde pública neste país (Labruna, 2009). Capivaras
e gambás são os principais reservatórios naturais da R. rickettsii em seu ciclo enzoótico,
no meio silvestre (Horta et al., 2009; Souza et al., 2009). Em ambientes rural, urbano e
periurbano, os animais domésticos, principalmente cães e equinos, são responsáveis
por deslocar tanto a bactéria, quanto os vetores A. sculptum e A. aureolatum, do ciclo
enzoótico para o zoonótico, funcionando como hospedeiros amplificadores da R. rickettsii
(Labruna et al., 2007; Labruna, 2009).
Em áreas endêmicas para FMB, até 80% dos cães e 100% dos equinos podem se
mostrar soropositivos para R. rickettsii, mesmo apresentando uma população de carra-
patos com baixa taxa de infecção, o que torna estes animais importantes sentinelas para
vigilância epidemiológica (Vianna et al., 2008). Estima-se que 1% seja a taxa de infecção
de R. rickettsii em carrapatos A. sculptum (Guedes et al., 2005).
Apesar de a FMB ser considerada a de maior importância em saúde pública, outras
riquetsioses ocorrem no Brasil, e muitas vezes passam despercebidas por médicos e
autoridades de saúde, por apresentarem baixa morbidade e sintomas inespecíficos. A
R. parkeri no Brasil tem sido relacionada como Rickettsia sp. cepa Mata Atlântica (Krawczak
et al., 2016a). Seu principal vetor é o A. ovale, encontrado comumente nos biomas flores-
tais da Mata Atlântica e Amazônia, causando uma riquetsiose com sintomas brandos e
inespecíficos (Martins et al., 2014; Krawczak et al., 2016b; Luz et al., 2016).
Rickettsia amblyommatis é outro agente com potencial patogênico que tem sido repor-
tado recentemente associado a carrapatos no Brasil. Já foi relatado infectando A. cajen-
nense s.l., A. cajennense s.s., A. coelebs e A. oblongoguttatum, no estado de Rondônia,
A. sculptum, no Mato Grosso e A. longirostre, no Rio Grande do Sul (Labruna et al., 2004;
Alves et al., 2014; Delisle et al., 2016; Krawczac et al., 2016b; Aguirre et al., 2018).
Amblyomma oblongoguttatum tem sido relatado parasitando humanos no Brasil, princi-
palmente em áreas da floresta amazônica, outro hospedeiro viável para este ectoparasita
são os cães, possíveis amplificadores para R. amblyommatis, pertencente ao grupo FM
(Labruna et al., 2000; Aguirre et al., 2018).
Em Mato Grosso do Sul (MS), predominantemente com bioma de Cerrado, tipo de
savana tropical caracterizada pela biodiversidade e estações climáticas bem definidas,
solo arenoso e vegetação baixa e arbustiva, frequentemente têm sido relatados patógenos
do gênero Rickettsia associados a carrapatos.
Em 2013, um estudo em Campo Grande, capital do estado de Mato Grosso do Sul,
foram coletados carrapatos de cães domésticos, pertencentes à espécie Rhipicephalus
sanguineus. Este estudo destacou a importância deste carrapato como vetor de agentes
zoonóticos. Foi detectada por método molecular a presença da cepa mais antigênica den-
tre as Rickettsia spp. do grupo da febre maculosa, o patógeno R. rickettsii, além de outro
patógeno que infecta humanos, Leishmania chagasi (Almeida et al., 2013a).
Estudos com 43 animais selvagens capturados, 192 carrapatos foram coletados; e
taxonomicamente identificados como A. scuptum, A. ovale e A. nodosum. Quatro amos-
tras de A. nodosum coletadas de Tamandua tetradactyla foram positivas para Rickettsia
Febre Maculosa Brasileira Capítulo 8 119
spp. detectadas pelo método de reação em cadeia da polimerase (PCR), indicaram que
Rickettsia spp. cepa CG circula entre a população de carrapatos em Campo Grande, MS
(Almeida et al., 2013b).
Ainda no ano de 2013, em um estudo realizado por Ogrzewalska et al. (2013), foi cap-
turado um total de 142 pássaros pertencentes a 42 espécies, provenientes das cidades
de Nova Andradina e Ivinhema, no estado de Mato Grosso do Sul. Dentre os animais
coletados, sete se encontravam parasitados por quatro ninfas de Amblyomma calcaratum
e larvas de Amblyomma spp., sendo as ninfas positivas para a presença de bactérias “tipo
Rickettsia parkeri” (PCR). Este estudo não só indica a presença da bactéria no interior
do estado estudado como a participação de outros animais e espécies de carrapatos na
manutenção do patógeno no ambiente.
Em outro estudo, com 1097 carrapatos coletados no ambiente e em animais selvagens,
foi detectado, por método de PCR convencional, o patógeno Rickettsia sibirica, do grupo
da febre maculosa. Este patógeno foi detectado no vetor, taxonomicamente identificado
como A. dubitatum. Essa foi a primeira descrição deste patógeno em específico, em área
urbana no município de Campo Grande (Matias et al., 2015).
Existe uma necessidade em continuar as investigações sobre carrapatos infectados
como vetores, devido à estreita relação entre hospedeiros domésticos como cães e equi-
nos na área rural, como também animais silvestres como capivara, gambás e pequenos
roedores, além do ser humano, fazendo a associação patógeno/vetor/hospedeiro perfeita
para continuidade do ciclo enzoótico da Rickettsia spp.
A presença de Rickettsia spp. em carrapatos serve de alerta aos serviços públicos de
saúde para a inclusão da febre maculosa no diagnóstico diferencial de casos com sinais
clínicos compatíveis no país, bem como a antibioticoterapia imediata em casos suspeitos.
Transmissão
Sintomas
Os sinais clínicos mais comuns em humanos são: febre, mialgia, hemorragias, dor de
cabeça, icterícia, alterações do sistema nervoso central, vômito, dor abdominal, dificulda-
des respiratórias, insuficiência renal aguda e exantema máculo-papular de evolução cen-
trípeta e predomínio nos membros inferiores, podendo acometer região palmar e plantar e
posteriormente progredir para petéquias (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009; 2017; Angerami
et al., 2006). A erupção petequial é um indicativo de progressão para o quadro clinico de
doença grave e o tratamento deve ser realizado antes que as petéquias se desenvolvam
(Stafford III, 2004).
Diagnóstico
Durante os primeiros dias de infecção o diagnóstico precoce é dificultado pelas mani-
festações clínicas que podem sugerir outras doenças infecciosas, tais como: leptospirose,
dengue, hepatite viral, salmonelose, encefalite, malária e pneumonia por Mycoplasma
120 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
pneumoniae. Embora o exantema seja um importante achado clinico, não deve ser consi-
derada uma única condição de suspeita diagnóstica. O diagnóstico laboratorial da FMB
pode ser realizado por exames específicos como reação de imunofluorescência indireta
(RIFI), histopatologia/imunohistoquímica, técnicas de biologia molecular, isolamento e
exames inespecíficos como hemograma e enzimas. O roteiro para a coleta de dados é a
Ficha de Investigação da FMB que é padronizada para utilização em todo o país (Figura
4) (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009, 2017).
Prevenção
Quando uma pessoa apresentar sintomas de febre alta, é importante lembrar se houve
contato com carrapatos e, quando procurar um médico, e não se esquecer de citar essa
informação.
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Capítulo
Controle estratégico
9 dos carrapatos nos
bovinos
Renato Andreotti
Marcos Valério Garcia
Wilson Werner Koller
Introdução
O controle do carrapato dos bovinos no Brasil tem como alvo apenas uma espécie de
carrapato, o carrapato-do-boi, Rhipicephalus (Boophilus) microplus, endêmica em pratica-
mente todo o território nacional. A cadeia produtiva de bovinos, pela importância de produzir
carne e leite em condições adequadas de consumo, com qualidade e segurança alimentar,
protegendo, o meio ambiente e buscando produtividade e competitividade no mercado,
tanto interno como externo, necessita realizar o controle do carrapato utilizando as melhores
informações técnicas para obter uma eficácia satisfatória, com base no viés econômico.
O carrapato-do-boi causa grandes prejuízos econômicos à cadeia produtiva de bo-
vinos no Brasil e o seu controle ainda é realizado predominantemente com acaricidas, e
apenas quando o gado se apresenta visualmente altamente infestado por esse ectopa-
rasita, já no final da fase parasitária. Neste momento, a maior parte dos danos já se torna
irreversível, mas, há um efeito desse tratamento quanto ao impacto positivo de redução
de infestações posteriores.
Este carrapato, por se alimentar de sangue, necessita obrigatoriamente passar uma
fase de sua vida no hospedeiro, preferencialmente os bovinos. As fêmeas são as princi-
pais consumidoras de sangue durante a fase de vida parasitária e representam a maior
parte do problema, causando espoliação nos animais por ingerir uma grande quantidade
de sangue (0,5 mL a 1,0 mL durante a sua vida). Esse valor, multiplicado pelo número de
parasitas sobre cada animal, permite estimar o total de sangue que o animal perde durante
cada infestação.
Além disso, durante a hematofagia, os carrapatos caso estiverem portando agentes
patogênicos, podem transmitir estes patógenos pela saliva, imunomodulando a resposta
126 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
O uso de acaricidas, embora seja a principal, é apenas uma das ferramentas no pro-
cesso de controle. A ação baseada no conhecimento da biologia do parasita resultará em
um melhor controle, menor custo, retardamento no avanço da seleção para resistência e
menor impacto no ambiente pela redução da quantidade de acaricidas utilizada no con-
trole deste ectoparasita.
O carrapato sofre influência da temperatura e umidade no ambiente e isso determina a
produção de futuras gerações da sua população na pastagem. Tomando como exemplo o
Brasil Central, temos uma definição de dois períodos no ano determinados pela umidade
do ar: de abril a setembro o período de seca e outubro a março o período das águas.
Controle estratégico dos carrapatos nos bovinos Capítulo 9 127
Para cada produto a ser testado devem ser utilizados pelo menos dez carrapatos
grandes (fêmeas ingurgitadas), que serão mergulhados em cada produto já diluído,
além de outros dez carrapatos para mergulhar na água (que é o tratamento usado para
Controle estratégico dos carrapatos nos bovinos Capítulo 9 129
A b
4 - Segurança do operador.
Para aplicação da calda deve invariavelmente ser a favor do vento, para proteção
do aplicador, o qual, desde o início do preparo da solução deverá estar protegido com
macacão, óculos, botas, luvas e máscara, para evitar o contato com o produto químico.
Os acaricidas são tóxicos que atuam principalmente no sistema nervoso central, cau-
sando alergias, intoxicações, malformações de órgãos fetais e podem deflagrar o surgi-
mento de processos tumorais.
Geralmente, as pessoas que têm contato com parasiticidas são as mesmas na proprie-
dade e, como o fazem com frequência, são mais expostas aos riscos e tendem a diminuir
o cuidado no manuseio com dessas substâncias tóxicas.
132 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
É importante que as pessoas que trabalhem com acaricidas sejam devidamente instru-
ídas, tanto sobre os perigos dessa tarefa, quanto sobre os cuidados para proteger-se ao
máximo. Além disso, devem ter conhecimento suficiente sobre os sintomas mais comuns
que sinalizam uma possibilidade de intoxicação e a necessidade de procurar imediata-
mente a assistência médica.
O processo do banho por aspersão inicia-se pelo preparo da solução para pulveriza-
ção com a quantidade de acaricida indicada pelo fabricante, a qual deve ser adicionada
a uma pequena quantidade de água (calda). Somente depois de a calda estar misturada
homogeneamente, adiciona-se o volume de água necessário para completar a quantidade
total da solução a ser preparada. A solução final também deve ser muito bem misturada
para se obter uma diluição homogênea.
A aplicação do acaricida por aspersão deve ser feita com o animal contido, um animal
por vez. O equipamento deve ser prático, o mais confortável que se dispõe, e capaz de
possibilitar um banho com pressão forte o suficiente para pulverizar a solução acaricida na
forma de uma nuvem de gotículas, para que cheguem até o couro do animal.
São diversos os equipamentos utilizados na aplicação de acaricida, tais como, o pulve-
rizador costal; a bomba de pistão manual; os vários tipos de adaptação de bombas d’água
elétricas e a câmara atomizadora. Como regra geral, a escolha do tipo de equipamento
a ser utilizado depende do tamanho do rebanho. Independentemente do tipo de equi-
pamento, o seu uso deve seguir as recomendações descritas, capazes de permitir uma
pulverização correta.
A câmara atomizadora, com seu túnel repleto de bicos aspersores é a maneira mais
prática e eficiente de aplicação de acaricida pelo método de aspersão em rebanhos mé-
dios ou grandes.
Produtos não recomendados para animais, como formulações caseiras feitas, entre
outros, com produtos destinados a pragas agrícolas, não devem jamais ser empregados.
Além de possibilitarem resultados insatisfatórios no controle do parasita, podem causar
sérias intoxicações nos animais e também severa contaminação ambiental.
Os períodos de carência de cada produto para posterior utilização do leite e carne
devem ser respeitados, para garantir segurança alimentar. Cuidado especial deve ser
tomado quando se for adquirir o produto a utilizar, pois existem no mercado diferentes
produtos com o mesmo nome comercial, os quais podem ou não ser aplicados em animais
em lactação, dependendo da forma de aplicação (por exemplo, “pour on” ou “injetáveis”).
Quando da aquisição de acaricidas, se houver orientação para a troca de base quí-
mica, é preciso uma verificação cuidadosa pois apenas trocar de nome comercial não
significa trocar a base química. Tal cuidado é necessário porque, para cada base química,
existe uma gama variada de marcas comerciais, e a resistência tem apenas a ver com as
bases químicas e suas associações e não com as diferentes formulações comerciais.
Capítulo
Controle do
10 carrapato-do-boi por
meio de acaricidas
Histórico
Brete de aspersão
Na presença de grandes rebanhos a serem tratados, um dos métodos de aplicação
por contato mais utilizado é conhecido como brete de aspersão (Figura 2). Neste método,
o acaricida é diluído em tanques que fornecem a calda para o mecanismo automatizado
de pulverização, permitindo um fluxo maior de bovinos e, consequentemente, o tratamento
de rebanhos maiores. Dentre as desvantagens citadas com maior frequência na literatura
encontram-se uma possível falha em banhar/atingir partes do corpo do animal, por exem-
plo, a região interna auricular e subcaudal com a solução acaricida, além do preço para
aquisição e manutenção do equipamento (George et al., 2004; De Meneghi et al., 2016).
Pulverizador manual
Esta metodologia é a mais conhecida e empregada com maior frequência por pro-
dutores que possuem rebanhos pequenos. Assim como no brete de aspersão, possui
140 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
Pour-on
O tratamento acaricida pour-on consiste na utilização de uma solução oleosa previa-
mente diluída, onde apenas é necessário utilizar o peso do animal para realização da do-
sagem correta. A aplicação ocorre na linha dorsal do animal (Figura 3), onde o ingrediente
ativo é capaz de se espalhar na pele e no pelo do animal (George, 2004).
A facilidade na dosificação na aplicação acaricida pour-on, contribui, também, para
uma maior praticidade no tratamento químico, permitindo o uso em rebanhos maiores
sem perder a concentração recomendada (desde que aplicada de acordo com o peso
do animal).
Classes acaricidas
Organofosforados
Os organofosforados são derivados do ácido fosfórico, os quais constituem a classe
acaricida mais antiga ainda em uso no Brasil. Foram introduzidos em meados de 1955
para substituir os organoclorados, os quais apresentavam problemas de contaminação
Formamidinas
Na década de1970, outra base química foi inserida no mercado de antiparasitários,
com o intuito de sanar os crescentes casos de resistência aos produtos organofosforados.
Além da menor toxicidade, tanto para os bovinos quanto para os humanos, as formamidi-
nas possuem poder residual de 14 dias, o que permite intervalos maiores no tratamento
e período de carência de 24 horas e 14 dias para gado de leite e corte, respectivamente.
Vários estudos foram conduzidos para elucidar o mecanismo de ação desta base
química, imaginando-se que estivesse relacionado a efeitos tóxicos em receptores da
octopamina (Abbas et al., 2014; Jonsson et al., 2018). Segundo o PubChem (CID 4585), a
octopamina pode apresentar a função de neuromodulador, neuro-hormonal e neurotrans-
missor (este último encontrado nos organismos invertebrados).
Em condição fisiológica normal, o neurotransmissor octopamina regula a excitação
celular, se ligando em um receptor localizado na proteína conhecida como proteína G.
Esta proteína apresenta três subunidades: alfa, beta e gama. De acordo com a sequência
e estrutura da subunidade alfa, a proteína G pode ser classificada em várias isoformas e
com diferentes funções, sendo as principais a Gs, Gq e Gi (Moura et al., 2011).
Para o mecanismo de ação em questão, a mais importante é a proteína Gs, com ação
estimulatória. Mediante a ligação entre a proteína Gs - neurotransmissor, ocorre a ativação
de uma enzima chamada adenilato ciclase, catalisando a formação de adenosina mono-
fosfato cíclico (AMPc). A molécula do amitraz, por exemplo, apresenta ação mimética à
octopamina, causando uma hiperestimulação das sinapses octopaminérgicas e conse-
quente alteração nos mecanismos mediados pela proteína G, resultando em tremores e
convulsão (Jonsson et al., 2018).
Piretroides
Os piretroides foram disponibilizados no Brasil no ano de 1977, originalmente como o
composto piretrina, derivado de plantas do gênero Chrysanthemum spp. Posteriormente,
foram desenvolvidos os piretroides sintéticos, os quais apresentam uma melhor estabi-
lidade e efeito mais duradouro que as piretrinas, pois são menos sensíveis à luz e ao ar
142 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
(Soderlund et al., 2002). Ambos possuem ação neurotóxica, agindo nos canais de sódio
dependentes de voltagem encontrados nos neurônios dos invertebrados (Narahashi,
1971; Hayes Jr, 1982).
Os canais de sódio cumprem importante função na transmissão do impulso nervoso.
Uma vez recebido o estímulo elétrico, os canais iônicos se abrem, causando um influxo
de sódio (Na+) para o interior da célula. Este movimento iônico causa a despolarização
celular, processo que constitui uma das etapas da transmissão do impulso nervoso. Em
seguida, os canais de sódio são fechados e os canais de potássio (K+) se abrem, ocorren-
do o efluxo desses íons para fora da membrana e consequente normalização do potencial
de ação da membrana (Wakeling et al., 2012). A ação dos piretroides ocorre no canal de
sódio, alterando a permeabilidade iônica da membrana ao Na+, causando hiperexcitação
e morte (Naharashi, 1971; Vijverberg et al., 1982).
Com relação à toxicidade sabe-se que com o advento do piretroide sintético, além da
maior estabilidade e durabilidade, estes compostos passaram a ser menos tóxicos do
que as piretrinas. Em estudo realizado por Soderlund et al. (2002), os piretroides foram
classificados com toxicidade moderada para os mamíferos, além de não acumularem no
tecido animal.
Lactonas macrocíclicas
As lactonas macrocíclicas começaram a ser utilizadas comercialmente a partir do ano
de 1979, chegando ao Brasil primeiramente para uso em ovinos, sendo responsável por
uma revolução no mercado internacional de antiparasitários. Esses acaricidas possuem
ação tanto ecto como endoparasitária, servindo como importante ferramenta no controle
dos carrapatos e nematoides. São derivados de produtos obtidos através da fermentação
da bactéria Streptomyces avermitilis. Esta bactéria pertence ao grupo dos Actinomicetos
e pode ser encontrado no solo (Campbell, 1985; Kim; Goodfellow, 2002). Do processo de
extração, obtém-se o composto denominado avermectina, sendo este um complexo de
oito moléculas, incluindo abamectina e derivados como a ivermectina.
Dentro deste grupo químico podemos encontrar, principalmente, quatro subgrupos no
Brasil: ivermectina, abamectina, moxidectina e doramectina. Segundo o Sindan (2018), a
maioria desses produtos possui concentração em torno de 1% a 3,5%, sendo a abamecti-
na e ivermectina os mais encontrados nos ectoparasiticidas comerciais registrados. A via
de aplicação mais comum é a injeção subcutânea, com uso de medicamento oral para
tratamentos específicos de endoparasitas.
Inicialmente, essa base química foi relatada como responsável por abrir os canais
de Cloro (Cl-) mediados por Ácido γ-Aminobutírico (GABA), gerando influxo desses íons,
provocando a paralisia do parasito (Campbell, 2012). A presença do acaricida estimula a
liberação e ligação do GABA nos terminais nervosos (Campbell, 1985; Bloomquist, 1996;
2003). Estudos recentes, com maior preocupação em desvendar os mecanismos de ação,
foram realizados com foco na utilização desta base química como acaricida. Além do
GABA, as lactonas macrocíclicas parecem ter efeito, principalmente, no glutamato, poten-
cializando a resposta ou ativando os canais de cloro (Cully et al., 1994; Yates et al., 2003;
Wolstenholme, 2012).
Em estudo realizado por Pereira (2009) foram utilizadas diferentes avermectinas (iver-
mectina, doramectina, abamectina e um grupo controle) em 40 bovinos infestados artifi-
cialmente com o carrapato R. (B.) microplus. Os quatro tratamentos foram avaliados por
contagens de partenóginas, encontrando uma eficácia de até 80,20% para abamectina,
Controle do carrapato-do-boi por meio de acaricidas Capítulo 10 143
82,50% para ivermectina e 95,98% para doramectina, sugerindo que mesmo pertencendo
ao mesmo grupo, uma variação na resposta ao controle pode ocorrer, sendo necessário
monitoramento dos mesmos.
Quando utilizados sob a forma subcutânea, pode-se dizer que apresentam uma maior
segurança ao aplicador, quando comparado a outras bases químicas como o organofos-
forado (pulverização). No entanto, a contaminação ambiental também está presente nas
lactonas macrocíclicas, uma vez que o animal tratado excreta resíduos do acaricida na
urina e, principalmente, nas fezes (González-Canga et al., 2009).
Fenilpirazole
Fluazuron
De acordo com as informações apresentadas até aqui, pode-se observar que a maioria
dos acaricidas possui ação neurotóxica (Tabela 1). Dentro dessa realidade, a indústria
de químicos desenvolveu outros produtos com mecanismos de ação diferenciados, para
complementar o atual quadro de controle químico, tanto de insetos quanto de carrapatos.
A molécula do fluazuron pertence a uma família acaricida conhecida como benzoilfeni-
luréias ou “reguladores do crescimento” e, assim como outros acaricidas, foi desenvolvido
primeiramente para controle de insetos.
Os reguladores de crescimento agem principalmente na forma embrionária, larval e em
ninfas, interferindo no processo de metamorfose ou reprodução (Graf, 1993). Segundo o
mesmo autor, existem três diferentes categorias, no entanto, duas são as principais: ação
hormonal (juvenis), inibidores da síntese de quitina, esta última inclui o fluazuron.
A quitina ou β-(1-4)-poli-N-acetil-D-glucosamina é um polissacarídeo encontrado
abundantemente na natureza e é o componente principal do exoesqueleto de diferentes
artrópodes, incluindo os carrapatos (Azuma et al., 2015). Uma vez aplicado, promove a
inibição de enzimas relacionadas ao estágio final da síntese de quitina (Kemp et al., 1990).
144 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
Classe Acaricidas
acaricida comuns utilizados Sítio de ação Modo de ação Referência
Tal mecanismo permite uma aplicação eficaz no controle do carrapato do boi, pois este
apresenta um ciclo parasitário único e preferencialmente em bovinos, o que permite que
larvas e ninfas tratadas não sofram ecdise e teleóginas produzam ovos com alterações
embrionárias (Graf, 1993).
Estudos utilizando essa classe acaricida têm sido cada vez mais comuns, visando a
verificação da eficácia destes produtos. Benavides et al. (2017) avaliaram os efeitos de
uma formulação comercial contendo fluazuron em bovinos em condições naturais (pasto)
na Colômbia. Os autores encontraram um período de proteção de no mínimo sete sema-
nas e, se aplicado a cada seis semanas, redução das larvas na pastagem também pode
ser observada.
Produtos comerciais
O mercado de produtos para saúde animal no Brasil movimenta cerca de R$ 5,3 bi-
lhões de reais por ano, sendo 27,2% representados apenas pelos antiparasitários (Figura
4) (Sindan, 2018). Apesar de envolver números expressivos não só no mercado brasileiro,
mas também mundial, a descoberta de novas bases químicas é um processo demorado e
laborioso, dependendo ainda de aprovação segundo critérios do Ministério da Agricultura
e Abastecimento (MAPA), que hoje exige 95% de eficácia. Assim sendo, pode-se observar
o uso cotidiano de bases químicas lançadas desde a década de 50 até os dias atuais.
Além do tempo prolongado de utilização no mercado, os produtos químicos são susce-
tíveis a erros de diluição (principalmente os de aspersão) e são escolhidos arbitrariamente
muitas vezes segundo a recomendação do próprio vendedor na loja e não por dados
técnicos e epidemiológicos sobre a propriedade individual. Tal fato pode estar relacionado
Controle do carrapato-do-boi por meio de acaricidas Capítulo 10 145
Figura 4. Faturamento por classe terapêutica durante os últimos cinco anos no Brasil. Fonte:
Sindan, 2018.
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Capítulo
Resistência dos
11 carrapatos aos
acaricidas
INTRODUÇÃO
Organofosforados
Como já demonstrado anteriormente, os organofosforados (OF) apresentam ação ini-
bitória da acetilcolinesterase, o que acarreta uma série de acontecimentos que são, no
geral, tóxicos ao carrapato (Fukuto, 1990). Um dos mecanismos de resistência anterior-
mente citados ocorre com essa classe: a insensibilidade no sítio de ação. Segundo Nolan
(1994), uma série de mutações no gene que expressa a acetilcolinesterase pode afetar
sua estrutura terciária e diminuir a afinidade entre a enzima e seu inibidor fosforado. Tal
fato pode gerar diferentes níveis de sensibilidade à molécula em questão, tendo como
consequência a resistência da população de carrapatos ao químico.
Posteriormente, Baxter; Barker (1999) investigaram a presença de mutações em cepas
de R. (B.) microplus suscetíveis e resistentes a OF, porém sem sucesso. No entanto, esses
Resistência dos carrapatos aos acaricidas Capítulo 11 151
Formamidinas
A classe química das formamidinas apresenta mecanismo de ação relacionado aos
receptores do neurotransmissor octopamina (Abbas et al., 2014; Jonsson et al., 2018).
Informações tanto sobre a detecção da resistência quanto sobre seu mecanismo de ação
sempre foram escassas ou imprecisas, se compararmos com a quantidade de informa-
ções para OF por exemplo. No mesmo artigo discutido em OF, é citado que existe um
mecanismo de resistência metabólica por detoxificação também para as formamidinas,
porém sem muitos detalhes (Nolan, 1994). Seguindo esse tema, Li et al. (2004), avaliando
cepas de carrapatos provenientes do México e a cepa resistente de referência, Santa
Luiza, comprovaram a participação do butóxido de piperonila e trifenilfosfato (afetam as
enzimas citocromo p450 e esterases, respectivamente) nos valores de taxa de resistência
obtidos por meio de bioensaios, sugerindo a presença da resistência metabólica envol-
vendo a classe das formamidinas.
Em um estudo realizado por Chen et al. (2007), os autores identificaram a insensibilida-
de no sítio de ação em receptores da octopamina, onde 37 substituições de nucleotídeos
foram encontradas em sequências obtidas de amostras de carrapatos resistentes e sus-
cetíveis, que causaram oito alterações de aminoácidos. Posteriormente Corley et al. (2013)
associou uma mutação pontual (mutação de nucleotídeo único - SNP) presente no gene
do receptor B-adrenérgico da octopamina à cepa resistente ao amitraz. Juntos, esses dois
artigos formam as primeiras evidências de resistência por alteração de sítio de ação para
esta classe.
Piretroides
Os piretroides são conhecidos por terem ação sobre o canal de sódio ligado à volta-
gem (Narahashi et al., 1971). Um dos mecanismos de resistência a essa classe ocorre por
insensibilidade no sítio de ação, gerada por mutação no canal de sódio. He et al. (1999)
realizaram um estudo utilizando primers degenerados derivados de sequências de amino-
ácidos de região conservada pertencentes a três organismos diferentes: cérebro de rato
(Rattus spp.), Drosophila melanogaster e Musca domestica. Amostras de R. (B.) microplus
demonstraram similaridade de 57% com D. melanogaster e M. domestica, levando os
autores a teorizar sobre a existência de uma região homóloga ao canal de sódio também
para o carrapato bovino. Neste estudo ainda, os autores utilizaram a sequência de cDNA
da sequência correspondente ao mRNA do canal de sódio no carrapato e usaram um par
de primers específicos para amplificação de mutação no Domínio II, porém sem sucesso.
152 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
Figura 1. Representação da subunidade alfa do canal de sódio. Fonte: Araújo et al., 2008.
país, nos estados de Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul (Castro-Janer et al., 2010).
Vale ressaltar ainda a presença de cepas multirresistentes, que englobam praticamente
todas as bases químicas disponíveis, inclusive a base química fluazuron (Reck et al.,
2014).
Status da resistência
De acordo com o que foi aqui relatado, pode-se notar que vários acaricidas já foram
lançados no mercado desde o começo do século 20. No entanto, muitos deles já deixa-
ram de ser utilizados devido a três problemas centrais: toxicidade aos animais, impacto
ambiental e resistência. Na Tabela 1 pode-se ter uma noção de como estão as diferentes
classes acaricidas com relação à resistência, em diferentes espécies de carrapatos de
importância na pecuária.
Manejo da resistência
Alguns fatores podem ser implementados para que haja ao menos um prolongamen-
to da vida útil dos acaricidas. Pensando apenas nas diferentes classes acaricidas e no
conhecimento construído até aqui, uma alternativa da indústria química ao surgimento
da resistência foi a utilização de produtos em associação, ou seja, com mais de um
princípio ativo.
Dentre as associações mais comuns encontra-se a formulação “piretroide + organo-
fosforado”. Em estudo realizado por Higa et al. (2016), foi feita uma avaliação de cepas
provenientes de diferentes estados do Brasil e avaliadas por meio de bioensaios. Segundo
os dados apresentados, das 49 vezes em que a base química pertencente aos piretroides
foi testada, em 42 (85,7%) não houve eficácia superior a 90%, e entre 29 testes realizados
com amidinas, 20 (68,9%) também foram ineficazes. Testes com associações também
foram realizados, nos quais os autores encontraram eficácia menor que 90% apenas em
32,9% dos testes, sendo 20,9% para associação entre organofosforados. Tal fato com-
pactua com a ideia de que a associação entre formulações otimiza a eficácia acaricida,
mesmo para a classe química dos organofosforados citada, pois os mesmos também
apresentam formulação conjunta (por exemplo, diclorvós + clorpirifós).
154 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
Tabela 1. Diferentes classes acaricidas e seus respectivos anos de introdução com relação a
diferentes espécies de carrapato e os respectivos inícios de relatos de resistência no mundo.
Acaricida (ano de
introdução) Espécies Países
Arsenicais (1893) Rhipicephalus (B.) microplus Austrália e Argentina 1936; Brasil e Colômbia
1948; Uruguai 1953; Venezuela 1966
Rhipicephalus decoloratus África do Sul 1937; Quênia 1953; Zimbábue
1963; Malawi 1969;
Amblyomma hebraeum África do Sul 1975
Amblyomma variegatum Zâmbia 1975
Hyalomma rufipes, H. truncantum Sul de África 1975
Rhipicephalus apendiculatus, Sul de África 1975
R. evertsi evertsi
DDT (1946) Rhipicephalus (B.) microplus Argentina, Austrália e Brasil 1953;
Venezuela 1966; Sul de África 1979
Rhipicephalus decoloratus África do Sul 1954
Cliclodienes e Rhipicephalus (B.) microplus Argentina, Austrália e Brasil 1953; Venezuela
Toxaphene (1947) e Colômbia 1966; Sul de África 1979
Rhipicephalus decoloratus Sul de África 1948; Quênia 1964; Zimbábue
1969; Uganda 1970
Amblyomma hebraeum África do Sul 1975
Amblyomma variegatum Quênia 1979
Hyalomma marginatum Espanha 1967
Hyalomma rufipes, H. truncantum África do Sul1975
Rhipicephalus apendiculatus Sul de África 1964; Zimbawe 1966; Quênia
1968; Tanzânia 1971
R. evertsi evertsi Sul de África 1959; Kenya 1964; Zimbábue
1966; Tanzânia 1970
Organofosforados Rhipicephalus (B.) microplus Austrália e Brasil 1963; Argentina 1964;
- Grupo dos Colômbia 1967; Sul de África 1979; Uruguai
carbamatos (1955) 1983; México 1986
Amblyomma hebraeum África do Sul 1975
Amblyomma variegatum Tanzânia 1973; Kenya 1979
Rhipicephalus decoloratus Sul de África 1966; Zâmbia 1976
Rhipicephalus apendiculatus Sul de África 1975
R. evertsi evertsi Sul de África 1975
Amblyomma mixtum México 2013
Formamidinas R. (B.) microplus Austrália 1981; Brasil 1995; Colômbia 2000;
(1975) México 2002
Rhipicephalus spp Sul de África 1997
Amblyomma mixtum México 2013
Lactonas Rhipicephalus decoloratus Sul de África 1987
Macrociclicas (1981) Rhipicephalus (B.) microplus Brasil 2001; México 2010
Fipronil (2010) Rhipicephalus (B.) microplus México 2013
Amblyomma mixtum México 2013
Primeiros relatos de resistência as principais bases químicas utilizadas. Tabela estabelecida por George et al (2004) e
atualizada com dados de Castro-Janer et al. (2010); Perez-Cogollo et al. (2012); Miller et al. (2012) e Alonso et al. (2013).
Resistência dos carrapatos aos acaricidas Capítulo 11 155
Figura 2 Resistência acumulada para organofosforados (OF), piretroides sintéticos (SP), amidina
(AM), lactonas macrocíclicas (LM), fipronil e fluazuron. Foram consideradas como classes também,
as associações entre organofosforados e piretroide (OF+SP) e amidina e organofosforados
(AM+OF). O número de classes de resistência contra o qual foi avaliado é indicado com um
código de cor. A cor indica que há pelo menos um relato de resistência, sendo cada relato
relacionado a uma classe. Foram referidos ao todo 69 relatos em 32 artigos ou resumos publicados,
representando uma ‘amostragem’ da situação atual da resistência no Brasil, por meio de literatura
disponível online e acervo próprio. Fonte: Andreotti et al., 2011; Brito et al., 2011; Camillo et al.,
2009; Campos Junior ; Oliveira, 2005; Castro-Janer et al., 2010; Coelho et al., 2013; Farias et al.,
2008; Domingues et al., 2012; Fernandes, 2001; Flausino et al., 1995; Furlong, 1999; Gomes et al.,
2011; Klafke et al., 2006; Koller et al., 2009; Laranja et al., 1989; Leite, 1988; Lopes et al., 2014;
Machado et al., 2014; Martins et al., 1995; Martins et al., 1992; Martins; Furlong, 2001; Mendes et al.,
2013; Mendes et al., 2011; Mendes et al., 2001; Pereira, 2006; Raynal, 2013; Reck et al., 2014;
Higa et al., 2016; Santos et al., 2008; Silva et al., 2000; Silva et al., 2005; Souza et al., 2003; Veiga et
al., 2012.
Outras associações entre produtos de longa ação também já foram formuladas. Coelho
et al. (2015) avaliaram a eficácia de um produto com formulação abamectina 0.6% + flua-
zuron 3% por meio de contagens do número de partenóginas diretamente nos bovinos por
um período de 91 dias, sendo o intervalo entre as avaliações de 7 dias. Os autores encon-
traram uma eficácia superior a 95% até o dia +84, indicando uma alta adequabilidade do
tratamento para o controle do carrapato bovino.
Outra medida de manejo para a resistência é a rotação entre acaricidas com diferentes
mecanismos, tendo como ideia central a diminuição da pressão de seleção por apenas um
grupo químico. No entanto, há carência de informações com relação à efetividade desse
método de maneira prática (Abbas et al., 2014).
156 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
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160 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
12 de Rhipicephalus (Boophilus)
microplus (Acari: Ixodidae)
pelo uso de entomopatógenos
Introdução
Figura 1. Carrapato infestado pelo fungo Metarhizium anisopliae, com extrusão do entomopatógeno.
Figura 2. A – Conídios de Metarhizium anisopliae aderidos à cutícula uma hora após infecção;
B – germinação e aparente formação do apressório 18 horas após a infecção; C – formação e
aparente penetração das hifas na cutícula 48 horas após a infecção; D – aparente extrusão do fungo.
Adaptado de Garcia et al. (2004).
obtidos em animais que não receberam a aplicação de nenhum produto. Após o 24º dia
de experimento, houve redução do número de carrapatos por animal, mas a formulação do
fungo + óleo mineral não diferiu estatisticamente do óleo mineral aplicado como controle.
Levando-se em consideração que a maior parte da população de R. (B.) microplus se
encontra no ambiente, experimentos visando o controle no ambiente talvez sejam mais
adequados. Um experimento de campo com essa abordagem, com longa duração e co-
leta de dados foi conduzido por Garcia et al. (2011), que avaliaram a ação M. anisopliae
não formulado no controle de R. (B.) microplus no ambiente. Foram feitas aplicações de
suspensão conidial na pastagem com B. decumbens, em intervalos de 21 dias, totalizando
12 aplicações. A avaliação do número de larvas encontradas na pastagem e de teleóginas
parasitando os animais não demonstraram diferenças estatísticas, mas os dados relativos
à presença do fungo na pastagem revelaram entraves dessa estratégia no ambiente de
cerrado, que possui baixa precipitação em períodos de maio a setembro.
Experimentos como os conduzidos por Garcia et al. (2011) serão necessários para
avaliar o potencial desses patógenos no campo, sob condições ambientes mais favo-
ráveis à sobrevivência do fungo. Os resultados promissores nos estudos in vitro e em
canteiros não se repetem com o mesmo sucesso quando enfrentam as inúmeras variáveis
ambientais. Essas instabilidades demonstram a necessidade de aprofundar os estudos
com produtos formulados nessas conjunturas, para verificar a factual potencialidade de
lograr melhores resultados.
Em outro caso de aplicação em ambiente naturalmente infestado por carrapatos, a
aplicação de M. anisopliae em residências foi capaz de reduzir a população de ninfas de I.
scapularis (Acari: Ixodidae), variando de 55,6 a 84,6%, conforme o ambiente avaliado. No
mesmo teste, não houve redução da população com a aplicação de B. bassiana (Stafford;
Allan, 2010). Apesar de o ambiente domiciliar ser diferente daquele da pastagem, isso
indica a capacidade do uso de fungos para estabelecer um método de biocontrole de
carrapatos em situações específicas.
Existem, também, outras abordagens além da aplicação inundativa de entomopató-
genos, que recorrem à integração de outras técnicas de controle. A combinação de ento-
mopatógenos com extratos vegetais atrativos é uma estratégia que demonstrou eficiência
em ensaios com M. anisopliae e o extrato da planta Calpurnia aurea (Fabales; Fabaceae).
Em experimentos feitos por Nana et al. (2015) em semi-campo, a formulação combinada
do fungo com o extrato foi capaz de atrair e infectar carrapatos da espécie Rhipicephalus
appendiculatus. Após a captura, as armadilhas foram coletadas e mantidas sob condições
de laboratório, onde a taxa de mortalidade atingiu 83%.
Considerações finais
ovipostura. No entanto, a nova tecnologia ainda requer testes que comprovem sua eficiên-
cia no campo (Mascarin, 2018).
Há também expectativas quanto a uma mudança no cenário do mercado de produtos
biológicos no Brasil, que é a recente entrada de grandes companhias produtoras de pro-
dutos biológicos, com investimentos no desenvolvimento de produtos à base de fungos.
Abre-se, assim, uma nova perspectiva, que deve contribuir para o melhoramento dos
programas de Manejo Integrado de Pragas (MIP) em cultivos orgânicos e convencionais
(Mascarin et al., 2018). Tal fato pode, também, resultar em produtos com maior agregação
de tecnologia, favorecendo um programa de manejo de carrapatos em geral.
É recomendável que futuros testes em condições de campo, com novas formulações
e combinações de agentes, sigam protocolos definidos para garantir a padronização
e melhor comparação de resultados. Já existe um protocolo sugerido por Garcia et al.
(2011), visando o controle de R. (B.) microplus em pastagens, que detalha os processos
de extração de conídios, preparo de suspensão e aplicação do fungo.
Como destacado por Mochi; Monteiro (2015) existem diversos tipos de formulações
para serem exploradas, tais como: concentrado emulsionável, suspensão concentrada, pó
molhável, micro encapsulados, pó seco, granulado e iscas. Os surfactantes, que incluem
os espalhantes, molhantes ou umectantes, aderentes, emulsificantes e dispersantes, tam-
bém são pouco explorados pelas pesquisas e são essenciais para o bom desempenho de
um produto formulado para uso no campo.
A formulação de uma proposta de manejo de R. (B.) microplus deve considerar a eco-
logia da espécie de carrapato, e observar os fatores edafoclimáticos que podem interferir
negativamente no sucesso de um programa de controle. É evidente que a seleção de
isolados para controle e produção em laboratório deve ser observada, já que são fatores
inerentes à eficácia do fungo no campo. A formulação de propágulos mais virulentos pode
ser uma alternativa viável bem como melhorias na tecnologia de aplicação.
Faz-se necessário, também, o estabelecimento de políticas e normas que viabilizem
o desenvolvimento de novos produtos biológicos focados no controle desses artrópodes.
Quanto às tecnologias de aplicação, também são necessários estudos para conhecer
maneiras e concentrações adequadas e viáveis para a aplicação dos propágulos. Por últi-
mo, deve-se salientar o cuidado no uso indevido e exacerbado de acaricidas, que geram
populações resistentes, e contribuem para o agravamento do cenário de alta infestação
por R. (B.) microplus.
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Capítulo
Óleo essencial de Tagetes
13 minuta como fitoterápico
no controle dos carrapatos
INTRODUÇÃO
Muitas das espécies vegetais são fontes de substâncias químicas com propriedades
pesticidas. Isso porque tais plantas sintetizam metabólitos secundários com atividade
para defesa contra microorganismos, insetos fitófagos e herbívoros.
172 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
Origem da Solução ou
Nome da Planta amostra Base química [ ] ou % Instar Mortalidade Autor
Azadirachta indica folhas frescas extrato etanóico 50% T 74,3 % Santos et al., 2012
A. squamosa fruto extrato aquoso 1500 ppm L 100 a 92% Madhumitha et al., 2012
Allium sativum d diallyl trisulfide, diallyl 20% T 100% Martinez-velazquez et al., 2011
disulfide, methyl allyl
trisulfide
C. nardus Folhas frescas citronelal, geraniol 25% T 87,1 Olivo et al., 2008
Capítulo 13 173
Tabela 1. Relação das plantas utilizadas como fitoterápicos contra carrapatos em ensaios com efeito de mortalidade acima de 50%.
Origem da Solução ou
Nome da Planta amostra Base química [ ] ou % Instar Mortalidade Autor
Calea serrata Óleo total Benzopyran esquiterpenos 3.94 μL/mL L 99% Ribeiro et al., 2011
174
Hyptis crenata Partes aéreas borneol, 1,8-cineol, 2,5% T 94,4% Violante et al., 2012
p-cimene
Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
Tabela 1. Relação das plantas utilizadas como fitoterápicos contra carrapatos em ensaios com efeito de mortalidade acima de 50%.
Origem da Solução ou
Nome da Planta amostra Base química [ ] ou % Instar Mortalidade Autor
Lippia triplinervis Partes aéreas Carvacrol, thymol, 20 mg/mL L 95% Lage et al., 2013
p-cymene
Melia azadirachtata Frutos Extrato hexânico 0,25 μL/mL T, L 100% Sousa et al., 2008
Piper aduncum Dillapiole; sesquiterpenos 0,1 mg/ml L 100% Silva et al., 2009
Tagetes minuta, de acordo com Craveiro et al. (1988), é uma planta muito comum em
todo Brasil. Esta espécie é alvo de pesquisas que têm monstrado resultados promissores,
sendo eficaz contra agentes microbianos, como fungos (Bii et al., 2000), vírus (Abad et al.,
1999) e bactérias (Tereschuk et al., 2003).
Uma análise do óleo essencial das flores de T. minuta do noroeste do Himalaia resultou
na determinação e caracterização dos seguintes componentes: (2)-b-ocimene (39,44%),
dihidrotagetone (15,43%), (2)-tagetone (8,78%), (E)-ocimenone (14,83%) e (Z)-ocimenone
(9,15%). Singh et al., (1992) relataram, também, uma atividade larvicida do ocimenone
contra mosquitos.
Posteriormente, corroborando com esses resultados, Moghaddam et al. (2007) mostra-
ram que os principais componentes do óleo de T. minuta são α-terpineol, (Z)-β-ocimeno,
dihydrotagetone, (E)-ocimenone, (Z)-tagetone e (Z)-ocimenone. A composição do óleo
essencial de T. minuta varia de acordo com as diferentes partes da planta e do seu estádio
de crescimento/maturação, mas não diferem em relação à origem geográfica (Chamorro
et al., 2008).
Em estudo realizado na Embrapa Gado de Corte (Garcia et al., 2012), a composi-
ção química do óleo de T. minuta foi determinada por Cromatografia Gasosa associada
à Espectrometria de Massas (GC-MS) e análises de Espectroscopia de Ressonância
Magnética Nuclear (RMN), que revelaram a presença de monoterpenos. A Tabela 2 apre-
senta as análises qualitativas e quantitativas da amostra do extrato oleoso obtido da T.
minuta. Quatro principais componentes são mostrados e estes representam mais de 70%
do óleo essencial, e foram identificados como limonene (1), β-ocimene (2), dihydrotageto-
ne (3) e tagetone (4) (Figura 1).
Figura 1. Estruturas químicas dos compostos identificados no óleo essencial de Tagetes minuta
(Garcia et al., 2012).
178 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
O óleo essencial de T. minuta foi testado in vitro por Garcia et al. (2012) quanto à ativi-
dade acaricida em cinco espécies de carrapatos: R. microplus que é o carrapato-do-boi;
R. sanguineus, carrapato de cães; Dermacentor nitens, que é o carrapato da orelha de
equinos; Argas miniatus, carrapato de aves domesticas, e Amblyomma sculptum, carra-
pato estrela. Este último possui uma enorme gama de hospedeiros e é incriminado como
principal vetor da bactéria Rickettsia rickettsii, agente infeccioso causador da febre macu-
losa brasileira (FMB), doença com alta taxa de letalidade em seres humanos (Labruna et
al., 2009; Angerami et al., 2006).
Foram empregados os testes de imersão de adultos (TIA) e o de pacote de larvas
(TPL), utilizando-se as seguintes concentrações de óleo de T. minuta: 2,5%; 5%; 10%;
20% e 40%. Neste estudo foi constatada uma eficácia superior a 95% na concentração
de 20% para todas as espécies avaliadas. Os autores concluíram que T. minuta tem po-
tencial acaricida para o controle tanto em larvas quanto em adultos dessas espécies. Vale
lembrar que no Brasil o controle desses ectoparasitas ainda é relalizado somente com
quimioterápicos (Garcia et al., 2012).
Em outro estudo, utilizando T. Minuta, os autores observaram o potencial in vivo deste
óleo no controle de R. microplus e corroboraram o estudo anterior, demonstrando que,
na concentração de 20% a sua eficácia alcançou valores acima de 95% (Andreotti et al.,
2013), Tais resultados reafirmam a importância das pesquisas envolvendo a utilização dos
fitoterápicos no controle de carrapatos e apontam novas espécies com potencial acaricida.
Silva et al. (2016) avaliaram in vitro a eficácia de T. minuta contra o carrapato R. sangui-
neus e, também, em cães infestados experimentalmente. Estes autores observaram que o
óleo apresentou 100% de eficácia contra larvas, ninfas e adultos na concentração de 20%.
Recentemente Wanzala et al. (2018) relataram alta capacidade de repelência dos óleos
essenciais contra o Rhipicephalus appendiculatus. Estes resultados sugerem que o óleo
essencial de T.minuta pode ser usado como um acaricida eficaz em cães, sem que estes
apresentassem qualquer reação tóxica ao produto, podendo-se, assim, inferir também
que causem baixo impacto ambiental.
As espécies de carrapatos utilizadas nesses estudos representam grupos importantes
para os animais domésticos de companhia ou para a produção de alimentos, sendo tam-
bém de grande relevância para a saúde pública e meio ambiente.
Certamente, mais estudos com esta planta são necessários para determinar a dose
letal mínima que possa garantir pelo menos 95% de eficácia no controle dos carrapatos
aqui assinalados.
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Capítulo
Controle de carrapatos em
14 sistemas de produção de
bovinos associado ao manejo
nutricional no campo
Renato Andreotti
Marcos Valério Garcia
Fernando Alvarenga Reis
Vinicius da Silva Rodrigues
Jacqueline Cavalcante Barros
Introdução
dos acaricidas de forma sistemática. Vale ressaltar que Higa et al. (2015) relataram que
50% dos estados brasileiros apresentam populações de carrapatos resistentes às mais
variadas bases químicas utilizadas. Essa realidade tem sido uma preocupação, por parte
dos pesquisadores e dos produtores que enfrentam tal problema. Portanto, atender à de-
manda do controle do carrapato sem o uso ou até mesmo a diminuição desses produtos é
um dos grandes gargalos da cadeia produtiva da pecuária bovina no Brasil e no mundo.
O Brasil possui em torno de 217,5 milhões de bovinos e é responsável pela exportação
de aproximadamente 1,5 milhões de toneladas de carcaça por ano, ocupando o segundo
lugar mundial na produção de gado de corte (MAPA, 2017) e o quinto lugar em produção
de leite (FAO, 2015).
Para elevar a produtividade da cadeia produtiva de bovinos, tem se buscado uma me-
lhoria dos sistemas de produção desenvolvendo novas técnicas de manejo e introdução
de pastagens cultivadas. Ao mesmo tempo, existe a preocupação e um grande esforço
visando melhorar geneticamente os rebanhos com a introdução de novas raças bovinas e
os respectivos cruzamentos, concebendo, assim, gerações de animais com desempenho
produtivo superior. Diante dessas realidades, cabe a preocupação e a necessidade de
viabilizar o aumento da capacidade de carga animal por área de pastejo.
O objetivo deste capítulo é apresentar uma proposta de controle do carrapato-do-boi,
Rhipicephalus (Boophilus) microplus direcionada para sistemas de produção de bovinos
de corte, que apresentam animais cruzados sensíveis ao carrapato. Com esta proposta de
controle reduz-se o uso de acaricidas e, consequentemente, a contaminação ambiental,
possível intoxicação tanto de humanos como os próprios animais pelo uso desses acari-
cidas, além de mitigar o surgimento de resistência aos acaricidas na população desses
ectoparasitas.
Pastagem
O Brasil tem aproximadamente 180 milhões de hectares de pastagens, dos quais mais
da metade está em algum estágio de degradação, sendo uma boa parte já em estágio
avançado (Dias-Filho, 2014). A recuperação é fundamental para a sustentabilidade da
pecuária bovina e, neste contexto, pode ser feita de modo a colaborar com o controle de
carrapato para evitar os prejuízos causados por esse parasita.
No Brasil, já estão sendo adotados sistemas de manejo e recuperação em aproxima-
damente 18 milhões de hectares de pastagens. Após um diagnóstico da propriedade
são definidas as estratégias de recuperação baseadas no preparo do solo, correção
e adubação, juntamente com um manejo correto do pastejo e uma adequada lotação
animal (http://www.agrosustentavel.com.br/downloads/recuperacao_de_pastagens_de-
gradadas.pdf).
Nos sistemas recuperados, ocorre o aumento na produção animal, com redução na
idade de abate dos animais paralelamente à conservação do solo e água. As vantagens
da adequação de recuperação de pastagem, juntamente com a proposta de se controlar
de forma eficiente os carrapatos, devem potencializar as ações estratégicas de controle
na propriedade.
A recuperação da pastagem pode variar desde custo baixo, com apenas ajustes na
lotação animal e reposição de nutrientes, até alto, em área com avançado estágio de de-
gradação, sendo necessária uma intervenção efetiva (Santini et al., 2015). Decidir por um
investimento em formação de pastagem com uma determinada gramínea deve levar em
conta a capacidade de produção de forragem, relacionando com o tipo de solo avaliado
para a formação.
A decisão do manejo do pastejo pode ser auxiliada com a régua de manejo (Costa;
Queiroz, 2013). É importante destacar que o manejo baseado na altura correta determina
o período necessário de descanso da pastagem para sua rebrota, permitindo uma oferta
adequada de forragem aos animais e garantindo a persistência da espécie forrageira
pastejada.
Considerando a variação da produção forrageira ao longo do ano é indicado proceder
ao armazenamento do excedente no período das águas para posterior uso na seca.
impedir o prolongamento da fase parasitária. Por outro lado, ao efetuar o corte do capim,
há uma brusca alteração no microclima que contribui para a diminuição da sobrevivência
das larvas.
As vantagens do feno são: armazenamento por longos períodos, com pequenas alte-
rações no valor nutricional; podem ser utilizadas várias forrageiras; pode ser produzido
e utilizado em grande ou pequena escala, ou seja, pode ser colhido, armazenado e for-
necido aos animais manualmente ou num processo inteiramente mecanizado; atende ao
requerimento nutricional de diferentes categorias.
PV), que ocorre ao desmame com oito meses de idade. O ciclo terá duração de um ano,
quando os animais alcançam peso médio de até 407 kg PV, sendo o ganho de peso médio
estimado de 0,51 kg/dia. Totalizando nesse período de recria um ganho aproximado de
190 kg em 365 dias.
O manejo do pastejo será feito com a rotação dos animais pelos piquetes (potreiros)
com período fixo de 30 dias em cada piquete, aqui definido como Ciclos de Pastejo, re-
presentados na Figura 3. Este procedimento é imposto pelo sistema, pois tem a finalidade
Figura 3. Dinâmica dos ciclos de pastejo ao longo dos 12 meses do ano. Modelo de simulação.
Controle de carrapatos em sistemas de produção de bovinos associado ao manejo nutricional no campo Capítulo 14 189
Tabela 1. Estimativa anual de ganho de peso corporal e consumo de matéria seca de bovinos
e produção de capim-marandu em 25 ha (Brachiaria brizantha, cv. Marandu), durante recria em
pastagem. Modelo de simulação.
Para se pensar na perda esperada em ganho de peso é preciso recorrer aos estu-
dos anteriores com relação à infestação do carrapato e à perda de peso, disponíveis na
literatura.
No ciclo biológico do carrapato, a fase adulta é de maior importância econômica, espe-
cificamente da fêmea em ingurgitamento, pois, durante essa etapa da fase parasitária, ela é
capaz de aumentar com extrema eficiência o seu peso em 1.400% em poucas horas, ou seja,
do anoitecer até o desprendimento do hospedeiro ao amanhecer do dia seguinte (Londt;
Arthur, 1975). Durante esse período o hospedeiro perde em torno de 0,6 ml de sangue por
fêmea de carrapato, o que representa uma perda primária. No entanto, 60% da perda de
peso do animal que isso irá acarretar ocorre em função da anorexia parasitária que pode
persistir durante muito tempo após o desprendimento da última fêmea (Seebeck et al., 1971).
Sutherst e Uthech (1981) obtiveram valores que acusam uma perda de 1/1.400 a 1/1.300
kg/carrapato/ano, ou seja, 0,26 a 0,28 kg de peso vivo/carrapato/ano, onde o valor de
perda por parasito independe da densidade da infestação, sexo, idade ou das condições
nutricionais do hospedeiro, mas depende da época do ano, isto é, da geração do parasito.
Na ausência de dados específicos para bovinos no Brasil, Honer e Gomes (1990)
adaptaram a quantificação da função de perda por parasito realizada por Sutherst e Utech
(1981) onde cada fêmea em ingurgitamento presente no animal equivale a uma perda de
0,6 ml de sangue para a teleógina. Este valor de perda, que foi baseado em um sistema de
produção de bovinos em pé, inclui o efeito da anorexia parasitária, o que representa uma
perda de 0,22 kg/carrapato/ano.
Apesar de se saber que os prejuízos causados pelos carrapatos são obtidos por es-
timativas e que estas podem variar em cada sistema de produção e em função do clima
de um determinado ano, esta proposta irá apoiar-se nos dados de Honer e Gomes (1990).
Assim sendo, para efeito de cálculos de dano econômico, será adotada a estimativa de
uma carga parasitária média de 120 carrapatos por animal/ano.
A arroba de carcaça perdida foi calculada a partir de um rendimento de carcaça de
50%. Com base nestas informações, e considerando as 100 cabeças bovinas planejadas
na proposta, a estimativa de perdas pelo parasitismo poderia chegar a R$ 13.728,00 (treze
mil setecentos e vinte e oito reais), como expectativa de perdas econômicas. Consideramos
o impacto equivalente a 88@s (@ =R$ 156,00; segundo o Indicador do Boi/ESALQ; BM&F
Bovespa, junho 2016).
O custo estimado para implantação da cerca eletrificada (segundo valores no mercado
local, Campo Grande, MS, em junho 2016), constituída por um fio, foi baseado no valor de
mercado de R$ 3.430,00 (três mil quatrocentos e trinta reais), e inclui os seguintes compo-
nentes/quantidades para a implantação: postes/lascas (distanciados de 20 em 20 metros) =
50 unidades; esticadores/firmes (distanciados de 500 em 500 metros) = 4 unidades; isola-
dores plásticos com garra = 60 unidades; aparelho eletrificador de 110 ou 220 volts (mínimo
5 km) = 1 unidade; para-raios ou centelhadores = 2 unidades; aterramento (três postes
galvanizados) = 1 unidade; cabo subterrâneo (fio isolado) = 1 rolo (25 metros); conjunto col-
chete cerca eletrificada (manopla isoladora) = 2 unidades; arame para cerca elétrica = 1 rolo
(1.000 metros). O valor de mão-de-obra levou em consideração o serviço de implantação
dos postes e esticadores somando ao serviço técnico de instalação do aparelho elétrico.
O investimento projetado na confecção de feno oriundo do sistema foi baseado no va-
lor para venda do produto no mercado local, estabelecido em R$ 0,20/kg (vinte centavos).
A produção anual estimada de feno foi de 316 toneladas com base nos cortes sugeridos.
Cada fardo de feno, pesando em média 18 kg, pode ser estocado por um longo período e
Controle de carrapatos em sistemas de produção de bovinos associado ao manejo nutricional no campo Capítulo 14 191
utilizado tanto para venda quanto na eventual suplementação volumosa dos animais, nos
períodos de escassez de forragem. É importante lembrar que a necessidade nutricional
dos animais corresponde a 25,9% da produção estimada.
Desta forma, o ganho esperado deve ir além de produzir animais com bom peso no
final da recria, e sua respectiva receita inclui a possibilidade de obter uma reserva de
suplementação alimentar estratégica e/ou um ganho na sua comercialização. Além disso,
deve ser contabilizada nos ganhos a redução nos custos do controle químico do carrapato
e das perdas com relação às miíases e mortes por TPB, que não foram calculadas pela
dificuldade de quantificação.
Assim, os benefícios previstos com a adoção da proposta resultariam, sobretudo, da
eliminação da perda decorrente da infestação do carrapato, aliada à intensificação do
manejo e uso da pastagem para recria de bovinos. Neste caso estamos utilizando como
exemplo o sistema de bovinos cruzados criados no campo no Brasil Central onde, sabida-
mente, o clima e a raça são favoráveis à manutenção de altas infestações de carrapatos.
É importante lembrar que este modelo pode ser ampliado para utilização em animais em
sistema de produção de leite, produção de base ecológica ou outros sistemas que desen-
volvem atividades com animais sensíveis ou mesmo com a necessidade de mitigar o uso
de produtos químicos.
O modelo proposto vem ao encontro da demanda do mercado mundial que está cada
dia mais exigente com a segurança alimentar endossada por certificados de origem e
produção em sistemas com menor comprometimento ambiental. Assim, investimentos
e inovações são necessários, melhorando a capacitação e a formação de mão-de-obra
especializada, assim como em instalações e tecnologias de maior precisão e, consequen-
temente, na geração de produtos de melhor qualidade que atendam às necessidades e
ou exigências desse mercado.
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192 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
INTRODUÇÃO
são datados de 1986 (Kemp, 1986; Agbede; Kemp, 1986; Johnston et al., 1986) e foram
encorajados por pesquisa feita na década anterior.
Na década seguinte, foram testadas duas formulações vacinais: a primeira composta
de antígenos derivados de intestinos e ovários; e, a segunda, composta de extrato de todos
os órgãos internos – ambas de teleóginas semi-ingurgitadas de Dermacentor andersoni
Os pesquisadores relataram que a utilização de glândulas salivares como antígeno em
bovinos não foi capaz de gerar imunidade ao carrapato, assim como antígenos derivados
de fêmeas adultas não ingurgitadas foram ineficazes como imunógenos, sugerindo uma
mudança nos padrões de expressão de antígenos em fêmeas alimentadas em relação às
não alimentadas (Allen; Humphreys, 1979).
Bovinos da raça Hereford (Bos taurus), com 12 meses de idade, e vacinados com ex-
tratos de teleóginas de R. (B.) microplus, demonstraram um perfil diferente de resistência
ao carrapato quando comparado àqueles que adquiriram resistência ao serem expostos a
sucessivas infestações. Observou-se que, nesses últimos, os mecanismos da resistência
atuavam na fase larval do carrapato, enquanto que, nos animais vacinados, eles atuavam
na fase adulta, provocando lesões no intestino do parasito, com consequente extravasa-
mento de hemácias para a linfa ou então a diluição das mesmas. Neste mesmo experi-
mento, até 60% das teleóginas sofreram algum tipo de dano no intestino e, para que as
lesões ocorressem, demonstrou-se que a presença das proteínas do sistema complemen-
to era necessária, sugerindo que ocorreria a lise das células intestinais por este sistema
(Kemp et al., 1986).
Após a constatação de que a inoculação de extratos de fêmeas adultas (teleóginas) de
R. (B.) microplus em bovinos produziu uma resposta imune mediada por anticorpos contra
o tecido intestinal do carrapato (Agbede et al., 1986; Kemp et al., 1986), as investigações
subsequentes identificaram uma glicoproteína presente no intestino dos carrapatos capaz
de induzir imunoproteção (Willadsen et al., 1988; RAND et al., 1989). Diferentes protocolos
foram utilizados para isolar e purificar este antígeno protetor.
Pesquisadores australianos isolaram uma glicoproteína de 89 kDa, denominada Bm86
(Willadsen et al., 1989), expressa em células do intestino de R. (B.) microplus (Gough;
Kemp, 1993). Esta proteína foi clonada, e expressa em Escherichia coli e utilizada para
vacinar bovinos resultando em 77% de proteção (Rand et al., 1989). Este imunógeno pro-
porcionou proteção de 88% quando expresso em sistema eucarioto (sistema baculovírus)
(RICHARDSON et al., 1993). Níveis distintos de eficácia foram obtidos quando expresso
em levedura (Rodriguez et al., 1994; De La Fuente et al., 1995).
No Brasil, foi demonstrado que o uso da Bm86, em bovinos submetidos à infestação
natural de R. (B.) microplus, reduziu entre 45% e 60% o índice de infestação dos bovinos
vacinados (Andreotti, 2006). Porém, a eficácia das vacinas que já estiveram disponíveis
comercialmente variou entre 51% a 91% dependendo da população de carrapatos e da
condição nutricional dos bovinos utilizados nos testes (Parizi et al., 2009).
Foi sugerido que a variação na eficácia observada entre diferentes regiões do mundo
era devida às variações nas sequências de aminoácidos das Bm86 entre as diferentes
populações de carrapatos (Garcia-Garcia et al., 2000). De fato, análises de populações
de carrapatos da Argentina mostraram polimorfismos no gene da Bm86 que resultam em
uma proteína solúvel em vez da proteína ligada à membrana como aquelas detectadas
em carrapatos da Austrália e de Cuba, o que explicaria porque os carrapatos argentinos
são resistentes à vacinação com Bm86. Para superar esta resistência, uma nova vacina
recombinante foi produzida a partir do gene da Bm95 (alelo do gene Bm86). Este novo
196 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
antígeno foi eficiente para proteger bovinos de infestações por carrapatos da Argentina e
de Cuba (García-García et al., 2000).
Variações nas sequências de aminoácidos superiores a 2,8% seriam suficientes
para diminuir a eficiência da vacinação quando antígenos recombinantes são utiliza-
dos (García-García et al., 1999). Cepas de várias regiões do Brasil, Argentina, Uruguai,
Venezuela e Colômbia foram analisadas e ficou demonstrado que os genes das Bm86 e
Bm95 apresentam variações que vão de 3,4% a 6,8% e de 1,14% a 4,56% nas sequências
de aminoácidos, respectivamente (Sossai et al., 2005).
Em estudo de variabilidade da Bm86-CG, uma proteína homóloga a Bm86, isolada de
uma cepa de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, mostrou variações de 3,5% e 3,7%
na sequência de aminoácidos quando comparada às Bm86 e Bm95, respectivamente
(Andreotti et al., 2008). Ao comparar populações de R. (B.) microplus na Tailândia, dois
grupos maiores de cepas de carrapatos foram discerníveis com base em análise filoge-
nética de Bm86, sendo um grupo tailandês e um grupo latino-americano. As sequências
de aminoácidos tailandeses Bm86 foram mais divergentes das cepas de carrapatos da
América Latina do que a cepa australiana (Kaewmongkol et al., 2015). Isso pode indicar
que essa divergência é associada a uma diferença fisiológica entre espécies de carrapa-
tos intimamente relacionadas (Figura 1) (Popara et al., 2013).
Além disso, os bovinos vacinados com Bm86 mostraram níveis variáveis de resistência
contra espécies próximas filogeneticamente de R. (B.) microplus (Fragoso et al., 1998; De
Vos et al., 2001; Odongo et al., 2007). Para entender melhor a diversidade molecular do
gene Bm86 em carrapatos, uma porção do cDNA foi sequenciada a partir de um isolado
indiano de R. (B.) microplus. A comparação da sequência de nucleotídeos revelou 97% de
BM86
Inibidor de
protease Mecanismo de Proteases
degradação
de proteína
Imunoglobulina Sistema
Anti-BM86 Complemento
homologia com o isolado australiano e 96% de homologia com a da cepa vacinal cubana.
Contudo, os estudos de previsão de proteína não mostraram qualquer diferença nos epí-
topos antigênicos putativos da proteína expressa (Anbarasi et al., 2014). Estes níveis de
proteção refletem não só a variação entre isolados de R. (B.) microplus, mas também as
relações filogenéticas entre diferentes espécies de carrapatos, indicando que os epítopos
imunologicamente importantes são, pelo menos, parcialmente conservados (Sossai et al.,
2005; Odongo et al., 2007; Andreotti et al., 2008).
A proteína Bm91 também foi testada como antígeno vacinal, porém em associação
com a Bm86 (Willadsen et al., 1996), e foi caracterizada como tendo atividades carboxipe-
pitidase (JARMEY et al., 1995).
Na Austrália, a vacina baseada na proteína Bm86 foi comercializada com o nome
de TickGARD® e, em Cuba, com o nome de GAVAC®. As vacinas desenvolvidas a partir
da Bm86 conferem proteção parcial aos bovinos contra futuras infestações por R. (B.)
microplus por diminuírem o número de carrapatos, a produção de ovos e a fertilidade.
Esses resultados, no entanto, não asseguram a proteção desejada na produção bovina,
sugerindo a necessidade de mais de um antígeno protetor.
Além do antígeno Bm86, que compõe as vacinas já existentes, outras proteínas tam-
bém conferem algum grau de imunoproteção ou induzem a produção de anticorpos que
interferem no sucesso reprodutivo do carrapato, como por exemplo: um precursor de
protease aspártica acumulado no ovo (BYC- BoophilusYolk pro-Cathepsin) (Logullo et
al., 1998) e inibidores de tripsina provenientes de larvas de carrapato, BmTIs (Andreotti
et al., 2002).
Já foi demonstrado que anticorpos funcionais podem ser encontrados na hemolinfa de
carrapatos quando os carrapatos se alimentam em um bovino imunizado (Vaz Júnior et
al., 1996). Esta observação permitiu a produção de antígenos de outros órgãos do carra-
pato e não somente do intestino e da saliva. A vacinação de bovinos com a BYC nativa e
recombinante foi capaz de estimular uma resposta humoral dos bovinos (Vaz Júnior et al.,
1998). A capacidade da BYC de induzir uma resposta imunitária protetora contra R. (B.)
microplus em bovinos foi testada por ensaios de vacinação e por inoculação de anticorpo
monoclonal (MAb) anti-BYC em teleóginas totalmente ingurgitadas. Nas experiências de
imunização, as medições de vários parâmetros biológicos demonstraram uma proteção
parcial contra R. (B.) microplus, variando de 14% a 36%. A inoculação do MAb produziu
uma diminuição dose dependente na oviposição e sobrevivência do ectoparasita (Vaz
Júnior et al., 1998).
A imunização de bovinos com uma associação de BmTIs nativas apresentou 72,8%
de eficiência na proteção contra o carrapato-do-boi (Andreotti et al., 2002). Um peptídeo
sintético foi desenhado com base em uma sequência conservada de aminoácidos dessas
BmTIs, porém, quando testado em stall test, apresentou 18,4% de proteção contra o car-
rapato (Andreotti et al., 2007).
Foi demonstrado que um peptídeo quimérico recombinante, desenhado a partir das
sequências de proteínas BmTI e carrapatin, que são inibidores de serino protease tipo
Kunitz de R. (B.) microplus, induziu resposta imune em camundongos Balb/C, mas, quando
utilizado em bovinos com adjuvante completo de Freund, não induziu resposta protetora
(SASAKI et al., 2006).
Um desses inibidores foi descrito pela Embrapa Gado de Corte em associação com a
Escola Paulista de Medicina, denominado BmTI-A (Tanaka et al., 1999). Pesquisadores da
Embrapa Gado de Corte (Andreotti et al., 2012) criaram uma sequência de DNA sintética
198 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
A b
CONSIDERAÇÕES FINAIS
um problema pelo outro, inclusive atingir total eficácia é uma situação hipotética, pois
nenhuma vacina alcança 100% de proteção.
Com base nisso, poderia se justificar que o ideal seria obter uma vacina com uma
eficiência em torno de 70%, a qual poderia contribuir para o controle estratégico do car-
rapato sem, contudo, interferir na epidemiologia da tristeza parasitária bovina (Maruyama
et al., 2017).
Torna-se, pois, importante e urgentíssimo que seja criado um programa de governo
para orientar políticas de controle do carrapato visando aperfeiçoar a produção e a qua-
lidade na cadeia da carne bovina do país. Isso se justifica em função da importância
social e econômica que o carrapato representa para a produção e, também, quanto à
necessidade de se pensar no seu controle com base no manejo da sua população. Só
assim avançaríamos no caminho com vistas a tornar a pecuária do Brasil mundialmente
mais e mais competitiva.
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Capítulo
Transcriptoma do
16 carrapato dos bovinos
INTRODUÇÃO
A pecuária brasileira tem um custo anual estimado em mais de três bilhões de dólares,
decorrente da infestação de bovinos pelo carrapato Rhipicephalus (Boophilus) microplus
(Grisi et al., 2014). Globalmente, considerando-se a população mundial de bovinos em
2015, Lew-Tabor; Rodriguez-Valle (2016) estimaram as perdas econômicas causadas pelo
carrapato e pelas doenças por eles transmitidas como sendo da ordem de 22 a 30 bilhões
de dólares anuais. Os prejuízos causados pelos carrapatos vão desde a redução no ga-
nho de peso, baixa conversão alimentar, queda na produção de leite, redução da taxa de
natalidade, desvalorização do couro, anemia e transmissão de agentes patógenos como
Babesia bovis, Babesia bigemina e Anaplasma marginale (Costa, 2008). A babesiose e a
anaplasmose são as principais doenças transmitidas aos bovinos pelo R. (B.) microplus e
provocam graves enfermidades aos rebanhos, resultando em altos índices de morbidade
e mortalidade (Costa, 2008).
O controle da infestação dos rebanhos, com o objetivo de reduzir tanto o efeito direto
da ação do parasita sobre os animais quanto a transmissão de doenças, tem sido um
desafio mundial que envolve criadores dos países compreendidos predominantemente
nas regiões tropicais e subtropicais, onde a espécie é endêmica. A principal estratégia
adotada na redução das infestações tem sido o método químico, com a aplicação de
acaricidas. No entanto, esse método é parcialmente eficaz e o seu uso sistemático e ex-
tensivo tem levado à seleção de cepas de carrapatos resistentes à maioria dos princípios
ativos comercialmente disponíveis, além do acúmulo de resíduos na carne, leite e no meio
ambiente (Andreotti et al., 2011; Guerrero et al., 2012; Klafke et al., 2017).
O alto custo associado ao seu uso, problemas de resistência e contaminação de ali-
mentos e do meio ambiente com a aplicação de acaricidas trouxeram a necessidade da
208 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
Transcriptômica do carrapato
RHIPICEPHALUS (BOOPHILUS) MICROPLUS: uma ferramenta
na busca por formas de controle do parasita
et al., 2014) e exposição a acaricidas (Guerrero et al., 2007; Saldivar et al., 2008). A iden-
tificação dos genes diferencialmente expressos, entre condições específicas, geralmente
é a análise mais utilizada nos estudos que envolvem a transcriptômica, uma vez que
esses genes são fundamentais para o entendimento da variação fenotípica entre as dife-
rentes condições. Ao se identificar os genes diferencialmente expressos em carrapatos
alimentados em bovinos com diferentes níveis de tolerância ao parasita, por exemplo,
pode-se chegar ao entendimento de quais genes e vias metabólicas estão envolvidos
no mecanismo de fixação do parasita no hospedeiro. Interferir no mecanismo de fixação
parasita-hospedeiro é uma forma de se controlar o carrapato, uma vez que esse pas-
so é requerido para que o parasita possa iniciar o processo de alimentação (Maruyama
et al., 2017).
Antes da introdução das tecnologias de geração de dados em larga escala – o que ca-
racteriza a transcriptômica, os métodos disponíveis permitiam somente a análise de alguns
transcritos individuais. Técnicas como o Northern blotting e a PCR (Reação em cadeia da
polimerase, do inglês, Polymerase Chain Reaction) quantitativa (qRT-PCR) foram bastante
difundidas, mas eram laboriosas e permitiam a identificação e análise de uma fração muito
pequena do transcriptoma, limitando a compreensão de como o transcriptoma é expresso
(Lowe et al., 2017).
Na década de 1980, os sequenciadores Sanger começaram a ser usados para o se-
quenciamento de transcritos a partir de bibliotecas de cDNA construídas por meio da
enzima transcriptase reversa – as chamadas ESTs (do inglês Expressed Sequence Tags)
(Lowe et al., 2017). Largamente utilizado nos primeiros projetos genoma, o sequencia-
mento de ESTs possibilitou a descoberta de novos genes, a caracterização de estruturas
genéticas e facilitou a anotação de genomas, aumentando exponencialmente a quanti-
dade de informações sobre diferentes organismos, incluindo R. (B.) microplus. Com o
sequenciamento das ESTs, surgiu o dbEST, banco público de ESTs do National Center
for Biotechnology Information (NCBI - http://www.ncbi. nlm.nih.gov/dbEST/), que contém
hoje mais de 76 milhões de ESTs. Destas, 58.532 correspondem a sequências de R. (B.)
microplus (dados de junho de 2018), o que representa uma vasta fonte de dados para
estudos que utilizam informação baseada no transcriptoma na busca do entendimento de
aspectos da biologia e por candidatos a serem utilizados em estratégias de controle do
parasita. O sequenciamento de 20.417 ESTs a partir de ovos, larvas, ninfas, adultos e di-
versos órgãos do R. (B.) microplus deu origem ao banco de dados BmGI, contendo 8.270
sequências únicas do parasita (Guerrero et al., 2005), atualizado posteriormente com o
sequenciamento de outras 22.095 ESTs, o que resultou no BmiGI Version 2, com um total
de 13.643 ESTs (Wang et al., 2007). O CattleTickBase (http://cattletickbase.ccgapps.com.
au/) é outro banco de dados que contém sequências de genomas e transcriptomas - cerca
de 1,8Gb de sequências genômicas e dados de expressão gênica gerados a partir de
vários experimentos com R. (B.) microplus conduzidos por um consórcio envolvendo o go-
verno do Estado de Queensland, o Centro de Genômica Comparativa da Universidade de
Murdoch e o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Bellgard et al., 2012). Uma
série de estudos, conduzidos a partir dos dados desse banco, levaram à identificação de
genes importantes para a sobrevivência do carrapato durante o processo de interação
parasita-hospedeiro, conforme descrito por Bellgard et al. (2012).
Como um desdobramento do sequenciamento das ESTs e da informação gerada por
meio dessa tecnologia, surgiram os microarranjos, ou microarrays (Schena et al., 1995).
Os microarranjos consistem de lâminas sólidas, nas quais fragmentos de cDNA, denomi-
nados sondas, são depositados e imobilizados de forma ordenada e em áreas específicas,
210 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
chamadas spots. Na lâmina, cada spot contém milhões de cópias de um único e de-
terminado transcrito que pode posteriormente ser identificado – o princípio da técnica
baseia-se na hibridização por complementaridade das moléculas de ácido nucleico, que
ocorre entre a sonda depositada na lâmina e o seu RNAm correspondente, transformado
em cDNA, extraído das amostras a serem analisadas e comparadas (Giachetto, 2010).
Lâminas de microarranjos foram construídas a partir das sequências das ESTs identifica-
das e depositadas nos bancos de dados acima citados e utilizadas em estudos onde se
buscou identificar genes expressos em diferentes estágios ao longo do desenvolvimento
do parasita, em especial durante a interação com o hospedeiro, para o desenvolvimento
de novas estratégias de controle. Dados gerados a partir das hibridizações de microarran-
jos com amostras de diferentes organismos e condições podem ser encontrados nos re-
positórios GEO (Gene Expression Omnibus) do NCBI (https://www.ncbi.nlm.nih.gov/geo/)
e ArrayExpress (https://www.ebi.ac.uk-arrayexpress/), do European Bioinformatics Institute
(EBI). Esses repositórios contam hoje com resultados gerados a partir da hibridização de
122 amostras de R. (B.) microplus, que incluem a comparação da expressão gênica em
diferentes estágios e tecidos do parasita, entre cepas resistentes e sensíveis a acaricidas,
carrapatos infectados e livres de A. marginale e B. bovis, crescidos em hospedeiros sen-
síveis e resistentes. Esses dados podem ser acessados para a mineração de candidatos
a alvos em estratégias de controle ou também utilizados em meta análises – análises que
integram dados gerados por experimentos independentes, o que permite a obtenção de
mais informações do que aquelas extraídas de um único experimento.
Em meados dos anos 2000, a introdução das tecnologias de sequenciamento de pró-
xima geração – NGS (do inglês Next Generation Sequencing) revolucionou a transcriptô-
mica através do RNA-Seq, o sequenciamento de cDNA em escala massiva. Comparado
ao método de Sanger, as novas tecnologias de sequenciamento inovaram ao usar siste-
mas livres de células para a construção das bibliotecas. No entanto, o principal avanço
certamente foi obtido com a capacidade de produção de um volume extraordinário de
dados a um custo baixo (Metzker, 2010). Por proporcionarem uma cobertura do trans-
criptoma sem precedentes, as tecnologias NGS possibilitaram um desenvolvimento
importante no estudo das interações carrapato-hospedeiro ao permitirem a análise quan-
titativa da dinâmica da expressão gênica e a detecção de um grande número de novos
v
(Wang et al., 2009; Zhao et al., 2014). Isso tudo resulta em uma elevada sensibilidade,
maior faixa de detecção da expressão gênica e maior poder discriminatório (Westermann
et al., 2012). No entanto, em função de sua popularidade na comunidade científica, rela-
ção custo-benefício e facilidade da análise, os microarranjos ainda permanecem sendo
largamente utilizados na análise de transcriptomas (Rai et al., 2018).
Vacinologia reversa
Perspectivas
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Capítulo
Variabilidade genética
17 da resistência bovina
ao carrapato
Fabiane Siqueira
Isabella Maiumi Zaidan Blecha
Fernando Flores Cardoso
Introdução
Para satisfazer a demanda dos consumidores por produtos de alta qualidade e pro-
duzidos de forma sustentável em regiões tropicais, a seleção de bovinos resistentes ao
carrapato Rhipicephalus (Boophilus) microplus tem se tornado um método alternativo
de controle não químico deste ectoparasita. Está bem estabelecido que a resistência à
infestação por carrapatos é determinada geneticamente e ocorre devido a um conjunto
complexo de respostas, no entanto, os mecanismos específicos e sua importância relativa
continuam a ser objeto de discussão (Tabor et al., 2017).
Em bovinos, a manifestação da resistência ocorre em duas fases: uma chamada de
resistência inata, que já está presente no animal na primeira infestação e que não depen-
de do contato prévio do animal com o carrapato, e a resistência adquirida, formada por
meio da resposta do sistema imunológico do hospedeiro após sucessivas infestações,
envolvendo a imunidade humoral e celular, com prejuízo ao desenvolvimento do carra-
pato (Wikel, 1996). Assim, a primeira linha de defesa do hospedeiro frente à picada do
carrapato é a resposta imune inata, consistindo, principalmente, em resposta inflamatória
e processos hemostáticos, como vasoconstrição, ativação de fatores de coagulação san-
guínea e consequente agregação plaquetária (Pereira et al., 2008).
Desta forma, a alimentação do carrapato induz uma ordem complexa de respostas imu-
nes nos hospedeiros envolvendo a apresentação de antígenos via células apresentadoras
de antígenos (APCs), células-T, células-B, anticorpos, citocinas, sistema complemento,
basófilos, eosinófilos e uma variedade grande de moléculas bioativas (Brossard; Wikel,
2004). Essas interações complexas podem ser consideradas como uma balança entre a
defesa do hospedeiro e as estratégias de invasão do carrapato, facilitando a alimentação
e a transmissão de patógenos.
226 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
Kashino et al. (2005) avaliaram os níveis de anticorpos contra antígenos salivares de car-
rapatos em bovinos das raças Holandesa (suscetíveis) e Nelore (resistentes) e verifica-
ram que, após algumas infestações, os níveis de anticorpos IgG1 e IgG2 diminuíram nos
animais Holandeses, permanecendo inalterados nos animais Nelore, indicando que as
infestações com carrapato suprimem a resposta humoral mediadas por anticorpos IgG em
animais suscetíveis.
Bovinos resistentes têm uma capacidade maior do que os suscetíveis de reter eosinó-
filos no local de lesão da pele infestada por carrapatos adultos (Carvalho et al., 2010a).
Supõe-se que os eosinófilos estejam envolvidos na translocação da histamina dos mas-
tócitos para o local de fixação do carrapato, resultando em aumento do mecanismo de
autolimpeza e rejeição dos carrapatos pelos bovinos (Francischetti et al., 2009). Dessa
forma, o gado naturalmente resistente prejudica a capacidade de fixação e alimentação
dos carrapatos, resultando na redução do número e no peso de teleóginas e no número
e viabilidade de seus ovos. A resistência à infestação é dirigida contra todos os estágios
parasitários do ciclo de vida do carrapato, mas parece afetar mais obviamente a fixação
das larvas. Em bovinos com alto grau de imunidade protetora, até 90% das larvas podem
ser rejeitadas dentro de 24 horas após a infestação (Wagland, 1979).
Constantinoiu et al. (2010) avaliaram populações de linfócitos na pele de animais B.
taurus taurus (Holstein-Friesian) e B. taurus indicus (Brahman) antes e após infestação
artificial com larvas de R. (B.) microplus e observaram que a maioria das subpopulações
de células T e células CD25 + estavam presentes em número significativamente maior nos
animais B. taurus indicus do que nos B. taurus taurus. De acordo com os autores, o maior
número de células T, principalmente, as células T γδ (gama/delta), observado na pele dos
animais resistentes antes da infestação por carrapatos, quando comparado com a pele
dos animais suscetíveis pode indicar uma maior capacidade dos zebuínos de responder
aos desafios cutâneos.
Embora tenham sido observados aumentos significativos em todas as subpopulações
de células T em ambas as raças bovinas após a infestação artificial, as células T γδ
continuaram presentes em número significativamente maior na pele de B. Taurus indicus,
sugerindo um papel dominante para este tipo celular no mecanismo de resistência dos
bovinos contra larvas de R. (B.) microplus. As células T γδ são um subconjunto de células
T cujas funções múltiplas não são totalmente conhecidas, mas, geralmente, supõe-se que
elas desempenham um papel importante na integração da imunidade inata e adquirida,
formando a primeira linha de defesa contra patógenos invasores e no desenvolvimento
de tumores, agindo como resposta primária ao dano ou à doença (Constantinoiu et al.,
2010).
Alguns estudos têm associado os fenótipos resistentes a mecanismos imunológicos
adquiridos, após a exposição dos animais a repetidas infestações. Tal fato foi observado
por Wagland (1975) em rebanhos australianos das raças Brahman (B. taurus indicus) e
Shorthorn (B. taurus taurus), sem contato prévio com R. (B.) microplus e submetidos a
infestações artificiais. Neste estudo, após a primeira exposição, os dois grupos apresen-
taram resultados similares quanto ao número de fêmeas adultas do parasita presente no
corpo dos animais. Entretanto, após quatro infestações sucessivas, bovinos Shorthorn
apresentaram-se significativamente mais infestados que os bovinos Brahman. Portanto,
uma das diferenças existente entre estes animais quanto à resistência ao carrapato é ob-
servada com relação ao nível da resposta imunológica, a qual é mais eficaz em B. taurus
indicus do que em B. taurus taurus.
228 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
Dessa forma, segundo Alencar et al. (2005) quando as condições ambientais são fa-
voráveis ao desenvolvimento do carrapato é de fundamental importância para o sistema
produtivo o uso de genótipos resistentes. Cabe ressaltar que, quando tal abordagem for
utilizada, deve-se levar em conta o fato de que, devido à sua natureza aparentemente
poligênica, podem existir correlações desfavoráveis entre a resistência ao carrapato e ou-
tras características economicamente importantes (Mapholi et al., 2016). Entretanto, em um
estudo com as raças Hereford e Braford, foi demonstrado que as contagens de carrapato,
em geral, não eram geneticamente relacionadas com as características de crescimento,
escores visuais e circunferência escrotal, tendo os autores sugerido que o uso de índices
de seleção para melhoria simultânea das características de resistência ao carrapato seria
crescimento em diferentes idades e fertilidade (Biegelmeyer et al., 2017).
Marcadores genéticos
Kashino et al. (2005) e Piper et al. (2009) analisaram perfis de expressão gênica de
leucócitos do sangue periférico (PBL) e observaram que hospedeiros resistentes são
mais propensos a desenvolver uma resposta estável mediada por células T contra R. (B.)
microplus do que os suscetíveis. Além disso, bovinos suscetíveis demonstraram perfis de
expressão celular e gênica consistentes com respostas inatas e inflamatórias à infesta-
ção por carrapatos. Em bovinos suscetíveis são ativados genes envolvidos em respostas
inflamatórias, e outras respostas imunológicas importantes, que conferem potencial para
o desenvolvimento de maiores respostas pró-inflamatórias quando comparados com
animais resistentes.
Piper et al. (2010) em estudos de expressão gênica em pele retirada de sítios de fixa-
ção de larvas demonstraram que citocinas, quimiocinas e fatores do complemento foram
diferencialmente expressos entre a pele de animais que nunca tiveram contato com o car-
rapato e a pele infestada em bovinos Holstein-Friesian suscetíveis. Os autores verificaram
também que os transcritos de imunoglobulina foram diferencialmente expressos em pele
infestada de Holstein-Friesian em comparação com bovinos resistentes da raça Brahman.
Portanto, a patologia crônica estabelecida em B. taurus taurus pode facilitar o processo de
alimentação do carrapato.
Em outro estudo envolvendo coagulação na pele de bovinos resistentes e suscetíveis
infestados com R. (B.) microplus, os hospedeiros suscetíveis tiveram um aumento no tempo
de coagulação sanguínea em comparação com a pele normal e com a pele de hospedei-
ros resistentes. Além disso, o fenótipo resistente do hospedeiro afeta o transcrito de genes
associados a proteínas anti-hemostáticas nas glândulas salivares de R. (B.) microplus,
com transcritos codificadores de proteínas anticoagulantes expressos em níveis mais
elevados em carrapatos alimentados em hospedeiros suscetíveis em comparação com
carrapatos alimentados em hospedeiros resistentes (Carvalho et al., 2010b).
Blecha (2018), com o objetivo de identificar genes diferencialmente expressos (GDEs)
associados com a característica de resistência ao carrapato, utilizou a metodologia de
sequenciamento de RNA em larga escala (RNA-seq) e analisou três grupos genéticos de
bovinos de corte (Angus, Nelore e ½ Angus X ½ Nelore), antes e após infestação artificial
com larvas de R. (B.) microplus. Esta análise identificou 86 GDEs para a raça Angus, 814
para os animais ½ Angus X ½ Nelore e 1.676 para Nelore. Foram identificadas 221 vias
metabólicas que desempenham papéis fundamentais na resposta imune, como sistema
complemento e cascata de coagulação, apresentação e processamento de antígenos,
agregação plaquetária, entre outros. Desse total, 65 vias foram filtradas e significativamen-
te enriquecidas para Angus, 24 vias filtradas e significativamente enriquecidas para Nelore
e 17 vias para os animais cruzados.
A via “Inflammatory mediator regulation of TRP (Transient receptor potential) channels”
com genes em sua maioria down-regulated é uma via enriquecida nas amostras dos ani-
mais do grupo Angus. Essa via está relacionada com sensação de dor, além de outros
fatores. A dor resulta do processamento complexo de sinais neurais em diferentes níveis
do sistema nervoso central (Patapoutian et al., 2009). Alterações na transcrição e tradução
de canais TRP podem mudar o fenótipo químico dos neurônios de seu estado em condi-
ções normais para um estado alterado durante a inflamação. O efeito dessas mudanças é
uma redução no limiar de dor no local do tecido inflamado (Patapoutian et al., 2009).
A bradicinina e a histamina são mediadores importantes da dor (Clark, 1979). A bradi-
cinina é uma substância promotora de edema, que, por sua vez, pode ser um componente
significativo na rejeição de carrapatos pelos bovinos (Ribeiro, 1989; Tanaka et al., 1999). A
232 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
dor e a irritação podem ser suprimidas por uma dipeptidil-carboxi-peptidase que desativa
a bradicinina e por uma proteína que se liga à histamina (Paesen et al., 1999), ao inativar
o mediador de dor, a geração de dor é evitada juntamente com a tendência de coceira e
fricção, o que poderia levar à remoção dos parasitas. Essa supressão da dor pode estar
ocorrendo nos animais do grupo Angus e, dessa forma, os carrapatos conseguem maior
sucesso na alimentação (Blecha, 2018).
Outra via interessante para resposta imune e relatada por Blecha (2018) como down-
-regulated para os animais da raça Angus e up-regulated para bovinos cruzados é a
“Chemokine signaling pathway”, pois uma resposta imune inflamatória eficaz requer pri-
meiro o recrutamento de células para o local da inflamação e, em seguida, sua ativação e
regulação. As quimiocinas são pequenos peptídeos quimioatrativos que fornecem pistas
direcionais para o tráfego celular. As quimiocinas podem influenciar tanto a fase inata
quanto a resposta adquirida, portanto, são vitais para a resposta protetora do hospedeiro
(Wong; Fish, 2003).
A ativação da via “Complement and coagulation cascades” também foi observada por
Blecha (2018) como uma via enriquecida entre animais dos grupos genéticos Nelore e
cruzados. O sistema complemento está envolvido no desenvolvimento da imunidade pelo
hospedeiro contra o carrapato. Ele é constituído por um grande número de proteínas plas-
máticas distintas que reagem umas com as outras para opsonizar os patógenos e induzem
uma série de respostas inflamatórias que ajudam a combater a infecção. Já o sistema
de coagulação do sangue é um exemplo de enzimas ativadas em cascata. Nesse caso,
uma pequena lesão na parede dos vasos sanguíneos leva ao desenvolvimento de um
grande trombo (Janeway Jr. et al., 2001), dificultando, assim, o sucesso na alimentação
do carrapato.
Diversos estudos analisaram transcriptomas em pele de bovinos e identificaram o en-
volvimento da cascata do complemento tanto em hospedeiros resistentes quanto em sus-
cetíveis (Wang et al., 2007; Piper et al., 2010; Carvalho et al., 2014). O fato dessa via estar
up-regulated em animais da raça Nelore e em bovinos cruzados pode indicar que esses
animais são mais eficientes em induzir respostas inflamatórias que ajudam a combater a
infecção ocasionada pelo carrapato (Blecha, 2018).
De acordo com os genes e vias metabólicas encontradas por Blecha (2018), os ani-
mais cruzados parecem compartilhar mais mecanismos de defesa contra o carrapato com
a raça Nelore do que com a raça Angus. Esses resultados são extremamente importantes,
pois os animais meio sangue Angus x Nelore criados em ambiente tropical agregam valor
ao mercado da pecuária por possuírem a rusticidade do zebu com qualidade de carne e
o aumento de produtividade do gado taurino.
As informações que forem obtidas a partir da identificação de genes candidatos as-
sociados à resistência bovina ao carrapato, poderão ser usadas em programas de me-
lhoramento genético, contribuindo, assim, para a seleção de animais resistentes e para
sistemas de cruzamentos direcionados.
Seleção genômica
fenotípicas obtidas de cada indivíduo e de todos os seus parentes, interligadas por meio de
uma matriz de parentesco nas equações de modelos mistos (Henderson, 1975).
Os resultados são disponibilizados na forma de DEP, que é a metade do valor genético
predito e representa o desvio esperado da média dos filhos de um dado indivíduo para
uma característica em relação à base genética da população avaliada. Quanto mais pre-
cisa for a DEP, maior será o progresso genético obtido ao se utilizar essas informações na
seleção. Além disso, quanto mais precoce for a obtenção de DEPs, mais rápido se dará
o avanço genético de um rebanho ou de uma população por unidade de tempo, como
resultado do uso mais intenso de animais jovens na reprodução.
Até recentemente, a incorporação de informações de marcadores moleculares em
programas de melhoramento genético baseava-se na utilização de alguns poucos mar-
cadores e, salvo algumas raras exceções, não apresentava ganhos adicionais significa-
tivos aos já obtidos pela seleção tradicional. Isso se deve ao fato de que, geralmente, as
características de importância econômica são controladas por muitos genes e, portanto,
a informação destes poucos marcadores explicava somente uma pequena parcela das
diferenças genéticas observadas entre os animais. Nos últimos anos, inovações que ocor-
reram no desenvolvimento de tecnologias de sequenciamento de DNA e de genotipagem
de marcadores moleculares do tipo SNP, viabilizaram a implementação de métodos de
seleção assistida por marcadores em escala genômica (Meuwissen et al., 2001).
Considerando que a identificação de genótipos de resistência bovina a ectoparasi-
tas por meio de métodos quantitativos convencionais depende da exposição prévia dos
animais a infestações, o que pode acarretar prejuízos aos animais candidatos à seleção,
a seleção genômica para resistência se mostra como uma poderosa ferramenta auxiliar
aos atuais programas de melhoramento, pois possibilita antecipar a escolha de genótipos
superiores, sem a necessidade de exposição dos animais aos carrapatos.
Atualmente, para bovinos, estão disponíveis no mercado diversos chips de média e
alta densidade para a genotipagem de marcadores do tipo SNP, podendo ter centenas
de milhares de marcadores como, por exemplo, High Density Bovine Bead Chip Array
com 777.962 marcadores; Axiom Genome Wide BOS 1 Array, com 648.874; GGP Bovine
50K com 50.000; GGP Bovine LD Array com 26.000; Clarifide Leite e Clarifide Nelore 2.0
com 12.000, entre outros. A utilização destes chips permite investigar todo o genoma em
busca das variações que estão associadas com diferenças de desempenho dos animais
e, a partir destas informações, estimar valores genéticos genômicos (VGG), os quais têm
proporcionado ganhos em acurácia, redução do intervalo de gerações e correção de erros
nos dados de pedigree.
Para a implementação da seleção genômica, basicamente, três etapas principais são
necessárias. A primeira é a genotipagem de uma população de referência ou de treina-
mento por meio de conjuntos de SNPs em média e/ou alta densidade e posterior estimativa
dos efeitos dos marcadores. Entende-se por população de referência ou de treinamento
uma população formada por indivíduos que devem ser todos genotipados para um grande
número de marcadores e ter seus fenótipos avaliados para as características fenotípicas
de interesse. Nessa população são descobertos os marcadores que explicam as regiões
que controlam essas características, bem como são estimados os seus efeitos. A segunda
etapa é a validação dos efeitos estimados em um grupo de animais que não pertence
à população referência. A etapa final é a predição dos valores genéticos de indivíduos
candidatos à seleção, baseados nos genótipos dos marcadores e nos efeitos estimados
(Hayes et al., 2009).
234 Carrapatos na cadeia produtiva de bovinos
Em bovinos de leite, a seleção genômica vem sendo utilizada com sucesso para ava-
liação genética de algumas características produtivas em países como Estados Unidos,
Canadá, Holanda e Nova Zelândia. No Brasil, para as raças Girolando e Gir a genômica
também já é realidade. Os primeiros resultados de avaliações genômicas para a raça
Girolando foram divulgados em junho de 2017 com o lançamento do primeiro sumário
genômico e para a raça Gir em abril de 2018.
Em gado de corte, no geral, as predições genômicas ainda têm sido geradas com bai-
xa acurácia, limitando, assim, os seus benefícios. O maior desafio para a implementação
da seleção genômica em gado de corte tem sido a estruturação de uma população de
referência suficientemente grande para garantir altas acurácias nas predições das DEPs
genômicas. Assim, a adoção eficaz da tecnologia genômica requer a existência de ban-
cos de dados bem estruturados, compostos por informações genealógicas, fenotípicas e
genotípicas coletadas em grande número de indivíduos.
No Brasil, a fenotipagem para a característica de resistência ao carrapato ao sobreano
vem sendo utilizada nas raças Hereford e Braford desde 2001 como critério de seleção
dos rebanhos da Conexão Delta G, uma associação de criadores com fazendas em sete
estados do país (Bahia, Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Paraná, Rio Grande do
Sul e São Paulo) (Cardoso et al., 2006).
A utilização das informações de marcadores moleculares nessas raças permitiu au-
mentar a herança genética estimada da característica de resistência, passando dos 20%,
tipicamente encontrados quando se usam somente informações de pedigree e dados de
contagens, para 29% com o uso das informações genotípicas (Cardoso et al., 2011).
Um dos resultados mais relevantes desse trabalho foram as primeiras avaliações genô-
micas de touros das raças Hereford e Braford (Cardoso et al., 2012), tornando disponível
aos criadores a DEPG (DEP Genômica). A partir destes resultados, os produtores podem
praticar a escolha de touros-pais para serem usados no melhoramento dos seus plantéis
via inseminação artificial com o auxílio de informações genotípicas associadas às infor-
mações fenotípicas e de pedigree obtidas do banco de dados histórico dos criadores
participantes deste projeto.
Cardoso et al. (2015) avaliaram a utilidade da predição genômica como ferramenta
para selecionar bovinos das raças Braford e Hereford resistentes a carrapatos por meio
da análise de diferentes métodos de avaliação genômica usando 10.673 contagens de
carrapatos obtidas de 3.435 animais Braford e 928 de animais Hereford participantes
do programa de melhoramento genético da Conexão Delta G. Um subconjunto de 2.803
amostras de animais Braford e 652 de Hereford foram genotipadas e 41.045 marcadores
permaneceram após o controle de qualidade. Com os resultados obtidos, os autores con-
cluíram que as avaliações genômicas podem ser usadas como uma ferramenta prática
para melhorar a resistência genética de bovinos da raça Braford a carrapatos e para o
desenvolvimento de linhagens resistentes. Entretanto, para a raça Hereford, a população
de treinamento precisa ser aumentada antes que a seleção genômica possa ser aplicada
com segurança para seleção de indivíduos resistentes ao carrapato.
Com os objetivos de identificar segmentos genômicos e SNPs associados com a ca-
racterística de resistência a carrapatos nas raças Hereford e Braford, Sollero et al. (2017)
estimaram o desempenho preditivo de um painel de SNPs de densidade muito baixa e
o compararam com os resultados obtidos com um conjunto de dados de genotipagem
contendo 41.045 marcadores em 3.455 animais criados no sul do Brasil, sendo 2.803
Braford e 652 Hereford (Cardoso et al., 2015).
Variabilidade genética da resistência bovina ao carrapato Capítulo 17 235
Conclusão
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