Flutter Atrial
Flutter Atrial
Flutter Atrial
RESUMO
ABSTRACT
introdução
Instituição:
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas
Gerais.
O flutter atrial é uma arritmia cardíaca que foi reconhecida em 1910 por Jolly e
Ritchie, tendo seus mecanismos eletrofisiológicos investigados em 1921.1 Está en- Endereço para correspondência:
Av. Prof. Alfredo Balena, 190
globado entre as taquiarritmias supraventriculares (TSV), apresentando-se, pos- CEP: 30130-100
Belo Horizonte/MG
sivelmente, sob a forma paroxística ou crônica. Apresenta-se com frequência em E-mail: danielmottador@yahoo.com.br
consultas em setores de atendimento de urgência, O flutter atrial, particularmente do tipo II, é raro
sendo difícil diferenciá-lo de manifestações arrasta- na ausência de fatores predisponentes (lone atrial
das, assim como de outras TSV, especialmente em flutter), ocorrendo nas taxas de 1-8%.3,7,8 É mais co-
primeiro atendimento.2 Este artigo objetiva promover mumente detectado na disfunção do ventrículo es-
a atualização sobre a sua abordagem diagnóstica e querdo, em doença cardíaca reumática e congênita
como diferenciá-la de outras TSV. e após cirurgias cardíacas.5-7 Existe multiplicidade
de outras condições predisponentes (tabela I), com
distribuição variável de acordo com a idade, sendo
DEFINIÇÃO as mais comuns em adultos e em crianças o pós-
operatório de cirurgia cardíaca e insuficiência cardí-
O flutter atrial representa a arritmia atrial de aca congestiva, respectivamente,3 e as cardiopatias
frequência entre 250 e 300 batimentos por minuto congênitas.9
(bpm), em que os estudos eletrofisiológicos mos-
tram a presença de vários circuitos reentrantes. Es-
tes circuitos frequentemente ocupam grandes áreas Tabela 1 - Condições predisponentes para o desen-
volvimento do Flutter Atrial.
do átrio, circulando eixos anatômicos ou funcionais
denominados de macrorreentradas.¹ É necessário Doenças cardíacas Outras
para que se inicie a presença de um mecanismo Doenças valvares: prolapso
mitral10, doença cardíaca Tireotoxicose
precipitador, representado por extrassístole atrial, fe- reumática.
nômenos de reentrada ou, provavelmente, fibrilação Infarto agudo do miocárdio 11,12 Obesidade
atrial associada.3 Pericardite Troboembolismo pulmonar.
O flutter atrial apresenta dois tipos: I ou típico, Pós-operatório de cirurgias Doença pulmonar obstrutiva
subdividido em anti-horário e horário; e II ou atípi- cardíacas. crônica.
co. Na forma típica, o circuito gira em torno do anel Cardiopatias congênitas Outras doenças pulmonares.
tricúspide e tem como limites a crista terminal ou, al- Outras cardiopatias que cursam Intoxicação digitálica
com disfunção de VE e ICC (rara)13,14
gumas vezes, o sino venoso. O flutter atípico ocorre
VE: Ventrículo Esquerdo, ICC: Insuficiência Cardíaca Congestiva
tanto no átrio direito como no esquerdo e se apresen-
ta de formas variadas.1
A conduta na urgência não requer a obtenção É pouco conhecido o papel da inflamação sobre
dessas características eletrofisiológicas, desde que o flutter atrial, entretanto, esta é evidenciada pelo au-
o tratamento inclua conversão elétrica ou farmaco- mento nos níveis séricos de Proteína C Reativa e de
lógica. A opção terapêutica pela ablação por radio- Interleucina 6.15 O sistema nervoso autônomo pode
frequência, entretanto, requer a especificação das ter papel no desencadeamento do flutter atrial, como
alterações eletrofisiológicas.3 da fibrilação atrial, por intermédio da predominância
da atividade simpática sobre a parassimpática que
ocorre alguns minutos antes do início da arritmia.16
EPIDEMIOLOGIA E ETIOLOGIA
O exame físico revela pulsos periféricos com rit- atrial não estiverem evidentes, por exemplo, com a
mo acelerado, geralmente regulares. As ondas A em manobra vagal, a administração de fármacos blo-
canhão também podem ser identificadas e decorrem queadores do nodo AV (diltiazem, adenosina) e de
da contração atrial em valva tricúspide fechada. A beta-bloqueadores. As ondas F que poderiam sugerir
ausculta cardíaca pode revelar intensidade variável outras TSV tornam-se mais delineadas, melhor visu-
da primeira bulha cardíaca.17 alizadas em derivações inferiores e anteriores, facili-
O eletrocardiograma apresenta ativação elétrica tando o diagnóstico. As ondas F apresentam-se com
atrial com frequência de 220 a 360 bpm, mais comu- predomínio de negatividade em derivações inferiores
mente em torno de 300. As ondas P são substituídas em que a fibrilação atrial revela positividade. O uso
por ondas F (de fluter), melhor observadas no plano de um eletrodo esofágico durante o estudo eletrocar-
frontal nas derivações inferiores (DII, DIII e aVF) e diográfico pode ser útil para o diagnóstico. O estudo
no plano horizontal nas derivações que melhor vi- eletrofisiológico é indicado apenas em casos em que
sualizam o átrio, isto é, as anteriores (V1 e V2). Não se programa a ablação por cateter.17,18,19
se observa, em geral, linha isoelétrica. O traçado as-
sume aspecto festonado ou serrilhado, com ondas F
difásicas em derivações inferiores, com predomínio ABORDAGEM NA URGÊNCIA
de negatividade. O flutter atrial possui condução AV
usualmente de 2:1, frequência regular de 130 a 150 A abordagem do flutter atrial na urgência depen-
bpm e má resposta à digitalização, aos bloqueadores de, fundamentalmente, das condições clínicas do
de canais de cálcio e aos beta-bloqueadores, compa- paciente. Os pacientes que se apresentam hemodi-
rado com a fibrilação atrial. Observa-se, raramente, namicamente instáveis, com insuficiência cardíaca
condução AV 1:1, com frequência ventricular em tor- congestiva, choque ou infarto agudo do miocárdio,
no de 240-250 bpm em ausência de pré-excitação, beneficiam-se da Cardioversão Elétrica Sincronizada
apresentação associada à maior letalidade.17,18 com 50 J de energia como terapia inicial. É impor-
O flutter persistente, quando se associa com fre- tante controlar adequamente a frequência cardíaca,
quência ventricular elevada, pode desencadear de com o intuito de evitar exaustão miocárdica2 quando
forma reversível hipertrofia miocárdica (taquimio- a cardioversão imediata não for possível ou houver
cardiopatia). Em idosos, a condução AV pode ser opção pela cardioversão farmacológica (figura 1).
ainda de 3:1 ou 4:1, com frequência ventricular mais
bem tolerável. 18 Controle da frequência ventricular:
bloqueadores do nó AV
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Flutter Atrial
As relações entre flutter e fibrilação atrial são com-
plexas e, por isso, o diagnóstico diferencial nem sem-
pre é imediato. É frequente que ambas as arritmias se
apresentem em um mesmo paciente, em momentos Instável Estável
hemodinamicamente hemodinamicamente
diferentes. Há tendência de indivíduos inicialmente
identificados com flutter atrial apresentarem, ao lon-
go dos anos, fibrilação atrial.18
O flutter se apresenta geralmente com frequência
Cardioversão Controle de Cardioversão:
atrial e ventricular, respectivamente, de 300 e 150 elétrica frequência: Elétrica
bpm, correspondendo ao bloqueio átrio-ventricular bloqueadores Farmacológica
2:1. A fibrilação atrial é identificada com frequência do NAV Marca-passo atrial
atrial e ventricular, respectivamente, entre 400 e 650
Figura 1 - Manejo do flutter atrial. NAV: nó átrio-
e 60 e 100 bpm. É possível utilizar mecanismos que ventricular (adaptado de Blomström-Lun-
aumentem o bloqueio AV, removam os complexos dqvist C, et al. J Am Coll Cardiol 2003; 42:
QRS ou aumentem o intervalo R-R, evidenciando as 1493-531).
ondas F, quando as ondas características do flutter
As drogas mais usadas no controle da frequên- 76%, dofetilida IV - 34-70%, amiodarona IV - 22-41%,
cia ventricular são os bloqueadores de canal de sotolol IV - 20-40%).17
cálcio (diltiazem e verapamil), beta-bloqueadores, As drogas da classe III são as mais eficazes na
amiodarona e digoxina. O diltiazem intravenoso cardioversão do flutter atrial; dentro dessa classe, a
(IV) age rápida e eficazmente na redução da fre- ibutilida parece mais eficaz. A ibutilida IV deve ser
quência cardíaca, atingindo-se frequência menor evitada em pacientes com fração de ejeção do ven-
que 100 bpm em 30 minutos.17 A hipotensão surge trículo esquerdo menor que 35%, cardiopatia estru-
em 10% dos pacientes, principalmente nos que pos- tural grave, intervalo QT prolongado ou doença do
suem disfunção ventricular esquerda.2,17 O verapa- nó sinusal. Seu uso associa-se com a incidência de
mil IV apresenta eficácia similar ao diltiazem IV no torsades de pointes entre 1,5% a 3%.2,17,18
controle rápido da frequência. Sua desvantagem é
associar-se a maior incidência de hipotensão sinto-
mática.2,17 Os beta-bloqueadores IV são tão eficazes Anticoagulação
quanto os bloqueadores de canal de cálcio IV no
controle da frequência cardíaca. A amiodarona IV O risco de embolia no flutter atrial situa-se entre
possui efeito superior ao da digoxina IV no controle 1,7 e 7%. O ecocardiograma apresenta a incidência
de frequência, entretanto, ambos são menos efica- de 0 a 34% de material ecodenso e coágulos em
zes do que os bloqueadores de canal de cálcio e pacientes com flutter atrial sem anticoagulação, in-
beta-bloqueadores.2 A vantagem a ser considerada cidência que tende a aumentar 48 horas após a sua
no uso de beta-bloqueadores, bloqueadores de ca- instalação.2 As normas de conduta em relação anti-
nal de cálcio ou amiodarona é que ocasionalmente coagulação na fibrilação atrial devem ser estendidas
convertem o flutter para ritmo sinusal.2 ao flutter atrial.
A anticoagulação plena (RNI entre 2 e 3) deve ser
priorizada quando o flutter atrial perdurar mais de 48
Cardioversão não farmacológica horas, desde que não haja contraindicações, antes
de qualquer forma de cardioversão, devido ao risco
A cardioversão elétrica externa sincronizada é o de eventos tromboembólicos. A cardioversão elétrica
procedimento de escolha para a cardioversão rápida ou farmacológica deve ser considerada somente se o
do flutter atrial quando o paciente se encontra instá- paciente estiver anticoagulado com RNI entre 2 e 3,
vel hemodinamicamente.17,18 Trata-se de procedimen- se o flutter atrial perdurar menos de 48 horas ou se
to seguro, que requer baixas doses de energia (50 J) o ecocardiograma transesofágico excluir a presença
e tem eficácia entre 95 e 100%.2,17 Esse procedimento, de trombos atriais.2,17
por necessitar de sedação, pode ser contraindicado
em casos de padrão respiratório limítrofe, ou em pa-
cientes que acabaram de fazer refeições. Pode ser im- CONCLUSÃO
plantado, nesses casos, um marcapasso atrial, cuja
eficácia média de cardioversão é 83%.17 Esse proce- A proposição desta atualização foi a de mostrar
dimento é mais comumente usado em pacientes com as normas sobre a abordagem sobre o flutter atrial,
flutter que se segue à cirurgia cardíaca. incluindo seu diagnóstico, suas caracterísitcas eletro-
fisiológicas e sua abordagem terapêutica.
Cardioversão farmacológica
REFERÊNCIAS
Os efeitos da cardioversão farmacológica não são
imediatos como os da cardioversão elétrica, ocor- 1. Tai CT, Chen SA. Eletrophysiological mecanisms of atrial flutter. J
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mais comumente usadas, bem como suas taxas de 2. Blomstrom-Lundqvist C, Scheinman MM, Aliot EM. ACC/AHA/
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cardioversão, são os antiarrítmicos da classe Ia (pro-
cular arrhythmias–executive summary. a report of the American
cainamida IV - 14%), classe Ic (flecainamida IV - 13%, College of Cardiology/American Heart Association task force
propafenona IV - 40%) e classe III (ibutilida IV - 38-
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