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SITUACIONALIDADE

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A situacionalidade,

enquanto princípio de SOUSA, Franciane Costa de. A


situacionalidade, enquanto princípio
textualidade, na tradução de textualidade, na tradução de “o
de “O corvo”, de Edgar corvo”, de Edgar Allan Poe, feita
em forma de cordel por José Lira.
Allan Poe, feita em forma Entrepalavras, Fortaleza, v. 7, p. 45-
de cordel por José Lira 55, jan./jun. 2017.

Resumo: O presente trabalho tem como


objetivo analisar de que maneira o
princípio de situacionalidade influenciou
na composição da tradução de “O Corvo”, 45
de Edgar Allan Poe, que foi feita por José
Lira em forma de cordel. Considerando
a situacionalidade como um dos sete
princípios de textualidade, tais quais
foram caracterizados por Beaugrande
e Dressler (1981), podemos perceber
que se trata de algo muito relevante na
Franciane Costa de SOUSA (UFPI) composição de qualquer texto, pois a
frangel@bol.com.br situacionalidade orienta tanto o contexto
interpretativo quanto o contexto da
produção. De acordo com Marcuschi
(2008), os gêneros textuais permitem
realizar certos objetivos dentro de certas
situações sociais; por sua vez, Bronckart
(2009) relaciona a ação da linguagem às
representações sociais que influenciam
a produção textual e que variam de
acordo com a situação de produção.
Assim, observamos que José Lira guiou
sua tradução por meio da função que o
texto traduzido teria para a comunidade
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leitora que teria acesso a ele, adaptando-o culturalmente, de modo a garantir a essa
45-55
comunidade uma melhor interpretação do texto. Procuramos observar de que forma
jan/jun
o tradutor realizou tais adaptações ao contexto de recepção do texto traduzido. Os
2017
principais resultados da pesquisa demonstraram que essa adaptação ocorreu por meio
das escolhas lexicais e da escolha do próprio gênero textual para o qual foi feita a
tradução (literatura de cordel); assim, o princípio da situacionalidade influenciou de
forma relevante a construção do texto de José Lira.

Palavras-chave: Tradução. Situacionalidade. O Corvo.

Abstract: The current work aims to analyze how the standard of situationality
influenced in the composition of the translation of “The Raven”, by Edgar Allan Poe,
that was made by José Lira in form of Cordel. Considering the situationality like one
of the seven standards of textuality, such like were characterized by Beaugrande and
Dressler (1981), we can realize that it is something much relevant in the composition
of any text, because the situationality guides both the interpretative context as
the context of production. According to Marcuschi (2008), the text genres allow
achieving certain aims inside certain social situations; on the other hand, Bronckart
(2009) relates the action language to the social representations that influence the
text production, and that vary in accord of the situation of production. Then, we
observe that José Lira guided his translation through the function that the translated
text would have for the reader community that would have access to it, adapting it
culturally, in order to guarantee to this reader community a better interpretation of
the text. We try to observe how the translator made such adaptations to the reception
context of the translated text. The main results of the research demonstrated that this
adaptation occurred through the lexical choices and the choice of the text genre for
which was made the translation (cordel literature), so, the standard of situationality
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influenced in an relevant way in the construction of José Lira’s text.

Keywords: Translation. Situationality. The Raven.

Introdução

Ao discorrer sobre os princípios de textualidade preconizados


por Beaugrande e Dressler (1981), Marcuschi (2008, p. 129) afirma que
“a situacionalidade é uma forma de o texto se adequar tanto a seus
contextos quanto a seus usuários”. Neste trabalho, será abordada a
maneira como a situacionalidade, enquanto princípio de textualidade,
influenciou na tradução que José Lira fez para o clássico poema/conto “O
Corvo”, de Edgar Allan Poe. Para tanto, há que se considerar a tradução
como um novo texto, no qual o autor aciona os mesmos princípios de
textualidade utilizados na composição original, o que leva a conceber a
tradução como uma forma de retextualização, nos moldes do conceito
de Travaglia (2003).
É importante destacar que as adaptações realizadas pelo tradutor
José Lira, em grande parte, mantêm relação com o gênero para o qual
o texto original foi traduzido, a literatura de cordel. Por se tratar de
um gênero que se caracteriza pelo regionalismo, mais precisamente da
Franciane Costa de SOUSA

região Nordeste do Brasil, as escolhas quanto à linguagem e a outros


aspectos culturais, normalmente, contam com essa caracterização
regional.
Por meio da caracterização da situação de ação de linguagem,
de Bronckart (2009), procuramos, ainda, uma relação entre o conceito
de contexto de produção e a maneira como os mundos formais e seus
parâmetros convergem para as escolhas do produtor de um texto. No
caso de uma tradução, mais precisamente, observamos de que maneira
alguns dos parâmetros abordados pelo Interacionismo Sociodiscursivo
poderiam ter contribuído para as escolhas de tradução de José Lira.
Não intencionamos procurar uma equivalência entre conceitos
destas duas linhas de pesquisa abordadas neste trabalho, mas extrair de
cada uma delas as noções que contribuam para a análise da tradução de
“O Corvo” em forma de literatura de cordel.

A situacionalidade enquanto princípio de textualidade

Os princípios de textualidade são uma série de aspectos ou


requisitos os quais um texto necessita apresentar para ser considerado
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como tal. Eles foram preconizados por Beaugrande e Dressler (1981)
e são didaticamente divididos em sete, a saber: coesão, coerência,
intencionalidade, informatividade, aceitabilidade, situacionalidade e
intertextualidade.
Neste trabalho, abordaremos o princípio da situacionalidade,
a partir do que discorre Marcuschi (2008). De acordo com o autor,
amparando-se no que diz Beaugrande (1997), a situacionalidade refere-
se à relação entre evento textual e a situação em que ele ocorre. É um
princípio que permite relacionar o texto ao seu contexto interpretativo,
pois qualquer texto só adquire significado a partir do momento em que
é situado em seu contexto.
A situacionalidade permite não apenas a interpretação do texto,
mas também orienta a sua produção. Essa orientação ocorre no sentido
de que um autor leva em consideração, no momento de sua composição
textual, aspectos relacionados ao local onde o texto será veiculado, às
pessoas que terão acesso a ele e ao propósito com o qual o texto será
lido. Como explica Marcuschi (2008, p. 129), “este princípio diz respeito
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aos fatores que tornam um texto relevante numa dada situação, pois
o texto figura como uma ação dentro de uma situação controlada e
orientada”. Desse modo, percebemos que um texto precisa se adequar
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45-55 à situação de uso à qual esteja atrelado, de tal modo a permitir àqueles
jan/jun que tenham contato com sua leitura a possibilidade de significá-lo de
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alguma forma.
De acordo com Marcuschi (2008, p. 129), “a situacionalidade
é uma forma particular de o texto se adequar tanto a seus contextos
quanto a seus usuários”. Assim, é um critério relacionado à dinâmica
entre o texto e o contexto para a construção da significação, bem como
ao público que se espera que tenha acesso à leitura do texto. Segundo
Medeiros (2007), ao se analisar o critério da situacionalidade, não se pode
deixar de lado outros dois critérios, intencionalidade e aceitabilidade.
O autor explica que “aquilo que é evidente aos participantes em uma
determinada situação comunicativa real se mistura com o conhecimento
prévio e com as expectativas que esses participantes têm sobre tais
situações” (MEDEIROS, 2007, p.59). Desse modo, vemos que as
expectativas que os participantes têm sobre o ato comunicativo e sobre
a própria configuração do contexto comunicativo também exercem
influência na atribuição de significado a um texto.
Marcuschi (2008) faz uma importante ressalva quanto ao
48 conceito de situacionalidade, a de que ela não deve ser confundida com
contextualidade, porém afirma que a noção de contexto tenha uma
relação direta com a situacionalidade, por ser um dos aspectos centrais
de sua construção.
Considerando que a situacionalidade permite a relação entre
o texto e um contexto interpretativo, achamos necessário, para a
análise desse princípio, uma breve incursão sobre a noção de contexto,
considerando que será um conceito relevante em nossa análise. Esta
caracterização terá como base o interacionismo sociodiscursivo de
Bronckart.

O interacionismo sociodiscursivo de Bronckart e a noção de contexto


de produção

A concepção de atividade de linguagem, muito presente no


interacionismo sociodiscursivo de Bronckart, relaciona os textos e os
discursos às atividades sociais às quais estejam atrelados.
Por conseguinte, ao discorrer acerca das condições de produção
dos textos, Bronckart (2009, p. 91) define a situação de ação de
linguagem como sendo as “propriedades dos mundos formais (físico,
social e subjetivo) que podem exercer influência sobre a produção
Franciane Costa de SOUSA

textual”. Por sua vez, a expressão “mundos formais” se traduz por


uma série de representações sociais que se enquadram em duas
categorias: exteriorizadas, características dos mundos formais de forma
generalizada; e interiorizadas, representações individuais desses mundos
formais. São as representações sobre os mundos formais interiorizadas
que influenciam na produção de um texto; elas são o ponto de partida
do autor para as escolhas quanto a essa produção.
De acordo com Bronckart (2009, p. 92), as escolhas, em termos de
produção de um texto, vão desde “os modelos disponíveis no intertexto,
o gênero de texto que parece ser o mais adaptado às características da
situação interiorizada” até mesmo aos “tipos de discurso, as sequências,
os mecanismos de textualização e os mecanismos enunciativos que
comporão o gênero de texto escolhido”.
O contexto de produção é conceituado por Bronckart (2009,
p. 93) como “o conjunto dos parâmetros que podem exercer uma
influência sobre a forma como um texto é organizado”. Importante
destacar que essa noção de contexto surge a partir da junção entre três
mundos formais: mundo físico, social e subjetivo. Esses três mundos
se encontram agrupados e caracterizados conforme o quadro a seguir: 49

Quadro 1 – Caracterização do contexto de produção

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45-55 Fonte: Elaborado a partir de Bonckart (2009)
jan/jun
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Assim, o contexto, visualizado por meio do Interacionismo
Sociodiscursivo, possui diversos parâmetros que formam os contextos
sociosubjetivo e físico, que, por sua vez, resultam da junção entre os
três mundos formais. Essa complexa rede nos mostra uma maneira
pormenorizada de se pensar o conceito de contexto e, ao mesmo tempo,
permite uma análise de um contexto de produção de um texto a partir
da reflexão acerca da quantidade de fatores que influenciam qualquer
produção textual.

Corpus

O corpus desta análise é composto pelo poema originalmente


escrito em inglês “The Raven”, de autoria de Edgar Allan Poe e de sua
tradução em português feita pelo tradutor brasileiro José Lira.

“The Raven”, de Edgar Allan Poe

50 Trata-se de um conto de terror em forma de poema. Em resumo,


a história mostra a aparição de um corvo, em meio a um ambiente
sombrio, para um narrador que se encontra em profunda tristeza pela
perda de sua amada. Numa simbologia maravilhosamente construída,
a presença do pássaro vai se aproximando do próprio sentimento de
tristeza do narrador do poema, e a famosa expressão “nevermore”
simboliza então a permanência do sofrimento.
A narrativa de Poe tem início com o narrador da história lendo
algo, numa meia-noite triste, sentindo-se fraco e cansado; então ouve
algo bater à porta. Ele deseja que aquela noite tenha fim, lamenta a
perda de sua amada Lenore. Quanto às batidas na porta, ele sente medo
e deseja que não seja nada ruim, apenas visitas. Quando toma coragem
e abre a porta, só vê a escuridão. Hesitante e incrédulo, ele sussurra o
nome de Lenore, e ouve o mesmo nome de volta. Ao retornar ao quarto,
ouve batidas na janela e, quando a abre, o corvo entra e se acomoda.
Então, diante da tentativa de falar com o pássaro, este só responde
“nunca mais”.
O narrador fica maravilhado com o pássaro, mas diz que ele irá
embora, assim como todos que o deixaram. Então, o pássaro diz “nunca
mais”. Ele fica admirado com a resposta e começa a pensar sobre o que
o pássaro estaria tentando dizer com essa expressão que repete. Depois
Franciane Costa de SOUSA

lembra-se de Lenore e fala que não conseguirá esquecê-la, e o pássaro


confirma isso com “nunca mais”.
Nesse momento, o narrador se irrita e chama o pássaro de coisa
do mal e demônio, braveja e tenta expulsá-lo, mas o corvo permanece
ali, assim como o seu sofrimento permanece, e o narrador, por fim, diz
que sua alma está presa na sombra para sempre.

A tradução de José Lira

José Lira é um poeta, escritor e tradutor paraibano, que se


utiliza de uma concepção de tradução voltada ao público-alvo do texto
traduzido, adaptando o texto em função do contexto de recepção, como
se pode observar na tradução de “O Corvo”, na qual ousou traduzir
um grande poeta, de um estilo de escrita erudita, para um gênero
regionalista como é a literatura de cordel.
A tradução conta os mesmos fatos narrados na história original.
Percebe-se que, por se tratar de um conto em forma de poema, o
tradutor optou por não modificar a história narrada no texto original.
Suas modificações realizadas se resumiram aos aspectos formais do
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poema, como métrica e rima, e às adaptações ao gênero literatura de
cordel, como inserção de aspectos culturais típicos da região Nordeste,
bem como a utilização de uma linguagem menos formal que a do poema
original e com expressões regionalistas.

Procedimentos de análise

Inicialmente, foi feita uma análise interpretativa do texto original,


de Edgar Allan Poe, com intuito de inferir o sentido geral do texto.
Por se tratar de um conto em forma de poema, tentamos apreender os
principais acontecimentos narrados e inferir os simbolismos presentes.
Observamos a sequência dos acontecimentos e os efeitos estéticos que
provavelmente o autor tentou prover à história contada. Em seguida, foi
feita uma comparação entre o texto original e a tradução de Lira. Para
tanto, foi feito um quadro comparativo dos principais acontecimentos
e inferências de cada estrofe, nos dois poemas. O que esse processo
possibilitou foi a observação de semelhanças e divergências entre os
dois textos, ou seja, o que o tradutor acrescentou ou suprimiu em sua
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tradução. Após esse estudo inicial, observamos como foi desenvolvida


a linguagem e o estilo de escrita nos dois poemas, constatando as
divergências entre elas. Outro fator observado foi de que maneira a
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45-55 mudança do gênero original para a literatura de cordel resultou em
jan/jun adaptações no texto traduzido.
2017

A influência da situacionalidade na tradução de “O Corvo”, feita por


José Lira

Todo texto só adquire sentido, uma interpretação possível, quando


relacionado a uma situação de ocorrência. Deste modo, procuramos
observar em que pontos os textos que compõem o corpus evidenciam a
influência que teve a situacionalidade em sua composição.
Sob um aspecto formal, a primeira diferença que se observa entre
o poema original e a tradução de José Lira é que o tradutor utilizou
versos mais curtos. Os versos nessa métrica se justificam pela própria
adequação ao gênero literatura de cordel. Isso implica que, no geral, o
texto de Lira será menor, então haverá informações suprimidas com
relação ao original. Mas o que se observa, apesar da retirada de alguns
detalhes, é que a história contada no texto traduzido é a mesma do
original.
As adaptações feitas por José Lira como forma de adequação a um
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novo contexto de circulação do poema são de inúmeras ordens, afetam
desde a linguagem, passando pela métrica, até atingir os aspectos
sociais e culturais inferidos no texto.
Na primeira estrofe, passagens como “tapping at my chamber
door”, foram suprimidas não apenas pela redução no tamanho dos versos,
mas por adequações de José Lira em sua tradução. A palavra “chamber”
indica uma caracterização de cenário a partir de uma palavra formal
e mais utilizada na época em que fora escrito o original “O Corvo”;
por sua vez, a tradução de Lira apresenta apenas a caracterização do
local por meio da palavra “quarto”. O poema de Edgar Allan Poe foi
publicado em 1845, quando os hábitos sociais justificariam a descrição
do cenário apresentado para a aparição do corvo como a “alcova” ou
“câmara” na qual se encontrava o narrador personagem lendo um
livro. A diferença das escolhas lexicais entre os dois autores se deve
não apenas ao grande espaço de tempo entre as épocas em que ambos
viveram, mas também à própria escolha quanto ao nível de formalidade
da linguagem empregada, uma vez que a linguagem erudita de Poe não
foi mantida, em parte pelo fato de adequação ao gênero popular que é
a literatura de cordel.
Ao suprimir, ainda na primeira estrofe, expressões como “nearly
Franciane Costa de SOUSA

napping”, “came a tapping”, “tapping at my chamber door”, entre


outras, pelo fato de ser impossível manter a mesma sonoridade em
línguas diferentes, o texto traduzido perde o efeito de sons característico
de batidas na porta. Esse efeito era impossível de ser mantido na
tradução, porém, é uma escolha do tradutor não reproduzir efeitos
sonoros e esquema de rimas complexo do poema original; ao contrário,
a tradução revela uma configuração própria em termos de rimas,
musicalidade e sonoridade.
Dentre outros aspectos que contribuíram para a construção do
texto de José Lira, podemos tomar como exemplo as considerações
acerca do clima, que não deixa de ser um parâmetro do contexto físico
de ocorrência da produção do texto. Na segunda estrofe do original,
a expressão “bleak December” faz alusão às baixas temperaturas que
ocorrem em um determinado período do ano dentro do contexto no
qual se insere o autor. Essa informação foi modificada na tradução,
por uma questão de incoerência com as altas temperaturas observadas
na região Nordeste nessa mesma época do ano. O autor ressalta essa
característica regional no verso “foi no mês de dezembro, brasa em
cinza a se fazer”. O contexto físico é um dos estratos que formam o 53
contexto de produção, e possui como um de seus parâmetros o lugar
de produção (BRONCKART, 2009). Assim, o lugar físico no qual foi
produzido o texto de José Lira influenciou nas escolhas de composição
e na opção por alterar as informações climáticas nas quais ocorreram o
evento narrado na segunda estrofe.
Considerando as informações relacionadas tanto à localização
geográfica quanto às particularidades sociais, percebemos a motivação
para que Lira tenha modificado o nome da personagem Lenore, que em
seu texto aparece como Lenora, um nome mais passível de ocorrência
no contexto social da região Nordeste.
De acordo com Marcuschi (2008, p. 87-88), “não se pode
produzir nem entender um texto considerando apenas a linguagem. O
nicho significativo do texto (e da própria língua) é a cultura, a história
e a sociedade”. Desse modo, a inserção situacional é indispensável ao
processo de significação do texto, e o princípio da situacionalidade
parece óbvio se observado isoladamente, mas os princípios devem ser
observados em consonância uns com os outros, pois todos trabalham
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para um mesmo objetivo.


Considerando o contexto de ocorrência como algo amplo, que
envolve aspectos culturais, históricos e sociais, como caracteriza
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45-55 Marcuschi (2008), e detalhado, sendo constituído por mundos formais
jan/jun que contêm diversos parâmetros, tal como caracteriza Bronckart (2009),
2017
chegamos à conclusão de que cada pequena mudança, como a troca
de um vocábulo erudito por um pertencente a uma linguagem mais
popular, reflete a ação de diversos fatores que culminaram naquela
escolha do tradutor.

Considerações finais

Observamos neste trabalho que as escolhas realizadas quanto


à maneira de escrever um texto recebem influência de fatores muito
diversos. No caso do poema original, de Edgar Allan Poe, a opção por
uma linguagem erudita é uma escolha relacionada a um estilo de escrita
característico do autor, mas, ao mesmo tempo, a própria época em que
viveu o autor e os costumes da sociedade na qual ele estava inserido são
aspectos que não deixam de ter influência sobre essa e outras escolhas
de composição, como as escolhas lexicais, a determinação da forma do
poema, entre outros. Isto ocorre devido à busca por uma adequação a
uma situação na qual o autor imagina em que contexto seu texto irá
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circular, que pessoas terão acesso a ele e por que o lerão.
Visto ser uma tradução, o texto de José Lira poderá remeter ao
original, por se tratar de um poema consagrado. Porém, as escolhas de
José Lira em termos de linguagem, seleção lexical e forma do poema
demonstram a inserção do texto em novo contexto significativo. O
tradutor optou por dar um novo olhar sobre a história de “O Corvo” e
conseguiu situar uma narrativa que foi ambientada em 1845 em uma
nova temporalidade, utilizando um novo gênero e inserindo aspectos
culturais da região Nordeste, em consonância com sua proposta de
imersão do texto no universo da literatura de cordel.

REFERÊNCIAS

BEAUGRANDE, R. A. New foundations for a science of text and discourse:


cognition, communication, and the freedom of access to knowledge and
society. Norwood, New Jersey: Ablex Publishing Corporation, 1997.

BEAUGRANDE, R. A., DRESSLER, W. U. Introduction to text linguistics.


London: Longman, 1981.

BRONCKART, J. P. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um


interacionismo sociodiscursivo. São Paulo: EDUC, 2009.

MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São


Franciane Costa de SOUSA

Paulo: Parábola Editorial, 2008.

MEDEIROS, F. D. Mafalda, uma análise textual. 2007. 102 f. Dissertação


(Mestrado em Teorias do Texto e do Discurso) – Instituto de Letras,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.

TRAVAGLIA, N.G. Tradução retextualização: a tradução numa perspectiva


textual. Uberlândia: Edufu, 2003.

Recebido em: 17/07/2016


Aceito em: 11/10/2016

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ISSN 2237-6321

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