Mensagem Lispector
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ABSTRACT: The object of this work is the short story Message by Clarice Lispector.
The purpose of this article was to present an analysis of the main characters of this
narrative by making a symbolic correlation with Plato’s androgynous myth and the
different interpretations of the non complete human being relating it with the symbol-
ogy of the space of the fantastic caused by the house of the story. At a first moment,
there will be and explanation about the related myth, later the analysis of fantastic
space of the house.
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exatamente por ser uma relação humana que o de baixo não têm as mesmas vozes nem
amor leva os amantes a “jamais poder escapar as mesmas sombras. A tonalidade da
da lógica da posse e da sujeição”. angústia varia de um lugar a outro. E é
bastante raro encontrar uma criança que
A culminante hostilidade entre o casal de- seja corajosa frente a ambos. Porão e
pois de algum tempo, e a perda da angústia sótão podem ser detectores de infelici-
entre ambos, demonstram o fracasso da com- dades imaginadas, dessas infelicidades
pletude entre os seres. Além disso, eles, juntos, que muitas vezes marcam, para o resto da
partem ao encontro de algo, de outra coisa que vida, um inconsciente. (BACHELARD,
possa fazê-los voltar à sensação de excitação 2001, p.83)
quando do encontro entre ambos; assim é que
juntos, encontram a casa. A casa e seu espaço, “Eles olharam a casa como crianças dian-
nessa via, ao mesmo tempo em que represen- te de uma escadaria.” (LISPECTOR, p. 131,
tará o passado para os jovens, lhes mostrará o 1998). A escada segundo Bachelar (2001, p.86),
que os dois significam um para o outro, que se simboliza a mistura entre o devaneio e a lem-
tornam, fantasticamente, assim como é a casa, brança:
homem e mulher, conforme explanaremos a
seguir. E as escadas são lembranças imperecíveis.
[...] Às vezes alguns degraus bastam para
A fantástica casa e seu espaço escavar (grifo nosso) oniricamente uma casa,
para dar um ar de gravidade a um quarto para
A casa para os dois jovens é um aconte- convidar o inconsciente a sonhos de profun-
cimento repentino. Uma casa abandonada didade.
que nos remete “à brevidade de nossa vida”
(PERRONE-MOISÉS, p. 168, 1990). Ao A repentinidade da casa faz surgir o “ar”
descrevê-la, o narrador do conto de Lispector hesitante do conto, será que realmente essa
retoma este arquétipo no que se refere a sua casa existia? Vale a pena relembrar, nesse mo-
verticalidade e sua mutabilidade: “Era gran- mento, que a hesitação, no ponto de vista de
de, larga e alta como as casas ensobradadas Todorov (2004, p.23) é condição fundamental
do Rio antigo. Uma grande casa enraizada”. para o fantástico. Adentrando ainda mais no
(LISPECTOR, p. 133, 1998). estranho, o espaço da recorrência da casa é a
Rua do Cemitério São João Batista, o que pro-
Como afirma Bachelard “A casa é uma voca ainda mais sombridade. Dessa maneira,
arquétipo sintético, um arquétipo que evolui. a casa se coloca como um acontecimento es-
Em seu porão está a caverna, em seu sótão está tranho no conto, dando o ar de fantástico, que
o ninho, ela tem raiz e folhagem.” Para ele, a terminará com a recolocação racional, como
casa também é o arquétipo de nossa primeira um típico conto fantástico-estranho. A casa de
morada (o útero materno), e representa nosso Clarice se assemelha, assim como no gênero,
desejo de retorno a intimidade do regaço ma- a outras casas de autores como Lovecraft e
terno. Edgar Allan Poe. Ela é, como nesses contos,
um casarão antigo que surge do nada, como
A casa é todo um universo psicológico, um a imagem da casa existente nestes contos de
refúgio: horror, mas, não é por acaso.
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a própria casa evoca a expressão de monstruo- gens de uma forma definitivamente insolúvel,
sidade: “Se recusassem seriam atingidos pelo desmentindo as leituras anteriores.
ônibus, se avançassem esbarrariam na mons-
truosa casa” (LISPECTOR, 1967, p. 134). Ela O tempo quando do aparecimento da casa
era ainda um boxeur sem pescoço, um sobrado se torna indefinido, e a casa com o seu pas-
que levava a mão na garganta, tinha olhos e sado, ressignifica na vida das personagens, ou
falava: “Eu sou a própria coisa que vocês pro- seja, o passado da casa mostra “algo” para o
curavam, disse a casa grande”. (LISPECTOR, casal que os fazem separar-se definitivamente
1967, p. 137). quando voltam à realidade, depois do aconte-
cimento da casa.
Mensagem torna-se um conto fantástico
estranho porque a todo o momento evoca no A narrativa então exclui qualquer possibi-
leitor a hesitação, mas ao mesmo tempo há lidade do sobrenatural. Entretanto, o que torna
explicações pacificadoras a respeito da casa, aterrorizador no conto de Clarice é exatamente
elemento causador da hesitação, como no a realidade:
trecho: “Tratava-se apenas de uma casa velha
e vazia”; “Apenas uma casa grossa, tosca” Sua história não é extraordinária, e sim
(LISPECTOR, 1967, 135-136). Porém, a aterradoramente comum e o comum não
construção da casa é contraditória, sendo ao pose ser superado, porque ele não com-
mesmo tempo frágil e sólida, a princípio era porta uma verdade, mas é a verdade. O
uma “casa quebrada”, se falassem a casa po- real sobre o qual se abre a casa da autora
deria desabar, era forte, uma potência antiga. permanece escancarado, a mensagem que
ela entrega não tem sentido contudo as
A escrita de Clarice, como se vê, é reche- personagens ( e o leitor ) a recebem assim
ada de elementos figurativos, tangenciando mesmo.(PERRONE-MOISÉS, 1990, p.
o que Todorov (2008, p.97) aponta sobre o 168)
sobrenatural usado “frequentemente do fato
de se tomar o sentido figurado ao pé da letra”. Pode-se ler a casa como o passado das per-
Mas, ao mesmo tempo, o rapaz, personagem sonagens, a visualização por eles desse passa-
principal do conto faz uma volta à realidade. A do, que mostra a eles que não são realmente
contradição perpetua, nesse sentido, não ape- complementos um do outro, que nada, nem a
nas na imagem da casa, mas na própria escrita casa que encontraram quando da procura de
clariceana: ambos, lhes complementará. A casa é a própria
angústia do casal, personagens principais da
Agarrando-se a primeira tábua, pôde vol- história.
tar cambaleante a tona, e como sempre
antes da moça. Voltou antes dela, e viu A MENSAGEM
uma casa de pé com o cartaz de “aluga-
se”. (LISPECTOR, 1967, P. 138) Dois jovens afinados na angústia de serem
incompletos se encontram pelo destino. Ma-
O conto joga com a hesitação, deixando ravilhados por terem o mesmo sentimento,
por momento a explicação estranha ao retomar unem-se e partem, de ônibus, em direção ao
a volta à realidade, mas ele não termina por aí. que procuravam, encontram uma monstruosa
A angústia renasce nos corações das persona- casa, que era o passado dos dois, juntos, eles
vivem no tempo inexistente do espaço de re-
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Seria essa a metáfora da casa criada por A mensagem contida na casa, símbolo
Clarice Lispector? Os jovens não tinham maior do conto, simbolizava para os persona-
Amor, afinal, quem o têm? O Amor não seria gens principais, assim como aos leitores, algu-
como a casa criada por Clarice, monstruosa, ma coisa que jamais se pode alcançar mesmo
sólida e frágil ao mesmo tempo, existindo com toda uma vida de procura e expressão,
de forma fantástica por um breve período de pois a mensagem estava esfarelada na poeira
tempo? O que fazer? Com quem compartilhar que o vento arrastava para as grades do esgoto.
REFERÊNCIAS
BACHELARD, Gaston. A Casa natal e a casa onírica. In: A Terra e os Devaneios do Repouso.
São Paulo: Martins Fontes, 2001.
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PESSANHA, José Américo Motta (org.). Diálogos / Platão. São Paulo, Nova Cultural: 1991.
(Os pensadores).
TODOROV, Tzvetan. Introdução à Literatura Fantástica. São Paulo: Nova Fronteira, 2004.
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