RPG Mestrado SARTURI Andre PDF
RPG Mestrado SARTURI Andre PDF
RPG Mestrado SARTURI Andre PDF
ANDRÉ SARTURI
E O PROCESS DRAMA
FLORIANÓPOLIS
2012
ANDRÉ SARTURI
E O PROCESS DRAMA
FLORIANÓPOLIS, 2012
S251q
SARTURI, André
Quando os dados (não) rolam: jogo, teatralidade e
performatividade na interação entre o ROLEPLAYING GAME e o
Process Drama / André Sarturi. – 2012.
222 p. : il. ; 30 cm.
Bibliografia: p.188-193
Orientadora: Dra. Beatriz Ângela Vieira Cabral.
Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado de Santa
Catarina, Centro de Artes, Mestrado em Teatro, Florianópolis,
2012.
Banca Examinadora:
Orientadora: _______________________________________________________
Professora Doutora Beatriz Ângela Vieira Cabral
PPGT – UDESC.
Membro: ________________________________________________________
Professora Doutora Vera Collaço
PPGT – UDESC
Membro: ________________________________________________________
Professora Doutora Vera Bertoni
UFRGS
Florianópolis, 2012
Esta dissertação é dedicada a minha
família.
Minha mãe, meu pai,
minhas irmãs;
... e à Pituca também!
AGRADECIMENTOS
muito obrigado!
RESUMO
SARTURI, André. When the dice (don’t) roll: Game, Theatricality and Performativity in
the interaction between ROLEPLAYING GAME and the Process Drama. Master´s Thesis,
(Master’s Degree in Theater – Theater Pedagogy Domain). University of Santa Catarina State.
Graduate Program in Theater. Florianópolis, 2012.
This research looks at similarities between ROLEPLAYING GAME and Process Drama by
identifying their elements of theatricality and performativity, both common aspects to
roleplaying and theatre. This investigation focus on theory and practice. In theoretical terms,
studies on Performance and Theatre were carried out, based on Schechner (2006) and Féral
(2003); the relationship between game and theatre was examined from the perspectives of
Huizinga (2001), Caillois (1994) and Pavis (1999). The game analysis was based on RPG
view point and its live version, LARP (Live Action Roleplaying). Regarding practice, two
experiments with LARP were carried out. In both, “The Crucible”, by Arthur Miller, was used
as pre-text. In these experiences, students from the first semester majoring in theatre used
elements of Drama and Theatre Games. The analysis of both practices point to similarities
between the Game Master and the Teacher-in-role, a planning based on episodes, and a game
dimension oriented by a pre-text. This investigation also included a conceptual analysis of
game, acting and representation.
INTRODUÇÃO............................................................................................................................10
CAPÍTULO 1:
ROLEPLAYING GAME E A NOÇÃO DE JOGO.....................................................................15
1.1 O JOGO - O PROBLEMA DO CONCEITO E TRADUÇÕES:
A PALAVRA JOGO E SEUS JOGOS DE PALAVRAS..............................................................15
1.2 A NOÇÃO DE JOGO.....................................................................................................................19
1.3 LEGO®, CIÊNCIA E COMO A NOÇÃO DE JOGO
PODE GERAR DIFERENTES TEORIAS NO UNIVERSO DO TEATRO..............................................28
1.4 JOGAR PAPÉIS, ATUAR, REPRESENTAR E
INTERPRETAR.............................................................................................................................34
1.5 PERSONAGENS & PAPÉIS.............................................................................................39
1.6 JOGO, TEATRALIDADE, PERFORMATIVIDADE E TEATRO..................................42
1.7 ROLEPLAYING GAME.....................................................................................................43
1.8 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO RPG............................................................45
1.9 AS MODALIDADES........................................................................................................47
1.10 AS FICHAS DE PERSONAGENS: DIFERENÇAS E USOS
NAS MODALIDADES DE JOGO DE MESA E EM LARP.......................................................49
1.11 INTERAÇÕES ENTRE PERFOMATIVIDADE,
TEATRALIDADE E O ROLEPLAYING GAME..........................................................................51
2 CAPÍTULO 2: A PRÁTICA...............................................................................................55
2.1 AS BRUXAS DE SALÉM: ANÁLISE DO TEXTO DE ARTHUR MILLER................57
2.2 A FÁBULA.......................................................................................................................58
2.3 COMENTÁRIOS..............................................................................................................62
2.4 “A TERRA DOS PECADOS”..........................................................................................65
2.5 PERSONAGENS DE “AS BRUXAS DE SALÉM” E SUA
TRANSPOSIÇÃO PARA “A TERRA DOS PECADOS”..........................................................70
2.6 PERSONAGENS DO JOGO “A TERRA DOS PECADOS” .........................................73
2.7 OS PERSONAGENS, A INTERAÇÃO DOS JOGADORES E OS RUMOS DO
JOGO..............................................................................................................................................74
2.8 MAPA DE RELAÇÕES ENTRE OS JOGADORES – CASA DO DIVINO....................75
2.9 A PRIMEIRA PRÁTICA: 10 ENCONTROS NA CASA DO DIVINO............................76
2.10 PROBLEMAS E DIFICULDADES NO JOGO.................................................................79
2.11 A SEGUNDA PRÁTICA: 5 ENCONTROS DURANTE AS AULAS DE
METODOLOGIA DO ENSINO – CURSO DE ARTES CÊNICAS – UDESC............................87
2.12 O PRÉ TEXTO DO JOGO E AS FICHAS DOS PERSONAGENS..................................88
2.13 COMENTÁRIO SOBRE OS ENCONTROS.....................................................................90
2.14 A AVALIAÇÃO DO JOGO...............................................................................................95
2.15 MAPAS DE RELAÇÕES E DE SEGREDOS DOS GRUPOS NA PRÁTICA NA
UDESC...........................................................................................................................................97
INTRODUÇÃO
1
CAMPOS, A; PIGNATARI, D; CAMPOS, H. Mallarmé. 3ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1991.
2
Jogo de Representação de papéis surgido na década de 70, elaborado por Deve Arneson e Gary Gygax. Sua
origem será explorada no primeiro capítulo.
3
Nome empregado pela professora Dra. Beatriz Cabral para o processo de educação dramática que se
consolidara com o trabalho de diversos autores, dentre os quais se destacam Dorothy Heathcote e Cecily
O’Neill.
11
oportunidade de conduzir vinte e duas LARPS, das quais pude experimentar o processo de
elaboração do jogo e pude conhecer mais a fundo o papel do mestre de RPG. No ano 2000, fui
convidado pela Fundação Cultural de Curitiba a ministrar duas oficinas sobre teatro e RPG,
uma realizada com adolescentes em conflito com a lei e outra com jovens de classe média,
frequentadores da gibiteca do Solar do Barão. Ao mudar para Florianópolis e conhecer o
trabalho com o Drama como método de ensino, desenvolvido pela Professora Dra. Beatriz
Cabral, pude observar as semelhanças entre RPG e Drama.
Existem poucos estudos acadêmicos que relacionam RPG e teatro. Menos ainda que
relacionem RPG ao Drama. A maioria dos trabalhos que abordam o tema são artigos
científicos e trabalhos de conclusão de curso. As pesquisas voltadas ao jogo de RPG se
concentram em outras áreas do conhecimento, em especial na educação e na psicologia. Nesse
aspecto, destaco os trabalhos de Marcatto (1996), no campo da psicologia, Rodrigues (2004) e
Pavão (2000), na área literária, e Schimit (2008), no ramo da educação. A falta de materiais
voltados ao assunto dentro da área específica das artes cênicas também motivou a realização
deste trabalho.
Estudar o RPG oferece a possibilidade de entrar em contato com alguns temas
recorrentes nas artes cênicas, em especial os dedicados às noções de jogo e representação e
também a tensão entre o texto dramático e a produção de textos oriundos dos jogos, tal qual
aparece na relação entre a dramaturgia teatral e o pré-texto do Drama. Esta tensão existente na
relação texto/jogo é também um conflito entre previsível e imprevisível, um choque entre
tipos de jogos4 de habilidade (Agon), representação (Mimicry) e sorte (Alea). Os dados, no
RPG, são símbolos desse choque, funcionando muitas vezes como Deus Ex-Machina,
decidindo o destino, a sorte e a vida dos jogadores.
Os lances de dados, no jogo de RPG, muitas vezes definem a vida dos personagens.
São objetos de fetiche entre os jogadores. Nesse jogo, o uso dos dados vem acompanhado de
uma série de regras que estão diretamente ligadas à habilidade dos personagens manipulados
pelos jogadores. As regras e o uso de dados têm a finalidade, no ROLEPLAYING GAME, de
auxiliar na verossimilhança dos acontecimentos e no andamento do jogo, servindo para
mediar disputas entre os jogadores. Contudo, o sucesso ou fracasso do jogador é definido pelo
dado. Isso se torna um problema, pois a habilidade do jogador fica submetida aos “caprichos
4
Este tema será abordado no primeiro capítulo, segundo a definição de Caillois (1994)
12
dos dados”, que passam a ter como finalidade dar respostas precisas a situações aleatórias. O
acaso e a sorte substituem, então, a habilidade e o consenso.
Como absorver as imprevisíveis escolhas dos jogadores/atores a uma dramaturgia
aberta, ou seja, se apropriando das idéias dos participantes para desenvolver uma dramaturgia
que use suas interferências para dar continuidade à história? Como fazer isso no RPG sem o
uso de dados?
Jogar e representar são conceitos em constante diálogo na literatura especializada da
área teatral. Seja em Spolin (2000), no Drama ou mesmo em Féral (2009) e Schechner (2006),
essas palavras aparecem e muitas vezes são temas centrais de suas argumentações. Em
Huizinga (2001) e Caillois (1994), as noções de jogo, sorte e mimesis são recorrentes e esses
autores apontam os problemas dessa relação.
Além disso, o RPG explora três elementos que têm profunda ressonância com as artes
cênicas e com o Drama:
Nesta pesquisa, a estrutura metodológica foi organizada a partir dos seguintes passos:
a) Pesquisa bibliográfica sobre os conceitos;
b) Elaboração de uma prática a partir dos conceitos e das indicações para
elaboração de jogo ao vivo, oferecidas pelas referências específicas do RPG;
c) Discussões e relatos de experiência dos participantes reestruturaram a prática
para um outro grupo;
d) Entrevista com os participantes de ambas as práticas ao final do processo;
e) Síntese do estudo teórico e das impressões colhidas nas entrevistas e nos relatos
de experiência.
13
Para organizar o debate dos conceitos aqui discutidos e das práticas realizadas durante
a pesquisa, a dissertação está disposta da seguinte maneira: o primeiro capítulo tratará da
noção de jogo e representação, partindo do problema inerente à falta de uma palavra-conceito
que unifique jogo e representação em língua portuguesa, tal como é o caso da palavra play na
língua inglesa. Apontarei a relação entre jogo e teatralidade existente no pensamento de Féral
(2003), bem como a performatividade presente no ROLEPLAYING GAME.
O segundo capítulo tratará das duas práticas realizadas durante esta pesquisa. Ambas
tiveram como base o texto teatral “As Bruxas de Salém”, de Arthur Miller, que foi adaptado
para o pré-texto do jogo chamado “A terra dos pecados”. Os jogadores representavam a vida
dos moradores de uma comunidade protestante isolada em uma ilha. Eles foram divididos em
subgrupos e elaboraram seus personagens utilizando as fichas que são geralmente usadas no
RPG.
O terceiro capítulo trata do uso dos dados no jogo de RPG e da decisão de não utilizá-
los. Para encontrar um meio de suprir a falta destes dados sem descaracterizar o RPG é
necessário estabelecer um contexto de ficção capaz de gerar a imersão em uma estrutura de
jogo com regras e estratégias de ação que possibilitem a agência e a transformação da trama
por parte dos jogadores. Será que investir na teatralidade e na performatividade do jogo
permite aos participantes um estado de liberdade e coerência com relação ao contexto capaz
de liberá-los da necessidade do uso de dados?
Partindo dessa indagação, a pesquisa busca observar o que de eminentemente teatral
existe no ROLEPLAYING GAME e quais pontos de ressonância podem ser encontrados na
relação entre o RPG e o Drama. Com isso, este trabalho pretende apontar os procedimentos de
elaboração de jogos ao vivo bem como as dificuldades de se trabalhar com esse jogo, além de
discutir o papel do ator/jogador que se aventura no papel de atuante-espectador 5e, por fim,
destacar a importância do condutor do processo, seja ele chamado de Mestre (RPG), Professor
Personagem (Drama) ou Diretor/encenador (Teatro) em suas possíveis interações.
5
No Drama usa-se self-spectator (observador de si mesmo). Acabei optando pela terminologia empregada pela
professora Heloise Baurich Vidor, que o usa o termo tal qual citamos aqui (atuante-espectador), empregando-o
no contexto do Drama (Vidor, 2010, p. 34). Tal escolha se deu por identificar essa abordagem com o referencial
teórico empregado nessa dissertação. Tal termo será discutido no terceiro capítulo.
14
CAPÍTULO 1
6
“to say something to do something” (AUSTIN apud SCHECHNER, 2006, p. 123). Ver
também Austin (1990, p.24).
16
próxima da ideia de representação ou atuação. De origem medieval, (jugrall7, século XIII) ela
designa “trovador ou intérprete de poemas e canções de caráter épico, romântico ou
dramático”, na concepção de Cunha (1997, p. 456), enquanto a palavra jogo, em francês, pode
ser aplicada à arte do ator, segundo Pavis (2001, p. 219), em seu Dicionário de Teatro, mas
em português seria traduzida como atuação ou interpretação.
Já no primeiro capítulo de Homo Ludens, Huizinga (2001) trata da natureza e
significado do jogo como fenômeno cultural e, logo no início, o tradutor da edição brasileira,
João Paulo Monteiro, expõe o problema da seguinte maneira:
O tradutor não destacou a relação entre jogar e representar, o que explicitaria ainda
mais a dimensão estética do jogo tão defendida por Huizinga8. No entanto, essa definição
evidencia a relação entre jogo e brincadeira, o que abre a possibilidade para demonstrar um
elo importante entre jogar e representar presente na definição de Jogo Dramático Infantil, de
Slade (1978). A definição deste autor para “jogo” mais parece com o que nominamos de
“brincar de Faz de Conta” para os falantes de língua portuguesa9, pois a raiz do Jogo
Dramático Infantil é a “brincadeira de representar [...] é com o “Jogo” que devemos nos
preocupar primordial e primeiramente” (SLADE, 1978, p. 17).
Já a tradução da obra de Spolin (2000) traz à tona o uso da terminologia empregada
por Koudela para a palavra jogo. Segundo esta tradução, Spolin emprega o termo player que
7
Segundo José Rivair Macedo (2000), temos também a ideia de joculatores medievais. Estes seriam criadores e
intérpretes da literatura. Esta palavra, derivada “do vocábulo latino jocus, significava ‘jogadores’. Assim, a
designação desses indivíduos que assumiam a função de divertimento girava em torno da ideia de jogo. Além
disso, o conceito de jogral englobava artistas dotados de qualidades múltiplas, sendo ao mesmo tempo músicos,
cantores, recitadores, leitores públicos, poetas, atores, acrobatas, dançarinos, mímicos, saltimbancos; enfim,
eram profissionais da letra, dos gestos e das palavras”.
8
Huizinga (2001, p.10) faz referência “aos concursos e às corridas, às representações e aos espetáculos, à dança
e à música, às mascaradas e aos torneios. Algumas características que vamos indicar são próprias do jogo em
geral, enquanto outras pertencem aos jogos sociais em particular”.
9
Roberto De Cleto, responsável pela introdução do livro de Slade (1978) no Brasil, associa o Jogo Dramático
Infantil à brincadeira quando diz que o livro de Slade é fundamental para a educação das crianças e instrutivo
para os pais, pois “o livro de Slade traz uma visão seguríssima do problema, explorando inclusive o campo
limitado dos professores, porque tem início o “jogo”, a brincadeira da criança, quando ainda nem em fase
escolar, dando conselhos aos pais e mães da maior importância”. (SLADE, 1978, p. 10).
17
[..] em inglês refere-se tanto ao ator como ao jogador. Embora exista o termo actor
que se refere exclusivamente a ator, a autora prefere o uso do player nesse livro. [...]
em sua atual fase de trabalho, Spolin (2000, p. XXI) abole totalmente a palavra
actor, substituindo-a por player [N. do T].
É interessante notar que Spolin tenha dado preferência à expressão player, isso
identifica a relação entre ator e jogador e traz consigo a ideia de experiência e
experimentação. Segundo a autora,
Bondia (2002)10 afirma que a definição do termo “experiência” vem do radical latino
periri, do qual deriva tanto a palavra experire (experimentar) quanto periculum (perigo). Isso
quer dizer que jogar pode ser uma experiência que contém em si certa quantidade de risco,
mas que também traz algo de valioso e que pode ser acumulado por quem passa por esse
processo (da experiência do jogo).
Neste respeito, quem poderia negar que todos esses conceitos expressos por Bondia
(2002), tais como desafio, perigo, competição, e outros, não estão muito próximos do que
Huizinga (2001) chama de “mimo lúdico”? Em todos os casos, a ideia de sorte, perigo, jogo e
temeridade estão no mesmo campo de ação, pois “algo está em jogo” (HUIZINGA, 2001, p.
46).
Retomando a relação entre o pensamento de Spolin e Bondia, a autora americana deseja
que a atividade teatral seja repleta de experiências, por isso opta pela noção de jogo. Nas
palavras de Spolin,
O jogo é uma forma natural de grupo que propicia o envolvimento e a liberdade
pessoal necessária para a experiência. Os jogos desenvolvem as técnicas e
habilidades necessárias para o jogo em si, através do próprio ato de jogar. As
habilidades são desenvolvidas no próprio momento em que a pessoa está jogando,
divertindo-se ao máximo e recebendo toda a estimulação que o jogo tem a oferecer.
Este é o verdadeiro momento em que ela está aberta para recebê-las. (2000, p. 6).
Jogar é uma atividade humana das mais antigas estando presente em todas as
sociedades e culturas. Huizinga (2001, p.6), que se preocupa em discutir o jogo como “forma
significante” e como função social, observa que em toda parte é possível encontrá-lo como
uma qualidade de ação determinada e distinta da vida “comum”. Por estar presente na cultura
como um elemento dado existente antes da própria cultura, o jogo é mais antigo,
acompanhando-a e marcando-a desde as mais distantes origens até a fase de civilização atual.
(HUIZINGA, 2001, p.3)
O jogo está presente na ciência, na filosofia, na linguagem, na informática, na religião,
nos relacionamentos amorosos e em vários aspectos da vida humana e animal. Segundo
Huizinga (2001), os animais jogam e se divertem tanto quanto os humanos e isso demonstra
que o jogo é uma atividade irracional presente na vida humana, estando ligado à ideia de
prazer e divertimento. No jogo, há “algo em jogo”, algo que confere sentido à ação, e busca-
se algo que está fora dele.
Segundo Huizinga (2001, p.33), o jogo pode ser definido como uma atividade de
ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e de espaço,
segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em
si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e alegria e de uma consciência de ser
diferente da vida cotidiana. Comparando a noção de jogo a uma interpretação musical,
Huizinga (2001, p. 49), o define jogo como atividade que inicia e termina dentro de estreitos
limites de tempo e lugar, é passível de repetição, segue uma ordem, ritmo, alternância e
transporta tanto o público como os intérpretes para fora da vida quotidiana provocando um
sentimento de alegria e serenidade, conferindo mesmo à música triste (e aqui podemos trocar
por jogo triste, cena triste ou jogo sério) um caráter de sublime prazer. Em outras palavras, o
jogo tem o poder de encantar e arrebatar tanto os jogadores quanto a plateia.
19
7ª: Há uma relação entre jogo, competição e luta11. Huizinga (2001) afirma que essa
noção se aplica também ao combate à mão armada e cita, a partir de uma poesia anglo-saxã,
que o combate armado era chamado de heado-lac ou beadu-lac, que significa literalmente
“jogo de batalha”. Ele também cita o termo asc-plega ou “jogo de lança”. Modernamente,
poderíamos relacionar o jogo ao combate armado que aparece no paint-ball ou nos jogos de
computador e videogame, tais como os jogos de luta e tiro em primeira pessoa. O autor chega
a ser categórico, como já foi citado anteriormente, assegurando que o jogo é um combate e
que o combate é um jogo (HUIZINGA, 2001, p.47). Ele avança demonstrando que o jogo
pode ser mortal. Outro exemplo dessa relação entre jogo e combate armado está na caça.
8ª: Huizinga (2001) aponta para a relação do jogo com o manejo de instrumentos
musicais que na língua portuguesa também não é tão explícita, mas que em outras línguas é
clara, como no caso da frase “play guitar”, em inglês. O autor afirma que, independente dos
aspectos linguísticos, a música está impregnada de elementos do jogo, pois possui todos os
seus componentes formais.
9ª: O jogo envolve um sentido erótico que se exprime de maneira mais ampla que no
combate sério, se desejarmos fazer uma comparação. Huizinga (2001) cita várias línguas
(inglês, holandês, japonês, sânscrito, alemão e outras...), para demonstrar o quanto a ideia de
jogo e brincadeira estão presentes no linguajar erótico. Ele afirma que alguns estudiosos
consideram o jogo do amor como o exemplo mais perfeito de jogo em geral, pois contém
todos os elementos citados na oitava definição. Além disso, no ato da conquista os elementos
dinâmicos do jogo se fazem presentes na criação deliberada de obstáculos, no adorno, na
surpresa, nos atos de fingimento, na tensão, e outros (HUIZINGA, p. 49-50).
10ª: Por fim, o valor conceitual de uma palavra é sempre esclarecido pelo que
podemos definir como seu oposto. Para o jogo, poderiam ser citados como opostos a
“seriedade” ou “trabalho”. Contudo, na antítese jogo-seriedade, os valores não são idênticos,
pois, apesar de seriedade poder ser definida como uma situação “sem jogo”, é possível
encontrar a ideia de seriedade no jogo, ou seja, o jogo pode ser “sério”. Portanto, seriedade
não é propriamente o oposto de jogo.
Para citar um exemplo, podemos demonstrar como seriedade está presente na ideia de
jogo em uma fala de Sigmund Freud que Richard Courtney utiliza em seu texto para explicar
o mecanismo do jogo. Segundo ele, Freud afirma que:
11
Temos no Brasil um exemplo claro disso no jogo de Capoeira.
21
Nesse sentido, o jogo pode ser compreendido como uma entidade autônoma (no
sentido linguístico) e não se esgota com a ausência de seriedade. O jogo enquanto tal é de
ordem mais elevada do que o conceito de seriedade, porque seriedade procura excluir o jogo,
ao passo que o jogo pode muito bem incluir a seriedade. (HUIZINGA, 2001, p. 50).
***
Partindo destes conceitos mencionados, Caillois (1994) amplia o entendimento do que
é jogo e elabora uma “sociologia dos jogos”, explorando os elementos de azar, competência,
simulacro e vertigem como fontes para compreensão do fenômeno do jogo e da relação entre
os jogos e os homens. Ele relaciona a máscara e o sagrado ao lúdico e estabelece categorias e
definições para o que se pode chamar de jogo. O autor inicia sua definição afirmando que o
jogo é livre dentro do limite da Regra (Caillois, 1994, p, 34). Ele ressalta que essa liberdade
do jogador – essa margem concedida à sua ação – é essencial para o jogo e explica, em parte,
o prazer que suscita. Caillois (1994) observa, inclusive, que muitos jogos, tais como polícia e
ladrão, bonecas e brinquedos, jogos de livre improvisação e outros ligados à representação de
papéis, não costumam ter regras, ou suas regras não são fixas, pois elas têm como fundamento
o elemento do “como se”.
Cabe lembrar que, segundo Caillois (1994), o sentimento de “como se” substitui a
regra e cumpre exatamente a mesma função. Por si mesmo, tanto a regra quanto o “como se”
criam um espaço de ficção. Esta consciência da irrealidade fundamental do comportamento
adotado (durante o jogo) separa o jogador da vida corrente e ocupa o lugar de uma legislação
arbitrária que define o espaço e sua realidade interna que equivale às regras dos outros jogos
(jogos de aposta, de competência, etc...). Nesse espaço de “como se” a equivalência da ficção
é tão grande com relação à regra que o sabotador acaba cumprindo o papel daquele que rompe
com o encantamento e lembra o jogador que ele não é o verdadeiro detetive, pirata, etc...
12
Investimento.
22
Assim, os jogos não são regulamentados e fictícios, eles são ou regulamentados, ou fictícios13
(CAILLOIS, 1994, p. 36).
Caillois (1994) define o jogo como atividade:
1) Livre - o jogador não pode ser obrigado a participar, pois o jogo perderia a sua
característica de diversão atrativa e alegre;
2) Separada - ocorre em circunstâncias de tempo e espaço limitados e determinados
por antecipação;
3) Incerta - o resultado não pode estar predeterminado; é preciso deixar,
obrigatoriamente, ao jogador, o poder de iniciativa, certa liberdade e a necessidade
de inventar;
4) Improdutiva - por não criar bens, riquezas, nem tampouco elementos novos de
nenhuma espécie e, salvo o deslocamento de bens no círculo dos próprios
participantes, se chega ao final da partida com uma situação de riqueza igual à que
se encontrava no princípio do jogo.
5) Regulamentada - submetida a convenções que suspendem as leis ordinárias14 e
instauram momentaneamente uma nova legislação, que é a única que conta.
6) Fictícia - vem acompanhada de uma consciência de realidade secundária ou de
franca irrealidade em comparação com a vida corrente. (CAILLOIS, 1994, p. 37).
Caillois (1994) comenta que no jogo existe uma necessidade de igualdade entre os
participantes, e que, tanto a regra quanto a ficção criam este espaço de igualdade. Ele
acrescenta a sorte como outro elemento capaz de igualar os participantes, assim como o
esforço para vencer os oponentes em condições iguais à dele, como no caso das lutas e
competições esportivas. O autor esforça-se por encontrar uma unidade de classificação dos
jogos e localiza nos elementos de competência, sorte e azar, simulacro e vertigem, aspectos
que caracterizam distintas classes de jogo. O sociólogo nomeia essas categorias fundamentais,
chamando-as respectivamente de Agon (relacionadas aos jogos de competência), Alea (ligados
à sorte e azar), Mimicry (ligado aos simulacros, simulações e representações de papéis) e Ilinx
(relacionado à vertigem e aos jogos de confusão e desconforto). (CAILLOIS, 1994)
As características fundamentais dessas categorias são:
13
Mais adiante veremos que o RPG subverte um pouco essa definição, uma vez que surge do contexto de jogos
de tabuleiro e wargames e passa para um jogo mais parecido com um “jogo de faz de conta”, que, contudo,
preserva o uso de dados, tabuleiros e utiliza uma série de regras mais ou menos rígidas, dependendo do sistema e
modalidade.
14
Ou seja, da vida comum.
23
(...) nada en la vida es claro sino que, precisamente, todo en ella es confuso en um
princípio, tanto las oportunidades como los méritos. Sea Agon, sea Alea, el juego es
entonces una tentativa de sustituir la confusión normal de la existencia común por
situaciones perfectas. Estas son tales que el papel del mérito o del azar se muestra
en ellas de manera clara e indiscutible.”(CAILLOIS, 1994, p. 51).
16
O tradutor de Caillois para língua espanhola também ressalta com o uso da “chave [...]” a relação entre jogo e
representação presente na palavra francesa jouer.
17
Para citar um exemplo, no México os lutadores de Luta Livre (Wrestling Profissional) literalmente lutam
usando máscaras, o que também relacionaMimicrycomo Agon.
18
Também conhecido como “Pedra, papel e tesoura”.
19
Na metodologia empregada na prática desta pesquisa, contudo, procuramos retirar os dados e as disputas de
habilidade com “Jo-Quem-Pô” para dar ênfase à interpretação e exigir dos jogadores a manutenção da Mimicry.
Isso gerou respostas controversas entre os participantes atores que nunca haviam jogado RPG e os jogadores de
RPG, os quais acreditavam que ao retirar esse elemento o RPG se descaracterizaria. Esta discussão será
desenvolvida no capítulo sobre a prática.
20
Grifo meu.
25
p.12). Mais à frente veremos que Pavis aponta uma possibilidade para relacionar Mimicry e
Alea, mas, por hora, ficaremos com a definição tal qual nos é dada por Caillois (1994)21.
Se Mimicrye Alea não apresentam relações evidentes, o mesmo não se pode dizer da
relação entre Mimicrye Agon. Isso não se aplica só aos concursos de fantasia. Para Caillois
(1994), todo Agon é um espetáculo. A identificação da plateia com o campeão já é por si só
um tipo de Mimicry. A disputa e a batalha ritualizada transformam a Mimicryem Agon.
Schechner dá um exemplo disso ao citar a celebração Kaiko do povo Tsembaga da Papúa
Nova Guiné, na qual participantes do ritual dançam como se estivessem lutando, em uma
festividade chamada Konj Kaico. Segundo Schechner:
Se Mimicry não pode ser considerado por Caillois (1994) como jogo de regra, no
entanto, há uma regra fundamental sem a qual a Mimicry não pode existir: a regra desse tipo
de jogo é única e consiste, para o ator, em fascinar o espectador, evitando um erro que
conduza a rechaçar a ilusão; para o espectador, consiste em prestar-se à ilusão sem recusar,
desde o princípio, a cenografia, a máscara, o artifício e tudo que convida a dar crédito, durante
o tempo determinado do jogo (cênico) como uma realidade mais real que a realidade
(CAILLOIS, 1994, p.58).
Ilinx - Caillois (1994, p.54) define a última categoria de jogos como um conjunto de
atividades que se baseiam na vertigem e uma tentativa de destruir por um instante a
estabilidade da percepção e de infligir à consciência lúcida uma espécie de pânico voluntário.
Em qualquer caso, trata-se de tentar alcançar algum tipo de espasmo voluntário que causa
aniquilação da realidade.
Como exemplo de Ilinx, é possível citar a embriaguês e o jogo. Esta categoria de jogos
está ligada ao pânico momentâneo, ao prazer e à força. Os jogos que utilizam Ilinx são
aqueles que provocam vertigem, tais como as brincadeiras de rodar sobre o bastão e aquelas
atividades infantis em que as crianças rodam sem parar sobre o seu próprio eixo ou provocam
21
Também não é possível deixar de questionar essa definição, levando-se em conta que uma improvisação
teatral produz uma narrativa teatral a partir de disputas entre jogadores, das quais não se sabe qual será o
resultado final.
26
1.3 LEGO®, CIÊNCIA E COMO A NOÇÃO DE JOGO PODE GERAR DIFERENTES TEORIAS
NO UNIVERSO DO TEATRO
A relação entre jogo e ciência está presente na obra de Huizinga (2001). Para ele, a
competição é tão vasta entre os homens e aparece de maneira muito variada, como são
variados os prêmios que se podem ganhar. Segundo o autor, o princípio ”agonístico” está tão
presente no domínio do conhecimento e da sabedoria como nos jogos de competição
(HUIZINGA, 2001, p. 119). Conhecimento traz poder, e a disputa por ele está presente desde
os tempos do homem primitivo. Além disso, o desvelamento da “realidade” e da natureza se
dá por uma espécie de decifração de enigmas, como observa Huizinga (2001, p. 121), que cita
uma passagem do Rigveda22 indiano, na qual pergunta: “quem sabe, quem dirá aqui, de onde
veio a criação?”.
Por se sagrado e poderoso, o enigma é algo perigoso, afirma Huizinga (2001, p. 123),
e a vida do jogador está em jogo, haja vista Édipo diante da Esfinge. Os próprios gregos
tinham consciência da relação entre o jogo dos enigmas e a origem da filosofia. Os filósofos
se colocavam em clara posição de desafio e se portavam como campeões (HUIZINGA, 2001,
p. 130). No campo da matemática, também existe uma relação clara com os jogos de
adivinhação e os enigmas, um dos exemplos disso é o enigma de Diofante, criado por um
admirador do “pai da álgebra”, que é o próprio Diofante23. A ciência é regida até hoje por
disputas filosóficas e por soluções de enigmas, alguns insolúveis.
Kuhn (2007) também relaciona a ciência com o jogo – um jogo de regras. Segundo
Pena (2003, p. 52), um jogo de regra possui quatro características: há um claro objetivo a ser
alcançado; pressupõe alguma competição entre os jogadores; está sujeito a regras e, por fim,
possibilita a elaboração de estratégias, ou seja, a elaboração de meios para alcançar o objetivo,
analisar erros, as jogadas e planejá-las novamente.
Para Kuhn (2007), a ciência se dá por esses mesmos mecanismos e o conhecimento
científico se desenvolve por modelos (chamados por ele de paradigmas) e revoluções. Esses
22
Livro de cânticos sagrados da tradição Hindú.
23
Segundo o enigma, não se sabe a idade de Diofante, mas sabe-se que a juventude dele durou 1/6 de sua vida,
depois de mais 1/12 nasceu-lhe a barba; ao fim de mais 1/7 de sua vida casou-se e 5 anos depois teve um filho. O
filho viveu exatamente 1/12 do que viveu o pai e Diofante morreu apenas 4 anos depois de seu filho. Tudo isso
somado é o número de anos que Diofante viveu. A resposta é: x = x/6 + x/12 + x/7 + 5 + x/12 + 4, que se reduz a
3x/37=9, que se converte em x= (37-9).3 e, finalmente x igual a 84 anos.
28
modelos seriam semelhantes a imagens (que poderiam aqui também ser tomadas como as
hipóteses) que um jogador de Puzzle teria para montar um quebra-cabeças, enquanto que as
peças seriam os enigmas e desafios que o jogador/cientista enfrentaria. Pena (2003), partindo
da ideia de Kuhn (2007), propõe o modelo de teoria da ciência como um tangran, no qual
peças semelhantes podem gerar imagens diferentes. Isso apresenta o valor simbólico do jogo.
No Puzzle, já existe uma peça/imagem pré-definida na qual o jogador deve se espelhar para
tentar montar o seu quebra-cabeça. O número de peças é pré-definida e o resultado esperado
deve ser igual ao do modelo. No tangran, por outro lado, existem apenas sete peças, com as
quais o jogador pode montar infinitas figuras utilizando-as tão somente.
Como crítica a esses dois modelos, pode-se mencionar o fato de que, como nos lembra
Pena (2003), a ciência tenta realmente reconstruir quebra-cabeça do tipo Puzzle para tentar
remontar “fotografias” dadas de antemão. Contudo, essas “fotografias” não existem, conforme
menciona o autor, pois são hipóteses e o jogador/cientista, para compor essa “fotografia”, usa
inúmeras peças para tentar remontar a imagem (entendida aqui como hipótese e enunciado, da
qual deduzem-se experiências). Em um quebra-cabeças tradicional, o surgimento de novas
peças ou a falta de outras, ou ainda, a sua reorganização, resulta no abandono do jogo, pois
não é possível remontar a figura. Ocorre uma ruptura e é preciso criar uma outra imagem.
(PENA, 2003, p. 53-55).
No modelo proposto por Pena (2003), o tangran possui os mesmos fundamentos do
quebra-cabeça do tipo Puzzle: a tentativa de reunir peças para montar uma figura. Segundo o
autor, pode-se dizer que o princípio filosófico é o mesmo. No entanto, no tangran é possível
chegar a figuras diferentes com o mesmo número de peças (sete), mudando-as de lugar, e isso
não é uma anomalia. Em termos científicos, equivale dizer que mudam-se os modelos sem
mudar as regras e que partindo de pressupostos semelhantes pode-se chegar a conclusões
diferentes.
Valendo-se de outra metáfora, podemos utilizar o Lego® como modelo para uma teoria
da ciência, partindo dos mesmos pressupostos de Kuhn (2007). Neste jogo, todavia, não
existe limite para o número de peças, apenas modelos de peças. É possível, por exemplo,
montar um barco de Lego® com poucas ou muitas peças, e esse barco pode ser uma réplica
muito próxima de um barco real, ou um modelo que só abstratamente pode parecer um barco.
O número de peças empregadas na confecção do objeto pode ser comparada ao repertório
linguístico ou ao vocabulário científico do investigador e a qualidade da peça criada é
equivalente ao domínio do repertório científico de um determinado pesquisador. Usando esse
modelo, podemos justificar, por exemplo, como é possível, utilizando-se de um mesmo
29
conceito (o jogo, por exemplo), elaborar um artigo de poucas páginas, um T.C.C, uma
dissertação ou uma tese de doutorado. A habilidade do jogador/cientista neste modelo tem
influência marcante, pois um jogador habilidoso pode montar com poucas peças um barco
pequeno (por exemplo um T.C.C) muito bem montado e convincente enquanto outro pode
criar um belo Titanic (uma tese de doutorado mal escrita, por exemplo) que pode utilizar
muitas peças mas, semelhante ao seu co-relato real, é incapaz de suportar além de sua
primeira viagem.
Esse modelo de ciência como Lego® pode servir para ajudar a compreender porque
conceitos semelhantes ao jogo, teatro, representação e outros, como os que aparecem no Jogo
Dramático e no Jogo Teatral, no jeu Dramatique e no método de drama, podem gerar teorias
tão distintas quanto as aqui citadas.
Para entender a ideia de ciência como jogo é preciso entender que a palavra “jogo”,
para o teatro, é uma peça fundamental nesse brinquedo conceitual24 que estamos empregando
aqui. Para se ter uma ideia da importância da palavra jogo no campo do teatro, o dicionário de
Pavis (2001, p. 219 - 223) designa todo o capítulo destinado à letra “J” à palavra jogo. Pavis
(1999) relaciona jogo e teatro e parte de Huizinga (2001), que afirma o seguinte:
Sob o ângulo da forma pode-se [...] definir o jogo como uma ação livre, sentida
como fictícia e situada fora da vida comum, capaz, não obstante, de absorver o
jogador; uma ação despida de qualquer interesse material e de qualquer utilidade que
se realiza num tempo e espaço circunscritos, desenrola-se ordenadamente de acordo
com determinadas regras e provoca, na vida, relações de grupos que se compõem
voluntariamente de mistério ou que acentuam pelo disfarce sua estranheza diante do
25
mundo habitual. (HUIZINGA, apud PAVIS, 1999, p. 220)
Pavis diz que a definição de Huizinga pode ser dada como suficiente para o jogo
26
teatral , pois a ela não falta nem à ficção, nem à máscara, nem à cena delimitada, nem às
convenções. Mesmo que se possa pensar no corte radical que separa o palco da plateia e os
intérpretes dos espectadores, não há, segundo Pavis, representação teatral sem cumplicidade
de um público, e a peça só tem possibilidade de dar certo se o espectador jogar o jogo,
“aceitar as regras” e interpretar o papel daquele que sofre ou daquele que se safa, se está
assistindo à representação.
24
Refiro-me à metáfora entre Lego® e ciência.
25
Não há a intenção de repetir gratuitamente a definição de Huizinga, mas sim de mostrar como Pavis se
apropria do conceito. Vale notar que nas referências ao verbete “jogo” de seu dicionário (p:221) não consta
Huizinga, mas aparece Caillois, que usa esta mesma definição em seu livro, o que nos leva a pensar na
possibilidade de Pavis ter citado Huizinga por meio de fontes secundárias.
26
Nesse caso, a expressão não se refere diretamente à idéia de Jogos teatrais de Spolin.
30
27
Da mesma forma, não há aqui o interesse de repetir Caillois e sim mostrar como Pavis se apropria do
pensamento de Caillois e o reinterpreta, dando aos conceitos de Agon, Alea,Mimicrye Ilinx um significado
adequado à reflexão teatral.
28
Apontamentos para “Os Físicos”: 1) Não parto de uma tese e sim de uma história; 2) Se partimos de
uma história ela deve ser pensada até o fim; 3) Uma história foi pensada até o fim quando teve como meta a pior
das possibilidades; 4) A pior das possibilidades é imprevisível. Ela aparece por acaso; 5) A arte do dramaturgo
consiste em colocar o acaso numa ação de maneira mais efetiva; 6) Os portadores de uma ação dramática são
31
p. 91). Pavis (1999) assegura que os meios mais concretos de encontrarmos relação entre o
elemento aleatório e “performance” estão no psicodrama, no jogo Dramático e no
Happening e, embora não seja citado por Pavis, esse elemento aleatório da construção
narrativa também está presente, sobretudo no jogo de RPG – na agência dos jogadores, nas
suas tomadas de decisões, e não no uso dos dados, como a ideia nos faz supor - pois é a ação
dos personagens dos jogadores, que não sabem o que os espera no ambiente de ficção criado
pelo mestre de jogo. O Mestre planeja sua trama sem também saber que decisão os jogadores
tomarão ao se deparar com seu enredo. É dessa forma que se desenvolve o jogo.
Ilinx (vertigem): Para este aspecto do jogo, o teatro não joga fisicamente com o corpo
dos espectadores manipulados até sentirem vertigem, mas simula perfeitamente as situações
psicológicas mais vertiginosas, na visão de Pavis. A identificação e a catarse são, para o autor,
semelhantes a uma escorregadela em zonas indefinidas de fantasia ou “escorregões de
prazer”.
As categorias apresentadas acima, antes de servirem para repetir o que já foi dito sobre
o jogo, têm a finalidade de demonstrar como uma ferramenta conceitual passa de um
determinado campo do conhecimento (por exemplo, Sociologia, em Caillois) para outro
(Teatro, em Pavis). Ou seja, com as mesmas peças de Caillois, Pavis construiu uma definição
ao mesmo tempo semelhante e diferente da noção de jogo e representação. Podemos
identificar aqui uma base conceitual comum que liga a noção de jogo em geral às noções de
jogo no campo das artes cênicas, tais como elas aparecem, por exemplo, no Jogo Dramático,
nos Jogos Teatrais, no Drama e no ROLEPLAYING GAME.
Para observar essas relações entre o conceito de jogo e suas aproximações e
diferenças, podemos citar Sandra Chacra que, em seu trabalho, procura definir a natureza e o
sentido da improvisação teatral, apontando semelhanças e diferenças entre o Jogo Dramático e
o Jogo Teatral. Ao definir a relação entre a ação teatral e o texto dramático, Chacra esclarece
que este nunca foi uma ação voluntariamente literária, mas sim um “jogo sagrado ou ritual
homens; 7) O acaso numa ação dramática consiste em o quando e o onde e o quem encontram quem; 8) Quanto
mais planejadamente agem os homens tanto mais efetivamente serão encontrados pelo acaso; 9) Homens que
agem planejadamente desejam chegar a certo fim. O acaso atinge-o da pior maneira possível se, por seu
intermédio, alcançam o contrário do seu fim: aquilo que temiam, aquilo que evitam (p. ex. Édipo); 10) A
história, assim, pode ser grotesca, mas não é absurda (desprovida de sentido); 11) Ela é paradoxo; 12) Tanto
quanto os dramaturgos, os lógicos não podem evitar o paradoxo; 13) Tanto quanto os lógicos, os físicos não
podem evitar o paradoxo; 14) Um drama sobre físicos tem que ser um paradoxo; 15) Não pode ter como tema a
física, mas apenas seu efeito; 16) O conteúdo da física interessa aos físicos, o seu efeito aos homens; 17) O que
interessa a todos só todos podem resolver; 18) Toda tentativa de um indivíduo em resolver sozinho o que a todos
interessa tem de fracassar; 19) A verdade aparece em paradoxos; 20) Quem se antepõe aos paradoxos expõe-se à
realidade; 21) A dramaturgia pode convencer o espectador a expor-se à realidade, mas não pode obrigá-lo a
enfrentá-la ou até mesmo dominá-la. (DÜRRENMATT, 1966, p. 91 – 92).
32
ROLEPLAYING GAME, antes de definir um tipo de jogo em si, traz em sua etimologia
a ideia de jogo e representação de maneira duplicada: tanto a palavra role quanto o verbo to
play indicam a atuação de papéis, sendo que a palavra role designa tanto papéis sociais quanto
personagens, ainda que para esta última exista a palavra character. A palavra play, como já
vimos anteriormente, indica tanto jogar como representar. Game designa jogo.
ROLEPLAYING GAME duplica tanto a ideia de jogar quanto a de atuar um papel (Game +
Playing para jogar e Role + playing para jogo de papéis). A necessidade de possuir um juiz ou
árbitro (Mestre de jogo ou Narrador, dependendo do sistema) faz essa atividade assemelhar-se
mais ao universo dos jogos esportivos e competitivos (Agon) enquanto a noção de
personagem, o uso de estratégias narrativas, o tipo de imersão no ambiente de ficção e a ideia
presente de cenário, figurino e outros elementos cênicos o aproxima do universo literário e
teatral (Mimicry).
O funcionamento do RPG parte daquilo que Huizinga chama de “Como se”, que para
Stanislavski é chamado de “Se Mágico” (STANISLAVSKI, 1999, p. 92). A esse
respeito, um dos principais autores de jogos de RPG, Jackson (1994), autor do sistema
GURPS, afirma:
33
Este “como se” parece ser um elo entre a ideia de representação e a de jogo. Contudo,
cabe perguntar: O RPG é mesmo um jogo de representação? O que é representação e que
outras categorias existem na relação entre o jogador/ator e o papel/personagem? Qual a
diferença entre representar, interpretar, atuar e jogar papéis?
Segundo Ferracini (2010), o problema entre associar ou distinguir interpretação e
representação tem ocupado a discussão acadêmica nas últimas décadas. No LUME29, as
indagações a este respeito partem de Burnier (2001 apud FERRACINI, 2010), para quem
haveria uma distinção entre representar e interpretar. Para Burnier, a interpretação do ator
navegaria por uma leitura, releitura e recriação de um texto literário ou dramático ao qual o
ator se colocaria intencionalmente no território do texto literário ou dramático. Isso
corresponde a dizer que o texto é o movente da atuação teatral e que, segundo Burnier, seria o
texto o deflagador de outros processos criativos que gerariam outros textos, tais como o texto
vocal, corpóreo, psicológico e outros. Sob essa tese, quando alguém interpreta um texto, faz
uma espécie de tradução do texto literário para o texto cênico além de desempenhar um papel
intermediário entre o ator e o espectador (FERRACINI, 2010, p. 309).
O problema dessa perspectiva, do ponto de vista de Burnier (2001 apud FERRACINI,
2010), é o fato de que, ao construir ações físico-vocais para gerar uma semelhança psicológica
com o personagem do texto literário, o ator estaria diminuindo a sua potência comunicante.
(FERRACINI, 2010, p.310).
Buscando um conceito diferenciador, Burnier propôs o termo representação.
Supostamente, a representação ampliaria o potencial comunicante do ator, pois não haveria
tradução30 e a tarefa de interpretar estaria a cargo do espectador. Ele supunha existir na
representação um deslocamento interpretativo. Para o ator, isso indicaria que o “personagem”,
nesse contexto, viria antes do texto, já que o ator teria um repertório de ações físicas e vocais
29
Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais. Fundado por Luis Otávio Burnier, Carlos Simione e Luise
Garcia, em 1985, surgiu como um núcleo artístico vinculado à Universidade Estadual de Campinas e vem desde
sua origem pesquisando metodologias de trabalho expressivo para o ator. Renato Ferracini é um de seus
membros.
30
Ou seja, transposição do texto literário para o teatral, conforme já foi apresentado a respeito da noção de
interpretação.
34
de uma linhagem poética de defensores da ideia da ação física31. A intenção era estabelecer
um tipo de teatro que se distanciasse daquele que tem o texto como referência central, o que
levou à criação de um novo território poético teatral. Ferracini diz que hoje essa guerra
conceitual arrefeceu e não faz mais sentido querer afirmar uma diferença em relação a um
centro hegemônico de significância, ou seja, afirmar alguma espécie de “logocentrismo”.
Segundo ele, o território da arte cênica passou a ser, nas considerações contemporâneas, uma
multiplicidade de procedimentos cujos processos de criação não são lineares, mas sim
pautados em uma completa independência dos seus elementos, dramaturgias e influências e
não existe mais um modelo a ser seguido (FERRACINI, 2010, p.320 - 323).
Diante do exposto, ao invés de pensar na noção de interpretação ou representação,
pode-se pensar na atuação como processo em si, baseando-se em Ferracini (2010). Nesse
caso, o mais importante é a capacidade operacional da atuação de possibilitar uma relação
dinâmica dos elementos cênicos, sejam eles quais forem dentro das opções dramatúrgicas.
No entanto, se voltarmos um pouco no texto, veremos que esta atuação apresenta
alguns elementos para ocorrer que se relacionam com o jogo. Vejamos:
Mesmo que consideremos que o ator interprete ou represente, que o dançarino dance
e o performador performe, todos eles atuam no espaço-tempo entre elementos
cênicos na busca de gerar um possível território poético. Atuam pela ação mesma de
atuar, de modificar, de possibilitar, de experimentar. O ator atua com sua
interpretação ou representação, assim como o dançarino atua com sua dança e o
performador atua com sua performance. (FERRACINI, 2010, p. 329).
31
Ideia que surge com Stanislavski e se desenvolve com uma série de encenadores como Meierhold, Grotowski,
Eugênio Barba. Como referência principal do LUME, destaca-se Etiènne Decroux, que também parte de um
dado modelo de ação física para o ator, mas que não pertence diretamente à mesma árvore genealógica artística
de Stanisláviski, e sim descende conceitualmente de Jacques Copeau.
36
produz riqueza material diferente daquilo que está sendo feito), regulamentada (pois toda
atuação segue certos princípio internos) e fictícia.
Além disso, se trocarmos, na citação acima, a palavra atuação pela palavra jogo, bem
como atuar por jogar, a frase fica da seguinte maneira:
Mesmo que consideremos que o Mesmo que consideremos que o
ator interprete ou represente, que o ator interprete ou represente, que o
dançarino dance e o performador dançarino dance e o performador
performe, todos eles atuam no espaço- performe, todos eles jogam no espaço-
tempo entre elementos cênicos na busca tempo entre elementos cênicos na busca
de gerar um possível território poético. de gerar um possível território poético.
Atuam pela ação mesma de atuar, de Jogam pela ação mesma de jogar, de
modificar, de possibilitar, de modificar, de possibilitar, de
experimentar. O ator atua com sua experimentar. O jogador joga com sua
interpretação ou representação, assim interpretação ou representação, assim
como o dançarino atua com sua dança e o como o dançarino joga com sua dança e o
performador atua com sua performance. performador joga com sua performance.
(FERRACINI, 2010, p. 329). (Adaptação ao texto de FERRACINI,
2010).
É possível notar com esse quadro, que o sentido da afirmação de Ferracini não muda
significativamente quando se troca a palavra atuar por representar. O verbo jogar dá conta
tanto da ideia de atuação, quanto de representação quanto, ainda a de interpretação. Abarca a
noção de interação, até porque a palavra inter – agir duplica o conceito de ação e atuação.
Atuar é agir. Se o teatro é um jogo, num jogo não se age, se joga, ou se joga “agindo como
se”. Agir, atuar, representar ou interpretar são formas de jogar. Poder-se-ia dizer que se
escolhe a forma de jogar conforme a “modalidade” de jogo. Pode ser jogo dramático, jogos
teatrais, Drama, perfomance, ROLEPLAYING GAME, teatro épico, jogo de papéis, teatro
fórum ou qualquer outro gênero.
Como vimos acima, tanto a noção de jogo de Huizinga (2001) quanto a de Caillois
(1994) dão conta do trabalho do ator, bem como a etimologia da palavra jogo, quando
aplicada ao conceito de representação/interpretação/atuação resume todas essas palavras e
ainda define a execução de instrumentos musicais, atividades esportivas, jogos de sedução,
negociações e uma série de outros conceitos, conforme demonstram os autores citados. Vale
lembrar que o termo jogo, em outros idiomas define tanto representar quanto atuar, de modo
37
mesmo ator. Pode-se dizer que a palavra papel é fundamentalmente empregada como uma
metáfora e tem valor equivalente ao de personagem. Como tipo de personagem, o papel está
ligado a uma conduta específica. Ele não costuma ter característica individual alguma, mas
reúne características típicas de determinado comportamento ou classe social (como o papel do
ciumento, o papel do corno, etc...). Quando empregado como tipo, o papel pode aparecer
como O Soldado, A Empregada. Pavis (1999) afirma que termo técnico papel situa-se no
nível intermediário entre o actante e ator (no qual estariam definidos, por exemplo, as
máscaras da Comméida dell’arte), instância antropomórfica e figurativa (PAVIS, 1999, p.
275). Do ponto de vista psicológico, a noção de papel está ligada às relações interpessoais e o
lugar que as pessoas ocupam nessas relações. Neste caso, temos, por exemplo, o papel do Pai,
Filho, Chefe, Líder, etc.
É interessante notar que tanto a definição de papel quanto a de personagem estão, em
sua origem, ligadas não ao ator e à atuação/representação/interpretação, mas a objetos
concretos como um rolo de madeira para papel (rotula) ou com uma escultura que se colocava
no rosto do ator para máscara.
A pergunta que decorre dessa constatação é: do ponto de vista do jogo, que relação a
noção de papel e personagem agregam ao conceito de jogo? Jogar papéis, atuar, representar
são níveis de profundidade desse jogo. No RPG, temos papéis no sentido social (o papel do
mestre, dos jogadores, dos NPCs, etc) e temos personagens quando os jogadores investigam
possibilidade de elaboração de seus seres ficcionais nas fichas. A ficha brinca com o universo
do papel, é papel no sentido literal, mas induz a uma máscara, uma persona.
Se observarmos, por exemplo, o modelo de fichas de personagem do sistema Vampiro
(HAGEN, 1994, p. 270), no campo da descrição do personagem na parte superior da ficha
existem dois campos destinados a descrever natureza e comportamento. Nestes, o jogador
deve inserir alguns arquétipos de personagens sugeridos pelo sistema de jogo ou escolhidos
pelo jogador em consenso com o mestre. Segundo Hagen,
Alargando um pouco mais as fronteiras da noção de jogo, no campo das artes cênicas,
encontramos a relação entre jogo e teatralidade presente na obra de Féral (2004). Ela afirma
35
que a condição sine qua non da teatralidade é a criação de um “espaço outro” , dentro do
32
A Ciméria é uma região Fictícia de onde vêm os bárbaros nos contos de Robert Ervin Howard.
33
Conan – O Bárbaro é uma criação de Robert Ervin Howard (1906 -1936). Além de criar as narrativas do
famoso guerreiro cimério, Howard também escreveu histórias de boxe, detetive e faroeste. É considerado, ao
lado de J.R.R Toukien – criador da trilogia de O Senhor dos Aneis - o responsável por transformar os contos de
fantasia em uma febre entre os jovens, especialmente após os anos 50. Suicidou-se aos trinta anos, após a morte
da mãe por tuberculose. Suas histórias influenciam leitores até hoje e os jogos de RPG devem muito à sua
produção literária e artística.
34
Tive um jogador que criou um personagem assim. O nome do personagem era Lírio – O Colosso. Infelizmente,
não possuo mais a ficha desse personagem. Ele formava uma dupla hilária e impagável junto com Natanael – o
guerreiro que achava que era Deus.
35
Essa ideia de espaço outro pode ser encontrada em Huizinga (2001, p. 43) e está presente na ideia de “espaço
transicional” de Winnicott que Féral utiliza para fundamentar o conceito de Teatralidade que, segundo ela, pode
ser resumido da seguinte maneira:
“O espaço transicional está ligado ao objeto transicional que a criança usa para captar a realidade. No
processo de separação que a criança faz com a mãe, ela se utiliza de bonecos e brinquedos para conseguir dar
40
universo do real, onde a ficção possa surgir (FÉRAL, 2004, p.93). Esta condição, segundo ela,
é própria do teatro, no entanto, ela afirma que não seria somente o teatro o único produtor de
tal efeito de teatralidade. Ela comenta que a teatralidade do teatro repousa sobre o ator
movido por um instinto que o instiga a transformar o real que o circunda. Isso significa que o
conceito de teatralidade apresenta nesse ponto dois elementos, ou melhor, duas polaridades:
eu (ator) e o real, como interventores, como o lugar de emergência da teatralidade e também o
seu resultado. Segundo a autora, as modalidades de relação que se estabelecem entre essas
polaridades (ator e ficção) estão dadas pelo “jogo”. Eles estão dispostos por três pólos de
relação que definem o processo de teatralidade, segundo o seguinte modelo:
Ator....................................Ficção
Jogo cênico
Este diagrama proposto por Féral (2003, p.93) coloca a noção de jogo no centro da
questão da teatralidade. Ela entende o jogo como um “aqui e agora de um espaço outro”
(FÉRAL, 2003, p. 96) que se estabelece por uma codificação tácita entre os jogadores e entre
e os espectadores, e ressalta que os objetos e o espaço, nesse contexto de teatralidade,
convertem-se em objetos e espaços teatrais – espaços de ficção. Esses espaços são delimitados
por quem faz e também (e principalmente) por quem vê e dá o valor para o que é visto.
Numa outra perspectiva, a questão do jogo sob a ótica da performatividade aparece
aqui como processo elaborado pelo ato da fala. Para Austin (1990), o dizer pode realizar um
ato. Quando o falar realiza um ato (como o “sim” no casamento, que sela o matrimônio), esta
ação passa a ser chamada de ato performativo. Se observarmos os performativos de Austin do
ponto de vista da teoria dos jogos, notaremos que estes têm vários elementos constantes nos
jogos. Por exemplo: têm regras claras, cujo não cumprimento compromete a realização do ato
performativo; criam um “espaço outro”, compartilhado pelos que estão na situação criada pelo
performativo; exigem engajamento das partes envolvidas no performativo, entre outras
características. Os atos de fala são, de certa forma (se observarmos sob o ponto de vista de
Huizinga acerca da linguagem), jogos de linguagem.
sentido ao mundo. Esses objetos permitem que a criança se apodere do mundo porque, de certa forma, fazem
parte do seu corpo.” (FÉRAL, 2003, p. 41).
41
Sonia Rodrigues (2004, p.65) define o RPG como um jogo de produzir ficção. É uma
atividade que se realiza basicamente por meio oral. Sua pesquisa partiu dos jogos da
modalidade de mesa, e por isso sua visão do jogo está relacionada ao uso da fala. É
importante, primeiramente, compreendermos os jogos de mesa, pois eles originaram o jogo ao
vivo (Live Action ou LARP), que foi trabalhado nesta dissertação, e contribuíram para o
surgimento de problemas com o excesso de diálogo.
Segundo Rodrigues (2004), a origem do ROLEPLAYING GAME está ligada aos jogos
de guerra e aos livros de Tolkien36. É um jogo de representação/interpretação/apresentação
com uma enorme ênfase na elaboração de personagem. Normalmente, os livros de RPG têm
capítulos inteiros a respeito da elaboração de personagens e alguns sistemas têm até livros de
suplementos inteiros dedicados a esse tema. Além disso, os livros sempre trazem instruções
de como elaborar cenários e enredos para o jogo.
O mestre de jogo sempre inicia o jogo descrevendo o lugar onde a aventura se passa,
(descreve) as características dos personagens e leva a história até o ponto onde os
jogadores começam a atuar, colocando surpresas para os jogadores resolverem. Os
jogadores são responsáveis pela ação e iniciativa dos personagens (RODRIGUES,
2004, p. 66).
36
Autor da série de romances O senhor dos Anéis e O Hobbit.
37
No sentido de que é o mestre o responsável por criar e descrever o ambiente de ficção. Nos jogos de RPG de
computador, o Designer do jogo faria um pouco esse papel. Já no MMORPG, o mestre do jogo e o Designer são
papeis ocupados por pessoas diferentes. Como acabam sendo muitos mestres de jogo, no MMORPG estes
costumam ser jogadores que são promovidos para este posto.
42
38
Às vezes chegando ao nível dos arquétipos. Hagen cita Jung em seu livro sobre os vampiros e os chama de
“arquétipos”. Em sua folha de rosto do Livro “Vampiro – A Máscara” consta: “(...) Para ser claro, vampiros não
são reais. Existem apenas como arquétipos que nos ensinam sobre a condição humana e a fragilidade e o
esplendor daquilo que chamamos de vida” (HAGEN, p. 1). A palavra “arquétipo” aparece também em inúmeras
páginas durante o texto (p. 107, 116, 140, 141).
39
Em nossa prática também usamos um grupo de player testers que contribuiu significativamente para a
pesquisa, inclusive cedendo entrevistas posteriores. No capítulo quatro apresentaremos o grupo.
40
Autora de livros da série Entrevista com Vampiros que deu origem ao filme homônimo inspirado no romance.
41
Autor do romance Drácula, que deu origem ao filme homônimo dirigido por Francis Ford Copolla.
42
Criador da história em quadrinhos “Sandman”.
43
O RPG não é oriundo do universo teatral. Sua origem está ligada aos jogos de
tabuleiro do tipo Wargames43. Schimit (2008, p. 29), em sua dissertação de mestrado,
apresenta um breve histórico do RPG e nos fornece detalhes que normalmente são pouco
aprofundados na maioria dos materiais escritos sobre a origem do jogo. Ele destaca que
Dungenos&DrAgons (D&D) pode ser considerado, de fato, o primeiro RPG autêntico. Ele
cita o jogo de xadrez “gô” e o Kriegespiel como antecessores do D&D. Segundo nos relata
Schimit (2008), o criador de D&D, Deve Arneson é um jogador de wargames fortemente
influenciado por ficção de fantasia medieval e leitor de “O Senhor dos Anéis”44. Ele
desenvolveu seu próprio modelo de cenário45 para um tipo de wargame que estava testando –
Chamado Blackmoor- que era uma derivação de um outro jogo de tabuleiro chamado
Braunstein. Arneson importou para o seu jogo a ideia de evolução de personagem dos outros
jogos. Este jogo foi aos poucos também absorvendo a utilização de fichas de personagens e
adquirindo uma dinâmica de, ao mesmo tempo, independência e interdependência entre os
personagens. As fichas de personagens, no início, eram pré-estabelecidas e, gradativamente,
foram substituindo as miniaturas que representavam os personagens dos jogadores. Segundo
Schimit (2008, p.29), cada jogador passou a manipular apenas uma única miniatura,
representando um único personagem, e não um exército inteiro, como era usual nos
wargames. Ainda segundo o mesmo autor, outra mudança importante46 foi o fato de que agora
os personagens tinham objetivos próprios e podiam ter objetivos comuns. Os jogadores não
lutavam mais uns contra os outros, mas trabalhavam juntos. Fez-se necessário o papel de um
juiz que conduzisse as miniaturas dos oponentes. Ele viria a evoluir para a figura do mestre do
jogo.
Apesar de Blacmoor já poder ser considerado o primeiro RPG, Arneson não havia
sistematizado regras - e estas mudavam de sessão para sessão de jogo (SCHIMIT, 2008, p.
30). Foi então que Arneson conheceu Gary Gigax, um especialista em desenvolver regras de
jogo, que elaborou um sistema de jogos de tabuleiro para cenários de batalhas de fantasia
43
Como veremos adiante, wargame é um tipo de jogo de tabuleiro, com características de combate que simula
um campo de batalha. É um jogo de estratégia. Os principais representantes desse jogo são o Xadrez, o
Kriegspiel e o War.
44
De J.R Tolkien.
45
No jogo de RPG costuma-se chamar “cenário” o ambiente de ficção ao qual o jogo se desenvolve. Não
confundir com “cenografia”.
46
Vinda dos jogos Strategos e Braunstein
44
Segundo Schimit (2008), “Vampiro” popularizou o jogo de RPG e trouxe para o seu
universo um público que não costumava jogar RPG (SCHIMIT, p. 33). Além disso, ao
publicar “Mind’s Eye Theatre –The masquerade: second edition47 ( HAGEN, 1994), o autor
de “Vampiro – A Máscara” procurou popularizar uma modalidade de jogo até então pouco
explorada: A Live Action, ou LARP. Esta é uma modalidade de RPG mais “teatral” que,
diferente das outras modalidades de jogos que utilizam narração e miniaturas, usa o corpo e a
voz dos jogadores como material de representação. Alguns artifícios típicos das artes cênicas
são utilizados no LARP, tais como cenografia e figurino, para inserir o jogador no contexto do
jogo.
A partir da modalidade LARP foi possível colocar em jogo um grande número de
participantes interagindo ao mesmo tempo e interpretando os seus personagens. Dutton e
Freitag (1994) apresentam em seu sistema (NEXUS) a possibilidade de participação de 40
jogadores. Hagen (1994) não define um número mínimo ou máximo de jogadores para esta
modalidade. Independente disso, o número de jogadores de LARP é muito grande se
comparado com as modalidades de mesa e tabuleiro.
Em LARP, os jogadores envolvem-se em tramas que possuem três níveis.
Primeiramente, existe uma trama principal, ou seja, uma história central que amarra todos os
47
Esta “Second edition” refere-se à segunda edição de Vampiro – A Máscara, e não ao próprio Mind’s Eye
Theatre. Significa que o sistema de regras para Live Action é baseado na segunda edição do livro Vampiro – A
Máscara (cujo título em inglês é The Masquerade).
45
1.9 AS MODALIDADES
por seus computadores e isso permite que eles interajam com seu Avatar em um espaço
virtual muito extenso e se relacionem com personagens de outros jogadores. Eles conversam
através de diálogos de texto49 – semelhante a um chat50 de internet - e combinam estratégias
para cumprir as missões criadas pelos mestres. O Mestre, por sua vez, funciona mais ou
menos como um mediador desse chat da internet, podendo circular por todos os cenários,
tendo acesso aos personagens dos jogadores e à parte do sistema de programação do jogo.
Além de estabelecer desafios, ele pode excluir jogadores ou punir os infratores.
Já na LARP, os jogadores elaboram seus personagens por meio de fichas que
estabelecem as características desse ser ficcional que será usado para o jogo. Além disso, os
jogadores costumam caracterizar-se conforme seus personagens e atuam no espaço como um
teatro de improviso. O ambiente costuma ser cenografado, dando um ambiente real às
características do local onde se passa a ação do jogo. O Mestre fica responsável por montar a
história, criando normalmente um enredo que comporte a presença de muitos personagens
(normalmente mais de 20 jogadores). Em LARPS em que muitos jogadores participam, é
comum existir mais de um mestre. Os jogadores costumam se dividir em subgrupos51, o que
acaba gerando 3 níveis de trama: a trama principal – que justifica a presença de todos os
personagens no local do jogo; as tramas secundárias ou de subgrupos – que estabelecem os
diversos pontos de vista com relação à trama principal e também deflagram os primeiros
conflitos; e as tramas de personagens, que são definidas na relação entre o Mestre e os
jogadores, estabelecendo pontes entre os participantes e apresentando segredos e informações
relevantes para a trama, que levarão ao desenlace da história que será jogada.
Nos capítulos seguintes tratarei especificamente de LARP e apresentaremos esta
modalidade de maneira mais detalhada.
49
Nesse caso os textos não são predefinidos.
50
Chat é o termo empregado para os aplicativos de conversação em diálogo de texto em rede que acontecem em
tempo real. No Brasil usa-se o neologismo ‘bate-papo’.
51
Mas o uso de subgrupos não é uma regra obrigatória em LARP, existindo tramas de jogo em que os
personagens agem por conta própria.
47
possível. Nesse caso, o desenho apontado na ficha indicaria o modo como o jogador deveria
se vestir e os itens que o personagem tem deveriam ser carregados pelo jogador52.
A elaboração de um personagem em RPG é um pouco diferente daquilo que em teatro
pode ser chamado de “construção de personagem”, uma vez que no teatro as indicações deste
estão inscritas no texto teatral e o ator passa por um processo psicológico e físico para tornar
visível o personagem. No teatro dito dramático o texto é o elemento deflagrador da ação
teatral e o personagem é composto a partir daquilo que o texto dá. No RPG, o que determina
a elaboração do personagem é o contexto de ficção e o desejo do jogador de jogar com aquele
determinado personagem.
Nas partidas de RPG, costumam-se desenvolver histórias de aventura muito
semelhantes às dos filmes de ação e, por consequência, os personagens costumam ser
elaborados como heróis.
O RPG se apresenta como um jogo em que os participantes criam personagens por meio
de um sistema de regras e com um modelo de fichas de personagens que têm a finalidade de
descrever características fisicas e psicológicas além de uma série de habilidades que o
personagem apresenta. A finalidade do jogo é criar um ambiente coletivo para interação entre
os personagens. Em outras palavras, a intenção é criar um “espaço outro onde possa surgir a
ficção” que dialoga com a noção de teatralidade proposta por Féral.
Uma das modalidades desse jogo é a Live Action. Segundo Hagen (1994, p. 10), criador
do sistema de jogo “Vampiro – A Máscara” e divulgador do sistema de Live Action, o que um
jogador de RPG ao vivo deve ter em mente é que durante o jogo ele deve “mostrar, e não
53
contar” . Este princípio está no centro da noção de performance. Féral (2009) recorda que,
segundo Schechner (2006), a noção de performer, quer seja num sentido primeiro de superar
ou ultrapassar limites, ou ainda no sentido de se engajar num espetáculo, num jogo ou num
ritual, implica em três operações:
1. Ser/estar (“being”), ou seja, se comportar (“to behave”);
2. Fazer (“doing”). É a atividade de tudo que existe, dos quarks aos seres humanos;
52
Obviamente as armas são substituídas por objetos cenográficos correspondentes, semelhante ao que se faz em
teatro e cinema. Não se espera a permissão do uso de armas reais em jogos de RPG (JACKSON, 1994, p. 14).
53
O autor diz um pouco mais: “When you play a live game, you must keep in mind an old writer’s adage:
“Show, don’t tell.”(HAGEN, 1994, p. 10).
49
4. Explicar essa “exposição” do fazer (explaning showing doing). Tal ação (explaning
showing doing) é o campo dos pesquisadores e dos críticos e consiste em refletir
sobre o mundo da performance e do mundo como performance (performatividade).
Ele define o trabalho, o campo de ação dos Performances Studies. (FÉRAL, 2008,
p. 63).
Tais ações estão presentes no jogo de RPG. A noção de “ser” parte da criação da ficha
de personagem e da disponibilidade do jogador em colocar-se no papel a partir das diretrizes
que escolheu para seu personagem em conformidade e em diálogo com o universo de ficção
criado pelo mestre de jogo. Já a noção de “estar”, no contexto do RPG, refere-se a colocar-se
no papel de um mundo “outro” e aceitar as regras desse mundo de ficção tornando-se parte
dele. Tal noção está implicada com a noção de ser.
Outra noção importante é a de “fazer”. A noção de “fazer”, do ponto de vista da trama
de jogo, apresenta a possibilidade de ação dentro de uma narrativa pré-estabelecida e, além
disso, uma vez que o pré-texto do jogo é aberto, este “fazer” implica em transformar a história
por meio da interação entre os jogadores por meio da interpretação de seus personagens e,
dessa forma, encaminhar a história para onde seus personagens desejam ir. Outra coisa
importante sobre o “fazer” no jogo é que o diálogo entre os participantes tem papel
performativo (do ponto de vista de Austin54), uma vez que as conversas não têm a finalidade
de narrar, e sim, executam ações durante o jogo, tais como estruturar e selar acordos,
investigar fatos e inquirir os personagens a respeito de suas motivações, bem como é pelo
diálogo que os conflitos se estabelecem e, no jogo, é a partir dos conflitos que a trama se
desenvolve.
A terceira operação, “mostrar o que se faz”, é tarefa importante no jogo, conforme já
explicitado anteriormente. Se o diálogo ajuda no desenrolar da história do jogo, a ação física e
a caracterização do personagem revelam quem eles são aos demais jogadores e ajudam os
participantes a se envolverem com a história. Neste jogo, contudo, a ação física pode ser
pequena e quase cotidiana; no entanto, a ação de mostrar está presente e quanto mais evidente,
mais interessante para o jogo. Explicar essa “exposição” também entra no jogo de RPG, não
só como prática investigativa de teóricos, mas no próprio jogo, no momento da avaliação. Em
54
Para Austin, estes performativos seriam “impuros”, conforme nos recorda Schechner (2006. p. 124). Contudo,
ainda segundo Schechner, essa questão já foi liquidada por Derrida e não será aprofundada neste trabalho.
50
“Leis da Noite”, os autores desse sistema de jogo para modalidade ao vivo descrevem da
seguinte maneira o final de uma sessão de jogo:
Você irá descobrir que seus jogadores muitas vezes irão querer se reunir
imediatamente após o jogo, para comentar o jogo e fazer planos para futuras sessões.
Jogadores de A Máscara geralmente vêem apenas alguns pedaços da história cada
vez que jogam, e é divertido para eles descobrirem mais sobre o panorama geral. Os
jogadores gostam de relatar os eventos da noite segundo seus próprios padrões sobre
55
os eventos. Você deve manter os ouvidos abertos durante essas reuniões de
encerramento, para ouvir sobre interpretações excepcionais e complicações na
trama. (CARL; HEING; WOODWORTH, 2001, p. 237).
A avaliação acontece depois que cada time terminou de trabalhar com um problema
de atuação. É o momento para estabelecer um vocabulário objetivo e comunicação
direta, tornada possível através da atitude de não julgamento, auxílio grupal na
solução de um problema e esclarecimento do Ponto de Concentração. Todos os
membros, assim como o professor-diretor, participam. (SPOLIN, 2000, p. 24).
Estas falas evidenciam que o plano do explicar essa exposição do fazer (explaning
showing doing) é uma atitude muito mais ampla do que teorizar sobre o feito, é antes de tudo
apropriar-se do feito e a partir dele refletir sobre a prática e dividi-la com os outros.
Quanto ao ato de mostrar (showing doing), encontramos, neste ponto, uma dificuldade
com relação ao RPG, pois pelo fato de as ações dos jogadores assemelharem-se às ações
cotidianas, cria-se uma dificuldade de distinção entre o ficcional e o real, que é característica
desse jogo. A ficção – o terceiro termo daquele diagrama apresentado por Féral, sendo os dois
outros o ator e o jogo cênico – é o elemento que põe em jogo o real (FÉRAL, 2003, p. 97).
Mesmo sendo discreta a ação do jogador quando comparada à de um ator, suas ações
podem ser lidas como signos pelos outros jogadores e remetem a um contexto de ficção.
Aliás, podemos inferir, a partir do pensamento de Féral (2003, p. 91), que a teatralidade
resultante destas ações dos jogadores de RPG não está nem no seu fazer, nem no seu mostrar
o feito, nem no contexto de ficção, mas sim, parte de um “olhar” que pode partir, segundo a
autora, tanto do “performer” (no sentido amplo da palavra que aqui pode ser entendido como
o jogador) quanto do espectador que pode criar aí um “espaço outro” que dê lugar à
emergência da ficção.
No caso do RPG, em que todos são jogadores e não há uma plateia, quem é o
responsável por esse olhar? Uma resposta possível é: um jogador em relação ao outro, pois
todos são interatores e observam um o jogo do outro para inserir na ação suas próprias
55
Referindo-se ao mestre de jogo ou narrador.
51
CAPÍTULO 2
A PRÁTICA
Nessas paragens do vago/
Onde toda realidade se dissolve/
Exceto à altitude/
Talvez tão longe que um local/
Se funde com o além.
56
( MALLARMÉ )
56
CAMPOS, A; PIGNATARI, D; CAMPOS, H. Mallarmé. 3ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1991.
57
Refiro-me aqui ao Drama como Método de Ensino, ou Process Drama (CABRAL, 2006. p.11)
58
Segundo Nilton Hitotuzi, o modelo de pré-texto do Drama Process, proposto por Cecyli O’Neill, caracteriza-
se por: A) Ser responsivo à transformação imaginativa; B) Sinalizar tensões, mudanças ou contrastes; C) Evocar
questões relativas ao binômio identidade-sociedade e poder-possibilidade; D) Gerar o mundo dramático com
economia e clareza; E) Propor a ação; D) Implicar transformação. (HITOTUZI, 2012).
59
Como é o caso de Leis da Noite, sistema para LARP da série Vampiro – A máscara (CARL; HEING,
WOODWORTH, 2001)
60
A Casa do Divino, um espaço pertencente ao Departamento Artístico Cultural da Pró-reitoria de Cultura da
UFSC, foi cedido para essa prática. O espaço faz parte de um conjunto, que data de 1911, da qual faz parte a
antiga igreja da Trindade, a antiga casa paroquial (atual teatro da UFSC) e a Casa do Divino, um complexo de
53
de dezoito jogadores do qual parte não tinha conhecimento sobre RPG, mas já conhecia teatro
e método de Drama, e outra parte conhecia o RPG, mas não possuía nenhuma experiência
com teatro. Havia ainda jogadores que não conheciam nem Drama nem RPG, mas já eram
atores com experiência teatral longa (mais de dez anos) e participantes que nunca haviam
jogado RPG nem participado de processos de Drama e sem experiência teatral. Esta etapa
serviu para testar o jogo e observar como o grupo respondeu às propostas do jogo e reagiu
diante de problemas emergentes.
A segunda etapa da pesquisa61, realizada na UDESC em cinco encontros, contava com
um grupo de quarenta alunos da graduação em Artes Cênicas, sendo que todos já haviam
passado por dois processos de Drama e possuíam boas referências sobre o método de Drama e
teatro. Alguns desses jogadores fizeram parte de ambos os processos, sendo que na primeira
prática apenas jogaram e na segunda assumiram um papel de auxiliar do mestre de jogo.
Foram realizadas entrevistas com parte dos jogadores e suas respostas serviram de
base para avaliar os problemas e discutir os procedimentos do jogo. Entrevistamos os quatro
jogadores que participaram das duas práticas (Joyce Andrade, Márcio Cardoso, Leandro
Lunelli e Carlos Longo), dois jogadores que participaram apenas da prática na UDESC
(Ketlin Serafim e Tainá Fronner) e três que só participaram da primeira prática (Rodrigo
Benza, Fernando Peiter Gonçalves e Katiúcia Heckler). A justificativa da escolha de cada
entrevistado se deu pela importância do entrevistado para o processo. No caso dos quatro que
participaram das duas práticas, estes foram entrevistados para que pudessem oferecer
informações sobre as diferenças existentes em cada processo. Ketlin e Tainá, que apenas
participaram do processo na UDESC, tinham papéis importantes para o jogo e sua atuação
auxiliou bastante o andamento das atividades; Rodrigo Benza foi escolhido por ter bom
conhecimento da área teatral (é professor universitário na área em seu país – Peru); Fernando
foi selecionado por ser mestre de RPG na modalidade MMORPG e estar escrevendo seu
Trabalho de Conclusão de Curso de graduação em Artes Cênicas sobre estímulos compostos e
suas possibilidades de relação com o jogo de RPG.
Além das entrevistas, vários jogadores enviaram seus relatos de experiência por e-mail
e alguns também preencheram fichas de avaliação. Todos esses dados se encontram nos
anexos. Nos apêndices é possível encontrar algumas fotos do processo realizado na Casa do
Divino.
quatro salas onde se realizam cursos e oficinas. Originalmente, foi construída para ser o espaço a se realizar a
Festa do Divino Espírito Santo. Em nossa prática, o espaço da Casa do Divino virou a Ilha de São Sebastião.
61
Infelizmente, os registros fotográficos dessa prática se perderam por um problema no cartão de memória da
máquina. Temos apenas os relatos de experiência e as entrevistas.
54
62
Em nosso jogo fizemos o movimento contrário. Um personagem da peça podia aparecer repetido entre vários
personagens no RPG.
55
poder a tal ponto que os implicados viam-se privados de qualquer condição de defesa
(RANGEL apud MILLER, 2009, p.X). O tema da caça às bruxas em Salém era uma clara
denúncia de caça aos comunistas. A peça apresenta-se como um manifesto político disfarçado
de drama histórico.
2.2 A FÁBULA
(Personagens por ordem de entrada)
Reverendo Parris;
Betty Parris;
Abigail Williams,
Susana Walcolt,
Sr. Ann Putnam;
Thomas Putnam;
Mercy Lewis;
Mary Warren;
John Proctor;
Rebecca Nurse;
Giles Corey;
Reverendo John Hale;
Elizabeth Procotor;
Francis Nurse;
Ezekiel Cheever;
Delegado Herrick;
Juiz Hathorne;
Danforth, representante do governo;
Sarah Good
Hopkins
As Bruxas de Salém
Durante esta discussão, entram Rebeca Nurse e Gilles Corey, pessoas conhecidas da
cidade. Gilles Corey é um homem que já passou por muitos tribunais, sempre como
requerente e venceu todas as vezes, portanto, conhece a leis. Rebeca Nurse, por sua vez, é
uma mulher bastante respeitada na cidade e é parteira da maior parte das crianças de Salém.
Ela e os Putnam têm certa rixa, por problemas com divisas de terras.
A filha dos Putnam (Ruth), que estava dançando na floresta com Betty, encontra-se
doente também, mas consegue falar e Betty não. Rebeca Nurse diz que a doença das meninas
é natural da idade e tem relação com o susto que tomaram.
Com isso, os adultos saem e entra John Proctor, dono de muitas terras na cidade. Ele é
homem honesto, mas carrega dentro de si uma angústia, pois traiu sua mulher com Abigail
Williams. John conversa a sós com Abigail sobre o relacionamento que eles tiveram e ela
pede Proctor em casamento, que, por sua vez, recusa severamente o pedido.
Quando Proctor sai, encontra os adultos da cidade. Ele discute com Putnam e Parris,
que o acusam de não estar frequentando a igreja. John diz que não se sente à vontade de
frequentar uma igreja em que o reverendo fala mais de dinheiro do que de Deus, como é o
caso de Parris. Putnam e Parris confessam haver um partido dentro da igreja e Putnam
desaprova esta condição enquanto continuam trocando acusações.
Em seguida chega o reverendo Hale, vindo de Bervely a pedido do reverendo Parris.
Hale é um grande estudioso de ciências ocultas, magia e bruxaria e é um investigador dessas
práticas. Ele começa a verificar os acontecimentos: primeiro examina Betty, depois Ruth,
enquanto as pessoas da cidade vão contando a ele as coisas que estão acontecendo no local.
Gilles Corey conta que sua mulher anda lendo livros estranhos, o reverendo Parris conta que
as meninas estavam dançando na floresta e o reverendo Hale acaba concluindo que forças
malignas estão agindo em Salém.
Depois de saber que Abigail Williams estava liderando as meninas na floresta, Hale
investe contra ela, acusando-a de maneira mais severa e realmente colocando-a em risco.
Abigail, para se defender, acusa Tituba de ser a responsável por organizar os rituais e ser
quem realmente estava fazendo as bruxarias, pois ela estava cantando na língua de Barbados e
foi ela quem conduziu todo o ritual.
A escrava, ao ser pressionada, disse que não estava fazendo nada, que só estavam
brincando, mas Ann Putnam (mãe de Ruth) afirma que sua filha confessou que a negra estava
falando com os mortos. Parris diz que ela será enforcada caso não confesse. Então ela acaba
confessando e acusa várias mulheres da cidade.
57
O segundo ato começa na casa dos Proctor. John Proctor conversa com sua esposa
Elizabeth sobre o tempo, o clima e as plantações. Elizabeth conta a Proctor que formaram um
tribunal na cidade para caçar as bruxas de Salém e que Abigail e as outras meninas estão
apontando quem são elas. Ao tratarem de Abigail, a conversa acaba se tornando uma
discussão de relacionamento. Eles estão com dificuldade de conviver e John acha que isso se
deve porque Elizabeth não o perdoou por sua traição com Abigail Williams. Elizabeth diz
que o perdão não cabe a ela e sim a ele, pois enquanto ele não se perdoar, ninguém o fará.
Mais tarde chega Marry Warren, serva dos Proctor e amiga de Abigail, que também
estava dançando na floresta. Ela começou a frequentar o tribunal como acusadora e dá uma
boneca de pano, que ela fez enquanto estava no tribunal, para Elizabeth. Até agora já foram
trinta e nove pessoas presas e condenadas à forca.
John fica muito furioso com o fato de Marry ter saído de casa sem sua autorização e
ameaça dar-lhe uma surra. Ela não concorda porque foi até lá para salvar a vida de Elizabeth,
por interceder quando esta foi citada no tribunal.
Elizabeth diz que Proctor deve ir à cidade conversar com Abigail e nisso chega o
reverendo Hale. Este começa a inquirir John e sua mulher, pois afirma que Elizabeth foi
citada e, portanto, ele gostaria de conhecer um pouco mais a família antes de formar qualquer
opinião. Ele começa perguntando por que John não vai à igreja e o motivo por não haver
batizado seu filho mais novo. Proctor diz não gostar do reverendo Parris, pois só fala em
dinheiro, e isso não condiz com o papel de um representante de Deus. Hale retruca, dizendo
não é função de Proctor julgar e pergunta se John conhece os mandamentos.
Proctor lembra de quase todos, mas esquece de um – a proibição do adultério. Quem
lembra é Elizabeth. Proctor então diz a Hale que juntos eles se lembram de todos e que isso
mostra que eles são tementes a Deus. Nesse momento chega o xerife Ezekiel Cheever,
dizendo que Elizabeth foi formalmente acusada por Abigail. Segundo Abigail, Elizabeth teria
enviado seu espírito para enfiar uma agulha em sua barriga e que isso é prática de (vodu)
bruxaria.
O xerife pede para que Elizabeth entregue todas as bonecas que tem em casa para
serem investigadas. Ela diz que não tem nenhuma boneca. Ezekiel manda revistar a casa e
encontra a boneca que Marry Warren deu à Elizabeth com uma agulha enfiada embaixo da
saia.
Cheever prende Elizabeth por bruxaria. Proctor fica possesso, diz que isso não é certo
e pede a Hale para interceder por ela. Ele diz que não pode fazer nada e Proctor o chama de
Pôncio Pilatos. Proctor então pega Marry Warren e manda-a dizer que foi ela quem trouxe a
58
boneca. Ela confirma, mas Hale afirma que não pode fazer nada, pois não é ele que está
conduzindo o tribunal.
Proctor então leva Marry Warren ao tribunal e a manda assinar uma carta de confissão
em que afirma nunca ter visto ou participado de bruxaria, nem ter visto a alma de ninguém lhe
fazer mal. Ele entrega a carta da Danflorth – presidente do tribunal e representante do governo
do estado – e afirma que Marry Warren nunca viu uma bruxa. Parris diz que John foi lá para
desacreditar o tribunal e Proctor rebate afirmando que apenas está lá para defender a sua
mulher.
Proctor diz que Mary fingia ao desmaiar durante as sessões do tribunal em que ela
dizia ver o Demônio. Parris começa a inquirir a menina, querendo desacreditar de Proctor.
Parris, então, manda Marry Warren fingir novamente. Ela diz que não consegue agora, mas
que todas as meninas estavam fingindo. Proctor diz que Abigail quer matar Elizabeth, pois
eles tiveram um caso e Abigail quer se vingar de Elizabeth.
Danforth então diz a Proctor que ele não precisa defender tão veementemente a sua
mulher, nem correr o risco de atacar o tribunal, pois ela está grávida. Se ela não estiver
mentindo, terá mais um ano de vida. Proctor não sabia que sua mulher estava grávida, mas
afirmou que ela nunca mente. Danforth manda chamar Elizabeth e proíbe Proctor de olhar ou
falar com ela. Danforth afirma que se ela confirmar a versão de John Proctor, ele acusará
Abigail de assassinato. Ela chega e Danforth então pergunta a Elizabeth por que ela mandou
Abigail embora de sua casa. Elizabeth, pensando estar protegendo o marido, diz que mandou
Abigail embora porque estava insatisfeita com o serviço e não comenta nada sobre o
adultério. Proctor diz a Elizabeth que ele contou a verdade ao tribunal e Danforth manda levá-
la. Hale admite que a mentira de Elizabeth é natural, pois queria proteger o marido.
Abigail declara que Marry Warren está enviando seu espírito para atacá-la. Embora
Marry declare que as garotas estão mentindo, logo cede à pressão das amigas e se junta ao
coro de acusação. Marry diz que Proctor está associado a Satanás e Danforth então acusa John
Proctor de mentir no tribunal e proteger uma bruxa. Procotor então vai preso. Hale declara
que os procedimentos estão completamente irregulares e deixa o tribunal.
Meses depois, Danforth se encontra com Parris e Hale. Eles estão preocupados, pois a
reação popular aos enforcamentos é extremamente desfavorável, já que são pessoas
importantes da cidade que estão sendo mortas pelo tribunal. Cheever diz que a cidade está
arruinada com tantas pessoas presas. Eles percebem que terão problemas e tentam convencer
Rebeca Nurse e John Proctor a confessar seus atos de bruxaria, pois isso melhoraria a imagem
do tribunal.
59
2.3 COMENTÁRIOS
“Para o mundo europeu, toda a província era uma fronteira bárbara, habitada por seitas de
fanáticos, que por sua vez estava exportando produtos de valor cada vez maiores” (MILLER,
2009, p.272);
“Não tinham romancistas – e nem permitiam que ninguém lesse um romance caso houvesse
um a disposição. Seu credo proibia qualquer coisa que se assemelhasse ao “vão prazer””
(MILLER, 2009, p. 272);
“Provavelmente, mais que a crença, o trabalho duro é que impedia que a moral do lugar se
estragasse, pois as pessoas eram forçadas a lutar como heróis contra a terra em troca de cada
60
grão de alimento e nenhum homem tinha muito tempo a perder com bobagens” (MILLER,
2009, p.273);
“Essa predileção pelo interesse da vida dos outros era uma tradição entre o povo de Salém e
sem dúvida criou muitas das suspeitas que veio alimentar a loucura que estava por vir”
(MILLER, 2009, p.273);
“No seu entender, a floresta era o último lugar da terra a não prestar homenagem a Deus”
(MILLER, 2009, p.273);
“Por motivos bons, até elevados, o povo de Salém desenvolveu uma teocracia, um poder que
combinava estado e religião e cuja função era manter coesa a comunidade, e impedir qualquer
tipo de desunião que pudesse deixá-los vulneráveis à destruição por inimigos materiais ou
ideológicos” (MILLER, 2009, p.275);
“A caça às bruxas foi uma perversa manifestação do pânico que se estabeleceu em todas as
classes quando a balança começou a pender para uma maior liberdade individual (...). A caça
às bruxas não foi, porém, uma mera repressão, foi também uma ótima oportunidade para
todos que sentiam necessidade de expressar sua culpa e seus pecados, sob a capa de acusações
contra as vítimas. (...)” (MILLER, 2009, p.275).
“O ódio entre vizinhos agora podia agora ser expresso abertamente e a vingança exercida,
apesar das injunções caridosas da Bíblia. A sede de terras, expressa por constantes disputas
sobre fronteira e heranças, podia agora ser elevada à arena da moralidade; Uma pessoa podia
chamar de bruxa uma vizinha e sentir-se perfeitamente justificada. Velhas rixas podiam ser
resolvidas num plano de combate entre Lúcifer e o Senhor e as suspeitas e a inveja que os
miseráveis tinham dos felizes podiam ser efetivamente explodidas em vingança generalizada”
(MILLER, 2009, p.276).
A partir do texto de Miller, busquei criar o clima do jogo. A ideia era reproduzir uma
situação parecida com as vividas pelo povo de Salém, porém buscando estabelecer vínculo
com as experiências que os jogadores traziam. Alguns pontos foram destacados e a partir dele
surgiu o pré-texto do jogo. São eles:
61
63
Conforme nos deixa claro a obra de Franklin Cascaes (1989); Esta também é uma temática recorrente nos
jogos de RPG, em temas como Mago: A Ascensão (1997), Vampiro: A Máscara (1994), AD&D (1994) e outros.
64
Como um Professor no Papel do Drama ou um mestre de jogo assumindo um NPC (Non Player Character –
Personagem assumido pelo mestre de RPG ).
62
Irmãos,
Bem vindos à ilha de São Sebastião! Um local com pouco mais de 20 mil habitantes
que vivem distante da costa, espremidos entre o mar e a floresta selvagem. Ninguém, nem na
capital, nem em parte alguma chamaria um amontoado de casas e um vilarejo como esse de
“cidade”, e de fato não é. Por ser uma ilha, distante dois quilômetros da costa, seu isolamento
faz parecer uma cidade, mas na verdade, o local não passa de um bairro de uma cidade satélite
da capital. No centro da ilha existe um pequeno comércio e casas de veraneio dos turistas,
mas a maior parte do lugarejo é formada por ruas de barro e a floresta que circunda as cabanas
é considerada tenebrosa pelos moradores, a própria imagem do inferno na Terra.
A vida aqui não é das mais tranquilas. A maior parte da população é constituída por
moradores nativos, pescadores. A religião local dominante é protestante; para os moradores,
a presença de Deus é marcante e a fé domina. A palavra de Cristo erige as leis e qualquer
outra vertente religiosa, seja de matriz cristã ou não, é mal vista. As outras religiões são vistas
como projetos do demônio para dominar a humanidade e construir na Terra o seu reino de
vilania.
A vida de um protestante verdadeiro é devotada para a fé, para o trabalho e para a
família. Porém, não é só a religião que move as pessoas para o trabalho nessa cidade. O vento
frio e a água gélida do mar, as dificuldades financeiras e, ainda, a esperança de construir na
nova terra um local de prosperidade longe da metrópole faz dos cidadãos, gente de trabalho,
coragem e devoção.
Por causa das dificuldades financeiras, muitos moradores têm vendido suas terras para
turistas estrangeiros (e também para gente da capital), o que vem causando uma gradativa
63
mudança nos costumes locais. A imagem da ilha espalhou-se devido ao interesse da mídia por
sua beleza natural. Isso melhorou um pouco a vida dos moradores, pois turistas começaram a
vir para a cidade e investir na compra de imóveis. Outras pessoas, na busca de trabalho, vêm
para a ilha atrás de uma vaga na construção civil e também procuram espaço para construir
suas próprias casas, pois no meio da floresta existem muitos terrenos ociosos.
Neste cenário, três grandes famílias dominam a comunidade: a família do pastor, a
família do vereador e a família do dono da empreiteira.
A família do pastor representa a unidade da fé na localidade. O pastor, casado com a
filha do atual vereador, tem alguns filhos e uma filha de 10 anos chamada Betty. Ele trabalha
incessantemente para manter a igreja em bom estado e luta para espantar o demônio da cidade
e ajudar cada fiel a prosperar financeira e espiritualmente, longe do jugo de Satã e da miséria.
O seu trabalho parece surtir efeito entre os fiéis, pois todos que entram na igreja, uns mais e
outros menos, prosperam pela fé.
O vereador (o único eleito na vila), sogro do pastor, era antigamente o chefe da
associação dos pescadores. Após o casamento de sua filha com o pastor, o apoio da igreja
ajudou-o a eleger-se como vereador. Ele também é casado, tem filhos e filhas de várias idades
e uma série de agregados, todos pescadores. Costuma passar três ou quatro dias da semana na
capital e os outros dias vem para a ilha de São Sebastião para ver como anda o trabalho na
pesca e para reunir-se com as suas bases políticas.
A família do dono da construtora é a mais rica da localidade. A área de abrangência do
trabalho da empresa é grande, com atuação fora da ilha. O chefe da família há muito tempo
entendeu que a vida na pesca não levava a nada e resolveu tornar-se um construtor. O
comércio crescente na vila, o turismo e a proximidade com a capital tornaram o lugarejo um
ótimo ponto para construir, tanto casas de veraneio quanto residências fixas. O empreiteiro é
casado, também tem filhos. É um homem de meia idade e muito bonito, o que atrai as
mulheres. Por conta disso, são famosas as brigas entre ele e sua esposa, muitas delas em
público. Apesar dessas cenas de ciúmes, sua conduta é muito correta e devota a Deus.
Nessa pequena vila um caso estranho se instaura. Noite após noite, velas, alimentos,
bebidas, e instrumentos estranhos têm aparecido nas ruas, esquinas e portas das casas. Para
piorar a situação, a filha do pastor, a pequena Betty, de apenas 10 anos, que é considerada
uma pequena joia entre os habitantes dessa localidade. Betty encontra-se seriamente doente.
Os médicos já informaram que desconhecem a causa e acreditam que se trata de fontes
malignas não naturais. O pastor tenta descartar a hipótese de uma presença demoníaca na
cidade, mas a notícia já se espalhou e obrigou o pastor a mobilizar investigação para verificar
64
Família do vereador:
Pertence a uma tradicional família de pescadores da ilha. Eles não tiveram grandes
oportunidades de estudar ou de viver em outros lugares e para eles a ilha é algo muito
importante. Todos na família trabalham na pesca e vivem a vida da associação dos
moradores. Já conseguiram muitas coisas para o povo da ilha: apoio para o combustível dos
barcos, licença para transporte de turistas em embarcações pesqueiras adaptadas e até terras
públicas para ampliação da igreja, entre outros.
Depois do casamento da filha do vereador com o pastor, a vida deles mudou bastante.
Sempre foram pessoas de fé, mas a vinda do pastor tornou o modo de vida deles muito mais
devoto à palavra do Senhor. Eles também pregam, pois , assim como o apóstolo Pedro, são
pescadores de peixe e também de homens.
No entanto, na política às vezes as coisas são um pouco diferentes. O construtor, anos
atrás, também tentou candidatar-se e prometeu casas novas aos pescadores, pois havia
ocorrido deslizamentos de terra na vila e algumas casas estavam condenadas. Essas
construções poderiam ser uma grande vantagem para todos, é verdade, mas isso tiraria deles a
liderança política do local, pois todos votariam no construtor caso isso desse certo. Além
disso, tiveram apoio financeiro durante a campanha de outra empresa de construção. Como a
66
empresa que os apoiava perdeu a licitação, eles passaram a apoiar, veladamente, algumas
invasões às terras da construção, para impedir o crescimento do seu oponente.
É preciso tornar o construtor (e sua família) um sujeito desacreditado perante a
sociedade, pois assim seria possível ampliar o poder da família. É também necessário ocultar
qualquer possível prova que se relacione com a invasão. Talvez essa onda de magia que
atinge a cidade seja boa para que se desvie a atenção da comunidade. Basta usar a fé do povo.
Reverendo Parris: No jogo “A Terra dos Pecados” tornou-se o pastor. Seus traços de
interesse excessivo pelo dinheiro deram origem, no jogo, a uma trama de corrupção clara
dentro da igreja – que não existia na peça – que servia de estímulo para que os jogadores se
interessassem em investigar as ações do pastor. Parris, na peça, liderava a comunidade pelo
medo. Em nosso jogo, o pastor também utilizava a estratégia do medo como fonte de poder e
o fazia colocando objetos associados à magia espalhados pelo espaço da cidade para que os
personagens do jogo desviassem o foco de atenção do problema da corrupção existente na
cidade65 para o problema da Bruxaria.
65
Semelhante à estratégia de “inimigo oculto”, utilizada no Brasil durante o regime militar de 1964 -1985, que
deu início a uma caça aos comunistas e subversivos ou aos possíveis terroristas nos EUA durante a gestão Bush.
No filme de Michael Moore (2004), FARENHEINT 09/11, tais estratégias serviram para desviar o foco da
opinião pública e justificar o interesse de algumas empresas privadas dos Estados Unidos - especialmente ligadas
ao petróleo e às armas - a usarem um artifício semelhante a uma “caça às bruxas” para ocuparem um território
que desejavam explorar economicamente.
67
No jogo, sua filha Betty também adoeceu (mas por motivos diferentes dos da peça,
conforme veremos a seguir) e isso serviu para o Pastor fundamentar sua teoria de inimigo
externo demoníaco e, dessa forma, manter a coesão da comunidade e o seu poder.
Betty Parris: Ela não aparece fisicamente no jogo. No caso do texto de Miller, Betty, filha do
reverendo Parris é uma menina órfã de mãe e tem 10 anos de idade. Participa do ritual na
floresta junto com as demais meninas e quando seu pai chega, ela desmaia de medo e
permanece imóvel, deflagrando toda a história de bruxaria que se desenvolve no enredo da
peça. Ela passa a testemunhar no tribunal junto com Abigail Williams e as outras meninas.
No caso do jogo, Betty também é filha do pastor e também está doente e não fala nem
come. Alguns personagens acreditam que ela está doente por influência de forças demoníacas,
mas outros sabem que aconteceu algo físico com ela. Na verdade, o que ocorreu foi que ela
foi violentada por um dos assessores do pastor. Por ela sofrer com um problema tão grave e
morar em uma comunidade tão marcadamente religiosa e pudica, Betty não consegue dizer o
que aconteceu com ela, gerando mais tensão ao jogo, pois algumas pessoas suspeitam da
verdade, enquanto que o Pastor (seu pai) e a maioria dos moradores acreditam em causas
demoníacas para o seu sofrimento.
Por se tratar de um personagem com uma história tão brutal e para manter um ar de
suspense, preferi preservar os jogadores, evitando que alguém jogasse com esse personagem.
A falta dessa presença física causou alguns problemas durante o jogo, pois os jogadores não
podiam observar seu comportamento, tendo que conseguir pistas sobre o que aconteceu com
ela com outros jogadores. Em casos em que a necessidade de relacionamento dos jogadores
com esse personagem era fundamental, o mestre de jogo assumia esse personagem, ou
orientava alguém a representá-la.
Thomas Putnam: Rico proprietário de terras da cidade. O texto de Miller deixa entender que
possui certo poder político e disputa terras com John Proctor. No jogo ele está relacionado ao
Vereador e sua disputa é com o líder dos construtores. Thomas Putnam é aliado do reverendo
Parris. Segundo os comentários de Artur Miller em uma rubrica do texto, “(No momento ele
(Putnam) está concentrado em conseguir que Parris, por quem sente apenas desdém, vá na
direção do abismo)” (MILLER, 1976, p. 281).
Ou seja, não se pode esperar que Putnam e Parris estivessem do mesmo lado. Contudo,
durante os julgamentos em Salém o texto dá a entender que estão juntos, pois as filhas de
ambos estão no grupo das meninas que acusam o povo da cidade.
68
John Proctor: Fazendeiro respeitado em Salém. Traiu sua esposa com Abigail Williams e
confessou à sua mulher. Está em disputa de terras com Putnam e não gosta muito do
reverendo Parris. No caso do jogo, este personagem está ligado ao líder dos construtores. Está
em disputa com o vereador e com o pastor.
Tituba: Escrava negra vinda de Barbados. É ela que organiza o ritual na floresta. Na prática
da Casa do Divino não havia nenhuma personagem que representasse um papel correlato,
contudo, na segunda prática, com os alunos da UDESC, Dorina Celestina, uma das líderes do
grupo dos posseiros (grupo que só existiu realmente na segunda prática) faz esse papel,
incitando as personagens adolescentes para os rituais. Dorina também presta serviços ao
pastor, em uma alusão ao trabalho de Tituba, porém com mais autonomia e independência.
*********************************************************************
As fichas dos personagens estão nos apêndices e foram elaboradas pelos jogadores.
Contudo, vários elementos foram inseridos pelo mestre de jogo para deixar os personagens
mais objetivos ou para estabelecer relações entre eles que fariam falta para o andamento do
jogo. Essas indicações do mestre estão em itálico, para ajudar na compreensão do leitor.
É importante notar que alguns jogadores não completaram suas fichas e isso causou
problemas em alguns casos, pois informações importantes ficaram faltando. Muitas
informações estão escritas de maneira informal, pois foram elaboradas pelos próprios
jogadores durante a montagem do personagem. Procurei manter a forma da escrita do jogador.
Cabe notar que no campo “Características” alguns jogadores colocaram modo de se
vestir, hábitos de fala do personagem, manias, entre outros. Procurei manter esses dados na
ficha por entender que tais características eram fundamentais para o jogador elaborar seu
personagem. Segue abaixo o modelo da ficha de personagem que os jogadores receberam no
momento da elaboração.
Nome do Jogador:
Nome do personagem:
Frase que define o personagem:
Idade:
Qual é o seu segredo?
Parentes e conhecidos na cidade:
Características:
Habilidades:
Objetos e artefatos:
História do personagem:
70
66
O modelo gráfico dos Círculos Sociais proposto por Hagen (1994, p. 141) para o seu jogo de vampiros é muito
semelhante ao modelo do Sociodrama de Moreno, conforme é possível constatar em seus livros (MORENO,
1978, p. 476). É possível encontrar outras semelhanças do RPG com o Psicodrama e com o Sociodrama,
sobretudo na relação entre o Mestre de Jogo e o Ego Auxiliar.
71
O mapa que se encontra no envelope na próxima página foi elaborado a partir dos
elementos constantes na ficha dos personagens. Buscou-se estabelecer relações entre os
personagens (grau de parentesco e afinidade) e os segredos. A intenção da utilização do mapa
é apontar o modo como os segredos e objetivos dos personagens criam espaços de interação
no jogo e mobilizam as relações.
Para ler o mapa, é necessário acompanhar as flechas que saem dos personagens e se
dirigem aos outros. A base da flecha indica a intencionalidade do personagem, enquanto que a
ponta indica para onde ela se destina.
È possível ver no mapa as interações internas e externas ao grupo, incluindo-se aí a
formação do grupo das mulheres. Vale lembrar que o grupo das mulheres não aparece de
maneira explícita nem na trama principal do jogo, nem nas tramas de subgrupo, apenas nas
fichas das personagens. Outro dado que aparece no mapa é o grupo dos posseiros. Uma vez
que não existiam jogadores interpretando suas ações, ele não aparece como destinador de
nenhuma ação, apenas como destinatário. Isso gerou alguns problemas durante o jogo, pois
acumulou funções para o mestre e dificultou o contato dos jogadores que tinham alguma
relação com o grupo dos posseiros, impedindo que jogadores que pretendiam se relacionar
com este grupo alcançassem seus objetivos.
É importante destacar no mapa o papel da personagem Ana Rosa. Na trama ela tinha
uma função muito importante, uma vez que permitia a relação ente o grupo do vereador e do
pastor (pois era filha do vereador e esposa do pastor). Todavia, como demonstra o mapa, ela
também era amante do personagem Chico, do grupo dos construtores (um segredo), de modo
que ela ligava os três grupos. Como ela também pertencia ao grupo das mulheres, este
personagem funcionava de maneira semelhante a um pivô, distribuindo informações e
mobilizando o jogo.
A representação gráfica de cada subgrupo é um círculo tracejado. Os membros desses
grupos deveriam estar todos dentro do círculo. No entanto, no grupo do pastor, o personagem
Rafael Marques se encontra fora do grupo. Isso se dá porque ele é um agregado da família.
Vive com a família, mas é funcionário.
Algumas linhas se cruzam no mapa e isso pode eventualmente causar alguma
dificuldade para a leitura. Contudo, basta seguir as linhas com o dedo para não perder o
caminho dos segredos e das relações. Se houver alguma dúvida com relação ao mapa e as
interações entre os personagens, basta voltar com o mapa à parte dos personagens para
conferir.
72
PRIMEIRO ENCONTRO
Atividade:
Montagem dos personagens.
Descrição e comentários:
Apresentação do pré-texto e da proposta do jogo. Apresentação dos subgrupos e
estabelecimento de hierarquias. Os jogadores entregam o personagem para o mestre.
SEGUNDO ENCONTRO
Atividade:
Apresentação dos personagens, reconhecimento e localização do espaço pelo grupo.
Primeiro culto.
Descrição e comentários:
Os jogadores recebem novamente a ficha de personagem, com a qual devem se
familiarizar. Cada jogador apresenta seu personagem aos demais e cria um local da ilha
importante para ele e para o grupo. Este lugar inventado pelo jogador e apresentado ao grupo
passa a fazer parte da trama. Em seguida, os jogadores são liberados para interagir com seus
personagens pelo espaço, jogando com os outros, buscando alcançar o objetivo estabelecido
na ficha do personagem.
TERCEIRO ENCONTRO
Atividade:
Aparece a primeira magia. O pastor faz mais um culto. Clima de tensão entre os moradores,
um jogo de fortes acusações é iniciado.
Descrição e comentários:
73
Durante esse dia o jogo segue livre. Os jogadores devem interagir e continuar
buscando os seus objetivos.
QUARTO ENCONTRO
Atividade:
Dia da preparação da festa dos pescadores.
Descrição e comentários:
Doença do Vereador. Falta do pastor (o jogador não compareceu). Mulheres sobem no
púlpito. Preparação para a festa dos pescadores. Chegada de Alam (Interventor – Mestre
assume o papel).
Todos se reúnem em grupos para elaborar o papel de cada família na festa dos
pescadores. Algumas imagens são fornecidas aos jogadores para que eles se sintam
estimulados e criem histórias sobre as festas passadas.
O vereador está doente e não aparece no jogo, bem como o pastor (os jogadores
faltaram). Um enviado do vereador (um NPC Interpretado pelo mestre de jogo)
As mulheres resolvem conduzir o culto, o que gera revolta entre os personagens
masculinos.
QUINTO ENCONTRO
Atividade:
Continuação da preparação da festa dos pescadores. Início do uso das pausas.
Descrição e comentários:
Repercussão da ação das mulheres entre os homens. Reivindicação dos membros do
grupo por um médico, pois a pequena Betty continua doente. Preparação dos jogadores para a
festa dos pescadores. Início do uso das pausas.
As mulheres preparam em segredo um ritual na floresta.
SEXTO ENCONTRO
Atividade:
Festa dos pescadores (parte I). Rituais na floresta. Fuga do filho do empreiteiro para a
floresta.
Descrição e comentários:
Chegada do personagem do médico à vila. Ele analisou (em uma cena separada dos
demais jogadores) o estado de saúde da pequena Betty. Neste dia realizamos o primeiro ritual
do grupo das mulheres. As mulheres montaram o ritual na floresta, enquanto os homens se
74
SÉTIMO ENCONTRO
Atividade: Festa dos pescadores (parte II).
Descrição e comentários:
As mulheres voltam do ritual na floresta. Os construtores se encontram com os
invasores. Os invasores contam aos empreiteiros que quem os trouxe para a ilha foi um
vereador. Jogo de acusações entre os moradores. O médico diz que o vereador está morto e
que agora terão de encontrar um novo representante do conselho comunitário para a ilha.
OITAVO ENCONTRO
Atividade:
Festa dos pescadores (parte III)
Descrição e comentários:
Alguns homens, filhos do construtor, chamam uma mulher de fora para dançar para
eles. O clima de revolta, pecado e danação toma conta dos moradores. Os diálogos ficam mais
quentes porque as mulheres começam a suspeitar - a partir das informações fornecidas pelo
médico – de que a doença da pequena Betty não teria causa física, mas psicológica,
provavelmente relacionada a crime sexual.
O contador da igreja deixa escapar o livro de contabilidade e um dos membros da
comunidade descobre que o pastor rouba dinheiro dos fiéis e desvia dinheiro da igreja (que é
da comunidade e não do pastor) para fins pessoais.
NONO ENCONTRO
Atividade:
Crise grave na ilha.
Descrição e comentários:
75
Com a revelação de que o pastor é corrupto e de que os invasores foram trazidos para a
ilha pelo vereador, os construtores reagem e começam a pressionar essas autoridades a
devolver as terras para eles. A família do pastor desagrega-se e a mulher do pastor o
abandona. As mulheres, por sua vez, alegam que a autoridade e a moralidade masculina
imposta na ilha não foi capaz de evitar tamanha corrupção. O pastor sente-se profundamente
ameaçado.
DÉCIMO ENCONTRO
Atividade:
Conclusão
Descrição e comentários:
O pastor abandona a ilha e deixa uma carta que revela seus “pecados”. Os jogadores
apresentam as cenas de encontros e de revelação de seus segredos, indo ao encontro dos
personagens com quem esse segredo tinha alguma relação. Os demais assistem as cenas. No
final os jogadores tiveram que apresentar como candidato um representante da ilha para o
conselho comunitário (que será o próximo candidato a vereador). Houve três candidatos
homens e uma mulher. As mulheres votaram em peso e a candidata mulher foi eleita.
Ou seja, a falta de clareza de elementos teatrais dificultava a ação dos jogadores mais
habituados com teatro. Faltava “algo a ser visto” e “algo a ser mostrado”. Por outro lado, os
jogadores de RPG – habituados a construir a narrativa por meio da imaginação – não
entendiam o porquê da reclamação dos outros jogadores (com formação teatral) com relação a
tais elementos teatrais e também ficavam incomodados com o fato do jogo não definir
claramente as regras (típicas do RPG) e acabavam ficando inseguros com relação às cenas
mais complexas para o ROLEPLAYING GAME, ou seja, aquelas ligadas a disputas que
normalmente envolveriam dados.
Para o leitor que não está acostumado a jogar RPG, ilustro com um exemplo: Em uma
LARP convencional - de vampiros, por exemplo – o jogador anota em sua ficha alguns
67
E nesse caso não vou me aprofundar com relação ao teatro pós-dramático ou ao teatro performativo.
68
Participante da primeira prática na Casa do Divino. Nunca havia feito teatro, mas já jogava RPG há alguns
anos.
77
poderes mágicos que o seu vampiro possui, dentre os que o jogo oferece. Ele recebe cartões
que representam “pontos de sangue” que ele entrega ao mestre quando quer usar um de seus
poderes. Ele anuncia: “vou ficar invisível usando ofuscação”. Entrega ao mestre um de seus
69
“pontos de sangue” e joga Jó-quem-pô com ele. Se o jogador vencer o mestre na disputa,
torna-se invisível. O jogador faz um movimento que representa que está invisível e todos os
demais jogadores passam a agir como se realmente ele não estivesse mais visível. Quando o
jogador entrega todos os seus “pontos de sangue” ao mestre, não pode mais fazer magia até
conseguir recuperá-los.
Em nossa prática, cortamos o uso de dados e, por consequência, eliminamos este tipo
de expediente de uso de cartões de pontos e poderes predefinidos. Sem poderes escancarados
e uso de magia, o caráter de jogo de fantasia, característico do RPG, se perdeu um pouco. Para
tentar abordar o problema e solucioná-lo nas duas pontas (a teatral e a do RPG) passei a
instruir os jogadores a buscar fisicalizar sua ações, no sentido que é proposto por Spolin
(2000, p.14), para ela, a realidade é física e é nesse meio físico que uma dada realidade pode
ser percebida e comunicada pelo aparato sensorial. Partindo desse princípio, passei a instruir
os jogadores a “mostrar, não contar” conforme orienta a referida autora (SPOLIN, 2000,
p.32).
Dessa forma, comecei a congelar ações de alguns jogadores para que eles assistissem à
ação de outros. Também orientei as jogadoras a realizar os rituais do grupo das mulheres –
que deveriam ocorrer na floresta – no meio dos homens, na sala de reuniões, durante a festa
dos pescadores, com os jogadores homens vendados. Dessa forma, os homens não estariam
vendo o que estava acontecendo, mas poderiam sentir que algo estava ocorrendo. As mulheres
dançaram, acenderam velas, incensos e serviram chás aromáticos e falavam em seus ouvidos.
Ao final do ritual, as mulheres se retiraram e terminaram o trabalho na floresta, enquanto os
homens – que estavam em uma cena congelada – foram orientados a reagir ao acontecimento
como um delírio coletivo, algo com que deviam se deixar afetar, mas que não sabiam muito
bem o que era.
Sobre essa experiência, o jogador Wagner Monteiro70 comenta em seu relatório da
prática:
“Quando os elementos teatrais foram introduzidos ficou mais interessante, por
exemplo, quando apagaram-se as luzes, acendeu-se uma vela e cada um
expressou um pensamento como se fosse consigo mesmo, ou quando um
personagem foi até outro com a vela e lhe disse uma frase. Ou quando o grupo
69
O que equivaleria a rolar dados no jogo de mesa.
70
Atualmente mestrando em Artes Cênicas do PPGT da UDESC. Na época era graduando em Artes Cênicas da
mesma instituição. Foi convidado a participar da prática por já ter experiência teatral.
78
A partir de sugestões como esta, dadas durante a primeira prática ou apresentada pelos
jogadores em seus relatos de experiência, passei, na segunda prática, a usar mais dessa
estratégia de cenas congeladas e explorei a fisicalização. Além disso, investi em definir
cenários e propor que os jogadores usassem figurinos durante o jogo. Dessa forma os
elementos que caracterizam o teatro poderiam se tornar mais evidentes, e a imersão dos
jogadores no universo do jogo poderia ser ampliada. Na prática da UDESC, os jogadores
reagiram bem à proposta de fisicalização, sendo que um dos jogadores fez com que seu
personagem só conseguisse andar em uma cadeira de rodas e apresentava dificuldades
motoras e distorções nos movimentos e na fala, e outro jogador usou um personagem mudo.
Marcos Laporta, que jogou com o personagem mudo, relata tal experiência:
71
Katiúcia era estudante de artes cênicas da 6ª fase do curso de artes cênicas da UDESC e monitora da disciplina
de Fundamentos do Ensino do Teatro II, cuja professora responsável era a Dra. Beatriz Ângela Vieira Cabral,
orientadora dessa pesquisa.
72
No sentido de que aconteceram durante o jogo - com os personagens - e não ficaram no campo da narração.
Para que fique claro, os rituais não foram realizados com os jogadores, mas sim com seus personagens, dentro do
contexto de ficção.
79
Penso que aqui se estabelece uma pequena dificuldade na relação entre a necessidade
de ação física, a tradição de um jogo de fantasia e o direito legítimo a fantasiar. Tal relação é
largamente explorada no campo teatral e, ao ser superada pela ênfase na ação física,
potencializa a teatralidade do jogo, o que parece ser uma saída para o problema.
73
J.K Rowlings
74
Autor da série de quadrinhos “The Spirit”. Foi também o responsável por transformar os quadrinhos
em graphic novels (ou novelas gráficas) e os elevou à qualidade de arte sequencial. Dentro desse mesmo
contexto, temos, por exemplo, Frank Miller, um dos principais autores dos quadrinhos da Série Batman que,
apesar de não gozar do mesmo status de artista que Will Eisner, também tem uma produção de inegável
qualidade.
80
literatura de massa é que ela se apresenta como pouco reflexiva, a esse respeito, Rodrigues
(2004) nos lembra que obras da chamada alta cultura também podem ser pouco reflexivas e
nos aponta o modo como Sófocles, Ésquilo e Homero buscavam legitimar o poder de sua
época com seus escritos. Cervantes e Machado de Assis escreviam com o foco na leitura de
massa. Todos são considerados grandes autores da literatura e da filosofia e a ideologia
implícita em seu discurso pode até servir para questionar a sua obra, mas não a invalida.
O RPG vale-se do modelo de narrativa épica75, seguindo normalmente a estrutura da
saga do herói, proposto por Campbell (2004). Os personagens, normalmente nos jogos de
RPG já vêm prontos ou o modelo é muito claro para o universo de jogo. Os tipos mais
comuns de personagens, tais como guerreiros, magos, anões, élfos, vampiros, são, como nos
aponta Serbena76 (2006, p.82), tipos que remetem a símbolos e arquétipos dos quais nos falam
Campbell e Jung. Esses mesmos arquétipos servem de base para produzir histórias bastante
conhecidas no mundo da ficção de massa, como é o caso dos quadrinhos de Super Heróis, de
filmes como Star Wars77 e livros como os do detetive Sherlok Holmes 78
e do mago Harry
Potter.
Por outro lado, o texto de Milller – base do nosso pré-texto - que trata dos
acontecimentos da cidade de Salém, não tem relação com a literatura de massa. Seu texto é
um drama, cujo tema dificulta a identificação do personagem principal. Não existem
propriamente heróis. Talvez existam mártires, mas não heróis. Os moradores de Salém são
pessoas fixadas à terra e à fé. Seus conflitos são mundanos e estão ligados à questão agrária.
Há também a questão da sexualidade, uma vez que em uma comunidade com um modelo
religioso cristão tão rígido, qualquer expressão de desejo era vista como pecado. De certa
forma, o desejo de Abigail Williams por John Proctor e o seu movimento para convencer
Tituba a fazer um ritual na floresta para que assim ela pudesse conquistá-lo, de certa forma
deflagrou todo o conflito da peça. A peça de Miller tem caráter de manifesto político e aponta
para as contradições da sociedade dos Estados Unidos da América dos anos 50.
Tínhamos então três modelos de construção narrativa se apresentando na construção
do pré-texto. O primeiro é o modelo do RPG, que partia da estrutura dos textos típicos da
literatura de massa, com características próprias e regras definidas para elaboração do jogo. O
segundo é o texto de Miller, com características do drama moderno, com personagens, enredo,
75
Não estou falando aqui do modelo épico proposto por Bertold Brecht.
76
Carlos Augusto Seberna é doutor em ciências humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina e
escreveu sua tese sobre O mito do herói nos jogos de representação (RPG).
77
Direção de George Lucas e Steven Spielberg. O primeiro filme é de 1978.
78
De Arthur Conan Doyle
81
intriga, começo, meio e fim. Por fim, o modelo do Drama como Método de Ensino, cuja
estrutura do pré-texto se apresenta como forma aberta, sendo que em alguns momentos
oferece apenas um argumento com o qual a turma de estudantes vai, pouco a pouco,
construindo a narrativa. O RPG também parte de um pré-texto e a trama também vai se
construindo pela ação dos jogadores. Todavia, este pré-texto se apresenta mais “fechado” que
no Drama, especialmente porque geralmente no jogo existem personagens pré-definidos antes
do início do jogo, o que não costuma acontecer no Drama.
Unir esses três modelos em uma única proposta foi bastante difícil e o jogo ficou um
pouco sem ação durante a primeira prática. As cenas ficaram um pouco repetitivas por faltar
clareza com relação ao local do jogo e o contexto. Como estes elementos não estavam claros
os jogadores sentiram dificuldade de se envolver com a trama do jogo e manter os espaços
combinados. Nesse sentido, o jogador Wagner Monteiro afirma:
79
Samanta não possuía experiência teatral, porém já era jogadora de RPG com boa experiência. Ela, Fernando P.
Gonçalves, Felipe Rocha e Joyce Andrade compunham o corpo dos jogadores que já possuíam experiência
teatral. Contudo, apenas Samanta não possuía nenhuma experiência com teatro neste grupo.
82
“Gostei muito do contexto que foi usado para as Bruxas de Salém, você
soube muito bem diferenciar o personagem do mestre/ator, nos guiando de forma
criativa e dinâmica para o imaginário de São Sebastião. Eu, em particular, gostei
muito das intervenções feitas nas fichas, tal qual a criatividade dos colegas na
questão dos personagens e histórias.
O único pecado no processo, como já foi dito, foi o curto espaço de
tempo, que impossibilitou o desenvolvimento das histórias - que estavam bem
estruturadas, apesar de muito interligadas - e o direcionamento para o caso
principal: a pequena Betty.
Mas tirando isso, foi uma experiência ótima enquanto personagem e
enquanto ator; pudemos perceber o RPG no Teatro e como ajuda em diversos
aspectos.” (Relato de Experiência do jogador Luiz Ricardo, enviado por e-mail.
Nov. 2010)
80
Isso não costuma ser feito no jogo de RPG e, apesar de ser lugar comum do teatro, é raro no ROLEPLAYING
GAME.
81
Ela está comparando a nossa prática com o processo de drama que sua turma havia participado alguns meses
antes, durante as aulas de Metodologia do Ensino do Teatro.
83
Tratava-se de um grupo formado por alunos de uma mesma turma de 2ª fase do curso
de Artes Cênicas da UDESC, que já havia passado por dois processos de Drama e quatro dos
trinta e dois participantes já haviam participado do jogo de RPG do primeiro experimento na
Casa do Divino.
O pré-texto desta prática é muito semelhante ao primeiro, mas foi redigido como um
sermão e não foi entregue para os jogadores lerem. Nessa prática, o mestre - a partir da
estratégia didática do “Professor Personagem” do Drama - entrou no jogo como um
interventor da igreja vindo da capital. O discurso do Interventor apresentou a situação, o local,
os subgrupos e os personagens principais.
Os jogadores, ao entrarem na sala de jogo, foram recebidos em um ambiente
previamente cenografado, lembrando as características de uma igreja. Os participantes
rapidamente reagiram, cantando hinos religiosos cristãos, ajudando no clima do jogo. Os
jogadores conheceram os três grupos da prática anterior e ficaram conhecendo um quarto
grupo, chamado de “posseiros”.
O sermão dado pelo interventor encontra-se nos anexos e é muito semelhante ao texto
da primeira prática. As fichas de personagem dessa etapa também se encontram nos anexos.
O mapa de relações se encontra no final das descrições de atividades.
A partir das indicações recebidas no primeiro jogo, refiz a trama que eu deveria ler
para os jogadores, no papel de um interventor.
Irmãos,
Cá estamos distante da costa, espremidos entre o mar e a floresta. Numa ilha, distante
dois quilômetros da cidade mais próxima, formada por ruas de barro cercadas por uma
floresta, considerada tenebrosa pelos moradores, se não, a própria imagem do inferno na terra.
Nossa vida não é das mais tranquilas. Nossa população nativa, de pescadores, é gente
de muita fé. A presença de Deus é marcante; a Palavra de Cristo é lei e qualquer outra
84
vertente religiosa, seja de matriz cristã ou não, nós repudiamos – são projetos do demônio
para dominar a humanidade e construir na terra o seu reino de vilania.
O cristão verdadeiro é devotado para a fé, para o trabalho e para a família. Não é só a
religião que move as pessoas para o trabalho nessa cidade. O vento frio e a água gélida do
mar, as dificuldades financeiras e, ainda, a esperança de construir na nova terra um local de
prosperidade longe da metrópole faz dos cidadãos gente de trabalho, coragem e devoção.
Mas, há moradores que têm vendido suas terras para estranhos, o que vem causando
mudança em nossos costumes. Sabemos que três grandes famílias dominam nossa
comunidade: a família do pastor, a família do vereador e a família do dono da empreiteira.
Também vivem aqui alguns posseiros recém-chegados.
A família do pastor representa a unidade da fé. Trabalha incessantemente para manter a
igreja em bom estado. Sabemos todos de sua luta para espantar o demônio desta localidade e
ajudar cada um de nós a prosperar financeira e espiritualmente, longe do jugo de Satã e da
miséria - todos que entram na igreja prosperam. Uns mais e outros menos, mas todos
prosperam pela fé.
O vereador (o único eleito na vila) era antigamente, o chefe da associação dos
pescadores. Após seu casamento com a filha do pastor, o apoio da igreja ajudou-o a eleger-se
como vereador. Ele tem uma série de agregados, todos pescadores. Costuma passar três ou
quatro dias da semana na capital e os outros dias vem para a Ilha de São Sebastião para ver
como anda o trabalho na pesca e para reunir-se com as suas bases políticas.
A família do dono da construtora é a mais rica da localidade. Sua empresa é grande,
com atuação fora da ilha. O chefe da família há muito tempo entendeu que a vida na pesca
não levava a nada e resolveu tornar-se um construtor. O chefe da família é casado, também
tem filhos. É um homem de meia idade e muito bonito, o que atrai as mulheres. Por conta
disso, são famosas as brigas entre ele e sua esposa, muitas delas em público. Apesar dessas
cenas de ciúmes, sua conduta é muito correta e devota a Deus.
Também existem posseiros nessa terra. Sei que eles entraram aqui há pouco tempo em
uma terra onde iam ser construídas algumas casas. Sei que os forasteiros também temem a
Deus e pro isso acho que podemos resolver o problema da invasão de terras por meio do
diálogo e da fé.
Em nossa pequena vila, um caso estranho se instaura. Noite após noite, velas, alimentos,
bebidas, e instrumentos estranhos têm aparecido nas ruas, esquinas e portas das casas. Para
piorar a situação a filha do pastor, a pequena Betty, de apenas 10 anos, que é considerada uma
pequena jóia entre os habitantes dessa localidade, encontra-se seriamente doente. Os médicos
85
já informaram que desconhecem a causa e acreditam que trata-se de fontes malignas não
naturais. O pastor tenta descartar a hipótese de uma presença demoníaca na cidade, mas a
notícia já se espalhou e obrigou o pastor a mobilizar investigação para verificar se existe a
possibilidade de uma intervenção satânica na comunidade agindo sobre a saúde da menina.
Caso se encontre indícios da presença demoníaca será instaurado inquérito maior para
identificar se existem atos de bruxaria na cidade. Caso isso seja comprovado, os responsáveis
serão punidos.
As Famílias:
Iniciei a atividade criando uma cena na igreja. Organizei as cadeiras da sala em forma
de plateia de uma nave de igreja e coloquei um altar na frente do grupo contendo uma vela,
uma bíblia e uma garrafa com água. Quando os participantes (alunos da disciplina de
metodologia de ensino do teatro) entravam na sala, foram recebidos por mim, no papel de
Alex – O Interventor – e dizia a todos “Louvado seja o Senhor”. O grupo espontaneamente
começou a cantar “Erguei as mãos/ e dai Glória a Deus...”, demonstrando que estavam
entendendo o contexto do jogo e que estavam à vontade com o espaço.
Com todos acomodados, iniciei a cena do culto. Primeiramente recitei passagens da
bíblia e posteriormente apresentei o texto base do jogo (Terra dos Pecados). Informei sobre a
existência de subgrupos e disse que os participantes deveriam reunir-se em quatro grupos (o
grupo do pastor, o grupo do construtor, o grupo do vereador e por fim o grupo dos posseiros).
Cada um falou um pouco sobre a conduta dos outros moradores e sobre coisas estranhas que
vinham acontecendo. Esses relatos ocorreram de maneira espontânea e tinham a finalidade de
trabalhar com a capacidade de improvisação dos jogadores e também auxiliá-los no processo
de imersão da trama do jogo.
O grupo levantou algumas práticas que a comunidade considera pecado:
Praticar outras religiões que não a do grupo;
Ler revistas impróprias;
Comunicar-se por meios eletrônicos com outras pessoas;
Dançar na floresta (seja vestido ou nu).
Beber álcool e fumar;
O pastor informou o grupo que o dízimo da igreja está atrasado. Lembrou o grupo que
atrasar o dízimo é pecado. Os participantes escolheram espontaneamente em qual grupo
gostariam de participar do processo. Reuniram-se e escolheram um lugar no espaço para
definir os personagens. Cada participante criou um personagem e definiram em grupo as
inter-relações. Apresentei-lhes um texto sobre os segredos e objetivos de cada jogador e eles
anexaram esses segredos aos objetivos dos personagens.
Em seguida fizemos uma roda e apresentamos os personagens aos demais jogadores.
Cada um falou um pouco sobre os seus personagens e em seguida falaram sobre alguns
pecados que ocorrem na ilha. Apontaram as falhas dos outros e os personagens começaram
com as acusações mútuas no intuito de encontrar os responsáveis pelos problemas ocorridos
na Ilha de São Sebastião, local onde ocorrem os acontecimentos do jogo.
87
Por fim, fechamos com uma cena de culto conduzida pelo jogador que faz o pastor.
Nesta cena ficou acertado que o “culto” do dia seguinte seria conduzido pelo pastor. O pastor
recebeu uma bíblia e reforçou a ideia de que zelará pela comunidade.
Encerramos a atividade com esse culto.
A atividade desse dia visava finalizar a trama. Para isso, deveríamos apresentar
situações em que o jogo levasse os jogadores a improvisar a partir dos segredos dos seus
personagens.
Tivemos de usar a sala do Espaço II, pois o Espaço I, que era nossa sala habitual,
estava sendo usado para uma encenação. Preferimos não interferir no cenário da encenação,
por isso mudamos de sala, o que causou certo desconforto para a turma e acredito que tenha
criado certa resistência inicial ao jogo por parte dos alunos.
Inicialmente, fizemos um aquecimento corporal e colocamos os figurinos e entreguei
as fichas de personagens. Na sequência, no papel de Alex, relembrei aos jogadores todos os
acontecimentos do jogo. Lembrei-os da história da pequena Betty, da trama dos invasores e da
questão dos ritos de magia na floresta. Disse que era dia de revelar os segredos e pedi para
que alguém entrasse no meio da roda para falar.
Pouco a pouco os jogadores foram entrando. No início, eles ainda não lembravam
direito da trama, mas em seguida, já estavam bastante envolvidos. Primeiramente, os
participantes assumiram uma atitude mais narrativa com relação aos fatos e aos poucos foram
estimulados a encenar situações em que os acontecimentos se desenrolavam. As cenas
tratavam da chegada dos jogadores em casa após as revelações de alguns fatos ocorridos na
trama, tais como a descoberta de adultério do personagem da mulher do pastor e da revelação
de parentesco entre o pastor e a filha do personagem líder dos empreiteiros.
Em uma das cenas da família do pastor, um dos filhos dele cometeu suicídio, e isso
mudou completamente o jogo, uma vez que não se poderia ignorar esse fato na trama.
Em uma cena paralela, mulheres faziam um ritual na floresta e isso revelou o
envolvimento das adolescentes da cidade com a família dos invasores. Numa terceira cena,
90
uma das invasoras matou o filho do empreiteiro (que usava cadeira de roda e sabia da verdade
da história da pequena Betty e de vários segredos do jogo), pois tinha o interesse de que a sua
ligação com o empreiteiro não fosse revelada.
O jogo terminou com o enterro dos dois mortos. Algumas tramas ficaram sem ser
reveladas e por isso se fez necessário um dia de avaliação.
Percebeu-se que as ausências dos jogadores é um problema sério, uma vez que um
“nó” da trama fica faltando e certas informações acabam ficando presas na mão de um único
personagem. Essa questão já havia sido levantada no primeiro processo, e tomei o cuidado de,
na segunda prática, distribuir as informações mais importantes para mais de um personagem.
Contudo, esse problema foi inevitável.
Na questão do engajamento, os jogadores disseram que em vários momentos perderam
o foco. Por se tratar de um jogo com muitos jogadores e pelo fato desse grupo já ter muita
intimidade, muitas vezes os participantes faziam piadas que não tinham relação com o jogo e
se perdiam em discussões paralelas. Acredito que esse seria um problema comum em uma
prática em escolas, pois nesses espaços, as crianças e adolescentes muitas vezes apresentam
pouco interesse nas propostas apresentadas pelos professores. O grupo destacou novamente
que o papel do mestre é fundamental nesse momento, no sentido de resgatar o foco do jogo.
Eles expressaram contentamento com o jogo e disseram ser uma prática muito
divertida. A jogadora Tainá observou:
“O RPG me fez ter vontade de ir para aula, pois sabia que podia criar e me divertir
ao mesmo tempo em que ajudava o André Sarturi na sua pesquisa, pois junto com a
diversão havia também o comprometimento e interesse de minha parte, e acredito
que da turma também82. A maioria dos colegas, pelo que pude perceber, também se
envolveu e procurou aprofundar o personagem em cada aula”. (Fronner, T. Relato
de experiência enviado por e-mail. Nov. 2010).
“Este semestre trabalhamos variadas metodologias, entre elas, o RPG, coordenado pelo
nosso colega e mestrando André Sarturi. Eu nunca havia participado do RPG, e não
conhecia até então. Achei este trabalho muito parecido com o drama, inclusive acho que
deveria ser explicada em detalhes, logo no primeiro encontro, a diferença entre Drama e
RPG. Eu participei apenas das aulas de terças e quartas, e faltei no primeiro dia, então
desconheço caso tenha acontecido este esclarecimento inicial, justamente pela minha falta
é que senti falta.” (Fronner, T. Relato de experiência enviado por e-mail. Nov. 2010).
E de fato houve uma dificuldade de diferenciar o RPG do Drama, visto que a proposta,
especialmente da segunda prática, mesclou muitos elementos do Drama e dos jogos teatrais
82
Infelizmente, a ideia de comprometimento por parte da turma, expressa por Tainá, não era compartilhada por
todos os jogadores, conforme pode ser observado nos relatos de experiência e nas entrevistas que se encontram
nos anexos. De toda forma, ela se apresentou muito engajada com o jogo.
92
com as práticas de RPG. Estas questões também não estavam muito claras para mim num
primeiro momento e só foram clareando à medida que a pesquisa avançava.
Também falaram sobre a dificuldade de visualizar a pequena Betty durante o jogo. Por
não ser interpretada por nenhum jogador, os participantes reclamaram que era muito difícil
trabalhar com o drama dela. Como cada personagem tinha um problema e um desafio pessoal,
a trama principal (o caso da pequena Betty) às vezes acabava ficando de lado. Novamente,
destacaram o papel do mestre em chamar o foco do jogo para a direção necessária.
Por fim, disseram ser uma atividade interessante, especialmente na relação com o
personagem. Apegaram-se muito a eles e queriam ter tido mais tempo para jogar com eles. De
minha parte, acredito que os jogadores gostaram do processo. Saí satisfeito da experiência,
percebendo que é apenas o começo de um trabalho bem mais longo.
CAPÍTULO TRÊS
QUANDO OS DADOS NÃO ROLAM
O acaso.
Cai a pluma,
Ritmo suspense do sinistro.
83
( MALLARMÉ )
Nessa pesquisa, aboliu-se o uso dos dados como meio de solução de problemas. Os
caprichos dos dados foram substituídos pelas imprevisíveis escolhas dos jogadores, e também
pelo diálogo e pelos acordos. A imprevisibilidade das ações dos jogadores está mediada pela
ação do mestre e contornada pelos diálogos e pelo acordo entre os jogadores. Desta forma, os
confrontos foram resolvidos pelos próprios participantes a partir dos desafios, deslocamentos
e ênfases propostos pelo mestre. Partimos da noção de atuantes espectadores - noção presente
no Drama - como o correlato mais próximo ao jogador de RPG.
Acolher as escolhas e modos de solução de problemas por meio da interação com
outros jogadores foi a maneira encontrada para equalizar necessidades de atuação e solucionar
impasses do jogo. Cada jogador vê o jogo por uma determinada perspectiva pessoal. Essa
perspectiva estrutura-se a partir do pré-texto, dos interesses de seu subgrupo,84 e da ficha de
personagens, bem como das relações de afinidade estabelecidas com membros de outros
grupos. É a partir desses elementos que se constrói a teatralidade do jogo.
Nessa pesquisa conduzi duas práticas. Na primeira, investiguei a teatralidade do jogo
em si, realizando uma LARP aos modos convencionais, tal como os autores de RPG propõem,
excetuando-se o uso de dados85. Utilizei como pré-texto a peça “As Bruxas de Salém” de
Arthur Miller e transformei em um jogo cuja ação se passa no presente, em uma ilha de
pescadores isolados. Ao final de cada jogo o grupo discutia quais elementos se relacionavam
mais com o teatro, tal qual relata Marcio Cardozo,86 um dos participantes, em sua entrevista:
A tensão que tinha lá (na igrejinha) era interessante e eu me lembro das reuniões que
tinham depois (do jogo) não sei se tu se lembras? Era um debate sobre justamente
onde não tinha tensão. “Aquilo dali escapou”... (Entrevista com o jogador Marcio
Cardozo, cedida no dia 4/05/2011)
83
CAMPOS, A; PIGNATARI, D; CAMPOS, H. Mallarmé. 3ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 1991.
84
Podem ser grupos familiares, clãs, e outras formas de grupos.
85
Em LARP normalmente não se usam dados propriamente dito, como no caso de outras modalidades de RPG.
No lugar deles costuma-se jogar Jo-quem-Pô, par ou ímpar e outras disputas de sorte. Contudo, a finalidade é a
mesma, e os dados só não são utilizados pro uma questão de praticidade.
86
Márcio participou nas duas práticas. Na primeira foi ajudante do pastor e na segunda prática atuou como o
pastor.
94
Tanto a vida quanto a arte estão sujeitas a convenções. Para Féral, atores e
espectadores interpretam papéis sociais e seguem convenções claras. Isso também ocorre
quando somos espectadores. Féral (2004, p.35) afirma que teatralidade depende de um
observador que atribua uma qualidade a uma obra, a uma pessoa ou situação, sendo esta a
condição para a teatralidade.
A teatralidade, nesse sentido, tem a ver com a ostentação de signos, e o objetivo desta
ostentação é atrair o observador para este signo. Este é também o objetivo do jogo de
Mimicry, o qual busca imitar, representar ou criar um estado diferente do cotidiano, seduzindo
tanto os outros jogadores quanto os observadores para esse universo de jogo, que, no fundo,
não passa de ficção (CAILLOIS, 1994, p.52). Lehmann (2007, p.178) recorda que a ilusão
sempre foi um subproduto do teatro e da fantasia do espectador, coeficiente de uma atividade
conjunta. Segundo ele, uma análise das camadas de ilusão torna possível passar sem o
ilusionismo, sem, com isso, deixar de ser teatro 87.
Féral (2004) define o real como o que existe e a realidade como o que não é ficção. O
teatro está inscrito no real. É real porque trata dos corpos dos atores e dos objetos. Também é
87
“Quando se fala em ilusão, na maior parte das vezes é para enfatizar que não se deve perturbá-la. No entanto,
ela sempre foi perturbada e o palco não precisa remediar isso” (LEHMANN, 2007, p. 175).
95
real porque está inscrito em um evento que pertence à realidade, porém, ao mesmo tempo está
fora dela, e é diferente dela porque está em um mundo de ilusão. Portanto, a relação entre
teatro e realidade salienta a questão da mimesis. Féral (2004) afirma existir uma confusão
quando se fala neste conceito, pois este é tomado pela ideia de imitação. No entanto, quando
Aristóteles falava em mimesis não falava em cópia, e sim que a tragédia era mimética a
respeito da realidade, mas por outros meios. Então, por outros meios, a mimesis pode ser
88
entendida por uma “tradução” , e não uma cópia. Também é interessante recordar que a
noção de teatro como cópia da realidade vem do século XIX, com o teatro realista e
naturalista.
O problema do teatro e da realidade é que o teatro está ancorado no real e usa
elementos da realidade. O teatro é real, pois os atores e o espaço teatral são reais. O que
amplia o problema é que sabemos estar diante de uma representação e de uma imitação ao
mesmo tempo89.
Podemos perguntar: Como entra a teatralidade nesse contexto? Féral (2004, p.34-35),
nos diz que o teatro é a realidade que aponta a ilusão. Quando o vemos, projetamos
teatralidade naquilo que vemos. A teatralidade pressupõe um acordo entre o ator e o
espectador. Sabemos que as situações no teatro têm normas e regras 90 e é assim também na
vida cotidiana. Existe aí uma dupla consciência da emergência da realidade social e de sua
relatividade, de maneira que a vida real também é parte ilusão, o mesmo que no teatro.
A autora canadense nos relembra que o próprio espaço teatral possui teatralidade
(FÉRAL, 2004, p.38). Podemos extrair algumas informações desta afirmação: a presença de
ator não é elemento necessário para haver teatralidade (pode ser do teatro, mas não da
teatralidade), tão pouco a narrativa é necessária à teatralidade. Féral cita o caso do teatro
invisível de Boal e uma cena sobre o fumo91. Ela acredita que a teatralidade pode se dar como
fenômeno a posteriori e cita este caso como exemplo. Ou seja, a teatralidade é um fator que
está fora do tempo. Pode-se concluir, portanto, que a teatralidade não é um fator determinado
88
A ideia de tradução remete ao sentido de transposição de um universo de signos para outro e, nesse sentido,
podemos dizer que traduções podem ser relativamente simples, mais fáceis de se fazer (como transpor um texto
em espanhol para o português, por exemplo) ou mais complexas (como quando traduziram pela primeira vez os
hieróglifos da Pedra da Roseta para o Francês). Em todo caso, uma tradução é sempre uma reescrita e não uma
cópia daquilo que foi escrito no texto original.
89
No caso do Drama e do RPG estamos diante do mesmo problema.
90
Outra evidência clara da arte como jogo, tão defendida por Caillois e Huizinga.
91
Na cena, ocorrida em um metrô, um dos passageiros (ator) fuma dentro do vagão e outro (também ator) diz
que ali é proibido fumar. Um terceiro passageiro também intervém na cena. Não havia cenário, mas os
passageiros observavam a cena. Quando o trem para, está diante de um grande anúncio de cigarro e o fumante
assinala a desproporção entre o anúncio de cigarro, muito grande, e a placa de “proibido fumar”, pequena.
Quando as pessoas saíram do vagão viram os atores se reunindo e se deram conta (a posterióri) de que se tratava
de uma representação teatral.
96
pela presença do ator: em todos os exemplos temos o espaço como veículo da teatralidade.
Logo, o espectador percebe algumas relações entre o espaço e os signos e entre o espaço e o
próprio espectador. De fato, a natureza do cenário é espetacular e atrai a vista para si
(FÉRAL, 2004, p.40). Neste caso, a teatralidade emerge da consciência do espectador de que
há teatro.
Féral (2004, p.41) nos fala, então, da noção de espaço potencial e a discute a partir do
modo como Winnicott (1975) trata a questão em seu livro “Jogo e Realidade”, onde foram
desenvolvidas as noções de espaço transicional e espaço potencial. O espaço transicional está
ligado ao brinquedo, o objeto transicional que a criança usa para captar a realidade. No
processo de separação que a criança faz com a mãe, utiliza-se de bonecos e brinquedos para
conseguir dar sentido ao mundo. Esses objetos permitem a criança apoderar–se do mundo
porque fazem parte de seu corpo92.
O objeto transicional precisa de um espaço transicional. A criança o cria e pode
controlá-lo. Esse espaço não pertence totalmente à realidade (pois é criado dentro do universo
de fantasia da criança), porém não pertence totalmente à criança (pois está calcado no real e
no objeto transicional). Winnicott (1975) demonstra que o espaço transicional faz com que a
criança possa apreender a realidade. Esse espaço tem regras que são inventadas pelas crianças
(WINNICOTT, 1975, p.13). Quando elas brincam entre si, sempre perguntam umas às outras
quais são as regras desse mundo e costumam brigar quando estas são quebradas (FÉRAL,
2004, p.43).
Esse espaço é potencial, virtual, não necessariamente físico, mas mental. Winnicott
(1975) argumenta que criamos o nosso espaço potencial. Para que exista arte – e, por
consequência, teatro - tem de haver um espaço potencial. Para quem vem do teatro isso
parece bastante evidente e deixa claro porque às vezes ocorre teatro e outras vezes não. A
qualidade com que o ator é capaz de criar o espaço potencial equivale à sua capacidade de
atuar. Se sua presença enquanto sujeito é demasiada, a teatralidade fracassa. Se a realidade é
demasiadamente presente, também fracassa (FÉRAL, 2004, p.43). Féral conclui que esse
espaço potencial, em alguns casos tem que estar baseado no espaço real. Esse espaço tem que
ser físico, ainda que não seja uma obrigação. Pode se passar em qualquer lugar e em qualquer
circunstância, desde que haja o enquadramento necessário.
92
Do ponto de vista da estrutura psicológica da criança, não no sentido real. Um objeto (carrinho) não faz parte
do corpo da criança no sentido literal, mas, segundo Winnicott, a criança, ao nascer, não é capaz de diferenciar o
Eu, a Mãe e o Mundo, de modo que tudo faz parte de seu Self. Segundo Winnicott (1975, p. 2), “[...] o bebê
recebe o seio que faz parte dele e a mãe dá leite a um bebê que é parte dela mesma”.
97
Féral diz ainda que é o espectador quem cria esse enquadramento, de maneira que este
possa estar nos seus olhos. Se o espaço potencial do ator e do espectador não se encontram, se
não se reconhecem, não há teatro. A autora cita Peter Brook, o qual afirma que o teatro
implica na existência de um ator, de um espaço e de um espectador. Se levarmos em conta o
espaço potencial, podemos dizer que a necessidade do espaço pode ser mais forte do que
parece (FÉRAL, 2004, p.43). Féral ressalta ainda que o espaço potencial protege o ator
criando ao seu redor um “algo proibido” que impede o espectador de transgredir o espaço. O
espaço potencial é a base do espetáculo, porém, é também a base do processo mimético. Da
mesma maneira que o ator necessita de um espaço potencial para representar, o espectador
precisa desse espaço para conseguir ler a teatralidade. Isso tem pouco a ver com a natureza do
objeto, tal como ator e cenário, e não é resultado de um processo de ilusão. Tem a ver com o
olhar e com o que faz o espectador reconhecer, identificar e criar esse espaço potencial no
qual se encontra a teatralidade (FÉRAL, 2004, p.44). Esta não é, portanto, uma qualidade que
pertença ao objeto e ao sujeito, ou ao espaço e a um sujeito. Não é uma propriedade pré-
existente das coisas, não está esperando para ser descoberta, não tem uma existência
autônoma e somente pode ser percebida como processo (FÉRAL, 2004, p.44). Possui,
entretanto, algumas características: espaço potencial, conhecimento da intencionalidade,
ostentação, espetacularidade, enquadramento. Tem que ser concretizada através do sujeito - o
espectador - como ponto inicial do processo. É o resultado de uma vontade definida de
transformar situações e retomá-las fora de seu cotidiano para fazê-la significar de maneira
diferente.
Isso significa que:
1) A teatralidade tem pouco a ver com a natureza do objeto o do acontecimento (ator,
espaço). Não é o resultado do processo que importa. É o processo em si e a
transformação que este permite identificar.
2) A teatralidade tem a ver com o olhar do espectador. Este olhar identifica, cria um
espaço potencial no qual a teatralidade vai poder ser localizada. O espectador
reconhece este outro espaço de onde a ficção pode emergir.
3) Este olhar é sempre duplo. Vê o real e a ficção, o produto e o processo. A teatralidade
pertence ao espectador.
4) Por fim, o olhar do espectador identifica uma série de eventos que constituem o
exercício da teatralização.
- A primeira intervenção define a relação entre o real e a ficção.
98
Ver é sempre ver de algum lugar.94 O lugar do observador é determinado pelo espaço.
Em um espaço teatral à italiana, o observador, definido como espectador, vê, literalmente a
partir de uma perspectiva definida, aquilo que lhe é dado à vista. Campos (1990) nos
relembra que a palavra perspectiva deriva do verbo latino perspicere, que significa “ver com
clareza”. Segundo tal autor, esta noção de perspectiva gera uma ambiguidade, pois, para os
antigos gregos, demonstrava o quão necessário era o emprego da geometria para uma
avaliação do mundo a partir de cálculos dos ângulos visuais, enquanto que para os
renascentistas a perspectiva acabou por definir-se como um sistema de redução proporcional
dos objetos segundo a distância. Na visão renascentista, os termos “espaço” e “perspectiva”
têm um sentido bem definido, sobre o qual a palavra “perspectiva” é entendida como um
sistema de agenciamento da superfície plana da tela, onde todos os elementos representados
são considerados a partir de um ponto de vista único e as dimensões relativas das partes,
deduzidas matematicamente a partir do cálculo da distância dos objetos que aparecem em
relação ao olho sempre imóvel do espectador (CAMPOS, 1990, p. 25).
Do ponto de vista teatral, segundo Pavis (1999), o encenador dispõe do cenário e dos
atores tanto em função de sua lógica de relações quanto da maneira pela qual a imagem
93
Phisis Kryptesti phylein. Também costuma ser traduzido como “A natureza ama esconder-se” (CAMPOS,
1990, p. 17).
94
Schopenhauer (2005, p. 546) observa que, para Kant, não há objeto sem sujeito. Para Sartre (2000, p. 332), “o
homem define-se com relação ao mundo e com relação a mim”.
99
E o que acontece quando o espectador participa da ação? O que acontece quando ele é
colocado na condição de jogador? Como fica esse compartilhamento? De que dimensão de
teatralidade estamos falando? Algumas experiências97, tais como o Drama, o Child Drama de
95
Ou superespectador ideal para o qual convergiriam os sentidos da peça (PAVIS, 1999, p. 291).
96
Pavis (1999, p.291) deixa claro que nem sempre esse centro ideológico da obra é detectável, aponta algumas
possibilidades de perspectiva e afirma que pode haver convergências e divergências de perspectivas, além de
lugares não perspectivados.
97
Podemos citar duas experiências em outras áreas, tais como a instalação Playing the Building, de David Byrne,
ou o trabalho da companhia de dança Cena 11, chamado SIM – Ações Integradas de Consentimento para
Ocupação e Resistência. Em todas elas, o público tem o papel de agente. No caso mais pronunciado – o trabalho
100
de Byrne - um instrumento musical foi construído por ele utilizando-se da estrutura do segundo andar de 836 m²
do Battery Maritime Building, em Nova Iorque. O projeto ligava um órgão de madeira semelhante aos usados em
igrejas, cujas teclas eram divididas em três seções: motores, tubulações e pilares. Cada sessão estava ligada a
uma estrutura de cabeamento e fiação simples que carregavam sinais e impulsos elétricos para aparatos como
motores e martelos presos aos pilares, vigas e tubulações, fazendo-os vibrar ou ressoar. O público era convidado
a tocar as teclas do instrumento-edifício (BOUGER, 2009, p. 38). No caso do espetáculo do grupo Cena 11, os
dançarinos do grupo ocupavam o espaço e obrigavam os espectadores a deslocar-se por ele. O fato de o
espectador sair ou não, e o tempo em que isso acontecia, interferia no ritmo do espetáculo.
98
Termo ligado ao Drama, utilizado por Vidor (2010, p.34). Em O’Nell aparece a expressão self spectator, que
pode ser entendido como aquele que observa a si mesmo quando atua. (O’NELL apud VIDOR, 2010, p. 33) No
caso de Vidor (2010), a expressão tem claramente o sentido de pessoa que age e vê.
99
(BOAL, 1999, p. IX).
100
(MURRAY, 2003, p.127).
101
O dramaturgo pode produzir também uma situação multifocal, mas esse caso também é uma escolha
arbitrária e “autoral”.
101
observador atua, ele não só assiste como interfere naquilo que é visto, ou seja, cria novos
sentidos (tanto para si quanto para os outros participantes), interferindo nesse espaço
potencial.
É o caso do que acontece no RPG. No jogo, o mestre (que nesse caso assume o papel
de dramaturgo principal) propõe o ambiente de ficção - semelhante ao Drama - a partir de um
pré-texto. É ele quem propõe tanto a trama principal quanto a de subgrupos e estabelece um
modelo de fichas de personagens102. Os jogadores criam seus personagens a partir das
instruções elaboradas nas fichas, estabelecendo assim suas próprias perspectivas da trama do
jogo. Eles combinam entre si as relações entre os personagens, criam os seus antecedentes e
sugerem novos elementos para o jogo, além de decidirem sobre suas próprias características –
aquelas que mostrarão aos outros.
Em Leis da Noite103, os autores descrevem o papel do mestre, que neste sistema de
jogo é chamado de Narrador, na criação de história da seguinte maneira:
104
“A Narrativa (referindo-se ao papel do mestre ) funciona menos como
engenharia e mais como química experimental. Não é uma questão de aderir a
procedimentos padrões, escolher materiais conhecidos e montá-los de acordo com
uma precisa equação matemática. É mais como encarar cada projeto como uma
experiência que combina ingredientes familiares e desconhecidos para criar um
composto inteiramente novo. Os resultados podem ser completamente diferentes do
seu plano inicial, mas isso nem sempre é uma coisa ruim. Parte da alegria da
narrativa o fato de cada nova história ser uma aventura em um território
desconhecido, porque você simplesmente não pode prever com precisão maior do
que a média onde seus esforços levarão. Independente do resultado, entretanto, cada
projeto – cada história – vai lhe ensinar alguma coisa que você não sabia quando
começou, e cada uma se tornará outra experiência que fará de você um bom
narrador” (CARL; HINIG; WOODWORTH, 2001, p. 229)
102
Os sistemas de jogos de RPG comerciais já vêm com esses modelos de fichas de personagens. Todavia, o
mestre tem a liberdade para inserir ou suprimir informações nas fichas, caso sinta a necessidade para a sua trama.
O mestre pode ainda criar o seu próprio sistema de regras e suas próprias fichas de personagens, como foi o caso
da nossa prática.
103
Uma das edições do sistema Vampiro – A Máscara, voltada para mestres e jogadores interessados em jogar
Vampiro em LARP.
104
Parênteses meu.
105
Ou seja, um ato de fala, um “performativo feliz” de Austin (1990, p. 29).
102
que em mostrar o que fazem e observar as ações dos outros, empobrecendo a teatralidade do
jogo.
Contribuem para agravar o problema da teatralidade as seguintes características do
jogo:
O uso de dados como elemento solucionador de conflitos;
A ausência de uma plateia definida e da definição clara dos papéis de espectador e
ator;
Apesar de possuir elementos característicos da escritura teatral, tanto do modelo épico
quanto dramático, seu modo operante não se enquadra em nenhum desses modelos.106
Dificuldade de superar, na Mimicry do jogo de RPG, a predominância de elementos de
jogo de Agon presentes nas suas tramas.
106
E, contudo, o RPG também não se encaixa claramente no modelo chamado de pós-dramtico, tal qual proposto
por Lehmann (2007), uma vez que opera em um determinado espaço de tempo e lugar definidos, e, normalmente
segue uma estrutura de curva de tensão semelhante à do drama, que funciona por um jogo de forças entre os
personagens e os acontecimentos se desenvolvem por meio de diálogos.
107
Todos os sistemas de jogo alertam para que as regras não atrapalhem o andamento do jogo. No Módulo
Básico de GURPS, por exemplo, o autor recomenda que, para uma boa condução do jogo, o mestre deve usar
bom senso” e “se uma regra qualquer levar a um resultado absurdo, abandone-a ” (JACKSON, 1994, p.179).
108
Isso não quer dizer que no teatro os jogos não operem por regras dadas a priori. Basta observar, por exemplo,
o jogo da “planta baixa”, de Spolin (2000).
109
Esse problema não aparece somente na relação entre o teatro e o jogo de RPG, mas está presente também no
próprio Role-playing Game. Sonia Rodrigues, pesquisadora de RPG, observa que uma das principais tarefas do
mestre de jogo é abrir mão das regras se elas atrapalharem a narrativa (RODRIGUES, 2004, p.109). Se o mestre
não toma esse tipo de atitude, o jogo fica lento e enfadonho e os jogadores rapidamente perdem o interesse.
110
Trata-se aqui do drama no sentido proposto por Diderot, ou seja, aquele intermediário à tragédia e à comédia,
conforme encontramos em Pavis (1999, p.109). Pode-se também entender como o modelo de construção teatral
que Brecht oporá ao seu modelo de teatro épico (“Épico/Dramático”). (PAVIS, 1999, p.110 -111).
103
ser teatral, embora não seja previsto e nem fosse necessariamente do interesse de seus
criadores torná-lo teatro. Contudo, se quisermos operar com o RPG dentro do universo
teatral, tanto no campo da encenação quanto da pedagogia do teatro, é preciso primeiro
identificar suas semelhanças com o universo do teatro, bem como adaptar essa teatralidade
latente às práticas teatrais.
Na tentativa de abordar essas características do jogo e ampliar o seu potencial para o
universo das artes cênicas, alguns elementos de metodologias de trabalhos teatrais,
especialmente aqueles mais ligados às noções de jogos, tal como os Jogos Teatrais da vertente
americana de Viola Spolin e o Process Drama (ou simplesmente Drama), foram empregados
nessa pesquisa com o intuito de reforçar os elementos de teatralidade do RPG, bem como
servir de base para confrontá-lo com as formas de jogos mencionadas acima. Esta
investigação, ao cruzar elementos destas distintas metodologias, pretende observar possíveis
ampliações de repertório de trabalho tanto para professores quanto para encenadores e
dramaturgos.
Seguindo nesse raciocínio de aplicação de várias práticas (teatrais ou não) em um mesmo
trabalho, Bonfitto (2002) nos lembra que tanto Jerzy Grotówski quanto Peter Brook usaram,
em seus trabalhos, diferentes procedimentos vindos de práticas distintas que adquirem sentido
somente a partir de necessidades relacionadas a cada processo de investigação. Segundo
Bonfitto,
Isso quer dizer que, segundo o exemplo desses encenadores, diferentes metodologias
(teatrais ou não) podem operar juntas em uma prática artística, e isso pode ser benéfico para
alcançar resultados estéticos novos - ou ao menos diferenciados. Dessa forma, operar com o
RPG juntamente com diferentes estratégias teatrais pode funcionar de maneira satisfatória111.
111
Depende muito do talento e do trabalho do encenador.
104
112
Por suas semelhanças com o RPG, o Drama foi escolhido como a metodologia de referência para abordagem
do jogo no campo das artes cênicas. Tais semelhanças se dão pelo fato de o Drama partir de um pré-texto,
possuir a figura do “teacher-in-role” - que pode ser definida, segundo Vidor (2010, p. 35), como “professor no
papel” ou como “professor-personagem” -, oferecer aos jogadores a possibilidade de participarem do jogo
divididos em subgrupos (conforme o pré-texto) e a oportunidade de interagirem em uma história cujo final não
pode ser determinado à priori. No caso do RPG, o final da história pode até ser sugerido no pré-texto como um
objetivo a ser atingido. Contudo, no Drama, essa possibilidade parece bem mais remota.
113
Segundo o dicionário Michaelis, da língua portuguesa, a palavra “Estrutura” significa: (lat. structura) sf 1.
Organização das partes ou dos elementos que formam um todo. 2. Arquit. Esqueleto ou armação de um edifício
(GREGORIM; MARINELLI; TERCIOTTI; 2002, p. 326). Dependendo do material de que são feitas, as
estruturas podem ser flexíveis ou rígidas. Não confundir com a noção de estruturalismo.
114
Segundo Cabral (2008?), no Drama os professores devem estar prontos para mudar seus planos e saber
improvisar e responder à demanda dos alunos.
105
Como fica a questão da teatralidade no Drama? Vidor (2010) levanta a relação entre o
método de Drama e teatralidade. Ela nos lembra que, segundo Féral, “[t]eatralidade é um
conceito tão amplo que pode ser usado por qualquer disciplina, de maneira que cobre vários
campos artísticos e não artísticos” (FÉRAL apud VIDOR, 2010, p.32) 115. Vidor (2010), no
entanto, apropria-se do termo teatralidade associado à representação teatral como uma
qualidade de alguns aspectos como o cenário, a cena, o figurino, o uso do espaço e a atuação
que podem receber, dentro da mesma, sendo considerado um produto composto por estes
aspectos116.
Nesse caso, Vidor (2010) afirma que o caráter espetacular teatral do processo de
Drama pode ser potencializado pelo condutor. Para que esses elementos de teatralidade
apareçam no Drama e permitam que os participantes mergulhem na ficção, é preciso, algumas
vezes, que o participante seja colocado diante da situação como quem observa os personagens
desta situação. Vidor afirma que quando o professor assume um papel facilitador, e desta
forma atua dentro do contexto dramático, o relacionamento entre professor e aluno é
substituído pelo de colegas artistas (HEATHCOTE apud VIDOR, 2010, p. 31).
Por isso, para Vidor (2010) a possibilidade de identificação do “teatral” é mais
palpável quando o papel do espectador no drama se dá alternadamente, ou seja, colocando-se
às vezes como ator, às vezes como espectador, de modo a assumir um distanciamento
necessário à dinâmica de ver e refletir sobre o que se viu. Dessa forma, ela ressalta que o
“eminentemente teatral” opera em melhores condições se o participante ocupar em algumas
ocasiões o papel de plateia em toda a sua dimensão, pois, assim como nos espetáculos fora do
115
Ver também Féral (2003, p. 11).
116
Creio que Vidor (2010) esteja se referindo a uma distinção que Féral faz entre “Teatrilidad del teatro por un
lado e teatralidad teatral por el outro” (FÉRAL, 2003, p.11).
106
K: Eu acho que esse processo explorou pouco a questão teatral. A gente não fez
várias experiências. Teve o momento do ritual que eu achei que foi bem teatral.
Aqueles momentos em que a gente pausava e assistia uma cena também acho que
dava bastante estímulo para você explorar bem o lado teatral. Mas eu acho que a
gente podia ter explorado mais. E, não sei, é o que eu disse no começo, a questão da
mistura da ficção com a realidade... eu acho que o jogo de RPG com teatro juntos
eles... você não tem que estar totalmente imerso no personagem o tempo todo
durante o jogo, as vezes deve ser isso, não sei.
A: Você acha que deve se distanciar do personagem?
K: É... um distanciamento. Porque no teatro você vai fazer o personagem, vai
construir, dependendo da linha estética que você seguir e você vai ficar imerso na
composição daquele personagem, certo? No processo que a gente fez, eu via isso
mais evidente, por exemplo, no ritual, entende? Em momentos, em fragmentos assim
que a gente colocava, mas não em tudo de uma maneira integral, entende?
(Fragmento da entrevista com Katiúcia Heckler, 27 anos. Entrevista cedida no dia
2/12/2010).
117
Ela chama de “teatral” esse momento do jogo em que o jogador age com a intenção de que os demais
jogadores vejam o que ele está fazendo, ou seja, algo com caráter espetacular.
118
Excetua-se aí, obviamente, os jogos de RPG de computador que são pré-programados, pois, nesse caso, o
“mestre de jogo” – o programador – não participa ao vivo da ação.
107
L: É, ele ajuda pra você entender os “links”, assim. Eu tinha muita dificuldade de
entender os links. Talvez também porque eu entrei no meio do processo...
A: É... talvez fosse mais fácil se eu estivesse desde de o começo...
L: É! Para os “links” é essencial. Essa olhada de fora e te dizendo: “olha ali... tem tal
coisa”.
M: A gente não tinha experiência. Quando tu tem experiência você joga como
aquele rapaz lá o ....
A: Fernando, digo, Felipe.
M: O Felipe! Ele já tinha uma visão pra conseguir se situar, sabe? Então eu
confesso, por vezes ali eu me sentia perdido. Tinha horas que eu pensava: “É teatro
ou é RPG... o que é?”. Mas a tua presença e a presença da Biange quando davam o
foco ali é o que conduzia, era a linha. Eu acho muito importante, até pra diferenciar
o RPG dentro do teatro. Eu não sei o RPG fora como é que você trabalha, mas na
parte do teatro é legal, até porque, querendo ou não, fica um diretor dentro do RPG
como um personagem, pois você não está fora demais e você consegue conduzir.
Isso era o mais legal! Essas são as melhores lembranças que tenho, tanto lá (na
igrejinha) quanto aqui (na UDESC). Essa direção. (Entrevista com os jogadores
Marcio Cardoso. e Leandro Lunelli, realizada no dia 4/05/2011).
Além de:
1. Ser um ouvinte;
2. Responder ao que é oferecido;
3. Incorporar as ideias dos participantes;
4. Controlar o tempo;
5. Agir como diretor do drama;
6. Agir como dramaturgo;
7. Participar da ação;
8. Representar um papel ou papéis. (NEELANDS, 1998 apud VIDOR, 2010, p. 38).
108
A professora Beatriz Cabral, por sua vez, aponta as seguintes funções que o professor
pode assumir ao explorar a estratégia do Teacher in role:
- buscar auxílio ou conselho;
- buscar informações;
- coordenar – um investigador coordena uma equipe de policiais;
- desafiar – um detetive que não acredita que seus auxiliares serão capazes de
interpretar as pistas deixadas por um criminoso;
- introduzir informações. (CABRAL, 2008, p.21)
apresentação dos jogadores e instigando e exigindo que os jogadores mostrem com ações
físicas as características dos seus personagens.
O Drama desenvolve uma narrativa cênica a partir de um tema. Esta narrativa pode
partir tanto de um pré-texto quanto de outros estímulos, tais como narração, imagens
congeladas, jogos dramáticos, criação de assembleias de personagens, pantomima,
criação de objetos cênicos, pesquisa histórica e leitura de fragmentos de textos – dramáticos
ou não - teatro fórum ou rituais de canto e dança (DESGRANJES, 2006, p.128). Os alunos
são estimulados a interagir nesse mundo ficcional, agindo como eles mesmos, assumindo um
papel, ou ainda narrando os acontecimentos. O drama se desenvolve como processo, dando-se
em episódios e se estabelecendo em situações ficcionais que tenham alguma relação com a
realidade dos participantes. Tal processo é conduzido por um professor no papel ou professor-
personagem. Segundo Vidor (2010, p. 31), a proposta de Heathcote deixa explícita uma
dinâmica processual de criação dos acontecimentos baseados em improvisações que permitam
incorporar as ideias, experiências e proposições dos participantes.
O RPG, por sua vez, se desenvolve por meio de um sistema de colaboração entre o
mestre de jogo e os jogadores. O narrador, segundo o sistema Leis da Noite, oferece aos
jogadores um cenário e um “esqueleto”119, sobre os quais os jogadores trabalharão. Segundo
esse sistema, o mestre deve oferecer vários materiais aos jogadores para que eles não fiquem
entediados120. Considerando que em LARP muitas pessoas participam do jogo, é necessário
que o mestre procure criar tantas situações de jogo quanto sejam possíveis para que os
119
A expressão “esqueleto” aparece em Teatro da Mente – Leis da Noite. O correlato mais próximo a essa ideia
de “esqueleto” seria o pré-texto. Vale lembrar que os livros de RPG não são escritos em linguagem acadêmica e
muitas vezes chegam a empregar gírias em seu texto com a finalidade de estabelecer vínculos com os jogadores.
120
É importante lembrar que o objetivo do RPG é divertir os jogadores e, portanto, entediar os participantes é
uma falta grave cometida pelo mestre. Todos os sistemas de jogo sempre abordam a importância da preocupação
do mestre em manter o jogo como uma atividade divertida e prazerosa. Ver exemplos em GURPS (JACKSON,
1994.p. III) ou em Dicas de Mestre: Como se Divertir Mais com RPG (CASSARO, 2002, p. 17) ou qualquer
outro título de RPG. O Role-playing Game é um hobby, um passatempo, e não tem, a princípio, nenhuma
finalidade pedagógica ou artística. Tem potencial para ambos, conforme vemos em Pavão (2000, p.42),
Rodrigues (2004, p. 169) e Marcatto (1994, p.45), mas não é este o seu objetivo inicial.
110
121
Já tive a oportunidade de montar jogos sem tramas de subgrupos. Nem sempre faz sentido os jogadores se
reunirem em grupos e a ideia de subgrupos não é crível para todas as tramas. Contudo, nesse caso, as tramas de
personagem precisam ser ainda mais claras, pois o jogador fica sem possibilidade de explorar algumas intrigas
que um subgrupo pode oferecer.
111
vários dias, podendo durar anos. Cada encontro é chamado de episódio, significando que
naquele dia a história avançará um pouco mais. Os Mestres, tanto no jogo de mesa quanto na
LARP, planejam o que irá acontecer nesse dia. Esses objetivos, contudo, nem sempre são
diferentes entre si, pois o jogador está condicionado ao super objetivo da campanha ou
crônica. O que acontece na prática é que não se estabelecem diferenças significativas entre um
episódio e outro no que tange aos objetivos.
Na parte prática desta pesquisa, quando começamos a estabelecer objetivos mais
claros para cada episódio, dando menos espaço para o jogo livre, tivemos melhores resultados
no que diz respeito ao engajamento dos jogadores. Cada episódio tinha um tema e um foco, e
isso ajudou os participantes a encontrar o caminho do jogo, pois não tinham que dar conta de
todas as possibilidades ao mesmo tempo e no mesmo episódio. Cada episódio dava ênfase a
uma parte da trama do jogo, tornando o jogo mais objetivo.
Na primeira prática, confesso que senti falta das disputas de sorte. O hábito de resolver
as contendas na base do Jó-quem–pô me fazia sentir que faltava algo no jogo. Essa sensação
gerou questionamentos, tanto por parte da orientação da pesquisa quanto dos jogadores. Os
habituados com as práticas do RPG sentiam o mesmo que eu e perguntavam o porquê da
ausência de dados. Os jogadores com experiência teatral e sem conhecimento em RPG, por
outro lado, questionavam-me sobre o porquê de o RPG se valer desse artifício. Na metade do
processo o grupo quase se desintegrou por causa disso.122
Com relação ao problema dos dados, a questão que se estabelecia era com o que fazer
no caso da possível morte de algum personagem. Como ficaria a questão da possibilidade do
personagem se salvar em caso de morte iminente? Ele não teria a chance de recorrer à sorte
para se salvar? E se alguém o tentasse matar, não teria de disputar a sua habilidade de tiro ou
luta contra a sorte do outro personagem para possibilitar uma esquiva milagrosa? Para tentar
aprofundar o debate, o jogador Fernando Gonçalves, mestre de MMORPG e formado de Artes
Cênicas, propôs, durante a roda de discussão do jogo, que fizéssemos um acordo. Se algum
personagem fosse mortalmente ferido, o grupo avaliaria o contexto durante a cena e agiria de
122
E eu quase desisti da pesquisa.
112
acordo com o que esta apresentou: a cena seria resolvida em grupo. Afinal, o objetivo do jogo
não era vencer, mas dar continuidade a uma boa história.
Esta situação me fez refletir sobre o RPG: o que preserva os dados no jogo é o
princípio de Agon, de disputa, pois se espera que os dados respondam de forma concreta a
uma situação imprevisível, tirando do jogador sua responsabilidade de decidir sobre os rumos
do jogo. Por outro lado, o que interessa para um ator não é vencer ou perder na cena. Quando
procura “vencer” na cena, o ator tende a empobrecer as possibilidades de jogo que a situação
teatral lhe oferece. Os atores, no teatro, têm de jogar como um só time quando estão em cena,
improvisando juntos, e não como uma disputa entre atores para ver qual personagem se dá
melhor. Mesmo em jogos de improvisação123 com disputas, o que se vê são os atores de cada
grupo jogando, um a favor do outro, para fazer uma improvisação melhor que a do grupo
oponente. Nesse caso, se um personagem tem que morrer para que a cena aconteça, o ator
“não recusa” - como manda a regra básica da técnica de Clouwn – e encena a morte, conforme
pede o jogo de cena.
A partir dessa reflexão sobre a questão, comecei a entender que os dados não
fortalecem a aleatoriedade do jogo como se pressupõe; pelo contrário, eles a tolhem. Isso se
dá porque a relação entre as habilidades dos personagens no jogo de RPG e os resultados
obtidos nos dados está estabelecida por uma proporção matemática. Conforme o personagem
vai evoluindo durante o jogo, o jogador vai acumulando pontos de experiência que fazem com
que o nível de habilidade do seu personagem aumente, diminuindo assim a chance de falhar
nos dados. Isso faz com que os personagens, pouco a pouco, tornem-se mais e mais
124
previsíveis, pois sempre acertarão o golpe no oponente. Marcelo Cassaro “Paladino”
chama jogadores que exageram no poder de seus personagens de overpowers ou Big Bill,
conforme o jargão dos jogadores de RPG. Segundo “Paladino”, tais jogadores exploram ao
máximo as regras e sobrecarregam seus personagens. Cassaro comenta que, em uma carta
enviada à revista Dragão Brasil (nº 14), o leitor Umberto Titânia escreve:
123
Como é o caso dos atores do grupo Brincando no Quintal.
124
Um dos editores da revista “Dragão Brasil”, uma das principais publicações sobre RPG no Brasil. Ele é
conhecido pela alcunha de “Paladino”. A publicação da qual extraio seus comentários é um livro com
compilações de vários artigos publicados na revista Dragão Brasil. Pra que não haja confusão na hora de buscar
pela referência, trata-se do livro “Dicas de Mestre” que consta na bibliografia.
113
125 126
pela história, ou nos conflitos entre PCs e NPCs , subjacentes nas várias cenas
pelas quais passa como se fosse um furacão. Seus personagens sempre são
excessivamente musculosos, lindos, ‘inteligentes’ e OCOS, sem nenhum conflito de
consciência, com histórias que são colagens malfeitas de outros personagens
supostamente heróicos. (CASSARO, 2002, p. 26-27)
E mais à frente:
Cassaro (2002) ainda afirma que o jogador overpower pensa no RPG como um
quebra-cabeça e a construção de personagem como um desafio estratégico. Ele não está nem
um pouco preocupado com o conteúdo emocional ou conflitos de consciência do personagem,
apenas tenta criar um herói tão poderoso quanto possível dentro do limite das regras (Cassaro,
2002, p. 27). Ele afirma que essa atitude pode ser divertida e lícita dentro do jogo de RPG,
mas não costuma dar certo quando misturada com jogadores que preferem interpretar
personagens. Daí o choque dessa atitude com o universo do teatro. No teatro, os atores
(jogadores) estão interessados em desenvolver seus personagem e explorar seus dramas, não
em dar poder aos seus personagens. E no caso do teatro que não trabalha com a noção de
personagem (actantes, performers, etc...) essa discussão simplesmente não faz sentido.
Cassaro reforça que o papel do Mestre nesse caso é fundamental para dar limites tanto aos
jogadores quanto aos seus poderes.
Ao tratar da questão dos dados e do papel do Mestre127 na relação do grupo com esses
objetos (os dados) Cassaro parte de duas frases emblemáticas de dois grandes físicos do
século XX:
125
Player Character ou personagem do jogador.
126
Non Player Character. Personagens manipulados pelo Mestre.
127
É importante lembrar que no RPG o Mestre muitas vezes é considerado um deus no jogo, uma vez que cria
mundos e suas regras de funcionamento, bem como propõe quase todos os acontecimentos do jogo.
114
128
Cassaro então aponta que existem dois modos de “mestrar” : o método Einstein e o
método Hawking. Resumidamente, o método Einstein dispensa dados e sugere que os
jogadores e o Mestre mantenham o foco na interpretação de personagem, enquanto que o
método Hawking se baseia no uso de dados, que podem ser mostrados para os jogadores ou
serem jogados de maneira velada, de forma que o mestre decida se o resultado do dado
interferirá ou não no resultado do jogo. Segundo “Paladino”, a vantagem do método de
Hawking é que a rolagem de dados dá mais emoção para o jogo, pois a sorte lançada nos
dados e o resultado obtido geram um grau de expectativa que anima o jogo. Todavia, esses
métodos de “mestrar” o jogo se aplicam mais para o jogo de mesa que para a LARP. O
método Einstein aplica-se muito mais aos jogos que tem como ponto de partida a
interpretação de personagem, como é o caso da LARP e como foi o caso da nossa prática.
Ao decidir pelo “método Einstein” e investir na atuação, o jogador faz o personagem
evoluir de outra maneira, diferente daquela voltada aos pontos, tão desejada pelo jogador
overpower. Nesse sentido, a jogadora Tainá Fronner, que jogou na segunda prática dessa
pesquisa, comenta:
(...) criei uma personagem que eu adorei representar, gostaria de ter mais
tempo neste trabalho para poder continuar explorando a minha personagem, sei que
ela podia expandir muito mais, tenho a dizer que foi um ótimo trabalho e divertido.
Nós tivemos mais espaço para criação e envolvimento com os outros
personagens. Achei interessantes os problemas propostos por todos e como eles
tinham ligação entre si.
No caso do jogo sem dados, o que evolui no personagem é o seu papel na trama do
jogo. As relações entre os personagens se estabelecem no início do jogo, mas mudam e
evoluem durante a atividade. Um personagem aparentemente sem importância no início da
trama pode se tornar rei ao final do processo. Um personagem bondoso pode ir
paulatinamente mostrando seu lado perverso. Outro aspecto que evolui durante o jogo é a
relação do jogador com seu personagem. Ele pode explorar mais suas características internas,
ser desafiado a permanecer um longo período de tempo com uma característica física do
personagem e sustentar seu gestual por muito tempo. A ausência de dados exige mais do
trabalho em equipe e diminui a competição, coloca os jogadores cara-a-cara e os obriga a
optar por decisões lógicas e evitar soluções fantásticas, pois não haverá dado nenhum ou sorte
para salvá-los.
128
Verbo inventado pelos jogadores de RPG para definir o papel do mestre.
115
CONSIDERAÇÕES FINAIS
noção de jogo ao universo do teatro. Ferál (2008) avança nesse sentido, dizendo que o centro
da noção de teatralidade é o jogo cênico. O autor afirma que o que estabelece as polaridades
entre o ator (ser real) e o espaço outro da teatralidade é o jogo cênico. Este jogo cênico produz
um “aqui e agora”, estabelecendo um acordo tácito entre os jogadores e os espectadores, de tal
forma que os objetos e o espaço, nesse contexto de teatralidade, convertem-se em objetos e
espaços teatrais – espaços de ficção. Esses espaços são delimitados por quem faz e,
principalmente, por quem vê e dá valor para o que é visto.
Ainda na relação entre jogo e teatro, quando se relaciona jogar papeis, representar e
atuar, tal qual foi abordado comparando os trabalhos de Pavis (1999) e Ferracini (2010),
vimos que tais conceitos estão dentro de uma mesma categoria, de modo que tais noções são
quase que auto-referentes umas às outras. Desse modo, o Role-playing Game pode, pelo
menos do ponto de vista da noção de jogo, ser entendido como um jogo de
representação/interpretação/atuação de papeis/personagens. A dificuldade de definir em que
ponto exato em que se atua, representa ou interpreta os diversos níveis de personagens
(actante, papel, máscara, tipo e outros...) em RPG, depende muito de diversos fatores, tais
como o tipo de sistema, a modalidade, o nível de comprometimento do jogador com seu
personagem, o modo como este ser ficcional é construído, a forma como é
jogado/atuado/representado pelo jogador, a forma como o Mestre elabora a sua trama, entre
outros aspectos. Por fim, apresento as diferentes modalidades e sistemas de RPG.
De posse desse arcabouço conceitual, foi possível observar a nossa prática em dois
capítulos. O segundo capítulo apresenta as duas práticas em suas etapas de elaboração e
desenvolvimento. Na primeira prática busquei trabalhar com a LARP, fazendo pequenas
adaptações, mas buscando observar os elementos de teatralidade e performatividade
implícitos no jogo. Nessa fase pude observar que o jogo possui certa teatralidade, porém, essa
por vir dos jogos de tabuleiro e mesa, está muito vinculada ao uso da imaginação e da
narração como modo de solucionar conflitos e resolver as situações dramáticas do jogo. O
problema do excesso de diálogo e imaginação é que faltam coisas para serem vistas, pois a
performatividade do jogo, nesse caso, está mais ligada a um sentido introdutório do conceito
de performativo129 (ligados os atos de fala de Austin – ou seja, performativos felizes e
infelizes) e deixa de lado a noção de ação preconizada nos perfomance studies.
129
O conceito de performativo proposto por Austin (1990). Dentro desse conceito, o falar pode realizar ações,
tais como o “sim”, proferido em um casamento, que consuma o ato de união.
117
Outro ensinamento que adquiri no processo foi a percepção de que o resultado de uma
situação cênica não depende da sorte para ser resolvida, mas de ações. Tanto um ator quanto
um jogador precisam estar conscientes de que seu papel no jogo é sempre fundamental para o
todo. O jogador e o ator nunca devem se omitir do seu papel, não importando o quão simples
este possa parecer. Saber ouvir e responder ao que o jogo oferece é fundamental para
qualquer situação teatral.
Também aprendi que os jogadores devem ser desafiados. O mestre deve sempre ter em
mente que os jogadores precisam de desafios, e o melhor meio de oferecer isso aos jogadores
é impondo obstáculos e apresentando problemas para que os jogadores os resolvam. Nesse
sentido, Viola Spolin nos lembra que a ideia da solução de problemas é trabalhar com
problemas para solucionar problemas. O problema oferece um foco tanto para o aluno quanto
para o professor. A solução de problemas exerce a mesma função que o jogo ao criar uma
unidade orgânica de liberdade de ação, mantendo todos os participantes em um mesmo
contexto.
Aprendi que o jogo de RPG deve ser expressivo se o quisermos inserir no campo do
teatro. É necessário sempre estar ciente das propostas dos performance studies no que tange
ao agir. Nesse sentido, resgatando a abordagem de Féral (2008) a respeito do discurso de
Schechner, devemos estar focados em:
1) Ser/estar, ou seja, se comportar;
2) Fazer;
3) Mostrar o que faz. Ou seja, dar-se em espetáculo, mostrar (ou se mostrar).
4) Explicar essa exposição do fazer. (FÉRAL, 2008, p. 63).
Além disso, aprendi que, para os participantes, LARP deve ser, antes de tudo, uma
experiência, ou seja, aquilo que nos passa, que nos acontece, e não aquilo que simplesmente
passa ou acontece. Experiência é algo que nos deixa marcas. O sujeito da experiência é, antes
de tudo, um território de passagem.
Aprendi ainda que o RPG pode ser tanto um processo quanto um produto. Isso abre
precedente para trabalhar com o jogo tanto no universo da pedagogia do teatro, no
treinamento de atores (portanto processo), quanto como um jogo de um dia só (produto – que
poderia, por exemplo, ser um espetáculo teatral, performance ou outra atividade artística que
utilize o RPG). Esta pesquisa abre a possibilidade de ampliar a teatralidade do jogo como
espaço rico em interações entre participantes.
Para uma futura pesquisa, tenho o interesse de buscar com o jogo de RPG uma forma
artística (drama, teatro, performance, etc.) que apresente o mesmo tipo de agência dos
120
atuantes espectadores que hoje encontramos no jogos de videogame. Nesses jogos (da linha
do XBOX 360® e Playstaition 3®, por exemplo), os participantes assistem a uma trama muito
rica em acontecimentos e imersiva, pois no meio das partes jogáveis existem vários vídeos
que são partes fundamentais da trama do jogo e que são semelhantes a filmes de ação e
suspense. Os jogadores assistem a esses vídeos e atuam com seus personagens nesse
ambiente virtual proposto pelo jogo, sendo, portanto, atuantes espectadores.
Criar um espaço dramático que permita que façamos isso com nosso corpo e nossa voz,
interagindo com pessoas reais é um desafio que o Role-playing Game nos mostra ser possível
vencer. Cabe agora potencializar este “algo a ser visto” no jogo, criando cenas para apresentar
aos jogadores e produzindo uma cenografia interativa que obrigue o atuante espectador a
encontrar significados para cada objeto, reconstruindo a história do jogo a sua maneira e
escolhendo os caminhos que levarão o enredo ao seu fim.
121
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124
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APÊNDICE
126
A seguir, incluo as fichas preenchidas pelos jogadores, lembrando que estão em itálico
as indicações do mestre.
associação dos moradores, pois não podia mais datilografar. Theodoro então o convidou para
trabalhar na igreja com ele. Isso recuperou seu status e Edivaldo, portanto, deve muito ao
amigo. Ele sabe que Theodoro desvia dinheiro da igreja para si e não acha isso certo, mas,
como ele é mais velho e lhe ajudou muito, João nunca tomou coragem de contar isso aos
outros. Este segredo é uma tortura para ele e Edivaldo sente que é pecador por ajudar um
amigo em um roubo. Ele saiu poucas vezes da ilha, por isso admira muito seu amigo
Theodoro, que veio da capital.
Idade: 26 anos
Qual é o seu segredo? Faz parte de uma seita secreta de mulheres, cuja líder é a sua avó
(Ione).
Profissão: Auxiliar técnica de enfermagem e curandeira (iniciando conhecimentos de
parteira, plantas e outros truques).
Parentes e conhecidos na cidade: Edivaldo (irmão), Ione (avó), Ana Rosa (irmã mais velha)
Lau (pai) Ricardo (melhor amigo secreto).
Características: Cabelos compridos, magra, atraente. Gosta de usar decotes, salto alto e
acessórios brilhantes. De uns tempos para cá, o pastor anda proibindo essas coisas na ilha.
Karem quer movimentar as mulheres da ilha para conseguir usar essas vestimentas.
Habilidades: Anatomia, fisiologia e plantas medicinais (iniciante). Costuma não ter
problemas com cheiros fétidos.
Objetos e artefatos: Possui um colar de pedra da lua que está sempre no seu pescoço.
Acredita que ele traz proteção. (o pastor já tentou tirar ele de Karem).
História do personagem: Trabalha há 4 anos como enfermeira no posto médico local. É uma
das poucas pessoas habilitada a atender emergências na ilha. Devido à precariedade da saúde
do local, desenvolveu um pouco de conhecimento de métodos de cura junto com as mulheres
da região. É carismática e tem muito ímpeto. Nunca entendeu porque o pastor escolheu sua
irmã ao invés dela. Se conseguir, quer tirar o pastor da irmã.
não tirava a roupa. Quando Ione conseguiu convencê-la, notou que ela tinha marcas na
perna – marcas de abuso.
Ione também sofreu isso na sua infância e sabe do que se trata, mas não sabe quem
foi o agressor, nem existem provas. Betty não fala e não tem coragem de olhar para ninguém.
Não se não pode incriminar alguém sem provas. Ione quer encontrar provas e saber quem foi
o Demônio que fez isso com a pequena Betty.
Outro segredo: Ione sabe que Theodoro da Luz tem traços afeminados... e o quer em
seu grupo de mulheres. Ele não é mulher, mas tem energia feminina e por isso pode ser um
aliado. Para isso, ele tem de submeter-se a uma iniciação com o grupo. (Por ser importante
para a trama, muito foi escrito na ficha desta personagem).
Profissão: Benzedeira
Parentes e conhecidos na cidade: Conhece todo mundo na cidade. Ajudou a parir todos e os
que não conhece não lhe interessa muito conhecer, pois não gosta de forasteiros.
Características: Defeito na face. Sempre usa lenço para cobrir o pescoço e parte de baixo da
face.
Habilidades: Mexer com ervas, pedras, conchas e fazer benzeduras.
Objetos e artefatos: Pedras, sementes, conchas.
História do personagem: Histórias amargas a tornaram amarga. Foi abandonada no pé do
altar.
Revoltada, faz intrigas e descobriu a vida de muita gente. Gosta de manipular as filhas. Junta-
se semanalmente com as mulheres da ilha para ensinar algumas receitas, conversar, fofocar e
praticar benzeduras. Às vezes é chamada de bruxa pelas crianças da região.
magias espalhadas na ilha e também está disposto a negociar apoio para o vereador de um
cargo maior para ele (seu Lau). Wagner possui uma carta do prefeito, que pertence a sua
igreja, pedindo indicação para o cargo de secretário municipal da pesca. Ele pode indicar
quem quiser, mas os mais aptos para isso são o Seu Lau e o Seu Joaquim Sousa. A indicação
não garante a efetivação no cargo, por isso Wagner não quer “gastar cartucho” com o seu
filho adotivo – até porque, ele é tolo demais e não estaria apto a seus desígnios enquanto seu
treinamento não estiver concluído.
Com o dinheiro da igreja Wagner ajuda a manter a escola da ilha. Com isso,
conseguiu colocar lá um professor de religião (o professor particular) para pregar na escola
também. No início do seu casamento, Wagner teve um caso com a mulher de Chico Souza
(dono da construtora), o que se originou de uma proposta da jogadora.
Profissão: Pastor.
Parentes e conhecidos na cidade: Primo contador da igreja, vereador (sogro) Mão do
vereador (com quem disputa o poder verdadeiro da cidade). Tem grupo secreto de homens
com o chefe dos empreiteiros em que participam o seu primo, o dono da empreiteira, seus
filhos adotivo, o professor e Chico Sousa. Quer aumentar o grupo, mas teme o poder do
vereador e a influência da mãe dele.
Características: Veste-se de maneira clássica e elegante.
Habilidades: Facilidade para lidar com pessoas e grande poder de persuasão.
Objetos e artefatos: Caixa contendo artefatos que o ligam a uma sociedade secreta.
História do personagem: O pastor nasceu na localidade e sempre esteve envolvido em
trabalhos sociais. Mudou-se para a capital para estudar, onde se tornou evangélico. Voltou
como responsável pela igreja local incumbido de construir um templo de Jesus naquela
localidade de grande potencial turístico. Casou-se com uma mulher que não era rica, mas que
é de uma família muito tradicional, por interesse de maior projeção na sociedade. Este
casamento encaminhou um maior número de conversões e agora os pescadores são quase
todos evangélicos. Ele não aceita música que não seja cristã (Rock, Funk ou outras não podem
entrar na ilha). Não aceita curandeirice nem jogos de azar. Também não aceita mulher vestida
de forma indecente nem homem afeminado. Quer fazer desaparecer da ilha os maus costumes.
Qual é o seu segredo? Sabe que o pastor quer fazer do filho adotivo dele (Amir Silva) seu
sucessor, seja na igreja, seja na vida política. Rafael está sendo pago para dar aula ao
menino e não à filha Betty, como as pessoas pensam. Rafael sabe que Amir tem algum
distúrbio mental estranho e não sabe definir direito o que é. Na verdade ele serve de boneco
na mão de quem o manipular. Rafael está incumbido de escrever e ensaiar os discursos de
Amir. Além disso, ele dá aulas de religião na escola, para pregar e manter a palavra da
igreja presente em todas as camadas da comunidade. Certa vez, quando foi pegar os cadernos
de Amir, encontrou, sem querer, o caderno de contas de Theodoro da Luz (contador da igreja
e sobrinho do pastor) e notou que estavam estranhas. Isso gerou a suspeita de que ele estivesse
roubando o pastor. Se conseguir provas disso, Rafael talvez possa tomar o seu lugar e ter
algum lucro com isso.
Profissão: professor de séries iniciais e professor de religião.
Parentes e conhecidos na cidade: Comunidade da igreja e escola local.
Características: Usa óculos, e está sempre arrumado. Gesticula quando fala e faz vozes.
Habilidades: Pedagogia, paciência, caminhadas.
Objetos e artefatos:
História do personagem: Recém-formado na capital, foi contratado pelo pastor para dar
aulas na ilha. Apaixonou-se pelo local e no ano passado mudou-se para a ilha. Está alugando
uma casa e comprou um terreno para construir. Este terreno foi invadido, e agora está
desesperado, pois investiu ali muito dinheiro. Rafael quer que o pastor lhe ajude a recuperar a
sua casa, pois com os deslizamentos de terra que aconteceram na ilha, os aluguéis ficaram
muito caros. Está procurando uma companheira.
Amir quer encobrir esta história e encontrar qualquer pessoa que tenha uma prova e , se for
preciso,eliminar essas pessoas.
Outro segredo: o pastor quer que Amir seja o seu substituto. Amir não sabe ler nem
escrever, fala errado e pra ser sincero... é até meio burro, mas tem se esforçado muito para
aprender com o professor particular. Ele está ensaiando para falar em público no próximo
culto e tomando aulas de interpretação com o professor.
Profissão: Artesão (dizem que ele não faz nada direito). Futuro político.
Parentes e conhecidos na cidade: Seu Luiz da padaria (amigo e trocador de fofocas), putas,
pastor, professor e Betty.
Características: Cabelo comprido, bem vestido, simpático e falso.
Habilidades: Perito em fofocas (ouviu dizer, por exemplo, que Theodoro da Luz, contador da
igreja, gosta de meninos).
Objetos e artefatos: Crucifixo
História do personagem: Veio de uma família pobre da cidade e na infância foi ajudado pelo
pastor. Ele assumiu-o como filho adotivo. Sempre foi tratado de forma ríspida, mas o tinha
mesmo como um pai, pois seu pai biológico abandonou-o devido ao álcool. Passou a viver na
casa dele e dentro da igreja.
130
A Jogadora não completou o personagem. Ficou difícil saber o que ela queria.
133
Habilidades: facilidade para lidar com pessoas. Benzeduras. Capacidade de persuasão (tem
de interpretar, não basta colocar na ficha...). Dança, vendas (tem de interpretar) .
Objetos e artefatos: Punhal.
História do personagem: Mora no bairro desde que nasceu. Quis ajudar seu pai, pois nem
sempre a sua família foi próspera. As coisas pioraram quando seu irmão sofreu um ferimento
com arpão na mão e não pode trabalhar. Quando o pastor chegou, a possibilidade de
prosperidade apareceu. Tinha um caso com outro homem, mas sua avó Ione empurrou-a para
o pastor e ela então chegou a acreditar que estava apaixonada por ele. Hoje se sente mal com a
situação, mas não acredita em separação. Tem muita coisa em jogo no casamento deles. Caso
se separem a sua família pode ficar sem o apoio da igreja.
Qual é o seu segredo? O dia que mudou sua vida foi um ato criminoso que resultou na morte
de 2 pescadores em alto mar e num roubo de 20 toneladas de peixe, que o capitalizou para
montar sua empresa de construção.
Profissão: Empresário.
Parentes e conhecidos na cidade:
Características: pele envelhecida pelo sol.
Habilidades: Pesca, negócios, lábia.
Objetos e artefatos: chapéu, faca, pistola... (tem de conversar com o mestre).
História do personagem: Pescador tradicional que após grande pescaria conseguiu dinheiro
suficiente para fundar sua empresa. Participa com o pastor e outros homens de uma confraria
masculina que tem por objetivo definir os rumos políticos da cidade.
tornou rico. Teve um caso com o pastor, sendo que um de seus filhos é dele. Dona de Casa
voluntária no posto médico. Sabe que seu marido tem encontros secretos com o pastor e quer
saber o que eles estão tramando.
Nome do Jogador: Raul Barbosa (Este jogador participou de poucas sessões de jogo e não
escreveu muito. Acabou saindo no meio do processo).
Nome do personagem: Manoel Sousa
Frase que define o personagem: “Quem fala muito age pouco, sou de fazer, não de falar”.
Idade: 27
Qual é o seu segredo? (O jogador não preencheu esse campo nem os demais).
Profissão:
Parentes e conhecidos na cidade:
Características:
Habilidades:
Objetos e artefatos:
História do personagem: Filho primogênito, Manoel foi criado para herdar os negócios da
família. Teve uma educação formal conceituada e se formou bacharel em contabilidade,
focando sua atuação na empresa do pai. Acredita superar o pai e quer que o mesmo passe,
ainda em vida, uma procuração em seu nome para controlar a empresa. Está disposto a apoiar
o pastor, se ele o ajudar a tornar-se o novo líder nos negócios da família.
PRÁTICA II (UDESC).
Qual é o seu segredo? Tem um caso com a filha do Beslau (construtor). Também é o
responsável pelas invasões de terras. Tem o desejo de se tornar prefeito, e para isso não mede
esforços. A secretária é sua filha bastarda. Walmor é submisso a sua mulher.
Profissão: Ex-pescador, chefe da associação de pescadores e atual vereador representante da
Ilha na cidade.
Parentes e conhecidos na cidade: Família do pastor (filha adotiva – Solange)
Posseiros (doou terras a eles)
Charlene (sobre os segredos da família)
Características: Sorriso no rosto, postura reta, passos largos. Gestos com mãos expressivas.
Roupa social e cabelo grisalho.
Habilidades: Cozinha e costura
Objetos e artefatos: Relógio de bolso, única lembrança de seu pai pescador
História do personagem: Valdisney extorque dinheiro de Walmor, pois sabe de sua ligação
com os posseiros. Walmor trabalhava com Vicente Beslau em um barco pesqueiro antes de os
dois mudarem de profissão. Um dia, um barco com uma carga de pesca muito grande foi
roubada e ninguém sabe quem foi o autor do roubo. Estranhamente, anos depois, Walmor viu
que Beslau montou sua construtora. Sabendo que ele não tinha dinheiro para fazer a
empresa, começou a suspeitar.
Seu objetivo é provar que Beslau roubou o dinheiro e que não tem direito às terras. Para
atrapalhar os planos dele, Walmor chamou os posseiros e, junto com o pastor e com um dos
capatazes de Beslau, mantém um grupo de resistência.
História do personagem: Sabe que o pastor tem um caso com a mulher do empresário
Beslau (construtores). Foi uma graça divina, por isso recebeu o nome de Maria das Graças.
Sua mãe não conseguia ter filhos e de repente ela nasceu. É religiosa, mas tem desejos sexuais
ao extremo.
Ela sabe que o filho do pastor (Ananias) fica espionando pela janela e se exibe para ele.
Também o usa para conseguir o que quer.
Betty a viu assim. Se sente um pouco culpada porque acha que a doença dela possa ser culpa
sua.
Profissão: Estudante
Parentes e conhecidos na cidade: Família do pastor, Família Beslau, Alex e as mulheres da
Confraria feminina
Características: Bonita, anda saltitante
Habilidades: Sabe dançar e beijar meninos, mas fala muito e faz pouco. Vai bem na escola. É
boa aluna
Objetos e artefatos: Chicletes para ficar mascando.
História do personagem: Menina educada, que ama muito o seu pai. Quando nasceu, sua
família já estava bem de vida. Sempre teve tudo o que quis, escola, roupas, etc... é muito
apegada a sua irmã mais nova. Tem bons amigos na escola.
Objetivo: Fazer com que Tobias Beslau seja descoberto. Será que ele não está fazendo isso
com mais gente? O filho do pastor pode ajudar. Ele é louco por Carolyne e quer evitar que
acusações caiam sobre ela.
Frase que define o personagem: Vamos brincar na Floresta? Nós estamos na floresta mesmo
e quando o homem chegou, tão de repente, Betty desmaiou.
Idade: 14 anos.
Qual é o seu segredo? Dançou nua na floresta. Apaixonada por Jarbas. Participa de uma
confraria de mulheres, se bem que até bem pouco tempo ainda brincava de bonecas com a
Betty. Ana Helena a viu no dia em que ela parou de falar. Ela estava com o corpo
machucado, com sangue nas partes íntimas. Isso a deixou muito assustada.
Profissão: Estudante.
Parentes e conhecidos na cidade: Família do pastor, Jarbas, Família do vereador e mulheres
da confraria.
Características: Assanhada (batom borrado), Roupas de criança (roupas curtas), agitada.
Habilidades: Dançar e costurar.
Objetos e artefatos: Anel, boneca.
História do personagem: Menina dedicada, mas que foi influenciada pela irmã e pretende
seguir a instrução dela. Gosta muito de brincar.
Objetivo: Conseguir dar um beijo em Jarbas. Dançar nua mais uma vez.
Família do pastor
relacionar com ele até hoje. Teve uma filha com ele. Heraldo e os posseiros têm um acordo,
não para invadir as terras propriamente ditas, mas ele os paga para que eles assustem a
comunidade com falsas magias, pois assim mantém o controle da cidade e o povo dentro da
igreja. Heraldo instiga a ideia de que a ilha é uma terra de pecados e sem a igreja todos
estão condenados à danação.
O capataz de Beslau (Valdecir) traz pessoas para as invasões de terras e Heraldo
sabe disso. É ele que agencia as coisas entre os invasores e eles. Sabe quem é o verdadeiro
responsável pelas invasões de terras. Valdisney (construtor, ajudante de pedreiro) extorque
dinheiro dele, pois sabe de sua ligação com os posseiros. Ele não conta nada ao Beslau, pois
sabe que assim ganha dinheiro. Heraldo quer dar um jeito de fazer Valdisney sumir. Para
isso pensa em acusá-lo de invasão de privacidade. Quer pegar ele me flagrante espionando e
dessa forma convencer a comunidade a expulsá-lo da ilha.
Qual é o seu segredo? Ananias agiu como receptador de uma carga de peixe que Beslau
(líder dos construtores) roubou muitos anos atrás. Ananias vendeu essa carga na capital e
repassou o dinheiro a Beslau. Ele montou a construtora e em troca dá a igreja um dizimo
enorme como pagamento a Ananias. O pastor não sabe da transação, pois o que Ananias fez
foi lavagem de dinheiro. Ananias oculta a transação tanto do pastor quanto do resto da
cidade.
Justifica tudo em nome de Deus. Pegou em flagrante a sua irmã fazendo magia na floresta
(nua) e acha que a pequena Betty está doente por culpa dela. Ananias acusa sua irmã de
bruxaria e quer que ela seja enviada para fora da cidade.
Profissão: Pregação e contabilidade da igreja.
Parentes e conhecidos na cidade: Família do pastor, Beslau e sua mulher e a família do
vereador (as meninas são suas primas).
Características: (O jogador não preencheu esse campo).
Habilidades: Percussão; conhecimento profundo da Bíblia; contabilidade.
Objetos e artefatos: Bíblia, caneta, calculadora, artefatos de bruxaria.
História do personagem: Criação rígida sob a orientação do pai pastor. Odiou sempre a irmã
adotada, porém sempre invejou a liberdade dela. Quando assume a responsabilidade da
família, é pior que o pai. Leitor assíduo da Bíblia, já não sabe se confia nela. Teve sempre
vontade de se aproximar das meninas da família do vereador e para chamar a atenção colocou
alguns artefatos de “macumba” pela cidade, mas na verdade não entende nada disso. Não
dorme bem, fica pensando nas meninas. Ou sai pela rua espalhando “macumba”.
esses lugares, passa por túneis e caminhos com barro. Nesses lugares, consegue ver tudo o
que se passa com a cidade inteira.
Já foi pego espionando duas vezes. Uma pelo pastor e outra pelo vereador. Conseguiu
extorquir dinheiro deles. Sabe que o pastor usa os posseiros para assustar o povo fazendo
“magias”. Sabe que o vereador tem contatos na cidade com gente ligada aos posseiros.
Gravou uma ligação dele falando com um agente sobre as terras dos posseiros. Ele sabe que
não pode contar ao seu patrão sobre isso logo, pois assim ficará sem dinheiro. Seu patrão só
abusa de dele,, por isso também quer mais é que ele se dê mal. O que quer é ganhar mais
dinheiro para a sua poupança, pois não tem vínculo afetivo com quase ninguém da cidade. Já
viu mulheres nuas dançando na floresta e teve a impressão de ter visto Charlene entre elas.
membros congelaram e atrofiaram e ele teve sequelas cerebrais. Vicente se sente muito
culpado por isso.
Qual é o seu segredo? Agencia pessoas para invadir terras. O vereador é quem lhe contratou
para fazer isso. Conhece o líder dos posseiros. Já foi um deles.
Profissão: Mestre de Obras.
Parentes e conhecidos na cidade: Família Beslau e quase todos da cidade. Não é nascido na
ilha. D’Rejane (noiva).
Características: Pessoa mais velha, que obedece e manda.
Habilidades: Sabe lidar com pessoas. É um ótimo mestre de obras.
Objetos e artefatos: Caixa de ferramentas.
História do personagem: Nasceu em uma vila pobre por isso teve de se virar sozinho.
Acabou indo para a Ilha de São Sebastião porque sabia que precisavam de mão de obra. Está
noivo de D’Rejane. Ela é manca de uma perna e não pode ter filhos. Tem um conflito se casa
ou não com ela por causa de sua infertilidade. Valdecir nota que ela tem um certo ódio de não
ter filhos e que ela olha estranho para mulheres grávidas e para bebês. Valdecir já teve a
impressão de que ela queria matá-los. Talvez ela tenha algo a ver com a pequena Betty, mas
ele prefere nem pensar nisso. Valdecir recebe dinheiro do vereador para agenciar as
invasões de terras e os ajuda a se manter na ilha.
História do personagem: Irmão mais novo do Clã Beslau, casou-se com Verônica, pois ela o
abusa. Gosta de crianças, e não suporta o fato de não ter filhos.
História do personagem: Órfã, não sabe sua origem. Foi criada pela Velha junto com suas
duas irmãs. Vê e ouve espíritos desde pequena, mas foi mal orientada e acabou usando o dom
para ganhar dinheiro.
Objetivo: Dominar as mentes para controlá-las.
Qual é o seu segredo? Tem um caso com Ana Helena, filha do vereador, de 14 anos para
usá-la em rituais macabros. É amante de Verônica Beslau. Usa adolescentes em rituais
macabros.
Profissão: Professor de Libras.
Parentes e conhecidos na cidade: Verônica Beslau. Ana Helena Pereira.
Características: Olhar suspeito, desconfiado, magro.
Habilidades: Ótimo professor, clarividência, inteligência.
Objetos e artefatos: (não possui celular, não pega na ilha) caderninho.
História do personagem: Jarbas José Cardoso foi professor de Libras na UESS
(Universidade de São Sebastião – que fica no continente e não na ilha). Casado com Doroteia
cabrita, mora com ela e suas irmãs. Sua família tem habilidades místicas como clarividência e
feitiçaria. A pedido do pastor, Marcos está fazendo feitiçaria na ilha. Quer fazer um ritual
com a filha do vereador e colocar a culpa no pastor.
Objetivo: Se tornar um político (vereador), engravidar Anna Helena e fazer o ritual com o
filho dela.