Rel Mestrado Final
Rel Mestrado Final
Rel Mestrado Final
RE LAT Ó RI O DE E ST ÁGIO
Lis b o a, 1 0 /2 0 1 9
INSTITUTO POLITÉCNICO DE LISBOA
Teoria.
Li sb o a , 1 0 /2 0 1 9
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Resumo
Abstract
Arts and the numerous types of creative expressions have been gaining ground in
gerontology. Their important contribution to the improvement of the quality of life of the
general population, and particularly of the senior citizens, is undeniable. Practicing
community theatre effectively responds to the physical, psychological, social and creative
needs of active aging and creative aging. I was able to validate the veracity of this
importance, following and observing the Senior Theatre Group ASSORPIM over a period of
two years. It was remarkable to witness the evolution and development of the group, both in
terms of the quality of the works presented, as well as of the individual creative process, in
which satisfaction and well-being are a guaranteed premise.
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Palavras-chave
comunidade.
Keywords
Art, healthy aging, active aging, creative aging, theatre, senior, intergenerational, quality of
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Índice
1 – Introdução ............................................................................................................. 7
1.1 - Caminhos e caminhadas ....................................................................................... 7
2 - Parte teórica ........................................................................................................... 9
2.1 - Sobre Teatro e Comunidade ................................................................................. 9
2.2 – O conceito de sénior .......................................................................................... 13
2.3 – Envelhecimento saudável .................................................................................. 14
2.4 -Teatro e Expressão Dramática............................................................................. 18
3 – Parte teórico/prática ........................................................................................... 21
3.1 – Projeto Teatro de identidades ............................................................................ 21
3.2 – Intervenientes..................................................................................................... 31
3.3 - Teatro ao Domicílio: casa da Sr.ª Urbana .......................................................... 33
3.4 – ASSORPIM: cronologia 2012/2019 .................................................................. 36
4 - Parte Prática ........................................................................................................ 43
4.1 - ASSORPIM 2017/20119 .................................................................................... 43
4.2 - Ano letivo 2017/2018, O Voo dos Cisnes .......................................................... 44
4.2.1 - Intervenientes .................................................................................................. 44
4.2.2 – Apresentação e construção da peça ................................................................ 46
4.2.3 - Testemunhos dos participantes ....................................................................... 49
4.2.4 - Sessões de expressão dramática ...................................................................... 54
4.3 - Ano letivo 2018/2019, ........................................................................................ 56
4.3.1 - Intervenientes .................................................................................................. 57
4.3.2 – Construção da peça: 3 momentos ................................................................... 58
4.3.3 - Testemunhos ................................................................................................... 62
5 – Conclusão ............................................................................................................ 69
6 – Bibliografia .......................................................................................................... 71
7 – Webgrafia ............................................................................................................ 74
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Pasta de Anexos:
Anexo I - Entrevista a Rita Wengorovius
Anexo II - Guião O Voo dos Cisnes
Anexo III - Guião encontro Feira dos Sonhos
Anexo IV - Guião Ensaio sobre a Cegueira
Anexo V - Planificação de sessões de expressão dramática
Anexo VI - Inquéritos individuais ASSORPIM
Anexo VII - Pasta: fotos e vídeos O Voo dos Cisnes
Anexo VIII - Pasta: fotos e vídeos encontro Feira dos Sonhos
Anexo IX - Pasta: fotos e vídeos Ensaio sobre a Cegueira
Anexo X - Pasta: fotos almoço convívio final de ano letivo 2018/19
Anexo XI - Video: aula de expressão dramática
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1 – Introdução
Já com alguma experiência pelos caminhos da vida, uns que me permiti outros que me foram
permitidos ao longo de cinquenta e nove anos de existência. Alguns destes planeados à priori:
como quando após ter finalizado um curso de Design de Interiores, no IADE em 1981, me
propus de seguida a frequentar um curso de teatro com o grupo profissional A Máscara -
constituído pelos atores Pedro Wilson, Rui Pisco e Pedro Alpiarça, num espaço da Faculdade
de Belas Artes, entre 1981 e 1983. Posteriormente foi constituído um grupo de teatro amador,
Triato do Beato. Este grupo esteve em atividade no extinto espaço Palco Oriental, do qual fiz
parte entre os anos de 1983 e 1990. Outra experiência foi ainda o grupo de fantoches para
crianças, Pioneses, formado por mim e uma colega de teatro, Zélia Oliveira.
Outros caminhos foram simplesmente acontecendo sem estarem previstos como quando tirei
um curso de Formação Pedagógica de Formadores. Na autoscopia final orientei uma sessão de
expressão dramática, com os meus colegas da formação e a formadora. Resultou num convite
em que eu pudesse passar a contribuir nesta formação, com um módulo de 16 horas de
Técnicas de Comunicação em Expressão Dramática, unidade curricular integrante na oferta
1
Teatro Imediato é um grupo de teatro playback, uma modalidade de teatro interativo, que resulta na
representação de histórias contadas pelo público. A performance assenta na improvisação teatral e musical das
narrativas partilhadas (http://teatroimediato.weebly.com/).
7
desta formação, entre 2010 e 2013. Foi muito gratificante e obtive muito prazer, tanto em
aprender como em ensinar, numa osmose onde apenas variava o sentido direcional.
Propus-me a mais esta caminhada com a intuição de que muita coisa vou ainda aprender, dar e
receber, brincar e jogar com vontade. Expondo perspetivas intelectuais, sociais e afetivas a
constante renovação e expansão.
Não me faz de todo sentido trabalhar sem haver um sentido de pertença a algo maior que
apenas o eu individual, e que é o coletivo nós. Trabalhar com e para a comunidade, com todos
a fazer a sua parte e a dar o seu contributo possível, como peças dum mesmo puzzle. Onde os
vários processos resultam também da relação social e afetiva entre todos os componentes.
Ainda durante o primeiro semestre do mestrado tive conhecimento, pela professora de
Laboratório 1, Rita Wengorovius, da possibilidade de ser voluntária e trabalhar com um grupo
de seniores do projeto Teatro de Identidades - um projeto de parceria entre a Escola Superior
de Teatro e Cinema (ESTC), a Associação de amigos desta escola (AAESTC) e a Câmara
Municipal da Amadora (CMA); o qual desenvolvo neste meu relatório - na construção de um
espetáculo de teatro, O Voo dos Cisnes, sendo uma mais-valia importante em termos de
aprendizagem prática. Este grupo estava nesta altura a ensaiar uma vez por semana num espaço
cedido pela ESTC, foi assim que tive o prazer de conhecer e colaborar com o grupo de Teatro
Sénior ASSORPIM durante o ano letivo de 2017/18, um grupo que passei a admirar e que
ainda não parou de me surpreender. Decido então fazer o meu relatório de estágio de forma a
poder continuar a acompanhar este mesmo grupo durante todos os semestres do Mestrado,
tempo correspondente a dois anos letivos: o de 2017/2018, em que se construiu o espetáculo de
teatro O Voo dos Cisnes, uma criação coletiva; e o de 2018/2019, na construção do recente
espetáculo Ensaio sobre a Cegueira, baseado no romance de José Saramago. Continuo com
muita satisfação a deixar-me surpreender com as admiráveis capacidades deste grupo de
seniores, do seu companheirismo solidário, criatividade e persistência. Neste momento com o
tempo e proximidade, necessários para poder verificar a evolução e renovação desta
comunidade de pessoas por quem, além de admirar, também estabeleci fortes laços afetivos.
Daí ter escolhido para este relatório de mestrado o título Um Caso Sério de Teatro Sénior, não
só pela sua semântica, mas também porque é um caso sério no sentido muito especial do termo.
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2 - Parte teórica
Muito se tem escrito, estudado, analisado e avaliado sobre este assunto de “o que é a
comunidade”. Na nossa grande comunidade humana, coexistem imensas comunidades,
aparecem novas, desaparecem muitas e outras vão-se transformando e adaptando num processo
contínuo de existência, como é por demais sabido. Anthony Cohen, por exemplo, atribui
valores específicos para classificar o que é comunidade, separando-a do conceito de sociedade,
classe social, ou local de nascimento, como estes sendo insuficientes para a definir:
Comunidade não se define apenas em termos de localidade. (…) É a entidade à qual as pessoas
pertencem, maior que as relações de parentesco, mas mais imediata do que a abstração a que
chamamos de “sociedade”. É a arena onde as pessoas adquirem suas experiências mais
fundamentais e substanciais da vida social, fora dos limites do lar (Cohen, 1985, p.15).
Baz Kershaw diz que qualquer comunidade tem as suas diferenças internas e considera que há
dois tipos de comunidade: a comunidade local que são as pessoas que vivem e trabalham numa
mesma região, com o mesmo tipo de vivência, que se relacionam numa rede social diária e
enfrentam o mesmo tipo de problemas, e a comunidade de interesses, uma comunidade de
pessoas que interagem independentemente da área geográfica em que vivem, mas que
partilham valores idênticos, ideologias, interesses e objetivos de vida (Kershaw,1992, p.31) por
sinal o mesmo tipo de comunidades a que Boal chama de grupos temáticos (Boal, 1996, p.70).
Neste seu trabalho de investigação, Tentando definir o Teatro na Comunidade, Marcia Pompeo
Nogueira atribui três modelos diferentes de práticas e intervenções teatrais em que são usados
os termos Teatro e Comunidade: “Pode-se dizer que esses modelos partem de práticas
decididas de cima para baixo, para práticas cujo objetivo e métodos são decididos pelas pessoas
que participam dos projetos teatrais” (Nogueira, 2007, p.2). Tem em consideração a existência
de três tipos diferentes de teatro e comunidade acontecerem: teatro para comunidades, teatro
com comunidades e teatro por comunidades. No primeiro caso, teatro para comunidades, é um
teatro feito por artistas e atores que não pertencem à comunidade onde acontece a performance
teatral. É o teatro de cima para baixo onde todo o trabalho assim como a mensagem a
comunicar parte dos artistas envolvidos, para o público dessa comunidade. Desconhecem como
é a realidade e as características próprias dessa comunidade, os seus problemas as suas crenças
e, por conseguinte, a sua cultura. Ao desconhecer essa comunidade, arriscam na maioria dos
casos a também não serem compreendidos nas suas mensagens e intenções, um teatro por vezes
muito desfasado da realidade do público dessa comunidade.
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No segundo caso, teatro com comunidades, há uma preocupação em adequar melhor o
espetáculo e a mensagem que se pretende comunicar ao público dessa comunidade, e por tal, é
necessário que se faça uma investigação à priori sobre essa comunidade, para que a mensagem
possa ser compreendida antes de se apresentar o espetáculo. Acontece muitas vezes com
intenções políticas: o chamado Teatro Político ou Radical por exemplo usa este modelo.
Também muitos exemplos de teatro com função pedagógica ou mais recentemente de teatro de
ação social podem ser considerados dentro deste caso. Aristóteles por exemplo dizia que a
tragédia dramática em particular tinha a função de produzir uma catarse nos espectadores, que
ao se identificarem dramaticamente com os atores podiam elevar as suas emoções e assim
purificar o espírito. Já o marxista Brecht preferiu uma função mais didática e pedagógica,
educando o povo através do seu Teatro Épico, narrativo, levando o público a racionalizar
emoções de forma a que a pudessem aumentar a lucidez, desenvolver o espírito crítico, o poder
de análise e por tal aumentar a sua consciência social. Um teatro que sabe a quem se destina,
com a intenção de influenciar e ensinar, terá que ser compreendido e assimilado pelo público.
Não deixa ainda assim de ser um teatro de cima para baixo. Por último o teatro por
comunidades, em que as pessoas da comunidade estão incluídas no processo teatral. Este
modelo implica uma interação entre os artistas facilitadores e a comunidade com que iram
trabalhar, em que todos se colocam de igual para igual, um modelo horizontal que contrapoi os
modelos de cima para baixo anteriormente referenciados. Uma forma de trabalhar em teatro
sem atores principais, em que o diálogo, o saber escutar o outro e o respeito pelo diferente
exige bastante tempo de preparação, para que se conheçam mutuamente: “O trabalho de teatro
e comunidade é o de criar uma dialética entre o estado presente e as possibilidades futuras de
uma comunidade particular, moderada pelo conhecimento e identificação sobre e com essas
comunidades”(Kershaw,1978, p.61).
Eugène Van Erven, considera que todos os diferentes estilos do Teatro na Comunidade têm nas
suas histórias uma mesma base construtiva “sua ênfase em histórias pessoais e locais (em vez
de peças prontas) que são trabalhadas inicialmente através de improvisações e ganham forma
teatral coletivamente” (Van Erven, 2001, p.2). Os materiais, formas e métodos de trabalho e
construção de espetáculos teatrais provêm em grande parte, se não exclusivamente, da
comunidade cujos interesses importam expressar. Augusto Boal que fez muito trabalho de
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pesquisa teatral com comunidades indígenas e rurais, foi grande responsável na passagem do
teatro de mensagem, ainda de cima para baixo, para um teatro mais horizontal. Um teatro em
que todos os componentes são igualmente valorizados na sua construção, onde primeiro se
pergunta aos elementos dessa comunidade o que têm eles a propor e também fornecer-lhes
meios para que possam ser eles a construir os seus espetáculos. Passaram assim de espectadores
a atores. Teve repercussões a nível mundial, esta nova abordagem teatral iniciada por Augusto
Boal. Deu nome a um novo Teatro na Comunidade em que a principal função é a de fortalecer,
dar voz e importância a essa comunidade. Ao partilharem semelhanças e diferenças, através de
jogos e improvisos teatrais, abrem-se novos caminhos de conhecimento, aprendizagem e
reflexão, entre todos os componentes da comunidade, passando o teatro a ser nalguns casos, um
importante porta-voz de assuntos locais (Boal, 1996, p.18). Paulo Freire, autor, educador e
filósofo brasileiro, com muito trabalho de investigação e educação junto das populações mais
desfavorecidas, deu uma importante contribuição para o método de abordagem entre estes
artistas, (artistas que acabam por ser mais facilitadores e pedagogos já que neste trabalho teatral
com as comunidades, todos são considerados artistas, desde que participantes num mesmo
processo de construção) com as comunidades em que trabalham. Também sobre este tema,
Cristina Chafirovitch escreve sobre o chamado Teatro Social, considerando o Teatro Social
abrangido pelo Teatro e Comunidade, onde a vertente de ação social é mais significativa na
performance teatral:
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2.2 – O conceito de sénior
A origem vem do latim sénior que significa mais velho. Segundo o dicionário “Infopédia” da
Porto Editora, sénior é um adjetivo com dois géneros: o mais velho, e o de desportista com
mais de 18 anos de idade. Como sinónimo apenas idoso, nome atribuído a uma pessoa de idade
avançada, velho. Aqui em Portugal costuma-se dizer que “velhos são os trapos” e a palavra
velho é considerada depreciativa, sendo as palavras sénior ou idoso mais apropriadas para
referir pessoas de idade avançada, a também chamada de terceira idade. O início desta terceira
idade está determinado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para os países europeus, ser
considerada a partir dos 65 anos de idade. Teresa Rodrigues docente no departamento de
Estudos Políticos da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de
Lisboa, em entrevista ao Jornal Público a propósito do seu ensaio Envelhecimento e Políticas
de Saúde, tem uma opinião mais alargada e específica em relação aos portugueses. Tendo em
conta o aumento da esperança de vida, sugere a distinção entre idosos juniores entre os 65 e 74
anos e os idosos seniores dos 75 anos em diante, sugerindo mesmo que só estes últimos sejam
considerados idosos no sentido literal do termo: “Talvez seja mais realista considerar idosos os
indivíduos com mais de 75 anos e já não os de 65 anos!” (Rodrigues, 2018)
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2.3 – Envelhecimento saudável
As funções mentais e cognitivas têm uma enorme importância na autonomia da pessoa idosa.
Estas capacidades têm tendência a diminuir com a idade, mas pode ser feita a prevenção desse
enfraquecimento com atividades de vários tipos, que devem ser fomentadas. Em especial, são
promotoras das capacidades cognitivas, a leitura, os treinos da memória, a aprendizagem de
novos conhecimentos, as atividades com as mãos, o convívio com outras pessoas e de
preferência de várias gerações. São fundamentais para a promoção do envelhecimento saudável
todas as estratégias que sejam possíveis de desenvolver e que promovam o convívio e a
sociabilidade são de grande valia para as pessoas idosas, tendo um efeito na sua saúde,
qualidade de vida e bem-estar. O trabalho voluntário pode ser um instrumento essencial para a
promoção da sociabilidade, porque desenvolve o sentido de pertença a uma comunidade, o
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sentimento de ajuda e de se sentir útil, com efeitos positivos na autoestima e na saúde, em suma
é uma excelente forma de promover o envelhecimento saudável. (DGS, 2008)
Para este envelhecimento saudável, o chamado envelhecer bem, existem uma série de nomes e
termos onde se incluem o envelhecimento ativo, o bem-sucedido e o produtivo, com processos
e objetivos idênticos, mas, muitas das vezes, com abordagens diferentes (Barrett &
McGoldrick, 2013). Na Europa prevalece o termo envelhecimento ativo e nos Estados Unidos o
envelhecimento bem-sucedido (Paúl, Ribeiro, & Teixeira, 2012).
Creio que cada artista só pode criar de dentro para fora, falando de experiências vividas em sua
própria época. Ele não pode reviver épocas passadas nem antecipar épocas ainda não vividas,
pois não existe procuração para o ato criador. Mas isto não significa que ele parte de uma tábula
rasa. A sua experiência individual, historicamente única, se interliga com toda uma linha de
evolução humana - quer dizer, ela foi possível só porque existiram experiências anteriores. Se
sua obra for válida, o artista reata-nos para futuras experiências, embora não possa prevê-las.
(Ostrower, 2006.)
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de importantes maneiras para o envelhecimento criativo, nomeadamente numa apresentação no
fórum Art of Aging em Welland, Ontário, intitulada envelhecimento criativo entre gerações.
Através de um processo de criação, que pode ocorrer quando nos encontramos com algo que
nos surpreende e que nos faz pensar e reagir, o que Kastrup chama de Aprendizagem Inventiva
acontece um processo cognitivo em que a pessoa cria e improvisa situações e pensamentos em
vez de apresentar respostas a problemas já existentes: “ Este tipo de aprendizagem reforça
processos recognitivos e é importante diferenciá-la da experiência de problematização. A
recognição permite o reconhecimento, caracterizando-se pela assimilação do conhecimento
anterior e sua utilidade na vida prática. (Fractal, 2017, p.119)
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2.4 -Teatro e Expressão Dramática
O teatro é uma arte cénica, um evento performativo com público. É feito com atores num
determinado espaço/tempo e é suposto que haja um público a assistir. A expressão dramática
não implica haver público, é uma prática, um processo metodológico e educativo que contribui
para o desenvolvimento individual e coletivo (a par de práticas como yoga, dança, escrita
criativa, por exemplo). A expressão dramática é uma prática abrangente, podendo ter
aplicações variadas e com objetivos diferentes, se bem que sempre de uma forma pedagógica,
contribuindo para o desenvolvimento pessoal e educativo, por exemplo na formação de
formadores e outros profissionais para quem o saber comunicar é uma mais valia, ou em
processos de conflito e integração social ou em qualquer grupo etário, funcionando muito bem
também como aquecimento e preparação dos atores. Desenvolver o corpo, a mente e o espírito,
de uma forma lúdica, através de exercícios e jogos de improviso, como os propostos por Viola
Spolin, onde a expressão criativa é incentivada a par do movimento e expressão corporal, faz
aumentar a alegria e o bem-estar, ao mesmo tempo promove afetos e valores como a confiança
a partilha o companheirismo e a consideração por si e pelos outros. Um dos métodos propostos
pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), para a realização de um curso de
formação pedagógica de formadores:
Como Montaigne2, que já no século XVI recusava a separação do corpo e do espírito, devemos
aspirar a formar cabeças bem feitas. De certo modo, a ideia de uma formação dramática, ao
serviço da formação contínua de formadores, diz respeito a este requisito, uma vez que cruza a
relação intuitiva, relacional e afetiva que nos acompanha na curiosidade do saber desde que
2
Michel de Montaigne (1533/1592), filósofo e escritor francês que cultivou uma postura antidogmática e propôs
um ensino baseado na ação e experimentação; considera-se o criador do género literário e de pensamento
designado por ensaio.
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somos crianças… privilegiando o jogo como dispositivo de animação, ativa a disponibilidade
de aprender pela libertação, exploração do corpo e do imaginário, através da imitação,
simulação e invenção, integrando a utilização simultânea dos dois hemisférios cerebrais. O
pensamento abstrato não deve ser separado do ritmo biológico, uma vez que os sistemas
sensoriais e motores fazem parte ao mesmo tempo do cérebro e do corpo e que a sua interação é
indispensável à gestão cognitiva. Ou seja, a não passividade do corpo favorece o
desbloqueamento de mecanismos mentais que promovem o desbloqueamento intelectual. O
jogo é diferente e parecido com o real, razão pela qual integra socialização e aprendizagem.
Segundo Winicott, “jogar é uma coisa natural”. (Cabral, 2016, p.13)
Nos grupos de teatro com e por comunidades seniores, em que são os seniores os atores e
muitas vezes também co/autores na construção do seu espetáculo ou performance teatral, os
facilitadores (também chamado operadores ou artistas pedagogos), podem usar as técnicas da
expressão dramática tanto no trabalho de preparação do ator, como no “aquecimento” antes de
um ensaio, ou seja, apesar de realidades distintas elas funcionam muito bem em conjunto, mais
precisamente, pode-se dizer que a expressão dramática é uma ferramenta muito importante para
a performance e a criação teatral. O teatro sénior com seniores e por seniores, apesar de ainda
muito insuficiente em Portugal, onde ainda impera o modelo de “depositar” as pessoas de mais
idade em lares e centros de dia onde pouca ou nenhuma atividade (física mental e criativa)
ocorre, tem vindo pouco a pouco a ser reconhecido e a tornar-se cada vez mais importante.
Geralmente associados a serviços sociais, centros de dia, juntas de freguesia ou através das
universidades seniores, espaços que se preocupam em respeitar a dignidade do ser mais velho,
numa troca de informações e aprendizagens, de forma lúdica e criativa que promove mais
alegria e sentido de vida a esta população, cada vez em maior número neste país, em virtude do
progressivo envelhecimento demográfico. No Brasil esta realidade parece ser bastante mais
reconhecida e praticada do que em Portugal, ou não fosse a pátria de ilustres educadores,
investigadores, dramaturgos e ensaístas teatrais, como Paulo Freire ou Augusto Boal entre
muitos. Por exemplo, o caso de um artigo de uma revista da SESC (Serviço Social de
Comercio) numa publicação de 2012 intitulada A Terceira Idade, estudos sobre o
envelhecimento, da autoria de Diego Miguel Artista plástico, especialista em Linguagens da
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Arte e Envelhecimento (Ceuma - USP) e coordenador do Centro de Convivência do Centro de
Referência do Idoso da Zona Norte:
20
3 – Parte teórico/prática
A primeira proposta que nós fizemos foi criar emprego para um aluno, que era o Hugo
Andrade, que agora continua a trabalhar na Madeira com a associação OLHO-TE, e o Pedro
Augustos. Eram dois alunos que foram estagiar como vocês, no segundo ano, e tinham que
fazer algum projeto. Então eu propus que eles fizessem este projeto, o projeto Teatro de
Identidades e propus à Câmara Municipal da Amadora. O departamento da cultura não aceitou,
porque muitas vezes não há vontade da cultura, essa vontade que não é só económica, mas
achar sempre que o teatro de comunidade é teatro menor! Mas não desisti na altura e fui
procurar no departamento de ação social. Porquê? Porque como eu tinha estado na Itália onde
estudei muitos anos, eu vi que muitas vezes a ação social era mais aberta, percebia mais as
funções deste tipo de teatro, do que muitas vezes a própria cultura, porque a cultura também
tem uma visão muito de stars, de fomentar o capitalismo, os que são melhores, os que são
maiores, a competição e não tanto a participação. Como isto é um teatro de participação, de
inclusão social, muitas vezes pela cultura é visto como uma coisa menor. Então pensei pedir à
ação social da Câmara que nos desse apoio a este projeto. (Wengorovius, 2019)
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A Câmara Municipal da Amadora através do ser departamento de Intervenção Social tem vindo
a preocupar-se em cuidar o melhor possível da sua população sénior incentivando empresas,
serviços, organismos e associações por meio de concursos, protocolos e parcerias que queiram
colaborar em conjunto, estando neste momento a decorrer um Plano Estratégico para o
Envelhecimento Sustentável 2016-2025. Assim o fundamenta Carla Tavares:
Num momento em que o nosso território, à semelhança do nosso país, enfrenta o fenómeno do
envelhecimento da população, merecendo esta realidade o interesse e a preocupação dos
diferentes intervenientes no terreno, nomeadamente dos gestores públicos locais ou nacionais, é
razão mais do que suficiente para apresentar este instrumento. Um dos principais méritos do
Plano Estratégico para o Envelhecimento Sustentável para o período 2016-2025, prende-se
com a necessidade cada vez maior de uma atuação séria, responsável e eficaz, rumo a uma
excelência com a qual todos ambicionam. E, ao manter a nossa matriz identitária de ação,
apresentamos novas ideias e soluções, assumindo compromissos partilhados. (Tavares, 2017)
Podemos verificar que este projeto Teatro de Identidades é ambicioso e bastante abrangente,
incluindo várias Associações de Reformados, Pensionistas e Idosos da Damaia e da Buraca, o
Centro de dia da Mina, o Centro Social e Paroquial de S. Brás e a SFRAA-Quinta de S. Miguel.
Prestam-se serviços de apoio domiciliário a idosos com dificuldades de locomoção, indo além
da ajuda nas suas necessidades básicas, ao lhes facilitar o chamado Teatro ao Domicílio, onde
os utentes da Quinta de S. Miguel também se incluem pelas suas características mais
dependentes e de menor mobilidade. Tem como parceiros neste projeto a Santa Casa da
Misericórdia da Amadora através do Serviço de Apoio ao Domicílio (SAD), a Escola Superior
de Teatro e Cinema (ESTC), a Associação dos Amigos da ESTC, professores e alunos do curso
de Mestrado da especialidade Teatro e Comunidade.
O projeto de Identidades tem como principais objetivos a dinamização da prática teatral entre a
população sénior, que se encontra integrada na resposta social Centro de Dia e a comunidade
em geral, promovendo o envelhecimento ativo, a inclusão, a acessibilidade à arte e a
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participação. São parceiros do projeto a Escola Superior de Teatro e Cinema e a Associação dos
Amigos da Escola Superior de Teatro e Cinema. Os ateliês são dinamizados na Associação
Unitária de Reformados, Pensionistas e Idosos da Damaia, a Associação de Reformados,
Pensionistas e Idosos da Buraca, a Associação de Solidariedade Social de Reformados,
Pensionistas e Idosos da Mina, Centro Social e Paroquial de S. Brás e a SFRAA-Quinta de S.
Miguel. É dinamizado também o Teatro e Casa, em casa de munícipes, que recebem apoio
domiciliário, e que se encontrem com dificuldades de mobilidade. (CMA, 2019).
Este projeto inicialmente contou com a participação dos Professores da especialidade de Teatro
e Comunidade Ramon Aguiar, Rita Wengorovius, José Pedro Caiado, Eugénia Vasques, bem
como alunos do Mestrado desta especialidade:
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Este projeto tem ainda como objetivo, além da transformação e da inclusão social através
das artes performativas da população sénior, o de proporcionar um campo de investigação e
estágio de aprendizagem com trabalho de qualidade comunitário, aos mestrandos do
segundo ano de Teatro e Comunidade, que também lhes possa ajudar em saídas
profissionais futuras. Para que tudo isto possa acontecer, é construído um trabalho em rede
social com equipas profissionais a trabalharem com e nos diferentes espaços onde se
encontram os seniores, espaços diferentes consoante as diferentes características,
necessidades e limitações dos utentes num leque variado entre seniores com mais ou menos
autonomia. Há desde os seniores autónomos, que vivem nas suas casas e se deslocam a um
centro de dia como, há os que vivem e pernoitam no espaço por necessitarem de cuidados
especiais, com autonomia muito reduzida, e há também pessoas seniores com um nível de
autonomia apenas restringida pela parte locomotora que vivem nas suas casas e que são
visitados pelos mestrandos denominados artistas-pedagogos, o chamado Teatro ao
Domicílio. Esta rede social permite que todos se conheçam e possam participar ativamente
e criativamente em comunidade: cada espaço e cada grupo dá o seu contributo à medida
das possibilidades de cada um, em encontros e conferências várias de teatro e performance,
em festas, feiras e exposições teatrais com a colaboração da CMA com apoio técnico
variado e cedência de espaços como por exemplo Os Recreios da Amadora, com o seu
auditório de teatro, ou os jardins onde acontecem feiras e performances variadas, com
musica, teatro, dança, uma festa com muita criatividade e muita alegria proporciona a todos
os seniores intervenientes, colaboradores e público.
A equipa de projeto da ESTC e a Divisão de Intervenção Social da CMA têm reuniões mensais
onde vão atualizando e partilhando informação para que possam ser asseguradas as condições
necessárias, refletir para uma ação concertada e para a construção de massa crítica para o teatro
com seniores, planificar eventos em conjunto e ir definindo metodologias à medida em que a
experiencia avança e os saberes se vão constatando e crescendo neste trabalho processual: “Os
participantes são intérpretes e material dramatúrgico que é recolhido a partir da provocação
criativa e da escuta, aprofundando o trabalho de encenação dos profissionais de teatro
comunitário. Um conceito de arte e participação que promove o sentido de pertença e
24
identidade social” (Teatro de Identidades P.19). É um processo construído de raiz entre este
mestrando orientador e os seniores, conduzido com habilidade e sensibilidade, onde a empatia é
crucial para que se possa construir a confiança necessária à partilha criativa e ao bem-estar do
grupo.
E porque é que pensámos no nome Identidades? Porque a minha tese tinha a ver com estes
pilares: Identidade, Memória e Território, então pensei que a identidade no fundo era a arte de
dar identidade aos idosos. Os idosos não são umas marionetas, como nós vemos no outro tipo
de teatro sénior que ainda se faz. E por isso é tão importante nós divulgarmos esta metodologia,
porque é uma metodologia específica, não é uma metodologia do encenador, mas é uma
metodologia de co-criação, como também no teatro/dança. Isto foi estudado tudo em Itália pelo
teatro social, onde nos fazem a leitura do território, perceber quem são as pessoas, ler as
potencialidades, as especificidades de cada publico alvo, ver o potencial de cada um e de um
grupo e aquilo que podem dar. Depois cruzei também com muitas abordagens a António Boal e
assim aqui na escola criámos esta metodologia que os alunos têm no mestrado, que está no teste
das raízes, árvores e frutos, porque está lá o mais importante, o número um que é Criar Rede,
depois é Ler o Território e perceber quais são as potencialidades de cada grupo, depois contruir
um guião, uma dramaturgia para aquele grupo, começar a trabalhar com as pessoas como
criadoras, e depois devolver à comunidade e a seguir fazer uma avaliação para a mudança,
porque o propósito do teatro social é provocar a mudança pessoal e social de um grupo. Este
projeto tem como objetivos:
1 - Participação em processos coletivos (que cada um possa dar o contributo que guarda nas
suas memórias).
25
O primeiro trabalho foi apresentado em 21 julho 2012, no Auditório João Mota da ESTC, o
espetáculo Cartas Bordadas por Mim. Este primeiro trabalho foi construído com utentes
seniores e não seniores que frequentavam o Centro de Dia da Freguesia da Mina e os alunos do
segundo ano de Mestrado Pedro Augustos e Hugo Andrade. Este grupo de teatro da
ASSORPIM é composto nesta altura por um grupo heterogéneo com pessoas entre os 15 e os
85 anos de idade. Nestes encontros do projeto, nos dias marcados para os ensaios e aulas
técnicas, desenvolviam-se atividades com movimento, técnicas de voz e relaxamento, postura,
estímulo sensorial e exploração física, mímica, teatro do oprimido (Augusto Boal), pintura,
desenho, caracterização, técnica de clown aplicada ao idoso, decorar textos, ou simplesmente
falavam do quotidiano. Como relata o Hugo Andrade:
Nestes encontros, fizemos jogos de desinibição, exercícios que tiveram como objetivo a
eliminação de bloqueios, ansiedades, inibições, depressões que derivam, muitas vezes, de
situações geradas por obstáculos não ultrapassáveis. Como exemplo, tivemos a Maria do Céu
Almeida, que dizia, que o teatro, a fazia esquecer a rotina e o ócio diário, e que os exercícios a
ajudaram a ultrapassar a solidão e ansiedade. (Andrade, 2012, p.38)
No final do primeiro ano de existência eram já quatro os grupos com práticas teatrais com
seniores que se encontraram para um espetáculo no final do ano letivo 2012/13, O Casamento
da Ama e Dora: o grupo ASSORPIM, a Quinta de São Miguel, o AURPID e o ARPIB e muitos
outros participantes colaboram num grande espetáculo com cortejo neste evento, O Casamento
26
da Ama e Dora. O nome “Casamento” propõe unir o Ama e a Dora, a Porcalhota de Cima com
a Porcalhota de Baixo, resultando assim o nome da Amadora. O evento e atividades que foram
desenvolvidas ao longo do ano letivo, tinham como objetivos a valorização dos participantes do
projeto, o território da Amadora a sua história e património, a promoção e interação entre
instituições e contribuir para a interação e participação da comunidade da zona em geral.
O projeto de identidades tem vindo a ser desenvolvido com muitos mais participantes a aderir e
novas iniciativas como o Teatro ao Domicílio. No final do ano letivo 2018/2019 o encontro
anual de todos os participantes foi a realização duma grande festa realizada no Jardim da
Amadora, com o apoio dos Recreios da Amadora, chamada de Festa dos Sonhos onde mais
uma vez todos os grupos de seniores puderam participar e também de crianças, como o caso do
centro de dia de São Brás que faz um trabalho criativo e intergeracional com todos os seus
utentes do centro de dia que neste caso também recebe crianças, orientadas pelo ex-aluno do
mestrado Teatro e Comunidade, o Professor especialista Salmo Faria.
27
Passo a citar um excerto de entrevista com a coordenadora artística do projeto, Professora Rita
Wengorovius, na qual se clarificam as linhas de força do projeto:
RW- Agora estão os cinco grupos o grupo AURPIDE que é numa associação de idosos na
Damaia, depois está o ASSORPIM que está desde o início do projeto, aberto a todos, antes
numa associação mas agora a trabalhar cá na escola com alunos do mestrado, para que haja
interação com outros jovens; a Quinta de São Miguel com o André Fausto, aluno do mestrado,
Casal de São Brás onde está o Salmo, também um ex-aluno deste mestrado, num centro de dia
com pessoas com mais dificuldades e crianças, onde há uma visão intergeracional.
RW- Sim foi, e isto porque a ideia é criar emprego aos alunos e criar uma área de estudo, de
validação, que as pessoas possam digam que o teatro e comunidade tem saídas profissionais e
que quem está a dar isto são pessoas que estudaram especificamente para dar teatro e
comunidade. A ideia é também haver pelo menos dois lugares rotativos para que possam ir
entrando novos alunos do segundo ano do mestrado, para que possam ajudar a pagar as
propinas.
RW- Os facilitadores destes processos são artistas pedagogos. O teatro é o mediador da relação.
O artista pedagogo é o ativador da criatividade dos idosos. Nós chamamos artistas pedagogos
porque são alunos do mestrado que estudaram metodologias e aprenderam muito para saber
como o fazer.
Não trabalham só com seniores neste projeto também há crianças como se viu na passada
Feira dos Sonhos …
RW- Sim, o Salmo já há quatro anos que trabalha também com crianças no centro de dia do
Casal de São Brás e também com seniores, a maior parte com muitas dificuldades cognitivas e
demências várias e ele consegue junta-los o que é muito importante! Ter esta visão
intergeracional e intercultural de cruzamentos e trabalho em rede... e depois também
28
começamos a trabalhar no Teatro ao Domicílio com o ex-aluno de mestrado António Vicente
inicialmente que está connosco desde o início e mais recentemente também a Juliana Trindade.
RW- Sim, eu tenho feito muitas formações com seniores e numa em que estive, da
Misericórdia, percebi que umas das coisas que as pessoas estão muito preocupadas com os
seniores aqui na Amadora é que eles recebem comida, mas não comem porque estão muito
deprimidos, por estarem sós… então pensei no teatro como alimento! Se fosse lá alguém perto
da hora do almoço, se calhar já o convencia a comer e até poder comer com ela. Portanto é um
teatro mais intimista, mesmo de casa, baseado na arte como relação, uma visão que vem muito
do Brasil, da arte relacional e das artes plásticas. Começámos há 3 anos, a Associação de
Amigos da ESTC em parceria com a Santa Casa que por sua vez fizeram um protocolo com a
CMA. Como a escola não tem autonomia financeira é a Associação de Amigos que recebe o
apoio financeiro e paga aos alunos. E continuamos a pedir financiamento pois há muitos
pedidos de para o Teatro ao Domicílio, se tivéssemos mais apoio podíamos ter mais 20…!!
Alunos do segundo ano de Mestrado: Ana Rita Trindade, António Vicente, Hugo Andrade, José
Luís Costa Pedro, Rafael de Moraes, Sylvie Rocha, Salmo Faria, André Fausto, Juliana
Trindade, Mouzinho Arsénio.
Quinta de São Miguel - Alfredo Costa António Silva, Arcealinda Almeida, Balbina Faleiro,
Pilar Souto, Ermelinda Feijó, Feliciana Pereira, Fernando Martinho, Francisco Pereira, Graciete
Santos, Guilhermina Mateus, Ilda Ferreira, Joana Celestino, Joaquim Mourato, José Inácio,
José Ferrão, José Serrão, José Martins, Julieta Santos, Leucádia Pereira, Lúcia Morgado, Luísa
Marques, Manuel Barum, Manuel Gabriel, Manuel Martins, Maria Alice Pinto, Maria Antónia
Costa, Maria Dias , Maria da Graça Alves, Maria de Lurdes Almeida, Maria de Lurdes Santos,
Maria dos Anjos Rijo, Maria Isabel Santos, Maria Isaura, Maria Jacinta Peixe, Mariana Rita
31
Batista, Modéstia Matias, Olga Lopes, Otília Cruz, Otília Mourato, Perpétua Carvalho, Rosa
Fonseca, Vítor Gomes.
Dos alunos de mestrado que estavam no início do projeto muitos já saíram, alguns ainda estão
como o Salmo Faria e o António Vicente e outros são recentes como o André Fausto e a Juliana
Lima. O trabalho em rede tem vindo a crescer com mais pessoas e espaços a serem
contemplados pelo projeto como é o caso do Teatro ao Domicílio, com o apoio e a colaboração
da Santa Casa da Misericórdia da Amadora e do Departamento de Intervenção Social da
Câmara da Amadora. Tem sido dinamizado pelo ex-aluno de Mestrado António Vicente e mais
recentemente pela mestranda Juliana Trindade.
Fig. 4.1 - Juliana Trindade, encontro Feira dos Sonhos, Amadora, 2018
32
3.3 - Teatro ao Domicílio: casa da Sr.ª Urbana
No meu primeiro ano do Mestrado, curiosa como seria vivenciar uma sessão de Teatro ao
Domicílio, propus ao meu colega António Vicente, que está neste projeto desde o seu início,
encontrar-me com ele e acompanhá-lo a uma destas sessões. Encontrei-me com ele no dia 18
dezembro, 2018 e acompanhei-o a mais uma das suas visitas a casa da Sr.ª Urbana, uma anciã
de 91 anos, com muita dificuldade em se deslocar, mas com uma memória e raciocínio
extraordinário. Antes de chegarmos a sua casa o António parou numa pastelaria para comprar
uns bolinhos: “Já faz parte do ritual levar uns bolinhos para fazermos um lanchinho…” diz-me.
A Senhora recebe-nos com grande sorriso, já estava preparada à espera desta visita semanal do
António que muito lhe agrada: “Estava a ver que o António não vinha logo hoje que preciso
tanto de si!”. Conta como teve início esta iniciativa através da Santa Casa e a Dr.ª Sofia Landim
da CMA que veio com o António a sua casa e de como ele a tem animado com muitas boas
ideias, desde fazerem movimentos e meditação, histórias, leituras, recitas, cantorias, até eventos
com teatro e música em que a casa se enche de gente, de vizinhos e amigos. Nesta altura estão a
preparar uma performance em que junta atores do Teatro Imediato do qual o António faz parte
e que pretende celebrar e elogiar a vida da Sr.ª Urbana e dos seus familiares a ser apresentada
na sala da casa: “Quando estava casada nunca tinha pensado em coisas assim, agora com o
convívio com o António é que estou mais desperta e gosto muito!”. Seguidamente o António e
a Sr.ª Urbana ensaiam uma alegre partitura de teatro com partes cantadas que também irá fazer
parte da próxima performance juntamente com a do Teatro Imediato:
- Urbana: Não sei se foi ontem ou se foi anteontem que eu sonhei que ia um Senhor a andar na
rua e eu ia atrás dele e disse-lhe: ó Senhor, não vá por aí que pode ser perigoso, vá por aqui!
- António: Sem rumo, caminho na esperança da liberdade de outrora! Sonhei que era livre e
que bailava lá fora… longe de tudo aquilo que me atormenta, longe daquilo que Hoje Sou!
33
António: Já pensei em desistir… que faço eu aqui?! Este tempo já não é meu, já não me
pertence. Às vezes começamos a ficar aborrecidos da vida. (dirige-se à janela com o intuito de
saltar para o lado de lá). Acabam a cantar à vez: “Não venhas tarde, dizes-me tu à janela, que
eu venho sempre mais tarde porque não sei fugir dela”. Finalizamos a sessão a brindar com um
copinho de vinho do Porto oferecido pela Sr.ª Urbana. Que bonito que foi! Fiquei, atrevo-me a
dizer, “ficámos”, com os cinco sentidos a bater palmas de contentes e a alma cheia.
Muitas das pessoas com as quais nos cruzámos no âmbito do projeto Teatro de Identidades
tiveram de crescer à pressa, o que significa que não tiveram oportunidade de ser crianças, de
brincar. Ainda que houvesse interesse em fazer teatro, raramente se concretizava, uma vez que
era mal visto pelas diversas franjas da sociedade. Com o nascimento deste projeto, em 2012,
vem a oportunidade de se fazer algo que, pelas vicissitudes da vida, não foi possível fazer até
então. É, de certa forma, o jogar, ou voltar a jogar, a brincar. Assim, e com vista a facilitar a
experiência de um teatro que pretende, entre outras coisas, dar voz e tornar visíveis os que
estão à margem da sociedade, deslocámo-nos a três domicílios, onde todas as terças-feiras
ministramos aulas de expressão dramática. As sessões decorrem na cidade da Amadora,
aproximadamente a 13km de Lisboa, e cada sessão tem a duração de 90 minutos (Vicente A.,
“Quando o teatro Playback vai a casa”, p.2)3
3
Este artigo, escrito por António Vicente em português, foi traduzido posteriormente para o espanhol por Carla
Muniz. Publicado em 2018 no livro Teatro playback: historias que nos conectan, editado pela Ediciones Octaedro,
tendo Ana M. Fernández sido a coordenadora.
34
Fig.6 – Casa da Sr.ª Urbana, performance do Teatro Imediato, 2018
35
3.4 – ASSORPIM: cronologia 2012/2019
A história deste grupo tem início em 2012, no espaço do Centro de Dia da Freguesia da Mina
com os utentes e frequentadores deste espaço, pertencente à Associação de Solidariedade
Social para Reformados, Pensionistas e Idosos da Freguesia da Mina, ASSORPIM, em
colaboração com o projeto Teatro de Identidades e em parceria com o Departamento de
Intervenção Social da Câmara Municipal da Amadora e a Associação dos amigos da Escola
Superior de Teatro e Cinema. Como refere a Mónica Monteiro, técnica do serviço social:
Neste espaço já funcionavam várias atividades promovidas e apoiadas pela Câmara da Amadora
“A ASSORPIM conta com 3 Grupos que representam a Instituição em várias entidades no
distrito, o Grupo Musical da ASSORPIM; o Grupo de Teatro Flores de Outono, da ASSORPIM
e o Rancho de Folclórico Alegria do Minho, da ASSORPIM.”
O grupo de teatro, As Flores de Outono, existe desde o ano 2000, nesta altura em 2012 houve
uma restruturação e formação de um novo grupo com novas metodologias e aberto a quem
quisesse fazer parte. Deste novo grupo fazem parte 19 seniores: Álvaro Ruivo, António
Correia, António Vaz, Céu, Dina, Diniz Rodrigues, Flório Gil, Helena Matos, Joana Pezinho,
João Moreira, Luiz Valle, Mariana Gallo, Quitéria Beirão, Rita Viegas, Justina dos Santos,
Leonilde Pina, Celeste Borges, Undina Sousa e João Sousa. Hugo Castro Andrade e Pedro
Augusto foram os facilitadores/artistas pedagogos, alunos do 2º ano do Mestrado Teatro e
Comunidade (ano letivo 2012/2013), a trabalhar com este grupo, com a supervisão de Rita
Wengorovius, responsável artística do projeto Teatro de Identidades e professora do
Laboratório Teatral I e do Laboratório Teatral II do Mestrado em Teatro e Comunidade da
ESTC. Hugo Andrade justifica o que o motivou a trabalhar com este grupo sénior: “…a
constatação da possibilidade de poder realizar um trabalho que pudesse mudar e transformar o
meio no qual o trabalho se desenvolveu, tornando todos os participantes cidadãos mais ativos e,
36
sobretudo mais felizes” (Teatro de Identidades p.38). Foi de extrema importância a
aproximação e o diálogo entre todos num processo de conhecimento, confiança e aceitação:
A participação ativa do idoso numa representação teatral (e no grupo) é algo que tem de ser
construído de raiz pelo Artista Pedagogo despertando o seu interesse pela atividade realizada.
Este método de crescente partilha e integração tem de ser habilmente conduzido, pois este
processo de desenvolvimento afetivo e social deve ser concebido e entendido como maleável de
forma a poder acompanhar as necessidades e especificidades de cada grupo em particular.
(Teatro de Identidades p.42)
O primeiro trabalho 4 , Cartas Bordadas para Mim, apresentado no dia 21/07/2012, foi
construído a partir de memórias. Escreveram cartas sobre algo significativo, ou a para alguém
que fosse importante recordar e que foram posteriormente lidas entre todos e encenadas: “O
teatro passou a ser a arena privilegiada para se refletir sobre questões de identidade de
comunidades específicas (…) e passou a ser porta-voz de assuntos locais… (Augusto Boal).
2012/2013: Cartas Bordadas para Mim apresentada no Auditório João Mota da ESTC.
2013: Casamento Ama e Adora, performance do encontro anual de todos os grupos e Centros
de Dia do Projeto de Identidades.
2016/2017: A Birra dos Mortos Vivos, apresentada na ESTC, Teatro da Trindade, Teatro de
Almada, Forum Luísa Todi em Setúbal e no Festival de Teatro em Évora.
4
Neste e em todos os trabalhos que se seguem houve a participação de alunos do mestrado de Teatro e
Comunidade.
37
2017/2018: O Voo dos Cisnes, apresentada no Palácio Foz.
2018: Feira dos Sonhos, performance do encontro anual de todos os grupos e Centros de Dia do
Projeto de Identidades.
Cartazes:
38
39
Fig.8- Gil, Celeste e Helena, Palácio Foz, 2018 Fig.9 – Justina e Álvaro, Palácio Foz, 2018
40
Fig.11 – Almoço convívio, Teatro de Identidades, Amadora, 2018
41
Fig. 12 - Foto do grupo com os encenadores Rita W. e Salmo F., ESTC, 2017
Fig.13 -Foto do grupo com os encenadores e o ator Nelson P., ESTC, 2019
42
4 - Parte Prática
O meu primeiro contato com este grupo aconteceu numa quarta feira do mês de novembro de
2017. Soube pela nossa professora do Laboratório 1, Rita Wengorovius, acerca da possibilidade
de podermos trabalhar com este grupo sénior que a esta altura tinha ensaios numa sala cedida
pela ESTC, todas as quartas feiras pelas 14h. Decido ir a um ensaio como mera observadora
para saber o que por lá se passava. Assim que abro a porta da sala, apresenta-se-me uma
dinâmica de expressão corporal sincronizada, com vários elementos seniores sentados em
forma de V a imitar o voo das aves com o corpo e os braços, ao som de uma música adequada a
esse movimento, tendo um individuo a fazer de maestro, a orquestrar e a encenar esta
coreografia. Faz-me uns gestos para que me sente atrás, no alinhamento de cadeiras e participe
também. Passei rapidamente a colaborar logo com o grupo, antes mesmo de me apresentar e
conhecer os elementos eu já estava a fazer parte. No fim do ensaio eu já não me sentia estranha,
já tínhamos feito coisas em conjunto, havia uma boa energia e disposição entre todos o que
facilitou muito a nossa comunicação na altura das apresentações. No final eu e outros meus
colegas do mestrado, a Aziza Hecht, a Mafalda Alexandra e o Luís Valente, também presentes,
fomos convidados pelo encenador e orientador Salmo Faria, que teve o cuidado de perguntar
antes a todos os elementos seniores presentes se concordavam com a nossa presença futura, a
participarmos na construção do novo trabalho deste grupo e a vir todas as quartas feiras ao
ensaio. E assim aconteceu de uma forma muito agradável, carinhosa e fluida a nossa integração
neste grupo sénior ASSORPIM, no qual pude colaborar durante todo o ano letivo de
2017/2018, em sessões e ensaios, na construção da peça Voo dos Cisnes, no encontro em rede
do Teatro de Identidades, Feira dos Sonhos e em alegres almoços convívio, como observadora,
atriz e facilitadora.
43
4.2 - Ano letivo 2017/2018, O Voo dos Cisnes
4.2.1 - Intervenientes
Elenco do grupo ASSORPIM, grupo sénior com idades entre os 74 e 91 anos: Álvaro Ruivo,
Flório Gil, Helena Matos, Justina dos Santos, Leonilde Pina, Celeste Borges, Undina Sousa,
João Sousa, António Correia e Laura e Carmo Amaral5.
Participantes: alunos do Mestrado de Teatro e Comunidade: Aziza Hecht (bailarina, atriz e
facilitadora) Mafalda Alexandre (atriz) Luís Valente (ator e bailarino) e Cristina Gallo (atriz e
facilitadora).
Encenador: Salmo Faria
5
A Mariana Gallo estava no início da construção do espetáculo, mas teve que se ausentar por questões de saúde.
44
Dramaturgia e direção Artística: Rita Wengorovius.
Através de um pequeno inquérito6 fiquei a saber que a média de idades dos elementos do grupo
é de 80 anos, o nível de escolaridade é básico, que a maioria dos membros tiveram, e ainda
agora têm, contacto com outras atividades artísticas, por exemplo alguns elementos participam
em grupos corais. A grande maioria é bastante saudável e autossuficiente, sem problemas de
movimentação, à exceção da Sr.ª Undina que teve cancro e não tem estômago nem bexiga, o
seu marido Sr. João, doente com Alzheimer e o Sr. Álvaro que pelo avançado da idade, 92
anos, tem alguns problemas motores e não pode estar muito tempo em pé.
Neste ano de estágio em que trabalhei com este grupo, não só usei o método de observação
participativa como também participei como atriz/facilitadora e orientadora em alguns ensaios e
sessões de Expressão Dramática (no segundo semestre altura em que o Salmo Faria teve que se
ausentar.
6
Em anexo
45
4.2.2 – Apresentação e construção da peça
Desde o meu primeiro contacto e posteriormente ao longo de todas as sessões, pude verificar
ser de extrema importância a forma como o encenador e facilitador Salmo Faria comunica com
o grupo, de uma forma delicada e suave, dando atenção por igual a todas as pessoas, ouvindo e
tendo em consideração o que cada um tem para dizer e ao mesmo tempo conseguindo dirigir e
orquestrar este grupo, onde nem todas as pessoas são fáceis de lidar, com diplomacia e
tolerância, gerindo o processo do tempo/ação de forma atenta ao ritmo, dificuldade e limitação
de cada um. A lembrar o método pedagógico do diálogo de que fala Paulo Freire, permitindo a
empatia e dando oportunidade a todos de se fazerem ouvir e contribuir de forma criativa.
O Voo dos Cisnes é uma peça de construção coletiva: a partir de improvisos foi-se construindo
a história, o guião, o texto, as falas, a marcação de cena, a movimentação a coreografia, a
música e os figurinos.
No início de cada sessão, 7 colocam-se as cadeiras em forma de meia lua, as pessoas vão
chegando conversam um pouco do seu dia a dia todos geralmente satisfeitos de se encontrarem,
depois todos se sentam. O Salmo senta-se também ficando de frente para todos e comunica
sobre o que vai acontecer nessa sessão, fazem-se perguntas, dão-se opiniões, propõe-se temas,
contam-se histórias… Já descansados, faz-se um “aquecimento” ao corpo e à mente utilizando
movimentos com música, utilizados em expressão corporal e dramática, movimentos de
improviso e criativos. Por vezes alguns elementos mais idosos e com mais limitações físicas
como o Sr. Álvaro que tem 91 anos e problemas nas pernas ou o Sr. João com 83 e tem
Alzheimer (observo que este último tem vindo a participar cada vez com mais satisfação) ficam
sentados muitas vezes acompanhando fazendo também os seus movimentos com a música. “Os
nossos corpos são os nossos jardins, as nossas vontades os seus jardineiros.” (Shakespeare,
Othello, Ato 1, cena 3).
À medida que o processo dos ensaios avança vão surgindo movimentos com música e surge a
ideia de se fazer um espetáculo de pássaros: cada elemento passou a ser um pássaro. Os
movimentos passaram a existir de forma ordenada e sincronizada como uma coreografia de
uma dança. Em cada sessão o encenador Salmo Faria ia compondo a coreografia,
acrescentando ou retirando movimentos consoante. Passei a integrar o grupo como atriz assim
como os meus colegas de mestrado. Só depois veio o texto que começou com um poema
improvisado em que a cada ator/pássaro foi proposto inventar o seu poema.
“Outra coisa é fazer a relação entre movimento e ação. O movimento, como na coreografia,
não é ação física, mas cada ação física pode ser colocada em uma forma, em um ritmo, seria
dizer que cada ação física, mesmo a mais simples, pode vir a ser uma estrutura, uma partícula
7
As sessões acontecem todas as quartas-feiras possíveis dentro do período escolar, das 14h ás 16h na ESTC.
46
de interpretação perfeitamente estruturada, organizada, ritmada…no fim, como a estruturação
de reações na vida. (Grotowski,1988)8
Participei neste espetáculo como atriz, fazendo parte do “bando de pássaros” com os seniores
poetas, atuando sempre presentes em palco. A Aziza H. fez de Cisne Bom e dançou sozinha à
frente, o Luís V. entra a certa altura como Cisne Mau e dança com a Aziza uma dança mortífera
e a Mafalda Alexandra surge inesperadamente em cena a ler um dos seus belos poemas.
Este espetáculo foi apresentado na Sala dos Espelhos no Palácio Foz, no dia 23 de março 2018.
Poemas da peça9:
João: “Voar, voar, voar”
Helena: “eu sou um pássaro, mas sou um pássaro voador...quero voar, voar, voar até
encontrar o meu amor”
António: “Eu quero voar, voar, voar desde a serra da estrela, passando por Coimbra,
Amadora e posar no mar”
Undina: “Eu sou um cisne e a voar a voar passei á tua porta e fui cair na tua Horta” (senta-se
ao colo do marido João e dão um beijo)
Cristina: “Sou uma gaivota marreca da Cova do Vapor a voar e a cantar encontrei o meu
amor” (Rape cantado)
Celeste: “Sou um pássaro e venho de santa Apolónia, quero voar, voar, voar e encontrar a
minha colónia”
Álvaro: “Eu sou um passarão, quero voar, voar, voar no meio deste turbilhão”
Gil: “Eu gostava de ser um pássaro. Voar, voar, voar sobre um arvoredo e ir pousar num
penedo”
Luiz: “Eu sou um passarinho, quero voar, voar, até voltar para o meu ninho” (a gozar)
Carmo: “Eu sou um passarão, quero voar, voar, se quiseres podes também entrar”
Laura: “Eu quero voar…ah!! esqueci-me do meu texto!!”
Leonilde: “Quero voar, quero voar, voar e curtir sem nunca desistir”
8
Parte de uma palestra proferida por Grotowski no Festival de Teatro de Santo Arcangelo (Itália), em junho de
1988.
9
Guião da peça em anexo
47
Justina: “Eu quero, eu queria, eu quero…” (toca em todos um a um que se voltam de costas)
48
4.2.3 - Testemunhos dos participantes
Pedi aos meus colegas de mestrado Aziza Hecht, Mafalda Alexandra, Luís Valente e ao
encenador desta peça Salmo Faria se queriam fazer o favor de me dar a opinião de como foi
para eles trabalharem com este grupo.
Aziza Hecht:
Lembro-me que me ajudou muito a melhorar o meu português, estava dentro de um grupo
muito agradável, muito carinhoso, muito aberto. Percebi que o teatro era para eles também um
encontro social. Para mim era uma coisa muito linda, é uma coisa que falta na nossa
sociedade, criar espaços onde todos nós nos encontramos. Eu via uma grande beleza nisso, um
grande poder, o de nos encontramos e estarmos nesta experiência juntos.
O facto de ser uma alemã recém-chegada ao nosso país e não ter ainda muitos contactos
sociais, ser tão bem recebida por parte deste grupo foi muito importante e significativo para a
Aziza. Os jogos e exercícios em conjunto proporcionaram uma integração muito rápida e
agradável num ambiente calmo, acolhedor e aberto onde cada participante podia expressar
livremente a sua criatividade. No primeiro semestre fez de atriz/bailarina no espetáculo O Voo
dos Cisnes e no segundo semestre, aquando da ausência do Salmo, foi também facilitadora em
conjunto comigo passamos a trabalhar com o grupo na adaptação desta peça para ser vista no
encontro promovido pelo Teatro de Identidades e a CMA, A Feira dos Sonhos onde
participaram todos os grupos que fazem parte deste projeto. Para a Aziza foi também um
processo de aprendizagem recíproca e de preparação importante para trabalhos futuros. A
Aziza trabalhou com este grupo até ao final do segundo semestre que coincidiu com o final do
ano letivo e o encontro do Teatro de Identidades A Feira dos Sonhos.
Mafalda Alexandre:
“Têm gosto em fazer as coisas bem, era tudo uma festa e engraçado, não se está à espera que
alguns casais, com muita idade e com graves problemas de saúde, digam que ainda têm relações
sexuais! Eles têm imensas capacidades que não se está à espera, fazem tudo o que se propõem
fazer, fazem das fraquezas forças! E eu participei com eles no Voo dos Cisnes e foi uma peça
espetacular e comovente, é bonito ver aquelas pessoas que parecem fracas e afinal são tão
fortes, com tanta coisa para nos dizer, eu aprendi muita coisa com eles!”.
Considerou esta experiência de trabalho muito bonita e gratificante. A partilha das histórias, o
saber das muitas dificuldades de saúde graves que alguns elementos sofrem e as condições nem
49
por isso muito favoráveis de locomoção e no entanto terem tanta vontade de estar ali que
raramente alguém faltava a um ensaio causaram-lhe uma grande admiração. Também reparou
que ao exercitarem a memória eles iam cada vez ficando melhor. Além disso possuidores de
uma mente aberta surpreendente. A Mafalda participou como atriz/facilitadora nesta peça
durante o primeiro semestre e até á exibição da peça em março de 2018.
Luís Valente:
Na minha experiência profissional, nunca tive interesse em trabalhar com este tipo de grupo.
Era um grupo que necessitava de uma atenção especial; de uma afirmação e motivação para
demonstrar as suas práticas de individuo ativo. Sempre tive receio que estas carências me
afetassem. Sempre tive receio de encontrar idosos carentes de família, de amizade e de solidão.
Após conhecer o grupo, encontrei idosos motivados, energéticos, e cheios de propostas
artísticas. Rendi-me por completo a este grupo. O meu preconceito em relação a esta faixa
etária tornou-se um deslustre para mim. Um aluno de Teatro e Comunidade não pode criar
juízos antecedentes. Conheci um grupo com uma energia especial, um foco coletivo, um
propósito de fazer teatro.
Juntos criámos um espetáculo maravilhoso. A pré-disposição dos elementos foi de uma
devoção enorme. Alem do trabalho de dramaturgia e de ensaios exaustivos, tínhamos um grupo
de contadores de histórias, de abraços, de memorias e de agradecimento. Tivemos o privilégio
de estrear o espetáculo no Palácio da foz. A felicidade destes elementos é algo que jamais
esquecerei. O sentimento de "cumprimento" era bastante visível. Este sentimento é bastante
importante para estes grupos, uma vez que na maior parte das vezes vivem o sentimento de
exclusão pela idade.
Foi bastante apreensivo que o Luís iniciou o contacto com este grupo, com receios, julgamentos
e ideias preconcebidas sobre os idosos em geral, mas que rapidamente se dá conta de como
estava enganado. O Luís participou como ator/facilitador nesta peça durante o primeiro
semestre e até á exibição da peça em março de 2018.
Salmo Faria:
O meu trabalho com o grupo ASSORPIM começou por um convite da Rita. Eu já trabalhava
com grupos do Teatro de Identidades e o meu trabalho tem muito a ver com movimento e
corpo. A ideia foi introduzir no trabalho com este grupo a expressão corporal. Assim no O Voo
dos Cisnes uso fortemente a linguagem corporal como substitua do texto para contrapor o
último espetáculo que este grupo tinha feito A Birra do Morto que era praticamente todo só
50
com texto. Não tive nenhum tipo de rejeição da parte do grupo. Começamos com movimentos e
exercícios com música e a partir destes movimentos e do improviso é que foi criado algum texto
a partir da pergunta do que é voar para cada um. Apesar disso algumas pessoas do grupo, que
nunca se tinham manifestado sobre este novo tipo de construção de espetáculo, no dia da
estreia disseram que não tinham convidado ninguém porque achavam que a peça não era
suficientemente boa, mas como o espetáculo foi exibido no Palácio Foz e havia muito público
de fora, diferente do público mais familiar a que eles estavam mais habituados, que adoraram e
bateram imensas palmas no final, estes elementos, umas Senhoras do grupo, vieram dizer-me
que estavam muito enganadas e agora estavam muito orgulhosas deste espetáculo. Para
concluir, não tive qualquer problema a trabalhar com este grupo e foi muito bom para todos,
terem entrado quatro alunos do mestrado, ajudou muito a construir o espetáculo. Foi a
primeira vez que os idosos e os alunos de mestrado trabalharam juntos. Foi uma experiência
muito enriquecedora onde todos aprendemos uns com os outros.
O Salmo iniciou o seu trabalho de orientador/encenador com este grupo, neste ano letivo
2017/2018, sendo O Voo dos Cisnes o seu primeiro espetáculo, construído em conjunto com o
grupo e os alunos do mestrado.
51
Fig.18 - Undina e Luís, bastidores do O Voo dos Cisnes, Palácio Foz, 2018
52
Fig. 19 - Bastidores O Voo dos Cisnes, Palácio Foz, 2018
53
4.2.4 - Sessões de expressão dramática
Pouco depois de termos apresentado O Voo dos Cisnes, no segundo semestre do mestrado, o
encenador Salmo Faria teve que se ausentar um tempo e fui eu a orientar as sessões das quartas
feiras com o grupo ASSORPIM. Preparei estas três sessões e planifiquei em fichas que se
encontram nos em anexos. Vou exemplificar aqui alguns momentos importantes e dar
exemplos de exercícios e jogos feitos.
Logo na primeira sessão, conversamos sobre o recente espetáculo, como se sentiram e o que
tinham a dizer nesse contexto, uma avaliação do que tinha acontecido neste tempo de ensaios e
construção da peça, durante e após o espetáculo. Foi unânime a satisfação de todos. Até ao final
do espetáculo sentiam algumas dúvidas quanto ao seu valor, consideravam que uma peça sem
texto definido à priori, construída a partir de situações propostas, com movimentos e palavras
improvisadas, não lhes dava muita confiança, não estavam habituados a construir um
espetáculo assim. Ficaram muito surpreendidos com os aplausos do público e a quantidade de
pessoas que estavam a assistir (a sala estava cheia) que lhes vieram dar os parabéns pelo
espetáculo lindíssimo. Ficámos muito contentes e satisfeitos.
Usei música e técnicas de expressão dramática no início de todas as sessões, através dum treino
de aquecimento para ginasticar o corpo, com alongamentos e movimentos de rotação, numa
espécie de dança (eles gostam todos muito de música e dança) e libertando a mente de
preocupações do dia a dia, dando espaço livre ao improviso criativo.
Respiração e voz:
Movimentos sincronizados com a respiração, contração/inspiração e relaxamento/expiração
onde a certa altura a expiração vem acompanhada de som e voz. Peço para repararem no tipo
diferente de som, mais grave ou mais agudo, quais os músculos que são contraídos e onde se
localizam consoante essa colocação de voz, na parte abdominal, no peito, na garganta ou na
cabeça.
Numa outra sessão falamos dos sonhos de cada um como preparação para o encontro do final
do ano sobe o tema Feira dos Sonhos. Eis aqui algumas respostas:
Salmo - morar em Portugal
Undina - sonho de viajar e conhecer o planeta terra, depois casar e ter 2 filhos.
João - ter um harém de meninas bonitas
Leonilde - ser livre e voar levando os seus irmãos com ela
Justina - ter a sua casa, viver sozinha e independente
Álvaro - ser bombeiro e trabalhar com aviões
Celeste - ser enfermeira
António - alcançar uma boa posição económica, vingar na vida.
Foi muito especial e bonita a forma como esta partilha aconteceu, com uma abertura e
revelação de sentimentos só possível num grupo com muita confiança e maturidade entre todos
os elementos que dele fazem parte.
Alguns exercícios e jogos foram construídos a partir das metodologias de Jerzy Grotowski,
Constantin Stanislavski e Viola Spolin, outros recolhidos em sessões de teatro Play-back com o
Teatro Imediato e ainda outros que passei a improvisar e adaptar consoante, deixando também
espaço para que eles possam improvisar e criar a partir de uma situação proposta.
Foi muito gratificante constatar tanto o interesse como a confiança demonstrada pelo grupo
assim como é admirável a sua capacidade e flexibilidade mental em aceitar com tanta
criatividade e desenvoltura novas situações e desafios propostos.
55
4.3 - Ano letivo 2018/2019,
56
4.3.1 - Intervenientes
Ao longo deste ano letivo acompanhei os trabalhos deste grupo de seniores, participando e
dando apoio sempre que possível. Desta vez não trabalhei como atriz/participante, mas mais
como observadora.
Elenco ASSORPIM: Álvaro Ruivo, António Correia, António Vaz, Carmo Amaral, Celeste
Borges, Flório Gil, Helena Gil, João Moreira, João Sousa, Justina Santos, Leonilde Pina, Mª
dos Anjos Ribeiro, Teresa Freitas e Undina Sousa.
Atores participantes: alunos do mestrado, Laboratório 1: André Fausto, Carlos Vaz, Cátia
Gonçalves, Duarte Amaral e Raquel Silva.
Alunos da escola Amadora/Inova, projeto 12/15: Ariana Santos, Dário Lopes, Edmaira Pereira,
Emília Lopes, Nádia Veiga, Nuno Cruz e Rodolfo Silva10
Espetáculos:
10
Estes jovens com idades compreendidas entre os 12 e 15 anos, trabalharam como atores juntamente com os
seniores apenas no espetáculo de 21 maio, em Carnide.
57
4.3.2 – Construção da peça: 3 momentos
Esta peça Ensaio sobre a Cegueira foi construída, reconstruída e adaptada em três
momentos/processos. Inicialmente com os elementos do grupo sénior e os alunos do mestrado,
concluiu-se a peça que foi apresentada no auditório João Mota da ESTC, sendo os alunos do
mestrado avaliados pela disciplina de Laboratório 1. Esta peça passa a servir de base para os
espetáculos seguintes. Há um segundo momento em que a peça passa a integrar o invisual
Nelson Portinha de 44 anos e um terceiro momento em que são convidados a participar sete
jovens da escola Amadora/Inova com idades entre os 12 e os 15 anos.
Momento 1:
As sessões de teatro com o grupo ASSORPIM tiveram início, na ESTC, um pouco mais tarde,
em meados de novembro. Neste ano os alunos que iniciaram o mestrado na especialidade de
Teatro e Comunidade eram em número reduzido comparativamente ao ano anterior de forma
que a professora do Laboratório 1, Rita W., propôs a todos os alunos que trabalhassem em
conjunto com o grupo sénior, o que teve muito boas contrapartidas para todos e para o
espetáculo final.
As sessões foram de duas horas uma vez por semana como habitualmente e durante o ano
letivo. Estiveram presentes desde logo alunos de mestrado e de licenciatura, a saber: André
Fausto, Carlos Vaz, Cátia Gonçalves, Duarte Amaral, Raquel Silva e Zezé Lisboa. A professora
Rita esteve sempre presente como orientadora e encenadora juntamente com o Salmo Faria.
O grupo de seniores mostrou-se muito recetivo e acolhedor facilitando o diálogo e o
conhecimento com os novos alunos de mestrado e proporcionaram um ambiente harmonioso e
relaxante, propício ao bom trabalho coletivo e criativo. Ao grupo de seniores que eu conheci e
trabalhei no ano anterior, e que estavam lá todos outra vez, juntaram-se elementos que eu não
conhecia como a enfermeira Teresa ou a professora de música Maria dos Anjos que vieram
acrescentar mais riqueza ao grupo com a sua criatividade musical. A certa altura havia três
violas, muita música e cantares, o André Fausto também é músico profissional, a Cátia canta
lindamente o Fado e surpresa, a Srª Undina também sabe tocar viola o que justifica esta peça ter
muitos momentos com dança, música e canto.
Esta peça foi sendo construída a partir de improvisos sobre temas propostos nos exercícios e
jogos. Um tema foi determinante o tema dos cinco sentidos, onde o sentido da visão deu o
caminho para que se chegasse ao livro Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago e que deu o
nome a esta peça.
58
“Ainda sem saber o que íamos fazer começamos a trabalhar os cinco sentidos, e fomos
apurando, até chegarmos à visão. Então uma pessoa do grupo que conhece a viúva do escritor
José Saramago, Pilar del Río, pediu-lhe autorização para usarmos textos de partes do livro do
Ensaio da Cegueira sem pagar direitos de autor. Ela não só acedeu como ficou muito satisfeita
pois considera que a obra de José Saramago mais que tudo é para ser divulgada e não para ser
confinada por quantias monetárias. Então chegamos à conclusão que iríamos fazer um
trabalho com o Ensaio sobre a Cegueira. Foi um trabalho muito corporal onde os seniores já
aceitaram facilmente esta linguagem teatral resultado dum processo de aprendizagem após
terem feito O Voo dos Cisnes
(Salmo Faria, 2019)
Fig. 21 – ensaio para a construção da peça Ensaio sobre a Cegueira, ESTC, 2018
Momento 2:
Nelson Portinha, ator invisual de 44 anos, é convidado pela Rita W. a integrar a peça passando
o ator a fazer o papel de cego verdadeiro neste Ensaio sobre a Cegueira. Foi muito bem
acolhido pelo grupo e fizeram-se novas adaptações à peça original enriquecendo-a, aumentando
e autenticando a mensagem. O Nelson passou a integrar o elenco desta peça no segundo
espetáculo de 14 abril 2019, na Academia Almadense e nos espetáculos seguintes.
59
“Estava no Palácio Foz para ir ver uma peça e estavam lá o Mouzinho Arsénio e a Rita
Wengorovius a apresentarem um projeto de teatro comunitário e a convidar quem quisesse
participar. Eu fui falar com eles e a Rita disse logo que calhava bem pois estavam a trabalhar
uma peça sobre a cegueira e eu poderei vir a integrar o elenco. Eu aceitei e passei a ir à ESTC
aos ensaios do grupo. Foi uma experiência nova para mim, muito agradável, as pessoas estão
ali com muito gosto, podiam estar sossegadas em sua casa, mas preferem ali estar quase todas
com mais de 80 anos. Achei surpreendente como eles se integram num espetáculo diferente do
tradicional e habitual como o teatro de revista como as pessoas daquela idade gostam mais de
ver…conseguirem conjugar-se com os alunos do mestrado com outro ponto de vista, mais
técnico…achei admirável ambas as partes tanto da parte dos alunos como dos seniores e não
são passivos, muitos deles têm uma atitude muito crítica, e isso é bom, não são paus mandados,
dão muitas sugestões e ás vezes também ralham (risos). Como integrei a peça subitamente
senti-me muito bem acolhido, até mais que a trabalhar com gente mais nova normalmente mais
conflituosa. Aquela parte adaptada para mim da “ilha” fez-me todo o sentido. E ver pessoas
com a Sr.ª Undina que fica tão contente, dá-lhe anos de vida!” (Nelson Portinha, outubro 2019)
Fig. 22 – Ensaio ESTC, Sr. João, 2019 Fig. 23 – Ensaio ESTC, Nelson P, 2019
60
Momento 3:
Caracteriza-se pela integração no elenco existente, de mais sete elementos, jovens alunos da
escola Amadora/Inova, projeto 12/1511. Ariana Santos, Dário Lopes, Edmaira Pereira, Emília
Lopes, Nádia Veiga, Nuno Cruz e Rodolfo Silva com idades compreendidas entre os 12 e os 15
anos, na sua maioria africanos, todos com problemas de integração social e comportamental
que os dificulta na progressão dos estudos, daí este projeto como oportunidade última em
finalizarem os estudos do ensino obrigatório em Portugal. São alunos de teatro da minha colega
de mestrado Daphne Rego que os levou a assistir á estreia da peça Ensaio sobre a Cegueira, no
auditório João Mota. Gostaram muito do que viram o que os motivou a quererem participar na
peça juntamente com os seniores. A primeira vez que se juntaram foi usada a música como
linguagem transversal a todos, violas, tambores e cantarias em roda, jogos de dança e
movimento em que todos participaram com alegria e entusiasmo. A integração inicial estava
feita. Nos ensaios posteriores a encenadora Rita W. propôs várias adaptações havendo alturas
em que os jovens entravam como “sombra” do sénior para reforçar a mensagem no contexto
representativo, outros em que houve uma troca de papéis entre o jovem e o sénior passando o
sénior a ser o filho ou neto e o jovem o avô ou filho. Nem sempre foi fácil este processo, os
jovens têm uma energia bastante diferente dos seniores e ainda pouca experiência no que toca a
linguagens teatrais, havendo uma limitação temporal bastante condicionante na urgência de
colaborarem no espetáculo marcado para maio na Casa do Coreto, em Carnide.
11
https://www.amadorainova.pt/peca-de-teatro-projeto-12-15-ensaio-sobre-a-cegueira/
61
4.3.3 - Testemunhos
Algumas opiniões e testemunhos que recolhi junto dos alunos de mestrado e participantes na
construção desta peça: Daphne Rego, André Fausto, Cátia Gonçalves e Duarte Amaral, e ainda
uma reportagem de Wellington Oliveira 12 sobre o espetáculo Ensaio sobre a Cegueira,
apresentado na Academia Almadense, em abril 2019.
12
Wellington Oliveira, Arte-educador, professor de teatro e encenador, Doutorando em Educação Artística na
Universidade do Porto, Mestre em Artes pela Universidade de Brasília - Brasil.
13
Foi a segunda vez que a mestranda e docente Daphne Rego trouxe alunos desta escola para trabalhar na ESTC.
Veio no ano anterior com alunos desta escola, integrar a peça feita no laboratório 1 com os alunos do mestrado de
Teatro e Comunidade Não Não Eu, apresentada no final do ano letivo 2017/2018, que se passou a chamar Ya Ya
Nós
62
“Esta frase de Saramago reflete muito do que foi a minha experiência pessoal no contexto de
criação da peça Ensaio sobre a Cegueira. Esta encenação coletiva com o grupo de teatro sénior
da ESTC inserido no projeto Identidades foi ao mesmo tempo a entrada no mestrado de teatro
e comunidade e de repente no meio do caos surgiam jogos, ideias, sons, ilhas, fragmentos que
se foram juntando numa dramaturgia baseada muito no corpo do idoso, na sua dilatação. Um
grupo maravilhoso que começava no sorriso infinito da Undina e acaba na tranquilidade dos
92 anos do Álvaro. Para que haja encontro intergeracional é preciso valorizarmo-nos a todos e
principalmente fazermos coisas em conjunto - sairmos da nossa ilha. Uma maravilhosa
oportunidade para aprender e refletir sobre ação comunitária, pedagogia, encenação e mesmo
como ator. Em algumas apresentações foi incluído um ator invisual e noutra um grupo de
jovens em risco de exclusão social e em todas acabámos num grande círculo para celebrarmos
em conjunto as artes e a comunidade. Pela sensação concreta de estarmos juntos, em
partilhando uns com os outros pela presença, pelo afeto, pela dança, pelo canto.” (André
Fausto, 2019)
“Foi uma experiência muito enriquecedora. Percebes que tens muito mais aprender com eles
do que eles contigo. O que mais gostei foi a partilha de histórias sobre as suas vidas, perceber
como pensam e a sua coragem e não terem medo do ridículo e gostarem tanto de fazer teatro”
(Cátia Gonçalves, 2019)
63
Fig. 26 – Ensaio ESTC, Sr. João e Duarte Amaral, 2018
64
Fig. 27 – Espetáculo Ensaio sobre a Cegueira, Carnide, 2019
65
com estes públicos, geralmente um teatro de limitações, ocorreu pela construção de um
teatro de potencialidades.
Diálogo com os corpos
O maior feito deste espetáculo foi o olhar para cada um dos participantes, conseguindo
superar o mero conteúdo e criar uma forma própria, através de cada uma das
potencialidades daqueles corpos. A presença dos estudantes do Mestrado de Teatro em
Comunidades foi essencial na cena, estabelecendo um contato de parceria com os
idosos, sem incorrer no erro de se tornarem os protagonistas da ação cênica. Todo o
roteiro e movimentação das cenas foram construídos em diálogo com os corpos, cuja
coletividade se constituía por gestos, movimentos e ações conseguidas por todos. Para
quem não decorava textos, a dramaturgia se compôs a partir de frases ditas pelos
estudantes e repetidas pelos idosos, de forma que isto de fato fosse cena e fizesse
sentido para além de um texto repetido só para estar na boca dos participantes.
A cegueira dos sentidos
A comicidade presente no espetáculo, muito bem explorada e apropriada por todos,
brincava com as limitações e doenças típicas da velhice, tornando o espetáculo também
um gesto de reconhecimento das identidades de todos e de um olhar para o
envelhecimento como mais um processo da vida – fase pela qual todos vamos passar.
Para além dos idosos, a cena recebeu um participante cego, agregando uma dimensão
muito mais profunda ao trabalho e um olhar diferenciado para o título de Ensaio sobre
a Cegueira, deslocando o sentido de uma cegueira visual para algo muito mais amplo:
temos olhos, mas muitas vezes não enxergamos. Temos ouvidos, mas muitas vezes não
somos capazes de ouvir. Temos tato, mas muitas vezes não sentimos o que tocamos. A
cegueira dos sentidos, das nossas sensibilidades, da negação dos nossos processos de
vida, entre outras coisas, era a Cegueira que este coletivo estava tratando na cena.
Uma cena de potências, capaz de agregar todas aquelas humanidades e presenças,
compreendendo a igualdade de cada um dentro da diferença. E esse é um dos maiores
desafios dos nossos tempos, poder falar de igualdade nas diferenças. Ter espaços
capazes de agregar todas as identidades e pluralidades.
Agradeço a todos os envolvidos neste projeto pela experiência, pela receção tão
afetuosa e pela oportunidade de ver que é possível pensar um teatro em que caiba toda
a gente.” 14
14
Wellington Oliveira (2019), Sobre um teatro de potencialidade, Praça das Redes,
http://pracadasredes.caixademitos.com/2019/04/29/sobre-um-teatro-de-potencialidades/, Acedido em setembro,
2019
66
Fig. 28 - Álvaro Ruivo15, dia de aniversário, 91 anos, ESTC, 2019
15
Álvaro Ruivo é um elemento que está desde o início da formação do grupo, 2012, e é o elemento mais idóneo.
67
Fig. 29 - O casal Undina16 e João Sousa, Ensaio Sobre a Cegueira, Carnide, 2019
16
A Senhora Undina, 75 anos, teve cancro e não tem estomago nem bexiga. É das pessoas mais entusiastas e
criativas do grupo. Cuida do marido o Sr. João que tem 89 anos e é doente de Alzheimer. Inicialmente assistia ao
ensaio, sentado e alheado. Passou a participar com o grupo e a sua recuperação cognitiva é surpreendente.
68
5 – Conclusão
69
Verifiquei e constatei a existência destes conceitos, o envelhecimento saudável e o
envelhecimento criativo, durante os meus dois anos de estágio com o grupo sénior ASSORPIM.
Um grupo com uma média de idades de oitenta anos, aberto a participantes de todas as idades,
onde acontece um teatro intergeracional.
A evolução deste grupo pode ser vista e constatada pelo seu último trabalho, Ensaio sobre a
Cegueira, um espetáculo com um nível de exigência muito maior que o do ano passado, em
termos da coreografia, movimentação e trabalho de ator. Há um processo contínuo de aquisição
de conhecimentos, valores e novas abordagens teatrais e uma capacidade de se deixarem
entusiasmar e surpreender com a vida, com os outros e consigo próprios.
70
6 – Bibliografia
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FREIRE, Paulo, Pedagogia do Oprimido, Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1977
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GROTOWSKI, Jerzy, Para um teatro pobre, tradução de Rosa Macedo e Osório Mateus,
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SPOLIN, Viola, O jogo teatral no livro do diretor, São Paulo, Perspetiva, 1999
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7 – Webgrafia
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