Teatro e Representatividade Queer
Teatro e Representatividade Queer
Teatro e Representatividade Queer
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
TEATRO E REPRESENTATIVIDADE
QUEER: experiências com a
metodologia do drama na escola
FLORIANÓPOLIS, 2019
FERNANDO AUGUSTO DO NASCIMENTO
Banca Examinadora:
Orientadora: ________________________________________________
Dra. Heloise Baurich Vidor
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC)
FLORIANÓPOLIS, 2019
“Dedico este estudo a todos/as crianças e adolescentes viadas que resistem e se
empoderam na escola e no teatro. Em especial aos/as professores/as-artistas queer,
os/as quais também retornam à escola e compartilham afetos e empoderamentos
aos/as alunos/as”.
AGRADECIMENTOS
Ao teatro, gratidão!!!
À minha mãe, Maria Edleusa do Nascimento Cruz (in memoriam); e, ao meu tio, Sebastião
Ferreira Filho, por contribuírem na construção de mais este sonho.
À minha orientadora, profa. Dra. Heloise Baurich Vidor, pelos conhecimentos e por caminhar
ao meu lado nestes percursos que me prorpocionaram descobertas, afetos e emancipação.
Aos/as amigos/as professores/as-artistas de São Luís - MA, Ma. Dayana Roberta, Ms.
Jurandir Eduardo e Ms. Vinicius Vina, pelas trocas e incentivos, antes, durante e após a
escrita da dissertação. Além dos/as amigos/as de Florianópolis – SC Gabrielli Veras,
Giovanna Bittencourt, João Ferreira, Ma. Elisângela Leite e Moira Gonçalves que também
acompanharam-me nesta caminhada.
À banca, composta pelo professor Dr. Vicente Concílio e professora Dra. Melissa da Silva
Ferreira, pelas contribuições, as quais foram essenciais para delimitar os rumos finais desta
pesquisa.
Aos/as amigos/as Pedro Viana, Patrícia Reis, Thaís Brito, Gleydson Castro, Felipe Façanha,
Alderico Segundo, Júlia Naomí, Ms. Carlos Licar, Ms. João Nunes e Ms. Thiago Viana.
Aos/as colegas de turma, funcionários/as e professores/as do Programa de Pós-Graduação em
Teatro da UDESC.
Ao professor-artista Ms. Luís Antonio, pelo acolhimento e conversas durante a pesquisa de
campo na escola Centro Educacional Dr. Clarindo Santiago, em São Luís – MA.
Aos/as professores/as que compartilharam suas narrativas queer para este estudo, a saber:
prof. Ms. Anderson Pinheiro, profa. Ma. Beatriz Sousa, prof. Arthur Gomes, prof. Ms. Luis
Rocha, profa. Catarina Moreira, profe. Dr. Tiago Cruvinel e prof. Ms. Leonardo Calixto.
Às professoras Dra. Jimena Furlani e Dra. Sônia Melo, importantes teóricas dos estudos de
gênero e sexualidade na educação, que acolheram-me durante as aulas que acompanhei no
curso de Pedagogia – UDESC.
À Fundação de Amparo à Pesquisa Científica e Tecnológica do Maranhão – FAPEMA, a qual
financiou minha bolsa de pesquisa durante o segundo ano de mestrado, proporcionando-me
dedicação aos estudos acadêmicos.
Aos/as professores/as, diretoras, técnicos/as educacionais e demais funcionários/as da escola
Centro Educacional Dr. Clarindo Santiago. Especialmente, aos/as alunos e alunas que criaram
comigo os processos criativos em sala de aula.
À escola e à Universidade públicas!!!
“O que me impede de sorrir
É tudo que eu já perdi.
Eu fechei os olhos e pedi…
Para, quando abrir, a dor não estar aqui.
Mas sei que não é fácil assim, mas vou aprender no fim.
Minhas mãos se unem para que, tirem do meu peito o que é de ruim […]
E vou dizendo… tudo vai ficar bem e as minhas lágrimas vão secar.
Tudo vai ficar bem e essas feridas vão se curar [...]
Se recebo dor, te devolvo amor [...]
E quanto mais dor recebo, mais percebo que sou... Indestrutível”
(“Indestrutível” Pabllo Vittar – qualira maranhense e artista drag
queen).
“[…] a experiência de gênero enquanto atividade pedagógica que tem em seu cerne
disparos e formas teatrais é, por excelência, uma aventura sobre as possibilidades e
a imaginação” (“Performatividade transgênera: equações poéticas de
Reconhecimento recíproco na recepção teatral”, Dodi Leal, 2018, p. 289 - travesti,
artista e professora de teatro da Universidade Federal do Sul da Bahia – UFSB).
RESUMO
In this work I research in the field of theatre pedagogy, inside the formative context of basic
education, the intersections between the theatrical processes and the Drama methodology and
the themes connected to the theoretical area of the queer studies, which corresponds to
LGBTI+ (Lesbians, Gays, Bissexuals, Transvestites, Trans/ Transgender women and men,
Intersexuals, and others). For that reason, I mediated processes of Drama titled O segredo
(The secret), inspired in the book O menino perfeito (2017) by Bernard Cormand with
students of the 2nd year of high school, in the school Centro Educacional Dr. Clarindo
Santiago, in São Luís -MA. In this sense, this work brings to the teaching of drama at shcool
the new debates of the contemporary scene related to the themes of trans representation, place
of speech, intersectionality, and others. We will also problematize the narratives spreaded by
the movement “escola sem partido” (schools without party) and “ideologia de gênero”
(gender ideology) about gender discussions, sexual education and queer inside the school
what is very significant in face of the reactionary conjuncture that runs through art teaching in
Brazil. In that way, the theoretical articulations are based on the work of authors that dicuss
about Drama in Brazil and the questions of gender and sexuality in education, they are:
Beatriz Cabral (2006), Heloise Vidor (2010), Diego Pereira (2015), Tharyn Freitas (2012;
2018), Flávio Desgranges (2017), Guacira Louro (1997; 2001; 2016), Tharyn Freitas (2012;
2018), Judith Butler (2016; 2017; 2019), Guaraci Martins (2009; 2011), and others). This
research was aproved bay the ethics comittee of UDESC (numeber of opinion: 3.055.705).
INTRODUÇÃO..................................................................................................................15
1 DO QUALIRA À QUALIRAGEM: NARRATIVAS DE UM ALUNO E PROFESSOR-
ARTISTA QUEER NO CONTEXTO EDUCACIONAL MARANHENSE......................23
1.1 ENTRE A UNIVERSIDADE E A CENA: EMPODERAMENTO, (IN)VISIBILIDADE
E REPRESENTATIVIDADE QUEER..............................................................................44
1.2 (IN)VISIBILIDADE E RESISTÊNCIA QUEER NA ESCOLA: RELAÇÕES DE
GÊNERO NA (MINHA) PRÁTICA ARTÍSTICO-PEDAGÓGICA................................53
2 AS FACES DA ESCOLA: ENTRE SEGREGAÇÃO, SILENCIAMENTO E
EMPODERAMENTO QUEER..........................................................................................63
2.1“ESCOLA SEM PARTIDO” E “IDEOLOGIA DE GÊNERO” (OU TENTATIVAS DE
DOMAR A ESCOLA): OUTROS OLHARES PARA O SKHOLE..................................71
2.2 DA PEDAGOGIA QUEER À PEDAGOGIA TEATRAL: AFETIVIDADE E
REPRESENTATIVIDADE “ARCO-ÍRIS” NA ESCOLA................................................75
3 ENSAIOS COM O DRAMA: OS DILEMAS DO PROFESSOR-ARTISTA
QUEER……………………………………………………………….…...………………85
3.1 OS PRIMEIROS PASSOS OU COMO APRENDI A CAMINHAR (CAMINHANDO):
ENTRE CONVERSAS E ESTÁGIOS, ENTRE LIVROS, LEITURAS E GRUPOS DE
ESTUDOS, ENTRE A TEORIA E PRÁTICA DO DRAMA……….…………...…..…88
3.2 ENTRE MATÉRIAS, GRUPO DE ESTUDOS E ORIENTAÇÕES: A LITERATURA, O
PRÉ-TEXTO E O CONTEXTO FICCIONAL…………………………………….……..92
3.3 “ESTÍMULO COMPOSTO”, “AMBIENTAÇÃO CÊNICA” E “ASSEMBLEIA DE
PERSONAGENS”: PRINCIPAIS ESTRATÉGIAS PARA EMERGIR NARRATIVAS
QUEER NOS PROCESSOS PILOTOS……………………………………...……….....101
3.4 O PROFESSOR-ARTISTA APRENDIZ: DESCOBRINDO MEDIAÇÕES QUEER COM
A ESTRATÉGIA “PROFESSOR NO PAPEL”……………………..……………..…...115
4 “OH! QUE SAUDADES EU TENHO DA AURORA DA MINHA VIDA [...]”:
QUANDO O PROFESSOR-ARTISTA QUEER RETORNA À ESCOLA QUE
ESTUDOU E SE RECORDA QUE FORA UM ALUNO-ARTISTA QUALIRA
....………………………………………………………………………………………...127
4.1 PRIMEIRO DIA DE AULA NA TURMA 201: CONSTRUINDO OS PRIMEIROS
AFETOS E COMPARTILHANDO AS EXPERIÊNCIAS ARTÍSTICAS …………….131
4.2 INÍCIO DO PROCESSO O SEGREDO: 1º EPISÓDIO “A MOCHILA
MISTERIOSA”…………………………...………...…………………………………...134
4.3 ENTRE O 2º E 3º EPISÓDIOS: BULLYING E HOMOFOBIA NA ESCOLA
FICTÍCIA………………………………………………………………………………..139
4. 4 SOBRE QUANDO NOSSAS SUBJETIVIDADES ENTRAM EM (SALA) CENA:
REPRESENTATIVIDADE E AUTOBIOGRAFIA QUEER NO 4º EPISÓDIO……....147
4.5 DA ESCOLA À BOATE, DA SALA DE AULA AO CAMARIM DE MERRY: AS
FACETAS DE ANTÔNIO GABRIEL SÃO REVELADAS NO 5º EPISÓDIO……...159
4.6 O PÓS-PROCESSO DE DRAMA OU O EPÍLOGO QUEER: ENTRELAÇAMENTOS
DE EXPERIÊNCIA TEATRAL E DOS ESTUDOS QUEER NA ESCOLA……….….175
5 UM OLHAR PARA TRÁS… (OU COMO CONSTRUIR NOVAS REDES DE
AFETOS EM TEMPOS TENEBROSOS) …………………...…..…….................….187
REFERÊNCIAS………………………………………………….……….……….…..191
15
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa surgiu com base nas minhas experiências e inquietações artísticas
relacionadas às problematizações de gênero e sexualidade na escola. Durante minha prática
em sala de aula, como professor-artista, lecionando na educação básica em escolas públicas e
privadas de São Luís – MA, identifiquei que as relações de gênero e de sexualidade surgiam
nas aulas de teatro através dos processos criativos, das cenas improvisadas, dos experimentos
cênicos, dos jogos teatrais, bem como dos espetáculos.
A partir das experiências adquiridas em sala de aula e, principalmente, frente a minha
dificuldade em mediar as discussões relacionadas aos temas de gênero, sexualidade e queer
durante a prática docente, houve o despertar de meu interesse em investigar e sistematizar
minha prática artístico-pedagógica através da metodologia do Drama em diálogo com as
temáticas transversais LGBT+1 na escola.
O Drama, metodologia inglesa difundida no Brasil por meio das pesquisas da autora
Beatriz Cabral2 (2006), oportuniza a criação de um processo cênico investigativo, baseado na
delimitação de um contexto ficcional e na vivência de papéis. Assim, a partir de um contexto
fictício e com base num problema ou uma situação de tensão, os/as alunos/as e professor/a
podem vivenciar papéis ficcionais em diálogo com as situações propostas em cada processo,
com o objetivo de criar uma narrativa teatral coletiva (CABRAL, 2006; VIDOR, 2010;
PEREIRA, 2015; FREITAS, 2012; 2018; DESGRANGES, 2017).
1
Segundo Beatriz Lins, Bernardo Machado e Michele Escoura (2016, p. 11) “[...] as siglas LGBTI estão
sempre em processo de transição”, pois conforme discorrem “é preciso dizer que o movimento LGBT, bem
como as pessoas que ele representa, estão em contínuo processo de mudança. No início dos anos 1990 no
Brasil, por exemplo, a sigla mais utilizada era GLS – Gays, Lésbicas e Simpatizantes. Ao longo dos últimos
anos, novas demandas por reconhecimento de especificidades e de sujeitos que se sentiam invisíveis ou até
excluídos fez a sigla ser modificada. Portanto, as letras se alteram de acordo com o momento político e as
respostas que os movimentos sociais dão para as demandas e questões que emergem nos diferentes contextos
históricos. No momento da publicação desta edição, boa parte dos movimentos sociais e do poder público
assume a sigla LGBT para se referir à comunidade de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais,
por esse motivo a manteremos neste livro. Pode ser que novas transformações sociais alterem a formação das
siglas ou o rumo das demandas deste grupo exigindo desta publicação uma constante atualização para melhor
dialogar com o movimento” (LINS; MACHADO; ESCOURA, 2016, p. 11). Atualmente, verifico o uso da
sigla LGBTI, com inserção do “I” para representar as pessoas intersexuais, anteriormente identificadas como
hermafroditas. Nesta pesquisa utilizo as siglas LGBT+ com o intuito de incluir as identidades que porventura
vierem a agregar esta sigla, bem como LGBTI em partes nas quais opto em eluciar o “I” de pessoas
intersexuais.
2
Nesta pesquisa utilizo ainda como citação os nomes completos dos/as autores/as a fim de visibilizar as
escritoras e teóricas, pois ao citar somente o sobrenome, conforme a ABNT, acredito que existe
homogeneização acerca dos sobrenomes das mulheres, haja vista que muitos estão caracterizados,
gramaticalmente, como masculinos, dando a entender que são autores. Por isso, quando citar nos parágrafos
os autores e autoras irei utilizar os nomes e sobrenomes.
16
2016), Beatriz Lins, Bernando Machado, Michelle Escoura (2016), bem como performances
de gênero segundo Judith Butler (2017) e Sara Salih (2015).
Neste mesmo capítulo apresento outros termos e conceitos, a exemplo de
“masculinidade tóxica” (DUTRA, 2017) e “interseccionalidade” (LINS; MACHADO;
ESCOURA, 2016; AKOTIRENE, 2018), associados ao campo teórico dos estudos queer.
Além das discussões a respeito da “representatividade queer” na pedagogia do teatro, baseado
nas reivindicações do Movimento Nacional de Artistas Trans (MONART) e da atriz Renata
Carvalho, por meio do “Manifesto Representatividade Trans”, publicado nas redes sociais em
2017 (JUNIOR; GOSCIOLA, 2018; OLIVEIRA; NASCIMENTO, 2018; CARVALHO,
2019).
No 2º capítulo As faces da escola: entre segregação, silenciamento e empoderamento
queer, descrevo as facetas da escola para os corpos queer. Inicialmente, baseando-me nas
discussões das (hetero)normas de gênero e sexualidade (TORRES; JUNIOR; BRITO, 2019) e
pedagogia queer (LOURO, 1997; 2001; 2016) na escola, problematizo como os discursos e
práticas da heteronomatividade segregam e silenciam as nossas presenças e subjetividades no
contexto escolar.
Para isso, demonstro como as atuais discussões do movimento “escola sem partido”,
bem como as narrativas “ideologia de gênero” e “kit-gay”, além da ascensão dos discursos de
ódio no Brasil promovem os primeiros impactos na rotina de professores/as de arte queer na
escola. Neste sentido, compartilho as falas de alguns/mas professores/as de arte lésbicas, gays
e trans/travesti de algumas regiões do país, obtidas por meio de entrevistas com perguntas
semiestruturadas, a respeito das implicações da atual conjuntura discriminatória nas
instituições que lecionam.
Em seguida, aproximo-me dos estudos de Jan Masschelein e Maarten Simons (2015)
para lançar outros olhares para escola pública. Dessa forma, meu intuito é revelar a outra face
desta instituição e demonstrar que, neste ambiente ambíguo, no qual sofremos opressões,
também é o lugar que nos proporciona o que os autores definem como “skhole” ou “tempo
livre” para o estudo e não atrelado a imposições do sistema, nos emanciparmos.
Este conceito está atrelado às discussões que os autores apresentam acerca das origens
da escola pública na Grécia antiga, as quais visaram promover uma ruptura nos privilégios da
elite aristocrática grega que detinha o poder vigente. Ou seja, oportunizou um “tempo e
espaço” para aqueles/as que, por fatores como origem, raça ou natureza não aristocrática,
conforme ordem arcaica naquele período, não tinham este direito de acesso à escola pública.
20
Portanto, é com base no que Jan Masschelein e Maarten Simons (2015) apontam com
relação aos conceitos de “tempo livre”, “suspensão” e “tecnologias escolares”, intrínsecos à
materialidade da escola, como a matéria e a autonomia do/a professor/a, que problematizo as
ideias impositivas e reacionárias do movimento “escola sem partido”, que tentam domar a
escola pública e fissurar seus pilares democráticos.
Neste capítulo entrelaço ainda as discussões dos autores citados com relação ao/a
professor/a “amateur”, assim como do/a professor/a “de arte silvestre” segundo Jorge Larrosa
(2018) para discutir sobre o ofício do/a professor/a e as relações de afetividade à matéria, à
escola e aos/as alunos/as. Assim, relaciono estas questões com o/a professor/a de arte queer
apontando imbricações entre afetividade, representatividade, resistência e empoderamento na
pedagogia do teatro no atual contexto repressivo.
Posteriormente, no 3º capítulo Ensaios com o Drama: os dilemas do professor-artista
queer descrevo os percursos que segui para aproximar-me dos estudos teórico-práticos da
metodologia do Drama. Ao relatar os processos pilotos, com uma turma de pedagogia da
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) em Florianópolis – SC e com alunos/as
do 2º ano do ensino médio do colégio Centro Educacional Dr. Clarindo Santiago em São Luís
– MA, ambos os processos realizados em 2018, partilho os caminhos que segui para
compreender os principais conceitos desta metodologia.
Paralelamente às experimentações práticas retornei à teoria para estudar conceitos
como “pré-texto” e “contexto ficcional”, além de algumas estratégias do Drama como
“professor no papel”, “estímulo composto”, “assembleia de personagens” e “ambientação
cênica”. Nesta trajetória teórico-prática, e vice-versa, debruçava-me nos escritos dos/as
seguintes autores/as, a saber: Beatriz Cabral (1999; 2006; 2012), Flávio Desgranges (2017),
Heloise Vidor (2010), Diego Pereira (2015), Wellington Menegaz de Paula (2016), Tharyn
Freitas (2012; 2018), dentre outros/as.
Ainda neste capítulo, retomo as problematizações de “representatividade trans”
(LEAL, 2018; CARVALHO, 2019) e do conceito de “lugar de falar” (RIBEIRO, 2017) nas
artes cênicas para refletir de que forma estas discussões podem potencializar as poéticas
construídas nos processos artísticos em sala de aula. Enquanto no último capítulo, intitulado
“Oh! Que saudades eu tenho da aurora da minha vida [...]”: quando o professor-artista
queer retorna à escola que estudou e se recorda que fora um aluno-artista qualira, discorro
inicialmente sobre meu retorno à escola na qual estudei minha 8ª série, no Centro Educacional
Dr. Clarindo Santiago em São Luís – MA.
21
Assim sendo, por meio desta “estratégia afetiva”, como forma de resistência para criar
redes de afetos e compartilhar experiências artísticas e de alteridades na escola, adentro à sala
de aula para criar narrativas LGBT+ com alunos e alunas. Em seguida, partilho os episódios
do processo de drama O segredo construído com estudantes de uma turma do 2º ano do
ensino médio, no qual as narrativas criadas coletivamente acerca de um personagem chamado
A.G., permitiu trazer à tona o universo queer para dentro da sala de aula.
Por fim, nas minhas palavras finais Um olhar para trás… (Ou como construir novas
redes de afetos em tempos tenebrosos) faço uma breve reflexão apontando alguns caminhos
que, a meu ver, possam nos ajudar a pensar na construção de novas redes de afetos para
seguirmos resistindo nesta atual conjuntura de desmontes do ensino público e do direito à arte
na escola.
22
23
4
Padrões estereotipados de masculinidade e feminilidade que definem papéis sociais rígidos para os “lugares
de meninos e meninas” desde a infância, os quais se perpetuam através de discursos e práticas sociais, além
de se materializarem nos espaços sociais como a família e a escola. Estes discursos e práticas inferiorizam
homens e mulheres que não se adéquam a tais padrões, por exemplo, gays afeminados, lésbicas
masculinizadas e pessoas trans/travestis. A estes corpos, que fogem ao binarismo de gênero e sexualidade,
lhes resta a discriminação e LGBTfobia (LINS; MACHADO; ESCOURA, 2016).
5
Faço referência e crítica à fala da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo
Bolsonaro Damares Alves, a qual no início da sua gestão afirmou que: “menino veste azul e menina veste
rosa”. Conforme reportagem daquele período “[...] com essa simples frase, a Ministra Damares sintetizou a
“nova era” em que estamos ingressando no Brasil. De nova, sabemos que essa era do binarismo de gênero e
24
de sexualidade não tem nada. Tampouco é nova a posição de setores progressistas que estão diminuindo e
relativizando a gravidade das declarações de uma autoridade do Estado brasileiro. Aliás, trata-se da primeira
fala pública de uma ministra de direitos humanos. [...] As declarações da Ministra Damares têm reflexo na
vida do menino afeminado que usa cor de rosa e sofre bullying, da menina trans que não consegue ir na
escola, das mulheres que são espancadas por seus maridos. Isso não é diversionismo. Isso é efeito concreto de
ideologia na vida das pessoas.” Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/menino-veste-azul-
menina-veste-rosa/. Acesso em: 10 mai. 2019.
25
uma categoria analítica problematiza essa visão “de que a biologia (o corpo, a genitália, os
hormônios) determina totalmente o comportamento dos indivíduos (LINS; MACHADO;
ESCOURA, 2016, p. 27). Assim sendo, este campo epistemológico oportuniza problematizar
os lugares rígidos de masculinidade e feminilidade.
Dessa forma, gênero como categoria de análise neste estudo está atrelado as
demarcações nas relações sociais, entre homens e mulheres (cis 6, trans, não-binário, dentre
outros), em determinadas sociedades e contextos históricos. Portanto, tais relações de gênero
são construídas em sociedade, cotidianamente, a partir do viés binário em espaços com a
família, a escola, dentre outros contextos sociais.
Neste sentido, essas coerções binárias de gênero e também da imposição da
heterossexualidade atravessaram a minha formação ainda na infância. Inicialmente, no seio
familiar e, aos poucos, se estenderam ao âmbito escolar, seguindo por todos os espaços sociais
nos quais adentrava. Logo, essas normas de gênero lembravam-me que eu deveria adequar-me
às regras do jogo, que já estavam historicamente impostas e as quais eu teria que seguir, sem
questioná-las e por muito tempo não as questionei, somente senti mutilarem meu corpo
feminino-masculino-híbrido, minha voz afeminada, minhas atitudes “baquiosas/afeminadas”,
meu jeito de ser e estar no mundo.
As experiências de gênero e sexualidade que descrevo neste capítulo a partir das
minhas narrativas estão associadas aos estudos queer, campo teórico que se ocupa das pessoas
que subvertem a heteronormatividade7 compulsória, a saber: gays, lésbicas, homens e
mulheres trans/travestis, dentre outros/as (LOURO, 1997; 2016; LINS; MACHADO;
ESCOURA, 2016; FURLANI, 2016; BUTLER, 2017).
Como assinala a autora Sara Salih, em escritos a respeito de Judith Butler e a teoria
queer (2015), os estudos queer surgem com base nas divergências e contestações suscitadas
nos movimentos feminista8, gay e lésbico, sob influência também das correntes de análise
6
“Cisgênero são pessoas cuja identidade de gênero está de acordo com o gênero que lhe foi atribuído ao
nascer, correspondente à sua genitália (pênis e vagina). Por exemplo, se uma pessoa nasce com uma
vagina, provavelmente será educada para ser uma mulher, isso é, socialmente será generificada para agir,
pensar e sentir como uma mulher. Caso essa pessoa de fato se entenda como mulher, então ela é cisgênero.
Se, contudo, essa pessoa não se identifica como mulher, mas sim como homem, então ela será uma
pessoa trans” (LINS; MACHADO; ESCOURA, 2016, p. 124 – grifos meus).
7
“Heteronormatividade: é suposto que as pessoas possuam naturalmente o desejo heterossexual. Isto é, parte-
se do pressuposto de que ser heterossexual é a norma e o ideal a ser seguido; qualquer tipo de comportamento
que se distancie da heterossexualidade é considerado um desvio, uma doença e/ou um problema” (LINS;
MACHADO; ESCOURA, 2016, p. 126).
8
Para mais informações a respeito das “ondas” do feminismo e dos estudos de gênero indico a leitura das
referências: Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós-estruturalista, da autora Guacira Lopes
Louro (1997) e Diferentes, não desiguais: a questão de gênero na escola, dos/as autores/as Beatriz Lins,
Bernando Machado e Michelle Escoura (2016).
26
9
No contexto LGBTI+ existem algumas expressões para designar as formas como alguns sujeitos se
expressam que, neste métier, identifica-os como: homossexual afeminado (àquele que tem trejeitos femininos
na voz, na corporeidade e na forma de se expressar), também às vezes associado aos gays afeminadas e poc,
que são as bixas maquiosas. Há também termos como “Barbie” para identificar aquele gay másculo (homem
musculoso “narcisista” que cultua seu corpo malhado), gay cowboy (àquele que também é másculo, mas
mantém um aspecto mais “rústico”), gay urso (homem gordo, peludo e “fofinho”, que é associado aos ursos),
boneca (termo associado às travestis, pois remete a “se montar” e aspectos de feminilidade). Esses termos
dependendo das circunstâncias podem trazer aspectos pejorativos ou positivos. No decorrer deste estudo
utilizo alguns termos, como por exemplo, “bixa”, “viada” e “qualira”, como forma de subversão e
empoderamento.
27
Estes escritos, nos quais me debruço para compartilhar tais experiências, materializam
não somente os meus atravessamentos, mas de alguma forma também dialogam com as
narrativas de muitos/as alunos/as LGBTI+ no Brasil, país no qual mais se mata pessoas
homossexuais, lésbicas e transexuais/travestis no mundo, conforme dados da Associação
Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABLGBT) na obra
intitulada Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil 2015: as experiências
de adolescentes e jovens lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais em nossos
ambientes educacionais (2016)10 e a Associação Nacional de Travestis e Transexuais
(ANTRA)11.
Deste modo, frente às barbáries que massacram nossos corpos, cotidianamente, o
contexto escolar nos mostra as seguintes faces: uma acolhe e emancipa, enquanto a outra
segrega e renuncia. São de ambas as faces dessa instituição que pretendo tratar nestes escritos,
na perspectiva de um ex-aluno e atual professor-artista homossexual afeminado, entrelaçada
por outras narrativas de pessoas LGBT+, a fim de compartilhá-las e demonstrar como, sob o
ponto de vista dos corpos que subvertem as dicotomias binárias de gênero e sexualidade, a
escola torna-se “mocinha” e “vilã”.
Neste sentido, aponto também como, apesar dos nossos corpos ocuparem o espaço
escolar, ainda há uma invisibilidade das identidades LGBT+, sobretudo da homossexualidade
enquanto orientação sexual, bem como da identidade de gênero trans no âmbito da escola.
Estas interseccionalidades (LINS; MACHADO; ESCOURA, 2016; AKOTIRENE, 2018) de
gênero, sexualidade, raça, etnia, religião, classe, dentre outras são atravessadas por discursos,
construídos sob relações de poder nos diversos âmbitos socioculturais, determinando as
vivências de cada sujeito em sociedade.
Como ressalta Guacira Louro (1997; 2001; 2016), estudiosa das discussões de gênero
na educação, apesar destas interseccionalidades, entre as questões de gênero e sexualidade, é
necessário distinguir o que se entende por identidade de gênero e orientação sexual. Para a
autora as identidades sexuais são constituídas através das formas como as pessoas vivem suas
sexualidades:
[...] com parceiros/as do mesmo sexo, do sexo oposto, de ambos os sexos ou sem
parceiros/as. Por outro lado, os sujeitos também se identificam, social e
historicamente, como masculinos ou femininos e assim constroem suas identidades
10
O título desta obra será denominado nesta pesquisa como Pesquisa Nacional sobre Ambiente Educacional no
Brasil para estudantes LGBT+. Utilizo narrativas, destes/as adolescentes e jovens LGBT+ em ambientes
educacionais, no decorrer da dissertação.
11
“A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), é uma rede que articula em todo o Brasil mais
de 200 instituições, a fim de desenvolverem ações para a promoção de direitos o resgate da cidadania da
população de Travestis e Transexuais” (ANTRA, 2018, p. 1-8).
28
12
Em algumas das referências consultadas o verbete “queer” está definido como uma identidade, associada às
vezes com as pessoas não-binárias. Todavia, neste estudo utilizo o queer como campo epistemológico, um
conceito que abrange todas as subjetividades que constroem performances de gênero e sexualidade não
heteronormativa. Assim, este quadro foi elaborado a partir de leituras de livros e artigos que discutem os
significados dessas siglas, assim como das demais, a saber: bigênero, agênero, demigênero, pangênero,
gênero fluido, dentre outras. Para mais informações sugiro as seguintes referências: Glossário da diversidade
(2017), Gêneros não-binários: identidades, expressões e educação (2016), de autoria de Neilton dos Reis e
Raquel Pinho, As fronteiras da educação: a realidade dxs estudantes trans no Brasil (2019) de autorias de
Andréia Cantelli, Fernanda Pereira, Julia de Oliveira, Nicholas Tozo e Sayonara Nogueira. Além do livro
Diferentes, não desiguais: a questão de gênero na escola (2016) de Beatriz Lins, Bernando Machado e
Michele Escoura.
29
São pessoas lésbicas que possuem identidade de gênero (cis e/ou trans) feminina e sentem atração
L
afetiva e sexual por pessoas que também têm identidade de gênero (cis e/ou trans) feminina.
G São pessoas gays que possuem identidade de gênero (cis e/ou trans) masculina e sentem atração
afetiva e sexual por pessoas que também têm identidade de gênero (cis e/ou trans) masculina.
Enquanto bissexuais são pessoas que têm identidade de gênero (cis e/ou trans) masculina e/ou
B feminina e sentem atração por pessoas de ambas identidades de gênero (cis e/ou trans) feminina e
masculina.
Categoria que abrange pessoas que se identificam como transgêneros, homens ou mulheres
T trans/travestis. Ou seja, não se identificam com o sistema cisgênero o qual determina que se o
homem e/ou mulher nasceu com pênis/vagina, deve construir performances de gênero condizente
com o sexo biológico, construindo performatividades masculina e/ou feminina e atração afetivo-
sexual heterossexual. Assim sendo, pessoas trans/travestis podem ter orientação sexual hétero,
bissexual, homossexual, dentre outras.
Pessoas não-binárias rompem com o sistema normativo e binário, os quais definem formas
N rígidas para “ser homem e ser mulher” em sociedade. Assim, não-binários/as constroem
performances de gênero que não estão associadas somente a masculinidade e feminilidade, criam
outra possibilidade de vivência de gênero mais ambígua. São pessoas que não desejam se
enquadrar nestas normas rígidas de masculinidade e feminilidade.
Pessoas pansexuais sentem atração afetivo-sexual por pessoas cisgênera, transgênera e não-
P binária. Ou seja, sentem atração por pessoas, independente do seu gênero e/ou orientação sexual.
Ressalto ainda que esta atração se restringe somente a pluralidade sexual e de gênero, não inclui
animais, nem plantas, como erroneamente se dissemina acerca da pansexualidade.
A assexualidade se caracteriza pela ausência de atração sexual ou pouco interesse nas atividades
A sexuais. Dessa forma, os/as assexuais se relacionam com pessoas, todavia as práticas sexuais não
são o fim para as vivências da afetividade. Se difere também da “abstinência sexual e do
celibato”, tendo em vista que estes são comportamentos, em geral, motivados por questões de
crenças individuais ou religiosas.
Atualmente o movimento LGBTI+ utiliza-se do sinal de “+” para agregar as demais identidades
+ que não são contempladas, explicitamente, na escrita ou pronúncia, a saber: demissexualidade,
androssexualidade, dentre outras, além das diversas práticas sexuais, que também são adicionadas
pelo movimento, haja vista que fazem parte do âmbito da sexualidade e das vivências sexuais.
Fonte: NASCIMENTO, Fernando. São Luís - MA, 2019.
30
13
A pesquisadora Dodi Leal (2018, p. 12) faz ressalvas com relação ao uso destas siglas, destacando que “o
hábito de justapor formas identitárias de sexualidade às transgeneridades como LGBT, LGBTT, LGBTQIA+,
etc., apesar de aproximadamente nos últimos 60 anos terem sido mecanismos de resistência que
proporcionaram direitos a grupos oprimidos, contém fracassos de interpretação das opressões das quais
procuram dizer respeito. As transgeneridades nos convocam a reinventar todas as formas e noções que
empreendemos de sexualidade até aqui”. Assim sendo, com base nas discussões da contrassexualidade do
teórico Paul Preciado, a autora Dodi Leal problematiza a segregação com que as siglas associam “gosto ou
não-gosto” de determinados corpos. Para mais informações a respeito destas discussões indico a leitura da
tese de doutorado Performatividade transgênera: equações poéticas de Reconhecimento recíproco na
recepção teatral (2018).
14
“Transgeneridade: transgênero ou ‘trans’ são termos utilizados para reunir, numa só categoria, travestis,
como sujeitos que realizam um trânsito entre um gênero e outro” (GÊNERO E DIVERSIDADE NA
ESCOLA: FORMAÇÃO DE PROFESSORAS/ES EM GÊNERO, ORIENTAÇÃO SEXUAL E RELAÇÕES
ÉTNICO-RACIAIS, 2009, p. 14). Recentemente a Classificação Internacional de Doenças e Problemas de
Saúde retirou a transexualidade da lista do CID como “doenças mentais”, para classificá-la na categoria de
“saúde sexual”. Disponível em: https://nacoesunidas.org/oms-anuncia-retirada-dos-transtornos-de-identidade-
de-genero-lista-saude-mental/. Acesso em: 3 set. 2018.
15
“Sexo biológico é o que pode ser identificado como referencial do corpo da pessoa: o órgão genital, a
combinação genética ou hormonal. Socialmente falando, o sexo biológico define o indivíduo como fêmea,
macho ou intersexo (pessoas que nascem com elementos de ambos os sexos). O sexo biológico não define a
identidade de gênero, nem a orientação sexual das pessoas” (LINS; MACHADO; ESCOURA, 2016, p. 130).
31
educação, na qual a única oportunidade para continuar estudando seria retornar para o interior
com o intuito de concluir o ano letivo.
Das memórias que tenho lembranças, ainda nos primeiros anos do ensino fundamental,
as demarcações socialmente atribuídas ao gênero feminino marcavam o meu corpo infantil:
dos “trejeitos afeminados”, passando pela voz socialmente caracterizada como extremamente
feminina, até nas preferências por brincadeiras que também transgrediam as normas binárias
da heteronormatividade no espaço escolar.
Atualmente percebo como na minha infância as relações de gênero e os padrões
rígidos eram pautados em noções de masculinidade “viril” e “máscula” em oposição ao
feminino “dócil” e “frágil”, as quais estão associadas ao sistema patriarcal, machista e
LGBTfóbico. Assim, os arranjos disciplinares nos quais os estudos de gênero compreendem
por “masculinidade tóxica” (DUTRA, 2017) insistiam em lembrar-me que, mesmo em tenra
idade, meu corpo de bixa afeminada ocupava espaços que borravam as fronteiras de gênero e
que este peculiar anseio pelo universo feminino marcaria toda minha trajetória estudantil entre
bullying e homofobia.
Logo, as lições, livros, letras, números, boletins, histórias de personagens e todo o
universo lúdico da escola, contrastavam com o estridente soar da sirene do horário do recreio,
no qual entre brincadeiras de “meninos” e “meninas”, os xingamentos e bullying se tornariam
os protagonistas, acompanhando-me como uma sombra por toda minha trajetória escolar.
Destas brincadeiras infantis, algumas demarcavam rigidamente os limites das fronteiras dos
gêneros masculino/feminino, as quais não deveriam ser burladas, a saber: brincar de boneca,
casinha, elástico, futebol, dentre outras.
Aos poucos os discursos a respeito dos territórios de “meninos” e “meninas”, das
“coisas de meninos e meninas”, além dos xingamentos de “viado”, fresco, biba, mulherzinha,
mariquinha, gilete16, bicha/bichinha, baitola, boiola, frutinha, qualira, dentre outros, seriam a
sombra que iria recordar-me que meu corpo transgredia aquelas normas, com as quais eu
deveria adaptar-me ou sofreria as coerções diariamente. Apesar de ter escolhido resistir e
permanecer ocupando o espaço que também me era de direito, o percurso até a escrita destas
páginas me traz estas recordações, entre silenciamentos e necessidade de representatividade
queer na escola, além de anedotas homofóbicas.
16
Alusão pejorativa à bissexualidade, na qual segundo a expressão popular, referia-se às pessoas que “cortam”
de ambos os lados.
32
Qualquer “criança viada”17, isto é, aquela que já se percebe como afeminada (figura
1), ainda na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental, ao compreender-se
enquanto “diferente”, ao dar-se conta que seu corpo ocupa o espaço binário da escola,
imediatamente cria mecanismos de resistência para sobreviver e adaptar-se às regras do jogo,
ou seja, adequar-se às normas heteronormativas do contexto escolar.
17
Faço referência à obra da artista Bia Leite Criança viada, a qual em 2017 foi envolta em discursos de ódio,
repressão e censura na exposição “Queermuseu – Cartografias da diferença na Arte brasileira”, organizada e
patrocinada pelo Santander Cultural de Porto Alegre. “[...] Grupos contrários à mostra, como o Movimento
Brasil Livre (MBL), alegam que alguns dos quadros expostos fazem apologia à zoofilia, à intolerância
religiosa e à pedofilia – como a série de pinturas intitulada ‘Criança Viada’, de Bia Leite. As telas mostram
desenhos de meninos com dizeres como ‘criança viada travesti da lambada’ e ‘criança viada rainha das
águas”. Segundo aqueles que se revoltaram contra o trabalho, tais quadros sexualizam a imagem das crianças,
além de colocá-las num contexto vexatório. Segundo Bia, o intuito do trabalho é dar visibilidade a crianças
cuja vivência foge aos padrões heteronormativos. “Nós, LGBT, já fomos crianças e esse assunto incomoda.
Sou totalmente contra pedofilia e contra abuso psicológico de crianças. O objetivo do trabalho é justamente o
contrário. É que essas crianças tenham suas existências respeitadas”. A reportagem segue discorrendo sobre a
inspiração da obra de Bia Leite “O conceito da série assinada por Bia nasceu por meio de uma página criada
no Tumblr pelo jornalista e ativista LGBT Iran Giusti. ‘O Criança Viada surgiu em 2013, quando resolvi
juntar as fotos dos amigos e amigas que já eram ‘pintosos’ na infância. Em questão de dias, acabou virando
uma celebração da comunidade LGBT”. Em resposta ao cancelamento do Queermuseu, Iran resolveu reativar
o Tumblr nessa quarta-feira (13). Cerca de 24 horas depois, no entanto, a página foi tirada do ar. O motivo?
Denúncias de que o conteúdo remete à pornografia infantil. “[...] Não tem nenhuma foto de crianças nuas ou
fazendo poses eróticas. A gente está apenas falando sobre expressão de gênero. O lance é que as pessoas não
veem maldade no projeto e nem nas fotos, elas simplesmente acreditam que ser LGBT e não cumprir a
heteronormatividade é errado, e usam a justificativa da pedofilia para censurar e proibir que falemos sobre
gênero na infância”, finaliza Iran Giusti. Disponível em: https://mdemulher.abril.com.br/cultura/crianca-
viada-o-que-esta-por-tras-da-obra-que-gerou-revolta/. Acesso em: 15 jun. 2018.
33
Fonte: Fotomontagem elaborada pelo autor a partir de imagens que fazem referências à obra
Criança viada de Bia Leite, 2019.
Neste sentido, será na infância que nossos corpos LGBT+ irão transgredir os espaços
binários e normativos da sociedade. As crianças LGBT+, assim como eu, que subvertem a
heterormatividade serão marginalizadas e insultadas de crianças afeminadas, viadas,
masculinizadas, dentre outros termos. Posteriormente, na adolescência e na idade adulta irão,
possivelmente, afirmar-se enquanto homossexuais afeminados ou não, lésbicas
masculinizadas ou não, homens trans masculinizados, hormonizados ou não e mulheres
trans/travestis femininas, hormonizadas ou não.
Assim sendo, foi ainda na infância, no contexto da educação infantil, que comecei a
perceber, nas poucas e turvas memórias que tenho desse momento no interior do Maranhão,
que meu corpo homossexual afeminado violava as binaridades da heterossexualidade. Mesmo
não sabendo, obviamente, o que seriam essas discussões, acredito que toda criança viada sabe
e sente que é “diferente”, quando comparada ao entorno do seu convívio familiar, escolar e
contexto social heteronormativo e binário.
34
Nesta etapa formativa, ainda na primeira infância, as cores foram os primeiros indícios
a determinar a segregação de gênero, pois o azul para “menino” e a cor rosa para “menina”
ultrapassavam as tonalidades do pintar na disciplina de arte, definiam que lápis, caderno,
mochila, lancheira, brinquedos (especificamente bonecas e carrinhos) demarcavam rígidos
universos de masculinidade e feminilidade. Além das brincadeiras infantis que também
produziam e determinavam os lugares “do ser menino” e “ser menina”, numa perspectiva
machista, sexista e heteronormativa.
Logo percebi, já nas séries iniciais do ensino fundamental, que meu modo de ser e
estar no mundo, vivenciando minha performatividade de gênero atrelada ao feminino
(BUTLER, 2016; 2017) incitaria a fúria homofóbica em alguns alunos, a ponto de ser
perseguido, cotidianamente, em sala de aula, no intervalo e na hora da saída. As perseguições
se tornariam constantes, por um aluno em especial, do qual eu fugia e preferia não sair da sala
durante o intervalo, segurando a vontade de fazer “xixi” até o término das aulas, somente para
“poupar-me” dos xingamentos de “viadinho” e da vergonha de sofrer aquelas agressões.
A violência de gênero no âmbito escolar é uma constante nas instituições brasileiras,
conforme apontam os dados da Pesquisa Nacional sobre Ambiente Educacional no Brasil
2015: as experiências de adolescentes e jovens lésbicas, gays, bissexuais, travestis e
transexuais em ambientes educacionais (2016) acerca da receptividade da escola com
alunos/as LGBT+, que traz informações a respeito de preconceitos, violências físicas,
discriminações, evasão escolar, dentre outros dados.
A pesquisa revela narrativas de violência, homofobia, transfobia, lesbofobia e bifobia,
ou seja, LGBTfobia nos espaços escolares no Brasil. As narrativas expostas nessa pesquisa18
convergem com as minhas memórias como aluno gay afeminado, conforme exemplos citados:
[...] Certa vez ao sair da escola com a minha amiga (lésbica), dois garotos da nossa
sala nos perseguiram até quase chegarmos à minha casa (moro a 5 km da escola).
Enquanto corríamos com medo, os dois gritavam coisas como: aberrações, filhos do
capeta, abominação e coisas do tipo.
Depois do ocorrido fui para a escola por mais uma semana, e depois desisti de
estudar aquele ano (2015), pois não me sentia seguro.
(Depoimento de um estudante gay, 16 anos, estado do Mato Grosso).
[...] Teve uma vez que estávamos na aula de física aí o professor começou a falar
mal das mulheres lésbicas e que todas deviam morar em Paris (de acordo com ele é
porque lá tem muitas lésbicas), então me senti muito mal pois ele sabia que eu era
lésbica [...] Fiquei muito constrangida e com raiva. Também tive várias conversas
18
Nesta pesquisa entrelaço minhas reflexões com as vozes de pessoas LGBT+ nos dois primeiros capítulos,
além das falas de alunos/as extraídas do diário de bordo, no quarto capítulo. Por isso, optei em utilizar este
formato quando me referir a essas narrativas, diferenciando-as das citações teóricas convencionais no
decorrer do texto.
35
com orientadores da escola, porque pra eles era uma fase e não deveria interferir na
minha passagem pela escola.
(Depoimento de uma estudante lésbica, 18 anos, estado de Santa Catarina).
[...] Não sei se alguém vai estar lendo isso, mas quem quer que seja, se você
passa/passou pelas mesmas coisas que eu ou até piores, pois infelizmente isso é
possível, não desista não! Por mais que às vezes isso tudo seja duro de aguentar, mas
pensa que você não está sozinho. Fisicamente falando, talvez, mas pensa em um
apoio espiritual, de energias positivas, que eu e quem mais temos de lidar com isso
deseja aos nossos parceiros, irmãos de luta.
Não desista, resista!
E o maior de tudo, se aceite e se ame, pois não tem nada de errado nisso
(Depoimento de uma estudante lésbica, 15 anos, estado do Espírito Santo.
PESQUISA NACIONAL SOBRE AMBIENTE EDUCACIONAL NO BRASIL
PARA ESTUDANTES LGBT+, 2016, p. 27-71).
Essas são histórias vivenciadas por alunos/as LGBT+ nas escolas brasileiras, as quais
também sintetizam algumas das minhas experiências no ensino fundamental e médio. Assim
como o estudante de Mato Grosso, também por diversas vezes preferi prolongar o percurso de
retorno para casa, caminhando por outras ruas distantes, para evitar encontrar aquelas
“famosas rodinhas” de rapazes na saída da escola, temidas por qualquer criança/adolescente
viada, pois sabia que sofreria agressões verbais.
Entretanto, ao contrário do relato do jovem, apesar de todas as coerções que sofri na
educação básica por ser homossexual afeminado, eu nunca pensei em desistir da escola. Eu
sempre acreditei na escola por perceber que aquele espaço me oportunizava acessos a saberes
que não teria no seio da minha família, haja vista que tanto minha mãe quanto meu pai eram
analfabetos. De tal modo, foi na escola que aos poucos eu fora emancipado no mesmo
ambiente no qual meu corpo queer era (in)visibilizado. Isso se dava através da apropriação de
conhecimentos mediados pelos/as professores/as, bem como a partir das aulas, da biblioteca,
dos livros, das relações interpessoais em sala de aula e da arte/teatro.
No ensino fundamental, por exemplo, as coerções de gênero e por orientação sexual,
eram explícitas dentro de algumas disciplinas normativas, principalmente educação física; o
que se associa com o depoimento da estudante de Santa Catarina. O banheiro ou vestiário
também é um espaço escolar no qual são acionados diversos tipos de violências contra
pessoas LGBT+. Algumas dessas violências decorrem das agressões verbais, enquanto outras
marcam os corpos.
Esses corpos também começam, a partir do término da infância e início da
adolescência, não somente a delimitarem as transições da puberdade, mas também das
mutilações e até do suicídio, como descreve a pesquisa acerca das experiências LGBT+ na
36
19
Para os autores Jan Masschelein e Maarten Simons (2015) a instituição escolar proporciona um tempo e
espaço no qual, distantes da família e anseios da sociedade, os/as alunos/as têm a oportunidade de se dedicar
aos estudos e ao seu processo de emancipação intelectual. No seguinte capítulo, irei retomar a essas questões
discorridas pelos autores no livro Em defesa da escola (2015), o qual fundamenta minha visão a respeito da
escola como lugar de empoderamento dos corpos queer.
39
Deste modo, neste estudo não pretendo somente problematizar a escola na atual
conjuntura social e política, para condená-la como instituição coercitiva dos corpos queer,
quero também defendê-la, por acreditar que, ainda sob este olhar queer, este é o espaço no
qual somos emancipados intelectualmente. É na escola que aprendemos também (ou
esperamos aprender) a lidar com a diversidade dos corpos e das subjetividades, além de
entendermos que existem outras formas de viver e outros arranjos familiares distintos ou
parecidos com os nossos.
É ainda na escola que percebemos que nossa educação também depende de outras
pessoas, com as quais aprendemos, além do nosso seio familiar. Portanto, nestes escritos
tenho interesse em dar luz a estes entrelaçamentos das faces da escola, mostrando momentos
dos quais compreendo como meu empoderamento, e também, de segregação e silenciamento
dos nossos corpos LGBT+. Por isso, estes escritos entrelaçam momentos de empoderamentos
e segregações.
Neste sentido, meus momentos de emancipação no contexto escolar estavam
imbricados também com silenciamentos. Ou seja, embora o processo de autonomia como
aluno-artista, um meio de me afirmar como homossexual afeminado e ocupar o espaço na
escola, se consolidasse ainda no ensino médio, não me isentava das agressões homofóbicas.
Segundo a Pesquisa Nacional sobre Ambiente Educacional no Brasil 2015: as
experiências de adolescentes e jovens lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais em
ambientes educacionais (2016) o ensino médio é a etapa da educação básica na qual muitos/as
educando/as LGBT+ desistem da escola, como discorre a estudante transexual do Distrito
Federal entrevistada para a pesquisa:
É uma situação complicada ser transexual e tentar concluir o ensino médio.
Diariamente tenho que lidar não só com pessoas que acham que estou confuso ou é
apenas uma fase e que estou errado em ser quem sou, mas também com pessoas que
não compreendem o que significa «transexual».
A escola não sabe o que fazer comigo, pois não possui regras sobre estudantes
«transexuais», logo é desorganizada a questão do nome social, assim passo por
muitos constrangimentos com a chamada e com a «carteirinha». Muitas vezes chego
em casa chorando, pois fui constrangido, sofri preconceitos ou exclusão.
Dói o meu peito ao pensar que se fosse cisgênero minha vida seria melhor, seria um
menino branco de classe média alta, com notas boas e muitos amigos.
(Depoimento de uma estudante trans, 17 anos, Distrito Federal. PESQUISA
NACIONAL SOBRE AMBIENTE EDUCACIONAL NO BRASIL PARA
ESTUDANTES LGBT+, 2016, p. 64).
além de ter que lidar com todas as questões corporais e psicológicas intrínsecas a esse
processo de desenvolvimento, as conturbações da sexualidade e identidade de gênero também
compõem essas experiências. Além das dificuldades nas relações familiares, será na escola
que os conflitos desta fase se tornarão mais explícitos, principalmente por motivos de insultos
e humilhações.
No contexto educacional de São Luís – MA, por exemplo, das formas de
discriminações e humilhações que sofremos, a expressão “qualira” é uma das mais utilizadas
para designar, pejorativamente, os gays masculinos. Tal expressão também fez parte das
minhas memórias como aluno homossexual na escola, assim como de inúmeros LGBT+ que
ocupam os espaços educacionais ludovicenses.
De acordo com as autoras Theciana Silveira e Conceição Ramos (2012) essa expressão
linguística, tipicamente ludovicense, para designar o homossexual masculino de forma
pejorativa, surgiu durante o período carnavalesco ainda no século XX nas mediações do
Centro Histórico de São Luís – MA, no qual um brincante/músico com “trejeitos afeminados”
tocava o instrumento musical chamado lira. Para as autoras, esta expressão tornou-se parte do
cotidiano dos/as habitantes de São Luís – MA como uma forma de xingamento referente aos
homossexuais.
O pesquisador e professor Jackson Ronie Sá-Silva, em sua tese de doutorado intitulada
“Homossexuais são...”: revisitando livros de medicina, psicologia e educação a partir da
perspectiva queer (2012), discorre como as expressões populares “qualira” e seu sinônimo
“qualiragem” são “[...] operações que insistem em apontar e desqualificar homens
interpretados como dóceis, passivos, femininos e frágeis” (2012, p. 19).
Ainda acerca desses insultos que, discursivamente, marcavam chagas em nossos
corpos LGBT+, Jackson Sá-Silva (2012, p. 19) descreve que, para designar os homens “[...]
além do típico qualira, outros termos faziam parte do vocabulário depreciativo: veado, boiola,
florzinha, frutinha, rapaz-alegre, bicha, bichona, mulherzinha, fresco, maricas, maricona,
dentre outros”. Em relação as mulheres, estas eram chamadas pejorativamente das seguintes
expressões “butch”, “[...] sapatão, sapatona, sapata, saboeira, mulher-macho, lésbicas” (SÁ-
SILVA, 2012, p. 19).
No ambiente escolar ludovicense os termos homossexual e gay também têm
expressiva utilização. Destaco ainda, que as pessoas trans e travestis também são xingadas,
cotidianamente, como “traveco”, uma forma pejorativa que menospreza a identidade de
gênero trans e a feminilidade das mulheres trans/travestis, insistindo em chamá-las por
xingamentos que tentam legitimá-las como pertencentes ao gênero masculino. Além de
41
[...] Falando da minha própria experiência, quando se trata de xingamento por ser homem
trans, a maioria é uma tentativa de desqualificar a minha masculinidade ao se referir a mim
com pronomes femininos, a querer afirmar que sou uma mulher, a me chamar de sapatona
[...]. As violências que passei geralmente foram simbólicas e feitas por meio de covardia,
com pessoas que utilizam da comodidade de uma rede social para me atacar. Não teriam a
coragem de fazer isso na minha cara. São pessoas covardes e mesquinhas.
(Nicolas Moritz, em relato para esta pesquisa, 2019).
Na entrada e saída da escola, nos pátios, nos corredores, nas salas de aula, enfim, em
todos os espaços da estrutura escolar não parava de soar qualira. Qualira para
identificar os/as supostos/as homossexuais, qualira para intimidar, qualira para fazer
chacota, qualira para falar mal, qualira para apontar docentes, funcionários/as e/ou
corpo pedagógico. Eu era (e ainda sou!) identificado como qualira. Em muitos
momentos, transitar pela escola era insuportável. Já sabia o que iriam dizer: “lá vem
o qua qua da Biologia”, “esse qualira só quer ser”, “se esse qualira me reprovar
acabo com o carro dele”, “ele até é bonito, mas é qualira”, “adoro as aulas desse
qualira”, “o qualirão aí sabe muita Biologia cara!”, aprendi Biologia com esse
qualira que vai passando aí”, “se ele não fosse qualira, namoraria com ele”, “olha
como o qualira rebola!”, “esse qualira merece é porrada”, “ainda dou uma
surra nesse veado qualira que me reprovou nessa porra de matéria no ano
passado” (SÁ-SILVA, 2012, p. 19-20 – grifos meus).
Acredito que sentimentos como medo, revolta e indignação pairavam pelas mentes
dos inúmeros qualiras nas instituições de ensino médio onde trabalhei como
professor de Biologia. Hoje, fazendo uma releitura da situação, percebo que a marca
qualira carrega inúmeras intenções. Intenções às vezes claramente percebidas
porque expõem agressões físicas e verbais. Outras vezes são sutis e silenciosas
onde a tática é não dizer, não agredir, deixar o recado nas entrelinhas, olhares,
gestos, mudanças bruscas no tom da voz e nas expressões faciais. O não dito
expele micro-partículas de intolerância. Os olhares sorrateiros e de reprimenda
fortificam a “certeza” de que “o outro” é o “problema”. Os grãos de rejeição a
cada dia soprados no rosto dos qualiras servem para estruturar o alicerce de
um muro que deve separar (SÁ-SILVA, 2012, p. 19-20 – grifos meus).
Como relata Jackson Sá-Silva (2012) o âmbito escolar será o espaço no qual, depois
da família, as pessoas LGBT+ mais sofrem violências simbólicas e verbais/físicas, o que o
autor aponta como táticas sutis, que com olhares discriminam, com gestos impõem normas e
condutas heteronormativas que violam corpos que não se adéquam a tais regulamentos, “[...] o
não dito expele micro-partículas de intolerância” (SÁ-SILVA, 2012, p. 19).
Ainda de acordo com a perspectiva de Jackson Sá-Silva (2012) essa intolerância e
preconceito reverberam por todos os espaços da escola assinalando que “[...] os grãos de
rejeição a cada dia soprados no rosto dos qualiras servem para estruturar o alicerce de um
muro que deve separar” (SÁ-SILVA, 2012, p. 19-20). Pois, como também aponta Guacira
Lopes Louro (1997; 2001; 2016) o âmbito escolar, como instituição social, também reproduz
discursos heteronormativos de segregação das diversidades sexuais e de gênero.
43
21
Esta pesquisa, em seguida, se tornou meu trabalho monográfico intitulado Divas, lindas, sintéticas ao natural:
travestismo na cena teatral ludovicense (2017), no qual tracei a historiografia da cena de travestimento em
São Luís – MA.
45
Conforme apontam Newton Moreno (2002; 2003), José Silvério Trevisan (2002),
Ferdinando Martins (2010) e Manoel Friques (2018), pesquisadores/as dos estudos queer no
teatro, as primeiras manifestações de rompimento com uma “cena heteronormativa” em prol
da visibilidade LGBT+ nos palcos e dramaturgia no teatro brasileiro ganharam notoriedade,
de forma ainda tímida, no início do século XX.
No entanto, foi a partir da segunda metade do século passado que as questões queer
adentraram os palcos impulsionadas pelas ideias de equidade dos movimentos feminista, gay
e lésbico, bem como de igualdade racial e identitário de pessoas negras. Além da liberdade
sexual propagada pelos/as hippies e da histórica “Revolta de Stonewall Inn” ocorrida num
famoso bar na rua Stonewaal Inn22, nos Estados Unidos, em junho 1969. Esse bar era o único
lugar no qual gays, lésbicas, travestis e drag queens podiam frequentar, tendo em vista a
segregação e preconceito que sofriam na época (LOURO, 2001; TREVISAN, 2002;
MORENO, 2002; 2003).
Nesta perspectiva, aos poucos fui me apropriando do entendimento dessa cena teatral
queer, a qual fora silenciada no decorrer da historiografia teatral. A primeira imersão teórico-
prática de compreensão da referida cena queer foi proporcionada durante a oficina Corpo,
gênero e sexualidade no teatro brasileiro, realizada pelo professor e pesquisador dos estudos
de gênero e queer no teatro, Ferdinando Martins, da Universidade do Estado de São Paulo
(USP), durante o I Festival de Teatro Universitário Ponto de Vista – UFMA (2013).
Outra vivência importante foi a oficina A construção da travestilidade como
personificação do ator performático, ministrada pelo ator e diretor Silvero Pereira, durante a
programação do Palco giratório (2014), evento realizado anualmente pelo Serviço Social do
Comércio (Sesc) – MA. Ainda neste evento assisti o espetáculo Uma flor de dama, do
coletivo cearense As Travestidas com atuação e direção de Silvero Pereira23.
22
Após frequentes batidas policiais neste bar, em junho 1969 em Nova Yorque, LGBT+ se rebelaram contra as
ações truculentas da polícia e enfrentaram os policiais, ocasionando manifestações que se estenderiam
durante aquela semana. No ano seguinte, LGBT+ se encontraram no mesmo local para continuar a luta por
respeito e igualdade. Posteriormente, essas primeiras manifestações de resistência se tornariam as paradas
gay/LGBT+ e se espalhariam pelos demais países demonstrando a luta por equidade (LINS; MACHADO;
ESCOURA, 2016). Para aprofundar o entendimento deste marco para a história do movimento LGBT+
indico também os documentários: As Revoltas de Stonewall (2010), de Kate Davis, A morte e a vida de
Marsha P. Johnson (2017), de David France e Antes de Stonewall (2019) de Greta Schiller.
23
Em reportagem para o site El país o artista Silvero Pereira fala sobre sua experiência com as questões queer
no interior do Ceará e como o teatro foi libertador na sua trajetória, afirmação e ativismo LGBT+ nos palcos.
Além de destacar como as reivindicações do movimento trans, por mais representatividade na arte, foi
determinante na construção de sua personagem no filme Bacurau (2019) “Originalmente, no roteiro, Lunga
seria uma mulher trans, mas a gente decidiu não fazer isso por respeitar a importância da representatividade.
Eu falei [aos diretores]: se vocês quiserem que seja de acordo com o roteiro original, vão ter que procurar
uma atriz trans. Mas se me querem no filme, podemos buscar outras maneiras de realizar. E aí Lunga
veio queer. Não abrimos mão desta identidade nas unhas, no olho, nas tatuagens, no que eu sinto por dentro.
46
Mas isso não está no primeiro plano porque a sexualidade de Lunga não é o principal argumento para a
existência dessa personagem. O que mais interessa é algo que está no filme inteiro. É que a comunidade não
se importa se uma mulher trans vive com dois homens, se a médica vive com outra mulher, que por sua vez
se relaciona com um michê. A comunidade não se incomoda com absolutamente nada, então porque os
espectadores iriam se incomodar com a sexualidade de Lunga?”. Disponível em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2019/09/23/cultura/1569265659_610072.html. Acesso em: 15 set. 2019.
47
27
Disponível em: https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,mec-cortara-verba-de-universidade-por-
balburdia-e-ja-mira-unb-uff-e-ufba,70002809579. Acesso em: 15 set. 2019.
28
Poéticas queer está atrelado, conforme apontamos (a autora Fernanda Oliveira e eu), com espetáculos e
processos teatrais que discutem as questões de representação e representatividade das identidades LGBTI+
associadas ao campo teórico dos estudos queer. Estas problematizações encontram-se no artigo intitulado Da
representação à representatividade trans: a historiografia do travestismo no teatro ludovicense (2018).
29
Criado em setembro de 2017, o manifesto Representatividade Trans sintetiza as principais reivindicações do
movimento contra o “trans fake”. Ou seja, a prática na qual personagens trans são representadas por artistas
cisgêneros definida pelo movimento como uma forma de excluir pessoas trans do teatro e das manifestações
culturais (TV, cinema, publicidade, dentre outros).
Disponível em: https://www.facebook.com/RepresentatividadeTrans/posts/1996303693972530. Acesso em:
20 jun. 2019.
49
A atriz e diretora explana que há um processo histórico de exclusão do corpo trans dos
principais espaços de saber-poder que constituem a sociedade. Sendo que o teatro, como
espaço dialético de debate artístico-político, também segregou o corpo trans, que fora
renegado na história do teatro como corpo abjeto, o qual agora busca ocupar o seu
protagonismo.
É atrelada a essas reinvindicações, das quais também compartilho, que neste estudo
proponho a representatividade queer como forma de tornar presente os nossos corpos e
subjetividades nos espaços da cena, da sala de aula e da escola como forma de existência e
resistência frente a este ambiente retrógrado e opressor, no qual tentam silenciar nossas vozes
e invisibilizar nossos corpos LGBT+.
Na historiografia teatral o dramaturgo e pesquisador Newton Moreno, em estudo
intitulado A máscara alegre: contribuições da cena gay para o teatro brasileiro (2002) já
esboçava reflexões de como o “imaginário gay” necessitava de referências na cena teatral que
pudessem dar visibilidade aos corpos e narrativas homossexuais. Assim, essas reivindicações
agora estão associadas não somente à visibilidade, mas sobretudo à noção de
representatividade, ou seja, à presença dos corpos queer nos espaços de saber-poder: na
dramaturgia, no palco, na escola, na sala de aula, nos processos artístico-pedagógicos, dentre
outros espaços artísticos e sociais (OLIVEIRA; NASCIMENTO, 2018; CARVALHO, 2019).
Os processos artísticos que realizei no México já iniciavam, na prática, as construções
de outras narrativas de visibilidade, protagonismo e representatividade queer. Dentre estes
trabalhos destaco a performance Cartas para Any: primeiro capítulo – Infância (2015), que
criei durante a disciplina Teatro Iberoamericano contemporâneo. Com estas ações retorno
minhas problematizações para a infância LGBT+ nos contextos: familiar e escolar.
Cartas para Any (2015) é a primeira parte de uma trilogia na qual pretendo abordar as
representações queer na infância, adolescência e maturidade. Nesta primeira experiência trato
acerca da infância, através de narrativas de cartas doadas e enviadas por amigos/as LGBT+
50
direcionadas para Any (meu alterego feminino) e entrelaçadas com objetos, brinquedos, além
de fotografias das minhas memórias infantis.
Ainda no México obtive aprovação no edital de criação artística para estrangeiros da
Secretaria de Relações Exteriores do México para montagem de uma obra. A partir desse
edital de bolsa artística criei o espetáculo Travestid@s30 (2015), no qual investiguei o
contexto social das mulheres trans/travestis na Cidade do México. Esta experiência me
proporcionou compreender de forma mais específica o cotidiano das travestis e transexuais
mexicanas.
Durante a montagem realizei a pesquisa e entrevistei travestis/trans (universitárias,
prostitutas, professoras, artistas, dentre outras), dialoguei com psicóloga e pesquisadores/as de
gênero no México, além de visitar centros sociais de atenção à comunidade LGBT+
mexicana, boates, casas noturnas, dentre outros espaços (figura 2).
Figura 2 – Processo criativo/pesquisa
Fonte: Fotomontagem elaborada pelo autor a partir do arquivo da Cia Catártica, na qual ilustra a
conversa com a transexual/garota de programa, imagens do processo criativo e diálogo com a
psicológa, 2015.
30
Artigo publicado na revista virtual Hysteria acerca do processo criativo. Disponível em:
https://hysteria.mx/travestismoproceso-investigativo/. Acesso em: 4 de jan. 2019.
51
No país mexicano adentrei definitivamente nos estudos teóricos queer para dar
visibilidade e representatividade às identidades LGBT+ na arte. Nesta montagem
problematizei os discursos que estigmatizam as mulheres trans e travesti associadas somente
no âmbito da prostituição, objetivando mostrar que elas também ocupavam outros espaços
sociais, ainda que sob a ótica de uma sociedade mexicana machista e transfóbica,
considerando-se que, depois do Brasil, o México é o segundo país que mais assassina pessoas
trans. Conforme dados da Ong Transgender Europe “foram assassinadas 167 pessoas Trans
no Brasil, seguidos de 71 mortes no México, 28 no EUA e 21 na Colômbia no mesmo
período” (ANTRA, 2018, p. 24).
O espetáculo também oportunizou trazer à cena a representatividade trans, tendo em
vista que, além de atores e atrizes cis, a atriz trans Miranda Lopez também interpretou uma
personagem trans/travesti, bem como Luna Frida, então discente de pedagogia da UNAM, a
qual fez uma participação especial na montagem. Portanto, meu interesse foi criar um
ambiente no qual as vozes de pessoas trans pudessem ser escutadas pelo público através do
protagonismo de suas narrativas para mostrar as diversas facetas da transgeneridade, além de
desconstruir mitos e tabus em torno das subjetividades trans/travestis.
Neste sentido, além das experiências no campo das artes cênicas, também criei o
curta-metragem Mi cumple...31. Nesta obra (figura 3), a qual aborda a transgeneridade na
infância, na perspectiva do personagem Felipe, que um dia antes do seu aniversário, enquanto
sua mãe prepara sua festa, deseja que a fada madrinha do conto de fadas Cinderela, realize seu
sonho de ser uma menina.
31
Curta-metragem criado durante a disciplina Introdução a linguagem de imagens em movimento – UNAM. A
obra foi selecionada posteriormente para participar do 6º Salão de Artes Visuais de São Luís – MA,
organizado pela prefeitura da referida cidade.
Disponível: https://www.youtube.com/watch?v=1y3R7n4tYuY&feature=youtu.be. Acesso em: 11 set. 2019.
52
Fonte: Fotomontagem elaborada pelo autor a partir do arquivo da Companhia Catártica, 2015.
de mistério nas salas de aula, nas piadinhas no fundo da sala que revelavam muito mais que
uma mera brincadeira, desnudava a face LGBTfóbica na escola.
Da mesma forma, nas reuniões dos/as professores/as, nas conversas entre os/as
alunos/as, assim como entre os/as docentes eram compartilhadas narrativas que suscitavam a
possibilidade de ter alunos/as, professores/as ou funcionários/as cis homossexuais/lésbicas.
Alimentando histórias, ditas e não ditas, de segredos, nas quais a revelação da orientação
sexual poderia ser um caminho para a exclusão.
No decorrer da minha formação docente no curso de Licenciatura em Teatro - UFMA,
vivenciei práticas nos estágios curriculares nas quais as relações de gênero estavam presentes.
Em seguida, quando lecionava na rede privada as mesmas discussões de gênero e sexualidade
emergiram atravessadas nos processos criativos e nas montagens.
Neste sentido, as narrativas docentes que compartilho mostram de que forma as
discussões de gênero e sexualidade foram adentrando a minha prática em sala de aula. Assim,
partilho algumas situações que ilustram como tais relações de gênero perpassam a prática
docente em teatro, em especial demonstram como há um silenciamento e invisibilidade das
identidades LGBT+ na escola.
Foi através delas que percebi as possibilidades e também dificuldades em articular os
conhecimentos da pedagogia do teatro em diálogo com temas de gênero, sexualidade e queer
na educação básica. Essas experiências também foram fundamentais na minha formação
como professor-artista por incitar a reflexão a respeito dos percursos teórico-metodológicos
para discutir os temas queer no contexto da pedagogia teatral. O que neste atual contexto
reafirma a necessidade de se buscar estratégias de resistência para manter a visibilidade e
representatividade dos nossos corpos na escola.
Destas experiências, destaco inicialmente aquelas relacionadas à universidade federal,
que marcaram os diálogos entre a minha formação inicial na graduação e a prática em sala de
aula, através de estágios e projetos artístico-pedagógicos. Primeiramente ressalto a
importância do Programa Institucional de Iniciação à Docência (PIBID), no qual lecionei no
ensino médio, no Colégio de Aplicação (COLUN), da Universidade Federal do Maranhão
(UFMA). Além dos estágios curriculares no ensino fundamental, médio e técnico em colégios
das redes municipais, estaduais e federais.
Em linhas gerais, percebia a partir das experiências em sala de aula nas escolas, como
os temas de gênero e sexualidade adentraram a prática teatral, nas relações entre os/as
alunos/as, nos experimentos cênicos criados por estes/as, de forma distinta de acordo com
cada faixa etária. Surgiram ainda nas improvisações, nas narrativas dramatúrgicas das cenas
55
criadas, na criação dos/as personagens femininos e masculinos, nos quais o recurso cênico do
“travestismo ou travestimento” fora utilizado pelos/as alunos/as.
Nestes processos teatrais me intrigava o fato das representações do feminino da
mulher cis e homossexual afeminado, criadas pelos alunos adolescentes, serem sempre
caricatas. Dessa forma, durante minha experiência como bolsista do PIBID no Colégio
Universitário (COLUN) na Universidade Federal do Maranhão (UFMA), diagnostiquei e
problematizei a construção de personagens femininas, pelos alunos durante as aulas de teatro,
a partir da prática do “travestismo” (TREVISAN, 2002; OLIVEIRA; NASCIMENTO, 2018).
Inquietava-me o fato da construção destas personagens, representadas pelos alunos,
trazerem sempre um estereótipo que beirava ao burlesco, demarcando a linha tênue da
comédia e do bullying na escola, haja vista que eram construções estereotipadas do feminino,
tanto das mulheres, quanto dos homossexuais afeminados, reforçando o machismo, o sexismo
e valorização da masculinidade tóxica.
Isto posto, foram as experiências que afloraram em mim as inquietações como
professor-artista e pesquisador em investigar, nas metodologias do ensino do teatro, como elas
estabeleciam diálogos transversais com os temas de gênero, sexualidade e queer que surgiram
na minha prática artístico-pedagógica na educação básica (ensino infantil, fundamental e
médio).
Em paralelo, também vivenciei a docência nas escolas, inicialmente como diretor,
montando espetáculos e, posteriormente, lecionando a disciplina de teatro na rede privada de
ensino. Iniciei minha carreira docente, primeiramente, ministrando oficinas de teatro na escola
privada Construção do saber33, localizada em São Luís – MA, ainda no final do ano de 2008,
quando ainda estava iniciando minha carreira artística como ator e diretor.
Naquela época cursava o técnico em Artes Cênicas, no Centro de Artes Cênicas do
Maranhão (CACEM), participava de oficinas de teatro e dança popular no LABORARTE 34,
além de participar do grupo de teatro no colégio Centro de Ensino Governador Edison Lobão
(CEGEL), no qual cursei o ensino médio, conforme descrevi no início deste capítulo.
33
Em conformidade com as normas do comitê de ética da UDESC optei por utilizar nomes fictícios para me
referir às instituições privadas nas quais lecionei.
34
Laboratório de Expressões Artísticas – LABORARTE foi fundado na década de 1970 por artistas como
Sérgio Brito, Tácito Borralho, dentre outros/as. De acordo com Tácito Borralho “[...] filosófica e
ideologicamente, a proposta do LABORARTE era reler, investigar as formas populares de arte, reelaborá-las
em laboratório e torná-las públicas nos resultados, tanto em espetáculos ou outras formas de exibição e
registro nas Artes Cênicas (Teatro, Dança, Teatro de Bonecos) Música, Artes Plásticas, Literatura e
Imprensa, Fotografia e Cinema. Nossa intenção é que cada espetáculo estivesse ligado ao resultado de um
estudo de arte integrada” (LEITE, 2007, p. 222). Atualmente, o LABORARTE é um ponto de cultura, com
diversas oficinas de teatro, danças populares (capoeira, cacuriá, dentre outras), música dentre outras,
localizado no Centro Histórico de São Luís – MA.
56
35
São formas de organizar uma família. Existem diversas maneiras de compor essa organização familiar:
famílias sem o pai ou sem a mãe, com dois pais ou duas mães, com muitos irmãos, avós ou tios que cuidam
dos netos, primos ou parentes que vivem na mesma casa e assim por diante (LINS; MACHADO;
ESCOURA, 2016, p. 124).
57
Nesta fala a discente recorda de uma significativa experiência escolar na qual a fruição
de filmes com temáticas queer marcaram sua adolescência, reiterando a relevância da
visibilidade e representatividade queer em sala de aula para que os/as alunos/as LGBT+
percebam a escola como um lugar no qual suas vozes, subjetividades e corpos têm
protagonismos.
Mesmo que, historicamente, os estudos de sexualidade estivessem atrelados somente
às disciplinas de ciências/biologia, com conteúdos relacionados, sobretudo à reprodução,
corpo humano e órgãos reprodutores (FURLANI, 2009; 2016; SÁ-SILVA; ALMEIDA, 2011)
na atualidade há escolas que desenvolvem ações pedagógicas e projetos que visam discutir
com os/as alunos/as temas atrelados à diversidade sexual e de gênero como ressalta o relato da
estudante de São Paulo.
58
Essas ações, de rupturas com o sistema que impõe normas de gênero e invisibiliza a
representatividade queer, contrapõem-se aos atuais discursos reacionários que tentam
deslegitimar os estudos de gênero e sexualidade como campos epistemológicos que
contribuem para a equidade na escola. Conforme destaca Jimena Furlani (2009; 2016) a
discussão a respeito de sexualidade sempre esteve envolta em mitos e tabus, construídos a
partir do senso comum, o que impediu e ainda impede que os temas relacionados à
sexualidade adentrem o âmbito escolar, sobretudo quando essas temáticas são desvinculadas
dos aspectos essencialmente biológicos.
Tais ações dialogam com o que a autora compreende como as abordagens de educação
sexual dos direitos humanos, dos direitos sexuais, emancipatória e queer (FURLANI, 2016),
porque contribuem para ampliar as discussões de gênero, de sexualidade e queer na escola,
numa perspectiva de respeito à pluralidade, à equidade de gênero e à visibilidade LGBT+ no
contexto educacional. Portanto, acredito que ações como essas proporcionam significativos
momentos de aproximações dos temas citados aos conteúdos da linguagem teatral nas aulas
de teatro na escola, desconstruindo mitos e tabus a respeito da discussão da sexualidade.
Quando lecionava na educação básica, na educação infantil e ensino fundamental,
percebia mais resistência para se abordar essas questões nos segmentos da educação infantil e
anos iniciais do fundamental, tanto pelas escolas, quanto pelas famílias. Recordo-me de dois
casos envolvendo a aula de teatro e as relações de gênero: o primeiro diz respeito à “prática
cênica do travestismo” (TREVISAN, 2002; OLIVEIRA; NASCIMENTO, 2018) para
interpretar papéis femininos e masculinos, enquanto a outra se refere, especificamente, acerca
da utilização da maquiagem na aula de teatro.
A primeira situação cotidiana que destaco, a qual ocorre nas escolas e marca a aula de
teatro, trata-se de quando se pretende montar espetáculos para serem apresentados na escola
ou em teatros, e os alunos e as alunas desejam interpretar personagens diferentes do seu
gênero. Essa situação aconteceu comigo durante minha experiência docente, na qual a mãe de
uma aluna do 1º ano do ensino fundamental veio conversar comigo, perguntando o porquê eu
havia escolhido um personagem masculino para sua filha interpretar.
Inicialmente, expliquei à mãe da aluna que, durante a experimentação e criação das
cenas, na qual primeiramente narrei a história para a turma e, em seguida, fomos conhecer as
personagens para posteriormente, em cima do tapete mágico, os/as alunos/as criassem cenas a
partir dos personagens da história, sua filha havia experimentado diversos personagens
(masculinos e femininos) e optou em interpretar aquele personagem masculino. Infelizmente,
59
mesmo assim a mãe pediu “gentilmente” que sua filha interpretasse qualquer personagem,
desde que fosse feminino.
Essa anedota traz um recorte de algumas das situações com as quais professoras e
professores de teatro se deparam durante suas práticas em sala de aula, nas quais as relações
de gênero surgem e censuram a criação artística. Assim, tal situação demonstra como as
relações de poder, o machismo e a masculinidade tóxica estão enraizados no contexto escolar
interferindo nas mediações e transgressões artísticas intrínsecas à práxis teatral na escola.
Em geral, quando o teatro confronta os padrões de gênero na escola e possibilita a
vivência de distintos personagens, os/as pais/mães e coordenação escolar acreditam
erroneamente que a criança poderá ser “influenciada” e tornar-se-á gay, lésbica ou trans, haja
vista que em uma sociedade machista e heteronormativa ser LGBT+ e exteriorizar desde a
infância é “horrendo”, “feio”, “anormal” e “abjeto”.
Esses discursos que, cotidianamente, nós professores/as de teatro escutamos na escola
ilustram as visões de uma educação sexual que inferioriza a homossexualidade e
transgeneridade desde a infância. Em conformidade com as discussões teóricas da autora
Jimena Furlani (2016) identifico que nestas visões estão impregnadas perspectivas de
educação sexual biológico-higienista, moral-tradicionalista, terapêutica e religiosa-radical que
discriminam as manifestações que não seguem a dinâmica binária da heteronormatividade.
Dessa forma, os discursos destas abordagens estão impregnados no imaginário
popular, influenciando, direta ou indiretamente, as trágicas histórias LGBTfóbicas que são
notícias cotidianamente no Brasil, a saber: um pai que agride e mata um filho por ser
homossexual afeminado; famílias que aprisionam filhos/as LGBT+ em sanatórios e/ou em
igrejas que prometem a “cura gay”; casos nos quais lésbicas sofrem “estupros corretivos” para
“deixarem de ser lésbicas”. Além de casos nos quais travestis/trans são mortas e seus corações
arrancados como forma de expurgar o “pecado”, como demonstram as estatísticas de
assassinatos de pessoas trans no país (ANTRA, 2018).
As histórias de segregações sociais se materializam de formas simbólicas e explícitas
na escola. Do momento no qual o/a aluno/a LGBT+ sofre discriminação até simples atos que
transgridem as normas de gênero como o uso da maquiagem na aula de teatro. Dessa forma, a
utilização da caracterização, intrínseco ao ofício do/a ator/atriz, na aula de teatro na escola
torna-se uma “grande questão de gênero”, sobretudo nos anos iniciais do ensino fundamental,
tendo em vista o contexto binário e machista envolto por diversos preconceitos.
Recordo-me do trabalho que desenvolvi com uma turma do 3º ano do ensino
fundamental, no qual estávamos estudando a arte circense. Durante o processo criativo
60
[...] Como estudante e futuro professor [...] tenho 16 anos e vejo que dentro
das instituições por mais que os preconceitos tenham diminuído, não é
abordado o tema, professores não estão capacitados, fogem do assunto, ou
por opinião própria não querem falar.
(Depoimento de um estudante gay, 16 anos, estado do Paraná).
[...] Eu sou estudante pretendo fazer faculdade e minha orientação sexual não
vai interferir em nadíssima. Tinha um professor muito bom e ele era gay e ele
é um dos melhores profs que já tive até hoje. Fiz um trabalho sobre o
movimento em seminário, ganhei um 10, a minha
turma gostou, mas foi no final do ano. Agora estou formada, pretendo fazer
faculdade, namoro há 1 ano com a bofinha mais linda que eu já vi. Me
descobri aos 11 anos, sofro mais preconceito pela parte da minha mãe, às
vezes o porquê disso ela diz que eu só vou entender quando for mais velha e
que é só uma fase, mas estou tomando minhas providências para conseguir
minha casinha. Espero que este relatório seja muito útil para lugares que o
preconceito ainda tenha.
(Depoimento de uma estudante lésbica, 16 anos, estado do Rio Grande do Sul.
PESQUISA NACIONAL SOBRE AMBIENTE EDUCACIONAL NO BRASIL
PARA ESTUDANTES LGBT+, 2016, p. 23-69).
Com base nos relatos acima chamo atenção, sobretudo para a importância da
representatividade de professores/as LGBT+ na escola. Durante minha formação estudantil e
acadêmica foram poucos os/as docentes que eu percebia se afirmarem como homossexuais,
lésbicas, homens e mulheres trans/travestis. Logo, foi somente na Universidade que convivi
com pessoas trans. Atualmente, homens e mulheres trans/travestis se afirmam com mais
“facilidade” na escola, apesar das discriminações, como compartilho no terceiro capítulo
62
sobre os processos criativos pilotos, após convivência com um aluno trans, o qual participou
de uma das práticas.
Compreendo que o processo histórico de preconceito e marginalização impedia
muitos/as dos/as meus/minhas professores/as se afirmarem como LGBT+. Entretanto, na atual
conjuntura, mesmo diante desta onda conservadora propagada pelo governo Bolsonaro,
diversos/as docentes já se posicionam e se empoderam como homossexuais, lésbicas, travestis
e transexuais (homens trans e mulheres trans). Além de alunos/as, os/as quais também estão
afirmando suas identidades sexuais e de gêneros na sociedade e no contexto escolar, embora
reitero que a invisibilidade LGBT+ ainda seja um retrato da realidade da educação básica no
Brasil.
63
No decorrer dos anos, nos quais retornei à escola, lecionando na educação básica
como professor-artista qualira, adentrei a este espaço tão familiar e, com meu corpo
afeminado, desestabilizava as normas rígidas de gênero, burlando a (in)visibilidade das
discussões LGBT+ na escola através de processos artístico-pedagógicos. Na atual situação
retrógrada na educação e nas artes cênicas no âmbito escolar, as minhas narrativas de
resistência e representatividade se assemelham às de outros/as professores/as de arte, algumas
das quais compartilho ao longo do texto, em distintos contextos no Brasil.
Neste capítulo entrelaço as discussões teóricas a respeito das faces da escola pública
com as narrativas de professores/as de arte queer de algumas regiões do Brasil. Para isso,
realizei entrevista com cinco professores de arte (teatro, artes visuais e dança) cis-gays e uma
professora (artes visuais) cis-lésbica, além de uma professora pedagoga travesti-pansexual,
com perguntas semiestruturadas relacionadas às discussões queer na educação básica, em
escolas públicas, na atual circunstância do país.
Assim sendo, meu objetivo consiste em verificar como os/as professores/as,
assumidamente LGBT+, percebem a propagação do movimento “escola sem partido” e
“ideologia de gênero” no contexto atual e suas implicações em sala de aula. Ou seja, tentei
compreender, a partir destes relatos, os primeiros impactos das mudanças ocorridas na escola
pública para professores/as de arte queer desde o período eleitoral de 2018.
Por meio dessas narrativas, compartilho as vozes e subjetividades LGBT+ na arte-
educação, destacando os primeiros impactos desta conjuntura reacionária na rotina escolar,
sob o ponto de vista dos/as professores/as de arte, assumidamente, queer.
36
Arthur Gomes também é ativista queer com ações e projetos voltados para visibilidade LGBT+ através da
BAFHO produções. Link para acesso ao trabalho do artista. Disponível em:
https://www.facebook.com/baphocultural/. Acesso em: 20 jul. 2019.
64
Nos escritos que seguem dedico-me em pensar a respeito das faces da escola pública,
laica e democrática com base na perspectiva da pedagogia queer (LOURO, 1997; 2001; 2016)
e das (hetero)normas de gênero na escola (TORRES; JUNIOR; BRITO, 2019). Aproximo-me
ainda da filosofia da educação (MASSCHELEIN; SIMONS, 2015; LARROSA, 2018) e das
discussões de gênero, sexualidade e queer na pedagogia do teatro (MARTINS, 2009; 2011),
entrelaçando-as com os “lugares de fala” (RIBEIRO, 2017)37 de alguns professores/as de arte
LGBT+ das regiões Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil.
Inicialmente, aproprio-me dos estudos da autora Guacira Louro (1997; 2001; 2016)
acerca da importância da pedagogia queer na educação, tanto para problematizar as normas
binárias de gênero, quanto para empoderar os corpos que fogem de tais regras.
Para Guacira Louro (2001, p. 552) “uma pedagogia e um currículo queer ‘falam’ a
todos e não se dirigem apenas àqueles ou àquelas que se reconhecem nessa posição-de-
sujeito, isto é, como sujeitos queer”. Dessa maneira, a autora resssalta ainda que uma
pedagogia queer “sugere o questionamento, a desnaturalização e a incerteza como estratégias
férteis e criativas para pensar qualquer dimensão da existência” (LOURO, 2001, p. 552). A
pedagogia queer oportuniza a presença dos corpos plurais na escola, transgredindo as
segregações da heteronormatividade.
Os/as autores/as Mariana Torres, Dilton Junior e Leandro Brito (2019), que também
discutem as transgressões queer na escola, apontam como em nossa cultura a hegemonia da
heterossexualidade impõe normas para as vivências de gênero e de sexualidade que segregam
as demais orientações sexuais. Na escola, tais segregações invisibilizam as subjetividades que
subvertem a heteronormatividade.
Neste sentido, os/as pesquisadores/as descrevem (hetero)normas (TORRES; JUNIOR;
BRITO, 2019) como modelos rígidos de masculinidade e feminilidade, identificados em todos
os segmento da educação básica. Para Mariana Torres, Dilton Junior e Leandro Brito (2019)
as (hetero)normas são um “conjunto de dispositivos, tais como discursos, valores e práticas,
que partem do pressuposto de que a heterossexualidade é o único modelo de orientação sexual
possível de ser vivenciado pelos sujeitos na ordem social” (TORRES; JUNIOR; BRITO,
2019). As (hetero)normas (TORRES; JUNIOR; BRITO, 2019) estão fundamentadas em
37
Entendido por lugares sociais nos quais cada sujeito se encontra na sociedade, sob interseccionalidades de
gênero, orientação sexual, raça, etnia, classe, geracionalidade, regionalidade, dentre outros. Estes lugares de
“fala e escuta” estão associados às vozes que foram silenciadas e reinvindicam falar de si, como forma de
representatividade, em determinados contextos de saber-poder, no qual prevalecem as opressões e
desigualdades (RIBEIRO, 2017). Neste estudo estas discussões estão associadas as representatividades queer
e suas subjetividades, na pedagogia do teatro, em diferentes contextos educacionais do Brasil.
65
38
De acordo com os/as autores/as Elder Luan dos Santos Silva (2019) e Lua Da Mota Stabile (2019) o
movimento “escola sem partido” surge oficialmente ainda em 2004, organizado pelo o advogado Miguel
Nagib. Em seguida, é transformado em projeto de Lei N.º 867/2015 (Do Sr. Izalci) “Programa Escola sem
Partido”, que de imediato foi apoiado e transformou-se na principal bandeira ideológica dos partidos
conservadores e fundamentalistas no Brasil. Posteriormente, o projeto que não foi aprovado pelo âmbito
federal, recebeu projeção nacional através do site Escola sem Partido: educação sem doutrinação, recebendo
notoriedade em esferas estaduais e municipais no país. Site “Escola sem partido: Educação sem doutrinação”.
Disponível em: http://escolasempartido.org/. Acesso em: 20 abr. 2019.
39
Link para acesso do PDF do material pedagógico “Escola sem homofobia”. Disponível em:
http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-content/uploads/2015/11/kit-gay-escola-sem-homofobiamec1.pdf.
Acesso em: 20 abr. 2019. Reportagem da revista Nova Escola com videos, disponibilizados no material
“Escola
sem homofobia”, para abordar a pluralidade LGBT+ no contexto escolar. Disponível em:
https://novaescola.org.br/conteudo/84/conheca-o-kit-gay-vetado-pelo-governo-federal-em-2011.
Acesso em: 20 abr. 2019.
40
Disponível em: https://super.abril.com.br/comportamento/esse-e-o-livro-pornografico-que-o-bolsonaro-
levou-ao-jornal-nacional/. Acesso em: 28 abr. 2019.
41
Link para acesso a reportagem desmentindo que o livro “Aparelho sexual e Cia: um guia inusitado para
crianças descoladas, de autoria do suíço Philippe Chappuis (conhecido como Zep) e da francesa Hélène
Bruller” fez parte do material pedagógico Escola sem homofobia, como informou Jair Bolsonaro em
entrevista ao Jornal Nacional (Globo) na campanha eleitoral de 2018. O livro que traz uma abordagem não
biológica da sexualidade na infância e adolescência. […] A Companhia das Letras afirmou ainda que o texto
original foi traduzido para dez idiomas ao redor do mundo e vendeu mais de 1,5 milhão de cópias, tendo sido
transformado em exposição que ficou em cartaz em Paris. O público alvo da publicação é formado por
adolescentes: no catálogo da editora, ela era sugerida para alunos de 11 a 15 anos. (EL PAÍS, 2018).
Disponível em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/08/29/politica/1535564207_054097.html. Acesso em: 28 abr. 2019.
66
[...] o poder de coerção, mentira, tolices e hipocrisia instaurado por esse novo
governo do Brasil, faz refletir nas falas que escuto nas escolas, tanto em sala
dos professores, como corredores e grupos de whatsapp. [...] Nas duas
escolas que eu leciono, na cidade de Nova Trento [...] na segunda semana de
aula, em uma das escolas, fui chamado na direção. Fui informado que os
alunos chegavam em casa, comentavam sobre o professor novo de artes e
os pais buscavam informações sobre minha pessoa nas redes sociais, e
detalhe: encontravam. Verificaram minhas redes sociais e perceberam que
eu fugia com a normativa esperada por eles, tanto na política, na
42
Disponível em: https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/viver/2018/07/espetaculo-o-evangelho-
segundo-jesus-rainha-do-ceu-sera-apresentado-n.html. Acesso em: 26 jun. 2019.
43
“A Harmônica Arte e Entretenimento, realizadora do projeto Viagem Teatral, vem a público esclarecer alguns
pontos relacionados à difamação e às manifestações que buscaram vetar as apresentações do Espetáculo ‘A
menina e sua sombra de menino’, agendadas para os dias 18 e 19 de setembro de 2018, na cidade de Campos
Novos, Santa Catarina [...]. O espetáculo ‘A menina e sua sombra de menino’ que seria apresentado nesta
quinta-feira (25/10) na cidade de Xanxerê (SC), às 14h, na praça Tiradentes, foi novamente CENSURADO.
O espetáculo, que integra a 10a edição do projeto Viagem Teatral e que faria parte da programação cultural
do mês realizado pela Secretaria de Cultura de Xanxerê, foi censurado a pedido do grupo de pastores,
presidido pelo Sr. Aristides dos Reis Miranda. O pedido do pastor foi acatado pelo prefeito da cidade,
Avelino Menegolla. O motivo da decisão, segundo o pastor, é que o conteúdo do espetáculo ‘vai ao
desencontro dos princípios que pregamos na igreja’ [...]”. Disponível em:
https://web.facebook.com/harmonicaarte/posts/1931811053579425?comment_id=1933192350107962¬if
_id=1537569025333334¬if_t=feedback_reaction_generic. Acesso em: 2 out. 2018.
68
44
A professora Beatriz Sousa é estudiosa das discussões de gênero nas artes visuais com publicação do livro
Tramas de gênero: um estudo sobre mulheres que tecem redes de dormir em São Bento – MA. São Luís:
EDUFMA, 2015.
70
gênero trans. Ainda com base na fala dos/as professores/as destaco a importância da
representatividade queer na escola e a resistência para empoderar outros/as alunos/as por
meio da arte na educação.
Enquanto por outro lado há contextos escolares nos quais não existem nenhum debate
a respeito das questões queer, conforme assinala o professor Me. Luis Rocha (Rede municipal
– MA), o qual ressalta a necessidade de discutir a temática na escola. Além da fala do
professor Me. Leonardo Calixto (Rede municipal – MS), que afirma oportunizar em suas
aulas de teatro e dança experiências com a pluralidade dos corpos:
de afeto e representatividade em sala de aula, como nas ações dos/as professores/as Tiago
Cruvinel, Luís Félix, Beatriz Sousa e Leonardo Calixto.
Os corpos de alunos/as e também de professores/as LGBT+ que subvertem as
(hetero)normas (TORRES; JUNIOR; BRITO, 2019) são aqueles que sofrem as segregações
na escola, ou seja, as bichas afeminadas, as sapatonas “machonas”, as travestis,
homens/mulheres trans e toda a pluralidade de corpos queer que habitam, ou são excluídos,
dos corredores, das salas de aula, dos pátios, das bibliotecas e demais espaços educacionais.
É neste contexto ambíguo, de empoderamento e segregação, que a vigilância dos
corpos e da sexualidade dos/as alunos/as e professores/as LGBT+ nos confirmam, durante a
rotina escolar, que somos “anormais” frente à “normalidade” da escola e da
heteronormatividade compulsória. Novamente o segredo, para aqueles e aquelas que assim se
mantém “no armário”, segundo a máxima popular, torna-se a (in)visibilidade que camufla e
dita regras de exclusão dos corpos queer na educação básica.
No entanto, compreendo que o revelar-se não necessariamente tem relação com
“expor” sua sexualidade ou identidade de gênero como se fossem sinais que devem ser
obrigatoriamente expostos ao público, mas sim no sentido que, ao se afirmar como LGBT+ na
escola no atual momento, proporciona oportunidades de ocupar espaços e lacunas que só
caberiam para o silêncio, a LGBTfobia e o desconhecimento da existência da pluralidade dos
corpos queer.
Através da “suspensão”, neste tempo igualitário para torna-se estudante, os saberes são
“postos à mesa”, em sala de aula, para que o/a aluno/a possa se apropriar e se desenvolver
como indivíduo, cidadão/dã e transformar-se, sem obrigações familiares, sociais e de trabalho.
Segundo Jan Masschelein e Maarten Simons (2015), a “suspensão” desconstrói algumas
narrativas que assinalam que pessoas nascidas em contextos sociais adversos não possam ser
capazes de apreender determinadas matérias escolares ou de que outras não possam ser
assimiladas por determinados/as alunos/as, considerando-se seus antecedecentes familiares ou
sociais.
Por meio das materialidades básicas que compõem a escola, as quais os autores
definem como “tecnologias escolares”, a lousa, a carteira, os livros, o/a professor/a, a matéria
compartilhada e através deste tempo lento dedicado aos estudos, alunos e alunas independente
de antecedentes podem se perceber “capazes de” ou tornar possível o “eu posso”. Assim
sendo, é com base nestas “tecnologias”, intrínsecas à materialidade da escola, que o/a
professor/a “capta a atenção” do/a estudante para a matéria e com ela abre as possibilidades
para as coisas do mundo, para que este/a transforme a si mesmo/a.
Por isso, diante desta característica subversiva, de rompimento com a ordem desigual
da sociedade grega da época e democratização do ensino, que a escola pública atravessará os
séculos seguintes, sofrendo ataques e hostilidade, com tentativas de dominação doutrinária,
social, mercadológica, religiosa, dentre outros. A partir da modernidade no Ocidente, a escola
tornar-se-á fragmentada destas características primárias revolucionárias, tendo em vista que
pelas imposições o sistema “priva a geração jovem do tempo e do lugar para praticar e
experimentar o tempo livre” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2015, p. 106).
Contudo, mesmo assim, na atualidade, ainda há resquícios destas subversões da escola
pública, apesar das determinações do sistema que a adentra, dita normas e tenta domá-la e,
por isso, ela é atacada. No presente momento no Brasil, por exemplo, identifico estas
tentativas de dominação da escola pública em discursos pautados no projeto “escola sem
partido”, “ideologia de gênero”, “criacionismo” e “militarização dos colégios”, os quais
tentam fissurar a escola e sua autonomia democrática como lugar público. Além de tentativas
de vigiar e domesticar a autonomia de professores e professoras em sala de aula, como
preconizam as ideias do movimento escola ‘sem partido’, a saber:
Art. 3º. São vedadas, em sala de aula, a prática de doutrinação política e ideológica
bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam
estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou
responsáveis pelos estudantes. [...] Art. 4º. No exercício de suas funções, o
professor: I - não se aproveitará da audiência cativa dos alunos, com o objetivo de
74
Neste sentido, a meu ver, as propostas desse movimento estão atreladas ao que Jan
Masschelein e Maarten Simons (2015) discorrem como tentativas ou táticas de movimentos
políticos e ideológicos de “despolitizar” a escola, ou retirar dessa instituição seu princípio
político basilar que é proporcionar “tempo livre”. Portanto, estes anseios religiosos, morais e
familiares propagados no movimento “escola sem partido” e nos discursos de “ideologia de
gênero” tentam se instalar no âmbito educacional com objetivos de domar a escola pública e
deturpar o seu caráter democrático e autônomo neste processo de emancipação intelectual de
alunos e alunas.
Em contrapartida aos discursos de ódio e discriminatório, a onda conservadora,
fundamentalista e preconceituosa disseminada através do projeto “escola sem partido”,
surgiram reivindicações como “escola sem mordaça” e “professores contra o escola sem
partido”45, defendendo a liberdade democrática do ensino público e dos/as professores/as, sem
que sejam vigiados/as com câmeras e denunciados ao Ministério Público46.
Ainda sob esta perspectiva, os autores de Em defesa da escola (2015) destacam que
“julgadores/as” da escola a condenam como alienadora, arcaica frente às mudanças
tecnológicas. Todavia, é em tempos difíceis, como na contemporaneidade, no qual discursos
tentam inferiorizar e discriminar a escola pública, que a instituição reafirma sua importância,
seu caráter de reinventar-se e emancipar aos/as que dela desfrutam. É justamente acerca deste
aspecto emancipatório, ou de empoderamento intelectual, o qual é propocionado no âmbito da
escola pública e democrática, que tenho interesse em trazer à tona para falar dos corpos e
representatividade queer na escola.
Ou seja, meu intuito é desvelar esta outra face escolar, a que empodera os corpos
queer, considerando-se que é neste mesmo espaço no qual na atualidade sentimos segregações
que também nos emancipamos. Neste sentido, a escola também acolhe e empodera LGBT+ e
torna-se subversiva por oportunizar esta emancipação dos corpos abjetos e renegados. Estes
corpos queer que, anteriormente, se “escondiam” nos armários obscuros de uma sociedade
hipócrita ou, no caso de algumas, se “escondiam” do sol e se revelavam nas noites, nas
45
“Em uma sociedade dividida como a brasileira, é certo que o projeto Escola sem Partido foi alvo de críticas
contundentes. Destaca-se nesse debate Fernando Penna, Professor da Faculdade de Educação da
Universidade Federal Fluminense, que ocupa papel central no movimento “Professores contra o Escola sem
Partido”, protagonista na promoção de debates, audiências e publicações, além do enfrentamento diligente a
projetos de lei espalhados nas casas legislativas do país” (VIÉGAS; GOLDSTEIN 2017, p. 6).
46
“Deputada estadual do PSL eleita por SC incita alunos a filmar e denunciar professores”. Disponível em:
https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/eleicoes/2018/noticia/2018/10/29/deputada-estadual-do-psl-eleita-por-
sc-incita-alunos-a-filmar-e-denunciar-professores.ghtml. Acesso em: 28 abr. 2019.
75
esquinas, nos becos, nas ruelas, nos guetos, mas que agora estão ocupando, seguindo a
máxima qualira “bota a cara no sol, viad@!”: a escola, a Universidade e demais espaços de
saber-poder, reivindicando o direito de existir.
[...] o ponto de partida é o amor pelo assunto, pela matéria, e pelos alunos; um
amor que se expressa na abertura e compartilhamento do mundo. Com base nisso, o
professor não pode fazer nada além de assumir a igualdade, ou seja, agir a partir
do pressuposto de que todo mundo é capaz de atenção, interesse, prática e estudo.
[...] Assim como o professor amoroso não permite que os alunos se escondam por
trás das histórias de fracasso ou inépcia que contam sobre si mesmos ou os outros
contam sobre eles. Em suma, o professor amateur ama sua matéria e acredita que
deve ser dada a todos, repetidas vezes, a oportunidade de se engajarem na matéria
que ele ama (MASSCHELEIN; SIMONS, 2015, p. 83-84).
A escola para o docente de Arte também é esse campo de luta. [...] Como um
campo a ser explorado. Como um lugar de conquistas e desafios. Como espaço
de violências simbólicas e desafios constantes. Como um ambiente que
proporciona reflexão e conhecimento e, dessa forma, pode contribuir para a
compreensão da diferença. [...] Penso que a Arte me transformou. Me deu
liberdade para ser o que sou e o que desejar ser. Não sei o que seria se não
fosse arte/educadora. Acredito que o exercício da liberdade, o contato com
a diversidade cultural, o respeito e a valorização da diferença são
diferenciais da minha formação que tento levar para a minha prática
docente. Tento tocar as pessoas. Não sei se consigo.
(Beatriz de Jesus Sousa, professora cis/lésbica de artes visuais do ensino
fundamental e médio do Colégio Universitário - COLUN/UFMA, 2019 - grifos
meus).
As falas dos/a “professores/as de arte silvestres” ilustram este “algo” que perpassa as
experiências do fazer artístico em sala de aula: o amor pela arte e a forma com que estes
saberes são “postos à mesa” aos/as alunos/as. Destaco ainda a sensibilidade e
representatividade nas afirmações do professor Luis Félix que, a meu ver, tornam-se
importantes nesta circunstância conservadorista, pois proporcionam acolhimento e afetividade
em meio aos discursos de ódio que assolam o Brasil e adentram à escola.
Ainda com base nas concepções dos/as professores/as de arte ressalto a resistência, a
transgressão e o pensamento crítico suscitado pelo fazer artístico na escola, como frisa o
professor Tiago Cruvinel, os quais proporcionam aos/as alunos/as esta brecha para olhar para
si e também para o mundo. Em diálogo com as falas dos/as professores/as de arte queer,
verifico que mesmo no atual contexto conservador, repressivo, machista e LGBTfóbico, ainda
que a escola seja este lugar ambíguo para alunos/as e docentes queer, ela mostra-se
imprescíndivel para estabelecer redes de afetos, representatividade e empoderamento dos
corpos queer nesta conjuntura obscuratista.
Portanto, o ensino de arte na escola, em especial o teatro, pode proporcionar
experiências artísticas através do sensível que toquem alunos/as e oportunizem relações de
alteridade nos processos criativos em sala de aula. A meu ver, quando partilhamos nossa
matéria, com propostas artísticas de afetividade e acolhimento em sala de aula, também
proporcionamos que nossos alunos/as sejam tocados/as pelas experiência da arte na escola.
O professor Tiago Cruvinel também ressalta diálogos entre o ensino de teatro, a
representatividade e o acolhimento por meio da arte. Para o professor a representatividade na
formação inicial na Universidade fora fundamental na sua formação artística e também na
afirmação como homossexual, destacando imbricações entre a Arte e a comunidade LGBT+.
Atualmente, lecionando na educação básica como professor de arte, identifica paralelos entre
a sua representatividade queer, a afetividade e a empatia com a pluralidade em sala de aula:
[...] eu acho que há uma relação muito grande entre os cursos de Artes e a
comunidade LGBT+. Conviver com meus iguais [na Universidade] foi fundamental
para esse processo de afirmação. Afinal, é somente quando se conhece pessoas que
lidam bem com sua sexualidade que o espelho passa a refletir o seu corpo também.
Antes ele só refletia uma mancha escura.
[...] Eu não consigo dar aula sem poder ser aquilo que sou. Afeminado [...] por ser
assumido, consigo trazer exemplos pessoais para as discussões que caminham na
78
A escola tem esse caráter dubio na vida de pessoas LGBT+, ao mesmo tempo
que ela tenta abrir espaço para o indivíduo se emancipar, ela também, através
de certos agentes, tolhe e exclui a diversidade sexual e identitária. [...] Eu
acredito na capacidade de incentivo que muitos professorxs47 colocam
nos alunxs. Isto também ajuda no empoderamento, mas é uma situação
que compete a cooperação de muitos, do corpo docente, administrativo e das
famílias, a participação e respeito de todos neste processo é primordial. Não
adianta apenas os alunxs quererem e não terem apoio.
(Catarina de Cassia Moreira, professora pedagoga travesti/pansexual,
docente substituta na Escola de Educação Infantil da Universidade Federal do
Rio de Janeiro/EEI-UFRJ, 2019 - grifos meus).
47
Conforme discorri no início desta pesquisa, a escrita inclusive nos estudos de gênero compreende diversas
formas, dentre elas a utilizada pelo professor Arthur Rogoski Gomes. Entretanto, para esta investigação optei
pelo uso da escrita “o/a”, ao invés do “x”.
79
A escola sempre é o pior ambiente para uma pessoa LGBTT. Falo por mim
que vivenciei experiências deselegantes e totalmente desnecessárias nesse
espaço. [...] (a escola) empodera apenas quando se possibilita a
representatividade em sala, é a partir da diversidade no ambiente da
licenciatura que fortalecemos as diferenças, que barramos a censura e o
esquecimento dos corpos LGBTTs. É um empoderando o outro, tanto a
criança-viada, como o adulto bicha.
(Arthur Rogoski Gomes, professor de arte (teatro e artes visuais)
cis/homossexual do ensino fundamental na rede municipal de Nova
Trento/SC, 2019 - grifos meus).
48
Para entendimento do processo de elaboração da Base Nacional Comum Curricular e da segregação dos temas
80
A fala do professor Tiago Cruvinel demonstra o que venho apontando com relação a
distorção falaciosa dos estudos de gênero e sexualidade propagados por meio da “ideologia de
gênero” e seus impactos na rotina escolar. Neste sentido, como também ressaltou o professor,
é importante a desconstrução destes mitos e tabus em torno dos estudos de gênero,
sexualidade e educação sexual em sala de aula, tendo em vista que são temáticas intrínsecas à
formação sócio-cultural dos indíviduos em sociedade. São temas compreendidos para serem
estudados progressivamente, de acordo com cada faixa etária da criança e adolescente; na
educação infantil, no ensino fundamental e médio, a partir de recursos didático-pedagógicos
que ampliem os conhecimentos emancipatórios dos/as educandos/as (FURLANI, 2016).
Com base no desconhecimento desses campos teóricos e incitados pelo “pânico
moral” atrelado à “ideologia de gênero” todas as menções aos termos “gênero” e “orientação
de diversidade das primeiras versões, sugiro a leitura do artigo A primeira e segunda versões da BNCC:
construção, intenções e condicionantes (NEIRA; JÚNIOR; ALMEIDA, 2016). Disponível em:
https://www.redalyc.org/pdf/715/71550055003.pdf. Acesso em: 15 abr. 2019.
49
Base Nacional Comum Curricular. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/a-base. Acesso em:
28 abr. 2019.
81
sexual” foram censurados da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Logo, quando
comparado aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), principalmente o documento que
trazia os temas transversais como “Orientação sexual”, a BNCC ocasiona um retrocesso nas
discussões de gênero e sexualidade na escola. Ainda que nos Parâmetros Curriculares
Nacionais – Temas Transversais (1997) não se tratasse das diversas identidades sexuais e de
gênero LGBT+, foi através dos PCN de orientação sexual que os/as educadores/as se
respaldaram para discutir os temas citados de forma transversal, em diversas disciplinas e
projetos na escola.
Todavia, baseado na entrevista do professor Tiago Cruvinel para esta investigação e
em seu artigo intitulado Avaliação qualitativa do ensino de Arte no Ensino Médio (2019), no
qual discute os conteúdos de arte/teatro na BNCC, questiono-me: apesar deste silenciamento
dos termos gênero, orientação sexual e das subjetividades queer na BNCC não há brechas de
subversão dessa censura, no próprio eixo curricular de arte/teatro, proposto por esse
documento? Tendo em vista que, como aponta o pesquisador, a BNCC ressalta a “importância
de os processos criativos incorporarem, aos seus estudos, tanto pesquisas e referências
estéticas e poéticas, quanto referências sociais e políticas, visto que essa é uma maneira de
chamar atenção do jovem para si e para o mundo” (CRUVINEL, 2019, p. 87).
São destas relações, entre o futuro do ensino da arte na escola, sobretudo do teatro, e
as discussões interseccionais de gênero, educação sexual, queer, questões étnico-raciais,
acessibilidade, dentre outras que perpassaram as falas dos/as professores/as de teatro nos
eventos acadêmicos que participei no decorrer da pesquisa. De Norte a Sul, do Nordeste ou
Centro-Oeste brasileiro tais discussões foram debatidas nos seguintes eventos, a saber: GT de
Pedagogia das Artes Cênicas da ABRACE, realizado em 2018 na UDESC, VIII Seminário de
Pesquisa em Artes Cênicas – SPAC/UDESC, X Jornada Latino-Americana de Estudos
Teatrais. Além do II Colóquio Internacional de Pedagogia do Teatro – Colipete/UFMA.
Nesses importantes eventos da pedagogia do teatro foram discutidas as dificuldades,
bem como a relevância das intersecções do ensino de teatro na escola e os temas transversais
mencionados, a partir de reflexões com tentativas de vislumbrar possíveis caminhos de
articulações para problematizar, dar visibilidade e representatividade a essa pluralidade nos
processos criativos em sala de aula, como forma de resistência.
Nos dossiês como Pedagogia das Artes Cênicas: desafios e resistência (2019) -
UDESC e Desafios do fazer artístico na Educação Básica em tempos de diversidade e
rupturas (2018) - UFU, professores e professoras de arte também discorrem acerca das
implicações do atual contexto repressivo e reacionário para o ensino do teatro em sala de aula.
82
social. Diante de tal consideração é possível afirmar que as atividades teatrais podem
fomentar alternativas no cenário social (MARTINS, 2011, p. 24-26).
Os processos teatrais na escola atrelados aos estudos queer podem dar visibilidade e
representatividade para os corpos historicamente marginalizados e silenciados, desconstruindo
tabus em torno de temas como identidade de gênero e orientação sexual, considerando-se que
na presente conjuntura essas temáticas ainda estão envoltas de narrativas falaciosas.
Na atualidade estes temas aparecem nos experimentos de artistas e professores/as de
arte em diversos estados brasileiros, além de espetáculos de companhias que abordam
temáticas de gênero, feminismo, sexualidade e queer, embora diante de situações de censura.
As discussões de rompimento com essa cena heteronormativa nas artes cênicas
contemporâneas estão associadas às problematizações dos estudos feministas, gênero e queer;
com viés decolonial. O mesmo ocorre na pedagogia do teatro na escola, com as demais
interseccionalidades étnico-raciais e acessibilidade.
Na matéria Seminário Temático II: pensamento giratório – decolonialidade e lugares
de fala nas artes cênicas brasileira contemporânea – UDESC50, as discussões foram pautadas
a partir da fruição de espetáculos com estas temáticas interseccionais, no projeto Palco
giratório, com debates antes e após as apresentações, além de problematizações em sala de
aula.
Tais problematizações teóricas, paralelamente à fruição das práticas artísticas,
proporcionaram estreitar os diálogos de entedimento dessas discussões como lugares de “fala,
escuta e cala” que atravessam o fazer teatral na contemporaneidade. Com base nas discussões,
surgiram alguns questionamentos: qual o papel político da arte neste âmbito de desmontes, do
teatro e da educação, na escola? De que maneira o fazer artístico no ambiente escolar pode dar
protagonismo às narrativas silenciadas? Indaguei-me ainda: Como e quando entender o nosso
“lugar de fala, escuta e cala”, bem como proporcionar representatividade para “outros lugares
de fala e escuta” em nossos processos teatrais na escola? Como reinventar nossas práticas
artísticas para oportunizar outros protagonismos interseccionais?
Essas reflexões dialogam com as inquietações que presenciei e escutei na trajetória
desta pesquisa, ao longo desses dois anos de caminhada no mestrado, imbricadas com minhas
próprias inquietações como professor-artista queer buscando maneiras para mediar práticas
teatrais em sala de aula que proporcionassem, aos/as meus/minhas alunos/as, presenciarem
estes lugares de “fala e escuta” queer.
50
Ministrada pelos/as professores/as Dra. Daiane Dordete, Dr. Vicente Concílio e Dra. Fátima Lima, em
parceria com o Serviço Social do Comércio (SESC).
84
de Licenciatura em Teatro nem sempre todos/as almejam à docência na escola. Assim sendo,
a Universidade, também pode ser pensada como escola, como assinala Jorge Larrosa (2018),
tendo em vista que oportuniza a formação artístico-pedagógica de alunos/as e futuros
professores/as-artistas. Logo, é neste âmbito que se apropriam dos conhecimentos artísticos e
pedagógicos para retornarem à escola, agora não somente como alunos/as, mas sim como
alguém que compartilha saberes e proporciona a emancipação de outros/as alunos e alunas.
Dessa forma, ao debruçar-me nessas reflexões verifico que, se a construção do (meu)
ser artista teve seu prólogo na infância, se acentuando durante a educação básica na escola,
acredito que a de professor foi se construindo no decorrer do curso de licenciatura em teatro.
Portanto, foi na formação inicial e na pós-graduação, na formação continuada,
simultaneamente ao retorno à escola, no chão da sala de aula, que estreitavam os caminhos do
“ser professor” e “ser artista”.
As aproximações com a noção que esse seria o meu ofício foi se estabelecendo
também a partir da afetividade e encantamento pelas matérias, e por alguns/mas
professores/as-artistas, que assim como eu, sentiam-se tocados/as pelo ensinar teatro e
experienciar processos teatrais na escola. Assim sendo, das disciplinas que nos ensinavam o
ofício de artista (atores/atrizes, encenadores/as, maquiadores/as, iluminadores/as,
dramaturgos/as, dentre outros) às que nos ensinavam como compartilhar tais saberes,
atrelados à pedagogia do mediar algo (matérias, conteúdos, experiências e afetos artísticos) a
alguém, percebia como os primeiros encontros deste binômio “professor/a-artista”.
Neste sentido, interesso-me em trazer à tona quais os atravessamentos entre o “ser
artista” e “ser professor/a” na atualidade, quando a práxis de ambos/as se encontram, se
entrelaçam, se distanciam e se unem novamente para compor o ofício do/a professor/a-artista.
Assim, questiono-me também quando esse binômio se encontra com a especificidade do “ser
professor/a-artista queer” na escola. Logo, ao dar à luz a essa reflexão, me vem à memória
uma conversa que tive com um amigo artista qualira, após sairmos de um espetáculo e nos
cumprimentarmos depois de alguns anos sem nos vermos:
(Re)encontros...
Lugar: um casarão antigo, recém reformado para abrigar produções artísticas na ilha do amor.
Personagens: dois artistas qualiras (ou professores-artistas queer).
(Era noite, dois artistas se reencontram após fruírem a materialização do ofício de outros/as artistas.
Estão sentados, à beira de um local dentro do casarão, que talvez outrora, no século XIX, fora uma
fonte, mas que agora era um jardim).
Amigo: tudo bem, Nando? Quanto tempo? O que anda fazendo?
Nando: Estou cursando o mestrado. Realizando a pesquisa de campo... Fazendo teatro.
87
queer resistirão na escola, e na Universidade, diante deste ambiente retrógrado que nos assola
e que perdurará por mais alguns anos (que não sabemos quantos!)?
São dos atravessamentos do/a professor/a-artista queer, em especial a respeito do/a
professor-artista-aprendiz, que se aproxima de novas possibilidades metodológicas para criar
em sala de aula que pretendo partilhar nestes escritos. Para isso, compartilho a minha
aproximação teórico-prática com a metodologia do Drama e os caminhos iniciais de
preparação e mediação das duas práticas pilotos, realizadas em Florianópolis – SC e São Luís
– MA, em 2018. Assim, revelo os percursos que segui (e os que não consegui seguir) para
criar narrativas queer, com meus/minhas alunos/as do ensino médio em sala de aula.
51
Utilizo a terminologia Drama, em itálico, para diferenciar do termo usado como dramaturgia, bem como
destacar a origem desta palavra em inglês. Além de diferenciá-la de “drama”, quando me referir aos
processos de drama, ou seja, os experimentos teatrais.
89
forma o professor-artista aprendiz (que sou), que almeja criar em sala de aula artisticamente,
se aproxima de uma metodologia que acredita ser potente (mas que até então não sabe se
realmente é!) para envolver alunos/as no universo lúdico do fazer teatral e fazer emergir
narrativas queer?
Assim, como dar voz aos/as estudantes oportunizando que estes/as sejam protagonistas
da construção da narrativa? Como envolvê-los/as em experiências teatrais em meio às
adversidades da rotina escolar na matéria de arte/teatro na educação básica? Como aproximar
meus/minhas alunos/as, por meio da ficção, dos lugares de fala e escuta das narrativas
LGBT+, bem como das facetas do universo queer neste cenário reacionário, de silenciamento
e de marginalização das minorias sociais na educação? Quais caminhos percorri, e quais não
pude desbravar, tendo em vista o contexto reacionário e LGBTfóbico no Brasil? Como foi
minha aproximação com a metodologia do Drama para realizar processos cênicos na escola?
Em diálogo com Jorge Larrosa (2018), perguntei-me: quais livros e autores/as
estreitaram os meus laços com o Drama? Com quem conversei sobre Drama (e também a
respeito dos estudos queer na educação)? Quais percursos, intrínsecos ao ofício de professor/a
e de artista, especificamente na aproximação da metodologia do Drama, segui antes de chegar
no chão da sala de aula e continuar criando com meus/as alunos/as?
Inicialmente, quando decidi aventurar-me, do Nordeste ao Sul do Brasil, em busca de
novas possibilidades artísticas para mediar processos teatrais na escola em diálogo com os
estudos queer, a metodologia do Drama era o caminho que pretendia percorrer. Dessa forma,
meu intuito era aproximar-me dessa abordagem para pensar em possíveis caminhos para criar,
fruir e contextualizar, com meus/minhas alunos/as em sala de aula, numa perspectiva que
trouxesse à tona as discussões queer.
Meu interesse pela metodologia deu-se ainda na graduação na Universidade Federal
do Maranhão (UFMA), quando tive acesso à abordagem do Drama, por meio do livro Drama
como método de ensino (2006), durante a disciplina Metodologia do ensino do Teatro,
ministrada pelo prof. Dr. Arão Paranaguá. Recordo-me que os escritos da profa. Beatriz
Cabral (Biange) me inquietaram, almejava compreender melhor como era desenvolvida as
práticas com o Drama.
Ao aproximar-me dos estudos desta metodologia na pós-graduação identifiquei que,
neste panorama do Drama no contexto da pedagogia do teatro no Brasil, ainda há
divergências acerca da terminologia e também desconhecimento em diversos estados
90
Ainda segundo a autora (2017), no Brasil essa abordagem inglesa foi introduzida pela
pesquisadora Beatriz Vieira Cabral, docente aposentada do curso de Licenciatura em Teatro
(UDESC), através da nomenclatura Drama ou método do Drama. Nesta pesquisa, aproprio-
me deste termo para designar esta metodologia em diálogo com as propostas da pesquisadora
Beatriz Cabral (2006).
O Drama é definido como a criação de um processo coletivo de investigação teatral,
delimitado por um contexto ficcional, no qual os/as participantes são envolvidos/as em
situações cênicas, a partir de problemas e tensões, para criarem uma narrativa. O processo é
construído por meios de episódios, nos quais são utilizadas convenções e estratégias teatrais
que possibilitem seu sequenciamento e aprofundamento, oportunizando que os/as alunos/as
assumam papéis ficcionais para explorar problemas, eventos e situaçõs imaginárias para
construir uma narrativa coletiva (CABRAL, 2006; VIDOR, 2010; PEREIRA, 2015;
FREITAS, 2017; ÖZBEK, 2017; SOLANO, 2018).
No âmbito da pedagogia do teatro no Brasil, esta abordagem de Drama53, como
estrutura de criação de um processo teatral utilizando convenções e estratégias como pré-
texto, professor-personagem, contexto real e ficcional, adentrou a prática de professores/as de
teatro por meio do livro O drama como método de ensino (2006), da autora Beatriz Ângela
Vieira Cabral. Posteriormente, foi se difundindo no Brasil através de publicações de artigos e
52
Refiro somente à abordagem do Drama proposto pela pesquisadora Beatriz Cabral baseada nas práticas e
investigações realizadas pelas pesquisadoras Dorothy Heathcote e Cecily O’Neill.
53
Reconheço que no Brasil tenha sido difundindo, a partir da segunda metade do século passado, outras
abordagens do drama e também do jogo dramático, como por exemplo, os escritos de Richard Courtney
(2010) e Peter Slade (1978). Entretanto, ao discorrer a respeito do pioneirismo da pesquisadora Biange
Cabral, refiro-me acerca da estrutura propagada da metodologia inglesa do Drama pela autora no Brasil, após
estudos de doutorado na Inglaterra, conforme investigações realizadas pelas pesquisadoras Dorothy
Heathcote (inglesa) e Cecily O’Neill (irlandesa).
91
processos práticos realizados por esta pesquisadora quando era professora da Universidade do
Estado de Santa Catarina (UDESC), sobretudo no grupo de pesquisa Pedagogia do Teatro e
Teatro como Pedagogia, com práticas realizadas na UFSC e UDESC, em Florianópolis – SC
(VIDOR, 2010; PEREIRA, 2015; PAULA, 2016).
O autor Diego Pereira (2015) ressalta que os processos de drama desenvolvidos por
Beatriz Cabral se diferenciavam das propostas realizadas nas escolas inglesas, principalmente
porque Biange, como também é chamada, evidenciava os aspectos de apropriação da
linguagem teatral, os conceitos cênicos, a teatralidade, a corporeidade e imersão no contexto
ficcional e não só, necessariamente, a apreensão de conteúdos curriculares, nos quais o teatro
torna-se uma ferramenta para assimilação das demais disciplinas.
Na proposta da autora, os conhecimentos da área da pedagogia do teatro são
apropriados em diálogo interdisciplinar com os demais conteúdos curriculares, ressaltando o
teatro como um campo epistemológico e um dos eixos fundamentais do currículo educacional
na educação básica (CABRAL, 2006).
Ao passo que aproximava-me da prática do Drama na disciplina Ensino do Teatro II –
Escola, ministrada pela professora Heloise Vidor, na qual cumpri meu estágio docente do
mestrado no segundo semestre de 2017, realizei levamento bibliográfico de monografias,
dissertações, teses e artigos acerca dessa metodologia no Brasil. Posteriormente mediei a
primeira experiência prática com alunos/as do curso de pedagogia – UDESC, no primeiro
semestre de 2018.
As referências catalogadas contribuíram para o entendimento dos caminhos que
outros/as pesquisadores/as haviam percorrido para articular o Drama e seus objetivos de
investigações. Paralelamente, às aproximações teóricas havia orientações e também
acompanhava a mediação da minha orientadora, profa. Heloise Vidor, desenvolvendo um
processo de drama na graduação. Além de organizar a preparação da minha primeira
experiência prática conduzindo um processo de drama, através dos encontros do grupo de
estudos do Drama, o qual criei com mais duas amigas Gabrielli Veras54 e Giovanna
Bitencourt55.
Com a breve “historiografia da metodologia do Drama no Brasil”, após levantamento
bibliográfico, identifiquei recortes temáticos baseados em convergências nas monografias,
dissertações e teses catalogadas56. Contudo, destaco apenas aquelas que trazem diálogos com
54
Professora de Teatro formada pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).
55
Discente do curso de Licenciatura em Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).
56
Professor/a personagem, professor/a no papel e professor/a em ação dramática (VIDOR, 2010; LEITE, 2013);
Drama e suas possibilidades: ambientação cênica, espaço sonoro, experiências e memórias (GUERRA, 2010;
92
KUHN, 2011; FREITAS, 2012; SIMÕES, 2013); Drama e gênero na escola (BORGA, 2015; BARBOUR,
2017; SANTOS, 2018); Drama e Role Play Game – RPG (GONÇALVES, 2011; SARTURI, 2012);
Processos de drama na escola e na universidade (PAULA, 2016; COSTA, 2016; MENDES, 2016; FREITAS,
2017; DUARTE, 2018); além de Drama na educação infantil (PEREIRA, 2015; COLOMBI, 2016; VERAS,
2017).
93
processo dramático, e que irá funcionar como pano de fundo para orientar a seleção e
identificação das atividades e situações exploradas cenicamente” (CABRAL, 2006, p. 15).
Como frisa a autora Heloise Vidor (2018, p. 107) “[...] o texto como pré-texto para o
drama tem uma abordagem peculiar, porque tem que funcionar como um roteiro aberto,
flexível.”. Ou seja, a autora ressalta que o texto, que funcionará como pré-texto no processo
de drama, terá que ser flexível a ponto de adaptar-se “[...] as situações que se quer explorar, a
necessidade desse texto interessar ao grupo, de contemplar o número de alunos envolvidos, de
ter potencial para desenvolvimento da teatralidade, entre outros fatores” (VIDOR, 2018, p.
107).
Wellington de Paula (2016, p. 96) acrescenta ainda que “[...] um pré-texto pode ser
oriundo de diversas formas, artísticas ou não: texto - dramatúrgico, literário ou jornalístico;
imagem - fotografia ou pintura; música etc. Tudo dependerá dos objetivos a serem
explorados.” Neste sentido, ao compreender o conceito na teoria e perceber sua amplitude
como inspiração a partir de textos, imagens e sonoridades, as dificuldades iniciais estavam em
definir qual livro poderia discutir as questões de gênero, sexualidade e queer com as crianças,
tendo em vista que a proposta inicial era mediar o processo com alunos/as das séries iniciais
do ensino fundamental.
Além dessas inquietações, as aproximações com o campo de estudos citado e a
mediação da professora Heloise Vidor durante a matéria mencionada, fizeram-me repensar e
problematizar as narrativas e as relações forma e conteúdo apresentadas nos livros infanto-
juvenis com discussões de gênero. Dessa forma, os acervos 57 literários utilizados como fonte
inicial de pesquisa foram importantes para ter acesso aos livros e tecer as primeiras reflexões
no artigo Entre o metafórico e o didático: caminhos de apropriações do texto literário em
diálogo com as discussões de gênero e sexualidade nas aulas de teatro (2017).
Diante dessas problematizações, cheguei em duas temáticas que interessavam-me,
considerando-se que ao resgatar minhas memórias como professor-artista, estas eram questões
que surgiram nas minhas aulas com as crianças. Assim, os temas que gostaria de explorar
estavam entre o silenciamento das crianças viadas, qualiras e queer na infância, além da
57
Os acervos bibliográficos dos projetos Bibliotequinha, desenvolvido por minha orientadora, profa. Dra
Heloise Baurich Vidor, no curso de Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e acervo
Arte e Gênero, do projeto desenvolvido por mim e as professoras doutoras Fernanda Areias e Tânia Christina
Ribeiro, docentes do curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Maranhão (UFM). O
primeiro acervo possui obras literárias infanto-juvenis que abordam diversas temáticas, enquanto no segundo
há referências literárias somente de gênero, sexualidade, feminismo e queer com intersecções étnico-raciais.
95
58
Estou chamando esses dois processos de drama como “pilotos” porque o terceiro, definido como análise da
pesquisa de campo, será apresentado no próximo capítulo.
59
Resumo da obra Disponível em: http://acigarraeaformiga.com/o-menino-perfeito-de-bernat-cormand/. Acesso
em: 1 mai. 2018.
97
Percebi algumas questões somente no decorrer da prática, que alguns dos conflitos
chaves do livro ou material utilizado como pré-texto podem ser possibilidades para guiar os
desdobramentos cênicos e investigativos nos processos de drama, permitindo que o/a
60
Em alguns momentos deste texto escrevo na terceira pessoa do plural por entender que a construção do pré-
texto, além de momentos dos processos, foi criado por meio das conversas e ideias partilhadas entre mim, as
amigas Gabrielli Veras e Geovanna Bitercourt, bem como sob a orientação da profa. Heloise Vidor.
98
professor-artista não se distancie da referência que o/a inspirou, ao passo que oportunizam a
escolha de atividades teatrais que dialoguem com a coerência do pré-texto.
A literatura O menino perfeito (2017), a meu ver, apresentava aspectos metafóricos
que possibilitava adaptar para a estrutura do drama as discussões plurais acerca das questões
queer, sobretudo ao tratar das primeiras experiências das transgressões das binaridades de
gênero e sexualidade, além da identidade de gênero ainda na infância (figura 4). Essas e
outras discussões surgiram nos processos, traçando paralelos com a narrativa do livro, ao
longo dos episódios criados em sala de aula, conforme discorro nos seguintes subitens.
Figura 4 – A literatura como pré-texto
Como ilustram as imagens do livro, essa literatura dialoga com as experiências queer
na infância, entre silenciamentos, segredos e transgressões subversivas. Sendo que as
narrativas, textuais e visuais, demonstravam o lugar de afirmação e transgressão da binaridade
na qual vivemos, com as (hetero) normas no âmbito familiar.
99
Neste caso, percebi durante este processo inicial que, ainda que seja feito um
diagnóstico preliminar da turma, mesmo assim o/a professor/a-artista-pesquisador/a terá que
buscar caminhos entre o tempo da investigação que precisa realizar, as especificidades do
contexto real dos/as alunos/as e os objetivos da pesquisa.
Logo, verifiquei ainda que quando o/a professor-artista desconhece o público-alvo
com o qual irá criar processos de drama, o pré-texto será definido baseado em hipóteses dos
possíveis desdobramentos que estas poderão ressoar no ambiente real dos/as participantes.
Nesta perspectiva, o contexto ficcional foi um conceito difícil de compreender na prática e
articular a partir do pré-texto. Ainda na etapa inicial, bem como nas primeiras
experimentações pilotos o contexto ficcional ainda estava “incerto”. Portanto, essas foram as
constatações, descobertas e problematizações surgidas no processo de criação deste pré-texto,
entre estudos no grupo de Drama e orientações com a professora Heloise Vidor, ao passo que
mediava a primeira experiência prática.
Dessa forma, essas foram as minhas primeiras inquietações na compreensão teórico-
prática entre o pré-texto e o contexto ficcional. Assim sendo, muitas respostas eu só descobri
elaborando a estrutura do processo, enquanto outras foram descobertas quando eu já estava
criando com meus/minhas alunos/as, em sala de aula, após o terceiro processo de drama, o
qual escolhi para compartilhar como análise desta pesquisa no quarto capítulo.
Ainda no início de 2018, como um prelúdio do que viria ecoar no período eleitoral no
segundo semestre do mesmo ano, percebi que eu teria dificuldades para realizar esta pesquisa
com crianças. Desde então comecei a pensar em estratégias para realizar a prática e adentrar à
escola, campo que me interessava investigar e no qual queria experimentar os processos.
Ao retornar para São Luís – MA decidi revisitar minhas memórias como aluno-artista
qualira e as escolas nas quais estudei. Essa foi a estratégia que me veio, diante da situação
reacionária e obscura que o Brasil atravessou no apogeu das eleições de 2018, a qual poderia
me permitir adentrar nos espaços educacionais que outrora ocupei como aluno-artista qualira,
e que agora retornava, como professor-artista queer.
Neste sentido, compartilho as experiências dos dois processos pilotos, realizados em
Florianópolis – SC e em São Luís – MA em 2018. O primeiro processo mediado ainda no
102
61
Para mais informações a respeito das estratégias do Drama sugiro a leitura das obras de autores/as como
Beatriz Cabral (2006), Tharyn Freitas (2012), Diego Pereira (2015) e Flávio Desgranges (2017).
105
Como ilustra o quadro comparativo, o estímulo composto criado para ser mediado
com a turma de pedagogia da UDESC tinha o intuito de trazer objetos que poderiam suscitar
discussões de gênero, como itens de maquiagens e chuteira. Além dos demais que poderiam
abrir possibilidades para a criação de outras narrativas.
No primeiro processo, a mochila encontrada na sala continha objetos (chaves, mapas e
lanternas) que levavam os/as participantes, após desvendarem um quebra-cabeça com
imagens do Centro de Artes da UDESC, para uma sala escura, na qual encontravam os objetos
do primeiro quadro (4). Neste sentido, essas foram minhas dificuldades iniciais, desde a
elaboração de um estímulo composto e ambientação cênica até a mediação para engajar os/as
participantes.
Neste primeiro processo piloto algumas estratégias se confundiam demonstrando a
minha dificuldade no entendimento teórico, sobretudo prático, de como materializar as
estratégias. As dificuldades se atrelavam também ao fato de esta ter sido a minha primeira
experiência mediando processos de drama, tentando compreender estes caminhos artísticos e
pedagógicos/didáticos específicos da metodologia. Portanto, deparei-me com inquietações, a
saber: de que maneira posso mediar processos de drama instigando a participação dos/as
estudantes na construção das narrativas ao invés de “direcionar” a leitura destes/as?
Considerando que nesta primeira experiência prática por várias vezes me perguntava
“estou instigando ou ‘direcionando’ a construção/leitura artística do/a meu/minha aluno/a?”,
“se o Drama é a construção de uma narrativa teatral coletiva, como mediar os processos
106
criando ‘com os/as alunos/as’ para dar voz ao protagonismo destes/as na criação artística?” e
“como perceber os momentos oportunos, durante os episódios, para ‘abrir os olhos’, ‘calar ou
falar’ e ‘escutar’ os/as alunos/as?”. Essas respostas vieram aos poucos, em cada processo,
mediante a compreensão e aprendizagem na mediação com a metodologia do Drama,
paralelamente aos estudos teóricos e conversas com a professora Heloise Vidor.
Assim como a aprendizagem na mediação de processos de drama foi compreendida
nesta relação prática e teórica, a descoberta da potência dos objetos dos estímulos compostos
também se consolidou nesse caminho. Assim sendo, quando os/as alunos/as de pedagogia se
deparam com alguns objetos como velas, frasco e echarpe, os quais acreditávamos poder
trazer narrativas relacionadas à sombra, quando associados ao ambiente escuro da sala/quarto
de A.G., os objetivos não se efetivaram na prática. Ao contrário dos outros objetos como
chuteiras, itens de maquiagens e caderno com folhas rasgadas que foram potentes para
instigar a criação das primeiras narrativas de A.G., principalmente por trazer as primeiras
problematizações de gênero e sexualidade.
Com base na experimentação prática e com os estudos teóricos acerca do “estímulo
composto”, compreendia o que John Somers (2011) ressaltava. Isto é, que a “teoria do
estímulo composto” teria a capacidade de que objetos alinhados, e coerentes com o que se
deseja explorar no contexto ficcional, possibilitassem aos/as participantes, ao realizar uma
leitura por meio da justaposição de objetos, a criação de histórias no processo de drama.
Contudo, as dificuldades iniciais ainda estavam no que o autor (2011, p. 179) define
como “justaposição” dos objetos ou um jeito de organizar que, quando justapostos,
proporciona “criar uma rede de relacionamentos que nem sejam rapidamente compreendidos
para evitar que a história torne-se imediatamente óbvia”. Mas também não podem ser “tão
distantes um do outro para que as possibilidades narrativas possam emergir” (SOMERS,
2011, p. 179).
Conforme a mediação realizada nos dois primeiros processos práticos, percebi que
alguns objetos eram mais potentes que outros para estimular a criação de histórias queer por
parte dos/as alunos/as. Dessa forma, os que percebi que eram potentes permaneceram nos
demais processos, enquanto fui experimentando outros objetos e possibilidades artísticas no
decorrer das práticas através de poemas, letras de músicas e outros recursos, como descreverei
no quarto capítulo. A elaboração dos estímulos dos processos pilotos foram resultados da
experimentação prática, em diálogo com a ideias de John Somers (2011).
No segundo processo na escola, com a turma do ensino médio, continuei utilizando o
caderno (amarelo e verde com figurinhas de emoji), um par de chuteira usada (de cor verde) e
107
No decorrer dos processos pilotos, de acordo com as narrativas que estavam sendo
criadas pelos/as estudantes, alguns lugares da universidade estadual e do colégio foram
utilizados como espaços ficcionais, a saber: sala de teatro de animação, sala de dança, sala de
aula, corredores e escadas da UDESC e pátio, sala de aula, biblioteca, espaços nas laterais e
banheiro da escola. Alguns desses espaços citados foram utilizados como ambientação cênica,
como a sala de teatro de animação para representar o quarto escuro de A.G. na primeira
prática.
108
Fonte: Fotomontagem com imagens dos processos pilotos, São Luís – MA, 2019.
prática, considerando-se que as primeiras narrativas criadas no primeiro processo não foram
por esse caminho.
Portanto, percebia que muitas ideias criadas ainda no início da elaboração da estrutura
do processo e definição do pré-texto para imersão nas atmosferas queer deveriam ser
repensadas, pois era na prática que o drama se materializava como uma narrativa coletiva: na
experimentação das estratégias por parte dos/as participantes e no exercício da escuta do/a
professor/a-artista para incorporar, em cada episódio, as criações dos/as alunos/as.
Nesta perspectiva, a experiência adquirida me colocava constantemente no lugar de
professor-artista aprendiz para aprender fazendo e (re)fazendo a partir das especificidades da
metodologia do Drama, sobretudo quando fui experimentá-la na rotina escolar, no horário de
arte, no segmento da educação básica, mediando processos sozinho. Logo, compreendi que
ainda que houvesse um planejamento, a práxis do Drama se efetivava na criação coletiva com
os/as alunos/as, pois muitas das possibilidades que na teoria achava que, possivelmente,
poderia explorar, na prática não se materializavam.
Em seguida, identifiquei que, assim como no espetáculo, a leitura do espaço como
signo coerente na ficção, de acordo com a proposta da ambientação cênica do processo, era
essencial para o envolvimento dos/as alunos/as no espaço ficcional. Dessa forma, foi somente
no decorrer da experimentação prática, paralelamente ao estudo da teoria, que compreendi
formas de imersão em diálogo com as narrativas criadas.
Ao aproximar-me dos estudos da autora Tharyn Freitas (2012) compreendi como a
ambientação cênica, bem como o estímulo composto, eram estratégias que estimulavam a
interação e criação artísticas dos/as estudantes. A autora ressalta ainda que essas propostas
sempre foram eficazes com suas turmas da educação básica, pois os/as alunos/as estabeleciam
outra relação em contato com os estímulos e a ambientação, o que a levou a investigar a
potência dessas estratégias para proporcionar experiências de imersão no Drama.
Para Tharyn Freitas (2012) a noção de “experiência e imersão em drama” está ligada,
inicialmente, à disponibilidade do/a participante em “aceitar e acreditar na situação” fictícia,
ou seja, está disponível para jogar e se envolver com as propostas no contexto ficcional. A
partir do envolvimento, por meio da percepção na relação com a teatralidade no ambiente
fictício e também da disponibilidade para envolver-se, que os/as alunos/as estariam
receptíveis para o que a pesquisadora define como a “imersão e experiências” no processo de
drama.
Por meio desta disponibilidade para jogar e se colocar “na pele do outro”, como define
a autora, que o/a participante “se coloca diante do desconhecido” para criar, uma narrativa
110
Era outubro de 2018 e os discursos de ódio contra nossos corpos se disseminaram nas
redes sociais, nos grupos familiares de WhatsApp, nas ruas e também nas escolas. Em meio a
esse caos, eu encontrava-me construindo narrativas LGBT+ com meus/minhas alunos/as em
sala de aula. No entanto, a revelação e construção do segredo de que A.G era queer ainda não
tinha sido consolidada pelos/as alunos/as do segundo processo piloto.
Diante dessa circunstância hostil na sociedade, em meio ao luto com o resultado das
eleições presidenciais e o receio de que os discursos de ódio adentrassem à sala de aula,
continuei com a realização da pesquisa (embora a situação de opressão, explícita nas redes
sociais e nas ruas, atormentasse o meu sono!). Felizmente, a relação de respeito e de
pertencimento atreladas à prática teatral e às afetividades construídas no decorrer do processo,
com os/as alunos e alunas, permitiu que estes/as se envolvessem com a narrativa de A.G. e
com a mediação das aulas.
Assim, a anetoda abaixo “Professor, e se…”, ocorrida no segundo processo na escola,
ilustra a importância da estratégia assembleia de personagens para materializar as criações
dos/as alunos/as-artistas e discutir temas relacionados as subjetividades queer. Além de trazer
para “a roda”, tornando público na discussão ficcional, a violência e transfobia na escola, no
auge da polarização política e conservadora no Brasil.
“Professor, e se…”
(A assembleia de personagens trazia à torna discussões éticas, sobretudo de como os/as profissionais
que trabalhavam na escola fictícia Unidade Integrada Aluísio Azevedo, deveriam se posicionar com
relação ao caso de agressão de A.G. ocorrida no banheiro masculino. Após discussões e reflexões
sobre os vários pontos de vista dos/as personagens a respeito do caso, o som da sirene anuncia o final
da assembleia e o diretor da escola fictícia finaliza a primeira parte da reunião).
Nando: (o professor-artista tira seu figurino e declara) Fim da primeira parte deste episódio.
Continuamos na próxima aula.
(Os/as estudantes ainda estavam eufóricos/as. Um aluno-artista se aproxima do professor-artista e,
empolgado, sugere algo).
Aluno: Professor, seria legal se os agressores de A.G. viessem no próximo episódio para a reunião.
(O professor-artista também fica empolgado com a ideia, por dentro está saltitante. Contudo, para
manter a atmosfera de segredo, não demonstra entusiasmo - uma estratégia artístico-pedagógica que
este descobre, ao criar em sala de aula, para manter a tensão no desenvolvimento da narrativa
teatral. No entanto, responde ao aluno-artista).
Nando: Vamos esperar as cenas dos próximos episódios!
(Na semana seguinte, o episódio continua com a assembleia de personagens e a ideia do aluno-artista
se materializa em cena, por meio da estratégia “cadeira quente/berlinda”, a qual permite que se
indague uma ou mais personagens a fim de compreender novas informações trazidas por esta(s) para
112
[...] Em quais tempo e espaço a situação dramática será explorada? Vamos viajar a
outros continentes? Conhecer a lua? Vamos para o futuro ou passado? Estamos no
presente, mas fomos convidados a um caça ao tesouro? Encontrar alguém
desaparecido? Desvendar um mistério? [...] (PEREIRA, 2015, p. 122-123).
62
“No drama essa vivência é um elemento essencial para que o participante imerja no ambiente ficcional. Ao
vestir um papel ele assume responsabilidades perante a experiência dramática e percebe o quanto suas ações
tem influência significativa na continuidade dos acontecimentos” (PEREIRA, 2015, p. 134).
113
alteridade ao passo que se aproximariam da criação coletiva das narrativas para ajudar e
descobrir/criar o(s) segredo(s) de A.G.
Enquanto realizava a prática, debruçava-me novamente nos estudos teóricos para
entender o contexto ficcional e definir as atmosferas fictícias para o último processo. Assim,
retomei as discussões do autor Wellington de Paula (2016), o qual investigou o potencial do
ciberespaço e o universo da internet para imersão dos/as participantes no Drama, haja vista
que o mesmo também mediou práticas com adolescentes.
Conforme ressalta Wellington de Paula (2016), ao exemplificar o contexto ficcional
baseado em algumas séries dos streaming, como Game of Thrones, me possibilitou também
compreender esta convenção do Drama por esse viés. Esse também foi um dos percursos que
segui, o qual me inspirou nesse momento inicial da investigação. Nesta perspectiva, séries
como Stranger Things e Dark, as quais traziam “mundos paralelos” e narrativas misteriosas
baseadas em segredos, contribuíram para o meu entendimento desta convenção, tendo em
vista que se aproximavam com as atmosferas que eu estava tentando explorar nos processos.
Neste sentido, identifiquei aproximações entre a dramaturgia e as narrativas criadas
nestas séries, sobretudo relacionadas à tensão e ao mistério entre o término de um episódio e o
início de outro, com a estrutura da metodologia do Drama. Portanto, compreendia, entre a
experimentação prática nos processos pilotos, a leitura dos livros e a fruição das séries, a
importância das escolhas de algumas estratégias do Drama, bem como das atividades
coerentes com o contexto ficcional para proporcionar uma tensão e engajar os/as participantes
em cada episódio do processo.
Autores/as como Biange Cabral (2006), Wellington de Paula (2016) e Flávio
Desgranges (2017) também apontam a tensão, durante as atividades e término dos episódios,
coerente com a narrativa que está sendo criada em cada processo, como um estímulo para
envolver os/as participantes na construção da história. Dessa maneira, os processos pilotos
foram essenciais para experimentar essas possibilidades, as quais se efetivaram no terceiro
processo, como compartilho no próximo capítulo.
No contexto ficcional o/a aluno/a é inserido numa atmosfera lúdica que oportuniza que
o/a mesmo/a vivencie papéis fictícios e situações teatrais que tenham coerência com o que se
pretende explorar, a partir das possibilidades sugeridas no pré-texto e outras criadas pelo/a
professor/a-artista (CABRAL, 2006; PEREIRA, 2015). Ao rememorar a prática vivenciada na
oficina Drama e infância, ministrada pelo prof. Dr. Diego Pereira durante o II Colóquio
Internacional de Pedagogia do Teatro realizado na Universidade Federal do Maranhão
(UFMA), compreendia outras possibilidades de explorar os papéis, o contexto ficcional e a
114
assembleia de personagens na prática. Apesar da oficina ter sido realizada somente em duas
tardes, pois fazia parte de um evento acadêmico, a prática foi importante para o meu
entendimento de algumas especificidades da metodologia.
Além da assembleia de personagens, outra estratégia intitulada berlinda ou cadeira
quente63 (PEREIRA, 2015; DESGRANGES, 2017) foi experimentada ainda na segunda
prática piloto, por meio da qual os/as alunos/as vivenciaram os papéis dos agressores de A.G.
No processo da pesquisa de campo tal estratégia foi essencial para que os corpos queer
adentrassem a narrativa de forma coerente com a história que fora criada, conforme descrevo
no quarto capítulo.
Dessa forma, através da estratégia “professor no papel” na prática piloto, como diretor
da escola fictícia, instiguei a turma do 2º ano do ensino médio para refletir acerca das
implicações éticas da agressão de Antônio Gabriela (nome escolhido pela turma para A.G.) no
banheiro da escola. Tal estratégia, como um personagem antagonista, possibilitou-me explorar
mediações artístico-pedagógicas conforme as propostas da autora Beatriz Cabral (1999). Isto
é, um/a personagem que instigue os/as participantes a tomarem posicionamentos, argumentos,
bem como atitudes de consenso e dissenso diante da situação posta, a fim de refletir e mostrar
os diversos pontos de vista dos temas que estão sendo discutidos na cena/contexto ficcional.
Nos dois processos pilotos, dentre as diversas narrativas criadas a respeito do pedido
de ajuda/segredo de A.G, em ambos emergiram histórias em torno de pessoas trans: no
primeiro, a turma de pedagogia definiu que A.G. era um homem trans (Ariel Guerra) e no
segundo, a turma do ensino médio criou uma narrativa acerca de uma mulher trans (Antônio
Gabriela).
Durante os processos, as histórias criadas trouxeram à tona a transfobia, revelando
uma das face da vida de pessoas queer na ficção. Contudo, em ambas as narrativas Ariel
Guerra e Antônio Gabriela superaram as agressões e continuaram suas histórias de resistência,
diferente do percurso dramático definido no último processo, na pesquisa de campo. Ainda no
que tange à segunda prática piloto na escola, além da visibilidade das discussões de pessoas
trans na ficção, na turma também teve a presença de um aluno trans.
63
“Um participante, que pode ser o coordenador, assume um personagem da trama, a quem o grupo pode lançar
questões que tragam novas informações acerca do contexto da narrativa em questão. O personagem está
particularmente relacionado com uma cadeira (a cadeira quente) na qual, ao sentar-se, o participante
apresenta-se enquanto tal. Ou talvez por uma peça de roupa ou um acessório que o caracterize como
personagem, a quem serão lançadas questões pelos demais membros do grupo” (DESGRANGES, 2017, p.
128).
115
64
Desde 2017 o tema tem sido largamente discutido na impressa/mídia/redes sociais, como pode ser verificado
nas seguintes matérias: Representatividade trans – MONART (Movimento Nacional de Artistas Trans, 2018),
transfake em Gisberta - MONART (Movimento Nacional de Artistas Trans, 2018), A insurgência trans e seu
alvo impreciso - Valência Losada (LOSADA, 2018), ‘Gisberta’, de Luis Lobianco: representação e
representatividade nas artes - Paloma França Amorim (AMORIN, 2018), Questões sobre a representatividade
trans no teatro - Mateus Araújo (ARAÚJO, 2018).
116
Dessa maneira, partilho estas discussões sob o ponto de vista de uma espectadora
travesti em processo de “encontro consigo mesma”. Em seus escritos Performatividade
transgênera: equações poéticas de reconhecimento recíproco na recepção teatral (2018) a
artista, pesquisadora dos estudos de gênero e professora-artista Dodi Leal compartilha suas
descobertas subjetivas, as implicações de autoafirma-se travesti, bem como as imposições da
passabilidade65 que pessoas trans são sujeitadas numa sociedade cis(hetero)normativa.
Como a pesquisadora descreve em sua tese de doutorado, essas inquietações foram
suscitadas sobretudo com base nas experências com a recepção teatral em duas montagens, as
quais compartilho em formato de quadro ilustrativo (5). Dessa forma, meu objetivo é
demonstrar, baseando-me nas reflexões da autora, os processos de fruição no ato de “olhar
para a cena e para si” e não se reconhecer, não se ver representada e quando “olha para a cena
e para si” com representatividade:
Quadro 5 – Um olhar travesti e a representatividade “de si”
Espetáculo Espetáculo
Na Rego – Graduação em As 3 Uiaras de SP City – Coletivo
Laboratório de Técnica Dramática
Teatro/UNESP
[…] Observar a atuação […] sobre a vida de […] No dia primeiro de junho de 2018 fui assistir
travestis que se prostituiam na Rego Freitas, para ao espetáculo As 3 Uiaras de SP City — barbante
além de me proporcionar um melhor roxo do mural da memória no Centro Cultural de
conhecimento sobre as histórias destas mulheres São Paulo. […] O diálogo com a recepção aqui
trans, produzia em mim um embaraço adicional. foi em outro tom. De trans pra trans e de trans pra
Percebia que havia na proposta estética uma cis. O choque que vinha da cena tal como na
demarcação muito concreta da transgeneridade encenação Na Rego, provinha de histórias de
condicionada à prostituição, à qual eu não me agressão e profundas revoluções pessoais de
encaixava: "travestis são elas, as mulheres trans pessoas trans em resistência às opressões e
que se prostituem e que foram depoentes da obra genocídio. No entanto, o diferencial de não ter
teatral", algo como que me sussurrava ao ouvido. medo de falar em primeira pessoa do plural sobre
Como eu não me prostituia, eu percebia enquanto estas histórias, durante e depois da peça, não foi
espectadora que não era (ou não deveria ser) um um mero detalhe. Trata-se de uma ética
resultado da peça que eu fosse trans também. Não sofisticadíssima, construída com os rasgos e
foi nem um pouco óbvio para mim que um sangue de luta. Mas mais do que isto, provoca um
mesmo espetáculo pudesse ser auspicioso o outro olhar sobre as transgeneridades. Leva-nos a
bastante para me deixar nua porque me fazia perceber que há mais pessoas trans entre a
enxergar a própria transgeneridade mas, ao recepção do que se supõe. Há encorajamento, mas
mesmo tempo, com sua proposta terceirizadora de não se exime de haver também advertência. Pelo
narrativa, me dificultasse a me reconhecer contrário, a advertência é mediada por fragmentos
enquanto trans. Este impasse foi muito dolorido que nos incitam a nos encorajam ainda mais em
65
“[…] uma mulher trans que tem uma passabilidade cisgênera, como dizemos entre pessoas trans. A noção de
autenticidade sobre ser uma mulher trans ganha na passabilidade cis um parâmetro normativo de legitimação
de pessoas trans em sua leitura. O acabamento esperado de uma mulher trans jamais considera que ela
eventualmente venha a ter tido o "azar" de parecer, performar ou se autodesignar no masculino. […] De fato,
a passabilidade está suportada pela visão hegemônica de transgeneridade fomentada pelo Estado sob o nome
de 'processo transexualizador' que traz consigo os parâmetros da legitimação das pessoas trans por meio dos
procedimentos cirúrgicos (transgenitalização, faloplastia), hormonais, modificações corporais, etc” (LEAL,
2018, p. 15-16).
117
marginalizados visam ampliar as discussões e “não restringir a troca de ideias, encerrar uma
discussão ou impor uma visão” (RIBEIRO, 2017, p. 84).
De acordo com a filósofa (2017, p. 84), “pensar lugar de fala é uma postura ética” de
entendimento que todos/as temos “lugares de fala”. Isto é, “localização social”, na qual
indivíduos ou grupos sociais possuem privilégios atravessados por intersecionalidades de
gênero, orientação sexual, questões étnico-raciais, classe, dentre outros, quando comparados a
determinados grupos que sofrem opressões e desigualdades com base nos mesmos marcadores
sociais.
Portanto, perceber-se nessa situação de (des)igualdade é fundamental para
compreender que determinados grupos minoritários silenciados, marcados por
interseccionalidades e desigualdades, agora buscam seus “lugares de fala” e
representatividade nos espaços de saber-poder como a escola, a Universidade, dentre outros.
Para Dodi Leal (2018) as pessoas cis pesquisando transgeneridades podem contribuir
na luta por equidade e visibilidade dessas discussões. Contudo, ressalta a autora, é
imprescindível exercitar a “escuta” e perceber se estamos caminhando juntos/as ou querendo
apenas manter privilégios e desigualdades. Pois, como frisa a autora Dodi Leal, é importante
“[…] perceber que agora é vez das pessoas trans ocuparmos lugares-latifúndios que nunca nos
foram oportunizados. Redistribuição de privilégio de performance de gênero é uma forma de
redistribuição de terras!” (LEAL, 2018, p. 420 – grifos da autora).
No decorrer da pesquisa, na mediação dos processos de drama, meu intuito era
oportunizar também que as vozes queer adentrassem as práticas teatrais na escola. Por isso, as
experimentações dos processos pilotos foram fundamentais para descobrir possibilidades, por
meio das estratégias, em diálogo com as histórias que foram criadas pelos/as alunos/as.
No entanto, as primeiras reflexões estavam em como proporcionar a visibilidade e
representatividade da pluralidade dos corpos queer nos processos de drama, considerando-se
que ainda estava no processo de compreensão dos modos de como caminhar com a
metodologia. Logo, essas experimentações e descobertas de aprender fazendo, entre teoria e
prática, e vice-versa, me colocavam no papel de professor-artista aprendiz.
Nessas descobertas dos processos a estratégia professor no papel se revelou potente
por me oportunizar vivenciar personagens na mediação em sala de aula, partilhando com os/as
alunos/as o meu ofício de artista, bem como proporcionou relações de jogo dentro do contexto
ficcional.
Deste modo, como professor no papel tentei investigar os seguintes objetivos:
experimentar a mediação artístico-pedagógica com base na vivência de papéis, assim como
119
inserir a teatralidade para imersão dos/as participantes na construção das narrativas. Além de
explorar as possibilidades de trazer à tona, por meio das personagens, aproximações entre as
discussões de visibilidade e representatividade queer em sala de aula, de acordo com as
histórias que os/as alunos/as estavam criando acerca de A.G.
Meus estudos a respeito desta estratégia, paralelamente à prática, estavam atrelados as
teorizações das pesquisadoras Beatriz Cabral (2006) e Heloise Vidor (2010). A origem desta
estratégia teacher in role, traduzido por Biange Cabral (2006) por professor-personagem, foi
criada pela a educadora e atriz inglesa Dorothy Heathcote66, pioneira nos estudos deste
método nas escolas da Inglaterra (CABRAL, 2006; VIDOR, 2010).
A autora Heloise Vidor (2010) ressalta as possibilidades artísticas na mediação destas
estratégias: professor-personagem e professor no papel. Na primeira, o/a professor/a-artista
interpreta um/a personagem, conservando seu discurso e suas atitudes com o intuito de
desafiar o ponto de vista dos/as alunos/as participantes. Enquanto que, como professor no
papel, o/a docente também interpreta um personagem, que traz aspectos de uma função social
para estabelecer uma relação de jogo como um/a parceiro/a dos/as alunos/as no processo
(VIDOR, 2008). Dessa maneira, a pesquisadora ressalta ainda acerca da estratégia professor
no papel que:
[...] ao utilizar-se da estratégia do teacher in role, o professor assume um papel
social e com isso estimula a discussão que este papel levanta entre os participantes,
em termos de comportamento e suas implicações éticas ou conscientização de outra
realidade que não a sua própria (VIDOR, 2010, p. 44).
66
A abordagem da professora e pesquisador Dorothy Heathcote também está vinculada à aquisição de
conteúdos do currículo educacional. Seus objetivos estavam atrelados aos aspectos de emancipar e promover
o desenvolvimento pessoal do/a aluno/a ao apreender, durante os processos de drama, os conhecimentos
interdisciplinares das disciplinas curriculares, que também estavam vinculados aos conteúdos teatrais. Mas
não necessariamente direcionado para montagem de espetáculos na escola, como acontecia anteriormente no
contexto educacional da Inglaterra (CABRAL, 2006; VIDOR, 2010; PAULA, 2016).
120
Fonte: Fotomontagem elaborada pelo autor a partir de imagens dos processos. Florianópolis - SC, 2019.
acessórios simples (cachecol, casaco e camisa) como signo, elementos práticos de utilizar e
retirar rapidamente para “sair do papel” até figurinos mais elaborados (blaser, peruca,
vestidos, maquiagens, dentre outros) que potencializavam a teatralidade na caracterização das
personagens, como descrevo ainda neste subcapítulo.
Ao passo que experimentava os personagens e retornava aos escritos da autora Heloise
Vidor (2010), percebi que a estratégia oportunizava relações entre o meu ofício de professor
com o do ator, em sala de aula, proporcionando relações de mediação e jogo no contexto
ficcional que aproximava os/as alunos/as da fruição e da linguagem teatral na escola. Para a
autora, quando o/a professor/a vivencia papéis em sala de aula, através das estratégias do
professor/a-personagem e professor/a no papel, amplia as possibilidades artísticas “[...] como
dramaturgista, como diretor, como cenógrafo, figurinista e ator, colocando-se também como
um artista, um criador” (VIDOR, 2010, p. 14).
Das personagens que vivenciei, a drag queen67 Merry, no último processo de drama,
oportunizou as aproximações das minhas memórias queer entrelaçadas com as histórias
elaboradas pelos/as alunos/as a respeito de A.G. De acordo com a autora e atriz Janaina Leite
(2014, p. 34) o teatro contemporâneo utiliza-se cada vez mais dos recursos autobiográficos
como procedimento de criação artística. Para a autora esse recurso coloca o/a “artista a
engajar-se em primeira pessoa e transformar a cena, a obra, num depoimento próprio”
(LEITE, 2014, p. 34). Como afirma Janaina Leite (2014), através das autobiografias, o/a
ator/atriz mergulha em recursos como sua memória, fotografias, objetos, manuscritos,
referências visuais e sonoras que potencializem sua criação artística.
Essa proposta é recorrente nos espetáculos e performances que discutem as questões
LGBT+ na contemporaneidade, como por exemplo, o espetáculo Luís Antônio-Gabriela, do
diretor Nelson Baskerville. Pois, aproxima em meandros realidade e ficção, assim como
discursos do eu-real e personagem/presença colocando as discussões políticas de gênero e
sexualidade no cerne do fazer/compartilhar artístico na cena (LEITE, 2014; FRIQUES, 2018).
Interessou-me em trazer à tona no último processo, na pesquisa de campo, esse
procedimento de criação dramatúrgica porque aproximava o meu ofício de professor-artista
daquele do/a artista queer, em sala de aula. Assim, retornei às minhas “memórias qualiras”
para resgatar as referências femininas que pudessem contribuir na construção da drag queen
67
Drag queens são artistas/atores/cantores/dançarinos que se vestem como elementos do vestuário socialmente
atribuído ao feminino e constroem performances de gênero femininas. Enquanto drag king são
artistas/atrizes/cantoras/dançarinas que utilizam de adereços e figurinos socialmente atribuídos ao masculino
para criar performances artísticas masculinas (TREVISAN, 2002; LOURO, 2016; SCHICHARIN, 2017).
122
diva de A.G., coerente com a narrativa que os/as alunos/as estavam criando. Para isso, além
de retornar às “memórias qualiras” também resgatei as mais recentes a fim de criar uma diva
que pudesse compartilhar o universo artístico queer com os/as alunos/as, bem como acerca
das discussões de identidade de gênero e orientação sexual, LGBTfobia e também a respeito
da relação desta drag com A.G.
A cena que defini, se passava no camarim da artista. Enquanto esta se “montava” para
o show fúnebre de encerramento da exposição em homenagem à A.G. conversava com os/as
estudantes-espectadores/as. O roteiro com os temas citados foi apresentado em sala de aula
em uma cena de 15 minutos, na qual eu me “despia” da figura de professor-artista para tornar-
me Merry, a drag queen diva de Antônio Gabriel, diante dos olhos surpresos e de fascínio
dos/as alunos e alunas.
Ao retornar às minhas memórias da infância/adolescência na década de 90 e início dos
anos 2000, me dou conta como havia uma invisibilidade e silenciamento de personagens
LGBT+ na literatura, bem como nos livros 68 e espaço escolar. Logo, meu interesse pelo
“imaginário cor de rosa e viado” do universo feminino e da “montação” era preenchido nas
referências estereotipadas das mocinhas e vilãs das telenovelas. Além do glamour e ousadia
das vilãs, considerando-se que estas traziam a noção de “montação” que se aproximava
também do lugar da drag, assim como das divas da música, do cinema e das vedetes do teatro
de revista.
Nesta perspectiva, fiz um regaste do imaginário das referências femininas, da minha
mãe e primas, além das heroínas transgressivas dos desenhos animados e filmes que
permeavam minhas brincadeiras infantis de faz de conta, quando eu podia fugir das coerções,
das piadinhas machistas e homofóbicas da masculinidade tóxica para mergulhar no universo
feminino. Essas referências me inspiraram para vivenciar Merry (figura 7), a diva drag queen
de A.G., para instaurar e aproximar este universo queer dos/as alunos/as em sala de aula.
Além das memórias de infância, também me inspirei nas divas atuais de “montação” da arte
drag.
68
Na atualidade percebo que, ainda que a conjuntura mantenha este silenciamento do protagonismo de
personagens LGBT+ na infância e adolescência, há livros a exemplo do que utilizei como pré-texto para este
processo de drama, assim como programas como Conexões Projeto Teatro Jovem que traz
literaturas/dramaturgias com temáticas queer. Dessa forma, esses são exemplos de literaturas que rompem
com a heteronormatividade para dar visibilidade e representatividade aos corpos e narrativas LGBT+ na
literatura e dramaturgia infanto-juvenil. Todavia, a partir de relatos de professores/as de arte e pedagogia, nas
formações que ministro percebo que ainda há um desconhecimento destes livros literários e dramaturgias
com temas queer para crianças e adolescentes. Disponível em: http://conexoes.org.br/. Acesso em: 28 jun.
2019.
123
Figura 5. Acervo pessoal da artista Merry. Drag Queen mexicana Merry, em show na Cidade do México, s/d.
Como ilustram “minhas memórias de viadagens das divas cor de rosa” algumas
inspirações da minha infância qualira, como as heroínas dos desenhos animados, a “Power
Ranger Rosa” e a “Vampira” de X-Men, que surgiram neste processo de investigação. Esta
última, por exemplo, além da referência feminina do desenho e do filme, trazia ainda uma
metáfora dos/as mutantes como excluídos/as de uma sociedade normativa, que os/as
discriminava por serem “diferentes”. Enquanto as duas últimas imagens são das drag queens,
69
Figura 1. Acervo da pesquisa. O professor-artista queer como Merry, drag queen diva do personagem A.G.,
na escola Centro Educacional Dr. Clarindo Santiago – MA, 2019. Fotografia do acervo da pesquisa de campo
realizada pelos/as alunos/as. Figura 2. Site: wordPress.com. Personagem Vampira do desenho animado
intitulado X-Men, s/d. Figura 3. Site: Pinterest.com. Personagem Power Ranger Rosa do desenho Power
Ranger, s/d. Figura 4. Site: Pinterest.com. Drag Queen brasileira Pablo Vittar, natural de São Luís – MA, s/d.
124
a brasileira Pabllo Vittar e a mexicana Merry. Sendo que Merry70, foi um resgate atual das
minhas experiências como artista queer durante minha estadia no México, a qual me ensinou
a arte de se “montar”.
Para a pesquisadora Biange Cabral (2012, p. 25) a memória “é a fonte do trabalho do
ator”, um estímulo e impulso criativo que “introduz a interação entre passado e presente”. A
autora frisa ainda que “o apelo à memória, em processos de drama e teatro, mantém a
narrativa na fronteira entre o real e ficcional, e é responsável pela mobilidade da significação”
(CABRAL, 2012, p. 28), que neste último processo aproximou as minhas memórias afetivas
“cor de rosa” do espaço real da sala de aula na qual estudei, que agora era ressignificado
como lugar ficcional de compartilhamento de alteridades pela voz de Merry.
Ainda no âmbito das referências mais recentes também me vieram à cabeça, neste
processo criativo, o clássico do cinema queer, Pryscilla – A rainha do deserto, bem como a
filmografia com personagens LGBT+ do diretor Pedro Almodóvar. O cineasta espanhol,
assim como o dramaturgo Plínio Marcos no teatro brasileiro, retratou o protagonismo
subjetivo LGBT+, mostrando ainda os guetos e o submundo marginalizado de gays, lésbicas,
travestis/trans no cinema.
Além das mais recentes descobertas como o reality show norte-americano RuPaul’s
Drag Race, apresentado pelo ator, RuPaul André Charles, como a drag queen que dá título ao
reality, bem como os canais brasileiros do Youtube Gay Nerd, com o jornalista Marcel Nadale
e Tempero Drag, com o ator e professor Guilherme Terreri Pereira interpretando a drag queen
Rita Von Hunty. Tais programas e canais trazem discussões artísticas e políticas a respeito das
questões LGBT+, os quais também proporcionaram esta minha imersão investigativa de
estudo na cultura pop queer para aproximar os/as alunos/as do nosso universo LGBT+.
Na atualidade, os discursos em torno dos temas de educação sexual são propagados
como fake news e absorvidos como “verdades instantâneas e absolutas”. Em meio a tais
narrativas, que também adentram a rotina escolar, questionava-me enquanto organizava o
último processo da pesquisa de campo: de que forma eu poderia envolver meus/minhas
alunos/as em experiências de escuta, de troca de olhares sensíveis e de afetividade com
relação aos temas queer na criação artística em sala de aula, em meio aos atuais discursos de
ódio e proliferação de fake news acerca das questões LGBT+ na escola?
70
Merry foi artista mexicana transformista/drag assassinada em 2016 na Cidade do México, um ano após o
meu retorno para o Brasil. A polícia mexicana não informou na época os motivos do assassinato. Todavia, a
família acredita que fora motivado por LGBTfobia, segundo informações da sua sobrinha Kirey Amano, atriz
e diretora teatral.
125
Era fim de tarde de mais um dia ensolarado em São Luís - MA e a brisa do mar me
trazia recordações não somente da proximidade com a escola Centro Educacional Dr.
Clarindo Santiago (figura 8), na qual estudei minha 8ª série, mas também da praia do Olho
d’Água em São Luís – MA. Assim, os ventos do mar trouxeram-me não apenas a lembrança
da escola na qual estudei meu ensino fundamental, trouxeram também as recordações da
proibição que era estudar próximo à praia, e não poder visitá-la, depois de uma tarde
“trancafiado” (como costumávamos falar!) em sala de aula.
Ao retornar às minhas memórias como aluno-artista qualira, esse prólogo sintetiza
algumas das reflexões que pretendo compartilhar quando o professor-artista (que agora sou)
adentra novamente à escola que estudou e resgata suas experiências artísticas e qualira/queer.
Quando me recordo do momento no qual me aproximei do portão, ao passo que relembro dos
meses que lecionei na escola e as narrativas que escutei/presenciei/compartilhei, tenho a
impressão que a proibição nunca esteve somente em torno da praia, outros assuntos ainda
permaneciam como tabus, como, por exemplo, gênero e sexualidade, em especial as questões
LGBT+.
A ideia da escola como lugar de enclausuramento dos corpos queer, dos sonhos, dos
desejos e dos anseios também retornou conforme me aproximava da escuta dos/as alunos/as e
novamente me via ali, sentado naquela cadeira, talvez com sonhos parecidos com os dos/as
meus/minhas alunos/as. Agora me vem novamente à memória que naquela época sentia
aprisionado por normas que ainda me impediam de ser totalmente queer. A mesma
(hetero)norma (TORRES; JUNIOR; BRITO, 2019), que aprisiona os corpos queer no âmbito
escolar, está materializada desde a arquitetura que determina os “lugares de meninos e
meninas em cores azul e rosa” até nos discursos simbólicos e concretos do cotidiano escolar
(LOURO, 1997; 2001; 2016).
71
Referência ao poema Meus oito anos, de Casemiro de Abreu.
Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa2813/casimiro-de-abreu. Acesso em: 10 mai.
2019.
128
Fonte: Acervo da pesquisa, elaborada pelo autor. São Luís - MA, 2019.
Por outro lado, o retorno à escola me aproximou novamente daquela outra face escolar
da qual apontei no segundo capítulo (MASSCHELEIN; SIMONS, 2015), ou seja, a face que,
a meu ver, empodera os corpos queer. Assim sendo, novamente o teatro era o elo entre o meu
passado e o presente no ambiente escolar, o ponto de fuga e de empoderamento para
desbravar novos e desconhecidos caminhos na mesma escola que estudei.
Naquela época, na 8ª série, o desafio era iniciar a aproximação com o teatro, diante da
marginalização que era fazer teatro, ou seja, “coisa de menina”, “coisa de qualira”. Naquele
contexto escolar as atividades teatrais ainda estavam atreladas somente às apresentações
artísticas em datas comemorativas, assim como o ensino de arte à reprodução de cópias de
desenhos de livros, que a professora de arte inseria cotidianamente na lousa. Todavia, agora o
desafio era outro, retornar ao colégio Centro Educacional Dr. Clarindo Santiago, como
professor-artista e proporcionar outras experiências artísticas, de afeto e de alteridade, nas
quais o que outrora fora um silêncio dos bastidores se revelaria, com todas as luzes
purpurinadas, no palco principal da sala de aula.
129
Quais são as ações e políticas públicas que podem ser efetuadas para assegurar a
integridade das alunas quando estas vão à escola e, cotidianamente, sofrem assédios e
tentativas de estupros ao percorrem as ruas desertas até o colégio? Como ignorar que as
abordagens de educação sexual (FURLANI, 2016), bem como os temas de sexualidade,
gênero e as discussões LGBT+ não estão dentro e próximas à escola se elas saltam aos olhos e
ao mesmo tempo são naturalizadas?
Essas foram algumas das problematizações de gênero e sexualidade que diagnostiquei,
paralelamente à minha convivência na rotina escolar. Além do contexto controverso no país,
outras aflições colocavam em dúvida se conseguiria realizar uma segunda prática em 2019,
após realizar a primeira no segundo semestre de 2018, isto é, a mudança na gestão da escola.
No entanto, novamente fui surpreendido pelo acolhimento da minha pesquisa tanto pela nova
diretora, Giselle Sampaio Pires, quanto pela coordenadora pedagógica, Carla de Oliveira, que
assim como eu iniciavam novos desafios na instituição.
Dessa forma, é através do ponto de vista de um ex aluno-artista qualira e atual
professor-artista queer que retorna à escola na qual sentiu opressões e empoderamentos que
compartilho os caminhos que percorri ao aproximar a pedagogia do teatro, através da
metodologia do Drama (CABRAL, 2006), com a pedagogia queer (LOURO, 1997; 2001;
2016) como possibilidade de mediar processos teatrais que trouxessem à tona narrativas
LGBT+ em sala de aula.
Na escola Centro Educacional Dr. Clarindo Santiago pretendi experimentar as
implicações e desdobramentos artístico-pedagógicos de mediar processos de drama sozinho
no contexto da disciplina de Arte/teatro no âmbito curricular. Assim, tento aproximar o ofício
do/a professor/a-artista-pesquisador/a ao do/a professor/a-artista da educação básica de escola
pública no Brasil.
Diante desse segmento da educação básica, no qual prevalecem as relações de poder
entre secretarias versus escola, as imposições para que o/a professor/a de arte cumpra o
conteúdo do livro didático, além das determinações de simulados, provas, conteúdos e as
obrigações do sistema educacional, indagava-me: qual o lugar da prática artística, mais
especificamente do Drama, no contexto do ensino médio? Como posso envolver alunos/as em
atmosferas artísticas e queer que, talvez, pudessem trazer outros sentidos de pertencimento,
afeto e alteridade que não o determinado pela lógica do sistema?
Nesta perspectiva, compartilho o último processo de drama criado com uma turma do
2º ano do ensino médio do Centro Educacional Dr. Clarindo Santiago entre os meses de
fevereiro e março de 2019. Para isto, nos próximos subcapítulos descrevo as sínteses dos
131
episódios sob o olhar/escrita dos/as alunos/as para em seguida retomar alguns pontos, através
de “chaves de análises” para discutir os temas queer que emergiram do processo.
As temáticas destacadas trazem discussões que aproximam a pedagogia teatral à
pedagogia queer na escola, a saber: imersão dos/as alunos/as no universo LGBT+ através da
teatralidade em processos de drama; a construção coletiva de narrativas queer em sala de aula;
criação de autobiografias e representatividades queer na escola; e aproximações com a
resistência transgressiva da cultura pop queer. Além de discussões a respeito do combate a
LGBTfobia, da importância da educação sexual e estudos queer no âmbito escolar e
desconstrução da noção de “ideologia de gênero” que também surgiram durante a experiência
prática.
“O professor Luís entra com o já estudante da escola Dr. Clarindo Santiago, o professor
Nando, que nesse dia ia começar a sua jornada com a nossa sala 201 e por ordem do destino
estávamos na mesma sala que ele frequentou no ano letivo dele [...] Nisso ele nos deu uma
cesta com papéis para pegarmos e escrever um pouco de nós. Já com os papéis coloridos na
cesta, novamente ele pediu para nós fazermos um mesão com as mesas para ele nos mostrar
um pouco de sua trajetória por meio de fotos, jornais, cartazes [...] nisso ele foi espalhando
tudo pelo mesão feito no meio da sala e nos explicando algumas das imagens e pediu para
nós pegarmos um dos papéis que estavam dentro da cesta [...] depois de todos tirassem um
papel e nós falássemos o que tava escrito [...] para que os outros tentassem descobrir de
quem estávamos falando. [...] Depois nos deu os últimos toques para fazer o livro da nossa
trajetória com ele” (Centro Educacional Dr. Clarindo Santiago, 18 de fevereiro de 2019.
Texto extraído do diário de bordo do referido aluno).
Fonte: NASCIMENTO, Fernando. São Luís - MA, 2019.
Algumas das anedotas destacadas no relato do aluno “Junior”, em seu diário de bordo,
me colocam novamente no lugar de um ex aluno de escola pública, quando me aproximei do
grupo de teatro no ensino médio, descobrindo as possibilidades da prática teatral e também do
exercício da escrita criativa através do diário de bordo. Ao adentrar, coincidentemente, a
mesma sala no final do corredor na qual estudei a 8ª série, e me recordar das aulas de
português, de arte, de ciências, me vieram à memória os atravessamentos das faces da escola
para um aluno qualira, ao passo que sentia meus olhos marejarem quando compartilhei essa
agradável coincidência com os/as alunos/as da turma 201.
132
Parece que algo me conectava com aquela sala de aula, o fato de que anos atrás os/as
meus/minhas professores/as compartilhavam saberes e me empoderavam intelectualmente.
Atualmente, era eu quem trocava de figurino de aluno e assumia o ofício de professor-artista
para compartilhar experiências artísticas com meus/minhas alunos e alunas. Resgatar as
experiências dos/as alunos/as com a arte (teatro, música, dança e artes visuais), paralelamente
às minhas como professor-artista, foi a maneira didática que já mediava nas minhas aulas, a
qual utilizei para me conectar com estes/as novos/as alunos/as, que agora, iniciariam comigo
uma nova jornada de criação artística em sala de aula.
Este ciclo de afeto, o que Jorge Larrosa (2018) chama de “corrente de amor” ou
“cadeia da transmissão”, revela o amor que o/a professor/a de arte nutre por sua matéria,
mesmo diante da desvalorização quando comparada às demais disciplinas curriculares, e ao
compartilhá-la com os/as seus/suas alunos/as estabelece uma espécie de gratidão aos/as que
um dia foram nossos/as mestres/as. Neste sentido, enquanto os/as alunos/as (figura 9)
partilhavam suas histórias com a arte e conheciam as fotografias, folders, cartazes e matérias
jornalísticas a respeito do meu ofício de professor-artista, compreendiam e refletiam acerca
das diversas possibilidades do fazer teatral que não estavam atreladas somente a um palco e
um edifício teatral.
Figura 9 – Partilhando experiências artísticas
Fonte: Acervo da pesquisa, elaborada pelo autor. São Luís - MA, 2019.
133
Como um professor-artista que torna pública e partilha a matéria que leciona aos/as
alunos/as, no sentido em que Jorge Larrosa (2018) descreve com relação aos/as professores/as
de “arte silvestres” que têm amor ao que ensinam, que através do afeto e sensibilidade fui
tentando tocar aqueles/as que caminhariam comigo na construção de saberes artísticos e
queer. Aos poucos, os/as alunos/as percebiam que já tinham feito teatro na escola, na rua, em
projetos sociais, dentre outros, como descreveram em seus diários:
Bem, hoje aprendemos na sala de aula, que pelo menos uma vez
na vida, fizemos teatro. O professor fez uma dinâmica muito
legal, podemos conhecer sua trajetória e a pessoa que ele é. Foi
ótima a aula de hoje, que venham mais assim!72
(Escritos de “Sam”, em diário de bordo. São Luís/MA, 2019).
[...] Descobrimos quem fez e quem não fez teatro e que algumas
pessoas que já fizeram não sabiam que tinham feito.
(Escritos de “Luana”, em diário de bordo. São Luís/MA, 2019).
“Nesta aula de hoje o professor Nando chegou mais cedo que o professor Luís,
com isso ele foi conversando [...] sobre a aula antepassada e também se
apresentando aos alunos que não vinheram a útilma aula [...] Depois nós
começamos a fazer teatro. O professor Nando saiu de sala [...]. Derrepente entra
uma rapaz bem parecido com professor Nando, só que ele estava usando paletó e
não usava óculos, dizendo ser diretor da escola Unidade Integrada Arthur Azevedo
e tinha nos relatado que um(a) aluno(a) tinha deixado uma mochila lá pelo pátio
[...] que era para nós ajudá-lo a achar o aluno desaparecido. Nisso ele vai embora
e passa um tempo volta o professor Nando [...] nos pergunta o que aconteceu e nós
explicamos tudo e nos disse para irmos ao pátio ver se nós encontravamos a
mochila [...] chegando lá encontramos uma bolsa com várias coisas dentro, havia
uma chuteira, maquiagens, vidros de perfumes, remédios, um carrinho tipo uma
lembraça e uma prova em branco de matemática [...] um mini caderno com folhas
rasgadas [...] e uns bilhetes com pedido de ajuda. Voltamos a sala de aula e ele
nos pede a falar o que a gente viu na mochila e depois nos dividiu em quatro
grupos [...] depois de escrevermos as nossas hipóteses na cartolina, ele nos pediu
para relatar [...]”.
(Fato ocorrido no Colégio Unidade Integrada Arthur Azevedo, na tarde do dia 25
de fevereiro de 2019. Texto extraído do diário de bordo dos/as referidos/as
alunos/as).
Convenções e estratégias da metodologia do Drama utilizadas neste episódio:
Pré-texto: livro O menino perfeito (2017).
Contexto ficcional: escola fictícia Unidade Integrada Arthur Azevedo.
Professor/a no papel: diretor da escola.
Estímulo composto: Um caderno; uma prova de matemática; um vidro de perfume,
além de cápsulas de remédio, injeção (sem agulha) e vidros vazios de remédios; um
par de chuteira; itens de maquiagens usados (máscara de cílios, pó compacto, pincel
de blush) e um carrinho (modelo fusca azul).
Fonte: NASCIMENTO, Fernando. São Luís - MA, 2019.
Quando entrei em sala de aula, como o diretor da escola fictícia Unidade Integrada
Arthur Azevedo, pedi ajuda aos/as alunos/as da turma 201 para descobrirem de quem era a
mochila deixada no pátio. Tal mediação, a partir da estratégia professor no papel (CABRAL,
2006; VIDOR, 2010), instaurou o contexto ficcional e engajou os/as estudantes na ficção,
além de estabelecer uma relação de jogo e entendimento da teatralidade, desde o primeiro
episódio, como ressalta a aluna “Kamylla”:
Foi com base nas reflexões da pesquisadora Heloise Vidor (2010) a respeito das
relações entre os ofícios do/a professor/a e do/a ator/atriz em sala de aula, especificamente em
“como trazer a teatralidade para este contexto?” (VIDOR, 2010, p. 9), que percebi na
estratégia do professor no papel, a oportunidade para mediar e engajar a turma 201 no
ambiente ficcional. Ao assumir o papel para iniciar o processo de drama, possibilitou-me criar
outras relações artístico-pedagógicas com meus/minhas alunos/as na inserção da teatralidade
em sala de aula e na mediação para investigarem a mochila de A.G. Além de engajar os/as
alunos/as na investigação teatral para que, posteriormente, criassem hipóteses (figura 10).
136
Fonte: Acervo da pesquisa, elaborada pelo autor. São Luís - MA, 2019.
A partir do primeiro episódio aqueles dois primeiros horários curriculares não seriam
mais os mesmos. Às segundas-feiras, das 13:00min às 14:30min, a escola, e a sala de aula,
seriam ressignificadas como espaços de experimentação artística (CABRAL, 2006; 2012).
Assim, a relação tempo/espaço que se estabelecia naqueles primeiros horários, levava
àqueles/as alunos/as do 2º ano do ensino médio da turma 201 a se distanciarem dos laços
afetivos da família e das imposições e anseios da sociedade para com os/as mesmo/as, para se
dedicarem ao ofício da criação artística dentro da sala de aula na escola.
No decorrer do processo, os/as alunos/as concentravam-se em outro momento, um
tempo artístico-escolar, que não estava atrelado a temporalidade produtiva para “produzir
conhecimento” dentro da lógica das imposições do sistema. Agora, os/as estudantes se
envolviam na construção de narrativas artísticas que estavam atreladas ao afeto e alteridade
das subjetividades queer, cujo fio condutor era a ajudar alguém chamado/a A.G.
137
Nesse episódio, os/as estudantes investigaram a mochila de A.G., com dois bilhetes de
pedidos de ajuda: “Me ajudem, por favor. É urgente. A.G.” e “Este é o caminho”, as mesmas
mensagens utilizadas nos processos pilotos. A segunda mensagem direcionava para dentro da
mochila, na qual continha os seguintes objetos, a saber:
a) Um caderno (amarelo e verde com figurinhas de emoji);
b)Uma prova de matemática (sem assinatura do nome)/com questões de cálculos
com o nome fictício da escola “Unidade Integrada Arthur Azevedo”;
c) Um vidro de perfume, além de cápsulas de remédio, injeção (sem agulha) e
vidros vazios de remédios;
d)Um par de chuteira usada (de cor verde);
e) Itens de maquiagens usados (máscara de cílios, pó compacto, pincel de blush);
f) Um carrinho (modelo fusca/azul).
Dessa forma, o conceito da “teoria do estímulo composto”, criado pelo autor John
Somers (2011), materializado nos objetos citados permitiu suscitar as primeiras
problematizações de gênero e sexualidade entre os/as alunos/as e estimular também a primeira
imersão no processo para construir narrativas a respeito de A.G. A chuteira, por exemplo,
trouxe à tona reflexões dos estereótipos de gênero e dos papéis sociais desempenhados por
homens e mulheres em sociedade, como no trabalho, no esporte e na arte.
As falas de alguns/mas alunos/as ilustravam os primeiros impactos com a temática.
Visões preconceituosas e estereotipadas acerca das identidades LGBT+ começaram a surgir
por meio de piadinhas machistas, ao passo que analisavam os objetos do estímulo composto.
As discussões proporcionadas através da análise dos objetos dessa estratégia, numa
perspectiva queer (LOURO, 1997; 2001; 2016), oportunizaram desconstruir estereótipos
atrelados às masculinidades e feminilidades. Logo, algumas problematizações surgiram
entorno dos lugares “de meninos e meninas” no esporte e na arte, a partir de questionamentos
como: meninas não podem jogar futebol, no país tido como símbolo do futebol? Meninos não
podem fazer teatro ou balé pois colocam suas masculinidades em “risco”? Fazer teatro
necessariamente determina a sexualidade de alguém?
Essas e outras indagações foram iniciadas a partir das análises dos objetos de A.G.,
bem como da necessidade de criar hipóteses para ajudá-lo/a. Tais discussões colocaram os/as
alunos/as em confronto com seus próprios conceitos (e preconceitos!), além de revelar as
138
visões binárias e coercitivas dos lugares sociais “de meninos e meninas”. Nesta perpectiva, as
reflexões em sala de aula trouxeram as primeiras problematizações dos estereótipos de
gênero, os quais estão naturalizados e estruturados na sociedade e também no âmbito escolar.
Essas são (hetero)normas que determinam e segregam os corpos queer que não se adéquam às
binaridades na escola (TORRES; JUNIOR; BRITO, 2019).
Ou seja, na escola, como uma metáfora da sociedade, também reproduzimos discursos,
atitudes, comportamentos e visões de mundo que nos fazem repetir, consciente ou
inconscientemente, formas de opressões e preconceitos de gênero. Assim, piadinhas
machistas, sexistas e homofóbicas, como as que surgiram durante o episódio, naturalizadas
como “brincadeiras” no espaço escolar, revelam as formas simbólicas e violentas de agressões
aos corpos que transgridem as (hetero)normas (TORRES; JUNIOR; BRITO, 2019).
Dessa maneira, a estratégia estímulo composto (SOMERS, 2011) contribuiu para
iniciar as primeiras reflexões dos/as alunos/as com relação aos temas queer no processo, ao
passo que se envolviam com a ficção, em busca de hipóteses que os/as fizessem chegar até
A.G. para ajudá-lo/a. A respeito da primeira imersão à teatralidade e aos estudos queer as
alunas apontam como discussões, problematizações e criações de hipóteses sobre A.G.
proporcionaram à turma algumas reflexões, a saber:
Para “Kamylla”, apesar de no decorrer dos primeiros episódios ainda se tivesse uma
“dúvida” quanto ao gênero e orientação sexual de A.G., tendo em vista que ainda estavam
levantando as primeiras hipóteses, a aluna destaca os itens de maquiagem deste primeiro
139
episódio como fator que colocava em “suspeita” o segredo do/a personagem. Essas reflexões
demonstram como as primeiras hipóteses estavam relacionadas às desconstruções dos
estereótipos do “ser homem” e “ser mulher”. Além de revelar as dificuldades no entendimento
das diferenças entre orientação sexual e identidade de gênero.
Com base no relato da aluna verifiquei como os itens de maquiagem, e também o
carrinho, proporcionaram (des)construções queer, as quais inicialmente partiram da
perspectiva da (hetero)normatividade (TORRES; JUNIOR; BRITO, 2019). Em seguida,
surgiram visões e pontos de vista estereotipados acerca da homossexualidade, em falas como
“tem maquiagem, então A.G. é gay”. Essa é uma expressão cotidiana que também sinaliza o
machismo, a misógina e a masculinidade tóxica, desde as formas simbólicas no cotidiano até
a aversão ao feminino quando este está caracterizado no corpo de uma bixa cis afeminada.
Na escola, as (hetero)normas se materializam em discursos e práticas LGBTfóbicas, as
quais atreladas à masculinidade tóxica reproduzem preconceitos quando um rapaz usa
maquiagem, tendo em vista que sob os olhares disciplinadores do machismo colocaria em
xeque a orientação sexual heterossexual e a manutenção da (hetero)normatividade.
Enquanto os grupos defendiam suas hipóteses para a turma, compreendi que como
professor-artista (CABRAL, 2006; VIDOR, 2010; THARYN, 2012) minha função era,
inicialmente, instigar a reflexão em relação a coerência das hipóteses levantadas, o pedido de
ajuda e os objetos encontrados na mochila de A.G. Posteriormente, exercitar a minha escuta
para seguir com o 2º episódio com base no que a turma havia criado, problematizando alguns
pontos das questões de gênero e sexualidade.
Era quase o horário de entrar na turma 201, estava na sala dos/as professores/as, em
meio às várias sacolas com materiais cênicos que utilizaria naquele episódio. Os olhares
dos/as demais professores/as e alunos/as, que às vezes entravam na sala, eram de estranheza e
curiosidade. Parece-me, que havia um burburinho e comentavam na escola que tinha um
professor de teatro (ou quem sabe falavam: uma professora qualira baquiosa dando pinta!)
ministrando aulas e “causando” no Clarindo Santiago.
Todavia, a preocupação que me assolava naquele dia era somente uma: será que
conseguiria montar a ambientação cênica do banheiro sem que os/as alunos/as percebessem?
Diferente do processo piloto na escola, no qual o horário de arte era o terceiro e me permitiu
chegar antes para montar esta ambientação. Neste novo processo, as aulas eram no primeiro
horário, o que me impossibilitava de organizar a ambientação cênica do banheiro, tendo em
vista que os/as alunos/as estavam entrando na escola e o banheiro era na passagem, no
corredor.
Embora diante das inquietações citadas, adentrei a turma e iniciamos os novos
episódios. Apesar do receio de, talvez, a qualquer momento não poder continuar com a
141
binaridade da masculinidade tóxica. Ainda nesta aula, no segundo horário, com o início do
terceiro episódio, os/as alunos/as exploraram mais facetas do universo queer. Inicialmente,
através da estratégia manto do perito73 (PEREIRA, 2015), foram instigados por mim, como
professor no papel 74 (VIDOR, 2010; DESGRANGES, 2017), para vivenciar papéis
ficcionais de investigadores/as especialistas em casos de violência na escola e averiguar a
cena do banheiro.
A ambientação cênica da cena do banheiro (figura 11), no qual A.G. sofreu
homofobia, estimulou a imersão e delimitação do contexto fictício, além de possibilitar a
investigação e criação de novas histórias atreladas às narrativas queer. Dessa forma, a
estratégia ambientação cênica como frisa Tharyn Freitas (2012) contribui para reforçar o
contexto ficcional e gerar uma atmosfera, estimulando o envolvimento sensorial e emocional
dos/as participantes na criação das narrativas.
73
“Ao serem tratados como peritos ou experts em determinado assunto, o professor dá às crianças o poder de
tomar decisões que busquem resolver o problema em questão, dá-lhes responsabilidades gerando reflexões
sobre as consequências de suas ações. [...] ao serem tratados como especialistas pela realização de uma
tarefa, pela análise de um material [...] constroem seus conhecimentos e ampliam sua percepção a partir da
experimentação” (PEREIRA, 2015, p. 139-140).
74
“O coordenador assume um personagem no Drama, com o fim de inteferir ou definir um novo rumo para a
ação dramática. O papel concebido pelo coordenador pode assumir diferentes status na narrativa e propor
relações de poder para com o grupo” (DESGRANGES, 2017, p. 127).
143
Fonte: Acervo da pesquisa, elaborada pelo autor. São Luís - MA, 2019.
Diante dessa estratégia, os/as alunos/as levantaram novas hipóteses a respeito de A.G.
e seu pedido de ajuda. Nesta ambientação cênica continha alguns objetos de A.G que os/as
alunos/as já conheciam, como o caderno, vidros de remédios, alguns itens de maquiagens. No
entanto, novos objetos suscitaram uma imersão e reflexão diante da cena chocante que os/as
estudantes presenciaram, a saber:
a) Um batom (vermelho);
b) Uma peruca (loira);
c) Uma caixinha de música;
d) Uma prova de biologia (com questões sobre sexualidade);
e) Infecções Sexualmente Transmissíveis – IST’s e reprodução humana);
f) Um poema intitulado Eros e Psique (de Fernando Pessoa);
g) Uma mensagem escrita no espelho com batom: “Qualiras devem morrer!”.
144
Eros e Psique75
(Fragmentos do poema de Fernando Pessoa)
75
Poema de Fernando Pessoa. Disponível em: https://ensina.rtp.pt/artigo/fernando-pessoa-poesia/. Acesso em:
10
jan. 2019.
145
“O professor chega 10 minutos mais cedo para dar tempo de arrumarmos a sala de
aula [...] depois de fazermos isso o professor coloca os itens que encontramos no
banheiro em cima de uma mesa para analisarmos novamente e especular ideias de
quem seria A.G. Tivemos várias hipóteses de quem seria A.G. ou do seu gênero [...]
depois de fazermos isso começamos a falar de homossexualidade [...] que cada um
tem sua opção sexual76. [...] depois o professor Nando dividiu em quatro grupos:
grupo dos professores de A.G., grupo de familiares de A.G., grupo de alunos da sala
de A.G e o grupo de amigos de A.G. [...] Pediu para colocarmos um nome ou cargo
do seu personagem nessa cena em um papel e colar no peito com fita [...] depois
começamos a atuar, começou a reunião que estava marcada para acontecer [...]
nisso estavamos debatendo se foi assassinato ou suicídio e quem poderia fazer essa
barbárie que chocou a todos da escola Arthur Azevedo. [...] Conseguimos chegar a
uma consenço que foi um assassinato [...] que possivelmente um aluno do terceiro
ano que praticava bullying com ele e tinha preconceito contra homossexuais e
também praticava bullying com o namorado de Antônio Gabriel ou A.G. Nisso o
diretor Paulo Freitas chama duas testemunhas, o namorado de Antônio Gabriel e
uma amiga (trans) bissexual [...] o namorado de Antônio Gabriel revela que eles se
conheceram na parada de ônibus e acabam se apaixonando em sigilo [...] revelou
que A.G. era muito humilhado pelos colegas do terceiro ano e que ele não
aguentava mais. [...] Depois de todos os depoimentos o namorado de A.G. diz que
antes de Antônio Gabriel morrer ele deu uma caixa de presente para o seu
namorado e dentro tinha um pendrive que pode solucionar totalmente o caso.”
(Era início da tarde de um dia ensolarado e quente de março).
(Local: sala Nº 201 de reunião, no colégio Unidade Integrada Arthur Azevedo).
(Data: 11 de março de 2019).
Estratégias da metodologia do Drama utilizadas neste episódio:
Assembleia de personagens: reunião na escola fictícia Unidad. Integ. Arthur
Azevedo para discutir o caso de A.G.
Professor/a no papel: diretor da escola.
Berlinda ou cadeira quente: namorado e amiga de A.G.
Fonte: NASCIMENTO, Fernando. São Luís - MA, 2019.
76
Essa expressão demonstra como os/as alunos/as, no decorrer dos episódios, ainda estavam se aproximando
dos termos e conceitos dos estudos Queer. Neste sentido, a expressão mais adequada seria “orientação
sexual” ao invés de “opção sexual”. Retomo essas discussões no último subcapítulo.
148
discussões de cada objeto, tentando estabelecer uma coerência dramática com o que já haviam
criado e encontrado com relação a A.G, conforme ilustra o mapa (figura 12).
Neste momento, no qual os/as alunos/as analisavam cada objeto, algumas falas
preconceituosas e estereótipadas a respeito da homossexualidade foram proferidas, a exemplo
de um aluno que associou homossexuais somente à profissão de cabeleireiro, tendo em vista
que, possivelmente, a referência que o mesmo tinha de gays estaria atrelada somente aos
profissionais de salão de beleza. Logo, antes mesmo que eu pudesse problematizar, muitos/as
estudantes contra-argumentaram à fala afirmando que nem todos homossexuais trabalhavam
como cabeleireiros, bem como problematizaram apontando que esta era uma “visão
preconceituosa imposta pela sociedade”.
Enquanto uma aluna escrevia as hipóteses do mapa (figura 12) na lousa, eu mediava e
instigava a reflexão da turma a respeito dos temas que surgiram relacionados aos estereótipos
de gênero, às imposições sociais relacionadas às masculinidades e feminilidades. Além de
discutirmos a homofobia, numa sociedade machista, com suas consequências na escola, bem
como a iniciação de A.G. no universo artístico e na arte drag queen. Discutimos ainda a
revelação da homossexualidade dele e a relação conturbada com o pai, de acordo com as
hipóteses e discussões criadas pelos/as alunos/as.
149
Fonte: Acervo da pesquisa, elaborada pelo autor. São Luís - MA, 2019.
O mapa de hipóteses criado pela turma contribuiu para traçar um perfil e uma
justificativa coerente acerca dos objetos encontrados no banheiro, suscitando a reflexão dos/as
alunos/as a respeito dos temas queer, além de aproximá-los/as da realidade de homofobia que
homossexuais sofrem no Brasil.
Dessa maneira, em diálogo com Beatriz Cabral (2006), ressalto a importância do
conhecimento não somente das especificidades da metodologia do Drama, mas também dos
temas transversais que serão explorados para que os mesmos sejam abordados de forma
coerente na ficção. Ainda que tenha uma trajetória pesquisando os estudos queer, a prática me
permitiu aprofundar e conhecer temas/conteúdos específicos da área. Pois, em cada episódio
os/as estudantes criavam possibilidades que me faziam investigar mais a respeito das
temáticas queer para que no episódio seguinte pudesse emergir tais discussões, com base no
que a turma 201 já havia criado.
150
77
As discussões sobre as redes sociais como reverberação e imersão no contexto ficcional estão atreladas aos
estudos do pesquisador Wellington Menegaz de Paula em sua tese intitulada Drama-processo e ciberespaço:
o ensino do teatro em campo expandido (2016). Neste processo utilizei o grupo do WhatsApp para enviar o
documento da escola fictícia para a assembleia de personagens, além de comunicar-me com os/as estudantes
durante o processo.
78
“Todos os integrantes do grupo assumem-se como personagens da trama em um encontro em que eles
precisam ser comunicados de algo ou tomar decisões coletivas. O coordenador pode ou não assumir um
personagem junto com o grupo, dependendo se ele precisa ou não inteferir diretamente nos rumos que a
assembleia precisa tomar” (DESGRANGES, 2017, p. 128).
79
Ator e professor de teatro, mestre em teatro pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).
80
Atriz e professora de teatro formada pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
151
Fonte: Acervo da pesquisa, elaborada pelo autor. São Luís - MA, 2019.
“[...] cheguei em sala de aula e fui logo arrumando as carteiras encostadas na parede
[...] o professor Nando foi arrumando uma mesa, depois disso o professor explica para a
aluna nova o que tinha acontecido nos episódios anteriores [...] ele passa a dividir em
grupos, no total de 6 grupos para fazermos uma exposição sobre a adolescência e infância
de Antônio Gabriel [...] e cada grupo fazia meio que umas esculturas representando a
adolescência e infância. Nisso a minha equipe ficou com a infância [...] eu tive a ideia de
um aluno mais velho da sala dele já o influenciava a usar drogas e os professores dele
não olhavam [...] Depois chega a hora da apresentação do ídolo de Antônio Gabriel que
ele conheceu numa boate e nisso esse ídolo de A.G. relata como eles se conheceram, o
desejo que A.G. tinha em ser uma drag queen, [...] ele ia fazer uma peça de teatro em sua
escola. [...] o ídolo de A.G. [...] se prepara para sua apresentação [...] nisso o ídolo
começa a dançar e toca uma música, depois disso começa a colocar o pen-drive na caixa
de som [...]. Logo após o amigo de A.G. abriu um baú que a família cedeu que era do
A.G., lá tinha peruca loira, que ele tinha dado para A.G., uma roupa colorida [...] um
salto, vestido, um sutiã e uma bandeira nas cores do símbolo LGBT [...] os itens que A.G.
provavelmente iria usar em sua apresentação na escola. Depois o ídolo de A.G. nos passa
umas folhas para mandar um bilhete a A.G. Nisso nós colocamos em cima da roupa de
A.G e o ídolo de A.G coloca a bandeira LGBT [...] e em cima a frase “O segredo” e “Fim
do 5º episódio”. Depois começa os agradecimentos do professor e de nós alunos sobre a
nossa experiência com ele nas aulas.”
(Era início da tarde na escola Arthur Azevedo, porém no palco da sala 201 parecia noite.
Uma exposição sobre a vida de Antônio Gabriel fora montada e, por fim, um show fúnebre
encerrou as homenagens póstumas à A.G.)
Convenções e estratégias da metodologia do Drama utilizadas neste episódio:
Tableaux: exposição sobre a vida de A.G.
Papéis ficcionais: pai, mãe, A.G., irmão, irmã, amigos/as, dentre outros/as.
Ambientação cênica: boate e camarim.
Ambientação sonora: sequência com músicas das divas pop e queer.
Professor/a no papel: diretor da escola e Merry (diva drag queen de A.G.).
Fonte: NASCIMENTO, Fernando. São Luís - MA, 2019.
Como assinala o aluno “Agrah”, no episódio instiguei os/as estudantes para criarem
tableaux (CABRAL, 1999), por meio dos quais permitiu a criação de quadros, com cenas que
intitulei de “as qualiragens/viadagens” da vida de A.G. (figura 14), tendo em vista que
qualiragem/viadagem são termos pejorativos para censurar a feminilidade das bixas pocs
afeminadas. Aproprio-me destas noções para assumir o viés de viadagem dos corpos queer,
como o de A.G.
Conforme ilustram as imagens abaixo (figura 14) os/as alunos/as estavam disponíveis
para jogar, para vivenciar as histórias de “qualiragens/viadagens de A.G”. Embora piadinhas
machistas também se revelassem durante a elaboração das cenas, demonstrando a resistência
de alguns alunos ao depararem-se com vestidos, sutiãs, perucas, saltos e o universo
purpurinado das afeminadas. Por outro lado, outros alunos, a exemplo do estudante da
81
“Convenção teatral na qual cada participante define uma atividade simples, e a mantém, todos ao mesmo
tempo, tal como se fosse um recorte de uma cena coletiva em um filme” (CABRAL, 1999).
161
imagem (figura 14), tenha se sentido à vontade para montar-se em sala de aula para
representar A.G.
Figura 14 – O processo de criação e vivência de papéis ficcionais
Fonte: Acervo da pesquisa, elaborada pelo autor. São Luís - MA, 2019.
Fonte: Acervo da pesquisa, elaborada pelo autor. São Luís - MA, 2019.
Do fim do século XIX até a atualidade as divas, vedetes, transformistas 82, drag
queens, travestis/trans e bixas afeminadas artistas sempre estiveram presentes na arte e no
imaginário gay (MORENO, 2001; TREVISAN, 2002; FRIQUES, 2018). Carmen Miranda,
Maria Bethânia, Rogéria, Nany People, Cássia Eller, Vera Verão e Roberta Close, bem como
Cher, Madonna, David Bowie, Prince, Pink, Lady Gaga, Rihanna e Beyoncé até Pabllo Vittar,
Johnny Hooker, Lin da Quebrada, Glória Groove e RuPaul’s, foram estas e outras divas da
“Cultura pop Queer” as inspirações para instaurar uma atmosfera “cor de rosa” neste último
episódio (GONZATTI; HENN; MACHADO, 2018; FRIQUES, 2018).
Ainda no 5º episódio, após a turma 201 definir no episódio anterior por meio das
hipóteses que A.G. queria ser drag queen, mergulhei nas minhas memórias “cor de rosa” das
divas e das bixas afeminadas para resgatar o universo da cultura pop queer e instaurar um
“ambiente purpurinado” em sala de aula. Estes momentos intitulei de “aquenda estas
qualiragens, viad@!”, como referência ao “pajubá”83, dialeto do metiê LGBT+.
Conforme discorri no capítulo anterior, dentre as referências resgatadas das minhas
memórias “cor de rosa”, a drag queen mexicana Merry foi uma das minhas inspirações. Por
isso meu interesse em trazê-la in memoriam para este episódio, entrelaçando realidade e
ficção, tendo em vista que intitulei a diva de A.G. de Merry. Assim, incorporei minhas
memórias às narrativas criadas pelos/as estudantes como uma forma de homenagear as divas
82
“Na vida brasileira, parece que essa modalidade de travestismo teatralizado evoluiu por duas vertentes
diversas. Uma – meramente lúdica – floresceu, de modo esfuziante, no carnaval, protagonizada por homens
(inclusive pais de família) vestidos com roupas de suas esposas (ou irmãs ou mães ou amigas) durante pelo
menos três dias ao ano. [...] A outra vertente do travestismo voltou-se para um objetivo mais profissional,
com o surgimento nos palcos do ator-transformista, que passou a viver profissionalmente da imitação das
mulheres e, com frequência, tornou-se travesti na vida quotidiana (TREVISAN, 2002, p. 225-226).
83
Faço referência ao dialeto utilizado pela comunidade LGBT+ como forma de subversão das (hetero)normas,
ilustrado na “Aurélia, a dicionária da língua afiada”, escrito pelo jornalista Angelo Vip e por Fred Libi, com
mais de 1.300 verbetes a respeito do “pajubá”. O “pajubá” esteve no cerne dos debates da extrema-direita no
período eleitoral de 2018 porque foi utilizado numa questão da prova do Exame Nacional do Ensino Médio –
ENEM na área de Linguagens, códigos e suas tecnologias para exemplificar a construção linguística dos
dialetos em diversos contextos. Tendo em vista que o Brasil estava, e ainda está, envolto em discursos
explícitos de coerção e vigilância da “moral e da sexualidade”, na ocasião proliferaram afirmações de
acusação do ENEM por propagar o que chamam de “doutrinação da ideologia de gênero”. Conforme discorri,
a questão de português utilizou deste fenômeno linguístico característico dos/as LGBT+ para exemplificar a
construção dos dialetos em determinados contextos socioculturais. Portanto, como forma de subversão das
(hetero)normas utilizo, especialmente neste capítulo, algumas destas expressões do metiê LGBT+ para dar
protagonismo as nossas formas de transgressões e afirmações das identidades queer na sociedade, assim
como aproximar os/as interessados/a nesta pesquisa às várias facetas do “arco-íris”. As primeiras
informações foram extraídas da prova do ENEM. Disponível em:http://portal.inep.gov.br/provas-e-gabaritos.
Acesso em: 28 jun. 2019.
167
84
“Essa estratégia refere-se a possibilidade de ampliar a imersão dos participantes na proposta dramática a partir
de estímulos sonoros. [...] Na questão dramática a ambientação sonora pode colaborar com a instauração de
diferentes climas (mistério, de tranquilidade, de tensão), remeter a diferentes épocas [...] enfatizar a passagem
do tempo, unir-se a outras estratégias como rituais e cerimônias” (PEREIRA, 2015, p. 154-155).
169
Fonte: Acervo da pesquisa, elaborada pelo autor. São Luís - MA, 2019.
Portanto, como Merry dublei a música Todos me miran, da cantora mexicana Glória
Trevi, na qual a letra fala sobre as opressões e preconceitos na família e sociedade,
ressaltando a importância de olhar para si mesmo/a e aceitar-se, independentemente da
opinião dos/as demais.
Através deste tempo/espaço ficcional, os/as alunos/as envolveram-se com as narrativas
da diva de A.G. Entre vestidos e perucas, batons e blush, bem como entre saltos altos e
purpurinas cor de rosa, Merry revelava para os/as espectadores/as seu ofício de drag queen e
também suas anedotas de discriminação, além do lamento pela perda de seu fã, que também
sonhava em ser drag. A transformação do professor-artista para o artista “montada”, em sala
de aula, trouxe novas relações de jogo dentro do contexto ficcional, dando protagonismo às
narrativas qualiras e também causando nos/as estudantes experiências de afeição, empatia,
fascínio e admiração:
170
Em diálogo com as falas dos/as alunos/as em seus diários, verifico como esta cena
final da diva de A.G., na qual eu revelo meu ofício de professor-artista queer diante dos olhos
atentos (e outros marejados) dos/as meus/minhas alunos/as, revelou ainda a disponibilidade
destes/as para serem afetados/as pelas experiências compartilhadas em sala de aula. Além da
empatia, quando por muitas vezes se colocaram no lugar de Antônio Gabriel e também de
Merry para refletirem que por trás da “máscara arco-íris” há outras facetas com discursos e
práticas LGBTfóbicas que oprimem e matam.
Como apontam os autores Rodrigo Casteleira, Adalberto Inocêncio e Alexandre
Polizel no estudo intitulado Drag queens vão à escola: estranhamentos currículares e o
“pavonear” das diferenças em um espaço institucional (2019) a presença de personagens
drag queens e drag kings na escola promove o que chamam de “tensionamentos” e
“deslocamentos” da diferença, tendo em vista que são performances de gênero que subvertem
as (hetero)normas e o cotidiano escolar.
171
Para a pesquisadora Guacira Lopes Louro (2016, p. 20) “em sua ‘imitação’ do
feminino, uma drag queen pode ser revolucionária. Como uma personagem estranha e
desordeira, uma personagem fora da ordem e da norma, ela provoca desconforto, curiosidade
e fascínio”. Dessa forma, ao vestir-me da diva de A.G. e ao revelar tal procedimento de
“montação”, no que Guacira Lopes Louro (2016, p. 20) aponta refletindo que “de que
material, traços, restos e vestígios ela se faz? Como se faz? Como fabrica seu corpo?”
revelava aos/as meus/minhas alunos/as, além do processo criativo, a “fabricação do gênero”.
Isto é, a performance de gênero construída sob o meu corpo de bixa afeminada.
As ambiguidades do feminino e masculino estavam materializadas agora no corpo da
personagem drag queen Merry. Ao revelar-me como drag, montada, proporcionava aos/as
alunos/as a presença cênica daquele corpo abjeto e fascinante, que não adentraria aquele
espaço da sala de aula se não fosse para desestabilizar as (hetero)normas e lugares
socialmente atribuídos como de “meninos e meninas”.
Estas desestabilizações da presença dos corpos afeminados interpretando personagens
femininas, bem como da inserção das temáticas queer na cena teatral brasileira estiveram
presentes inicialmente em figuras de personagens caricatos como o “fresco” ou “entendido”
(MARTINS, 2010; FERRARESI, 2018), passando por atores-cis homossexuais e atrizes-
travestis que se travestiam entre final do século XIX e início do XX no teatro de revista até
aos shows destes/as artistas-transformistas (TREVISAN, 2002; FRIQUES, 2018).
Dessa maneira, alguns recortes da cena queer demonstram como a mesma se construiu
na (in)visibilidade e na resistência pela visibilidade e representatividade dos corpos e
temáticas LGBT+. Destaco alguns recortes, como as montagens transgressivas de Zé Celso
(São Paulo) na década de 60, dos grupos Dzi Croquettes (Rio de janeiro) e Vivencial
(Pernambuco) em 1970. Assinalo ainda os espetáculos de Cesar Almeida (Paraná), entre as
décadas de 90 e 2000, até chegarmos à atualidade com o coletivo As travestidas (Ceará) e os
recentes debates de representatividade trans, pela atriz trans Renata Carvalho (MORENO,
2001; TREVISAN, 2002; MARTINS, 2010; OLIVEIRA; NASCIMENTO, 2018; FRIQUES,
2018).
Esta prática artística de “travestismo ou travestimento” no teatro brasileiro revelou
ainda o lugar marginalizado e invisibilizado com que a historiografia teatral tratou as divas
travestis como Rogéria, Valéria, Jane di Castro, Camille K., Fujica de Holliday, Eloína,
Marquesa e Brigitte de Búzios, estrelas queer85 do documentário Divinas Divas, da diretora
85
“[...] o travestismo masculino proliferou tanto, no século XIX, que passou do palco para as ruas e, num
movimento inverso, procurou se legitimar, de volta aos palcos, buscando função nos espetáculos
172
transformistas. Por ora, basta dizer que travestis-atores puderam encontrar espaço profissional mais amplo
nas revistas-musicais que, a partir de meados do século XIX, invadiram os palcos brasileiros e aí se
proliferaram [...]. Já na década de 1990, entraram em cena as drag queens, atuando a partir de um conceito
mais flexível de travestismo. [...] A atuação das drag queens foi facilitada por englobar um componente
lúdico e satírico semelhante ao das caricaturas do carnaval, o que as levou a transitar por áreas jamais
imaginadas, como as concorridas festas de socialites, shows beneficentes e colunas sociais da grande
imprensa. [...] A animação promovida pelas drag quens invadiu até o terreno político. Partilhando da nova
consciência homossexual que emergiu na década de 90, como se verá adiante, as drag queens têm tido
presença marcante nas Paradas do Orgulho Homossexual, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Quando das
eleições para governador de São Paulo, em 1998, elas chegaram a comandar coros em prol da candidatura de
Marta Suplicy, durante shows em boates gays” (TREVISAN, 2002, p. 227-231).
173
dentre outros/as criei uma sequência sonora que introduziu este lugar de imersão sensível às
músicas mais icônicas até às falas mais subversivas que mostram as faces do universo
LGBT+, como compartilho em “subversões das bixas (nada) engraçadas” (quadro 14):
Através da ambientação sonora meu intuito era criar uma atmosfera de imersão dos/as
estudantes nas boates e nas transgressões de gênero e sexualidade do contexto noturno
LGBT+. Além das músicas e divas icônicas do mundo queer minha intenção foi compartilhar
não somente os “baques” e “close” purpurinados das bixas afeminadas e drag. Ou seja, com
base na estratégia ambientação sonora o objetivo era sobretudo dar visibilidade para a
diversidade das narrativas LGBT+, proporcionando aos/as alunos/as o “exercício da escuta”
174
de outras vozes queer e lugares de fala traduzidos em manifestos poéticos nas músicas de Lin
da Quebrada, Pabllo Vittar, Ney Matogrosso e Cazuza.
As narrativas destacadas nas letras das músicas conectam artistas de um Brasil do
passado, através de Cazuza e das performances transgressivas de Ney Matogrosso no auge da
ditadura nas décadas de 70 e 80, com o presente, nas performances de gênero de Pabllo Vittar
e Lin da Quebrada que desestabilizam as (hetero)normas. Enquanto os/as estudantes
escreviam suas mensagens para A.G., a sonoridade criava uma atmosfera em sala de aula
propícia para a escuta das poéticas, a respeito das subjetividades LGBT+, ao passo que
impulsionava o momento a pensar devagar, parar para escutar e escrever.
Neste momento de escuta, os/as estudantes também refletiam acerca das desigualdades
interseccionais descritas nas falas dos/as artistas. Por exemplo, como discorre Dodi Leal
(2018) a respeito da música A lenda de Linn da Quebrada, a qual retrata o lugar de fala de
muitas travestis que vivem em contextos “da quebrada” e “nos guetos” da invisibilidade
social. Tais corpos, “objetificados” e abjetos, são ilustrados na letra de Linn da Quebrada
como corpos silenciados tanto na escola, quanto na sociedade:
[...] A esquisitice reincidente nas letras de Linn da Quebrada expressa o quanto que
a figura monstra é um desajuste nos espaços sociais. Efetivamente presenciamos na
canção A Lenda a referenciação ao contexto escolar e a perseguição enfrentada por
pessoas gênero-desobedientes até mesmo entre os pares. A criança transgênera
nunca passa desapercebida: ou está extremamente marginalizada e representa o
fracasso escolar ou é superestimada na figura nerd ou possuidoras de uma
inteligência que de tão inteligente são um novo motivo de rejeição: essas bichonas,
sabichonas (LEAL, 2018, p. 157).
“Hoje não arrumamos a sala com as mesas no canto da parede e nem tampouco as
janelas com papelões e TNT [...] tinhamos de interagir com a explicação que ele
nos deu e também nos passou um papel na cor verde e outro na cor branca e tinha
destintos assuntos para cada um [...]. Depois de pegarmos o papel ele foi nos
passando uma caixa com o livro que lhe inspirou a fazer aquela peça com a gente
mas não tinha o mesmo nome que o livro [...] com ideias um pouco diferentes [...]
foi arrumando o notebook para passar uns slides para nós sobre o teatro que ele
fez com a turma do ano passado e a que ele fez com a nossa agora [...]. Depois ele
nos explicou sobre o feminismo [...] sobre os meios de bullying que são praticado
como xenofobia, gordofobia etc. [...] e de pessoas que era transexuais [...] lésbicas
ou bissexuais [...]. Depois nos passou uns papeis para lermos [...] relatos de
homossexuais e transexuais sobre a vida sofrida por sofrerem bullying.”
(Compartilhando experiências, afetos e arte na sala 201 do Centro Educacional
Dr. Clarindo Santiago, em 26 de março de 2019, em São Luís – MA, ilha do amor)
Fonte: NASCIMENTO, Fernando. São Luís - MA, 2019.
piloto realizado com a turma 211 em 2018, comuniquei aos/as estudantes que passaria a
“caixinha de A.G.” que estava em minhas mãos, para que cada aluno/a em seu tempo,
folheasse a literatura que inspirou a nossa história.
Durante o tempo que conversávamos a respeito da experiência das aulas, do processo
realizado na turma anterior, bem como dos temas de gênero e sexualidade que surgiram na
história de A.G., cada aluno/a foi descobrindo o segredo de Daniel, protagonista do livro O
menino perfeito ao passo que compartilhava a caixinha com os/as demais colegas de turma.
Além do registro habitual do diário, neste último encontro pedi aos/as alunos/as que
escrevessem em duas folhas como foram apreendendo a linguagem teatral e as questões de
gênero, sexualidade e LGBT+ em cada episódio. Para a reflexão final do processo
compartilho alguns destes escritos, os quais ilustram de que forma os temas, termos e
conceitos dos estudos queer e a linguagem teatral foram sendo apropriados no decorrer da
prática.
Desse modo, durante a prática construímos uma narrativa teatral, a qual deu
protagonismo para personagens LGBT+, numa narrativa criada em cada episódio através da
disponibilidade da turma para se deixar envolver com a ficção. Neste tempo/espaço, muitos/as
também se permitiram exercitar a escrita e os sentimentos que pulsavam em seus corpos,
registrando em seus diários seus devaneios acerca de cada momento dos episódios, como
descreveram:
[...] tivemos uma aula muito interessante [...] aprendi coisas que não sabia, comecei
a vê esse assunto com outros olhos [...]. [...] todas as aulas que tivemos, fizemos
cada episodio, construimos uma história muito interessante [...]. Foi muito legal e
divertido que aconteceu nesse período, gostei muito e amei o ultimo episodio,
quando uma dreig queen fez uma linda apresentação, cantando e dançando, foi tudo
muito lindo, gostei de verdade.
(Escritos de “Lau”, em diário de bordo, São Luís/MA, 2019).
[...] Bom sobre teatro eu aprendi que teatro não se faz só em um palco, teatro se faz
também em sala de aula, rua e etc. É uma forma de arte na qual um ou vários atores
apresentam que desperta na plateia sentimentos variados.
(Escritos de “Lud”, em diário de bordo, São Luís/MA, 2019).
As aulas do professor Nando foi super importante pois a parte daí ele acrescentou
muitos conhecimentos para mim, abordando temas que esta ao nosso redor como
identidade de gênero e sexualidade. Eu também aprendi que pra fazer teatro não é
preciso trazer um roteiro para ensaiar e apresentar, teatro também pode ser algo
demorado, que pode ser criado aos poucos.
(Escritos de “Agrah”, em diário de bordo, São Luís/MA, 2019).
Com base nos relatos dos/as alunos/as, por meio do contexto ficcional, das escolhas
artístico-pedagógicas das estratégias do Drama, da mediação e do envolvimento dos/as
discentes foi possível criar este “gesto de interrupção” na rotina escolar, e nas imposições
intrínsecas ao ensino médio, para que pudessem explorar e descobrir outras possibilidades
para o fazer teatral na escola e aproximarem-se da pluralidade dos corpos LGBT+.
Contudo, este outro tempo/espaço dilatado e “desacelerado” no qual os/as
adolescentes se (des)conectaram para falarem de si e do/a outro/a, para escutarem a si
mesmos/as e aos/as outros/as, para escreverem suas narrativas e criarem outras só foi possível
porque os/as estes/as se deixaram atravessar pelo que lhes estava sendo proposto, através da
narrativa de A.G. Ao se deixarem envolver pela trama misteriosa de A.G., os/as alunos/as
construíram comigo a história desta personagem, ao passo que em cada episódio apreendiam a
linguagem teatral, assim como se aproximavam das temáticas queer.
A autora Tharyn Freitas (2012) reitera como o Drama na escola pode oportunizar a
imersão prática proporcionando experiências de alteridades no contexto ficcional. Portanto, o
envolvimento dos/as estudantes com a prática, atrelada ao exercício da escrita do diário,
permitiu diagnosticar de que forma os temas, termos e conceitos de gênero e sexualidade
foram sendo assimilados em cada episódio, a saber:
Desde o primeiro episódio começamos a falar sobre orientação sexual e continuamos a
falar sobre assunto durante todas as aulas. Agora depois da nossa aula, eu consegui
diferenciar. Orientação (sexual) é quando a pessoa sente o desejo (sexual e amoroso)
por outra, já o gênero é quando quem nasceu com um pênis se identifica com uma
vagina.
(Escritos de “Pan”, em diário de bordo, São Luís/MA, 2019 – grifos meus).
Bem eu acho que identidade de gênero é como a pessoa se identifica, como ela que
se apresenta para a sociedade se é como homem ou mulher. Já a sexualidade eu
acho que é por quem a pessoa sente atrassão se é por homem, mulher ou nem um
deles. O episodio que falamos sobre isso foi quando levantamos a hipótese de que A.G.
era um menino afeminado, a partir dai todos os outros episodio falamos sobre isso
indiretamente ou diretamente.
(Escritos de “Jo”, em diário de bordo, São Luís/MA, 2019 – grifos meus).
Nesse período que passamos, falamos e discutimos muito muito sobre sexualidade,
entendi que cada gênero é diferente, a personagem da nossa historia se via como gay
afeminado e foi morta por conta da sua opção [...] aprendo que o Brasil é o país que
mais mata gays, lesbicas, trans etc. Devemos respeitar cada pessoa do jeito que ela é.
(Escritos de “Lau”, em diário de bordo, São Luís/MA, 2019 – grifos meus).
178
Na nossa aula de hoje falamos sobre a diferença entre orientação sexual e gênero
sexual. Consegui entender um pouco, eu super respeito a escolha de certas pessoas,
super respeito, mas sou contra. É a questão de respeitar, mas não aceitar. Eu
nunca falei ou fui desrespeitosa com uma pessoa LGBTI. Agora sobre a tal
“ideologia de gênero” eu não concordo que isso tem que se dá em sala de aula. Na
minha opinião isso é assunto que os “pais” tem que conversar com os filhos, até
porque eu quando for mãe (lá pelos 30) eu vou fazer questão de ensinar meus filhos,
sobre os tipos de toque, sobre o assédio que nós mulheres passamos. É uma pena que
isso tem se tornando frequente. Eu como mulher tenho o medo de sair na rua e ser
estuprada. Em pleno século XXI, nós mulheres temos que passar por isso. Eu não
me considero feminista, até porque tem assuntos em que sou totalmente contra, eu
só quero parar de andar na rua e ser só vista como um objeto sexual. E igualdade
salarial. Eu quero e desejo ganhar o mesmo que um homem.
(Escritos de “Meghan”, em diário de bordo, São Luís/MA, 2019 – grifos meus).
86
O reino sagrado da dedesinformação cap. VIII: conhecimento contra o medo, revista/site Gênero e Número.
Disponível: http://www.reinodadesinformacao.com.br/cap-viii-entrevista-judith-butler/. Acesso em: 29 agos.
2019.
181
Conforme ressalta Judith Butler, neste momento difícil devemos seguir pesquisando
para explicar à sociedade, sobretudo à escola, a importância dos estudos de gênero,
feminismo, educação sexual e queer para o empoderamento de alunos e alunas, para que
compreendam as desigualdades e “[…] encontrem seu próprio caminho, sem serem coagidos
física ou psicologicamente” (BUTLER, 2019, s/p). Ainda nesta entrevista a autora destacou
como este contexto reacionário está fissurando a Univerdade pública no Brasil e quais
caminhos de resistência serão traçados, considerando-se, como frisa a pesquisadora, que “o
Brasil é um país de conquistas incríveis na pesquisa de ciências sociais, humanas, psicologia,
teatro, produção e crítica literária” (BUTLER, 2019, s/p).
Esta conjuntura obscurantista ilustra como os discursos extremistas e retrógrados estão
se alastrando com perspicácia e rapidez, se solidificando no chão da escola, fundamentados e
apoiados em fake news e discursos de ódio, demonstrando que há muito que fazer e
desconstruir. Assim, mesmo após o processo prático e aula teórica, nos quais fomos
compreendendo as diferenças e objetivos dos estudos de gênero e educação sexual na escola,
em contraponto à “ideologia de gênero”, ainda assim tal narrativa mostra sua força discursiva
no imaginário popular, quando surge, por exemplo, nos escritos da estudante “Meghan” como
analogia aos estudos de educação sexual na escola.
Para Jimena Furlani (2016) essas visões de educação sexual perpassam por
paradigmas religiosos, biológicos, terapêuticos, de direitos humanos e sexuais, além de
emancipatório e queer. Tais discursos são classificados pela autora como as formas de
abordagens de educação sexual, que se constituem na sociedade, adentrando também à escola,
naturalizadas e/ou (in)visibilizadas nas diretrizes educacionais, nos projetos políticos
pedagógicos, nos currículos das disciplinas, nos livros didáticos, nas práticas docentes e no
cotidiano em sala de aula.
Os discursos das abordagens biológico-higienista, moral-tradicionalista, terapêutica e
religiosa-radical (FURLANI, 2016) dialogam com as narrativas de segregação, preconceito e
182
Ainda era a mesma semana do término do processo, retornei à escola para a palestra
que havia organizado a respeito da representatividade queer no âmbito escolar. Enquanto o
pátio era organizado para nossa conversa fui surpreendido pela comemoração de despedida
que os/as estudantes da turma 201 haviam organizado para mim. Entre falas de
agradecimentos pelas aulas, desejos de sucesso na conclusão da minha pesquisa, percebi a
importância daqueles momentos que construímos em um curto período e que, talvez, alguns
afetos deste “professor-artista silvestre” pudessem ter ficado em cada aluno e aluna.
Foi como uma forma de agradecimento pelo acolhimento que tanto os/as alunos/as,
quanto a comunidade escolar do Centro Educacional Dr. Clarindo Santiago, me
proporcionaram com o meu retorno ao colégio, que retribuí através da palestra
“Representatividade Queer na escola”. Dessa forma, os/as convidados/as, o sociólogo e
professor Alderico Segundo87, o professor Ms. e advogado Thiago Viana88 e a turismóloga
Júlia Naomí89, importantes ativistas das lutas LGBT+ no Maranhão, compartilharam suas
narrativas, seus lugares de fala e demais interseccionalidades que atravessam as experiências
de gênero, sexualidade, queer, étnico-raciais, dentre outras (figura 17).
87
Mestrando em Educação – Universidade do Estado do Maranhão – UEMA, especialista em Gênero e
Diversidade na escola – UFMA e ativista das discussões LGBT+.
88
Especialista em Direito da Diversidade Sexual e de Gênero e prof. Ms. da Universidade de Ensino Superior
Dom Bosco e ativista dos direitos das minorias, sobretudo LGBT+. Advogado que representou o Grupo
Gayvota no julgamento e defendeu a pauta pela criminalização da LGBTfobia no Supremo Tribunal Federal
em junho de 2019.
89
Formada em Hotelaria – Universidade Federal do Maranhão – UFMA e Designer de interiores – Centro
Universitário do Maranhão. Além de ativista dos direitos das pessoas transgêneras.
183
Fonte: Acervo da pesquisa, elaborada pelo autor. São Luís - MA, 2019.
O pátio já estava lotado, olhares atentos e dispostos a escutar aqueles “corpos abjetos”,
que agora transitavam por aquele espaço. Ao finalizar o compartilhamento dos processos que
construímos nas duas turmas para os/as demais alunos/as da escola, exibi o clipe da música
Indestrutível da Pabllo Vittar. Entre cenas que retravavam a descoberta da sexualidade de um
adolescente e a agressão física sofrida na escola, o personagem descobria a homofobia na
pele.
A música estava no refrão e um coro, baixo, um pouco tímido, foi ecoando no pátio
composto pelas vozes daqueles/as adolescentes, cantando “[...] tudo vai ficar bem e as minhas
lágrimas vão secar, tudo vai ficar bem e essas feridas vão se curar... Se recebo dor, te devolvo
amor [...] E quanto mais dor recebo, mais percebo que sou... Indestrutível” (VITTAR, 2017).
Aplausos e gritos também ecoaram naquele pátio!!!
184
Por fim, acredito que construímos momentos que podem (ou não) ressoar na vida
dos/as estudantes que criaram comigo, artisticamente, em sala de aula. Contudo, espero que
ao menos estes afetos deixem vestígios em cada aluno e aluna, para que possam, quem sabe,
refletir sobre a vida, o teatro na escola, a pluralidade LGBT+ e as coerções discursivas da
(hetero)normatividade através das instituições sociais, as quais aprisionam e segregam os
nossos corpos queer.
Conforme, por exemplo, compartilhou o aluno “Carinha” ao se aproximar da matéria
teatral no processo criativo, quando começou a pensar no sentido da alteridade, ao se colocar
no lugar do/a outro/a na ficção. Assim, ao estudar o teatro em sala de aula, se aproximou
também dos estudos queer e com base na reflexão sobre si, oportunizada nos momentos de
escrita do diário, refletiu também acerca das relações de saber-poder, as quais estão
enraizadas na sociedade (hetero) normativa e nas relações na família, na escola e demais
espaços sociais. Neste exercício de escrita sobre si, também lançou olhares para o/a outro/a,
com afetividade e empatia para partilhar seus atravessamentos, paralelamente às experiências
dos episódios do processo:
185
Bom o primeiro dia que o professor falou que nós iriamos fazer teatro
eu confesso que eu não gostei muito porque querendo ou não a
sociedade tem esse preconceito que quem faz teatro e so mulher e os
homens que fazem são homossexuais a sociedade nos põem um modelo
e as pessoas que não segue esse modelo ou melhor o “normal”, a
sociedade já não o aceita porque ele não está adequado para a
sociedade, e até mesmo nossa própria família pensa isso, então eu
fiquei um pouco com o pé atraz mais depois que veio o primeiro
episódio e nós começamos a interpretar foi tudo mágico por que alguns
tem talento para essa arte. E veio o segundo foi melhor ainda porque
nós já estava mais solto já tinha perdido um pouco do preconceito com
o teatro e ele aproximou algumas pessoas e eu gostei muito disso e veio
o terceiro que veio o namorado de A.G. e a amiga de A.G. também e
isso uma surpresa porque niguem pensava que iria entra pessoas novas
no meio do episódio e foi surpreendente o modo que eles atuavam como
se aquilo fosse de verdade como se fosse real, mas infelizmente é a
realidade de alguns e dos próprios que sofreram com o preconceito
todos os dias as pessoas olhando de modo estranho e deve ser muito
ruim viver ou melhor ser gay em uma sociedade extremamente
preconceituosa e chega até ser homofobica e muito triste que as
pessoas que não escolheram seguir as normas da sociedade sofrem
muito ou que não tem o modelo que a sociedade põem e muitas pessoas
morrem por não ter ou não seguir o “normal” da sociedade [...] isso
nos ensinou a não julgar niguem pela suas escolhas porque a vida é
dele e as escolhas são deles e ninguém deve julgar ou desrespeitar por
que todos nós merecemos respeito e dignidade e isso não importa, quem
a pessoa é ou a sexualidade dela. “#todosmerecemosrespeito”
(Escritos de “Carinha”, em diário de bordo).
Ao olhar para trás, recordo-me da minha trajetória no mestrado e das experiências que
me atravessaram durante este caminhar, ao passo que tento vislumbrar o futuro (incerto).
Ainda nesta olhadela ao passado, no atual desmonte da educação pública, compreendo a
importância da escola e Universidade públicas como espaços de resistência e empoderamento
para o meu corpo qualira. Assim, ao escrever estes últimos parágrafos diante do atual
contexto que aflige a pedagogia do teatro na escola, tento refletir acerca de quais caminhos
podemos seguir para construir redes de afetos entre a arte, a Universidade e a escola, bem
como entre os/as professores/as-artistas, alunos/as e todos/as que queiram dar às mãos e
resistir nestes tempos tenebrosos no Brasil.
Dessa maneira, escrevo estas últimas palavras em um momento no qual as notícias de
censuras e silenciamentos a respeito das narrativas LGBT+ na educação e na arte são tão
evidentes (apesar que há resistência!), a saber: “o presidente da República ‘pede’ ao
Ministério da Educação – MEC um projeto de lei para proibir o termo ‘ideologia de gênero’
no ensino fundamental”, “O presidente Jair Bolsonaro ‘veta’ filmes com temáticas LGBT+ na
Agência Nacional de Cinema – ANCINE”, “Deputados de SC pressionam governador para
retirar o termo ‘identidade de gênero’ de currículo base da educação”, “Governador de São
Paulo determina apreensão de apostila com ‘identidade de gênero’ em escolas” e “Prefeito do
Rio de Janeiro determina apreensão do livro Vingadores – a cruzada das crianças durante a
Bienal do livro por suposto ‘conteúdo’ impróprio”.
É diante deste ambiente de extremo retrocesso, instabilidade e censura que me
disponho, ao olhar para trás e relembrar as conversas, encontros e afeições construídos nessa
caminhada, para pensar em: como vamos caminhar diante desta conjuntura retrógada? Quais
redes vamos construir para resistir e seguir adiante? Quais laços afetivos devem se estreitar,
na pedagogia do teatro na escola, para fortalecer esta árdua caminhada rumo ao futuro na
educação?
Não sei se tenho respostas, todavia, proponho-me a refletir, com quem queira também
seguir nessa caminhada. Neste sentido, com base no meu retorno à escola na qual estudei e
me permitiu mediar os processos de drama compartilhados, percebo as “redes de afetos” com
um dos caminhos para seguir juntos/as desconstruindo mitos, tabus e estereótipos acerca do
188
fazer teatral atrelado aos estudos queer, assim como demonstrar a importância destes
conhecimentos no empoderamento de alunos e alunas.
Nestes percursos de acolhimentos e resistências, a escola e a Universidade públicas
devem caminhar juntas, oportunizando o acesso aos saberes que permitam a emancipação
com pluralidade de concepções artísticas e pedagógicas em detrimento das atuais narrativas
falaciosas. Pois, a academia torna-se imprescindível para desconstruir mitos e tabus em torno
do campo teórico queer na educação, como ressalta Judith Butler (2019), proporcionando
(re)existência, visibilidade e representatividade dos corpos queer em sala de aula e nos
processos artísticos na escola.
Contudo, compreendo que esta conjuntura de “caça aos/as professores/as”,
marginalização do pensamento intelectual e criminalização da potência subversiva do teatro
na escola, quando este oportuniza dar voz aos/as silenciados/as, contribuem para disseminar
“o pânico” aos/as professores/as-artistas, sobretudo àqueles/as que estão na base, em
contextos adversos no Brasil.
Por isso, construir redes de afetividade e disseminação do conhecimento dos estudos
queer, em oposição às fake news, na formação inicial e continuidade são caminhos que
oportunizam esta primeira aproximação e emancipação, haja vista que muitos/as
professores/as ainda desconhecem conceitos básicos deste campo teórico, contribuindo para
desinformação e preconceitos.
Em seguida, as parcerias entre grupos de pesquisas das universidades e professores/as-
artistas que tenham interesse em estabelecer diálogos, entre a pedagogia queer e a pedagogia
das artes cênicas, também podem ser caminhos de articulação de novas redes. Além das
articulações entre festivais, mostras e companhias com as escolas a fim de proporcionar a
fruição, bem como as discussões destes temas nas instituições educacionais, de acordo com
cada faixa na educação básica.
Ressalto ainda a importância do olhar sensível e decolonial para a atual produção
LGBT+ realizada por artistas e professores/as queer no Brasil com o propósito de conhecer,
ler, fruir, escutar e entender os lugares de fala e seus atravessamentos interseccionais em
diversos contextos brasileiros como, por exemplo, as produções das travestis Megg Rayara,
Dodi Leal e Vulcânica Pokaropa, que resistem fazendo arte e escrevendo suas subjetividades.
Além de outros/as LGBT+, no palco e na escola, de Norte a Sul, do Nordeste ao Sudeste do
Brasil que também estão (re)existindo, no entanto, não foram apontados/as aqui, mas também
estão fazendo arte, montando espétaculos, organizando festivais e palestras com visibilidade e
representatividade queer nesses tempos tenebrosos.
189
90
Disponível em: https://oglobo.globo.com/cultura/crivella-manda-recolher-hq-dos-vingadores-com-beijo-gay-
bienal-se-recusa-23930534. Acesso em: 18. set. 2019
191
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