Seminários Sobre Visões
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Seminários Sobre Visões
PARTE IX
SPRING 1968
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Dr. Jung: Sim. Eu concordo com o Senhor. – Pégaso está muito bem,
enquanto significa fogo, entusiasmo divino, intuição de palavras e
pensamentos divinos. Mas a situação torna-se questionável quando ela
monta nele. Isto não é uma coisa tão simples, uma vez que ela é feita de
matéria mortal. Entretanto, não quero ser cético. Temos que esperar para
ver como progride a fantasia. O que pensam do vôo deles?
Comentário: A negridão em volta deles mostra que ela não perdeu de vista
o perigo da sua posição.
Dr. Jung: Sim, era a sombra do Espírito Santo. Podemos dizer que as
nuvens pretas são a sombra do cavalo branco, simplesmente o aspecto
inconsciente dele. Toda essa negridão seria uma insinuação do fato de que
este cavalo branco, o que quer que ele signifique, projeta uma sombra
bastante negra. Mesmo assim, por enquanto, ela supera a sombra.
Ela jaz sobre a cruz. Vou mostrar-lhes a pintura que a paciente fez disso.
Dr. Jung: Sim. O Senhor está certo quando interpreta a figura crucificada
no chão e incapaz de erguer-se como o ser pessoal e subjetivo. Ela é a
vítima sacrificial, a oferenda à estrela, a vítima daquele que se elevou com
Pégaso. Aqui vemos alguma coisa do conflito e da tragédia humana: de um
lado, a figura semi-divina elevando-se com Pégaso à cidade branca da
promessa; de outro, a figura sendo crucificada nesta cidade, sendo
inteiramente destruída. Agora, o que é a estrela ou jóia no fim do bastão?
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Dr. Jung: O Senhor a compararia a uma planta, sendo a jóia a flor num
caule que cresce do seu coração? É possível fazer esta analogia, mas na
experiência dela não ocorreu deste modo; era antes como se a jóia ou
estrela houvesse descido sob a forma de bastão e atravessasse seu
coração. Aqui, de repente, ela vê todo o problema daquele SELF exaltado
sob uma luz inteiramente diferente, do outro lado. As nuvens desceram, a
negridão revelou-se, esta é a sombra da individuação; de um lado é a
liberação ou síntese de um ser superior, e do outro, esta sombra terrível, o
sacrifício do ser pessoal e terreno.
Comentário: Para atingir a estrela ela tem que matar seu si-mesmo pessoal.
Dr. Jung: De certo modo, sim. Ou poder-se-ia dizer que na medida em que
aquela estrela se manifesta, ela será necessariamente crucificada; em
outras palavras isto a força a tornar-se CRISTO... Como regra, a idéia
motivadora de uma nova religião, vem do simbolismo da religião que a
precedeu. Por exemplo, a idéia motivadora de uma nova religião para
suceder a era cristã seria que todos são CRISTO, que CRISTO é meramente
a projeção de um mistério inteiramente humano e que na medida em que
tomamos de volta para nós a projeção de CRISTO, cada um de nós é
CRISTO.
Não sou o único a ter tido esta idéia, outros pensaram nisso também:
JAMES JOYCE, por exemplo. Na cena do bordel, em ULYSSES, o profeta
prega em gíria americana, sua linguagem é ultrajante, blasfema, mas há
algo de extraordinário nela. “Apressem-se!” ele diz, “Unam-se aqui mesmo
para a Junção da Eternidade!” ou: “Agora estão íntimos com CRISTO e
SATÃ!”. Há seis pessoas lá, três meretrizes e três homens, e ele se dirige a
cada um pelo nome, KITTY CRISTO, FLORRY CRISTO e assim por diante. Ele
faz de todos eles um CRISTO.
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No Egito, a alma imortal era projetada no Faraó, como OSIRIS. A idéia era
que só ele era imortal; todos os outros deviam morrer e desaparecer, se
não podiam subir na barca do Deus-Sol quando ele atravessava os céus. O
Cristianismo descendeu desta antiga idéia religiosa. Mas CRISTO disse que
todos tinham um OSIRIS, uma alma imortal; assim, aquilo que antes
pertencia só ao Deus tornou-se propriedade de todos. Depois da crucifixão,
entretanto, as pessoas comportaram-se como crianças irresponsáveis, elas
se livraram dos seus fardos e os despejaram sobre CRISTO. Mas agora
vemos que todos têm que se tornar adultos responsáveis, todos têm que
viver suas próprias vidas do seu próprio modo, sem imitar ninguém mais,
ou acreditando que é algum outro que não ele como é realmente. Então
agora seremos sacrificados. Agora cada um é um CRISTO e na medida em
que é um CRISTO, é sacrificado.
O que pensam desta passagem? Há uma analogia cristã, embora não deva
ser considerada muito literalmente.
Resposta: A ressurreição.
Dr. Jung: Sim. A lança foi retirada da ferida. CRISTO morreu, foi enterrado
e então veio a ressurreição. Temos que discutir esse simbolismo cristão,
porque ele está no nosso sangue; sempre o tomamos como certo e nunca
pensamos que poderia ser psicologicamente simbólico...
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Não há muito tempo conversei com uma pessoa muito original que está
passando por experiências espirituais muito estranhas – não sob minha
influência, mas por ela mesma. Ela é, na realidade, um caso limítrofe, e ela
me disse: “Pensar sobre Deus é muito lindo, mas há algo de terrível nisto;
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Dr. Jung: Sim. Seria a libido biológica da manhã da vida. Podem ver que a
mulher que está crucificada viveu apenas a primeira parte da vida, e o
outro aspecto dela mesma é viver a segunda parte. A frutificação da terra
expressa aquele tipo biológico de vida meramente pessoal, e a outra pessoa
nela, como vimos muitas vezes no curso destas visões, simboliza a segunda
parte, o resultado último, a forma impessoal de vida. Assim, quando a
mulher crucificada reconhece o fato de que seu tempo acabou, ela está
superada, e isto é simbolizado pela cruz. Porque deveria ser assim?
Conhecem a simbologia da crucifixão de CRISTO? Quando ocorreu?
Dr. Jung: Sim. Mas em particular era o sacrifício “dos primeiros”, das
primeiras frutas do campo, dos primeiros vegetais, dos primeiros cordeiros
e outros animais jovens. E CRISTO, o primogênito de Deus, é também
sacrificado no tempo do equinócio vernal. Este sacrifício de jovens era
chamado em Roma o versacrum, a primavera sagrada. O que simboliza
isto? Por que deveria a juventude ser sacrificada nesta época? Por que
devia, afinal, ser sacrificada?
Dr. Jung: Aquilo era projetado. Esses sacrifícios ocorreram muito antes das
projeções astrológicas.
Dr. Jung: Sim. Poderíamos dizer que as melhores coisas do momento eram
sacrificadas para propiciar os Deuses do futuro, para assegurar uma fértil
continuação do ano.
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Comentário: A visão diz que ela fecundou a terra durante um tempo muito
prolongado. O que quer que seja sacrificado agora não deve ser para a
terra, mas para os Deuses.
Dr. Jung: Sim. Isto tem o valor do sacrifício vernal. A coisa nova nasceu na
primavera. Aquela mulher emergindo das ondas simboliza o nascimento de
uma nova existência, de uma nova parte da vida, e ao mesmo tempo é a
morte daquilo que era anteriormente. E tal morte é um sacrifício, no sentido
de ter que ser uma morte voluntária. É por isso que, no simbolismo cristão,
a morte de CRISTO é voluntária, um auto-sacrifício. Assim, há muitas coisas
o simbolismo desta visão que a tornam análoga ao sacrifício cristão, e
também fazem dela uma ocorrência não natural como o sacrifício vernal da
antiguidade. Nessas associações está apresentada uma das coisas mais
naturais, mas antigas e pagãs, e ao mesmo tempo uma das mais cristãs.
Isto mostra que mesmo quando se tenta afastar-se de tais idéias, se é
conduzido de volta a elas, muito naturalmente, porque este é o caminho da
natureza. Aqui tenho que repetir as palavras de GOETHE que já citei em
outra ocasião: “A Natureza demanda uma morte”. É uma necessidade que
as coisas devam ocorrer deste modo. Assim, quando a paciente, consciente
e voluntariamente, cumpre esta lei, ela está em concordância com a lei
natural. Psicologicamente, isto significa que ela agora chegou ao momento
quando a primeira parte da vida definitivamente termina, e ela tem que, por
isso, sacrificá-la consciente e voluntariamente. Isto agora é passado e um
novo período começa. É através de tal introvisão e de tal decisão que ela
produz a ressurreição da mulher que foi crucificada.
Porque o sacrifício não significa que a vida do corpo deva ser morta para
sempre e que nunca deva retornar; está destinado apenas a indicar uma
transformação. Esta idéia também ocorre – ou pelo menos a ela alude – no
dogma cristão da ressurreição do corpo, porque embora o corpo deva ser
mortificado no sacrifício, a ressurreição corporal inclui a idéia de que o
próprio corpo retornará. CRISTO foi enterrado, seu corpo era um cadáver,
mas ele ressurgiu dos mortos e nada deixou na tumba; seu corpo nunca
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esteve morto, ele estava vivo e CRISTO voltou com seu corpo. Isto levou ao
dogma da completa ressurreição do homem, e se meditam sobre aquele
símbolo cristão, naturalmente chegam à conclusão de que ele antecipou um
futuro ponto de vista, uma futura ênfase na importância do corpo. Está
chegando um tempo em que se dirá: “Basta desta mortificação, isto omite e
menospreza o corpo”. Ele tem que ser sacrificado no equinócio vernal, mas
ele deve voltar, ele deve continuar a representar o seu papel. Assim, o
sacrifício da psicologia da primeira parte da vida não significa que depois
disso o corpo e sua psicologia ficam inteiramente excluídos. Antes,
continuamos com ele, temos um diferente conceito dele. Porque embora ele
não tenha mais o mesmo propósito, ele precisa viver e viverá. Se
continuamos a psicologia do sacrifício, não prestamos atenção ao corpo ou
tentamos esquecê-lo, então sofreremos sempre de uma dissociação. Mas
quando reconhecemos que o corpo agora está curado, então é realmente
como a ferida de AMFORTAS, estamos sintonizados com ele. Agora, alguma
coisa bastante esquisita ocorre.
Vejam, ambas fazem a mesma coisa, mas a mulher que chegou à cidade
branca montada no cavalo branco, carrega a lança que feriu a outra. Nunca
sabemos o que foi feito da outra mulher, ela se afasta como uma sombra
vazia. Esperar-se-ia que as duas formas se tornassem uma, e que ela
viveria no seu corpo renovado, mas nada disso ocorre aqui; aparentemente
as duas se separam, e aquela com o cavalo branco, segurando a estrela, o
símbolo da individuação, e conduzindo o cavalo, toma seu próprio caminho.
Com isto, esta série de visões chega a um fim e ficamos na dúvida a
respeito do que teria ocorrido com sua sombra, com seu pobre corpo. O que
esperariam depois disso?
Dr. Jung: Aparentemente, tudo leva a uma união, mas o resultado é uma
dissociação. Agora, qual é a analogia histórica? O corpo de CRISTO ficou
inteiro e saudável, mas o que aconteceu então?
Dr. Jung: Ele cumpriu seu destino individual; isto não é a mesma coisa que
a vida pessoal.
Dr. Jung: Não podemos fazer disso uma teoria. Há certas pessoas cuja
tarefa individual não é a comum vida pessoal; por exemplo, certas pessoas
são destinadas a ser monges... Esses casos existem e ocorrem no mundo
inteiro... Também é um fato que muitas pessoas casadas não têm vida
pessoal.
Dr. Jung: Mas ele foi crucificado, seu corpo teve um papel muito grande...
Mesmo assim tenho que confessar que fiz a mim mesmo essa pergunta:
como se teria desenvolvido historicamente o cristianismo se CRISTO tivesse
se casado, tivesse tido sete ou oito crianças para alimentar e uma família
para sustentar? As coisas poderiam ter tomado um aspecto diferente,
então. E outras pessoas fizeram a mesma pergunta também, embora talvez
não numa forma tão direta.
Isto implica certo criticismo, mesmo assim não podemos encarar a vida de
CRISTO de tal ângulo pessoal; só podemos afirmar que ele cumpriu sua
tarefa individual, e por isso sua vida – que foi sua tarefa individual –
tornou-se um símbolo tão importante... As necessidades psicológicas dos
seres humanos de dois mil anos atrás eram totalmente outras do que as de
hoje; uma vida espiritual unilateral era então uma necessidade absoluta;
enquanto aos nossos dias uma existência ascética já não carrega vida, está
morta.
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Para nós, entretanto, parece haver uma necessidade histórica para que
fossemos ensinados como fomos. Se nossos ancestrais não estivessem
prontos para aceitar tal ensinamento, ele nunca teria funcionado. Porque a
efetividade de um ensinamento está condicionada da mesma forma que o
poder da sugestão. Muitas pessoas pensam que qualquer um pode ser
hipnotizado, que só é necessário dizer “Você não tem dor de cabeça” ou
“Você já não sofre desta ou daquela dor”. Elas não levam em consideração
o fato de que para que a sugestão funcione já deve haver dentro da pessoa
uma prontidão inconsciente para isto. Mas se o sujeito não está pronto nem
inclinado a aceitar a sugestão, pode-se fazer o melhor para hipnotizá-lo,
sem sucesso. E as condições que tornam as pessoas prontas são muito
específicas.
O Poder da Sugestão
Veio à tona que ela tinha um filho idiota que estava na minha enfermaria,
na clínica. Eu não sabia disso, porque ela se casara novamente e tinha
outro nome. Mas este era seu único filho, e naturalmente, ela procurara
sempre um mais satisfatório, um filho que “prometesse” e fosse inteligente.
Eu era um jovem médico e então ela me tomou como um segundo filho e
disse a si mesma: “Eu farei um milagre para ele. Vale bem a pena para mim
fazer algo por ele”. E foi isso o que ela fez: criou uma grande “onda” de
reputação em torno de mim e isso me trouxe os primeiros pacientes: minha
prática psicoterápica começou com uma mãe que me colocou como
substituto para seu filho insatisfatório. No seu caso minha sugestão
funcionou perfeitamente, porque ela estava absolutamente madura, ela
estava pronta para explodir como uma bomba e ser curada de uma forma
espetacular.
Às vezes médicos tentam em vão curar pessoas que se curam mais tarde
em Lurdes ou outro lugar como esse. Geralmente são pessoas que não
acham que vale a pena ser curadas por um simples médico, mas sim pela
glória da igreja, para demonstrar a glória da graça de Deus ao mundo
inteiro. Essa foi a psicologia dos primeiros santos, como SÃO SIMEÃO
ESTILITA, que se equilibrou sobre um só pé em cima de um pilar durante
sete anos. Naturalmente ele se sentava e dormia a intervalos, mas toda a
sua ocupação consistia em ficar de pé sobre uma perna e milhares de
pessoas peregrinavam para vê-lo e maravilhar-se com o poder do espírito,
que o capacitava a fazer uma proeza dessas. Os faquires na Índia também
fazem coisas extraordinárias, e demonstrando o poder do espírito eles
adquirem tal mérito que bem merecem ser chamados santos. Porque é
tremendamente importante que a humanidade seja impressionada pelo
poder do espírito e acredite nele. De outro modo, as pessoas não podem
viver completamente suas vidas, elas degeneram em animais, em
vulgaridade e embotamento.
naquele tempo, quando tal pergunta não poderia ter sido feita, porque não
teria sido possível viver uma vida como a dele se o espírito não tivesse sido
suficientemente forte naqueles dias para que alguém sacrificasse sua vida
pessoal a ele. O efeito da vida de CRISTO foi, como sabem, imediato; em
alguns séculos, cidades inteiras no Oriente ficaram despovoadas, porque
milhares de pessoas foram para o deserto, onde acabaram suas vidas como
eremitas. Isto mostra como estavam prontos para abandonar as formas
costumeiras de existência. Nós não sabemos do que o homem é capaz. Se
alguma coisa acontecesse agora, adequada a este momento como a vida de
CRISTO era adequada àquele, provavelmente veríamos fenômenos muito
semelhantes. Nunca estamos a salvo de tais extraordinários
acontecimentos. Se a palavra certa fosse pronunciada, ou se o símbolo ou
se o símbolo que expressa a maior necessidade do nosso tempo fosse
encontrado, as pessoas seriam tomadas por ele durante séculos, e nunca
fariam perguntas que destruiriam sua efetividade. Estas perguntas seriam
feitas dois mil anos mais tarde.
O Reaparecimento de Dioniso
Dr. Jung: Isto é bem possível. Exatamente como depois do ideal católico de
mortificação do corpo na Idade Média, foram reavivados os sátiros e as
ninfas na Renascença. Agora veremos.
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Quem é este?
Resposta: PAN.
Dr. Jung: Mas PAN parece bastante doente. Tendo sido ofertado a um
monastério cristão, PAN está emaciado, sua pele esticada sobre os ossos...
Pobre velho PAN sofredor, batizado, domesticado e faminto, tocando sua
flauta sob uma árvore. Esta é a idéia do corpo negligenciado, naturalmente;
PAN sempre representa a vida do corpo e das coisas naturais. Algo tem que
acontecer para tirá-lo de sua miséria.
Assim, nada podia ser feito com ele. Ele estava no fim da sua “corda”, e
agora seu lugar foi tomado por um animal.
Dr. Jung: Não tão depressa. Há um grande problema para ser resolvido
antes.
O que pensam que ele viu? Esperar-se-ia que ele encontrasse a mulher,
mas não, absolutamente, ele viu “...um esqueleto...” Ele encontra apenas
morte na catedral... Ele está demonstrando a ela que o ponto de vista
cristão é vazio e morto.
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O Animus está mostrando a ela de uma forma drástica que esse ponto de
vista inteiro tem que ser abolido. Mas por que deve ele demonstrar isso
com uma ação tão blasfema?
Dr. Jung: Exatamente. Por isso ela afastou-se de seu corpo... O que
aconteceu é a separação da alma KA da alma BA. Estes são antigos
conceitos egípcios: a alma KA é a alma substancial terrestre; a alma BA,
representada como um pássaro-homem ou um pássaro com cabeça
humana, é a alma espiritual. Elas são como a KUEI e o SHÊN na metafísica
chinesa, que se separam depois da morte, sendo a KUEI a alma física, o ser
fantasma que aparece antes e depois da morte, e o SHÊN, a alma espiritual
que se eleva para a luz, para os mundos espirituais, que desaparece no
princípio YANG, por assim dizer...
Dr. Jung: Sim. Não é natural que sua alma corpórea ande numa direção
diferente da alma espiritual. As duas deviam estar juntas. A separação só
deveria ocorrer depois da morte. Assim podemos esperar alguma coisa
como uma nova união. Este homem antigo deveria fazer alguma coisa com
isto. Quem é ele realmente?
Dr. Jung: Sim. Ele é uma figura de Animus que aparece sob a forma de um
Deus, e esta é uma forma que ele pode assumir facilmente, por causa de
suas qualidades divinas... as qualidades que tornam as mulheres vítimas
sem recursos do seu poder, e destroem aquelas que se identificam com ele.
O mesmo é verdade a respeito da Anima... Estas figuras são divinas como
as antigas divindades foram divinas, tendo o caráter de existir além do bem
e do mal. Elas nunca podem ser encaradas de qualquer ponto de vista
moral.
Depois da Destruição
Se ele é um Animus positivo, ele não cria uma neurose, como faria no caso
contrário. Neste caso, pode-se supor que ele trará à tona alguma
contribuição para um novo símbolo. Este seria um tremendo
empreendimento e, naturalmente, ficar-se-ia febrilmente curioso sobre o
que seria este símbolo. Mas as coisas não são tão simples. O Animus
sozinho é incapaz de fazer emergir o símbolo, ele só pode fazer emergir um
símbolo, presumivelmente o símbolo adequado a ela psicologicamente e
isso a conduzirá a novo desenvolvimento. Então, o seu desenvolvimento
juntar-se-á ao desenvolvimento de outros, e o produto último de todo o
desenvolvimento será o símbolo. Como veem, um grande símbolo é algo
inteiramente coletivo. O Animus nunca pode produzi-lo sozinho; ele pode
apenas fazer uma aproximação, uma tentativa de criar alguma coisa que se
assemelhe ao símbolo. Temos que ser muito modestos e cuidadosos a este
respeito. Mas de uma coisa podemos estar certos: quando o Animus
positivo desce ao inconsciente coletivo, algo positivo acontecerá.
Este é o fim da visão. Eu lhes disse que a cavidade para a qual ele desceu
era o abdome, e agora, na parede do abdome ele vê o disco do sol, que
seria o plexo solar... Assim esta cena se refere em primeiro lugar ao nervo
simpático [sistema vegetativo, simpático e parassimpático] e isto é muito
misterioso. Não vamos pretender entendê-lo por enquanto. Mas o que dizer
do peixe? Por que deveria o peixe chamar atenção dela para o plexo solar
nestas circunstâncias, exatamente quando ela desistiu da sua antiga
WELTANSCHAUUNG?
Pergunta: É a idéia do peixe trazendo à tona uma jóia que estava embaixo?
Dr. Jung: Exatamente como foi suposto que um peixe trouxe o anel dourado
de POLYCRATES [tirano que ao pedido do povo joga anel no mar e que volta
dentro de um peixe], ou a jóia, das profundezas do mar, assim pode-se
dizer que este peixe está trazendo o sol. Mas como podemos prová-lo?
Inspirado por esta visão do disco na parede, o Animus faz agora um enorme
esforço para livrar-se dos monstros, e sobe da caverna. O que temos aqui,
como disse, é o antigo mito sobre o monstro do mar do qual emerge o
herói, isto é, o novo sol. O herói é a manifestação humana do sol, eles são
idênticos; ele seria, supostamente, um filho do sol, o filho do céu e seu
semblante assemelha-se ao sol. Aqui este mito repete-se como uma nova
verdade, ele vive de novo. O sol se pôs, desapareceu na água e está
completamente morto, mas reaparecerá em uma nova forma. Porque em
uma caverna debaixo do mar, onde ninguém o presumiria, na completa
escuridão onde nenhum olho humano pode vê-lo, lá embaixo, o sol está se
erguendo. Assim, este momento na visão realmente significa o emergir do
novo ponto de vista, mesmo que ela não tenha percebido isto
conscientemente. A visão seguinte mostra o primeiro efeito do sol nascente.
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Assim, nossa paciente está tentando chegar à criança. Quer tomá-la nos
seus braços, mas não pode atravessar aqueles círculos mágicos... O fato de
que está tão atraída pela criança indica que, neste momento do seu
desenvolvimento, a idéia de uma criança chegou a ela, como uma mandala
apotropáica ou protetora – como uma proteção contra as influências
sobrepujantes do inconsciente. O inconsciente esteve inteiro sobre ela,
como puderam ver. Ela foi jogada das alturas até as profundezas, do fogo
para a água, tudo que poderia acontecer com ela aconteceu, e isto a mostra
despedaçada por mil demônios. Assim, é natural que ela desenvolva uma
tendência para contrair-se, para buscar proteção e abrigo, o que tente
cercar-se com alguma coisa que a mantenha inteira. Os três anéis de ouro,
por exemplo, a manteriam inteira. Ou o que mais faria isso? Uma criança a
manteria inteira. E assim a idéia de ter outra criança ocorreu a ela, porque
ela era ainda jovem, e ter uma criança seria protetor. Quando uma mulher
está grávida ela forma um círculo mágico... e tudo fica um pouco abafado...
Uma parte importante da avidez e da acuidade consciente recolhe-se,
porque toda a libido é dada à criança em desenvolvimento. A criança,
então, poder-se-ia dizer é o centro da mandala, e a mãe simplesmente o
anel protetor em volta dela...
Dr. Jung: Sim. Certo dia ele estava olhando os seus reinos embaixo, quando
sentiu de repente uma dor aguda no olho esquerdo e ficou cego. Seu filho
perguntou o que havia ele visto e ele respondeu: “Um porco preto”. Este
era SET, como sabem; ele viu o princípio escuro, o diabo, e esta visão o
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cegou. Então HORUS lhe deu seu próprio olho e depois disso tinha um olho
apenas. Assim, aqui esta situação eterna está se repetindo. A semente que
penetra no seu olho esquerdo e o cega é como SET no olho esquerdo de
OSIRIS, mas aqui é uma semente e obviamente deve desenvolver-se em
algo, por que a semente é, com certeza, a concepção. E o que está
transmitindo para ela o conselho do velho, nesta visão?
Dr. Jung: Exatamente. Deveria ser uma criança real ou imaginária?... Ela
está inclinada a pensar que deveria ser real, mas esta visão diz que a
concepção desta criança se inicia de uma semente no seu olho, e disto ela
nunca terá uma criança real. Ela será visionária ou espiritual.
Pássaros são seres do ar, eles vivem no ar e podem voar: assim, eles são
sempre símbolos para pensamentos ou conteúdos psicológicos. Grandes
pássaros significariam grandes pensamentos pairando em volta dela.
Visão: (cont.) Por fim, uma mãe-terra chegou até mim. Ela
arrancou o meu olho dizendo: “Ponho este olho no meu regaço,
onde todas as coisas definham, morrem e renascem.”
O que significa que a mãe-terra pega o seu olho?... Mais tarde verão que
uma árvore cresce, presumivelmente do olho que a mãe-terra tirou dela. O
que significa aqui o aparecimento dela? Em certo pondo os senhores se
lembrarão que vimos a paciente deitada sem recursos, no regaço da mãe
(pág. 16 – parte III). O regaço é equivalente ao útero, ela estava no útero
da Grande Mãe.
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Dr. Jung: Sim. A árvore da Yoga outra vez, o caminho impessoal... não o
caminho do seu ego. Ele toma posse dela, exatamente como uma criança
crescendo no seu ventre tomaria posse dela e lhe outorgaria um destino
inevitável... Porque uma mulher que tem um filho não é mais um agente
livre; é mera imaginação pensar que ela é; ela está amarrada à terra. E na
medida em que esta criança cresce, ela estará amarrada pelo seu próprio
crescimento particular. Não se pode evitar isso; só podemos ser gratos se
as coisas tomam um rumo certo, porque elas também podem andar mal.
Assim, ela entra na mandala e toma a criança nos braços, o que significa
que ela aceita este trajeto de vida. Então ela fala com a criança, dizendo:
Resposta: Não é um novo ponto de vista? Ela terá agora uma visão de ego,
e também uma visão de não-ego.
Dr. Jung: sim. A criança representa a vida de não-ego, que é como a vida
de outra pessoa e tem seu próprio ponto de vista especial; aquele outro lho
enxerga dentro da vida impessoal... Quando ela toma a criança nos braços
e diz a ela: “Agora cresce, como cresce a árvore”, este é o desejo mágico.
Com ele, ela outorgou o poder de crescimento, ela delegou sua própria
libido ou mana à criança, e assim renunciou ao seu próprio crescimento em
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favor dela. Em outras palavras, ela investiu sua libido na senda da mãe
esquerda, no caminho impessoal...
A Quarta Função
Dr. Jung: Eu diria que a influência feminina foi afastada porque os homens
eram apenas homens, e todo o feminino estava na mulher. E, como sabem,
o quarto é sempre o demônio...
sentimos que... estamos dentro para isso, o que faz uma diferença
enorme...
A Visão do Precipício
Dr. Jung: Exatamente. Ele agora é feito pelo homem, é um vulcão artificial.
E o que significaria isto?
Dr. Jung: Entregando sua vida à criança, parando sua própria vida
pessoal... não mais dizendo: eu tenho tal e tal emoção, eu odeio, eu amo e
eu estou com raiva. Quando fazemos isto somos rasgados em pedacinhos,
somos nós mesmos uma ardente caldeira explosiva... Então a Kundalini-
Yoga dia que estamos em MANIPÛRA, um centro inteiramente egoísta...
Mas se podemos pegar todo este fogo e usa-lo, então ele estará
acorrentado; este é o ato sacrificial. Também, quando entramos no círculo,
uma forma divina nos envolve, já não somos mais o animal raivoso e
selvagem que éramos. Assim, ela chegou a um ponto de vista superior... O
começo de uma consciência objetiva. Agora ela enxerga quando está
emocionalmente afetada. Percebendo-se num estado de ânimo muito
desagradável, ela pode, muito politicamente, avisar os outros, dizendo:
“Não cheguem perto, eu estou cuspindo fogo”. Este é o ponto de vista de
um ser superior. Como está isto simbolizado na Kundalini-Tantra?
Dr. Jung: Sim. Os três chakras superiores, ou círculos, através dos quais a
serpente Kundalini sobe, se caracterizam pelo fato de que se pode ver o
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PURUSHA, enquanto nos três inferiores (nos três primeiros) não se é mais
do que um ego controlado pelos poderes elementares... Podemos supor que
agora ela esteja mais ou menos no chacra ANÃHATA (o quarto), já que este
é o primeiro centro de consciência objetiva.
Resposta: É a consciência.
Comentário: Isto sugere APOLO, atirando flechas de fogo que atingem seu
alvo. Ele tem a meta, é uma consciência dirigida.
Dr. Jung: Sim. E a cabeça da figura é circundada por luz, assim poderia ser
um símbolo do Sol, como Apolo com suas flechas que alcançam longe... Mas
nós temos que pensar também na psicologia e na mitologia hindus. Isto se
parece muito com um daqueles Deuses indianos que carregam todas as
espécies de emblemas, armas e implementos. Poderia ser SHIVA, por
exemplo, eu tenho em casa uma figura andrógina de SHIVA, dançando e
carregando o arco de KAMA-KAMA, o Deus do amor, está também equipado
com um arco (como EROS, o AMOR)... Mas se colocamos uma particular
ênfase no arco como sendo uma arma, para que serviria?
Dr. Jung: Esta também é uma idéia. Vamos supor que seja assim, então
contra que estaria armada esta figura do PURUSHA?
Ele está espalhando estrelas. Isto mostra que é realmente uma figura
cósmica e PURUSHA naturalmente tem um aspecto cósmico. A típica
formulação hindu de PURUSHA é: “Menor do que o pequeno, ele habita o
coração humano, com o tamanho de um polegar. Ainda assim, maior do
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que o grande ele cobre toda a terra, com a altura de dois palmos”. Como
uma inundação ele cobre tudo.
Comentário: É a kundalini.
pensando quando atuava deste modo, ele ficou zangado, porque, para ele
pensar significava aborrecer-se. A suposição parece ser que um homem que
pensa deve, em conseqüência, ficar aborrecido, triste ou zangado, ou talvez
mesmo muito mau... Para a mente primitiva um homem que pensa é
esquisito, ele pode ser um feiticeiro cheio de veneno e ódio. Esta é uma
atitude da condição MANIPÛRA; quando temos este ponto de vista estamos
dentro do monstro. Mas quando passamos através do diafragma estamos
fora do monstro; então podemos ver que a coisa que nos continha era
realmente um ser divino, embora do lado nos parecesse uma grande
serpente. Esta é a razão pela qual este ser é representado como um
monstro. Os senhores conhecem um símbolo paralelo a este, homem ou sol
em cima e serpente embaixo?
Assim, a figura que a paciente descreve aqui aparece como uma intuição do
princípio divino, uma serpente preta em baixo e luz em cima, humano e
divino, a primeira experiência do ser divino depois que se chegou além do
diafragma. Nos tempos homéricos, a mentalidade inteira era frênica ou
emocional, e os Deuses eram extremamente belos, eles possuíam
qualidades muito positivas. Mas pouco antes do começo da nossa era
aqueles antigos Deuses começaram a decair, tornaram-se fracos e ridículos,
e então uma idéia como esta de ABRAXAS, pode emergir, e era uma criação
filosófica artificial... A escola filosófica de Alexandria foi, provavelmente, o
berço da idéia de ABRAXAS, e antes de ABRAXAS, a primeira tentativa que
conhecemos párea formular esta espécie de Deus era SERAPIS. Esta é uma
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história complicada, mas vale a pena estudar como foi produzido SERAPIS;
é um produto inteiramente artificial da mente filosófica e religiosa...
Dr. Jung: Esta é a mesma coisa, mas dentro da esfera pessoal. Vejam, o
homem é assim, enquanto come a doce fruta da terra, ele também observa
o comer, ele é mais ou menos consciente. Mas ele pode estar inteiramente
idêntico com um lado: então ele é meramente o comer a fruta, ou a fruta
sendo comida, ele está abaixo do diafragma, na condição que é
caracterizada por absoluta fascinação pelos objetos. Quando alguém bebe
vinho num estado desses, ele é o beber do vinho, ou o próprio vinho, e uma
vez que o vinho é um Deus isto explica porque os Deuses têm forma
humana. Isto acontece quando alguém está absolutamente retirado de si
mesmo, então ele não existe, ele é meramente o processo abaixo do
diafragma, esta é a mentalidade frênica. Acima do diafragma, pode-se dizer
que isto não passa de vinho, isto não é Deus; sente-se a própria função, e
então não é divino. Neste caso a deidade desapareceu, mas ela reaparece
no milagre da consciência; então o Deus torna-se uma idéia filosófica. A
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Dr. Jung: Bem, ela faz uma tentativa. Ou para descrever isto mais
adequadamente, seu self-ego mostra um vívido desejo – uma chama é
sempre um vívido desejo – de fundir-se com o PURUSHA. Isto levaria a
que?
Dr. Jung: Sim, e isto seria completa inconsciência, mas aqui, na prática,
não levaria a isto, porque esta figura não é ainda AISHVARA, o supremo
PARAMATMAN, mas uma manifestação de ordem inferior. Assim,
psicologicamente, o que aconteceria?
Dr. Jung: Sim. Ela se identificaria com esta figura divina... e se tornaria um
monstro, divino em cima e besta em baixo. Bem, na realidade, ela é muito
o que ela sempre foi, mas um pouquinho pior... As coisas se tornam muito
pior quando estamos conscientes da verdadeira condição delas; se estamos
inconscientes disto, então preto é branco e branco é preto (não sabemos
muito bem) e cinco é um número par (se não olhamos bem de perto) e
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tudo estará em ordem. Assim passa pela vida o homem primitivo. Ele pode
existir com esta atitude. Se estamos conscientes, simplesmente não
podemos mais viver deste modo... porque nada é inteiramente branco, há
pelo menos um pingo de preto em tudo... Mas as pessoas insistem que não
pode ser preto, que branco é branco, e que é pecado dizer que ele é preto,
é blasfêmia. Então há toda uma briga em torno... e assim, naturalmente,
entramos numa terrível confusão... Assim, se ela conseguisse fundir-se com
a figura da visão, ela se tornaria ABRAXAS, e seria um prodígio, mulher em
cima, serpente em baixo, realmente um monstro. E então a luz não seria
realmente luz, nem a serpente propriamente uma serpente. A confusão
seria terrível. Todos que atingem este estado entram numa condição de
certo modo semelhante à loucura, porque nela os opostos estão demais
próximos um do outro. Eles perdem sua orientação, seu senso de valores, e
não sabem o que acontece com eles, se estão de cabeça para baixo ou não.
E vejam bem, se alguém se identifica com uma forma como ABRAXAS,
mesmo sem uma visão assim clara, pode senti-lo apenas pelos seus efeitos,
os efeitos em si mesmo e os que causa nas outras pessoas.
Podem ver que ela deva ter se fundido de certo modo com ele, a visão de
PURUSHA extinguiu-se, e a chama cai na terra e corre ao longo das ruas. O
que seria isto?
Comentário: Deflação.
Dr. Jung: Bem, a libido está saindo; não é exatamente uma deflação, mas
se gostaria de evitar isso – porque significa que alguma coisa está
escapando do círculo mágico. Vejam, a mandala deveria manter as coisas
juntas, de modo que nada pudesse escapar, mas aqui quando a visão se
esvai, o fogo vai para a coletividade para as ruas. Quando as chamas saem
desse modo e tocam objetos externos, já não estamos em nós mesmos;
fundimo-nos com a coletividade e voltamos à nossa condição anterior,
descemos outra vez à MANIPÛRA.
47
A Corrente de Formigas
Ela regrediu, ela fez uma tentativa de chegar a ANÃHATA e falhou. Mas o
que diriam das formigas que tentam apagar o fogo? De onde vêm aquelas
inúmeras pequenas criaturas?
Dr. Jung: Bem, seria um antídoto, similia similibus. Mas aqui elas têm um
sentido especial, esses milhões de pequenas criaturas.
Dr. Jung: Algo semelhante. A figura na visão era muito grande, um Deus
universal, e essas formigas são extremamente pequenas, mas muitas;
assim há uma grande contra muitos pequenos. O fato de que o diabo é
considerado o senhor de todas essas pequenas criaturas – de moscas e
ratos e vermes de todas as espécies – indica que quando o Deus não é um,
então ele está em toda a parte. Ainda mais, a formiga é um inseto, tem um
sistema nervoso autônomo (simpático), e se alguém volta para MANIPÛRA,
cai de novo sob a lei desse sistema nervoso; ele toma conta da situação.
Ele extinguirá o fogo, mas ele pode fazer isso lançando-o em
SVÂDHISTHÂNA, isto é, em água. (SVÂDHISTHÂNA é o chacra aquoso
abaixo do MANIPÛRA). Agora, é curioso que a pior formiga na África é uma
vermelha e pequena cuja picada queima como fogo e que os nativos
chamam de madji yamoto, que significa água de fogo. Quando estas
formigas correm sobre a gente é como se água escorresse, mas queima
como fogo. É a mesma imagética como na visão da paciente. Lá poderia
significar que para escapar das chamas de MANIPÛRA, às quais ela ficou
48
exposta pela sua regressão, ela agora cai mais para baixo na escala de
Kundalini até SVÂDHISTHÂNA, o chacra aquoso abaixo.
Dr. Jung: Há uma estreita analogia. Mas é muito incomum que visões do
tipo destas com que estamos lidando aqui tenham o mesmo caráter das
alucinações alcoólicas, como estas... Este é o tipo neurótico de visão, que é
sintética e usualmente carece das peculiaridades da desintegração que
aparecem no alcoolismo e têm a ver com certa lesão das células do cérebro.
Porque no alcoolismo não há dúvida que as células do cérebro são
realmente lesadas, e eu penso que tais visões são sempre um tanto
desagradáveis e sinistras.
Outro fato, que também conheço por experiência, é que a libido regressiva
assemelha-se a uma droga, ela atua como um veneno, uma toxina. Pessoas
cuja libido está regressiva sentem-se terrivelmente sonolentas, elas mal
podem abrir os olhos e, em geral, não se sentem bem; todo o
funcionamento do corpo está perturbado... Sabe-se muito pouco sobre
essas coisas, mas sabemos que, positivamente, nos estados regressivos a
viscosidade do sangue está mensuravelmente diminuída e, naturalmente,
uma alteração no sangue afeta todo o corpo. Assim, todos os tipos de
enfermidade latentes podem de repente manifestar-se; uma infecção
larvada, por exemplo, pode eclodir sob tais condições, porque a resistência
do corpo está reduzida. Isto também pode responder pela freqüência de
angina sob certas condições psicológicas. Recentemente conversei com um
professor alemão que também observou isso; ele disse que a angina é
quase uma doença psicológica...
Dr. Jung: Sim. Já que o resultado da última visão era negativo, podemos
esperar que nossa paciente tentará de novo, mas, naturalmente, sob
condições um tanto alteradas... A roda é, com certeza, uma das formas da
mandala e não podemos esquecer que agora estamos dentro da mandala, o
que quer que ela signifique. Ela diz:
Por esta frase ficamos sabendo que ela está no mesmo lugar, no vale das
fábricas, onde ela falhou antes.
Dr. Jung: Sim a face vermelha e sangrenta seria o lado material, físico e o
branco é o lado consciente ou espiritual. O que acontece que ela é atacada
por pares-opostos? Qual é a origem disto na visão anterior?
Dr. Jung: Exatamente. Aquela figura, que era um Deus solar em cima e
uma serpente negra embaixo, de certa forma era um símbolo de
reconciliação. Lá os opostos estavam juntos, mesmo que em uma forma
monstruosa. Naquela figura divina ela conseguiu exteriorizá-os, ela os
colocou juntos em uma única coisa vivente, o que foi definitivamente, um
grande conseguimento. Assim fazendo, ela declarou que o par de opostos
era um assunto divino que não dizia respeito ao homem, que o homem
deveria existir fora de uma tal figura e deveria mesmo pensar sobre ela
51
Agora, o que significa quando ela diz: “Com seus dentes tentavam
despedaçar minhas roupas”?
Dr. Jung: Essas roupas podem ser entendidas como persona, mas o Senhor
pensa realmente que esse par de opostos está tentando arrancar a persona
dela?
Dr. Jung: Naturalmente. Eles estão tentando comer através das roupas,
como ratos ou formigas. Há uma analogia aqui com as formigas que
também estão devorando, elas comem através de toda espécie de roupas
ou cascas...
Vestimentas
conservamos uma idéia de que somos isto e aquilo – e isto sempre aparece
como uma espécie de argumento final no lado do crédito – e mesmo assim
isto funciona contra a verdadeira individuação. Arrancar fora os véus, como
aqui, é realmente um procedimento dos mais dolorosos, mas cada passo a
frente no desenvolvimento psicológico significa arrancar um novo véu;
somos como cebolas com muitas peles, e temos que nos descascar de novo
e de novo para chegar ao cerne real. (A subida ao longo dos chacras na
Kundalini-Yoga, por exemplo, é um arrancar de véus). Comumente, quando
parecemos ter atingido o cerne, deparamos com outro véu de ilusão, que
também deve ser arrancado, a cada vez que isto acontece passamos por
uma experiência muito pesada ou que parece dilacerar o coração antes que
possamos nos considerar seguramente a salvo no nosso novo estado. A
razão pela qual sua visão anterior (do vale das fábricas) falhou era a
existência desses véus ilusórios. Assim, ela precisa, de alguma forma, sair
deles para atingir o cerne. Mesmo assim, as vestimentas são uma proteção
útil. Agora ela diz:
Então ela descobre que sua pele agora é preta com veios verdes. Mas não
há qualquer certeza de que isto seja realmente sua pele; mais
provavelmente é ainda uma vestimenta... Mas, por enquanto, é a última; é
a vestimenta que ela, aparentemente, tem que usar agora até que chegue o
tempo em que também esta terá que ser arrancada ou trocada por outra.
Pergunta: Mas isto não poderia também ser entendido como regressão?
Porque ela recusou encarar o par de opostos?
certos de que esta atitude não era autêntica. Neste caso, algo mais ocorrerá
para reparar a dificuldade. Até aqui, entretanto, só sabemos que o par de
opostos esvaece. Assim, podemos supor que esta vestimenta é certa. Mas
eu não posso dizer-lhes porque é certa, embora provavelmente exista uma
muito boa razão. Este preto entremeado de verde, sugere algo aos
Senhores?
Dr. Jung: De acordo com a minha idéia, a melhor interpretação deste preto
e verde seria que ela tem uma atitude ctônica, que ela é apenas terra – no
começo da primavera, digamos – porque ela agora está bem no início da
psicologia da mandala. E o que está no começo é expresso em terminologia
hindu?
Vejam, com a atitude que ela tem agora, ela pode tentar de novo
prosseguir do ponto que abandonou antes.
55
Resposta: TAO.
Dr. Jung: O caminho do TAO e isto justifica nossa idéia de que sua
vestimenta, por enquanto é acertada. Provavelmente.
Isto confirma o que acabamos de dizer: ela tem aqui a atitude ctônica. O
que simboliza esta mulher crescida terra adentro?
Resposta: A árvore.
Dr. Jung: Exatamente. Ela descobre esta mulher, meio enterrada no solo o
que evidentemente nos lembra MÛLÂDHÂRA e a mandala lamaísta, meio
encamada na terra; ela está crescendo terra adentro como uma árvore, o
que também confirma o que dissemos sobre o broto verde.
Agora, isto é difícil. Temos bem uma série de motivos aqui. Primeiro o que é
o cabelo?
56
Resposta: Pensamentos.
Dr. Jung: Sim, apenas esperando, como quando se anda na rua para lá e
para cá, para passar o tempo; aparentemente, seus pensamentos, no
momento, são absolutamente sem propósito. E não se esqueçam que ela e
um tipo intelectual; ela usou intensamente seu pensar, anteriormente e tem
um Animus considerável, assim é um conseguimento e tanto para ela deixar
seus pensamentos em paz. Num caso destes, como eu disse, a ação real
está em algum outro ponto... Há um conteúdo importante no inconsciente
57
Resposta: Morrer.
Comentário: Em geral a paciente fala na primeira pessoa, mas aqui ela diz
que “viu uma mulher”. Por que isto? Não é ela mesma, é alguma coisa
estranha a ela?
Dr. Jung: Naturalmente tem que ser uma projeção dela mesma, mas
estranha a ela. Isto muitas vezes acontece quando alguém olha o próprio
rosto no espelho: parece entranho quando alguém se vê sob novas
condições. Assim ela está se vendo a si mesma sob novas condições,
enraizada na terra; o que chega para ela agora é um novo aspecto dela
mesma que, aparentemente, ela não previra. Agora os Senhores não terão
dificuldade em compreender o que acontece em seguida.
Agora ela diz, sobre o nascimento dessa criatura, que ela emerge de uma
placenta branca. Isto é bastante incomum. Aqui temos algo. No nascimento,
a criança emerge do útero e a placenta também vem do útero, mas a
criança nunca sai da placenta. No entanto, há uma primitiva superstição
sobre isso, que cada pessoa tem um ‘duplo’, que o duplo é seu irmão
fantasma que era a vida da placenta. Assim, a saída da placenta é também
um nascimento, mas um nascimento fantasmático. Por esta razão, em
muitas tribos primitivas a placenta é enterrada com grande cerimônia, não
apenas posta fora, como fazemos, mas sepultada decentemente, porque é o
cadáver do irmão-sombra... Assim, podem ver, esta é a criança-fantasma, o
‘duplo’ fantasma das páreas.
Os Senhores podem ter observado também que a nossa paciente disse que
a mulher deu à luz “uma criatura com a forma de uma criança”; isto soa
como peculiar e não nos leva a esperar um lindo nenêzinho. Agora ela
continua:
É uma criança monstruosa e nem poderia ser outra coisa, porque a placenta
não é um corpo humano normal, é um corpo simbólico que desaparece
logo, porque a criança-placenta não é destinada a levar uma vida normal,
ela vive apenas em uma espécie de corpo-alento. Este corpo-alento é o
espírito que acompanha um homem, seu segredo, sua sombra. A expressão
em grego para isto é SYNOPADOS e significa “aquele que segue”, o DAIMON
que acompanha um homem durante toda a sua vida.
espírito que tem a ver com a consciência, que contém luz e não apenas
alguma coisa escura... Então, o que é esta figura?
Resposta: ABRAXAS.
Dr. Jung: Sim, a figura de ABRAXAS outra vez, mas agora em uma forma
diferente. Qual é o aspecto notável no caso da criança?
Dr. Jung: Muito. O BIJA-DÊVA está sempre dentro da letra que caracteriza
cada chacra, é uma deidade invisível, sem nome, com quatro braços em vez
de quatro olhos. SHIVA geralmente tem também quatro braços; é a mesma
idéia, um estender-se até os quatro cantos do mundo. Assim, poder-se-ia
dizer que esta criança e um produto verdadeiramente oriental de uma
mentalidade inteiramente ocidental; poderia da mesma forma ser uma
divindade hindu. Na época em que a paciente teve esta visão nem ela nem
eu sabíamos qualquer coisas sobre esses Deuses hindus ou sobre Yoga
Tântrica. Mesmo assim este é bem claramente o BRAHMA de quatro faces
que emerge do lótus que cresce do umbigo de VISHNU. Vejam, a idéia do
lótus crescendo do Deus adormecido é exatamente a mesma idéia, a flor de
lótus é o espírito da placenta. Agora, o que diriam sobre as mãos que são
clavas e os pés que são garras?
61
Dr. Jung: É isso. ABRAXAS era armado, e esses Deuses hindus sempre
carregam certos emblemas ou implementos, geralmente armas. Aqui
encontramos a mesma idéia; os pés são garras, as armas naturais de um
animal, enquanto os braços são clavas, que são armar feitas pelo homem.
Infelizmente ela não diz quantos braços existem lá, mas sabemos que
estamos lidando com quatro olhos, em todo caso, e com aquelas armas.
Agora, que espécie de caráter supõem que tenha este ser?
Resposta: Agressivo.
Resposta: Ela tem uma criança que pode ser perigosa para ela.
Dr. Jung: Sim. Ela pode crescer como algo muito perigoso. Vejam, este
pensamento coloca-se em oposição à sua anterior atitude consciente. Lá, os
pensamentos eram brincadeiras, invenções próprias, talvez arbitrárias
satisfações de desejos. Mas este nascimento mostra a ela que os
pensamentos podem ser uma coisa muito agressiva e perigosa, exatamente
como foi sugerido antes, na visão de ABRAXAS. Se olharmos para trás, na
história, e nos perguntamos por que uma figura como ABRAXAS é sempre
representada com um látego, ou uma espada e um escudo, percebemos
que o Deus é realmente belicoso; suas armas são um sinal de seu poder,
um sinal de que ele pode usar o látego sobre os homens. Não temos algo
similar na Bíblia?
Dr. Jung: Sim. Ele teve lá uma atitude agressiva. E ele disse: “Não vim para
trazer a paz, mas uma espada”, assim ele era belicoso também. Pensem
ainda na figueira estéril; ele a amaldiçoou e disse que deveria ser lançada
ao fogo. E quanto a MITHRAS, era um Deus dos guerreiros, era um hábil
62
Outro ponto é que, embora este pareça ser um nascimento mais ou menos
normal, sob condições comuns a placenta seria vermelha, conteria sangue.
E por que esta é branca?
Dr. Jung: Como as duas faces no começo desta visão, uma branca e outra
vermelha, como sangue. Lembram-se, dissemos que eram opostos.
Assim, deve haver conflito entre o mundo das coisas brancas e o mundo
das coisas vermelhas. A placenta branca é o mesmo que a face branca, é
uma superfície redonda, um disco, uma mandala, e a criança que nasceu
dela é uma criança muito peculiar, com quatro olhos olhando nas quatro
direções do espaço. É um espírito, um BIJA-DEVA. Obviamente esta criança
é da psique e não do sangue e, naturalmente tal criatura não pode nascer
por um modo natural de uma placenta consistindo de sangue e carne; esta
placenta consiste de substância anímica, de peculiar substância espiritual
branca. Podem sugerir um paralelo?
Resposta: A Hóstia.
A criança espírito tem também atributos perigosos, suas mãos são clavas e
seus pés são garras. Não se sabe se estas armas destinam-se a ser usadas
ofensiva ou defensivamente; não se sabe se esta criança, se crescer, não se
tornará uma terrível criatura, uma espécie de GOLEM, talvez... Têm alguma
idéia de porque ela parece tão perigosa?
Essa criança-espírito não pôde ser alimentada pela mãe, e a loba de ferro a
amamenta. É como a lenda bem conhecida de RÔMULO e REMO... Em vez
da mãe humana, há uma mãe animal, mas reparem bem, não uma mãe
viva, a loba é de ferro. Agora, como é possível que uma estátua de ferro
possa alimentar?
Dr. Jung: Bem, o Senhor não está muito longe da verdade, esta é uma idéia
bastante atrevida... Esta estátua seria absolutamente incapaz de alimentar
uma criança verdadeira, mas não sabemos o que pode acontecer com uma
criança-espírito.
Dr. Jung: Exatamente. Poderia ser alimentada por uma estátua como esta.
Não haveria dificuldade quanto a isso. O ferro é um metal muito comum,
muito pesado e útil, é uma espécie de essência da terra, e a criança-espírito
66
poderia ser alimentada por ele. Mas o que tem isso a ver com a era da
máquina?
Dr. Jung: Sim, esta é a parte mitológica, mas o que significaria esta
imagem psicologicamente?
Dr. Jung: É verdade, isto é bom... e se a criança é alimentada por uma mãe
de ferro, ela receberá alimento de ferro... o que lhe dará um estranho
poder. O ferro é muito material; é por isso que estamos pensando em
materialismo e era da máquina. Mas esta é uma criança espírito e o ferro
comporta-se aqui como se fosse matéria orgânica, como leite; poder-se-ia
dizer que a criança bebe do ferro vivente, da alma do ferro. Uma idéia
muito peculiar. Como explicariam isto?
Dr. Jung: Sim. O poder desta criança sobre as coisas materiais será igual ao
poder do ferro; seu espírito será tão forte quanto o ferro, porque ela
recebeu alimento de ferro...
67
Dr. Jung: Aqui existe certamente uma analogia com Roma, que cresceu
para ser um tremendo poder mundial. Esta criança-espírito carrega a
mesma promessa que as crianças alimentadas pela loba romana, ela parece
ser um RÔMULO ou um REMO. Assim, levando tudo em consideração,
temos que concluir que esta só pode ser uma criança-herói. Essas crianças
geralmente não têm mães naturais para alimentá-las, e são nutridas de
algum modo miraculoso. Há muitas histórias assim, como sabem... Esta
criança já tem as garras de um animal selvagem e armas em lugar das
mãos e agora, pelo leite da loba, ela adquirirá as qualidades lutadoras de
um lobo... Parece ser extremamente perigoso. Então, aqui nasceu um
herói, mas um herói nascido de caráter muito diferente de qualquer outro a
que estamos acostumados. O último herói nascido para nós foi CRISTO, um
ser muito bondoso. Havia animais presentes ao seu nascimento também,
mas eram mansos, um boi e um asno. Aqui, entretanto, o inconsciente da
paciente sugere o nascimento de um perigoso espírito beligerante,
alimentado por uma loba com leite de ferro. A idéia é bastante
perturbadora. E o que faz a nossa paciente a respeito disso?
O Significado de um Monstro
Como percebem, ela não realiza nada disto que acontece. Agora, porque ela
não entendeu o que estava acontecendo?
Dr. Jung: Ela não podia entender mais do que nós entendemos. Quando
lemos pela primeira vez uma estória como esta, ficamos apenas chocados
com a insensatez dela, mas mais tarde, quando a sentimos mais, se nos
aproximamos dela como se fosse um texto sagrado escrito em hieróglifos,
68
Pergunta: Alguma coisa deste tipo não aconteceu com a mãe de BUDDHA?
Dr. Jung: Ela foi fecundada por um elefante branco que entrou no seu lado
direito.
Comentário: Mas a criança que nasceu depois disso não era um monstro,
mas um herói.
Dr. Jung: É isto. Poder-se-ia dizer que o verdadeiro herói vem dessa
espécie de inflamar monstruoso.
Dr. Jung: Sim, e ele também fará coisas terríveis, ele vadeará em sangue;
este é um exemplo do aspecto negativo de um novo conceito de divindade,
como eu o descrevi. Então, tudo que podemos dizer sobre esta monstruosa
figura é que ela representa o sentido oculto de um Deus ainda no estado de
desenvolvimento, um novo Deus-infante no seu aspecto negativo. Porque
uma nova idéia da divindade sempre vem à existência quando o antigo
conceito durou demais. Na medida em que o conceito antigo começa a se
fragmentar, o inconsciente prepara a nova idéia. Ao longo da história, como
sabem, tem havido sempre períodos em que o conceito corrente da
divindade é aceito como válido e unanimemente acreditado, mas então a
esses períodos seguem-se outros durante os quais aquela imagem decai;
nesses tempos criações como esta são encontradas no inconsciente. Mas,
ainda se esta paciente tivesse vivido na Idade Média ela poderia ter sido
capaz de conceber uma futura deidade, exatamente como fez ANGELUS
SILESIUS, por exemplo, quando antecipou o conceito da relatividade de
71
A Roda
pela qual somos todos postos a girar. Poder-se-ia supor que não havia
possibilidade de ultrapassá-la, mas ela diz:
Resposta: Eu penso que ela não deveria evitar o movimento da roda, não
deveria passar espremendo-se.
Comentário: Eu discordo. Ela não deveria entrar, mas passar através dela
porque, da forma, como o Senhor a descreveu, ela considera esta roda
como representante do peso do passado tradicional, contra o qual ela tem
que defender a chama no seu peito. Isto é, penso eu, uma repetição da
cena em que ela encontrou o gigante, que também representava tradição,
ela tem que preservar de novo seus valores individuais.
Comentário: Também para mim, o invólucro de ferro que ela deve ter,
parece ser uma alusão à importância de proteger seus valores individuais.
Ferro é a matéria de que era feita a loba, a loba que amamentou o
monstro; se ela tiver ferro dentro de si estará protegida contra a qualidade
perturbadora da roda, e depois, então, se puder obter a roupa de ferro,
poderá proteger a chama.
74
Dr. Jung: O Senhor pensa então que ela necessita a roupa de ferro como
proteção, que de outra forma a roda seria destrutiva?
Comentário: Ela tem que entrar, mas não tanto que se torne ela mesma
idêntica com a Lei... Então ela estaria sendo levada com ela.
Comentário: Se ela tem no peito o fogo prometéico ela tem que seguir a lei
prometéica e tem que cometer o crime prometeico, que é ser um indivíduo.
Comentário: Se ela é levada pela roda, isto significa, naturalmente, que ela
está em SAMSKÃRA, mas se ela se espreme e passa ao lado dela, ela estará
vivendo “a vida provisória”.
Dr. Jung: E acha que esta seria uma situação na qual a “vida provisória” é a
indicada?
Dr. Jung: Exatamente. De outro modo ela não obstruiria o caminho... este é
um impasse, ela está perante o problema da roda e não pode evitá-lo... Não
haveria dificuldade em entrar nela. Teria apenas que agarra-la e suas
próprias mãos a puxariam para dentro. Mas nesse caso ela seria pega por
sua tremenda rotação. Mas se ela não entra, ou vai regredir ou sofrerá uma
parada. Então lhe ocorre a idéia de espremer-se e passar sem entrar.
Agora, depende muito de como os Senhores entendem essa roda. Se, como
foi sugerido, este é o tradicional antigo curso dos eventos submetidos à Lei,
como será então? Os Senhores entrariam nela?
Dr. Jung: Mas se entramos, muitas vezes já não temos mais escolha: ela
pode segurar-nos. Quando estamos sendo rodados daquela forma, é
extremamente difícil pular fora... Ficamos atordoados e por fim perdemos a
consciência. Vejam, temos a idéia que devemos nos lançar na vida e vivê-
la, esquecendo que há perigos muito definidos em jogo; um dos perigos é
que muito certamente perdemos a consciência. Há milhões de pessoas na
roda, e se nos lançamos dentro deste “maelstrom” (sorvedouro;
redemoinho na costa da Noruega, perto das ilhas Lofoten), podemos da
mesma forma perder-nos a nós mesmos e tornar-nos inconscientes dentro
desse tropel. Este assunto não é tão simples.
Dr. Jung: Sim. Ela se aproxima agora da psicologia dos centros superiores.
Como sabemos, ela já esteve nos centros da terra, da água e do fogo. Mas
a psicologia da mandala começa quando se consegue formar o círculo
mágico contra os fogos da paixão; então se está em ANÃHATA. Quando
somos capazes de dizer: “Eu estou num estado de paixão”, criamos o
círculo mágico que nos salva dos efeitos destrutivos da identificação com a
nossa emoção. Porque ser apenas emocional, sem perceber em que espécie
de condição estamos, nos destrói como seres humanos, simplesmente
funcionamos como um animal. E ao longo do tempo isto nos torna
neuróticos, a não ser que vivamos numa civilização muito baixa em que
ninguém é mais do que emocional. Neste caso, naturalmente, nós não
iríamos ao encontro de nenhuma demanda danosa, dos outros, de ser
diferentes. Mas numa civilização onde nos é apontado – e mesmo
moralmente “de rigor” – que já não devemos ser idênticos às nossas
emoções, somos forçados a formar esta espécie de anel mágico para nos
elevarmos a um ponto de vista superior à nossa imediata condição
emocional; então ficamos diferentes de certo modo, acima dela...
trancos e barrancos, isto soa normal. Ainda mais, ela percebe que para lidar
com o perigo à frente, ela necessita uma armadura para protegê-la e salvar
da destruição a pequena chama no seu peito... Porque a coisa quente e
emocional dentro dela, que era um vulcão incandescente em MANIPÛRA,
tornou-se agora uma chama – isto é, o calor veio de MANIPÛRA, mas em
ANÃHATA tornou-se uma chama – e já que é uma pequena chama,
necessita proteção, mas outras coisas também necessitam ser protegidas
contra ela. Ela deveria ser colocada dentro de uma lanterna, digamos
assim, tanto para que ao cause uma conflagração como para não ser ela
mesma extinta. Porque isso não deveria acontecer: como a chama da sua
vida, não deveria extinguir-se. Um dos meios mais efetivos para que ela a
proteja seria colocá-la dentro de uma armadura de ferro, que seria o
equivalente de uma lanterna. Assim, ela é bastante sábia não se
emaranhando nos giros da vida, ela não está pronta para isso, ela não está
suficientemente protegida. A frase seguinte confirma isso.
Como veem, ela está numa parada, ela não pode prosseguir.
Visão: (cont.) O chão abriu-se aos meus pés. Olhei para baixo
e vi uma folha quadrangular de metal sustentada por quatro
Deuses, um de cada lado; OSIRIS, uma Deusa grega, um Deu
mexicano e um Deus hindu. Fogo vermelho e verde saía deles.
Esta é uma visão muito típica. Conhecem alguma analogia para ela?
12 Cada qual andava para a sua frente; para onde o espírito havia de
ir, iam; não se viravam quando iam.
Os Quatro Deuses
Dr. Jung: Sim. Egito, Grécia, México e Índia (ou talvez o seu quarto Deus
seja um índio americano). Estas são quatro grandes civilizações antigas... E
o que diriam ser a diferença entre as mitologias egípcia, mexicana e indiana
de um lado e a grega do outro?
Dr. Jung: Então esses Deuses podem ser muito úteis; eles são três
Animus... Muitas vezes encontramos uma situação como esta nos sonhos:
uma mulher num aposento com três homens ou um homem com três
mulheres. Vou fazer um desenho disto para os Senhores, no topo está a
figura feminina, que com as três masculinas (com sinais + em cima) fazem
quatro. Neste caso formam um quadrado, segurando os quatro cantos da
folha quadrada de metal. Agora, tudo isto é feminino, como sabemos, então
eu o encerro num círculo. O ponto de cima representa sua atitude
consciente, porque conscientemente ela é toda feminina; assim, os
masculinos naturalmente representam seu inconsciente. Deste modo
obtemos um sistema de quatro funções onde a linha divisória está um
pouquinho acima do centro. No todo há uma função consciente – poderia
ser intuição, ou sensação, ou cogitação, ou sentimento – e as outras três
são inconscientes. Elas estão no inconsciente junto com o Animus, o que
significa que são masculinas... E não se surpreendem com a qualidade
destes três Deuses? ...O que diria um missionário?
Dr. Jung: Sim. Ele ficaria chocado pensando numa respeitável dama cristã
com três Deuses pagãos no seu inconsciente.
84
Dr. Jung: Sim. OSIRIS é com certeza um Deus assim. Agora, como
denominaria a função que ele representa? E onde o colocaria no diagrama?
Resposta: Embaixo.
Dr. Jung: Sim. Ele tem que estar embaixo. O ego está em cima, e OSIRIS
está oposto a ele, embaixo. Poderíamos até falar da função OSIRIS, como
sendo sempre a menos desenvolvida. Isto é como a profecia de ISAIAH
sobre a chegada do MESSIAS; ele será o mais feio e o mais desprezível dos
homens e virá de um lugar absolutamente inesperado. “O que de bom
poderia vir de Nazaré?” E porque é que a coisa que uma pessoa mais
reprimiu e da qual teve mais medo na sua psique pode ser a função que a
salva? Há uma razão clara.
O Simbolismo da Individuação
Precisamos falar também do fogo que emerge das figuras dos Deuses.
Lembrem-se que a visão de EZEQUIEL, que li para os Senhores está cheia
de fogo. Mas as fantasias dos índios americanos são mais próximas desta
paciente; os Deuses que aparecem no folclore deles estão, geralmente,
associados com o fogo ou com o relâmpago; ela poderia do mesmo modo
ter dito que relâmpagos saíam deles. Agora, qual é o significado simbólico
do fogo ou do relâmpago saindo dos Deuses? Esta é uma feição muito
comum em tais visões.
Agora, o que podemos dizer das cores vermelha e verde das chamas que
saem dos Deuses na fantasia da nossa paciente?
Dr. Jung: Sim. Verde sugere nova vegetação e o vermelho pode ser
associado com o fogo ou com o sangue, é uma cor de paixão e calor. Se
quisermos ser poéticos podemos chamar esses fogos de fogos do amor, da
vida e da esperança. Onde há libido há sempre esperança. Não importa a
que inferno ela conduz, é sempre vida e as pessoas frequentemente
pensam que é melhor um inferno ardente do que nada. Assim ela aceita a
folha de metal e a usa como armadura contra as temíveis mãos que tentam
puxá-la para a roda.
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Resposta: Um nascimento.
Dr. Jung: Este sangue é sacrificial, a terra pariu algo curador, auxiliar,
redentor e uma poça de sangue permanece. Quando algo ocorre na
realidade que deixa atrás de si sangue presume-se que um desastre
aconteceu; alguém sangrou, a substância vital foi perdida. E uma poça de
sangue na terra significaria que a terra foi ferida e está sangrando.
Comentário: Isto simboliza toda a libido que ela despendeu para produzir
sua individuação.
Agora, tendo colocado a armadura e passado sã e salva pela roda, ela diz
“Ao passar as mãos da roda batiam no metal produzindo um som oco”. Isto
parece aludir a alguma coisa.
Pergunta: Não teria sido possível prever que alguma coisa estava errada
pelas figuras descritas na mandala? Não há muito pouca consciência quando
apenas uma figura é feminina e todo o resto é inconsciente?
Dr. Jung: O Senhor tem toda a razão e há algo mais errado que esqueci de
mencionar.
Dr. Jung: Não está tudo errado, não precisamos exagerar, mas para uma
mulher moderna e atualizada, esta única figura consciente não é bastante,
deveríamos ter ao menos dois hermafroditas – ou outra mulher e dois
homens, o que seria melhor. Mas então a situação já não seria cristã.
Vejam, estes três Deuses mantêm a substância da Trindade no
inconsciente; a Trindade aqui consistindo de três Deuses pagãos...
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O Ovo de Granito
E o que poderia ter causado uma tal desintegração – de acordo com a lógica
do inconsciente, que não é a lógica no nosso sentido superficial?
Dr. Jung: Sim, tivemos aquele simbolismo, havia esta pluralidade. Eu disse
que ela indicava atividade demais no mundo da serpente, e o mundo da
serpente é, muito claramente, o mundo dos intestinos, que significa a vida
inconsciente. Assim, todas essas serpentes nos dizem que há vida
inconsciente demais. Esta é a razão pela qual o símbolo da serpente está
indevidamente multiplicado e acentuado aqui; é também o que faz o próprio
ovo parecer tão sem vida, embora seja a parte que realmente deveria
desenvolver-se.
Comentário: Houve algo semelhante quando ela voou para a cidade eterna
no Pégaso. Naquela visão uma mulher jazia crucificada no chão e, quando
foi libertada, disse: “Durante um tempo longo demais eu fecundei a terra”.
Dr. Jung: Este foi outro pronunciamento do mesmo tipo. Há muita ênfase
nas regiões inferiores.
Comentário: Mas aquilo era necessário porque tinha havido muito pouco
antes, tudo estava em cima. Assim, isto seria um processo natural.
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Dr. Jung: Mas aqui o inconsciente coletivo não aparece em qualquer de suas
formas naturais como mar, ou florestas, ou a terra, por exemplo; está
projetado em outras pessoas. Quando isto acontece, reações que seriam
comumente conectadas com fenômenos naturais são conectadas com seres
humanos, que então parecem funcionar como se fossem rochas que rolam,
ou relâmpagos, ou espíritos elementais possivelmente malignos.
Obviamente isto aconteceu aqui, ela projetou o inconsciente coletivo sobre
a opinião pública, sobre outras pessoas, e eles a estão ameaçando... Eles
dizem que o ovo não passa de granito, nada mais é que matéria: tem a
forma de um ovo, mas não é um ovo. Contra esta opinião pública
depreciativa, entretanto ela se agarra, quase desesperadamente, à
convicção de que o ovo é real.
Protegendo a chama
Este é um ovo muito peculiar, um oco comum não tem esses fios. Mas há
ovos que têm. Os Senhores conhecem?
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Dr. Jung: Sim. Ovos de peixes. Ovos de tubarão, por exemplo. Eles têm
pequenos fios ou caudas, que se chamam chicotes. Os fios neste ovo são
algo semelhante. Nossa paciente teve uma excelente educação em zoologia,
assim ela conhece os ovos de peixe. Mas porque este ovo teria fios?
Dr. Jung: Sim. Este ovo era um conteúdo do mar, ele foi levado à praia do
mar do inconsciente coletivo.
Assim, ela é uma testemunha para a sua própria fé, ela defende o ovo, ou
ela mesma, contra a crença da multidão... A opinião coletiva sempre tenta
convencer do fato de que se é um ser humano comum. E disto o homem
está sempre tentando escapar, porque ser apenas um átomo, um grão de
areia no Saara, não faz qualquer sentido; não tem qualquer significado ser
apenas uma parte de uma acumulação, não se pode viver. A humanidade
tendeu sempre a desenvolver um modo de ver que a protegesse contra este
perigo tremendo, a estandardização e estultificação da individualidade...
Nesta visão ela se apega à sua convicção mais profunda e o efeito disto é
que o ovo instantaneamente mostra vida, atividade espontânea, divide-se
em quatro partes. Agora, isto o que significa?