Colonizacao Portuguesa Do Brasil v3 PDF
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a fiel reprodução de manuscritos,Pendiosíssima se etornava
mapas, pinturas necessário
gravuras antigas
retend.a-se que esta edição monumental fôsse simultaneamente uma obra de sciência e uma obra de arte, e êste empenho se
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Hístico. o insigne mestre aguarelista sr. Roque Qameiro, que nela tem
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que no Tt r P e ""strador notabilíssimo, encarecida por tantos críticos eminentes
an2eir0 tem 1)05,0 ern merecido destaí ue 0
do Brasil í esplendor artístico da História da Colonização Portuguesa
Quando à Litografia Nacional foi proposta a execução nas suas oficinas desta edição monumental uma tam
alta prova de confiança deixou-nos receiosos e hesitantes, por medirmos a enormidade da tarefa que se pedia a uma oficina
uguesa. cabamos por reconhecer que não podíamos negar o nosso concurso a obra de tam altos intuitos e abalançámo nos
a aceitar o honroso e espinhoso encargo. diançamo-nos
Para dêle nos desempenharmos em condições que dignificassem as artes gráficas nacionais tivemos de nos nre
parar com a aquisição de aperfeiçoados e dispendiosos maquinismos, ampliando as nossas oficinas tipográficas. O que significa
e rabalho a confecção dos dois volumes publicados só pode representar-se pelos números colhidos no decurso das operações
e que permitem abranger a magnitude dêste gigantesco empreendimento editorial.
O texto do Volume 1, incluindo as cotas a vermelho, exigiu 4.740.000 impressões e consumiu 1.680 000 fôlhas de
pape,, pasaado 70000 ,„„os. As capas dos ,2 fascicufos d. ™esm. Vo,„„e represeafa.n «s.boo tapressôTal 5, ^
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. . bastam para exemplificar as características mais impressionantes dêste formidável empreendimento
inspirado no patriotismo e para lhe assegurar a primasia indispensável na história da bibliografia portuguesa ' endlment0'
DA
DIRECÇÃO ARTÍSTICA
de
ROQUE GAMEIRO
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LITOGRAFIA NACIONAL
PORTO A
MCMXXIV
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BIBLIOTfCA O F OERAL
Este vou-^ <: [■> -sj ie]i5tratio
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do ano de. 131Á
SEGUNDA PARTE
A COLONIZAÇÃO
VOLUME III
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INTRODUÇÃO
REI Uenturoso, que trouxera à Europa as premícias orientais e levara à Roma Colonial
r- dos papas o cortejo em que ressuscitavam os esplendores da Roma dos português
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Césares, expirara no paço de Lisboa a 13 de dezembro de 1521.
O que hoje poderíamos chamar a política colonial portuguesa come-
çava a apresentar os sintomas precursores da enfermidade que desagregaria
c? o nascente império asiático, criado pelo gênio de Albuquerque, e que tanto
concorrem para explicar a deslocação ulterior do eixo de projecção coloni-
zadora para a América austral.
m A índia apresentara-se à política econômica, utilitária e sensualista,
que caracterisa a Renascença, sob o aspecto fascinador de um vasto e lucra-
tivo empreendimento mercantil. Dêste Portugal do século XVI pode dizer-se
com maior razão que de Veneza, que é «a mais formidável lição de energia activa e de utilisação
pratica que se nos depara na Historia-». Como a república veneziana, Portugal funda as suas gran-
dezas, não sôbre um poder territorial, mas numa prosperidade econômica. Até ao descobrimento do
caminho marítimo da índia, Veneza tinha sido a soberana do Adriático e do Mediterrâneo, como Lisboa
foi, no século de quinhentos, a rainha opulenta do Atlântico e do Índico. Ambas deram ao mundo
o exemplo memorável dos processos por que se rege e explora um grande império colonial, se bem
que não possa estabelecer-se paralelo entre os domínios venezianos, sábiamente circunscritos às
colônias e feitorias dos mares interiores europeus, da Dalmácia aos Dardanelos, de Coríú a Chipre,
e o desmesurado domínio português, mantido a ferro e fogo, e que se dilatava imprudentemente pelo
oriente até às longínquas paragens do mar Roxo e do gôlfo Pérsico, da índia anterior e das Molucas,
abrangendo o continente africano e as numerosas ilhas adjacentes, e ao ocidente se ampliava no hemis-
fério austral desde o eqüador ao estuário do Prata, com as pescarias da Terra Nova dos Côrte-Reais
no extrêmo setentrional do Novo Mundo.
I
Introdução
Êste desconforme campo de actividade exigia um tráfego marítimo intenso, servido por vultuosa
tonelagem, sustentado por copiosos recursos e inexpugnável supremacia naval O). Após o regresso
triunfal de Vasco da Gama, a almejada e longínqua índia foi considerada o maior negócio da terra
e D. Manuel imaginou-se um novo Salomão. Quási logo depois que as frágeis naves portuguesas a
encontraram, os armadores italianos e alemães obtiveram que as esquadras de Portugal comboiassem os
seus navios aos portos do Malabar (2). Não tardaria, porém, que a lucrativa emprêsa comercial,
delineada nas instruções dadas a Pedro Álvares (3), degenerasse,—com a explosão das cóleras vingativas
de Vasco da Gama, que em 1502 se precipita para Calecut no anelo formidável da revindicta, sôfrego de
desforrar-se dos ultrajes de 1498,—numa guerra permanente, como nenhum outro povo jamais sustentara
sem periclitar,^ e em que a nação desbaratava grandíssima parte das suas forças exíguas.
A índia dos esplendores inesperadamente aparecia transformada em sumidouro de cabedais
e de vidas. Aquele Portugal sem colônias, que o Justiceiro legara ao filho com as torres do tesouro
abarrotadas de ouro, era no reinado de D. João 111 um império endividado, ao qual os banqueiros
flamengos cobravam juros de vinte e cinco por cento. Para conservar o comércio das especiarias, com
cujos lucros se pagavam à Inglaterra, à Itália e à Flandres as manufacturas e o alimento, Portugal
via-se forçado a lançar na voragem asiática os seus maiores homens, guerreiros e estadistas, e a porção
mais varonil da sua gente. O destino impusera-lhe uma campanha esgotadora e sem tréguas onde
procurara uma fonte íorrencial de lucro e prosperidade. As especiarias começaram chegando a Lisboa
com o travor do sangue. Cada carregamento de pimenta e canela custava uma batalha. As expedições
comerciais haviam degenerado em expedições bélicas. A guerra assumira, um carácter crônico. Os heróis
romanos ressuscitavam onde só triunfariam os negociantes fenícios. Os mare clausum do Oriente tinham
que ser abertos à ponta da espada. Como sempre sucedera, rompia o conflito fatal entre o asiático
subtil e o europeu belicoso. A arena sangrenta ameaçava ainda converter-se em escola de corrupção.
De mistura com a cupidez, a voluptuosidade asiática actuava sobre o carácter dos argonautas frementes
de riquezas. Os povos já não tinham a consistência rude e mística da semi-bárbara Idade-Média. Por
tôda a Europa, desde a Inglaterra, onde reinava o luxurioso e sanguinário Henrique VIII, até à Itália,
requintada e dissoluta, a Renascença reacordara nos povos os apetites do paganismo. Um rei austero
e piedoso, de estilo espanhol, como D. João III, era quási um anacronismo.
Não pode atribuír-se apenas ao contágio asiático a transfiguração que se operava nos portu-
gueses do século XVI, nem tam pouco imaginar-se que as virtudes da raça se haviam depauperado até
ao esgotamento. A fundação do império luso-indiano e sua conservação puseram à prova a resistência
enérgica da valentia lusitana. Neste período de quási incessantes guerras, a história assinala algumas
das mais heróicas acções guerreiras da belicosa gente portuguesa, que, na frase bela do poeta, «■ganhou
com as armas de Aquiles o império de Alexandre». A índia, certamente, contribuiu para amortecer os
escrúpulos dos cavaleiros, cujas espadas, brandidas na África pela honra da cavalaria e acrescentamento
da Fé, iam à Ásia, como os exércitos das nações coloniais do nosso tempo, defender as feitorias e
garantir as transacções do comércio. Debalde, o vice-rei D. Francisco de Almeida aconselhara o monarca
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somando ye'a'|
. 737 velas e no IV v0 do
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Esta Panorama,a pág.
a pág.288171,
com a relação das armadas
uma estatística que, desdecom
das expedições 1496que,
a 1600,
desdeforam
1495 àa índia,
1521,
Portugal se apresentou nos mares, em batalhas, descobrimentos, missões diplomáticas, reconhecimento e defesa do litoral do
Brasil e de Afnca,_ no total de 1093 navios, incluindo os 272 que viajaram para a índia durante o reinado de D. Manuel.
Estes algarismos dao a medida do poder marítiimo português no século XVI, quando Portugal ocupou a posição y
a que a
Inglaterra se elevou nos tempos modernos.
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sentam 100 ?l497750.000
„ 'milhões a 1612
armou oComputando
cruzados. governo portuguez
o cruzadopara a índia
a 2.057 806 náus,
rs. (Aragão, que ágeral
Descr. razão de 125.000
e hist. II, 237)cruzados,
de hoje, repre-
temos
um custo dos navios, sem cargas (pois estas podiam valer eutre 50 e 200.000 cruzados) que atinge a somma de entre 207 e
208 nul contos de reis, o que importa um orçamento annual de cerca de 2.000 contos de reis só para construções*. Oliveira
Martins, Portugal nos Mares, a pág. 130 e 13L Feita a relação entre o valor da moeda de então e a de hoje, e aduzida a
proporcionalidade entre os recursos das nações do século XVI e as da actualidade, o orçamento naval português era mais
oneroso que o orçamento naval britânico de nossos dias
a a por
comandada ^ Joãonodaarmamento
Nova, que dasaiu2.adoesquadra
Tejo em da índiade se1501,
Março havia interessado
igualmente a casa comercial
se encorporara dos Marchiones.
um navio armado por Na 3.a
Barto-
lomeu Marchione. A coroa consentia aos particulares e até aos estrangeiros entrarem com os seus navios nas expedições ao
Oriente, tom a armada de D. Francisco de Almeida inaugura-se o comércio marítimo das cidades da Alemanha com a índia.
Desde 1503 que a casa Welser enviara a Lisboa Simâo Seitz, que assinou com o rei um contracto para o estabelecimento
de uma sociedade mercantil alemã, à qual foram dadas concessões para a compra de especiarias e pau brasil, servindo-se
de navios construídos em Portugal e tripulados por portugueses. A casa Welser enviou à índia, com a expedição |do l.o vice-
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b.
S a en eS
Rafael,/ ^o 5. T ,ai?s Mayr,
c jerontmo Lucas RemVeja-se
e o Leonarda. e Baltasar Sprenger.
Kunstmann, Os navios
Viagem armados alemães
dos primeiros pelos comerciantes de Augsburgo
á índia portuguesa. Municheram o
1861-
e bophus Ruge, Historia da época dos descobrimentos, tradução portuguesa de Manuel d'Oliveira Ramos, a pág. 147.
í3) Instruções (fragrhento) a Pedro Álvares Cabral, quando foi por capitâo-mór à índia. Maço de Leis sem data
n.o 21, no Arquivo da Torre do Tombo. Publicadas a pág. 97 e seg. de Alguns Documentos.
II
/
Introdução
a substituir por maiores soldos e recompensas aos soldados a licença corruptora de mercadejarem
na índia. D. Manuel, monarca da Renascença, tinha menos escrúpulos que o antigo cavaleiro de
D. Afonso V 0). O lucro parecia-lhe incentivo legítimo ao heroísmo.
Desafiar os perigos da longa viagem tormentosa; abandonar pátria e família; navegar durante
meses num esquiíe oscilante sobre os abismos aqüáticos, entre as lufadas da ventania e o arfar das
vagas; desembarcar com a espada em punho; afrontar o naufrágio, a peste, o escorbuto, os azares das
batalhas e dos assaltos: essa cadeia pesada de sacrifícios exigia compensações inebriantes. A Ásia
vencia os - heróis desmoralisando-os; despia-lhes as armaduras de Sansão nos coxins das Dalilas
indianas. Dessa tragédia oriental, de que se evola um relento de luxúria, pressentido desde a relação
chamada do «piloto anônimo», alguns mas, Almeidas, Pachecos e Castros,
historiadores detiveram-se a descrever conservaram a íntegra dignidade da
os aspectos scénicos, visionando-a à grei, e os seus épicos espectros, nim-
m
maneira de Rochegrosse quando pintou ';,c. bados de glória, vestem, para tôda a
*9*
a festa orgíaca de Baltasar—pois na- posteridade, sobre as armaduras bru-
quele íestim da índia, onde os convivas nidas, as túnicas brancas da honra, em-
se sentavam ainda ensangüentados das 0 bora salpicadas de sangue. Êsses super-
pelejas, com os el- homens conduzem-
mos de combate se e falam como
e os peitorais de heróis de Tito Lí-
aço, já a mão invi- vio. A altivez com
sível do destino es- que Albuquerque,
culpia também a apontando os pe-
sentença bíblica, louros, falcões, ar-
cumpridapelo exér- cabuses e as es-
cito de Dario. To- padas, diz ao em-
davia, dos grandes baixador do schá
heróis, dignos da da Pérsia: «Esta
galeria de Plutarco, é a moeda com que
nenhum caiu como el-rei de Portugal
Marco Antônio no manda aos seus
visco libidinoso de capitães que pa-
uma Cleópatra hin- guem as pareas!»;
du. As monumen- AFONSO DEALBUQUERQUE a ênfase grandiosa
Segundo o retrato da Asia, de Faria e Sousa com que Vasco da
tais figuras de pri-
meiro plano, os Ga- Gama, por ocasião
do maremoto, aplaca o terror da marinhagem, bradando-lhe: «A^ão hajais medo; tremem de nós os mares!»;
a confiança solene com que D. João de Castro manda um punhado da barba aos habitantes de Gôa, como
penhor do empréstimo que lhes pedia para reedificar a fortaleza de Diu; a homérica, assustadora cólera
com que D. Francisco de Almeida vinga implacávelmente a morte do filho, só desabafando as represadas
lágrimas depois da vitória, servem para medir a estatura dos gigantes daquela Ilíada, todos trágicamenfe
mortos no palco das suas façanhas: D. Francisco de Almeida, de volta ao reino, com o coração
trespassado por uma flecha; o terrível Albuquerque, ao regressar de Ormuz a Gôa na náu Flor de la rosa,
depois de haver escrito ao rei a carta patética de despedida; Vasco da Gama, em Cochim, quando
contava pouco mais de três meses de governo, como se a Providência o tivesse levado pela terceira vez
à índia para que fôsse seu sepulcro a mesma terra da sua glória; D. João de Castro, finalmente,
expirando poucos dias após ter recebido a nomeação de vice-rei, prêmio das suas virtudes e façanhas.
Mas de pouco valera gastar tam grandes homens em tamanhas emprêsas. Desde que a riqueza
indiana tinha de ser transportada aos ombros dos mortos, Portugal ver-se-hia constrangido a procurar
noutro rumo a prosperidade material que as suas esquadras, havia mais de um século, procuravam
afanosamente nos oceanos, por entre as procelas sibilantes. A essa decepção, que se iria avolumando
até inspirar os belos e fatais projectos de D. Sebastião, há a somar a impossibilidade que a índia
oferecia aos conquistadores de nela aplicarem as capacidades criadoras. A civilização asiática não se
deixava suplantar pela civilização ocidental.
.. (0 D. Francisco de Almeida acompanhou a França D. Afonso V, como seu pagem, quando o rei cavaleiro foi
solicitar a ajuda de Luís XI para as suas pretensões ao trono de Espanha.
2 III
Introdução
A índia debilitara a austera metrópole como já o Oriente carcomera o rijo cerne do império
romano: a mais forte nação do mundo, desaparecida com as suas virtudes e pisada debaixo dos pés
dos bárbaros. Do mesmo modo o cxpansionismo de Alexandre, dispersando a civilização grega,
conduzira a Grécia à servidão, depois de lhe atenuar a personalidade, substituíndo-a por um
acomodatício cosmopolismo.
Sem população que bastasse para alimentar uma política extenuadora de conquista. Portugal
teria de procurar no robustecimento do nacionalismo originário a missão que melhor se conciliasse com
as suas capacidades cons- império que tinha por au-
trutivas e os seus inte- roras o cerco de Cartagena
resses econômicos. e a victoria deslumbrante
Foi a reacção do de Zama*, a divergência
organismo nacional contra dos filhos do Mestre d'Aviz:
os males oriundos de um o infante D. Pedro <>■ pu-
anemisante gigantismo, que gnando pela política tra-
produziu a obra criadora dicional portuguesa do fo-
da colonização do Brasil, mento da população, da
solidificada pelo malogro lavoura, da pesca e do co-
da aventura de D. Sebas- mercio marítimo >; o in-
tião, que vãmente procu- fante D. Henrique aluci-
rara deslocar e reconduzir nado pelo mar, «ferven-
para a África visinha a il do-lhe no cerebro, com
energia desbaratada na as lendas obscuras da geo-
índia remota, reatando a O'J grafia medieval, as ambi-
tradição do ciclo anti-uni- ções heróicas de saber, de
versalista da nacionali- império e de riquesa pró-
dade (5). Estes dois empre- prias da Renascença-». Ven-
endimentos significam um ceu o infante D. Henrique.
regresso às concepções SS8S O que sobreviveu, porém,
políticas medievais. Para da aventura sobre-humana
se revigorar, a nação have- foi o Brasil, onde os por-
ria de reconcentrar-se. Ex- y»
tugueses aplicaram a polí-
pandindo-se, enfraquecera, o tica preconizada pelo ven-
como profetizara o infante sw cido de Alfarrobeira.
D. Pedro, que chamava tro- As faculdades de
car uma boa capa por um acção construtiva da raça,
mau capêlo o preferir as as suas nativas virtudes
emprêsas ultramarinas ao de perseverança, de cora-
fomento da metrópole. gem, de tenacidade labo-
Na Introdução ex- riosa, de amor pela terra,
plendida ao Portugal nos desperdiçavam-se nas ten-
Mares, Oliveira Martins tativas estéreis e funestas
apresenta como similar ao de adaptação ao solo asiá-
antagonismo de Catão e tico e de domínio sobre
Scipião, «um personali- VASCO DA GAMA uma civilização vetusta e
sando o pensamento da ve- Segundo o retrato da Asia, de Faria e Sousa rebelde, ainda mesmo de-
lha Italia rural, outro o do pois da erecção de Gôa
em capital do império arquitectado pelo gênio de Albuquerque, um dos maiores capitães do mundo,
que, na frase de Herculano, «estampara as quinas em sinal de servidão na fronte da Asia».
No Brasil, a ausência total de civilização imprimia ao esforço português ali empenhado um
carácter nacional, singularmente favorável à aplicação das energias reveladas desde a reacção lusitana
contra a soberania de Roma até à trabalhosa formação da pequena e forte nacionalidade, fundada na
orla marítima da península hispânica.
*
(5) Projecto que D. João II já quisera executar simultaneamente com as emprêsas náuticas: «e/ Rey oure hüa
soma de dinheyro, do qual nunca despendeo hüa só peça, por que o tinha pera a dita passagem, que com a sua doença não
pode fazer.* Garcia de Resende, Crônica de D. João II, cap. CLXIII. D. Manuel chegara também a reunir uma esquadra para
passar a Marrocos: plano que seu bisneto veio a praticar com fatal insucesso.
IV
Introdução
E modo muito diverso tem sido encarada por alguns historiadores esta árdua e vitoriosa emprêsa. PRINCIPAIS
O ouro e os diamantes, que só no século XVII começam a desnaturar o carácler pri- CARACTERÍS-
TICAS DA PRI-
mitivo da colonização, e que determina as entradas pelos sertões, figuram como tendo sido MEIRA FASE DA
os engodos fascinadores da obra prodigiosa, que as hecatombes não intimidaram. O êrro COLONIZAÇÃO
dêsses historiadores é manifesto. O achado do ouro pelo provedor de Santos, Brás Cubas,
e o mineiro Luís Martins, em 1560, foi um episódio sem conseqüências imediatas, que não logrou
alterar a fisionomia agrícola e guerreira que ostenta a colonização quinhentista (g).
Século e meio antes da mineração, quando os domínios portugueses da América eram ainda
os países da canafístula descritos pelo presunçoso Vespúcio 0°), o pequeno Portugal confiava-os à guarda
de heróis experimentados na índia, que se arruinavam no aparelhamento dispendioso das frotas em que
iam povoá-los com suas famílias e parentes. As maiores riquezas que os colonizadores arrancaram da
terra opulentíssima, no período em que mais cdpiosamente a regaram de sangue e lágrimas, foram as
que êles próprios semearam. A cana de açúcar, base do primeiro ciclo agrícola, foi trazida das ilhas
da Madeira e de Cabo Verde. Nos porões das náus tinham vindo, como na arca bíblica, os animais
domésticos, auxiliares indispensáveis ao agricultor na terra virgem. O1)- Das caravelas e galeões os
colonizadores desembarcaram com as enchadas, as relhas dos arados e as sementes, aparelhados para
fén Títi rt ti fà fA *4 ri fi rA ra * A fa fA rA ra
(6) «Foi a necessidade de defender a terra contra pretensões de estrangeiros que despertou entre os nossos
maiores — precursores no solo brasileiro — o instincto de posse e com esse instincto o sentimento de Patria.» A. Q. de
Araújo Jorge. O Brasil e o cyclo da Navegação. Rio, 1917.
«Digna herança de nossos antepassados, revivescendo no caracter brasileiro, os bons sentimentos portugueses
de intransigência e aferro ao solo nos acalentaram durante os fortes tempos coloniaes». Sylvio Romero, O Elemento
Portuguez no Brasil.
(0 «Na verdade, somos um povo que, desde o período da formação nacional, revelou sempre energia combativa
e aptidões militares, graças ás quaes um punhado de homens conseguiu manter a integridade territorial e a solidariedade
política deste paiz immenso e cobiçado. A, nossa historia militar é muito anterior á de todos os outros povos da America,
pois já nos séculos XVI e XVII adquiriam renome na Europa os filhos do Brasil pelo seu patriotismo, constância e inlre-
pidez... Toda a nossa historia assenta na lucta das armas — apesar de encerrado nas sociologias o cyclo da guerra, quando
se descobriu e colonisou a America: assinalou-a o sangue heroicamente vertido que coloriu as virgens ondas atlanticas, que
se dissolveu ao veneno das flechas selvagens, que a jorros correu na conquista e na defesa do território». Fernando Luís
Osório, O Espirito das Armas Brasileiras, a pág. 25.
V) «O Brasil não é mais do que Portugal revivido, rejuvenescido, restaurado, recomposto nas suas energias, o
Portugal que começa quando o Portugal histórico finda, e que, hoje mais do que quando Reino Unido, se acha visceralmente
ligado ao paiz tronco, ao paiz creador*. Lemos Brito, As lições da Historia, Bahia, 1917.
(9) «Sendo contígua esta terra com a do Perú, que a não divide mais que uma linha imaginaria indivisível,
tendo lá os castelhanos descoberto tantas e tão ricas minas, cá nem uma passada dão para isso*. Frei Vicente do Salvador,
Historia, cap.10 V.
( ) «f/n 1530 já se tinha alguma idéa da fertilidade do Brasil, mas não era ella tal que por si só fosse suffi-
ciente para indusir o rei a povoar regularmente um paiz extensissimo. As novas a este respeito tinham apparecido, logo após
do descobrimento, com todos os atavios de fabula, e só quando a necessidade de defender a terra descoberta contra os
ataques dos Erancezes levou ao Brasil esquadras de guerra, é que começaram a grassar com alguma fidelidade. A forma ou
systhema de governo adoptada por el-rei dom João III, em minha humilde opinião, é uma prova irrecusável do que digo. A
urgente necessidade de povoar e guarnecer uma colonia ameaçada poderia levar a corda a prodigalisar terras e poder a
quem quizesse concorrer para a realisação desse fim, mas a certesa da existência de infindas riquesas e preciosidades sem
dono particular, nunca seria um motivo para que o governo deixasse de explorafas â sua custa *. Caetano Alves de Sousa
gueiras, Reflexões sobre as primeiras épocas da historia do Brazil, na Rev. do Inst. Hist. Vol. XIX, pág. 415.
c, ,,, Ainda em 1533, vinte e dois anos depois da Bretôa, a náu marselhesa La Pélerine, armada pelo barão de
anquart e comandada por lean Duperet, levava apenas como carga, dos países opulentos da América austral, pau brasil,
papagaios e bugios.
,inst.. mst.
H. (u) Quaesdosão
Agricultura as principaes
Brasil, por A. R. plantas
Velloso aclimatadas no Brasil?
de Oliveira, ibid., por ]. Freire Allemâo, no vol. XIX da Revista do
vol. XXXVl.
V
Introdução
a obra de vida, e não apenas com as armas mortíferas da conquista (12). O primeiro boi cujos mugidos
ecoaram nas florestas—patriarca dos rebanhos multiplicados em quatro séculos nas pastagens intérminas
dos planaltos,—como o primeiro cavalo que escarvou o solo brasileiro,—antepassado da cavalaria de
Monte Caseros,—vieram nas armadas colonizadoras O2).
Nas directrizes iniciais do empreendimento, na concepção política que lhe foi aplicada, na
qualidade dos donatários e dos governadores gerais que o regeram, na obstinação da defesa ciumenta
do solo, na originária feição rural que logo tomou a colonização, os povoadores europeus do Brasil
empenharam-se em fundar na América, no decurso do século XVI, com os recursos de que dispunham,
uma segunda pátria, transportando para ela religião, legislação, agricultura e as instituições municipais O4).
Como as moedas que se guardam nos alicerces dos monumentos para lhes autenticar a data da
fundação, depara-se nos alicerces da nacionalidade brasileira, quando a pesquisa desce aos alvéos, com
aquele nacionalismo português, fanático e altivo, onde mergulham as raízes da sua surpreendente
unidade e da resistência indomável oposta às tentativas de usurpação. Não admira, pois, que ao findar
o século XVI, a que é consagrado êste volume, os portugueses do Brasil houvessem desenvolvido em
tamanho grau aquele vivo sentimento patriótico com que enfrentaram os embates e vicissitudes do
século seguinte. É êsse mesmo reanimado sentimento nacionalista que explica não somente o instinto de
unidade, contraposto ao regionalismo espanhol, como também o processo evolutivo do Brasil na
gradual ascensão até ao Reino Unido e ao Império O5).
Não é possível sustentar que a ambição da metrópole, considerada no sentido restrito e
materialista, haja sido o estímulo dinâmico da geração complexíssima do Brasil. «.Pode dizer-se que a
coroa portuguesa, cedendo quasi todos os seus direitos magestaticos aos donatários, quanto reservara para
si não chegava sequer para pagar o serviço da religião que lhe competia manter, e de facto reconhecia
a independência quasi ilimitada da nova conquista-» (16).
Na hora em que Portugal corre em defesa das suas terras da América, infestadas pelos
corsários franceses, essas regiões estavam inscritas nos mapa-mundos dos cartógrafos, nas edições dos
Ptolomeus, Apianos e Ortélios, como a pátria terrificante dos canibais. As hórridas legendas, gravadas
abaixo da coleante serpente aquática do rio Maranhão, que golfava da guela hiante a torrente de
água doce no mar salgado, mais apavoradoras pareciam com as imagens que as ilustravam, figurando
as scenas bestiais da antropofagia Õ^). As notícias trazidas dos países de Santa Cruz pelas primeiras
armadas e espalhadas na Europa através das narrações de Vespúcio, não eram propícias a inflamar
de cupidez uma nação que recebia o tributo dos potentados do Oriente.
Em contraste com os homens nus, armados de arcos e flechas, que iam encontrar nas enseadas
e plagas da América, logo os primeiros navios portugueses da carreira da índia ancoraram diante de
cidades prósperas, em portos freqüentados pela activíssima navegação maometana, que traficava desde
os gôlfos Arábico e Pérsico, passando por Aden e Ormuz, transportando através do Egipto, para o
Mediterrâneo, os productos asiáticos. E todavia, comparem-se as narrativas da recepção de Vasco da
Gama pelo Samorim de Calecut e os restantes episódios dêsse capítulo das Mil e uma Noites, que é a
primeira viagem marítima dos europeus à índia, com o quadro primitivo, desenhado com uma candura
gótica pelo letrado Caminha, do primeiro e formoso desembarque dos cavaleiros de Cristo na terra de
Vera Cruz, e logo se verifica quão diversamente foi tocada a alma portuguesa pelas opulências da
civilização oriental e os esplendores da virginal natureza americana.
A índia fôra logo encarada com desconfiança como arena de luta. As rivalidades seculares
em que se entrechocavam mussulmanos e cristãos, encontravam na Ásia um novo campo de batalha.
Portugal, potência cristã e propagadora da fé, deparava no Oriente com um inimigo e concorrente
tradicional, e defrontava-o em condições que repeliam quaisquer transacções e acordos. O orgulho
(12) Por um alvará de 2 de Outubro de 1534 é concedida a franquia na alfandega de Lisboa à ferramenta
adqüirida fóra do reino por Duarte Coelho, donatário de Pernambuco, para a sua capitania: <mercê dos direitos que havia
de pagar dos ferros e cousas outras que mandasse trazer de fora do reino para provimento dos seus navios em que <ora
vae para o Brasyll.. .> Arch. da Tôrre do Tombo, P. I.a m. 53, d. 118.
(13) Quaes foram os animaes introduzidos na America pelos conquistadores? por ]. R. de Sousa Fontes, no
vol. XIX da Revista do Inst. Hist. n • •
O4) 05 Municípios, sua importância política no Brasil colonial, Memória apresentada ao Primeiro Congresso de
História Nacional, promovido pelo Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro, por João Martins Coelho Mourão.
(15) «o espirito nacional desenvolveu-se... dêsde os seus primeiros dias*. Joaquim Nabuco. O Espirito de
Nacionalidade na Historia do Brasil. 1908.
(15) João Ribeiro, Historia do Brasil, curso superior, a pág. 68 da 8.a edição.
(17) «... o Brasil, como o resto da America, infundia pavor ao europeu, por ser o deserto, e o deserto povoado
de tribus selvagens, hostis, alem de que a travessia exigia mezes, e muita expedição terminava no naufrágio*. Lemos Brito,
As lições da Historia, a pág. 103.
VI
Introdução
patriótico e a sobarba do triunfo tinham atingido o paroxismo no meiado do século XVI, que marca o
aenite de expansão da nacionalidade portuguesa. A altivez e a bravura revestiam-se de grandiosa
espectaculosidade. Vasco da Gama, Afonso de Albuquerque, D. Francisco de Almeida foram genuínos
exemplares de patriotas à dura maneira romana. Não é com as fraquezas da nossa era que se podem
julgar êsses super-homens assustadores. A sua coragem épica, a imponência da sua dignidade, a inexo-
rabilidade da sua po- cadores maometanos
lítica reviviam o ca- de todos os portos
rácter dos heróis or- do Malabar, susten-
gulhosos e inclemen- tando a guerra desde
tes de Roma. Não o Egipto às Molucas,
deve causar-nos es- arvorando o pendão
tranheza a atitude íí]
— das quinas nos ma-
implacável de Scipião on res onde reinava o
com que o colérico crescente. Neste Por-
Almirante, na segun- tugal quinhentista os
da viagem, bombar- povos orientais viam
deia Calecut e impõe s
ressuscitada a terrí-
ao príncipe indiano vel Roma dos sol-
humilhações crude- dados e dos legisla-
líssimas, que ateiam 5W dores, madrasta se-
o lume da guerra. Ca- vera dos povos e cujo
lecut foi a Cartago poder ruíra sob a
da nova Roma ma- aluvião assoladora e
rítima. vingativa dos bárba-
Nesse grande pal- & *** ros. Herculano, tam
co do seu destino, severo no julgamento
Portugal desempe- dessa idade gloriosa
nhou uma missão e funesta, não lhe ne-
de conseqüências gou o tributo de um
universais. O maior grandiloqüente elo-
golpe que o poderio aSC...
gio, numa das suas
turco sofreu—pois o Cartas sobre a Histo-
feriu em pleno peito, ria de Portugal, e
nas fontes da opu- nessa saudação apo-
lência comercial, sus- •#; teótica à ínclita gera-
tentáculo do seu po- ção dos nautas e dos
der guerreiro, —des- l.*4.—1>\. u, > lí. I raín-wu d Vimi nla •> |iiiiiirini guerreiros resume a
|ias>4»\ a i-xlr í vta.l » nau «»íjiluliUl» •!» «i.
fecharam-lho os por- im-iilu «Ia fiulia. rlH-pox a Hla no a mio «Ir (òíl grandiosa tarefa por
, r alr ÍSili' no»fiulu«r Uq.i.Ulf». _
tugueses na índia, ela cumprida no fa-
varrendo as suas es- dário dos descobri-
quadras desde o Mar D. FRANCISCO DE ALMEIDA mentos e conquistas:
Vermelho a Malaca, Retrato da galeria dos governadores da índia, em Gôa
«nação composta de
expulsando os mer- um punhado de ho-
mens, mas homens como nunca a terra vira; homens cujo braço era de ferro, cujo coração era de fogo,
que achavam seu remanso nos braços das procedas, seu folgar nas batalhas de um contra cem, e que
na morte buscavam para sudario em que se envolvessem ou as enxarcias e velas das naus voadas e
medidas a pique, ou os pannos rotos de muros de castellos e fortalezas derrocadas; homens que su-
bjugaram os mares e fizeram emmudecer a terra; homens enfim que saldaram com o islamismo e com
a As/a a avultadissima divida de desar e affronta, que a Cruz e a Europa lhes deviam desde os tempos
em que as desventuras e revezes das Cruzadas se completaram pela perda fatal de Constantinopla».
No primeiro século da colonização americana, a Espanha dissipou o ouro do México e do
Peru em custear a política e as campanhas cesaristas de Carlos V. Mas o preponderante papel repre-
sentado pela América espanhola durante o século de quinhentos não excede o desempenhado pelo
impeno indiano dos portugueses, que bloqueou o poder maometano e foi um dos factores primaciais
a vitoria e expansão do cristianismo na sua prolongada luta com os conquistadores de Bisâncio.
Oleira Martins, ao escrever a história de Portugal com a veemência de um polemista e
in unos político-econômicos, num período caracterizado nas letras portuguesas por um negativismo
VII
Introdução
crítico, deixou-se dominar pelos vôos da fantasia, adstricfa à inata vocação de romancista e panfle-
tário. O grande pintor literário de painéis históricos narrou a epopeia da índia como Herder descrevera
o Estado romano. Para Herder, os anais de Roma são uma «história de demônios»; Roma é uma
«caverna de salteadores»; os seus heróis mergulharam o mundo numa noite devastadora; Scipião e
César passaram a vida a exterminar povos. Para o eloqüente historiador português, o império lusitano
da índia foi, em última análise, um saque voraz, em que os próprios heróis, postos áo serviço de
sórdidos interêsses mercantis, desempenharam o papel de guarda-costas dos especuladores. Essa visão
moralista e circunscrita dia à China, se ramifi-
do sociólogo e do eco- cava pelo Japão, Java,
nomista, (contemporâ- Sumatra, Cambaia, Ben-
neo das lutas crudelíssi- gala e Sião, e as náus
mas em que a Ingla- W transportavam para Lis-
terra se empenhou para '•V^boa, desde os ligeiros
manter o' seu império cavalos árabes às laças
indiano), tem sido explo- e porcelanas do etxrêmo
rada para patentear a Oriente,—Portugal inau-
incapacidade dos fun- gura com os Donatá-
%
dadores da civilização rios a colonização de
.brasileira, sem querer Santa Cruz.
atentar-se que a missão Não havia ali rajás
do povo português na para pagarem tributos,
índia não era, nem podia nem se sabia que lá
ser, colonizadora, e que existissem as gemas pre-
o empreendimento co- ciosas e as especiarias.
mercial tam pouco se Na terra inóspita, habi-
ajustava ao carácter da tada pelos canibais ta-
raça que, resistindo ao tuados, pélago de sar-
toníeio das riquezas ori- ('7 /m-. ças e florestas, não se
entais,- quando a ban- levantavam à beira do
deira das quinas se des- : K
mar cidades florescen-
fraldava nas fortalezas 2^ tes nem mercados opu-
/
de Ormuz, no gôlfo Pér- lentos. Substituindo os
sico, na cidadela de Pan- IA príncipes hindus, os nai-
gim e nas torres de Gôa, res e os sultões árabes,
em Cananor, Cochim, deparava-se aos nautas
Coulão, Calecut e Diu, ar w -V uma humanidade primi-
Qri
em quási todas as cida- tiva, nômada, caçadora
-v- —
des-impórios da índia, e guerreira, que abatia
na ilha de Ceilão e no Tamoios colhendo o cáju as aves no vôo com as
arqüipélago das Molu- Gravura extraída da edição de 1557 de les Singvlaritez de flechas e devorava os
ta France Antarctiqve, de Thevef
cas; quando o comér- irmãos inimigos.
cio português se esten- Na hora em que
as náus dos Donatários amainam os velames ornamentados com as aspas vermelhas da cruz da Ordem
de Cristo, e lançam âncoras em Pernambuco, no Espírito Santo, em Pôrto Seguro e na Bahia de Todos
os Santos, o povo que ia tentar a cmprêsa titânica de fundar uma nação na América austral, substituindo
ao antropófago o homem europeu, atingira nas letras, nas artes e nas sciências o auge do esplendor.
£0 que impelia Portugal a disputar ciosamente aos corsários normandos e bretões a posse
do país da canafistula, a arrostar a luta com uma humanidade bárbara e uma natureza adversa?
A pronta e fácil resposta que alguns historiadores encontraram para esta interrogação inicial
foi a palavra interêsse. Sôbre esta palavra pretendeu-se edificar a história de uma grande nação,
apontando-a como o seu pecado original e deplorando-se que o Brasil não tenha sido criado patriar-
calmente, como há quem suponha que foram os Estados-Unidos, por um êxodo de famílias puritanas.
Vejamos de que espécie era aquele interêsse, móbil e estímulo do empreendimento colonizador;
examinemos como se colonizaram os Estados-Unidos da América do Norte, e até que ponto procede a versão
de um povoamento realizado com a aplicação penal do degrêdo, contra a qual protestam os anais do Brasil
quinhentista, onde a acção subalterna do degredado se circunscreve a área perfeitamente delimitada
e aí mesmo neutralizada pela atitude defensiva dos colonos e a^ função moralizadora do jesuíta.
VIII
Introdução
CARTA do escrivão Caminha, certidão de baptismo do Brasil, é um cântico de louvor à terra, *de RAZÕES POLÍ-
tal maneira graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-ha nela tudo ». Porém, acrescenta o Mestre TICAS DA COLO-
NIZAÇÃO
da Balança da Casa da Moeda ser ela * sem ouro, nem prata, nem nenhuma cousa de metah.
Pelas informações dos descobridores, o rei considerou-a muito útil para escala das armadas da
índia, e nem sequer reünira aos títulos da corôa o senhorio da nova terra desvendada pelos seus
nautas: tanto por prudência, provinda das dúvidas suscitadas pela demarcação teórica de Tordesilhas, como
pela honra exígua que lhe adviria de acrescentar a título já tam enfático a suserania de uma região inós-
pita. Um ano depois do descobrimento, o homem predestinado a legar o nome ao novo continente avaliava
em pouca cousa a riqueza da América austral. Para o antigo feitor de Berardi, o Brasil pouco mais
produzia do que árvores, frutos, ervas, essências e gomas. «// paese non produce metallo alcuno*...
As favas de canafístula e o lenho de tinturaria, eis tudo o que do paraiso terreal podiam levar os
europeus. Para a Europa de Leão X e de D. Manuel era pouco. Poderia com mais razão aplicar-se
ao Brasil a frase atribuída ao conde de Vimioso, que preguntando a Vasco da Gama o que trouxera
da índia e o que a índia queria de Portugal, e respondendo-lhe o almirante que de lá trouxera
pimenta, canela, gengivre, ambar e almiscar, e que lá queriam ouro, prata, veludos e escarlatas, lhe
observara; «dêsse modo, êles é que nos descobriram a nós!» (18).
As florestas invioladas guardavam como inexpugnáveis fortalezas vegetais as aluviões e os
veios auríferos. Só em 1514, no estuário a que se chamou do Prata, uma expedição portuguesa obteria
notícia das jazidas argênteas do Peru. O primeiro arrendamento da exploração mercantil do litoral
brasileiro a Fernão de Loronha; as informações do relatório de Cá de Masser, redigido de 1506 a 1507;
e o regimento dado ao capitão da náu Bretôa, em 1511, instruem-nos suficientemente sobre as magras
riquezas, quási exclusivamente constituídas pelos toros de Caesalpina echinata, que as armadas mercantes
transportavam do Brasil nos primeiros decênios do século XVI. Basta comparar a essas modestas cargas
de toros de ibirapitanga e de papagaios os carregamentos que as armadas continuavam a transportar
da índia, de Ceilão, de Malaca e da China: especiarias, aromáticos, pérolas, esmeraldas, sêdas e
porcelanas, para se repelir a versão que nos apresenta a cupidez portuguesa abatendo-se sôfregamente
sobre o país da canafístula, dos bugios e das araras O^).
Em 1506, a terra do Brasil produzia vinte mil quintais (20) de madeira para tinturaria, vendida
a 2 La e 3 ducados o quintal, ficando cada quatro arrobas de pau brasil, postas em Lisboa, por meio
cruzado. A náu Bretôa levou de Cabo Frio carga avaliada em 24.220 reais (2i).
Um século depois, quando já o império português do Oriente entrara em plena decadência,
Luís de Figueiredo Falcão, no Livro em que se contem toda a Fazenda, verdadeiro relatório das finanças
públicas apresentado a Filipe II, fornece-nos elementos preciosos para o confronto entre a riqueza da
índia e a riqueza do Brasil, no cômputo do orçamento de 1607. No capítulo Estancos Régios, a pimenta
é ainda representada por 600.000 cruzados (20.000 quintais a 30 cruzados), e o pau brasil por 60.000
cruzados, ou 24 contos de 2.500 cruzados. No capítulo dos Rendimentos do Ultramar* o estado da índia
figura com a renda de 888.900 cruzados e o Brasil com 110.000; apenas 6.000 cruzados mais do que os
Açores, e superior em cêrca de 16.000 à renda da Mina. No capítulo das Despezas do Ultramar, o Brasil
está inscrito com uma verba de 135.000 cruzados, o que representa um déficit de 25.000 sobre a receita.
Êstes números são mais convincentes do que longos discursos. Se nos faltam os relatórios das primeiras
expedições, podemos inferir das cartas de Vespúcio, que cooperou na fundação de uma feitoria por
conta do consórcio de Fernão de Loronha, não serem as notícias levadas ao rei pelos navegadores de
molde a induzi-lo fa''orávelmente à dispendiosa ocupação (22).
(23) < Desde Pernambuco até à Bahia e talvez Rio de Janeiro, Christovão Jaques deu caça aos entrelopos;
segundo testemunhos interessados, não conhecia limites sua selvageria, não lhe bastava a morte simples, precisava de
torturas e entregava os prisioneiros aos antropophagos para os devorarem. Mesmo assim ainda levou tresêntos prisioneiros
para o Reino*. Capistrano, Breves traços da Historia do Brasil, pág. 30.
(24) «o bri0 da nação, o orgulho de conquistador, e o direito de primeiro possuidor chamaram, portanto, ao
mesmo tempo Portugal ás armas e á defesa. D'ahi duas conseqüências inevitáveis: uma immediafa e outra medi ata: o
enviamento de uma esquadra ao Brasil afim de expurgai'o dos usurpadores: — e a povoação, exploração e civilisação da
terra...* Caetano Alves de Sousa Filgueiras, op. cit. na Rev. do Inst. Hist. Vol. XIX pág. 413.
(") «se jámais houve gentes em que a nobilitante e magnífica, e pudera chamar-se divina paixão pelo torrão
natal tivesse sido incontrastavel, perpetua e immoredoura, incondicional, essas gentes são as que, desde epochas immemoriaes
habitam o solo das Hespanhas. Que o digam phenicios e carthaginezes que gastaram alli centenas de annos em lucta aberta
com os naturaes e nunca puderam ir além de rapidas e ephemeras feitorias; que o digam os romanos que empregaram
duzentos annos n'uma conquista incompleta, imperfeita, que nunca avassalou por inteiro e por completo aquellas regiões,
cuja defesa arrancou ao príncipe dos historiadores allemães, Theodoro Mommsen, os mais inequívocos brados de admiração,
nomeadamente quando fallou de Viriatho e dos Numantinos, ao passo que a conquista das Gallias consumiu menos de dez
annos; que o digam os arabes da grande epocha, mettidos durante oito séculos n'um duelo implacável com os homens da
re-conquista, que acabaram por elimimina-los em absoluto... Portentosa gente!... Sp/wo Romero, O Elemento Portuguez,
a pág. 170 do Vol. de Discursos.
(26) < Depois que a terra foi delles conhecida e vieram a entender o proveito da criação_ que nesta parte podiam
alcançar, começaram-lhe a levar, da ilha de Cabo Verde, cavados e éguas, de que já ha grande criação em todas as capitanias
desta província. E assim também grande copia de gado que da mesma ilha foi levado a estas partes, principalmente de
gado vaccum ha muita abundancia, o qual pelos pastos serem muitos, vae sempre em grande crescimento ...» Qandav o
Historia da Província de Santa Cruz.
X
Introdução
nas suas veias o sangue, a inteligência e a riqueza dos seus antepassados, que não são os apaches, os
guaranys ou os africanos, mas os ingleses e os iberos, os saxónios e os latinos, cuja substância vivente.
cujas tradições, cujas idéias,
cujos capitais os geraram,
os criaram, os educaram,
os opulentaram até serem •■AVf
27
o que hoje são» ( ).
mm
Coube aos espa-
nhóis a honra de iniciarem sã
nas Antilhas a coloniza- •>-r.
ção da América; e não de-
morou que os seus bravos
capitães prosseguissem no
continente, deparando com
a civilização autoctóne do
México e excitados no
empreendimento pelo acha-
do dos metais preciosos.
Sem dúvida, a obra por-
tentosa logo de comêço
revestiu um semblante de
crueldade (28)( i mas onde
está o povo inocente que
possa exprobrar-lhes aque-
les furores necessários ao
prestígio terrível da con- u tl..
quista ? i Como evitar as
hecatombes se o objectivo Espécimens do mais antigo documento de descrédito da colonização européia da América.
Duas das ilustrações gravadas para a edição latina de Francfort (1598) da obra humanitária de frei Bartolomeu
político dos pequenos exér- de las Casas, Narratio Regionum Indicarum per Mispanes quosdam devastatarum veríssima, em que acusou
citos exterminadores con- os conquistadores espanhóis pelas crueldades cometidas contra os índios, reclamando em nome da piedade
cristã e da civilização o termo de tam monstruosos excessos.
sistia em substituir a raça
branca à raça indígena ?
Os inglêses só começaram a colonização dos seus domínios americanos um século depois dos
espanhóis e portugueses, aproveitando com a experiência dos seus antecessores. O sistema colonial
britânico obedeceu a outra concepção, não menos inexorável para com o aborígene e não menos
escravocrata nas regiões meridionais, vizinhas do trópico.
A Nova Inglaterra, a Pensilvânia, o Maryland, o Delaware foram, no século XVI1, refúgio de
verdadeiros êxodos de puritanos, quakers e católicos. Eram as famílias que emigravam, transplantando-se
para um país de clima temperado, idêntico ou mais benigno que o da terra natal. Os confrontos têm
de fazer-se com a colonização da Virgínia. A colônia de Walter Raleigh passou pelas vicissitudes das
restantes colônias portuguesas e espanholas do continente, acrescidas pela altiva relutância do britânico
em mesclar o sangue com o da raça autoctóne, que exterminou. Em 1619, a população branca da
Virgínia não ultrapassava de 600 almas. Os colonos partiam de Inglaterra sem a intenção de fixar-se.
Acabaram por fundar uma nação da sua raça, refratária ao cruzamento com as tribus indígenas; e assim
se criou uma nacionalidade transportada da Europa para o novo continente, com as vantagens de
habitarem os colonos aproximadas latitudes do país de origem, de conservarem no novo solo os sistemas
ancestrais de agricultura e alimentação. Nunca tal empreendimento poderia realizar-se por idênticos
processos e parecidos resultados na zona tórrida. A disparidade acentua-se se considerarmos, àlém das
diferenciações mesológicas e climatéricas, os elementos de que dispunham os colonizadores setentrionais
e austrais do continente. Os Estados-Unidos são a resultante da obra conjugada e simultânea de povos
de várias origens: britânicos, irlandeses, franceses, flamengos, suecos, germanos e dinamarqueses. Esses
elementos heterogêneos debateram-se em lutas de recíproca competição antes de se unirem e confun-
direm. Todos participaram da tarefa árdua, fundando feitorias e cidades, conquistando o solo aos
habitantes e repovoando-o. Mais tarde, o domínio ampliou-se pela encorporação e a conquista.
A Califórnia fôra primitivamente colonizada pelos espanhóis. A Luisiánia e o Canadá eram franceses.
Nova-Vork foi fundada pelos holandeses.
O Brasil é a conseqüência dos esforços de um só povo branco: o português, auxiliado pelo
mameluco, sua criação étnica, e pelo escravo negro.
E todavia, a-pesar-de quanto concorria na próspera infância da América inglêsa, o comércio
só se desenvolveu depois da autonomia, em 1776. A Inglaterra submeteu os domínios americanos a
um regimen econômico de severa dependência. O decreto de 1651 dispunha que as exportações ameri-
canas só podiam fazer-se em navios inglêses. O de 1660 determinava que as colônias americanas só
para a Gran-Dretanha e seus domínios podiam exportar os seus principais produtos. A Casa dos
Comuns considerava, em 1719, que o estabelecimento de fábricas nas possessões americanas enfraquecia
a dependência em que convinha se mantivessem da metrópole. A lei de 1750 proibia a instalação das
indústrias do ferro e do aço e ordenava a destruição das manufacturas existentes. Os proprietários que
não demolissem as fábricas no praso de um mês, contado do dia da intimação, seriam multados em mil
dolars. Os erros cometidos pela metrópole foram grandes, mas não impediram que uma pujante nação
se criasse, e lhe incutissem os anglo-saxónios o orgulho salvador da raça preponderante, que unificou
os diversos domínios e fundiu os povos heterogêneos sob a hegemonia dos britânicos e seus descendentes.
o sentimento A terceira década do século XVI, ao surgirem nos golfos brasileiros as primeiras armadas
dacolonizaçâo colonizadoras, de onde descem à terra virgem os colonos, transportando as cruzes>
os evangelhos, os códigos, as armas, os gados, as charruas e as sementes, ainda os
tempos das minas de ouro, dos vice-reis e dos contratadores de diamantes vinham
longe. A terra, depressa amada pela sua prodigalidade e pela sua beleza, afigu-
rava-se ainda tam rebarbativa e pouco ligada à glória e ao interêsse português, que Camões —
um dos príncipes intelectuais da Renascença —não inclui o nome da América no seu poema e
só nêle escreve a palavra Brasil na estância 63 do Canto X, de louvor a Martim Afonso de Sousa;
illustrado
No Brasil, com vencer e castigar
O pirata francês, ao mar usado.
Quando Camões, na segunda metade do século XVI, compõe o elogio épico dos Lusíadas, a
índia é o palco scénico em que Portugal realiza a mais heróica façanha. No confronto com o
XII
Introdução
resplendor das riquezas do Oriente e da sua civilização milenária, o Brasil apaga-se ou só aparece à
imaginação requintada do bardo, alimentada de dassicismo, como longínqua terra bárbara por onde
vagueia, entre matagais inextricáveis, infestados de ofídeos, um semi-homem saturnino.
Não obstante, essa terra saída apenas do limbo, que o destino traçara para ser a jóia de maior
preço da coroa de Portugal e um dos maiores impérios do planeta, foi amada com fervor ciumento pelos
mártires que construíram, sob as frechadas dos índios (29), os inabaláveis alicerces da sua grandeza.
Nenhuma pátria se fundou com tamanhas lutas e sacrifícios (30). Varnhagen, que não tinha ascendência
portuguesa, reconhece fundadores da pátria,
que, entre as demais seus primeiros lavra-
nações do continente, o / dores e seus primeiros
Brasil «-foi a que custou guerreiros.
2-
mais esforços e mores Todos os que,
trabalhos aos seus colo- nesta Idade-Média bra-
nizadores-» (31). sileira, se queixam da
Heroicidade e incúria da metrópole e
amor, não uma cobiça dos reis «pelo pouco
sórdida, criaram o Bra- caso que hão feito deste
sil; e tam depressa o tão grande estado, que
fortaleceram no peito nem o titulo quizeram
túmido do nacionalismo, delle, pois intitulando-se
que o efêmero im- senhores da Guiné, por
pério holandês de Nas- V uma caravelinha que lá
sau se desmorona ante vae e vem, como disse
o assalto das três raças o rei do Congo, do Bra-
já unidas e mescladas: sil não se quizeram in-
a portuguesa, a aborí- titular-»; os que acusam
gene e a africana (32). os traficantes, anate-
i
Os narradores matisam os vícios, con-
das primeiras idades >é: denam os erros e des-
atestam a abnegação 1 $ váiros e castigam os
patriótica dêsses pro- 11 crimes, como o severo
mártires da nacionali- donatário de Pernam-
Cs
dade, o seu amor pela buco,—são portugueses,
terra, cuja braveza do- filhos de portugueses,
maram e afeiçoaram à que repetem as lições
civilização, e mostram- p
dos seus maiores. O
nos, curvados como ca- Brasil não precisou de
riátides ao pêso da esperar a geração nativa
tarefa ingente, com bagas Indígenas do Rio de Janeiro para que os filhos ado-
de suor e de sangue Gravura em madeira extraída da edição de 1557 de Les Singvlaritez ptivos o amassem e de-
de la France Aníarctiqve, de Thevet
escorrendo da fronte, fendessem. «Instincto de
os colonos primévos, nacionalidade, com jus-
tiça chamou-se esse intimo sentimento, natural, legitimo e necessário, que madrugou, que espontaneamente se
(25) A designação colombina, que atesta o êrro do descobridor da América, não conseguiu correcção em quatro
séculos, embora se registem as tentativas eruditas para a adopção do nome de brasis na designação dos aborígenes.
(30) «Mas que porfiada campanha não terão elles (os portugueses) de sustentar contra os vários concorrentes á
posse desejada da terra, que será mais tarde a grande e nobre patria brasileira! Que somma gigantesca de energias não
deverá ser gasta no curso desses séculos de guerras continuadas para que se mostre vencedor o galhardo pavilhão dos
lusos!» Esboço histórico das nossas questões de fronteiras. Rangel Moreira. S. Paulo, 1913.
(31) «Os estados hispano-americanos, com pequenas excepções, ou apresentavam, como as margens do Prata,
campinas em que pouco mais que fazer houve que metter nellas gado, e acoçar os Índios com alguma cavallaria, ou
formavam já povos obedientes ou com certa civilisação, como no México, em Nova Granada e no Perú, onde, agarrado o
antigo chefe, se conseguia submetter logo, mais ou menos facilmente, toda a nacionalidade a elle meio éscrávisada. Na
America do Norte não acharam os colonisadores estas facilidades; mas, em troca dellas, encontraram um clima como o de
onde vinham, rios sem caxoeiras, estradas fluviaes já feitas para penetrarem desde logo pelo interior; e encontraram também
35 3 11305 ou 1165
flenhadores
k ? livre^OSQ
passagemsem entre
cobrasosnem animaes
troncos, os venenosos,
quaes, umae vez
que cortados,
durante onão
inverno se despiam
rebentavam mais».deHistoria
folhas, eGeral
permittiam aos
do Brasil,
pelo visconde de Porto Seguro (F. A. de Varnhagen) 2.a edição, prólogo.
nacionalidade^brasileira
*Nas batalhas querepresentados
estiveram repelliram para sempre
pelos o domínio
terços do negroneerlandez,
HenriqueosDias,
tres do
elementos constituitivos
indio Philippe Camarãodae futura
pelas
XIII
Introdução
desenvolveu desde os primeiros dias-» (33). Nas murmurações e nas queixas se prova, tanto como nos
louvores e nos arroubos, o quid tam português de se afeiçoar à terra, o imediato instinto de pátria, que
no curto espaço de duas gerações produz um herói cavaleiro do quilate de Jorge de Albuquerque, o
cáustico frei Vicente do Salvador, o poeta da Prosopopéa e o autor dos Diálogos da Grandeza
do Brasil (34). _ _ , f < -j • i
Tudo quanto sucedeu será incompreensível sem a intervenção do fenomeno providencial que
caracterisa a obra portuguesa da colonização: o sentimento tam ostensivo e até agressivo de nacio-
nalismo que, desde as origens do povoamento, os conquistadores lhe trouxeram. A leitura do Roteiro
Geral, atribuído a Gabriel Soares de Sousa, é um dos mais elucidativos documentos onde êsse fenômeno
se patenteia. Nenhuma das literaturas da América nos apresenta atestado que tanto nos instrua sobre
os sentimentos que animavam, naquela época tumultuária, os conquistadores e_ colonizadores do mundo
novo, nos pródromos do formidável conflito entre a cultura e a natureza. Este nacionalismo original
explica a evolução sui-generis do Brasil, desde o sistema feudal das capitanias, evoluído na federação
dos Estados, até à proclamação da independência e à fundação do Império por um príncipe português,
que abdica do trôno europeu para empunhar o sceptro de uma das maiores nações do universo, já
entrevista no século XVI pelo autor do Roteiro Geral, quando adverte que o Brasil «está capaz para se
edificar nelle um grande império, o qual... se fará tão soberano que seja um dos Estados do mundo».
Em nenhum outro dos povos colonizadores acorda tam cêdo êste sentimento, que as desgraças
da metrópole, as vicissitudes e perigos sofridos, e depois a decadência da navegação e o domínio
espanhol não fariam senão engrandecer, gerando um patriotismo prematuro, que se antecipava de dois
séculos e meio ao desenlace de 1822, e que representa no organismo da nacionalidade a sua inque-
brantável espinha dorsal. _ _
Os elogios que à nova terra teceram os primeiros que a descobriram e a colonizaram nao
foram excedidos pelos posteriores e legítimos possuidores, e o Roteiro Geral ficará como o vetusto
monumento de uma literatura nacionalista. A estima, a admiração 'e o reconhecimento pelos antepassados
têm nesta obra suas inspirações mais vivazes. Neste inventário do heroísmo dos fundadores da civili-
zação brasileira deveria apoiar-se o culto pela raça, incluíndo-o entre os manuais do civismo, erguendo-o
como escudo contra as acusações levantadas à obra dos fundadores e que todas visam a arrebatar ao
povo brasileiro o orgulho salutar da sua progénie (35).
REOIMEN. EVO- IMPLANTAÇÃO por D. João III do regimen dos Donatários marca o início da colonização
LUÇÃO E FACTO- sistemática, pois que anteriormente só houvera iniciativas comerciais protegidas pela coroa
RES DA COLO-
NIZAÇÃO ou tentativas infrutíferas e isoladas de aventureiros. D. Manuel, estadista perspicaz,
discípulo e continuador de D. João II, não descurara a nova possessão, mas os
&
árduos trabalhos preliminares de descobrimento, necessários à determinação dos limites
em que ia exercer-se a jurisdição portuguesa, sem contar os cuidados absorventes da índia, não
lhe deram tempo para ampliar e submeter a uma legislação adequada o povoamento e defesa do
tropas de Vidal de Negreiros. Foi o arraial fortificado de Dom ]esus chamado por isso o berço da nacionalidade pela umao de
todas as raças da colonia». Fernando Luiz Osorio, O espirito das armas brasileiras, a pág. 28. Pelotas, 1918. ...
«Não devemos esquecer a circumstancia de se acharem representados nessa lucla sagrada pela independência da
patria todas as classes da população, tendo á sua frente os respectivos chefes; os brancos filhos da metrópole representados
em Fernandes Vieira; os brancos oriundos do paiz representados em Vidal de Negreiros; os índios tendo a frente Fehppe
Camarão; os negros capitaneados por Henrique Dias». Sylvio Homero, A Historia do Brasil ensinada pela biografia de seus
filhos. A pág.3368. Rio, 1915. 9.a edição.
t ) Machado de Assis, Cirtica, 1913. _ . . r>- » ^ j
(3J) «O autor ainda hoje desconhecido do Dialogo das Grandesas (Bento Teixeira Pinto... ?) desde logo revela
o argumento do livro quando o principal dos interlocutores, Brandonio, ousa dizer que o Brasil vale, pelas riquesas, muito
mais que todas as índias... É bem possível que esse prospecto de exploração commercial que e o Dialogo das Grandesas,
escrito em 1618, fosse parar ás mãos dos Hollandezes na época da conquista da Bahia, alguns annos depois reahsada por
uma companhia de Commercio*. ]oâo Ribeiro, O Fabordão, Rio, 1910. _ j u j <- / i,
{35) «Ma época, sem par, em que o Brasil foi descoberto, na epocha de Camões, de Guttemberg, de Colombo, de
Copernico, de Vespucci, de Magalhães, de Bartholomeu Dias, de Vasco da Gama, de Luthero, de Miguel Ângelo, de Gahleu,
de Albuquerque, de Palissy, de Tasso, de Shakespcare. . . nesse tempo o portuguez trazia, no peito heroico, como diz o ba
de Miranda, entalhadas as suas quinas». Carlos de Laet. Discurso na Acad. B. de Letras. , n . , , <■ * x
<On a dit avec raison qu'aucune nation au monde ne fit d'aussi grandes choses que le Portugal, relatwement a
XIV
Introdução
domínio americano. Aliás, o problema só adqüire feição urgente sob o reinado do sucessor, quando os
audazes corsários de França infestam os mares e assolam as feitorias do Brasil, com menoscabo dá
soberania legítima e prejuízo dos colonos indefesos. No arrendamento a Fernão de Loronha, D. Manuel
inspirara-se em exemplos anteriores. O comércio da costa da Guiné fora arrematado em 1469 por Fernão
Gomes, com a obrigação de descobrir anualmente quinhentas léguas de terra para o sul da Serra Leôa.
A administração ultramarina tinhà já as suas praxes, a sua base de experiência. Os processos tradi-
cionais desenvolvem-se gradualmente, à medida que os territórios e as necessidades se ampliam.
Supomos que a colonização do ínvio território habitado por gentio belicoso e ameaçado no mar
pelos navios armados dos piratas, se apresentou ao monarca e seus conselheiros como empreendimento
análogo ao da constituição das nações cristãs da Europa, onde os cavaleiros feudais tiveram de conquistar
o solo aos bárbaros e infleis. Assim, num país que não conhecera propriamente o genuíno feudalismo, se
improvisava para fins coloniais, seguindo a tradição dos tentamens povoadores da Madeira e dos Açores,
um regimen neo-feudal, apropriado à função guerreira que se impunha aos Donatários colonizadores.
Capitães da Ásia, fidalgos de maior e menor jerarquia, veteranos das campanhas do Malabar
e de Malaca, que haviam pelejado sob as ordens de Afonso de Albuquerque e sob a autoridade de
D. Francisco de Almeida, ocupam o primeiro plano do prefácio histórico da colonização.
A acção exercida pelos protagonistas desta fase inicial não tem analogia com a dos espanhóis
na América Central. Os Donatários são verdadeiros chefes de Estado, pequenos monarcas que se
arrumam, muitos dêles, na tentativa de fundarem núcleos de civilização assediados pela hostilidade dos
aborígenes, depressa enfurecidos pela incômoda presença dos intrusos (36).
son étendus et à sa population». L. Beaulieu, De la colonisation chez les peuples modernes, 6.a edição, 1908. Vol. I, pág. 41.
^ Le Brésil n'est pas un pays nouveau dans le sens de ne pas avoir un passe et des tradicdions. II est, au con-
traire, un vieux pays; il possède ce que les Etats-Unis et TArgentine ne possedent pas; le privilège d'une vieille societe, et
par de cela même il nous offre un intérêt de beaucoup plus grand que tout autre pays de rAmerique». Le Bresil au XX
siécle*. Pierre Denis. Paris, 1909. , ,, . ....
«A nossa raça, ao tempo da descoberta deste Continente, era a raça forte e rija que levara alem dos limites
conhecidos do mundo antigo, ainda além dos confins da conquista Romana, a bandeira da Cruz dos nossos maiores.
«Terá essa raça degenerado no solo uberrimo de nossa terra?
« Ella, que levou de roldão deante de si a mourama, de Guimarães a Lisboa, enxotada pelo montante de Affonso
Henriques e pela espada de Sancho I, antes que Aragão e Castella expelissem os infiéis dos seus últimos reductos na
Península; ella, que, alliada das maiores potências do seu tempo, dera uma rainha á Inglaterra e da Inglaterra recebera
outra rainha para o leito do seu rei; ella que gerou os Doze de Inglaterra, que foram desagravar as damas mglezas; ella,
que em começo da. edade moderna enchera a Europa de assombro deante das riquesas que ia buscar a As/a, por mais que
descurasse a sua vasta possessão do occidente não poderia desdizer do seu passado de glorias, nem se desdisse na região
maravilhosa, que os destinos haviam posto em seu caminho. Os Lusíadas, o Mosteiro da Batalha e o Brazil hao-de perma-
necer na Historia como [os seus maiores padrões de gloria immortal». Salvador de Mendonça, A Situação Internacional do
Brasil; Rio de Janeiro, 1913, Livraria Qarnier. A pág. 46 e seg. .
í Nós, que tivemos, como herança, a unidade da língua, do direito, da religião, dos ideaes políticos e soctaes,
que sahimos íntegros das faixas da historia, quero dizer, que sahimos feitos da phase colonial; temos nesse passado o claro
e inilludivel ensinamento do modo como se devem tratar as arrogancias de estranhas supremacias. ..
* Portugal, pequeno, com uma população redusida, teve força capaz de desannuviar os honsontes durante tres
séculos sobre a cabeça d'este collosso que se chama o Brasil e habilidade bastante para entregar integralmente homogêneo
este paiz áquelles que deviam ser os herdeiros da sua política, de suas conquistas, de suas glorias na America. . . I or trinta
annos os hollandezes, ricos e poderosos, senhorearam a mór porção das regiões do Norte, tresentas léguas de costa sobre
outras tantas pelos sertões a dentro. Annos inteiros, os franceses, no século áureo da sua grandesa, tomaram pe no
Maranhão, como annos antes o tinham feito no Rio de Janeiro e mais tarde o haviam de repetir. Hespanhoes, em conjun-
cturas varias, talaram os nossos campos do sul. Que é feito d'essas gentes? Que é feito de iodos esses intrusos que
forcejaram por desmantelar a famosa peça de architectura política, de que faliava o grande Jose Bonifácio de Andrade.
Portugal, pequeno, com uma população redusida, desfez esses planos de conquistas que tiveram esquadras no mar *
exércitos em terra; Portugal, pequeno, com uma população redusida, com a sua habilidade política, sua tenacidade de acça ,
sua coragem, seu desassombro, com o auxilio natural de seus colonos, com o auxilio das tres raças que se jun aram
vinham formando os alicerces da nova nacionalidade, conseguiu por toda a parte a victoria! E essa victona chegou ao pon
d'essa nação tão pequena no tamanho e tão grande no valor, nos entregar a nós, em 1822, quando fizemos a independência,
o Brasil maior do que elle é hoje. . . Sylvio Romero, O Elemento Portuguez. Discursos, a pág. 174.
t36) ... les gestes heroiques d'antan attendent toujours leur chantre. Les Indiens furent ideahses par le roman-
tisme en quête d'âmes hautaines; les africains trouvèrent des défenseurs aux superbes envolées, mais les vaillants pionmers
de la race conquérante qui avaient bien, ceux-lá, la laille épique, n'ont point mérité encore une egale sympathie litteraire,
quoique Lamartine, dans ses Entretiens sur la littérature, rêvât de nouvelles Lusiades composees outre-mer, dans cette langue
portugaise, plus latine, disait-il, et plus belle que 1'espagnole. 11 existe néanmoins un livre qui forme a lui seul tout notre
bagage littéraire au XVIe siécle. . . il vaut une bibliothéque, parce qu'il répresente le bilan de 1 oeuvre portugaise dans
1'Amérique Méridionale au moment de Tunion avec TEspagne, et parce qu'ii laisse déjá poindre cette tendresse ingenue pour le
pays, qui fera éclore demain un nouveau sentiment patriotique. Ce livre est une description du Bresil, ecnte a Bania para un
planteur de cannes à sucre, un Portugais, naturellement, qui fut pris sur le tard de la fievre des mines et vint a Madrid
solliciter des concessions que Ton faisait, comme toujours, attendre à ceux qui manquaient de hauts protecteurs. Les journees
passées dans les antichambres des ministres semblaient bien longues; les soirées étaient bien glaciales, en depit ou orasoro.
Pour distraire ses ennuis, occuper ses veilles, justifier ses prétentions par Texposé des ressources dont il avait 1 intuition et
évoquer le pays absent—car c'etait déjá son pays quhl avait laissé derriére lui —Gabriel Soares en composa Lesquisse choro-
graphique, agrémentée de traits d'histoire et de donneés sur la race et les moeurs indigenes. Par 1 amour qui a mis a son
travail, par l'esprit local dont il a inconsciement imprégné son oeuvre, celle-ci a survécu à toutes les descnptions plus completes,
plus exactes et plus littéraires qui nous ont été conservées dans la suite. Çà a été en quelque sorte la prenuere affirmation
ecrite d^une nouvelle entité dans les annales du monde». Formation Historique de la Nacionahte Bresihenne (Serie de conte-
rences faites en Sorbonne), por Oliveira Lima. Pág. 25 e 26.
XV
Introdução
Não demorou que a prática viesse provar a ineficácia das capitanias e a inadaptação do
regimen feudal europeu ao dilatado domínio. O ressurgimento dos senhores de pendão e caldeira, com
que se ensaiava uma colonização de estilo tradicional, fundada na jurisdição hierárquica dos barões
feudais, revelou-se um desbarato de vidas e fazendas. A ausência de unidade entre essas esparsas
suseranias tornava freqüentemente difícil o concêrto de uma obra eficaz de defesa. Aqueles pequenos
reis de tragédia esta- rio de Pero Lopes,
vam condenados a dos textos de Gan-
assentar a côrte bár- davo e de frei Vicente
bara à margem do do Salvador, das car-
mar e sustentar o as- Ml tas ánuas de Nóbrega
sédio do gentio que e Anchieta, veremos
os enclausurava. Pa- figurar no martirioló-
ra semear e plantar gio da era inicial
tinham de começar gente de outra quali-
por abater a floresta. dade e estirpe, que
Ao lume dos incên- U>1 ostenta em vez do
dios acudiam os ini- ferrete de ignomínia
m
migos insidiosos. So- o brasão da nobreza.
bre os agricultores £ y
Só obcessões doen-
não tardavam a cho- tias, singular espécie
ver as flechas. Era de masochismo men-
logo preciso trocar tal na visão da his-
a enchada pacífica tória, se comprazem
pela espada bélica. na deprimente tarefa
Nem tudo, po- de exalçar a influên-
rém, ficou perdido do cia do criminoso na
i
ensaio feudal, que obra guerreira, polí-
adorna o pórtico da tica e econômica da
história do Brasil com colonização, como se
alguns dos vultos de- Portugal tivesse tido
corativos dos heróis a particularidade de
da Ásia (37). produzir criminosos e
Quanto aos de- seus felizes descen-
gredados que a jus- dentes houvessem
tiça da metrópole atingido a perfeição,
mandava cumprir pê- social de os abolir.
na no Novo Mundo, li—I) ImMTwliir Slarlim ViíoliM, il. S.n,a. iIvitoIi-í Martim Afonso
«u («viTiinJm- II. Mpvüui da .(ãmiii nu l| ,|,. maj,, ,|,.
êsses perdem-se quási . , (■ iiuMTiniv Ire» aadas c .p ah ,. Mn . de Sousa (38)( primo-
invisíveis nos últimos gênito do alcaide-mór
planos da comparsa- de Bragança, Lopo de
ria. Se acompanhar- MARTIM AFONSO DE SOUSA Sousa, futuro capitão-
Retrato da galeria dos governadores da índia, em Gôa
mos as narrativas do mór do mar da índia
Roteiro Geral, do Diá- e antecessor de D.
]oão de Castro no govêrno do Oriente, alcaide-mór de Rio-Maior, senhor do Prado e de Alcoentre, é, na
ordem cronológica, o primeiro colonizador da grande série.
(37) 'Não se pode sustentar (o que aliás tem sido feito) que o regimen das capitanias fosse um desastre, pelas
dolorosas tragédias de que foram theatro; ao contrario, foi a salvação certa da colonia. Não havia outro meio de que lançar
mão naquelle tempo.. . Taes contratempos e outros que ainda houve seriam, como foram, inevitáveis ao povoar um paiz
sem immigração espontânea, sem animaes, sem trigo e outras sementes, com plantas que ainda não tinham a tradição do
uso, sem recursos e ao mesmo tempo ameaçado dentro e fora do seu âmbito. Apesar de tudo, esse regimen, nesse tempo em
que Portugal dictava ao mundo o exemplo do imperialismo, foi adoptado por outros paizes colonizadores, e os donatários
brasileiros correspondem aos «Seigneurs» francezes do Canadá, aos «Pa trone» das colonias hollandezas, ao «Staroste» inglez
da Carolina, etc.*. ]oâo Ribeiro, Historia do Brasil (curso superior) a págs. 71, 74 e 75 da 8.a edição.
(38)1 ♦ Este será Martinho, que de Marte
«O nome tem co'as obras derivado;
«Tanto em armas illustre em toda a parte,
«Quanto em conselho sábio e bem cuidado.
Lusíadas, Canto X
KVI
v
Introdução
f3'1) «Dois jovens que então desembarcaram a tratar com os habitantes ficaram ahi victimas da barbaridade e da
antropophagia deites. Assim, por este lado, a primeira ruptura e agressão, entre os da terra e os colonizadores, não partiu
destes, os quaes foram victimas da traição e a deixaram absolutamente impune». Historia Geral do Brasil, de Varnhagen, a
pág. 129 da 3.a edição (1907).
(40) «... Asi mismo hago saber â Vuestra Majestad que no se baila marinero castellano que sapa Ia costa
dei rio para donde es mi viaje, excepto tos portugueses, que tienen gran noticia delia por la continua navegation que por
alli tienen, p asi por esto, como porque navegan en piezas ligeras y bien aderezadas, conviene llevarlos esta jornada...»
(carta de 9 de Maio de 1544) * . . . y pues que Vuestra Majestad manda que ningun português pase en esta jornada, á to
menos sea servido de dar licencia ã cualquier piloto português que quiera ir, al que se le ponga todo el limite que Vuestra
Majestad fuere servido para que no haga deservicio á Vuestra Majestad, y en esto se terna toda Ia vigilância y cuidado que
conviene; por que Vuestra Majestad esté cierto que se non son los pilotos portugueses, no hay otro ninguno que sapa tan
bien aquella navégacion por la continuación que por alli tienen...» (Carta de 30 de Maio do mesmo ano) Archivo das índias,
<ie Sevilha, 143-3-12. Publicadas integralmente por Toribio Medina no seu Descobrimiento dei Rio de Ias Amazonas segun Ia
relación hasta41 ahora inédita de Fr. Gaspar de Carvajal, Sevilha, 1894, págs. 207 e 209.
(42) Veja-se pág. 414 do vol. II desta obra.
( ) «... esse procedimento, que tem sido com azedume exprobrado á nossa antiga metrópole, . . . lhe não era
exclusivo, visto que as outras nações marítimas o adoptaram. . . Cumpre ainda ponderar que os crimes pelos quaes esses
desditosos eram obrigados a se expatriarem não pertenciam na sua totalidade á classe dos que inspiram horror, sendo antes leves
dejictos, ou ainda meras suspeitas, aggravadas pelo codigo draconiano que regia a penalidade dessa epocha; e com quanto
nao se possa recusar a influencia do clima e dos hábitos da vida, incontestável é que de um pugilo de malvados não poderia
ter provindo uma raça humilde e trabalhadora como era a dos colonos luso-brasileiros, salvas caríssimas cxcepções. . . »
J- C. Fernandes Pinheiro, O que se deve pensar do systema de colonisação seguido pelos portugueses no Brasil, na Rev. do
Inst. Hist. Vol.-XXXlV, 2." (1871).
«As leis criminaes portuguezas (o livro V das Ordenações) eram de tal modo draconianas e absurdas que quasi
ninguém lhes escapava: pequenqs faltas eram alli tidas por crimes graves e a phrase «morra por elle > era a sentença
commum de qualquer delicio. João Ribeiro, Historia do Brasil, (curso superior), a pág. 69 da 8.a edição.
Alguns dos degredados abandonados no litoral lograram regressar à patria e servirem de intérpretes nas pri-
meiras frotas comerciais dos christãos-novos. vide Damião de Góes, Chr. Parte I, cap. 51, e João de Barros, Asia, Dec. I,
Liv. V, cap. 2.
XVII
Introdução
regressar ao reino, onde já se encontrava em 1506. Se desceu até Cananéa, como deixa supor o mapa
de Canerio, é possível que ]oão Ramalho tenha viajado na sua armada. As frotas subseqüentes teriam
perseverado naquela prática. Pelo regimento da náu Bretôa sabemos que já em 1511 funcionava em
Cabo Frio uma feitoria. Em Pernambuco e na Bahia tinham sido fundados postos idênticos para resgate
e defesa. Procurava-se, durante o reinado do [/enturoso, à semelhança do que se fizera na África,
estabelecer contacto permanente com o gentio, obter elementos de informação e futuros intérpretes,
facilitar as transacções do comércio insipiente.
Não se tratava ainda de uma colonização sistemática, aliás nem mesmo ensaiada na costa
africana até àquela data. A colonização é um empreendimento de tal modo complexo, exige tamanhos
recursos de iniciativa, perseverança e haveres, que não pode tentar-se sem vagarosos preliminares-
Colonizar, no sentido em que o fizeram os portugueses, é refazer e duplicar uma pátria, transportar
os materiais da civilização como o caracol transporta a casa.
Acusa-se freqüentemente Portugal de haver descurado por trinta anos a colonização do
Brasil, praso em que se ultimou a exploração do seu litoral, como se a perda dessas três décadas
houvesse influído perniciosamente nos destinos da futura nação. A verdade é que só os espanhóis
se nos adiantaram, favorecidos por maior população e estimulados pelo inesperado encontro de uma
civilização autoctóne.
Não foi, entretanto, sem pesados sacrifícios que as duas gloriosas nações da península cumpriram
a sua missão na América. Tém-se hoje como averiguado que a decadência nos séculos NV1 e XVII das
províncias meridionais da Espanha se deveu ao êxodo originado pela conquista da América (*3),
0 mesmo sucedeu em Portugal. Depois que a manutenção da índia lhe dizimou a nobreza, o exército e
a marinha, a colonização do Brasil exauriu-o na sua seiva popular. Desde os meados do século XVI
até aos nossos dias, a emigração para o Brasil tém sido uma das causas do deperecimento da
agricultura. No princípio do século XIX, Portugal era a mãe esquelética de um filho gigante (44).
Vejamos como procedeu a França, tam ávida dos domínios portugueses, na colonização das
suas possessões da América setentrional.
João Verazzani, mandado ao Novo Mundo por Francisco I, chegou na primavera de 1524 ao
litoral da Carolina do Norte. Fundeando nas baías de Delaware e da actual Nova-Vork, seguiu para a
Terra Nova e baptizou essas regiões com o nome de Nova França. Só dez anos depois, em 1534, o rej
mandou segunda expedição à América, sob o comando de Cartier, quando já fôra iniciada a colonização
do Brasil. O audaz navegador passou o estreito de Belle-Isle e descobriu a foz do rio S. Lourenço.
Em 1535 regressou do Canadá, só voltando à Nova França em 1541, construindo então um fortim em
Quebec para defender-se da hostilidade dos índios. Na impossibilidade de ali se estabelecer, abandonou
a terra no mês de junho de 1542. François de la Roque, que o foi substituir, não logrou maior sucesso
e voltou a França, desanimado, na primavera de 1543. Sobrevindo as guerras religiosas, os projectos de
colonização no Novo Mundo foram abandonados até 1562, ano em que partiu a armada de Jean Ribault.
1 Havia já seis anos que Mem de Sá governava o Brasil, como sucessor de Tomé de Sousa .e
D. Duarte da Costa!
A pequena íróta dos huguenotes descobriu Port Royal. Ali desembarcou e se fortificou Ribault,
que regressou a França logo depois para obter de Coligny provisões e reforços. Nada pôde conseguir
da coroa o almirante, e os colonos que haviam ficado na América, vendo-se desamparados e assediados
(■>3) , Si de grandes par ti es de cette province (a Andalusia), convertes auparavant d'une superbe végétation, sont
anjourd'hui tombcés au rang de déserts, sans hommes, broutées par les seuls taureaux, la faute en est aux conquêtes
espagnoles de fAmérique meridionale et centrale. UAndalousie et 1'Espagne doivent leur ruine moins au fanatisme religieux
qu'à la colonisation. Les branches ont tiré toute la séve du trone et pcu s'en faut qu'elles l'aient complètement dcsséché».
Ch. Eugène Schmidt, Seville, tradução e adaptação francesa de Henry Peire.
*La razón más poderosa de este decaimento nacional hay que buscaria en Ia abnegación de la maternidad.
No se da el pecho á diez y ocho criaturas sin que la madre quede arruinada por una anemia mortal... / V qué criaturas!
Algunas de ellas, por su vigor extraordinário, fueron desde el nacer vigorosos cachorros de gigante, absorbiendo lo más
rico de Ia medula materna*. Blasco Ibánez, La Argentina de Ayer, I Los Conquistadores, a pág. 159 de Argentina
y sus grandezas. . ... ■
{**) Uma das conseqüências da colonização do Brasil foi a perda ultenor dos domínios sul-afncanos, onde
Portugal teria podido com maior facilidade criar um império de evolução emancipadora mais lenta. No meado do século XVII,
(1651), quando expulsos do Brasil, os holandeses apoderaram-se das regiões da África meridional, prosseguindo a conquista
dos domínios portugueses da costa ocidental do continente. Exaurido pela luta, Portugal pôde ainda reapoderar-se de
S. Tomé e de Loanda, mas.o sul de África estava para sempre perdido. Sem êsses domínios, de clima benigno, passagem
obrigatória da navegação do Índico, Portugal ficava privado do território em que mais proveitosamente poderia empreender a
criação de um império africano e que, na época actual, com as jazidas auríferas e diamantíferas do Transvaal, do Oránge e
do Cabo, desempenharia uma função econômica de incalculável importância na evolução histórica portuguesa.
XVIII
Introdução
pelos índios, construíram uma embarcação para se transportarem à pátria. Só em 1564 outra expedição
comandada por Landonnière procurou reatar com idêntico insucesso as anteriores tentativas de Cartier,
La Roque e Ribault. A maioria dos colonos preferiu à agricultura a profissão aventureira do corso.
Repetiu-se nos mares da América Central, entre espanhóis e franceses, o mesmo drama que se repre-
sentara nos mares austrais entre os corsários da Normandia e da Bretanha e os navios de Portugal,
cabendo a Melendez o papel que D. João III distribuíra a Cristóvam Jacques. Ali, porém, o drama
assumiu proporções crudelíssimas e trágicas, vindo a Inglaterra a aproveitar das conseqüências dessa luta
de competição. Em 1583, s/r Humphrey Gilbert entrou na baía de S. João, na Terra Nova, e ali erigiu um
marco com as armas da Inglaterra. Lá diz o ditado que quem rouba a ladrão tem cem anos de perdão.
Em 1584, s/r Walter Raleigh obteve o título de lord de tôdas as terras que pudesse descobrir entre os rios
Santle e Delaware, mandando à América dois navios que ancoraram junto das ilhas Wacohen e Roanske,
no golfo de Pamlico e Albemarle, e que tomaram posse do país em nome de Isabel de Inglaterra. A primeira
região da futura colônia inglêsa da América foi baptizada com o nome de Virgínia, homenagem de
s/r Raleigh à soberana donzela. Em 1598, o marquez de La Roche reatou as malogradas tentativas
francesas de colonização, desembarcando numa ilha próxima do litoral de Nova Scótia com uma leva de
degredados. Nessa ilha os deixou como colonos. Quási um século desperdiçaram os franceses antes que
Samuel Champlain lograsse iniciar a colonização do Canadá, fundando em 1610 a cidade de Quebec.
Eram estes os colonizadores que tentaram desapossar os portugueses do domínio descoberto
pelos seus nautas è onde já cimentavam com suor e sangue os alicerces de um grande império, ao tempo
em que os colonos de Landonnière faziam a guerra de corso aos galeões espanhóis.
A ESCRAVATURA
DANDO a armada colonizadora de Martim Afonso de Sousa desfere velas da foz
do Tejo, ainda o Brasil era encarado com desconfiança.
te A distribuição posterior das capitanias hereditárias demonstrou o desinterêsse
s das casas mais poderosas pela aventura colonial, embora a dádiva desmesurada de
território e a cessão exorbitante dos privilégios, direitos e autoridade fossem para
incendiar de ambição os ânimos mais frios. Escasseavam as compensações capazes
5^ de mover a um destêrro voluntário, que se entremostrava estéril e fatal. Distri-
buídas por fim as capitanias pelos seus Donatários, elas vieram em seu devido
tempo desempenhar uma função guerreira na emprêsa gigante, ressuscitando um simulacro de feudalismo
que estimulava o orgulho senhorial e o instincto da posse sôbre dilatados domínios. E êsse esforço e
essa política ainda assim se perderiam sem a coadjuvação forçada e o sacrifício do escravo.
A escravatura, mão de obra na sustentação de tantas das nações da antigüidade, tornou
exeqüível a desmarcada façanha do pequeno povo colonizador. A Providência, que lhe entregara o
domínio sôbre a terra inóspita e despovoada, já anteriormente lhe destinara com a posse da África os
reservatórios onde êle iria buscar o material humano para a construção do novo império. Sem o
holocausto do negro, o Brasil não se poderia ter constituído. Vãs nos parecem as lamentações póstumas
como pueris os anátemas contra a prática da escravatura. Os portugueses não foram os seus institui-
dores. Herdaram-a da civilização greco-latina (45). Todos os povos da Europa ainda àquele tempo
utilizavam o escravo. Rara seria então a casa nobre de Portugal onde não houvesse escravos mouros
apreendidos nas guerras de Marrocos, e desde o tempo do Infante que, como na antiga Roma, os negros
da África eram objecto de comércio. No censual ou cadastro de Lisboa, composto por Cristóvam
Rodrigues de Oliveira, guarda-roupa do Arcebispo D. Fernando de Menezes, estampado em 1551, a
população escrava figura com a cifra de 9.950, ou sejam 9,95 por cento da totalidade das almas.
O5) Na idade áurea de Atenas, havia uma média de dez escravos para cada cidadão. A êsse regimen se atribui
o desenvolvimento das artes, das sciências e da filosofia gregas. Sobrava o tempo aos cidadãos atenienses para cultivarem
as letras e a retórica, freqüentarem os estádios e os teatros. .
4
XIX
Introdução
De uma carta do padre Nóbrega para o padre-mestre Simão Rodrigues (4(>) se deduz que a primeira
leva de escravos da Guiné chegou à Bahia no penúltimo ano do govêrno do austero Tomé de
Sousa; «Depois que vieram os escravos d'El-Rei, da Guiné a esta terra, tomaram os padres fiados
por dous annos tres escravos, dando fiadores a isso, e acaba-se o tempo agora cedo... • Não são apenas
os escravos afri- também tomei
canos que os ie- doze vaquinhas
suítas utilizam. para criação, e
A
«Fiz marcar ou- para os meninos
tros escravos da terem leite, que
terra-», acres- é grande man-
centa o grande timento; em to-
missionário da da a maneira
Companhia de Cafvt XXIX. este anno tra-
]esus. «Alguns gam os padres
escravos d'estes, g-Htpin Jkinfij, de quibits Regemprtmomeram .pagumi* provisão d'El-
que fiz marcar quo di»erteb*ropmnani, & tMrnaculum.m Rei, assim dos
■ quo mor.iLr, dmpere rtggrc-
para a casa, são dmnlitr. escravos como
femeas, as quaes destas doze vac-
eu casei com os cas, porque te-
machos, e estão n nho dado fiador
nas roças apar- para dentro de
tados todos em um anno as pa-
suas casas...» gar a El-Rei...»
Noutra carta di- À seme-
rigida ao Pro- lhança de frei
vincial de Por- Bartolomeu de
tugal, Nóbrega Ias Casas, que
volta ao assunto defendia da
com a simplici- opressão caste-
dade de um ho- lhana os aborí-
mem do século genes das Anti-
n Ihasedo México
XVI, para quem
a escravatura é e preconizava a
uma necessida- utilização do es-
de social: «Já cravo africano,
tenho escripto os jesuítas en-
sobre os escra- caravam a es-
vos, que se toma- cravatura negra
ram, dos quaes como expediente
Intaca
um morreu logo, salutar para a
como morreram paz e a pros-
outros muitos, Ataque a uma taba de tupiniqulns peridade da
Gravura da edição de 1592 (Francfort) da obra de Hans Staden. colônia. Aqueles
que vinham já
doentes do mar, padres angé-
licos, que para poderem gastar nas obras piedosas da catequese o cruzado de ferro que mensal-
mente recebiam, humildemente iam comer com os criados do governador, não se insurgiam contra
a escravidão do africano. Aceitavam-a como instituição milenária, adoptada por todos os povos,
e serviam-se dela para as suas iniciativas humanitárias. Dando contas ao Provincial do incremento do
colégio, onde já alberga e dá instrução a trinta ou quarenta crianças, Nóbrega (47) adverte que «se El Rei
(46) O padre-mestre Simão Rodrigues foi o quinto dos nove primeiros companheiros de Inácio de Loiola, e o
primeiro padre da Companhia que veio para Portugal (1540), trazendo por companheiro o padre Paulo Camerte. Foi éle o
fundador das províncias sujeitas a Portugal. Era natural da vila de Douzela, conc. de Lafões, na com. de Viseu; filho de Gil
Gonçalves e Catarina de Azevedo, aos quais a tradição atribuía parentesco com S. Frei Gil Rodrigues. O futuro jesuíta cursou
a Universidade de Paris, em cujos estudos era subsidiado pelo rei, e graduou-se em filosofia. Lá conheceu S. Inácio.
Participou da primeira junta em que se lançaram as bases da Companhia e da cerimônia do voto dos «seis cavaleiros da
milícia de Jesus» na ermida do Monte dos Mártires (Montmartre), em 1534.
(") O padre Manuel da Nóbrega bacharel em cânones, filho de um magistrado e sobrinho do chanceler-mór,
substituiu quási à última hora o padre-mestre Simão Rodrigues, que obtivera do rei licença para acompanhar ao Brasil o
primeiro governador Tomé de Sousa, e que não embarcou por motivo de doença.
XX
Introdução
favorecer este e lhe fizer igreja e casas, e mandar dar os escravos, que digo (me dizem que mandam
mais escravos a esta terra, da Guiné); se assim fôr podia logo vir provisão para mais tres ou qua
além dos que a casa tem, antes de um anno se sustentariam cem meninos e mais*. _
Os restantes povos colonizadores da América serviram-se da mesma instituição e aca ar
por recorrer ao africano quando se malograram as tentativas para domesticar o aborígene e su me
as tribus indómitas à disciplina do trabalho. , ,
A escravatura africana nos Estados-Unidos data da segunda década do século XVI1, quanao
um navio holandês entrou no rio James com carregamento de pretos. Foi a Virgínia a primeira
província que empreendeu o tráfico. As leis do Massachusets já autorisavam a prática da escrava ura
em 1641; as do Connecticut e as de Rhode-Island por volta de 1650; as de Nova-Vork em 1656, as e
Maryland em 1663; as de Nova-Jersey em 1665. As duas Carolinas empregaram a mao de obra
negra desde 1671. A colonização chamada dos puritanos, na América inglêsa, recorreu ao escravo no
século XVIl, como Portugal o fizera desde o século XVI, reconhecendo-se a necessidade que impusera
o método português nas regiões despovoadas ou habitadas por povos insubmissos. Em 1860, o numero
de escravos existentes nos Estados-Unidos era avaliado em quatro milhões e a abolição so po e
consumar-se pelo preço de uma guerra civil. Foram o progresso da máquina e as novas con içoes
econômicas propícias ao aumento da população que extinguiram gradualmente a escravatura
À encorporação dos escravos negros (que em grande parte já viviam anteriormente no regimen
de escravidão) e à relutância portuguesa em associar outros povos à árdua tarefa colonial, deve parcia
mente atribuír-se a coesão do seu império americano. < A
Se politicamente o Brasil é o resultado da expansão do sentimento nacionalista português,
economicamente resultou da associação do trabalho negro aos labores sedentários da agricultura, incom
patíveis com os hábitos nômadas e a belicosidade ingénita do aborígene (49). Sem o escravo não se avena
dilatado o poderio romano; sem o escravo não se poderia ter criado o Brasil í30). «Sem escravos naÇa0
alguma começou... Todos foram buscar negros ao armazém da África para lavrarem as suas co onias
americanas... Não menos ferozes e horrendos nos parecem, também, os morticínios e a escravi ao com
que os romanos submeteram a península Ibérica; e esse foi, entretanto, o duro pieço por que ea pou e
entrar no grêmio dos povos de civilização latina» (si).
, t ■ ~_ POVOAMENTO
alguns precursores, arrojados para entre as tribus dos autóctones, conhecemos a missão E DEFESA
que desempenharam, como João Ramalho, que conduziu os povoadores da capitania de l.toranea
S Vicente, através da floresta ínvia, na escalada da serra escabrosa de Paranaciacaba,
wmj para o planalto de Piratininga, pondo-os em contado com a estrada fluvial do T.ete (").
Quando Sebastião Caboto, que se dirigia às Molucas, arribou a Pernambuco, al. encontrou
uma feitoria guardada por treze homens, cujas informações sôbre a existência das terras argenteas
desviaram o veneziano para o Rio da Prata. Desde 1514 que as náus portuguesas, transpondo
afoitamente o meridiano de Tordesilhas, haviam entrado no estuário platino e difundido até às feitorias
mais setentrionais as notícias das remotas riquezas da costa ocidental. Nos litorais de Santa Catarina,
S. Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, no Cabo Frio, em Pôrto Seguro, no Recife, degredados, sobreviventes
de naufrágios, guarnições de fortins e postos de resgate eram os primeiros pègões dos alicerces para
a edificação do vindouro império, os élos de uma cadeia ainda invisível, os transmissores de informações
que as armadas colhiam, as atalaias que vigiavam a orla marítima do domínio lusitano.
É a estes núcleos isolados, como que perdidos no litoral desmesurado, acantonados no sopé
da Serra do Mar que veda o acesso aos sertões como as cadeias de bronze defendiam antigamente do
invasor a foz dos rios,—que João de Melo da Câmara, propondo-se a iniciar uma colonização regular
do Brasil, se refere asperamente na carta ao rei: «homens que estimam tão pouco o serviço de l/. A
e suas honras, que se contentam com terem quatro índias por mancebas e comerem os mantimentos
da terra-» (53). Cristóvam Jacques, o perseguidor dos corsários, com a vantagem de conhecer a terra e
de ter navegado até às paragens longínquas do Rio da Prata, apresenta também uma proposta.
Já D. João III e os seus ministros, advertidos pelo insucesso das negociações diplomáticas com
a França, cogitam na colonização, muito embora o reino principie a sentir-se devorado nos haveres e
nas energias pelo seu desconforme império ultramarino, como pequeno coração a trabalhar para a
vitalidade de um gigante organismo.
A curto intervalo da expedição punitiva mandada para desalojar os franceses instalados em
Pernambuco, sobrevém a instituição das capitanias hereditárias com que o Brasil ia iniciar por um
feudalismo póstumo, como as nações surgidas do desmoronamento do império latino, a sua consti-
tuição histórica.
Se exceptuarmos a ascensão paulista para os campos do Piratininga, guiada por João
Ramalho, a colonização do Brasil, no ciclo quinhentista, é quási exclusivamente litorânea.
Escrevendo no princípio do século XVII, frei Vicente do Salvador dizia pitorescamente àcêrca
dêste povoamento periférico; «Da largura que a terra do Brasil tem para o sertão não trato, porque até
agora não houve quem a andasse, por negligencia dos portugueses, que, sendo grandes conquistadores de
terras, não se aproveitam dellas, mas contentam-se de as andar arranhando ao longo do mar como
caranguejos». O tom lusitanissimo da censura do historiógrafo bahiano denuncia o zêlo amigo pela terra.
Os portugueses, sem excluir os tonsurados, foram sempre grandes murmuradores. Como depoimento de
um nacionalismo precoce e vigoroso, essa e muitas outras das suas observações assumem considerável
valor documental; mas um historiador moderno daria prova de somenos perspicácia, adoptando os
conceitos do guardião da Sé da Bahia.
Sob pêna de malogro total, a missão colonizadora quinhentista não podia ausentar-se do
litoral. Um povo de maiores recursos humanos nao a teria executado de outro modo sem arriscar-se a
funestas conseqüências. Portugal dispunha de pequena população. A maneira hábil como soube aplicá-la
constitui um dos mais perfeitos exemplos de previdência e de tacto, em que, ainda hoje, as nações
colonizadoras a cujo número pertence o Brasil, com a vantagem de ser um estado colonizador em sua
própria casa—podem inspirar-se proveitosamente.
Em compensação do exíguo material humano, Portugal possuía, como nenhum outro país nos
primeiros decênios do século XVI, abundantes veículos de transporte marítimo. Ter gente em quantidade
não resolvia o problema. Era necessário poder transportá-la. A Inglaterra, a França ou a Espanha não
teriam conduzido maior número de emigrados às plagas austrais da América, não só por deficiência de
tonelagem como também porque o Brasil, privado de quaisquer recursos de civilização, não comportava
as grandes levas emigratórias.
O litoral constituía o palco insubstituível do primeiro ciclo colonizador. Era nos litorais
que se esperavam as invasões do intruso; só nos litorais se podia defender a integridade
0n e Ch a
Pe7o"caDko 7Ã crfv/n d^F f de Putubr
i J?*f Examinou ° de '532 - e allilheassignou nessedo
diaqual
a Sesmaria de Pedro
muitodevantajosa;
Goes, lavrada por
;f° , El-Rei. o terreno quanto foi possível, formou idea, mas por
qUe Se re 0 leu â d
f " W* e 5. Vicente, deu huma providencia digníssima da sua alta comprehensão
tnrn^FJÍpr.toc =. f Sres3ar atav com
a 0 1
os índios podcssem hir Brancos ao campo sem sua lisença, ou dos Capitães seus
nulta
t f a i j jS " ,[ oircumspecção, e unicamente a sujeitos bem morigerados. Desta regra genera-
Madre de Deos op cit.f pág 70 ' " ^ Ve'0 situar-se meia !e30a distante da Borda do Campo.... Frefoafpar da
(") Trabalhos Náuticos dos Portugueses, por Sousa Viterbo. Lisboa, 1898. Voi. I, pág. 215.
XXII
Introdução
o domínio. Foi essa inquebrantável defesa litorânea que deu à colônia a sua coesão eficaz,
uardado o limiar marítimo, o êrmo sertão estava seguro. Os «caranguejos» de frei Salvador
realizaram obra sábia e providencial. A êles se deve a possibilidade pouco remota da expulsão dos
ranceses^ do Rio e do Maranhão e dos holandeses do Recife. A ruga orogénica da Serra do Mar e a
oresta ínvia desempenharam um papel saliente no domicílio litorâneo dos colonizadores, robustecen-
o- es o instinto marítimo. Penetrar nas selvas seria disseminar forças, adeloacar a resistência.
Haveria sido a
vivaz e resis-
dispersão da co-
tente nacionalis-
lónia, o des-
66 AL mo nessa fím-
membramento bria de praias
do Brasil. De- ■Z. que foram o es-
pois de S. Vi-
treito campo de
cente, as cida-
batalha onde se
des marítimas
feriu a estron-
de Pernambuco
deante peleja
e Bahia, e mais Capvt XXXVIII.
secular pela in-
tarde o Rio de
tegridade do
Janeiro, consti- ZDeys qu* acciderunt in reditu poji comejlum illud
Brasil.
tuíram os íócos mancipiunu.
O que a
irradiantes, as
nacionalidade
células mater da :
r possui de estru-
nacionalidade.
cturalmente for-
As entradas no
te: a raça dife-
sertão, eixos em
renciada, a uni-
tôrno dos quais
dade idiomática
se desenvolve
e religiosa, a
a colonização
tradição, a inte-
paulista e a his-
gridade territo-
tória do Brasil ü rial—é obra dos
no século XVII,
primeiros colo-
teriam sido fa-
nizadores portu-
tais se anteci-
St gueses e da sua
padas de algu-
prole, em quási
mas décadas.
três séculos de
O prodí-
esforço e de
gio português
luta.
consiste em ter
Criação e
podido defender emancipação
a imensa linha
constituem actos
de costas e ha-
e estados incon-
ver conseguido, fundíveis, se
no contacto des- bem que o se-
nacionalizador, gundo decor-
cosmopolita, do Pcraíta
rente do primei-
oceano, fundar ro. Chegadas à
Refeição de tupiniquins
e desenvolver de Gravura da ediç5o dc 1592 (Francfort) da obra de Hans Staden maioridade, as
tam boa hora um
a colônias
v/X Vy 111 eman-
cipam-se da tutela da metrópole. Mas a emancipação que lhes confere o direito soberano de dispor dos
seus destinos não cassa à metrópole a autoria do nascimento. A maternidade é inalienável.
O propósito desta obra de exame crítico e análise retrospectiva dos textos históricos não é
tanto o de engrandecer por narrativa fidedigna e documentada a tarefa ingente dos colonizadores—tam
ce o integrados nos destinos da nova pátria que fundaram no Novo Mundo,—como o de patentear a
origem e evolução da nacionalidade brasileira, marcando-lhe a situação que lhe cabe na árvore genea-
ogica dos povos americanos, em sua qualidade de representante e herdeira de um grande povo criador
que preparou o descobrimento da América.
As circunstâncias que presidiram e influíram no seu desenvolvimento histórico fizeram que no
rasi se repetissem em resumo os fenômenos de gestação e evolução das pátrias européias: circuns-
XXIII
Introdução
tância invocada, entre outras, na conferência de Paris, para justificar a proeminência com que nela
tomou assento (5í).
Não será demais insistir na inconciliável diferença dos métodos aplicados na colonização do
Brasil e na exploração do Oriente. ]á apontámos a desigualdade flagrante em que se operou a
dominação comercial e militar da Ásia meridional e em que se realizou o povoamento dos vastos
domínios da América austral. No Oriente, Portugal fundara feitorias guamecidas de fortalezas, vigiadas
e sustentadas pelas armadas e o exército. Era, como na Mauritânia, uma soberania precária, sempre
em pé de guerra. Santa Cruz foi desde o início um empreendimento nacional, economicamente fundado
na agricultura. No Brasil quási despovoado, o português transforma pelo" cruzamento as raças mais
deserdadas de aptidões civilizadoras em instrumentos de civilização, contribuindo proeminentemente
para integrá-las na comunidade histórica. O africano e o americano das regiões subeqüatoriais apresen-
tavam-se aos europeus civilizados como semi-homens animalescos. Dêsses exemplares bárbaros, o reinol
improvisou pela mestiçagem (55) um exemplar humano que actualmente figura no índice intelectual
como dotado, em seus tipos superiores, das capacidades cerebrais e emocionais do indo-europeu.
A escravidão foi o tributo doloroso pago pela raça negra para a sua elevação na espécie e na
sociedade. Com a fusão das raças, o português criou um tipo adaptado simultâneamente ao progresso e
ao devorador clima tropical, corrigindo a passividade africana com os glóbulos vermelhos das raças
activas e dominadoras, que estão acabando por dissolver e atenuar a dissemelhança pigmentária e o
prognatismo do negro, encorporando-o à raça branca.
Se exceptuarmos a colonização precária e semi-legendária dos escandinavos na Groenlândia
do X ao XII século, aos portugueses compete a honra de terem, primeiros entre os povos modernos da
Europa, iniciado a era das colonizações com o povoamento dos arqüipélagos desertos dos Açores e da
Madeira, no século XV. «As ilhas do Atlântico são os primeiros exemplares de colônias propriamente
ditas», observa Oliveira Martins (36) quando inventaria as diferenças fundamentais entre o episódio
cesariano da índia e a obra sistemática, obstinada e criadora executada no Brasil. «-Conquistar pelas
armas e impor o domínio próprio a nações cultas, embora o sejam de um modo diverso do europeu,
difere essencialmente do facto de amansar tribus selvagens, de as exterminar, de povoar territórios nus,
de desbravar florestas virgens e abrir o solo ás culturas produtivas» (57).
A história da colonização do Brasil é uma das grandes emprêsas do homem europeu, que,
para poder ser abrangida na sua complexidade exige perspectivas desanuviadas de preconceitos.
♦ Vê-se aí, na confusão muda das cousas primitivas, como que o germinar da semente, e assiste-se ao
domínio franco das leis da natureza e dos instinctos humanos—que são também uma expressão dessas
leis. A história reduz-se a fastos, mas cada uma dessas datas simples: a exploração de um rio, a
construção de uma casa, o morticínio de uma tribu indígena, o desembarque das mulheres vindas do
reino, ou o rapto das dos índios: cada um destes factos acorda no espírito do observador o conjunto de
condições e de leis a que obedecem o nascer e o crescer das sociedades. Assim viveram os velhos sabinos,
assim Remo e seu irmão; assim cresceu a poderosa Etrúria; assim Roma se tornou a maravilha
do mundo» (58).
Alguns dos povos resultantes dêsses empreendimentos formidáveis dos colonizadores da
América, esquecendo que são descendência e obra dêles e não dos elementos nativos, suplantados
ou exterminados, pretendem inaugurar pela crítica severa dessas emprêsas a sua joven história, embora
sejam social e politicamente a conseqüência da obra que condenam e sem se inteirarem de que,
desde que os homens revelaram a aptidão de construir nações, as construíram por análogos processos.
A obra da colonização europeia da América é o conflito ininterrupto entre a civilização e a natureza,
(54) * Certamente que estivestes atentos ás razões pelas quaes, na maior reunião das nações do mundo, nós que
não tínhamos todos os direitos que podia conferir a activa beligerancia, fomos cotados logo depois das grandes potências
imediatamente interessadas no conflito universal. Foram declinadas: tínhamos mais de oito milhões de kilometros quadrados
de terra; havíamos mais de vinte e quatro milhões de gente; e foramos, atentae bem, foramos um império... Havíamos sido
educados politicamente para grande nação, papel a que éramos chamados nesse momento augusto...* Afranio Peixoto,
Discurso de 55
Recepção no Instituto Histórico do Rio de ]aneiro, aos 22 de julho de 1919.
( ) O braço negro linha sido anteriormente aproveitado na colonização dos Açores e da Madeira, nas ilhas de
Cabo Verde e, na ilha de S. Tomé, que já em 1490 fôra elevada a capitania e doada a João Pereira (transferida, três anos
depois, para Álvaro de Caminha).
(") Oliveira Martins, O Brasil e as Colonias Portuguesas.
(") Op. cit., pág. VI.
(58) Ibid. pág. VIII.
XXIV
Introdução
entre o homem civilizado e o homem primitivo, que Gabriel Soares de Sousa qualifica de «mais bárbaro
que quantas criaturas Deus criou»: um duelo armado e terrível. O europeu não veio à América para
trucidar, mas, desde a Argentina às terras do Canadá, por toda a parte onde o aborígene o contrariou,
o atacou ou lhe embaraçou os desígnios, combateu, suplantou e exterminou o adversário.
Dos três invasores, o português foi o mais morigerado e humanitário, embora tenha recorrido
freqüentemente à violência como os espanhóis e os britânicos (59). A catequese dos jesuítas amorteceu
o choque inevitável entre o invasor e o habitante das florestas. Mas principalmente se deve atribuir o
sucesso da emprêsa colonizadora à experiência que do trato e govêrno de povos bárbaros e estranhos
possuíam já os portugueses. Os espanhóis, antes de comparecerem na América, quási não tinham saído
do âmbito das suas fronteiras, pois apenas no arqüipélago das Canárias haviam ensaiado um povoamento.
Portugal, pelo contrário, comparecia no Brasil com prática colonial secular, dispondo de homens capazes
de governar e administrar os domínios ultramarinos. É êsse escol militar e político dos séculos XV
e XVI que coordena e aproveita as qualidades do povo, se não foi quem lhas infundiu.
A criação, a breve praso, de um poder centralizador, confiado a homens da estatura moral
de Tomé de Sousa e Mem de Sá, imprimiu à obra portuguesa um ritmo que falta ao dispersivo tumulto
do heróico e triunfante tentamen da colonização espanhola, em que só quási interferem no primeiro
período o gênio e o valor dos cabos de guerra.
Será ainda indispensável ter presente, na análise dos sucessos que vão desenrolar-se, que os
povos encontrados no litoral do Brasil pelos primitivos colonizadores não eram originários das regiões
em que se achavam instalados desde épocas recentes. Êsses povos viviam em luta quási permanente (60).
Acometendo-se, impelidos por competições inexoráveis, pareciam apossados do delírio da vingança e do
extermínio (t>i). Independentemente da guerra que lhes moveram os povoadores brancos, continuaram a
dizimar-se em pelejas implacáves, a que os hábitos inveterados da antropofagia imprimiam aspectos
terriíicantes.
Gabriel Soares de Sousa, no seu Tratado descritivo do Brasil, pinta-nos com inexcedido
realismo a ferocidade animal daquelas lutas exterminadoras e ritos canibalescos: ... *do primeiro
encontro não perdoam a grande nem a pequeno, para o que vão apercebidos de uns páos á feição de
arrochos, com uma quina por uma ponta, com o que da primeira pancada que dão na cabeça do contrario
lh'a fazem em pedaços. E ha alguns destes barbaros tão carniceiros que cortam aos vencidos, depois de
mortos, suas naturas, assim aos machos como ás femeas, as quaes levam para dar a suas mulheres, que
as guardam depois de mirradas no fogo para nas suas festas as darem a comer aos maridos por
relíquias (62)... Os contrários que os Tupinambás captivam na guerra, ou de outra qualquer maneira,
metem-nos em prisões, as quaes são cordas de algodão grosso, que para isso teem mui loução, a que
chamam muçuranas, as quaes são tecidas como os cabos dos cabrestos de África; e com ellas os atam
pela cinta e pelo pescoço, onde lhes dão muito bem de comer, e cada um por mulher a mais formosa
moça e lhes fazem bom tratamento até que engordam e estão estes captivos para se poderem comer...
E se a moça emprenha do que está preso, como acontece muitas vezes, como pare, cria a criança até
idade que se pode comer, que a offerece para isso ao parente mais chegado, que lh'o agradece muito
o qual lhe quebra a cabeça em terreiro..; e como a criança é morta, a comem assada com grande
festa, e a mãe é a primeira que come desta carne, o que tem por grande honra ...» (63).
(''>) «... este povo (o português), 'que não exterminou o indígena, encontrado por elle nesta terra e ao qual se
associou, ensinando-lhe a sua civilisação, que não repelliu de si o negro, a quem communicou os seus costumes e a sua
cultura, predominou, entretanto, pelo justo e poderoso influxo da religião, do direito, da língua, da moral, da política, das
tradições, das crenças, por todos aquelles invencíveis impulsos e inapagaveis laços que movimentam almas e ajuntam homens.
É por isso que o nosso épico, o immortal Durão, via claro e dizia bem, quando affirmava ser o Brasil Portugal transplantado
♦ e transfigurado na America...», Sylvio Romero, O elemento portuguez no Brasil, conferência realizada em maio de 1902,
incluída no volume de Discursos. Livraria Chardron, Pôrto, 1904.
(•>0) o fraccionamento crescente na raça tupica, que se estendia por quasi todo o Brasil na época do descobri-
mento, era tal, que não exageram os que crêm que a não ter lugar a colonisação européa, a mesma raça devia perecer
assassinada por suas próprias mãos...» Varnhagen. Comentário 222 à edição do Tratado descriptivo do Brasil.
(61) «Co/no se este gentio (os Tupinambás) viu senhor da terra da Bahia, dividiu-se em bandos por certas
differenças que tiveram uns com os outros, e assentaram suas aldeias apartadas, com o que se inimisaram; os que se
aposentaram entre o rio de S. Francisco e o rio Real se declararam por inimigos dos que se aposentaram do rio Real ate
ã Bahia, e faziam-se cada dia cruel guerra, e comiam-se uns aos outros; e os que captivavam, e a que davam vida, ficavam
escravos dos vencedores. E os moradores da Bahia da banda da cidade se declararam por inimigos dos outros Tupinambás
moradores da outra banda da Bahia, no limite do rio de Paraguassú e do de Seregipe, e faziam-se cruel guerra uns aos
outros por mar; onde se davam batalhas navaes em canoas, com as quaes faziam ciladas uns aos outros, por entre as ilhas,
onde havia grande mortandade de parte a parte, e se comiam, e faziam escravos uns dos outros, no que continuaram ate o
tempo dos Portuguezes*. Gabriel Soares de Sousa, Tratado descriptivo do Brasil, Cap. CXLVI1I.
(62) Op. cit., Cap. CLXVII1.
(") 1b. Cap. CLXXI.
XXV
Introdução
Esta era a humanidade com que defrontava o colonizador no Novo Mundo, onde as aves e
as feras andavam mais vestidas do que o rei da criação.
Consistindo designadamente a emprêsa portuguesa na substituição da civilização europeia à
barbaridade de um homem que vivia na fase primitiva da antropofagia, será preciso encarar o conflito
entre o invasor e o indígena como a mais pesada condição imposta a êsse ousado empreendimento.
O Brasil, tal qual o vemos, não podia resultar da evolução do aborígene. Como tôdas as civilizações
avançadas da América, é o resultado da substituição em grande escala do europeu ao autoctóne. Foi
isso que o romantismo filho da cultura europeia—freqüentemente não compreendeu, exaltando com
sacrifício da raça conquistadora, de que era uma manifestação cultural, o povo inimigo e vencido (64).
O regimen inicial da colonização instituído no Brasil, semelhante ao aplicado nos arqüipélagos
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dos Açores e Madeira, inclui o domínio americano na tradição colonizadora do Infante D. Henrique,
mas é de todo impossível comparar a colonização de ilhas desertas à conquista a ferro e fogo
de uma terra possuída por um inimigo assustador.
Em 1425, a Madeira fôra dividida nas capitanias do Funchal e de Machico, respectivamente
doadas aos dois descobridores, João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz, cavaleiros do Infante, que mandou
vir da ilha de Cândia a malvazia e da Sicília a cana do açúcar, e quem ensinasse os colonos a
(M) . É facto sem analogia nas restantes maiores nações de civilização europeia da América, onde os repre-
sentantes da civilização invasora não empreenderam, em seu detrimento, a apologia das raças combatidas, suplantadas e quási
exterminadas pelos antepassados. Pode dizer-se que no Brasil a missão civilizadora portuguesa se expandiu até aos domí-
nios étnicos. Sob êste aspecto, tendo largamente influído na evolução das duas raças inferiores, a obra portuguesa é incom-
parável. Como exemplo dessa rápida fusão pode invocar-se já a presença de um mameluco brasileiro, filho do pilôto-mór )oâo
Lopes Carvalho (que o tivera de uma tamova, no Rio de Janeiro) na armada de Fernâo de Magalhães, que realisa com o
périplo da América e a circunnavegação do globo a mais extraordinária viagem marítima de todos os tempos.
XXVI
Introdução
cultivá-las. Em 1501, a ilha da Madeira produzia 63.800 arrobas de açúcar, e dela saíram depois as
plantas para a cultura de S. Tomé e do Brasil. Nos Açores seguiu-se análogo sistema. Colonizadas pelos
donatários Gonçalo Velho (que descobrira a Santa Maria em 1432 e S. Miguel em 1444, no dia do
Arcanjo, 8 de Maio) e Jacome Bruges, cavaleiro flamengo ao serviço do Infante (a quem foi doada a
Terceira, em 1450), as ilhas ocidentais do Atlântico depressa prosperaram. Em 1451, antes mesmo da
descoberta do Corvo, doada em 1453 por D. Afonso V ao duque de Bragança, já o Funchal tinha foral
de vila, sendo elevado a cidade em 1508. Trinta e quatro anos depois de descoberta, a «Madeira
contava quatro povoações importantes, punha em armas 800 homens, produzia grãos para alimento
proprio e assucar que, cem annos mais tarde, chegou a pesar quatro mil toneladas» (65). Eis o
modêlo tradicional por onde se guiaram os primeiros passos da colonização do Brasil.
Quando D.
]oão 111 resolveu .fSM
abranger o domínio m
á f»'
americano, de limites m
ainda indecisos, no
vasto programa co- 4$
lonial do seu govêr- •> -
no, havia bastantes" . >
anos que Afonso de
Albuquerque fundara
o dilatado império
banhado pelo oceano /
Índico, desde o cabo
da Boa Esperança
até Malaca, e D. Nuno
da Cunha não tarda-
ria a edificar em Diu
a fortaleza que do-
th*- Sã
minava a costa de
-r
Cambaia, imortaliza-
3 9a
da, anos depois, pela
defesa furibunda do
capitão Antônio da
Silveira. Os príncipes
do Malabar vinham
estudar a Lisboa e M.'
para êles compunha
João de Barros, do-
A execução do prisioneiro, abatido a golpes de clava na cabeça
natário do Rio Gran- Gravura da edição de 1592 da obra de Hans Staden
de do Norte, a sua
gramática; o rei de
Ceilão mandava ao rei de Portugal a estátua em ouro do sucessor para que o monarca o coroasse em efígie.
E' precisamente quando se encerra o ciclo épico dos descobrimentos com a viagem fenomenal
de Fernão de Magalhães—que repetira por conta de Carlos V as anteriores proezas de Bartolomeu
Dias e Vasco da Gama na circunnavegação da África, encontrando a passagem do Atlântico para o
Pacífico e demonstrando experimentalmente a esferoícidade da terra,—que Portugal reenceta a colonização
dos domínios ultramarinos, resolvendo o problema embaraçoso de pôr em eqüação um território
imensurável e uma população minúscula.
As ilhas de Cabo Verde, escala da navegação atlântica eqüatorial, mereceram os primeiros
cuidados do soberano colonizador. Povoaram-se S. Nicolau, Boa Vista, Maio e Santo Antão. Refor-
maram-se as doações. Aplicou-se ao arqüipélago o regimen das sesmarias. Não tardará que a criação
da diocese de Cabo Verde, independente do bispado metropolitano do Funchal, venha consagrar o êxito
das medidas adoptadas pelo govêrno de Lisboa, onde Pedro de Alcáçova, filho do experimentado
Antônio Carneiro, continua a política colonial de D. ]oão II e D. Manuel. S. Tomé estava já em plena
prosperidade. Em 1522, os seus sessenta engenhos de açúcar produziam 150.000 arrobas. Os colonizadores
iam comparecer preparados pela experiência no palco da maior façanha para que os convocara o destino.
Quando se pensa que o «Minotauro da índia» continuava devorando em inauditas proporções
as energias da pequena e vigorosa nacionalidade, infunde irreprimível espanto a enormidade da audácia
e a confiança ilimitada daqueles antigos colonos de Roma, submetidos pelos legados de Augusto, que
iam levar aos mares da América os seus navios de guerra e transportar para o Novo Mundo os
séquitos rurais dos Donatários.
(»"j De todas as aações da América é o Brasil a que possui mais gloriosos fastos militares no seu período colonial,
por ter sido compelido a defender-se contra sucessivas tentativas de usurpação por parte da França, da Espanha, da
Inglaterra e da Holanda. Abstraindo das campanhas sustentadas pelos espanhóis na conquista dos impérios dos Aztecas e
dos Incas, no México e no Perú, nos anais militares das colônias do outro hemisfério avultam quási que apenas as lutas
dos espanhóis contra os corsários franceses e, mais tarde, as que os britânicos sustentaram contra os franceses até expeli-los
dos domínios da Luisiânia, Mississipi e Canadá.
... . . Capistrano de Abreu, em nota à 3.a edição da Historia Gerai, de Varnhagen (pág. 154 do I Volume e único
publicado desta egição) admite que tenha sido Cristóvam ]acques o comandante da viagem narrada por ]uan de Zuniga na
carta datada de Évora, aos 17 de julho de 1524, que reprodusimos em apêndice ao cap. XII, no vol. II da presente obra.
O chefe da expedição teria partido com duas caravelas para o Brasil em 1521, encontrando «em logar que hoje sabemos
pertencer ao Estado de Santa Catharina, nove antigos companheiros de Solis, seguindo adiante mais trezentas léguas até um
no de agua doce, maravilhoso, de largura de quatorze léguas. Subiu o rio doze léguas em seus navios, depois vinte e tres
léguas em bafeis armados, não proseguindo em conseqüência da altitude hostil dos naturaes. Sua missão principal consistia
em procurar ouro, prata e cobre, do que achou as noticias mais animadoras*. Capistrano acrescenta a êste resumo as
seguintes considerações: «que o rio descoberto, ou antes redescoberto, em 1521 era o Prata, não padece duvida. O nome do
chefe dã expedição não^ o declina Juan de Çuhiga, dizendo apenas que era um hespanholy mas podemos affirmar com con~
fiança que era Chnstovão Jaques, e que nesta, não na expedição de 1527, vio o rio da Prata, em cuja foz o mappa de Diogo
Ribeiro, desenhado em 1529, figura uma ilha com seu nome. Seria, porém, Christovão Jaques de nacionalidade hespanhoía ?
E o que parece claramente resultar de uma carta de João da Silveira a D. João III, escripta de Paris a 24 de Dezembro
de 1527, em que depois de dizer que Uerazzano vae á costa do Brasil a um rio descoberto por um hespanhol conclue: «creio
que e o no descoberto por Christovão Jaques*. (Alg. doe. da Torre do Tombo, pág. 490).
Pensamos, em contrário do eminente historiador brasileiro, que joão da Silveira se refere a Solis quando escreve
que Varazzano «vae a um rio descoberto por um hespanhol* e que êsse rio é o mesmo por onde navegou Cristóvam
jacques em 1516. Todavia, a carta de João de Melo da Câmara, escrita em 1529 a D. joão III e já publicada por Sousa
Viterbo (irabalhos Náuticos dos Portugueses, vol I, págs. 216 a 217) deixariã justificadas dúvidas sôbre a nacionalidade de
Cristóvam jacques, se admitíssemos que é a éle que se refere, atribuindo-lhe a condição de espanhol. Preferimos atribuir ao
mesmo castelhano mencionado na carta do embaixador juan de Zuniga, y que andaba con el Rey en demandas y respuestas
PaTa Que 'e pagasse su trabajo, ayudandole para que pudiese volver alia*, as referências de ]oão de Melo da Câmara. Como
se demonstrou no cap. XII do 2.o volume desta obra, Cristóvam Jacques era português de nascimento. As altas missões de
confiança em que o investiram D. Manuel e D. João III bastam para tornar inverosímil a conjectura de Capistrano de
Abreu. Cristóvam Jacques foi ao Rio da Prata entre 1516 e 1519 explorar o estuário descoberto em 1514 pela flotilha de
D. Nuno Manuel. Segundo parece, remontam a esta época as primeiras tentativas de colonização do Brasil. Assim o
pensava Varnhagen:
n
Brazil. o /, c' ' " alem
•/ Sabemos, P l0 m enos
f disso,
. desde
que 1516,o mesmo
depois haviam rei
sido(D.dadas algumas
Manuel) providencias
ou, pelo em successor
menos, o seu favor da apenas
colonisação a cultura
começou do
a reinar,
XXVIII
*
Introdução
que um pôsto de resgate para exploração das armadas da Bretanha e da Normandia, e um vasto palco
para as façanhas dos corsários, revolucionários do mar, precursores e fundadores da liberdade dos
oceanos. Se na briga das armas Portugal não obtivesse maior êxito que nas lutas diplomáticas
sustentadas por jacome Monteiro e ]oão da Silveira, o Brasil, tal como o vemos, possivelmente
não existiria.
A principiar pelas próprias raças nativas, em constante peleja, tudo lhe faltava do que é
necessário à constituição de uma nacionalidade homogênea. No tempo em que os nautas portugueses
desceram dos navios na plataforma litorânea, as regiões austrais do continente, desde a magnificente
floresta amazônica até aos estuários meridionais, eram teatro de vastas migrações dos povos autóctones,
que erravam, em estado selvagem, entre a cordilheira andina e o oceano. «Estes povos ou nações
indígenas tinham sempre vivido separados da civilisação incázica, migrando pelos vales e chapadas brazilio-
guianenses, entre o Prata e o Mediterrâneo americano, pois que em ethnologia, como em geologia, na
flora e na fauna, atesta-se a dupla origem sul-americana: os Andes de um lado, os planaltos primevos
e as baixadas, de outro—dois habitais fundamentalmente distinctos. Os Gés, os mais atrasados e provavel-
mente os verdadeiros autóctones do planalto brasileiro, foram repelidos e divididos pelos tupis» (68).
O litoral, desde a Parahyba a S. Vicente, era habitado por dois povos inimigos, provindos desta mesma
origem, exprimindo-se em língua semelhante, mas separados por ódios implacáveis (e9).
Eram os temerosos Tupinambás e os Tupiniquins. Quando os Tupis iniciaram a sua migração,
parece terem chamado Tapuias (inimigos, contrários) aos povos que expulsaram do seu habitat. A segunda
onda de Tupis migradores atacou a que caminhava na vanguarda e expulsou-a, a seu turno, dos litorais.
Foram os Tupiniquins (^o) que Cabral ainda encontrou em Porto Seguro, e dali escorraçados, tempos
depois, pelos temerosos guerreiros descidos dos alcantis da serra dos Avmorés.
Estas invasões foram movimentos de transladação similares aos tremendos êxodos de bárbaros
nas primeiras idades da história europeia.
Gabriel Soares descreve-nos como e de onde derivou a onda assoladora, despenhando-se de
àlém do rio S. Francisco sôbre a terra da Bahia ^ que vinham senhoreando, fasendo guerra aos Tupinaês
que a possuíam, destruindo-lhes suas aldeias e roças, matando aos que lhes faziam rosto, sem perdoarem
a ninguém, até que os lançaram fora da visinhança do mar...»
Quando se inicia a colonização, essa guerra de extermínio já repelira os Tupiniquins para
o âmbito dos sertões em diversos pontos do litoral, como nas baías de Todos os Santos e Rio de
Janeiro. Por tôda a parte onde os glabros Tupinambás, negramente tatuados de genipapo, com o rosto
incrustado de metaras, tinham conquistado a posse do litoral, a luta do colonizador foi mais encarniçada.
creou no Drazil algumas pequenas capitanias; e que cie uma delas foi capitão um Fero Capico, o qual chegou a juntar
algum cabedah. Varnhagen, Historia Geral do Brazil, pág. 154 da 3.a edição.
Esta presunção do historiador funda-se em documentos que não conhecemos. E assim que éle faz na
Secção 11 da l.a edição da Historia Geral (VI da 3.a edição) as seguintes considerações sôbre os pródromos da colonização:
Sabemos que em 1516 ordenou (D. Manuel) por um alvará, ao feitor e officiaes da Casa da índia que dessem "machados e
enchadas e toda a mais ferramenta ás pessoas que fossem a povoar o Brasih; e que, por outro alvará, ordenou ao mesmo
feitor e officiaes "que procurassem e elegessem um homem pratico e capaz de ir ao Brasil dar principio a um engenho de
assucar; e que se lhe desse sua ajuda de custo, e também todo o cobre e ferro e mais cousas necessárias para a factura
do engenho*. «O I.0 destes a/farás —esclarece Varnhagen em Nota—acha-se registrado no Livro das Reportações da Casa
da Índia, a fl. 25 v. e o 2.° a fl. 42 do Livro da Mina segundo consta de uma certidão, passada a 26 de Outubro de 1757 pelo
competente provedor Bernardo de Almada Castro e Noronha, e escrivão Caetano Cordeiro Fialho, a qual temos presente,
em publica forma de 17 de Novembro do mesmo anno*.
Adiante, escrevendo sôbre a expedição de Cristóvam jacques, Varnhagen publica o teor de um alvará, passado
em Almeirim por ]orge Rodrigues, a 15 de Julho de 1526, autorizando Pero Cápico a regressar do Brasil a Portugal. Esse
alvará, que diz achar-se a fl. 25 do Livro de Reformações (anteriormente chamara-lhe Reportações) da Casa da índia, era
déle conhecido pela pública forma de uma certidão de 23 de Janeiro de 1755. É o seguinte o texto do documento: "Eu El-rei
Faço saber a vós Christovam Jacques, que ora envio por Governador ás partes do Brasil, que Fero Capico, Capitam de uma
das capitanias do dito Brasil, me enviou dizer que lhe era acabado o tempo da sua capitania, e que queria vir para este
Reyno, e trazer comsigo todas as peças de escravos e mais fazendas que tivesse. Hep por bem e me praz que na primeira
caravella ou navio que vier das ditas partes, o deixeis vir, com todas as suas peças de escravos e mais fazendas; com tanto
que virão diretamente á Casa da índia, para nella pagarem os direitos de quarto e vintena, e o mais que a isso forem
obrigados, na6Sforma que costumam pagar todas as fazendas que vem das sobreditas partes*.
( ) Raimundo Lopes. O torrão maranhense, Rio de Janeiro, 1916, a pág. 77.
(M) «Tem-se por tão contrários uns dos outros que se comem aos bocados, e não cançam de se matarem em
guerras, que continuamente tem, e não tão somente são inimigos os Tupinaês dos Tupinambás, mas são-no de todas as
outras nações do gentio do Brasil, e entre todas ellas lhes chamam Tapuias, que quer dizer contrários.
«... Os quaes Tupinaês nos tempos antigos viveram ao longo do mar, como fica dito no titulo de Tupinambas,
que os lançaram dellc para o sertão, onde agora vivem; e terão occupado uma corda de terra de mais de duzentas léguas;
m
as ficam entresachados com elles, em algumas partes, alguns Tapuias, com quem tem também continua guerra... Deste
gentio Tupinaês ha já muito pouco, em comparação do muito que houve, o qual se consumiu com fonies e guerras que tiveram
com seus visinhos, de uma parte e da outra. . .*
Gabriel Soares de Sousa, Tratado descritivo do Brasil, Cap. CLXXVII1 e CLXXIX.
C0) Tupin-ikis (Tupis visinhos).
XXIX
Introdução
A maior ou menor resistência que o invasor encontrou para fixar-se, corresponde quási invariávelmente
à presença hostil desta nação guerreira ou à atitude adversa, ainda que menos animosa, do Tupiniquim (7i).
Ambos os povos apresentavam, aliás, as mesmas características de infantilismo social, uma barbaria
análoga, uma animalidade idêntica. Tupiniquins e Tupinambás usavam as mesmas armas, ostentavam a
mesma ferocidade ingénita, a mesma intrepidez diante da morte, os mesmos hábitos errantes, a mesma
sexualidade simiesca. Pederastas (") e antropófagos, uns e outros cevavam-se na carne dos inimigos
abatidos (73). Conservavam ainda o instincto do homem ancestral e das feras e vagueavam como elas,
nus e luxuriosos,. pelas florestas. Não havia ali matéria-prima para uma civilização, em que pese aos
poetas e romancistas do ciclo indianista. Essa humanidade elementar não podia ser e não foi a origem
do povo brasileiro, que é um improviso dos colonizadores, como os bárbaros lusitanos não foram os
geradores da civilização portuguesa (74). O Brasil, ao igual dos Estados Unidos, do Canadá, da Argentina,
é uma nação de progénie europeia e, entre tôdas, a que mais fiel se conservou, na evolução política, às
gerações ancestrais, tendo evoluído de um excêntrico feudalismo aristocrático para o único exemplo
continental de um Império fundado por um príncipe europeu.
Cristóvam jacques conhecia a costa e recôncavos onde melhor podiam acoitar-se as náus
francesas. O êxito da sua missão dependia em grande parte dêsse conhecimento anterior.
tFôra êle quem fundara, no decurso da viagem de 1516, a feitoria de Itamaracá, próximo
a Pernambuco? A dúvida não abrange a viagem incontestável em que pela segunda vez os navios
de Portugal atingiram o estuário do Prata, ou rio de Santa Maria, descoberto em 1514: íacto em que
a coroa portuguesa fundava os seus direitos, ainda sustentados, ao que parece, antes da ida de
Martim Afonso de Sousa ao Brasil, e abandonados pela pertinácia das reclamações espanholas e a
reconhecida evidência de que o estuário desaguava àlém do meridiano da partilha (75).
Sabemos como Cristóvam Jacques se mostrou executor inflexível da sentença lavrada no paço
da Ribeira contra os concorrentes furtivos dos concessionários da coroa, e tamanho terror espalhou nos
mares americanos que Luís Ramirez, na carta de 10 de julho de 1528, dá como motivo de se
suspender a exploração do Rio de Solis o ter chegado ao capitão-mór a notícia de que náus
portuguesas haviam sido vistas no estuário, pelo que «■ acordo el Snr Capitan General de volver abajo
(71) «São os Tupinaês mais fracos de animo que os Tupinambás». Gabriel Soares de Sousa, op. cit. Cap. CLXXIX
P7) Ibid. Cap. CLVI.
(") «São os Tupinaês mais atraiçoados que os Tupinambás, e mais amigos de comer carne humana, em tanto,
que se lhes não acha nunca escravo dos contrários que cativam; porque todos matam e comem, sem perdoarem a ninguém.
E quando as femeas emprenham dos contrários, em parindo lhe comem logo a criança, a que também chamam cunhã-embira;
e a mesma mãe ajuda logo a comer o filho que pariu». Ibid. Cap. CLVI.
Na memória que escreveu o insuspeito jesuíta Fernão Cardim e onde se encontram as habituais queixas da
Companhia contra a atitude dos colonizadores para com os aborígenes, o Provincial assim nos pinta a ferocidade nativa dos
Quaimurês: «São senhores dos matos selvagens, muito encorpados, e pela continuação e costume de andarem pelos matos
bravos tem os couros muito rijos, e para este effeito açoutão os meninos em pequenos com uns cardos para se acostumarem
a andar pelos matos bravos. . . Vivem da rapina e pela ponta da frecha... e aos brancos não dão senão de salto, usão de
uns arcos muito grandes, trasem uns paus feitiços muito grossos, para que em chegando logo quebrem as cabeças. Quando
vem á peleja estão escondidos debaixo de folhas... e não ha poder no mundo que os possa vencer; são muito covardes em
campo. . .; são cruéis como leões; quando tomam alguns contrários cortão-lhes a carne com uma canna de que fazem as
frechas, e os esfolão, que lhes não deixão mais que os ossos e as tripas; se tomão alguma criança e os perseguem, para que
lha não tomem viva lhe dão com a cabeça em um pau, desentranhão as mulheres prenhes para lhes comerem os filhos assados».
Do principio e origem dos índios do Brasil, pelo padre Fernão Cardim (antigo ministro do colégio dos jesuítas,
de Évora, reitor no Rio de Janeiro, procurador e provincial da Companhia de Jesus, reitor do Colégio da Bahia),
Mss. da Biblioteca de Évora, publicado em 1625, em inglês, no IV volume da colecção de Purchas (Pilgrimes-Treatie of
Brasil), e em português, em 1881, no Rio de Janeiro, com prefácio e notas de Capistrano d'Abreu. Veja-se a pág. 20, o cap.
Do modo como este gentio tem acerca de matar e comer carne humana.
^ Finalmente que são estes índios mui deshumanos e cruéis, não se movem a nenhuma piedade, vivem como
brutos animaes, sem ordem nem concerto de homens, são mui desonestos, e dados á sensualidade, e entregão-se aos vicws
como se neles não houvera rasão de humanos.. . Todos comem carne humana, e tem-na pela melhor iguaria de quantas
pôde haver, não de seus amigos com que eles tem paz, senão de seus contrários...» Qandavo, Tratado da Terra do
Brasil, Cap. 74VII.
( ) «Não chamei selvagens ás tribus da liespanha antes da civilização romana; chamo-lh'o antes de toda a
civilização, quer phenicia, quer grega, quer carthaginesa, quer romana. Não está mais na minha mão: cada vez que falo num
lusitano, num callaico, num pelendão, num aravaco, dos primitivos e puros, figura-se-me logo um apmoré, um tapuia, um
tupinambâ, de quem juro que nenhum dos actuaes brasileiros quer ser descendente...» Alexandre Herculano, Controvérsias
e estudos históricos, tômo II, pág. 160.
(75) «No principio deste anno (1535) estando o Embaixador Álvaro Mendes em Castella fazendo este officio diante
da Emperatriz, moverão pratica os do Conselho das índias, pretendendo mandar requerer a El-Rey Dom João que não
mandasse navios seus ao Rio da Prata. Evitou-se o requerimento com boa destreza do Embaixador, e com elle mostrar o
regimento que Martim Afonso de Sousa levou quando foy ao Brasil» Annays de D. João III, de frei Luís de Sousa, pág. 386
das Memórias e documentos.
XXX
Introdução
porque se temia que en la dicha armada benia Christoval Jaques Capitan dei Rey de Portugal, que otra
vez como tengo dicho avia venido a este rio de Solis y prometio al dicho Francisco dei Puerto que alli
aliamos que volveria, é se fuese quel dicho Christoval Jaques avia entrado en el dicho rio nuestras nãos
estanan en mucho aprieto é la gente delia...»
Capistrano inclui no número das razões que impeliam Portugal a enviar ao Brasil a esquadra
punidora, os prejuízos que o comércio livre dos corsários trazia ao comércio português, submetido aos
impostos do quin- res italianos e ale-
to^ «a questão de mães. Da náu Bre-
principio: Portugal m tôa não ignoramos
não admittia que —'V que eram armado-
os filhos de outra f res, entre outros,
nação puzessem pé Bartolomeu Mar-
em terras suas no s
chione e Benedito
alem-mar». Quanto & :1 Morelli; e pelos
à questão de prin- íóros concedidos
cipio, deve ser in- aos colonos, por
vocada, mas com •ifít.. ocasião da institui-
restricções. Desde as ção das Donatá-
w!
a aurora dos des- rias, sabemos que
cobrimentos, a co- 5* aos estrangeiros
roa foi liberalíssi- V. não era vedado o
ma para com os virem por colonos
colonos estrangei- (concessão abolida
ros. ]á do tempo sob o regimen dos
do Infante, a ilha *
r Filipes) e aos na-
Terceira recebia Vv Á
vios estrangeiros se
como donatário um permittia o com-
cavaleiro flamengo '•x
mercio com Portu-
e Pôrto Santo um '41 m
gal, impondo-lhes
genovês, com in- apenas um imposto
cumbência de co- diferencial, de pro-
lonizá-las; e logo tecção aos arma-
com as primeiras dores nacionais.
O padrSo de Pôrto Seguro, cm pedra lioz, ostentando na face as armas
armadas da índia de Portugal e no verso a cruz de Cristo Era o regimen pro-
seguiam mercado- teccionista, e não o
regimen francamente proibitivo, contrário às tradições portuguesas (76).
Os factos delituosos contra os quais protestava a coroa portuguesa consistiam na infracção
e desrespeito à sua soberania e na guerra incessante que os desenfreados flibusteiros moviam à navegação
nacional. Foram estes atentados que Cristóvam ]acques puniu inexorávelmente, vingando o insucesso
das negociações diplomáticas. Foi uma desafronta do brio português, sem deixar de ser simultâneamente,
como observa o historiador, uma medida de defesa dos interêsses do Estado e dos armadores nacionais,
prejudicados pela concorrência à mão armada que lhe faziam os infractores da lei e os transgressores
dos direitos de soberania.
Dos feitos de Cristóvam ]acques conhecemos mais pormenores que o quinhentista Gabriel
Soares de Sousa, repetido quási ipsis lettera por frei Vicente do Salvador. Tendo mandado para o reino
. (76) «Em 13 de Fevereiro de 1503, assinava D. Manuel um tratado pelo qual era concedida auctorisação a
com merc antes
cessõp ne . con ' allemães para estabelecerem feitorias em Lisboa. Num appendice a esse tratado ampliavam-se as con-
vrimpf 0S CIUe set'das a todos os commerciantes estrangeiros que estabelecessem em Portugal uma feitoria. . . Entre os
a rove tar
Marrnl y manr
P ' am dessa concessão contam-se os Fuggers, que em 1504 enviaram a Lisboa o primeiro feitor,
tratado COm fP anue '- Nessee 0mesmo anno, a 1 de Agosto, concluía Lucas Rem, feitor da casa Welser, de Augsburg, um
frota a ■^
U a enta0
b Para^ 0clue ^e era concedida participação no commercio directo com as índias, podendo expedir na
feita'ao* '/fê ' P Oriente, um commissario seu e generos para a permuta. A mesma concessão havia já sido
vara a /nrf Bartolomeu Marchione, de Florença, e Antonio Salvago, Francisco Carducci e outros. Na frota que partiu
,505 05
aue um dC ífi 05 ' negociantes italianos tinham participação de 30.000 cruzados (a 400 reis, isto é, um pouco mais do
16 000 rrn zaaos.t
H ' Bento Welser tinhamO entrado
Carqueja, commoderno
capitalismo 20.000 ducados; os Fuggers
e suas origens e outrosPorto,
em Portugal, tinham participação no valor de
1908.
XXXI
Introdução
a náu (J'i) carregada de toros de brasil, guardou o capitão-mór as ligeiras caravelas de caça. Foi com
os navios de pano latino que pelejou contra as náus francesas encontradas na Bahia, e as meteu a
pique, levando para Lisboa cêrca de trezentos prisioneiros, afóra os que enforcou nas enxárcias e deu
de pasto aos canibais com aterradora crueldade, para que os sobreviventes pudessem testemunhar como
se vingava o rei de Portugal das tergiversações e evasivas do rei de França (78).
i Porque não foi galardoado o punidor com uma das capitanias, na próxima distribuição do
domínio ? i Porque, também, não aparece entre os donatários ]oão de Melo da Câmara, o irmão
do capitão-mór- da ilha de S. Miguel? Ambos se ofereceram.à coroa para povoar a terra nova. As suas
pretenções eram apoiadas pelo Dr. Diogo de Gouveia, como consta da carta que de Ruão escreveu, em
fins de fevereiro de 1532, a D. ]oão III. Era êle quem mais animava o monarca à colonização;
«Quando lá (no Brasil) houver sete ou oito povoaçôes, estas serão bastantes para defenderem aos da terra
que não vendam o brasil a ninguém, e não o vendendo, as naus não hão-de querer lá ir para vir de vasio».
i Haviam desistido os proponentes? óTer-se-hia Cristóvam Jacques prejudicado com os
excessos que praticara e contra os quais'reclamou a coroa de França? Certo é que com a expedição
de 1525 termina a cooperação de Cristóvam ]acques na história do Brasil.
A MISSÃO ESDE que, em 1514, a flotilha armada por D. Nuno Manuel, dirigida pelo piloto João de
DE MARTIM Lisboa, transpusera o meridiano da demarcação e descobrira o grande estuário meridional,
AFONSO DE
SOUSA a região platina era considerada território litigioso. Os portugueses reivindicavam com
fundado motivo a prioridade daquele descobrimento, mas o tratado invalidava a
legitimidade da posse, tanto mais que desde a primeira década do século as cartas
levantadas pelos navegadores portugueses pareciam demonstrar pela orientação da costa que o domínio
de Portugal cessava nas proximidades de Santo Amaro ou Cananéa. O malogro das expedições espa-
nholas à América meridional, o fim trágico de Solis, o insucesso, agora, de Sebastião Caboto (filho e
homônimo do intrépido veneziano que descobrira para a coroa de Inglaterra as regiões vizinhas do
Lavrador e das terras dos Corte-Reais) e em cuja expedição a Espanha depositara tanta confiança,
abria novas perspectivas à política utilitária da Renascença portuguesa.
A madeira de tinturaria não era material que bastasse à construção de um Império. As jazidas
platinas, situadas ao sul, nos territórios dos Incas, e cujas primeiras notícias remontavam a 1514,
apareciam como justificação e objectivo menos precários da dispendiosa emprêsa de uma longínqua
colonização. O clima era ali mais benigno. O país de planície tornava menos árdua a tarefa com que
defrontava o colono na zona equatorial, bosselada de serranias, coberta de matagais e inclusa na zona
ardente dos trópicos.
(77) Náu em que deve ter regressado a Portugal Fero Cápico, que volta depois ao Brasil na expedição de Marfim
Afonso. É êle quem lavra a concessão da sesmaria a Pedro de Qóis, como escrivão de el-rei, assinada em Piratininga
aos 10 de Outubro de 1532 por Martim Afonso de Sousa.
(78) Servindo-se de fontes documentárias que em parte se nos conservam ignoradas, Varnhagen da-nos na
Historia Gerai, a seguinte versão da passagem de Cristóvam Jacques pelos mares do Brasil em 1527; Julgando que lhe
bastava ter comsigo as cinco caraveltas latinas, mandara para o reino a náo, com carga de brasiL Logo depois, andando
a correr a costa com quatro das ditas carauellas, travou peleja com tres navios de mercadores bretões, dois deites de cento
e quarenta toneladas. Combateu um dia inteiro e, sahindo vencedor, levou para Pernambuco os prisioneiros em numero de
trezentos. Segundo nos consta por tradição (refere-se à recolhida por Gabriel Soares de Sousa?) este combate teve hgar
num recôncavo, pelo rio Paraguassú acima, junto á ilha ainda chamada dos Franceses. Sabendo, porém, positivamente (?) por
outro lado, que as hostilidades começaram por parte dos Franceses contra uma das caraveltas, petos tempos contrários
esgarrada das outras que depois acudiram, só teria o combate lugar nessa paragem si acaso a ella se foram refugiar os
mesmos navios, depois de começadas as hostilidades. As queixas do atribulado D. Rodrigo de Acuna, os informes de
Gonçalo Leite (um dos capitães das caravelas) que se nos denuncia como pouco affeiçoado ao chefe, e uma carta de Diogo
Leite, em que parece censurar quanto no Brasil se fazia, decidiram o governo em apressar-se a dar por acabada a
commissão de Jacques. Para lhe succeder foi escolhido Antonio Ribeiro, e Jacques recolheu ao Reino, com trezentos prisio-
neiros estrangeiros que tinha comsigo na feitor ia i. ^ , , _
Sôbre a viagem de Jacques, de 1527, encontram-se referências nos Annaes de D. João III, de Frei Luís de Sousa,
e em Navarrete, no fômo IV da Co//, de los viajes. Veja-se o cap. II do presente volume.
XXXII
Introdução
A expedição de Martim Afonso é a tentativa para encontrar outra solução mais fácil ao
problema da colonização americana, e testemunha a reflexão e o largo descortínio que presidiam aos
vastos empreendimentos coloniais portugueses. O capitão-mór vinha preparado para as diversas hipóteses
de um programa de grande amplitude. <LO seu principal objectivo consistia na exploração do rio da
Prata e fundação, à sua margem, de uma primeira colônia ? O vento de uma tempestade mudou
então os destinos da América do Sul. Se Martim Afonso tivesse podido atingir o estuário, o
^ Íki...:
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Brasil estender-se-hia, possivelmente, até aos confins do continente, embora talvez diminuído dos territórios
ao norte do Maranhão.
Mas os pampeiros atiraram à costa, junto ao riacho do Chuy, nas plagas sul-riograndenses,
a nau capitania, e o naufrágio do primeiro povoador ficou demarcando a baliza do extrêmo sul do
domínio português (79).
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5KÍ«««K««C{{t{tca«
C) Dois anos depois, em 1534, a expedição de Pedro Mendoza lançava os alicerces de Buenos-Aires.
XXXIII
Introdução
(só) prei lu;s de Sousa, a pág. 283 dos Annaes de D. João ///, dá a armada composta de três náus e
quatro caravelas.
(8I) Sôbre a demora da armada no Rio de Janeiro, Pero Lopes diz: «Aqui estivemos tres mezes tomando manti-
mentos para hum anno, para quatrocentos homês que trazíamos...» Ora, nessa altura, já da expedição se haviam apartado
as duas caravelas Rosa e Princesa, mandadas a descobrir o litoral do Maranhão, e a náu de João de Sousa, enviado
a Lisboa como emissário de Martim Afonso. Sete homens da náu capitânia tinham morrido afogados na barra do Recife,
e os enfermos haviam sido desembarcados na casa da feitoria de Pernambuco. Passavam pois dos quatrocentos de que dá
notícia Herrera os homens embarcados em Lisboa (Década IV, Lib. X, cap. 6.°).
(32) «Repartiu (o capitão-mór) a gente nestas duas villas, e fez nellas officiaes; e poz tudo em boa ordem de
justiça; do que a gente toda tomou muita consolaçam com verem povoar villas, e ter leis e sacreficios, e celebrar matrimônios
e viver em communicaçam das artes, e ser cada hum senhor do seu; e vestir as enjurias particulares; e ter todolos outros
bens da vida sigura e conversavel...» Pero Lopes de Sousa, Diário, pág. 58 da l.a edição de Vamhagen, de 1839.
Com razão observa o historiador que «nestas poucas palavras se encerram os pontos capitães respectivos a qualquer
sociedade constituída».
XXXIV
\
Introdução
portugueses de abordagem. Na história naval do Brasil, inaugurada pelo implacável Cristóvam Jacques,
o irmão do governador ia inscrever ainda outra e maior façanha, quando de regresso ao reino, depois
de cumprir a missão temerária de subir com trinta homens o estuário do Prata em um dos bergantins
de quinze bancos construídos no Rio de Janeiro.
Sem pretendermos antecipar os comentários que em seu capítulo próprio se farão à viagem
da armada de Martim Afonso, limitamo-nos a extrair dela os argumentos em que se apoiam as
nossas interpretações.
Conclui-se da narrativa de Pero Lopes de Sousa o comportamento magnânimo dos coloni-
zadores para com o aborígene. Estamos já no tempo em que os espanhóis, depois dos morticínios
Ufa
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A frota de Martim Afonso de Sousa no Pôrto das Náus (S. Vicente, 1532)
Quadro de B. Calixto.
O capltão-mor, acompanhado de homens de armas e guiado por João Ramalho, parte em bergantins e batéis da
enseada de Tumianí em demanda do pôrto de Piassaguéra, na raiz da serra de Paranapiacaba. O trânsito fluvial fazia-se
então pelo lagamar de Morpion, isto é, pelo largo dos Barreiros, Guarupissuma ou Camitui até à ilha (Casqueirinho), de onde
seguia pelo rio Ururay (Mogy) até ao pôrto de Piassaguéra.
A ponta do môrro que se vê no primeiro plano do quadro, à direita, é já continental, em face da ilha de S. Vicente.
Sôbre êsse trecho do rio está actualmente a ponte-pensil que liga a enseada de Tumiarü ao antigo Pôrto das Náus, na
estrada de rodagem que vai a Itaipús e Praia Grande.
nas Antilhas, semeiam o terror no México e no Peru. Las Casas já escreveu o libelo das atrocidades
castelhanas; e se confrontarmos com a primeira expedição escravocrata de Colombo a atitude de Cabral
em Pôrto Seguro e os episódios cavalheirescos da expedição de Martim Afonso, temos logo definido
o caracter português e retratado os heróis lusitanos, cujos vultos adornam o prólogo da história
medieval brasileira.
Os conquistadores tratam o natural como grande criança perigosa; sem temor, que seria
pusilanimidade, e sem cólera, que seria desvario.
Antes de Pernambuco, Heitor de Sousa, capitão da náu S. Miguel, é mandado à procura
de água, e regressa sem ela, «por lha nam querer dar a gente de terra». Não ajunta Pero Lopes
recriminação à negativa e nenhuma desforra o capitão-mór tira da recusa. Em Pernambuco, onde
chegaram a 17 de fevereiro, dois meses depois do galeão francês La Pelerine, que saqueara a íeitoria—
e que ia ser capturado com a prêsa ao sair do pôrto de Málaga,—Martim Afonso desembarca os
oentes, alojando-os na casa da feitoria de Diogo Dias (83), resolve mandar as duas caravelas, Rosa
e Princesa, sob o comando de Diogo Leite, a «descobrir o rio de Maranham», e envia João de Sousa
Este Dio o
haworom «o ^
Haverem os g Diasdois
franceses destruído, embarcara na caravela
meses antes, Santa Maria do Cábo, arribada a Pernambuco, em conseqüência de
a feitoria.
6
XKW
Introdução
a Portugal numa das náus francesas tomadas em combate (s+), A terceira, presumivelmente porque
a artilharia a tivesse danificado gravemente, foi queimada.
Desfalcada por uma via e aumentada por outra, a armada passava a ser composta da náu
capitánia, do galeão 5. Vicente, comandado por Pero Lobo Pinheiro; da náu tomada aos franceses e
crismada em Nossa Senhora das Candeias, sob o comando de Pero Lopes; e da caravela Santa Maria
do Cabo, agregada à esquadra por Martim Afonso, que a encontrou em viagem para Sofala. A trese de
março, domingo, ao meio-dia, a esquadra entrava na Bahia de Todos os Santos, onde «.hum homem
portuguez, que havia vinte e dous annos que estava nesta terra, deu rezam larga do que nella havia »_
Era Diogo Álvares (85). Pero Lopes reata a narrativa de Vaz de Caminha com idênticas exclamações
de encantamento, os mesmos ditirambos à terra formosa.
# A cada página do Diário, a bonomia, a bravura e o pitoresco se revesam na narrativa do
herói, quando se não fundem num concêrto de suma graça. Eis como êle nos conta, à distância de
quási quatro séculos, a convivência da armada de Martim Afonso com os aborígenes da Bahia: «Os
principaes homès da terra vieram faser obediência ao capitão-mór; e nos trouxeram muito mantimento,
e fizeram grandes festas e bailos; amostrando muito praser por sermos aqui vindos. O capitão lhes deu
muitas dadivas. A gente desta terra é toda alva; os homès mui bem dispostos, e as molheres mui
fermosas, que nam ham nenhúa inveja ás da Rua Nova de Lixboa».
Ainda mesmo atribuindo à forçada abstinência sexual esta exaltação nas referências à formo-
sura das aborígenas,—que já vêm de Caminha—ela acentua o amplo movimento de simpatia humana,
tam espontânea no português, que irradia da narrativa do futuro donatário.
Quando Martim Afonso encorpora na armada a caravela de Sofala, começa por despejá-la
dos cativos. Na Bahia, o colonizador deixa dois homens «para fazerem experiência do que a terra dava,
e lhes deixou muitas sementes-». No Rio de Janeiro, enquanto se concertam as náus desaparelhadas
pelos temporais, e se constróem os bergantins para a exploração do Rio da Prata, o capitão-mór manda
quatro homens pela terra dentro, que foram e vieram em dois meses, sãos e salvos, tendo caminhado
cento e quinze léguas. Ignoramos os nomes dêstes quatro heróis da primeira bandeira, que regressaram
à armada com um chefe de tríbu (S6); a quem «o capitam fez muita honra e deu muitas dadivas
e o mandou tornar para as suas terras».
Referindo-se aos habitantes da Guanabara, Pero Lopes, tam omisso em outras passagens de
alto interêsse histórico, não esquece de referir-se ao aborígene: «A gente deste rio he como a da Bahia
de todolos Santos; senam quanto he mais gentil gente». Já os portugueses se entendiam e comunicavam
com o gentio. A sobrevivência dos exilados e náufragos, como Diogo Álvares, João Ramalho, o bacharel
de Cananéa; a imunidade com que a minúscula expedição mandada do Rio de Janeiro ao sertão
atravessa as montanhas e florestas, dariam lugar a supor-se que os naturais estavam geralmente
animados de sentimentos pacíficos, senão até cordeais, para com os visitantes.
Não pode emprestar-se a esta conjectura uma generalização que desfiguraria a verdade.
Ficariam sem explicação muitos dos acontecimentos que deixaram vestígios nas páginas da história das
primeiras décadas (s?). O aborígene atacava freqüentemente o intruso, sem que êste o desafiasse ou
ameaçasse; de outras vezes, o homem isolado foi poupado, e em várias tribus a hospitalidade era
praticada exemplarmente. Sempre que na mentalidade rudimentar do selvícola perpassava o receio de
L4) * Alem de umas setenta toneladas de brazil, levou trinta e tantos dos prisioneiros, e em fins de Julho estava
a dita nau fundeada em ViUa-Nova de Portimão, no Algarve, onde se procedeu á venda da sua carga de brazil, á razão
de 800 e 900 reis o quintal >. Varnhagen, Historia Geral, a pág. 177 da 3.a edição. Em nota, o historiador cita a fonte
documentária; «l/e/, no Arm. 25, maço 9, n.° 5 do interior da Casa da Coroa na Torre do Tombo, um livro rubricado por
Diogo Toscano, almoxarife e juiz da alfandega da dita villa. Consta deste livro que Lourenço Fernandes viera por mestre
da nau francesa de que João de Sousa viera por capitão, sendo marinheiros Rodrigo Eanes e Affonso Vaz, e bombardeiro
Aleixo Pinto 85». No competente capitulo se examinará êste documento.
( ) Diogo Álvares, o Caramurú, estava na Bahia desde 1509-1510. Três anos depois de Martim Afonso, ]uan
de Mori também aii o encontrou, segundo narra Herrera (Década V, Lib. VIU, cap. 8): ... «tlegaron á la Baia de Todos los
Santos, hermoso Puerto, i que tiene siete /s/as dentro, i que inuchos Rios entran en et. En Ia Baia de los Santos hallaron
un Português, que dixo, que avia veinte i cinco anos, que estaba antre los índios, i otros ocho que alli quedaron de un
naufrágio de armada Portugueza, i estes los dieron alguna yuca, batatas i raices, etc.»
V) A identificação dêste chefe com Ararigboia encontraria plausível fundamento no nome de Martim Afonso
com que mais tarde foi baptizado. Pretendem alguns que a invocação do nome de Martim Afonso provém de ter sido êle
o descobridor do Rio de Janeiro. Mas o argumento não procede, pois de há muito era conhecida a Guanabara. Antes seria
porque o RioS7de Janeiro pertencia à capitania de que era donatário Martim Afonso de Sousa.
( ) Ainda hoje, nas tribus sobreviventes se registam agressões sem outra origem que não a belicosidade e
desconfiança do selvícola. A missão pacífica do general Rondon conta já um martiriológio de inocentes, derrubados a flecha,
na legião abnegada dos heróis da sciéncia e do altruísmo.
Tal qual o homem do século XVI, o homem do século XIX teve de sustentar a lutá com o selvícola e de construir
muitas das actuais linhas férreas com as armas na mão.
XXKVI
Introdução
que o branco intentava hostilizá-lo, a sua ferocidade irrompia, indomável. Perante a fôrça, submetia-se
com supersticioso respeito (s8). O infortúnio deixava-o insensível. Os náufragos foram quási sempre por
êle massacrados e devorados. Nunca as súplicas, os gemidos e as lágrimas o moveram à piedade.
O seu desprezo perante os que temiam a morte correspondia à intrepidez com que a defrontava.
Da narração da viagem de Martim Afonso e dos sucessos principais que a notabilizam
deduz-se a lenta preparação anterior: a obra prudente e sistemática, os frutos da experiência e da
previdência. Na organização minuciosa, reflectida, da expedição; no programa que lhe foi traçado; na
escolha e qualidade dos tripulantes—verifica-se o espírito prático, que nada confia ao acaso; a compe-
K;:.,
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T
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tência quási sempre [triunfante dos revezes; a sciência de organização, que caracterizam, desdo o início,
os empreendimentos navais portugueses. A cada momento, pelo diário de Pero Lopes, constata-se o
conhecimento rigoroso dos portos de escala, dos rios, ancoradouros e ilhas. As cartas náuticas que
guiam os pilotos registam, quási sempre com notável precisão, as latitudes dos lugares. Até à exploração
do Rio da Prata, a que procedeu Pero Lopes por ordem de seu chefe e irmão, os portugueses não
(8S) —Frei
, opes cie Sousa Vicenie do
no regresso Salvador,
de S. Vicente na narração—põe
a Portugal da tomada da fortaleza
em destaque galo-pernambucana
essa particularidade de itamaracá
do homem primitivo.por Pero
Quando
r^nceses, depois da captura das náus, começaram a esmorecer na defesa da fortaleza, os aborígenes, seus aliados,
•ÍlT0 [-0Pcs de Sousa lhe não prohibira, quizeram • logo mataVos e comeVos, que tão variavel é o gentio e amigo de
ho em" i/ranc^ depois, ao assistirem à execução ordenada por Pero Lopes, que vingava severamente a traição (imperdoável
o) comFreiqueVicente
mais os portugueses». o adversário vencido
do Salvador, lhe retribuíra
Historia, Cap. Xí.a generosidade cavalheiresca, «os gentios ficaram estimando
XXXVII
Introdução
navegavam em mares desconhecidos, antes caminhavam na róta dos anteriores pilotos. Quando, no Rio
de Janeiro, o capitão manda construir dois bergantins, denuncia mais uma vez a meticulosidade com
que tudo fôra de antemão regulado e previsto. O Brasil, trinta e um anos depois do descobrimento, não
era uma terra ignota. Em Pernambuco, a armada encontra uma feitoria; na Bahia, deixa ao Caramurú
sementes para cultivar a terra; em Cananéa, o bacharel degredado e Francisco Chaves dão informações
à armada, que já conduz tripulantes falando a língua brasílica («mandou o capitam hum bargantim; e a
Pedro Annes Piloto, que era língua da terra, que fosse haver fala dos índios»). Finalmente, em S. Vicente,
onde, «por a todos parecer tam bem a terra, o capitam determinou de a povoar, dando a todolos homês
terras para faserem fazendas», o aparecimento de João Ramalho, descido de Inhapuambuçú, nos campos
de Piratininga, a saüdar Martim Afonso e garantindo à recemnascida colônia a amizade de Tibiriçá,
tém o aspecto de um fim de acto de drama histórico, ainda à espera do escritor que nos pinte, com
outra íôrça convincente e outra mais opulenta sciência narrativa do que a do monge beneditino (89),
essa visita do primeiro colono do Brasil ao acampamento português, na ilha de Inga-Guassú ("), separada
pelo tortuoso canal dos vastos brejos,—verdadeiro delta—por onde serpenteia o Cubatão.
Êste encontro do desterrado com Martim Afonso apresenta-se-nos como remate da obra
invisível de trinta anos, da lenta acumulação dos esparsos elementos em que iria apoiar-se o empreen-
dimento colonizador. João Ramalho, «tronco da maior parte da nobresa de S. Paulo» (91), é o medianeiro
entre o português e o aborígene, o fundador da raça mameluca, e que o destino, propício aos
lusitanos, arrojara ao litoral para inaugurar uma raça e uma nação. A scena teatral em que os
portugueses, encurralados na improvisada fortaleza, veem avançar os íncolas coroados de pênas,
brandindo os arcos e as flechas, e escutam com assombro, partindo da legião inimiga, o idioma da
pátria longínqua, «em lugar que suppunhão habitado só de feras e Barbaros» (92), é o epílogo do
período embrionário da história do Brasil. O estrondo da artilharia, ecoando no lagamar de Santos,
aiDauaujiuiiuauíiuiitaiuflUflm
(89) A obra de frei Gaspar da Madre de Deus, sócio correspondente da Academia Real das Sciências e descen-
dente dos mais velhos sangues yicentinos, aparentado com os Azevedos Coutinhos, do solar de Maripicú, é fruto de aturadas
pesquisas nos arquivos e cartórios. Se o historiógraío não tivesse outro mérito, seria notável pelo entranhado espírito
regionalista, pelo amor à sua terra e à sua gente, por aquele sentimento de pátria, de tam portuguesa progénie. Morreu frei
Gaspar a 28 de janeiro do ano de 1800. Nascera a 9 de fevereiro de 1715. Varnhagen cognominou-o «o Jaboatão do Sul».
Actualmente, depois que investigadores como Azevedo Marques e Washington Luís puderam demonstrar a injustiça de muitas
das acusações que contra a sua probidade de historiador alegara Cândido Mendes, frei Gaspar retomou na história do Brasil
o lugar a que as suas virtudes, candura e intenções patrióticas lhe dão amplo direito. Êle é o exemplar mais completo do
cronista patriota e bairrista. Publicando em 1879 a acta da Câmara de S. Paulo (que prova que Ramalho ainda vivia em 1554)
nos seus Apontamentos históricos, Azevedo Marques deu o primeiro grande passo para a reabilitação de frei Gaspar,
completada em 1905 por Washington Luís (O testamento de Ramalho, no Tômo VI11 da Rev. do Instit. Hist. de S. Paulo).
A monografia dedicada a frei Gaspar por Escragnolle Taunav agrupa os factores morais e de hereditariedade que concorrem
para tornar o frade beneditino uma figura das mais representativas da sociedade brasileira colonial.
«Sua arvore genealogica facilmente levantada, graças ás nunca assâs admiradas «diligencias infatigaveis» de
Pedro Taques, colloca-o entre os membros dos mais velhos clans vicentinos: os Lemes, os Buenos da Ribeira, os Siqueiras
Mendonças, os Pires e os Carvoeiros. O fortíssimo in breading em terras paulistas havido, nas famílias dos primeiros
povoadores, já em princípios do século XVIII, manifesta-se intensissimo no cruzamento das gerações, de onde procede o
benedictino. Pelos Pires recebeu o affluxo do sangue tupi de Antonia Rodrigues, catechumena do beato José de Anchieta e
filha de Pequerobi, maioral de Ururahi; pelos Carvoeiros o da india Isabel Dias, filha de Tibiriçá e mulher de João Ramalho,
as duas princesas indígenas, contra cujos títulos tanto investe a critica, procurando ridicularisaVas, no afan de, em futil
empenho, provar que não passavam de duas bugras vulgares, filhas de vulgarissimos tuxauas... Descendente dos dous
morubixabas ethnographicamente differia frei Gaspar do primo, amigo intimo e confrade illustre, Pedro Taques de Almeida
Paes Leme, que se podia gabar da puresa do sangue branco... Nos 256 antepassados do septimo gráu contava 254 brancos
e 2 tupis. Em compensação, era o genealogista (Pedro Taques) muito mais brasileiro, pois, ao passo que os seus oito bisavós
haviam todos nascido no Brasil, entre os de frei Gaspar cinco de Portugal provinham. Tataraneto de Amador Bueno, o
acclamado, por elle se aparentava aos dous Anhanguera, pae e filho, descobridores de Goiaz. Um outro tataravô, Luiz Dias
Leme, enviado dos Paulistas a Portugal para a dom João IV levar a adhesão da capitania vicentina, prendia-o á família
poderosa dos Lemes, tornando-o primo de notabilissimos sertanisfas como Fernão Dias Paes, o governador das esmeraldas,
João Leite da Silva Ortiz, Bartholomeu Paes de Abreu e ao «historiador dos bandeirantes», Pedro Taques... Alem destas
allianças com os clans de serra acima, o que realmente dava á família de frei Gaspar verdadeira proeminencia na zona
littoreana, era a ascendência dos Siqueira Mendonça, estirpe santista, oriunda de Antonio de Siqueira, escrivão e tabellião
da villa no século XVI... O avô materno do chronista provinha de D. Anna de Siqueira e Mendonça e do pernambucano,
capitão-mór da capitania de S. Vicente e S. Paulo, Cypriano Tavares. Era elle o sargento-mór José Tavares de Siqueira,
capitão da fortalesa de Itapema, um dos homens opulentos do littoral paulista ... Quanto ao avô paterno de frei Gaspar,
Gaspar Teixeira de Azevedo, o reinol natural de Baião, homem de posição e merecimento, governara a capitania de São
Vicente e São Paulo [7697-1699) e foi provedor dos reaes quintos das minas de Paranaguá e Iguape. Desposara uma neta de
Amador Bueno, e seu filho, Domingos Teixeira de Azevedo, coronel do regimento das ordenanças de Santos e São Vicente,
superintendente das minas de Cataguazes e provedor da Real Casa de Fundição da villa de Paranaguá, casando-se com
D. Anna de Siqueira e Mendonça, filha do sargento-mór José Tavares de Siqueira e da portuguesa D. Izabel Maria da Cruz,
foi o pae do nosso biographado >. Afonso de Escragnolle Taunay, Frei Gaspar da Madre de Deus, conferência comemorativa
do 2.o centenário do historiador, proferida no Instituto Histórico de S. Paulo, a 17 de julho de 1915. Na Rev. do Inst. Hist.
de S. Paulo, 90do mesmo ano, pág. 421 a 495.
( ) Sobre o local onde Martim Afonso fundou a primeira povoação, ver no IV volume da Revista do Museu
Paulista a monografia de Benedito Calixto, acompanhada da reconslituíção histórica do lagamar de Santos.
(") Luiz Gonzaga da Silva Leme, Genealogia Paulista, Vol. I, a pág. 30.
(9J) Frei Gaspar da Madre de Deos, op. cit. pág. 31.
XXXVIII
Introdução
desde a serrania de Paranapiacaba aos serros de Taperovira, festeja o pacto de aliança e anuncia
uma era nova.
Muito sangue vai ainda correr, em porfiadas lutas, das veias dilaceradas dos irmãos de raça
daqueles povos aliados (93). Mas lá em cima, na aldeia de Inhapuambuçú, já os dois sangues amoro-
samente se fundiram. As filhas da aborígena, acalentadas na rêde, serão esposas dos homens
brancos e amamentação a prole dos Camachos, que se entroncará com a dos Pompeus; a do
fidalgo cavaleiro ]orge Ferreira, capitão governador loco-tenente da capitania; a de Lopo Dias, cuja
descendência se entrelaça à dos Garcias Velhos; a dos Macedos, que esbraceja pelas estirpes dos
Torres, Escuderos, Alvarengas, Godoys e Abreus ...
Com o aparecimento do mameluco surge na história do Brasil o belicoso campeão da futura
nacionalidade: a sua célula mater. Logo na primeira geração o mameluco apresenta-se ao historiador
como providencial instrumento da conquista do território e da formação de uma sub-raça apropriada
às pesadas incumbências que lhe seriam distribuídas. O orgulho da progenitura lusitana torna-o o mais
implacável adversário do aborígene seu consangüineo, de quem herdou as capacidades físicas de
adaptação à mesologia americana e os instintos de combatividade. É êle, brasileiro nato, sem a nostalgia
do europeu, liberto de tantos dos seus preconceitos ancestrais, quem inexorávelmente, como cego
instrumento do destino, persegue o habitante das florestas, o afugenta, e avança nas selvas, terrível
precursor da civilização. O verdadeiro fundador da raça é êste exemplar étnico originado do cruzamento
do conquistador com o gentio. Quando surge o mameluco defendendo Piratininga, acossando o
parente selvagem, «a gente tam carniceira que parece impossível que possa viver sem matar>■>, como a
descreve Anchieta na carta ao padre-mestre Diogo Laynez, de 16 de abril de 1563,—vê-se distintamente
brotar neste guerreiro o orgulho de um dono, no modo como se assenhoreia da terra natal, dilata o
domínio, defende a casa, a povoação e a cidade, e se torna o empreiteiro da tarefa de onde vai
resultar uma pátria. Contra êle não tardarão a voltar-se os anátemas dos .humanitários jesuítas. Contra
a sua independência indomável e a sua insensibilidade heróica hão de levantar-se as acusações mais
severas, as cóleras mais activas. O mameluco é uma subconsciente força social em movimento, uma espécie
de fatalidade semelhante às energias que animam a natureza. A dentro dêle fere-se um combate que repercute
em cada um dos seus actos: luta de uma raça superior suplantando uma raça secundária. É um exemplar
de transição, agitado por contraditórias energias; semi-selvagem que quere ser um civilizado, homem
que quere ser um povo.
Possivelmente, os cronistas da colonização, como Simão de Vasconcelos (94), ]aboatão ('s^
Pedro Taques (96), frei Gaspar (97), empenharam-se em transfigurar e dramatizar os episódios históricos
de João Ramalho e Diogo Álvares. O jesuíta Simão de Vasconcelos e frei Antônio de Santa Maria
Jaboatão prepararam para os autores da Nobiliarchia Paulistana e das Memórias para a historia da
capitania de S. Vicente, o modêlo legendário que o genealogista e o frade adoptaram. Não obstante, a
residência de João Ramalho entre a tribu de Piratininga permanece incontroversa, como indiscutíveis
são, provados em documentos coevos, os serviços relevantes, premiados com postos de confiança, que
êle prestou na colonização da capitania.
Ramalho representa em S. Vicente o mesmo papel de povoador desempenhado na Bahia
por Diogo Álvares.
G3) Da própria expedição de Martim Afonso, os oitenta besteiros e arcabuseiros mandados com Pero Lobo
e Francisco de Chaves às terras dos Incas, foram trucidados pelos Carijós às margens do Iguaçu. Frei Gaspar, op. cit.,
Pag- 85; Herrera, Década VII, 2, 9; Oviedo, Liv. 23, Cap. X.
, G4) Chronica da Companhia de Jesus no Estado do Brasil, pelo padre Simão de Vasconcelos, Lisboa, 1563.
noticias antecedentes, curiosas e necessárias das cousas do Brasil, pelo mesmo. Lisboa, 1668. (Reprodução das págs. 1
a 188 da Chronica).
G5) Novo Orbe Serafico Brasilico, ou Chronica dos frades menores da província do Brasil, por Frei Antônio
ae Santa Maria Jaboatam, Lisboa, 1761, Reimpressa pelo Inst. Hist. e Qeog., Rio de janeiro, 1858. Catalogo Genealogico das
prmcipaes Famílias, que procederão de Albuquerques, e Cavalcantes em Pernambuco e Caramurús da Bahya, tiradas de
memórias, Manuscriptos Antigos, e fidedignos, authorizados por alguns Escriptores, pelo mesmo, 1768. Ms. in-fol. 546 pp.
a, .. G6) Nobiliarchia Paulistana. Genealogia das principais famílias de S. Paulo, coligida por Pedro Taques de
Himeida Paes Leme. Na Rev. do Inst. Hist. XXXII a XXXV, de 1869 a 1872; Historia da Capitania de S. Vicente desde 1531,
Peto mesmo. 1772. Na Rev. do Inst. Hist.
P tirei■ Gaspar
^""1 Memórias
da Madre para a historia
de Deus. Lisboa,da1797.
capitania de S. Vicente, hoje chamada de S. Paulo, do Estado do Brasil,
rnnía e *rai Noticia
a dos annos em que se descobriu o Brasil, e das entradas, religiões e suas fundações, etc., publicada por
p j, ?, do
Revista j VInst. Ms. e existente
Hist. Geog. no mosteiro de S. Bento, em S. Paulo, pelo Dr. Manuel Joaquim do Amaral Gorgel, na
XXXIX
Introdução
No despontar do período que denominamos a Idade Média Brasileira, João Ramalho assume
as proporções de um vulto legendário. Como tal o viram os primeiros e ingênuos historiadores; e ainda
hoje o visionamos hercúleo e tisnado do sol, a barba copiosa e hirsuta, empunhando a lança como o
Wotan da floresta, e no rosto estampada a taciturna concentração de uma vaga saüdade. L Quem era
êle? tDe onde lhe atraiçoam os
vinha? Envolve-o desígnios nem lhe
um mistério impe- comprometem a
$
netrável. gravidade. Quási
i Que tragé- sempre no berço
dia marítima ou das nações se agi-
ignoto crime o ar- tam, entre a pe-
remessou ao lito- numbra das pri-
ral inóspito, desar- meiras idades, al-
mado e solitário, gumas dessas fi-
entre os guianases guras simbólicas,
e os tupiniquins? semelhantes a for-
Certamente, a ças humanizadas.
pintura romântica Não faltam na au-
do quadro com- rora do Brasil ês-
posto por frei Gas- ses numes, que se
par da Madre de movem confusa-
Deus, que eleva à mente no lusco-
dignidade honorí- fusco das florestas;
fica de princesa a e embelezam-a os
companheira de mitos e os heróis,
Ramalho, revela o tá como no episódio
propósito de lison- do mancebo e do
gear a prosápia monstro marinho,
das linhagens pau- narrado pelo gra-
listas, de preparar mático Gandavo e
o terreno aos ge- o custódio frei Vi-
nealogistas. Mas os cente (98).
delineamentos ge- Aquele ado-
rais da narrativa lescente S. Jorge,
não exorbitam da prostrando com a
verosimilhança espada o monstro
e podem conser- que o arremete, é
var-se na História Baltasar Ferreira, filho do capitão-mór de S. Vicente, ]orge Ferreira, atacando a Hipupiara ainda o símbolo da
como conjecturas (gravura da Historia da Província dc Santa Cruz, de Pero de Magalhães Gandavo (1575) vitória lusitana so-
plausíveis que não bre o terror que
emanava da terra virgem, das florestas obscuras e insondáveis, da ferocidade do archeiro tatuado das selvas.
{75) <Aa capitania de S. Vicente, na era de 1564, sahiu uma noite um monstro marinho á praia, o qual, visto
de um mancebo chamado Balthazar Ferreira, filho do capitão, se foi a elle com uma espada e, tevantando-se o peixe direito
como um homem sobre as barbatanas do rabo, lhe deu o mancebo uma estocada pela barriga com que o derribou e,
tornando-se a levantar com a bocca aberta para o tragar, lhe deu um altabaixo na cabeça com que o atordoou, e logo
acudiram alguns escravos seus que o acabaram de matar, ficando também o mancebo desmaiado e quasi morto, depois de
haver tido tanto animo. Era este monstruoso peixe de quinze palmos de comprido, não tinha escama sinão pelle, como se
verá na figura seguinte^. (A estampa não se encontrou em nenhuma das cópias do M. SJ. Frei Vicente do Salvador,
Historia do Brasil, Cap. X.
O matador da aterradora Hipupiara, segundo Gandavo (cap. 11 da sua Historia da Província de Santa Cruz)
teria sido Baltasar Ferreira, filho do capitão Jorge Ferreira, que viera com Martim Afonso, e casara com uma das filhas de
João Ramalho (Joana), segundo refere Taques na Nobiliarchia. De um filho natural ou legítimo dêste mesmo Jorge Ferreira,
«cavalleiro fidalgo, que foi capitão-mór, governador da Capitania de S. Vicente pelos annos de 1555», conta Hans Staden ter
sido massacrado e devorado à sua vista.
A falta da estampa da Hipupiara no manuscrito de frei Vicente é compensada pela da l.a edição (1575) da
Historia da Província de Santa Cruz, de Pero de Magalhães Gandavo, acompanhada de uma narrativa que permite a
identificação do monstro marinho. Assim o descreve o primeiro historiador do Brasil; "Era quinze palmos dc comprido e
semeado de cabellos pelo corpo, e no focinho tinha umas cerdas mui grandes como bigodes. Os índios da terra lhe chamam
em sua língua Hipupiara, que quer dizer demonio dágua. Alguns como este se viram já nestas partes, mas acham-se
raramente. E assim também deve haver outros muitos monstros de diversos pareceres, que no abysmo desse largo e
espantoso mar se escondem...» Trata-se, muito provávelmente, de um exemplar do Lamantino da America, vulgarmente
conhecido por Lobo ou Leão Marinho, habitante das regiões antárcticas.
XL
Introdução
Quando Martim Afonso de Sousa, antigo pagem do rei, regressa a Portugal em 1533 ("), já deixa no
Brasil os primeiros materiais de uma civilização: a igreja, o município, o estaleiro, o tombo das sesmarias, o
pelourinho, emblema da justiça. Enquanto não parte para a índia, em cujo govêrnomais tarde se embaciaráde
cupidez a sua honra de cavaleiro, o donatário ocupa-se da longínqua capitania brasileira, cuja doação o rei
lhe comunicara em carta trazida por ]oão de Sousa a S. Vicente (100). Para lá expede colonos, animais domés-
ticos e sementes, contratando agricultores e mecânicos habilitados na cultura e fabricação do açúcar (101).
Mas a índia reclama insaciávelmente novos heróis. Cada monção tem de levar às feitoriqs
bélico-comerciais do Oriente o amparo de novas espadas. Martim Afonso parte do Tejo a 12 de Março
de 1534, capitaneando cinco navios, fazendo escala na Bahia (102), onde, havia três anos, assistira à
pugna naval dos Tupinambás. Seria então a última vez que contemplaria as terras luxuriantes da América,
onde fundara o alicerce de uma grande nação. No natal dêsse ano estava já em Gôa, onde D. Nuno
da Cunha lhe entregava a capitanía-mór do Índico e a esquadra com que foi atacar Damão.
Por êste singelo sumário se mede a extensão do poderio lusitano. Das ilhas, litorais e serranias
da sua capitania americana, o herói transporta-se ao outro extrêmo do mundo; de uma civilização ainda
no limbo a uma civilização milenária; da terra dos papagaios para a pátria dos elefantes. Ao pôsto de
governador do Brasil ia acrescentar o de governador da índia, reünindo nos dois títulos as gloriosas empresas
em que culminara a obra da expansão portuguesa, criadora de um opulento império comercial no Oriente
e de uma desconforme colônia agrícola no Ocidente. Naquele momento, o pequeno Portugal concentrava
as robustas energias na tentativa de executar o duplo prodígio de submeter à sua soberania o asiático
e o americano, os velhos e os recém-nascidos da civilização, ligando a êle por esquadras os dois domí-
nios, entre os quais se intercalava, tenebrosa, no meio dos mares, aquela África enorme e adusta, de
onde a rainha do Sabá levara a Salomão as caravanas carregadas de ouro.
AS DONATÁRIAS
ÓRA emfim decretada a colonização do Brasil. Pouco tempo depois da partida para HEREDITÁRIAS
Gôa do donatário de S. Vicente, eram lavrados em Évora, onde então estava
a
corte, os primeiros diplomas de doação.
^ regímen implantado das Donatárias de juro e herdade, pelo qual o terri-
^ TTlíCt CSm tório foi ■ dividido, confessa a supremacia que os interesses políticos do Estado
alcançaram sôbre os do lucro. A metrópole abria mão, em benefício dos feudatários,
I i das riquezas que encerrava aquela grandiosa boceta de Pandora. O rei despojaya-se
£ de grande parte da suserania, reservando-se pouco mais do que o previlégio de
cunhar moeda. «Pode-se dizer que a coroa portuguesa, cedendo quasi todos os seus direitos majestáticos
aos donatários, quanto reservara para si não chegava sequer para pagar o serviço de religião que lhe
competia manter, e de facto reconhecia a independência quasi ilimitada da nova conquista* O03).
("") Martim Afonso de Sousa, primeiro colonizador e donatário do Brasil, nascera precisamente no mesmo ano
em que a armada de Cabral lançou âncoras em Pôrto Seguro. j ico-,
(""*) A carta de D. loâo 111, de que foi emissário João de Sousa, tem a data de 28 de setembro de 1532.
("") No ano de 1534, os dois irmãos donatários contrataram com João Veniste, Francisco Lobo e Vicente
Gonçalves a construção de dois engenhos, em S. Vicente e em Itamaracá. Para o dá primeira capitania destinaram-se as
terras que se chamaram do engenho de S. Jorge. Frei Gaspar da Madre de Deus, Memórias para a historia da capitania
e s
- Vicente,102§§ 104 e 105, a págs. 63 e 64. . „ , ^ .m
( ) «... e o despachara (o rei) para a índia por Capitão-Mor dos Mares do Oriente, para onde /T3, ..
rf
orf °i Vol.
P- cit., anno I, adepág.
1534, e destadeviagem
61 (edição 1858). levava Religiosos Menores, e tomou de arribada
, , o„ porto
. , da Bahia...»
„ . . Jaboatao,
c pr~n
■c «indo Martim Affonso de Sousa para a índia, tomou de 'arribada o porto desta Bahia, e os Padres de o* -
% °', Wf. comsigo levava, bautizarão os filhos naturaes do dito Diogo Alvares, e também alguns legítimos, que /a tmha da
FH.i 9'ílma s"a mulher: e logo casou huma filha natural com Affonso Rodrigues natural de Óbidos, e outra com hum
tidalgo Genovez por nome Paulo Dias Adorno, que havia pouco havião vindo de S. Vicente em huma lancha, por hum onusio,
que la t,verão - . Ibid, Vol. I, pág. 53. ■
C03) João Ribeiro. Historia do Brasil (curso superior), a pág. 63.
: XLI
Introdução
Como era próprio do regímen que se instituía, os capitãesmióres foram escolhidos entre a
nobreza. O não pertencerem às casas mais poderosas, (algumas das quais, mais tarde, herdaram ou
adqüiriram territórios) testemunha a ascendência fascinadora da índia, que consumia nos postos de
govêrno e de guerra as maiores figuras da grei, e não deixava de provar também quão pouco actiíavam
sôbre a ambição da riqueza, tam fortemente ateada na Renascença, os ainda ignotos tesouros da terra
do Brasil (104). Nas suas "-Reflexões sobre a instituição das capitanias», publicadas na Revista do Instituto
Histórico e Geográfico 005), Sousa Filgueiras agrupo os argumentos fundamentais que conjecturalmente
actuaram sôbre o monarca e os seus conselheiros na opção de uma modalidade do regimen feudal, de
preferência às concessões comerciais, do gênero das ensaiadas com o consórcio de Fernão de Loronha.
O prestígio e o valor militar do donatário constituíam elementos preponderantes no programa
colonizador das capitanias. Na década de 1530, o Brasil não oferecia ainda bastantes atractivos de
lucro, e um regimen fundado em bases mercantis seria incapaz de criar e propagar o sentimento de
pátria, em condições de garantir contra as cobiças estrangeiras a integridade do domínio.
Os desígnios do comércio jámais foram de fundar nações.
O instituto das capitanias, com a autonomia concedida a cada feudatário, poderia, é certo, gerar uma
posterior fragmentação da colônia americana, análoga à que cindiu o domínio espanhol; mas não faltariam
no momento adeqüado vozes que chamariam para o perigo as atenções da corôa, aconselhando-a a
corrigi-lo com a instituição de um poder centralizador, impeditivo daquelas ameaças de desmembramento.
Ao contrário de um êrro, o regímen das capitanias revela o senso prático que orientou a solução
do problema, acomodando-o às circunstâncias embaraçosas do erário, no decurso dos demorados estudos
a que êle foi submetido desde o regresso de Cristóvam jacques até às informações remetidas de
S. Vicente por Martim Afonso de Sousa. Os donatários, vinculados à corôa, continuavam vassalos do sobe-
rano. Ao seu brio de guerreiros ficava confiada a defesa do domínio, de que eram capitães. O empenho
de seus próprios haveres no empreendimento garantia os esforços que haveriam de empregar na prospe-
ridade das capitanias.
Que o regímen instituído correspondia às iniciais exigências de uma tal emprêsa prova-o a
adopção do sistema português por outros povos colonizadores. Em 1630, passado mais de um século
sôbre a instituição das Donatárias brasileiras, Carlos I de Inglaterra concedia ao procurador geral da
corôa, Robert Heath, a propriedade de vastíssimo domínio no sul da Virgínia, compreendido entre o
sound de Albemarle e o rio S. João, depois trespassada a lord Clarendon, ao duque de Albemarle, ao
conde de Shaftesbury, a s/r George Carteret (senhor do domínio de Nova Jersey), a s/r Guilherme Bar-
keley, governador da Virgínia, aos lords Barkeley e Craven e a s/r John Colleton. Já em 1821, o rei de
Inglaterra concedera ao conde Stirling os territórios a ocidente do estado do Maine, com o nome de
C04) «A fama dos seus grandes thesouros (do Brasil) era questionável, ou pelo menos neutralisada pelo temor
dos assaltos e ferocidade dos indígenas, e pelo desamparo da terra ... Qualquer que fosse o espirito do systhema concebido
pela corôa portugueza, elle devia satisfazer necessariamente dous requesitos: l.o magnefisar os capitães, ou por outros
termos: proporcionar e garantir aos colonisadores um interesse tão persuasivo que os empenhasse dicididamente na grande
em preza; 2.o não exigir do erário uma intervenção que estava a cima de suas forças. Não se tratava de traçar um plano
à priori; tratava-se de interpretar as exigências do momento. Devia-se alcançar o grande fim, não apesar, mas de combinação
com as circumstancias que imperavam despoticamente>. Caetano Alves de Sõusa Filgueiras, op. cit., pág. 418 do vol. XIX
da Rev. do Inst. Hist. e Qeog.
(105) «... Como obrigar os capitães a terem fé n'uma exploração, perante a qual o proprio governo recuava?
Como achar colonos em que o patriotismo de conservar uma possessão á sua patria, sobrepujasse de tal modo os interesses
do seu bem-estar, que viessem submetter-se a todas as eventualidades de uma empreza arriscada e consumidora? O bom
senso responde que só de um modo: offerecendo aos emprehendedores tantas vantagens, que a avidez commercial geralmente
excitada garantisse ao mesmo governo na tenacidade das suas operações e na manutenção das suas propriedades a conser-
vação e o engrandecimento de sua colonia. Foi o que se fez. Por mais abastado, nobre e poderoso que se fosse, muito poucos
por certo recusariam a dadiva hereditária de cincoenta léguas de costa fértil e sadia, com um fundo illimitado a explorar e
um titulo soberbo, rodeado de immunidades e extensissimo poderio. O donatário lia na grande esphera da sua auctoridade
e na duração perpetua da sua posse o destino de sua família inteira; de maneira que, se o serviço do seu rei e o amor ao
augmento da sua patria não eram assaz poderosos para levaio a sacrificar-se pela conservação de uma colonia, sem duvida
o interesse do presente e a segurança do futuro teriam bastante seducção para fazei'o trocar as margens do Douro e os
gosos de Lisboa pelas esperanças de fabuloso lucro. Attendia-se nesta determinação não só ao caracter do tempo como á
natureza do homem. A immensa auctoridade dos capitães-móres não era uma concessão isolada: era antes o complemento
do donativo. Convinha sobretudo ligar em corpo e alma o donatário ao seu senhorio. Era preciso que a vaidade, o orgulho
e o egoísmo humanos, satisfeitos pela concessão de um poder quasi absoluto, fizessem, rigorosamente faltando, dos capitães-
móres interessados instrumentos da execução e desenvolvimento do plano concebido por el-rei. Este era o magnum deside-
ratum: estes os meios indispensáveis. Assim as invasões estrangeiras encontrariam uma repulsão tanto mais forte e decidida,
quanto mais de perto tocasse aos invadidos... Em permutação dos grandes serviços que com a povoação e fortificação de
suas capitanias deviam prestar ao throno portuguez, concederam-se aos capitães-mores alçadas eivei e crime, extensivas até
morte em muitos delidos, como de traição, sodomia, furto, etc. dos quaes podiam negar appellação. (Ordenações, Liv. II,
Tit. 47). Concederam-se-lhes também com a posse de juro e herdade todas as regalias, excepto a de cunhar moeda e a de
impor e receber dizima territoria; e para que podessem associar ao seu o interesse de grande numero de cooperadores,
outorgou-se-lhes mais o direito de conquistar toda a terra do interior e conceder sesmarias >. Dr. Caetano Alves de Sousa
Filgueiras, op. cit.
XLH
Introdução
Nova Escóssia. Na colonização de Maryland, lord Baltimore obtivera de Carlos I regalias que singu-
larmente se pareciam com as dos donatários do Brasil. Apoderando-se em 1654 de Nova Amsterdam,
a Inglaterra cedeu-a ao duque de York. Na mesma época, os territórios compreendidos entre os rios
Hudson e Delaware, abrangendo até ao paralelo 41° 40', foram doados a lord Berkeley e sir George
Carteret. A Inglaterra caminhava no trilho de Portugal, tomava-o por modêlo no Ocidente, como por
modêlo o tomaria no Gouveia, regente do Co-
Oriente (ioõ). légio de Santa Bárbara,
Os sistemas apli- de Paris, (depois regente
cados às colonizações da Universidade de Bor-
portuguesas denunciam deus), Antônio Carneiro,
a mesma sábia e re-
seu filho Pedro de Alcá-
flectida preparação a çova Carneiro e D. An-
que foram submeti-
tônio de Ataíde são os
dos os descobrimentos.
inspiradores e autores
Aqueles experimentados do regimen das capita-
e esclarecidos homens
nias, que o primo do
de Estado, formados na
vedor ia ensaiar. Com
escola de D. ]oão II,
a única principal ex-
não procediam levia-
cepção —aliás logo cor-
namente.
rigida na prática —da
Contra os que atri-
limitação ao praso de
buem os defeitos reve-
um ano na concessão
lados pelo regimen dos
das sesmarias, o capi-
donatários a um impro- tão-mór tem poderes de
viso irreflectido, protes- /
conquista, de organiza-
tam os factos, que de-
ção de governo, de
monstram, ao contrário, administração de jus-
o progresso lento de tiça, iguais, senão su-
um sistema que tinha a
periores, aos feudatá-
apoiá-lo a experiência rios. Manda o rei que
de um século. tôdas as pessoas, de
Pelos poderes am- qualquer qualidade,
plíssimos de que vai «que nas ditas terras
investido na expedição que elle descobrir fica-
à América, constantes rem e nella estiverem
das cartas (m?) passadas m ou a elia forem ter por
em Castro Verde, a 20 i
qualquer maneira que
de Novembro de 1530, seja que aja ao dito
Martim Afonso de Sousa, martim afonso de sousa
primo-irmâo do vedor por capitam mor da dita
íís:
Km
da Fazenda, D. Antônio armada e terras e lhe
de Aíaíde,proximamente obedeçam em todo e por
TAMOIOS
conde de Castanheira, Gravura da edição de 1578 da obra de jean de Lery, companheiro de todo o que lhes mandar
é já um pro-donatário. Villegaignon, Hisíoire d'vn voyage fait en la Terre dv Bresil
e cumpram e guardem
O dr. Diogo de seus mandados asy e
m imtepramente como se por mim em pessoa fosse mandado sob as penas que elle poser as quaes
com efeyto dara a divida execuçam nos corpos e fazendas.
Poderíamos com propriedade denominá-lo o primeiro governador geral, ainda mais do que
0
primeiro donatário, que também foi, se a sua missão não tivesse tido o carácter de um ensaio. Mas
so quando Martim Afonso de Sousa surge em S. Vicente, antecipando-se dois anos à fundação de
aplicaram rn'0^ Tamb fni os holandeses, que desempenharam Iam importante papel na colonização dos Estados-Unidos,
mente aristocrático varian,es aconselhadas pela experiência, o sistema português, embora sem o seu carácter exclusiva-
Caría de
inserta no caníti Poderes 30 capitâo-mór, copiada do Livro da Chancelaria de el-rei D. João 111, foi. 105, será
referência na lntrodu^oeCtÍVO ^ exPediÇão de Martim Afonso, e com ela todos os documentos fundamentais a que fazemos
7 XLI1I
Introdução
9
Buenos-Aires, é que em Lisboa os conselheiros do rei ultimam com o soberano as cláusulas do regimen
a que vai ser submetida a colonização do domínio americano. Na carta escrita de Ruão a D. João III
com datas de 29 de Fevereiro e 1 de Março de 1532, ainda Diogo de Gouveia invoca as diligências que
havia anos empregava para fazer aceitar pela coroa os seus pontos de vista sôbre o povoamento
do Brasil (i08).
Finalmente, em carta de 28 de Setembro do mesmo ano, expedida pela armada de João de
Sousa, o rei comunica a Martim Afonso a resolução de dividir o domínio em capitanias hereditárias de
50 léguas de costa, das quais lhe reservava de antemão 100 léguas da melhor em recompensa de seus
serviços: * Depois de vossa partida se praticou se seria meu serviço povoar-se toda essa costa do Brasil,
e algumas pessoas me requeriam capitanias em terra delia. Eu quizera, antes de nisso fazer cousa alguma,
esperar por vossa vinda para com vossa informação fazer o que me bem parecer, e que na repartição
que disso se houver de fazer escolhaes a melhor parte. E porém porque depois fui informado que de
algumas partes faziam fundamento de povoar a terra do dito Brasil, considerando eu com quanto trabalho
se lançaria fora a gente que a povoasse, depois de estar assentada na terra, e ter nella feitas algumas
forças, como já em Pernambuco começava a fazer, segundo o Conde de Castanheiro vos escreverá (ioq),
determinei de mandar demarcar de Pernambuco até ao Rio da Prata cincoenta léguas de costa a cada
capitania, e antes de se dar a nem-uma pessoa, mandei apartar para vós cem léguas, e para Pero Lopes,
vosso irmão, cincoenta, nos melhores limites dessa costa, por parecer de pilotos e outras pessoas de quem
se o Conde, por meu mandado, informou, como ver eis pelas doações que logo mandei fazer, que vos
enviará; e depois de escolhidas estas cento e cincoenta léguas de costa para vós e para vosso irmão,
mandei dar a algumas pessoas que requeriam capitanias de cincoenta léguas cada uma; e segundo se
requerem, parece que se dará a maior parte da costa; e todos fazem obrigações de levarem gente e
navios á sua custa, em certo tempo, como vos o Conde mais largamente escreverá.. .*.
Martim Afonso regressou a Lisboa em 1533 e só em abril do ano seguinte foi assinada pelo
rei a carta de doação da capitania da Bahia. Às informações verbais de Pero Lopes (que regressara
anteriormente ao reino, pois partira de S. Vicente a 22 de Maio de 1532, aportando a Faro em Janeiro
de 33) acrescentaram-se as de Martim Afonso. Só depois foram redigidas as escrituras dos forais.
Êsses vagares prudentes testemunham o cuidado meticuloso dos estadistas portugueses. Eram
ainda os mesmos homens e os mesmos processos que haviam paulatinamente preparado e conduzido
com segurança incrível o descobrimento do caminho marítimo da índia.
DIVISÃO DAS OS doze primeiros donatários não correspondiam rigorosamente doze domínios, por ser
CAPITANIAS
o de Martim Afonso dividido em dois quinhões (pela intercalação da capitania de
Santo Amaro), e em três quinhões o de Pero Lopes, a quem ficaram pertencendo os terri-
tórios desde a baía de Paranaguá até à enseada da Laguna ou terras de SanfAna, «em
altura de vinte oito grãos e um terço-», segundo reza a carta de doação. Êste quinhão
confrontava ao norte com o território de Martim Afonso, que se prolongava até S. Vicente, interrompido
até à foz do Juquiriquerê pelo segundo quinhão de Pero Lopes, e prosseguindo até Macahé, ao norte
do cabo Frio, abrangendo as baías de Angra dos Reis e Guanabara. Finalmente, o terceiro quinhão
(los) < A verdade era dar, Senhor, as terras a vossos vassallos, que três annos ha se as Vossa Alteza dera aos
dois que vos falei, a saber do irmão do Capitão da ilha de S. Miguel, que queria ir com dois mil moradores lá a povoar,
e de Christovam jaques com mil, já agora houvera quatro ou cinco mil crianças nascidas e outros moradores da terra
casados com os nossos, e é certo que após estes houveram de ir outros moradores...» Cf. Varnhagen, /ls Primeiras Negociações
diplomáticas respectivas ao Brasil, e Sousa Viterbo Trabalhos Náuticos dos Portugueses (Lisboa, 1898), Vol. I, págs. 216 e 217.
(io9) o texto integral desta carta foi transcrito por Varnhagen, para a Historia Geral, do Nobiliario de D. Luís
Lobo da Silveira, Tômo I, ou das Provas da Historia Genealogica da Casa Real Portuguesa, de D. Antônio Caetano de
Sousa, Tômo VI, pág. 318.
XLIV
Introdução
de Pero Lopes compreendia o território desde o rio de Iguaraçú, incluindo a ilha de Itamaracá, até à
baía da Traição (no).
Ao norte dos domínios de Martim Afonso ficavam as trinta léguas doadas a Pedro de Góis,
çontituíndo a capitania de S. Tomé ou Parahyba do Sul, também chamada Campo dos Goiatacazes, cujo
limite septentrional atin- sessenta léguas de cos-
gia Itapemirim. ta, e que, desde a mar-
Seguia-se a capita- ■í- t gem esquerda do Rio
nia do Espírito Santo, S. Francisco se estendia
de Vasco Fernandes até ao Iguarassú ou
Coutinho, com cincoenta Santa Cruz, balisa me-
léguas de costa desde ridional do terceiro lote
o rio Itapemirim ao"rio de Pero Lopes.
Mucury, onde principia- A baía da Traição,
va a capitania de Pôrto onde finalizava a capi-
Seguro, doada ao abas- tania de Itamaracá, era
tado fidalgo vianense o limite meridional do
Pero do Campo Touri- primeiro quinhão do
nho, com cincoenta lé- vasto domínio de cem
guas de frente para o •W léguas de costa para
oceano, até à extrêma 1 n
cuja exploração se ha-
meridional da capitania viam associado o histo-
dos Ilhéus, concedida riador João de Barros
ao escrivão da Fazenda e o bravo capitão da
Real, ]orge de Figuei- índia, Aires da Cunha,
redo Correia, que come- e que atingia a embo-
çava por 15 1/2 graus, -r cadura do rio Mundahú
na barra do rio Poxim, ou Angra dos Negros.
até à baía de Todos os As quarenta léguas dis-
Santos, exclusive. tribuídas a Antônio Car-
A Francisco Pe- doso de Barros eram
reira Coutinho ficou per- limitadas ao norte pelo
tencendo a capitania da rio da Cruz, nas ime-
Bahia, depois adqüirida diações da foz do Par-
pela coroa quando se nahyba, onde começa-
associou à tarefa dos vam a contar-se as se-
donatários, e que se tenta e cinco léguas
prolongava até à foz ao longo da costa do
do S. Francisco, com- Piauhy e do Maranhão,
preendendo o actual es- doadas ao tesoureiro-
tado de Sergipe. mór Fernando Álvares
Duarte Coelho re- de Andrade. Finalmente,
cebeu a capitania de FAMÍLIA DE TAMOIOS por cincoenta léguas de
Pernambuco —a Nova Gravura da edição princeps de Lery.
costa, até ao limite se-
Lusitânia (m) —com ptentrional da linha de
demarcação, prolongava-se o segundo lote da parceria de João de Barros e Aires da Cunha.
Na enormidade, então ainda semi-desconhecida, das capitanias, residia a própria razão da
fragilidade das doações desconformes. Os feudatários eram como doze monarcas reinando sobre nações
(1I0) À primeira vista, esta divisão de territórios, com grandes soluções de continuidade, aos dois irmãos, parece
arbitrária e absurda. Justifica-se, porém, rigorosamente, e o próprio exame dessa divisão contém, implícita, a explicação das
datas ulteriores com que foram passadas as cartas de foral a Martim Afonso e Pero Lopes.
Pode conjecturar-se que, primitivamente, conforme a mensagem de D. João III, datada de 28 de setembro
de 1532, a capitania de Pero Lopes se prolongava até ao Rio da Prata, que se encontrava já fóra da linha de demarcação
de Tordesilhas. Essa constatação e a fundação de Buenos Aires, em 1534, pela esquadra de Mendoza, impuseram a reforma
dos limites primitivos da capitania. Reduzida no extrêmo meridional, foi necessário obter-Ihe compensação à custa de algum
território de Martim Afonso e adjudicando-lhe Itamaracá, teatro da sua façanha, quando, no regresso ao reino, tomou
o bastião francês.
(m) Corrija-se o êrro de composição, a pág. V, linha 8, em que Nova Lusitânia aparece como fundada
por Duarte Pacheco.
XLV
Introdução
mais vastas que a metrópole. O exagêro dêsses domínios teóricos ficava, porém, reduzido na prática a
tratos de litoral bloqueados pelo sertão ínvio e infestados de gentio feroz. Os donatários deparavam com
montanhas e florestas de aspecto temeroso, de onde partiam o sibílo das flechas e o bramido das
feras. Aqueles soberanos medievais em breve haveriam, quási todos, de reconhecer-se impotentes para
se assenhorearem do domínio inóspito, e a fortuna de tanta terra os arruinaria, devorando-lhes os
haveres, dizimando a população minúscula dos seus reinos trágicos e ilusórios. _ ....
O feudalismo brasileiro cumpriu a sua missão em condições que correspondiam à insuficiência
dos recursos com que cada donatário participava no empreendimento colonizador. Em verdade, a tarefa
que a coroa lhes confiara era menos o povoamento do que a defesa e polícia dos territórios. Aqueles
reis eram apenas sentinelas e depositários dos domínios coloniais.
Se o Infante D. Henrique, dispondo das grandes rendas da Ordem de Cristo, se empenhara
com o descobrimento da Guiné e a colonização das ilhas do Atlântico; se D. João III se via embaraçado
de dívidas e se debatia entre os escrúpulos de agravar o déficit do estado e os de desamparar o
império herdado, acabando por evacuar algumas das praças de África, «Lcomo haveriam aqueles vassalos,
com os seus pecúlios da índia e o produto da venda dos solares e herdades, arrostar com os oneio-
síssimos encargos do fretamento de armadas, transportes de colonos e gado, aqüisição de armas.
utensílios da lavoura e das indústrias? ^ ,,
Quási todos se arruinaram e alguns sucumbiram na tarefa, de que só saiu incólume Duarte
Coelho, que logrou plantar em Olinda a sua cidade feudal.
As lutas temerárias empenhadas pelos donatários e os seus séquitos, se atendermos^ a que
eram alguns grupos de homens, disseminados, armados de arcabuses e béstas, contra um inimigo
numeroso, atingiram a grandeza épica. Devéras com êsse púgilo de capitães e soldados, pelejando a
milhares de léguas da pátria, à orla das florestas, a colonização vive a sua fase heróica. A terra, que
parecera um éden aos descobridores, apresentava-se aos conquistadores como um inferno, com as
brenhas vegetais enlaçadas de cipós por onde o homem só podia avançar no rastro das chamas, entre
o calor asfixiante que não permitia suportar os peitorais e os elmos de combate.
Degredados eram ali todos, fidalgos e plebeus, donatários e colonos, e o que mais surpreende
nessa tragédia bárbara é que tivesse sido possível à energia humana criar, como na capitania de Per-
nambuco, uma resistente organização e um embrião robusto de govêrno, ou como em Porto Seguro uma
laboriosa, conquanto efêmera, colônia rural. _ .-eu-
Ao sul, a capitania de Marfim Afonso nunca mais veria o fundador e donatano. S. Vicente
seria atacada e saqueada pelos espanhóis e índios de Iguape, cedendo a primasia à vila de Santos,
fundada por Braz Cubas. Piratininga só prosperaria no govêrno de Tomé de Sousa com a vinda dos
jesuítas. Pero Lopes não voltaria também a avistar as terras americanas dos seus três ^ domínios.
No mais meridional dos seus quinhões, correspondente ao estado de Santa Catarina, só um século mais
tarde se ensaiaria a colonização. Os tamoios assolariam a vila de Santo Amáro, que o donatáno
confiara aos cuidados de Gonçalo Afonso. Itamaracá, na ilharga de Pernambuco, desamparada da mão
forte de um senhor autoritário e desciplinador. acabaria por converter-se em homízio dos criminosos
que a austeridade de Duarte Coelho — espécie de Pedro, o Justiceiro, na dinastia dos monarcas feudais
brasileiros — perseguia em suas terras. Pedro de Góis, ao cabo de sacrifícios e refregas onde perdeu um
dos olhos, desistiria de colonizar a sua vila da Rainha, à margem do Parahyba do Sul, assolada pelo
gentio que o obrigou a despejá-la, «donde ficou com toda a sua fazenda gastada-». Vasco Fernandes
Coutinho, o herói da Ásia, que às ordens de Afonso de Albuquerque servira em Gõa e Malaca, desba-
ratada a fortuna patrimonial na tentativa de fundar contra os ataques dos goiatacases o Espírito Santo,
«gastados muitos mil cruzados que trouxe da índia e muito patrimônio que tinha em Portugal, acabou
tão pobremente que chegou a lhe darem de comer por amor de Deus e não sei se teve um lençol em
que o amortalhassem». A capitania dos Ilhéus, de Jorge Figueiredo Correia, escrivão da Fazenda, havia
de capitular perante as assolações dos aimorés. Na Bahia, o destemido Francisco Pereira Coutinho,
o Rusticão, companheiro de Vasco da Gama, de D. Francisco de Almeida e de Albuquerque, acabaria
devorado pelos canibais da Ilha de Itaparica. Da expedição custeada pelos donatários João de Barros,
Fernando Álvares de Andrade, tesoureiro-mór do reino, e Aires da Cunha, em que os três empenharam
os bens para o apresto de dez navios, pouco se salvou do naufrágio, da ruína e dos ataques das
tribus potiguares, após as tentativas malogradas da fundação de colônias no Ceará Mirim e no Maranhão.
A 12 de Maio de 1548, Luís de Góis, irmão do donatário da Parahyba do Sul, prevenia
D. João II! «... se com tempo e brevidade Vossa Alteza não soccorre a estas capitanias e costa do Brasil,
ainda que nós percamos as vidas e fazendas, Vossa Alteza perderá a terra...».
tQue restava de tantas e ambiciosas'esperanças?
XLV1
Introdução
V c
nPVi
ÃO se realizou a tarefa portentosa, nem poderia jàmais realizar-se, com o comedimento, a missão dos
o método, a ética política e o altruísmo que os utopistas, sonhadores de miragens, reclamam. D0rvAIAfil0S
Esta é uma obra de titans, tumultuária e formidável, cheia de luz e de sombra, de
crueldade e de sublimidade, de sacrifício e de heroísmo, regida pela fatalidade dos
instintos desencadeados.
Mas neste tumulto, nesta encarniçada peleja, neste assalto desordenado, íuribundo, contra uma
natureza assustadora e um homem bárbaro; nesta estrondeante escalada de montanhas e derrubamento
de florestas, em que baqueiam as árvores centenárias e flamejam os incêndios ateados nas selvas
húmidas, há um ideal que sôbrepaira e voa por cima dos abismos morais de todos os crimes. Aqueles
homens antigos, tantas vezes inexoráveis, eram os soldados da civilização. Os homens sedentários de
hoje, beneficiários da obra dos antepassados, não podem já compreender as condições em que se
cumpriu, entre o cáos de um mundo virgem, a missão aterradora.
(112) <£)a índia veyo para a Bahia capital do Brasil Francisco Pereira Coutinho, rico de Cabedaes e bens; e
todos estes, depois de muitos, e continuados trabalhos de dez, ou doze annos de guerras, vio gastos, e consumidos, eelle
por fim de todos, depois de morto, em huma sepultura viva, porque comido pelo barbaro Gentio». Jaboatão, Orbe Seraphico,
Est. IX, pág. 113
134 (edição de 1858). • • u-
( ) Um dos náufragos da náu Nossa Senhora da Ajuda, onde regressava a Portugal o primeiro bispo ao
Brasil, e com114 êle trucidado e devorado pelos cahetés, a 15 de junho de 1556.
(115) Naufragado nas costas do Maranhão, em 1536.
( ) «... da índia veyo para o Brasil Vasco Fernandes Coutinho, da mesma sorte possante, e rico, mas com
huma contraria até o fim, como darem-lhe por esmola hum lençol para mortalha, na mesma Capitania do espirito santo,
donde era Senhor, e Donatário...* Jaboatão, Ibid. Est. IX. „ ,
(116) Pedro de Góis «... depois de hum molesto trabalho, e guerras com os Gentios, veyo a desempatar a
Capitania, e a perder o trabalho, e o dinheiro, que nella havia gasto, seu, e de Martim Ferreira, homem rico do Keyno, que
com elle concorria... João de Barros ainda ficou de peyor partido; porque sem chegar a da Paraíba, para onde se emoar-
carão seus filhos, perdeo a posse da Capitania, e a da fazenda, que para esta empresa havia empregado... > jaboatao,
Ibid. Est. IX. ^ •
C17) Da sua aventura de donatário escreveu João de Barros: «O principio da milícia desta terra zinda que seja
o ultimo de nossos trabalhos, na memória eu o tenho mui vivo, por quão morto me leixou o grande custo desta armada
sem frueto algum*. D. Sebastião perdoou-lhe mais tarde a dívida em que estava alcançado nos fornecimentos que pelo
Arsenal régio lhe tinham sido feitos para armamentos da expedição. „ . ^ . , . , „
(ns) , jção sey por que principio, ou que razão pôde haver entre as Conquistas destas duas índias Onentaes
e Occidentaes, que o prêmio que se deo aos Conquistadores de humas, foy o trabalho de conquistar as outras. A muitos
daquelles famosos Heróes, que na conquista da índia Oriental mais se assignalarão em feitos, derão os Reys por premw
condigno, ou paga equivalente aos taes, o serem elles os conquistadores das terras do Brasil... !\ão deixa de ser motivo
Para, 0 reparo, que excepto hum, ou outro, dos que vieram ao Brasil fundar capitanias, depois que o merecerão por serviços
da índia, quasi todos, vindo de lá tão abastados de bens, e haveres, acabarão nas conquistas de ca ob/ectos da pobreza,
e espectaculos da fortuna...* Jaboatão, Ubi supra, Est. IX, pág. 134.
XLVII
Introdução
O afastamento moral e de tempo em que dela nos achamos tem impedido que seja reconsti-
tuída e julgada com eqüidade. Não será demais repetir que o século inicial da colonização do Brasil condensa
em potencialidade inaudita a anterior obra milenária da civilização humana. A história da Europa atravessou
lentamente, através de incontáveis séculos, as fases evolutivas que se concentraram na América em um
breve momento histórico de cem anos. As assolações, os morticínios, a escravatura, avistam-se, sem
excepção, nas origens das nacionalidades. Os historiadores que desviam os olhos dos exemplos termi-
nantes do passado na análise desta página dramática, que encerra a transformação da inextricável selva
brasílica no rudimento de um estado, nunca poderão elevar-se ao nivel da sua compreensão, abrangendo
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(119) A política portuguesa do século XVI para com os índios encontra-se compendiada no Regimento dado a Tome
de Sousa em 1548: «posto que em allgús capitolos deste regimento vos mande que façaes guerra aos gentios na maneira
que nos ditos capitolos se conthem e que trabalheis por castiguardes os que forem culpados nas cousas passadas avendo
respeito ao pouco entendimento que; esa gente atteegora tem a qual cauza demenue muito em suas culpas e que pode ser
que muitos estarão arrependidos do que fizerão avarei por meu serviço que conhecendo eles suas culpas e pedindo perdão
delas se lhe conceda e ainda averei por bem que vós polo melhor maneira que poderdes os traguais a iso porque como o
principal intento meu he que se convertão a nossa santa fée, loguo he rezão que se tenha com eles todos os modos que
poderem ser pera que o façaes asy. E o principal ade ser escuzardes fazerde lhes guerra porque com ela se nao pode ter a
comunicação que convém que se com eles tenha pera o serem*.
XLVIII
Introdução
iQuantas verdades, também, que não podem negar-se sem reduzir a história a uma impostura!
As crueldades, próprias da lei dura da guerra, a escravidão do homem pelo seu semelhante, as iras
assoladoras da represália, estão na história dos povos os mais ilustres. Só as não conheceram as
nações sem virilidade, plantadas na lama em vez do sangue. Nesse tremendo e convulso atropêlo, seria,
porém, iniqüidade, ver somente o homem cruel e não, também, o santo e o justo: Anchieta e Duarte
Coelho, os missionários sublimes e os heróis impolutos, Nóbrega e a dinastia dos Sás, a estirpe
cavalheiresca dos donatários de Pernambuco, a grandeza romana de Tomé de Sousa.
Entre os abismos do mar e das florestas, aqueles centos de homens: santos, criminosos,
mártires, guerreiros da Ásia, degredados, aventureiros e agricultores, lutam contra a natureza adversa, o
clima devorador, o antropófago ascoroso, e domam o canibal e dominam a selva. Sangue, lágrimas, fome,
suplícios, martírios: o assalto desesperado de cinco ou seis hostes dispersas contra uma terra onde
tudo as ameaçava. Não vale para nada negar: há degredados, há condenados, há delinqüentes no drama
histórico; mas há também um homem terrível, monstruoso, bárbaro e nu, com os beiços furados, o
corpo tatuado de negro, que abate os seus semelhantes com a flecha, lhes despedaça o crâneo, os
esquarteja e os devora. Aqueles que pretendem que esta emprêsa de gigantes se deveria ter realizado
com sábia e pacífica harmonia, subreptíciamente voltam as páginas da história onde se acumularam as
provas justificativas de todas as violências, que conduziram a todas as liberdades.
Tarefas existem, nos primórdios da civilização, que só podem ser executadas por almas de
bronze. Ocultar as atrocidades do período medieval da colonização é uma impudência ridícula, uma
pusilanimidade indecorosa. Mas os degredados portugueses, aliás na maioria condenados por pequenos
delitos, não foram mais cruéis, nem tanto, que os capitães espanhóis e os arcabuseiros britânicos.
Não há confronto possível entre a conquista lusitana e a que os puritanos inglêses realizaram no norte
do continente, exterminando o índio como quem abate florestas para abrir caminho à civilização,
dizimando-o, a ponto de só guardarem alguns exemplares como relíquias, e recusando altivamente
abastardar o sangue na união com os indígenas americanos.
Analisada de perto, a idade-média brasileira — período da violenta e tumultuosa transição da
barbaria para a civilização, choque inicial entre o selvagem e o homem branco —apenas difere dos
períodos similares da história de Roma e dos povos nascidos da subversão do Império, pelas condições
mesológicas em que houveram de mover-se os seus actores, desde os épicos protagonistas até à
coraparsaria anônima.
Ao soar a hora da desventura lusitana, quando D. Sebastião, o «capitão de Deus», última
figura mística da cavalaria, morre em Alcácer-Kebir (onde combatem os dois filhos do donatário
de Pernambuco), o feudalismo português cumprira, em menos de meio século, a sua missão de sacrifício.
Os franceses tinham sido expulsos da Guanabara. Estácio de Sá dera, como tantos outros, a vida pelo
Brasil. Mem de Sá fundara na colina a cidade que ia ser a residência de reis, imperadores e presidentes
da República. A nação tamoia fôra vencida. O aborígene depusera as armas e capitulara, entregando a
região litorânea à civilização. Esta obra enérgica e tam diversa da emprêsa estéril do Oriente, foi a
última grande façanha da aristocracia lusitana.
A galeria de figuras heróicas —onde avultam Duarte Coelho, o companheiro de Afonso de
Albuquerque e primeiro cavaleiro cristão que entrou na Cochinchina; Tomé de Sousa, conselheiro
de D. Sebastião e fundador do Estado; Mem de Sá, o Albuquerque do Brasil, que na fôlha de serviços
inscreverá as vidas do filho e do sobrinho, mortos em combate,— compõe à história brasileira um
frontão de epopeia. Na ornamentação heráldica desta fachada podem esculpir-se numerosos brasões de
altivas casas de nobilíssima estirpe, dos que figuram no tecto nobiliárquico do paço de Sintra. Quaisquer
esforços perversos que se façam para suplantar por alguns degredados estas figuras dominadoras,
derrubando-as dos pedestais gloriosos, reduziriam a história medieval do Brasil a uma falsificação
tornariam incompreensível a infância bélica da nacionalidade.
A colonização portuguesa do domínio americano na era de quinhentos foi uma guerra quási
incessante, entrecortada de breves tréguas, até à submissão do aborígene. Nesse scenário belicoso, o
proprio engenho de açúcar aparece-nos com o aspecto roqueiro de um baluarte. O senhor de engenho
sustenta um minúsculo exército para defesa dos canaviais. Havia fazendas que dispunham de artilharia,
como a de Boaventura Dias e Miguel de Barros 020). Essa lavoura quinhentista, sustentada de armas
•
120
n , t ) Jerónimo de Albuquerque, escrevendo a D. ]oão III, atribuía a perda do engenho de Santiago de Olinda
r frac
rlnhro mandei
puore . recolher
amente aprovido nelle
esta villa, porum Diogo
achar não Fernandes, que oarmas,
tinha escravaria, fez comnemoutros companheiros
artilharia, com que sedepudessem
Vianna, por ser gente
defender...»
XLIX
Introdução
nas miniaturas biográficas do Roteiro essa luta acesa em redor da figura central do donatário, que
obtivera da régia muniíicência a capitania da Bahia em recompensa das façanhas da índia. Bloqueado
no acampamento da ponta do Padrão, sem mantimentos e sem água—que as galés tinham de ir buscar
por mar à capitania limítrofe dos Ilhéus—o herói vê cair, trespassados pelas flechas, o filho e os
soldados fieis, que desencaminhara para a desvairada aventura ultramarina. As enfermidades, a fome,
a vérmina e a sede torturam os sitiados, a quem a honra, mais do que o interesse, intima a resistência
sôbre-humana. Mas não ÍW <L De que lhe tinham
tarda que a coragem valido poderes senho-
dos mais intrépidos reais de domínio e jus-
desfaleça. Os súbditos tiça, a investidura sobe-
do donatário inti- rana da carta de doação
mam-o a que i. ordene e do foral ? Naquela
de os pôr a salvo, antes hora da desventura, o
que se acabassem de guerreiro invocaria a
consumir em poder de família distante, o solar
inimigos tão cruéis, que longínquo, as herdades
ainda não acabavam de vendidas para o custeio
matar um homem, 3^ da armada, perdida a
quando o espedaçavam paz benigna e gloriosa
o comiam*. da velhice, comprada
Surge-nos Fran- por tanto preço no
cisco Pereira Coutinho Oriente ... Em Pôrto-
das penumbras da His- Seguro, hóspede de
tória, na carta de Duarte Pero do Campo, não
Coelho a D. João III, lhe consente a honra,
de 20 de Dezembro de m. nem também a fata-
1546, como uma outra lidade que lhe rege o
espécie dolorosa de Rei destino, aquietar-se no
Lear, ludibriado, humi- exílio, hóspede de uma
lhado e prêso por um capitania que não
vassalo falsário. O êxodo aquela que o monarca
do donatário para confiou à guarda da sua
Pôrto-Seguro é uma bravura e da sua leal-
página patética, em que dade; e como o inimigo
vemos o herói, que propõe pazes, êle as
nunca recuara na guerra, aceita e reparte, embar-
desertar do seu pôsto, cando de regresso à
infringindo as leis da --.r Bahia, como um rei que
cavalaria. Podemos volta do destêrro, em
imaginar o herói do companhia do fiel Cara-
Oriente, contemplando y murú. A tragédia do
do convez do caravelão, ins-w ,s,v X.lr""*'- senhor feudal pendia
que o leva ao exílio, o já para o desenlace
burgo abandonado, Funeral de um famoio sinistro. A pequena nave
imagem das suas ambi- Gravura da edição princeps de Lery
em que o donatário
ções desmoronadas. regressa à capitania é
arremessada pelos ventos e as ondas à costa de Tapagipe. Lançadas fóra as armas, salvam-se os
náufragos a nado e alcançam a terra, onde os tupinambás os aguardam, inexoráveis, com o júbilo feroz
da vingança. O mísero e alquebrado herói e os seus companheiros indefesos são arrastados à taba pelos
indios, amarrados aos postes de suplício, executados, esquartejados e comidos.
«Desta maneira—escreve Gabriel Soares, compungido—acabou ás mãos dos Tupinambás o
esforçado cavalleiro Francisco Pereira Coutinho, cujo esforço não poderam render os Rumes e os Alala-
bares da índia, e foi rendido destes bárbaros; o qual não somente gastou a vida nesta pretenção, mas
quanto em muitos annos ganhou na índia com tantas lançadas e espingardadas, e o que tinha em
Portugal, com o que deixou sua mulher e filhos postos no hospital*.
O feudalismo liquidava no martirológio e na ruína. Por todo o litoral, onde quer que
houvesse um bastião de donatário, deflagrava-se a guerra. Feriam-se, desde S. Vicente a Pôrto-Seguro,
LI
Introdução
rnmhatp* Pticarnicados entre os punhados de homens que haviam desembarcado das esquadras colom-
zadoras e o indomável habitante das florestas. Com excepção do severo Duarte Coelho, assistido pelo
valoroso cunhado, Jerónimo de Albuquerque, que conseguia defrontar sem desalento as vicissitudes d
õu^S e de Bris Cubas, que defendia pertinazmente a uila de Todos os Sanfos os donatanos ou
tinham' abdicado ou estavam reduzidos à impotência e à miséria. De todas as capitanias chegavam a
metrópole súplicas de auxilio. Marfim Afonso, da (ndia, oferecia a sua donatária de S. Vicente ao ve or
da Fazenda conde de Castanheira. Pero Lopes naufragara em Madagascar, quando regressava da índia,
em 1539 C futo e a ruína ameaçavam aniquilar a obra embrionária da colonização, em que se haviam
prrmenhado desde 1500, tantas armadas, tantos haveres e tantas vidas (122). ^ ^r-o. om
É para remediar esta situação desesperada que, aos 29 de Março de 1549, desembarca
ordem de batalha, em frente das ruínas da Vila Velha, na Bahia, o primeiro governador geral do Brasil,
Tomé de Sousa, capitão nas guerras da África e da índia.
(122) cTaes contratempos e outros que ainda houve seriam, como foram, ws?
:r
padres da Companhia.
L1I
*
/
Introdução
e á Igreja. Nesta forma subirão ao sitio da Villa Velha, dando de si todo este exercito, entre a paz e a
guerra, huma tão nova, como espontânea mostra ao mesmo Gentio»... (I24).
Em volta da cruz arvorada acamparam os povoadores (125) até que se escolheu o sítio em
que deveria fundar-se a nova cidade do Salvador, séde do govêrno, capital da capitania régia, rival no
ocidente da opulenta Gôa. Decidiu-se finalmente o governador por um planalto, ao norte da antiga vila
do donatário, dominante ao ancoradouro, e começou Tomé de Sousa por mandar construir «uma cerca
muito forte de pão a pique, para os trabalhadores e soldados poderem estar seguros do gentio* (126).
Como chefe previdente e como guerreiro procedia o cavaleiro que D. ]oão de Castro desejara ter
a seu lado na índia. Abrigada a população dentro da palissada, que a artilharia das náus, surtas no
pôrfo, defendia contra qualquer assalto imprevisto, o governador deu início à edificação dos «muros
de taipa grossa com dois baluartes ao longo do mar e quatro da banda da terra», cintura belicosa da
capital, que lhe compunha o aspecto apropriado de uma cidade medieva.
Conta frei Vicente do Salvador (127) qUe Tomé de Sousa «era o primeiro que lançava mão
do pilão para os taipaes e ajudava a levar a seus hombros os caibros e madeiras para as casas».
Não era coisa que já se não tivesse visto na índia, mas que desta vez reveste uma grandeza
simbólica: o fundador do Estado do Brasil, como um herói de Homero, transportando aos ombros o
material da construção da sua fortaleza.
Naquela grande época, a nobreza elevara-se ao nivel da nova missão que a epopeia das
navegações e das conquistas lhe distribuíra. O fidalgo, que fôra profissionalmente um guerreiro e
exercera nos campos de batalha o papel destinado na Idade-Média à cavalaria, teve de ser cosmógrafo
e almirante, diplomata e estadista, governador de esquadras e de impérios. Tomé de Sousa era contem-
porâneo de Vasco da Gama, de Duarte Pacheco, de Albuquerque, de D. Francisco de Almeida,
de D. ]oão de Castro. O governador do Brasil, ajudando a transportar os caibros para a edificação da
cidade, não decai da grandeza da sua jerarquia, antes lhe acresce a magestade quando o evocamos no
meio dos soldados, dos artífices e dos índios, coberto de poeira, vendo cavar as trincheiras, dirigindo
os trabalhos, ao lado de Luís Dias, mestre «das obras da fortaleza», e de Diogo Peres, «mestre
pedreiro», estimulando os operários com o exemplo austero do dever.
A distância de quási quatro séculos, podemos acompanhar, ano a ano, a evolução dêsse
rudimento de capital, que comanda as outras capitanias, as ampara nas lutas e que é o berço onde
se cria a futura nação.
Acautelada a cidade recém-nascida contra os ataques do aborígene, Tomé de Sousa prove à
edificação da igreja, do paço do govêrno, da casa da Câmara e da cadeia, erige o pelourinho, constrói
a alfândega e as terecenas. A primeira ermida dos jesuítas chamou-se de Nossa Senhora da Ajuda e
a primeira casa a construíram íóra dos muros, no monte que chamaram do Calvário, «animando-se com
o exemplo de Christo aos trabalhos que neste monte previam». Desta improvisada residência extra-muros
se recolheram mais tarde os jesuítas à cidade quando, amotinados, os atacaram os tupinambás, reclamando
um cadaver que os padres lhes haviam arrebatado e enterrado ('28).
A cidade do Salvador era ainda um acampamento de guerra, «com as casas cobertas de palma
ao modo do gentio», por cujas ruas estreitas se agitava uma população variegada, em que dominavam
os soldados e os aborígenes. Nas oficinas dos ferreiros e armeiros sonoramente estrugiam os martelos
nas bigornas. Mercadores de panos haviam logo estabelecido as suas tendas, num arremêdo bárbaro da
opulenta rua Nova. Ouvia-se por tôda a parte o picar compassado da pedra e o chiar lamentoso dos
guindastes. Os edifícios de alvenaria cresciam, ultrapassavam o nivel das muralhas. Já dobravam e
repicavam os sinos.
Ao longe, de entre a sombra das florestas impenetráveis que cercavam o Recôncavo, o
tupinambá espreitava o crescer ameaçador da cidade fortificada dos emboabas e aguçava as flechas
para a guerra próxima.
O burgo de taipa ia-se convertendo em uma cidade de pedra, com suas torres de atalaia.
As armadas de Simão da Gama e de Antônio de Oliveira Carvalhal trouxeram à capitania real novos
recursos de defesa e elementos de prosperidade. Na amurada da capitania de Antônio de Oliveira
sSr.«^&4S^á5?.wH£
1^0 otet ^nostrava-se a ^a, ^ P^a com - ^
^enho da^ floresta os «ibos uascidos sob uma crua
de
cor. a chegada da armada do reino. Das naus ancoradas no
vjíhL^^spSs^isuSzB
governador desce a cavalo da cidadela, pe o cai™ • • e a quem mandava dar em dote de
—para ser
5
repartido Pf da Renascença e a presença dos aborígenes
a
^estraíagemas^d^que^e^eruT^ar^salvar ^^^0^^°"^"y^S^QgSS3e^(os'0QuainoidroSXaséni,t^'inrs
das qualidades da fonte de que procede. Destes mananciais torrou o que ha de sublime
,UmUl,UárÍa
Nodv™sTdÕreUs de feras tinham vindo na armada de Simdo ^ ^'ò
cuia b0nd
Concluídas " de ferfftoçto da dSador, Tomé de Sousa que por temente
de'armas»eIEm «o deUleaast
em tsso. d5, a Já
dêsse ano o prelado se encontrava na /ua dfocese. A carta de a pág. 126) Estância VII, do Orbe
Serafíco, ^àeS^oáevlscòlceL^na Chror,^^^^ e mantimentos, em soccorro
aesranora Ú7fe.Z 7f,
envia à ilha de Santa Ana socorros aos náufragos da armada de D. Fernando de Senábria; funda as
vilas da Conceição de Itanhaem e de Santo André, de onde nasceria mais tarde a cidade de S. Paulo.
O protectorado da capitania real assim se faz logo sentir, corrigindo os defeitos e acudinda
aos maiores perigos do regimen em vigor das donatárias, que em si próprio guardava os germens da
eficaz evolução e cujos efeitos salutares se prolongaram através dos séculos na forte autonomia
provincial do Império e na actual federação dos estados. Pelo malogro da expedição dos donatários
]oão de Barros, Aires da Cunha e Fernando Álvares de Andrade, e pela desistência tácita de Antônio
Cardoso de Barros, já as quatro capitanias setentrionais haviam revertido à coroa, que dera consenti-
mento a João de Sande e ao castelhano Diego Nunes de Quesada para reatarem por conta de Portugal
a tentativa de Orellana na colonização do Amazonas.
Na sua jornada, Tomé de Sousa criara os elos resistentes que para sempre ligariam o poder
central às suas filhas. O Brasil saía daquela viagem unificado, sem prejuízo das autonomias
reconhecidas pelos íorais. 0^ tempo do seu govêrno ia expirar; e quando uma manhã o meirinho lhe
entrou no paço a pedir alvíçaras pela boa nova de que estava no pôrto o novo governador, Tomé
de Sousa lhe diz: «-Vedes isso, meirinho? verdade é que eu desejava muito, e me crescia a agua na
boca quando cuidava em ir para Portugal; mas não sei porque agora se me seca a boca de tal modo
que quero cuspir e não posso...»
-í»
UANDO, em 1553, surge na Bahia a esquadra de D. Duarte da Costa, armeiro-mór do reino, o segundo
G0VERNAD0R
irmão de leite de D. João 111 e antigo embaixador de Portugal na côrte de Carlos V, a
cidade do Salvador não é mais o bárbaro acampamento de taipa, improvisado em redor
da cruz erigida pelos jesuítas (130). n0 edifício da Câmara, sôbre a porta nobre, mestre
Diogo Peres já esculpira o brasão da cidade: em campo verde, uma pomba branca com
três folhas de oliveira no bico, e a legenda S/c illa ad arcam reversa est.
Quebram-sè, porém, a breve praso, as tréguas a custo até ali mantidas com os tupinambás.
Das revinditas isoladas passara-se às escaramuças. O governador entendeu por necessário refreiar a
rebelião, aplicando a tácíica^ intimidadora do Oriente. À prédica dos jesuítas ia suceder a mais profíqua
catequese das armas, pois só o terror das batalhas conseguiria aquietar as veleidades de insubordinação
dos aborígenes indómitos (i3i). D. Duarte enceta, sob o comando de D. Álvaro da Costa, seu filho,
líhorzUri^ri ^l3t^ s1'"'S0' a terra em grande crescimento, e muito mais com a ajuda de custo que el-rei fazia, com tanta
snmnc fzf ^ j ^'[rma no triennio deste governador gastar da sua real fazenda mais de trezentos mil cruzados em
e nnfl-Jlr" ministros, edifícios da sée casa dos padres da Companhia, ornamentos, sinos, artilharia, gados, roupas
0U S n essar as 0
Summn T}ontl fe-,ce f^ ' > fazia, não tanto pelo interesse que esperava de seus direitos e dos dízimos de que o
auamonf,
ymenrar este j estado
jtie fez concessão
e fazer delle umcom obrigação
grande de como
império, proverelleasdizia*.
igrejasFrei
e seus ministros,
Vicente quanto Historia,
do Salvador, pelo gostoLiv.
que111,tinha
cap. de
1.
reconhpri^ t ) E não a0 eram só os soldados, educados na escola da violência, que assim pensavam. Nóbrega também o
Vale rThr,na SUp car,a Sovernador Tomé de Sousa (Annua do Rio de Janeiro, 6, 98, a pág. 166 das Cartas, editadas por
mentes 0
conaui^t^m ' p™s 0 cle xarTI . gentio
em sua
■não for senhoreado por guerra e sujeito, como fazem os Castelhanos nas terras que
exneripnrií 05
f '
esse em 0 ue com e,,es
liberdade e vontade, como é gente brutal, não se faz nada com elles, como por
almas innnrJ"* ' c !os Pmanc
e aos J batamos, com muito trabalho, sem delle tirarmos mais fructo que poucas
«por temor to h- ^!! - ^ tamos*. Anchieta, que era a mansuetude encarnada, na Annua de 1561 reconhece que
grandemente o 0* ^os 'ndjos) C0Pvetter mais que por amor*. O padre da Companhia, Rui Pereira, asseverava que «ajudou
fructo* o mis 10 • x conversão
0 Ap0 n 0
cahir o sr. Governador (Mem de Sá) na conta, e assentar que sem temor não se podia fazer
Frei Vicente ri ® ç , . 0r no '° 'C apde Todi aprendera por experiência que «sd com o medo se alcança alguma cousa deites *.
depois da lomaH a ' ' ' ^ cl0 " L*v' da Ptstoria, narrando a execução dos franceses, ordenada por Pero Lopes,
forte de Itamaracá e conl
inexoravelmente nunia • a l"6 0 herói, tam benigno para com a ignorância selvagem do aborígene,
comentário- t P traição do civilizado e a sua transgressão das leis da cavalaria, acrescenta à narrativa o seguinte
a ajudar a farer Vam mu'*os enforcados... com que os gentios ficaram estimando mais os portugueses e os começaram
35 ro as
relatando-lhe o at/" £ ? fazendas...* Anchieta, escrevendo ao padre mestre Diogo Laynez em 16 de abril de 1563 e
de ferro na ouai
i mUe ao
mais w que 'nem 'n2nenhuma
a
, diz-lhe outra
que «para este genero
é necessário de cumpra
que se gente não ha melhor
o compelle eospregação do que espada e vara
intrare...»
LV
Introdução
da série sustentada pelos governadores para firmarão litoral o
uma campanha punitiva. Era a primeira
assolações com que tamoios, goiatacazes, tupinambas e aimorés
domínio da metrópole e fazer cessar as onde se consumara a barbara
impediam o êxito de quais- execução do prelado nunca
quer tentativas de coloniza- mais a herva crescera: «como
ção regular. Se fôra demên- que está o seu sangue clamãndo
cia, a princípio, desafiar as a Deus da terra contra quem
nações belicosas do gentio, .o derramou». Meio século
m
seria agora pusilanimidade e depois, comentando a tragé-
errada política não aceitar dia de Coruripe, ainda frei
a luta no terreno das armas. a
o Vicente do Salvador designa
Às pequenas brigas e refre- a própria Divindade como or-
gas dos donatários sucedia denadora da guerra de exter-
a guerra sistemática e gene- mínio : «assim o ouviu Deus,
iffSS
ralizada, abrangendo vasta que depois se foi desta Bahia
área, desde a capitania de dar guerra áquelle gentio e
S. Vicente até à de Pernam- se tomoudelle vingança» O33).
buco, onde o valoroso ]eró- A artilharia troveja, vin-
nimo de Albuquerque (a quem gadora, nas florestas do re-
a viuva de Duarte Coelho côncavo. O canibal é per-
confiara o govêrno da capi- seguido e caçado em mon-
tania na ausência dos filhos) tarias inexoráveis pelas sel-
governava com a espada na
vas e mangues. As espadas
mão (132). dos cavaleiros, as garrochas
O naufrágio na foz do
e virotões dos besteiros embe-
Coruripe da náu Nossa Se- 5^ bem-se em sangue gentí-
nhora da Ajuda, onde regres- lico. Após a mortandade, os
savam ao reino o bispo do incêndios devoram as tabas
Brasil com o provedor-mór do antropófago.
da Fazenda, e o morticínio Enquanto os soldados
dos náufragos pelos caités, experimentavam no Brasil os
que devoraram prelado, pro- processos castelhanos, aos
vedor, deâo, clérigos, fidal- quais déramos por modêlo a
gos e mulheres (cêrca de política terrorista da índia,
cem pessoas ao todo), mais o enfermiço Anchieta apren-
ateou a labareda da guerra.
dia a língua brasílica em que
A notícia, que logo chegara traduzia o catecismo, com a
às cidades do Salvador e fé seráfica naquela outra arma
de Olinda, do assassínio do incruenta da cruz com que iria,
bispo D. Pedro, serviu de anjo entre as féras, guiado
maior estímulo às represálias. por Deus no labirinto das
Os viandantes que, pelo lito- florestas, pacificar o furor dos
ral, afrontando as frechadas FWfl tamoios e reabilitar perante
85
do gentio revolto, iam da os bárbaros o prestígio dos
capital à capitania de Duarte civilizados.
Coelho, contavam que no local
iwrmfwmmwnwTnn
URGE enfim na Bahia aquele herói-estadista, que seria o Afonso de Albuquerque do O GOVERNO DE
Ocidente e cujo govêrno se prolonga desde a morte de D. João 111, através da regência MEM DE SA
de D. Catarina e os primeiros anos do reinado de D. Sebastião, até à morte, que suspende
a sua carreira gloriosa aos 2 de Março de 1572.
Mem de Sá herdava o govêrno de D. Duarte da Costa quando, havia já um ano,
o antigo cavaleiro de Malta, Nicolau de Villegaignon, —o mesmo que conduzira a França a rainha Maria
Stuart, e agora convertido ao calvinismo,—desembarcara e se fortificara no Rio de Janeiro. As lutas
travadas com as tribus do litoral agravavam-se com a cumplicidade e a afronta francesas.
O governador afivela dia 17 de Março, depois de
sob a toga de magistrado o encarniçada peleja de dois
arnez de guerreiro e, tal co- dias e duas noites. Arrasada
mo César, não se detém dian- a a fortaleza, o governador faz-
te do Rubicon. Disciplinadas se ao mar, rumo a S. Vicente,
pela sua direcção autoritária, para concertar o cavername
as tropas da capitania real das náus de batalha, dani-
concluem a campanha contra ficadas pela artilharia fran-
as tribus vizinhas da nação cesa; sobe a serra de Para-
tupinambá. No Espírito Santo, napiacaba, de visita à vila de
o idoso donatário Vasco Fer- © Piratininga, cuja mudança or-
nandes Coutinho, cercado pe- © denou se fizesse para junto
los bugres, pedia socorros da casa de S. Paulo, resi-
urgentes à Bahia. Mem de Sá © dência dos jesuítas; empre-
envia-lhe cinco galés com ende, a exemplo do que fizera
soldados comandados pelo © na Bahia e Jerónimo de Albu-
filho Fernão de Sá, que lá querque em Pernambuco,
ficou morto com o seu alfe- ©
uma expedição punidora, que
res Joane Monge, varado de © se interna pelo Tietê e inicia
flechas, no cumprimento fiel as temerosas bandeiras; re-
das leis da cavalaria, que © gressa à capital, organiza
mandam que o capitão-mór novas expedições aos Ilhéus
seja o último a retirar, guar- © e à capitania de Porto Seguro,
dando o pôsto valoroso da © © © atacada pelos aimorés. Duarte
rectaguarda. de Albuquerque Coelho, 2.°
A acerba dor paterna, donatário de Pernambuco, e
patenteada na recusa de rece- seu irmão Jorge de Albu-
ber os companheiros do filho querque haviam regressado
SEBdSTIENIDVN(M
«por o terem deixado matar-», a Olinda para combater os
não entibia o ânimo do go- ROYDEPORTVG.dL . tupinambás. A guerra prosse-
vernador, que no ano seguinte guia, quási ininterrupta. O
dirige a expedição contra os Brasil medieval vivia a sua
tupiniquins dos Ilhéus e em grande hora heróica. Mas não
1560 se apresenta no Rio só as espadas trabalhavam.
D. SEBASTIÃO
de Janeiro a dar batalha aos Gravura reproduzida da Histoire des plus illustres et sçauans A existência errante de guer-
franceses fortificados na ilho- hommes de leurs siècles, de A. Theret. reiro não impedia que o
ta de Seregipe, tomada no governador cuidasse dos ne-
gócios do Estado. Até desoras, no gabinete do paço, à luz das tochas, Mem de Sá escreve a el-rei, despa-
cha com o ouvidor-mór, atende os oficiais dos terços, o capitão-mór da costa, o alcaide-mór, delibera com
o admirável Nóbrega. Desde a madrugada ao crepúsculo, pelas salas do rude palácio, cruzam-se os
soldados e as figuras ascéticas dos jesuítas. Quando, pela calada da noite, Mem de Sá monta a cavalo,
embuçado, de visita ao seu engenho, distante oito léguas da cidade, deixa ura pagem, vigilante, na
escada do paço, «para que dissesse que estava occupado a quem por elle perguntasse», não fôsse
aiguém animar-se a cometer acção punível ou desacato por sabê-lo ausente da capital...
É aquele homem educado na escola de Afonso de Albuquerque, o" Terrível, que no Rio de
Janeiro, mandando aos mercadores gananciosos que vendessem o vinho atavernado «e pedindo elles que
lhe puzesse a canada por um preço excessivo», tirou o capacete da cabeça com cólera e disse que sim,
«mas que aquelle havia de ser o quartilho»; discípulo da escola austera de D. Luís de Ataíde, que,
voltando da índia, trouxera para o seu solar de Peniche, como únicas riquezas que do Oriente o
LVII
Introdução
acompanhavam, qualro vasilhas com água do Indo, do Ganges, do Tigre e do Eufrates. Desde o
desembarque até à morte, o austero vulto move-se com magestade épica, vestindo o duplo luto pelo
filho e o sobrinho O34). , . . . -
A guerra principiava a mostrar os seus frutos. O índio reconhecia o poder invencível do
emboaba. A catequese dos jesuítas progredia. Estes guerreiros sem armas conquistavam as primeiras
almas, lá havia escolas. Na luta contra as forças cegas da natureza, a civilização ia vencendo. As raízes
européias aprofundavam na terra virgem. No sítio em que, vinte anos atrás, os tupinambas celebravam
os orgias canibalescas, um bispo, de báculo e mitra, abençoava numa Sé de tres naves os indígenas
ajoelhados. Para a colônia opulenta, os conquistadores pobres haviam trazido as primeiras alf3i3s e
ouro e as primeiras baixelas de prata; os animais domésticos, primeiros escravos do homem O33); as
plantas da cana de açúcar, as sementes do pão e da horta,^ a videira, a laranjeira a figueira, a
romanzeira, a tamareira, o limoeiro, a cidreira, o coqueiro da índia, o gengibre de S. Tome, o arroz
de Cabo Verde. No Colégio da Companhia os padres fundavam uma cadeira de estudo da língua mp;.
As esquadras mercantes começavam freqüentando a Bahia. O aldeamento dos índios desenvolvia-se.
A semente civilizadora, regada de sangue, medrava. „ , . , „ ,
Pouco demoraria que a capital do Brasil fôsse aquela cidade que Gabriel Soares nos descreve
em 1587, com * muitos moradores ricos de fazendas de raiz, peças de prata e ouro, jaezes de cauallos,
e alfaias de casa, em tanto que ha muitos homens que têm dois e tres mil cruzados em jóias de ouro e
prata lavrada ... os quaes tratam suas pessoas muito honradamente, com muitos cavallos, criados e
escravos e com vestidos demasiados, especialmente as mulheres, porque não vestem senão sedas, por a
terra não ser fria, no que fazem grandes despezas, mormente entre a gente de menor condição...»
A escola severa do patriotismo lusitano está retratada na passagem da carta de 155S da rainha D. Catarina
- Mem de Sá- «das (novas) de Fernão de Sá, vosso filho, acabar nesta guerra me desaprouve muito. Mas sendo tanto em
"cí; togar e em cousa de tamanho meu serviço, não ha ahi que fazer-se senão dar-se a Nosso Senhor por tudo muitos
e éguas gua torum j Bahi, procederam de Cabo Verder as
ovelhas e brasil era já encarado na metrópole, trinta anos antes, como contravenção à ordenação real.
Fm 1555 D Duarte da Costa escrevia a D. ]oào III: <Senhor, aqui se executa a vossa ordenação das sedas, os moradores
romam mal isto e parece que em alguma parte tem razão, porque aqui não se faz nunca cousa de seda nova, senão alguns
homens que trazem algumas cousas de sedas velhas vestidas do Reino e algumas outras usadas e velhas que veem vender. ..*
O ^5o"ernador refere-se if ordenação contra o luxo, mandada aplicar ao Brasil pelo regimento dado aalTome de Sousa:
-levareis o trelado da ordenação porque tenho mandado que em meus reinos e senhorios nao possa pesoa 3uã^ qualquer
caledade que seja trazer trocados nem sedas nem outras couzas conteudas na dita ordenação e tanto f"^fffwardes a dita
bahia e madareis loguo noteficar nela e enviareis o trelado da dita ordenação asinado porvos as outras capitanias para que
se pobrique nelas e se guarde inteiramente e da dita noteficação se fara auto em cada capdamaoçua/se^
dita ordenação no livro da camara pera do dia da noteficaçao em diante se eyxecutar as penas da dita ordenação nas
pesoas que nelas encorrerem*.
LVIII
9
Introdução
deparou-se-lhe um quadro de desolação. Roanoke era um deserto. Povoação e colonos, tudo desaparecera.
Abandonaram então os inglêses, por largo praso, as suas tentativas de colonização. Um século depois
do descobrimento da América, não existia nas regiões que haviam de ser os Estados-Unidos um só
estabelecimento europeu.
O novo período colonizador foi inaugurado pelas expedições de Hudson (1607-1608), enviado
por uma companhia de negociantes de Londres a descobrir a passagem para a índia pelo ocidente.
Eoi na sua terceira viagem, por conta da Companhia Holandesa das índias Orientais, que Hudson
entrou na baía de Nova Vork e tomou conta do país em nome dos Estados Gerais da Holanda.
O primeiro e perdurável estabelecimento inglês da América data de 1608 e foi fundado em Jamestown.
Doze anos gastaram os aventureiros britânicos para conseguirem estabelecer-se permanentemente
na Virgínia. Os holandeses só em 1623 poderam lançar os alicerces da futura Nova Vork; os
suecos só em 1682 desembarcaram nos estados de Delaware, Nova Jersey e Pensilvânia. A colonização no
Massachusetts, Nova Hampshire, Maryland; Connecticut,. Rhode Island, Carolina do Sul e do Norte
e Virgínia do Sul foi concedida às duas poderosas companhias de Plymouth e de Londres. A carta patente
que o rei de Inglaterra lhes outorgou impunha aos colonos o pagamento do quinto do produto líquido das
minas que explorassem. A Companhia de Londres enviou, em Dezembro de 1506, três navios com cem
emigrantes, comandados pelo capitão Christofer Newport. Na sua maior parte aventureiros, os colonos
não sabiam nem queriam dedicar-se ao cultivo das terras. Quanto ao êxodo dos puritanos, só foi
iniciado em 1620: quási noventa anos depois do desembarque do austero Duarte Coelho em Pernambuco.
Essas sucessivas tentativas não se fizeram sem violências, antes deixaram rastos sanguinosos;
e o estabelecimento definitivo dos colonos só pôde conseguir-se dominando pelo terror as tribus,
autóctones. O extermínio da nação dos índios Pequod pelas colônias de Massachusetts, de Plymouth
e do Connecticut é um dos sucessos mais trágicos da colonização dos Estados-Unidos. Aquela nação
desapareceu no espaço de poucos dias, não ficando homem, mulher ou criança com o nome de Pequod.
Assim se vingaram os morticínios dos colonos de Grenville e de Roanoke.
Não é esta a oportunidade de discutir as vantagens que os povos da Europa setentrional
obtiveram de um processo colonizador que recusava a encorporação do aborígene e preferia exterminá-lo
a civilizá-lo. Se, porém, os portugueses houvessem praticado êsse processo desumano, infalívelmente
teriam sossobrado no seu plano da fundação de um império, pois a cooperação guerreira do aborígene
veio a tornar-se essencial ao êxito das campanhas militares de que resultaram o expurgo dos franceses
da Guanabara e posteriormente do Maranhão, e dos holandeses e inglêses de Pernambuco e do Amazonas.
Nem os portugueses dispunham de recursos para executar o extermínio, nem o premeditaram.
A presença dos jesuítas, logo enviados com o primeiro governador, a legislação garantidora do princípio
de liberdade, reconhecida ao aborígene, a limitação dos casos em que a escravidão poderia considerar-se
legal, a conduta de Tomé de Sousa e de Mem de Sá, a letra expressa dos seus regimentos, provam
exuberantemente uma política de conciliação, de que só se desviaram os donatários e os delegados da
coroa nas campanhas de defesa e de represália, indispensáveis à preservação dos colonizadores e à
manutenção da autoridade. ]á no regimento dado a Tomé de Sousa o rei determinava ao governador:
«com os jentios das terras peraacuy e de totuapara e com quaesquer outras nações de jentios que ouver
na dita capitania da bahia asentareis paz e trabalhareis porque se conserve e se sostente pera que nas
terras que abitão possão seguramente estar... e quando sobceder algú alevantamento acudireis a iso e
trabalhareis por apacificar tudo o melhor que poderdes casfiguando os culpados-».
A política altruísta de Portugal correspondia a uma verdadeira razão de Estado, derivava
das condições em que o empreendimento colonizador se realizava, com o parco material de uma
população exígua.
Defendido pelas florestas e as cadeias de montanhas em que repousam os planaltos interiores,
o aborígene era inexpugnável. Só uma política colonizadora que encorporasse o autoctóne e dêle fizesse,
melhorado pela mestiçagem, um colaborador, poderia haver conservado a integridade de domínio
tam colossal. Se o extermínio do índio foi relativamente fácil ao espanhol nas planícies platinas,
onde a cavalaria podia mover-se sem obstáculos, e nos territórios britânicos, onde o invasor não
deparava com os labirintos da selva, a aplicação ao Brasil de tais métodos precipitaria no insucesso os
esforços, por mais obstinados que fossem, dos invasores. A integridade do Brasil encontrou, assim, por
mais paradoxal que pareça o asserto, na própria exiguídade da população portuguesa um dos seus
actores preponderantes, pois que dela resultou a política da -protecção do aborígene. As proles mestiças
de João Ramalho, de Diogo Álvares e de ]erónimo de Albuquerque são os exemplos históricos mais
representativos dessa sub-estrutura étnica do edifício colonizador. As uniões dos casais precederam as
a.lanças militares. Tibiriçá em Piratininga e Arco-Verde em Olinda eram avós dos filhos do alcaide-mór
9
LIK
Introdução
de Santo André e do nobre regente da capitania de Pernambuco, a quem, na Prosopopéa, Bento Teixeira
denomina de «branco cisne venerando-. Por ocasião do seu casamento, jerónimo de Albuquerque teria
aparecido acompanhado, se dermos crédito à tradição, de onze filhos naturais que tivera, uns " a
do cacique Uirâ-uby, outros de suas mancebas tupis. Com uma das suas filhas naturais casou o fidalgo
florentino Filipe de Cavalcanti. Essas proles mamelucas O37) foram as fortes colunas da arquitectura
social levantada pelos colonizadores do primeiro século e representam no Brasil a repetição da política
aplicada por Albuquerque etn^ Gôa, quando, suplantando a concepção íenícia de D. Francisco de
Almeida, fiindou o império da índia no estilo das colônias romanas.
A FUNDAÇÃO DO CONQUISTA do Rio de janeiro, máxima emprêsa de guerra do primeiro século, é a consa-
RIO DE 7ANEIRO gração daquela política habilíssima da aliança.
Quando Estácio de Sá, envergando o pelote de combate, se apresenta à porta da
Guanabara, entre os seus grandiosos umbrais de granito, acompanha-o o valente Ararigboia
com os seus índios armados.
O aborígene e o português combatem sob a mesma bandeira; e não apenas a tribu de
Ararigboia, mas também as de Piratininga e Cananéa, vindas com os reforços que Estácio fôra depois
buscar a S. Vicente, já Anchieta, como Daniel na cova dos leões, passara os cinco mêses em Iperuig,
entre os tamoios, para aplacar-lhes as fúrias, e compusera na taba dos bárbaros o seu poema à Virgem,
em verso latino.
O dia 1 de Março de 1565 é uma data memorável nos fastos da Idade-Média brasileira. Estácio
de Sá desembarca com os seus soldados no sopé do Pão do Açúcar e lança^ os fundamentos
da primeira cidade de S. Sebastião do Rio de janeiro, assim baptizada em memória do jovem rei
cavaleiro. Como a primitiva cidade do Salvador, a futura capital do Brasil nasce em um acampamento de
guerra. Durante quási dois anos, sob o roncar da artilharia e o sibilar das flechas, tendo despedido os
navios para tirar ao exército a esperança de outra salvação que não a da vitória, o guerreiro resiste,
defendido por um baluarte de taipa, aguardando a hora da batalha para «fazer grandes cousas pela
honra de Deus e do seu rei- O3»). Como fôra dezasseis anos antes a cidade de Tomé de Sousa,
a cidade de Estácio de Sá é um aglomerado de tujupares, sobre o qual ondeia o estandarte de
Portugal. Mamelucos de S. Vicente, tupiniquins conversos de Piratininga, os índios de Ararigboia, os
archeiros e arcabuseiros do governador, os fidalgos cavaleiros, o magistrado e o jesuíta cercam o
capitão-mór. Aquele acampamento é a síntese heróica do Brasil medieval, onde se encontram repre-
sentados os principais íactores e artífices da epopeia.
Quando, como S. Sebastião, Estácio de Sá cái varado por uma flecha, ao assaltar o reduto
fortificado de Uruçumerim no próprio dia do santo padroeiro da cidade, escolhido para o ataque, a sua
morte transfigura-o numa vítima emblemática e propiciatória. Estácio de Sá aparece-nos como o símbolo
da idade heróica e do cruento sacrifício com que se fêz o Brasil.
(137) Mameluco se chamava em Portugal ao fruto da união do 'cristão com mulher moura. A mesma designação
se aplicou nol33Brasil à descendência das uniões do branco com a aborigena.
( ) Mesmo neste aldeamento de taipa, as leis da cavalaria foram rigorosamente professadas e cumpridas com o
ritual que lhe era próprio. A posse de Francisco Dias Pinto no cargo de alcaide-mór de S. Sebastião, a 13 de Setembro
de 1566, revestiu-se das formalidades tradicionais. Apresentando o alcaide-mór o seu provimento ao capitão-mor Estácio
de Sá, na presença do juiz ordinário Pedro Martins Namorado, ex-pedáneo na vila de Santos, pediu que o empossasse,
segundo o que el-rei mandava em suas ordenações. Detendo-se o governador com as mais pessoas a porta principal da
cidadela, lhe disse que cerrasse as portas e isto fêz o alcaide-mór com as suas próprias mãos. bem como os dois postigos
sobrepostos com suas aldravas de ferro. Ficando Estácio de Sá fóra das portas e muros, lhe preguntou o alcaide-moiç que
ficara da parte de dentro, se queria entrar e quem era êle. Ao que respondeu o capitão-mor que o era da cidade de
S. Sebastião, em nome de el-rei nosso Senhor, e imediatamente lhe foi aberta a porta, dizendo o alcaide-mór que o
reconhecia por seu capitão em nome de Sua Alteza. Cf. Silva Lisboa, Annaes do Rio de Janeiro, Tôm. 1, pág. 105.
LX
Introdução
Enterrado o sobrinho, posta a cidade na colina sobranceira ao fundeadouro dos navios, e que
havia de ficar a chamar-se do Castelo em memória da era marcial, Mem de Sá regressa à Bahia —tendo
deixado Salvador Correia de Sá, seu outro sobrinho, como capitão-mór—para coroar com as providências
do estadista as vitórias assinaladas do guerreiro. Tantos trabalhos tinham-o alquebrado. Ansiava por
partir para o reino e reentrar no seu solar. O destino, porém, traçara que no Brasil repousasse no eterno
descanço aquele que tanto lutara e fizera por êle.
]á corria o ano de 1572. O governador continuava a instar com o rei para que o mandasse
regressar (139). Servira por dezasseis anos o posto de governador, quando para um triénio fôra nomeado.
Perseguem-o as saüdades da pátria e da filha, com o pressentimento de não lhe chegar a vida para as
rever. Dezasseis anos de guerras, desgostos e trabalhos, consumidos na obra ingente de construir uma
nação, lentamente lhe gastaram as forças. A dor paterna pela morte do filho, a mágoa de ver morto o
sobrinho valoroso enchem de luto, nunca aliviado, aquele velho coração.
Das janelas do paço, que deitam pela banda do sul para a praça do Pelourinho, em frente da
casa da Fazenda e da Alfândega, onde ficam também o paço da Câmara e a Cadeia, êle perscruta
o mar, procurando no horisonte os velames das náus, galeões e caravelas da esquadra em que lhe
venha o sucessor C40). Debalde os seus olhos cançados e tristes a procuram no mar resplandecente.
Às fardes, acompanhado do^ alcaide-mór, o vencedor dos fupinambás, dos tamoios e dos goiafacazes,
o consolidador do Estado, vém com o seu gibão de veludo e a golilha enrocada, até ao terreiro que da
banda do poente se estende sobre a escarpa a pique, ali fica silencioso, entre as columfarinas e os
sagres, os olhos postos no oriente, acabrunhado pela saüdade que lhe mina a vida. De outras vezes
sobe a cavalo, a passo, de visita aos seus amigos, os padres da Companhia. Dos eirados e alpendres
do Colégio, o governador pode contemplar a capital do Brasil, que Tomé de Sousa fundara, que
D. Duarte da Costa, tam ajudado pela munificência régia, dilatara, e que êle engrandecera em dezasseis
anos de sábio e austero govêrno: que o não isentaram de murmurações e queixas, tam inevitável é para
os que governam a ingratidão dos povos. A vista alquebrada do governador pousa na Sé de três naves,
com as duas torres do sino e do relógio ainda por concluir, passa, no rumo do norte, a rua larga
dos Mercadores, que desemboca no airoso terreiro, escolhido para os torneios a cavalhadas dos dias de
festa, e onde ficam o Colégio e a igreja dos jesuítas. Passando avante outra rua no mesmo rumo do
norte, a cidade aglomera-se bem arruada, com casas de moradores «com seus quintaes plantados de
palmeiras carregadas de cocos e outras de tamaras*, larangeiras, figueiras, romanzeiras e vides. Para a
banda do sul, a ermida de Santa Luzia mostra a fachada branca, no extrêmo da estância da artilharia,
guarnecida de bazaliscos, falcões e camêlos de bronze. A igreja de Nossa Senhora da Ajuda ergue-se no
tôpo da grande rua, cheia de lojas abertas onde os mercadores vendem os vinhos da Madeira e das
Canárias, «drogas, sedas e pannos de toda a sorte*. Depois, a baía imensa, povoada de embarcações... (141)-
E a armada não chega. De cada vez que uma náu fundeia, arriando o velame, o alquebrado herói revive
com uma esperança, que o meirinho não tarda em destruir com o desengano. O prêmio dos bons serviços
é reterem-o exilado no novo império de que construiu os robustos alicerces. E é nessa nova pátria,
mais dêle, seu artífice, do que dos que nela nasceram, que Mem de Sá exala na câmara do paço do
Salvador o último suspiro, às 10 horas do dia 2 de Março de 1572.
(130) <A mercê que lhe peço é que me haja lisença de Suas Altezas (D. Sebastião e o Cardeal D. Henrique)
Para tne poder ir, que não parece justo que, por servir bem, a paga seja terem-me degradado em terra de que tão pouco
tundamento se faz*. Carta dirigida da Bahia, a 10 de Agosto (1569?), ao secretário de Estado, Pedro de Alcáçova Carneiro,
pelo governador do Brasil.
a
(-) o anno do Senhor de 1570 vinha por governador do Brasil D. Luiz Fernandes de VasconceUos, o
j,JPas' Pnausjtidodas emoutras,
uma bòa frota,
donde umaao foi
segundo dia que
encontrar comsahiu a barra
corsários de Lisboa
poderosos quecomeçou a correr
a tomaram tormenta,
e mataram que fez
quarenta apartar
padres da
mpanhia de Jesus, que nella vinham com o padre Ignacio de Azevedo, que havia sido no Brasil seu primeiro visitador,
sobre t3 3naue3aci0
maiS ente ( ue a nau tra a
3 l uma ar e a?' - £ D. Luiz arribou destroçado da tempestade á ilha da Madeira, onde refazendo-se,
dema a V3 Sem 0 0 ev P ^ outra mais de duas mil léguas, com immenso trabalho chegou á vista do Brasil que
Indial ri n' e a P ^ tomar, por mais que por isso trabalhou, lhe foi forçado arribar dalli á ilha Espanhola, que é das
anortatri ass l ^ > e invernar nella e arribar dalli outra vez a Portugal com a náu desbaratada da falta de tudo e,
mente rnorr eu"nnana ilha Terceira, no porto da ilha lhe deram a nova da morte de seu filho D. Fernando, que desasírada-
Brasil . Índia a mãos de mouros. Passada a outra náu, esperando tempo para tornar a commetter a viagem do
lutherana' aU cu as J3 teve> sem alguma companhia de outras náus e encontrou na mesma semana três náus de corsários
DPipi.irin è i mãos, não sendo poderoso de defender-se nem se querendo render, sobre ter muito esforçadamente
l™ t
or 0 r,a
' batalha*. Frei Vicente do Salvador, Historia, Liv. III, Cap. XVI.
embarcações 2 'Todas ( uare ta
as vezes que cumprir ao serviço de S. Magestade, se ajuntarão na Bahia mil e quatrocentas
podem i o cr ar ri - l n e cinco para setenta palmos de quilha, cem embarcações mui fortes, em cada uma das quaes
ajuntarão oito 0lS* falc °es Por Pr°a e dois berços por banda; e de quarenta e quatro palmos de quilha até trinta e cinco se
pequenas emha" - embarcaí°es, nas quaes pode jogar pelo menos um berço por pròa; e se cumprir ajuntarem-se as mais
C3ÍOeS a untar se
canoas e todas esta Í ' 'dão trezentos barcos de trinta e quatro palmos de quilha para baixo, e mais de duzentas
ía ypnric c por mar*.
razenaas „ J embarcações
Gabriel mui grandesas
Soares, Das bem remadas. E são
da Bahia, tantas
Cap. as embarcações na Bahia, porque se servem todas as
XXXII.
LXÍ
Introdução
Em volta do leito onde morre o herói estão o ouvidor geral e o alcaide-mór e resam os
jesuítas, que tanto deveram à sua autoridade. O bispo, D. Pedro Leitão, sentado num arquibanco, ao
lado do leito, assiste ao trespasse do governador. Plangentemente, os sinos dobram nas igrejas onde se
celebram preces.
O arquitecto da obra grandiosa do império americano expirara, ao mesmo tempo em que
D. Luís de Ataíde salvava a poder de heroísmo o periclitante império português asiático, ameaçado pela
liga dos reis do Oriente.
(142) Jorge de Albuquerque, 3.° donatário de Pernambuco, cuja capitania herdou do irmão primogênito Duarte
Coelho de Albuquerque, prisioneiro na batalha de Alcácer Kibir e falecido ao regressar a Portugal do cativeiro, nasceu em
Olinda, a 23 de Abril de 1539. Foi filho segundo de Duarte Coelho Pereira e de D. Brites de Albuquerque, filha de Lopo de
Albuquerque, companheiro de Duarte Coelho na tomada de Malaca.
Do seu 2.o casamento com D. Ana de Menezes, filha de D. Álvaro Coutinho, irmão de D. Francisco Coutinho,
Conde de Redondo, e Vice-Rei da índia, teve Jorge de Albuquerque um filho, Duarte de Albuquerque Coelho, 4.o donatário
de Pernambuco, nascido em Lisboa aos 22 de Dezembro de 1591, que combateu contra os holandeses e escreveu as
Memórias diarias de la guerra dei Brasil e o Compêndio de los Reys de Portugal. Casou com D. Joana de Castro, filha de
D. Diogo de Castro, Vice-Rei de Portugal e conde de Bastos. A capitania passou a sua filha D. Maria de Albuquerque e
Castro, que herdou o senhorio de Pernambuco, os marquesados de Bastos e de Alegrete, vindo a casar com o conde de Vimioso
Nos seus Desagraves do Brasil e glorias de Pernambuco (Anais da Biblioteca Nacional, Rio, 1904, Vol. XXIV
pág. 325), o P.e Lourenço Couto escreveu de Jorge de Albuquerque: '■Ainda que Pernambuco não tivera produsido outro
filho, bastaria este para a sua immortal gloria*.
('«) A narrativa da campanha de Jorge de Albuquerque, feita abreviadamente na Historia Trágico Marítima,
é um quadro extremamente pitoresco da guerra brasileira no século XVI: 'Começou (Jorge de Albuquerque) a fazer guerra
aos inimigos no dito anno de 1560 com trazer em sua companhia muitos soldados, e criados seus, a quem dava de comer
beber, vestir e calçar â sua custa. E cinco annos, que gastou em conquistar a dita capitania (de Pernambuco) pelas
montanhas, e desertos, veroens, e invernos, de noite e de dia, passou muitos em si grandes trabalhos, sendo elle, e os seus
soldados, e criados, feridos muitas vezes, pelejando algumas a pé, e outras a cavallo. E quando se vinha recolher a alguns
dos lugares, ou Villas dos nossos Porfuguezes, que via, e não podia chegar com de dia, no mayor, e mais formoso bosque,
qU a hava se a
L S
soldados; e' estas9azalhava
ramas, e aochoupanas
pé das arvores,
mandavacomfazer
mandar
por fazer
muitoschoupanas
escravos de
querama, e palma,
trazia em suaem que se agazalhassem
companhia, os
que servião de
descobrir, e vigiar o campo, e o lugar onde se agasalhavão, juntamente com alguns soldados, passando tantas fomes e
necessidades, que muitas vezes não tinhão que comer mais que caranguejos do mato, e farinha de páo, e fruta brava do
campo, t com estas cousas, e com as palavras, que usava com os soldados, os contentava, e consolava... e acabada de
romar alguma Aldea, hia logo sobre outra, e a tomava com facilidade, por não terem tempo de se fazerem prestos. E com
esta diligencia, e brevidade, que pôs nesta conquista, a pode concluir dentro de cinco annos, estando tão povoada de
que
da villa mais. QUàndo chegou
que buina, á ditalegoas
ou duas Capitania
pela não
terraousavão
dentro, ose Portugueses, que moravão
ao longo da Costa, na Vilta ededepois
tres, e quatro; Olinda,
quea acabou
sahir fora
de
conquister, seguramente podem ir, quinze, vinte legoas pela terra dentro, e sessenta ao longo da Costa, por tantas ter a
dita Capitania de Junsdicção. E deixando a capitania conquistada, e os inimigos quietos, e pacíficos, com pedirem paz, a
í J conc
de Olinda,
0 se
na 1uai, viagem^
'. embarcou, e veyo opara
lhe aconteceo, que este
nesteReyno em aseNão
naufrágio Santo Antonio, a 16 de Mayo de 1665, em que partiu
contêm...»
-.-x Afonso Luís
piloto - e narração
reformadadopor
naufrágio
Antôniodadenáu Santo Antonio, atribuída a Bento Teixeira, foi origináriamente escrita pelo
Castro.
LXII
r
J*
Introdução
épica carreira reserva-lhe um lugar de honra na última grande batalha em que crepitou, luziu e se
dissolveu numa catástrofe grandiosa, tocada da luz das tragédias, a bravura lusitana. É êle quem, no
âmago da peleja, em Alcácer-Kibir, dá o seu cavalo a D. Sebastião para que o rei se salve. O «capitão
de Deus» quere, porém, morrer devagar, e o cavaleiro brasileiro acompanha-o no sublime delírio e cái,
vertendo sangue por sete feridas, no campo funesto de Alcácer (145).
Jorge de Albuquerque, herói da Prosopopéa, é o patrono de todos os bravos soldados que até
hoje têm combatido pela honra e pela integridade do Brasil; e o seu vulto marcial, envergando o
arnez de combate, ostentando as cicatrizes das campanhas da América e da África, está de guarda, em
eterna vigília de armas, à tradição fidalga e guerreira do primeiro século da história brasileira.
(ns) Os dois filhos do donatário de Pernambuco foram incluídos no rol dos oitenta fidalgos cativos que se res-
gataram por um nulhão de onças (400.000 cruzados). Regressado a Portugal, Jorge de Albuquerque Coelho, o primogênito,
morreu em conseqüência dos ferimentos recebidos na batalha e maus tratos do cativeiro, sucedendo-lhe na donatária seu
irmão Duarte Coelho de Albuquerque. Veja-se Jornada de África, de Jerónimo de Mendonça, a págs. 113 e 114.
Zl 13 3 Zl ZJi
SISOS.
LXIII
I
'
CAPÍTULO I
POR
C. MflLHEIRO DIAS
I
I
s
A METRÓPOLE E SUAS CONQUISTAS NOS REINADOS DE
C
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
D. JOÃO III
A COROAÇÃO AVIA apenas três anos que, pela terceira vez, D. Manuel casara com a esbelta
DO NOVO REI
infanta D. Leonor, irmã do imperador Carlos V, futura rainha de França 0) e
//■A concertada noiva de seu filho, quando, acometido por doença epidêmica, morreu
de encefalite letárgica no dia 13 de Dezembro de 1521.
Tendo disposto em testamento a sua vontade de que sepultassem em
campa rasa aquele que usara em vida o título ostentoso de rei de Portugal e dos
t m i Algarves, de àquem e de além mar em África, senhor da Guiné e da Conquista,
Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e índia, altas horas da noite
invernosa o levaram à igreja inconclusa de Nossa Senhora de Belém, metido em um ataúde, sobre uma
azémola, acompanhado por tôda a côrte «que seriam bem dous mil de cavalo e mais deseiscentas tochas»...
(') D. Leonor, viuva de D. Manuel, casou com Francisco I em Agosto de 1530, a quando do concêrto de pazes
com o Imperador, que lhe restituíra os filhos guardados em Espanha como refens.
2
FONS V1C17E
Pintura a <5Ieo, em tábua, pertencente â Misericórdia do Pôrto, representando a instituição da confraria da Misericórdia, e atribuída
pelos professores Justi e Dredins a Alberf van Ouwates, pintor da escola de Arlem.
No l.o plano vêem-se o rei D. Manuel e sua segunda mulher a rainha D. Maria, falecida em 1517, e os seus filhos D. João (depois
D. João 111), D. Isabel (depois esposa de Carlos V), D. Beatriz (depois duquesa de Saboia), os infantes D. Luís, D. Fernando, cardeal
D. Afonso, D. Henrique (depois cardeal e rei), e D. Duarte.
... .
■
■
- • ■ ■ -
A METRÓPOLE E SUAS CONQUISTAS
impetuoso almirante dos mares da índia, D. Vasco da Gama, conde da Vidigueira, único sobrevivente dos
gigantes da epopeia do Oriente. O velho conde-prior D. ]oão de Menezes, que comandara a armada
mandada em socorro de Veneza por D. Manuel, de quem fôra mordomo-mór, arvorava nas mãos senis
o estandarte real. Guiavam o cortejo, cujo guarda-roupa ainda era o do espantoso fausto manuelino, os
coruscantes arautos, reis de armas e passavantes, os porteiros de maças a cavalo, e multidão de
trombetas, charamelas e atabales, expedindo fulgores metálicos e chamas vermelhas de damascos.
Primeiro em silêncio até às portas da Ribeira, para que não ouvisse a joven rainha viuva o
clamor de regosijo, depois envolto no estrondo festival das músicas e das aclamações, o préstito
caminhou ovante para S. Domingos.
No alpendre paramentado de tapeçarias de seda e ouro apeou-se o príncipe do corcel
ajaezado, recebido pelo cardeal D. Afonso, seu irmão, a quem Leão X dera o capelo em idade quási
pueril, e os prelados residentes na côrte, de báculo, mitra e pluvial. À porta da igreja estava armado o
teatro espaçoso com oito degraus de altura, coberto de razes, onde se «sentou em uma cadeira com
docel de brocado o moço D. ]oão 111. Ficaram de pé, junto dêle, os infantes D. Luís e D. Fernando,
e em um banco de veludo o infante prelado, sob a umbela cardinalícia.
Finda a solenidade, revestida das ostentosas pompas da Renascença, e entoado o Te Deum
laudamus, recolheu-se o soberano pela Rua Nova de E!-Rei ao paço da Ribeira, acompanhado dos
infantes e fidalgos a cavalo, seguido pela vaga agitada e colorida do povo.
Para bem estreado princípio do reinado, conta frei Luís de Sousa que o monarca, ao
despirem-lhe dos ombros a faustosa opa de brocado, mandou que fôsse levada aos frades dominicanos
da serra de Almeirim para a aproveitarem em algum ornamento de altar. Este foi o primeiro acto de
piedade cristã do soberano, que mais tarde entregaria o govêrno do Tribunal da Fé à mesma ordem
dominicana que presenteara com o manto sumptuoso da coroação.
.Vi
ESDE Afonso Henriques, rei de um pequeno condado que a espada real e a dos barões D. JOÃO III E O
SEU IMPÉRIO
dilatara até ao Alemtejo, que o minúsculo reino, nascido em apertado castelo, espantosa-
mente crescera no decurso de catorze reinados, encorporando o Algarve, transpondo os
um mares sujeitando territórios imensos de três continentes, conduzindo os seus soldados ao
Oriente, reduzindo à vassalagem os soberanos da Pérsia e da índia, ascendendo à posição
de grande potência colonial, naval e militar.
O ímpeto expansionista da enérgica nação projectara-se a distâncias inverosímeis. Mas tam
desmarcadas emprêsas já lhe causavam o oíêgo e arquejo da fadiga. Do alto do trono, D. ]oão III,
medindo a área dos domínios que lhe legava o pai, podia considerar-se o detentor de um poderio
eqüivalente ao de Augusto, cujas conquistas os seus cronistas invocavam como única bitola por que
era digna de medir-se a glória de Portugal. Na Mauritânia mantinham-se oito praças fortes: Cabo de
Gué Çafim Azamor e Mazagão no Atlântico, Ceuta, Alcácer, Tânger e Arzila no estreito, à bôca do
Mediterrâneo O castelo de Arguim marcava o limite setentrional das colônias africanas: Cabo Verde
e a Etiópia ocidental, a cidade de S. Jorge da Mina, a costa da Malagueta e o reino do Congo. Da
outra banda do Atlântico em frente da costa africana, os territórios imensuráveis do Brasil, já postos no
planisfério com seus cabos, ilhas, baías e rios bapíizados, aguardavam que minguasse o entusiasmo pelo
Oriente pára que as charruas trilhassem as suas leivas fecundas. Na costa oriental da África, desde a
aurífera Sofala os padrões das quinas perfilavam-se nas praias até ao reino do Preste João da
Abissínia; e, enfim, a índia, joia fatal da coroa portuguesa, estampava no horizonte o recorte dos pago-
des, minaretes e palmares. ' , _ . , ^ í ^ n
Governava-a naquelé ano de 1521 D. Duarte de Menezes, filho do Prior do Crato. De Ormuz
era capitão D. Garcia Coutinho; de Malaca, Jorge de Albuquerque; de Sofala, o velho Sancho de
3
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Tovar, companheiro que fôra de Cabral no descobrimento do Brasil. Cochim, Chaul, Cananor, Coulão e
Calecut eram as pérolas do colar em que resplandecia Goa, capital do império, côrte e assento ordinário
dos governadores, opulenta e já soberba Lisboa oriental, para onde partiam anualmente do Tejo as
esgotadoras armadas da nova Veneza atlântica, sobre que reinava o afilhado do embaixador Pascuáligo.
As praças de Columbo e Pacem, edificadas nas ilhas de Ceilão e Sumatra, vigiavam as mais remotas
paragens da dominação marítima portuguesa.
«lúachina grande e bem necessitada de um valeroso e sábio governador, se considerarmos
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que ficava sendo Portugal com todo seu povo e rendas hum ponto, e ponto indivisível comparado com
tamanha circumferencia, e tanta differença de terras», observa frei Luís de Sousa ao descrever os
domínios gigantescos do pequenino reino da ourela da península ibérica, plantado em Ourique pelo
ambicioso filho do conde borgonhês.
Para governar êste império requeria-se, com efeito, o gênio de um político consumado, prote-
gido por estréia propícia e secundado por estadistas de invulgar estatura. Até ali, os super-homens
criados pela dinastia de Aviz tinham bastado para vasculhar os mares, revelar o planeta, descobrir o
caminho da índia e a América austral, conquistar e manter as cidadelas da Berberia—escolas de
coragem e dextreza—, subjugar as rebeliões do longínquo Oriente. Mas a estréia do Uenturoso empa-
4
O príncipe D. Jo3o (D. ]o3o III)
Pintura de Frei Carlos
Museu de Arte Antiga de Lisboa
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A METRÓPOLE E SUAS CONQUISTAS
^ COmjunto
crist aos-novos 3 CÔrte da França: e na Iuta na0
menos
da Cúria, ia consumir o rei parte do pertinaz
tempo dosustentada
seu longocontra a influência
reinado. A ambosdos
os
ei os associara o inquebrantável brio da magestade, acabando por vencê-los com aquela obstinação
V nJ)
brasileiros^s^orsário^"^ 'f'3 diStintl^0S do seu Çarácter tenaz, varrendo a ferro e fogo dos mares
e obtendo de Roma final rança' undando as capitanias feudais para com mais segurança os repelir,
navam em pé de LluÍT ' SeV^063' a bula ^ a sua ^ sincera e o seu brio ambicio-
quando regressou, ufano, do desTobrirnemTda A^érica.010"1^ ^ ^ enCOntrar 3 lnqÜÍSÍÇã0 ÍnStalada
03 ministros de D
velho Antônio CarndrT-Tspéc^dr Pombar ^ - íoão i'1- e principalmente o
sucessor no ofício, era nada menos que formidTvel cddar^la fT* ^ Alcáç0va' SeU í51h0 6
da mdia
que vinham do Oriente estar atentn àc ntt - ' ' responder as consultas numerosas
068 aSÍá,iCaS prtwer as
Praças de África Xr' pX abas.ecimenX^ ' -
arsanai
a íeitoria da Flandres, vigiar a ordem nnhiir f' PrP.mover a venda das especiarias e fiscalizar
financeiros, encaminhar a política externa na^' FM ^ T e^'demias e as- íomes, resolver os embaraços
5
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
conservar nas mãos centralizadoras do soberano a suprema regência de um desmedido império, infunde
pasmo. Era tamanha a canceira do rei, que êste se viu na necessidade de ampliar os poderes dos
desembargadores do paço, cometendo-lhes o despacho em seu nome para muitos casos que eram até
ali da régia jurisdição.
Nenhum príncipe tomou mais a sério os negócios do Estado do que êste monarca de estilo
espanhol. Excepto na guerra, para que o não fadara a inclinação pacífica, D. João III pautava a sua
conduta pelo exemplo de Carlos V e supriu o gênio de um estadista pelo zêlo escrupuloso e a régia
dignidade com que exercia os deveres do seu cargo. Vamos vê-lo debater-se numa luta que seria
grandiosa se o rei dispusesse dêsses dons psíquicos de dramatização e de poesia que enaltecem os
heróis e os armam de secreto e imortal poder de fascinação. Devoto, mas sem os arroubos e transportes
de misticismo que geram os santos e os paladinos; movendo-se pesadamente por entre o cerimonial
severo da pragmática palaciana; tendo da magestade da sua investidura uma compenetrada consciência;
faltavam-lhe, todavia, os magnéticos atributos da beleza e da marcialidade. Era o beneficiário e a vítima
da herança desconforme que lhe haviam amontoado os talentos de D. João II e a fortuna de D. Manuel.
São infatigáveis os seus esforços para não deixar decair Portugal da situação a que o tinham elevado
os* predecessores, para suster o equilíbrio instável do edifício gigantesco, de pêso desproporcionado
aos alicerces. O seu íormalismo denuncia o permanente anelo de representar com alta compostura o
seu papel de monarca da Renascença. Interpretava a autoridade do poder real com grandeza exemplar.
Duas vezes cunhado de Carlos V, depois do matrimônio com a infanta D. Catarina e do casamento
da formosa D. Isabel com o imperador, era tam cioso das suas prerogativas que alterou as praxes da
entrega de credenciais dos embaixadores, ao saber que o rei de Espanha recebera sentado a Luís
da Silveira. Nascera para rei, quando já o pai afortunado ascendera de duque de Deja, vassalo de um
autócrata, a quem tivera de beijar a mão manchada do sangue do duque de Viseu, às grandezas
vertiginosas de herdeiro, jurado em Toledo, do trono de Espanha, e engastara na coroa o domínio da
índia: resplandecente diamante lapidado pelas espadas de gloriosos capitães.
iO orgulho de um rei português da Renascença! Quando o infante D. Luís acompanha
Carlos V à expedição de Tunis, D. João III recomenda ao irmão, no regimento que mandou redigir,
não aceite do Imperador prêmio algum, nem mesmo o Tosão de Ouro, que reduziria a significação
desinteressada do poderoso auxílio que lhe prestava; e é sabido que por mais de uma vez Carlos V se
queixou ao embaixador de Portugal de que o cunhado sempre evitava dar-lhe o tratamento de magestade
na correspondência oficial e privada. Para casar a única filha sobrevivente, a infanta D. Maria, logo lhe
ambiciona para marido D. Filipe, príncipe real de Castela, desprezando a opinião dos prudentes, que
alegavam as despezas do dote enormíssimo e aconselhavam casasse a princesa no reino com o infante
D. Luís, fortalecendo com o consórcio a sucessão da coroa. Resistindo às advertências, obstinado em
querer na cabeça da filha uma coroa de rainha, surdo ao protesto veemente do conde de Vimioso,
consente que nas escrituras nupciais se exare a cláusula de entrar a futura rainha de Espanha na
herança do trono de Portugal, à falta de herdeiro varão. E quando já estava concertada a data do
matrimônio, êle próprio quebra os ajustes, sentindo-se desconsiderado pelo Imperador, só porque êste
nomeara mordomo-mór da princesa a D. Francisco de Borja, duque de Gândia—o futuro santo,—em
substituição do seu candidato, D. Aleixo de Menezes, futuro aio de D. Sebastião.
A altivez eqüiparava-se nêle à munificência. A prodigalidade real resistia às admoes-
íações aflitas do vèdor da Fazenda, seu valido. Observando-lhe um dia o conde de Castanheira
que, em tamanha penúria do erário, sustentava o rei em seu serviço muita gente escusada,
mandou que lhe levasse o secretário dois róis, um dos criados necessários e o outro dos inúteis.
E examinando-os, concluiu por declarar ao vèdor: «Destes tenho eu necessidade, e estes outros teem
necessidade de mim-». Era nobre e liberal o conceito, mas os ajuizados murmuravam das despezas
excessivas da coroa, da prodigalidade do monarca em tenças aos servidores e favoritos. Tantas
eram as murmurações que um prègador ousou —iatrevimento insólito para o tempo! —advertir
do púlpito o soberano que fizesse consciência do muito que dispendia, e «que pois a náu se ia
ao fundo com tamanha carga, convinha alijar ao mar as mercadorias, aliviando-a de tantas tenças».
Ofendido na sua magestade pela admoestação pública, ordenou o rei que do mesmo lugar fôsse
reprovada a doutrina revoltosa.
Utilizando-se da mesma metáfora, o dominicano a quem fôra confiada a réplica declarou do
púlpito que tirar as tenças e as moradias aos vassalos beneméritos da pátria corresponderia a alijar
gente viva ao mar. E tanto agradou ao rei a sentença que dela passou a servir-se para justificar as
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A METRÓPOLE E SUAS CONQUISTAS
dádivas incessantes (2). Esta munificência, aliada à sua grave prudência e às normas pacíficas da sua
política mereceram-lhe ser comparado a Salomão pelo núncio Lippomani: In veris Salomonis simili-
tndem Regis ...
Pesado, falando pausadamente, tendo deixado crescer as barbas, depois do casamento, como
Carlos V, êle era na concepção soberba da realeza, adequada à grandeza do império que o seu
sceptro regia, na protecção às artes e às letras, na liberalidade ostentosa, no acertado senso das
resoluções, o émulo do poderoso cunhado. Teria sido em grande parte por emulação que requereu,
em igualdade com Espanha, o Tribunal da Fé, vencendo a relutância dos seus experimentados conse-
lheiros. As demoras da a sua autoridade rigorosa
Cúria em conceder-lho exa- a indisciplina e os abusos
cerbaram o seu empenho e avigorar com a presença
político em obtê-lo. Sen- prestigiosa a honra emba-
tindo em chéque o pres- ciada do nome português.
tígio real, e já melindrada Mais tarde, quando Mar-
a sua autoridade pela elei- fim Afonso de Sousa re-
ção ao cardinalato do bis- w. gressou. em 1546, do
po de Viseu, quis e obteve Oriente, o rei mandou re-
m %
a Inqüisição como um colher à Casa da Moeda
desagravo, mais por so- vv- um cofre com 300.000 par-
f..'-
berba ferida que por fana- daus que o governador
tismo truculento. •VVc trazia da índia.
Austero e piedoso, Decerto, D. João III
estimava os homens hon- I não era aquele grande mo-
rados; tinha em subido narca retratado pelos áu-
conceito a virtude; esíor- licos humanistas, mas sa-
çou-se por moralizar os bia parecê-lo. A experiên-
costumes e extirpar a gan- cia de Antônio Carneiro e
•-> os talentos de Pedro de
grena da índia. De uma
vez, por Fernão Álvares Alcáçova deram ao seu
Cabral expedia ordens ter- govêrno, quer na adminis-
t. tração do império, quer
minantes para que se res- I:v#<'A;vtk dk
!>OM nas relações internacio-
tituísse ao rei de Ceilão o
nais, uma intelectual gran-
dinheiro e jóias que se rnjrrrit.u.,; filho jvll
teA deza. As colonizações ul-
lhe haviam tomado, pa- M A AM) KL.
KKI DOM tramarinas, as proezas
gando-se pela avaliação
militares da índia e o es-
as que já houvessem sido O KWrftlNlE. U. LUÍS
Filho segundo de D. Manuel, irmão de D. João III plendor que atingiram as
desbaratadas. Vasco da
(Reproduzido dos Farões e DonasJ letras e as artes no seu
Gama é mandado por êle
reinado refletem sôbre a
à índia para reprimir com „ . ... . . JAI
fioura sem beleza do rei uma magestosa imponência. Embora o pai tivesse procurado fazer dele um
nrínrine letrado D João III não conseguira sequer adextrar-se convenientemente no uso da língua
atina pe
latina, oedra de'toque da itores
cultura com
quinhentista.
o João deTeve, Barros,porém, a glória
Antonio de contar
Ferreira e Saentre os súbditos
de Miranda, o maior
humanistas
como Diogo e Antônio de Qouveia, Jerónimo Osório e Damiào de Qóis, servidores do guilate de D. João
de Castro, Tomé de Sousa e Mem de Sá, uma irmã como a erudtta infanta D. Mana, um irmão como
o culto D. Ld'sn es„0tava e deperecia a olhos vistos, a Lisboa-bazar, cosmopolita e comercial dos
novos ricos da especiaria, com os seus burgueses opulentos, os seus banqueiros italianos, os seus
feitores alemães, os seus sapientes humanistas, os seus artistas magníficos, os seus fidalgos já educados
nos requintes da Renascença e no fausto do Oriente, era a moldura colorida de uma côrte hirta de
pragmática e formalismo. Às ostentações de rajá de D. Manuel sucedera uma pompa mais severa e
menos exibicionista. Subsidiando numerosos estudantes em Paris, sustentando as obras dispendiosas
dos Jerónimos e de Tomar, reedificando o aqueduto de Évora, reformando a Universidade, o rei repre-
sentava magníficamente o seu papel. Quando, em companhia da rainha e de tôda a côrte, foi a Coimbra
visitar solenemente a Universidade, que engrandecera, e assistir em todos os gerais das escolas às lições
dos mestres, compararam-o a Pompeu, que no regresso da campanha contra Mitridates fôra a Rodes
ouvir as prelecções dos filósofos gregos.
Certamente, êle não era um Pompeu, mas não era também o Torquemada coroado que se
afigura a alguns historiadores.
A introdução kflhk fflflNTRODUTOR da Inqüisição em Portugal, D. João III aparece-nos ainda hoje envolto na
da inquisição uh fumarada tétrica dos autos de fé, que embacia o frio esplendor do seu'reinado.
EvLá wfcl ^ tribunal do Santo Ofício só constituiu um êrro político porque deu sanção
HffiS permanente a erros anteriores e já irremediáveis.
Quando, ao têrmo de longos anos de demandas com a Cúria, a Inqüisição foi defini-
tivamente estabelecida em 1547, a cooperação israelita na economia nacional era já diminuta. O Santo
Ofício vinha apenas regular um problema de ordem interna, estabelecendo uma jurisdição especial para
os delitos contra a fé.
Constituído em parte nas províncias meridionais com a encorporação da população moura,
que os conquistadores não expulsaram, o povo português era no fim do século XV, com a proliferação
do elemento israelita, um aglomerado heterogêneo de religiões e de raças. A conversão dos hebreus
adqüiriu a importância de um problema social e político. Confinados nos trabalhos agrícolas e na
domesticidade, os mouros não representavam a bem dizer um estorvo à unidade moral da nação. Já não
assim os judeus, cujo ascendente cultural e econômico lhes garantia uma influência considerável na
sociedade do tempo e que, pelo seu desenvolvimento progressivo, vinha criando um estado de conflito
quási permanente com a maioria cristã da população. Como se não fôra já bastante a diversidade
irredutível da raça judaica, parcimoniosa, ávida de lucros, enceleirando haveres obtidos à custa da
imprevidência do cristão, o antagonismo das crenças religiosas favorecia com um pretexto simplista o
ódio que a plebe nutria contra êles. O Estado não fizera senão agravar êsse conflito latente, aprovei-
íando-lhes os serviços na cobrança dos tributos. Já não era mais possível aos homens de govêrno
descurar um problema que ameaçava assumir a breve praso uma gravidade aguda. Entretanto, pela
multiplicidade dos seus aspectos, êsse problema político afigurava-se de solução difícil. A perseguição
dos judeus, detentores do alto comércio, capitalistas e banqueiros, num momento em que Portugal mais
carecia de capitais e de capacidades mercantis, pois ia lançar-se nos empreendimentos comerciais do
Oriente, seria um grave êrro econômico. D. João II, homem de Estado, nitidamente o compreendeu ao
resolver dar asilo aos judeus perseguidos pela inqüisição de Castela, obtendo com a magnânima
concessão dois proveitos, que o seu gênio fizera caber no mesmo saco. Simultâneamente engrandecia a
classe capitalista, essencial ao progresso das iniciativas comerciais, e cobrava aos foragidos um tributo
que vinha aliviar o erário das pesadas despezas originadas pelo incremento da navegação.
D. Manuel encontrava assim agravado o aspecto social do problema. Espírito culto e essen-
cialmente utilitário, verdadeiro príncipe da Renascença, sem o carácter escrupuloso e puritano do filho
aplicou um critério de oportunismo político ao caso embaraçoso. A resolução desumana do novo'
Herodes, de expulsar os israelitas—aliás tam conforme ao rancor que os povos peninsulares alimen-
tavam contra os hebreus,—foi-lhe imposta pela razão de Estado: obedeceu ao empenho de aliar-se à
8
A procissão de uirTauto de fé, saindo do paço dos Estáus, no Rocio
Gravura do século XVII
.
■
A METRÓPOLE E SUAS CONQUISTAS
filha dos reis Católicos, reünindo sôbre a cabeça do descendente as três coroas de Portugal, Castela
e Aragão. Dado esse passo, e tendo medido as ruinosas conseqüências de um êxodo que desfalcava o
país em população, em cabedais e em aptidões, D. Manuel tentou por métodos maquiavélicos e cruéis
resolver definitivamente o grave problema secular da política interna portuguesa, e cominatóriamente
decretou a conversão em massa. Se fôra possível o êxito de tal processo, todas as violências que êle
impunha haveriam sido resgatadas pelas conseqüências salutares que daí adviriam. D. Manuel parece
ter acreditado no sucesso do seu sistema, que lhe poupava os súbditos e fazia desaparecer perante o
fanatismo bronco do povo um dos factores justificativos das dissenções entre os prosélitos de dois
crédos irreconciliáveis. Ao morrer, em 1521, deixara em vigor leis que protegiam os cristãos-novos
e consubstanciam a sua política de espectativa. Quando, em 1506, a populaça, excitada por dois
frades dominicanos, se entregou num acesso de delírio fanático à chacina atroz dos cristãos-novos,
D. Manuel, enraivecido pelo ultraje à sua autoridade e revoltado contra os excessos sangüinários da
plebe, exauíorou Lisboa dos seus fóros, ordenou implacáveis castigos aos culpados e mandou executar
os frades que haviam incitado o povo à hedionda carnificina. Tudo fôra, porém, baldado. Nem os
hebreus repudiavam a sua crença ancestral, nem declinava o ódio do povo.
D. ]oão III herdava, pois, multiplicadas, as dificuldades que os seus antecessores não tinham
podido resolver. O país quási inteiro, excepto os letrados e os homens de govêrno, hostis à satisfação
das cegas e destrutivas paixões populares, reclamava a proscrição dos judeus ou o Tribunal da Fé.
A inqüisição era uma aspiração popular. Soliciíando-a, o rei atendia a vontade do povo, obedecendo
também aos ditames da sua consciência.
Ao avêsso do pai e de D. João II, a sua política não é dominada por um critério racionalista
e utilitário. Êle não é um acomodatício e um oportunista, nem mesmo um político, no sentido intelectual
da palavra. A sua piedade religiosa é fervorosa e sincera. Rei de uma nação cristã, propagadora da fé
nas nações idolatras e bárbaras, quere crisíianizar o seu reino. Convicto de que a religião que professa
é a única verdadeira, não lhe admite desacatos. Propõe-se a sanear os fócos de corrupção. Aspira a ser
o rei de um povo piedoso, à sua imagem. Contra os delitos da fé reclama uma justiça armada dos
mesmos direitos e atribuições da justiça secular. Quere uma ordenação inqüisitorial semelhante à
ordenação manuelina. O exemplo da Espanha actuaria certamente na resolução do rei, também alarmado
pela revolução heresiarca da Reforma, mas, quanto é possível deduzir dos acontecimentos, a inqüisição
foi mais uma instituição política do que religiosa. Quem a introduziu em Portugal não foi o clero, mas
o Estado. Roma, onde o fanatismo medieval fôra destronado pelo espírito da Renascença e se nauseava
com os excessos alucinatórios da inqüisição espanhola, relutou por muito tempo em consentí-la.
o período em que D. João III mais se obstina em obter a sua instituição em Portugal, é um prelado
altura21163'" 0 ..í"arc^ea^ Cunha, que maiores obstáculos lhe opõe no Vaticano. E todavia, naquela
e u ' 3 1?.<íulslção era uma medida democrática, no sentido de corresponder às aspirações populares,
do EstacT lda Qe ordern' pcas ^ue 0 Santo Ofício vinha restabelecer no domínio espiritual a autoridade
avocava í,0o arraní:ando às
avorau-f à^jurisdição revinditas delirantes da multidão as vítimas que o tribunal inqüisitorial
legalizada.
em 1506 pek^^ovo Ue iÍnV0Cam os^ven'd'cos horrores dos autos de fé, há a opôr as fogueiras ateadas
desc
acutilou, decapitou^" q aroável que, imprecando e ululando, em sangüinário delírio, estrangulou,
suspendendo a chacina61quan
"101^6111 íras d as e duas
, '
o os bésteiros do reinoites mais de dois
o dispersaram mil cristãos-novos
a viroíões e a espada.inocentes, só
9
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
A CRISE MNAN- 1NHEIRO! iDinheiro! Para custear a construção das armadas, para pagar o soldo às tripu-
CEIRA E ECONÔ-
MICA DA POLÍ- lações e às guarnições da África e do Oriente, para construir e reforçar fortalezas, para
TICA COLONIAL adqüirir armamento, para recompensar os grandes serviços dos vassalos, para cumprir as
estipulações dotais dos casamentos, para resgatar as Molucas, para comprar trigo, para
defender o Brasil... Desde que sobe os degraus do trono, o rei é afligido por aquele
clamor exigente e obsidiante. iDinheiro! iDinheiro! Para que a nação economise as grossas somas do
dote quere-se que o rei case com a rainha viuva e se deite no tálamo com a madrasta. Era assim a
jnoral da Renascença, pintada ao vivo na representação que, em nome dos povos, os magistrados da
Câmara dirigem ao soberano, exortando-o ao casamento incestuoso, cujas vantagens econômicas e
políticas exalçam. Repugnando-lhe os amores, a que o incitava o seu povo, com a mulher a quem
tratara por senhora e mãe, encontrando à testa dos que aconselhavam o casamento o próprio duque
de Bragança, D. Jaime, o rei, «que tinha o Reyno todo contra sy neste voto-», protela a resolução, suplica
a intervenção divina, intimamente obstinado em engeitar a proposta imoral, i Insistentes, os representantes
dos ofícios vão impúdicamente à presença da rainha viuva pedir-lhe que consinta em passar do leito
do pai para o do filho, evitando à fazenda os desperdícios de outro dote e que ingresse na Espanha,
com as suas arras opulentas, a herança da infantasinha D. Maria, em termos de a gastar o Imperador
« com os frecheyros de Inglaterra » .. /
O Uenturoso parecia ter levado para o sepulcro todas as riquezas que, por um fugaz momento,
haviam ilusóriamente convertido aos olhos do mundo em um Eldorado a pequena e brava nação.
Mergulhando as mãos no tesouro manuelino, o joven e inexperiente rei reconhecia com surprêsa que a
sua opulência era uma fantasmagoria. Para melhor lho fazer compreender, a fome flagelou o reino
naquele primeiro ano do reinado. A esterilidade das terras fôra igual em Castela. De França não podiam
■esperar-se socorros por motivo da guerra ao tempo acesa entre Francisco I e Carlos V. Os pobres
acudiam da província a Lisboa; muitos ficavam mortos e sem sepultura pelo caminho. Compungido
pelo infortúnio do seu povo, despachou o rei navios à custa da sua fazenda com letras e dinheiro, para
trazerem trigo da Flandres e Dantzigue, providência humanitária em que gastou^mais de cincoenta mil
cruzados de ouro. E para cúmulo de pouca ventura, até a carga da pimenta da índia, que chegou pela
armada do governador Diogo Lopes de Sequeira, por ter sido carregada verde ficou por vender
nos armazéns.
Urgia agora que o rei casasse para assegurar a sucessão da coroa, i Dinheiro! i Mais
dinheiro! pois iam agravar-se as despesas com a sustentação da casa da nova rainha, e Carlos V, cujas
finanças eram mais embaraçosas que as suas guerras, só pagaria o dote da irmã em espaçadas
prestações. E tornava-se ainda necessário cumprir a vontade paterna de casar Isabel, a filha dilecta e
formosíssima, imortalizada pelo pincel do Ticiano. Para acudir às despesas do casamento da irmã com o
imperador, o rei teve de pedir às cortes reiinidas em Torres Novas a ajuda do povo. O dote enorme
da infanta, exarado na escritura lavrada por Antônio Carneiro, era de 900.000 dobras de ouro castelhanas,
de 365 maravedis por dobra, em que se descontariam as 165.232 que o Imperador ainda devia do dote
da rainha D. Catarina, e as 51.369—cêrca de 50.000 cruzados de ouro,—que D. Manuel emprestara a
Carlos V no tempo das comunidades de Castela.
Ao tempo da convocação das cortes de Almeirim computavam-se as despesas extraordinárias
com que a fazenda real tivera de arcar desde a subida de D. João 111 ao trono (não incluindo as
grandes tenças concedidas nesse período pela liberalidade regia, os gastos no cumprimento dos
testamentos de D. Manuel e da rainha D. Leonor e as legítimas dos Infantes, nem as obras dispendiosas
dos Jerónimos, de Tomar e da Universidade) em 3.160.000 cruzados, para as quais os povos haviam
contribuído com 250.000 cruzados por deliberação das cortes de Torres Novas e de Évora. Acrescen-
tando-lhe os 2.200.000 cruzados tomados a câmbio aos mercadores da Flandres, chega-se à soma,
fabulosa para a época, de 5.110.000 cruzados, dos quais, em 1544, o rei devia ainda 1.946.000 cruzados,
de que pagava os juros rapaces de 25 0/o.
Anos antes, querendo evitar de oprimir o povo com novos tributos, o rei vendia a Bastião
de Tavares padrões de juro e outros valores de sua fazenda privada para pagar ao Imperador Carlos V
os 350.000 cruzados do pacto das Molucas. Era, sem eufemismo, a bancarrota.
d Em que babilónicas orgias, em que dissipações estupendas se consumiam os réditos do
império ultramarino, as rendas da pimenta, os dízimos do açúcar e das especiarias, o ouro de Sofala?
Na própria sustentação dêsse império colonial, na construção e aparelhamento das armadas, no soldo
dos exércitos e das tripulações, na edificação e concêrto das fortalezas, se engolfava tudo. Em 1524,
10
A VIRGEM DA MISERICÓRDIA
No grupo da esquerda vêem-se, no primeiro plano, D. João III com o príncipe real e o papa Júlio III; entre 03 dois a rainha D. Catarina, tendo à sua
esquerda a princesa D. Mana, que casou com Filipe de Castela. No último plano do grupo, os infantes D. Luís e cardeal D. Henrique, irmãos do rei.
Fintura atribuída a Antônio de Hollanda.
Museu de Arte Antiga de Lisboa.
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A METRÓPOLE E SUAS CONQUISTAS
-om a esquadra em que Vasco da Gama levou para a índia dois mil e setecentos homens, gastaram-se
a mais do ordinário 200.000 cruzados. Quatro anos depois, quando se suspeitava da ofensiva dos rumes,
~ armada de Nuno da Cunha
transportou dois mil e oitocentos
D. JOÃO
homens para a conquista de Diu,
(1521-1557 )
elevando-se as despesas ex-
traordinárias com a expedição ■^"oo o
de guerra a outros tantos cen- y o\
tos de milhares de cruzados.
Em 1529 foi preciso pagar os Im
I
350.000 cruzados de ouro esti-
pulados para o acordo das £
Molucas, preço enorme que
viera a custar a recusa pirró- •, o W
Oíf
nica de D. Manuel em aumentar ?
aí
v»
com cem reais a moradia do
exaltado Fernão de Magalhães, fL ml
Cg la
sem contar a perda da glória
trespassada ao activo da Es-
panha. Em 1533, o eqüipamento, -7 4
soldos e transporte dos oito-
centos homens que D. Pedro
de Castelo Branco levou à Índia
r& y'
custaram 100.000 cruzados. No
ano seguinte foi o cêrco de 'Pi
Çaíim, em cujo socorro e no
provimento de Azamor e Ca o
de Gué se dispenderam outros
100.000 cruzados. Em 1538, os
aprestos de guerra da gran e
armada do Oriente, conduzida êrí m
pelo vice-rei D. Garcia de No
ronha, acompanhado de mais
de quatro mil homens, ficaram
por 300.000 cruzados de ouro.
No ano de 42 a situação do
erário agravara-se em tais pro-
porções que se abandonaram 70 .
as praças de Azamor e Çafim,
gastando-se com as armadas,
transportes e indemnizações aos
/'
moradores e nas obras vultuo-
sas da defesa de Mazagão ou
tros 300.000 cruzados, i Estas
nl
eram as dissipações fabulosas
do austero D. João 111'
apontamento de frei Luís e
Sousa, extraído de um códice
do Conde de Castanheira, per-
mite-nos avaliar as causas de-
terminantes do volume que ha- moedas portuguesas do reinado de D. JOÃO III
viam atingido as dívidas da
coroa. Em 1534, o rendimento índia e Mina, íôra de 279 contos e meio,
do reino, incluindo os almoxarifados, ilhas e r um saldo de pouco mais de trinta e dois
as despesas 247:350$000 reis. i Ficava pois
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
contos para fazer face às despesas extraordinárias do mesmo exercício, entre as quais a de
Çafim orçava por 400:000$000 reis, e o pagamento de juros vencidos, que já a êsse tempo eram de
160:000$000 reis anuais!
O estado, das finanças públicas no reinado de D. ]oão III opõe argumentos irrespondíveis
à generalizada crença de que as colônias enriqueceram as metrópoles e que só pôde vingar pela
ignorância de historiadores mal versados em assuntos econômicos. Na índia, a coroa portuguesa
não fizera propriamente despesas de colonização, mas de navegação e guerra, salvo em Goa, sede
do império. Não obstante ficarem assim circunscritas as despesas de. ocupação, foram elas um dos
factores da derrocada. É certo que muitos particulares, capitães, negociantes e soldados, enriqueceram
na índia, mas o Estado e a nação arruínaram-se. O orçamento da íeitoria da Flandres no ano de 1543
revela que se faziam contratos com os mercadores pelos quais estes pagavam adiantados, para acudir aos
embaraços do tesouro, os futuros fornecimentos de especiarias que haviam de receber-se da índia, e tudo
se sumia no sorvedouro dos juros. A avaliação a que procedera o conde de Castanheira da perda de
navios e respectivas cargas até 1551, sem entrarem em linha de conta as perdas na navegação da
Guiné e do Brasil, computam em 3.352.150 cruzados de ouro o desfalque originado na fazenda real
pelos naufrágios. Estas cifras permitem-nos contemplar o reverso econômico da epopeia e aferir da
coragem e obstinação formidáveis dêsse pequenino Portugal quinhentista.
ô Como se chegara a tal extrêmo? iComo pudera acontecer esta rapida falência do negócio
fabuloso da índia? Porque não só a nação, como também os recursos de civilização do tempo não
permitiam a exploração eficaz de um comércio marítimo daquela amplitude. A nação vivera da agricultura
até aos últimos decênios do século XV; achava-se adaptada a um duplo regímen rural e militar.
Os fidalgos viviam em grande parte das rendas das suas herdades e comendas: vida rude e frugal,
em solares e castelos onde era escasso o luxo. As navegações vieram desviar a nobreza para
diversas e arriscadas missões. Para converter em fonte de lucro a grande façanha dos nautas era
necessário um comércio, e Portugal quási não possuía, fóra da comunidade israelita, aptidões comerciais.
Os judeus aparecem logo nos primeiros passos do vasto teníámen mercantil. Mas não bastavam
para sustentá-lo no grau de prosperidade requerido, nem convinha à coroa elevar até à posição de seus
sustentáculos os hebreus e cristãos-novos, já tam malquistados com o povo. D. Manuel concede então
privilégios aos comerciantes e armadores estrangeiros, atrái-os para Lisboa, utiliza-se dos seus capitais,
faculta-lhes o mandarem à índia navios de sua conta, conquanto os capitães sejam de nomeação régia.
Sem dinheiro não se podiam adqüirir as mercadorias; sem organização comercial não era fácil
distribuí-las pelos mercados. Foi pois necessário internacionalizar o comércio do Oriente, interessar nêle
os Marchiones, os Welser, os Függer, que dispunham de aptidões, de experiência e de recursos.
O advento brusco da burguesia, chamada a representar um proeminente papel dentro do
Estado, não dera tempo a que ela se preparasse para o desempenhar. No Portugal do fim do século XV
a burguesia foi um improviso, e não se improvisam capitais e crédito. Vieram a ser, pois, os mercadores
e banqueiros estrangeiros que beneficiaram com o comércio da índia. Lisboa passou a ser apenas um
porto de escala e de distribuição. Os negócios faziam-se na casa da Mina e da índia e na Rua Nova
dos Mercadores. O resto do país permanecia estranho àquelas transacções. Depois, com a fundação da
feitoria da Flandres, a parte mais considerável dos negócios transferiu-se para o estrangeiro, onde o
govêrno, sempre mau negociante, acabou por tudo comprometer.
O novo regímen criado pelo achamento da índia, por isso mesmo que as armadas do tráfico
eram do Estado e o rei a sua personificação, fizeram do soberano um comerciante. A princípio tudo
caminhou bem. D. Manuel possuía um acentuado senso utilitário. A cobrança dos quintos e outros
tributos, a venda das especiarias acumularam no erário réditos que o rei aplicou às mãos cheias em
melhoramentos públicos, em edificações sumptuárias, em, dádivas, embaixadas e no fausto da côrte.
Mas não demorou que a contração das armadas e a necessidade de manter guarnições militares no
Oriente viessem reduzir considerávelmente os lucros do grande negócio da índia.
Se actualmente o comércio marítimo voltasse a ficar exposto aos riscos freqüentes da
navegação quinhentista, a sua falência inevitável arrastaria a ruína das nações. Os navios saíam uma
vez por ano a caminho do Oriente, aproveitando a monção, submetidos ao regímen caprichoso dos
ventos. A viagem de Lisboa à índia regulava por cinco meses. Trinta por cento dos navios perdiam-se
no mar, alguns na viagem de regresso com as cargas que transportavam. As tripulações eram dizimadas
pelo escorbuto, a malária e doenças epidêmicas desconhecidas. Tornava-se preciso construir cada ano
novos navios e tantos mais quanto muitos dêles ficavam na índia para a polícia dos mares, defesa das
12
A METRÓPOLE E SUAS CONQUISTAS
feitorias e comunicação dos postos militares. Não tardou que o déficit surgisse e se avolumasse.
A coroa, vendo-se sern recursos, apelou para o crédito. Os mercadores da Flandres, erigida em entre-
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posto da especiaria, não relutaram em adiantar dinheiro ao rei de Portugal, porque a situação-
previlegiada de crèdores ia permitir-lhes ditar o preço às mercadorias. Cada ano o rei aumentava as-
dividas com novos empréstimos e os juros vencidos e capitalizados. Parar eqüivalia a perder a índia.
A pimenta, a noz moscada, o gengibre, o ambar, a canela, o açafrão eram vendidos cada ano a
preço mais baixo, ao passo que as despesas devoradoras do Oriente se ampliavam com as guerras
incessantes. Ao mesmo tempo que o negócio da índia revestia o aspecto de uma catástrofe, a agricultura,,
desamparada pela nobreza rural, definhava, a população decrescia, e o rei, vagueando de paço em paço
da Ribeira para os Estáus, de Sintra para Almeirim, de Évora para Enxobregas, figura severa e
sombria moyendo-se no scenário colorido das tapeçarias de raz, assistia à extinção da sua prole
dizimada e à agonia do grande sonho do Oriente, malogrado, não à míngua de heroísmo, mas por
carência de organização comercial e porque a classe burguesa não atingira ainda a extensão é o poder
reclamados pelas necessidades de um império ultramarino.
Apesar do ouro e da prata trazidos da América pelos espanhóis, Carlos V, como D. João III
lutava com tremendos embaraços financeiros. Por uma carta do embaixador Lourenço Pires, escrita
de Bruxelas a 21 de Novembro de 1553, e que fôra enviado a Inglaterra para sugerir à filha de
Henrique VIU o seu casamento com o infante D. Luís, sabe-se que o Imperador quisera aquela aliança
para seu filho, de preferência a casá-lo com a infanta D. Maria, como havia concertado (3), «.dando por
rezão a impossibilidade em que El Rep Dom João estava pera lhe fazer hum dote tão 'formoso que-
pudesse livrar a elle Emperador de suas grandes dividas» (4).
Outro rei menos compenetrado dos seus deveres e menos obstinado no brio de conservar
intacto o patrimônio herdado e a dignidade majestática, haveria desamparado o ruínoso império e
regressado à modéstia de um pequeno príncipe, deixando perder à nação a categoria e a influência
universal a que ascendera vertiginosamente em pouco mais de meio século. Mas aquele rei misantropo
e severo, que viu morrer todos os filhos, perseguido por uma fatalidade inflexível (5); aquele rei sem
marcialidade e sem beleza, que parecia uma antecipação de Filipe II sem a sua crueldade glacial e os-
seus talentos maquiavélicos, soube galvanizar com a magestosa consciência de imperante o reino
decadente, fazendo suster a derrocada com o sceptro erigido em mão orgulhosa.
A comparticipação de Portugal na conquista de Tunis, empreendida por Carlos V em 1535,
pelo modo como o poder militar e naval português se representou, testemunha os objectivos políticos
daquele acto, com que se dissimulavam as aperturas do tesouro e em que se afirmava no concêrto
internacional o prestígio da nação. A dignidade real não capitulava perante as dificuldades que a
oprimiam. A armada portuguesa compunha-se de vinte e três velas, com quinhentas e noventa e
oito peças de artilharia de bronze, levando por capitânia o famoso galeão S. João, sob o comando
do experimentado e valoroso Antônio de Saldanha, e transportava 1.500 homens, em gente de-
guerra, marinheiros e bombardeiros. Entre os capitães ia Pero Lopes de Sousa, um dos novos dona-
tários do Brasil.
D. João II! ei a herói a seu modo: tinha o heroísmo cívico, tanto para presar num rei como
o heroísmo militar, que do sangue de Carlos V se precipitou, furioso, no de D. Sebastião, conduzindo-o
a hecatombe de Alcácer. Mas a temerosa crise, como uma serpe, ia-o apertando nos seus anéis A carta
LmsrzKmcjBzxraxizar:
(3) O casamento da infanta D. Maria com o príncipe real de Castela, D. Filipe, realizou-se em 1543 A princesa
que levara um dote de 400.000 cruzados de ouro, morreu de parto em 1545 com 17 anos e 9 meses, deixando o prínciD^' w
D. Carlos, cujo destino funesto serviu de tema à tragédia de Schiller.
l54} Frei Luís de Sousa, Annais, pág. 442.
( ) Teve D. João III da rainha D. Catarina nove filhos: o príncipe D. Afonso, nascido em Almeirim a 24 de
Fevereiro de 1526, que cedo morreu; a princesa D. Maria, nascida em 15 de Outubro de 1527, casada com o príncipe herdeiro
de Castela, D. Filipe, filho de Carlos V, morta de parto em 1545, com dezoito anos incompletos; a infanta D Isabel nascida
a 28 de Abril de 1529 e falecida pouco depois; a infanta D. Beatriz, nascida a 15 de Fevereiro de 1530 que pouco viveu-
o príncipe D. Manuel, nascido em 1 de Novembro de 1531, jurado herdeiro do trono com quatro anos e falecido looo denoisl
o infante D. Filipe, nascido a 5 de Maio de 1533 e falecido antes dos 6 anos; o infante D. Dinís, nascido a 26 de Abril
de 1535, e que pouco viveu; o príncipe D. João, herdeiro da coroa, nascido em 3 de Junho de 1537, casado com a princesa
D. Joana, filha de Carlos V e da imperatriz D. Isabel, falecido em 2 de Janeiro de 1554; o infante D. Antônio nascido em 9
de Março de 1539 e falecido de epilepsia aos onze meses. A sorte fatídica nem sequer poupou ao rei o seu'filho bastardo
D. Duarte, que mandara criar no convento da Costa, em Guimarães, e que morreu com 22 anos em 1543 pouco tempo
depois de apresentado a corte. Os irmãos do rei, D. Luís, D. Duarte, D. Fernando e D. Isabel morreram também durante a
vida de D. João III. Por ocasiao da sua morte, ocorrida a 11 de Junho de 1557, com a idade de 55 anos e 35 e meio-
de reinado, o monarca deixava como herdeiro o neto de 3 anos, e, para lhe assistir, a rainha viuva e o único irmão sobre--
vivente o cardeal D. Henrique. soore
O CLAUSTRO DO CONVENTO DOS JERÓNIMOS. CONCLUÍDO POR D. JOÃO III
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A METRÓPOLE E SUAS CONQUISTAS
■do vèdor da Fazenda, conde de Castanheira, extraída dos seus papeis por frei Luís de Sousa (6),
patenteia-nos a crise de que resultou o abandono das praças de África. Êste documento, em que o
valido fala ao rei com leal e rude franqueza, ilumina até aos mais íntimos recessos a situação das
finanças do reino por volta de 1539. «-Quando cuydo nas cousas que Vossa Alteza he obrigado a soster
escreve D. Antônio com que Vossa Al-
de Ataíde,—e no teza e ella, a meu
modo de que está vêr, não podem: e
sua fazenda, repre- se se não buscar
■sentam-se-me tan- remedio hão de
tas desesperações, poder cada vez
que muitas vezes menos. Huma fop
me parece que vem começar-se a to-
mais da minha mar dinhevro a
comprepção melan- cambio. E des que
cólica, que doutra se começou a to-
cousa. E já me al- mar atégora nunca
gumas veses acon- se outra cousa fez :
teceo per a me tirar e quasi se não sus-
desta duvida, bus- tem dal as" despe-
car alguns homens sas de Vossa Al-
de mupta idade e teza. E porque ain-
experiência pera da isto não bastava
saber delles a diffe- pera se remedia-
rença que ha deste rem, se começarão
■tempo ao passado a vender juros. E
que elles tinha o posto que crêo que
visto de mais ne- são vendidos quan-
cessidades. Os mais tos se podião ven-
me dizião que nun- der, algum serviço
ca tamanhas forão. cuvdo que tenho
E alguns hão que feito a Vossa Al-
ouve já outras tays, teza em isso não
■e que se remedia- hir mais avante...:
rão. E estes me e o pior he que já
parece que cupda- agora não ha quem
vão pouco nellas. os compre. Porque
Porque de alguns se no Repno ouvera
annos a esta parte pessoas de mupto
vão ellas sendo tão dinhevro, ainda se
differentes das pas- poderão remediar
A tfirre de menagem e residência dos governadores da praça de Arzila.
A as despesas com
sadas, que põe al- (Estado actual)
guns costumes mup vender jurisdições,
novos e esta terra, . , que agora parece
tão abominável cousa, como parecia venderem-se juros quando se_ começarão a vender, E huma cousa e
outra o são muvto ■ porque na verdade não se deviao de dar senão por serviços, nem comprar com outra
moeda Assi oue a meu ver destas cousas se nao podem ja valer. E os câmbios me parecem também que hão
de durar nouco ■ e muito mais pouco, se virem que Vossa Alteza se não põe em ordem. Porque os mercadores
não vivem se não de olhar pollo modo da vida das pessoas com que contratao, e que podem fazer meter
nTcZZ e "té polZgétí mo se hão-de fiar deltas: guanto mais de Reps gue por derradegro se Ide
"ão podem pagar não podem elles mais fazer msso. do gue fazem as partes gue tem dinhegro na casa da
IndignedeSòbem de arrecadar. E pois o suprimento das despesas ass, esta. /agrando mais gue
■orpes degelTauer atgum modo de se cortarem. Por gue tom homem permdte cortarem-lhe tom dedo,
por não perder a mão, e a mão por não perder o braço. E neste negocio não recêo que por não cortar
uma cousa, se perca ella e outra, senão todas totalmente e sem nenhum remedio ».
A êste severo exórdio, que vale por advertência e reprimenda, o amigo de mocidade do rei
e seu ministro passa a analisar as demasias dos encargos régios. Os da índia não podiam minguar,
antes levavam feição de crescer com a ameaça dos turcos; nas tenças não se deveria bulir, pois que
eram «o mais barato soldo por que se podem achar soldados-»; mas em algumas das praças de Fez,
sustentadas mais por capricho e honra que por interesse do reino, se malbaratavam vidas de vassalos
e dinheiro. «-Porque a meu ver entre os sisudos e honrados, e ainda entre a gente commumente se
chama vapdade o que se sostem sem fruito nem esperança delle. De se soster Çafim se não seguem
fruitos honrados nem proveitosos: e se sostem com fazendas dorfãos e viuvas, a que Vossa Alteza não
paga o que deve...»
iAbandonar Çafim! iAbandonar Azamor! Bem se via nas razões utilitárias e prudentes que
o ministro alegava, não ser já um cavaleiro medieval que falava ao soberano, mas um fidalgo da
Renascença, habituado a lidar com realidades. O rei tem o seu ponto de honra, e o cristão o seu caso
de consciência. Parece-lhe desaire largar as praças que herdou, e um pecado restituí-las aos infiéis.
Naumente atribulada de D. João III trava-se um longo e penoso debate. Hesitante, pede conselho a
Cristóvam de Távora se deve despejar Azamor e Çafim, ou alguma delas, e se de todo ou ficando
castelos roqueiros em cada uma. Para justificar a insólita consulta manda-lhe mostrar um apontamento
do estado em que se achava a fazenda real, acrescentando, à guisa de consolação, que pretendia mover
guerra ao xerife de Marrocos. O herói, entendendo que o trato de fazer guerra era «lanço no ar»,
comenta com altiva e enfadada ironia: «como havia de fazer conquista quem tratava de desfazer
logares já conquistados?» e logo ajunta com arrebatamento que arrasasse então as praças sem ficar
pedra sobre pedra. Era desta vez o cavaleiro medieval que falava uma linguagem idealista e anacrônica.
Estimulado na sua dignidade pela resposta do vassalo, o rei recobra alento e resiste aos
conselhos do bom senso. Mas os fados são-lhe adversos. Inopinadamente, chega da África a notícia
de que o xerife de Marrocos, Mulei Hamet, se proclamara rei de Fez. Unidos agora os dois reinos da
Mauritânia, sobre as praças africanas pendiam ameaças atemorizadoras, pois que a política de Portugal
fôra sempre a de sustentar o rei de Fez contra o xerife, a fim de dividir, cumprindo o preceito
clássico, as forças do inimigo. Sem demora, D. João III mandou um mensageiro a Bruxelas, a expôr a
situação ao Imperador, exortando-o a que participasse com os seus soldados na defesa dos estados
cristãos da península. Mas Carlos V, não obstante reconhecer os perigos que corriam as praças africanas,
segurança do estreito, invocou os seus embaraços financeiros, que o tolhiam de auxiliar o cunhado.
D. João III não se dá ainda por vencido e prepara-se para a guerra. Manda emissários à
Flandres comprar três mil armaduras completas, com seus braçais, escarcelas, gorjais e celadas, àlém
de três mil arcabuzes da Boêmia; publica uma ordenação em que obriga a todos os fidalgos, cavaleiros
e escudeiros, criados seus ou dos infantes, que tivesse cada um seu cavalo e armas, que haviam de ser
cassolete preto com gorjal e celada, espada e lança de vinte palmos, determinando mais a ordenação
que por cada cem mil reis de renda o fidalgo tivesse um arcabuz aparelhado e um corpo de armas
para servir com um homem de pé. Miguel de Arruda, mestre das obras das fortalezas do reino, é
enviado à África a dirigir mais de mil pedreiros, cavouqueiros e carpinteiros nas obras da fortaleza
de Alcácer-Seguer, próxima de Tânger. Chegam entretanto notícias de Arzila, remetidas pelo conde de
Redondo, de como os mouros se preparavam para cercar a praça. As dificuldades multiplicam-se.
Reconheciam os peritos que a manutenção de Alcácer-Seguer, onde tanto dinheiro se gastara, repre-
sentava sacrifício inglório e inútil, convindo mandar derrubar as muralhas, a vila e o forte, entupindo
o pôrto e fazendo recolher a guarnição a Tânger. Insistiam os homens prudentes que se fizesse o
mesmo em Arzila, Çafim e Azamor, pela dificuldade em serem socorridas por mar, por falta de fundea-
douros abrigados. Fatigado, o rei cede, por não querer os remorsos do sacrifício de tantas vidas.
Com essa resolução fechava-se o ciclo da concepção medieval da cavalaria, que mais tarde D. Sebastião
havia de tentar ressuscitar.
Arzila, padrão do heroísmo português, e as suas duas irmãs foram evacuadas. Derrubaram-se
as igrejas, recolheu-se a artilharia, lançou-se fogo às minas dos castelos e dos muros. Vinte e cinco
navios foram buscar os soldados e a população. Os cinco mil quintais de pimenta que se venderam
nesse ano não chegaram para pagar as despesas da evacuação.
De nada valera o sacrifício daquela dolorosa desistência, que até ao fim da vida ficaria
desassocegando a consciência do rei, que para ela impetrou o perdão do Papa. No sorvedouro da
16
A METRÓPOLE E SUAS CONQUISTAS
índia e dos mares desaparecia tudo. A náu do Estado corria desarvorada na borrasca. iEra preciso
dinheiro, mais dinheiro! para agüentar o poderio marítimo do reino, para prosseguir na luta com as
tempestades e os corsários, para escorar a arquitectura gigantesca e oscilante do império, para conservar
de pé a dignidade real. Os mercadores da Flandres continuavam a adiantar dinheiro ao rei para
manter aquele grandioso sacrifício da nação pigmeia, que o destino condenara à tarefa gloriosa de abrir
as portas da civilização cristã ao orbe incógnito.
O vèdor da Fazenda não cessa de representar ao soberano incorrigível no sentido de que se
sustenham as despesas. A voz do siso não se cala. Castanheira queixa-se de que as obras do convento
de Tomar hajam sido por demais sumptuosas e custosas; dos gastos da Universidade, *.que tiraram
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teníámen de fundar outro império no Ocidente. Esta resolução bastaria para aqüilatar o arrojo
do seu sistema de govêrno, baseado em pundonorosa concepção dos deveres da magestade. Na terra
bárbara, de onde nada se esperava, o seu emissário e delegado vai erguer entre as brenhas a cidade
do Salvador. Lá não existia a casa, o templo, a agricultura, a indústria, nem as especiarias e o ouro,
nem sequer o animal doméstico. Tudo era preciso transportar: o homem livre e o escravo, o evangelho
e o código, o boi e o cavalo, a semente e a charrua, a arma e a enxada. Aquele rei endividado não
alimentava esperanças de lá encontrar com que pagar as suas dívidas aos banqueiros flamengos e
italianos. Mas voltava-se solícito para cada necessidade, sem olhar à sua situação angustiosa. L Como
teria encarado o aflito vèdor da Fazenda aquela nova e dispendiosa emprêsa do rei? iO seu tino
político haveria descortinado o futuro da colônia ? O regímen inicial das capitanias, por isso mesmo
que experimentara uma colonização sem demasiados encargos para a coroa, denuncia a sua intervenção
prudente. No relatório sumariado por frei Luís de Sousa, que o supõe de 1542, refere-se êle ao
Brasil, f-onde tem Vossa Alteza gastado muyto dinheiro, e começou a gastar no anno de 1530. Mistério
foi grande—observa o vèdor,—fazer-se a primeira despesa a fim de cousa que o não merecia, e
seguirem-se delia desarreigarem-se daquella terra os franceses, que já neüa se começauão a prantar e
lançar raízes...» Êste era pois o único benefício que do muito dinheiro gasto adviera. Se outros
houvera, não os manteria em silêncio o relator das finanças. Ao envés de lucros, o Brasil ia começar
pesando com grossos encargos no orçamento da coroa desde que ela assumira o govêrno e protecção
das donatárias.
i Dinheiro! i Dinheiro! i Em última extremidade, para se desempenhar, o rei deliberara pedir
empréstimos a tôdas as pessoas de seus reinos que lhos podiam fazer (s)!
A feitoria da Flandres fôra extinta. O regímen de monopólio tardiamente acabava, mandando
o rei, por carta de 29 de Novembro de 1549, abrir praça na Casa da índia para as especiarias
a todo o mercador. Três anos depois, de uma carta endereçada ao embaixador Lourenço Pires, se infere
que o rei devia mais de três milhões de ouro e que os juros anualmente vencidos passavam de 300:000
cruzados, o que determinara a restrição dos gastos com o casamento da princesa D. Joana, filha
de Carlos V, que atravessava então a Espanha com as suas doze damas, a sua escolta militar e as mil
azémolas carregando o enxoval...
AS GUERRAS DA CONÓMICAMENTE vencido, Portugal triunfava nas armas. Os canhões rugiam quási perma-
África e da nentemente nos litorais da índia. A tragédia militar só consentia as pausas que os prepa-
Índia
rativos de novas guerras reclamavam. Enquanto o feitor da Flandres negociava com os
astutos mercadores, os exércitos do Oriente conquistavam à espada a canela e a pimenta,
e traziam amedrontados mouros, guazarates, jáus, abexins e malabares, e assombrados
os mamelucos do Egipto, os baxás da Turquia e os janízaros de Constantinopla. Em Malaca, no
Malabar, no gôlfo Pérsico ou no estreito de Méca, em Columbo ou Ternate, em Diu ou Cochim,
em Ormuz ou Calecut, as fortalezas e as armadas repeliam as investidas do inimigo, semeavam
o pânico nos mares e nações do Industão, da Arábia e da Pérsia, desde as cinco Molucas até
Aden e Suez.
Da própria disparidade de número dos opressores e oprimidos resultará a precisão de
erigir o terror como broquel de defesa, adoptando os processos do sangüinário Oriente. Da fama da
invencibilidade portuguesa dependia a conservação do império indiano. As vidas dos heróis eram as
páreas com que Portugal pagava à providência a sua soberania no Levante, como aliás também no
norte de África. «Acontecia aos edificadores hirem assentando com huma mão os materiaes, e com a
outra esgrimindo a espada ou brandindo a lança*. Foi só quando cançou o braço dos musculosos heróis
que se desmantelou a arquitectura temerária gizada pelo gênio grandíloquo de Albuquerque, o terrível.
Ainda, porém, se não enxergavam os indícios do colapso fatal dêsse heroísmo, se bem que a venalidade
e a corrupção lavrassem já como epidemias. Em arca aberta o justo peca.
No mesmo dia em que o monarca era jurado em S. Domingos, o capitão de Azamor inaugurava
em África os anais militares do reinado desbaratando com duzentos cavaleiros as harcas comandadas
por cinco dos mais valentes alcaides do rei de Fez. O cêrco da fortaleza de Ormuz, que logo começa,
precedido da matança nocturna dos portugueses, descuidamente adormecidos, sem suspeita da traição.
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nos hrArns da voluntuosidade, inicia no Oriente o reinado joanino. Nesta tragédia oriental, representada
It, * litnral nersa todos os actores parecem calçar o coturno da epopeia, como se de
outra "raca não nascessem cnrorrer
raça nao portugueses.
seus Éirmãos
o gigante Tristão Vaz
assediados; Rui da Veiga
Boto, precipitando-se
feitor de Baharém,em um parau
preferindo o
a remos para Ormuz, a socorrer^ ^ ^ ^ va2 con]batendo sob
umm dUtívio
dilúvio de^flechas
de iiecnas evencendo com aSeajada
b tendo m desfalecimento, emboradenao
do parau frapi.imo ignorando
Trisrdo que so dos
Vaa a armada havia dois
persas;
a guarniçao da forta^ beIo drama guerreiro, rematado pela altiva e pundonorosa atitude de Luís
dedos de agua nas ciste - jo do rei as dádivas com que o persa astuto tentava suborná-lo e
1
e Menezes, que recusa a negando razão da profecia «que os portugueses haviam ganho a
corromper-lhe a severidade, e assim rnercaciores-!>
índia como cavaleiros e a Per^iaT^ ^resentavam outras tragédias," como a de Martim Afonso de Melo
]a em remotos pa . o acompanharam com vários capitães dois dos futuros dona-
Coutinho no porto chinês de F'rnandes Coutinho, e Duarte Coelho, que se lhe reunira em Malaca.
tanos do Brasil, seu irmão Vasco . 0 n0 Oriente, com o título de vice-rei, acompanhado
Em Setembro de 1524 comparece
19
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
de seus filhos, o conde-almirante D. Vasco da Gama. «Parece que resuscita a índia e o credito primeiro
dos portugueses deste anno em diante—escreve frei Luís de Sousa,—e começão os mouros a sentir que tem
na índia o seu açoute antigo*. Tamanho era o prestígio da sua severidade entre os povos orientais, que
êle desceu do navio em Calecut só para ser visto, pois «affirmauão que era fama falsa e lançada pollos
nossos delle estar na índia para terror da gente ignorante*! Depressa se apercebeu Vasco da Gama
«pelo desaforo e soberba que via nos mouros* que a índia mudara, e logo se dispôs a reduzí-la à
humildade an- mortas o seu ter-
terior. A sua Pi rificante espe-
veemência enér- ctro a governar
gica reacende a a índia e a incitar
actividade dos a honra portu-
capitães, a caça guesa. O suces-
pertinaz à con- sor, D. Henri-
corrência mus- que de Menezes,
sulmana —pois continua-lhe a
que o monopó- obra começa-
lio do comér- da. Os canhões
cio resultará troam em Bati-
como necessi- calá, Tramapa-
dade inelutável ■ tão, Dabul, Pa-
1
do empreendi- nane, Coulete,
mento audacio- Aden, Manga-
so e cumpria lor, preparando
impedir por to- o lance épico da
dos os modos defesa da praça
que aos merca- de Calecut, cer-
dos da Europa cada pelo Samo-
chegassem as rim, que se van-
especiarias pela gloriava de se-
via terrestre do rem tantos os
istmo de Suez. seus soldados
O colérico e que bastavam
autoritário almi- para a cobrir e
rante exauria-se alagar só com
no esforço de punhados de
manter na ve- terra. Era tama-
lhice as inque- nho o arruído
brantáveis ener- da artilharia lan-
gias da idade çando pelouros
madura, e no dos baluartes e
dia do nasci- palanques sôbre
mento de Jesus A o forte, que não
morria o gigante se ouviam os
que dera nasci- homens uns aos
mento ao impé- outros com os
rio português do VASCO DA GAMA roncos dos ca-
Oriente. Porém, De autor desconhecido. (Museu de Arte Antiga) mêlos, colibri-
do túmulo pare- nas e bombar-
cia sair a horas das, e tam gros-
sos e escuros OS rolos do fumo que encobriam a vista de cercadores e cercados Combate era
aquele em que estavam de olhos postos todos os potentados da índia «para julgarem do successo e esti-
mação que deviam fazer das armas portuguesas*. Enquanto não acudia o governador à praça sitiada,
o Samorim, fiado na vitória, tudo fizera para apresá-la, mandando cavar largos fossos em redor da
fortaleza, erigir plataformas alterosas para a artilharia e os trabucos, reünindo mais de cincoenta mil
homens de guerra a fim de dominar trezentos portugueses reduzidos a poupar o alimento e a pólvora-
20
A METRÓPOLE E SUAS CONQUISTAS
Mas uma manhã surge perante a indomável fortaleza e o acampamento aterrador do jacfancioso Samorim
a esquadra do intrépido combatente de Arzila, conduzindo mil e quinhentos homens de peleja. Reünido
o conselho na capitaina, querem os mais prudentes que se não dê batalha, pelo perigo de acometer
tamanha multidão de inimigos entrincheirados e defendidos por copiosa artilharia. Propõe o governador,
ansioso por combater, que se ouça o voto do capitão da fortaleza, D. João de Lima. Contam-nos os
cronistas da epopeia a scena romana; a chegada do emissário rôto e ferido, que vém votar pela batalha
campal. Trava-se esta com furioso ímpeto, sob o comando pessoal do governador da índia, postado em
uma eminência com a sua bandeira. Não se tinha visto até então no Oriente, desde as campanhas de
Alexandre, «feito mais bem ordenado, nem melhor obedecido e executado*.
Mas já não há vitórias, por mais triunfantes, que imponham a paz. Os vencedores estão
condenados a bater-se incessantemente. A guerra ateada lavra por tôda a parte: em Malaca, onde é
assaltada a cidade de Bintão; nas Molucas, onde é acometida a de Tidore; nos litorais de Cambaia e do
Malabar, onde ribomba a artilharia.
Em 1529 manda D. João 111 à «guerra da índia» Nuno da Cunha, filho de Tristão da Cunha,
o famoso capitão e embaixador de D. Manuel ao papa Leão X, com dois mil e quinhentos homens
de armas destinados à tomada de Diu: aquela obra prima de estratégia política, que redundou em um
desastre militar. A armada que Nuno da Cunha reünira para a grande emprêsa da nova Tróia do
Oriente mostra-nos o poder naval que a pequena nação conseguira criar no seu remoto império. Nunca
nos mares da índia se havia ajuntado frota que se lhe pudesse eqüiparar em arqueação e fôrça
destrutiva, i Afora os navios que muitos particulares fizeram à sua custa, havia nela oito grandes náus
do reino, catorze galeões, duas galeaças, doze galés reais, dezasseis galeotas e duzentas e vinte oito velas
miúdas de remos, entre bergantins, fustas, paraus, zambucos, cotias e catures, àlém de vinte e cinco juncos
grandes de Malaca carregados de mantimentos, que levavam já os futuros moradores da Diu portuguesa!
Ao todo, passavam de quatrocentas as velas da esquadra, copiosamente provida de artilharia, alguma
recolhida das fortalezas, e de máquinas de guerra para os assédios. Ia na armada Gaspar Correia, que
mais tarde escreveria nas Lendas a descrição palpitante da grande e não lendária expedição. iOs róis
dos capitães assinalavam três mil quinhentos e setenta homens de peleja, incluindo os fidalgos, mil e
quatrocentos e cincoenta e tantos mareantes, com pilotos e mestres, mais de dois mil malabares
e canarins de Gôa, oito mil escravos, quatro mil remadores: ao todo trinta mil pessoas! No galeão
S. Mateus, «o milhor que então auia na índia e tiraua vinte e duas peças grossas*, ataviado de
auriflamas, o governador passou revista à esquadra imponentíssima, ornada de paveses, surta na
ilha de Bombaim.
Era assim que o *rei das drogas*, como Francisco 1 chamava a D. João III, impunha o seu
poder e a sua glória no Oriente.
Veleja finalmente a formidável expedição de guerra para Diu, detida por alguns dias no
caminho para o cruento ataque da ilha de Bete, que em memória da carnificina foi crismada em ilha
dos Mortos. A vitória não coroou desta vez a coragem do cometimento. Só anos depois, por concessão
do volúvel rei de Cambaia, os portugueses puseram pé em Diu e Martim Afonso de Sousa, capitão-mór
do mar e donatário de S. Vicente, deu princípio à construção da fortaleza, que ia ser o pedestal glorioso
de Antônio da Silveira, D. João de Mascarenhas e D. João de Castro.
O poderio português ascendera ao zenite. Nas Molucas, Antônio Galvão declarava a guerra
aos cinco reis de Tidore, Bachão, Geilolo, Ternate e Tapuás. Já de Suez partira a armada dos turcos,
mandada tardiamente a socorrer o sultão Baçur, morto pelos insofridos capitães de Nuno da Cunha
depois da recepção solene que se lhe fizera na esquadra.
As galés bastardas e subtis, as fustas, os galeões e as náus de alto bordo do crudelíssimo
eunuco Solimão avançavam com escalas em Azebibe e Aden, assinaladas pelas execuções e latrocínios
do tétrico governador do Cairo. iTremesse Diu! Contra as suas muralhas iam assentar-se as mais
potentes máquinas de guerra e os janízaros iam medir a sua fúria irresistível com a intrepidez
portuguesa. Já não são agora os indianos nus, armados de flechas e zargunchos de^ arremêsso,
que vão defrontar-se com os soldados de Portugal, mas as'"tropas aguerridas do grão-turco de
Constantinopla, que levam a Diu a táctica experimentada de mil combates e os mais mortíferos
engenhos de guerra: basiliscos de descomunal grandeza, que vomitam projectis de ferro de^ cem
arráteis, espalhafates que lançam pelouros de pedra «de cinco e sete palmos em roda», leões e
águias de bronze, esperas, camêlos, faluagens, falcões e o mais eficaz e destru.dor material de assedio
Durante dois meses a artilharia dos rumes jorra catadupas de ferro e pedra contra os bastiões e
21
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
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pr0p 10
Ií
Dm ia -'oão
P" ser de Castro
q116 Desta
de novo cercada.
entra e
m Gôa,
vez como governador,
não governa a índia um na náüsexagenário,
tardo S. Tomé a
mas um herói da grande estirpe honrada dos cavaleiros, que logo manda os dois filhos Fernando e Álvaro
em socorro dos sitiados com a promessa solene de lá ser com êles em breve: promessa de governador
que nao volta atras.
Do alto dos bastiões, os que restavam das mortandades do cêrco aspérrimo avistam finalmente
U ma ma
r . já de
que chega, ,a ?luto
e Novembro as
' Primeiras velas alviçareiras da armada de socorro. É D. João de Castro
cados e pedrarias.
pelo filho, a ferir a ba-
Adiantam-se os ve-
talha implacável em
readores de Gôa, que
que desbaratou o ini-
sustentam as varas
migo, lhe trucidou e
do pálio de tela de
cativou os chefes, os r
Ll ouro, e o capitão da
expeliu da cidade e da
cidade para a entrega
ilha, que ficaram tape-
ritualista das chaves.
tadas de cadáveres:
As trombetas clango-
a mais rica alcatifa do
ram. Tristão de Paiva,
Oriente sôbre que já-
escolhido para a cir-
mais pisaram pés
cunstância entre os
cristãos.
mais honrados mora-
Gôa rejubila com
dores, avança com a
a vitória estrondosa
sua opa de damasco
e prepara-se para re-
ao encontro do ven-
ceber o herói. Quan- cedor, apresenta-lhe
óo, a 19 de Abril de íZ
O numa salva de prata
1547, depois de ter ir.
vr dourada a palma e
reedificado a forta- a capela dos heróis,
leza gloriosa, o go- W
põe-lhe a palma na
vernador desembarca mão e a coroa na ca-
na capital do império, beça sôbre a gorra de
dir-se-ia um general 0 veludo preto que le-
romano entrando na vava. Ribomba a ar-
cidade dos Césares. tilharia. Trovejam as
O cais fôra paramen- aclamações. Entre o
tado com tapetes da povo, os hindus e os
Pérsia. As charame- mouros, de turbantes
las, trombetas e ata- e gilabas brancas,
bales atroam festiva- íí-# olham com pasmo o
DolOAT>£CRASTO
mente os ares lumi- ■& destruidor de Cam-
nosos do trópico. m baia, o vencedor dos
Aguardam os capitães capitães turcos. Põe-
com seus trajos de se a caminho o cor-
2ala, e cada um com D. JOÃO DE CASTRO tejo, não sem que
a sua gente de guiões (Reproduzido das Lendas da índia, de Gaspar Correia) D. João de Castro
levantados. São tudo chame para a sua
sêdas,' veludos, bro- beira o padre comis-
sário de S. Francisco com a cruz levantada como fôra na batalha. Vai adiante o alferes Duarte Barbudo
com o estandarte real desfraldado: o mesmo que levara no combate, entre a bandeira de Gôa e o guião do
Sovernador, de damasco branco com a cruz de Cristo. Figuram no cortejo os cativos, precedidos pelas
bandeiras de sêda do rei de Cambaia e dos seus capitães, tomadas "na batalha, e que vão humilhadas,
a
rrastadas pelo chão. Seguem os carros transportando troféus bélicos, basiliscos e colibrinas, carretas com
Pelouros de ferro e pedra, montes de flechas, de lanças e arcabuzes. À volta dos despojos, a gente da
a
rmada alegremente toca pífaros e tambores. Grave e triste, por entre as aclamações, sob o pálio de tela
de ouro, ao lado do frade de S. Francisco, o herói, vestindo o rigoroso luto pelo filho, vai rezando a
■CRminho da igreja...
23
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Era justo que as acções romanas que na índia obravam os antigos colonos de Augusto tivessem
aquele apoteótico remate, e que D. ]oão de Castro, varão póstumo da galeria de Plutarco, íôsse conduzido
ao capitólio cristão, coroado de louros, precedido pelos troféus da batalha estupenda.
-2^
A EUROPA S acontecimentos de que foi teatro a Europa durante o longo reinado de D. ]oão III
DURANTE O
REINADO DE influíram poderosamente na política do rei, cujos esforços tenderam a conservar a posição
D. 10Ã0 111 É neutral de Portugal perante as encarniçadas guerras em que se envolveram a Alemanha,
a França, a Espanha, a Itália e a Inglaterra; a preservar o seu reino da anarquia
com que a Reforma e as conseqüentes lutas religiosas dilaceraram a França e a Europa
central; e a acautelar os domínios herdados, esforçando-se por fazer aceitar o princípio do monopólio
da navegação e do comércio nas colônias ultramarinas. Essa tríplice política, norteada pelo anelo
da paz e da ordem, servida por ministros peritos, foi em grande parte coroada de êxito. O mais caluniado
e incompreendido dos reis tem no seu activo a perseverança de uma sábia conduta internacional, em
que a sua prudência foi sempre amparada por irrepreensível dignidade.
Obstinadamente se recusou D. João III a tomar o partido de qualquer dos contendores,
embora Carlos V fôsse o seu mais próximo parente reinante, duas vezes seu cunhado, mais tarde sogro
de sua filha D. Maria e do príncipe real D. João, e, em Espanha, vizinho de ao pé da porta.
Quando D. João III subiu ao trono, em 1521, havia seis anos já que Francisco I sucedera a
Luís XII, cognominado pelos Estados Gerais de 1506 o «pai do povo», e de quem herdara a complicada
herança de uma belicosa política externa, que ia lançá-lo nas guerras infindáveis contra Carlos V.
A França não se resignara à perda das suas conquistas italianas, iniciadas pelas campanhas de Carlos VIII
e encerradas pela infeliz batalha de Novara (1513), e que tôdas elas haviam sido já instigadas pela
intenção de reduzir o poder crescente de Maximiliano, imperador da Alemanha, e deter a infiltração
espanhola da Itália. O destino, porém, não favoreceu os desígnios políticos de Carlos VIII e Luís XII.
Pelo casamento do filho de Maximiliano com Joana a Louca, o futuro imperador germânico ia reunir
à sua coroa a Espanha com todos os seus domínios continentais e ultramarinos e organisar a mais
perigosa potência que a França encontraria no caminho depois que se libertara da opressão da Inglaterra.
Na flor da idade, ansioso de glória, Francisco 1, mal sobe ao trono, investe contra a Itália,
vence os suissos em Marignan, reconquista a Lombardia. Era uma estreia auspiciosa; mas já no horisonte
fulgurava a estréia nascente de Carlos V. O neto de Maria de Borgonha e de Maximiliano —que morrera
em 1519 —reinava sobre os Países Baixos, o arquiducado da Áustria, Nápoles, Castela e o Aragão.
Só lhe faltava ser imperador da Alemanha. Francisco 1 avaliou a gravidade do perigo e resolveu
candidatar-se ao império. A luta eleitoral entre os dois reis foi acérrima. Os Függer, grandes
banqueiros de Augsburgo, tam ligados à história financeira do reinado de D. Manuel, e de cujos
arquivos saiu o título da prioridade portuguesa no descobrimento do Rio da Prata, financiaram a eleição
de Carlos V. A grande potência hispano-germânica estava fundada, e os destinos da Europa ter-se-iam
alterado sob a sua hegemonia se a rebelião de Lutero não houvera lançado no seio do império a
semente perniciosa da desunião e das guerras intestinas.
Os dois campeões tinham lançado as luvas, e a Europa era a sua arena. Cada um por seu
lado, antes de desembainhar a espada, procurava fortalecer-se. D. Manuel, convidado por Carlos V
para entrar na coligação, recusou-se, pretextando as boas relações com a França e a conveniência
de manter neutral uma nação capaz de intervir como medianeira no momento favorável. Bastavam
a Portugal as guerras da índia. iPara que arrematar guerras de estranhos? Henrique VIII de
Inglaterra, por algum tempo indeciso, acabou por optar pelo mais forte. No mesmo ano de 1521
em que D. João sobe ao trono, a formidável guerra deflagra-se. Pela terceira vez, a França era
obrigada a evacuar a Lombardia. Carlos V ameaçava Paris, depois Marselha. Em 1525, Francisco I
era derrotado e feito prisioneiro em Pavia, e a mãe do rei, Luísa de Saboia, assumia a regência de França
A guerra dilatara-se aos mares, dando ao côrso um incremento ameaçador. Com o título de
24
«
A METRÓPOLE E SUAS CONQUISTAS
defensores da pátria, os corsários e piratas franceses elevaram-se à categoria de heróis. Esta era a primeira
conseqüência grave para Portugal da conflagração europeia. País marítimo por, excelência, foi a vítima
principal do banditismo dos corsários.
Sangrada pela guerra, arruinada pelas despesas das campanhas esgotadoras, a Europa começava
também a ser corroída nas suas entranhas pelos venenos da Reforma, pelos antagonismos religiosos de
católicos, luteranos e calvinistas. A França fôra invadida pelo vírus heresiarca. O parlamento, interpretando
o sentimento popular, queixava-se de que o govêrno não perseguia os heréticos. Mas o rei estava prisioneiro,
e enquanto durasse o seu cativeiro tôdas as restantes questões do estado pareciam secundárias perante a
manutenção da unidade e da ordem. Carlos V exigia condições inaceitáveis para devolver o inimigo
à liberdade, esperando que a anarquia lhe entregasse a França sem rei nem roque. Mas a França não só
resistia unida, em espectativa, como obíinha por dois milhões de escudos que o monarca de Inglaterra
abandonasse o antigo aliado. Carlos V reduziu então as exigências exorbitantes e Francisco 1 aceitou o
tratado de Madrid, pelo qual cedia a Bretanha ao rival, entregando em refens os dois filhos ao
inimigo inexorável.
Foi nesta altura que D. João III, desalentado de obter o respeito dos franceses para com os seus
navios e as suas colônias, mandou Cristóvam Jacques ao Brasil, substituindo à voz dilatória dos embai-
xadores a voz peremptória dos canhões.
Outra vez no trono, Francisco I tenta criar uma política de eqüilíbrio de forças. As dissenções
religiosas da Alemanha e as ameaças dos turcos servem-lhe à maravilha. Destituído de escrúpulos, o rei
cristianíssimo dá a mão aos príncipes luteranos alemães e incita os empreendimentos militares da Turquia.
Aliás, êsse entendimento clandestino datava do dia aziago da batalha de Pavia. Derrotado, procurando em
vão um apoio, Francisco I mandara o seu anel a Solimão, em sinal de aliança secreta, i Aliança perigosa,
de que não poderia servir-se abertamente sem correr o risco de se incompatibilizar com o seu próprio
povo e tôda a Europa cristã! Mas aliança hábil, pois enquanto Carlos V guerreava com os turcos, deixava
em paz os príncipes cristãos.
O repúdio do tratado de Madrid reabriu as hostilidades. Já crepitava de novo a arcabuzaria e
ribombava a artilharia ao tempo em que Francisco I mandou a Lisboa o rei de armas de Angoulème
reclamar contra as violências e atrocidades praticadas por Cristóvam Jacques no Brasil. Para re-haver os
filhos, o rei de França, logo a seguir, enviava Pierre de Lagarde a Portugal pedir 400.000 cruzados empres-
tados a D. João III.Finalmente, pelo tratado de Cambrai, Carlos V restitui os filhos a Francisco I, que casou
com a irmã do seu inimigo, a rainha D. Leonor, viúva de D. Manuel, mãe da infanta D. Maria e madrasta
de D. João III.
Estes acontecimentos imprevistos haviam sido possíveis pelo estado convulsivo em que se encon-
trava a Europa. De uma parte, os turcos ameaçavam Viena. Carlos V precisava de estar desembaraçado para os
defrontar. De outra parte, os príncipes protestantes da Alemanha começavam a ser aliados comprometedores
Para o rei de França desde que o seu reino fôra invadido pela doutrina herética. Os huguenotes, confiados
demasiado na tolerância do rei, cometiam imprudências, e a França católica exigia a repressão dos luteranos
como o Portugal católico reclamava a repressão dos judeus. A contar de 1538, a política externa de Fran-
cisco I tem de subordinar-se às conveniências da política interna. Outra vez se reacendera a guerra com
Carlos V, encerrada pela paz precária de Crépy (1544). Três anos depois, falecido Francisco I, Henrique II
sucedia-lhe no trono de França. A êsse tempo, Carlos V empenhara-se no maior empreendimento político
de quantos o seu gênio planeara: unificar a Alemanha, transformando em monarquia hereditária o império
ulectivo. A diplomacia francesa, aproveitando a situação da Alemanha e da Inglaterra, convulsio-
n
adas pelo conflito das religiões, iniciou contra o tentámen do imperador uma campanha implacável.
passo que, dissimuladamente, sustentava contra Carlos V os luteranos alemães, a França apoiava
os católicos da Inglaterra. A joven princesa Maria Stuart, filha do rei da Escócia, era trazida para
França por Nicolau de Villegaignon —o futuro conquistador do Rio de Janeiro,—e casava com o delfim,
como o príncipe herdeiro de Castela, viúvo da princesa D. Maria de Portugal, casaria com a rainha
de
Inglaterra, Maria Tudor, depois de malograda a tentativa de D. João III de lhe dar por esposo o letrado
Infante D. Luís, seu irmão.
Em 1552, a guerra parecia novamente inevitável Tamanhas intrigas haviam criado uma situação
Que só poderia resolver-se pela intervenção das armas. O protestantismo alemao, animado por Henrique II,
Inutilizara a concepção grandiosa do imperador, derrotado pelo eleitor de Saxe, e que se viu constran-
Sido a assinar o pacto de Passau em que reconheceu as liberdades germânicas. Havia trinta anos
Carlos V batalhava quási sem tréguas. Das nações da Europa só Portugal fôra preservado das
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
ruínas da guerra pela política prudente de D. João III. Ainda se não tinham dissipado os fumos
das últimas batalhas, quando o imperador, em 1553, supondo a Alemanha pacificada, intentou retomar
Metz aos franceses. Mas o duque de Guise apareceu-lhe pela frente, quando já a sua estréia descia
resvés do horisonte. Então, desanimado, doente, renunciando ao projecto de transmitir ao filho a coroa
imperial, abdicou em 1556, um ano antes da morte de D. João III, recolhendo-se ao mosteiro
de S. Justo, em cuja clausura acariciou o sonho compensador, que o destino converteria em
realidade, da confederação dos dois reinos da península com os seus imensos impérios ultramarinos,
sob o sceptro daquele filho a quem não pudera legar a coroa fechada do império da Alemanha, e
que herdaria de seu neto, D. Sebastião, o trono de Portugal...
Analisado em relação com a sua época, o reinado de D. João III não nos aparece com o
aspecto calamitoso com que o viram tantos historiadores. O piedoso soberano teve o raro talento de con-
servar a neutralidade de Portugal no meio de incessantes e formidáveis conflitos, colocando acima dos inte-
rêsses de família os do seu povo. Sob o aspecto econômico e financeiro, os restantes países da Europa
sofreram as mesmas vicissitudes de Portugal, que exgotcu nas guerras da índia as suas forças e os elemen-
tos vitais da sua prosperidade. Quanto à ordem interna, nenhuma nação a gozou mais completa, e se a
Inqüisição manchou de fumo e sangue o reinado joanino, as suas vítimas foram incomparávelmente
em menor número que as imoladas pelas lutas religiosas que convulsionaram a Europa. Em confronto
com as carnificinas dos huguenotes franceses, levados à fogueira e ao cadafalso pela plebe ávida de
vingança, que se substituía aos carrascos para fazer justiça pelas próprias mãos (U o tribunal do
Santo Ofício foi em Portugal uma instituição ao serviço da ordem e que, embora por processos cruéis,
que eram os do tempo, concorreu para consolidar a unidade nacional.
Mas sobretudo o que engrandece o reinado de D. João III, desde a cultura que insuflou e
desenvolveu, desde a paz que manteve, desde o prestígio da nação que conservou, é o sentido univer-
salista da sua política, corolário das grandes acções obradas pelos povos hispânicos em benefício da
civilização. Portugal foi, com a Espanha, no século XVI, o sustentáculo do catolicismo unitário. Chamando
a D. João 111 «o filho dilecto da Igreja», o gênio de Santo Inácio avaliava a grandeza da sua obra,
o sentido da sua alta política, que tendia a manter a unidade da Europa ameaçada pela Reforma.
Um ano antes da ascenção de D. João III ao trono, a 10 de Dezembro de 1520, Lutero
queimara a bula do papa na porta Elster, de Witembergia. No mesmo ano em que o filho de D. Manuel
empunha o scetro, é convocada a dieta de VVorms. O fermento de dissolução que animava a Reforma
encontrou em D. João 111 um forte estorvo à sua disseminação, e é possivelmente à política de fidelidade
observada pelos dois povos peninsulares que a igreja católica deve o ter conservado e transmitido
aos séculos vindouros, através de tamanhas adversidades, o seu poderio benéfico.
. . C) t(->n sétouffait aux potences, aux búchers. L'assistance dirigeait elle-même et reglait les exécutions.» Michelet,
mstoire ae trance. «Contre les heretiques, la foule exigeait des supplices, ne les trouvait jamais assez durs.» Bainville,
Histoire de France. '
i''0'5 séculos a Inqüisição aplicou em Portugal cêrca de mil e quinhentas sentenças de morte. Só em dois
dias a plebe de Lisboa, a quando da grande matança dos judeus, trucidou mais de dois mil cristãos-novos, entre homens,
mulheres e crianças.
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26
Rainha D. Catarina, mulher de D. João Ilí e irmã de Carlos V
Pintura atribuída a Cristovam Lopes
Museu de Arte Antiga de Lisboa
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A METRÓPOLE E SUAS CONQUISTAS
D. SEBASTIÃO
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'^da^mbeir !. e onde A
da Ribeira, „1Vare5 ^
pousava d0 a,ári0 do Bra5U
" D. João-havia' um
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à luz a princesa o Desejado, que seria homem de guerra como o seu patrono celestial. Fôra sua mãe
Serada naquele alcáçar policrómico de Sevilha, semi-castelo e semi-harém, de paredes e tetos estucados
e pintados pelos artistas de Granada, resplandecentes como tapeçarias orientais, e onde o belicoso Carlos V
Sosara as premícias da formosura loura de D. Isabel. O pai transmitira-lhe o ímpeto amoroso da mocidade,
que se espiritualizaria nas suas veias em quinfa-essência de misticismo heróico. Tudo fôra preparado
Para o seu destino no céu e na terra, no consciente e no subconsciente, na natureza e no sobrenatural.
Em 1555 morre o infante D. Luís, único cavaleiro sobrevivente da prole de D. Manuel, e que
lanto ansiara por ir em defesa de Arzila e à conquista de Diu. Restava apenas, junto do berço da
criança recém-nascida, vermelho espectro, sustentáculo débil da dinastia exausta, o casto cardeal-infante.
Súbito, aos 11 do mês de Junho de 1557, com cincoenta e cinco anos de idade e trinta e cinco de
27
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
reinado, falece o rei, deixando indicada para tutora do neto e regente do reino a rainha viúva D. Catarina,
a mãe infeliz que vira cair todos os filhos do coração ao sepulcro.
O tesouro fi- dada, testemunha-
cara empenhado vam os erros e
em grandes dívi- as ilusões dos mo-
das. A índia con- nopólios». À la-
m voura faltavam os
tinuava a devorar m
vidas e cabedais. braços, aos ofícios
Lá, como no reino, os mestres, às in-
não havia dinheiro. dústrias o incen-
]á anos antes, D. m tivo e os capitais.
João de Castro se As reclamações
encontrara sem dos povos nas cor-
recursos para pa- tes eram entrecor-
gar o soldo aos tadas de lamentos.
homens de guerra O mercantilismo
que deviam em- encarecera a vida.
barcar na armada Pedia-se que o tri-
para a conquista go, o centeio e as
de Aden e se recu- mais subsistências
savam a partir nus entrassem livres de
e famintos. A po- direitos; que fos-
pulação minguava. sem anuladas as
A penúria geral escrituras de venda
recrudescia. Só os feitas sob a coac-
novos ricos do ção da miséria; que
Oriente, que ha- se fixasse nas vilas
viam amealhado e cidades o salário
pardaus e xerafins, dos artífices; que
e a burguezia cos- se suspendesse o
mopolita da rua imposto das sisas.
dos Mercadores Proíbira-se a ex-
estadeavam a sua portação das lãs,
importância sober- do linho e da es-
ba e o seu luxo tôpa, da cera e dos
insolente. Através couros. Legislara-
dos trinta e cinco se insistentemente
•anos do reinado de contra o luxo. Mas
D. João III pro- o mal entranhara-
gressivamente se se e não cedia a
haviam agravado expedientes.
as causas orgâni- Não obstante
cas da decadência a anemia que a
que minava o país. dessorava,a nação
As raíses da nacio- continuava a agü-
nalidade não en- entar, arquejante,
contravam já o o pêso do império,
húmus nutritivo. que se ampliara
Nas feitorias de com a criação do
Flandres, da Ale- novo estado do
manha e nos ban- Brasil. Os minis-
cos de Itália «a tros experientes
quebra da palavra sustentavam a polí-
loana, filha de Carlos V e da imperatriz Isabel, mulher do
real e uma dívida príncipe D. João, mãi de D. Sebastião. tica expansionista
enorme, não sal- Pintura de Antônio Moro. Museu do Prado. da dinastia. Ainda
28
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JÊ*"
CARLOS V
Pintura de Ticlano
Museu do Prado
■
A METRÓPOLE E SUAS CONQUISTAS
na tomada de Damão, o vice-rei D. Constantino de Bragança reünira uma armada de cem velas em oup
levou mais de três mil soldados portugueses de desembarque, além de tropas canarins e malah^
Tentara.se na África a conquista das minas de Monomo.apa de onde se dizfa que rral^a de S bâ
0Ur0 05 C ame 0S da carava a COm 6 fôra bater às
STd
da Judeia. t a
Mas a expedição' voltara destroçada
" e l"sem o apetecido portas
ouro. do harém do
iRiquezas dareUábto e poete
índia riquezas
consumidórá!qUeZaS BraS,1
-,rês mirase,,s! Mfsera A,la"te. => "ação sucumbia ao pêso da sua glória
Na Espanha, Filipe II começava a olhar com esperançada cobiça o reino em oue onvernava
sua tta. Do convento, Carlos V enviava â irmã S. Francisco de Borta, o antigo duque draâídia
que vinha como peregrmo, arrimado a um bordão, entregar a D. Catarina as mensagens secretas do
mperador. fl morte ate ali trabalhara diligentemente por Castela... iVingaria a criança real único
rebento que subsistia da descendência numerosa do rei defunto? '
an ♦ da
devota a Ent ,reIlant0
ramha ' D- Sebastião
espanhola, i Nuncacresce, exaltado
um rei, e rebelde,
tanto como aquelesob a vigilância
orfão, do velho
consubstanciara aio na corte
a existência de
uma naçao. Portugal parece aguardar em modôrra fatalista o seu destino incerto quando o cêrco de
Mazagao veio acorda-lo desse sonambulismo. As propostas dos mouros para que a praça capitule o
1 6 que
Lrinnal . n e ''fodos
'!, PrePsaem
os portos
arem
as gargantas
navios velozes para o cutelo.
em socorro Uma rajada
da praça heróica
africana. sacodemecânicos
Os oficiais o torpor
enviam a sua custa mil homens. E preciso ordenar que sem licença da rainha ninguém embarque
para Mazagao. Andam de boca em bôca os nomes de Pedro de Góis, de Antônio Moniz Barreto do
velho Vasco da Cunha, de Gomes Freire de Andrade, de D. Pedro de Menezes, de D. João de Almeida.
e am espantosa a vitória das armas portuguesas, que um mouro vém a Portugal, publicando oue
queria ver a mulher sábia e intrépida que conseguira reduzir a pó a potência da Mauritânia e desmentira
o adagio de que «-mal vai à casa onde a roca manda à espada-».
% dQ
£2
1568, com catorze anos, o rei assume o govêrno da nação. o rei cavaleir<
; Tem a cândida fé que lhe inocularam. Neto de um monarca puritano, criado na
infancia pela avo piedosa, educado por um velho guerreiro seu aio, espelho da antiga
cavalaria (>o), instruído por um jesuíta austero, cuja morte havia de chorar com transportes
C0 m0 56 f0 a
a a- • m
da prudência. i
Na sua alma / ^ de
arrebatada
pai extremoso nã0
se inspiraram as' suas acções,
faltaramservas
ao reiobedientes
os conselhos e admoestações
das suas inclinações
imperiosas. Não foi o confessor que o armou de intemerata coragem, lhe temperou de audácia impulsiva o
gemo belicoso, o exercitou na montaria destemida das féras, no jogo das armas, no desafio das tempestades
Nascera sob o signo de Marte, com a vocação de paladino. O seu reino viveu com êle sem já poder
compreendê-lo e acompanhá-lo, um belo e fatal romance de cavalaria. O fado comprazera-se em votá-lo
ao heroísmo. Não podiam os mestres alterar-lhe a natureza predestinada e transfigurar o leão em
cordeiro. Herdara os ímpetos marciais de Afonso V e a sua impulsividade heróica. Para incentivo ao seu
pendor guerreiro chegavam-lhe e sobravam-lhe os feitos dos vassalos e os fastos gloriosos da nação.
Consult
o imnoraH^ 3ndo D. ]oão 111 a Carlos V sôbre a escolha de D. Aleixo dei Menezes para aio de D. Sebastião,
e eSp0n eU q e Se PU era ele2e 10 p a servlr
elekâo em
eieiçao Pm Conselho,
rnnc olí nem em £ u lhe
Espanha ,u dana
. " ^ ao oficio
competidor ° nei0
».
e
herdeiro que Deus lhe dera, cnão pusera esta
29
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Aprendera a soletrar pela história de Portugal. Era seu avô materno o imperador Carlos V, que passara
a trabalhosa vida sobre o duro arção dos corcéis de batalha. Como Tristão, que bebera o filtro do amor
r
ele bebera o filtro inebriante da glória.
Não tinha pausa a guerra em seus vastos domínios do Oriente e do Ocidente, e êle concebia
a intrepidez pelo primeiro dever da magestade. Através dos bravos mares, as náus traziam da índia
com as especiarias, com os aromáticos, com as páreas dos
príncipes vassalos, as relações das refregas, dos cêrcos, das
batalhas, e os nomes espectaculosos dos heróis. A côrte invi-
sível e incitadora em que se recriava a imaginação do rei era
povoada com aqueles longínquos e infatigáveis campeadores. o
0 rei virgem vivia entre a scintilação daquelas espadas tintas
de sangue infiel. O jesuíta podia ter despertado na alma
mística o apetite da glória celeste, não o da glória militar. Assinatura ae d. sebastião
A juventude é como o vento norte: impetuosa. Aconselha-
vam-o a que se abstivesse de projectos temerários, mas êle era a própria temeridade; e que se
mongerasse, mas êle era a própria exaltação.
No mesmo ano em que sobe ao trono, como para lhe festejarem o advento as esquadras
portuguesas da Índia atacavam Mangalor, e como tormenta de ferro e fogo reduziam a brasas e
escombros a cidade traidora. Falanges de heróis, enquanto os estadistas do reino se ocupavam
em quebrar a moeda e redigir a lei contra a usura, abatiam-se como raios fulminantes sôbre as
.ortalezas do inimigo. Lá ao menos, no Oriente, a-pesar-de todos os seus vícios e perversões, Portugal ainda
andava como uma tempestade, com a sua bandeira tremulando entre os relâmpagos da arcabuzaria e os
bulcoes de fumo das bombardas. D. Francisco Mascarenhas, general do Malabar, D. João e D. Antônio
1 ereira, D. Fernando de Monroy, D. Pedro de Castro, D. Jorge Daroche, D. Luís de Almeida, Matias de
Albuquerque, D. Diogo Lobo, o grande, aclamavam-o na índia, erguendo para os céus austrais as
espadas nuas e rebrilhantes.
(LC0m0 atender as vozes c ue Ihe
denodados vassalos se batiam pela íglória dorecomendavam
seu reinado, as
lhe virtudes pacíficas
levantavam quando, além-mar,
em homenagem os
a fortaleza
de b bebashao, aguardando o natalício real para lhe pôrem a primeira pedra? iQue pêna ser tam longe
a 13 e nao
. Poc^er êle, à frente dos seus bravos cavaleiros, comparticipar dos combates jubilosos!
iti-los, os incitamentos que o enlevam e o exaltam! Fôra preciso que o mar tragasse as armadas para
o isolar do exemplo incitador das proezas do Oriente. Mas cada náu que chega traz-lhe notícias que
o in lamam. t D. Leoms Pereira, governador de Malaca, ao ver surgir no horisonte as trezentas e
quaren a e se e ve as das esquadras do Achem, mandando que se não interrompam os festejos pelo
aniversário o rei e so depois preparando-se para a luta em que desbaratou os quinze mil soldados do
inimigo, protegidos pelos duzentos canhões que despejavam metralha entre borbotões de fumo contra os
baluartes invencíveis de Santiago e S. Domingos. Eram as hostes de Gonçalo Pereira Marramaque,.
compara as a «ondas empoladas» no furor, submetendo o arquipélago sublevado das Molucas, depois
de domar os ,aus de Amboim... Nos paços da Ribeira, em frente do Tejo, paredes meias com a armaria
pejada de arneses, cassoletes, murriões, arcabuzes e lanças, enquanto os experimentados servidores lhe
aconselham prudência, o re. místico e cavaleiro mede a grandeza do seu império da Ásia, defendido
n?mLa rhlpf"m
Damao, ,marr
Chalé, Mangalor, T 3 e Malaca: aquisições
Cochim
d0 Gan es
Pelas fortalezas
9 conservadas com oderespeito
Ormuz,de
Diu,
umaBençaim, Chaúl,
rubra torrente
de vitorias, e sente-se mais temeroso que timorato.
Ja se completava o largo transcurso de setenta anos em que os portugueses haviam adqüirido
OsTamoZ^P
Os °ri1enta1' tinham
samonns de Calecut de end,d
J ° Pf'0 !1SCUd0
abandonado nas d0 terror Nenhum
mãos -
armadas oder
dos Pportugueses
então lograra
parte resistir-lhes.
do seu território-
ramhlit ? Se arrebatara .Goa a fl0 de esPada e as províncias de Bardez e Salcete; aos reis de
3 praÇa de 03 Soberanos de 0rmuz de ois de
estadoTvivilmTn
estados, viviam como Z'coroa
vassalos da portuguesa; os reis ' de PMalaca haviam
entregarem
sido aexpulsos
capital dos seus
primeiro
para Bintau, depois para Vintana. Igual sorte fôra aplicada aos monarcas do Malabar, de Ceílão e das
30
EL-REI D. SEBASTIÃO
por Cristóvão de Morais (1551-157]>
Museu das Janelas Verdes
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-
A METRÓPOLE E SUAS CONQUISTAS
a falta de perigo nas pelejas diminui os quilates às vitórias, i Poesia! quando governar bem seria vender
pelo maior preço a pimenta da índia, fundir para relhas de arado os arnezes da armaria, fazer um
filho numa princesa de Castela ou de França, cuidar mais da lavoura que da guerra ... Mas a criança
real brincava com as tempestades, guardava castidade, escrevia de joelhos o regimento dos seus heróis.
Era um poeta, que não entendia, como o bisavô, os mercadores italianos e flamengos da Rua Nova,
que tinha susceptibilidades mórbidas de pundonor e lia pela cartilha anacrônica da cavalaria, i Quando,
em Guadalupe, lhe dizem que seu tio, Filipe II,. ia regressar a Madrid sem o despedir com a solenidade
requerida à sua jerarquia, a criança real logo empalidece, toma a familiaridade por ofensa e fala em
mandar um arauto a desafiar o tio! A sua atitude com a Inglaterra, no decurso das reclamações contra
os navios de côrso, é pautada pela energia inflexível de D. João II.
A prisão dos corsários inglêses no Castelo da Mina e em Lisboa ateara em cólera o orgulho
britânico. Reclamou o embaixador de Isabel a soltura imediata dos súbditos. Não cedeu o rei juvenil,
que enviou a Londres um emissário a apresentar seus agravos. Desatendendo às reclamações de Portugal
e cuidando intimidar o rei adolescente, a rainha de Inglaterra concede cartas patentes legalizando a
pirataria infrene. A afronta enfurece o paladino, e o neto de Carlos \J replica ao desafio insolente
mandando fazer represália em quantas náus inglêsas se achavam nos portos do reino, aguardando
a declaração de guerra ou a satisfação da ofensa. Mas a Inglaterra não quis gastar os seus pelouros
com Portugal.
É então que, na imaginação do rei herói se implanta o projecto de levar a sua espada de
cavaleiro às pelejas da Mauritânia. <LNão era êle rei dos Algarves daquém e dalém-mar? d Não tinham
passado à África D. João I e D. Afonso V? iNão se armara cavaleiro D. João II na mesquita de
Arzila depois da vitória paterna, molhado em sangue e suor? iNão projectara D. Manuel passar à
África? i,Não fôra conquistado o reino, de lança em riste, contra os mouros? Estava empobrecida
e exausta a nação para tais emprêsas, diziam-lhe os conselheiros do avô, os cúmplices do abandono
de Alcácer, Arzila, Çafim e Azamor. Mas por tôda a parte, na índia, na América, na própria Berberia
a vitória sorria às armas portuguesas, d O cêrco de Mazagão que enchera de glória a regência da avó,
e onde oitocentos soldados haviam resistido aos cem mil homens de Muley Abdala, não testemunhava
a invencibilidade da bravura lusitana? d Não reconquistara Mem de Sá o Rio de Janeiro aos franceses,
no mesmo dia natalício e onomástico de D. Sebastião? iVitórias insidiosas, que estimulavam os apetites
daquela alma sôfrega de combater! Cada náu que surgia no Tejo lhe trazia do Oriente, mais do que o
dos aromáticos, o perfume estonteador de novos louros.
iMorigeração! iprudência! aconselham os políticos experimentados e os velhos guerreiros que
o tempo havia tornado cautelosos. Não assim o bardo, que incita o soberano a continuar a dinastia
dos heróis e lhe oferta a espada e a lira:
iAh! e sobretudo aquele vinho excitador que ao rei casto e abstêmio, ansioso de glórias e
de cavalarias, lhe oferecia na índia o imponente herói que para lá mandara! As recomendações da
prudência desmoralizavam-se entre os retumbantes ecos das aclamações triunfais de Chaul e de Gôa.
As vitórias de D. Luís de Ataíde haviam feito transbordar da alma do rei o entusiasmo fatal que ia
impeli-lo, como corcel sem freio, para a emprêsa temerária da África: único palco acessível à sua
vocação de cavaleiro.
Tinham-se finalmente coligado contra o poder português os potentados da índia. Em segrêdo,
com vagares e ardis orientais, os príncipes industânicos concertaram e prepararam a ofensiva a cujo
choque se desmoronaria o império de Albuquerque. Entre os reis do Hidalcão, de Mirão e de Calecut
seriam repartidos os despojes. O Achem retomaria Malaca; o Grão-Turco atacaria as fortalezas do
gôlfo Pérsico e costa de Cambaia. A guerra da vingança e das religiões abrir-se-ia pelo sítio de Chalé
posto pelo Samorim, o de Gôa pelo Hidalcão, o de Chaul por Niza-Maluco, e propagaria a sua devas-
32
A METRÓPOLE E SUAS CONQUISTAS
taçao indominavel a Sumatra, ]ava e Molucas, oprimidas pelo mesmo jugo tirânico dos monstros do
Ocidente A campanha iníqua do Cananor estimulara a coligação vingadora que D. Luís de Ataíde ia
afrontar. Ate então, os portugueses haviam beneficiado das dissenções dos príncipes asiáticos. Seriam
agora as vitimas da coesão obrada pelo espírito solidário da represália.
Desembarcando em Gôa, o companheiro de armas de Carlos V não demorou em tomar as
disposições reclamadas pe-
clero, levando à frente o
lo perigo iminente. Não es-
arcebispo de Gôa e o
friara ainda nas bravas
-8 &■ bispo de Malaca, exigia
gentes o ardor da coragem,
ardente a entrega ... Mas
que as fazia ansiar pelos 4 &
cravando a vista grave no
conflitos. Contemplando as 4 & arcebispo e batendo com
muralhas providenciais que
-S a mão no arnez ressoante,
o seu antecessor edificara
o herói lhe adverte que em
em torno da cidade, D. 4
negócios de guerra não
Luís de Ataíde sorrira, ju-
recebia os conselhos da
biloso: «muro, não te fez
-ã fe» Igreja.
Dom Antão, fez-te Santo
Enceta-se o duelo
Antão ! » 4 â*
tremendo entre Portugal
Contra Chaul movia- e a índia, logo estrelado
se o exército de Niza-Ma-
4 & pela auspiciosa vitória de
luco, com dezenas de mi- Luís de Melo da Silva, que
lhares de homens e cavalos, 4
recolhe a Gôa triunfante
elefantes, canhões, cimitar- 4 da armada de sessenta ga-
ras, lanças, catapultas e lés com que o obstinado
■*8 fe-
ty
outras máquinas de guerra. Achem ia atacar nova-
O Hidalcão apresentava-se 4 mente Malaca. A decadên-
em frente de Gôa com cia não corrompera ainda
4
65.000 homens, artilharia, o heroísmo. A bravura e
■w B»
rebanhos de elefantes ar- a coragem estavam inta-
mados. Perante a enormi- 4 ctas. Niza-Maluco chamava
dade do poder inimigo, a -si {jKtiMifhin ca a Chaul um curral. Frata-
população de Gôa, espa- cão observara-lhe; «écur-
vorida, suplica ao vice-rei ral, mas está cheio de
que abandone Chaul e leões!-» Aos primeiros
LUÍS DE CAMÕES
concentre na defesa da (Reproduzido de Faria e Sousa, Madrid, 1639) apertos do cêrco, os ho-
capital do Império todos mens prudentes reclama-
os recursos militares. O vam o abandono da ci-
dade e que se recolhesse a guarnição à cidadela. Protestaram os fidalgos que primeiro largariam a vida
que uma pedra da cidade ao inimigo; e Chaul, sob um dilúvio de fogo e de flechas, confirmava o dito
apologético do Fratacão. Sacudindo a juba, os leões de Chaul bramiam, e aos seus bramidos começaram
a acudir das outras praças tantos soldados ansiosos da glória de combater que se impôs aos governa-
dores a necessidade de promulgar pênas severas contra os desertores heróicos.
Espantados e desalentados pela defesa furibunda, já os asiáticos moderam o ímpeto dos
ataques. Não abrandam os sitiados no furor da defesa. A bandeira das quinas ondeia inviolável no
ápice dos muros; e é tamanho o prestígio do reizinho belicoso, que os leões de Chaul aguardam a véspera
do dia de S. Sebastião para a sortida do baluarte de S. Francisco, com que semeiam a confusão e
o pânico nas hostes inimigas.
Ao mesmo tempo em que contra as muralhas de Chaul se despedaça o exército de Niza-
Maluco, a fortaleza de Chalé, investida pelo samorim de Calecüt, «é um Capitólio onde cada soldado era
um Manlio-». Oitenta homens, comandados pelo octogenário D. Jorge de Castro, batem-se com a cólera
assustadora do desespero. Cercada, vendo o rio obstruído pelos obstáculos que o inimigo amontoou
e fecham o único caminho por onde pode chegar-lhe o socorro, a guarnição vai sucumbir. Então a raça
decadente gera um novo Hércules, que se propõe a romper num batei os temerosos obstáculos,
afrontando a tormenta de fogo. Parte o herói, peleja, desmorona as trincheiras com panelas de pólvora,
caminha entre explosões e volta vencedor, chamuscado e sangrento... Meses depois, no seu paço de
14
33
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Lisboa, ao ouvir a narração da proeza heróica, D. Sebastião declara, em êxtase, que a não ser rei
quisera ser Francisco de Sousa: o Hércules de Chaul.
Entretanto, Gôa, cercada pelas forças do Hidalcào, soberbamente resiste e valorosamente
combate. As suas bandeiras, com que o inimigo se propusera a varrer o chão dos pagodes, estampa-
vam-se, abertas como flores pelas brisas do Índico, na turquesa' do céu tropical, hasteadas nas torres
da cidade de Albuquerque. Dominando as vagas assoladoras dos exércitos industânicos, D. Luís de
Ataíde era comparado a Noé na segurança da arca entre a tempestade do dilúvio. A grandeza épica do
soldado magnífico, a quem o rei ia dar o título de conde de Atouguia, parece ainda, naquela hora
de transição entre o dia da glória e a noite da catástrofe, um prolongamento vivido dos Lusíadas.
Como lhe chegasse a notícia de que o Hidalcão fizera voto de entrar em Gôa a cavalo —para o que
ordenara se atulhasse o passo fronteiro à ilha de João Lopes,—o vice-rei remete-lhe um formoso corcel
com que o presenteara o rei de Ormuz, e pelo mensageiro o recado de que o ficava esperando com as
honras devidas a tam grande príncipe. Ao arcebispo, que lhe enviara um açafate de figos, lho agradecia
o vice-rei mandando-lhe uma bala que na véspera lhe batera, amortecida, no peito, «-pois daquela
qualidade de fruta era com que a sorte o regalava nos pomares da guerra», rogando ao prelado a
pusesse aos pés da Mãe de Deus como primícia da copiosa colheita que esperava.
Mediam-se por êste estalão de epopeia os vassalos do rei cavaleiro, cantados por Camões na
peroração do poema imortal:
< Olhai que ledos vão por varias vias,
«Quais rompentes leões e bravos touros,
«Dando os corpos a fomes e vigias,
«A ferro, a fogo, a setas e pilouros.
O rei, que desatendia os conselheiros, ouvia a lição exaltadora do poeta. Quando surge
âncoras no Tejo a náu em que o herói regressa do govêrno glorioso, D. Sebastião açode ao cais a
recebê-lo, e como fizera D. Manuel a Duarte Pacheco, condú-lo, debaixo do pálio, à sua direita, através
da cidade colgada de bandeiras. À frente do cortejo, as trombetas da fama atroam os ares; e
o rei virgem, caminhando ao lado do vencedor da índia, sentiria a nobre emulação pelas suas
proezas estupendas.
í Quando lhe chegaria a vez ? i Quando anunciariam a sua glória aquelas buliçosas bandeiras
de sêda e aquelas sonoras trombetas de prata ?
AS RUÍNAS RAMÁT1CO contraste o da marcha triunfa! com a «apagada e vil tristeza» que abatia a nação!
DA POLÍTICA
1MPERIALISTA O Portugal rural e municipalista da Idade-Média, o das energias populares, o da fé
cândida e bárbara, estava reduzido a pouco menos que mirrado cadáver. O Portugal dos
descobrimentos e conquistas despedia sôbre aquela taciturna agonia o esplendor chamejante
do seu ocaso de ouro e púrpura. Gôa e a Rua Nova dos Mercadores eram os dois pólos do
Portugal da Renascença. Na índia, os derradeiros sobreviventes da cavalaria batalhavam. Nos duzentos
metros da Rua Nova, a burguezia opulenta e cosmopolita estadeava a prosperidade parasitária. Para àlém
das muralhas fernandinas de Lisboa alastrava a miséria, fadiga extreme de um povo atrelado durante um
século ao carro pesadíssimo da glória. Porém, sôbre o país esgotado e ofegante desdobrava-se o manto,
34
A METRÓPOLE E SUAS CONQUISTAS
consfelado de pedrarias, talhado na carne viva da epopeia do Oriente. A nação morria, cantada por um
poeta sublime, adornada de pérolas de Ceilão, rubis do Pegú e esmeraldas de Cambaia. «A seiva da árvore
social esgotara-se no bracejar descomposto». O tronco carcomido a custo sustentava as ramarias ávidas da
Indm, da África e da América. No matadouro da Asia havia 16.000 soldados. Só o vice-rei D. Antônio
de Noronha levara na sua armada 4.000 homens, dos quais apenas 2.000 lograram pisar as praias do
ndico (i ). O reino exangue continuava a ser exportado nas náus: pelas esquadras anuais do Oriente,
1
§
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OS PORTUGUESES NA ÍNDIA
Pourtraict ou se voit comment le vulgaire des Portugais va par les rues
(Histoire de la navigation de ]ean Hugues de Linscot)
para as praças fortes da África, para as donatárias do Brasil, para as ilhas de S. Tomé e Cabo Verde.
Depois do êxodo dos judeus, começara a emigração dos cristãos (12). Em contraste com os esplendores
de Lisboa, as províncias sucumbiam. Os novos-ricos da capital, em azáfama: armadores, mercadores,
banqueiros flamengos, genoveses e venezianos, feitores, contratadores da Guiné e da Mina, reduziam a
negócio o heroísmo ultramarino, pago com o último sangue da nação anêmica. A índia continuava
arruinando Portugal e enriquecendo os estrangeiros. Era com a moeda cunhada com o ouro de Sofala
Que se pagava à Inglaterra, à Itália, à França, à Flandres e à'Alemanha o pano com que se vestia o
povo, o pão com que se nutria, as sedas, os veludos e os brocados do fausto citadino. Tentando em
vão suster a catástrofe, o govêrno legislava sobre os alimentos e os trajos, decretando leis severas,
«que só podiam ser recebidas pelos estoicos da antiga Esparta», e que apenas o rei (13) e os
pobres cumpriam. As pragmáticas já não podiam repôr a nação nas suas virtudes antigas e na sua
economia medieval. O país já não bebia a água das suas fontes; matava a sêde escaldante com os
filtros do Oriente.
Vibrara a política comercial dos descobrimentos um golpe fatal na agricultura. A pequena
nobreza rural trocara pela índia fascinadora os solares e as herdades patrimoniais. Abandonada à
população misérrima dos campos, a indústria agrária—que a agitação das guerras e a deficiência de
braços nunca haviam permitido que atingisse alto grau de prosperidade,—entrara a definhar. A fome
assolava o reino com periodicidade assustadora, desde que os navios, navegando sob o talisman da
cruz, haviam alcançado os empórios asiáticos antes que se completasse o povoamento dos desertos
alentejanos. Assim, e a par e passo que a Lisboa comercial, pululante de estrangeiros —isó na fre-
guezia do Lorêto residiam para cima de cinco mil italianos! —abarrotava de ilusórias riquezas, o
organismo nacional deperecia, atacado de raquitismo, e já era aquele mesmo país indigente que
Filipe II havia de contemplar, desapontado, pela portinhola da sége de jornada. O outro, o Portugal
opulento dos argonautas e dos ricos mercadores, de que o Venturino nos deixou a descrição resplan-
decente, não era menos verídico, de tal modo paradoxal nos aparece aquele reino caótico de D. Sebastião,
que não tardaria a despenhar-se nos abismos com os seus heróis épicos, os seus domínios desmarcados,
as suas pompas cesáreas, a sua cultura ilustre e os seus burguezes abastados, tam certo é que não se
infringem impunemente as leis econômicas e que sempre se acaba por pagar por duro preço uma
prosperidade que só beneficiava uma classe, e posta na dependência do êxito das lutas armadas.
No trono dêsse reino dessorado pelo mercantilismo, emergindo da dissolução da Renascença,
estava um rei de romance de cavalaria, governando uma nação de comerciantes, de usurários, de inquisi-
dores e de párias. No seu leito de brocado de ouro, na câmara armada de razes «com historias do
Velho Testamento e quantas ficções teem inventado os poetas», o adolescente místico e virgem sonhava
com batalhas gloriosas, enquanto nas enxergas o seu povo lázaro coçava a vérmina, estremunhado com
q pavor das pestes e das fomes.
Decerto, o rei tinha razão. Aquele Portugal imperialista de D. Manuel entrara na agonia. O reino
que lhe deixara em herança o avô era um moribundo em pé. Para salvá-lo seria preciso retemperar-lhe as
virtudes antigas, restaurar a velha nação soldadesca e rural. O negócio da índia falira. O devedor relapso
não podia já ditar a preço das especiarias nos mercados da Europa. Fôra-se buscar a pimenta ao
Oriente para com ela comprar o trigo que se tinha ao pé da porta. A nação comerciante sacrificara a
nação agricola. A nação ultramarina devorara a metrópole. Desde que D. Manuel, coerente com as pers-
pectivas da nova política, revogara as instituições dos aquantiados e besteiros, desmilitarisando a
população, a cárie atacara o esqueleto da nacionalidade. A casta nobre e guerreira fôra desbaratada na
sustentação do império. Um novo rei negociante, no estilo de D. Manuel, teria de governar altercando
com os mercadores e os credores, condenado a sustentar sem êxito, até ao último alento, as guerras
devoradoras da índia. D. Sebaetião representava, de facto, o ideal tonificante do nacionalismo ancestral.
Mas «-para resuscitar o pensamento destruído nos fins do século XV era preciso reconstruir uma sociedade
que perecera com ele.
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(I3) *Na quarta feira foi o Legado visitar El-rei, o qual veio encontrar-se com elle ao meio da sala grande,
acompanhado de muitos cavaleiros, e vestido singelamente, todo de panno preto.» Venturivi, op. cit.
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A METRÓPOLE E SUAS CONQUISTAS
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Viçosa cativo dnq " ' em 157L Sete anos depois, o filho primogênito do senhor de Vila
A duoueza n r i m0Ur0S' miria
1° 6 0 chã0 dur0' entre 03 miasmas "davéricos de Alcácer...
espiouilhas de n.lrl"113!.3133^6 30 3obr!nho de Pl0 V trajando um vestido de veludo preto bordado a
f3P'9" 3 de t0,ur0' rubia e dljantes. Uma donzela, que outras dez acompanham, sustém-Ihe a cauda
li Irada de m ' -3Un.0 'f ^ VÍÇ0S3 tém 30 lado' C0m0 um de tela de pratl
<<C0r
RarleinQ f ' /ã0 louvada da Mosto», o seu filho mais velho, D. Teodósio, duque de
Sm™ I a- 3 ames
azuago csalvaria .ma arrancando-o
vida,
Criança
^ 3 que re resentaria 0
P
do cativeiro pai namontanheses
de dois alvares batalha fatal, e a quem um soldado
16
e pompas. SS mí0 eStá
Pelas cidades . iá Preste3
e vilas
3 caír em delíqui0
do percurso o embaixador- mas no caminho
da Cúria do legado
é recebido tudodesão
com fogos festas
artifício
bailes mounscos, cavalgadas e clangores de trombetas. A recepção de Évora parece uma scena de
grande opera, marcada por nm contra-regra de gênio. Sái ao encontro do legado o lugar-tenente do rei
a frente de quatrocentos ginetes e dez mil peões da sua milícia. Veem depois o governador e o alcaide
Icintíam rihamaSde o0uSrórdand0t, 35 "f65 t3lareS' acompanhados dos meirinhos. Na poeira da estrada
a cavaha le nHn, H H charamele.ros e as alabardas da escolta do governador. Avançam pretos
susHdo nas varas H f560' -r f PaSSam 38 0rdens m™&ticas e o clero. O
Pra 0 0 do arrebl
aoueduto de Sertono,
aqueduto Sertõr ' F por Garcia 'Po,
reconstruído e no honsonte recortam-se as arcadas grandiosas do
de Rèsende.
a roxi
custa P ma de Lisboa a comitiva solene, que a douta infanta D. Maria hospeda à sua
0
FlanrlrpQ m ,1 Cai ?- 0 arre r0
' ' ^vestidos de alto a baixo, para a circunstância, de panos de
30
mm min' k o palacio de Santa Clara. O fausto atinge agora o desvario. O leito do legado,
Ho ouro.unass em u i as desão
ravesseiros ouro,
de refulge
holandacomo um sacrário,
recamados entreO os
de ouro. cortinados
ouro de damasco
é uma obcessão. pretoonde
A sala orlado
se
anque eiam os prelados tém um docel de veludo negro semeado de lírios de ouro. A baixela é de
uro, e ate os mais ínfimos criados bebem por taças de prata
Ao escurecer o dia, avista-se Lisboa à distância de duas léguas, sentada no trono das suas
co inas, a ogueada pelo clarão vermelho das fogueiras, esperando a visita de Roma. Logo pela manhã
começa a embarcar o cortejo para a travessia do estuário. A paleta do Ticiano empalidece perante
aquela faníasmagoria. Vai numa barca pintada de vermelho, toldada- de damasco, o embaixador da
„ Viagem do Cardeal Alexandrino, Miguel Bonello, sobrinho de Pio V, legado aos reis de França, Hespanha
noanno
' '571,Opusculos.
nercuiano no lomo VI dos por João Daptista Venturini. Códice 1.607 da Biblioteca do Vaticano. Traduzido e publicado por
37
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Cúria, seguido pelos familiares em seis barcas empavesadas, com docéis de veludo, e por D. Constantino
de Bragança em um bergantim colgado de veludo encarnado e verde. Os remos coloridos batem
cadenciadamente nas águas. ]á ao longe avança ao encontro do cortejo fluvial uma barca fantástica,
do feitio do Bucentauro de Veneza, trazendo armado à proa um docel de tela de ouro, que resguarda
38
A METRÓPOLE E SUAS CONQUISTAS
rnmÊÊmmm^rn
de colgaduras, onde o cardeal D Henrin 3 ? embaixador da Cuna atraca à ponte recoberta
uolíanHn inrü!^'r0 Caval0' por um fu2Ídio instante, o rei se descobre ante o legado do Papa
p Hi + f carregar para a testa, «quási até o sobrolho», o barrete de veludo adornado de pérolas
cardinTífa POrK'"'a em m !Í0 do
' Policróntico onde esplendem as vS2
embai ,<ador d0 Vati
S ír f a" , "no e do infante D, Henrique, o rei juvenil, erecto na sela de
0 0 r0
cuio
cuto faiistn , TJl emplumado,
fausto se entrelaçam antevê, deporventura,
os esplendores naquele desembarque
Roma e Portugal, o seu futuro do legado pontifício
e triunfal em
desembaroue
quando voltar, como um César cristão, coroado de louros, da Mauritânia subjugada...
DESTINO que presidia à sua carreira enfim lhe serviu o pretexto decisivo à vocação belicosa, lanças em
ÁFR,CA
Desapossado por Mulei Moluco, aliado do Grão-Turco, o cherife Mulei Mahamed viera a
* Ceuta pedir o auxilio do rei de Portugal para recobrar os seus estados, prometendo-lhe
a fortaleza e cidade de Larache em prêmio do socorro.
. ® re' cavaleiro mediu de relance a oportunidade que o céu lhe concedia de dilatar o
reino, e reconquistar as praças pecadoramente abandonadas pelo avô, de reforçar o poder português na Mau-
n ama e reconduzir a nação, engolfada na mercância, às actividades combativas da Ordenação Afonsina e das
mi icias municipais, quando todo o homem válido era um soldado, o povo um exército, o rei um general, e que
naviam garantido ao Mestre de Aviz e ao Africano o êxito das suas campanhas gloriosas (15).
Onusrninc }^ercl>jàno> Apontamentos para a historia dos bens da coroa e dos foraes, no tômo VI dos
que durante t ed^H^mlnuf0 milltar .do Paiz' successivamente estabelecida em Portugal, explica as invencíveis resistências
um n a edade-media uma naçao pequeníssima offereceu sempre á dissolução interior e á conquista extranoeira • era
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caracter sacros^nfo ^ui^oidn d^Def^^éí
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nlm nelof rommPttfmDn?£ a estranf u s X voz do seu
da naçao nao podia ser annullada nem pelas ambições dos poderosos,
arroiava se ao combate, nao
arroiava-se - para defender
'?° - ^ como Pnncipe,
mercenário os Portugal inteiro
interesses, para erguia-se armado como
elle inintelligiveis de umumindivíduo-
só homem mase
onantn íy31"- collec,lva e individualmente o lar doméstico, o campo herdado, sua mulher e filhos. O renascimento que matou
Índ0le na ci 0nal matou
embrieaante da^remo^/ ^ , - ^ .^ualmente isso. Em vez de alimento sádio deu nós^ veneno
phvsiologica > ()p cit° págs "322 323 33 C0nvuIs0es da nevral2la ein vez do «minhar pausado e firme de uma boa organisação
39
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Sustida por um momento pelo gênio militar de D. Luís de Ataíde, a derrocada do império
indiano não se prefiguraria remota. O clarão das vitórias de Gôa e Chaul fôra manchado pela perda
da fortaleza de Chalé, primeira praça que os portugueses entregavam nas mãos do inimigo: caso novo,
sem precedentes na índia, e capaz de abater a reputação do valor lusitano em tôda a Asia temido.
A rendição infundira pasmo em Lisboa. Para assustar futuras fraquezas, resolvera-se dar um exemplo
terrível, mandando-se que D. Jorge de Castro, o octogenário capitão da fortaleza rendida, fôsse
decapitado em Gôa (16).. Vão holocausto, pois o império cairia como caiu no cadafalso, abatida pelo
cutelo do algoz, a cabeça branca do infeliz capitão ... A divisão do Estado da índia em três governos
autônomos (17), com que se pensava robustecer a arquitectura oscilante, não conseguiria senão enfra-
quecer a autoridade e fomentar desarmonias. O império, que resultará da vitória dos projectos
geniais de Albuquerque sobre o sistema preconisado pelo seu émulo glorioso, já parecia aos previ-
dentes condenado. Não porque se abastardasse a coragem portuguesa, que até^ então resistira às
mais tremendas provas, mas pela deficiência dos recursos necessários para mantê-lo. Só o terror que
de si espalhavam os. conquistadores pudera dominar os povos indianos, debilitados por competições
intransigentes. Tinham os portugueses beneficiado dessas dissenções das cortes asiáticas, dos processos
novos de combater, da superioridade das armas, da sua táctica previdente e da sua estratégia subtil.
Mas o heroísmo português fôra uma escola onde a moleza oriental se virilizara. Os sucessos daqueles
combates de um contra cem, que nos parecem fabulosos, só se explicam pela aliança dêsses íadores
com a bravura de um escol militar exercitado na guerra, e talvez estimulada, àlém da honra, pela
ambição das riquezas. _ . , • ,
0 regresso ao tentámen de Marrocos era sugerido à imaginacao medieval do rei pela ruína
econômica do país, pelos embaraços graves em que D. João III deixara as finanças do Estado, pela falência
da feitoria da Flandres e as despezas incomportáveis da manutenção da índia, em esquadras, exércitos
e funcionários. Começava a compreender-se que mais valiam moios de trigo que de pimenta e que êrro
fôra procurar em remotas paragens o que se tinha ao pé da porta, nas terras vizinhas da Berberia.
Ali encontraria o rei cavaleiro campo onde pudesse luzir a sua bravura, onde â nação decadente
restauraria as energias antigas, regenerando-se na luta. Motivos de alta política apoiavam os argumentos
econômicos. A presença dos turcos em Larache constituía um perigo para ós reinos cristãos da península.
A defesa do estreito exigia, mais do que as posições fortificadas de Ceuta e de Tânger, cercadas de
inimigos, um poder permanente, que não continuasse à mercê de surprezas e ciladas. Lücidamente, entre
as razões alegadas ao tio incrédulo, o rei juvenil avaliava a importância estratégica do litoral africano
e reputava necessário integrar aqueles dispersos nódulos de defesa no território adjacente, isolando-os
do contado imediato com o inimigo que os assediava. Nunca as atalaias podiam adormecer nas praças
de África. Era tam estreita a sua clausura que, anos antes, para se abastecer Tânger de lenha fôra
necessário que o governador Lourenço Pires de Távora saísse a campo com os fronteiros, em pé de
guerra, e ferisse violentos combates que haviam custado a vida a vários cavaleiros, entre outros ao
filho de Cristóvam Jacques.
1 E sobretudo, a guerra de Áfrjca ia permitir ao rei, seguindo o exemplo dos antepassados,
combater! i Palavra mágica, a cujas sílabas tôda a sua alma de paladino se alvoroçava! Desde menino
que a inclinação guerreira o possuía. Preguntando-lhe uma freira, na solenidade da profissão no mosteiro
da Madre de Deus, o que haveria de pedir para êle ao seu Divino Esposo, a criança real lhe
respondera:—/que o fizesse seu capitão! No paço, em uma tapeçaria flamenga, mostrava-se a imagem
da Virtude segurando pelos cabelos a Fortuna, e o dístico latino lhe ensinava que não sabe escapar
nem pode fugir a Fortuna quando a Virtude com sua força a retém. Na capela da Alcáçova, os'
régios olhos azúis, ao elevarem-se do livro iluminado das orações, encontravam o painel de S. Miguel
Arcanjo expulsando a Lucifer à frente das coortes aladas, e o reizinho místico pediria a Deus lhe
permitisse ser na terra o arcanjo puro que implantasse o lábaro da cruz nas terras infiéis.
Estava preparado para a glória e para a morte com todos os sacramentos; e desde que o
projecto obsidiante se lhe implantou no espírito não houve mais advertências e conselhos que o
(16) a sentença já fôra executada, e abatida a cabeça encanecida do velho soldado, quando chegaram a Gôa as
cartas regias 17de perdão que nomeavam D. ]orge para o govêrno de outra praça. ■ a u
( ) A descentralização do govêrno foi também decretada para o Brasil. Ao vice-rei D. Antônio de Noronha,
sucessor de D. Luís de Ataíde, competia o govêrno desde o cabo de Quardafui, no estreito de Méca, até Ceilão; a jurisdição
do segundo govêrno compreendia os territórios desde o cabo das Correntes até ao de Quardafui; a do terceiro abrangia
Malaca, o reino de Pegú e as Molucas até à China.
40
o paço ue Sintra, onde Sebastião reüniu o conse.Ho para ^
Ihe comunicar a sua rcsoIuçSo de fazer a
demovessem de cumprí-lo. A sua vida concentra-se naquela aspiração devoradora. E ei-lo a adestrar-se
nos perigos, a desafiar as tempestades, a exercitar a musculatura nos jogos de cavalaria e nas caçadas.
Um dia, às ocultas, desce da serra de Sintra, embarca, vai a Tânger observar o terreno e o valor dos
inimigos. A corte alarma-se. Sem êxito, a avó, o cardeal e o rei de Espanha tentam dissuadir o
herói do seu intento funesto. Debalde alguns dos mais experimentados guerreiros da África e da
índia o advertem dos perigos. Em vão lhe censuram a imprudência de aventurar a dinastia sem
sucessão a emprêsa mais para vassalos que para monarcas. <LNão foi S. Luís à Terra Santa? <L D. ]oão I
a Ceuta ? i D. Afonso V a Arzila ? i Carlos V a Tunis ? Obstinado, êle invoca a obediência à magestade.
i Porque lhe legaram um reino em crise, enfraquecido e empobrecido? Não o fadou a sua estréia para
ser rei de mercadores e da Rua Nova, monopolizador da pimenta e do pau brasil, i Desatino! i Impru-
dência! Mas o imprudente, procedendo dentro da lógica da sua obcessão incoercível, revela-se um
organizador tenaz e previdente, empenhado em cercar de tôdas as garantias do triunfo o seu plano
temerário. Manda anunciar na Itália e na Alemanha que faria avantajados partidos a todo o homem
que tivesse ofício de guerra e quisesse servir sob a sua bandeira; vai a Guadalupe pedir ao tio a
mão de uma das princesas de Castela e a cooperação militar que Filipe II lhe promete. iMas, ai dêle!
só lhe darão a esposa quando regressar da África vitorioso, e a retribuição espanhola do auxílio que
D. João III prestara a Carlos V na campanha contra Barbaroxa teria de ser substituída pelos dois mil
castelhanos engajados e comandados por D. Alonso de Aguilar, entre os quais vai o fatal Aldana ...
Nenhuns contratempos, porém, o desalentam. Êle é a mocidade com as suas energias corajosas, as suas
esperanças ilimitadas, os seus entusiasmos veementes. É a realeza rejuvenescida num reino que envelheceu.
Entretanto, agitada no seu torpor por aquela vontade contagiosa, a nação desperta. Desde o Minho ao
Algarve só se fala na guerra, como, oitenta anos atrás, só se falava na índia. O recrutamento dos
terços de Lopes de Sequeira, de Francisco de Távora, de Vasco da Silveira e de D. Miguel de Noronha,
dificultosamente progredia. As epidemias, as navegações, as conquistas, os povoamentos ultramarinos,
haviam devastado a população. A província perdera os hábitos militares em que a tinha por tanto tempo
mantido a organização afonsina. Os campos davam apenas soldados bisonhos, desabituados do manejo
das armas. Mas a Rua Nova, depressa recobrada da aflita surprêsa que lhe causara a guerra, convertera-a
em fonte copiosa de lucro. A jornada da África era o grande negócio do reino. A Lisboa dos merca-
dores, depois da paz de dois reinados, convertera-se em marcial aquartelamento de tropas. Os soldados
tudescos, recrutados na Alemanha, estavam alojados em Cascais. Os mercenários do duque de Lenister,
os castelhanos que tinham vindo embarcar a Lisboa, os terços de Santarém e do Alemtejo, a gente
vermelha e amarela do duque de Bragança enxameavam as ruas. No Tejo aglomeravam-se os navios
que haviam de transportar o exército, e o poder naval da pequena nação parecia enorme e incrível aos
que o contemplavam. Na Ribeira das Náus embarcava-se a artilharia de campo e de assédio; «piques,
arcabuzes, pelouros, ceirões, carretas, enxadas, alviões, barras, polvora e murrões»; azémolas de
transporte, gado e cavalos de combate. O próprio rei febricitante inspeccionava o embarque, e um dia
o viram no cais «sem chapéu, mandar arrumar num galeão umas poucas de armas, e era a sésta
ardentíssima» (,8). Dos cais corria o rei ao campo para assistir às manobras dos esquadrões, andando
jubiloso por entre a poeira e a fumaça da arcabuzaria, antegosando os prazeres viris da guerra.
Os mercadores esfregavam as mãos de contentes. Os fidalgos arruínavam-se na compra de
armas, arreios, trajos de gala e de combate. Nos campos, as mães choravam pelos filhos arrebatados
para os terços, e que quási todos iriam morrer no cativeiro.
Finalmente, aos 8 de Junho, mandou o rei lançar bando que as tropas se aviassem, porque
êle se embarcava a 14, que era um sábado; e tam firmemente o resolvera que, preguntando-lhe o seu
valido Cristóvam de Távora se havia de passar alguns dias depois dos catorze, lhe respondera
arrebatadamente que «bem podia o céu ajuntar-se com a terra sem haver falta no que tinha mandado
apregoar», i Promessa feita e cumprida! A 14 de Junho foi D. Sebastião dos paços da Ribeira à Sé buscar
a bandeira real, que havia de hastear-se nas batalhas.
Para o acompanharem haviam-se preparado os fidalgos, convocados para a última parada
de gala da cavalaria portuguesa. A tragédia cujo derradeiro lance em breve se representaria num areai
africano, tinha naquele dia de verão de 1578 o seu prólogo festival e imponente. Os guerreiros de
Alcácer-Kibir, vestidos de brocado, de telas de ouro e prata, de veludos florentinos, de damascos
('») Manuscrito da Ajuda, publicado parcialmente por Herculano. Cf. Opusculos, tômo VI.
42
A METRÓPOLE E SUAS CONQUISTAS
genoveses, adornados de pedrarias do Oriente, as franças dos chapéus rebrilhantes de rubis, diamantes
e esmeraldas, compareciam no terreiro do Paço montando cavalos empenachados e emplumados, com
os jaezes, nominas, peitorais e cigulas de veludo franjado de ouro, acompanhados de seus pajens
trajados de sêda e gran, cada um com a côr da sua libré.
O rei assomou à varanda das Damas, i Aquela era a obra da sua inspiração, criação do seu
engenho e poder! No Tejo balouçavam-se as náus atochadas de armas, munições, ferramentas e gados.
Ali, a flor da nobreza, vestida como para uma boda, e que amanhã trocaria o gibão de sêda pelo
arnez, a espada tauxiada pelo montante e a lança, e se precipitaria, como tufão de ferro, contra os
mouros... Naquele primeiro passo que dava para a morte, rememoraria talvez o rei a série de
obstáculos que a sua obstinação de iluminado tivera de vencer: a avó suplicando-lhe até à morte
que renunciasse à heróica emprêsa; o cardeal D. Henrique retirando-se para Évora, demitindo-se
dos seus cargos, como querendo solenemente rejeitar a cumplicidade no empreendimento do temerário
sobrinho; Filipe II exortando-o a renunciar a campanha tam perigosa; o dedicado escrivão da puridade,
Martim Gonçalves da Câmara, irmão do seu mestre e coníessor, apartando-se do serviço; as admoes-
tações dos velhos conselheiros do seu avô pacífico; as advertências de tantos e experimentados
fidalgos... ó Não haviam também os conselheiros prudentes combatido o projecto da conquista de
Ceuta ? i Não se tinha metido o Infante em Sagres para isolar-se das murmurações que provocavam
os seus empreendimentos, dos quais se não esperava «senão perdição de quanta gente vai em os
navios» (19)? iTriunfara! iSeguia, hipnotizado, a sua estréia! E os olhos alegres do rei percorriam o
campo de parada onde o aguardavam em cima dos corcéis impacientes os seus bravos vassalos. A fé
na vitória inebriava-o. Aberto via enfim o caminho aos grandes destinos sonhados pelo poeta;
Risonhamente, o condenado desceu a escadaria, cavalgou o seu corcel de batalha. Pela Rua
Nova desfilou ruidosamente o cortejo eqüestre do herói até à Sé, onde se rezou a missa propiciatória
e se benzeu o estandarte em que estavam «de uma parte postas as armas reais, e da outra um
crucifixo e el-rei D. Sebastião tirado do natural».
Prostrado, com os olhos rasos de lágrimas, o rei orou diante da capela do Santíssimo
Sacramento. Entregou depois a bandeira ao alferes-mór, D. Luís de Menezes, saiu a montar a cavalo,
e no cais da Rainha embarcou para a galé de espavento, maravilha da arquitectura naval —j digna de
conduzir à glória um paladino de Deus!—que resplandecia, dourada e empavezada, ao sol de Junho,
sob o aéreo bailado das aves marinhas.
Prisioneiro da sua missão, nunca mais desembarcou, como se não quisera poluir-se no
contado com a terra depois da cerimônia mística da Sé.
Diz o manuscrito anônimo da Ajuda, divulgado por Herculano, que quando el-rei partiu de
Oeiras, que desamarrou e levantou âncora, desamarraram com êle pouco menos de oitocentas embar-
cações «com as velas todas metidas, que faziam uma vista formosíssima; e quando chegar á África deve
ir com mais de mil e quinhentas velas, porque tem mandado que se ajuntem no Algarve as da cidade
do Porto, de Viana, d'Aveiro, Vilia do Conde, Buarcos, Setúbal, em o qual estão esperando mais de
duzentas' velas e outras muitas que estão em Cezimbra, Sagres, Lagos, Tavira e em todos os portos do
Algarve, onde 'se havia de embarcar a gente do terço de Francisco de Tavora ».
Tôda a esquadra embandeirada «com os seus estandartes de seda nas gáveas»: galés,
Saleões, navios de alto bordo, náus venezianas, urcas e caravelas, levando à frente a mole flutuante de
ouro onde ia «o capitão de Deus», navegava para Tânger.
u>Daüatja
""'""innnnnnnnnrini
Assim acabava naquela apoteose o poder marítimo do Portugal dos descobrimentos. Assim,
naquele cortejo de poema épico, que parecia organizado por um Camões ou um Ariosto, ia para
a morte, entre os trovões da artilharia e o clangor das fanfarras, o Portugal do Mestre d'Aviz, do
Infante D. Henrique, de D. João II e de D. Manuel, levado para um sepulcro de areia com as suas
liberdades, as suas glórias, a sua fé, o seu heroísmo, as suas conquistas, as suas riquezas e
os seus impérios.
t Era louco o plano de D. Sebastião? <L Eram levianos os seus desígnios?
O empreendimento de política mercantil do Oriente falira. Para sustentar a índia seria necessário
o dôbro dos homens e dos sacrifícios que custaria a manter ao pé da porta o Algarve africano. D. Sebastião
era inspirado no seu projecto por um seguro instinto de política nacionalista. Suprema injustiça é querer
ver apenas em D. Sebastião o vencido de Alcácer-Kibir, e não o herói que ia combater pelo proveito
da pátria. O seu acto não é um suicídio, mas uma reacção. Pretendendo ressuscitar as virtudes antigas,
a sua castidade, irmã da de Nun'Álvares, era um protesto contra os vícios que iníeccionavam a nação.
A sua curta e formosa vida é um exemplo de imaculada fé, de coragem enérgica, de dignidade nobre
e de patriotismo ardente. Podendo dormir entre os braços brancos de Margarida de Valois e envelhecer
entre festins e caçadas, vendendo a pimenta da índia e divertindo-se com as facécias dos bobos,
preferiu ao amor das mulheres o amor da pátria e quis ser antes um herói do que um mercador de
especiarias. Foi vencido: eis a culpa que lhe assacam. Foi um temerário: eis o defeito com que o
desprestigiam. No depoimento de quantos procuraram alijar as suas responsabilidades inculpando o
monarca pela decadência que quis regenerar, e na obra tendenciosa com que a política espanhola
intentou abafar a patriótica saüdade portuguesa pelo seu rei, se tém pretendido confirmar a sentença iníqua.
A verdade é outra. No campo de Alcácer, não foi uma pátria próspera e forte que caiu em
delíquio, mas uma pátria enfêrma, de energias gastas, que o rei cavaleiro pretendera vitalizar no contacto
com o perigo e reanimar com os estimulantes da glória.
Se o heroísmo désse ouvidos à prudência, não haveria heróis. Condenar D. Sebastião pela
sua derrota eqüivale a julgar o infante D. Henrique pelo chéque desairoso de Tânger, que empanou a
sua honra de cavaleiro, e Carlos V pela desfeita deplorável de Alger, que embaciou o seu prestígio
de guerreiro. Se o grande Infante tivesse perecido ou ficado cativo como o desventurado irmão, Portugal
não haveria talvez intervindo com os descobrimentos nos destinos da humanidade. A emprêsa de
D. Sebastião não era mais temerária, nem tanto, do que a de Afonso Henriques em Ourique, a de
Nun'Álvares em Atoleiros, a de D. João 1 em Aljubarrota, a de Afonso V em Arzila, a de Albuquerque
na índia. Trinta e oito anos antes, Carlos V, o maior soldado do século, acompanhado de capitães da
estatura de André Dória, Fernando Cortez, o duque de Alva, Camilo Colonna e Nicolau de Villegaignon,
dispondo de uma esquadra de duzentas e sessenta e cinco velas e de um exército de vinte e dois mil
soldados espanhóis, alemães e italianos, não conseguira vencer alguns centos de turcos comandados
por um eunuco.
D. Sebastião perdeu-se para salvar o seu reino. Se com êle e os seus nobres cavaleiros se
perdeu o reino foi só porque na alma nacional não havia então, como na sua, ideal reagente, intrepidez audaz,
energia poderosa.
<s
OOo
c-
É3
44
D. .
rintura . nJ. Moreno 0Carbonero
de conversão do Duque de Qândia, futuro S. Francisco de Borja, perante o cadáver da imperatriz Isabel
f
A METRÓPOLE E SUAS CONQUISTAS
O CARDEAL-REI
í2») Do império
2
do Oriente, banhado pelo mar Índico, restam hoje na posse de Portugal: MoÇfm5l4ue í2-200
de costa e 760.000 k. ); Gôa, na costa do Malabar e gôlfo de Cambaia, com as penínsulas de Salcete e Bardezd 0(3.806 te),
Damão,
2
na costa ocidental do Industão (384 k.2); Diu, no extremo meridional de Catiuvar, "J1 JJ^ridional n a .
(52 k )- Macau, compreendendo a minúscula península de Ngaoman e as 2ilhas da Taipa e Caloane (10 k.), a parte N h de
Timor, ilha da Malásia, incluindo os territórios de Ocussi-Ambeno (18.989 k. ).
45
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
46
A METRÓPOLE E SUAS CONÜÜISTAS
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47
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Apêndice
(1521-1580)
SUMARIO:-o que são e como se formam as Ifnguas comuns.—Formação do espanhol e do português.—Como o galego ficou
simples dialecto e o português se alçou a língua comum.—O patriotismo lingüístico: Bernardim Ribeiro, Antônio
Ferreira, Sá de Miranda, João de Barros.—Trabalhos que a língua portuguesa teve de vencer, para não ser absorvida
pela castelhana.—A língua salva pela literatura: excelência das letras nacionais na maior agudez da crise.—Confronto
honroso da literatura portuguesa com tôdas as outras literaturas européias no século de Quinhentos.—Significação
patriótica do latinismo lingüístico.—Papel do espirito nacional de independência, das navegações e conquistas, do
gênio da expressão literária, na formação, libertação e expansão da língua portuguesa.—Monarquia e literatura: os
reis propulsores das letras, desde o século XIII ao XVI,—Êste último século não é explosão, ou coincidência
milagrosa, mas sim o florescimento magnífico de um longo germinar, cujas principais raízes são o gênio literário da
nação e o seu admirável instinto de independência.
A literatura portuguesa é a maior que um pequeno povo E manifesto he que, como entre todas as nações que no
tem produzido, exceptuada a Grécia antiga. mundo ha^ nenhúa se alongou tanto de sua terra
natural, como a nação portuguesa, pois, sendo do ultimo
Aubrev F. Q. Bell, Alguns aspectos da Lit.
Port., Lisb, 1924, pág. 23. occidente, e derradeira parte do mundo, .... penetrárão
tudo o que o mar Oceano cerca, e comsigo levárão
A língua de tam nobre gente e terra, como he Portugal, sua lingoa.
viverá contente e folgará de se estender pollo mundo. Duarte Nunes do Leão, Origem da lingoa
Fernâo cTOliveira, Gramm. de lingoagern port., Lisboa, 1606, cap. XXIV.
port., 2.3 ed., pág. 4. O início da colonização do Brasil pelos portugueses coin-
As armas e padrões portugueses, postos em África e em As/a, cidiu com a mais brilhante época da história deste
e em tantas mil ilhas fora da repartiçam das tres partes povo e particularmente com o mais brilhante período
da terra, materiaes sam, e pode-as o tempo gastar; pero da sua actividade mental. É o século chamado áureo
nã gastará doutrina, costumes, linguagem que os por- da sua língua e literatura, o século dos seus máximos
tugueses nessas terras leixarem. prosadores e poetas, com Camões ã frente.
Compilação de varias obras de João de José Veríssimo, História da Lit. Bras., Lis-
Barros, Lisboa, 1785, pág. 229. boa, 1916, pág. 25.
Chama-se «língua comum» àquela fala regional que se desde o século IV antes do nascimento de Cristo ao IX
sobrepôs aos dialectos vizinhos, se propagou a grandes ex- depois dêle- mil e trezentos anos de vida e esplendor -é a
tensões, transplantando-se por vezes a distância e tornan- adaptação do dialecto da Ática a populações de dialectos e
do-se o meio de expressão de uma ou mais nacionalidades. até de línguas diferentes. Deve-se isto a «um concurso ex-
Línguas comuns foram, no mundo antigo, o grego e o latim; traordinário de causas complexas», actuantes durante um
no mundo moderno ocidental são das mais importantes o século, entre o fim das guerras médicas e a constituição do
espanhol, o francês, o italiano, o inglês, o alemão, o português. império macedónico. Mas o poder irradiante da Ática, e por-
A língua comum, diz J. Vendryes, «resulta da extensão tanto do seu dialecto, cresceu com a fama que alcançaram
dum poder político organizado, da influência duma classe os poetas e artistas áticos, e então podemos dizer que foi
social preponderante, ou da supremacia duma literatura. Seja como centro literário e artístico, mais que como centro polí-
qual fôr a sua origem, há sempre razões políticas, sociais ou tico, que Atenas conseguiu estender a sua fala pelo mundo
econômicas, que contribuem para a manter» (')■ antigo e fazê-la durar até mais de metade da Idade-Média.
Nesta definição do eminente lingüista francês parece Com o latim foi realmente o poder político, mais que
não se dar à influência da literatura na formação das línguas outra qualquer influência, a base da capacidade de expansão.
comuns papel mais importante que à da extensão do poder A língua de uma cidade, sermo urbanus, começou por abafar
político ou da preponderância de uma classe social. Mas já o sermo rusticus dos seus arredores e suplantou depois os
veremos, e seguindo de perto as próprias observações histó- dialectos e línguas mais distantes—sabino, osco, úmbrico,
rico-lingüísticas do professor Vendryes, que, salvo o caso do etrusco, céltico, grego, etc., até conquistar o vastíssimo do-
latim e do inglês (e para êste ainda nos parece discutível a mínio que se sabe.
restrição), o papel da literatura foi primacial, senão na
Demonstrou o grande mestre Fernando Brunot que o
criação primeira, ao menos na extensão ou expansão ulterior
francês, tal como foi fixado no século XVII, é a língua da
de tôdas as línguas comuns acima citadas.
burguesia parisiense, aèeita pela Côrte primeiro, depois pela
O grego antigo, meio de expressão de todos os helenos
província e até por Flamengos, Bretões e Bascos, gentes de
falas não latinas. ^A importância política de Paris «explicará
bastante» tôda a boa fortuna do dialecto da Ilha-de-França?
(!) J. Vendryes, Le Langage, Paris, 1921, pág. 308. Não parece, e o sr. Vendryes lá diz que «os grandes escri-
48
A METRÓPOLE E SUAS CONQUISTAS
fores, empregando esse dialecto, lhe deram o poder de se diferençados: galeciano a Poente, catalão a Leste, e um
impor definitivamente e de durar* ('). grupo centra! com vasto domínio. Dum dialecto do norte
O inglês oral não está fam unificado como o francês: dêste domínio central, o da Castela Velha, perto das provín-
continua a sofrer a influência de dialectos variados, porque cias vascas, partiu o espanhol comum. Por motivos que a
a cidade de Londres, onde essa fala se constituiu como língua história política determina, fêz-se no sentido do Sul, em
comum, está situada no foco de convergência de várias cor- forma de leque, a extensão do castelhano, que assim foi
rentes dialectais. A importância de Londres provocou grandes suplantando os outros dialectos do grupo central, sem em-
emigrações da província para essa cidade e é por isso à bargo de se haverem mantido até os nossos dias, à direita e
influência da Capita! que a Inglaterra deve a unificação à esquerda do castelhano pròpriamente dito, representantes
relativa da sua língua. Vendrves não fala do auxílio dado daquele grupo, nas falas leonesa e aragonesa, entre ambas
pela literatura à propagação e fixação da língua comum. Deve as quais se notam curiosas semelhanças. O castelhano tor-
no entanto mencionar-se o papel do novelista Qodofredo nou-se língua literária no século XIII, graças ao rei Afonso X
Chaucer (1340-1400), que cedo adivinhou o futuro literário (1252-1284), que foi para a Espanha o que Dante pouco
reservado ao inglês e sobre êle actuou um tanto à maneira depois veio a ser para a Itália. O espanhol comum é, pois,
de Dante com o toscano, e de Lutero com o alemão das resultado da supremacia política e literária de Castela. Tal
chancelarias. supremacia não se estendeu porém a Portugal, que desde
Este »alemão das chancelarias» era pròpriamente uma fins do século XI se constituíra em Estado independente.
língua escrita, usada desde o século XIV pelos secretariados Os dialectos portugueses pertenceram desde sempre ao antigo
políticos das cidades ou das cortes, para as conveniências da grupo ocidental, e assim o velho português se confunde com
colonização germânica dos territórios de fala eslava, situados o galeciano. Mas a importância assumida por Lisboa, como
a Leste. Essas estações oficiais tendiam a empregar nos seus capital, no século XVI, e a influência do grande poeta Camões
escritos uma linguagem quanto possível unificada, livre de (1525-1580), deram supremacia ao dialecto central do país,
particularidades dialectais. Foi portanto o poder governativo que se tornou o português literário comum. Quanto ao dia-
que gradualmente féz surgir um idioma comum. Mas a impor- lecto/hoje falado na Galiza, faz-nos o efeito do velho por-
tância da língua das chancelarias subiu de ponto extraordi- tuguês, detido no seu desenvolvimento, e acha-se, aliás, muito
nariamente, quando Lutero, por impulso religioso mas por impregnado de hispanismos» (3).
processos literários, adoptou tal meio de expressão escrita
para a sua tradução da Bíblia, por entender que seria essa *
língua, entre tantos dialectos orais germânicos, a mais fácil
e geralmente compreendida e aceita. A Reforma e a propa- Como sempre acontece com as coisas humanas e sociais,
gação da Imprensa auxiliaram a vitória do alemão de Lutero- comparadas às da física ou matemática, a noção de dialecto
o esplendor literário do século XVIII confirmou e fixou êsse é muito mais difícil de definir do que, por exemplo, a de
triunfo, promovendo o alto alemão moderno (neuhochdeutsch) triângulo. Bluteau, no seu Vocabulário, explica assim a palavra
a uma das mais importantes línguas comuns da Europa de dialecto: «Modo de falar próprio e particular de huma lingoa
hoje, aprendida e usada na escrita por todo o alemão culto, nas differentes partes do mesmo Reino: o que cõsiste no
embora empregada oralmente com diferenças dialectais que accento, ou na pronunciação, ou em certas palavras, ou no
perduram, e permitem distinguir fàcilmente se é um ham- modo de declinar e conjugar».
burguês, um bávaro ou um austríaco aquele que a está falando. «Hoje considera-se o conceito de dialecto como muito
De origem pura e exclusivamente literária é o italiano. relativo, em função de uma língua de maior importância, ou
Êsse foi primeiro a fala da gente educada de Florença, e daí da possibilidade dessa língua. É dialecto uma forma particular
o nome de língua toscana, que ainda hoje lhe dão os Ita- de linguagem, que não chegou a atingir o desenvolvimento
lianos. E certo que, como diz Vendryes, a situação topográ- literário ou cultural de outra ou outras falas afins; ou que,
fica de Florença, colocada entre Bolonha e Roma, predesti- como o galego e o provençal moderno, tendo tido impor-
nava essa bela e culta cidade a ser o traço de união entre tância literária, a perdeu posteriormente; ou, ainda, uma
os mais brilhantes focos intelectuais da Península Itálica. forma lingüística não saída nunca do estado rudimentar dos
Mas foi a influência enorme dos escritores, Petrarca, Bocácio, idiomas rústicos, dotada de existência humilde, dividida e
e primeiro e sobretudo Dante, que impôs a fala da boa socie- multiforme, à espera que o destino lhe eleve a categoria» (4).
dade florentina (e não propriamente o dialecto toscano) como O galego, diz Américo Castro, representa uma fase
língua literária geral de um pais que nesse tempo não tinha anquilosada e castelhanizada do primitivo português. E, a
nenhuma espécie de unidade política, e onde ainda hoje se respeito dêste, acrescenta o mesmo filólogo espanhol: «Aún
adoptam correntemente, a par da comum, variadas falas antes de haber aparecido Ias máximas obras de nuestra lengua,
regionais (genovês, piemontês, siciliano, toscano, napolitano, la supremacia política de Castilla y su vitalidad cultural habían
etc.), tam diferentes umas das outras, que algumas não são hecho enmudecer espontáneamente Ias letras catalanas, p ame-
compreendidas pelos próprios italianos de dialecto diferente. nazaban extinguir Ias portuguesas. Los grandes lusitanos dei
Chegados assim às duas línguas comuns que mais de momento fueron todos bilingües Pero Los Lusíadas de
perto nos interessam -o castelhano e o português —vamos Camoens estabelecieron para siempre la grandeza y la inde-
registar textualmente o que déles diz ]. Vendryes, baseado pendência de la lengua portuguesa. Fueron su segunda
nas informações dos filólogos dr. josé Leite de Vasconcelos e Aljubarrota* (5).
D. Américo Castro: Esta expressão de um sábio especialista espanhol é
«O espanhol comum fixou-se muito mais cedo que o insuspeita, e eloqüente para se sentir o serviço incalculável
francês. No momento da conquista árabe (ano de 711), deviam
existir na Península três grandes grupos dialectais fortemente
(3) Vendryes, op. cit., págs. 311 e 312.
V) Américo Castro, em La Nación, de Buenos Aires, Abril ou
Maio def 1924.
O Op. cit., pág. 311. ( ) Américo Castro, loc. cit.
>6
49
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
que a língua portuguesa, e Portugal portanto, devem a Ca- ramos nos Lusíadas e na Lírica camoniana. Entre Resende
mões e aos Lusíadas. «Durante o domínio dos Filipes impri- e Camões está Miranda...» ('). Pela sua renovação das for-
miram-se em Lisboa catorze edições dos Lusíadas: na sua mas poéticas, diz Teófilo, «Sá de Miranda abriu a senda por
leitura aprenderam os nossos maiores o caminho que vai onde havia de elevar-se Camões» (10). E o grande quinhen-
da morte afrontosa de 1580 à ressurreição gloriosa de 1640. tista, o grande trabalhador e aparelhador da língua, assim o
E, desde a madrugada bendita em que Camões fulgurou no adivinhou, quando disse: Fiz o que pude!; e ainda quando,
horizonte nacional, é sempre da sua luz, como de luz solar, comparando a linguagem a uma nau que êle próprio lançava
que se alimenta e renova a nossa vida» (6). Mas não deve- aos mares do futuro, lhe desejou, ao dar da vela ao vento,
mos deixar-nos ofuscar por este astro máximo do nosso boa viagem:
firmamento literário, a ponto de cegarmos para a luz precur-
sora das estréias que fulgiram antes da alvorada de Camões. Provemos já esta nossa linguagem
E, ao dar da vela ao vento: boa-viagem! (")
Bernardim Ribeiro, «introdutor do suave estilo pastoril
e amor profundo da natureza na literatura portuguesa» í7), Essa desejada boa-viagem fê-la ou teve-a certamente a
não escreveu uma só linha em espanhol. Antônio Ferreira língua que do seu berço apertado no ocidente da Península,
procedeu como Bernardim Ribeiro, mas foi mais longe, porque galgando os mares, ancorou nas três outras grandes partes
se constituiu defensor e propugnador consciente da língua do mundo. Entre os ilustres escritores portugueses que, com
nacional. «É êle quem diz que a única glória a que aspira, Sá de Miranda, Bernardim Ribeiro e Antônio Ferreira, con-
para prêmio da sua obra, é que a posteridade junte ao seu tribuíram antes de Camões para a conservação, fixação e
nome, como titulo e honra suprema, o apelido de amigo expansão do português comum e literário, seria injusto não
da língua: citar João de Barros. Escrevendo admiràvelmente, no portu-
< j Ah, Ferreira (dirão) da língua amigo!... > guês usual da época, as suas Décadas, em cujo grande assunto
interessava tôda a Europa de então; ousando acometer de
«A língua é digna; indignos são aqueles que a despre- frente, no Diálogo em louvor da nossa linguagem, a supre-
zaram, em vez de a cultivarem quanto merece: macia literária do castelhano, o grande João de Barros influiu,
pelo exemplo e pela prédica, na consciência patriótica dos
Floresça, fale, cante, oiça-se e viva nossos escritores quinhentistas, quási todos bilíngües, quási
A portuguesa lingua, e já onde fôr, todos abalados, no seu nacionalismo literário, pelos prestígios
Senhora vá de si, sobêrba e altiva... imperiais do vizinho e triunfante castelhano. Foi êle o pri-
Se até aqui esteve baixa e sem louvor, meiro que notou a beleza da obra de expansão ultramarina
Culpa é dos que a mal exercitaram, da lingua, tão amada e espantosa que, como novo apóstolo,
Esquecimento nosso, e desamor. na fôrça das mesquitas e pagodes de fôdas as seitas e ido-
latrias do mundo, desprega, pregando e vencendo, as Reais
«Sentindo como ninguém a eternidade da língua, Fer- Quinas de Cristo, com que muitos povos da gentilidade são
reira traça à sua geração o caminho verdadeiro e indica-o metidos em o curral do Senhor. Foi êle quem primeiro disse
ainda às gerações seguintes, como o patriarca previdente, que a maior, a mais duradoira conquista, era a transplanfação
zeloso da conservação do seu sangue, e tam preocupado do da linguagem: «O mais certo sinal que o Romano pode dar,
presente como do futuro» (8): de ser a Espanha súbdita ao seu império, não são as suas
crônicas e escrituras (porque estas, muitas vezes, são favo-
Mas tu farás que os que a mal julgaram, ráveis, ao senhor de quem falam); mas a sua língua, que nos
E inda as estranhas línguas mais desejam, ficou em testemunho da sua vitória... As armas e padrões
Confessem cedo ante ela quanto erraram, portugueses postos em África e em Ásia, e em tantas mil
E os que depois de nós vierem vejam ilhas fora da repartição das três partes da Terra, materiais
Quanto se trabalhou por seu proveito, são e pode-os o Tempo gastar. Mas não gastará doutrina,
Por que êles para os outros assim sejam. costumes, linguagem, que os Portugueses nestas terras dei-
xarem» (12).
Um dos que mais trabalharam para nacionalizar as letras «
portuguesas foi Sá de Miranda. Lutou tôda a sua longa vida * •
com a língua, para a transformar no instrumento perfeito de
expressão que depois serviu aos líricos e épicos das nossas «Do meado do século XIII ao do XIV ninguém sonharia
grandes épocas. Eu risco e risco, dizia êle. Ando com meus sequer no ascendente literário da língua castelhana, quando,
papéis em diferença: nunca acabo de os lamber, como a ursa por via da expansão admirável da língua luso-galaica, de
aos filhos mal proporcionados... <Custou-lhe imenso (diz sainete ao mesmo tempo culto e popular, esta gozava de um
D. Carolina M. de Vasconcelos) acomodar a língua materna esplêndido triunfo, impondo-se como instrumento verbal, ao
aquele português velho e relho dos heróis da África e da menos no domínio da poesia, às classes instruídas e cortesãs
índia, que ouvira e falara na sua juventude, às finas e pro- da Espanha. O século XV desbarata esta fortuna transitória;
fundas idéias novas». E acrescenta: «Só depois de uma luta agora é o castelhano que sobe a língua primaz, que arrasta
porfiada é que a rude fraseologia do Cancioneiro de Resende na sua esteira vitoriosa os próprios portugueses» í13).
se podia transformar naquela formosa linguagem que admi-
francês. No espírito crítico e filosófico adianta-se a França o humanista Antônio de Gouveia; os scientistas ou filósofos
neste século, com Rabelais e Montaigne, a todas as outras Antônio Luís, Francisco Sanches e Garcia de Orta.
nações européias, sendo certo que ficaríamos de perda, se Fora de Portugal, durante tôdas ou em parte das suas
trocássemos o nosso Gil Vicente pelo seu Rabelais. Na ex- gloriosas carreiras, florescem e brilham neste mesmo século
pressão e na evolução lingüística, o português, com Barros na os portugueses André de Gouveia, Diogo de Teive, João da
prosa e sobretudo Camões na poesia, atinge um grau de Costa, o bispo de Évora D. Garcia de Meneses, e Jorge de
fixação e perfeição clássica a que a língua francesa só chega Montemor, o autor da famosa Diana. E Portugal chama a si,
mais tarde. de outras terras, por iniciativa da monarquia protectora das
Na poesia italiana seguè-se Torcato lasso, um pouco letras, sábios insignes como Vazeu, Aires Barbosa (l7), Jorge
Buchanan, Cataldo Sículo e Nicolau Clenardo. Mas no nosso
mais novo que Camões, a Ariosto, um pouco mais velho;
grande exército literário de Quinhentos não há só uma «legião
nenhum dos dois, porém, alcança a elevação genial e o signi-
estrangeira»; o ardor da pugna incruenta e fecunda comu-
ficado humano e universal do nosso grande poeta. Na prosa
podemos opòr João de Barros ao italiano Quicciardini e Sá nica-se ao outro sexo e dá-nos um luzido corpo de amazonas
das letras; D. Leonor de Noronha, dos Vila Reais, promove
de Miranda em certo modo ao Cardeal Bembo. Macchiaveli é
espírito singularíssimo na literatura européia dêste século; ou assina várias traduções em prosa portuguesa; Paula Vi-
cente, filha do grande Gil, colabora com o pai; Públia Hor-
mas nós tivemos antes déle D. ]oão II, que foi em carne e
tênsia de Castro defende teses em Évora aos 17 anos de
osso um bom modélo do' seu Príncipe.
idade; as duas Sigéas, Luísa e Ângela, são cultoras exímias
A Inglaterra quinhentista pouco mais fêz que prepa- das línguas clássicas e orientais; Joana Vaz, latinista, recebe,
rar-se, com uma geração de dramaturgos notáveis, para gerar como tal, merecidos encómios do erudito Clenardo; e a quási
o grande Shakespeare, quarenta anos mais novo que Camões. tôdas estas preside, gentilíssima de corpo e de espírito, a in-
Perto de um século antes daquele nascera Gil Vicente, pre- fanta D. Maria, sobrinha de Carlos V, musa inspiradora do
cursor ou iniciador genial da literatura dramática moderna, nosso maior poeta, padroeira da poesia e da erudição
não só peninsular, mas europeia. nacional.
A-pesar-do seu carácter predominantemente politico e Muitos dêstes grandes nomes são de latinistas ou lati-
religioso, a figura literária principal da Alemanha de Qui- nizantes, porque latinista e latinizante foi, mais que em parte
nhentos é Lutero, pelo valor poético dos seus cânticos de alguma, exceptuada a Itália, o Renascimento em Portugal.
igreja, e sobretudo pela influência exercida na unificação e Daí vem que alguns lamentam ainda hoje terem as nossas
fixação da moderna língua alemã. Além do nome de Lutero. letras perdido, no decurso de Quinhentos, boa parte da sua
a Alemanha apresenta apenas, neste século, os de Erasmo, espontaneidade nativa e do seu sabor ao torrão. É oportuno
Hans Sachs e nenhum mais, apto a enfileirar dignamente dizer-lhes, a estes saüdosos do velho gênio português, cujo
com estes. canto do cisne soou em Gil Vicente, que essa excessiva lati-
i,E Portugal? Uma simples lista de nomes falará por si nizaçâo foi o preço, a-final barato, que tivemos de pagar para
e por nós; alcançarmos, primeiro a independência, e depois a expansão
mundial da nossa língua. À ameaça tremenda com que nos
Pelos fins do século XV nasceram Pedro Nunes, João assustava o castelhano respondeu um admirável instinto pa-
de Barros, Bernardim Ribeiro, Sá de Miranda e Gil Vicente. triótico, diligenciando remontar a língua à pureza da fonte
Na primeira metade do século XVI vieram à luz Cristovam originária. Com pouca corrução crê que ê latina, disse Camões;
Falcão, Antônio Ferreira, Pedro de Andrade Caminha, Diogo e assim resumiu num verso dos Lusíadas o sentimento das
Bernardes, Agostinho da Cruz, ]erónimo Corte Real, o in- gerações que, em face do progresso mais rápido e do triunfo
fante D. Luís, Francisco de Andrade, Luís Pereira Brandão, avassalador da língua rival e vizinha, ganharam fé ç confiança
Luís de Camões, poetas; D. jerónimo Osório, Diogo do Couto, na própria, à força de a suporem primeiro e de a tornarem
Damiâo de Qóis, Antônio Oalvào, Brás de Albuquerque, Frei por último, quanto puderam, mais latina do que aquela.
Bernardo da Cruz, Duarte Galvào, loão de Lucena, histo- A língua portuguesa, para se defender e salvar, correu
riadores; Femão Mendes Pinto, o viajante das Peregrinações; a encostar-se à mãe, e a refugiar-se no seu regaço, como faz
Francisco Galvâo, Diogo de Paiva de Andrade e Frei Barlo- a criança ameaçada por um irmão mais crescido e mais forte...
lomeu dos Mártires, oradores sacros; Frei Heitor Pinto, Amador
•*
Arráiz, o dr. }oâo de Barros, Frei Tomé de ]esus, moralistas
e místicos; Francisco de Morais, Fernando Álvares do Oriente « *
e Gonçalo Trancoso, novelistas; Francisco de Holanda, crítico Tivemos, pois, a boa fortuna de produzir, no preciso
de arte. Dentro do mesmo século XVI florescem Jorge Ferreira momento em que mais necessária nos era, uma constelação
de Vasconcelos e os comediógrafos da escola de Gil Vicente: numerosíssima de prosadores e poetas, de scientistas e eru-
Antônio Ribeiro Chiado, Baltasar Dias, Antônio Prestes, Simão ditos, de oradores e místicos, entre os quais brilharam e bri-
Machado e Afonso Álvares; os cronistas Fernâo Lopes de lharão para sempre alguns astros de primeira grandeza.
Castanheda, Gaspar Corrêa, Duarte Nunes do Leão; o curioso Tivemos, pelo mesmo tempo, um certeiro instinto de conser-
autor da Miscelãnea, Miguel Leitão de Andrade; Samuel Usque, vação lingüística, graças ao qual fomos levados a desna-
místico israelita; os escritores de geografia e de vtagens, cionalizar em* parte a nossa língua, pela aproximação do latim,
Antônio Tenreiro, Francisco Álvares, Pantaleào de Aveiro, e que assim nos livrou do perigo de a desnacionalizarmos ds
Gaspar Frutuoso, Gaspar da Cunha, Fernâo Cardim, Gaspar todo, pela submissão ao espanhol.
Barreiros e João dos Santos; os pregadores Vicente de Lisboa, Essa instintiva exageraçâo do Classicismo era, olhada a
João Sobrinho, Rodrigo de Sintra e João de Xira; os teólogos fundo, uma das muitas facetas de outro instinto mais antigo,
Frei Jerónimo de Azambuja (Oleaster), Frei Jorge de Santiago, sempre vivo e sempre triunfante através dos séculos, desde
Frei Gaspar dos Reis, Frei Baltasar Limpo, D. João de Melo,
D. Estevam de Almeida, D. João Soares, D. Gaspar do Casal,
e Frei Francisco Foreiro; os gramáticos e lexicógrafos Fernâo
de Oliveira, Jerónimo Cardoso e Pero de Magalhães Gandavo; (1T) Este era português, oriundo de perto de Aveiro.
52
A METRÓPOLE E SUAS CONQUISTAS
53
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
espírito, encontra em Portugal tam bom terreno de adaptação, Comparando o curso das nossas letras ao de um «rio
que, antes de quási tôdas as cidades cultas de Itália e do soberbo», disse um poeta clássico português do nosso tempo,
Levante, c muito antes da França, Inglaterra, Castela, Polônia, o brasileiro Olavo Bilac: «... Em breve o rio, mais demorado,
Holanda e da própria Alemanha, podemos orgulhar-nos de remansa-se e espraia-se; mais grave é a sua voz e majestoso
termos nós tipografia» (18). Em 1495 e 1496 aparecem os dois o seu fluxo; parece que o seu vigor se concentra, apres-
primeiros incunábulos portugueses: a tradução da Vita Christi, tando-se para próxima crise. É o meio dia, o trabalho depois
de Ludolfo Saxão, e a História de Vespasiano. A primeira do devaneio, o pensamento depois do sonho. Gil Vicente funda
foi incumbida a Frei Bernardo de Alcobaça pela rainha de o teatro; surgem os autos e as farças; e Sá de Miranda,
Portugal D. Isabel, mulher de Afonso V. Ferreira e a Pléiada dão sangue e fibra ao idioma já feito.
Seu filho D. ]oâo II, o Príncipe Perfeito, reinou apenas E ei-la, de-repente, a crise... O terreno levanta-se, alcan-
de 1481 a 1495, catorze anos fecundíssimos no domínio da tila-se, suspende-se e escava-se. E a massa formidável das.
política interna e da preparação e prévia defesa diplomática águas eleva-se, roda no ar, cascateja em rebojos rutilantes,
dos grandes descobrimentos e conquistas na Ásia e na precipita-se em mós atroadoras, ganha o espaço em saltos,
América. A êste rei admirável, todo absorvido nos negócios em rugidos, em remoínhos, em vórtices—e reboa, e desaba,
práticos da consolidação do poder régio e do engrandecimento e cai, no auge da força, no supremo poder do sangue e do
nacional, não podia sobrar tempo para as distracções da gênio... iÉ Camões, que enche o século!» (20)
poesia. No entanto é seu escrivão da puridade o mais notável Mas não é só Camões que enche o século português
literato do tempo, notável sobretudo pela variedade dos seus com a sua lírica, émula das de Dante e Petrarca, e com os
talentos: o poeta, cronista, músico e pintor Garcia de Rèsende, seus Lusíadas, cujo espírito, segundo Menéndez y Pelayo, «no
compilador do Cancioneiro Geral. E D. João 11 admira e sente es solo português», e, para Oliveira Martins, constituem «o tes-
a poesia, como demostra o testemunho do autor do Pal- tamento da Espanha» e «a essência do gênio ibérico».
meirim de Inglaterra, quando refere ter êsse rei dito um dia Camões, que por si só «eqüivale a uma literatura in-
ao seu secretário, que todo o homem de bem que se prezasse teira», na tam citada frase de Schlegel, ofuscou com o seu
devia saber de cor as Copias de Jorge Manrique (15). brilho uma época literária nacional que, ainda sem êle, haveria
A poesia nacional vinha atravessando uma crise que sido brilhantíssima. E essa época áurea não é a única de que
justificava a preferência de D. João II por aquele belo fomos capazes, nem surge como explosão ou coincidência
exemplar da castelhana. Depois de haver dominado a Pe- milagrosa. O século XVI tem dois irmãos dignos dêle: um,
nínsula, sob a forma lírica, durante um século, entre os que viu quási nascer a nação, dá-nos o primado literário
reinados de Afonso 111 e Pedro 1; depois de ter, no reinado peninsular, impondo a tôda a Espanha culta não só a riquíssima
de D. Fernando, influído pelo Amadis português, sob a forma literatura lírica de que são reflexo os Cancioneiros trova-
da novela cavalheiresca, em tôda a literatura europeia, a nossa dorescos, mas a própria língua ainda bárbara em que psse
literatura poética degenera no amaneirado e artificial estilo lirismo se exprime; o outro, já contemporâneo nosso e cheio
palaciano, e só emerge dêste letargo cem anos mais tarde, da queixa elegíaca da decadência e até da agonia de Portugal,
com Bernardim Ribeiro e Cristóvam Falcão, para atingir é o século de Castilho, Garrett e Herculano; de Camilo, João
pouco depois os cumes de Qil Vicente e Camões. Entretanto de Deus e Antero de Quental; de Júlio Dinis, Oliveira Martins,
nasce, cria-se e floresce a prosa portuguesa, sobre-tudo pelos Eça de Queiroz e Ramalho; de Junqueiro, Fialho de Almeida
aspectos moral, didáctico e histórico, evolução que completa e Antônio Nobre. Mais uma vez, tivemos, no século XIX,
a nossa excepcional capacidade de expressão literária e à uma proporção de grandes figuras literárias em despro-.,
qual presidem, dando o exemplo e protegendo os talentos porção com o nosso tamanho de país e o nosso número
com impecável escolha, os quatro primeiros reis de Avis. como povo. Êsse povo é, desde o século XII até hoje, o
Beneméritos da nossa Pátria, que prepararam para grandes mesmo que nas Cortes de 1562 reclama, pelos deputados do
feitos, são-no também da nossa Prosa, que se educou para seu braço, que «se mandem imprimir as Crônicas dos reis
os contar. Desde Fernão Lopes a João de Barros o estilo passados para servirem aos novos»; e que el-rei D. Sebastião
prosaico português, por excelência histórico, forma-se parale- seja educado em tudo à portuguesa; «que vista à portuguesa,
lamente com a definitiva independência e expansão política, cavalgue à portuguesa, coma à portuguesa, fale à portuguesa »
para a definitiva independência e expansão literária. Fernão que se case cedo com princesa de França (e não de Castela);
Lopes narra-nos a Aljubarrota militar; em João de Barros e que esta, «embora ainda menina, seja trazida para Portugal,
afia e brune Camões as armas com que Portugal venceu de para ser criada à portuguesa».
todo a Aljubarrota lingüística. Um povo assim dotado do amor da independência, do
instinto do que vale a linguagem como penhor da autonomia
nacional e da capacidade de sublimar pela arte a sua fala,
explica o destino excepcionalmente feliz que a língua portu-
guesa teve na história e no mundo: falada a princípio por
Agora, com D. Manuel I, a literatura nacional vai por algumas centenas-de-milhar de indivíduos, é hoje o órgão de
seu pé, dispensando a protecçâo dos reis, pois é já ela, a bem expressão e comunicação para mais de cincoenta milhões de
dizer, quem reina. E nos reinados seguintes, de D. João III criaturas. E, tanto quanto é possível caracterizar e definir em
a D. Sebastião, chega-se ao esplendor que o gênio da nação rápidas sínteses os fenômenos históricos e sociais, será lícito
guardava em germe, e que os séculos precedentes vieram dizer-se que até o século XII ou XIII o instinto de nacionalidade
sábia e carinhosamente ajudando à plena e magnífica flo- dos Portugueses contribuiu para fundar a autonomia da sua
rescência.
Í2J2 S2
0
•v
55
.
I
CAPÍTULO II
POR
0 ano de 1526 e quinto de seu reinado, D. João III deliberou mandar ao ANTECEDENTES
Brasil uma armada guarda costas sob o comando de Cristóvam Jacques. DA EXPEDIÇAC
?w Lançava o rei mão da violência, desanimado pelo insucesso das reclamações
de seus embaixadores e emissários, de tantas e baldadas solicitações à côrte
de França para repressão dos corsários, que com seus assaltos e latrocínios
í7> ameaçavam transformar o Atlântico em um campo dè batalha.
A escolha do capitão do mar recaía em navegador e guerreiro expe-
riente, que dez anos antes D. Manuel enviara a explorar e policiar os
litorais de Santa Cruz e conduzira os seus navios até ao Rio da Prata, onde
mm
GB o mapa de Diogo Ribeiro regista uma ilha com o seu nome.
Conquanto saibamos que, na primeira viagem ao Brasil, Cristóvam Jacques gastou dois anos
quatro meses e dezoito dias, desde 21 de Junho de 1516 a 9 de Maio de 1519, e que levou por
ordenado dezoito quintais de pau brasil por ano, recebendo mais de Pedro Cardoso,' feitor das Alman-
dravas do Algarve, cento e vinte e cinco mil e quinhentos reis, àlém dos cem mil reis de que se passou
alvará em 2 de Setembro de 1521 para lhe serem pagos pelo tesoureiro Fernão Álvares (0, poucos
vestígios mais ficaram da expedição tam controvertida de 1516, agora definitivamente comprovada pelas
investigações condensadas no capítulo XIII do volume. II da presente obra. Consegue apurar-se em
diversas fontes que ao comandante fôra cometida por D. Manuel a fundação de postos de resgate (2),
senão um ensaio de colonização (3), de que se salvou o nome de um dos capitães de
O ►!« O Hh O O »*• O O ►*« O ►!« O »l« O »KC
(') Veja-se a págs. 353 e seg. do vol. II da presente obra.
ria icií: ^ i611 C0rnPend'0 de Historia do Brasil, o padre Qalanti sustenta a opinião de que, no decurso da viagem
. , • Cristóvam Jacques levantou uma feitoria no sitio do Marco, assim ao depois chamado por ser divisa das duas
capitanias de Itamaraca e Pernambuco. Baseia-se o historiador na passagem da carta de doação de 10 de Março de 1534
em que se diz: «...ficara com o dito Duarte Coelho a terra da banda do sul e o dito rio (o de S. Cruz ou tgarassú) onde
J queS
.RrTuI"
as
"' pags. 29 ' a 3Prdo
^ a 31,. nota 'metra casaque
vol. III), de aminha feitoria...»
existência em 1516 Assevera o autor,
de uma feitoria em citado por Rocha
Pernambuco Pombo
se deduz do (Historia do
facto de ali
naverem aportado e carregado pau brasil, nesse mesmo ano, os companheiros sobreviventes de João Dias de Soiis que
prenderam onze portugueses encontrados na feitoria. Ver-se-há no decurso do presente capítulo que ambas estas ocorrências
sao invendicas. Invoca também o autor o facto de, entre os meses de Junho a Setembro de 1525, antes da chegada de
Ue
m,o
mas nao- na vla
prova Sem desse aano,
que fosse Sebastião
fundada Caboto ter
pelo mesmo deparado
Jacques no mesmo
na viagem local com uma feitoria portuguesa, o que é exacto,
de 1516.
da I h- ^abemos-diz Varnhagen,—que em 1515 ordenou (D. Manuel) por um alvará, ao feitor e officiaes da Casa
de ssen1
outrn i' ara
^ ordenou
. 'machados e enxadas e toda a mais ferramenta ás pessoas que fossem a povoar o Brasil; e que, por
rfín nr,n .'0 a urn en30 mesmo feitor e officiaes que procurassem e elegessem um homem pratico e capaz de ir ao Brasil
nnrr,F ^'h"para a factura
necessárias . genho. de assucar,
do dito e que lhe desse sua ajuda de custo, e também todo o cobre e ferro e mais coisas
engenho.*
59
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
feitoria U). A estes primitivos colonos—alguns dos quais parece terem regressado em 1528 nos navios de
Cristóvam Jacques,—se refere ]oão de Melo da Câmara na sua carta (5) a D. João III: «omens que
estimem tão poucuo o serviço de vosã ãlltezã e suos honros que se contentem com terem qustro índios
por mancebas e comerem dos mantimentos da terra, como fazião os que delia agora vieram, que eses
são os que lia querem tomar por moradores e outros taes
Que já nessa primeira viagem Cristóvam Jacques grangeara fama de temível é o que se
depreende das referências de Francisco dei Puerto {<>). Era homem para cumprir a missão de expurgar
o litoral do Brasil dos corsários franceses que, invocando o princípio da liberdade de comércio,
acometiam as feitorias de Portugal, diligenciavam tomar pé na terra desocupada e atacavam os navios
dos mercadores portugueses que se aventuravam a ir carregar o pau de tinturaria.
As viagens dos intrépidos navegadores da Normândia e Bretanha aos portos do Brasil
tinham começado em 1503-1504, e haviam atingido o auge da actividade no ano da partida de
Cristóvam Jacques (7). As reclamações portuguesas contra os desmandos da pirataria no Brasil já
remontavam ao reinado de D. Manuel. Se bem que, a princípio, parece terem obedecido apenas ao
propósito de proclamar o direito de Portugal à posse das terras meridionais do Novo Mundo, foram
progressivamente assumindo o carácter de reivindicações veementes, epilogadas pela expedição terrorista
do inflexível fidalgo algarvio.
Não era declaradamente contra o princípio, geralmente admitido entre nações amigas, da
liberdade de comércio, que se levantavam as objecções e protestos de Portugal. Essa liberdade de trato
de mercadorias estava, aliás, na dependência da recíproca vigilância das autoridades dos portos e
dificilmente se entenderia em territórios onde não se achavam ainda constituídas ou careciam de fôrça
para se imporem. Sem dúvida, os direitos de trânsito e de comércio eram conseqüentes do estado de
paz entre as nações, mas invocando êsses direitos os franceses abusavam dêles para atacar a navegação
portuguesa e considerar suas as terras descobertas e possuídas por Portugal.
Querer ver na atitude de D. João III para com a França «a intransigência brutal da sua
índole mesquinha e ávida-» (8) é fazer grande injustiça ao colonizador do Brazil. Muito diversamente se
conclui da análise dos sentimentos e da política de D. João III, tam acèrbamente retratado por Herculano.
Ao invés de ávido e mesquinho, o rei era liberal até à prodigalidade e preferiu sempre os métodos
conciliatórios, aos da violência, contrária ao seu carácter prudente e pacífico. As viagens dos
navegadores da Bretanha e da Normandia aos portos do Brasil não teriam merecido tantas e porfiadas
reclamações diplomáticas se não fôra a intromissão dos actos inadmissíveis de pirataria, os ataques
freqüentes aos navios e feitorias de Portugal, as tentativas ilegítimas de tratar os domínios da coroa
portuguesa como roupa de franceses e os seus súbditos como verdadeiros inimigos.
À liberdade de comércio correspondem mútuos direitos e deveres. Hoje ainda, a entrada nos
portos é submetida a prescrições e regulamentos e sôbre ela incidem impostos cobrados pelas autori-
dades. De nada vale invocar razões especiosas para explicar os sobejos motivos que ditavam os
protestos da coroa portuguesa contra os abusos, os latrocínios e os morticínios de que eram réus
(,4) ♦ Eu EI-Rei faço saber a vós, Christovam Jacques, que ora envio por Governador ás partes do Brasil, que
Fero Capico, capitão de uma das capitanias do dito Brasil, me enviou dizer que lhe era acabado o tempo da sua capitania
e que queria vir para este Reino, e trazer comsigo todas as peças de escravos e mais fazendas que tivesse,—hei por bem
e me apraz que na primeira caravella ou navio que vier das ditas partes, o deixeis vir, com todas as suas peças de escravos
e mais fazendas; comtanto que virão direitamente ã Casa da índia, para nella pagarem os direitos de quarto e vintena, e o
mais a que forem obrigados, na forma que costumam pagar todas as fazendas que veem das sobreditas partes «.— Alvará
de 5 de Julho de 1526, publicado por Varnhagen na sua Historia Geral do Brasil.
Embora Varnhagen seja omisso, como freqüentemente lhe acontece, em relação à fonte de onde transcreve o
documento, devemos fiar-nos na sua probidade para o considerarmos genuíno. Dêle se depreende que, à data, existiam
várias capitanias no Brasil, idênticas àquela de que era capitão Pero Cápico; e que havia navegação, embora irregular, entre
o Brasil e Portugal, pois de outro modo se não explica que houvesse chegado ao rei o pedido de regresso, atendido pelo
soberano. Conseqüentemente, em seguida à concessão dada a Fernão de Loronha, a coroa já experimentara, antes da distri-
buição das Donatárias, outro processo de colonização, de que não ficaram mais vestígios. Quanto a ser Pero Cápico
«capitão do mar» ou guarda costas, como presume Rocha Pombo, parece-nos desacertado, pois se o fôsse voltaria ao
reino no seu5 navio.
(6) Vousa Viterbo, Trabalhos náuticos dos portugueses, a pág. 216.
{7) Veja-se a pág. 384 do vol. II da presente obra a passagem da carta de Luís Ramirez.
( ) Uma das causas determinantes da expedição, senão a principal, presume-se ter sido a notícia transmitida
pelo embaixador João da Silveira, em 1526, de que nos portos de França se estavam armando em côrso contra
Portugal vários navios.
(8) M. E. Gomes de Carvalho, D. João III e os Franceses, pág. 22.
60
A EXPEDIÇÃO DE CR1STÓVAM JACQUES
contumazes os corsários da França. Aqueles navios chamados de comércio andavam artilhados como
navios de guerra, e se alguns mercadores inocentes foram atingidos pela repressão portuguesa, êsses
pagaram pelas culpas dos seus compatriotas, que exerciam a profissão lucrativa e criminosa de salteadores.
Se é certo que no Oriente os portugueses perseguiam implacavelmente a navegação maometana
e defendiam o monopólio do seu comércio com energia cruel, não deve esquecer-se que essas perse-
guições ferozes se faziam a um inimigo tradicional e concorrente poderoso. A política de D. João III,
quando mesmo não tivesse tido por base jurídica a preservação de um direito legítimo de posse e
a punição de averiguados crimes, denunciaria o patente interêsse em defender e guardar a remota
conquista. Sem essa política, o Brasil ficaria à mercê das estranhas cobiças, condenado a ser retalhado
e a permanecer ainda por muitos anos despovoado e desgovernado, reduzido a um baldio para usufruto
de aventureiros.
É sob êste critério que haverá de estudar-se o emmaranhado pleito de onde resultou a reso-
lução de colonizar o Brasil.
^ relações comerciais de Portugal com a França ascendem aos alvores da independência do primeiras via-
1 Pecluen
35
o reino da península hispânica. Recíproca era a importação e exportação de merca- jens france-
SASA0BRASIL
dor' ! numerosos foram os privilégios mutuamente concedidos pelos convênios firmados
entre as duas coroas; e quando Portugal iniciou a fase da sua actividade marítima, os
armadores de França beneficiaram da perícia dos construtores navais portugueses (9).
■Naturalmente cioso se tornou Portugal da fortuna que à custa de tamanhos sacrifícios e
perigos e de tanto sangue derramado havia rematado o tentámen dos descobrimentos e conquistas
ultramarinas. Logo no fim do século XV, quando ainda reinava D. João II, surgiu a primeira pendência
grave entre Portugal e a França. Êsse incidente (io)( para o qual a energia do grande rei obteve
reparação completa, inicia com um acto insólito de pirataria a série dos conflitos marítimos entre os
súbditos das duas nações, e é precisamente pela intervenção que nele teve Vasco da Gama, a quem
D. João II mandou ao reino do Algarve tomar tôdas as náus de França que se encontrassem nos
portos, que devemos a única notícia de ser já então o futuro almirante das índias thomem de que
(el-rei) confiava e servia em armadas e cousas do mar* (").
Não conseguiu a enérgica represália portuguesa obstar a que os navegadores de França,
atraídos pela esperança incitadora do lucro, continuassem as suas navegações clandestinas para as
terras descobertas por Portugal (12). Os mares eram livres e desertos; os marinheiros normandos hábeis
e destemidos. Ruão, Diepe e Honfleur, pela sua situação geográfica, tornaram-se os focos irradiantes
dessa aventurosa epopeia dos corsários. As náus normandas e bretãs iam resgatar à África e à América;
algumas tentavam navegar ousadamente até ao Oriente. Uma crônica impressa em Basiléia, por 1529 (13),
menciona uma exposição de selvagens da América do Norte, realizada em Ruão no ano de 1509:
«septem homines silvestres ex ea insula quce Terra Nova dicitur, Rotomagum adducti sunt, cum similia,
vestimentis, et armis eorum». Tais eram os primeiros troféus das suas arrojadas viagens à Terra Nova,
cujo descobrimento em parte se atribuíam. Crignon, em 1539, sem negar que os portugueses houvessem
descoberto a Terra Nova, do cabo Raso ao da Boa Vista, afirmava deverem-se aos bretões e
Ot*« o*©»* O»* O»* O O O
F) Les portugais en FrancCj les français en Portugal, por Michel. Paris, 1882, a pág. 171.
(10) A êste episódio do apresamento de uma caravela da Mina pelos corsários franceses, e a que parece não ter
sido estranho João Dias de Solis, se fêz referência a pág. 373 do vol. II da presente obra.
u
t12 ) Garcia de Rèsende, Vida e feitos delrey Dom João 2.°, f. 86 v. da edição de 1596.
( ) ..." les Rouennais n'interrompaient point leur navigation loinfaine. Únis aux Dieppois, ils devancèrent les
Portugais sur13 les côtes d Afrique et y fonderent des comptoirs. Bibliothèque de TEcole des Chartes, vol. XII, pág. 584.
( ) Ibidem, vol. XIII, pág. 496.
61
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
normandos os descobrimentos tanto para o norte como para o sul dessas paragens, o que parece
confirmar-se pelo exame filológico da nomenclatura (14). O grande movimento expansivo das populações
marítimas da França setentrional, em que se provou a maestria dos seus capitães, pilotos e marinheiros,
não fardou em adornar-se de lendas, como a da atribuição ao diepense ]ean Cousin do achado' da
América e do Caminho das índias.
Essas navegações, que invadiam a esfera de influência portuguesa, teriam passado talvez sem
protesto, dada a índole prudente e conciliatória de D. João III, se a pirataria não lhes viesse
1 -s 3
35,
*5
*■> -••-c
r-
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ma
T.
La Roncière, a pág. 120 do vol. LV da op. cit. nas duas notas anteriores.
e a se 0 resi mo desta
publicou em 1869 a' 'sua relação
Kr™ i oí,y i nos n.os viagem, a pág.e 457,
de junho nasdos
}ulho erratas e comentários
Annales des Voyages, do tendo-se
vol. II daanteriormente
presente obra. D'Avezac
ocupado da
viagem do capitao de Gonneville na análise crítica à Historia Geral, de Varnhagen. Veja-se a pág. 171 do Bulletin de la
Societe de Geographte, Paris, 1857. ai ^ a uu vuiienu ue ia
6
. . n .C ). Veja-se na Revista do Instituto Histórico do Rio de Janeiro, vol. XLIX, a memória de Trisfão de Alencar
Aranpe, Primeiro navio írancez no Brasil. 'usiau ue Hiencar
ffoi• publicada
.f a pag.í-ivro194V,dotito 98 III
tomo § 2das
o. aCartas
informação original
de Affonso que serviu deLisboa,
de Albuquerque, fonte à1903.
citada legislação do código manuelino
manueuno
62
A EXPEDIÇÃO DE CRISTÓVAM JACQUES
S turbulentas aventuras dos valentes normandos e dos não menos corajosos bretões cêdo O PONTO DE
começaram • a causar graves dissabores e avultados prejuízos, ameaçando as comunicações VISTA FRANCÊS
marítimas de Portugal com as suas colônias.
Conta-nos Damião de Góis (is) que D. Manuel reclamara inutilmente, junto à côrte
de França, contra as proezas do corsário Mondragon, que saqueara no mar dos Açores
um navio português em regresso da índia, comandado por ]ob Queimado. Saíndo-se bem da aventura, o
corsário armara quatro navios com o mesmo fim de assaltar as fatigadas náus e caravelas que retor-
navam do Oriente. Desta vez, convencido de
quanto eram baldadas as reclamações ao rei
de França, que parecia patrocinar os latro-
cínios, D. Manuel recorreu a meio mais eficaz
de preservar as suas armadas contra as aco-
metidas traiçoeiras do banditismo marítimo.
Duarte Pacheco Pereira foi escolhido para
castigar a ousadia do pirata, que não merecia
a honra de combater com tamanho herói. Aos
18 de Janeiro de 1509, os navios portugueses
avistaram no Cabo Finisterra as quatro velas
de Mondragon. Ali mesmo se feriu a brava
peleja; um dos quatro navios franceses foi Fac-simile da assinatura de el-rei D. Manuel
metido a pique e os três restantes trazidos
a Lisboa com o pirata, mais tarde restituído à liberdade com a condição de nunca mais atacar a
navegação portuguesa (19).
Com excepção do mar das índias, onde os portugueses, por virtude do monopólio que ali
exerciam de facto, acometiam os navios rivais das nações muçulmanas, nunca as náus de Portugal
praticaram a perseguição do comércio e a guerra do corso. Nessa conduta se firmava a autoridade das
reclamações portuguesas, e quando acontecia que, por excesso de zêlo repressor ou por culpa
averiguada, se transgrediam as praxes e os tratados de paz e comércio, a coroa não se eximia ao
pagamento de indsmnisações. Nesses precedentes se fundavam as posteriores reclamações de D. João III.
. Por uma carta de Pedro Colaço, de 11 de Dezembro de 1509, sabemos que
Luís XII se queixara amargamente da tomada de um navio bretão. D. Manuel
mandou que Pedro Colaço fôsse à Bretanha conferenciar com os armadores
do navio apresado, que ainda reclamavam 800 cruzados àlém dos 1.150 que
haviam já recebido de indemnisaçãa í20), liqüidando com êles a demanda.
A êste procedimento e às reclamações de Portugal e da Espanha
contra os desmandos da pirataria, a França opunha uma política de sofismas,
invocando a liberdade de trânsito nos mares e os direitos implícitos da
navegação e do comércio. Foi essa política dúplice que mais tarde determinou
Carlos V, enfurecido pela casuística de Francisco I e pelos assaltos freqüentes
dos piratas franceses aos galeões espanhóis, a ordenar que, onde quer que
se encontrassem os navios de França navegando no caminho das colônias
espanholas da América, se apresassem os intrusos e deitassem ao mar as
tripulações (21). Não contente em adoptar estas medidas intimidadoras, o
Fac-simile da assinatura Imperador enviou a França o grão-mestre de Alcântara, encarregado de
de Luís XII, rei de França obter a abdicação dos direitos da navegação francesa nas paragens ocidentais
do Atlântico. Essa diligência inspirou a Francisco I a famosa resposta:—«£s^-ce
déclarer la guerre et contreuenir a mon amitié avec Sa Magesté que d'enuoyer la-bàs mes nau ir es?
«íaoají3is«iiaa3659ea^^
(18 ) Chronica del-rei D. Manuel, II, cap. 42.
(ll)) Na colecção do Corpo Chronologico, I, m. 7, n.o 68, encontra-se o regimento datado de Évora, a 14 de
Dezembro de 1508, dado a ]oão Serrâo, incumbido de procurar o corsário nos portos da Galisa, França e Inglaterra.
Ao perseguidor fôra confiada uma caravela de cêrca de 30 toneladas, «a mais veleira e melhor que se achasse», artilhada
com 8 berços e 1 falcão e tripulada por 20 homens. Estes pormenores mostram a superioridade em combate da caravela
sobre a náu, devida à facilidade da manobra e presteza de movimentos do pano latino em comparação com o pano redondo.
(20) Corpo Chronologico, I, m. 8, n.o 59. Veja-se a sua publicação literal no Apêndice I dêste capítulo.
í21) Carta de Carlos V ao cardeal de Toledo, de 11 a 13 de Novembro de 1540. Arquivo de Simancas. Estado
Portugal, tegajo 372, fl. 6.
63
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
iLe soleil luit pour moi comme pour les autres: je uoudrais bien voir la clause du tesfament d'Adam qui
m'exclut du partage du monde!-» (22).
Posta assim a questão pela corte de França, que habilmente iludia os factos delituosos de
pirataria, que motivavam as reclamações, os ministros de D. ]oão III tiveram de enfrentar a tese
francesa e discutir a legitimidade dos próprios direitos de navegação e de comércio nos domínios
ultramarinos da coroa, pois só o reconhecimento do monopólio evitaria os conflitos, afastando os navios
franceses das rótas ou estradas marítimas freqüentadas pelas armadas portuguesas.
O PONTO DE ER1A de certo palpitante de interêsse a correspondência expedida por ]acome Monteiro,
VISTA representante de D. Manuel, quando em França tratou do intrincado assunto das repa-
PORTUGUÊS
rações derivadas da guerra de corso que os franceses moviam aos navios de Portugal
para os esbulhar das suas cargas. Infelizmente, muito pouco resta da correspondência de
jacome Monteiro, cuja habilidade mais tarde Diogo de Gouveia encareceria, recomendando
a D. ]oão III que se utilisasse dos talentos do experimentado agente de seu pai. Sabemos tam somente
que, em 9 de Março de 1513, jacome Monteiro comunicava de Blois que o douto reitor do colégio de
Santa Bárbara partira para Ruão munido das provisões necessárias para tratar da cobrança do ouro
tomado pelos corsários franceses, o qual «havia já pela mór parte em seu poder», com excepção de
oito onças, que em breve esperava cobrar (23).
Depreende-se do texto que as reclamações de D. Manuel haviam sido atendidas. Era a justa
reciprocidade à conduta do rei de Portugal, que resolvera mandar pagar sete centos e oitenta e oito
escudos e meio exigidos pelo parlamento da Bretanha, em virtude da prêsa de um navio bretão que,
por 1508, regressava de pescar na Terra Nova. O competente alvará, que publicamos em apêndice a êste
capítulo, mostra-nos a situação de agente financeiro do rei que assumira o opulento Bartolomeu
Marchione, um dos armadores da náu Bretôa.
O critério de exclusivismo que Portugal veio a aplicar à nevegação em seus domínios do
ultramar era idêntico ao adoptado pela Espanha. Em 6 de Setembro de 1513 apresentava D. Manuel
explicações sobre um pedido do rei de Castela para não irem os portugueses a descobrir ou tratar nas
terras recém-baptizadas com o sugestivo nome de Castílla dei oro, que «he pegada com a nossa teerra
do Brasyl»; (24) e sabemos como, vítimas da competição em que andavam portugueses e castelhanos no
(22) Do cardeal de Toledo a Carlos V, de 27 de ]aneiro de 1541. Arquivo de Simancas. Estado Castilla,
legajo 53, fl.23 333.
í ) Eis o texto integral da carta, sumariada por Santarém, a pág. 178 do tômo III do Quadro Elementar, copiada
do original existente na Tôrre do Tombo, Corpo Chronologico, parte I, m. 12, n.o 84:
Snor—Estes dias pasados espreuy a Vosa Alteza com as cartas que daquy emvyou o doctor Diego de Gouvea
em que dava conta a Vosa Alteza de minha estada aquy nesta corte delrey de França / e agora chegou aquy Antonyo Nunez
criado de Vosa Alteza a negociar algumas cousas de voso serviço as quaes lhe ajudey a negociar e pus mynhas forças en
todo o que pude e asy fáley com elle algumas cousas que disese a Vosa Alteza nas quaes lhe mande dar crença / Snor, o
doctor Diego de Gouvea partio daquy bem espedido con todas provysões que eram necesarias e se foy a Ruão a cobrar ho
ouro de Vosa Alteza e agora me espreveo q ho tinha ja todo en suas maãos excepto oyto honças ou pouquo mais as
quaes em breve esperava de cobrar e se pera yso lhe for necesaryo quaesquer outras provysões lhas envyarei daquy con
toda deligêcia. elle Snor, me espreveo sobre algúas cousas q tocã ao servyço de Vosa Alteza eu farey toda deligêcia sobre
yso e creo q per suas cartas e de Antonio Nunez avera sabydo Vosa Alteza as deligencias q fiz sobre este ouro e asy sobre
outras presas fedas a portugueses e se Vosa Alteza manda algün serviço de my enquanto aquy estiver mandemo avysar.
De Blois a viiij (9) dias de março de MDxiij (1513).—Jacome Monteiro.
(24) Muyto alto muyto eixelemte primcipe e m.t0 poderoso padre / lopo furtado de mendoça geemtill homeem
de vosa casa nos deu vossa carta de cremça e per virtude delia ho ouuymos em todo o que de vosa parte nos faltou sobre
os nauios e geente de nosos reynos que dizeeis que sooes em formado que vaao a descobrijr e entram no que por voso
mandado he descuberto na teerra que agora mandastes chamar casteella do ouro que he pegada com a nosa teerra do
brasyl. E porque a elle respondeemos largamente como elle vos dirá e leeva por nosa ynstruçam a elle nos remetymos e vos
rogamos muy afeituosamente que em todo o que açerqua dello vos dizer o creaes e lhe dees jmteira fee e crença e rece-
belocraaos em muy symgular prazer muyto alto muyto eixcelemte primcipe e muyto poderoso padre nosso senhor deus aja
seempre vosa pessoa e real estado em sua samta guarda, seprito em symtra a seis dias de setembro de 1513. El-Rey.—
Tôrre do Tombo, Corpo Chr., p.te I, m. 13, n.o 53.
64
A EXPEDIÇÃO DE CRISTÓVAM ]ACQUES
descobrimento e posse das terras adjacentes ao Amazonas, foram maltratados, nesse mesmo ano,
Estevam Fróis e os seus companheiros (25). O elucidativo documento em que o piloto português se
queixa a D. Manuel das violências que sôbre êle exerceram os castelhanos, serve para esclarecer a
política ciosa de Albuquerque
dos descobri- eveador da casa
mentos, que a da rainha, era
França não se ao tempo embai-
contentava em xador na corte
desrespeitar, de França, mas
mas atacava com a sua corres-
violência, trans- pondência, lar-
gredindo com s gamente extra-
os assaltos e }
^4 tada por San-
agressões dos tarém, ocupa-se
corsários as pró- quási exclusiva-
prias leis em que' ü mente de assun-
podia firmar-se tos políticos. Só
a liberdade da o feitor João
navegação dos <0 Brandão, escre-
mares. vendo de An-
Subindo ao Q tuérpia, por
trono em 1515, á
1519, alude ao
Francisco I, rei HJ
roubo de um na-
de França, a- vio português
pressou-se a u
por um corsário
enviar a Portu- da Escóssia. Do
gal o senhor de que se passara
L'angeac com nos últimos anos
cartas de ami- (S
ví- do reinado de
zade e cortezia D. Manuel com
para D. Ma- N respeito ao Bra-
nuel (26). Os dois sil quási nada
poderosos vizi- BB Q sabemos docu-
nhos, Carlos V e &
mentalmente.
Francisco I, iam i Cristóvam Jac-
encontrar-se ques fôra envia-
frente a frente do à América em
como inimigos, 1516,navegando
e ao segundo até ao grande
não seria certa- rio que os por-
mente indiferen- to tugueses deno-
te a neutralida- minaram da Pra-
de de Portugal- ta (27). i Era a
FRANCISCO I DE VALOIS
Pedro Cor- Rei de França sua missão ape-
reia, o grande (Gravura quinhenlista) nas de explora-
amigo de Afonso ção geográfica e
de fundação de feitorias ? d levava em mira expelir os franceses das vizinhanças de Pernambuco? dou
designadamente seguir na esteira de Solis (28) até ao estuário descoberto por João de Lisboa, dois anos
(25) Veja-se a carta de Estevam Fróis a D. Manuel, publicada a"" págs, XLV1 da Introdução ao l.o volume
da presente 26obra.
( ) Quadro Elementar, tômo III, pág. 183.
(27) Em carta da rainha regente de Espanha ao seu embaixador em Lisboa, Lopo Hurlado de Mendoza, publicada
por Toríbio de Medina, a pág. 32 de El português Gonzalo de Acosta, se encontra na seguinte passagem a atribuição aos
portugueses do nome que perdurou para o grande rio: < el Rio de Solis, que los Portugueses llaman de la Plafa...» Arquivo
de Índias, 139—1—8.
(28) João Dias de Solis partira com três pequenos navios de San Lucar, aos 8 de Outubro de 1515.
18 65
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
antes? As diligências de D. Manuel para haver às mãos e punir Dias de Solis, homisiado em Espanha,
e que o rei Fernando de Castela acabou por nomear seu pilôto-mór, em sucessão de Vespúcio (29),
deixam supor que o segrêdo com que se concertara a sua viagem tivesse sido surpreendido pela
vigilância do embaixador de Portugal. Por outra via sabemos que no mesmo ano de 1516 se provi-
denciara para prover de ferramentas os colonos que se destinavam ao Brasil e lá mandar um prático
para a construção de um engenho de açúcar.
d Como cumpriu Cristóvam lacques a sua missão? De alguns depoimentos esparsos e poste-
riores se conclui que êle levou os seus navios até ao rio da Prata (3°), e que lhe serviu de intérprete
um Melchior Ramirez, sobrevivente da flotilha de Solis (3i). Ainda os franceses não tinham atingido
aquelas paragens litigiosas.
Parece inferir-se também que êle fundou uma íeitoria no Igarassú, em lugar que poste-
riormente se chamou dos Marcos, divisa das donatárias de Pernambuco e de Itamaracá, respectiva-
mente de Duarte Coelho e Pero Lopes de Sousa. Por ali, sim, andavam com relativa freqüência
os navios franceses resgatando com os indígenas e carregando pau brasil. L Encontrou-os Cristóvam
Jacques? De nenhum documento se infere o encontro, que teria plausívelmente derivado em conflito
contra o qual não consta haja reclamado o rei de França.
A ENV1ATURA ]S negociações com a França iam entrar numa fase de intensa actividade com a subida ao
DE10Ã0 DA trono de D. João III e a enviatura de João da Silveira.
SILVEIRA
O embaixador mandado à corte do belicoso Francisco I voltara da índia, para
onde embarcara em 1515 na armada do seu tio Lopo Soares, sucessor de Afonso de
Albuquerque.
O novo rei encontrava para o servir nos negócios da política uma geração de excepcional
cultura: conseqüência imediata do influxo da Renascença e do papel que Portugal desempenhara nos
descobrimentos e nas conquistas do ultramar. A pequena nação já não estava confinada no trato dos
negócios caseiros. Atingira uma situação de evidência no concêrto internacional. A nobreza exercitara-se
no govêrno de postos difíceis. No cargo de secretário de Estado, o rei conservara a atilada experiência
de Antônio Carneiro. O dr. Diogo de Gouveia, mestre de Santo Inácio de Loiola e reitor de Santa
Bárbara, honrava na França o nome português, que repercutia no mundo com glorioso eco, e os feitores
da Flandres recebiam nos salões da íeitoria de Portugal os mais reputados artistas do tempo.
João da Silveira estivera já em Paris na corte de Luís XI1 e fôra dos que acompanharam a
Nice a infanta D. Beatriz, quando do seu casamento com o duque de Saboia. Concorriam nêle quali-
dades e aptidões capazes de lhe conquistarem uma situação brilhante na corte de França; e propriamente
para os efeitos da sua missão contaria com a experiência de Jácome Monteiro e a influência de Gouveia.
No dizer de Francisco de Andrade e de frei Luís de Sousa, ia o embaixador incumbido de estorvar a
expedição do florentino João Verrazzano, que projectava, com o auxílio do govêrno francês, descobrir
C) Vespúcio falecera a 22 de Fevereiro de 1512. Veja-se sôbre Dias de Solis o cap. XIH no volume II
da presente 30obra.
( ) Ainda no reinado de D. Manuel, posteriormente à viagem de Cristóvam }acques, há notícia de ter ido ao
Rio da Prata em 1521 uma flotilha de duas caraveias, que encontrou em Santa Catarina nove dos náufragos da frota de Solis.
Essa notícia consta de uma carta do embaixador de Espanha Juan de Zuniga, datada de Évora aos 27 de ]ulho de 1524,
e publicada por Medina na sua obra dedicada a João Dias de Soíis. O comandante da flotilha teria sido um espanhol, como
se deduz da 31referida carta, e não Cristóvam Jacques, como supôs Capistrano de Abreu.
( ) A infeliz expedição deixou na América, àlém de Dias de Solis, Martin Garcia, Marquina y Alarcon e os seus
seis companheiros, trucidados e devorados pelos aborígenes, àlém de Francisco dei Puerto, que ficou nas paragens do Rio da
Prata, e onze náufragos no litoral de Santa Catarina, entre os quais Enrique Montes e Melchior Ramirez.
66
^ ^^pedição de cristóvam jacques
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67
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
de atender as reclamações de Portugal. E já D. João III pensava em mandar regressar João da Silveira
e dar por finda a sua missão, deixando ficar em França o licenciado Pero Gomes Teixeira para assistir
aos portugueses que lá andavam em demandas, quando chegou notícia, mandada por emissário de
Jácome Monteiro, de que o versátil Francisco I passara provisões novas, em que ordenava se fizesse
geral seqüestro e embargo nos navios portugueses que se achassem nos portos de França, i Bem se via
que Francisco 1 já não tinha uma filha para casar em Portugal 1
Graves acontecirpentos iam concorrer para o malogro das negociações de João da Silveira.
Declarara-se a guerra entre Carlos V e o rei de França. Francisco I ia empenhar-se na desastrada
campanha da Itália, rematada pela morte do heróico e cavalheiresco Bayard e pela derrota de Pavia,
onde o rei tudo perdeu, menos a honra. Para criar maiores embaraços à difícil missão do embaixador
português, aconteceu ter a armada guarda-costas de Pero Botelho capturado nas águas territoriais de
Portugal uma flotilha francesa que apresara uma náu de Castela, e a trouxera a Lisboa, onde a prêsa
foi seqüestrada, os franceses presos, e o negócio cometido à Casa da Suplicação para julgamento.
A notícia, que logo correu em França, desencadeou com a da represália a sêde de cobiça
dos destemidos corsários. Em Fevereiro de 1526, João da Silveira comunicava que se estavam armando
nos portos de França dez navios em côrso contra a navegação portuguesa. As reclamações diplomáticas
mostravam-se ineficazes. D. João III apelou para a força.
AS ASSOLAÇÕES NQUANTO o vingador Cristóvam Jacques navega, célere, para o Brasil, o rei, por ver que
DOS CORSÁRIOS §
o seu embaixador em França se defrontava com dificuldades crescentes, recorria a Jácome
£ Monteiro, agora retirado na sua quinta de Covas, como já experimentado no assunto, e
£ solicitava do Dr. Diogo de Gouveia o seu autorizado parecer. ,
Mas a Jácome Monteiro haviam-se-lhe varrido da memória tais negociações, e
limitou-se a enviar ao rei os poucos apontamentos que ainda conservava, ponderando a dificuldade na
cobrança das indemnisações e restituição das prêsas, pois o próprio Francisco I, em meio das suas
tremendas dificuldades financeiras, originadas pelas guerras, se apossara do fruto das rapinas, motivo
pelo qual pouco se devia esperar de demandas, sentenças e libelos. Para mais, a situação proporcionava
um soíisma de que em França se lançaria mão: as fazendas apresadas pertenciam aos adversários,
eram prêsas de guerra U').
Entretanto, a situação, criada pela expansão do côrso, assumia indissimulável gravidade.
Quem atentamente ler o libelo apresentado pelo dr. Jorge Nunes (42) se certificará de quanto
eram numerosas e fundadas as reclamações de Portugal. Redigido em latim contra os gallos — a quem
sem febuço acoimava de /a/rones—abrangia o período de 1521 a 1527.
Os queixosos eram armadores de Viana da foz do Lima, Vila do Conde, Miragaia, Lisboa, Vila
Nova de Portimão e Tavira, e até mercadores de baetilha e pano de linho de Guimarães, que viam
afundadas no mar pelos corsários as suas mercadorias. A-pesar da pax et amicitia inter Lusitanos et
Galtos, as embarcações portuguesas eram postas a pique, os mercadores espoliados e as tripulações
afogadas. Os ataques produziam-se ora nas imediações das Berlengas, ou próximo à barra de Viana
e Cabo de S. Vicente, ora nas águas da ilha de Teneriíe ou perto de S. Lucar de Barrameda. A isto se
chamava a liberdade dos mares e os direitos das gentes. A França conseguia, sem colônias, apossar-se
do ouro do México, das especiarias do Oriente, do pau de tinturaria do Brasil. A guerra com Espanha
favorecia o banditismo infrene, tanto mais perigoso quanto o aureolava a fama do heroísmo. Muitos
(41 ) Veja-se no Apêndice o texto integral da carta de Jácome Monteiro a D. João HI, de 10 de Março de 1527.
(12J Parcialmente publicado por Guenin, Ango et ses pilotes, pág. 209.
68
A cidade de Rouen por ocasião do assédio de Carlos IX (1562)
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A EXPEDIÇÃO DE CR1STÓVAM JACQUES
navios portugueses eram acometidos e tomados com o pretexto de transportarem, a coberto da bandeira
de Portugal, cargas de súbdiíos espanhóis.
A audácia dos corsários normandos e bretões era incomensurável, ora pairando nas linhas
de navegação do Aigarve para as Canárias e Cabo Verde, róta das armadas do Oriente e do Brasil,
ora adejando como águias à espreita da prêsa na linha de Lisboa para Çaíim, atrevendo-se a pairar
nas proximidades das barras, cruzando no caminho da Flandres. Tudo lhes servia: carregamentos de *
drogas orientais, o atum pescado nos mares algarvios, o figo produzido no rico litoral do Aigarve.
De norte a sul de Portugal soltavam-se os clamores das vítimas dos corsários e piratas, quási sempre
os mesmos: João Florim, que Guévin identifica com Jean Fleury; João Ango; o mons. de Bela Vila,
que Guévin identifica com Silvestre Billes. E quantos outros que, na opinião do dr. Jorge Nunes'
veniehant ab insulis do Brasil.
Os cadáveres eram pasto dos tubarões, as viúvas aí estavam chorosas e os orfãos clamando
-A*r/T.
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vingança e reparação, i Podiam, pois, mais tarde, as reclamações do embaixador francês encontrar eco
no coração de D. João III, alanceado pelos duros e cruéis ataques sofridos pelos seus vassalos? i, Não
tinha razão o dr. Diogo de Gouveia quando, ao restituír os passaportes ao rei de armas, mandado a
Lisboa por Francisco I a reclamar contra as violências cometidas por Cristóvam Jacques no Brasil, lhe
disse que o seu rei devia ao de Portugal e aos portugueses mais de quatrocentos mil cruzados de
roubos, de onde se podia cobrar à larga dos prejuízos sofridos em Pernambuco ? Queixava-se o rei
de França de que as vítimas eram pacíficos navios de comércio, que nenhum dano faziam. De que casta
eram êsses pacíficos comerciantes sabemo-lo pela carta de D, Rodrigo de Acuha, o infeliz capitão de
uma náu espanhola, destroçada da armada de fr. Garcia Jofre de Loyssa. Datada da feitoria de Pernam-
buco, aos 15 de Junho de 1527 essa carta, intensamente dramática, refere como o desvenlurado
capitão se viu forçado, após grandes trabalhos, a arribar a um porto próximo do rio S. Francisco, onde
se achavam carregando pau brasil duas náus e um galeão de França. A-pesar dos protestos de amizade
dos franceses, em um domingo, 21 de Outubro, inesperadamente, a pequena tripulação da S. Gabriel foi
atacada e teria sido vitimada se D. Rodrigo não conseguisse apaziguar os assaltantes, parlamentando
com êles, oferecendo-se como refém e assim dando tempo a que o navio se acabasse de concertar
para prosseguir viagem. Mal os tripulantes conseguiram pôr a boiar a náu S. Gabriel, cortaram as
amarras e fizeram-se à vela, deixando em terra o capitão e os oito marinheiros que o acompanhavam.
Tentou D. Rodrigo alcançar a náu em um batei, mas teve de retroceder sem conseguir o intento, e foi
percorrendo a costa em constante receio de ser devorado pelo gentio, até que voltou a ser prêso pelos
mesmos franceses que desumanamente o roubaram e o deixaram —mísero náufrago —à mercê do
destino, alimentando-se de mariscos e palmito, até que chegou à feitoria de Pernambuco.
d Como haveria procedido, em iguais circunstâncias, um rei da têmpera de D. João II,
desafiado por tantas e insólitas violações do direito ? D. João era prudente e pacifico de natureza.
Esgotou todos os recursos da persuasão antes de recorrer aos da força. A sua posição era difícil e o
seu amigo Diogo de Gouveia aconselhava-o a usar de moderação, advertindo-o dos maiores perigos a
que exporia a navegação comercial portuguesa se justificasse com represálias, embora legítimas, o
incremento da pirataria. Que o rei pacientemente praticou essa política de contemporisação provam-o
os documentos em que ela se atesta. Publicamos na íntegra, no Apêndice a êste capitulo, umas
instruções secretas expe- restituía a liberdade e
didas ao dr. Cristóvam todos os bens seqües-
de Faria, corregedor do trados. Com mais ener-
crime da côrte, por onde gia se procedera em ou-
se sabe que três náus tro caso, cuja notícia
francesas haviam entra- também nos chega por
do em um dos portos documento inédito que
de Portugal. Qual dêles na íntegra publicamos
não o dizem as instru- em Apêndice. Conhece-
ções, mas eram os na- mos desta vez o local
vios suspeitos, «.demaao 1 k Sr da arribada e até a data
trauto e armados ê co- aproximada do sucesso,
savros*. Levantaram- pois constando de uma
lhes logo os competen- carta a Sebastião Álva-
tes autos, sendo-lhes res e sabendo-se que
arbitrada a fiança de êste foi nomeado em 19
dez mil cruzados, em- de Maio de 1523 corre-
bora alegassem serem gedor do reino do Al-
navios de pesca. Por garve (44)( depreende-
estas instruções secre- se ter sido após essa
tas, D. João III baixou- data, por ser o porto
lhes a fiança para cinco invadido o de Faro.
mil cruzados, e, no caso Conclui-se do documen-
de não encontrarem ain- to que uma caravela
da fiador para essa francesa, com cento e
quantia, o corregedor cincoenta tripulantes,de-
devia lavrar novo auto ra entrada no porto de
com a declaração de Faram, onde foi apri-
que, embora as aparên- sionada sob a grave acu-
cias os comprometes- sação de, nas alturas
sem, atendendo às boas BRASÃO DE FRANCISCO I das Canárias, ter aco-
relações entre Portugal Rei de França
metido três caravelas
e a França, o rei lhes portuguesas de comér-
cio, queimando uma delas depois de a roubarem, tirando as velas a outra e fazendo grosso rombo e
avaria na terceira. Procedeu o juiz de fóra à inqüirição, mas o rei, considerando o caso melindroso,
incumbiu o citado corregedor de proceder a novo interrogatório, retendo prisioneiros apenas vinte ou
trinta dos principais, incluindo o capitão, o mestre, o piloto e os bombardeiros.
Tal era, exposta a largos traços, a situação criada pelo corso aos navios e domínios ultrama-
rinos de Portugal quando D. João III, depois de haver recebido a carta de 11 de Fevereiro de 1526 em
que João da Silveira o avisava de se estarem armando nos portos de França dez navios com destino
ao Brasil, mandou aprestar uma armada com destino a Santa Cruz, composta de uma náu e de alguns
navios de pano latino, cuja capitania confiou ao mesmo experiente Cristóvam Jacques a quem D. Manuel
entregara o comando da flotilha guarda-costas de 1516.
HI^^IaO tendo chegado afé nós o regimento por que se regulou a conduta de Cristóuam iam
achamo-nos reduzidos a coniecturar Hnc nKi^w j conauta de Lnstovam Jacques, a missão
dec
cutrmriii pelo
cumpriu, noln pouco que nosnjecturar dosas objectivos
esclarecem da suar pIíp
cartas de Dinoo missão
o n pelo
d a modo
• a como
* a R"stóvam
jacques
D Rodns0 de Acufia
expedidas do Brasil, pelo circunstanciado toor L! , - - '
o.» ^
apartando-se das restantes no caminho, deduz-sê aue TesoT^fh13 ^ COnserva 30 trato da Guiné,
largar do Tejo tendo ido cinco ao Rraoii n ♦ - esquadrilha se compunha de seis velas ao
venlos contrários», e se destinava à Guiné; reter" o reHe" sWoaPar,OU ^ armada n0 Caminh0' •COm
tomada pelos franceses, .gue depois de matarem muptos homens
6 a r0U ar en toda se e
mnl
conserva ((na Bahia)
^ . ! <? entre elles
"contraram comdeosque
houve peleja outros navios
os meus rece-de A
beram muVta perda e mortes de homens e aos seus se não fizeram
as cruezas que se queixam que lhes fizeram ».
A data da partida não é consignada em nenhum docu-
mento e a da chegada pode aproximadamente determinar-se pela
passagem da carta de Diogo Leite, de 30 de Abril de 1528, na qual
iz que «ya dous anos des o dqa que chegamos a esta costa»
Uevia ser, pois, pouco tempo passado de igual mês de 1526. Var- Fac-slmile da assinatura de Francisco
nhagen supõe tenha sido nos últimos meses do ano, tomando como
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nde rl - ^ 0 Jacques
Christovam a'^ ^ fez a ^ ^ de
primeira casa
Wa
^ minha * ° dd
feitoria ...» ° se ^levanta
Aqui de S uma
Cruz dúvida
L Iguarassú)
d Essa
casa foi erguida por ocasião da primeira ou da segunda viagem de Cristóvam Jacques i No seu
feitoria de v Hlst°ria d0
ríp Pernambuco Brasd
em 1516 ' no
o Padre Galanti
facto de baseia jáa encontrado
ali terem sua presunção
uma,denaquele
haver sido
mesmofundada
ano osa
71
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
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Balxos-relêvos chamados dos selvagens, alusivos aos íncolas brasileiros, na Igreja de Saint-]acques, em Dieppe, (Século XVI.)
72
A EXPEDIÇÃO DE CRISTÓVAM JACQUES
não foram êles aprisionados na feitoria de Pernambuco, mas sim na ilha de S. João (Porto Rico)
em 1514 (48). As vítimas da violência eram Estevam Fróis e os seus companheiros, cujas desventuras
deram assunto à carta publicada na pág. LXVI do primeiro volume desta obra.
Todavia, se não servem as citações para provar a fundação da feitoria por Cristóvam Jacques
em 1516, nem tam pouco o argumento de haverem ali encontrado uma, dez anos volvidos, os navios de
Sebastião Caboto —pois outras armadas portuguesas, anterior e posteriormente à de Jacques, foram ao
Brasil, certo é que alguns textos nos transmitem essa tradição.
Que Cristóvam Jacques percorreu o litoral brasileiro naquele ano de 1516 não padece dúvidas.
Alguns documentos, até agora não invocados, corroboram a suspeita, que a presente obra definitiva-
mente consolidou em facto averiguado.
Já em Fevereiro de 1517 se sabia em Portugal que os espanhóis de Solis haviam carregado
pau brasil no cabo^ de S. Agostinho, pelo que D. Manuel apresentou reclamação, estabelecendo nela a
doutrina do monopólio D9), aplicada também por Castela aos seus clomínios no Novo-Mundo. i Desta
reclamação se escusavam os espanhóis redarguindo que o cabo de S. Agostinho ficava situado na
repartição de Castela! Era o mesmo argumento de que se serviam para protestar contra a prisão dos
nove castelhanos que diziam haverem sido aprisionados na baía dos Inocentes naquele mesmo ano,
segundo a reclamação que o cardeal Jiménes de Cisneros (50), em nome do rei de Espanha mandou
apresentar a D. Manuel, com data de 30 de Março de 1517. ó Quem podia ter capturado êsses nove
sobreviventes da expedição de Solis, a não ser o comandante da esquadrilha de 1516? Parece ainda
confirmar-se por outro facto averiguado que à armada de 1516 fôra cometida designadamente a missão
de ir ao Rio da Prata, pois nesse mesmo ano foi prêso em Espanha um português, Afonso Álvares,
sob a inculpação de haver ido a Sevilha induzir um João Rodrigues Mafra (que pelo nome parece
também português) a que se passasse a Lisboa para embarcar numa expedição que ali se armava para
ir «à Ia tierra que descubrió Juan Diaz de Solis» (5J).
Certo^ é que, ao regressar em 1526 a Pernambuco, Cristóvam Jacques ali encontrou já uma
feitoria, quer fôsse a fundada por êle dez anos antes ou por outra expedição posterior. A ela se
acolhera, após tantas vicissitudes sofridas, o desventurado D. Rodrigo de Acuna e os seus companheiros
de infortúnio, d No sítio que veio a chamar-se dos Marcos erigiu outro pôsto de resgate? É provável,
pois ficaram referências a essa feitoria nas já citadas cartas de doação das capitanias de Pernambuco
e de Itamaracá. Aliás, multiplicam-se os indícios de que diversos postos de resgate existiam entre
Pernambuco e Cabo Frio, sujeitos às assolações periódicas dos franceses e dos aborígenes. Por todo
êsse trecho do litoral se devem ter representado, durante as primeiras três décadas do século XVI,
scenas tétricas, sôbre as quais o tempo correu o seu impenetrável pano de silêncio e mistério.
O drama de que Cristóvam Jacques foi protagonista e cujas conseqüências haviam de colocar
a coroa de Portugal ante o dilema de povoar o Brasil ou abandoná-lo às represálias francesas e à
cobiça estranha, só o conhecemos pela versão parcial do severo libelo redigido em França, mas não
repugna acreditar na veracidade do conjunto, pondo apenas de reserva alguns pormenores.
Tendo enviado para o reino a náu capitânia da flotilha, carregada de pau brasil, Cristóvam
Jacques fêz-se ao mar coçi os quatro restantes navios para percorrer e inspeccionar a costa. No decurso
do cruzeiro depararam-se-lhe num dos recôncavos da Bahia de Todos os Santos três navios franceses.
Eram três náus bretôas, duas de cento e quarenta toneladas de arqueação e a terceira de
oitenta, que carregavam pau brasil por conta dos armadores Vvon de Coetugar, François Guéret, Jean
Burcan, Mathurin Tournemouche e Jean Janet. Segundo se infere da carta de D. João III, de 16 de
íc t-4} Meíiina, op. cit., a pág. CCC do l.o vol. e documento LXX do 2.o. Queixava-se D. Manuel de que *habia
' . os (Solis)de unaa
expcdicion para ir a Ias tierras de! Brasil, en Ias qual es no entraban otras personas que Ias de sus
„!" ! g ."' trajeronetc.
que el Rey tiene Ia tierra»., de aquella madera y otras cosas; é que por ser Io susodicho cosa nueva é jamás usada desvués '
(50) Ibidem, pág. CCCV.
ai Pr. ^ n*5?U9 Ibidein, pág. de
CCCIX. <Lo que vos Alonso de la Puente, contjno""de nuestra casa, habéis de decir de mi parte
nno lil
que ai
tiene Alonso Ái51 dernás
Alvarez,
Ia rirner
, P en Iaa Casa
português, instrucción que lleváis; el
de la Contratación de os
Iasdijere alguna
Índias, cosa preguntandoos
que reside en Ia cibdade algo de la prisión
de Sevilla é por
micmo k'J5! siguiente; Pnmeramente, se os dijere que qué es la cabsa por que está preso, le direis que por que el
D a ^ uconfí:sado l116 el habia venido de Portogal á hablar con un Juan de Barvero, piloto, é que ansimismo se
I amo 1 11 Kodri
arm,,
armar V ! nãos
ciertas 9 ezparadeir Mafra, por que
á ia tierra otro descubrió
nombre Alonso Rodriguez,
Juan Diaz que >.fué de allá á Portogal, por que allá se querian
de Solis...
19
73
história da colonização portuguesa do brasil
lanoim Hp I-SIO eram os mesmos navios que tinham assaltado e saqueado uma das caravelas da
conserva de Cristóvam Jacques, destinada à Guiné, e que os ventos contrários haviam isolado_da esquadra.
i Porventura podiam esperar clemência daquele inimigo imprevisto as suas tripulações •
; E quando mesmo inocentes do crime que lhes seria imputado, não vinham elas, surrateiramente, ro
na Drooriedadr^heia? tNão se carpiam em Portugal tantas viúvas e orfãos, cu,os mandos e pais
^ • -Hn uítima'; dos corsários de França? Naquelas solidões da América, a umca justiça era
r^ião as iras f^s possíveis as das bombardas. Pelejaram os adversários. O combate durou o
l até que, arrombadas as naus, se renderam os franceses internando-se nas seluas os que
rnnfiauam mais na brandura do canibal que na implacabihdade do civilizado. L , . .
Não havia ali reis embaixadores, desembargadores, para discutir com urbanidade e hipocrisia,
invocando o texto dos Sidos e das leis, o direito que a uns assistia de
oortos abertos e que aos outros cabia de impedir a estranhos o usuíruto das suas conquistas. Eníren
Iam se os ódios antigos. Os canhões das caravelas portuguesas replicavam, tnunfantes a casuística da
c^e de França. O pleito decidia-se pela razão do mais íorte e a vingança era ditada pelo conceito
címnliQt^ HP flllP 01101X1 COITl ÍGITO m3t3 COITl Í0rrO 1X10X16.
Não tardou que a notícia do atroz combate ferido no Brasil chegasse a França, pois
Cristóvam Jacques, de regresso ao reino, levara com êle, como troféus, os numerosos prisioneiros tomado
nas náus da B^3ano ^ ^ ^ que D< ]oão se oferecera por medianeiro entre Carlos V e
Francisco I. era-lhe entregue solenemente no paço da Ribeira pelo rei de armas de Angouleme, a carta
natente oela qual Francisco 1 reclamava justiça ao soberano de Portugal. , x v,
Eis na íntegra, segundo a versão portuguesa coeva, conservada na Torre do Tombo.
veemente do rei de França:
Francisco, pela graça de Deus rei de França, ao nosso
Francisco pela graça de Deos rey de França aho noso caro e bem amado Glyas Hellie (Helies Alesgle)
?
caro e bem amade Glyas Hellie ( ) dito Amgu- dito de Angoulême, um dos reis de armas dos
leme hü dos reys darmas dos framcezes saúde Franceses, saúde e amor:
e amor:
Como os nossos caros e bem amados ]oâo de Coétugar,
Como nosos caros e bem amados Juão de Codqúgar,
Francisco Guéret, Maturin Tournemouche, loão Burcau e loão
Francisco Gueret, Maturyn Tornamuxa, )oã Bureo e João
]anet, mercadores nossos, ao nosso muito caro e muito
jennet merqadores nosos ao noso mujto caro e mujto amado
amado primo o conde de Lavall, loco tenente general em
primo o conde de Lavall logo tête gerall ê nossas terras e
nossas terras e ducado da Bretanha em nossa ausência (apre-
duqado de Bretanha em nosa auzêçya sua homjlde sopricaçã
sentaram) sua humilde súplica e requerimento, em que se con-
e reqerymêto em que se comtynha que ho ano que ora pa-
tinha que no ano passado haviam eqüipado de gente,
sara ele equipara de gente, mantimentos e monyções três
mantimentos e munições três navios das nossas ditas terras
navyos das nosas dytas terras e duqado de Bretanha os dous
dos quays era cada hú de cento e quarenta toneys e o outro e ducado da Bretanha, dois dos quais era cada um de cento
de oytemta toneys pouqo mays ou menos e os envyaram as e quarenta toneis e o outro de oitenta toneis, pouco mais ou
terras do brasyll pera cobrar paos do brasyll e outras mer- menos, e os enviaram às terras do Brasil para colher pau
qadoryas proveytosas a nosos reynos terras senhoryos e su- brasil e outras mercadorias proveitosas a nossos reinos, ter-
dytos á qual terra e costa do brasyll chegara nosos dytos ras, senhorios e súbditos, à qual terra e costa do Brasil
sudytos e seus dytos navyos que enceraram em certo porto chegaram nossos ditos súbditos e seus ditos navios, que an-
coraram em certo pôrto e... da dita terra, puseram e des-
e... da dita terra pozerã e despregarã nos ditos seus navios
fraldaram nos ditos seus navios as bandeiras e armas de
as bandeyras e armas de França e do dito duqado de Breta-
França e do dito ducado da Bretanha, esperando por elas
nha esperando per elas aver ho socorro e juda de nossos
haver o socorro e ajuda de nossos amigos e confederados,
amigos e confederados e posto que antre nos e noso muyto
e posto que entre nós e nosso muito caro e muito amado
caro e muyto amado jrmão e confederado elrey de Por-
irmão e confederado el-rei de Portugal, e nossos súb-
tugal e nosos súditos duma parte e doutra hy aja lyamça
ditos de uma parte e de outra haja aliança, amizade e confe-
amyzade e confederaçã amtigua a qual da nosa parte foy
deração antiga, a qual da nossa parte foi sempre tida, guardada
sêpre teúda guardada e resguardada e que ho feyto trafego
e trato de merqadores seja de todos direitos a cada hü lyvre e resguardada, e que o dito tráfico e trato de mercadores
e prometido nem por yso depoys que hos ditos navyos dos seja de todo direito a cada um livre e permitido, nem por isso,
ditos sopricãtes fosem carregada grande cantydade dos ditos depois que os ditos navios dos ditos suplicantes tivessem
paos de brasyll grande numero de alymaryas estranhas e carregado grande quantidade dos ditos paus de brasil, grande
pasaros certo numero grande de gente portugueza súditos do número de animais exóticos e pássaros, certo número grande
noso dito mujto caro e mujto amado jrmão lyado e confede- de gente portuguesa, súbditos do nosso dito muito caro e
rado elrey de Portugall estamdo em quatro caravellas ou muito amado irmão aliado e confederado el-rei de Portugal,
barqas latynnas do dito rey de Portugall equipadas e arma- estando em quatro caravelas ou barcos latinos do dito rei de
das em guerra pera acometter ofemder desbaratar e destroyr Portugal, eqüipados e armados em guerra para acometer,
nosos ditos sudytos per mandado espreso do noso dito e ofender, desbaratar e destruir nossos ditos súbditos por man-
muyto caro e mujto amado yrmão lyado e confederado elrey dado expresso do nosso dito e muito caro e muito amado
74
A EXPEDIÇÃO DE CRISTÓVAM JACQUES
de Portugal femdo os ditos navyos as armas e bandeiras do irmão aliado e confederado el-rei de Portugal,—tendo os ditos
noso dito jrmão elrey de Portugal! vyeram a cometer e en- navios as armas e as bandeiras do nosso dito irmão el-rei
vestir os navyos dos ditos sopricantes e a gente que neles de Portugal, vieram acometer e investir os navios dos ditos
estava atirando todo dya mujtos tyros dartelharya contra os suplicantes e a gente que nêles estava, atirando todo o dia
ditos navyos e gente dos ditos soprycantes mataramlhe os muitos tiros de artilharia contra os ditos navios e gente dos
pylotos e mujta gente dos navyos dos ditos soprycantes ar- ditos suplicantes, matando-lhes os pilotos e, muita gente dos
rombaram e quebrará os ditos navyos per tal maneyra que navios dos ditos suplicantes, arrombando e quebrando os
se hyam casy aho fundo ho que vendo algús dos nosos dytos ditos navios por tal maneira que se iam quási ao fundo, o
sudytos se sayrâo a terra e se meterão nas mãos dos salva- que vendo, alguns dos nossos ditos súbditos se saíram a
gês e gente que na dita terra do brasyll estava amte outros terra e se meteram nas mãos dos selvagens e gente que na
dos nosos ditos súditos se metera nas mãos e merçê dos dita ferra do Brasil estava. Antes outros dos nossos ditos
ditos portugeses esperando ser deles mjlhor tratados porem súbditos se meteram nas mãos e mercê dos ditos portugue-
eles ditos portugeses êforcarâ alguns dos nosos ditos sudytos ses, esperando ser deles melhor tratados, porém êles ditos
os outros meterã e êterrarã ê tera ate hos ombros e o resto portugueses enforcaram alguns dos nossos ditos súbditos,
e depoys os marteryzarã e matarã cruellmente as seladas e os outros meteram e enterraram até aos ombros e o rosto,
tyros despymgardas tomarã e roubará seus navyos beês e e depois os martirizaram e mataram cruelmente a sètadas
merqadoryas que erã de grade valya e estima das cruezas e tiros de espingardas; tomaram e roubaram seus navios,
enumanidades perdas e danos êquezyções fosê ja feytas per bens e mercadorias, que eram de grande valia e estima.
autorydade nosa ou de noso dito primo e tenête gerall em Das cruezas e desumanidades, perdas e danos, inqüirições
nosa auzêcya e envyadas perãte nos e a gête de noso cõse- foram já feitas por autoridade nossa ou de nosso dito primo
Iho por tãto nos tyvesê requerydo os dytos sopricantes lhes e tenente general em nossa ausência, e enviadas perante nós
largar e ordenar cartas de marqa cõtra as pesoas e bens dos su- e a gente de nosso conselho, por tanto nos teem reque-
dytos do noso dyto jrmão elrey de Portugall de suas ditas perdas rido os ditos suplicantes lhes largar e ordenar cartas de
danos e ymtereses que eles mostrarão pelas ditas ymqujryçõys marca contra as pessoas e bens dos súbditos do nosso dito
serem de mays de sesemta mjll esqudos afora o jmterese da irmão el-rei de Portugal, de suas ditas perdas, danos e inte-
morte da dyta sua gemte feytores e servidores que era ysfi- rêsses que êles mostraram pelas ditas inqüirições serem de
mavell ou doutra maneyra sobre yso os provesseda nosa graça. mais de sessenta mil escudos, afora o interêsse da morte da
Sabervos fazemos que depoys que mandamos ver pella dita sua gente, feitores e servidores que era estimável, ou de
gemte do noso dito conselho as ditas jmqeryçõys e emfor- outra maneira sôbre isso os provesse da nossa graça.
maçoys sobre yso feytas e que dyvydamente constou e ym- Fazemos saber-vos que depois que mandamos ver pela
munydades asy cometydas contra os nosos ditos sudytos per gente do nosso dito conselho as ditas inqüirições e informa-
espreso mandado do noso dito yrmâo lyado e confederado ções sôbre isso feitas e que desumanidades assim cometidas
elrey de Portugall e das perdas e danos que eles ouverâo e contra os nossos ditos súbditos por expresso mandado do
sofrerão endyvydamente e enjustamente pelos ditos sudytos nosso dito irmão, aliado e confederado, el-rei de Portugal, e
do noso dyto jrmão liado e confederado elrey de Portugall das perdas e danos que êles houveram e sofreram indevida-
contra e em perjuizo das ditas liamças amjzades e confede- mente e injustamente pelos ditos súbditos do nosso dito irmão
raçõys nos querendo valer ao danno dos nosos ditos sudytos aliado e confederado el-rei de Portugal contra e em prejuízo
confyãdo jmteyramenfe de voso ofyso sofecyencia lealdade das ditas alianças, amizades e confederações, nós querendo
esperyêcia bõdade e boa delygêcia vos mandamos e come- saber os danos dos nossos ditos súbditos, confiando inteira-
temos pela prezente que logo sem dilaçam vos paseys ao mente de vosso juízo, suficiência, lealdade, experiência, bon-
reyno de Portugall e hy pedi e requerey da nosa parte noso dade e boa diligência, vos mandamos e cometemos pela
dito jrmão lyado e confederado elrey de Portugall e seus presente que logo sem dilaçâo vos passeis ao reino de Por-
ofecyaes e justiça do dyto seu regno que elle e seus ditos tugal e aí pedi e requerei da nossa parte nosso dito irmão
ofecyaes ajam de reparar e satisfazer os dytos sopricantes aliado e confederado, el-rei de Portugal e seus oficiais e
nosos sudytos soas dytas perdas damnos e ymteresses de justiça do dito seu reino, que êle e seus ditos oficiais hajam
seus dytos navyos beês e mercadoryas que neles estava ate de reparar e satisfazer os ditos suplicantes nossos súbditos,
a soma dos ditos sesenta mjll esqudos e asy da morte de suas ditas perdas, danos, e interêsses de seus ditos navios,
sob a dita gente e servydores asy cruellmente ferydos e bens e mercadorias que nêles estavam, até à soma dos ditos
mortos e de todalas suas despezas damnos e jmteresses que sessenta mil escudos, e assim dá morte da dita gente e ser-
eles ouverã e sofrerã e que ouverem e sofrerem per este vidores assim cruelmente feridos e mortos, e de todas as
caso segnyfycando ao noso dyto jrmão lyado e confederado suas despezas, danos e interêsses que êles houveram e so-
elrey de Portugall e seus ditos ofecyays que não no fazendo freram por êste caso, significando ao nosso dito irmão, aliado
serã per nos largadas cartas de marqa e reprezaryas contra e confederado el-rei de Portugal e seus ditos oficiais que,
os sudytos do noso dyto jrmão suas pesoas fazendas navyos não o fazendo, serão por nós largadas cartas de marca e
cousas e merqadoryas em quallquer parte que possam ser represálias contra os súbditos do nosso dito irmão, suas
achadas e alcançadas em noso regno terras senhoryos e obe- pessoas, fazendas, navios, cousas e mercadorias, em qualquer
dyencia tanto per mar que per terra até a dita soma jmtere- parte que possam ser achadas e alcançadas em nosso reino,
ses e damnos sem mays Ia mandar fazer outra delygencia ferras, senhorios e obediência, tanto por mar como por terra,
visto a longa dystamcya do dito regno de Portugall e grandes até à dita soma, interêsses e danos, sem mais lá mandar
perygos e risqos que agora hya onde he neçesaryo pasar fazer outra diligência, visto a longa distância do dito reino
todo mar despanha que ora está coberto de galiois chalupas de Portugal e grandes perigos e riscos que agora há, onde é
e navios de gerra e que noso dyto jrmão mãdou fazer a dita necessário passar todo o mar de Espanha, que ora está co-
estruyçam nos fazendo certo sofecientemente e o noso dito berto de galeões, chalupas e navios de guerra, e que nosso '
conselho de todo ho que sobre yso temdes feyto porque asy dito irmão mande fazer a dita destruição, nós fazendo certo
nos apraz ser feyto. suficientemente e o nosso dito conselho de todo o que sôbre
Dyso fazer vos damos ymfeiro poder e autorydade isso tendes feito, porque assim nos apraz ser feito.
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
comysâ e mandado especiall mandamos e encomendamos a Disso fazer vos damos inteiro poder e autoridade, co-
todas nosas justiças oficiays e súditos rogamos e pedimos missão e mandado especial, mandamos e recomendamos a
nosos amjgos liados e bemquerentes que em ysto fazendo tôdas as nossas justiças, oficiais e súbditos, rogamos e pedi-
vos obedeça e ouça com delygemçia preste e de conselho mos aos nossos amigos aliados e bemquerentes que, em isto
conforto ajuda e socorro se necessário for e requerydos forê. fazendo, vos obedeçam e ouçam com diligência, prestem e
Dada em Sã Germãa ê laia a seis dias de setembro deem conselho, conforto, ajuda e socorro, se necessário fôr
do ano da graça de mjll e qujnhentos e vymte oyto e de e requeridos forem.
noso reynado o quatorzeno. Dada em São Germano em Laís, aos seis dias de setem-
bro do ano da graça de mil e quinhentos e vinte e oito, e de
nosso reinado o quatorzeno.
(Nas costas em letra coeva): Trelado da carta delrey (Nas costas, em letra coeva); Traslado da carta de
de Frãça pera Amglema rey darmas sobre os navios do el-rei de França para Angoulême, rei de armas, sôbre os na-
brasil (?) vios do Brasil (52).
Na mesma cole^ção da Tôrre do Tombo, mas em diverso maço (53), existe outro traslado das ins-
truções de Francisco I, mas que, por ser imperfeita tradução coeva, como a do texto que publicamos, diverge
em alguns pontos, entre outros no modo como foram mortos os prisioneiros. Éste segundo documento
parece ser extraído do relatório apresentado pelo rei de armas ao seu soberano. Por êle se sabe que o
emissário de Francisco I saiu de Paris a 19 de Setembro de 1528 e só em um domingo, 18 de Janeiro
de 1529, chegou a Lisboa e foi recebido no paço da Ribeira. A narrativa é sumamente pitoresca;
retrata-nos ao vivo a scena da audiência régia.
Depois de prèviamente avisado pelos arautos, o enviado de Francisco I deu entrada no
aposento onde o aguardava D. João III, «o que eu fiz estamdo cuberto de minha cota darmas e eu fuy
ao luguar onde elle estava que era em a quarta sala do seu paço de Lixboa acompanhado de grande
numero tanto de princepes e senhores de seu reyno como de gentes de seu comselho, despoys das
humildes reverendas por mym a elle feytas lhe decrarey as causas por as quaes eu era enviado a S. M.
da parte do christianissimo rey meu soberano senhor seu muito amado irmão, aliado e confederado e lhe
apresentei as ditas cartas asy patentes como garradas as quaes elle tomou e recebeu per minhas mãos e
a isto estava antre os outros o doutor de Guouvea português o qual ha muyfo que continuou e que he
conhecido cá de muyta gente, e como quer que lhe decrarasse como meu soberano senhor e as gentes
do seu conselho eram sabedores que por seu mandado alguns portugueses seus sujeitos havião morto e
ferido os bretões sujeitos delrey meu soberano senhor e interesses e danos como he conteúdo nas ditas
letras patentes, mas porem nunqua o dito rey de Portugual se escusou nem deneguou o ter feyto
mandado faser, e estive lá por espaço de nove semanas requerendo e encifando cada dia o dito rey de
Portugual e gentes de seu conselho de mandar faser o dito primero requerimento do christianissimo Rey
meu soberano senhor e em ysto fasendo faria satisfaser os ditos mercadores bretões das somas a elles
taxadas e julguadas por as causas que são contendas nas ditas letras patentes e que por muytas e
diversas vezes elle Rey de Portugual me teve palavras graciosas cada dia dizendo que elle veria tudo.
Porém eu nom pude aver outra expidiçã e por esta causa e despois do dito tempo das nove semanas
por my esperadas, eu achey mêo de recobrar cartas patentes por my apresentadas a elle Rey de
Portugual por as mãos do dito doutor de Guouvea que me dise per taes palavras:—Cuidaes vós aver
dinheiro ? El Rey deve a El Rey de Portugual e portugueses mais de quatrocentos mil ducados de que
os portugueses forã roubados em França! Eu me fuy ao dyto rey de Portugual pedindo lhe se lhe
aprazia de esprever algüa cousa a elrey meu senhor o qual me fez dar cartas cerradas que eu
apresentey a elrey meu dito soberano sehor no luguar de Crucy o terceiro dia deste presente mes de
julho anno de mil quinhentos e vinte nove*.
Como se vê desta relação—com a qual D. João III tanto havia de mostrar-se melindrado,—e
a-pesar da veemência da reclamação e da ameaça das cartas de marca solicitadas a Francisco I pelos
armadores da Bretanha, a missão do rei de armas de Angoulême não foi coroada de êxito.
d O rei cavaleiro estava ofendido pelas violências praticadas por Cristóvam Jacques? D. João III
podia invocar inúmeras violências impunes, praticadas pelos vassalos do rei de França, «seu muito
a
Bretanha. P°P"l^o marítima da
03 priS10neiros 55
das represálias a que daria lugar a atitude sobratóa drcZ no r ' f )' ^ceioso
tu9uesa e
eficaz para os abusos a entrega da terra a colonos nup \á h,r d ' _Preconizava como remédio
de marca, subentendida na reclamação, não fôra porém cumDridTd150)!0^063 ^ A ameaça da carta
rizava e a missão de que incumbiu naquele mesmo ano o seu pmhai d d020' Francisco 1 contempo-
o motivo que inclinava à paciência o arrebatado rei de F emba,í,ador Pierre de La2arde revela-nos
0
Janeiro de 1526, o vencido tivera L entregai C ^ MadrÍd' de 14 de
em penhor do seu
em um milhão e duzentos mil escudos Ainda em 1529 mmndo o . resgate, fixado
rei de armas de
Lisboa reclamar contra as prepotências cruéis de rrkt' ' Angoulême veio a
c
retidos na Espanha Para os remir m-md "stovam Jacques, os filhos de Francisco I achavam-se
tados quatrocentos mil cruzados^ ao^ ref de" Portugal"^!, ^'S',0a ^ -pres-
1
debatia-se com difinildade^ fincn^: f orwgal. j Pedia ao pobre o necessitado! D. João III
de França propusesse a criação de^tribTnais'3^TlaaT aí FrfCÍSC0 1 eHCarl0S- V; e embora 0 rei
acordo de demarcação dos mares ran^ d! ! reclamações das presas e sugerisse um
grande soma de dinheiro para o 'rei módL T™ ^ 03 COnfl,tos' 9uatroce"fo3 mil cruzados eram
dote da imperatriz Isabel e a indemnizaçãoX Moluas'0™ "" ^ ^
0
dos seus ^freCeU Cem ni'' cruzados. Os restantes trezentos mil que os cobrasse Francisco 1
extor9UÍdo aos de
feita a3 Um
L nPai
' ^
que anelava
Portugal quási o dôbro dessa quantia .. A proposta
Por reaver °3 «Ihos, pareceu a alguns historiadores deselegante A con
0m eS
f») t'h« ?0rn K 9 Carvilh0 ' D - l°âoma /// e 05 Franceses, a págS 22
( ") T.
T do K0* Corpo 9
Hn íTombo, r arte
Chr.,' Pparte I,L maço
Ç0 46,
60, doe. 64.
119.
77
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
duta do rei era ditada pelos interêsses do seu reino. Emprestar quatrocentos mil cruzados a Francisco 1
quando havia tanta miséria em Portugal e tantos vassalos seus defraudados e arruinados pelos corsários
da França, seria levar a generosidade até à inépcia. Duas vezes cunhado de Carlos V, forçado a defender
interêsses idênticos aos dêle na América, D. ]oão III não tinha motivos que o inclinassem a servir o rei
de França com prejuízo do seu reino e dos seus súbditos. Nem a..política de Francisco I, indulgente
com os protestantes franceses, entendido com os luteranos e calvinistas alemães, aliado clandestino dos
turcos, podia merecer simpatias ao soberano intransigentemente católico de uma nação que combatia os
muçulmanos na África e mais que com esta soma,
no Oriente. E, todavia, na a qual com muy grande
. «i dificuldade se pode ha-
carta, datada de 16 de Ja-
neiro de 1530, em que ver ...»
transmite as suas instru-
Esta longa carta (57)
ções ao embaixador de
é sobretudo notável por-
Portugal em Paris, D. João
que traça a política colo-
III mostra-se sinceramen-
nial portuguesa da Renas-
te desejoso de concorrer
M cença em suas relações
com o possível para o
com os outros povos, por-
resgate dos filhos de
que expõe as causas que
Francisco 1: sn motivaram ou, pelo mènos,
...«Eu considerey a u justificaram as violências
cerca das cousas sobredi- exercidas por Cristóvam
tas e pelo muito amor Jacques, e ainda porque
e boa vontade que lhe te- exautora o rei de armas
nho e vendo que seu re- de Angoulème, acusando-o
querimento é para a aju- de haver ocultado a dis-
da do livramento de seus 4 posição de D. João III, de
filhos, de onde se segue abrir devassa judicial sobre
tanto servyço de Deus co- K aqueles trágicos sucessos.
i Repetia o rei ao seu
mo é a paz que é assen-
tada entre o imperador e embaixador, para seu go-1
elle me praz de lhe tu vêrno, o que transmitira
fazer emprestymo de cem a Francisco 1 por Pierre
mil cruzados assi como Le Brefilten; de Lagarde. Queixava-se
muito me prouvera de o LTiomme du lieu auquelIc lircfil croiú dos roubos cometidos em
fazer em todo o que me fcft tcl qüicyjàrociPiíappatoift, sua fazenda e na dos seus
pediu se a mim agora fosse Leur naturel exercite l^applique vassalos; pedia ao rei de
possyvel.... E por mi- Coupper Breíjl,püar,en faire trafique, França ordenasse se fi-
nhas grandes despesas que zesse justiça dos danos e
tenho feyto e perdas que tomadias, prometendo pro-
tenho recebido, e necessi- ceder por igual quando
dades que tenho de gran- houvesse da parte de seus
O ABORÍGENE BRASILEIRO
des gastos a que forçada- súbditos queixas contra
(Recueil de la diversité des habits. 1562).
mente heide acudir, não portugueses; que para fu-
pude comprazer-lhe em turo fôsse assente que, nem
em tempo de paz ou de guerra, se pudesse tomar nenhum navio português, sob qualquer pretexto,
salvo se andasse em serviço do inimigo ou armado em corsário; que nenhuns navios ou vassalos
de França fossem aos mares e terras da Guiné, índia e Brasil. Pretendia pois D. João III firmar
e fazer reconhecer pela França o monopólio da navegação e do comércio português nos mares e
domínios de Portugal, invocando as bulas papais e os trabalhos, sacrifícios e despezas feitos com
os [descobrimentos e mantença dos domínios ultramarinos. «Mu/ áspero pareceria e parece, agora
que se começa a colher o fruyto dos trabalhos, quererem os franceses prejudicar em tanta maneira
(57) Publicada na íntegra por M. E. Gomes de Carvalho, op. cit. a pág. 177 e seg.
78
A EXPEDIÇÃO DE CRISTÓVAM JACQUES
P/r.,,
elrev de f'0 da no
a. França Sv lv a
- ~Eu
, ve,a elre
V vos emvique
nos apõtamètos ° m-t0
porsaudar.
outra Porque podeesprevo
carta vos acontecer
poro õde
que eu
se nõ creo este
escuse que
rei A ra J°ã0 da Sil.veira' tque iá entã0 estava à morte, não pôde levar a têrmo as instruções do seu
Hp' tZS "aves.açao Portu2uesa ia entrar num período de maior actividade, precipitando a resolução
6565 0 BraSi, POr 0Utr0S pr0CeSS0S que nã0 05 usados até a
dLZZ quer os T
diplomacia, da repressão terrorista de Cristóvam Jacques. "-. P"er os da
r->
M
do documente? fê? tor5^n!^96^' copiado directamente do original da Tôrre do Tombo, foi alterado na publicação que
ininteb^^t quando
g
se nos aligura de^ác^com^reensío. a/7CeSeS' P0I-aSSlm 0 ^ n0,a' 3 Pá9- 185-0 COnSÍderar
C ) T. do Tombo, Cartas Missivas, m. 2, n.o 31.
79
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Francisco I devia ter ficado profundamente ressentido com a resposta de D. João III, rei sisudo e
sensato, prudente e preconceituoso, que ao mesmo tempo que invocava as verídicas dificuldades finan-
ceiras para se desculpar da reduzida oferta dos cem mil cruzados, teimava em fazer reconhecer os seus
privilégios à navegação e comércio da Guiné e do Brasil. O reconhecimento pela França dos direitos
de Portugal corresponderia à repressão rulnosa dos corsários, que tamanhos serviços haviam prestado
nas guerras com Carlos V. Francisco 1 não era bastante rico e puritano para dispensar os seus serviços.
A resposta às reclamações de Portugal não tardou. Com o pretexto de haverem sido capturados pela
esquadra guarda-costas nas águas territoriais portuguesas, em fins de 1529 ou princípio de 1530, uma
barca e um galeão do corsário ]oão Ango, o rei de França autorizava-o a tomar aos portugueses, em
represália, haveres na importância de 200.000 cruzados (6o).
A carga dos navios apresados havia sido devidamente verificada e entre ela se encontraram
mercadorias pertencentes a súbdilos portugueses. A tripulação fôra entregue aos tribunais, e, com as
requeridas solenidades de justiça, condenada à morte. D. ]oão III não deixou, porém, executar a
sentença. Restituídbs à sua pátria, os piratas franceses queixaram-se amargamente ao seu poderoso
amo, o opulento armador de Dieppe (6'). cujos navios infestavam os mares, e que jurara tirar vingança
do apresamento.
A carta de marca, de 27 de Junho de 1530, que João Ango obteve de Francisco I, constituía
ameaça de suma gravidade para a navegação portuguesa, já exposta a tantos e permanentes perigos.
Demorou a notícia a chegar à corte portuguesa, mas logo que a recebeu, o rei reüniu o
conselho em Montemór-o-Novo, onde então se encontrava, e após algumas divergências, decidiu-se
enviar à corte de Francisco I um novo embaixador com poderes especiais para tratar do melindroso
assunto. A escolha recaiu em D. Antônio de Ataíde, vèdor da Fazenda. Chegaram até nós as instruções,
datadas de 24 de Abril de 1531, que deviam servir de norma à conduta do embaixador (62). Embora
Eugène Guénin seja de parecer que estas instruções, acompanhadas das de Carlos V, jettent un jour
complef sur cette affaire, é para lastimar não possuirmos tôdas as cartas que de França devia ter escrito
ao rei o futuro conde de Castanheira.
As minuciosas instruções recomendavam ao embaixador a máxima presteza em se transportar
a França polas postas, a fim de urgentemente obter uma audiência secreta de Francisco I, apresentan-
do-lhe as queixas de Portugal, que já perdera «.passante de tresentos navios* tomados pelos franceses,
e cujo valor bem se podia computar em um milhão ou conto de ouro. A carta de marca de João Ango,
cuja revogação D. Antônio Ataíde deveria solicitar, era classificada de guerra manifesta, e as instruções
parece subentenderem uma ameaça quando se referem aos «pequenos princípios donde se acendem
grandes foguos*. Fogos estes de q\ie Francisco I não se mostrava muito receioso, embora os canhões
de Martim Afonso de Sousa, primo do embaixador, ecoassem já nas praias de Santa Cruz, segundo
notícias que chegaram a Portugal, mas que o rei, em carta de 17 de Maio, entendia deverem ser formal-
mente desmentidas.
Do mesmo mês de Maio de 1531 e datadas de Qand são as instruções de Carlos \J ao seu
plenipotenciário, M. de Courbaron, nas quais o imperador expressamente pede para o monarca francês
(seu cunhado pelo casamento com a rainha D. Leonor, viúva de D. Manuel) uouloir bien entendre et
prendre de bonne part les raisons et justifications du sr. rot/ de Portugal et de ses dits subjectz, quant
aux dites représailles (63). Em 15 de Junho ainda Carlos \J insiste junto do seu representante na côrte
de França: assisterez le dict embassadeur de Portugal en sa poursuife, et tiendrez la main au bon effect
de sa charge par tous moiens convenables et possiblcs.
Francisco I mostrava-se pouco disposto a atender as reclamações portuguesas, apoiadas pelo
imperador. O conselho real concedera a carta de marca; ao mesmo conselho competia revogá-la. Ango,
t601 ) Fernando Palha, A carta de marca de João Ango, 1883, a pág. 13.
C ) «II est un homme qui a réuni au plus haut degré ces qualités et ces défauts; qui, par son activité, sa
persévérance, et son génie, est arrivé à Vapogée de la richesse, qui a groupé aufour de lui les artistes les plus habites, les
pilotes les plus entreprenants et qui, à la fin de sa carrière, a erdonné un exemple frappant des vicissitudes de la foríune:
c est Jean Ango, le célebre gouverneur de Dieppe sous François l , tout à la fois commerçant, armateur, collecleur d'impòts,
victuailleur de la flotte, consciUer du roi, chef de corsaires, quelque peu pirate, puissant seigneur ct enfin plaideur dans des
conditions telles, que ses petits-enfants deuaient seuls voir se résoudre, a leur detriments, les derniers procès contre lui par
ses associes ou ses commanditaires *. (Guénin, Ango et ses pilotes, pág. 1).
C82) Publicadas a pág. 10 de A carta de marca de João Ango, por Fernando Palha, que adquirira grande parte da
correspondência de D. ]oão 111 com D. Antônio de Ataíde.
(") Guénin, op. cit., pág. 95.
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A EXPEDIÇÃO DE CRISTÓV/AM JACQUES
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já notícia de se haver consumado o convênio com ]oão Ango, D. João III ordenava ao seu valido que «vos
veenhaes a mym em booa ora». Mais conciliador, deseja que, no caso em que houvesse de se referir às náus
francesas que pirateavam nas águas da ilha do Faial, o fizesse amigávelmente. Havia o almirante
prometido que ninguém de França iria comerciar em pau brasil ou malagueta, mas em tal promessa via
D. João III possibilidade de sofisma, e por isso exigia por escrito a promessa de que nem de França,
nem dos seus senhorios iriam navios resgatar ou comerciar à costa da Malagueta ou à costa e terra
do Brasil. Pedia finalmente notícias circunstanciadas das náus francesas que estavam nas ilhas e sua
respectiva tripulação. Com esta carta do rei devia ter-se cruzado a de D. Antônio de Ataíde, de 18 de
Agosto (65), referente às diligências do almirante para evitar a saída de navios para a Guiné e Brasil,
e relatando como fizera lançar pregões na Picardia e alguns portos da Normandia.
Não eram, todavia, decisivos os efeitos das ordens do almirante e dos pregões do embai-
xador. Para prova publicamos em Apêndice três cartas inéditas, nas quais vivamente se insta por
providências a fim de evitar a saída de navios de Ruão e Honfleur para o Brasil (66).
A missão do futuro conde de Castanheira estava concluída e D. João III, em sucessivas cartas,
lhe pedia viesse quanto antes para o reino, onde é natural sentisse a falta do amigo fiel e do seu
grande ministro. Antes de regressar de França, D. Antônio de Ataíde deixava redigidas minuciosas instru-
ções ao seu assessor jurisconsulto: documento que reputamos inédito e publicamos em Apêndice.
Obtida a revogação da carta de marca de João Ango e a cooperação venal do almirante-Chabot,
e resolvido o rei a lançar mão da violência intimidadora para desalentar os corsários franceses que por-
ventura se afoitassem, à míngua de prêsas, a ir resgatar ao Brasil, e muito embora não tivesse chegado
a reünir-se o tribunal que devia julgar as demandas litigiosas, parecia abrir-se uma trégua nos conflitos
marítimos que ameaçavam o comércio e a navegação portuguesa. No Brasil estavam Martim Afonso e
Pero Lopes de Sousa, que tinham para lá partido em Dezembro de 1530. Por carta de 1 de Setembro
de 1531, o dr. Gaspar Vaz (67) informava D. João 111 de que «os negocios, louvores a Deus, estam em
melhores termos do que estavam*.
O rei parecia ter mais confiança nos canhões de Martim Afonso, seu amigo de juventude, do
que nos talentos do zeloso jurisconsulto. A França recusara-se a admitir a tese portuguesa do monopólio
da navegação e comércio nos mares brasileiros. A política de Francisco 1 fôra sempre de uma duplicidade
inquietadora; e era precisamente na hora em que o dr. Gaspar Vaz anunciava, contente, o bom anda-
mento dos negócios de Portugal, que se aprestava em Marselha, com a conivência do rei de França, a
náu La Pèlerine, armada pelo comandante da esquadra francesa do Mediterrâneo, o barão Bertrand de
Saint-Blancard, e que, sob o comando de Jean Duperret, três meses depois desferia velas para o Brasil,
onde ia inaugurar a série de infrutíferas tentativas de conquista das terras portuguesas do Novo Mundo.
Levava a Pèlerine soldados, armamento e materiais para construção de fortalezas. O direito
das gentes, invocado por Francisco I, servia de capa ao banditismo e à usurpação.
Enquanto não chega o momento em que Pero Lopes de Sousa se defrontará com os
atrevidos soldados de Saint-Blancard, instalados em Pernambuco, e a Pèlerine cairia na cilada que vai
armar-lhe a esquadra guarda-costas de Antônio Correia quando regressava a Marselha pejada de toros
de ibirapitanga,—vamos acompanhar a esquadra de Martim Afonso de Sousa na missão precursora da
colonização do Brasil, pois D. João III caminhava já resolutamente para a execução do plano aconse-
lhado pelo dr. Diogo de Gouveia, convencido da inanidade dos acordos, dos convênios e dos tratados
com a França.
C A CARTA DE
Tra 3 D- '0S0 ,,,-e <"* -
proiecos de cdoni.ação q„e se eZl^ZZ, íésse ^ ^
Gouveia escreveu de Ruão ao rei de Portuoal -nCJZ revereiro dess* ano 0 dr- Diogo de
da 3 Pr0Va que á muito anfes
dísíribuíção das donatárias o povoamentn Hd r , ' '
56 apresenfava como a
eficaz para preservar a colônia das incursões francesas fntr I solução
prolixidade quanta aparente obscuridade, e desde Sousa Viterhn T • 3 Carta 6513 redl2Ída com íanta
o seu íexto confuso ,em repelido a atenção L comeSores A sPur'r0, a (M)
' a,é hoie-
varias conclusões: ' comentadores. A sua analise conduz-nos, porém, a
preparara paraq o Brasil ^, ttt /be"dsse 'tr" '"3 P3r,Ír COm armada quc a0
'empo se
PreSUmÍm0S
»sse a de Mar,im Afonso de Sousa, que latou^ ''''
espanhola tetacqueíte "LZlf passa9em l"6 Capistrano inlerprelou como alusira à naturalidade
nã castelhanos nem franceses
nos nem franceses e
e tudo Porhe
w, como feservido
eu e mais
de V.amigos
A.... nosos portogeses
Sabemos já que e naturais somos
Crislóram Jacques,e
("■) Trabalhos náuticos dos portugueses, de, pág. 215 a 217 do l.o vol. Lisboa, 1898.
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HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
embora -om ascendência asturiana. era lídimo português (69). Esta constatação melhor esclarece se e
nossível o sentido da frase. O que João de Melo da Câmara quere dizer e que, embora no Brasil h^a
o"o e prata!" doarem-se as tenas a portugueses (e não a castelhanos e franceses) "a n^
nreiudicaria o reino Não há na passagem alusão a Cnstovam Jacques, e so a inferiu Capistrano,
persuadido de que ao comandante da espedlção de 1526, aludia a carta do embaixador ]uan ^ Zum^
a Carlos V (^o) Em apoio da nossa interpretação, podemos invocar a carta )a citada de Diogo de
Gouveia na passagem em que alude às presumidas riquezas da terra, cujas noticias * estorvaram*
rei de atender aos pretendentes: <quando vossos vassallos forem ricos, os remos nao se perdem por
isso, mas nas vésperas da parlida de Marlim Afonso de Sousa, «ç singular força à
persuasão de que a expedição tinha como um dos obiectivos explorar o Rio da Prata e instalar na
suas — ^ e ^ Ri
da Prata resulta evidente não só pelo itinerário da expedição como pela carta expedida por D. João
ao capitão mór a!s 28 de Setembro de 1532, e na qual se refere duas vezes ao grande no: .e por
não ter alqü recado voso, do cj no asenfo da terra, nè no no da Prata tendes feito ...«<? me
escrevereis mui largamête tudo o que até então tiverdes pasado, e o q na terra achardes, e assim
que no no^ ^ de Melo da Câmara escrevia a D. ]oão III, o que se de(Juz da sua caida
é que Cristóvam Jacques encarava com má sombra os concorrentes e se dava ares de lhe pertencer de
direito a preferência à concessão das terras do Brasil: «e com psto diz que com estas cousas se ha de
vingar dos que lhe pedem o seu e que os ade fazer ficar nas mõtanhas e serranias pera que se
ToZe e le crê que toda esta terra lhe pertence de direito e que nã ade mandar v. a outrem sena a eüe
e assv o ãda dizendo que eu affirmo a v. a. que lhe o ouvi, e eu senhor lhe digo pera que saiba a
verdade e a tencção e fundamento desse ornem... e se v. a. quizer mais verdadeira informação da terra
aqv andão omens que o sabem tão bem como elle, porque foram delia mais vezes e que lha dara
verdadeiramente^ prolhfalârta, dela podem extraír-se outras conclusões relacionadas
com os assuntos de que trata o presente capítulo. Prova êste documento ^ P^0 ^sesse ao rè
era já uma idéia em circulação. Muito antes da concessão das donatarias hav,^U^mLia
levar ao Brasil «em duas viagês mil moradores e pessoas taes e obngarme a iso a minha propia custa
e despesa daqp mpl e trezentas tlegoas a ganharltie huma terra de que nã tem k
ter muito e pomar/ha e conqpstarlha de muitas gentes que tem e mup pereiras ... pois eu o seru
L gastar de sua fazenda nenhuma cousa ...e se nã conhecera de m.
empreza nê menos estes ornes me escolherá pera iso nã quizerão gastar
pessoas comigo, e asp a vosa alleza de crer que a todo meu poder na franceses de fazer
nenhum deseruiço na costa, porque segundo a informação que tenho ho podia bem fazer tato q
estivesse assentado na terra...* _ , - hprpHitáripc: p a
Como se vê, as idéias que nortearam a futura concessão das capitanias hereditárias e a
nolítica econômica a que obedeceram encontram-se esboçadas na proposta do bisneto do ona ano a
ühà da Madeira! Estala em caminho da prática o pensamento de opor às devastações dos franceses
núcleos fortes de portugueses estabelecidos no Brasil. Martim Afonso de Sousa, ainda por conta da
coroa vai inaugurar a colonização nas terras metalíferas do sul ("). Seguir-se-iam os donatários, que a
sua custa armariam as frotas e transportariam os colonos.
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Tudo se preparava para a prodigiosa eclosão de uma pátria. regenerar se ia ua lavoura,
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HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Apêndice
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em conta Sem maÍS tÍrar 0Utr0 ,he Seiam
^ agraua5 do^T
acerqua dos roubos^ Pera Serê 0UU dos
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do contrato de ber- erRev^de6^! 11 63 eStamd0
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frança nos vos
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elladoUderhuua
o7ènado i 0 jmqmnçâo
de f0ra da VÍIla de faram nos enviou
cj tirou sobre os franceses oue e"e
e se fa
S P era P r
ze r comprymento
fazei ° madam os
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de justiça e fazey em seu bê
o asy despacho
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am presos na dita viila q foram tomados na nao q amdaua mente como de vos confiamos. V o asy be e fyel-
d™: E por
uarmada r™ quedoos presos
3
'"u" sam c Ha ■""» «s
" pesoas seoumHn
somos certeficados E queremos que pera' eTxecuçã da armadif franrp eSite tnestre de llu" navio q d'lz q este mesmo
lustiça que delles por direito se ouuer de fazer somente fi aíhado rí rri i ,T 6 r0Ub0U dÍZ •í"6 na sua nao f0V
rou 10
quem vymte dos principaes deles •/. capitam mestre piloto Ivnhn p 0U ras :ousas
q he fizerã •/. coiros e berneos e pano de
«regar j vos ho ' ouuyascõquaes nos pedia
os franceses queq elle
lhe mandasemos
por bem do
contramestre e depois destes dos mais principaes atee o dito
numero de vynte emtrando neles todos os q forem bombar rou o q he foy feito quyser citar e demandar e ouuydos
deiros e se tamtos bõbardeiros ouuer que cõ elles pase o ju gay o que cõ direito vos parecer dando appellaçã e agrauo
pera nos ho mãdarmos ver e se fazer comprimêto de justiça
liem do dito 56numero
fíem^rTto' Vlnte 0d0S 05 qUe maÍS f0rem
:de vinte, queremos que fique e todos e ysto fazee loguo e o mais sumaryamente e cõ breujdade q
bõbardeiros
vos seja posyuel gardando a justiça das partes e asy bem
esta 01
vos for dada
esta^vorfoVd ?11 vos^ ^ me'adamos
partaaes ^ lo
vos vaades a 20
ditatanto de como de vos confiamos e vos mãdamos e ao dito juiz de
villaque
aram na qual aveemos por bê q por esta soo vez emtres sê farã q ha naao e todo o q nella for achado estee socrestado
e êbargado e posto ê todo boõ Recado atee mãdarmos o q
posaes fazer nos lugares e C0USa qUe POr bem de voso ofíid
q podeis entrar soomête esta soo diso se fara E asy vos mâdamos q mandes apregoar que
posaes^r nosT^ - °
E vos ajuntay cõ ho dito juiz e lhe dizee que vos mostre os todos aqueles que comprará alguuâs cousas q se tomasê da
autos e imqumçoes q tirou da tomada daquela nao e prisam dita naao o tornê a. entregar áo dito juiz do dia do pregam
a três dias primeiros seguintes so pena de ho pagarê e
0
estam
Pltam me
es tam presos. Ao e 6 PÍIl0t0 6 corn anha
f qual por esta mandamos P deliaq qvollos
na dita vila
mostre mais averem qualquer outra pena cyuel e crime q he nosa
sem niso poer jmpidimenfo alguü e juntamète com o dito merce e faça se diso auto
E por que nos somos êformado que estes desta naao
caDitã mestre
capita ^ T ePreS0S
meTt piloto 05 dÍt0S fran eses
a todos os que asyÇ sam epressosnoteficaycomoao e os outros das naaos de sua cõserua na paragem das ylhas
das canarias tomará tres carauelas de nosos naturaeis das
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
quaes Queymarã huua depoys de Roubada cõ hos omês q e jngreses cõ quê tynham guerra roubaram quantos navyos de
nela hiã e a outra tvraram o guovemalho tomaram as vellas e Portugal acharam e falsará quantas jnqujrições sobre as ditas
leixarã hyr pello mar e a outra aRombarã e asy aRombada presas tyram e asy cartas de fretam.tos e marcas e tudo querê
foy ter a terra e queremos saber se estes sam muito culpados dizer que he de seus jnmigos e q tudo he de boa pressa / e
vos mandamos que primeiro de soltardes os sobreditos pre- quando prendiã os portugueses per medo e tormêtos q lhes
gütes todos se eles fora na dita tomadya '/. cada huü por sy seus faziã lhes dizer o q queria e elles escpreviâo nas ditas in-
poemdo lhe medo de tormèlo naquela maneira q vos bè pareçer quirições o q lhes aprazia e asy sõr ho almyrante como todos
e oferecendo lhe seguro q dizêdo a verdade lhe perdoaremos, e seus oficiaes eram dacordo a fazer as ditas falsydades pollo
todo o que diserem mandareis scprever per tabeiliam pubrico e interesse q lhes diso vynha / das quaes inquirições ê todo
porê neste eixame nam emtraram o capitão mestre e piloto nê tempo se am dajudar e esprevo tudo ysto a V. A. pollo q me
nenhuuã pessoa dos outros q souberdes que sam pessoas on- passou pollas mãos cõ m.'o trabalho e m.ta desp.a sem fazer
radas e descobrindo q foram no dito caso emtam vos manda- frujto.
mos q fiquem presos trinta delles '/. capitam mestre e piloto Eu, sõr, por caussa de certos rebates de peste q deu ê
e bombardeiros e outros q forem mais principaes e todos os alguús lugares junto cõ Arganjl ha m.*08 dias q me vym aquy a
outros soltares e nã descobrimdo cousa allguua do dito caso este monte e tenho a molher doente e parjda e por ysso nõ vou
das carauellas emtam fares e cõprires todo o q amtes vos fica è pessoa dar conta a V. A. asy disto como de todo ho majs q
dito dos que vos mandamos q fiquem presos e solltos / E des- qujser saber de mym o q sõr espero de fazer em breve / desta
cobrindo q forã no dito caso das carauellas nos emviares o qujtaa das covas aos x de março de 1527.—Jacome MontS0
auto diso cerrado e aselado / (Tôrre do Tombo, Corpo Chronologico, parte I, m. 36, n.o 30).
Item vos mandamos q este eixame tenhaes ê grande se-
gredo pera se nã saber primeiro de o fazerdes q vos mandamos V
q ho façaes e ttabalhaes do saber quaeis sam os primcipaees Carta ao Dispo de Osma
delles e de suas fazendas e onde sam moradores pera estes
ficarem no comto dos trynta q mãdamos fficar presos e ê qual- 15 de Junho de 1527
quer destes casos avemos por bé q todavia fiquem presos . Reverendissimo Senor—Aun que a vuestra Rma. Sa.
trymta pessoas posto que no primeiro capitulo vos diguamos q fasta agora no aya fecho nyngun servicyo, su mucha nobleza,
fique vynte / e descobrindo o caso das carauellas estes e as e la estrema necessydad que de su soccorro tengo me dan
outras naaos de sua cõserua os pergunlares pellos nomes dos atrevimyento a le suplicar por servicyo de dios me faga tan
capitães das outras naaos e dos mestres e pilotos delas e das senalada merced, que por su yntercessyon yo aya libertad de
outras pessoas prinçipaes q nelas àdã e õde são moradores e questa prysion que tengo aquy en pernambuco fatorya dei
quê os armou e õde armarão e todo mãdares ebpreuer muito rey de portugal en la tierra dei brasil, e podra ser por una
declaradamente no auto q diso fezerdes pera tudo nos em- de dos vias, ó que vuestra Rma. Sa. escryva a portugal a
viardes». alguna persona que aya un alvala dei rey, que con el primer
«Menuta da carta q foy sobre os françeses presos de pasaje sea levado delante su alteza a ser ovido de justycya,
farão ».— Cartas Missivas, Maço 3°, n." 14. ó aviendo vuestra Rma. Sa. una letra dei emperador para el
rey de portugal, que mande darma pasaje pues en servycyo
IV de su magestad me perdy e fue desta manera, que la armada
de su magestad que iva a maluco, de que era capitan Ruy
Carta de 33conie Monteiro a D. loão 111, de 10 de garcya de loaysa, fortuna nos maltrato, y derroto en el estre-
Março de 1527 cho de magalhanes de manera, que Santy spiritus se perdio,
Sõr y ia capitaina fue a la costa, y falto poco de se perder, Ia
nucyada y Ias caravelas perdyeron los bateles y ayustes, y
Oge ix de março receby húa carta de V. A. fecta ê Lix-
asy destroçada partyo lanucyada la buelta doleste, dezia que
boa aos xxb de fev.™ pasado e cõ ella hüa informação do doutor iva por el cabo de buena esperança, yo tome la buelta dei
m.e Diego de Gouvea sobre as tomadias fetas per os franceses estrecho con la nao san graviel en busca de la capitaina y de
a qual V. A. me manda que responda / e de a ysso toda boa Ias caravelas que me avion dicho que Ias fallarya en el ryo
jnfomaçã q ssouber e porque sõr estando ê França e è Breta-
de Santa Cruz, y non Ias podiendo fallar corry la costa con
nha de todas estas presas e tomadias fetas asy a V. A. como a asas mal tiempo, sin poder surgir un ancla, hasta la baya de
seus vasalios dey muy larga cõta a V. A. e a elrey vosso padre los patos que es en 28 grados y médio, donde me repare
q s ta gloria aja e asy depois q fuy ê Portugal e por auer ja m.tos
dagua y lenha y carne, y faryna para complir mj viaje sin
dias q tornej grande parte se me tyrarâ da memória / e busquej necysydad a Maluco e que era presto para me partyr vinyendo
meus papeys e êvyo a V. A. tudo o q anjda achej / e porque el batei de terra se anego com XV hombres y otros muchos
V A me manda q lhe espreva todo boõ avyso q ssouber pera
se me quedaron que fueron entre los muerlos y quedados
se estas coussas mais facilmente cobrarem / de meu fraco juizo mas de cuarenta hombres, de manera que me fue fuerça
me pareçe sõr deficel porque ha m.'os dias q forã destribuydas venyr la buelta de Espafia, porque a uno estava seguro de
e partydas antre homès que restitujm muy mal ho alheo e a
mayor parte de todas estas presas vyeram as maãos delrey de los traydores que quedavam en la nao y junto con esto nos
comyença la nao a fazer tanta agua que no nos podíamos
França / e do almyrante e de seus oficiaes / e as mandarõ
valer tanto que nos convino arrybar al brasil, donde falíamos
vender / e elrej tomou todo o drro (dinheiro) dizendo q tinha
necesydade delle pera a guerra de jngraterra e jtalia / e fazendo en un puerto tres nãos francesas, y por no poder fazer otra
cosa entramos con ellas en el puerto, faziendo todos hagra-
se sõr agora as provas das ditas presas e per quê foram to- mento solen, que en tanto que en el puerto estoviesemos
madas / se elrey de França as nõ pagar logo de sua bolssa / ou
fuesemos amigos, y assi posymos ma no adobar la nao san
as mandar rogar aos q as tomarã sê majs outro processo / se
graviel, y syendo nos otros en carena la nao tan pendida
la sõr ouverem de andar ê demanda e provas e processos crea como sea posible, un dia Ias tres nãos francesas se decean
V. A. q nuca se acabarom as ditas demandas porque so color
venyr sobre nos otros con toda su artylherya a la banda y
de dizerem q esta roupa e fazenda era despanhoes e framêgos
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A expedição de cristóvam jacques
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HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
De vuestra Real A. umyl servidor que sus Reales pies índias por mancebas e comerem dos mantimentos da terra,
e manos besa como faziam os que delia agora vieram, que eses sam os
Dom Rodrygo que 11a querem tornar por moradores e outros taes e pera
de acunha iso a v. a. de respeitar a callidade dús e doutros pera esco-
Sob. Pera ell muy allto lher o de que for mais servido quanto mais que eu hão
hy muy poderoso quero senam rezam e seu serviço e creia v. a. que se me
sõr ell Rey de por- tiver nessa terra que são omens que lhe poso fazer mujto
tugall serviço asy no frutyficamento delia como em na conqistar
porque me vem ja de meus avoos fazello asy, porque a ilha
De Dom R.o da cunha.
da Madeira meu bisavó a povoou e meu avoo a de São
(Arq. Nac., Corpo Chronologico, parte 1, maço 39, Migell e meu tyo a de São Tome e com muito trabalho e
doe. 133). todas de geito que ve e eu espero parecerlhe nisso, pois no
mais as caronycas dos reis pasados dou em prova e se nam
VIII conhecera de mi o que diguo não cometera tal empreza nem
menos estes omens me escolheram pera iso nem quiseram
Carta de D. joio de Melo da Câmara gastar suas fazendas e aventurar suas pesas, comigo, e asy
1529 (?) v. a. de crer que a todo meu poder nam lhe avião franceses
a fazer nenhum deserviço na costa, porque segundo a infor-
(Sem data, nem indicação do lugar em que foi escrita)
mação tenho ho podia bem fazer tanto que estivesse assen-
< Senhor—Eu fuy dar a Fernão d'Alvarez llembrança tado na terra e a maneira diso lhe direi quando a de mim
do meu despacho, e respondeome que fallasse a v. a. que a quiser saber e eu espero de lhe fazer tamanhos serviços se
elle não tinha nececydade de lho dizer, porque elle lho fal- me la manda que ainda por elles ma de fazer muitas merces,
lava e que lhe não respondia nenhüa cousa e então lhe disse porque asy o a noso senhor de permytir, porque sabe mynha
que me querya hir nesta armada e que não podia ali fazer e tenção e desejos mas dame muita paixão darem pessoas in-
elle me tornou a dizer que asy me dava de conselho, se ataa formações a v. a. como qerem, por onde o fazem asy estar
então me não despachasse, e nom sey se o fez por vir agas- perdendo tempo e nom tomar em nenhüa cousa concruzão, e
tado de v. a. nem querer estar com elle em despacho se nom sey, senhor, quem lhas daa porque lhe nom dizem que
peilo semtyr asy nelle, e como quer, senhor, que eu a elle dê as terras que tem perdidas aos seus vassallos e naturaes
nam peço a merce senão a v. a. quero saber delle o desen- que lhas ganhem e povorem pagandolhe aquelles direitos que
gano, no qual me fara muito grande darmo se nysto de mim v. a. ordenar e forem rezão e nom buscaremlhe cousas em
se nam quer servir pera que o eu também de a esses omens que gaste dinheiro sem proveito como agora me certifiqarão
que com esperanças trago ata aquy enganados e tudo pello que dizia Christovão Jaques que lhe mandara v. a. dizer que
servir, e eu yrei por cobro em minhas demandas que tanto nam fazia nada desta terra sem seu parecer o que lhe avia
tempo a que dçixei perdidas por lhe vir fazer este serviço, e de mandar ou mandara ya por apontamentos e que este meo
se quer que se isto faça, mande a Fernão dAlvarez que buscara por terceira pessoa que o dissesse como de sy a
este comygo como me tem dito pera que se tome nyso con- v. a. que eu não sey que parecer pode ser o seu, pois que
cluzão, porque de tudo ho que v. a. for servido serei eu con- v. a. tem por esperyencya nysto quanto foy e diz que buscou
tente, mas crea v. a. que se me a mym nem parecera que este meo pera lhe dizer que nam de senão de tall parte a
isto era muito grande serviço seu e proveito de sua fazenda tall e que o mais guarde pera sy peHo muyto ouro e prata e
que nam me atrevera a cometer lhe nem me metera no mar metaes que ahi avia e que pera qy avia darme v. a. que o
na força do inverno, donde nunqua cuydei descapar segundo fizese mas ata qy não temos visto essa soma de metaes nem
a tormenta [que] pasey pera o fazer, nem andara aquy como quem os vice senão dizerem que hum ornem viu outro
ando a nove meses gastando o que Deus sabe, e devya v. a. que fose asy porque eu e mais amigos nosos portugueses e
dolhar que qererlhe eu por em duas viagens mil moradores naturaes somos e leaes e nam castelhanos nem franceses e
e pessoas taes e obrigarme a isso a minha propia custa e tudo como he servido de v. a. e com ysto diz que com estas
despesa daquy myl e trezentas legoas, a ganharlhe húa terra cousas se ha de vingar dos que lhe pedem o seu e que os
de que nam tem nenhum proveito e pode ter muito e po- ade fazer ficar nas montanhas e serranias pera que se per-
voarlha e conqystarlha de muytas gentes que tem e muy quão porque elle cre que toda esta terra lhe pertence de
gereiras segundo a informação que nam he pequeno serviço direito e que nam a lia de mandar v. a. outrem senam a elle
este, mas antes muy grande, e devemos deitar mão tall va- e asy o anda dizendo que eu afirmo a v. a. que lhe o ouvi
sallo e fazerlhe muitas merces, que nam trazello asy tanto e eu, senhor, lhe digo pera que saiba a verdade e a tenção
tempo sem despacho, do que cumpre mais a seu serviço que e fundamento desse ornem e dahi pode fazer o que mais seu
a meu proveito, e se algúas pessoas outras cousas lhe dizem serviço for e se v. a. quizer mais verdadeira informação da
eu me afyrmo que se as qiser aperstar que tudo ache pala- terra aqy andão omens que o sabem tam bem como elle,
vras porque o nam fazem se nam por me danar, e nam dão porque foram nella mais vezes e que lha darão verdadeira-
nyso muyto proveyto a v. a. e pera que dipois os mande e mente, porque nam sam partes no caso, e peço a v. a que
lhe de navios e faça o gasto que ouverem myster que a se me ouver de despachar e fazer sua merce que seja com
v. a. nam cumpre pois o eu quero servir sem gastar de sua bryvydade pera que va ainda alcansar esta novidade a ilha
fazenda nenhüa cousa e porque os omens que comygo hão que se ya Ha começa, porque se for a tempo, averei mais
de ir são de muyta sustancya e pesoas muy abastadas e que cinqo mil cruzados, porque ya ve que huma cou=a tam grossa
podem comsigo llevar muitas egoas, cavallos e gados e como esta se espera querendo Deos e v. a. o ouver por seu
todallas as outras cousas necessárias pera frutyficamento da serviço que a mister dinheiro, e pois lho eu nam peço, aju-
terra, e são taes que pera a conquistarem e sujigarem em deme com o tempo pera o aver: esprivy esta a v. a. porque
nenhüa parte saberia buscar outros que mais que pera isso nunqua tive lugar nem tempo desposto pera lhe isto dizer e
fosem, e nam sam omens que estimem tão pouco o serviço porque perdia a esperança de o aver tão cedo tomei este
de v. a. e suas honras que se contentem com terem quatro remedio. Dejo as reaes mãos de v. a. a qê noso senhor acre-
90
A E X P E D ! Ç A O DE CRISTÓVAM JACQUES
A fim de dar ordem que daqui por diante os suieitos ao êbaixador Gaspar Vaz agora antes que partisse e João
dos ditos senhores Reis não se roubem sobre mar hús a Vaz a leua em seu inuentairo.
outros seraa feita húa ordenãça acordada e comúa antre elles Comprir saber do capitã Artiga quê ouue o dinheiro
pela qual seraa dito e ordenado que nhú navio nê outra do nauio de Ambrosio de Freitas e de Lopo Rõiz que foi
vella não sairaa dos portos dos ditos senhores respeitiva- tomado pello mesmo Artiga o qual agora esta preso na cón-
mente sem peremptoriamente iurar e prometer e der cauçam sergeria do Pallas de Pariz sou baisse delle quê ho ouue por
que elles a saber os françeses nam tomaram aos navios que que eu creo que o Boniuet recolheo tudo isto que erã 5 ou
acharem sobre mar que pertençerem aos portugeses as suas 5000 cruzados digo vj (mi!) da matéria da nao da índia núqua se
merquadarias esquipagens e munições e os ditos portugueses deu prouisã por que nõ foi dada em quãto elle viueo depois
faram de sua parte o semelhauel e lhe será sinificado quãdo da morte eu fui a Portugal no ano de 526 nõ vi que mais se
partiram que se fizerê o contrairo do sobre dito elles seram tirasse que andei la hú ano e meo por que se nõ tirou nõ
punidos como quebranladores de pazes e com iso juraram ho sej mais que quãdo tornei me disserõ que a molher renú-
e prometeram e daram cauçam como dito he que das presas ciara por amor das diuidas acheguei aqui ê / 27 / tornej logo
que poderam fazer durante a dita viagem seram obrigados a no ano de 28 la amdei até agora como v. s. sabe o chãceler
trazerem a carta do fretamento que elles acharam nos nauios disse que daria prouisam más que nõ a dera por lha nõ re-
per elles tomados e iso mesmo dous homês daquelles que quererem.
forem achados dentro nos ditos nauios a fim de per elles se Quanto ao nauio que tomou João Ango aqui no
saber sobre quê foi feita a dita presa e em fauta disto seram começo da sua carta de marqua he verdade eu me tinha ja
punidos como se respeitiuamente os hús tomasem os outros. enfermado do que pudia valer tudo o que lhe tomou e nauio
podia valer 60.000 ou (70.000) Ixx rs. e este nõhe o de que eu
Porem com tudo isto que dito he nam seraa prohi- tinha procuraçam per que o de que he a minha procuraçam ha
bido nê defendido que se nos nauios françeses ou portugeses acerqua de 10 anos que he tomado que foi no nouêbro de
se acharem merquadorias de contra banda e que pertençam aos 521 doutra presa nõ sej nada senã que nos disse aqui hú
jmigos que elles as nam possam tomar sem toquar no resto ingres que fulanaua no mesmo porto tomarõ hú nauio que
dos nauios dos françeses e portugueses. vinha de Frãdes português cujo era nê que mercadarias trazia
nõ se sabe ao cabo de Corno allia que he na costa de In-
Os ques apontamentos aqui açima espritos foram graterra andauã 22 nauios bretões e normãdos e dizê que
comunicados antre os Senhores o Cardeal de Sans legado e tomauã toda roupa como elles sêpre acustumarõ hú filho de
chançerel de França e os Senhores de Memorãty gram mes- hú cidadã desta cidade vai ê hú nauio portuguez que avia
tre e marichal e de Driam almiral de França de húa parte / e dias que qua era e leua 32 peças dartelharia e 35 ou 36 ho-
os Senhores Dom Antonio de Taide e o doutor Guspar Vaz mês he o nauio de porte de 50 tones ate 55 e que se ya
embaxadores do dito Senhor Rei de Portugal doutra e a fim ajuntar com estes outros e este ingrez diz que estiuerõ bê
de elles os comunicarem com o dito Senhor Rei respeitiua- 15 dias que nõ ousauã partir nê sair do porto com medo
mente por antreter paz e amor uniam e concórdia antre elles destes senhores boõs e de boôs fejtos isto tudo se passou
e por obuiar a todas cousas que poderiam sobrevir pera im- na semana de Santiago e nos dias seguites ate os 9 deste
pidirem e diuertirem a dita paz e amor os quaes apontamentos que partirõ cumpre que v. s. diga ao almirãte que mãde dar
se bem pareçerem aos ditos Senhores Reis os sobreditos ordê neste negocio e que nõ soomente mãde êbargar estes
prometeram e prometem os fazerem ratificar açeitar pelos nauios 4 que yã o Bresil mas mãde haos tenêtes de Breta-
ditos Senhores Reis e sobre iso espedir as letras que sam nha que nõ deixê sair nehú nauio pera o Bresil e que aqui
neçesarias feito em Fontenebleo a xj de julho 53j».—Vol. I mesmo mãde ao visalmirãte que nõ soomente estes 4 mas
de S. Lourenço, Fols. 271 a 274. outros que aqui estã pera jrê o Bresil que os nõ deixe jr
* por que a mj me disse hú mercador homrrado desta cidade
X que avia aqui nesta ribejra 4 ou 5 outros nauios sê aquelles
que forõ êbargados que yã la por isto que ê comprindo cõ
sua promessa que per a sua carta mãdou a el Rej nojso] S.
Carta do dr. Gouveia (?) para o conde da Castanheira que mãde que a defesa seja general se elle quer bem reme-
pedindo-lhe que inste com o almirante para diar este negocio que ê outra manejra ê quãto a defesa nõ
embargar navios destinados ao Brasil for geral sêpre os que forê fora defesa como sã agora estes
outra teremos pêdenta e elles quererá que lhe sejâ la toma-
«Senhor—Por que )oâo vaz espreue largo as nouas dos os nauios pera que o que valer 2 pessã 4 ou 6 e quãdo
de tudo e isto nõ he por preguiça mas por eu trazer ha 3 a defesa for geral nõ lhe darã senã húa corda njsto prometo
dias tam gramdes dores de cabeça que me nõ sej valer / nõ tudo a v. s. cuja vida estado nosso Senhor acrecente asi
direi mais nesta senã que da fazêda que era em poder do como elle Senhor deseja a seu seruiço deste Ruã oje 22
almirante Boniuet la mãdo essa emformaçã a v. s. dessa que deste de 1531--Serujdor de v; s.~Gouuea Torres*.
estaua em Brest bem creo que esta foi a parte do almirãte
e que des do tempo da tomada da nao ate que elle morreo Sobrescrito: «Ao muyto magnífico senhor o Senhor
se vemdeo tudo o mais e depois de el Rei ser preso e elle Dom Antonio de Taide etc. Embaixador dei Rej de Portugal
morto êtã descubrirõ aquella parte que eu disse a v. s. que em França»;—Vol. I de S. Lourenço, Fols. 367 e 368.
foi receber João Bodin e isto foi depois que souberõ que ,) i - '■ '• '
elle nã podia ja empeçer a njguè e depois da vinda de
XI
Honorato de Portugal e como elle trouxe comissã dei Rej
nojso] S. segundo elle dizia e o mesmo João da Silueira Cartas pedindo para serem embargados quatro navios
per que S. A. avia por bem que el Rei Christianissimo se de Honfleur destinados a Brasil
ajudasse das presas que qua estauâ nas mãos dos ladrões
asi da sua fazêda como da dos seus vassalos mâdarõ êtã a «Monsieur de Maiellerait — o embayxador de Portugal!
Breste cobrar esta que Ia estaua que eu dei |a ê memória me deu a entender que auia quatlro nãos no porto de Ana-
92
A EXPEDIÇÃO DE CRISTÓVAM JACDUES* " •" "
93
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Amgoo como de outras partes deveis de trabalhar tamto co- moradores la a povoar, e de Christovam Jaques com mil, ja
mo pollas outras restetuyções que pertemçem a sua alteza. agora ouvera quatro ou seis mil creanças nacidas, e outros
Trabalhareis por saber da molher de ]oam de Bodjn muytos da terra casados com os nossos, e he certo que apos
e d Onorato e de quaesquer outras pesoas que vos pareçer estes ouveram de ir outros muitos
que o posão saber a quê foram emtregues os seis mill cru- Deste Ruam 29 de Fevereiro de 1532.—de Gouvea.
zados da naao de dom Nuno que per mamdado de madama
se despemderão ê cousas de seruiço dei Rey de França. Deste Ruam l de Março de 1532.—D/os-o de Gouvea.
Avereis prouisão do ajmirante pera o tabelliam de
Diepa emtregar o trelado do registo que tem das presas que (Arq. Nac., Corpo Chronologico, Parte l.a, maço 46.°
são feytas a portugueses. doe. 64).
E avereis outra prouisão de el Rey ou do legado pera XIV
os erdeiros de Guinegata emtregarem a jmquyriçâo que tem
feita em Selonique per omde dizè que se proua craro a fa- Minuta das Instruções Secretas ao corregedor Cris-
zemda que per os navios daquele lugar he tomada a por- tóvam de Faria sôbre três navios franceses
tugueses. apresados
Tomareis a espreuer a Framdes a Bemzamerro so-
bre a proua que vos ha de dar de como foy tomado e asy Doutor Xpovam de Farya eu Elrey vos emvio muyto
os outros navios de que ele sabe parte e jsto trabalhareis saudar. Per outra carta vos sprevo a man.ra q vos mando q
por poer ê ordem pera se poder requerer o castigo que tenhaes com os s.rios, mestres e cõpanha das tres naaos de
mereçem os que o tomarão e a restetuyçâo da fazemda franceses q êtraram no porto desa cidade sobre q vos mâdey
quamdo el Rey noso Senhor o ouuer por bem. q feseseis autos pella sospeiçã q avia que eram naaos e na-
Tereis muy gramde cuydado e lenbrança que ao vyos de maao trauto e armados ê cosayros e porque pel'a
tenpo que vos ouuerê de ser dadas as quitações do dinheiro dieta carta vos mando a maneira e fiança sobre que os lar-
que se paga a ]oam Amgoo de as fazerdes fazer na milhor gues e soltes como na dita carta compridamente he conlyudo.
e mais segura forma que poder ser e que entrem nyso toda- Per esta carta secreta vos quis avisar do que ey por meu
las pesoas que na carta de marca tenhão parte de maneira serviço q niso façaes q he q te a dita fiança vos não derem
que nõ fique nenhuú de fora segundo se contem no asynado dos dez mill cruzados como na dita carta se contê e volla
do almirante por que posto que el Rey tenha confirmado o derê de cymquo mill cruzados lha aceytes na dita conlia
comtrato todavia pera mais firmeza asy compre que se faça / pello modo e man.ra que na dita minha carta se contem.
e asy êtrarâ todas as que teuerã parte na presa per que se E com esta fiança dos ditos b (mil) cruzados dada na
a dita carta de marca conçedeo. man rag q vos mando q lha tomes na contia dos dez mill cruza-
Estas ienbranças vos leixo por mo el Rey noso Senhor dos os largares asy como vos mâdo q ho façaes dandovolla
asy mandar pela carta que vos mostrey de sua alteza feito dedez mill cruzados e sendo caso q nam achem fiança nê
em Tanpas ao derradeiro dia dagosto de jbcxxxj. fiadores ê cada hüa das ditas contias nese caso farees auto
«Outro deste teor fiqua em meu poder—o doutor gas- pubrico dos synaes que pella dita carta da fiança dos dez
par vaz».—Vol. I de S. Lourenço, Fols. 384 a 386. mill cruzados vos mãdo q ho façaes e cõ yso cõ a milhor
desjmullaçã que vos poderdes e cõ todas booas pallavras
XIII dizendo lhe õ posto que ouvese asaz de jndicios e sospel-
Parte de carta do dr. Diogo de Gouveia a el-rei ções pera se crer e aver por certo que eles eram mais co-
D. ]oão III sairos e armados pera fazerê todo mall e dano q podesem
29 de Fevereiro e 1 de Março de 1532 do q virê pera pescar como elles alegam, vos pella boa paz
e amizade q sabes q eu tenho cõ elrey de França e meus
Senhor.. Reynos cõ os seus os largaes e lhe mandaes ètregar suas
velas e todas as cousas e fazenda q lhe tynheis socrestadas
Eu já por muitas vezes lhe (a V. A.] sprevi o que me e embargadas e q aves por certo q eu ho averey asy por
parecia deste negocio e que este ja agora nom era o acertar, bem e meu serviço pasando primeiro alguús dias q vos bê
que a primeira devera ser isto, que a verdade era dar, se- parecer q nõ pasem de tres ou q.tro dias pera verdes se
nhor, as terras a vosos vassallos, que tres anos ha que se podes aver delles cada huüa das ditas fianças e yslo seja
as V. A. dera dos dois de que eu vos fallei, a saber do irmão pera vos em segredo o quall gardares asy bõ como de vos
do capitam da Ilha de S. Miguel que queria ir com ij mil confyo.—(Tòrre do Tombo, Cartas Missivas, m. l.o, n.o 48).
CAPÍTULO III
(1530—1533)
POR
JORDÃO DE FREITAS
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A EXPEDIÇÃO DE MARTIM AFONSO DE SOUSA
(1530—1533)
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97
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
J.0 [Jeronjmo], f.0 do Conde de Castro» (i), conforme eu próprio verifiquei (s) —a primeira parte desta
informação registada por Fr. Luís de Sousa, ao mesmo tempo que nos dá notícia de ter D. ]oão III
enviado uma segunda expedição ao Brasil, indica-nos: a) que o ano de 1530 é aquele em que foi
despachada esta armada expedicionária; b) que Martim Afonso de Sousa foi o seu capitão-mór; c) que
essa armada era constituída por sete navios.
O ano de 1530 de há muito que foi conquistado para a história da colonização do Brasil
como sendo o da partida da expedição de Martim Afonso de Sousa para este país.
respectivo catálogo e sob o n.o 19, foram incluídos, já falhos de diversos documentos, os três primeiros volumes da riquís-
sima colecção, os quais vieram a ser adjudicados a Fernando Palha. Tinham encadernação do século XVII. Segundo o
referido catálogo de leilão, compreendiam 526 documentos, sendo respectivamente de 177, 160 e 189 folhas. (Conf. o Catalogue
de la Bibliothèque de M. Fernando Palha, Parte IV, 1896, n.o 4691, págs. 129-130). . ■ c . ^ r.
Conforme anotação de Fernando Palha em uma das suas monografias (O casamento do infante^ D. Duarte com
D. Izabel de Bragança. Pormenores extrahidos de documentos inéditos, Lisboa, 1881, pág. 21, nota), os três livros por êle
comprados no leilão continham «alguns dos documentos que fr. Luís de Sousa aponta como estando nos três últimos» e
faltavam «muitos dêstes, nomeadamente todos quantos deviam ser de letra do conde». Uma outra monografia de Fernando
Palha (A carta de marca de João Ango. Exposição summaria dos factos extrahidos de documentos originaes e inéditos,
Lisboa, 1882), foi feita com documentos dêstes três volumes, tendo pertencido 1 ao primeiro volume, 4 ao segundo
e 18 ao terceiro. , j . , ...
Também eu tive a boa fortuna de manusear, da antiga colecção do conde da Castanheira, os documentos adqui-
ridos por Fernando Palha. Conservados em três pastas na Biblioteca que êste organizou, hoje em poder dos seus herdeiros,
que gentil e penhorantemente me facultaram não só a sua leitura senão também copiar ou extractar os que interessavam ao
objecto d êste capítulo, êsses documentos—que antigamente haviam sido encadernados sem nenhuma ordem cronológica—
acham-se distribuídos cronologicamente, ocupando as duas primeiras pastas apenas os que têm a assinatura de D. João 111
(cêrca de trezentos e oitenta) e a outra os de D. Catarina (trinta), do infante D. Luís (cincoenta), do cardeal-infante (cinco),
do infante D. Fernando (um), dos duques de Bragança (oitenta e um), uma copia do testamento do duque D. Jaime, um
documento assinado por Antônio Carneiro, um da rainha de Espanha ao rei de Portugal, uma exposição do conde com "J113
carta autografa do rei em resposta, e finalmente cinco documentos anônimos. Dos de D. João 111 não resta um único dos
anos de 1528, 1529 e 1530. De 1531 apenas existem os vinte e três que foram trasladados na segunda das duas referidas
monografias escritas por Fernando Palha, se bem que Fr. Luís de Sousa aponta três do Liv.o I, e não referentes a João
Ango. De 1532, também nenhum ali se encontra. Devo advertir que a exposição do conde a que me refiro, não e o «relatório
ou exposição ao monarca» que Varnhagen prometeu que seria «oportunamente dado à luz», promessa que o sr. Capistrano
de Abreu diz que nunca foi realizada pelo autor, sendo até desconhecido o paradeiro de tal documento (Vide 3.a edição da
Historia Geral do Brasil, pág. 201, nota 24 e «Prolegomenos ao Livro 11» da Historia do Brasil por Fr. Vicente do Salvador
(1918, pág. 75).^ ^ ^ ^ continuo a ignorar o paradeiro. O V encontra-se no Arquivo Nacional da Torre do Tombo,
que há anos o comprou, com mais outros cinco códices, aos herdeiros do 9.° conde de S. Lourenço, Antônio José de Melo
César e Menezes, falecido em 12 de Setembro de 1863. Num pequeno opusculo intitulado Noticia dos manuscriptos^ da
Livraria da Excellentissima casa de S. Lourenço, publicado por José Maria Antônio Nogueira em 1871 (Ajuda-Lisboa), diz o
autor que o primeiro dêstes outros seis Códices (o antigo Liv.p V da colecção Castanheira) veio para a casa S. Lourenço
em razão de um dos condes da Castanheira (não diz qual) haver casado na casa da Feira, donde provinha também a casa
S. Lourenço. E' possível. Advirta-se, porém, que a livraria dos condes de S. Lourenço foi criada por João José Ansberto de
Noronha, 6.° conde de S. Lourenço pelo seu casamento com a condessa D. Ana de Melo e Silva, o qual era filho dos
4.os condes de Angeja e irmão de D. Maria Rosa Quitéria de Noronha, casada com José de Caminha de Vasconcelos e Sousa,
4.o conde e 1.° marquês de Castelo Melhor, falecido em 1769.— Confr. Portugal antigo e moderno, Vol. Vlll, pág. 305.
(4) O conde de Castro a quem no texto se faz referência era outro D. Antônio de Ataíde, 1.° conde de Castro
Daire (desde 1625), 5.° conde da Castanheira, mais tarde governador de Portugal (1631-1633) e neto do 1.° conde da Casta-
nheira, já mencionado; faleceu, com mais de 80 anos, em 1647. D. Jerónimo de Ataíde, seu filho, o que emprestou ou
mandou a preciosa colecção de documentos originais a Fr. Luís de Sousa, foi 6.° conde da Castanheira, 2.° conde de Castro
Daire, 1.° marquês de Colares, como já referi, e faleceu em 1669, havendo casado com D. Helena de Castro, filha de D. João
de Castro, senhor de Reris. Na livraria dos antigos condes de Redondo, comprada em grande parte por el-rei D. José I
para a sua Real Biblioteca da Ajuda, havia alguns trabalhos genealógicos do punho dêste conde D. Jerónimo de Ataíde.
i,Dar-se-ia o caso de o Códice que contém o original dos Annaes de Fr. Luís de Sousa, haver pertencido também à livraria
dos condes de Redondo antes de figurar no Catálogo da livraria do Convento das Necessidades? c,Ou teria êle—o Códice
de Papeis de Casfro—pertencido, anteriormente ainda, a um dos condes de Castro Daire?...
De resto, é também para notar que no Catálogo da Livraria dos antigos condes de Redondo (Ms. da Biblioteca
da Ajuda, 52-XI-13), fl. 75, está assim inscrito um livro: «Fr. Luis de lesus. Vida delRey D. João o 3.° de Portugal. Ms.»;
tudo leva', porém, a crer que, por engano, se escreveu «de lesus», em vez de «de Sousa», pois não consta que algum dos
conhecidos Fr. Luís de Jesus fôsse escritor ou tivesse escrito tal Vida.
(5) Ao alto da folha 6 v. do «Caderno de apontamentos» coligidos por Fr. Luís de Sousa le-se o seguinte:
-íteir
^ vv^» ^ ,
/ I
O dociftnento a que êste apontamento diz respeito é um dos que já não existiam no mencionado Liv.o I quando
Fernando Palha o comprou.
98
i
A EXPEDIÇÃO DE MARTIM AFONSO DE SOUSA
3 rf3
S. ^ ^
33 POr nenhum dos aut
-que, antes V) ou depois de Fr Luís de ww« ^ ^ °^
1 15 0U men0S passa eira
ocuparam desta expedição ou do seu caoitão mór fn-" - 2 ou detidamente, se
6586 30 Íi,,3r Se 3 da,a dd
partida de uuta e outro'para as Irr^de slta CmzT ^ -
Brasy/ hauia muitos franceses m^mandoTlaaem VumTa^^d E POr El ReV ter n0Ua que no
'
qUatr0 na0S
se defenderão muV Valentemente Tme felã?mZ Í 7 Í " ' que todas
alguns Rvos que me EIReu manrix, a , • ...q e' ass
^ ni
sto como no descubrimento de
r
ZfZeT^͙amt ^ZZen^taZr^Tfun^ To
1 em
com
coTsfur"
seus propnos recursos sustentar tal^^
armada, sem sobrecarregar o thesouro da mãe naMa f im *°
qUe 3 Tr mensal
a publicou no 293^328 6^445 475 ' ^ historia e geographia
Afonso acabava de vir da índia: < Voltando'para o reino el-rei D ílâoHI lhe r qUando aIe2a que Maríim
6 Cem Ie uas de
para sempre . .. e o fez governador das terras do Brasil com faculdade de inder d^í i a SeSmaria2 ds essc>as
costaque
de C0ms
herdade
trouxe e quizessem ficar povoando as ditas terras listo oor virtude de uma r f reSla - ■ . 20 de NovetP '90
Lisboa sam o governador Martim Affonso de Sousa com armada de navTn«S není nbro de 1530J. De
povoa dores...» (Lugar citado, págs. 141 e 142). ' Sentei armas' Petrechos de guerra e nobres
Mariz (1594)1
Salvador VrGGfoYepCprdTs.15fL?àaP(S8)
(1627). w deU10S0 1 d0eSCouto
Diogr do CoGmodfl'612V 5 6), Qab,:ÍeI S ares de Sousa
í1612). p
P- F c
Francisco Sacchino (1620), 0589). Pedro do
Fr. Vicente de
Fr
- Agostinho de Santa Maria (1722)/ArUónío 5de Her^era0H^M^Ahade^U ^i663, l6^8 e 1672í' Fr- Rafael de Jesus (1679),
e P. François Xavier de Charlevoix (1756). Merrera (1725), Abade Vallemont (1734), Diogo Barbosa Machado (1752)
Novo Brasilico, escreveu êste autor que MYrUmdAfonso^^Soíiía^n ^ Di 3^essão IV, Est. l.a, n.o 45, do seu Orbe Serafico
tCOm Uma esquadra de nau
vanos casaes, e muitas pessoas nobres no ai^o de 1595, s- • • • em que conduzio
(llt O Ann eytipfn da de Santa Maria (1744).
das Memórias para a Historia da capitania *de^ ufZ^?} tamt?dm desconhecido de Fr. Gaspar da Madre de Deus, autor
particular haviam escrito Fr. Francisco de Santa MarU maaí( 44
% vf ^ 17?7 O-151503)- Depois de contestar o que neste
Se bastla0 da
matéria só posso assegurar, que veio ao Brasil ante^di h- a- , Rocha Pita (1730), diz Fr. Gaspar: «Nesta
20 de Novembro de 1530 e antes de 15 de Oi tuhro do isno a Indla:l1 ' 3 (Pa 9S. 8-9). Está, porém,
altUra deStaS M
seguro de que foi depois de
mór Pedro Taques de Almeida Paes Leme em vaíios fuÒares d^c? "!
e seus re
TorÍaS (pág' .!2) lê-se: t0 Saraento
occasião de faltar com mais laroueza afUrmt ^ t. P ciosos, e verídicos manuscritos, em que hei de ter
t") Breu/ss/ma T que [Ma!:t™ Afonso]
SUa Vida dera principio à viagem no fim de 1530»,
Prado, e de Alcoentre capitão donatário d^lth^Ho T ^
Tan araca n0
J obras 0 ffrande Martim Affonso de Sousa senor de
despois foi Gouernadòr delia â SprÂffiimt íí~ c } Brazyl, que servio de capitão mor do mar da índia e
ella no gouerno destes Reynòs a aua RHtarlm ff RaVnha dona Catharina mulher de EIRey dom João o terceiro, estando
escr ta de sua
morto, E he tam breve vara o muvtn nuJaf^ f23 Se'PC Própria mao E letra muyto tempo depois de Elle
feitos heroicos, Em que se ma^enarandlrípn ^u a fí ' qffe na0 faz-maes' Te tocar á minima P^te de seus
t^faffdTÈ TsUs^Z
IrnPrenSa da Universidade 1877
139-148, 168-172. Biblfoteca dfünivTrsfdaíf de^CottofM^^^ ' )' PáSS- 89-90, 105-108,
Barbosa Machado^ Dáo6 Ada&UmarÍa n^}açtlm "P0 ■!erá 0 EPüome da sua vida de que nos fala Diogo
sua Blbhotheca
Vimieiro onde a úh. n rondf d c — ? l , Lusitana e que, tendo existido na livraria dos condes de
' (") HÜtorSSmtdf^i, píl ,ZTa S eSX""'"""" "" i°eê'""° 56 MS U a0
'"
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
como foram as da carta que Diogo Leite escreveu a D. João III em 30 de Abril de 1528 por mão de
Gonçalo Leite, seu irmão (14), e as que no ano imediato haviam de pessoalmente ter prestado Cristóvam
Jacques e seus companheiros, entre os quais se contava o referido Diogo Leite.
A esta mesma época devem ser igualmente referidas as propostas ou pedidos que João
Manuel da Câmara, irmão do capitão da ilha de S. Miguel, e Cristóvam Jacques fizeram ao rei para
irem, à sua custa, povoar as terras de Santa Cruz, como se vê da carta que Diogo de Gouveia escreveu
de Ruão a D. João III no último de Fevereiro e primeiro de Março de 1532 (is), quando diz: «A verdade
era dar, Senhor, as terras a vossos vassallos, que tres annos ha que se Vossa Al tez a dera aos dois
que vos falei, a saber do irmão do Capitão da ilha de S. Miguel, que queria ir com dois mil moradores
la a povoar, e de Christovam Jaques com mil, já agora houvera quatro ou cinco mil crianças nascidas e
outros moradores da terra casados com os nossos, e é certo que após estes houveram de ir outros
moradores e se vos, Senhor, estorvaram por dizerem que enriqueciam muito. Quando vossos vassallos
forem ricos, os reinos non se perdem porisso mas se ganham por que quando la houver sete ou oito
povoações estes serão abastantes pera defenderem aos da terra que não vendam o brasil a ninguen e
non o vendendo as naus não hão de querer la ir pera virem de vasio» O6).
Os trabalhos preparatórios da nova expedição à terra do Brasil estariam já bastante adiantados
quando chegou a Lisboa a carta que o dr. Simão Afonso dirigira de Sevilha a D. João^ III em 2 de
Agosto de 1530 O7) fazendo ver ao rei quanto oportuno seria fundar no Brasil uma colônia vigorosa
e forte, visto os castelhanos se acharem desanimados e descoroçoados com a derrota e desastres
sofridos por Sebastião Caboto.
A Martim Afonso de Sousa foi incumbida uma tríplice missão: escorraçar os franceses das
costas e litoral do Brasil, despejando-o de «cossarios francezes que hiam tomando nellas muito pé»,
como escreveu Fr. Luís de Sousa—descobrir terras (1S) e explorar «-alguns Ryos, que me EIRep mandou
descubrir», entre os quais indubitàvelmente o da Prata (19)—e estabelecer um ou mais núcleos de
povoamento europeu, de domínio político e administrativo.
f14) Arquivo Nacional da Tôrre do Tombo, Corpo Chronologico, Parte 1, Maço 39, Documento 132. Esta carta,
publicada na Revista Trímensal, vol. VI, págs. 222-223, e na 1* edição da Historia Geral do Brasil, por Varnhagen. págs.
438-439, vem reproduzida no apêndice do capítulo anterior da presente obra, a pág. 89. , r, ■ •
(is) Corpo Chronologico, Parte I, Maço 1, Doe. 64. Já publicada, em parte, por Varnhagen, nas suas Primeiras
negociações diplomáticas. 4 _• , tt . . . .
(16) Veja-se no apêndice ao cap. II dêste vol. a carta de João de Melo da Gamara, publicada pela primeira vez
por Sousa Viterbo, em 1898, nos seus Trabalhos Náuticos dos Portugueses nos séculos XVI e XVJl, vol 1, págs. 215 a 217.
C187) Corpo Chronologico, Parte I, M. 45, Doe. 90. Publicada a pág. 439 da l.a edição da Historia Geral do Brasil. t
( ) Na carta escrita de Lisboa aos 16 de Janeiro de 1530, dizia D. João 111 a João da Silveira, seu embaixador
em França (1522-1530): «... os castelhanos foram para a parle do poente onde ninguém podia cuidar que havia terras e
tanto que as descobriram e houve alguma differença se assentou entre Castella e Portugal que de^ lá para aquém, os caste-
lhanos não podessem ir, o que eu não tolho senão á parte que pelos santos padres me foi concedida que eu tenho
descoberto e vou^em processo de descobrir> (Arquivo Nacional da Tôrre do Tombo, Gaveta XI, Maço 8, Documento 20).
("l Àcêrca desta expedição escreveu Antônio Herrera o cap. 6.° da Década IV, Liv. 10.°, da sua Historia General
de Ias índias ocidentales, cujo teor é como se segue:
< De la fama que divulgaron los Portugueses que armavan para el Rio de la Plata, f la embaxaaa que la
Emperatriz embiò al Rey—Fuè informada la Reyna, que el Rey de Portugal avia escrito a Sevilla, à un Português llamado
Gonçalo de Acosta, que avia estado muchos anos en la província dei Brasil, entre los índios, y se vino con Sebastian Caboto
à Castilla, ofreciendole seguro, y mercedes, porque fuesse à Lisboa; y que aviendole preguntado muchas cosas dei Rw de
Solis, que dizen de la Plata, le rogaron que fuesse en una armada que se despachava para aquellas partes, haziendole
crecidos partidos: y que por no dexarle bolver à Sevilla, para llevar su muger, è hijos, para dexarlos en l ortugal, se
ausento sin que nadie Io entendiesse: y que en aquella armada ivan quatrocientos hombres, sin otros muchos que volunta-
riamente se embarcaron, para poblar, que segun se dezia, avia de ser en el Rio de Ia Plata; aunque tambien se tratava,
que llevavan fin de echar los Francéses que se avian entrado en la costa dei Brasil, y edificar algunas fortalezas en los
puertos, para o qual llevavan mucha artilleria: y que desde el puerto de San Vicente, que era de su distncto, pensavan
entrar por tierra, al Rio de la Plata: y que dos galeones de los que ivan en esta armada, avian de bolver al Rio de
Maranon, que dezian que caia en su demarcacion: y que ivan en la armada una nave Capitana, dos galeones, y dos
caravélas, muy bien artilladas: y que iva en ella Enrique Montes, que avia muchos anos que estava en aquellas partes.
V aviendose dado aviso de todo Io referido al Embaxador Lope Hurtado de Mendoça, para que se informasse bien dello,
y avisasse lo que hallase, y aviendo entendido que se llevava este intento, se le mando que dixisse al Rey de Portugal, que
bien sabia que el Rio de la Plata fuè descubierto por Juan de Solis, en tiempo dei Rey Catholico, y que tomo possesion dei,
y que por mandado dei Emperador, avian estado alli; edificado, y permanecido algunos anos: y que si su Alteza quisiesse
entrar alli, podria aver inconvenientes entre los subditos de los dos Coronas, demas de ser contra lo capitolado, por Io qual
se hiziesse muy viva instância, para que ni en el Rio de la Plata, ni en otra parte dei distrito de la Corona de Castilla, y
de Leon, permitiesse entrar gente suya, particularmente, pues aquel Rio avia sido tanto tiempo posseydo por los Reys de
Castilla, y que si uviessen ido, les embiasse à mandar que se bolviessen, pues que el Emperador, y su Magestad, tenian tan
gran cuydado en mandar à sus Capitanes, que no tocassen en sus limites; y que lo mesmo era justo que su Alteza hiziesse,
especialmente en tiempo que Emperador se hallava ausente. Escriviò la Emperatriz, en ia mesma conformidad, a! Rey de
Portugal, y al Embaxador, que luego le diesse la carta, hiziesse la diligencia, y avisasse de lo que respondia; y aunque la
respuesta no fuè conforme à la embaxada, fueronlo los efetos». (Págs. 431-432 da edição de Anvers, de 1725).
Relativamente à prioridade do descobrimento e posse do Rio da Prata, recarde-se o que consta da carta que
o embaixador de D. João III em Castela, Álvaro Mendes de Vasconcelos, escreveu ao rei a 14 de Dezembro de 1531,
publicada na pág. 385 do segundo volume da presente obra.
100
A E X PE D 1Ç Ã O DE MARTIM AFONSO DE SOUSA
poderes de Martim Afons^de^ousan^Lurí falam 35 CartaS régÍaS 601 qUe ÍOram consi2nados os
depois de reconhecida a improficuidade não çd H aS.Se9Ura,r. 0 futuro Político e colonial do Brasil,
também das negociações diplomáticas que sobre o a^sunt^lá em"3 arm}fdaS de Suarda-costa, senão
cisco I e o seu govêrno. cntao se haviam entabolado com Eran-
NaTnf r?0"550 d0
, 'i,oralC0m0
e d s
»SeU e colonizadora.
PrÍnCÍPal aU>:iliar e c00 e
rador Pero Lopes de Sousa, seu' irmão mais novo P -
6 pormei,orísa |
dimenlo a haver com" os navi^d™ "ranc? e^s ' amenlo definido o proce-
,ÔSSem enCO rados dura te
a viagem, e especialmente com o^ gúe vie s» a srenío^adór ' '" "
brasileiro, procedimento certamente nrienf^ ül h encontrados nas aguas, ilhas e terras do litoral
com 03 mes
consignados nesta passagem da já conhecida carta™e" D ^oão" mos princípios
oao
Silveira, de 16 de Janeiro do mesmo ano Sp tsan tio ? I" Para o seu embaixador João da
e senhorios delrev de Franca nãn nnÇC - nenhuns navios nem vassallos dos reinos
Va0 303 de Guiné e India e
nem ás ilhas dos ditos mares e 'terras nor nmh ^ ^asil
Padres teenr concedidas aos reis^u^amec^sor ^ ™ ^ ^ 05 Sa"t-
mór (2i). Não me^'parece6 que^assím ff despezas, desta .armada !oram custeadas pelo seu capiíão-
Castanheira, encontrou Fr Luís Hp c:0 ' 0°, ,a .men.cí0íiado Liv.o VI da colecção do conde da
3
mesmo titular (22), em que havia esía^cláuTula V0^1;11 6 eSCrÍt0 pel0 punho do
E comessou a gastar no annn Ho ic-jn m- , ' ■ r Vossa Alteza gastado mp dinheiro
, o não merecia; tZl T " C0":
d
de^Martin^Afonsoc ^ ^ ^rid^V^
56 8 ,a e,<PeditSo ,oi
ou «de conta própria, do seu capitão m^ lnetrorora'' í" ' " ous?a°
eram ainda por êsse tempo os haveres de Martim Afonso^dp0 q6'0 sobe^ano^• De resto, bem parcos
a tamanhas despezas. Abastado e rico só o foi muito mais tarde. 0US3 ^ SeU b0lS0 abaIan ar se
Ç -
Ê.
20
(\"i ) Annaes,
nnnaes, pág.
pâg. 386
386.
101
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
BIOGRAFIA DE |E mui alta linhagem, descendentes de Martim Afonso Chichorro, filho bastardo de el-rei
MARTIM AFONSO 1 D. Afonso 111, tronco comum dos senhores de Beringel e dos de Gouvêa, Martim Afonso de
DE SOUSA
Sousa e seu irmão Pero Lopes de Sousa foram os filhos mais velhos de Lopo de Sousa—senhor
da vila e terra de Prado (23), de Paiva e de Baltar, do conselho de el-rei D. Manuel e aio do 4.°
duque de Bragança D. Jaime (24), que mais tarde o fêz alcaide-mór de Bragança e do
castelo de Outeiro. Eram sobrinhos paternos de D. Violante de Távora, casada com D. Álvaro de Ataíde,
senhor da Castanheira, e portanto primos-coirmãos de D. Antônio de Ataíde, filho dêstes—muito privado
e grande valido de el-rei D. João III, vèdor da sua fazenda a partir do ano de 1529 (25), feito 1.° conde
da Castanheira em 1 de Maio de 1532. Eram também sobrinhos paternos de João de Sousa, abade de
Rates, pai de Tomé de Sousa (1.° governador do Brasil), e de D. Isabel de Sousa, mulher de D. João
de Castro, senhor de Reriz e do morgado de Rèsende. Sua mãe, D. Brites de Albuquerque, era filha de
João Roiz de Sá, alcaide-mór e vèdor da fazenda do Pôrto (26), e de sua terceira mulher D. Joana
de Albuquerque (a «bisaguda»), cujo pai foi mestre sala de el-rei D. Afonso V. Pelo lado paterno eram
ainda netos de Pedro de Sousa (de Seabra) í2^) —o qual serviu alguns anos a casa de Bragança e foi
senhor da terra de Prado (28)—e de sua mulher Maria Pinheira (29). Êste Pedro de Sousa era irmão
de Rui de Sousa (senhor de Beringel e pai do 1.° conde de Prado, D. Pedro de Sousa) e de Fernão
de Sousa (senhor da terra de Gouveia e quinto avô do 1.° conde de Sarzedas, D. Rodrigo Lobo
da Silveira).
Segundo se infere da sua autobiografia, escrita em 1557 (30), não pode restar dúvida de que
Martim Afonso de Sousa nasceu em 1500, porquanto diz êle, logo de entrada: «Eu começei a servir
El Rey nosso senor que sancta gloria aja, sendo príncipe (3i) de Idade de dezasseis annos, E na Era de
dezasseis que agora faz quarenta E hú annos (32), que siruo». O sr. Rocha Pombo decerto desconhecia
esta autobiografia quando escreveu: «Nascera Martim Affonso, segundo se suppõe, no mesmo anno em
que se descobriu o Brasil» (33). Veio ao mundo em Vila Viçosa, conforme refere Diogo Barbosa
Machado (34). Sendo ainda muito novo, esteve, como seu pai, ao serviço do duque de Bragança (35).
«7á em moço~á\z Diogo do Couto i^)—tinha tamanho brio, & opinião: q passando por
Bargança o grande Capitão Gõçalo Eernãdez de Cordoua, lhe fez Lopo de Sousa, pay de Martim Afonso
de Sousa grandes gasalhados: & o mandou acõpanhar pello filho algüas jornadas: & ao despedir delle,
tirou o grão Capitão um rico colar douro, & pedraria que leuaua ao pescoço, sobre os trajos de caminho.
. _J (23) Doação de el-rei D. Manuel, de 31 de Dezembro de 1512 (Liv.o 2.o de Reis, II. 49 v. -50, no Arquivo Nacional
da Torre do Tombo;.
(24) Nascido em 1479, filho segundo do 3.° duque (D. Fernando II) e falecido em 1532. Alguns autores dizem
que Lopo de Sousa foi aio do 5° duque (D. João 1), nascido em 1517 e falecido em 1583.
tfo h w h or da 'Consta
taz a de hü memorial do Conde q quãdo ElRey [D. João III] faleceo auia vintoyto annos q seruia o
ilargou,. p?"
t q começou - a 9seruir
largounoemdemãos
1529. daFoy
R.aprouido
logo q êcomeçou a gouernar—Parece
onze dabril de 1530 do Off.o qdefoyVedor
por fim do anno(Adefl. 5713 quâdo
da faz.da» v. do
0r dd a onta ntos d
IvMvif ,- ada A,uda
Biblioteca . P Códice
f"® 50--V-33).
f Fr. Luís
Conf.deLiv.o
Sousa para2.o,
V, cap. a sua Chronica ou Annaes de D. João III (original existente na
pág. 284, dêstes Annaes.
.A alcaidana-mor
.j„ : 'í ri1 " 0
e yedona da fazenda do Pôrto foram-lhe dadas em Baltar,
de Fernão de Sá e senhor de Sevér, Paiva, Bouças,deMatosinhos
26 de Agosto 1476 por D. e demais
Afonso casa
V e de seu pai.
confirmadas
por L). João 11 eni 1488. Foi também fronteiro-mór de Entre Douro e Minho e, em respeito a sua mulher, herdou o rendoso
morgado de Valverde em Lisboa. D. Manuel tirou-lhe as terras de Baltar e Paiva para as dar ao duque de Bragança
a inoa
de sru
1499 (Chanc. a D.
de n João III,100 ?00041,
Liv.o
reals
de tença
fl. 109 v. e 4.oe 60$000
Liv.o dereais a Lopo
Místicos, i\. de
88 Sousa,
v.). ' seu agenro,' em Lisboa a 27 de Agosto a
<5r foi pera lho lançar ao seu: Marfim Afonso se afastou pera fora, como q não o queria. O q visto pello
grão capitão (entendendo que aquillo era opinião) lhe disse: ora senhor bem vos entendo, deueis de
querer armas: & tirando a espada, que leuaua na cinta lha deu, «S: elle a tomou com grande acatamento,
estimandoa muito, St assi a trouxe sempre cõsigo; St nos dias de mores festas a trazia na cinta*.
Pouco depois da morte de seu pai (37), engeitou a alcaidaria-mór de Bragança que o duque
D. Teodósio (iou D. Jaime?) quisera dar-lhe; passando para o serviço do príncipe herdeiro í38),
com êste manteve grande privança, juntamente com seu primo D. Antônio de Ataíde, futuro conde
da Castanheira.
Assim se exprimem os dois autores a que me reporto. Outra, porém, é a narrativa que nos
deixou o próprio Martim Afonso de Sousa na Brevíssima, e sumaria relaçam da sua vida. Diz êle:
*E por sua Alteza folgar comigo, E me fauorecer, se arreçeou o duque de Bragança, com que Eu viuia, E de
que tinha, outocentos mil Reis de Renda, a mayor parte deites de juro, E sobre Vassallos, que me ficasse esta Renda e eu
Viuendo com o príncipe: fez com EIRey dom Emanuel que me mandase Ir da corte, E me fosse para o duque, como de
feito me mandou logo. *
E porque Eu leuaua muyto gosto de seruir o Príncipe, E mo elle também mandar me fuy a Villaujçosa, E disse
ao duque q Eu não hauia de Viuer com elle, que se o hauia pello que deite tinha, que Eu lho Renunciaua E Renunçiei logo,
E como Eu Era moço, EIRey dom Emanuel me fez Velho para ter Vigor á dita Renunciação. E daqui fiquei sabendo que
ninguém tinha poder para fazer os homens Velhos ante tempo, senão Reys.
(37) Em dois Livros da Chancelaria de D. Manuel encontrei documentos que dizem respeito a Lopo de Sousa,
aio do duque de Bragança. Um, de doação de casas em Bragança, tém a dáfa de 6 de Fevereiro de 1497 (Liv.o I de Alem
Douro, fl. 119); o outro, que é um padrão de 55$000 reais de juro na tôrre de Moncorvo, é datado de 8 de Março de 1507
(Liv. V de Místicos, fl. 27).
f38) Diz o autor do Anno Histórico (Tômo II, pág, 389): «nolando-o disto hum seu amigo, respondeu, porque p
Duque pôde fazerme Alcaidemór, e EIRey pôde fazerme Duque».
(3») lendas da índia, -publicadas de ordem da classe de Sciências Moraes, Políticas e Beilas Lettras da Academia Real das Sciências
de Lisboa-.—Lisboa, 1863, Tômo III, Parte 3.a, pág. 579.
0°) Década quinta da Asia, fl. já referida.
103
I
Isto acabado houue EIRey dom Emanuel por bem, que tornasse a seruir o príncipe, onde o serui continua'
mente no paço, dormindo, E comendo nelle sem nunqua delle sahir.
Neste meo tempo prenderão ó Conde da Sortelha, E o Conde da Castanheira (H) por se dizer q huns seus
creados matarão hum homem, fiquei Eu só com o príncipe, E digo só, não porque não ficassem muytos cõ elle, mas porque
de my só se fiava, E comigo só faltava suas cousas.
Neste tempo estando alguã cousa differentes EIRey e o príncipe E por parecer a EIRey que Eu o podia inclinar
contra elle (o que nunqua me Deos perdoe se tal foi) me mandou dizer por dom Nuno Manuel (42) E pello Bispo do
funchal (43J, que me agradeçeria m.t0 jr me para casa de meu pay, E estar lá hum anno, E que elle me faria toda a merce,
que Eu quizesse, que a nomeasse, E a dissesse a elles, E elles me aconselhauão que em toda á maneira o fezesse porq
ganharia nisso muito.
Nesse tempo Era Eu de jdade de dezasete annos (44) E lhes respondi, que Eu Viuia com o príncipe, E era seu
criado, E recebia delle muyta mais honra, E merce de que Eu merecia, E que não Era Eu homem para nenhum interesse
me dobrar, para deixar de seruir ó senór, com que Viuia, E tornou-me ámandar dizer por elles mesmos, que pois não
queria por bem, que elle tinha cousas contra my por onde me podia mandar Ir por Justiça fora da Corte, á isto lhe
respondi m.t0 contra seu pareçer delles, que muyto menos ó deixaria de fazer por medo; alargoume então EIRey, E fiquei
seruindo áte que EIRey dom Manuel falesçeo (*5) E a Raynha dona leonor se foi para Castella (46), E fuy com ella E Ia
casei có minha mulher E casado de hum mez fez o Imperador hum exercito pera Entrar por frança elle em pessoa (47), não
me pareceu razão que ficasse guardando as pousadas dos outros, E me fiz prestes, E fuy com elle, E quando chegamos a
Navarra entrava Jaa o Inuerno, não pareçeo bem com tam forte tempo ir o Imperador, E mandou por capitão deste exerçito
o Condestabre (48), com que entramos em frança E andamos muyto tempo combatendo muytos logares, E hauendo mujtos
recontros, E por derradeiro, Uiemos ácerquar fonte Rabia, E a tomamos (49).
Em todas estas cousas dei Eu conta de my, que deuia de dar quem se criara com tam exçellente príncipe; foi
isto tanto q quando chegamos da Uinda da guerra peita posta aonde ó Imperador estaua; Este duque de Alua, e o Conde
de Alua de liste, E outras quatro ou cinquo pessoas muy principaes, E Eu que por me fazerem merce, me mettião Em sua
companhia, E assy de caminho nos fomos descer ao passo, E beijar a mão ao Imperador, E elle me disse palauras publicas
muytas, E de tantos gabos do que Eu lâ fezera diante toda a Corte, de que Eu podia ter mujta Vaidade, E todo ó Senhor
leuar gosto de se dizerem a hum criado, que elle criara.
E não contente com isto como chegamos a Burgos, me mandou dizer por C..., ó qual me disse perante Pero
Corrêa que era Embaixador, E dom Manuel de Sousa que despois foi Arçebispo de Braga (50), que para Isso chamou, q elle
leuaria muyto gosto que Viuesse com elle, E me faria muyta merçe E se seruiria de my em cousas muy honradas, E outras
muytas altercaçons que teuerão comigo para que ó fezesse Eu lhe respondi, que esta Era huã honra tamanha, que Eu a não
queria senão para á por na sepultura, mas porem que Eu tinha hum tal Rey por senor, E com que me Eu creara, que por
outro nenhum o deixaria tudo isto sabia EIRey nosso senór, por que elles mesmos lho disserão.
Isto Era em terra, onde dom João de Almeida medrou hü conto E meo de Renda E Afonso da silua hum, E Ruy
Gomez da silua Vinte, E neste tempo se conçertou o Casamento de Vossa Alteza Com EIRey nosso senór (5I) E elle me
escreueu, que me agradeçeria Vir com Vossa Alteza E trazer minha mulher em sua companhia (52), o que Éu fis com muyto
gasto da minha fazenda, E da álhea, que me emprestarão, porque Eu então tinha pouca, E chegamos a Euora na Era
de Vinte, E cinquo (S3).
E neste mesmo anno me fez EIRey merce de huma comenda, que tenho em Beja (54), á qual estaua arrendada em
çento e outenta mil Reis, E me tirou outenta de tença, que me ficara de meu pay, e fiquei seruindo a ssy na Corte até a Era de
Vinte E neve*.
Uma das pessoas que emprestaram dinheiro a Martim Afonso em 1524, quando teve de
acompanhar a rainha D. Catarina na vinda para Portugal, foi o próprio monarca, como se prova por
um documento que encontrei no Arquivo da Torre do Tombo, em que se diz que o marido de D. Ana
Pimentel, «fidallgo da casa delRey nosso senor-", devia a D. ]oão 111 «-quatro mill cruzados que lhe sua
alteza emprestara pera fazer huuã comjfra de fazemda segundo logo hi mostrou per huú conhecimento que
fà f A VA VA VA VA 'á VA VA VA VA *A VA VA VA VA VA VA VA
O1) Conf. Chronica do muyto alto e muyto poderoso rey destes reynos de Portugal dom o João III deste nome, por Francisco de Andrade.
(Lisboa, 1613), Parte I, cap. 6.o. fl. 5 v.
(^) Filho de D. João, bispo da Guarda, e de Justa Rodrigues, ama que fôra do rei D. Manuel.
(*0 D. Diogo Pinheiro, primeiro bispo, confirmado pelo papa Leão X em 12 de Junho de 1514. Nunca foi à sua diocese. Faleceu em 1526»
sucedendo-lhe D. Martinho de Portugal, lilho do bispo de Évora D. Afonso de Portugal e irmão do l.o conde de Vimioso.
(«) Ano de 1517, portanto.
(4414fi) 13 de Dezembro de 1521.
j ) O que sucedeu no mês de Maio de 1523. D. João III «ordenou que a acompanhasse os Ifantes dom Luis, & dom Fernando seus irmãos,
& o duque de Bragança, & outros muitos fidalgos muyto honrados, afora a companhia dos ifantes que era muyto nobre & copiosa» (Chronica do muyto alto
e muyto poderoso4I rey destes reynos de Portugal dom João o III deste nome, Parte I, cap. 39, fl. 42 v.
( ) Fins de 1524.
(*-) D. Inigo Fernandez de Velasco, condeslável de Castela e duque de Frias, foi capitão general em Pamplona em 6 de Novembro de 1523.
(4<-') Conf. Historia de la vida y hechos dei Imperador Carlos V, por Prudêncio de Sandoval (Pamplona, 1614), Liv. XI, cap. 13 e segs.
C*>) Filho de D. Rui de Sousa, senhor de Beringel, e de sua 2.a mulher (D. Branca de Vilhena), foi a Castela com seu pai e la ficou fem
serviço da rainha católica. Voltando ao reino, foi capelão-mór das rainhas D. Leonor e D. Catarina, bispo de Silves (1538-1544) e arcebispo de Braga (1545-1549).
(&') Este tratado realizou-se em Burgos aos 19 de Julho de 1524 —Provas da Historia Genealogica da Casa Real, Tômo III, págs. 5-17.
Os embaixadores por parte de Portugal foram Pero Correia, senhor da vila de Belas, e o doutor João de Faria, ambos do conselho de el-rei, que tiveram
procurações passadas em 13 de Abril e 12 de Maio (Annaes de elrei dom João terceiro, Parte I, Liv. 2.o, cap. 14).
(óü) E todavia escreve o sr. Rocha Pombo (pág. 46, nota 2): «Parece mesmo que não foi espontaneamente que D. João chamou de Hespanha
o seu antigo pagem, e que Martim Aífonso muito se resentiu do pouco caso do amo».
(^) A entrada da nova rainha de Portugal em terras lusitanas efectuou-se no dia 14 de Fevereiro do ano de 1525. A cerimonia do casamento
por procuração realizara-se a 18 de Agosto. '
(H) Na Ordem de S. Tiago.
104
A EXPEDIÇÃO DE MART1M AFONSO DE SOUSA
paveaa ser scrípto per garcia de rrezende escripuam de sua fazemda e assignado pello dito marfim afonso
de sousa aos doze dias do mees de Juiho do anno passado de min e õnhL e Me7qu^o,%T
_ , , Havendo decorrido ja o prazo estipulado para o pagamento dêsses quatro mil cruzados e não
emprés,imo 9ue ha ia
" —^
de Prado na comarca dantre douro e minho», «em
çue elle soçedeo per falhcimêto de lopo de sousa seu
pap e que he da coroa de meus rregnos sem embargo
de elle non teer tirado carta de soçessão nem de o
dito seu pap a teer confirmada per mpm». Para poder * w/t
efectuar esta venda, foi-lhe passado alvará régio
de licença, dado em Tomar aos 3 de Julho' de 1525,
em cujo final se fêz esta declaração; «E esto me
praz assp bemdemdoa elle a dom diogo de crasto».
Tem a data de 14 dêste mesmo mês a procuração Fac.simile da assinatura de Marfim Afonso de Sousa
que, na vila de Torres Novas e «naspousadas homde
ora^onsa o senor marfim affonso de sousa», sua mulher lhe passou para poder vender a vila e terra
de Prado a qualquer fidalgo ou pessoa que ao marido aprouvesse. Foi o próprio D. João 3° crèdor
dos quatro mil cruzados, quem veio a realizar a compra, adqüirindo a vila e a terra respectiva por
cinco mil e quatro centos cruzados (56), tendo para isso passado alvará de procuração ao conde de
V d0r d {azenda d0 rei
TrêTír'
Tres dias ^ . ^lavrava-se
depois ' datad0 da
o instrumento
de Tomar aos 8
dias
transacção «no do mês de S.
arrabalde Agosto dêsteque
Martinho mesmo ano
está fora
efecluar^se a ~ 1^ ^ ~ ^ ^ ^ ^ ^so^/H
sendo antes substituído por Anfomo Ribeiro-foi Martim Afonso de Sousa escolhido para como vimos'
cap,taneando uma armada
franreZT a ^
francezes» e proceder ^orque
ao «descubrimenfo de alguns Rpos
El Re
V ^rmandava
EIRep nova que no Brasil(ss)
descubrir» havia muitos
Hn
do ano • Es!a
nn. imediato, só veio a
Partirneste
sendo igualmente certo que Paramesmo
o seu ano
destino, como é dito
de 1530 é, no
que foi dia 3 deo Dezembro
nomeado Provedor
dos _mantimentos desta armada (16 de Novembro), e foram passadas as três cartas de poderes e atri-
buições do capitao-mor (20 de Novembro), bem como o alvará régio em que aos corregedores iuízes e
,ust,Ças das ilhas de Cabo Verde e ouiros porios se ordena lhe forneçam os man.Sos eTS™
de que ele carecer para a viagem (25 deste mesmo mês de Novembro)
Na devida altura e oporlunidade trasladaremos e annolaremos estes cinco documentos e nos
ocuparemos da acçao de Marl.m Afonso nesta sua emprêsa expedicionária e dos seus feitos e serviços
prestados no período de tempo que decorreu desde a sua partida do Tejo até reenlrar em Lisboa na
primeira quinzena do mes de Agosto de 1533.
Martim Af^ntre'Ade
Martim Afonso nt0
c 6 desde
Sousa
3
venhaí 'mencionado
devemos registar que,conselho»
como «do conquanto
de em todos
el-rei, estesrégia
a carta cincoque
documentos
o elevou
ísbl r-V'0 " -f6 ^e's'. P" Confr. Chanc. de D. João III, Lív.o VIII, fl. III v —113
0
João terceiro liv iV^dÍq "â0 A P naS quatr0 mil> como se ,ê ern Fr Luís de Sousa
!, ', ' - (AnnaesPde dom
eé que
oue fôra
fora dP AC pas' so
de quatro mil cruzados Martim Afonso 4 5 d0 voL 3 0 da
- recebeu, portanto,
- Historia
mil e do Brasil, do cruzados,
quatrocentos sr. Rocha Pombo. O empréstimo
alfo-aa Hnc Hit o • oguo o dito martim affoso de sousa, que elle se daua e de feito deu por paguo e emtreque de sua
s uollos ditn« niíkfí^m-n1 cruzados
6 0 emtos
Ç
et 1
cruzados que fora o preço por q lhe assy vemdia a dita villa e terra de prado,
e ouatro rpmtn« cru rrí^ados
T era
l que lhe era deuedor a sua alteza como dito he, os quaaees tomou em ssy e os mill
de sua altP7a 5 P compnmeto de pago, elle martim affonso disse q os. tynha ja em ssy rrecebidos per huü aluara
"s ™°'d»s ^ E os .ynh, ia
c êrca de 40 anos de 0 s
afnncr. ue
rttonso ac Coousa,
„ como veremos. P ' desta venda a D. João III, a vila e terras do Prado tornaram à posse de Marfim
(") Ibid., fl. 51 v.
Prata» /n-urlu * c°Lusitana,
Dmi, (Bibhotheca nh end
?f oTómo .ElRey
3.o,ospág.
espíritos
435). marciaes, que lhe animavão o peito o nomeou Capitão-mór ao Rio da
105
HISTORIA DA COLONIZARÃO PORTUGUESA DO BRASIL
aos conselhos da coroa foi lavrada apenas no dia 30 do referido mês de Novembro (59), ou seja três
dias antes de levantar ferro para o Brasil a armada que, sob o seu supremo comando, aqui veio fazer
respeitar o pendão de Portugal, «descubrir» alguns rios e colonizar a terra. Estoutro diploma é
como se segue:
♦
«Do/n Joã & a quamfos esta minha carta vyrem faço saber que auemdo eu respeito aos muytos seruiços e
merecimentos de marfim afonso de sousa fidallgo de minha casa e como por ella o deuo acreçemtar em honrra e comfiamdo
delia em sua bondade saber descriçam q me saberaa bem aconselhar e daar verdadeiro e fiel conselho taall como delle
espero e por lhe fazer merçe per esta presente carta tenho por bem e o faço do meu cõselho e quero e me praz q daqui em
diamte se chame do meu comselho e nelle estee quamdo a isso offereçer e pera ysso for chamado e como pessoa do dito
conselho me praz q gouua de todallas homrras graças q hão e tê e de q gozão e devem gozar hos do meu conselho e por
firmeza dello lhe mãdey daar esta carta per my asynada e aseellada do meu selh pemdemte manuel da costa a fez em Lx.a
ao derradeiro dia do mes de novembro anno do nacimemto de noso sõr Jhu X.0 / bcxxx* (60).
Passados três anos, poucos meses volvidos sôbre o seu regresso do Brasil (61), nial refeito
ainda das canseiras da expedição e dos incômodos da viagem, foi indigitado e escolhido para tomar
conta do cargo de capitão-mór do mar da índia, sendo nomeado por carta de 19 de Dezembro do
ano de 1533, assim concebida:
«Dom Joham e & faço saber a vos (62) meu capitam moor e g°r nas partes da Imdia q avemdo eu respeito aos
muytos serujços çj tenho recebidos de martim a0 de sousa do meu comselho e pia muyta confiança q nelle tenho q nas
cousas de q o encarregar hade daar de sy aquela comta e recado q sempre deu de todas as outras em q per mym foi
emcarregado me praz e hey por bem de lhe fazer merçe da capitania moor do maar desas partes da índia p10 tempo conteúdo
em meu regimento e com o ordenado em cada huú anno q leva per outra minha proujsã noteficovolo asy e mando q tamto
q o dito martim a0 de sousa la chegar o metaes em pose da dita capitanja moor do mar e lha leixes serujr o dito tempo
comteudo em meu regimento e aver o dito ordenado q leua pella dita mjnha proujsã por que asy o ei por bem e elle jurara
aos samtos avamgelhos em mjnha chancelaria q syrua e vse do dito careguo como deue guardando a my meu seruyço e aas
partes seu direito. m.el de moura a fes è Evra a XIX de dez.r0 do ano do nacimemto de noso sõr Jhu Xpõ de myll
bc x x x i ij * (").
Àcêrca da nomeação de Martim Afonso de Sousa para capitão-mór do mar da índia, refere
Gaspar Correia:
c . . . todauia o dom Antonio (conde da Castanheira] fez com EIRey que o mandasse á índia. Do que Martim
Afonso muyto se anojou, porque sentio que isto vinha por dom Antonio, mas nom ousou de se queixar porque lhe nom fosse
(59) «Não se sabe ainda bem si já pertencia ao conselho da coroa quando foi nomeado ou si teve aquella
honra depois, ou talvez na mesma occasião, como um acto destinado a dar-lhe prestigio» (Nota 1 da pág. 47 da Historia
do Brasil, pelo sr. Rocha PombcV
(60) Chanc. de D. João ///, Liv o 20, fl. 45 v.
(oi) «Cheguei aqui nesta cidade Em Agosto E logo Em Março seguinte me mandou a índia por capitão mor do
mar» (Breuissima, e sumaria rellaçam, pág. 107 do Archivo Bibliographico já referido).
(62) Nuno da Cunha, 7.o governador (152S-t538), que leve por sucessor a D. Garcia de Noronha, vice-rei (1538-1540).
(53) Chanc. de D. João 111, Liv.o 7.0, fl. 26.
(64) Década IV, Liv.» 9.o, cap. I.
(65) Esti armada havia partido para a tndia em 3 de Outubro de 1533.
(66) Segundo ]oâo de Barros (Década IV, Liv.» 4.o, cap. 27, pág. 269 da edic. de 1615, feita em Madrid), êste companheiro de Martim
Afonso de Sousa chamava-se Tristão Gomez da Graã.
(67) Na Ementa da Casa da tndia lê-se apenas o seguinte: ■ Anno de 1534—Neste anno partiu para a índia huã esquadra de ... (sic) navios
de que era Capitão Mor Martim Affonso de Sousa na nau Rainha com Aluara do Capitão Mor do mar da índia. Diogo Lopez de Sousa vay por Capitam de
Xalé leua 20 homes — Fernào fereyra vay por Capitara mor das naus de Batecala. Leua 12 • (Edição feita por A. Draamcamp Freire no Boletim da Socie-
dade de Geografia de Lisboa, segundo semestre de 1907).
Por sua vez escreveu Luís de Figueiredo Falcão, a pág. 156 do seu Livro em que se contêm toda a fazenda e real patrimônio dos reinos de
Portugal, Inha e Ilhas adjacentes e outras particularidades (Lisboa, 1859): < 1534— 0 ano de mil quinhentos trinta e quatro foi por Capitão mór Martim
Affonço de Sousa. Leuou seis nãos. Capitães: Martim Afíonço de Sousa, Diogo Lopez de Sousa, Antonio de Brito, Simão Guedes, Tristão Gomez da
Mina. Nãos: Raynha, Sancta Cruz, São Miguel, Sancfa Maria da Graça, Sancto Antonio. Da sexta não se sabe o nome delia, nem do Capitão. Partirão a
12 de Março do dito anno.
Gaspar Corrêa (Lendas, Tômo III, Parte 2.!', pág. 579) diz que foi cm Fevereiro. O Códice 10,023 da colecção de manuscritos da Biblioteca
Real de Paris, de que se ocupou o Visconde de Santarém, menciona apenas quatro navios.
Diz, porém, o própriu Martim Afonso: -E logo Em Março seguinte me mandou a índia por capitão mor do mar, E parti daqui com cinquo
nãos, E todos chegamos a saluamento, aonde açhei em Goa ja huma armada prestes a yr fazer guerra á CambaYa...> (Pág. 107 do Archivo Bibliographico).
106
A EXPEDIÇÃO DE MARTIM AFONSO DE SOUSA
pior. E EIRey o mandou por capitao-mor do mar por tres annos, e teue modos o dom Antonio que fizerão entender a Marfim
Afonso que vinha pera Índia metido nas secessões da gouernança; o que Marfim Afonso cobiçando que podia ser Gouer-
nador por algum desastre, veo assy por capitão mór do mar, com muyfa esperança que seria Gouernador na vagante de
nnZ.e sabiao
porque c h" sua muyta pnuança, ^ e nom entendimento
enao que aceitasse ™Vto semór
' e n'iss°capitania grangeaua;
do mar ao que pera
senão se lheesse
daua
fimmujto
... credito,
e como
chegou a índia com esta fama, de que eüe mujto se grangeaua, logo os fidalgos se chegarão pera elle, e o mujto agardauão
e acatauao e aueneravao porque quando fosse Gouernador lhes fizesse mercê; e por este modo sempre foy rnuv acatado
n esta opinião, que foy ardil pera o que a sua honra compria» (68).
Esta armada saiu de Lisboa no dia 12 de Março do ano de 1534 (69), havendo chegado a
oa em setembro. A capitânia da frota era a náu Rainha. Na sua companhia e como seu médico parti-
cular, o capitao-mór levava o famoso doutor Garcia d'Orta, «de cuja familia era doméstico^, antigo
«fisyquo morador em castelo de vide» (1526), depois lente da Universidade de Lisboa (Janeiro de 1532 a
março de 1534) e que mais tarde tam celebre se tornou na índia, onde imprimiu os seus mui celebrados
Cotoquios dos simples, e drogas he cousas medicinais da índia, e assi dalguas frutas achadas nella.
1563
( ) (70)- «Desta viagem levava Religiosos Menores, e tomou de arribada o pôrto da Bahia» (7i).
a*
«O gouernador entregou logo à Marfim Afonso a Capitania mòr do mar, & huã armada
em que lhe mandou que fosse sobre Damam» (72).
No Vol. V da Colecção do conde da Castanheira (73) e no Corpo Chronologico (74) encon-
tram-se várias cartas de Martim Afonso de Sousa dirigidas para o reino, a D. João III ou ao conde
da Castanheira, escritas em 1534, 1535, 1537 e 1538. Numa das de 1535 encontra-se esta passagem em
que ha referencia as monçoes do Brasil: «Despois que escreup a vosa alteza da costa de geam [?] deus
seja muyto louuado trouxemos muyto boa viagem sem temporaes e sem doenças nem outra nenhuma
necesidade das que nesta viagem soem dauer ainda que fop muV vagarosa por acharmos tempos
contrairos muptos levantes na costa do cabo de boa esperança que nos trouxe muytos dias em pairo e
verdadeiramente he o mar emgano do mundo em cuidar que ha hy monção de levantes e poentes como
he fora dos tropicos porque agora que diziam que era a força dos poentes payrey vinte dias com
levantes muyto rijos e ysto mesmo achey no brasil que também me diziam que avia hy monções mas
os homens enfadamse desperar o tempo e arribam e emtam nam tem outra escusa senão dizer que ha
hy estas monções asy que ouuy que em todo tempo se pode vir a Índia vindo por fora da ilha de sam
lourenço » (75).
Numa outra, escrita de Diu aos 14 de Dezembro do mesmo ano de 1535 ao conde da
Castanheira, diz a êste: *Pero Lopez me escreveo que vosa Senhorya querya hum pedaço desaa terra
do brasyl queu laa mandea tomar toda ou ha que quiser quesa sera pera mym ha mayor merce
he a mayor onra do mundo* (76).
RffKCnKCKCCKKCeKKRCKKCROCCC
(68) Lendas da índia, Tomo III, Parte 2.a, pág. 580.
<-E posto que dom Esteuão da Gama tinha na corte dous parentes tão honrados, como o Conde da Vidigueira
seu irmão, & o do Vimioso seu cunhado (que trabalharão bem por lhe não mãdarê socessor) todauia pode mais a valia
do Conde da Castanheira que então mandava tudo: & meteo naquelle lugar Martim Afonso de Sousa seu primo coirmão,
(que naquellas nãos passadas tinha chegado da índia tão honrado, & cheyo de victorias). E posto q por então parecia que
entrava valia naquella eleição, quanto á pessoa foi muito bem acertada: porque este fidalgo tinha todas as partes necessárias
pera o cargo, por cujo saber & prudência, depois em quãto viueo, foi vm dos principaes do conselho d'ElRey dom João,
& de Elrey dom Sebastião seu neto (").
A carta régia que nomeia Martim Afonso de Sousa capitão-mór e 9° governador das partes
da índia témf a data de 12 de Março de 1541 e acha-se registada a fls. 42v.-43 do Liv.o 31 da
Chanc. de D. João III.
Ao contrário, porém, do que temos lido em certos autores —mas conformemente com o que
vimos na referida pág. 580 do Tômo III das Lendas da índia —es\a nomeação não foi solicitada, nem
desejada por Martim Afonso. É pelo menos o que devemos inferir destas suas palavras, constantes
da Breuissima, e sumaria relaçam: «Na Era de quarenta e hum me mandou Sua Alteza a índia por
Gouernador sem lhe Eu nunqua niso fallar como [/ossa Alteza deue ser bem lembrada, antes requeria
cousa muito differente, porem para fazer o que Sua Alteza mandaua fuy» (84).
Da composição da armada, comandantes das náus, sua partida e viagem se ocupam os cronistas.
«O Gouernador Martim Afonso de Sousa deu a vela a sete de Abril, deste anno de corenta & vm; & ya embar-
cado na nao Santiago. As mais nãos erão coatro, de que yão por capitaens, dom Aluaro de Tayde da Gama, filho do Comde
Almirante, que ya provido da capitania de Malaca. Aluaro Barradas, Francisco de Sousa, & Luis Cayado, cunhado de Pero
Lopez de Sousa, irmão de Martim Afonso de Sousa* {85). *
* Nesta companhia foy o Santo Francisco Xavier, mandado pollo Santo Padre Inácio de Loyola fundador de sua
congregação, acompanhado do Padre Misser Paulo e de hum hirmão do mesmo instituto: dos quays faremos larga menção
ao diante, como se lhes deve. A viagem foy trabalhosa, e tal, que era entrado o mez de Setembro quando as nãos chegarão
a Mossambique; e por não ser tempo de passarem a índia, ficarão invernando até entrar o anno de 1542... O novo Gover-
nador fez alvoroço na terra, como he costume, e foy causa de se embarcar com elle muyta gente nobre* (86).
( ) Couto, Década V, Liv.o 5.°, cap. 5.° e Liv. 6°, cap. 7.°. —Em discordância com êste cronista, Fr. Luís de
Sousa (pag. 306 e 312 da edição dos seus Annaes) diz que o regresso de Martim Afonso se^ efectuou a 10 de Janeiro de
1540 (e não em 1539), acrescentando que na mesma armada vinha o grande Antônio da Silveira. É manifesto engano.
Na Breuissima e sumaria relaçam lê-se o seguinte: «Vim Eu para este Reyno, onde ElRey nosso senor, que
santa gloria aja me fez muyto gasalhado, E muyto fauor E nenhuma merce, E isto na Era de trinta E noue» (Págs. 145-146
do Archivo Bibliographico).
(7S) Erroneamente disse Fr. Francisco de Santa Maria (Anno Histórico, Tômo II, pág. 389) que a ida de Martim
Afonso ao Brasil foi depois do seu regresso da índia.
(") Couto, Década l/, Liv.o 5.°, cap. 5.o—Vide Peregrinaçam, de Fernão Mendes Pinto, cap. 12.o.
(80
81
> Francisco de Andrade, Crônica de D. João lll. Parte 3.a, cap. 73, fl. 99 v.
( ) Couto, Década P, Liv.o s.o, cap. 1.°.
Escrevendo de Goa a D. João III, dizia-lhe D. João de Castro em 1539, presumo que no último de outubro:
«tambê me parece neseçario trazerlhe amemoria que martim afonso he homê muyto sofeciemte pera gouernar a índia
porque tem_ muytas calidades que se Requerê pera o gouerno desta tera lembrese uosa A. de ho omrar e lhe fazer merçe
porque o tè elle muj bem seruido» (Torre do Tombo — Vol. V da coiecção comprada aos condes de S. Lourenço fl. 128 v.).
(S2) por carta 19 de Setembro de 1540, D, João III deu a Martim Afonso um padrão de 92$000 reais que
tinha a marquesa de Vila Real (Chanc. dêste monarca, Liv. 40, fl. 241-245 v.). Em 23 de Julho dêste mesmo ano fôra concedido
um padrão real de 103$280 reais de tença a D. Ana Pimentel, sua mulher (Ibid.).
(33) Couto. Década V, Liv.o 8, cap. 1. Confr. Liv.o 6, cap. 7.
(84) Pág. 146 do Archivo Bibliographico.
C5) Década V, Liv.o s, cap. 1, já citado.
(«J Annaes, Parte 2.a, cap. 7, pág. 320. .
108
BRASÃO DE MARTIM AFONSO DE SOUSA
.
.»
'
■-
.
A EXPEDIÇÃO DE MART1M AFONSO DE SOUSA
Martim Afonso de Sousa ferrou na barra de Goa a 6 de Maio de 1542. Havendo gover-
nado três anos e quatro meses, deixou o govêrno a 12 de Setembro de 1545 e retirou-se para Portugal
na náu S. Tomé a 13 de Dezembro (87), sucedendo-lhe o vice-rei D. ]oão de Castro (1545-1548).
«E teve tão boa viagem, que surgio na barra de Lisboa a treze de Junho do anno de quarenta e seis,
cousa nunca acontecida até então* (88).
Na sua autobiografia, diz Martim Afonso de Sousa: «A cabo dos tres annos foi dom João de
Castro por Gouernador, ao qual leu entreguey a índia muito paçifica, E a gente de El Rep nosso seonr.
E suas armadas mup acreditadas, de que Era temida, E lhe entreguei çento E Vinte mil pardaos que Erão
já corridos das Rendas, que elle logo arrecadou E maes todo o Cabedal, que leuaua, porque a Carga,
que trouxe fiz cõ o dinheiro que trazia Em que se gastarão çem mil pardaos, E elle ainda quisera
maes dinheiro, não lhe lembrando as neçessidades, que hauia, E as poucas, que lhe Eu lá deixaua E esta
foi a causa por onde ficou mupto mal comigo, E lembraua lhe mal (como lhe Eu a elle escreui) de hü
capitulo que Eu tinha Em huã, que me escreueo El Rep nosso sehor, em que me escreuia que dom
João de Castro lhe dissera, que por culpa dos seus gouernadores, hpa dinheiro de qua p.a a Carga das
nãos, porque não Era neçessario, que com as Rendas da índia se podia supprir, E elle não lhe lem-
brando isto, queria ó que leuou de qua, E mais o que Eu trazia para qua.
E como Eu parti da índia se Vio bem como ó Credito de huã só pessoa pode maes que todo
hü exerçito, por que logo se levantou todo, E não houue maes darê por nada senão tudo forão guerras,
gastos, E trabalhos, como à índia tem bem sentido* (8g).
Refere Diogo do Couto: «Primeiro que entregasse a índia a dom João de Castro, mãdou pôr
o seu retrato na casa aonde estauão os dos outros gouernadores: & ainda está 0)e pello natural do seu
tamanho com o trajo antigo: roupa aberta de mangas de roca, com golpes & botões, gibão de petrina
baixa, & sobre elle couraças postas sobre veludo cravadas, musgos dos antigos, espada á teta, & barrete
redondo cõ golpes & pontas douro* (90).
Os seus feitos na índia foram cantados por Camões nas Estâncias 63 a 67 do Canto X.
No Livro de linhagens de Damião de Góis, lê-se o seguinte:
«...andou na tndia no t/em/po de N" da cunha por capitã mor do mar, trouxe mi° Dr» cõ q fez hüas fermosas
casas E grandes junto cõ são ír.co de Lixboa (") E comprou Alcoentre ao marques de Villa Real C2), Em*3 renda de juro, E este
dr0 ouue andando por capitão moor do mar da índia, e quando El Rey de cambaja quis dar a fortalz3 em Dio ao dito
(87) No Corp. Chron. (Parte I, Maço 74, Doe. 29) acha-se arquivada uma sua carta, datada de 1 de Outubro
de 1543, a favor de Antônio de Lemos, segundo refere Varnhagen em 1844. Êste autor diz ter encontrado também na Tôrre
do Tombo (Gaveta 13, Maço 8, Doe. 43) uma carta da Câmara de Goa em que se mostra que Martim Afonso pedia com
instância a demissão de governador da índia, por motivo de desavença com a mesma Câmara.
(ss) Couto, Década [/, Liv.o 1, cap. 1. Como quer que seja, na pág. 420 dos Annaes lê-se o seguinte: «Consta
por hum assento em nome delRey, de 6 de Junho de 1546, que trouxera Martim Afonso de Sousa da índia hum cofre com
trezentos mil pardaos, que Sua Alteza mandou receber por João de Barros, e levar á casa da moeda logo».
A náu em que Martim Afonso viajava chegara a Angra no dia 13 de Maio dêste ano; dela foi expedida «huma
manchua muito pequena em que vinhão tres homes brancos digo dous homes brancos e cinquo Imdeos; e me dixeram aver
hum nome Joam Gonçallvez pilloto que fora na Imdia de Martim Afonso de Sousa governador que fora na Imdea casado
en Lisboa n'Alfama e ho outro dixe aver nome Joam Ereyre naturall de Cot lares criado de Martim Afonso; e me derao
novas que a dita náo vinha da Imdia que avia nome Sam Tomé e vinha nella o mesmo Martim Afonso e que elles vinnao
buscar mantimentos . por
. s~.que nam
-T- queria Martim
i_ Afonso
i _ mi tomar
j aeste
_i. porto porr-v o ttempo
_ ~ „ tttserA —muito
/-11 Aeo elle querer
/•iHíjnP tazer 30ã
nP Anor3 seu
martim a° andou nos tratos, E se vio cõ elle, e despois de tornado ao regno o mandou EIRep dom J° o 3" de nome a
Índia por governador, onde alcançou do Ida leão m'3 soma de pardaos douro, q mandou ao dito senõr Rey, e elle ficou desta
vez mt0 maes Rico» (g3).
Diz o P.e Francisco de Sousa: «.Estando já em Portugal, vierão os Turcos apostados a saquear
as Villas da costa do Algarue, & Lisboa, chamou El Rey a conselho, Gt perguntando, quem mandaria por
general da armada, que já se aprestava contra as galés Turquescas, respondeo Martim Affonso, que não
havia outro senão elle: o «De todos estes servi-
que El Rey approvou, & ços, que aqui digo não tenho
applaudiu; mas os Turcos m outro nenhú galardão, senão o
com a noticia da nossa ar- <0mn seruirense de my, que Eu houue
94 m sempre por muy gram merçe,
mada se recolherão* ( ).
E a soldada que por isto me
Correspondente- derão gasta lia no mesmo cargo,
mente aos anos de 1547, E huã Comenda que ha vinte
1551 e 155$, na Chancelaria E dous annos (98) que me derão,
de D. João III acham-se tirando-me outenta mil r.s de
tença. assy que ha trinta E dous
registadas três cartas ré-
m annos que tenho o habito, E
gias que dizem respeito a siruo a ordem pellejando muytas
Martim Afonso de Sousa. Vezes. E aliem de mujtas Vi-
Pela primeira (95), é-lhe ctorias contra os inimigos da
concedido um padrão de fee, sém nunqua me darem
outra comenda, né ser melho-
46$000 reais de juro, que
rado desta, havendo mujtos, que
mais tarde veio a renun- tem duas, E tres Comendas, que
ciar em Sebastião de tem mujto differentes seruiços
Morais; pela segunda (96) dos meus assy que Eu não
foi-lhe confirmada a com- tenho outra alguã merce até
agora de quarenta E hü annos
pra que fizera, em 18 de
de seruiços.
Julho de 1550, da Quinta Quando agora Vim da
chamada do Verdelho, no índia esta derradeira Vez, me
reguengo do Tojal, têrmo mandou Sua Alteza dizer peito
de Santarém, e de uma Secretario que me fazia merçe
herdade junto de Alpiarça, v de huã destas aldeas de San-
tarém ("), E que á faria Villa,
que eram de D. Francisco E me mandaria disso fazer al-
Rolim de Moura; a ter- uara, E eu lhe beijei por jsso
ceira (") concedeu-lhe li
Bi a mão, E lhe disse que não
200$000 reais de juro na Era necessário que bastaua sua
Casa dos panos de Lisboa. tmm pallaura. E despois disse que
Foi em 1557, como me pagaua meus seruiços cõ
me fazer mercê dos trinta mil
já referi, que Martim Afonso pardaos, que o Acadecão me
de Sousa dirigiu à rainha emprestara (100). E que lhe estou
viúva a Breuissima, e su- devendo hoje em dia, para mos
maria relaçam dos seus fazerem pagar por Justiça qual-
quer corregedor, diante quem
serviços, da qual deixo
me citar.
transcritos vários trechos MARTIM AFONSO DE SOUSA Hora Eu não sei que
(Segundo o retrato da Asia, de Faria c Sousa)
e que fecha com os que aução Sua Alt.a tenha a este
passo a trasladar: dinheiro, nê nunqua Vi maes
noua maneira de pagar, porque pagar com o alheo, pareçe que não deue ser muyta Justiça hora também Sua Alteza havia
que tendo Eu o que tinha, que elle me dera: assaz me deu Em se querer sempre seruir de my, o que Eu tenho deumo
Deos, porque mandarme El Rey a índia, isto pode elle fazer E isto me daa, mas o successo das cousas que laa hão de
succeder, isto daa Deos, porque Esta preheminençia guardou p.3 sy.
E aynda haueria Eu por muyto mor peccado querer hu Rey attribuirse asy o que Deos faz, que não pagar
quarenta E hü annos de seruiços, porque se isto esteuesse na mão do Rey, todos os que mandasse á índia o seruirião laa
muyto bem, E lhe mandarião de laa m.t0 dinheiro por que pois isto Vinha assy bem a Sua Alt.3 faria elle que fosse assy,
mas como estaa na mão de Deos, fallo quando, E como quer E busca quem lhe apraz para instrumento disto.
Assy que beijarei as mãos de Vossa Alteza querer mandar Ver esta lembrança, diante dos do seu Conselho, e dos
da consciência. E desencarregar á alma de El Rey nosso S.or ou também desenganarme, porque naturalmente os homens
são enganados consigo E terey Eu maes paga da que Eu mereço > (101).
Talvez que devido a esta sua «lembrança» dirigida à rainha regente—no dia 20 de Abril
de 1558 Martim Afonso de Sousa obteve alvará para que, no caso de seu filho Pero Lopes de Sousa não
ter sucessor, pudesse passar a herança a sua filha D. Inês Pimentel. A 17 de Dezembro dêste mesmo ano
foi-lhe dada a comenda de Santa Maria de Mascarenhas na Ordem de Cristo, com 700$000 reais, em troca
da de S. Tiago de Beja (102). No dia 4 de Janeiro de 1559 foi-lhe passada uma carta de tença de 200$000
reais a partir do dia 1 dêste mês e ano, «em quanto o não prover na Ordem de Christo de cousa que
os valha cada anno forros para elle» (103). A 8 de Março dêste ano obteve que ficassem valiosos para
seu filho aquelles 700$000 reais (104).
Em 1565 Martim Afonso voltou a ter o senhorio da vila e terras de Prado, que, como vimos,
havia vendido a D. João III em 1525 por 5.400 cruzados. Doadas então pelo soberano a D. Pedro
de Sousa (senhor de Beringel e primo-coirmão do pai de Martim Afonso), a quem fêz l.o conde de
Prado e das quais também teve o senhorio um outro D. Pedro de Sousa, neto daquele—tendo vagado
para a coroa por morte destoutro, Martim Afonso readqüiriu-as por compra, pagando a importância por
que as havia vendido em 1525 (105).
Na Chancelaria da Ordem de Christo O06) achei registado um alvará, com a data de 6 de
Julho de 1570, concedendo a Martim Afonso de Sousa uma tença de 70$000 reais, em conseqüência da
quebra que tivera na comenda de Santa Maria de Mascarenhas.
A poucos meses mais ia alongar-se a existência do antigo capitão-mór da armada expedi-
cionária e colonizadora que veio ao Brasil em 1530. Feito o seu testamento, que infelizmente não
encontrei, apensou-lhe dois codicilos, datados dos dias 14 de Julho e 3 de Novembro imediatos, em
que há uma verba cujo teor é como se segue:
'■Mando que todo o movei assim ouro como prata tecidos [?] tapessaria e tudo o mais que me for tirando
somente a minha cellada e espada de ouro que deixo a meu Neto Martim Affonso (107) sera vendido com toda a deligencia
possível e para que logo sejam pagas minhas dividas e primeiro todos os dinheiros que nam foram pagos, e mando que
tenha especial brevidade na paga daquillo ou daquellas que mais trabalho levaram com minhas doenças e se pagaram
comforme a isto tanto quanto mais por mim e meos Testamenteiros que para isso se lhe deve, e porque esta he minha
ultima vontade mandei ser feito este codicillo no qual revogo qualquer quantia, digo qualquer outro que em contrario disto
eu tivesse mandado em outra parte ou Testamento ou Codicillo e roguei ao P.e Antonio Pires que fizesse este e quero que
valha como Testamento do que em este he declarado, feito aos quatorze dias de Agosto de mil e quinhentos setenta, e
porque depoes me lembraram algúas cousaç que he necessário declarar mais aquy Dona Anna minha mulher e eu porque
revogamos algumas cousas que do outro Testamento nos ambos tínhamos feito e posto que no outro Testamento dizia que
deixávamos â nossa Capella toda a prata que fosse de cousa de Igreja declaramos que somente lhe deixamos huma alampada
de prata grande para servir na dita Capella e huns castiçaes grandes altos, e isto somente havemos por bem que fique á
dita Capella e pelo que também tivemos outros desenhos [sic] conforme a hum compromisso que havíamos de fazer resumi-
monos em que somente havíamos por bem que de nossas terças se comprem vinte e cinco mil reis de juro que se desse
a hum Cape liam que diga cada dia missa na dita Capella por nossas almas a qual sera do nome de Jesus quia non est
aliud nomen sub coelo in quo opporteat nos salvos fieri C08) com seu responso no cabo da missa o qual Capellam sera
apresentado por meos herdeiros aos confrades da Confraria de Jesus para elles confirmarem, dando seu voto para isso aos
czxmmjDizsxirxccxEXiaxa;:
(101) Archivo BibliograpMco, págs. 171-172.
102
(I03 ) Assim no-lo diz Varnhagen, a págs. 119 e 124 do Vol. 6 da Revista Trimensal (1844).
(,04 i Chanc. de D. Sebastião, Liv.o 2.°, fl. 339.
(10S) Segundo diz Varnhagen, no lugar citado.
( ) Alvará de 16 de Março de 1566, na Chanc de D. Sebastião, Liv." 19, fl. 56-57. —Confr. Liv. 26, fls. 136 v.—
137, 222, 259-259 v. e Liv.0 27, fl. 261-262, na mesma Chancelaria. Vide Chanc. de D. João III, Liv.o 36, fl, 187-167 v. e
Liv.o 54, fl. lie.106
t,07 ) Liv.o II, fl. 111.
(I(>8> Filho de seu filho Pero I opes de Sousa e de D. Ana da Guerra. Pai e filho morreram no desastre de AIcácer-Quibir.
r-,, . simples,
<~oioquios dos ' ) Noimpresso
dizer doem dr.
GoaGarcia d'Oría, Martim Afonso de Sousa entendia o latim «milhor que a materna linguoa» (Da dedicatória dos
em 1563).
111
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
quaes pedimos pelo amor de Deos que elles queiram aceitar este trabalho, e assim dar e arrecadar estes vinte e cinco mil
reis de juro e pagar a este nosso Capellam, porque nam havemos por bem estar em poder de nossos herdeiros, e para os
obrigar a isto lhe ponho diante que fiz esta Capella, e que me custa acabada passante de trez mil cruzados, e a dou a esta
Santa Confraria e assim mais os ornamentos que também lhe deixo os quaes ornamentos sam como digo hum Pontificai de
brocado da índia, e huma vestimenta e hum frontal de veludo avelutado [sic] carmesim bordado e brocado de ouro, é nas
mais obrigo pela charidade que nisto faram a nossas almas* (109).
Por um registo lançado a fls. 136 v.-137 do Lív.0 26 da Chancelaria de D. Sebastião, vê-se
que Martim Afonso de Sousa vivia ainda a 20 do mês de Novembro de 1570, data em que renunciou
em Sebastião de Morais o padrão de 46$000 reais de juro, que lhe havia sido dado em 16 de ]ulho
de 1547, a que acima nos referimos, sendo certo que já era falecido quando D. Sebastião fêz mercê a
Pero Lopes de Sousa, seu filho primogênito, em 17 de Maio de 1571, de uma tença de 500$000 reais,
como consta da respectiva carta passada a 29 de ]unho dêste mesmo ano (no).
Pedro Taques (m) refere-se a escrituras e procurações, existentes nas notas dos tabeliães da
cidade de S. Paulo, celebradas por Martim Afonso de Sousa em 1571 (112). Neste ano, portanto, é que
êle faleceu (ns). Foi sepultado na igreja do Convento de S. Francisco da cidade, onde tinha a sua capela O14).
Do seu consórcio com D. Ana Pimentel (ns) nasceram cinco filhos e três filhas, a saber;
Pero Lopes de Sousa, a quém já nos referimos (senhor de Alcoentre e de Tagarro, e da capitania de
S. Vicente, no Brasil, que casou com D. Ana da Guerra e foi pai de Lopo de Sousa—donatário das
capitanias de S. Vicente, Santo Amaro e Itamaracá—bem como da primeira condessa de Vimieiro); Lopo
Roiz de Sousa, que morreu mancebo, no mar, quando ia com seu pai para a índia (1541-1542); Pero
(ioí.) Arquivo do Hospital de S. José, de Lisboa, Liv.o do Convento de S. Francisco, fls. 206 v.—207 v.
Após a transcrição da verba testamentária, o funcionário escreveu o seguinte: «E nam diz mais a dita verba que se acha no Codicillo o
qual se ve ser aprovado aos trez dias do mez de Novembro de mil quinhentos e setenta por Martim Fernandes e pellos mesmos autos consta ser adminis-
tradora desta Capella a Excellentissima Condessa de Vimieiro como Tutora de seos filhos, e como tal deo conta dos encargos desta Capella the o anno
de mil setecentos e trinta e seis». . , .
Êste registo é precedido da seguinte abertura: «Capella de Martim Affonso de Sousa —Tem de obngaçam huma missa quotidiana com
responso no fim da Missa, e he a esmola vinte e sinco mil reis cada anno nos rendimentos de hum casal de Alpiarça o que tudo consta pelos autos da
referida Capella que estavam no Cartório de Luis Botelho de Tavora e especialmente pela verba do Testamento».
(110) Chanc. de D. Sebastião, Liv.o 26. fl. 259-259 v. Conf. fl. 222.
Em duas outras cartas regias registadas nesta Chancelaria (Liv.o 27, fls. 261-262 e Liv.o 2.0 fl. 339, em umas verbas
à margem) e datadas respectivamente de 11 de ]unho de 1571 e 18 de Julho dêste mesmo ano, se diz que Martim Afonso de
Sousa era já então falecido.
("') Historia da capitania de S. Vicente desde a sua fundação por Martim Affonso de Sousa em 1531, escrita
em 1772 e publicada no Tômo IX da Revista Trimensal de historia e geographia (1847), pág. 149.
(112) Estribando-se certamente no que haviam escrito o autor do Anno Histórico (Tômo 2.°, pág. 390) e o da
Bibliotheca Lusitana (Tômo 3.°, pág. 436), Varnhagen dizia em 1839 que Martim Afonso de Sousa havia falecido no ano
de 1564, a 21 de Julho. Mais tarde, porém, isto é, em 1861 já dizia: «Ha que rectificar a data da morte de M. Affonso, que
parece ter sido3 em 1571, e seguramente depois de 1566» (Revista Trimensal, Tômo XXIV, pág. 5, nota).
C' ) O alvará de licença passado a Luís de Camões para a impressão dos Lusíadas tem a data de 24 de
Setembro dêste mesmo ano de 1571.
(I14) Historia Seráfica, por Fr. Manuel da Esperança, Tômo I, pág. 243, Historia Genealogica da Casa Real,
Tômo XII, Parte 2.a, pág. 1106 e Bibliotheca Lusitana, pág. 436.
«Capela do Descendimento, depois conhecida pela capela dos Faros, quando estes herdaram a casa dos Sousas,
e era a colateral da banda do evangelho mais imediata á capela-mór. Na tal capela viam-se quatro escudos de armas na
parede, dois de uma parte e dois da outra, todos ovais e sem elmo, nem timbre. O primeiro do lado esquerdo era esquar-
telado das quinas do reino e de um lião volvido; eram as armas dos Sousas do Prado, não significando aquela diferença,
no lião senão capricho ou ignorância do escultor. O outro ao lado era também esquartelado tendo no j e IV cinco vieiras,
e no II e 111 o campo liso, e em bordadura a todo o escudo quatro castelos, alternando com quatro liões, estes nas linhas
da aspa, e os outros nas da cruzj queriam ser armas dos Pimenteis, marquezes de Tavora, erradas porem. Representavam
portanto os dois escudos os brasões de Martim Afonso de Sousa, 1.° senhor de Alcoentre, governador da índia, fundador
da capela, e o de sua mulher D. Ana Pimenle), dama da rainha D. Catarina e sobrinha por sua mãe do 1.° marquês de
Tavara. Defronte destes dois escudos na parede da banda da epístola estavam outros dois, um dos Sousas do Prado em
tudo igual ao seu fronteiro, o outro esquartelado, sendo o l.o e o 4.° das armas do reino com as quinas em aspa e oito
castelos na bordadura, e o 2.o e 3.° de cinco flores de liz. Eram as armas dos Albuquerques, e representavam o"s dois
escudos os brasões de Lopo de Sousa, 2.° senhor de Prado e de sua mulher D. Beatriz de Albuquerque, filha de João
Rodrigues de1!5Sá, senhor de Sever ...» (Brasões da Sala de Sintra — 2.a edição, 1921, pág. 225).
( ) Segundo alguns autores, D. Ana Pimentel era filha de Rui Dias Maldonado, comendador na Ordem de
S. Tiago e de D. inês Pimentel, da Casa de Benavente.
Observa Belchior de Andrade Leitão, muito considerado linhagista, falecido no princípio do século XVIII: «Outros
dizem ser filha de D. Francisco Maldonado Senhor da Caza das Conchas em Saiamanca. O Conde de Villanova, na arvore da
Caza de Monsanto, diz que era filha de Francisco Maldonado Commendador de Eliche na Ordem de Alcantara, e de
Dona Joanna Pimentel; o Francisco Maldonado era filho de Árias Maldonado Commendador de Eliche. Outros querem que
fosse filha de Ruy Dias, filho do mesmo Árias Maldonado; concordão muitos que o Pay se chamou Ruy Dias Maldonado
Commendador de Triana na Ordem de São Tiago, filho de Rodrigo Maldonado, a quem Affonso Lopes de Haro chama
Rodrigo Ayres Mendes Maldonado natural de Talavera, Doutor e grande Letrado, do Conselho de Estado dos Reys catholicos,
e seu Embaixador em Portugal, Navarra, e França, treze na Ordem de São Tiago, que foy também Pay de D. Catharina
Maldonado, mulher de D. João Pacheco Osorio, quinto Marquês de Cerralvo, e avô de D. Rodrigo Pacheco, primeiro
Arcebispo de Burgos» (Biblioteca da Ajuda, Códice 49-XII-47, págs. 577-578). Vide Historia Genealogica, Tômo IX, pág. 643.
Ocupando-se de Pedro de Sousa (de Seabra), diz êste mesmo genealogista: «Despoes se passou a Castella e
viveo com o Conde de Benavente, que o fez Alcayde mor de Ceabra, e dahi lhe ficou a alcunha» (Ibid. pág. 575).
112
A EXPEDIÇÃO DE MARTIM AFONSO DE SOUSA
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Afonso de Sousa (frade dominicano, que tomou o nome de Fr. Antônio de Sousa, bispo de Viseu desde
1594 e falecido em Lisboa, ao Campo Grande, no mês de Maio de 1597) (uó); Rodrigo Afonso de Sousa
e Gonçalo de Sousa (ambos falecidos sem geração); D. Inês Pimentel (mulher de D. Antônio de Castro,
senhor de Cascais, Lourinhã e S. Mateus de Lisboa, feito 4.° conde de Monsanto em 23 de Outubro de
1582); D. Brites Pimentel (que morreu estando concertada para casar com D. Luís de Ataíde, conde que
depois foi de Atouguia) e D. Catarina de Sousa (que morreu sem estado).
Além desta descendência, Martim Afonso de Sousa teve, na índia, um filho bastardo, de nome
Tristão de Sousa, que depois veio para Portugal. Regressou àquele Estado em 1555, figurando o seu
nome entre os «moradores da caza do Rey que passaram á índia neste anno». Lá serviu com o vice-rei
D. Constantino de Bragança (1558-1561). Voltando novamente ao reino, em 1580 devia ter partido para
a Mina capitaneando um navio «cõ mercadorias pera os resgates E mantimentos pera a gente da
fortaleza». Mais uma vez passou à índia em 1583, em a náu S. Lourenço; foi capitão de Maluco e
casou na índia, com geração 0'7).
No dizer de Diogo do Couto ('is), Martim Afonso «foi sempre vm dos principaes do [conselho]
d'ElRey emquãto gouernou a Raynha dona Caterína por seu neto dom Sebastião O19) <Sr algum tempo
depois delle tomar o gouerno (120). Era apressado em suas cousas, & grande conhecedor do tempo, tanto,
que parecia q os adiuinhava.pello muito discurso que delles tinha. E assi entendendo q Elrey auia de bolir
com os do seu conselho, lançouse primeiro de fora com achaques que tomou, & não tardou muito que
não ouuesse nisto nouidades*.
A darmos crédito ao que nos diz o P.e José Pereira de Baião ('21), o nosso Martim Afonso
de Sousa «-entrando hurp dia por Palacio começou a dizer alto, faltando com outros fidalgos, de parte
donde EIRey o podia ouuir. «Assim como atão a muitos loucos, cujos desatinos pòdem ser menos
damnosos, não prenderão a este moço, que anda induzindo a mapor damno para se perder a si e a nós
todos?-» E entrando com a ultima palavra ainda na boca o recebeo EIRep com a acção de arrebatar o
tinteiro, que tinha diante, para lhe dar com elle na cara; mas reportou-se, reprimindo-o as cans de velho
tão venerando, e benemerito; ficou porém mupto enfadado, e chepo de ira contra elle» O22).
«Foi fidalguo de grande authoridade neste Reino, discreto, e de excedente juizo, mt0 cavaleiro,
e esforçado de animo mup larguo, e altivo: cortezão, e de boa graça; contasse' delle que tratandosse em
conversação diante delRep D. João o 3° da bondade, e larguesa da terra do Brasil estãdo elle presente
(U6) Com o mesmo nome de Fr. Antônio de Sousa e pertencente também à ordem de S. Domingos, houve
Martim Afonso de Sousa um neto, filho de seu filho Pero Lopes de Sousa e de D. Ana da Guerra, e portanto, irmão da
primeira condessa de Vimieiro. No século houvera o nome de Manuel de Sousa. De ambos estes dominicanos se ocupa
Barbosa Machado, na sua Dibliotheca Lusitana. O primeiro professou a 7 de março de 1557; o segundo a 5 de Abril de 1595,
sendo provido deputado da Inquisição de Lisboa a 7 de Abril de 1618; subindo ao Conselho Geral deste Tribunal em 1626
e vindo a falecer no convento de Lisboa em 1632.
, Em 1569 havia sido eleito bispo de Viseu D. ]orge de Ataíde, filho do 1.° conde da Castanheira, mais tarde
capelão-mor e esmoler de D. Filipe II, que veio a falecer na vila da Castanheira, a 17 de Janeiro de 1611.
Recordando os nomes dos dois dominicanos Fr. Antônio de Sousa e dêste filho do 1.° conde da Castanheira —
todos descendentes de Pedro de Sousa (Seabra) e de Maria Pinheiro —algumas das testemunhas que em 1619 depuseram
no processo de habilitação de D. Antônio de Ataíde (depois 5.° conde da Castanheira e 1.° conde de Castro Daire), para
Familiar do 5.'° Oficio, declararam que_ Maria Pinheiro não tinha sangue de judeu ou de mouro, acrescentando que a trova
encontrada entre os papeis de D. João III havia sido feita por inimigos do 1.° conde da Castanheira, nomeadamente
D. Francisco de Portugal (1.° conde de Vimioso, exonerado do cargo de vèdor da fazenda) e D. Afonso de Vasconcelos,
senhor de Mafra.
Damião de Góis havia escrito no seu Livro de linhagens: «A Veis de saber, q no t/emjpo Del Rey dom Dr.te
Ouue eme Guimarães hü thz.0 [tesoureiro] ou são xpão [sacristâo], de S.ta Maria da Oliveira; Este São Christão conheçeo
carnalmj hua judia de q ouue hun filho, E Segundo o foro de sua mãy se Criou Judeu, e despois de bautizado lhe
chamarão
d0
P.0, lançarãono as letras, E foi bom Letrado, etachamouse P.0 Esieuez cogominho; t0 foy Ouvidor das terras do
seg.
a
Duque de Bragança a
do3 f ° cõ o q' Duque teue m valia e o casou a
cõ huã molher m homrada, q auuia nome
m ptnhrp foi esta m pinhr co quem este P." de sousa de seabra casou f de [sic] e delia ouue estes filhos, lopo de
sousa, g'o de117sousa » (Cod. 977 da Biblioteca Nacional de Lisboa, fl. 175-175 v.).
I ) Década VII, Liv.o 6.o, .cap. 4.°, Liv. 8.o, cap. 3.° e Liv.o 9.°, cap. l.o; Biblioteca da Ajuda, Códices 49-XII-47,
pags. 579 e 49-X-2,
us
fl. 222; Ementa da Casa da índia, ano de 1555.
(119 ) Década V, Liv.0 10, cap. 11.
( ) 1557 a 1567. Martim Afonso de Sousa, «do conselho d'El-Rei nosso senhor» foi uma das testemunhas que
assinaram o instrumento público da renúncia da rainha regente D. Catarina na pessoa do cardeal infante D. Henrique, em
23 de Dezembro de 1562 (Chronica do Cardeal rei D. Henrique e Vida de Miguel de Moura, escrita por êle mesmo — Lisboa,
1840 —pág. 164).
(120) Declarado de maior idade, D. Sebastião tomou as rédeas do govêrno em 1568, das mãos do cardeal
D. Henrique. 21
C122) Portugal cuidadoso e lastimado com a vida, e perda do Senhor Rey Dom Sebastião, Lisboa 1737 pág. 463.
( j Advirta-se, porém, que o autor refere êste episódio no capítulo «Em que se prosegue a mesma matéria
das contradições, que havia em passar ElRey á África», isto é, reportando-se ao ano de 1577, em que aliás Martim Afonso
de Sousa já não pertencia ao número dos vivos.
114
A EXPEDIÇÃO DE MARTIM AFONSO DE SOUSA
e disendolhe ElRey: q vos parece martim Affonso? passemonos para o Brasil? Respondeo elle dizendo,
emtre sizo e galantaria: Por certo Sõr, que doudisse era ella, que pudera fazer hü Rey sezudo, e não
viver dependente da vontade de seus visinhos podendo ser monarcha de outro maior mundo» O23).
Dos seus conhecimentos e instrução nas sciências matemáticas são autorizado testemunho os
seguintes trechos do Tratado que ho doutor Pedro Nunez fez sobre certas duuidas da nauegação,
dirigido a ei Rey nosso senhor:
<Nam ha muytos dias (124) senhor que falando com Martim afonso de Sousa sobre a nauegação que fez per as
partes do sul: antre outras cousas me disse com quanta deligencia e per quantas maneyras tomara a altura dos lugares
em que se achara: e verificara as rotas per que fazia seus caminhos; mas que de duas cousas se espantara muyto que em
sua viagem experimentou: e era. A primeira que estando ho sol na linha em todos os lugares em que se achou lhe nacia
em leste: e se lhe punha no mesmo dia em oeste: isto igualmente sem nenhúa deferença ora se achase da banda do norte
ora da banda do sul. E preguntoume porque razã: se gouernamos a leste ou oeste: ymos per hü paralello: em huã
mesma altura sempre: sem nunca podermos chegar a equinocial onde leuamos a proa juntamente com o leste dagulha.
O segundo que me preguntou he que elle se achara em. XXXv grãos da outra banda da linha: no tempo que o sol estaua no
tropico de capricorno: e lhe nacia ao sueste e quarta de este: e se lhe punha no mesmo dia ao sudueste quarta de loeste :
como aos que viuem na mesma altura desta parte do norte: e que nam via como podia isto ser: porque per razam: assi
auia de nacer aos que viuem da outra banda do sul quãdo ho sol anda desta nossa banda. E poys a nos no verão estando
ho sol no tropico de cancro: nos nace em nordeste quarta de leste: tambê aos que viuem da outra parte do sul: no seu
verão deuia o sol de nacer ao nordeste quarta de leste. Satisfiz eu a estas duuidas por palaura o melhor q pude: e toda-
via determiney descrever ho q nisso me pareceou (l25J.
mm
ERO Lopes de Sousa, filho segundo de Lopo de Sousa e de D. Brites de Albuquerque (dos BIOGRAFIA DE
quais já falámos) e irmão de Martim Afonso de Sousa, deve ter nascido em 1501 ou 1502 PERO LOPES
DE SOUSA
e foi colaço de certo Hilário Jorge, conforme vejo referido em uma carta que, a 24 de
Março de 1547, D. Isabel de Gamboa, viúva do mesmo Pero Lopes, escreveu a D. João de
Castro, então governador da índia (126).
Tirante êste pormenor, os dados biográficos dêste Pero Lopes de Sousa anteriormente ao ano
de 1530 continuam a ser-nos completamente desconhecidos, não só porque ignoramos onde pararão
duas obras inéditas de Alfonso de Torres e de Diego Gomez de Figueiredo, nas quais o sábio visconde
de Santarém dizia em 1840 encontrarem-se curiosas notícias para as biografias dos dois irmãos expedi-
cionários ao Brasil, senão também porque igualmente desconhecemos o paradeiro de uma outra obra inédita
(I23) Biblioteca da Ajuda. Códice 50-V-33, fl. 345. Códice antigo, encadernado em pergaminho em que se acha
encorporado o original dos Annaes de D. João III, por Fr. Luís de Sousa, e em cuja lombada se diz conter Papeis de Castro —
porventura o conde de Castro Daire.
(m) Fni entre meados de Agosto de 1533 e princípios de Março de 1534.
(125) Apud Tratado de Sphera com a Theoria do Sol e da Lua; Lisboa, 1537, do mesmo autor.
Nri Tratado mie fez em defensam da carta de marear co o regimento da altura, impresso neste mesmo volume, o dr. Pedro Nunes começa
por dizer- -Eu fiz senhor tempo ha hum pequeno tratado: sobre certas duuidas: q trouxe Martim afonso de Sousa: quando veo do Brasil. Pera satisfaça das
quaes me conueo trazer nam somente cousas praticas da arte de nauegar: mas ainda pontos de geometria e da parte theorica:
Saiba SP nup ao contrário do que escreveu Varnhagen (Historia Geral do Brazil, 11354, Tômo I, págs. 305 e 467) o cosmógrafo Pedro Nunes,
doutor em medicina não Isteve na índia O historiador brasileiro confundiu o dr. Pedro Nunes, cosmografo, nascido em 1502, com o dr. Pedro Nunes,
na' fnrf?» ^siq itospmharoador de el-rei seu chanceler na Casa do Cível e reitor da Universidade de Lisboa em 1536 (Vide na Revista
da Universidade de Coimbra, Vol U, n.os i e 4%s dois artigos publicados pelo sr. dr. Luciano Pereira da Silva, com o título de Os dois doutores Pedro Nunes).
26
C ) Arquivo da Tôrre do Tombo —Vol. 4.° da colecçãç comprada depois de 1872, aos condes de S. Lourenço, fl. 71.
Nesta carta, a viúva de Pero Lopes recomenda ao governador da índia <hum meu creado que se chama Joham de Siqueira que
he já creado delRev que he hum homem bom St e elle me escreveo que o dese a conheçer a V. S. para se Vosa senhoria
delle seruir».
115
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
do padre Rousado de que o mesmo sábio nos faz menção, classificando-a de «précieux travaih em que
se poderiam encontrar «ctes notions qui auraienf pu nous faire connaitre les particularités biographiques
de Pedro Lopes avant son départ pour 1'expedition de 1530» O27),
Varnhagen, quer em 1839, quer em 1844, conjectura-o aluno da Universidade de Lisboa, e
escreve o seguinte: «É provável que Pero Lopes cursasse os estudos da navegação na Universidade, que
no seu tempo se achava ainda em Lisboa, e que depois passasse a adquirir a pratica embarcando-se nas
armadas de guarda costa, que, quando muito, chegavam aos Açores, Madeira, e Costa Septentrional da
África. Só a theoria reunida á pratica podia ter formado em annos tão verdes, digamos adolescentes,
aquelle gênio perito, e caracter afoito, que se descobre em sua exposição, e que o proprio grande D. João
de Castro reconhece nas seguintes palavras de uma carta sua escripta da índia, e impressa pelo
* Patriota» do Rio de Janeiro (N.° 6, de 1813, paginas 21 e 22):—E porqúe Pero Lopes de Sousa, a
quem todos los Portuguezes deuemos confeçar vemtagem e dar obediência no mister e officio do mar...» (12S)
—Já homem de mar feito, e Fidalgo da casa, era Pero Lopes, quando foi escolhido para acompanhar seu
irmão na armada para o Brasil em 1530. Pode ser mesmo que pelo Brazil tivesse elle já andado com
algum navio de Christovão Jacques, que a mesma costa guardara desde 1526 a 1528, em que foi rendido
por Antonio Ribeiro, do mesmo modo que também estivera Diogo Leite, o qual, tendo do Brazil escripto
a El-Rei, a 30 de Abril de 1528, a carta que offerecemos ao Instituto, voltou depois com Martim Affonso,
até que de Pernambuco se apartou para irem descobrir o Maranhão» O29).
Por sua vez diz o sr. Rocha Pombo (130): «era já um marítimo conhecido e distincto pelo seu
valor e nobreza de caracter. Comquanto não fosse propriamente um homem instruído, é certo que se
recomendou pela sua perícia em coisas do mar. Desde muito joven embarcára e nas armadas de guarda
costa tinha percorrido as ilhas e a costa africana. É quasi certo mesmo que já havia estado no Brasil,
alguns annos antes, talvez com Christovam Jacques».
Quanto ao ter servido nas armadas de guarda-costa, ignoro que algum documento o inclua
na guarnição das que foram despachadas no terceiro decênio dêste século; afigura-se-me que os serviços
que prestou devem ser os que, como veremos, desempenhou depois do seu regresso da expedição de
Martim Afonso de Sousa, e não antes (131). Da sua estada no Brasil antes de 1531, não conheço
também nenhum documento que nos autorize a afirmá-lo, nem tam pouco que, «-sendo mancebo, andou
por esta costa com armada a sua custa», como se lê em Gabriel Soares de Sousa (I32).
Quando em especial nos ocuparmos da expedição, teremos ensejo de consignar o papel que
desempenhou desde que saiu de Lisboa, em 3 de Dezembro de 1530, até o seu regresso a Portugal,
passados dois anos.
Terminada a expedição, Pero Lopes de Sousa chegou ao Algarve no comêço do mês de Janeiro
de 1533, senão nos últimos dias de Dezembro do ano antecedente, ferrando no pôrto de Faro.
A fim de se apresentar ao rei e dar-lhe conta da sua viagem e do que durante ela se passara,
partiu para Évora, onde então se achava a côrte. Em Faro ficavam a náu em que viajara, bem como
C27) Analyse du journal de la navigation de la flotte qui est allée a Ia terre du Brésil en 1530-1532 par Pedro
Lopes de Sousa, Paris 1840, págs. 364-365 da Revista Nouuelles Annales des Voyages.
(,2S) A carta a que Varnhagen se reporta era dirigida por D. ]oâo de Castro «a elrei don io o 3.° do ano
de 1530 amdamdo por soldado em tempo do uizerei dom garcia de n"» [Noronha] e encontra-se arquivada na Tôrre do
Tombo, na colecção comprada aos condes de S. Lourenço, Vol. V, fl. 123-129. O trecho respeitante a Pero Lopes de Sousa
é êste; <do uiso Rei [D. Garcia de Noronha] poem por obra de fazer muytos gales e galeões sem embarguo que meu
comçelho he que na índia nõ aja gales uisto como se nã Remã e fazê grade despeza mas nãos Galeões e Carauelas.
E porque pero lopes de sousa a quem todolos portugueses deuemos comfeçar uentajê e tedar obidiemçia no mister e oficio
do mar uio tudo Isto a ele me Remeto e dou as uezes pera que mylhor e mais larguam emforme vosa A. da uerdade e
de tudo que 12g
neste caso toca» (Lugar citado, fl. 124 v.).
(I30) Revista Trimensal, Vol. 6.° (1844), pág. 120.
(131 ) Historia do Brazil, Tômo 3.°, pág. 50.
í ) A armada que em 1828 foi às ilhas esperar as náus da índia era comandada por Antônio Ferreira e a de
guarda-costa tinha por capitão-mór a Fernâo Peres de Andrade (Annaes, pág. 229). Em 1529 D. loão III «mandou em guarda ao
Estreyto de Gibraltar huma armada de que fez Capitão mor a Dom Estevão da Gama, filho do Conde Almirante Dom Vasco,
e despachou outra pera a Malagueta de quatro caravellas, de que deu o cargo a Francisco Annes Gago» (Ibid., pág. 259).
Quanto ao ano de 1530, já vimos que à Malagueta foi uma armada composta de 1 náu e 3 caravelas sob a
capitanía-mór de Francisco Anes Gago e que às ilhas foi enviada uma outra de que era capitão-mór D. João de Lima.
tPero Lopes de Sousa teria sido matriculado em algumas destas armadas? Não nos consta. Um dos capitães da
armada que foi aos Açores em 1530 e aqui se achava no mês de Julho dêste ano, tinha o mesmo nome de um dos capitães
da armada que meses depois foi para o Brasil: Baltazar Gonçalves, i Pero Lopes de Sousa faria parte desta armada? Não
tenho elementos para o negar, nem afirmar. Simplesmente: é possível que lá estivesse.
(13í) Roteiro geral, cap. XIV.
116
A EXPEDIÇÃO DE MARTIM AFONSO DE SOUSA
duas náus francesas que havia tomado em Pernambuco, além de trinta e tantos franceses que ali
aprisionara e de alguns naturais da terra do Brasil. Do regresso de Pero Lopes de Sousa e da sua
chegada a Évora, deu D. ]oão III notícia ao conde da Castanheira, por carta datada do dia 20 de
Janeiro do referido ano de 1533 í^3).
Um ou dois dias depois seguiu para Lisboa, sendo portador de cartas para o conde. Algumas
semanas decorridas, vai novamente a Évora, levando cartas do conde para o rei, cuja recepção é por
êste acusada em carta de 15 de Fevereiro, como adiante se verá.
A 23 de Janeiro do ano seguinte O34) encontrava-se outra vez em Évora, ao que parece;
pelo menos nesta data é de ali comunicado por D. João III ao conde da Castanheira que Pero Lopes
de Sousa o irá procurar.
Parece que foi neste ano de 1534 que Martim Afonso de Sousa e seu irmão Pero Lopes de
Sousa, por escrituras lavradas em Lisboa e registadas no cartório da Fazenda Real de S. Paulo,
celebraram contrato de sociedade com João Veniste, Francisco Lobo e o pilôto-mór Vicente Gonçalves,
para o efeito de se levantarem dois engenhos nas capitanias dêstes donatários, obrigando-se êles a
darem as terras para isso necessárias nas respectivas capitanias O35).
A êle se refere o conde da Castanheira na carta que escreveu de Lisboa a D. João III, em 21
de Março de 1534, quando lhe diz: «Eu cheguei a esta cidade ontem que forão 20 dias deste mez, e até
então não erão partidos mais navios pera Çafim que huma caravella que estava carregada de madeyra, em
que se meterão Pero Lopez e Thomé de Sousa, e sahirão polia carreyra do Torrão, terça feira á nopte com
vento Oessudueste, tanto, que aos mais que virão partir a caravella pareceo que correria grande perigo
de se perder ao sahir da barra: e também era sabida antes desta outra, em que vap Fernão Sodré* (136).
Em carta datada de Évora, aos 23 dias de Maio dêste mesmo ano, dizia Fernão Álvares de
Andrade (137) ao conde da Castanheira; *Item. Com duas cousas vp mostrar a sua Alteza muito conten-
tamento com a ventajem que fizeram Pero Lopes de Sousa e Tome de Sousa a todollos os outros e com
a delligencia da caravella Pescaresa a qual espero que venha muj cedo porque nom podia Fernam Sodré
llepxar de llevar vento a popa» (|38).
Mencionando a data em que D. João III lhe fêz a doação de uma capitania no Brasil, 1 de
Setembro de 1534, diz D. Antônio Caetano de Sousa (139): «Neste mesmo anno fop por Capitão de huma
das Nãos da Armada, que fop a Tunes, de que era General Antonio de Saldanha com o Infante Dom Luiz».
Conquanto projectada realmente em 1534, a expedição de Carlos V a Tunis só veio a
efectuar-se, porém, no ano seguinte, partindo o imperador de Madrid em Abril e de Barcelona em 30
fá fA Wà rA fA fA fA fA fA fA fA fA fA fA 'A fA fé fé r*
(133) Fr. Luís de Sousa equivocou-se duplamente quando escreveu: «Consta por carta delRey ao Conde da
Castanheira de 21 de ]anevro de 1533, que Martim Afonso de Sousa tomou na sua viagem (parece que fov do Brasil) duas nãos
de Franceses com trinta e tantos homens de França e quatro índios do Brasil, que chama Reys: manda ElRey que os
Franceses venhão presos ao limoeyro, e os navios a Lisboa; e os que chama Reys sejão bem tratados, e vestidos de seda»
(Annaes, pág. 377; ou fl. 9 v. do Borrador arquivado na Biblioteca da Ajuda).
A carta de que se trata foi escrita «em euora em vinte dias janeiro», e de não a 21; o nome que,'a vem
mencionado, por sinal quatro vezes, é o de Pero Lopes de Sousa e não o de seu irmão. O primeiro dos dois erros foi
reeditado por Varnhagen na sua Historia Geral do Brazil; de ambos se fêz editor o sábio anotador da 3.a edição desta oora,
em a nota 7^da Pae|m1a90jroca de. nomes caíu Fr. Luís de Sousa quando a seguir escreveu: «Consta por outra do dito dia
que Martim Afonso de Sousa, correndo a costa do Brasil, vêo ter a Pernambuco, e abi achou ditos Francezes, que tmnao
feito fortaleza, e lha tomou e a poz em poder de Portugueses» (Annaes, citada pág. 377, e fl. 9 v. também )a referida do
Borrador O nome oue lá vém é também o de Pero Lopes de Sousa, e não o de seu irmão. . ...
Há efectivamente, uma carta de D, João III para o conde da Castanheira com a data de 21 de Janeiro, relativa
à «vinda de pero lopes de sousa que veyo do brasill», mas não é nesta-e sim na do dia 20-que se referem os |á
apontados factos. ^ foram conhecidas de Varnhagen, que delas possuía cópia, atribuindo a ambas uma mesma data -
21 de Janeiro (Historia Geral do Brazil, nota 7 de pág. 190 da l.a ed. e pág. 59 do 1.° vol. da ed. de 1854).
0^^Re^rdem^-nos3^0que" Marfim'^Afon^o'3de6 Sousa chegara a Lisboa em princípios de Agosto de 1533 e
partiu para (a,5lnd^ ^ J2 deJ^arço de lg4^ ^ rf(? <- por Fr. Gaspar da Madre de Deus pág. 63
J Annaes oáq 382 Fr. Luís de Sousa trasladou esta carta da l.o dos «Seis Livros do Conde da Castanheyra.
mandados por Dom jeronvmo dWayde. filho do conde de Castro»; mas não se encontra na colecçao adquirida por
Fernando Palha. ^ documento de (535, registado no Liv.o X, fl. 85 da Chancelaria de D. João ///, Fernão Álvares de
Andrade subscreve-se «escrivam da fazemda e da camara delrei e seu chance er 'uor>- Lourenco) fl 66
(138
13 J
) Vol. V da colecção do conde da Castanheira
a
(1.° da colecçao do conde de 5. Lourenço) fl. 66.
( ' ) Historia genealogica, Tômo XII, Parte 2. , pág. 1112.
117
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
de Maio. Diz Fr. Luís de Sousa (^o); «Por carta delRei/: parte Antonio de Saldanha por Capifão-mor
da armada, 4 de Março de 1535: manda EIRey que va a Évora pera tomar o Regimento que ha de
levar». Pero Lopes de Sousa é o primeiro dos capitães dos navios portugueses que deveriam fazer
parte da expedição, segundo uma carta de D. ]oão III para o conde da Castanheira, datada de Évora
aos 11 de Janeiro de 1535, que começa: «Conde amiguo eu elIRey vos envio mujto saudar como aquele
que muito amo, eu tenho hordenado que as pesoas abaixo declaradas vam por capitães destes nauios a
saber Pero Lopes de sóusa E belchyor de brito E anrique de macedo ....» O41). O nome de Pero
Lopes de Sousa é um dos mencionados na Relação da armada que foy a Tunes organizada por
Fr. Luís de Sousa O42).
Na segunda quinzena do mês de Outubro já Perô Lopes se achava em Lisboa (143).
Segundo Varnhagen O44), «voltando desta expedição, tratou subseqüentemente a ajustar seu
casamento com D. Isabel de Gamboa, rica herdeira na Corte; e com esta dama se achava já enlaçado
em 1536» (hs).
No dizer de D. Antônio Caetano de Sousa, «voltando ao Reyno com honrado nome, que já
havia conseguido nas demais emprezas, em que se achara, foy occupado na Armada de guarda Costas
dous annos, em que servio com acerto» (146). A sua nomeação para capitão-mór destoutra armada é de
Agosto de 1536 e consta da carta que D. João III dirigiu ao conde da Castanheira em 5 dêste mês
e ano, onde—depois de se referir a uma informação prestada pelo mestre de uma caravelinha, de que
«vyra has berllengas sete naoos de cosayros que perguntavam pelas naoos da índia»—diz: «vos
encomendo mujto que com a moor brevydade e presteza que for posyvell mandeis armar os mais
navyos que se poderem fazer prestes que seram aquelles que vos pareça que deuem dir pera detenção
das ditas naaos da índia que nom seram menos de cinquo podemdo ser mais seram ate oyto podendose
armar sem nyso aver detença e nelles ey por bem que vaa por capitão moor pero llopez de sousa e
pera capitãees dos navios tomareis nesa cidade dos meus criados ou outros que vos pera iso mais
autos parecerem aos quaes vos direis da mynha parte e asy aos mais vos parecer que na dita armada
deuem dir E vos mandareis daar rregimento ao dito pero llopez e aos capitaês » (147).
Estoutra armada deve ter partido para o mar no princípio da segunda quinzena dêste mês,
porquanto diz D. João III, em carta do dia 22, ao conde da Castanheira: «... vy a carta que me
escreuestes de dezesete dias deste mes e jaa tinha vysto o rroll que me emviastes da gente e artelharya
e monyções e todo o mais que llevou armada em que foy pero lopez de sousa rreçeby muyto prazer
de ver quam boa gente llevou e quam bem aparelhado foy de tcdallas cousas que vos muyto
agardeço» (14S).
A 30 do mesmo mês dizia D. João III ao conde da Castanheira: ...«vy a carta que me
escrevestes com as novas que me emvyastes da vynda das naoos da Imdia de que rreceby muyto
prazer e mujto vos agardeço a dilligencia e presteza com que a emviastes espero em noso senhor que
muy cedo sejam davante desa cidade, jaa vos tjnha emvyado rrecado pera pero llopez de sousa se
tornar com a armada pera andaf' em guarda da costa ate fim do mes de novembro, encomemdovos
mujto que lhe mandeis daar avisamento pera se Uoguo tornar com a nao Recoçeza ou com o qalleam
como vos mylhor parecer » (hq).
No último dêste mês dizia ainda D. João III: « mujto vos emcomendo que me escrevais
o que fizeram as tres carauellas que pero lopez de sousa mandou apos os navios de cosayros que
tomaram o navio de villa do conde e o que nyso sobcedeo» (iso)
No mês seguinte Pero Lopes de Sousa achava-se com a sua armada em frente do Algarve.
«Pero Lopez de Sousa, indo de armada atravez de Cinis, dez legoas ao mar, encontrou com
tres nãos de França, que começarão a fogir, como conhecerão que erão nãos d'armada: dando-lhes caça
hum dia e huma noyte, se vierão a elle outros quatro navios, e acometendo-o, lhe mandarão que
amainasse da parte dei Re y de França, e assi pelejarão ás bombardadas por espaço de duas horas, até
que os francezes, vendo-se com mao partido, se poserão em fogida. Dahi a dous dias ouve vista d'outra
nao que se vêo a elle, e tanto que reconheceo a armada se fez ríoutra volta; porem foy seguida de
Pero Lopes, que apagou o farol por não ser visto dos francezes, e quando foy o dia seguinte se achou
delia mêa legoa, e a foy demandar desacompanhado dos navios da armada, que ficarão por julavento,
e embaraçados com outro galeão de França, com que pelejarão até lhes fogir. Emfim, requerida a nao
por Pero Lopez que amainasse, respondeo com soberba palavras descortezes: começarão logo a tocar
trombetas, e pelejar abalroados, de que sucedeo morrerem dos nossos sete homens, e feridos outros sete
ou oyto; porém dos francezes forão mortos dezesete homens, e o Capitão com huma perna quebrada,
e muytos feridos. Em fim, foi rendida despois de mastos quebrados. Confessão que tinhão roubado
tres navios ou quatro, que se sospeita serião Portuguezes, porque no tempo da briga se vio que
baldeavão muyta roupa ao mar. Confessarão que avia tres mezes que erão sabidos de Anafrol. Mandou
o Conde ao Chançarel da casa do eivei que fosse a Belem a fazer-lhes perguntas &c. He carta pera Sua
Atteza de 28 de Setembro de 1536, em que Pero Lopez de Sousa foy de armada* (isi).
O galeão de Pero Lopes de Sousa ficara danificado (isz).
A náu dos franceses que Pero Lopes de Sousa tomou, foi por êste levada a Lisboa.
Conquanto D. João III houvesse ordenado que, depois de feitas as necessárias reparações no galeão,
Pero Lopes tornasse a fazer-se ao mar com oito caravelas armadas, a 10 de Outubro deu contra ordem
«por o tempo ser jaa tamto no ymverno em que pareçe que poderaa fazer pouco serviço*, pelo que
não chegou a sair desta vez (153),
Havendo-se recebido notícia, nos princípios de Outubro, de que em alguns portos do norte
da Galiza se achavam «quinze ou vymte navyos de portugueses que vem de frandes» e por «aver
nova dandarem muytas naoos de frameeses no cabo de finisferra e por toda a costa e tomarem dantre
elles hum*, Pero Lopes de Sousa foi novamente escolhido para ir ao encontro dos nossos navios a fim
(H9J Golecçao do conde da Casfanheira, fls. 352-352 v. do Vol. 3.o. As náus que neste ano regressaram da índia
eram sete e tinham por capitao-mór Fernão Peres de Andrade. O Livro de toda a fazenda dá-as como chegadas em 22 de
julho (3 naus), em 26 do mesmo mes (uma), e em 26 de Agosto (duas). A sétima, de que era capitão Tomé de Sousa, só
chegou a 31 150 de Março de 1537.
( 51 ) Pasta I de F. Palha, fl. 366 do Vol. 3.o.
C ) Annaes, págs. 398-399.
Respondendo ao conde da Castanheira, dizia-lhe D. João III em carta do dia 2 de Outubro; *...vy a carta que
mc e
, jcreuestes em que me daees conta das nãos dos francezes que tomou pero llopez de sousa que trouxe ao porto desa
cidade, e da maneira que pellejou com ella e com as outras naoos francezas e como o negocio passou muyto vos agradeço
e quam miyudamente me destes diso conta e rreceby prazer de saber como se pero llopez com elles ouue que foy com
31};P es'0rÇ0 e rrecado como he a confiança que deite tenho e asy dos em sua companhia foram, pareceome muy bem a
auiigencia que fizestes com o chanceller pois hy nom hera o governador pera mandar poer os francezes arrecado e se lhe
razerem as perguntas e autos necesaryos pera se saber se sam corsayros e tem rroubados alguns navyos de portugueses
encomendovos muito que tanto que forem feytas as dilligencias necesaryas me emuieis o treilado dos autos pera os eu ver
e mandar sobre o despacho dos ditos francezes o que me bem e justiça pareçer e eu escrevo ao chanceller que vos emtregue
os ditos autos pera mos emviardes* (Pasta I de F. Palha; fls. 350-350 v. do Vol. 3.°) —Fr. Luís de Sousa (Annaes,
Pag. 399) equivocou-se dando como sendo do dia 12 esta carta do dia 2.
.. (,52J Prosseguindo na sua resposta ao conde da Castanheira, dizia o rei no dia 2 de Outubro: «Quanto ao que
dizeis do dano que rrebeo o galleam e que o mandais corregeer e fazer prestes pera tornar a sayr fora see eu ouuer por
meu servyço, encomendo-vos muyto que o mandeis corregeer e fazer prestes porque eu ey por meu servyço que pero
llopez torne a sayr e amde fora com a mesma armada que trazia todo este mes d outubro como estava ordenado servyndo
o tenpo pera iso e eu escrevo a pero llopez agardecendolhe o que tem feyto e emcomdandolhe que torne a sayr o mays
em breue que poder ser, e vos direys da minha parte aos capitães dos navyos e asy aos fidallgos e outros cryados meus
da dita armada que lhe agardeço quam bem o ate agora tem feyto c que tornem- com pero llopez porque dyso me averey
por bem servydo delles e dos mercantes e omens darmas trabalhareis por armaar a aviar o mylhor que poder ser enco-
mendovos muyto que me escrevais quando armada poder sayr e asy toda mays emformaçam que teverdes sabydo deses
francezes e se tem rroubado allguns navyos de portugueses porque aliem do que vier nos autos follgarey de o saber por
fosa carta* (Referida carta a fls. 350-350 v. do Vol. 3.° da colecção do conde da Casfanheira).
(153) Ibid., fl. 384 do mesmo Vol. 3.o.
119
\
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
de os proteger e defender ('54). Como entretanto houvessem chegado a Lisboa alguns dêstes navios e
«por ser jaa tanto no imverno nom poderaa a armada que mandava fazer pera ir pero llopez aproveitar»,
el-rei houve por bem ordenar, em 22 dêste mesmo mês de Outubro, «que nom sapa e que mandeis
despedir a gente deite ficamdo as caravellas armadas como estam todos os mais navpos que no porto
desa cidade temdes armados pera quamdo for necesarpo e comprir a meu serviço poderem sayr porem
o que nos navpos e carauellas ouver de ficar seraa o que vos parecer bem e mais nam» (iss).
«Consta por carta do Conde, que ja neste anno de 1536 o era da Castanheira, que hia por
Capitão-mor Pero Lopez de huma armada ás ilhas a esperar a nao de Thomé de Sousa. Levava huma
nao aragonesa, em que elle hia, outra de Villa do Conde, em que hia Pero Vaz de Siqueira, outra de
Afonso de Torres, em que hia Luis Coutinho, e Bras Corrêa, Matheus Fernandez d'Abreu, e Balthezar
Dias, cada um em sua caravella, dei Rep» O56). A carta a que aqui alude Fr. Luís de Sousa foi por
êste encontrada no liv.0 1.° da colecção do conde da Castanheira, mas infelizmente falta na colecção
adqüirida por Fernando Palha, não me sendo por isso possível averiguar e certificar-me se se trata da
armada que saiu no mês de Agosto O57), ou de uma outra que houvesse partido depois de Outubro
dêste ano (158).
Diz Varnhagen O59): «Restam os annos de 1537 e 1538, antes d'aquelle em que faleceu. Para
estes tínhamos o tempo tomado, se fossemos a dar credito a um antigo genealogico, que menciona uma
ida como governador do castello da Mina; comtudo Soares (Roteiro geral, cap. 14) falia de tal modo
da estada deste donatário em Itamaracá que não é possível deixar de lhe dar attenção. Outro tanto não
succede â porção mais longínqua, isto é, de S.t0 Amaro, como bem deduz Fr. Gaspar, pag. 145, 146 e 162».
Em 1538, segundo se lê na Historia Geral do Brazil O60), o conde da Castanheira, escrevendo
a Martim Afonso de Sousa, dizia-lhe: «Pero Lopes, vosso irmão, está feito um homem muito honrado,
e outra vez vos affirmo muito honrado. E digo vol-o assim porque pode ser que por sua pouca edade
vos pareça que terá bons princípios, mas que não será ainda de todo bem assentado nisso, como vol-o
eu aqui digo, que é ainda menos do que o que de lie cuido» (161)-
Pero Lopes de Sousa foi o capitão-mór da armada de seis náus que em 1539 partiu para a
índia, saindo de Lisboa em 24 de Março e chegando a Goa no mês de Setembro seguinte (162), Deverá,
portanto, ter-se cruzado no mar com seu irmão, que, como vimos, largou de Cochim no princípio de
Janeiro dêsse ano e chegou a Lisboa nos fins de Julho ou princípios do mês de Agosto.
Ao passo que Gaspar Correia diz que a náu capitânia se chamava Gallega, Figueiredo Falcão
diz que aquela era a Esperança, sendo de advertir que o primeiro dêstes dois autores não inclui nesta
armada nenhuma náu com o nome de Esperança, nem o segundo qualquer outra com o nome de Gallega.
E que o verdadeiro nome da náu era Esperança Gallega; nos dois autores, portanto, não devemos ver
aqui êrro, mas sim deficiência na designação do nome da capitânia. Que ambos estavam na verdade,
mostra-se pelos seguintes documentos, arquivados na Tôrre do Tombo:
(isí) Duas cartas do dia 12 de Outubro. Vol. 3.°, fls. 389-390 e 275-275 v. E uma outra do dia 21 do mesmo mês
que fazia parte do Vol. 2, fl. 2.
(issj Ibid., Vol. 3.o, fl. 337.
('55) Annaes, págs. 399-400.
(i5') Vide nota 147.
(issj por carta de el-rei_de 11 de Maio de 1537, consta que neste ano o capitão da armada que foi esperar as
náus da Índia era Diogo da Silveira; êste foi também o capitão-mór da armada de guarda-costa, em que iam o galeão S. João
e o galeão Salvador (Annaes, págs. 401 e 402).
(159) Revista Trimensal, Tômo 6.°, págs, 121-122.
(160) pág. 171 da 3.a edição, nota 22, repetido de pág. 45, nota 2, da l.a edição (1844). Pêna é que Varnhagen
não nos tivesse indicado a fonte documentária.
(■si) Em nota adicional diz, porém, o sr. Capistrano de Abreu: «A data 1538 não deve estar certa, pois não
combina com o facto de Pero Lopes já ser então pae de família e donatário de uma capitania de juro e herdade. Será 1528?»
— Estoutra data também não me parece de aceitar, tanto mais que então Martim Afonso de Sousa estava na côrte, com o
futuro conde da Castanheira. Se há êrro de algarismo, possível será que em vez de 1538 deva ler-se 1535, ano em que
Martim Afonso de Sousa já se achava na índia, como capitão-mór do mar.
C62) <0 ano de mil quinhentos trinta e noue foi por Capitão mór Pero Lopes de Sousa. Leuou seis nãos
Partirão a 24 de Março do dito ano» (Livro de toda a fazenda, págs. 158-159).
1
No fim de setembro chegarão as nãos do Reyno, que forão quatro pera carregar, e por capitão-mór d'ellas Pero
Lopes de Sousa, irmão de Martim Afonso de Sousa» (Lendas da Índia, Tômo 4.°, pág. 95).
Segundo Figueiredo Falcão, àlém das quatro náus mencionadas por Gaspar Correia, e a que também alude
D. Antônio Caetano de Sousa, a armada de Pero Lopes de Sousa levava mais duas, de que eram capitães Henrique de
Sousa e Tomé de Sousa. Na Década V, Liv.o 6, cap. 6, Diogo do Couto, àlém de erradamente escrever Diogo Lopes de Sousa
por Pero Lopes de Sousa, refere-se apenas a cinco náus, deixando de mencionar a que ia capitaneada por Tomé de Sousa.
Corrija-se o que diz o autor da Corographia Brazilica (Tômo II, pág. 194), no período que começa- «A hida
deste donatário .. .».
120
A EXPEDIÇÃO DE MARTIM AFONSO DE SOUSA
*pC afonso dag™ provedor dos almazcs e armadas etc mando a vos bastiam gllz daruellos alm* [alrnoxarifej
do almaze da Rib.™ desta cidade de lix* que entregueis a VJe miz frr* m>e [mestre] da nao esperãça galegua que se fas
prestes pa a Imdia estas cousas abaixo decraradas pera as entregar aos oficiaes dei Rey noso sor na Imdia p* a nao nova
q se lia fas de q ha de trazer coto [conhecimento] ê forma » (163^
<p0 a0 dagac
Provedor dos Almazês e armadas etc mãdo a vos bastiam gllz darvellos alm* do almazê da
i desta cidade de lix* q entregueis a Ve miz frr_a m te qa na0 esperãça galegua capitayna que se faz prestes pa a
Imdia de q vay per capita moor po llopez de sousa estas cousas abaixo decraradas p.a sua viagem-» (164).
Concernente a esta mesma armada, conquanto particularmente relativo a um outro dos navios
que a compunham, é estoutro documento, igualmente do Corno Chronologico:
<-p.0 a0 dag provedor dos almazês e armadas etc mãdo a vos bastiam gliz darvellos alme da casa do almazê
da Ribeira desta cidade de lixa que entregueis a Joham gllz mte da nao Ra que se fas prestes pa a Imdia q vay ê
còpanhia de p° lopez de sousa capitão mor da ditarmada estas cousas abaixo decraradas pa sua viagem » (i^.
Havia um ano que o vice-rei D. Garcia de Noronha governava a índia quando Pero Lopes
de Sousa chegou a Goa (166).
Refere o autor da Historia Genealogica da Casa Real: «Depois voltando para o Repno na
Nao Gallega O67), a devia tragar o mar, porque delia se não soube mais; acabando nella hum insigne
Capitão, ornado de valor, e excedentes partes, que competia com seu irmão; supposto não faltou quem
armajpní ^'^1' 83. Este DQciimento é datado de 16 de Janeiro de 1539.a Noa final há uma declaração do referido provedor dos
' (■«) /iV, p 3ll 222 a«. ÍDatà! 23 íe3 Janeiro de IMçT""0 qUe 3 S "es < he perdida vynda da Imdia pera estes Reynos ..
Sodré, efectuou-Te • A'24 Agosto 54o'..45' _ Data' 3 meSma d0 an,eceden,e- No di2er de Figueiredo Falcão, a forna-viagem da náu Rainha, capitão Simão
(166) iRero Lopes de Sousa, capitão mór das nãos, era homem muy forte de condição, e fogião os homens da
sua nao; os outros capitães que são barqueiros de passagem, resgatauão e despeitauão tanto os homens que com elles se
ijuenao embarqar, e lhe pedião tanto dinheiro polos gasalhados, que todos se vinhão pera Anfonio da Silueira. Elle como
era de boa condição, folgaua d'agasalhar a todos, e mandou encher hum paiol dãrquas d'homens de sua obrioacão e
secretamente o tinha cheo; o que foy dito ao védor da fazenda, o qual o disse a Pero Lopes de Sousa. E logo ambos'se
'orao a nao d Antomo da Silueira, e deitarão as arqas fora, e meterão pimenta no paiol. O que sendo dito Anfonio da
oilueira ouve muyta paixão, e disse em pubrico de muyta gente: «O védor da fazenda, nem Pero Lopes de' Sousa notn
rarao por isso El Rey mais riquo: o que fizerão he como bons seruidores. Folgo porque no paiol nom acharão fazendas
defesas, senão as arcas de muyta pobreza que os homens leuauão, que ganharão a forteleza de Dio ás lançadas a oue eu
quero bem como propios irmãos meus, polo que lhe vy fazer pelejando com os rumes; e se Pero Lopes o vira elle os
estimara como eu. Mas já esta maldição ha de morrer com a índia: que o pouo e pobres homens trabalhão e os ar andes
leuao o proveito, e o seu suor; de que Deos ouvirá seus gemidos.* E fatiando com alguns que hy estauão lhe disse-
«Senhores, ja vedes quão pouqo posso, porque nom são capitão mór d'es fas nãos. Prouvera a Deos que tiuera eu fazenda
pera comprar este paiol e vos leuar a todos; mas, assy me Deos leue a salvamento, que o nom tenho.* E semnre denois
Antomo da Silueira teue pontos com Pero Lopes por isto, e hum dia que ambos se toparão á porta da feitoria lhe disse
fero Lopes: «Senhor, ouvestes paixao porjue desembarquey as caixas do paiol em que mety a pimenta d'EI Rev Eu fiz o
loUdí,J?, ede mmha
El Rey nom heyobngaçao, que por
de fazer senão poloisso me encarregou
caminho El Rey estas Anfonio
direito.* Respondeolhe nãos. Dodameu vos farey
Silueira: o serviço
«Se isso que puder'certo
assy nomfôra que
/p nüp 'u6 ?0"l- entra^,S "u rP'nha nao a me despejardes os praceiros que me ajudarão em tantos seruiços d'El Rey,
nnl^ os
poetem elleofficiaes
he tao fazer
mal mil
lembrado
cousas,que pera
como suas
elles embarcações
fazem lhe nom faz
quando lh'apraz.* Peronenhun
Lopes resguardo; mas per
como era zeloso cimafazer,
de mal de tudo bem
indaque
"va a sua nao carregada nom se quis partir, e fez partir as outras primeiro, e querendo a nao fazer vella elle hia a ella
'a.azia dar a ve"a,_ e então daua varejo nas caixas e escrauos, e os mandaua pera terra; o que fazia per tal modo que
tHenj se tornauao a des em barqua r com suas caixas, e alguns nom consentia que se desembarcassem: polo que nom
ena0 pe v a
rr,r,f;~rmar na ma
, Peof justiça. Em que fez o mor mal que se nunqua fez depois que nãos partirão da índia. E pera se
nu o carre3auao . aldade de Nero,
pimenta fazendose
e n ella elle a vella,
deitou corenta caixasque
de foy derradeiro
roupa, que erãodedos
todos, leuou da
officiaes á nao
nao,huma
com asbarca
quaesgrande
todosdas
se
q enao desembarqar, o que lhe elle nom consentio, nem quis tornar a recolher as caixas, nem ouvir muy piadosos
0 eS e
fn zenda,J que "todos queaguellas
recolhesse os homens gritauão;
caixas, e despedio
que achára a barca
na sua nao de bordo
sem sua licença.com huma ocarta
E porque ventoque
eramandou
fraqo, eaoa nao
viador da
andou
s
y diante da barra, e elle ouve vista de hum negro que estava escondido, mandou dar cata na nao, e achou alguns
negros embarcados sem sua licença, e mandou deitar doze ou quinze d'elles ao mar. E eu vy dous d'elles, que trouxerão a
casa do ouvidor huns pescadores, que_ dixerão que os acharão a nado polo mar. De que o ouvidor mandou fazer auto,
perguntou aos negros quantos deitarão ao mar. Elles disserão que primeiro que elles o capitão mandâra deitar seis, que
estauao em huma camara escondidos; como de feyto que depois se acharão outros, e alguns mortos, que sayrão á praia.
0
vedor da fazenda mandou entregar as caixas á justiça, d'onde algumas depois se arrecadarão por cartas de seus donos,
que mandarão na mesma barqua. E porque este era hum tão enorme feyto, a que El Rey nom ouvera de dar o castigo que
merecia, quis Deos dar-lho, que o somio no mar, que nunqua mais pareceo, nem nouas d'elle. E postoque com este tirano
muytos padecerão morte, quis Nosso Senhor mostrar sua diuina justiça;-como o fará a outros grandes males que ha na
índia, que nom podem auer castigo senão da sua mão, porque he juiz que nom toma peytas senão de corações direitos*.
(Lendas da índia, Tomo IV, págs. 100-101).
C67) Na Relação de nãos que se perderão no caminho da índia, Fr. Luís de Sousa incluiu «A nao Galega em
Que vinha Pero Lopes de Sousa» (Annaes, pág. 432).
De notar é todavia que com p mesmo nome de Gallega se encontram poucos anos depois duas náus entre os
navios das armadas que partiram para a índia: lima na de 1543, capitaneada por Simão Sodré; outra em 1546, capitaneada
Por D. João Lobo.
25 121
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
o notasse de altivo, de que se seguirão algumas acções, que se lhe estranharão: porem Dom Luiz da
Sjlueira (168) convence a Diogo do Couto, de que se enganara-» C69).
Para a maioria dos autores e não poucos genealogistas, o primeiro donatário de Santo Amaro
e Itamaracá morreu no mesmo ano em que viajara para a índia e lá chegara, surpreendendo-o a morte
na torna-viagem para o reino—nas alturas da ilha de S. Lourenço (segundo Gaspar Correia e vários
outros), ou já no Atlântico, nalgum encontro com os franceses, que meteriam no fundo o navio em que
viajava (conforme outros). Assim, escreve o autor das Lendas da índia, reportando-se ao ano de 1543:
«Em maio chegou a Goa Diogo Soares, que Martim Afonso Governador mandara em huma carauella
com huma fusta, que fosse correr e buscar a ilha de São Lourenço, a ver se achava Pero Lopes de
Sousa, irmão do Governador que nom auia d'elle noticia no Repno (170) que desapareceo n'aquella
viagem que partio pera o Reyno de Cochim quando deitou ao mar os escrauos viuos dos pobres
homens, e as arquas de roupa que mandou pera terra, como já atraz contei O71)- E o Governador
mandou lá Diogo Soares em sua busca, cuidando que poderia lá ser perdido; o qual Diogo Soares
andou pola ilha ao roubo fazendo prezas, d'onde trouxe muito dinheiro e escravos» (172).
Quando se ocupou do ano de 1542, Gaspar Correia havia já escrito o seguinte: «E logo o
Governador [Martim Afonso de Sousa] se fez prestes pera partir, e de Cocht/m mandou Diogo Soares
em huma carauella com sua fusta, que fosse correr a ilha de São Lourenço (,73) a ver se achaua nouas
de Pero Lopez de Sousa irmão do Governador, que auia presunção que lá se perderia. O qual [Diogo
Soares] lá andou fazendo muitos roubos. E o Governador se partio pera Goa a vinte de janeiro
do anno de 1543» O™).
Em referência à náu capitânia, diz Figueiredo Falcão: «Perdeose em fim de Feu.» de 540».
O certo é que em um documento arquivado na Torre do Tombo (175), datado de 4 de Janeiro
de 1542, Pero Lopes de Sousa é dado já então como falecido O76). iE todavia, no capítulo 7° da sua
Década V, Livro 9.°, escreveu Diogo do Couto, reportando-se ao mês de Agosto de 1542, que «Pero
Lopes de Sousa, irmão do gouernador» foi um dos capitães de 12 galés da custosa armada com que
êste governador pretendeu atacar o pagode de Tremei, no reino de Bisnaga, na costa de S. Tomé!
Do seu casamento com D. Isabel de Gamboa, Pero Lopes de Sousa deixou dois filhos e uma
filha: Pero Lopes, que sucedeu a seu pai e foi o segundo donatário da capitania de Itamaracá, morrendo
de pouca idade; Martim Afonso de Sousa, o moço, que veio a ser o terceiro donatário da capitania de
Santo Amaro, passou à índia em 1558 e foi morto em Baharem com D. Álvaro da Silveira, morrendo
sem descendência; e D. Jerónima de Albuquerque e Sousa, que casou com D. Antônio de Lima de Miranda
e de cujo consórcio teve, entre outros filhos, uma filha, D. Isabel de Lima de Sousa e Miranda, a qual
casou duas vezes—a primeira com André de Albuquerque e a segunda com Francisco Barreto de Lima,
sem filiação de nenhum dêstes casamentos (177).
(I6S) Qenealogista, descendente de Martim Afonso de Sousa e pai do 1.° conde de Sarzedas, a quem já
nos referimos.
(169) Obra citada, pág. 1112.
(i™) Conforme já vimos, Martim Afonso de Sousa, tendo regressado ao Tejo em meados de 1539, voltou para
a índia em 7 de Abril de 1541, chegando a Goa em 6 de Maio de 1542.
("i) Alusão ao que fica transcrito em a nota 166, relativa ao ano de 1539.
(172) Lendas da índia, Tômo IV, pág. 275.
(173) vide o final do trecho da carta de Martim Afonso de Sousa, escrita da índia em 1535 a D. ]oão 111, que
fica trasladado a pág. 107 dêste volume.
(174) Lendas da índia, Tômo IV, pág. 266. Diz Varnhagen (Revista Trimensal, Tômo VI, pág. 122): «Parece que a
nomeação de Martim Affonso para voltar ao governo da Índia foi para o consolar desta perda», isto é, da morte do irmão.
(175 ) Corpo Chronologico, Parte II, Maço 237, Doe. 18.
(i7') Diz o documento: «Recebeo dona ysabel de gamboa molher que foy de pero lopez de sousa que deus aja
de Joham gonçalves thezoureiro do dinheiro da casa da Imdia dozemtos e quarenta seys mill seys cceemtos e sasenta seys
reis que ao dito pero lopez eram devidos na dita casa da vyagem o qual dinheiro ela Recebeo em seu nome e de seus
ffilhos de que he titor e amenjstrador de toda a ffazenda como mostrou per allvará delRey que lho tornou e deles lhe deu
conhecimento em que asynou pera com este conhecimento e o asento de sua torna viagem lhe ser o dito dinheiro leuado
em despeza oje iiij dias de janeiro de 1542.—dona Isabel de guamboa».—Na Chanc. de D. João III encontram-se duas
cartas régias relativas à viúva de Pero Lopes de Sousa: uma de 12 de Outubro de 1542 (Liv.o 38, fi. 151 v.), que é um
padrão de 20$000 reis de tença, no qual figura como «molher que foy de pero lopez de sousa que deus perdoe filha de tome
lopez que foy meu feitor em frandes»; e outra de 26 de Outubro de 1548 (Liv.o 70, fl. 111 v.), de quitação de um pedaço de
terra na Ribeira de Alcântara, em que vém designada por «molher que foy de pero lopez de sousa que deus perdoe».
(177) Memórias para a Historia da capitania de S. Vicente, por Fr. Gaspar da Madre de Deus, págs. 162, 154,
180 e 186.—Confr. Historia Genealogica da Casa Real, citado Tômo Xll, Parte 2.a, pág. 1113, que aliás fala somente de
um filho (Martim Afonso de Sousa) e de uma filha.
122
A EXPEDIÇÃO DEMARTIM AFONSO DE SOUSA
Em 1557 D. Isabel de Gamboa vivia em Lisboa, «na rua do Oiteiro junto da porta de Santa
Catharina», como se vê de uma procuração que, em 22 de Setembro dêsse ano, passou a Antônio
Rodrigues de Almeida, cavaleiro fidalgo da Casa de E!-Rei (i^s).
ARTIM Afonso de Sousa tinha 29 anos de idade quando foi escolhido para chefe supremo PODERES CON-
FERIDOS POR
da expedição ao Brasil e 30 quando esta largou do Tejo (179). D. JOÃO III AO
Na opinião de diversos autores, à frente dos quais, por mais antigo, colocamos CAPITÃO-MÓR
DA EXPEDIÇÃO
Fr. Gaspar da Madre de Deus (i80)_o antigo pagem do príncipe D. João foi escolhido
para esta empresa em atenção a D. Antônio de Ataíde, grande valido do soberano, do seu
conselho Osi), seu Vèdor da fazenda e futuro 1° conde da Castanheira (182).
É possível (183).
Como quer que fôsse, os poderes que o monarca conferiu ao Capitão-mór desta expedição
foram na verdade muito latos e extraordinários, discricionários até.
Constam êles de três cartas régias, dadas em Castro Verde aos 20 dias do mês de Novembro
de 1530, passadas por Fernão da Costa e registadas no Liv.0 41 da Chancelaria de D. João III,
respectivamente a fls. 105 e 103 084), as quais publicamos no Apêndice a êste capítulo, não obstante
serem bastante conhecidas e mais de uma vez publicadas, a partir de 1839.
Pela primeira declara-se que Martim Afonso de Sousa vai por capitão-mór não só da armada
que agora se dirige à «terra do brazil», mas também de tôdas as terras que êle achar e descobrir, com
plena jurisdição sobre tôdas as pessoas que com êle seguirem, se acharem já ou depois forem ter a
essas terras, com poder e alçada, mero e muito império tanto no crime como no cível, dando as
sentenças que lhe parecer de justiça, até a morte natural sem apêlo nem agravo; meter padrões nas
terras que descobrir dentro da conquista e demarcação pontifícia; tomar posse delas e constituir
capitão-mor e governador (iss) em seu nome a pessoa que êle entender e quizer deixar nas referidas
terras, na qual delegará os poderes que ela há de usar, os quais serão os mesmos de que Martim
Afonso vai investido por el-rei. A segunda conferia-lhe o poder de criar e nomear tabeliães e mais
oficiais de justiça necessários, quer para tomar posse das terras, quer para as cousas da justiça e
governança da terra do brasil. Na terceira foi consignado o poder de dar terras de sesmaria às «pessoas
que comsigo levar e ás que na dita terra quizerem viver e povoar aquella parte das ditas terras que
assim achar e descubnri>, e «segundo o merecerem as ditas pessoas por seus serviços e qualidades para
as aproveitarem*.
sua misericórdia q fizesse grãdes seruiços a S. A. e a esta terra. E por isto assv ser, e por alguâs cousas, q se atrauessárão
de seis, ou sete anos a esta parte {15571, me pareçeo q me deuia S. A. de fazer Marquês, e faltei lhe nisso; foi me recebido
bem, porq na verdade assy era razão q fosse, pella criação que S. A. em mim fez, e pellas razões, outras, que eu tinha, e o
tempo, então me deu. Parece que aueria outras pera S. A. me não deuer de fazer esta merce, por não aggrauar alguâs
P6?5®3®' o" pello^ q fosse; elle por derradeiro se escusou de por então mo fazer...» (Extraído de um raríssimo opúsculo
intitulado Cop/a d'hvm papel, em qve Dom Antonio d'Attapde primeiro Conde da Castanheira, deu razão de si a seus filhos,
e descendentes—Impresso em Madrid, na «Emprensa Real», MDXCVI1I, e escrito em Lisboa a 10 de Janeiro de 1557).
■
irFrancisco j F3Andrade
de 'a"cio de(Parte D. Antônio de da
I, cap. 6.°, Ataide e de D. Luís da Silveira (feito, em 1531, 1.° conde da Sortelha) escreveu
sua Chronica):
«Nem foy só Luis da Silueira o q neste tempo foy aceito ao princepe, outro ouue tambê dos q andauâo no seu
seruiço a que elle mostrou q não era menos inclinado o qual era dom Antonio delaide, porem ambos erão bem differentes
nas artes, no modo do seruir, & na idade, & com quanto cada hú delles a seu modo teue muyto boas partes & calidades com
a
wCiUalS m^e^erao Vlrem despois era a ser cõdes em diuersos tempos, Luis da silueyra de Sortelha, & dõ Antonio da Casfa-
muyto mais moço & quasi enforme aos annos do princepe, mas de bom juizo, entendimento,
a0 0
ontl ^ ' • m''"princepe,
de !" 'elo S Luis
mayores respeitospor
da silueyra do sua
que prudência
parecia que& podião caber
discrição na suamuyto
& pollo idade,que
ambos
valiacontinuando
com elle, &igual-
dom
uores
Que recebia delle: vsava mais o princepe de Luis da silueyra para se aconselhar com elle, polia
SUa
ü oji .Pessoa' "J33 aproueitauasse mais de dom Antonio para seus passatempos, polia conformidade dos annos,
P.<?rfm, '?.? 0 Pjmcepe entrou em mayor idade, começou a sintir-se antre elles differença no modo do seruiço. Luis da
suveyra pona valia que tinha co princepe, queria recolher asy todos os negocios para se fazerem por seu parecer, ...o
dom Antonio inda que nao deixaua de entender o muyto que podia então grangear para sy por todas as vias pollo estado
em que se via co princepe, todauia a sua pouca idade lhe não consentia tomar outros cuidados nem antremeterse em outros
negocios mais que em ser muyto diligente no seruiço do princepe, & trabalhar por conseruar & acrecentar o gosto q lhe
via ter deste seu seruiço, assy que ambos tiuerâo neste tempo igual fauor & valia para suas pretensões St cada hum delles
satisfez seu desejo».
Na cart.a 4ue escreveu da índia a D. João III em 1539, dizia D. João de Castro: «se quer que Isto asi seia e
folguar de aiuntar tesouro pera ganhar o Reino de fez com groria amte deus e fama perdurauel emtre os homês mâde qua
w iCOiVni da
tvol. j colecçao
castanheira porque eleaosso condes
que pertenceu me parece
de S a Lourenço,
mj que se fl. doe mais da fazêda de uosa A. que da sua própria ■>
128 v.).
O conde de Castanheira faleceu a 7 de Outubro de 1563.
, . . F") Pouco depois, isto é, em 1 de Março de 1530, foi, Pedro de Alcáçova Carneiro nomeado para o lugar de
E'-Rei, de todos os despachos e cousas das partes da índia, pela sua muita habilidade, lugar que então estava
P0r U pai Ant0ni0
oáo
pag. 284 n77f
ç 3// ' Carneiro, e que este continuou todavia a exercer durante algum tempo (Confr. Annaes
1S4
. í ^ A fl. 103 é a penúltima do «Caderno dos ofícios começado em Lisboa aos xxij dias de novembro de
min o xxx». A fl. 105 e a primeira do «Caderno dos ofícios e padrões e aforamentos começado em Lisboa aos xxb dias
do mes de novembro de mill bcxxx».
d •
Kegimento n 7erdesta
i Real lhum expedição
dêstes jrêsdado diplomas
pelo sr.dados
dr. A.emMorales
Castro de
Verde aos 20nosdeseus
los Rios Novembro de para
Subsídios 1530 corresponde
a historia dao cidade
nome de
de
b. bebastiao do Rio de Janeiro, a págs. 1053 e 1271 da Revista do Instituto Histórico e Geographico Brasileiro volume
comemorativo de 1915. '
(185) 0 título de «governador das terras do Brazil», adicionado ao nome de Martim Afonso de Sousa acha-se
escrito num auto de posse de certas terras dadas a Pero de Goes, celebrado em 15 de Outubro de 1532 numa'carta de
sesmaria dada a Rui Pinto em 10 de Fevereiro de 1533, numa outra a Francisco Pinto de 4 de Março de 1533 e num alvará
passado por D Ana Pimentel em Lisboa, aos 11 de Fevereiro de 1544. Confr. Memórias de Fr. Gaspar da Madre de Deus
pags. 10, 16 e 70; 3.a edição da Historia Geral, pág. 220 nota B; e pág. 147 do Tômo IX da Revista Trimensal
124
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pse) ç/jde Compêndio de historia do Brazil, do P.e Galanti, pág. 83 e Historia do Brazil, do sr. Rocha Pombo,
Tômo III, pág. 49, nota 2.
(1S7) Legenda histórica— Memória lida pelo dr. João Mendes de Almeida na Sociedade Homens de Letras de
São Paulo em188sessão de 7 de Setembro de 1887. Publicada no Tômo LIII da Revista Trimensal (1890), págs. 289-304.
(185) Lugar citado, pág. 292.
( ) Em 1841 o futuro Cardeal Saraiva havia escrito: «Anno de 1530. A 20 de Novembro deste anno .são
datadas as Cartas Regias, pelas quaes el-Rei mandou que Martim Affonso d-e Sousa sahisse com huma armada a investigar
as costas, e terras do Brazil, auctorisando-o para repartir terrenos àquelles que nellas quizessem habitar» (índice Chrono-
logico das navegações, viagens, descobrimentos, e conquistas dos portugueses nos paizes ultramarinos desde o principio do
século XV, Lisboa, 1841; pág. 156).
90
Liv.o 10, cap. 9,Oa )que
Chanc. de referimos.
já nos D. João III, Liv.o 43, fl, 130 v. — Êste Henrique Montes é certamente o mesmo de que nos fala Antánio Herrera na Década 7V,
125
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
dinheiro que lhe seja neçesario pera provymento da dita armada loguo na própria ora façaes com os meus feitores e
almoxarifes que lhos dem e esto atee uai lia de trezemtos cruzados somente aos quaes feitores e almoxarifes per este mando
que dem e emtreguem os ditos mantimentos e dinheiro a eytor dalmada que vay por feytor da dita armada (191) per mandado
do dito capitão-moor e per elles com conhecimentos em forma do dito feytor do que lhe assy emtregarem seraa lançado em
comta aos ditos feitores e almoxarifes atee dita comtya de trezemtos cruzados o que assy huüs e outros comprireis com
muyta deligencia por quamto ysto cumpre assy muyto a meu serviço, posto que este não vaa passado per minha chamcelaria
sem embargo da ordenação em comtrario. Fero amrriquez a fez em Lisboa aos xxb dias de novembro de jbcxxx.
E por elRey ser fora assinou a Rainha nosa senhora. E por este mando ao meu ffeitor nas Jlhas das canareas que inteira-
mente cumpra este como se nelle contem, fernam dallvarez o fez escrever.—Raynha.
Pera se darem na Ilha de cabo verde e em quaesquer outros portos os mantimentos e dinheiro que fôr neçesario
pera provimento desta armada do brasil em que vay por capitão moor martim afonso de sousa atee contya de trezemtos
cruzados somente como açima vay decrarado e que esta não pase pela chancelaria > (1'J2).
m
-j
000
000
narrativa da SrTi ^AVEGUAÇAA] q fez p0 lopez de sousa no descobrimento da costa do brasil militamdo na
EXPEDIÇÃO \ capitania de marti a0 de sousa seu irmão na era da emcarnaçam de 1530.
i Assim foi intitulado, muito provávelmente no princípio do século XVII, e não antes, um
Códice do século XVI, de 41 folhas em papel florete, in-fólio, encadernado, existente na
Biblioteca da Ajuda desde o terceiro quartel do século XVIII e que começa por estas
palavras: Na era de mil E quinhentos E xxx sabado iij dias do mes de dezêbro Parti desta cidade
de Lisboa de baxo da capitania de martim af.0 de sousa meu Irmão q ia por capitam de huã armada
E governador da terra do brasil cõ vento leste sai fora da barra fazendo caminho do sudoeste.
Antes de pertencer a esta Biblioteca, tal Códice fêz parte da excelente livraria organizada
pelo conde de Redondo Tomé de Sousa Coutinho de Castelo Branco e Menezes (2.° do título no ramo
dos Sousas e 10.° ou 11.° na descendência dos Coutinhos) O93), da parentela de Martim Afonso de Sousa
e de Pero Lopes de Sousa —por ser sexaneto de Fernão de Sousa, 1.° senhor de Gouveia e irmão de
Pero de Sousa (Seabra) já nosso conhecido. Falecendo a 6 de Março de 1717 e sucedendo-lhe seu
filho Fernão de Sousa Coutinho Castelo Branco e Menezes, 3.° conde de Redondo (que nasceu a 27
de Outubro de 1716 e veio a morrer a 6 de Agosto de 1791 (194), êste Códice passou por compra, com
quási todos os manuscritos da livraria de seu pai, para a Biblioteca estabelecida por el-rei D. José
junto ao Paço real, edificado no sítio da Ajuda após o terramoto de 1755 (I95). Assim adqüirido, veio
(191 ) Não conseguimos averiguar em que data foi Heitor de Almada nomeado feitor da armada de Martim Afonso de Sousa.
(192) Corpo Chronoloffico, Parte I, M. 46, Doe. 27.
193
( ) Êste 2.o conde de Redondo «muy dado à lição dos livros, teve excellente Livraria, a que juntou raros
manuscritos» (no dizer de D. Antônio Caetano de Sousa); era irmão de Filipe Nery de Sousa, nascido em 1684, Sumiler da
Cortina, Principal e Deão da Igreja patriarcal de Lisboa, e também possuidor de uma boa livraria, que vinculou ao morgado
para uso dos194 filhos segundos e que passou a seu sobrinho o 3 o conde de Redondo.
( ) Fernão de Sousa Coutinho Castelo Branco e Menezes nasceu a 27 de Outubro de 1716 e era filho do
segundo matrimônio de seu pai com D. Margarida Luiza Vicência de Vilhena, filha dos 9.os condes de Atouguia.
(195) No catálogo ou inventário da «Bibliotheca Sosiana*, existente na Biblioteca da Ajuda (51-XI-13), o Códice
de que tratamos está incluído na fl. 92, secção das «Viagens, Navegações, Roteyros, Mapas e Cartas marítimas>, sob o título
de Relação da viagê, e navegação de P." Lopez de Souza. Ms. 1 v. f.
126
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depois a ser encorporado na secção dos denominados Manuscritos da Coroa, cujo catalogo ou inventário
foi feito por Luís dos Santos Marrocos, funcionário desta Biblioteca, quando esta se achava no Rio
de Janeiro—para onde fôra remetida cêrca de três anos depois da vinda da família real portuguesa
para o Brasil Reingressada a secção dos manuscritos, em 1821 ou 1822, ao antigo edifício contíguo
ao Palácio da Ajuda, Varnhagen aqui foi encontrar o importante manuscrito em 1839—ano em que
Alexandre Herculano foi nomeado «encarregado» ou «Bibliotecário da Real Livraria do Palácio da
Ajuda» (i97)_e neste mesmo ano o deu à estampa em Lisboa (^s). Dêle se fizeram mais três edições
no Rio de Janeiro, respectivamente em 1847 (Tip. de Freitas Guimarães & C.a, por ordem e a expensas
da Assembléia provincial' de S. Paulo), 1861 (Tômo XXIV da Revista Trimensal, págs. 9-111) e 1867
(Tip. de D. L. dos Santos).
Escrito em letra do século XVI, o Códice não é todavia original, mas sim cópia, aliás bastante
incompleta, àlém de pouco cuidada.
Quando o descobriu e da primeira vez que o entregou à publicidade, Varnhagen também o
considerou uma simples cópia, «de letra quási contemporânea» (199). Depois, mudou de opinião e passou
a tê-lo como original, ora atribuíndo-o «à penna de Pero Lopes» (200), ora considerando-o escrito pelo
punho de Pero de Góis (201), chegando até a dá-lo como «o próprio original que Pero Lopes de Sousa
levava a bordo» (202). Quanto ao título, o parecer de Varnhagen também foi emitido de diferentes
maneiras: ao passo que em 1839 atribuiu a sua letra a «uma bárbara penna» e a considerou «mais
(1,e) Ao contrário do que repetidas vezes e por vários escritores se tem publicado, os livros da Biblioteca da
Ajuda não saíram de Lisboa com a família real em 1807. Dos muitos caixões de Livros promptos para o Embarque, nem
hum só chegou a recolher-se do Caes [de Belém] para bordo (Ofício de 12 de Outubro de 1808, dirigido ao Príncipe regente
por Alexandre Antônio das Neves, «encarregado da direcção e arranjamento» da Biblioteca da Ajuda, arquivado na Tôrre do
Tombo}. Só mais tarde, e em virtude de ordens posteriormente recebidas, é que êstes livros foram enviados para o Rio de
Janeiro, em três porções, sendo uma em 1810 (antes de 28 de Junho), a segunda em Março de 1811 e a terceira em prin-
cípios de Setembro deste mesmo ano.
(197) A nomeação de Herculano consta do seguinte ofício, que lhe foi dirigido pelo Guarda-Joias da Casa Real:
«Sua Magestade Fidelissima a Rainha, minha Augusta Ama, He servida encarregar a V. S. da Real Bibliotheca
do Paço d'Ajuda, durante o impedimento do P.e Antônio Nunes, ficando na intelligencia que n'esta data, se expedio o Avizo,
para o P.e Vicente Ferreira de Sousa Brandão, lhe fazer entrega da referida Bibliotheca. O que communico para seu conhe-
cimento. Deos Guarde a V. S. — Paço de Cintra em o 1.° d'Agosto de 1839. —111. Snr. Alexandre Herculano d'Almeida. — (a)
Paulo Miz d'Almeida».
(193) Lisboa, Tip. da Sociedade Propagadora dos conhecimentos úteis. In-8.o gr., de XXIV-)-130 págs. Adornado
com um retrato de Martim Afonso de Sousa.
O Correio de Lisboa de 20 de Novembro dêste ano deu uma larga e elogiosa notícia do seu aparecimento.
A 23 o autor enviava 2 exemplares para Paris ao visconde de Santarém, acompanhados de uma carta, que começava assim :
«Tenho a honra de enviar a V. E. dois exemplares da obra que acabo de publicar, um dos quaes tomo a liberdade de declarar
que desejaria fosse entregue a essa sociedade geographica, de que V. E. é illustre membro, e_ em que tânto interesse tem
mostrado pela imprensa da mesma». A esta carta respondeu o visconde com uma outra que pode lêr-se no Boletim da Sociedade
de Geographia de Lisboa, n.o 2, Fevereiro de 1905, págs. 71-76. Nos n.os seguintes do mesmo Boletim vêm publicadas algumas
outras cartas sobre o assunto e àcêrca de Américo Vespúcio e do descobrimento da América, a propósito do que Varnhagen
escrevera numa nota da pág. 75 da sua publicação. No princípio do ano imediato o visconde de Santarém publicou na
revista Nouuelles Annales des Vopages o já referido artigo analítico, intitulado: Analyse du Journal de la nauigation de la flotte
qui est allée a la terre du Brêsil en 1530-1532, par Pedro Lopes de Sousa, publié pour la première fois à Lisbonne par M. de
Varnhagen. Dêste artigo se fêz separata. Vide 2.° Visconde de Santarém. Opusculos e Esparsos, coligidos e coordenados por
Jordão de Freitas, Vol. I, Lisboa, 1910; págs. 357-390. Em 1841 o futuro cardeal Saraiva dizia: «Veja-se Diário desta nave-
gação, ha pouco publicado pelo sr. Francisco Adolpho de Varnhagen com mui eruditas e interessantes Notas» (Citado índice
Chronologico, referida pág. 155).
C") Depois de haver informado: «Deixou-nos [Pero Lopes de Sousa] escripto o Diário ou Roteiro que damos
á luz tão completo quanto podemos» (pág. xbiij da l.a edição7, Varnhagen escreveu o seguinte; <... e só na Bibliotheca Real
é que, tendo procurado com licença competente, no meio do desarranjo em que ainda estava, tivemos a inexplicável satisfação de
encontrar um códice de letra quasi contemporânea, sendo como o do romano-restaurada de J. P. Ribeiro, e por tanto certo
que anterior ao tempo do domínio castelhano» (Advertência preliminar da l.a edição, págs. xx-xxj). E na pág. 61: «O Códice
da Bib. Real, que é uma copia em letra quasi contemporânea*.
(200^ «a penna de Pero Lopes devemos hoje tudo quanto de mais averiguado sabemos dessa expedição, que se
apresentoua
diante do Cabo de Santo Agostinho no ultimo de Janeiro de 1531» (Historia Geral do Brasil, Tômo I, l.a edição,
Secção 3. , pág. 45; e secção 5.a da 2.a e 3.a edição, respectivamente a págs. 115 e 171).
(201) «Era Pero de Goes irmão do celebre escriptor Damião de Qoes, e prestara também importantes serviços
na armada de Martim Affonso, a cuja família devia ser muito affeiçoado, e até foi elle quem se encarregou de escrever por
sua lettra o diário de Pero Lopes, cujo original se deu ultimamente á imprensa» (Citada Historia Geral, pág. 55 da l.a ed.,
135-136 da 2.a e 196-197 da 3.a e última).
tPero de Góis seria realmente irmão do cronista Damião de Góis? O Livro de linhagens dêste escritor não o
menciona entre os seus irmãos.
(202) «... só nos cumpre acrescentar que temos por averiguado que o códice supramencionado era o proprio
original que Pero Lopes levava a bordo, e que a escripta delle estava commettida ao seu inseparável companheiro de viagem
Pero de Goes, ao depois donatário de Campos, e mais tarde capitão-mór da costa com Thomé de Sousa, e cuja lettra
reconhecemos distinctamente, no mesmo original; sendo que de Pero Lopes nunca vimos a lettra, e propendemos a crêr que
mal sabia escrever, ou que não gostava de o fazer, por executa-lo provavelmente ainda peior do que seu irmão Martim
Affonso, que, em verdade, como tantos fidalgos daquelle tempo, pouco tinha aproveitado do mestre d'escripta... » (Carta de
Varnhagen que serve de Prefácio à 3.a ed. do Códice, pág. 5 do Tômo XXIV, 1851, da Revista Trimensal).
128
A EXPEDIÇÃO DE MART1M AFONSO DE SOUSA
moderna» que a do texto (203^ ao reeditá-lo em 1861 e 1867 manifestou a convicção de que esta letra
era do «propno punho» de Martim Afonso de Sousa (204).
c ua c uer
I íI dos dois aspectos—autoria caligráfica do texto narrativo da viagem, e autoria
caligrafica do titulo que encima^ a narrativa, bem como das emendas e cotas lançadas em algumas
paginas do livro —Varnhagen não foi feliz nas apreciações ou análise crítica que fêz ao Códice da
Biblioteca da Ajuda posteriormente a 1839, isto é, desde que deixou de considerá-lo um apógrafo para
o classificar de manuscrito original.
Com a indiscutível autoridade que lhe resulta dos seus profundos conhecimentos paleográficos
diz-me o sr. Pedro de Azevedo —muito douto e erudito 1.° bibliotecário da Biblioteca Nacional de
Lisboa antigo l.o conservador do Arquivo Nacional da Torre do Tombo e eminente professor da cadeira
de paleografia da Faculdade de Letras de Lisboa-que a letra do texto (não exclusivamente, aliás, de
um umco punho, como se nota na fl. 5) é realmente romano-restaurada (bastarda ou italiana) mas
o 3.° ou 4.° quartel do século XVI; ao passo que a que usava Pero de Góis era gótica cursiva (205)
conforme se verifica em duas suas cartas autografas arquivadas na Tôrre do Tombo (206) e em uma
outra também autografa, existente na Biblioteca de Évora (207), a última das quais foi conhecida de
Varnhagen ptns a cita na sua Historia Geral (208). Quanto à do título, que Varnhagen passou a atribuir
a Marfim Afonso de Sousa (falecido em 1571), o desacêrto não é menos provado, porque gótica-cursiva
era também a letra usada por Martim Afonso —como se comprova examinando as suas cartas arquivadas
igualmente na Tôrre do Tombo—ao passo que as linhas que encimam a fl. 2 do Códice estão escritas em
etra que, segundo o mesmo competentíssimo paleógrafo, deve ser considerada dos princípios do
século XVIL O Códice tem cotas e emendas de diversas pênas; algumas acusam um punho diferente do
que traçou as linhas do título (209).
Mas não é só pelo exame e cotejo da letra do Códice que se chega ao reconhecimento de
129
»
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
que nos achamos em presença dum apógrafo, como a princípio judiciosamente o considerou Varnhagen,
e não de um autógrafo, como o mesmo autor o passou a denominar a partir de 1854 (210).
Folheêmo-lo novamente.
Das 41 folhas que o compoem, 11 estão completamente em branco (2I1), uma (a fl. 14) tem no
centro da primeira lauda um grande espaço também em branco, e uma outra (a fl. 37) só está escrita
no terço superior da sua primeira lauda. De fls. 2 a 29 v. corresponde ao período de tempo decorrido
desde o já mencionado dia 3 de Dezembro de 1530 até «dominguo iiii0 dias dagosto 1532» (fl. 29 v.),
sendo para notar que, na primeira lauda da fl. 27, a cópia salta abruptamente, e sem quaiquer espaço
em branco, do dia 5 de Fevereiro dêsíe ano de 1532 (212) para o dia 22 de Maio—que foi aquele em
que o Códice diz haver Pero Lopes de Sousa partido «do rio de sam vicente» para Portugal.
De 4 de Agosto referido —que corresponde, na torna-viagem, ao regresso à ilha de S.t" Aleixo
—salta novamente, desta vez por sobre 6 folhas em branco (213), para «segunda fr.a quatro dias do
mes de novembro» (fl. 36), dia marcado para a partida «do porto de pernambuco» (214) para a metrópole.
A partir do mencionado dia 22 de Maio inclusive, o apógrafo não torna a referir-se a Martim
Afonso de Sousa, que aliás, como se sabe, entrou em Lisboa somente em Agosto do ano seguinte (1533).
Os últimos dias da torna-viagem de Pero Lopes apontados são os de 22, 23 e 24 de Novembro de 1532
(fl. 37) (215), sendo certo, como também já vimos, que êste expedicionário abordou ao Algarve apenas
no fim de Dezembro dêste ano, ou princípios de Janeiro de 1533.
À parte o já apontado salto cronológico dado na fl. 27 e as omissões correspondentes às
fls. em branco, o texto do Códice é por vezes bastante omisso no registo dos dias decorridos desde^ o
comêço da viagem de Lisboa para o Brasil até àquele em que Pero Lopes se separou de seu irmão,
em 22 de Maio de 1532.
Independentemente dos períodos de tempo em que os navios estacionavam nos portos ou
surgidouros (216), não são poucos os dias e até semanas —especialmente na parte relativa ao ano
de 1531 — a que no Códice se não faz a menor referência. Assim, no ano de 1531, faltam; em Fevereiro
os dias 7 a 9 (fl. 6 v.), saltando do dia 19 para 2 de Março (fl. 7); em Março os dias 14 a 16 (fl. 8);
em Abril os dias 7 a 9, 12 a 14 e 19 (fl. 9 v.); em Outubro os dias 29 a 31 (fl. 15 v.); em Novembro
os dias 1, 3, 4 (fl. 15 v.) e 7 a 22 (fl. 16); e em Dezembro 14 a 17 (fl. 20 v.) e 28 a 30 (fl. 25). Em 1532,
para só falar da parte escrita, faltam os já mencionados dias compreendidos entre 22 de Janeiro e 5
de Fevereiro (fl. 26v.-27) e entre êste dia e 22 de Maio (fl. 27). Por vezes sucede encontrar-se um
como que apanhado de factos ou pormenores relativos a um certo número de passados dias da viagem,
o que não acontece apenas quando se trata do tempo decorrido durante a estadia do navio nos portos
e surgidouros ou nas forçadas calmarias e paragens por falta de vento.
A leitura atenta e reflectida do Códice patenteia-nos ainda — nas páginas que antecedem a par-
(210) Em 1844, na 2.a edição da biografia de Pero Lopes de Sousa, Varnhagen limita-se a dizer: alem dos
muitos feitos que praticou, dignou-se, qual novo Xenophonte, ser d'ella o escriptor, e deixar com isso o mais fecundo
documento para concertar a antiga Historia do Brazil, do qual a sorte quiz que fossemos o primeiro interprete, bem como o
avaliador do seu gênio altivo, caprichoso e independente... Legou á posteridade o —Roteiro de sua viagem ao Brazil,—que
só foi achado conhecido, e publicado em 1839» (Revista Trimensal, Tômo VI, pág. 122).
(211) Tais são as seguintes; 1, 30, 31, 32, 33 (que só tem, ao alto da primeira lauda, as palavras tsexta tr.a
xbiij do^',32^3o^g8<Ad'verteenCia preliminar» da sua edição de 1839, Varnhagen fala-nos de duas outras cópias do Roteiro,
ambas de letra moderna, cada uma das quais, porém, não vai àlém nem difere do que se encerra neste Códice da Biblioteca
da Ajuda, até quási ao fim da fl. 27. Estes dois apógrafos tanto podem ser cópias incompletas do da A|uda, como de um
outro manuscrito que aos três tenha servido de original comum. . ' -u- j j
f2'3) Ou sejam as fls. 30-35. A fl. 30 ficou deslocada na encadernação do Códice, pois e a ultima das 41 de
que êste se 2compõe. - c ,i - • j u • i.
í '4) Àcêrca dêste salto, diz o sr. Rocha Pombo: <E de suspeitar, portanto, que a falta nao seia do chromsta
da expedição de M. Affonso, e que essa falta seja devida a cautelas políticas que se tomassem. Sabe-se que os feitos de
Pero Lopes contra a empreza St. Blancard deram motivo a complicações em que entrou o governo de França. Seia como
fôr, não ha duvida que se cancellou no Diário a parte que se refere aos successos de Pernambuco. Em todo o caso,
basta-nos o que nesse documento se divisa» (Citada Historia do Brazil, Tômo III, nota 7 da pag. 204). _
(2t5) No domingo 17 de Novembro cdemoravame o penedo de sam pedro ao sueste faziame Ixx e cmquo
lequoas. demorava-me o cabo verde ao nordeste faziame delle cc e ouarenta leguoas» (fl 35 v., quasi no fim).
(2l6) Estão neste caso, por exemplo, na vinda: os dois últimos dias de Dezembro de 1530 e os dois primeiros de
Taneiro seguinte — de estadia na Ribeira Grande (fl. 3 v.-4); os mêses de Maio, ]unho e Julho de 1531 —no Rio de Janeiro
(fl 10 v -11); 12 de Agosto (dia de S.*3 Clara) até 25 de Setembro —na ilha da Cananea (fl. 12); 16 a 20 de Outubro —numa
ilha junto ao Cabo de Santa Maria (fl. 13 v.); 7 a 22 de Novembro—na ilha das Palmas (fl. 15 V.-16); no regresso: 22 de
Janeiro de 1532 a 22 de Maio —no pôrto de S. Vicente (fl. 26 V.-27), com excepção do dia 5 de Fevereiro, em que «entrou
neste porto de sã vicente a caravella sãta maria do cabo» (fl. 27); 24 de Maio a 2 de Julho no Rio de Janeiro (fl. 27 v.),
18 até 30 de Julho — na Baía de todos os Santos (fl. 28 V.-29).
130
A EXPEDIÇÃO DE MA RUM AFONSO DE SOUSA
lida de Pero Lopes de Sousa do pôrto de S. Vicente para Portugal, em 22 de Maio de 1532 — certas
anomalias cronológicas que não podemos nem devemos deixar de pôr em especial e merecido destaque.
Referimo-nos à anômala falta de correspondência ou exacta correlação entre os dias de semana e os
de mês que se nota—aj desde o dia 1 de Março até 31 de Abril de 1531 e — b) desde 21 de Outubro
dêste ano a igual dia de Janeiro do ano seguinte.
Consideremos separadamente estes dois períodos de tempo, advertindo desde já que —seme-
lhantemente ao que sucede com os dias decorridos desde 3 de Dezembro de 1530 até 19 de Fevereiro
de i53i—essa correspondência ou correlação de calendário é perfeita e exacta desde o dia 1 de Agosto
até 15 de Outubro dêste mesmo ano de 1531 (217J, bem como em 1532 a partir de 22 de Maio.
Com tôda a razão e mais do que justificado reparo notara já o dr. João Mendes de
Almeida (218); «O Diário da navegação salta de domingo, 19 de Fevereiro, para sexta feira, 1.° de
Março! E, depois, de segunda feira, 11 de Março, para sabbado, 12!»
Na edição de 1861, também Varnhagen havia notado, em referência ao primeiro de Março:
«Enganou-se o autor. Se a 18 de fevereiro foi sabado, o ultimo deste mez (28) foi terça-feira. Portanto
o 1.° de março caiu em quarta-feira, como aliás sabemos, que caiu, fazendo o computo ordinário. A
conta dos dias da semana seguiu errada, e nem se emendou no dia 12, passando de terça-feira [aliás
segunda-feira] 11 a sabbado 12; e assim andou errada, até que entraram em S. Vicente» (21U
O dia 19 de Fevereiro de 1531 caiu, efectivamente, num domingo. Como êste ano não foi
bissexto, e Fevereiro terminou numa terça-feira, o primeiro dia de Março caiu numa quarta-feira, e não
na sexta—conforme de facto se lê no Códice (fl. 7). Por tal motivo, errados estão também os dias de
semana correspondentes aos dias 3 a 6, 8, 10 e 11 dêste mês mencionados no Códice. Em todos estes
oito dias, as anomalias implicam uma diferença ou avanço de dois dias semanais; isto é, estaria certa a
cronologia se se tratasse do mês de Março do ano de 1532, que foi bissexto, ou do ano de 1538.
Nos restantes dias de Março —em que à segunda-feira 11 se segue o sabbado 12 —e em todo
o mês de Abril, as anomalias já não implicam um avanço de dois dias semanais, mas sim um recúo de
um dia de semana, como se se tratasse dos meses de Março e Abril do ano de 1530, no qual o dia 12
de Março coincidiu realmente com um sábado, acabando o mês de Abril, portanto, também num
sábado (220). Sobre o caso observava Varnhagen em 1839: «D/z o texto que segunda feira foi 11 de
Março e segue logo que sabado foi 12, domingo 13 e assim successiuamente (221) todos os outros dias
errados. É a anomalia tão clara que nos dispensa muitos commentarios, com os quaes nada adiantáramos.
O que está da nossa parte é só lembrar conjecturas ácerca do modo como podia nascer o erro. Temos
que sem duvida procedeu de se ter escripto depois de Domingo 10 o dia Segunda feira em breve
S.a fr.a , como se lê no exemplar da Bibl. Real (222); e que depois fosse lido—Sexta feira -, e então o
dia seguinte era forçosamente Sabado 12 (223) Porém de quem seria o engano,—do copista ou do A.?
Nós duvidamos que fosse do primeiro, não tanto porque deixemos de acreditar que podesse haver copista
tão despejado, que se atrevesse (por seu motu proprio e sciencia certa) a fazer, a seu bel prazer, todas
as ulteriores modificações, senão porque isto se encontra nas differentes copias i224): e não vemos razão
para que o mesmo não acontecesse ao nosso A. (225^ quando o' do Roteiro de Vasco da Gama, publicado
no Porto pelos Sr.s Kopke e Costa Paiva {22(>), cinca tantas vezes neste ponto (227). Nem seja isto muito
para admirar em tempos em que não eram tão triviaes as efemérides e folhinhas, e em que muito era
(2I7) Dos meses dç Maio, ]unho e julho não falamos aqui por serem, como já vimos na nota antecedente,
aqueles em que os navios da expedição estacionaram no Rio de janeiro, na sua derrota para o sul.
(ais) Memória já citada, pág. 293 do Tômo LIII da Revista Trimensal (1890).
(2") Revista Trimensal, Tômo XXIV, pág. 21, nota 2. . j c
(22°) o Domingo de Páscoa em 1531 foi a 9 de Abril; em 1530 a 17 de Abril e em 1532 a 31 de Março. Confr.
Art de verifier les dates, Tômo 1, pág. 31 da 3.» edição (Paris, 1783).
(221
222) Não é bem assim. Esta anomalia vai só até o dia 30 de Abril dêste ano de 1531.
( ) «S.a f.a xj do dito mes». Fl. 7 v.
223
(224 ) «Sababo xij do mes de março». Fl. 8.
. ( ) O autor alude aqui às duas cópias de que teve conhecimento e as quais ja nos referimos. Uma destas
cópias pertencia a Fr. Francisco de S. Luís.
(225) Quer dizer: Pero Lopes de Sousa. . . , c * -
226
( ) Publicado no Pôrto em 1838. Falando desta publicação, dizia o visconde de Santarém ao conde da 1 onte
em carta do dia 27 de Março de 1840: «He cheia de defeitos e erros-geographicos dos editores apezar de serem Lentes
Escola Polytechnica, e já Castanheda tenha publicado na sua Historia da índia quasi todo o d.o Roteiro» (Boletim da socie-
dade de Geographia de Lisboa, de 1905, n.o 4, mês de Abril). ^ , r> • „..!„;„,i
t227) Varnhagen esqueceu-se de que o manuscrito publicado por Diogo Kopke e Costa Paiva nao era o original.
131
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
o levar o Zacuto, ou um João de Monte Regio (228), que não raras vezes se perdiam com o mar;—se
bem que por outro lado causam admiração estas cousas em épocas tão devotas, e em que devia de haver
todo o escrúpulo nos jejuns, celebração de festas, missas, &c.: tanto que ao diante, pág. 43 i229), não se
esqueceu Pero Lopes de dizer que a 30 de Novembro era dia de Santo André, o que talvez soubesse de
cór. Terminaremos declarando não poder explicar tal anomalia» (230).
O segundo período de anomalias cronológicas ou de calendário começa, como dissémos,
em 21 de Outubro de 1531 e estende-se até igual dia de ]aneiro de 1532. Neste período as anomalias
não implicam nenhum recúo, mas só avanços, ora de um dia semanal, ora de dois. Depois de se cingir
rigorosa e exactamente aos dias do calendário desde o dia 1 de Agosto (3.a feira) até 15 de Outubro
(domingo), o Códice avança um dia desde 21 dêste mês (escrevendo-se domingo, em vez de sábado) até
o dia 6 de Novembro (em que se escreveu terça-feira, em lugar de segunda-feira) ("O; avança dois dias
a partir' de 23 de Novembro (que não caiu num sábado, mas sim numa quinta-feira) í222) até 27 de
Dezembro (que não coincidiu com uma sexta-feira, mas sim com uma quarta) (233); e volta a avançar
um dia desde 1 de Janeiro (que foi uma segunda-feira, e não uma terça) até o fim do mês, embora os
últimos dez dias apontados sejam apenas semanais, sem indicação dos dias mensais correlativos.
Ao passo que, avançando dois dias, nos coloca em frente do calendário do ano de 1532 (que foi
bissexto)—avançando um dia põe-nos em frente do calendário de 1537 em Outubro e Novembro, e do
calendário de 1538 em janeiro de 1532.
Na cópia pertencente a Fr. Francisco de S. Luís, o Roteiro tinha o título de Diário (23-i).
Dando preferência a esta designação, Varnhagen, como se sabe, publicou o Códice da Ajuda com o
título de Diário da navegação da armada que foi á terra do Brazil em 1530, sob a capitania-mór de
Martim Affonso de Sousa, escripto por seu irmão Pero Lopes de Sousa (235), «porçue—dizia êle então (236)
— estamos persuadidos que elle era escripto á medida que succediam os fados».
Que tal designação era, porém, inadequada, êle próprio o reconheceu mais tarde. Na carta-
prólogo da edição de 1861 (237) confessa que outro título —o que se lê no alto da primeira lauda do
apógrafo da Ajuda—lhe daria agora «se o nome de Diário de Pero Lopes não estivesse já tão
consagrado durante vinte annos» (238).
Em verdade, o manuscrito de que se trata não é, no seu conjunto, um verdadeiro Diário
náutico: nem o é, quanto a mim, o minucioso Roteiro da viagem de D. joão de Castro de Lisboa a
Goa em 1538, publicado por Andrade Corvo em 1882, em que dia a dia aliás se assinalam factos
ocorridos na viagem. O manuscrito dado à publicidade por Varnhagen é antes uma truncada relação
do itinerário e viagem de Pero Lopes de Sousa, capitão de um dos navios da armada de seu irmão
Martim Afonso de Sousa—relação, narrativa ou crônica baseada muito embora num Diário de bordo,
que não chegou até nós. Assim também consideramos o Roteiro da viagem de Vasco da Gama à índia,
publicado em 1838 por Kopke, e o de Duarte Fernandes, relativo à viagem da náu Bretôa em 1511,
publicado pela primeira vez por Varnhagen, a págs. 441-444 da l.a edição da sua Historia Geral.
(22s) Àcêrca do Almanack perpetuum, de Abraão Zacuto, da Tabula directionum, de Regiomontano, e das Ephe-
merides, bem como dos Reportorios dos tempos, vide, àlém dos magistrais estudos dos snrs. Joaquim Bensaúde e dr. Luciano
Pereira da Silva, o volume recentemente publicado A Sciencia nautica dos portugueses nos séculos XV e XVI, devido à pêna
do vice-almirante L. de Morais e Sousa. «Folhinhas», não me consta que as houvesse no século XVI.
(229) pi. is do Códice da Biblioteca da Ajuda.
230
(231 j Citada edição de 1839, págs. 83-84.
( ) Já vimos que o Códice é omisso desde 7 a 22 de Novembro.
(232) o dia 30 de Novembro, dedicado pela Igreja a Santo André, caiu neste ano em uma quinta-feira — e não em
um sabado, como se lê a fl. 18.
(233) Neste ano o dia 24 de Dezembro caiu num domingo —e não numa terça-feira. Varnhagen teve ocasião de
assinalar com estranheza que aqui o Códice tivesse feito corresponder o dia de Natal a «xxiiij» (fl. 22 v.), havendo-se de
mais a mais escrito bem quando, em referência ao dia de Natal de 1530, se escrevera (fl. 3): «dominguo xxb de dezembro
dia de natal».
r.. . . (234) Dizia Varnhagen, falando desta cópia: «exemplar de formato de quarto e letra moderna, tendo por titulo =
Diano de Pero Lopes de Sousa = Esta copia que pouco nos utilizou, deve ter pertencido a um P.e Avres...» (Edição
de 1839, pág. XX).
(233) Segundo refere o autor do Diccionario bibliographico portuguez (Tômo VI, pág. 426), era estoutro o título,
tal qual se achava na capa da brochura dos respectivos exemplares: Diário da navegação de Pero Lopes de Sousa. 1530-1532.
Publicado com documentos importantes, pela maior parte copiados dos autographos da Torre do Tombo; exornado de
elucidações e notas, nas quaes se tracta do descobrimento do Rio de Janeiro, Rio da Prata, e ilha de Fernão de Noronha ■
discute-se a questão de Américo etc., etc. Precedido tudo da vida dos dois irmãos, etc.
(236
237
) 1839. Pág. 62 da edição dêste ano.
. (238) Revista Trimensal. Tômo XXIV, pág. 6.
( ) Na quarta e última edição (1867) Varnhagen deu-lhe o título de Diário da navegação de Pero Lopes de
Sousa pela costa do Brazil até o Rio Uruguay (de 1530 a 1532).
132
A EXPEDIÇÃO DE MARTIM AFONSO DE SOUSA
•w-
ITINERÁRIO DA
OI, como já sabemos, no primeiro sábado, dia 3, do mês de Dezembro de 1531 que, conforme ARMADA E
se lê no Roteiro de que acabámos dê nos ocupar, a expedição de Martim Afonso de Sousa RESULTADOS
DA EXPEDIÇÃO
deixou o Tejo com rumo às terras do Brasil.
Sem a acompanharmos em todo o itinerário da sua derrota, marcada neste tam
conhecido Roteiro, arquivemos aqui as etápas principais desta navegação.
Antes, porém, registaremos os nomes dos capitães e dos navios do seu comando que consti-
uiam esta armada, conformemente o mesmo Roteiro. Segundo êste, os navios saídos então de Lisboa
oram cinco apenas'—e não sete, como Fr. Luís de Sousa apontou no Borrador dos seus apontamentos,
extraídos do Livro I da Colecção do conde da Castanheira. Eram êles: duas náus—a capitaina, cujo
iome não vém indicado, e a náu 5. Miguel (capitão Heitor de Sousa); um galeão—S. Vicente (capitão
Pero Lobo Pinheiro); e duas caravelas—Fr/nceza (capitão Baltasar Gonçalves; e mais tarde Diogo
Leite?) e Rosa (capitão Diogo Leite, segundo alguns autores) (242).
Se a estas unidades saídas de Lisboa na tarde do referido dia 3, juntarmos a náu que em 2
de Fevereiro do ano seguinte Pero Lopes de Sousa tomou aos franceses e crismou com o nome de
Nossa Senhora das Candeias (fls. 6 e 7 do Códice) e a caravela Santa Maria do Cabo que se dirigia para
Sofala e que em 25 de Março Maríim Afonso de Sousa encorporava à sua esquadra (fls. 9, 25 e 27 do
Códice)—teremos os sete navios de que nos fala o autor dos Annaes de D. João III. Quero dizer: não
teem razão de ser as divergências que certos autores descobriram entre o que disse Fr. Luís de Sousa
e o que se lê no Roteiro que Vamhagen publicou.
Diogo Leite é já nosso conhecido, do princípio dêste capítulo: tendo servido com Cristóvam
Jacques no Brasil, regressara a Lisboa em 1529, ou mesmo em 1530.
Baltasar Gonçalves deve ser o mesmo que no verão de 1530 capitaneava um dos navios da
frota de guarda-costas no arquipélago dos Açores, a quem já nos referimos; companheiro de Jorge Velho.
No dia 17 do mês de Julho dêste ano escreveu, «deste porto damgra», ao rei uma carta que encon-
trámos arquivada no Corpo Chronologico, Parte I, 45, 73 —na qual diz: «amtã me fuy hao corvo homde
achey as nãos da Imdea cõ a quarauela e me vym cõ ellas ate este porto dãgra sèpre acõpanhãdoas e
uygiando cõ tãto requado como de my cõíia e asy fyquã bê amaradas ê poder do capitã mor tudo a
myf0 bom requado fazèdose prestes cõ my13 delvgècja pera se logo partirem ...» (243).
Pero Lopes de Sousa —que, nas costas do Brasil, veremos depois capitanear uma das duas
já mencionadas caravelas (31 de Janeiro de 1531) e dois outros navios (22 de Maio e 4 de Julho de
1532)—vinha a bordo da náu capitânia quando a frota saiu de Lisboa e fêz a travessia do Atlântico.
De entre os expedicionários vindos com Martim Afonso de Sousa, cujos nomes, em parte, nos
são dados por documentos que adiante trasladaremos ou extractaremos (244), destacam-se—no Roteiro —
os seguintes: João de Sousa, Pedro Anes (piloto, língua da terra), Pedro Lobo (porventura diferente
do Pedro Lobo Pinheiro, capitão do galeão S. Vicente) e Vicente Lourenço (pilôto-mór, segundo Varnhagen.)
No denominado Diário, Martim Afonso é, em geral, designado pela inicial J, que Varnhagen
diz corresponder à primeira letra de irmão.
(24-) Para que melhor se veja quanto inaceitável é a conclusão do dr. João Mendes de Almeida, notaremos
ainda que outros eram os nomes dos navios e dos capitães que em 1534 seguiram com Martim Afonso de Sousa, como
deixámos dito .na biografia do capitâo-mór.
(243) Ignora-se em que mês entraram no Tejo os navios da armada da índia que neste ano viera para Por-
tugal. A esta armada certamente diz respeito a referência feita por D. João III na carta que, em 26 de Abril também de 1530
dirigiu a Francisco Lobo, igualmente arquivada na Parte II do Corpo Chronologico, M. 162, Doe. 120, e publicada por
M. E. Gomes de Carvalho em nota da pág. 24 do seu livro D. João III e os Francezes...
Diz Figueiredo Falcão: «1529. O ano de mil quinhentos vinte e noue não ha liuro da Casa da Índia por onde
se alcance quem foi por Capitão mór e que nãos leuou. Ruy Mendes de Mesquita. Na Nao São Roque. Veio no ano de 530.
So esta nao se acha das que forâo o ano de 1529>.
Segundo Fr. Luís de Sousa (Annaes, pág. 258), saíra de Lisboa em 1529 sob a capitanía-mór de Diogo da Silveira,
filho de Martim da Silveira, e era composta de 4 náus; das outras 3 eram capitães Henrique Moniz, Rui Gomes da Grã e Rui
Mendes de Mesquita. Confr. Barros (Década IV, Liv.o 3, cap. 17 e Liv.o 4, cap. 2) e Couto (Década IV, Liv. 6, cap. 6).
(í44) Apurámos os seguintes; Diogo Vaz, bombardeiro do galeão S. Vicente; Heitor de Almada, feitor da armada;
Manuel de Alpoim, escrivão dela; Lourenço Fernandez, que depois foi mestre da náu francesa mandada de Pernambuco para
Portugal nos fins de Fevereiro de 1531; Pero de Goes, Pero Capíco [Capigr.o?], Francisco Pinto, Pero Gonçalves
(homem de armas).
(245) 4 Demoravame o cabo brãco a lessueste faziame delle vinte e cinquo leguoas hua ora de sol ouuemos vista
de duas velas e as fomos demandar e era huã caravela e hú navio q vinhão de pesquaria e por elles espvemos a portugal».
(Fl. 3 do Códice da Biblioteca da Ajuda). Desde «hua ora> por diante foi riscado.
(240) «Aqui achamos huã nao de cc [duzentos] toneis e húa chalupa de castelhanos e en chegando nos dissera
como iam ao Rio de maranhâ e o capitam .J. lhe mandou Requerer q elles nõ fosse ao dito Rio por quanto era deIRei
nosso sõr e dentro da sua demarcaçã» (FI. 3 v.).
134
V
A EXPEDIÇÃO DE MARTIM AFONSO DE SOUSA
cousas prestes pera a armada» —4 (247); bôca de um rio na costa, para tomar água —10 (24S); concen-
tração dos navios no porto de Pernambuco—\1 (249); Martim Afonso vai ao rio de Pernambuco —\9
o capitão-mór despacha João de Sousa com cartas para D. João III, em uma das duas náus tomadas
aos franceses em frente do Cabo 5.'° Agostinho, e envia para o rio do Maranhão as duas caravelas,
Princesa e /?osa—entre 24 de Fevereiro e 1 de Março (251); a expedição (capitania, galeão S. Vicente e a náu
francesa apresada por Pero Lopes, Nossa S.™ das Candeias) parte de Pernambuco para o sul, depois de
haver recebido água e outras cousas necessárias para a viagem—1 de Março; o galeão S. Vicente
aproxima-se do Arrecife de S. Miguel—\áem-, altura das Serras de SP Antonio — 5; altura do rio de
S. Francisco —1\; chegada à Bahia de Todos os Santos (ponta do padrão) —13, com demora até o
dia 17; bôca do rio de Tinha, area —24; arribada à bôca da Bahia de Todos os Santos —25 (252); parte
novamente da Bahia para o sul —27 do mesmo mês de Março; Baixo d'Abrolho—2\ de Abril (253)^
reconhecimento do Cabo do Parcel e do Cabo Frio—29 •, chegada ao Rio de Janeiro—30, com estadia
nos três meses de Maio, Junho e Julho, durante os quais foram construídos dois bergantins (254); partida do
Rio de Janeiro para o sul —1 de Agosto; surgem «bem pegados cõ terra ê füdo de oito braças
d area grossa»—9 (255); Martim Afonso e seu irmão caçam em uma ilha adiante do rio de S. Vicente
(ilha dos Alcatrazes, diz Varnhagen) —10; reconhecimento da ilha da Cananea — \2 (dia de S.ta Clara),
com estadia de 44 dias; partida desta ilha—26 de Setembro; altura do porto dos Patos—29-, reconheci-
mento de três ilhas a que Pero Lopes deu o nome das Onças—14 de Outubro; Cabo de SP Maria
— 15 (256); uma ilha que estava pegada com este Cabo—16-, partida desta ilha—21; naufrágio da náu
capitania, na costa, junto ao riacho de Chuy, próximo da ilha das Palmas—22 ou 23; Pero Lopes recebe
a notícia dêste naufrágio—2 de Novembro (257); da náu naufragada retira-se a artilharia e o ferro —6;
(247) Fl. 6 v. do Códice da Ajuda.— <Sa fa bj [Segunda-feira 6] de febro pila menhãa nem da gavia pareçia o
navio sã miguel estive surto esperando ate quinta fa biiij [nove] dias do dito mes q me fiz a vela cõ o veto lessueste...»(Ibid.).
(248) «Sesta fa .x. [10] do dito mes ate quarta feira xb. [quinze] do dito mes de febro cõ mujto trabalho
cobramos huã leguoa de costa e surgi a boca dú Rio pera tomar aguoa e me fazer na volta da guine, porq o longuo da costa
nom podíamos cobrar e os ventos suestes e essuestes ventavã ja muj tendêtes q nesta costa vêtã desde febro ate
agosto» (Fl. 6 v.).
(249) iSesta fa xbij [17] do dito mes fomos surgir defrõte do porto de pemãbuco. em fundo de .xb. [quinze]
braças, desdo porto de pemãbuco ate o cabo de perca auri como passares das .xb. [quinze] braças he fundo sujo. aqui
achamos a nao capitaina e o galeam sam viçente e a nao de frãça q tomamos no aRecyfe do cabo de samtagustinho. e me
disserâ como nõ tinham novas do capitam . ]. senam q ho dia dantes viram huã vela ao mar q ia no bordo do sul e me
disserâ q foram ao Rio de pemãbuco e como avia dous meses q ao dito Rio chegara hü galeâ de frança e q saqueara a
feitoria e q Roubara toda a fazêda q nella estava deIRei nosso sõr e q ho feitor do dito Rio era ido ao Rio de ]anro nua
caravella q ahi aRibara q ia para çofala e achey sete homês da nao capitaina mortos q se afogaram na barra do
aReçife» (Fl. 6 v.-7).
(250) «Dominguo se fez o vento lessueste e cõ elle veo a caravella em q vinha o capitam .J. e lhe demos conta
como ho navio de heitor de sousa se avia apartado de nós oito dias avia. e o capitam .]. foi ao Rio de pemãbuco e
mandou levar todollos doêtes a hüa casa de feitoria q ahi estava...» (Fl. 7).
(251) tdaqui [Rio de Pernambuco] mandou o capitã .}. as duas caravellas pera q fossem descobrir o Rio de
maranhã e mandou jjoã de Sousa a portugal ê huã nao q de frança tomáramos e a outra nao mâdou queimar...» (Fl. 7).
(252) «...no quarto da modorra fomos surgir na boca da baia de todolos sãtos. Sabado [aliás, domingo] xxbj
(vinte e seis] de março pila menhaã vimos dentro na baia hü navio surto e por ser lõge nõ divisávamos se era latino se
Redondo e loguo vimos sair hú batei da baia q vinha As nãos e como chegou a nao capitaina a salvou e vinha nelle o
capitam da caravella q aRibara a pemãbuco q ia pera çofala e vinha no batei o feitor da feitoria de pernambuco. q se chamava
dioguo diaz e o capitã . ]. mâdou fazer as nãos a vela. pera dentro da baia. e mandou chamar a gente da caravella e mandou
soltar o piloto q ho capitam trazia preso, e mandou despejar a caravella dos escravos e lançalos em terra e determinou de
levar a caravella cõsiguo por lhe ser necesaria pera a via]em» (Fl. 8 v.-9).
{253) «... todolos pilotos se faziã ir pra Riba dos baxos da brolho. q lançam ao mar .xxx. leguoas e o começo
delles esta em altura de .19. g. E asi fomos toda esta noite com muj boõ tpo [tempo] sem podermos tomar füdo
com Ix [sessenta] braças» (Fl. 10).
(254) «...e fizemos dous bargãtis de .xb. banquos» (Fl. 11).
(255) <Estando surtos mandou o capitam .]. hum bargantim a terra e nelle huã linguoa pera ver se achavam
gente e pera saber onde éramos, porq a çerraçam era tam manha q estávamos hü tiro da bõbarda de terra e nõ na viamos.
de noite veo ho bargantim e nos disse como non pudera ver gente» (Fl. 11 v.). j u j j ,
(255) <... ao sol posto fomos cõ o cabo de sãtamaria. e surgimos em fundo de oito braças, da banaa da loeste do
a a
dito cabo. S f [Segunda feira] pila menhaã mandou o capitam .j. ao piloto mor q fosse ver huã ilha q estava pegada
com o dito cabo se antre ella e a terra avia bõ surgidoiro e ao meo dia tornou Vicête Lourenço e disse q ho porto q era
bõ senã q cõ os vetos oessuduesle e susueste era desabrigado e q do veto susueste tinha baxos ao mar. e a tarde fomos
surgir entre a ilha e a terra em fundo de seis braças e mea de preamar. aqui nesta ilha tomamos aguoa e lenha, e fomos
cõ os bateis fazer pescaria e em hü dia matamos xbiij [desoito] mil peixes ãtre corvinas e pescadas e enxovas. pescávamos
em füdo de oito braças como lâçavamos os anzalos na aguoa nõ avia ahi vagar de Recolher os pexes. nesta ilha estivemos
oito dias esperando por hú bargãtim q de nossa cõpanhia se perdera, como nõ veo mandou o capitam .]. por huã cruz na
vlha e nella atada huã carta emburilhada ê cera e nella dizia ao capitã do bargãtim o q fizesse vindo ali teer» (Fl. 13 v.).
(257) «Sesta fa [aliás, Quinta feira] ij [dois] dias de novembro, veo a gête q tinha mandado e busca de martim
a0 e me disserâ como a nao capitaina dera a costa por falta da marras e q martim a0 cõ toda a gête se saluarã todos a
nado somente moRerã sete pesoas. seis afogados e hü q moReu de pasmo e q o bragatim dera tambè a costa e pore
o lhe nõ fizera nojo e o batei do galeam e da capitaina tinhão sãos e q na praia achara hu bragatim de tavoado de çedro
muj bê feito o qual martim ao tinha pera levar ê companhia do_ batei grãde e do outr» bragatim peja êtrar po lo R.q dentro
e q martim a0 me mandava dizer q cõ a gente q as nãos pudesé escusar me fosse onde elle estava co a caravella» (ri. 15 v.;.
135
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
em «conselho com os pilotos e mestres, e com todos os que eram para isso», é resolvido que Martim
Afonso desista da ida ao Rio de S.'*1 Maria (Rio da Prata, elucida Varnhagen)—entre 6 e 23; Pero
Lopes parte do rio dos Begoais, com trinta homens, a explorar o rio da Prata, num dos dois bergantins
construídos no Rio de Janeiro—23; depois de um mês e dois dias, Pero Lopes (que subira pelo Paraná
e Uruguay e íôra até o Esteiro dos Carandins) torna ao rio dos Begoais—2b de Dezembro; Pero Lopes
junta-se a seu irmão na ilha das Palmas (258)_ 27, com demora de quatro dias, fazendo-se todos prestes
para irem ao rio de S. Vicente; a expedição volta para o norte—\ de Janeiro de 1532; altura do porto
dos Patos—1-, arribada à ilha da Cananea (259)—8; partida da ilha da Cananea — 16; à vista da abra
do porto de S. Vicente—20-, fundeamento numa praia da ilha do Sol—2\ (200); desembarque no porto de
S. Vicente—22 (261).
Na ilha de S. Vicente Martim Afonso «-fez huã vplla» «<? outra nove leguoas dêtro pilo sartão
aborda dú Rio q se chama pirãtinimgua» (202).
< ...estãdo neste porto [de S. Vicente] tomou o capitão .J. parecer com todolos mestres e pilotos e com outros
homês, q pera isso erã, pera saber o q avia de fazer por q as nãos (263) se estivesem dous meses dentro no porto nã podiam ir a
portugal por serê mui gastadas do busano e a gête do mar vinçia toda soldo sem fazerê nenhü serviço a elRey e comia os
mantimentos da tr." [terra] e asentarã q o capitão .J. devia de mãdar as nãos pera portugal com a gête do mar e fiquase o
capitão .7. com a mais gête en suas duas villas q tinha fundadas ate vir Requado da gête q tinha mandado adescubrir
polia tr.a dentro e logo me mandarã fazer prestes pera q eu fosse a portugal nestas duas nãos (264J a dar cõta a elRey do q
tínhamos fto ]feito]...> (265).
De íacto, decorridos precisamente 4 meses, isto é, a 22 de Maio deste ano de 1532, Pero
Lopes de Sousa separava-se de seu irmão, deixava o rio de S. Vicente e regressava a Portugal.
Acompanhá-Io-hemos também neste seu regresso.
Antes, porém, de prosseguirmos, voltemos atrás e detenhamo-nos um pouco nalguns pontos
da Naveguaçam.
, Na era de 1530, sabado 3 dias do mes de dezembro, parti desta cidade de Lisboa, debaixo da capitania de
Martim Affonso de Sousa*. .
Esta data é confirmada por uma certidão passada em Lisboa aos 7 dias do mês de
Fevereiro de 1536, pelo escrivão Álvaro Dias, num interessante e instrutivo processo arquivado na
Torre do Tombo, a qual começa assim: «partyo daquj este Diogo vaz bõbardeiro no galeam sam vicête
darmada de martjm a0 de sousa pera ho Brasil! em tres dias do mes de dezêbro de jbcxxx annos» (266).
"Quinta fr.a xxbiiij [vinte e nove] do dito mes [Dezembro de 1530] pila menhã demos a vela e fomos surgir
a Ribeira grande onde achamos a caravela princeza: aqui neste porto tomei o sol em xb [quinze] grãos e hú sesmo. Aqui
veo dar o navio sam miguel cõ nosquo nesta ilha estivemos tomando cousas necessárias pera a viajê ate terça f.a tres dias
de Janj.0 de 1531. fizemonos a vela ê se çerrãdo a noite cõ mujto vêto nordeste* (2e7).
A última data corresponde ao dia imediato àquele em que a Martim Afonso de Sousa foram
pagos, na vila da Ribeira Grande, os 300 cruzados mencionados no alvará régio de 25 de Novembro
(25B) < ... esta ilha das palmas he mujto pequena delia a terra ha hú quarto de leguoa faz a êtrada da bãda do
essudueste. ha de fundo limpo quatro cinquo seis braças, ao mar delia huã leguoa ao sul ha hús baxos de pedra muj
periguosos. aqui estiuemos nesta ilha quatro dias fazêdonos prestes pera irmos ao Rio de sã vicête* (Fl. 25).
(259) <... como vi q nõ podíamos cobrar aRibamos a ilha da cananea e ao por do sol surgimos a terra delia» (Fl. 26).
(260) «Safa vinte e hú de Janro demos a vela e fomos surgir nuã praia da ylha do sol pollo porto ser abrigado
de todollos vetos ao meo dia veo o galeâ sam vicête surgir Junto connosquo e nos disse como fora nã se podia amostrar
vela cõ o vêto sudueste» (Fl. 26 v.).—«...a ylha do sol esta ê altura de xxiijo. g. e hú quarto» (Fl. 27).
(261) «ê (S. Vicente) situada em uma ilha que tem seis milhas em largo, e nove em circuito; antiguamente era
porto de mar e nelle entrou Martim Affonso a primeira vez com sua frota, mas depois com a corrente das aguas de terra
do monte se tem fechado o canal, nem podem chegar as embarcações por causa dos baixos e arrecifes» (Anchieta —
Informações 262
e fragmentos históricos, pág. 44).
( 263) Fl. 26 v.—27 do Códice.
( ) Alusão ao galeão S. Vicente e náu Nossa Senhora das Candeias —ou Santa Mana das Candeias como
depois (fl. 27264v.) é designada. Como se sabe, a Santa Maria do Cabo não era náu, mas simples caravela.
( ) Na expressão "nestas duas nãos», Varnhagen quis ver uma prova de que o manuscrito narrativo da viagem
fôra feito a bordo, dizendo; «Daqui se vê que este diário se ia escrevendo a bordo». Quanto a mim, o autor da narrativa
aludia aqui tam somente às náus a que pouco acima acabava de referir-se.
(265
2 ) Fl. 27 do Códice da Biblioteca da Ajuda.
( 66) Corpo Chron., P. II, 202, 11.
(267) Fl. 3 v. do Códice da Ajuda.
136
A EXPEDIÇÃO DE MARTIM AFONSO DE SOUSA
do ano antecedente, que deixámos trasladado a págs. 125-126 deste volume. É o que nos mostram os
três documentos seguintes, datados do dia 2 de ]aneiro de 1531, também arquivados na Tôrre do Tombo:
"Martym Afonso de Sousa do comselho deli Rey nosso senhor e capitã moor desta armada do brasill ffaço
saber a vos cor [corregedor] e comtador e ffeitor e almoxarife como a mym sam necessários pera o fornecimento desta
armada e cousas necessárias os trezentos cruzados comteudos no aluará e provisão de sua alteza os quaes mamdares êtreguar a
Eitor dalmada ffeitor da dita armada e com este e seu ^conhecimento sera levado em comta. Feito por mym Manuel! dalpoem
espriuão da dita armada aos dous dias de janeiro dej boxxxj. Martim Afonso de Sousa».
* Diguo eu Eitor dalmada ffeitor desta armada do brazyll que receby de Rodrigo Alvarez d Óbidos almoxarife
que ffoy nesta uilla da Ribeira grade desta Jlha de são tiaguo os trezêtos cruzados comteudos no mamdado do capitão moor
os quaes recebeo perante mym espriuão e lhos carreguey em receita ao dito Eitor dalmada feitor delia e por certeza dello
asynou aquy como miguo [sic] espriuão. Feito na dita Jlha de são tiaguo na uilla da Ribeira grãde aos dous dias de janeiro.
Manuel dalpoem espriuão da dita armada o fez de Jb^xxxj. Eitor dalmada—Manuel dalpoem».
< Gaspar da Uydeira corregedor com allçada per el rey noso senhor em todas estas ilhas do Cabo Verde etc. e
mando a vos Rodrigallvarez d Óbidos que deys e pagueys os trezemtos cruzados conteúdos no allvarâ dellrey noso senhor
e no mamdado do capytam moor por quanto posue pera yso mandado de serem necesarios os quaes entregares a Eytor de
Almada feytor da dita armada segundo se contem no ativará de sua alteza e no mamdado do seu capytão mor e com seu
conhecimento nas costas vos será lleuado em conta. Feito pello espriuão darmada e asynado pello dito feytor e espriuão
darmada em que se decrara lhe fycaram carregados em recepta. Feito hoje ij dias de Janeiro. Belchior dias espriuão desta
correyção o fez ano de j bc xxxj e cobraram o proprio ativara e mandado do capytão moor. Guaspar videira» (2SS).
Eis como o denominado Diário descreve o apresamento das três náus de França:
i.3a-fa xxxi do dito mes [de Janeiro] no quarto dalva vimos terra q nos demorava a loeste achegando nos mais
a ella ouuemos vista de huã nao e demos as velas todas e a fomos demandar, e mandou o capitã J. dous Navios na volta do
norte na volta em q a nao ia e outros dous na volta do sul: a nao como se vio cercada aRibou a ferra e mea leguoa delia
surgio e lançou o batei fora. como fomos delia híi tiro de bõbarda se meteo ajente toda no batei e fugio pera a terra mandou
ho capitã J. a dioguo leite capitã da carauella princeza q fosse cõ seu batei apos do bafei da nao quando ja chegou a terra
era ja a jente metida pila terra dentro e o batei quebrado fomos a nao e nella nõ achamos mais q hú soo homem tinha
mujta artelheria e poluora e estava toda abarrotada de brasil ao meo dia nos fizemos a vela pera ir demãdar o cabo de
santagustinho seriamos delle bj [seis] leguoas tomamos esta nao de frãça defronte do cabo de percaauri corresse cõ ho cabo
de santagustinho norte e sul tomada quarta de noroest e sueste: da bãda do sul do cabo de sãtagustinho achamos outra
nao de frãça q tomamos carregada de brasil esta noite no quarto da prima me mandou o capitã J. cõ duas caravellas a Ilha
de santaleixo porq tínhamos êformaçam q estavã ahi duas nãos de frãça fui toda a noite cõ ho prumo na mão sondando
por fúdo de xij braças no quarto dalva surgimos ao mar da ilha mea leguoa ê fundo de xij braças darea grossa.
4a fa primeiro dia de febreiro em rompendo a alva vimos mea leguoa do mar huã nao q cõs traquetes ia no
bordo do norte e como a vimos me fiz a vela no bordo do sul. a nao, como ouue vista das carauellas deu todalas vetas..
neste bordo do sul fui quatro Relogios e virei no bordo do norte e ao meo dia era na esteira da nao duas leguoas delia, a
outra carauella era huã leguoa de mj a Re. como descobrimos o cabo de santagustinho saio o capitão. J. no navio sam
miguel com o galeam sam vicente e cõ huã das nãos q tomara aos françezes. mas vinha tanto a julauento q quasi nõ podiam
cobrar a terra, este dia huã ora de sol cheguei a nao e primeiro q lhe tirasse me tirou dous tiros, antes q fosse noite lhe
tirei tres tiros de camelo e tres vezes toda a outra artelheria. e de noite carregou tanto o veto lessueste q nõ pude jugar
senã artelheria meuda e cõ ella pellejamos toda a noite.
Quinta fa dous de febj0 em rompendo a alva mandei hú marinheiro ao masto grande ver se via o capitam. J.
ou os outros navios e me disse q via huã vela q nõ diuisava se era latina se Redonda, e des das sete oras do dia ate o sol
posto q Rendemos a nao pellejamos sempre, a nao me deu dentro na carauella xxxij [trinta e dous] tiros, quebro ume
muitos aparelhos e Rompeome as velas todas, estando asi cõ a nao tomada chegou o capitam .J. cõ os outros navios loguo
abalRoei cõ a nao e entrei dentro, e o capitam .J. abalRoou cõ ho seu navio e os mais dos françezes se passará ao navio,
a nao vinha carregada de brasil trazia muita artelheria e outra muita muniçam de guerra, por lhes faltar polvora se derã.
na nao nõ demos mais q huã bõbarda cõ hú pedreiro ao lume daguoa cõ a artelheria meuda lhe firimos bj [seis] homês.
na carauella me nõ matará nê ferirá nenhü homem, de que dei muitas graças ao Sõr deus» (269).
A notícia da tomadía destas três náus francesas nas águas brasileiras chegou a Portugal no
decorrer do mês de Maio (270). A êste facto se refere D. ]oão 111, no comêço da carta que, a 17 dêste
mês, escreveu de Montemór-o-Novo a D. Antônio de Ataíde, então em França, dizendo: «Aguj/ se diz e
4
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
nam Dorem por via nenhuma certa nem autentica que martim affonso de sousa topou com algumas
nãos írancezas carregadas de brasill que as tomou, e porem por que ysto martim affonso mo nam escreve
nem diso sep mais que dizerse nam o tenho por certo, e todavia me pareceo necesano porque Ia pode
Z teer a Zesma nova, darvos aviso diso, pera que se vos niso apontar alguém e laa se diser ysto
mesmo, que vos digaees que ho nam credes, por que se asy fose eu volo escreveria que eu nam vos
tenho man^a^lo — a- ■(pág( 23 do seu livr0 ^ carta de marca de João Ango) declara desconhecer
a via por que chegou ao rei esta notícia. Talvez não andemos longe da verdade supondo que e-3 lvesse
ido pela náu S. Miguel, capitaneada por Heitor de Sousa, que não tornou a ser vista nas costas do
Brasil desde alguns dias depois dêstes apresamentos.
A náu francesa que Martim Afonso despachou de Pernambuco para Portugal, sob o comando
de loão de Sousa (272), deve ter partido do Brasil de 24 a 28 de Fevereiro, conforme se infere da
seguinte carta, escrita de Pernambuco em 24 dêsse mesmo mês-do ja referido Manuel de Alpoim,
escrivão da armada de Martim Afonso de Sousa, para Diogo Vaz. fidalgo da casa de el-rei e a'mox*
dos armazéns da Guiné e índia em Lisboa-e trasladada num documento arquivado na Torre do Tombo.
.Senhor-Lia vaj esse navio Francês que ho capitam moor tomou nesta costa do Brasill e vai carre9a*0 **
brasill com as ditas cousas s. o dito navio aparelhado com toda sua enxarcia e asp vel/as. s. hum papafiguo novo e
S vella da gavea nova e outro papa figuo velho e outro traquete de huã vella da gavea
mesena velha e tres anquoras grandes com tres quabres hum novo e outro já husado, e hum meio qualabrete e asV^
foaareo do batell e dez polez dos aparelhos do dito navio, tres bombardas roqueiras e dois berços todos de ferro com mm e
TZs cmfrt e /ScLZt. L •« pelourcs gr.níes e p^.os te Mo e te ferro to, ti,o, firo, e Ott, W
cielo te polltora he homze bombas de íoguo. e mais tuas callieiras te cobre huã de cozer breu e oulra te cozer Pescado
e hum caldeirão de ferro de cozinha, e vinte e duas pipas huã. [sic] s. onze cheas de vinho de cidra arquadas com quatro a q
te Zro em fada pipa e as ou,d, tagoa e sam arcada, com a.guas te ferro somepfe a, ouze e asp senhor ma„ çuairo
alabardas e tres piques e todas estas cousas vam entregues ao mestre do dito navio e a nome Lourenço Fernandez e
feva mais hum pé de cabra dos ditos tiros, mande vosa merçee arrecadar estas cousas. Beijo as mãos ha Vossa M rçe
Deste Pernambuquo donde nos partimos pera a Bahia de Todollos Santos a vinte e quatro de fevereiro de ib xxxr C /•
A náu francesa enviada para Portugal conduzia prisioneiros alguns súbditos de Francisco I;
João de Sousa era portador de cartas de Martim Afonso de Sousa para D. ]oão III. O tempo gasto na
viagem parece ter sido bastante longo; no princípio da segunda quinzena de Maio ainda nao inha
chegado ao seu destino. É o que imediatamente se deduz da já citada carta de el-rei para D. Antomo
de Ataíde. Nas ilhas e em outras partes teve de fazer fogo. Tendo aportado ao Algarve (a Lagos ou
a Tavira), a náu achava-se aqui no fim do mês de junho, seguindo depois para Vila Nova de Portimao,
onde foi descarregar o pau brasil que os franceses haviam embarcado nela. O Vedor da fazenda do
Algarve tinha posto como guardas a bordo Vicente Fernandes, morador em Lagos, e Pero Fernandes,
requeredor da alfândega desta mesma vila. _ . .
O feitor da alfândega de Vila Nova era então Diogo de Oliveira. A êste foi cometido o
encargo de proceder à descarga e venda do pau brasil que se encontrava a bordo, por alvará e
Antônio de Campos, escudeiro fidalgo da casa de el-rei, Vèdor interino da fazenda do reino do Algarve,
na ausência do Vèdor efectivo, Nuno Rodrigues Barreto. Êste alvará era datado de Tavira aos 3 dias
do mês de julho de 1531; foi seu portador o referido Vicente Fernandes, que com êle se apresentou a
í271) A carta de que êste trecho faz parte, estava no Vol. III (fl. 192) da colecção do conde da Castanheira e é
o terceiro dos vinte e três documentos publicados por Fernando Palha no seu livro A carta eldemarca de João Ango.
Comentando-a, F. Palha nota (pág. 23) que o conhecimento das torradias das náus francesas 'I °s ^IV^désse
trouxe a D. loão 111 o receio de que o sucedido fôsse dificultar o bom êxito da embaixada de D. Antomo, def raAta ide e desse
lugar a novas reclamações. Os preliminares do tratado de paz e aliança entre Francisco! I do
eD.loãoU ° ^ "addos'
como se sabe. em Fontainebleau aos 4 de Agosto dêsse ano (Doe. 17 do M. 47 da P. F n !,1-
duas cartas dirigidas a D. Antônio de Ataíde em 12 de Agosto (Doe. XVII do ivro de F. Palha), dizia-lhe D. João 111
já então no conhecimento dos factos narrados nas cartas que João de Sousa lhe levara: « . .^entam Paf®c"a
tandose estas carta de marca nom avia por davante outra de tal calidade e tanto pera temer como esta que parece q p
nacer do ,272.e {^de^crer 'que êste João de Sousa fôsse parente próximo do capitão-mór. Nos livros de genealogias, e no
ramo da família de Martim Afonso de Sousa, encontrámos mais de um indivíduo com êste nome, vivendo Por este mesmo tempo.
(273) Corp. Chron., P. II, 169, 132: Auto que mandou fazer Diogo de Oliveira feitor dalfandegua da nao do
Brasill que lhe foi entregue por mandado do senhor veedor da fazenda e do allmazem e cousas delia.
O subscrito da carta original dizia: «Ao muito presado e estimado senhor o senhor Diogo Vaz escudeiro
fidallguo delRey noso senhor e almoxarife dos allmazens da Guiné e Índias em Lixboa».
138
A EXPEDIÇÃO DE MARTIM AFONSO DE SOUSA
Diogo de Oliveira no dia 6 dêste mesmo mês, como consta do Livro que se fez da descarrega da nao
franceza que estava neste porto carregada de brasill delRey noso Senhor (274) —em cuja primeira lauda
se lê o seguinte:
<Ano do nacimento de Noso Senhor Jhesu Christo de j bcxxxj [1531] anos aos bj [seis] dias do mes de
Julho do dito ano em uila Noua de Portimõ nalfandega da dita uila estado ahj Diogo d Oliveira feytor da dita
alfãdega por Vicente Fernandez morador em a uila de Lagos guarda que estava em ha dita nao francesa posto por ho
senhor veador da fazenda lhe foj apresentado ao dito fejtor hü aluará he regimento pera descarega da dita nao he brasjll que em
ela vinha asinado por ho dito senhor veador da fazenda he feito por Afonso Lopez escripvam datfandega de Tauila de que
ho trelado he o que se ao diante sege. Joham Fernandez escripvam dalfandega he da descarega da dita nao he receyta he
despeza dela que esto esprevi»
Não é de crer que a tam pouca gente se reduzisse a tripulação da náu quando saiu do Brasil.
Esta, que se achava fundeada «defronte de Ferragudo á boca da foz he atravez defronte
dallfandegua da dita villa», ia cheia e abarrotada de brasil debaixo da coberta. Abertas as escotilhas
í274) Torre do Tomho.—Livraria: Fundo •antigo, Maço 151, Doe. 5. Antigamente estava no Armário 25, Maço 9,
do interior da Casa da Coròa. Consia de 38 folhas, tòdas rubricadas, inferiormente, por Diogo Toscano; está encadernado
com capa de pergaminho. A parte inferior da última fôlha contém a seguinte declaração: «Digo eu Diogo Toscano juiz e
almoxarife dalfandegua nesta vila de Vila Nova que por joham Fernandez esprivam da dita alfandega me foi apresentado
este caderno e lyuro da descarga e receita e despesa que se fez em huã naoo do Brasill que esta no porto desta vila que
he delRey noso senhor o quall me deu pera lho asynar as folhas dele as quaes todas sam asyrtadas per mim ao pee de
cada huã e sam per todas com esta 38 folhas e por verdade asynei este encerramento oje 6 dias de julho de 1531 —
Diogo Toscano 1531».
(275J No alvará encontra-se êste: «Item. Mando ao dito esprivam dallfandegua que hespreva no livro da dita
recepta os nomes das pesoas que vieram na dita nao que sam hos que haquy vam espritos segundo soube ao dito do
capitam delia 276
por quanto na nao nam vinha lyuro por onde se podese saber» (Fl. iij v.).
í ) Do alvará consta também o seguinte: «Item. Em poder de Vicente de Loulle que hora serve dalmoxarife
de Lagos ficaram depositados três espravos do brasyll pera se averem de arrecadar os direitos delles das pessoas cujos sam
dos quais espravos se ham de pagar quarto e vymtena da havaliaçam e nomes e idades delles ficou esprita em hum auto
que de yso se fez que hesta em poder de Estevam Cordovyll tabeliam em Lagos que ho dito auto fez^ vos lhe mandareis
pedyr hua certidam publica em que decrare cujos hos espravos sam e ha havaliaçam e idade delles e requereis ao dito
Vicente de Loulle que vos entregue os ditos espravos se hos ja tever arrecadados e nam hos tendo vos hos arrecadareis e
se alguns delles forem de pesoas que venham a solido na dita nao nam pagaram os direitos a dinheiro mas por se ha verba
no tytollo em que has ditas pesoas esteverem espritas no liuro de -vosa receita como se lhe ha descontar seu solido o
que hasy se montar na dita avalliaçam porque ha sy ho dito senhor por bem e mando ao dito esprivam dallfandegua que loguo
vos caregue em recepta os direitos pella certidam que vos ho dito Estevam Cordovyll ha de mandar pera que tenhaes careguo
de hos arrecadar e com esta vos envyo hum mandado pera que Vicente de Loulle vos entregue os ditos espravos hou os
direitos delles se hos tever arrecadados» (Fl. iij).
139
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
no dia 10 do mesmo mês de Julho, deu-se comêço à descarga dos paus de brasil, os quais «se achou
serem 2768 entre grandes e meãos»; foram recolhidos na alfândega por ser casa grande. Verificado o
peso que era de 927 quintais e arroba e meia, Diogo de Oliveira os recebeu, vendendo-os em diversas
porções a diferentes pessoas, sendo a última venda efectuada no dia 5 de Novembro de 1535.
A venda foi feita à razão de 800 a 900 reais o quintal. Varnhagen calculou este pau brasil em «umas
Por ocasião do encerramento das contas de Diogo de Oliveira nos Contos do reino, em
Évora aos 31 dias dq mês de Julho de 1536, verificou-se que dos 927 quintais de pau brasil, que ele
recebera, ficara devendo 17 quintais, que declarou serem de quebra, «por ao tempo do recebymento
delle ser verde e molhado» (FI. xxxbij v. do citado Livro). . j
O Doe. 15 do Maço 208 da Parte II do Corpo Chron. trata igualmente das contas prestadas poi
Diogo de Oliveira «do brasill que recebeo e veyo ahy ter em huua naao que veo do brasil que a
tomou Martim Afonso de Sousa».-Évora, 15 de Julho de 1536. Vide Corpo Chron., V. II, 209, . ^
Na mesma referida data, 3 de Julho de 1531, Antônio de Campos dirigiu este outro alvara ou
mandado ao almoxariíe interino do Armazém de Vila Nova de Portimão;
<Amtonio de Campos escudeiro fidallgo da casa dei Rey nosso senhor que ora por seu especial mandado tenho
careguo de veador da fazenda em este reino do Algarue ausência do senhor Nuno Rodnguez Barreto veador df"a Çtc- a£
saber a vos [sic] (277) que ora tendes carreguo dalmoxarife do allmazem desa vüla hova de Portimão que no
desa villa está ora huS naoo do dito senhor que veyo do Brasill a quall sua Alteza hy manda descaregar e ho
brasill que nella vem a Diogo d Oliveira feitor daltfandegua e manda que ho casquo da dita naoo com todas has cousas que
nflla vierem que pertencem ao almazem vos has recebaes pello quall vos mando da parte do dito senhor que tanto que este
VOS for apresentado vades aa dita naoo e recebaes do mestre delia todas as cousas que em ella vem que pertencem ao
allmazem e por este vos mando huã carta de Manuell de Allpoem ("*) esprivam darmada em que foy por capitam mor
Martim Afonso de Sousa ao Brasill em que vem espritas as cousas que vos asy o dito mestre a de entregar e alem de
vos entregaram hum quabre novo de Unho que lhe depois foy entregue segundo ao pe da dita carta o decrara e eu tenho
sabido pollo capitam da dita naao. E nam vos entregando elle todo o na dita carta conteúdo vos ho penhorares em tanta
comtia per que se aja ho que hahj falecer e terees hos pinhores em vosa mao e esprevermes ho que nisto pasa pera
mandar fazer ho que me parecer serviço de sua alteza e do mantimento lhe tomares asy mesmo conta e entregamos ha ho
que per conta achardes que lhe deve sobejar e de todo ho que niso se fizer me espreue as quaes cousas asy receares
perante ho esprivam de voso careguo ao quall Eu mando que vollos carreguem em receita e fara diso conhecimento em
forma ao mestre pera sua guarda e meter se am as ditas cousas na allfandegua desa villa omde soem destar e buscarees
e
nesa villa hú ornem de mar ou dous que se emearreguem da dita nao e tenham delia cuidado de
he segura aos quaes se dará o prêmio que vos bem parecer feito em Tavilla o,e tres dias de Julho. Afonso Lopez ho
de 1531 annos. E a despeza desta descarega e do pagamento do ornem ou dous que na dita naao esteverem pagallo ha
Diogo d Oliveira e este se traladará no Liuro deste allmazem > (275).
De uma carta que Antônio de Campos escreveu a Diogo de Oliveira consta que, por estar
a sua
ausente o almoxariíe'do armazém, foi também o feitor da alfândega o encarregado de
conta e guarda o casco da náu e os seus pertences. Esta carta foi apresentada a Diogo de Oliveira
pelo iá referido requeredor da alfândega, Pero Fernandes, no dia 22 do mesmo mes de Julho de 1531.
Neste mesmo dia o mestre da náu, Lourenço Fernandes, fêz a entrega por inventario, o qual
consta do referido Auto. Gonçalo Afonso, mareante, ficou por guarda a bordo, ganhando 600 reais por
mês Entre as cousas que faltavam, das quais o mestre deu razão, figura uma certa quantidade de polvora
«qasta nos tiros que se tiraram nas Ilhas e em outras partes per mandado do capitam». Algumas
cousas foram dadas a «Antônio de Sequeira capitam da galeota quando tomou os barcos»; outras foram
dadas ao capitão-mór da armada que andava na costa do Algarve, D. Gonçalo Coutinho (280).
Um ano depois, isto é, a 6 de Julho de 1532, a náu foi posta «em sequo e em monte»,
desenxarciada e tirada a gávea, por se achar com o fundo coberto de busano e podre, conforme as
avia a
declarações prestadas por marinheiros, homens do mar e calafates que a vistoriaram. i
meses que ela não podia suster-se e metia muita água, receiando-se que o un o se a risse.
No dia 27 foi de todo desaparelhada, tirando-se de dentro uma porção de pipas e aduelas que la se
encontravam ainda.
(277) Antônio de Campos ignorava quem fosse a pessoa que em Vila Nova de Portimão, nesta data e na ausência
do almoxarife efectivo, estava desempenhando as funções dêste funcionário.
í279) Corpo3C/lron^P^ll M 169, já citado Doe. 132: Auto que mandou fazer Diogo d Oliveira, etc.
po) Em 23 dêste mesmo mês e ano foi passado mandado a Diogo de Oliveira para entregar quatro berços
(Corpo Chron., P. II, 169, 136).
140
A EXPEDIÇÃO DE MARTIM AFONSO DE SOUSA
A 2 de Setembro seguinte fêz-se nova vistoria, verificando-se que a náu estava «toda comesta
e gastada». Quanto ao batei (esquife), que era de quatro remos, a 20 de Fevereiro de 1533 viu-se que
estava alagado, quebrado e despedaçado no esteiro, «por ser já podre» (28i).
Nem no Livro, nem no Auto se encontra referência a prisioneiros franceses enviados nesta
náu. Certo é, porém, que os levava. Consta isto da carta que, de Ruão e aos 17 e 18 de Novembro de 1531,
o Dr. Diogo de Gouveia escreveu a D. João III, dizendo-lhe: «Eu mo ochei ãqui oje 17 de novêbro e o
almirante era vindo aqui.., elíe me mãdou mostrar huã carta que no mesmo ponto da sua chegada
viera de lixboa desses franceses que la forã presos no brasil per Marfim Affonso de Sousa. E depois
de elle aqui ser chegado as molheres e parentes e parentas se foram lançar diante delle a lhe pedir justiça
e principalmente a molher do pilloto ou mestre que chamavam Pero Serpa. Elle me disse que me rogava
que visse este negocio e esprevesse a i/ossa Alteza que os mãdasse soltar. Eu nõ sei o porque elles
sam presos porem sei que deste negocio nè ha de aver muito proveito se nã é como na cartà diz, que o capitão
moor mandou enforcar este Pero Serpa, e que catou todo o navio pera ver se achava alguma cousa
afora bresil, e dizem que non achou nada, eu por o que devo a deus e a V. A. e ao proveito desse
Reino queria ver todas estas cousas postas em outro rumo e que se levassem por outra manha
Do mais beijarej as mãos de V. A. se mãdar soltar estes homês se per outra cousa nõ sã presos
mais que por serem achados carregados de bresil» (2S2).
No dia 29 de Fevereiro do ano seguinte Diogo de Gouveia voltou a interceder por esses
prisioneiros, escrevendo ao monarca nestes termos: «Senhor—Eu sprevi a [7. A. acerqua desses franceses
que forõ presos no bresil em ho veram pasado como estando eu aqui per todos los santos o almirante
me mandara chamar que era vimdo antes que ei Rei aqui viesse stranhãdo muito este negocio e muito
mais a morte de hum Pero Serpa gramde pilloto e mestre da nao destes presos dizendome que sprevesse
a [/. A. e a dom Am tomo... Eu já por muitas vezes lhe sprevi o que me parecia deste negocio... asi
que tornando ao ponto da prisam eu nom conheço nem sep os méritos da causa porem se por outra
cousa nom sam presos que por irem la resgatar pareceme que V. A. os deve logo de mandar soltar
isto sub correptione mehoris judicii porque me parece que histo he mais seu serviço, e proveito de
seus vasalos» (283).
Desta carta de Diogo de Gouveia -se conclui também que no mês de Fevereiro de 1532 os
franceses enviados um ano antes para Portugal com João de Sousa continuavam presos em Lisboa (284).
Conquanto no mês de Setembro de 1531 a frota de Martim Afonso ainda se achasse na ilha da
Cananéa, em viagem para o sul, a Medina dei Campo chegou a notícia de que o capitão-mór mandara do Rio da
Prata para Portugal ouro e prata, tendo lá desbaratado em uma ilha um navio de castelhanos ..! Sabemo-lo
pela carta que, em 24 de Outubro dêsse ano, o embaixador português junto da imperatriz, Álvaro
Mendes de Vasconcelos, escreveu a D. João III, quando diz: «e este correio que agora de la veiu que
a imperatriz dice que mandava a saudar V. A. e a rainha nossa senhora não foi a outra cousa senão a
saber se era verdade o que se cá diz: a saber que Martim Affonso mandou já do dito rio ouro e prata
e que desbaratou lá em uma ilha um navio de castelhanos. A resposta que Lopo Furtado disto mandou
ainda a não sei, farei quanto poder pola saber» (285).
... C3') A 7 de Janeiro de 1541 foi passado Alvará régio para se levarem em conta a Diogo de Oliveira 11$490 reais.
Náu que Martim Afonso tomou aos franceses (Corpo Chron., Parte I, 69, 7).
(232) Corpo Chron., P. I 47, 105.—Neste mesmo Maço está uma carta de Diogo de Gouveia, do mesmo dia 18
de novembro,2S3ao Secretario Antomo Carneiro sobre navios apresados. E o Doe. 102.
( ) Corpo Chron., P. I, 46 (e não 1, como inadvertidamente escrevemos em a nota 15), 64.
<234) ignoramos qual o número dos prisioneiros conduzidos por João de Sousa. Varnhagen diz que foram «trinta
e tantos ^ (Pág. 176 da Historia Geral, 3.a edição). Deve ser confusão com os que ano e meio depois desembarcaram em
Portugal com Pero Lopes de Sousa (Ibid., pág. 191). O sr. Rocha Pombo (pág. 53) louvou-se certamente em Varnhaqen,
dizendo que 2S5
foram <uns trinta».
( ) Corpo Chron., P. I, 47, 82.—Não resistimos à transcrição destoutra parte da mesma carta: < a imperatriz
me disse que afitn de V. A não mandar áquelle rio e terras que o imperador possue: a ysto lhe respondi que já V. A. tinha
mandado e não ás terras do imperador senão ao que credes que é vosso e descoberto pollos vossos ou por ninguém e se
pode descobrir de novo e que pera cujos vasalos do imperador V. A. usara dos resguardes e amisades que polo regimento
de martim afonso se veria e por isso e por tudo se não poderia dizer senão que o que V. A. fazia e mandava fazer era
muito justo e devido. Diceme porque não mandaria V. A. tornar martim afonso ate se saber cuja era aquella terra. Res-
pondilhe que se V. A. o não mandara com mui bom conselho e como devia fora rezam que o mandara tornar e ainda pera
iso era mais curto caminho e demais amisade o que V. A. offerecia, -a saber que se acrarasse a verdade de quem primeiro
descubrira conforme a capitulação feita entre elrei D. João e os reis seus avós... » — Dêste embaixador e com respeito
a questão do Rio da Prata, devem também ler-se, no Corpo Chron. Parte I, as cartas que escreveu a 18 de Setembro
(M. 47, Doe. 52), 2 e 10 de Outubro (M. 8, Doe. 44 e M. 47, Doe. 68), 18 de Novembro (M. 47, Doe. 104) e 24 de Dezembro
(M. 48, Doe. 18) —àlém da de 14 dêste último mês (M. 48, Doe. 8), já trasladada no Vol. II da presente obra.
141
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Tudo leva a supôr que tal notícia, completamente destituída de verdade, teria resultado de
uma adulteração ou deturpação do facto dos apresamentos efectuados nas alturas dos Cabos de
Percaauri e de Santo Agostinho e da ilha de S.t0 Aleixo, nos dias 31 de Janeiro e 2 de Fevereiro
deste mesmo ano de 1531, e da chegada da náu francesa capitaneada por João de Sousa, com um carre-
gamento completo de pau brasil.
Pelo que lemos na primeira parte do preâmbulo ou relatório que precede a carta de marca
passada em 13 de Fevereiro de 1543 ao célebre e já então mui celebrado João Ango (286)— estamos
inclinados a crer que, das três náus apresadas aos franceses, uma das duas não queimadas tinha o
nome de Michelle e havia sido enviada da Normandia por êsse activo corsário, governador de Dieppe:
menos provávelmente a Nossa Senhora das Candeias (ou Santa Maria das Candeias) do que aquela que,
poucos dias passados, foi despachada para Portugal sob o comando de João de Sousa (287).^ ^
A Michelle deve ter saído de França em 1530, porventura antes de ao temido corsário haver
sido dada a primeira carta de marca (27 de Julho dêste ano)-e ainda em vida de João da Silveira,
então embaixador de D. João 111 junto de Francisco I (288).
Conquanto não traga referência directa ao ano a que alude quando trata da nau Michelle,
aíigura-se-nos referida ao ano de 1531 a parte do preâmbulo a que me reporto (289). E que, após a
frase inicial puys unze ans en ca — Q quando já não se trata desta náu, mas de dois outros navios
igualmente armados por João Ango —aí lemos o seguinte: «E ainda depois (Et encores despuys) tendo
o nosso dito conselheiro [João Ango] enviado ao dito país de Guiné uma nau de 300 toneladas
chamada Allouète e um galeio de 70 toneladas chamado Musette^ carregados de diversos bens e merca-
dorias de grande valor para traficarem no dito paiz, teriam os ditos navio e galeão (quando seguiam a
sua derrota) sido perseguidos na vigília da festa de S. Simão e S. Judas [dia 28 de Outubro], no ano
mil vcxxxij [1532] pelas caravelas e náus do nosso dito irmão, alliado e confederado 1D. João 111]...».
Híccpmnç fni também entre 24 de Fevereiro e 1 de Março de 1531 que Martim Afonso enviou
São unânimes os autores afirmando que foi Diogo Leite, já nosso conhecido, capitão duma
destas caravelas, o nauta a quem Martim Afonso incumbiu o comando desta expedição. Diogo Leite
percorreu a costa do norte até, pelo menos, a foz do rio Gurupy, divisória dos actuais Estados do Pará
e do Maranhão, recebendo êsse sítio o nome de Abra de Diogo Leite, conforme se vê no Mapa de
Gaspar Viegas (1534) e vém mencionado na doação de 18 de Junho de 1535 feita a Fernão de Álvares (293).
Mais a oeste se vê designada a baía de S. João. Chegaria a ela Diogo Leite, no dia dêste
santo (24 de Junho), depois de haver entrado, a 19 de Março, na baía de S. José, e a 25 de Abril na
de S. Marcos: se é que estes nomes não haviam sido anteriormente dados por Diego Lepe, em 1500 (294).
O rio de Maranhão «era delRei nosso sõr e dentro da sua demarcação (295).
Êste deve ter sido um dos rios a que Martim Afonso de Sousa se referia na sua exposição
feita à rainha D. Catarina em 1557.
Um mês e três dias, contados desde a segunda saída da Bahia de Todos os Santos, levou a
armada a chegar à bôca do Rio de Janeiro —«Saóarfo xxx dias dabril no quarto dalva éramos cõ a
boca do Rio de JanrP (299) e por nos acalmar o vêto surgimos a par de huã ilha q esta na êtrada do dito
Rio em fundo de xb [quinze] braças darea limpa, ao meo dia se fez o vêto ao mar e entramos dentro
com as nãos. este Rio he mui grande tem dentro oito ilhas e asi mujtos abriguos faz a êtrada norte sul
toma da quarta do noro estesueste. tem ao sueste duas ilhas e outras duas ao sul e tres ao sudueste e
entre ellas podem navegar carraças he limpo de fundo .x.xij braças, no mais baxo. sem Restingua nenhã
(2") Chancelaria de D. João III, Liv.o 21, fl. 73. Confr. o Atlas de_ Vaz Dourado, folha 3.a.
(294) Assim se expressou Varnhagen. Historia Geral do Brazil, pág. 176 da 3.a edição, nota 2.
t2") pi. 3 v. do Códice, como já vimos. , , • . ,
(29c) Depois da palavra <avia» e antes de «xxi|», le-se no Códice a sílaba tre, riscada pelo copista. Advirta-se
que trinta anos é o tempo que —como veremos mais adiante, quando chegarmos à ilha da Cananéa —o Códice diz estar
degredado um bacharel aqui encontrado pela expedição.
(293) O'caramurú'perante a historia.—Artigo de Varnhagen no Tômo X (1848). págs. 129-133, da Revista Trimensal.
(299) por aqUi se vê quam errônea era a afirmação ou opinião de certos autores para os quais a chegada de
Martim Afonso de Sousa ao Rio de Janeiro se teria efectuado no primeiro dia do mês de Janeiro de 1531, ou, segundo
outros, em igual dia e mês de 1532. , j e- j • -j.
Em não menor êrro histórico incorreram os que atribuíram a Martim Afonso de Sousa a denominação de Kio de
Janeiro dada àquele ponto do litoral brasileiro. Vide o que sôbre êste ponto escreveu Varnhagen nas suas edições ác Diário,
nas notas relativas a esta passagem do Códice.—«O cabo frio se corre co o Rio de Janr.o leste oeste» (Fl. 10 v. do Cod.).
143
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
e o fundo limpo, na boca de fora tem duas ilhas da banda de leste e da banda da loeste tem quatro
ilheos. a boca nõ he mais q de hü tiro darcabuz tem no meo huã ilha de pedra Rasa cõ o mar. pegado
com ella ha fundo de xbiij braças darea limpa, esta em altura de .23. g. e hü quarto, como fomos dètro
mandou o capitam J. fazer huã casa forte, com çerqua por deRador (3oo) e mãdou sair a gente em
terra e por em ordem a ferraria pera fazermos cousas de q tínhamos necessidade, daqui mandou o
capitam .J. quatro homêes polia terra dentro e foram e vieram en dous meses e andaram pila terra
x. e xb [cento e quinze] leguoas. e as Ix [sessenta] (soi) dellas foram por montanhas mui grandes,
e as ./. [cincoenta] foram por hü campo mu] grande e foram ate darem com hü grande Rey Senhor
de todos aquelles campos e lhes fez mujta honrra e veo cõ elles ate os emtregar ao capitam .]. e lhe
trouxe muito christal e deu novas como o Rio de peraguay avia mujto ouro e prata, o capitam lhe fez
muita honra e lhe deu muitas dadivas e o mandou tornar pera suas terras, a gente deste Rio he como a
da baia de todolos santos, senam quanto he mais gentil gente, toda A terra deste Rio he de montanhas
e serras müj altas, as melhores aguoas ha neste Rio q podem ser. aqui estivemos tres meses tomando
mãtimêtos pera hü ano pera cccc homãs q trazíamos ...» í302).
A ilha da Cananéa foi reconhecida no dia imediato àquele em que um temporal surpreendeu
a armada estando fundeada na ilha em que Martim Afonso e seu irmão estiveram caçando «rabiforcados
e alcatrazes, que eram tantos que cobriam a ilha».— «Sabado xij [doze] dias do mes dagosto cõ o veto
nordeste fazíamos o caminho do essudueste e ao meo dia vimos terra seriamos delia hü tiro dabombarda
e por nos afastar delia (303) viramos no bordo do mar ate ver se alimpava a nevoa pera tornaremos a
conheçer a terra, indo asi no bordo do mar mandou o capitam .]. aRibar pera íazeremos nossa viagem
pera o Rio de sãta maria. e fazendo o caminho do sudueste demos cõ huã ilha quis nossa srã e a
bêavêturada sãta crara cujo dia era q alimpou a neboa e Reconheçemos ser a ilha da cananea. e fomos
surgir antre ella e a terra em fundo de sete braças esta ilha tem em Redondo huã leguoa faz no meo
huã salada (304). esta de terra firme hü quarto de leguoa. he desabrigada do veto susudueste e do nordeste
q quãdo ventã mete mu] gram mar: desta ilha ao norte duas leguoas se faz hü Rio mu] grande na
terra firme na barra de prea mar tem tres braças e dètro oito nove braças, por este Rio aRiba mandou
o capitam hü bargantim e a pedre afies piloto q era hnguoa da terra q fosse Aver fala dos
Índios. Quinta fa xbij dias do mes dagosto veo pedre afies piloto no bargãtim e cõ elle veo fr.c0
[Francisco] de chaves e o bacharel e cinquo ou seis castelhanos, este bacharel avia xxx anos
q estava degradado nesta terra (305) e o frS0 de chaves era mu] grãde Hnguoa desta terra, pila enfor-
maçam q delia deu ao capitam .]. mandou a p0 lobo com oitenta homêes q fossem descobrir^
polia terra dètro porq ho dito fr.co de chaves se obrigava q em dez meses tornara ao dito porto cõ
quatro cêtos escravos carregados de prata e ouro. partiram desta yiha ao primeiro dia de setêbro de mil
e 1531. [sic] os quarenta besteiros e os quarenta espingardeiros. aqui nesta ilha estivemos quarêta e
quatro dias nelles nunqua vimos o sol: de dia e de noite nos choveo sempre com mujtas trovoadas
e Relãpados: nestes dias nos nõ ventarã outros vètos senã des do sudueste ate o sul. derã nos tã
grãdes tròmentas destes vètos e tã Rijos como eu em outra nenhuã parte os vi vètar. aqui perdemos
mujtas anchoras e nos quebrarã mujtos quabres... A ilha da cananea esta è altura de .25..g.* (306).
noo) Tratando da cidade do Rio de Janeiro, diz Gabriel Soares no cap. LI1 do seu Roteiro Geral: «Na ponta
cPesta cidade e ancoradouro dos navios, que está detraz da cidade, está uma ilheta, que se diz a da Madeira, por se
tirar delia muita; a qual serve aos navios que aqui se recolhem de concertar as vellas E
outra oonta fazendo a terra em meio uma enseada, onde esta o porto que se diz de Martim Affonso> (Revista lumensal,
Tômo XIV, 1851 pág. 84). Confr. Rocha Pombo, nota 2 de pág. 54. —«Ainda, ao certo, não se sabe onde foi o Po^o de
Martim Affonso de Sousa entre as numerosíssimas enseadas da embocadura e da penphena da nosso bahia» (pag. 1059 da
Revista do Instituto histórico, volume especial de 1915, artigo do sr. dr. A. Morales, já citado). .... _ . .
(soi) Deveria ser Ixb (sessenta e cinco). No Códice o x está um pouco sumido e e seguido de uma raspadela.
302
( ) Fl. 10 v.-U do Códice. . ..
(303) Nas edições de Varnhagen lê-se: «. . . da bombarda ate ver se por nos atastar delia. ■ ■
(304) Varnhagen acertadamente preferiu a grafia sellada, conforme teria encontrado em alguma das outras duas
cópias do s f parte onde a serra quebra) e {az aberta baixa como a da sella, por onde se passa, entra»
(Diccionario da lingua portugueza, de Antônio de Morais e Silva). —«Fez a natureza a serra tao asseilada, e escachada te
o andar do mar» (João de Barros, Década II, Liv. 7.°, cap. 8.°). ^ r , u
(3053 Quem era o bacharel da Cananea?—João Ramalho, o bacharel de Cananea, precedeu Colombo na desco-
berta da América?—Artigos de Cândido Mendes de Almeida no Tômo XL (Parte 2.a, 1877),e págs. 163-187-247 e 277-293.
Sôbre o bacharel da Cananea confr. Compêndio de historia do Brazü, do P. Rafael Qalanti, pag. 85-86.
(306) pi. 12 do Códice.
144
A EXPEDIÇÃO DE MARTIM AFONSO DE SOUSA
Num artigo publicado na Revista do Instituto Histórico e Geographico de S. Paulo (30?) diz
o seu autor, Ernesto Guilherme Voung: «Não podemos duvidar que uma das primeiras, sinão a primeira
expedição organisada com o fim especial de procurar ouro no Brasil, partiu no dia IP de Setembro
de 1531 da frota commandada por Martim Affonso de Sousa, quando ancorado ao pé da Jlha do
Abrigo, em frente á barra de Cananea».
O naufrágio —na actual fronteira meridional do Brasil —da náu capitânia e de um dos
bergantins, com a morte de 7 homens e a perda dos mantimentos que naquela iam, constituíram um
enorme transtorno para a realização de um dos fins principais da missão incumbida a Martim Afonso
de Sousa: a exploração e colonização do Rio da Prata. Martim Afonso convocou então um conselho.—
«■Estando aqui tomou o capitão .]. cõselho cõ os pilotos e mestres e cõ todos os q erã pera iso e todos
acordara e asêtarã q elle nõ devia de ir pilo Rio de sãfa maria a Riba per muita [sic] Rezões e q a húa
era nõ terè mantimêtos q todos se avia perdido quando a nao se perdeo e a outra q as duas nãos
q fiquarã (308) estava tã gastadas q se nõ poderia soster tres meses e a 3a era pareçer o Rio inavegavel
pllos grandes temporaès q cada dia fazia sendo a força do verão e por estas Rezões e outras mujtas
q derã fizera q o capitão . desistise da ida. e me mandou em hú bragãtim cõ .xxx. homès a por bus
padrões e tomar posse do dito Rio por el-Rei noso sõr e q dètro è .x x dias tr abai base por tornar porq
o porto onde as nãos estavã era muito desabrigado* (309).
É-nos completamente desconhecido o que Martim Afonso e os expedicionários que com êle
ficaram em terra e nos três navios, fizeram durante os 34 dias de ausência de Pero Lopes. «Muito
provável (diz Varnhagen) é que no entre meio de tantos dias, em que Pero Lopes demarcava o rio da
Prata, não estivessem ociosos os pilotos que haviam ficado na costa com Martim Affonso. Em terra
tiveram occasião de fazer freqüentes observações astronômicas sobre a latitude e longitude do logar, e
isso lhes dana a convicção, e ao Capitão mór, de que aquella costa, e com mais razão todo o rio da
Prata, já se achavam fóra, isto é, mais a Loeste, da raia até onde se estendia, pelo tratado de Tordesilhas,
o domínio portuguez naquellas paragens. Ao conhecimento deste facto em Portugal devemos attribuir o
não proseguirem em Madrid as reclamações ácerca desse rio; o desistir a que lie reino de mandar mais
frotas ás suas aguas; e até o não doar, quando doou outras terras, as que ficaram além das de
Sant-Anna, ou da Laguna, onde terminava a courela de que de direito ainda por ahi lhe tocava. Talvez
também pelo conhecimento desse facto, mais que por serem ahi as terras (no littoral) sáfias e areentas,
é que Martim Affonso não se deixou ficar nas plagas da actual província do Rio Grande, onde o lançara
de si o proprio mar, e decidiu retroceder mais para o Norte, a buscar outro local onde fixar-se
de preferencia* (3io).
Havia decorrido um ano menos dois dias sôbre a partida da ilha de S. Tiago (porto da
Ribeira Grande), quando a expedição largou da ilha das Palmas e com rumo ao norte navegou para a
ilha de S. Vicente, préviamente escolhida para assentamento de uma povoação (Vide a parte final do trecho
trasladado em a nota 258). Depois de mais 21 dias de viagem, aqui chegaram a 22 de Janeiro, dia do
(307) v0j vi (1900-1901), pág. 400. O artigo intitula-se Subsídios para a Historia de Iguape. Mineração de ouro
e ocupa as págs. 400-435.
Em outro artigo dêste mesmo autor e na mesma Revista (Vol. VII, ano de 1902, págs. 286-298), lê-se o seguinte:
«Sobre a data da chegada destes homens l]oão Ramalho, Antonio Rodrigues, Francisco de Chaves, Duarte Peres e AÍeixo
Garcia] a nossa Historia é omissa, não tendo sido possível encontrar dados sufficienfes para podermos precisar taes aconte-
cimentos... A respeito de Francisco de Chaves, não ha duvida que elle era morador na visinhança de Iguape ou da Cananea
no anno de 1531, conhecendo onde existiam mineraes preciosos e falando bem a língua dos indígenas... Não ha certeza do
tempo da chegada deste Francisco de Chaves aqui, nem provas positivas da sua nacionalidade, podendo-se, porem, suppor
que fosse portuguez pela distinção que faz o auctor do Diário da navegação da armada sob a capitania de Martim
Affonso de Sousa >.
(308) o galeão S. Vicente e a náu S.ta Maria das Candeias. Além dêstes dois navios, Martim Afonso tinha ainda
a caravela S.ta Maria do Cabo, que ele agregara à fróta na Bahia de Todos os Santos. E manifesta a confusão do P.e Rafael
Galanti quando (a pág. 78 do seu Compêndio) diz: «Faltava o galeão S. Vicente, que, contrariado pelos ventos, fôra obrigado
a voltar para Lisboa». Isso deu-se, como já vimos, com a náu S. Miguel.
Vide nota 263.
(309) Fl. 16 do Códice. —Referindo-se às muito minuciosas'informações que desta exploração do rio da Prata
nos dá a Naveguaçam, diz Varnhagen: «Ainda mal, são justamente todas alheias à nossa historia, e mais poderão interessar
á dos estados311)limítrofes do Brazil pelo Sul» (Historia Geral, pág. 181 da 3.a ed.).
( ) Historia Geral, págs. 181-182 da 3.a edição.
28
145
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
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seguras ^ desde "que de ali partiu Pero Lopes de Sousa para a Europa. Ignoro se teem algum
continente brasuico, aesae qu i _ rta^nar da Madre de Deus arquivou nos
7:
beberem 7: de
a Ilha rrAmTwonTse
ò. amaro, vxpun TpeZo
1 a da travessia da barra.
Tarará iunto Por estas,
ao mar ou aalgunta
em sitio outra
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razdo, que levantou a V. a no tm da ^ ^£7: Zm outeiro... Para Matris
distante do porto de TumiacU, en q { dê de Concelho, e todas as mais
volta, escolhendo-se logo a paragem de S. Vicente para ^°nuscrit<5 constante do Códice da Ajuda, alguns dos
Antes da pubhcaçao feita POL.VarnhaSen..ema<-n3"" as denominações de r/o de S. Vicente, porto de
'.•ssíírsr.
defendida péto^r^oão.Mendes d^ ^ ^"oi riscado peto coplst. e substituído, pelo mesmo punho
e com ,sua, ^ ' *** ~ «- ^ ^
govêrno
a
militar confiou a íoâo Ramalho, com 0 ,!tu'° ds Suarda /mor o carrip Tômo XL (parte 2.3, 1877),
Sôbre ]oão Ramalho ve)am-se: Revista rr/mcnsaZ-Tomo U U8w; p 8 270-279, 280-285, 299-438; e
págs. 277-293; Revista do Instituto Histórico de S. Paulo-Tomo VII (1902), pags.
Tômo IX (1904), págs. 444-484, 563-569. Teodoro Sampaio sob o título de Restauração histórica
Neste mesmo Tomo (pags. 1-19) ha um artigo de Vicente e S> Amaro, bem como de
da Villa de Santo André da Borda do Campo; com uma planta das ilhas de 3. vic
Piratininga e S. Paulo. t • u • cíhcs mandada nnr Martim Afonso ao porto dos Patos (ilha de S.ta Catarina)
(315) No dia 3 do mes anterior h^m sndo mandada por Marnm companhia da frota, quando a
a fim de saber se aí se encontraria o bergantim, ou a sua tripulação, que se pei
expedição navegava para o Rio da Prata.
(316) Fl. 26 v.-27 do Códice.
146
A EXPEDIÇÃO DEMART1M AFONSO DE SOUSA
«Guiado pelos conselhos de Antonio Rodrigues—diz o sr. Rocha Pombo, pág. 70—ordenou
Martim Afonso de Sousa que se construísse um fortim provisorio e atalaia na ponta de S.fo Amaro,
junto à barra de Bertioga. É por aquelle lado que havia perigo de assaltos, e convinha, antes de tudo,
cuidar da defesa e segurança da colonia, para mais tarde expellir os contrabandistas e submeter
os naturais».
Certo é que em 10 de Outubro deste ano de 1532 se achava o capitão-mór em Piratininga,
pois de aqui é datada a sua carta de sesmaria passada a favor de Pero de Góis (3i7). Entretanto
continuava ignorando se D. }oão III havia recebido as cartas que lhe escrevera e enviara de Pernambuco
por ]oão de Sousa em fins de Fevereiro do ano anterior. El-rei veio a responder-lhe somente em 28
de Setembro do decorrente ano de 1532. Esta resposta (3i8) foi-lhe enviada, por intermédio do mesmo
João de Sousa (3'9), com duas caravelas—certamente das três que neste ano partiram para o Brasil, de
que nos fala Fr. Luís de Sousa a fl. 6 v. do seu Borrador, neste apontamento extraído do Livro I da
Colecção do conde da Castanheira:
[<)
cscsi zsxiiczrsrzarxtrittis^
(317) «Dada em Piratininga a 10 dias do mez de Outubro. Pedro Capico escrivão de El Rei Nosso Senhor e das
sobreditas o fez. Anno de mil quinhentos e trinta e dois». Apud Azevedo Marques—Apontamentos históricos, Tômo II, pág. 169.
Falando de Martim Afonso de Sousa, escreveu também Pedro Taques: «Penetrou a serra de Parampiaçaba e veio
ao reino de Piratininga, que então governava Teviriça. Estando nestes campos de Piratininga, concedeu terras a Braz Cubas,
por sesmaria escripta por Pedro Capiquo, escrivão das sesmarias, por Sua Magestade assignada por Martim Affonso de Sousa,
e datada em Piratininga a 10 de Outubro de 1532—Carfor/o da Provedoria da Fazenda, Liv.» de registo de sesmarias,
tit. 1562 até 1580, pág. 103». Apud Revista Trimensal, Tômo ÍX, pág. 144.
(3,s) Vai publicada em Apêndice, conforme a cópia publicada no Tômo VI das Provas da Historia Genealogica
da Casa Real (págs. 318-319), e tirada, no dizer de D. Antônio Caetano de Sousa, do Nobiliario de D. Luís Lobo da Silveira.
(3i9) Diz o sr. Rocha Pombo, a pág. 78 do Tômo 111 da sua Historia do Brazil: «Não se tem noticias positivas
de que, depois de Martim Affonso, chegasse ao porto [de S. Vicente] algum navio do reino antes de ]oão de Sousa, ou
mesmo alguns traficantes dos que já conheciam aquella parte da costa. Mas é perfeitamente admissível a hypothese de que
a bahia continuasse a ser freqüentada».
Em nota, porém, de págs. 72-73, dizia o mesmo autor—ao ocupar-se de certas divergências de redacção da carta
de poderes conferida em 20 de Novembro de 1530 a Martim Afonso de Sousa para conceder sesmarias: «Ambas as cartas
[a que vém registada no Liv.o 41 da Chancelaria de D. João 111 e a que nos é dada por Pedro Taques, Fr. Gaspar da Madre
de Deus e outros], a final, são verdadeiras. A primitiva foi derogada pela segunda, pois D. João, logo depois da partida de
Martim Afonso, resolveu modificar aquelle regimen absurdo. . . Esta modificação no regimen territorial foi feita logo, pelo
menos antes de Outubro de 1532. Na carta de sesmaria de Pero de Qoes (datada de 10 desse mez) vem já transcripta a
carta regia segundo a minuta de Pedro Taques. Ora, João de Sousa ainda não tinha chegado de volta do reino a S. Vicente.
Em 10 de Outubro de 1532 as modificações já haviam sido feitas, portanto, e communicadas ao capitão-mór sem duvida por
alguém que precedera em S. Vicente a João de Sousa. Da carta que por este escrevera d. João a Martim Affonso, vê-se
que logo depois da partida da expedição, de Lisboa para a America, foram tomadas medidas novas em relação aos domínios
da corôa. A conseqüência a tirar dahi é que antes de João de Sousa viera alguém do reino a S. Vicente*.
í323) Referimo-nos aos três seguintes:
<1532.—No anno de 1532 foy huã armada pa a Malagueta de q foy por Capitâo-mor duarte Coelho, E leuou o
galeão grande S. João, huã Nao E duas Caru.1|as.
No dito anno Anf.o Corrêa ao Estreito cõ hú3 galeão E oyto Caru.Has.
No mesmo anno o Arcebispo dõ Martinho p passar a Roma a Nao S. Roque E o Galeão Trindade».
Acrescente-se que neste ano foi também uma armada para as águas dos Açores: capitão, Aires da Cunha (Corp.
Chron., P. I, 321
49, Does. 89 e 91).
( ) No Liv.o 12, fl, 11 v., da Chanc. de D. João III encontra-se registada uma carta de filhamento de bombar-
deiro da nomina a favor de um Gonçalo Afonso Português, morador em Lisboa, datada de 4 de Dezembro de 1525; na data
de 28 de Maio de 1532 há uma outra passada a Gonçalo Afonso da Mouraria, também morador em Lisboa (Liv.o ig, fl. 88).
Tinha o mesmo nome um outro bombardeiro a quem foi passada carta dêste ofício em 1 de Fevereiro de 1533 (Liv.o 20, fl. 165 v.).
147
«
*
Senhor por dispenseiro, de hum pedaço de terra na Barra da Bertioga, a qual partia, donde chamam
em lingoagem dos Índios Acaragua.(322). , , .. .
De um documento de que acima nos aproveitámos já (223), quando tratamos do dia da partida da
expedição de Lisboa para o Brasil, e que na íntegra publicaremos mais adiante, conclui-se que uma das
três caravelas expedidas em 1532 tinha o nome de Espera, a qual, segundo o mesmo documento, chegou a
Pernambuco no dia 30 de Outubro levando a seu bordo Paulo Nunes —enviado de Portugal para capitao
da fortaleza daquele porto. Ali se achava então Pero Lopes de Sousa, como veremos.
Ao contrário do que temos lido em diferentes autores que da carta-resposta se ocuparam ou
lhe fizeram referência, estamos persuadidos de que o regresso de Martim Afonso para Portugal não foi
originado nem determinado pela leitura dessa régia missiva-na qual aliás, longe de qualquer ordem
para que volte, apenas vemos que D. João III deixa ao arbítrio e deliberação do capitao-mor ficar ou
não naquelas paragens mais algum tempo. .. , , .
Quanto a nós, essa ordem-que o próprio Martim Afonso nos diz ter-lhe sido dada «acabo
de tres annos^-foi-lhe transmitida por carta ou cartas do princípio do ano de 1533, escritas ia no p eno
conhecimento dos factos ocorridos no Brasil desde a saída de João de Sousa de Pernambuco (nos
fins de Fevereiro de 1531) para Lagos ou Tavira até a partida de Pero Lopes de Sousa do mesmo
pôrto (a 4 de Novembro de 1532) para Faro; factos desconhecidos do monarca a data da sua carta de
28 de Setembro de 1532, mas minuciosa e circunstânciadamente narrados, a D. João III e ao conde da
Castanheira, na segunda quinzena de Janeiro de 1533 pela bôca do mesmo Pero Lopes. E nossa
convicção que tal ordem—«mandoume el Rey vir de laa»-foi expedida por um dos navios saídos do
nôrto de Lisboa em Fevereiro ou Março de 1533, ou directamente para o Brasil, ou pela costa da
Malagueta com as instruções enviadas a Duarte Coelho então naquela costa. Num deles veio para
Pernambuco Vicente Martins, que também foi capitão da fortaleza dêste pôrto e igualmente mencionado
no Documento do Corpo Chron., Parte II, 202, 11, já referido. ^
Adiante extractaremos os documentos em que se funda este nosso imza _ . ^ ^ ♦
Como se sabe, Martim Afonso achava-se em S. Vicente no dia 10 de Fevereiro de 1533, data
da carta de sesmaría passada a Rui Pinto (3^) e também no dia 4 de Março imediato, em que passou
a carta da sesmaría de Francisco Pinto (325).
Nas vésperas do seu embarque para Portugal, Martim Afonso teve noticia—segundo refere
Fr Gaspar da Madre de Deus (326)_de que os 80 homens que em 1 de Setembro de 1531 mandara da
Cananéa em exploração do ouro e prata, haviam sido massacrados pelos índios; e «nao lhe sendo possível
castigar pessoalmente o insulto do Gentio, como desejava, por estar muito proximo o seu embarque, ordenou
que os aggressores fossem punidos com mão armada, ordenando por Capitao de Guerra os Fidalgos Pedro
cíq Goqs q Ruis Pinto *
No dizer de Pedro Taques, Martim Afonso de Sousa deixou em S. Vicente Gonçalo Monteiro
como seu lugar-tenente e capitão-mór da sua capitania, com todos os poderes que lhe podia delegar,
nos têrmos de uma das cartas régias de 20 de Novembro de 1530 í323). ^ _
Não sabemos ao certo em que mês e em que navio o capitão-mor da expedição se fez de
vela d ara a Europa. De presumir é, porém, que regressasse na caravela Santa Maria do Cabo—nmca
embarcação que restaria da sua fróta e que êle lhe agregara na Bahia de Todos os Santos quando
viajava para o sul em demanda do Rio da Prata. Igualmente desconhecemos qual a derrota da
torna-viagem e quais os portos brasileiros a que naturalmente teve de abordar.
mnwfmfiwnwnMnnf IM; .'."J
(322) Memórias, pág. 165. <
#3231 rnrr, rhrnn Parte II 202. 11. —Vide paq. 136 deste Volume. , , _ „
24
O ) Êste é o dia do mês que se lê na cópia publicada por Azevedo Marques, na pag. 172, Tomo H, dos
seus Apontamentos históricos-, na que foi publicada por Vambagen. em a nota 31 do final dod^0a^s ^cen/e ao
(l.a edição) e a págs. 87-88 da 3.a edição do Diário, o dia e o derradeiro deste mes. «...dada na villa de i>. viceme, ao
derradeiro dia do mez de fevr.o —Fero Capigr.o escrivão a fes ano de 1533 as >- Fazenda Liv o lo das sesmarias
Azevedo Marques ndiz que esta carta estava no «Cartono da Thezourana da fazenda, uv.o 1.° oas sesmanas
antigas, maço 4 o de d f "'oeus-Alemonas, págs. 16 e 138. A págs. 76. nota 2 da pág. anterior desta mesma
obra encontra-se um documento passado por Martim Afonso a 3 de Março dêste ano em S. Vicente a favor de Pero de Gois.
(327j Historia Geral do Brazil, págs. 229-232. Vide o que sobre êste facto diz E. O. Young.
a págs. 290-291 do já citado Vol. Vil da Revista do Instituto Histonco e Ge°3raPjjjc° de if"'.0' V , i
(328) Revista Trimensal, Tòmo IX, pág. 160.-Na Chanc. de D. João 'j' ^ f.1; J ®;:táp rea stada uma
carta régia, de 19 de Janeiro de 1537, concedendo a Antomo de Oliveira a m^ce dos «officios de feitor e almoxanfe
minha feitoria e alraoxarifado da capitania do Brasil de que tenho feito merce a Martim Afonso de Sousa».
148
»
A EXPEDIÇÃO DE MARTIM AFONSO DE SOUSA
Segundo refere o autor dos Annaes de D. João III (329^ Marfim Afonso de Sousa chegou às
ilhas dos Açores pelo mesmo tempo em que ali apareceram, de regresso a Portugal, 4 náus vindas da
índia sob a capitanía-mór de Antônio de Saldanha, para aguardar e proteger as quais tinha partido
para as águas daquele arqüipélago Duarte Coelho com sete embarcações da sua armada de guarda-costas
da Malagueta (330). Duarte Coelho achava-se de poucos dias nas águas açorianas quando lá chegaram
as náus de Antônio de Saldanha (33i) e juntamente o navio ou navios (332) de Martim Afonso
de Sousa (333).
Conforme refere o P.e Galanti, «na cidade de S. Paulo, no museu que pertenceu ao Sr. Ser-
torio, e hoje é do Estado, se conserva a couraça e a espada, ambos de um peso não commum, deste
illustre portuguez. Lê-se em um lado da folha da espada: —me saques sem necessidade; e no outro:
Não me embainhes sem honra-» (334).
É de crer que com o capitão-mór regressasse a Portugal João de Sousa. Êste deve ser o
mesmo que foi capitaneando para a índia uma das caravelas —precisamente a que tinha o nome de
Rosa (335)—da armada que, sob o comando superior de D. Pedro de Castelo Branco, saiu de Lisboa a 3
de Outubro de 1533 (336)i e da qual também faziam parte (como se vê na Ementa) a «Carauella Sphera»
capitaneada por Heitor de Sousa (de Ataíde) e a que era comandada por Baltazar Gonçalves.
(32') Borrador ou Caderno de seus apontamentos, fl. 26 v.; ou pág. 378 da edição dos Annaes. Aí, tratando-se
de Duarte Coelho, encontramos os seguintes, extraídos «Do L.o e papeis de Duarte dalbuquerque»:
«1533. Consta por carta delRey q veo [Duarte Coelho] da Costa da Malagueta cõ armada de sete vellas às Ilhas
3as esperar as nãos da Jndia—he carta feita ê Euora a 6 de Julho de 1533. . . Consta por hü papel de letra do grande
João de barros justificado por dous filhos seus de grandes seruiços q fez na Jndia por têpo de 20 annos. . .».
< 1533. Consta polo mesmo papel q naquelle anno q veo a esperar as Nãos às Jlhas à poucos dias de sua
chegada, forão cõ elle quatro aNãos da Jndia Cap. maior Ant." de Saldanha: E chegou juntamte martim afonso de sousa do
Brasil: E cõ 330
todos se veo a lix >.
( ) Da mesma lauda do Borrador (pág. 377 dos Annaes) transcrevemos estoutro apontamento de Fr. Luís de Sousa:
«1532. — Consta por huã prouisão dei Re p passada ê 21 de 8. br o de 1532 feita por Manoel de Moura em q S. A. dá
poder a Duarte Coelho para q na Armada ê q o manda à costa da Malagueta edificãdo fortalezas possa tomar menagês às
pessoas q nellas
331
deixar». .
(ta ) No Livro em que se contém toda a fazenda faz-se menção de dois navios vindos da índia em 1533:
a caravela S. 332Maria (chegada a 23 de ]ulho) e a náu S. Tiago (sem indicação do mês).
( ) É possível que alguma das três já referidas caravelas enviadas de Lisboa no ano anterior voltasse para
Portugal com333 Martim Afonso de Sousa. . . , ,
( ) Saiba-se que a 28 do mês de Julho dêste ano de 1533, D. João III assinou em Évora uma carta da qual
consta que Duarte Coelho apresara antes na Malagueta e levara para Lisboa um galeão francês. E esta a carta:
* Doutor Joham Rabello. Eu elRey vos emvyo muito saudar mandouos q loguo mandeis meter em pregam hum
gualeam francês que Duarte coelho capytam moor darmada da Malagueta trouxe ao porto desa cidade quamdo aguora_ veo
da ditta Malagueta e o façais vemder a quem por elle mais der e o dinheiro que se asy vemder fareis depesytar em mão de
pesoa segura asy como se fez na vemda das outras nãos framcesas e farceha diso auto pera em todo tempo se saber como
se fez. Manoell de Moura o fez em Évora a vymte oyto dias de julho dejbc xxxij». ^
Esta carta acha-se trasladada no «Awío que se fez sobre a venda do gualeam francês que foy tomado na costa
da Malagueta por Duarte Coelho capitam moor.—Spriuam Amdre Lopez> (Corp. Cfiron., Parle II, 184, 4.).
O galeão tinha o nome de Samta Catarina e foi arrematado no dia 12 de Agosto deste mesmo ano por Diego
Diaz, piloto, pela quantia de vinte e dois mil e quinhentos cruzados, os quais foram entregues em depósito ao
patrão-mór Simão Vaz.
(334) Obra citada, pág. 81. . t- i ■ «nu
(335) Varnhaoen páq 83 da sua l.a ed. do Diano. Confr. Annaes da marinha portugueza, Tomo 1, pag. 406.
Ò36) É a data indicada na Ementa e no Livro em que se contém toda a fazenda. Diz, porém, Fr. Luís de Sousa:
«Consta de carta de delRey, de 29 dTtgosto de 1533, que manda partir pera a índia Dom Pedro de Castel-Branco com dez
caravellas e dous navios, na monção de Setembro do dito anno> (Annães, pag. 378, in-fine). Segundo Diogo do Cou o
(Década IV, 8,7), esta armada «deu á vela entrada de Novembro.»
149
*
NO REGRESSO IE1XANDO o rio de S. Vicente ao fim da tarde do dia 22 de Maio de 1532 e dirigindo-se
DE PERO LOPES i para o norte, Pero Lopes fêz três novas estações na costa do Brasil: uma no Rio de
DE SOUSA A
PORTUGAL Janeiro (337), de um mês e dez dias (338), outra na Bahia de Todos os Santos, de doze
dias (339), e a terceira em Pernambuco (340), de cêrca de dois meses e meio í341).
m Nesta derrota, a Naueguaçam refere-se à ilha de S. Sebastião (no dia imediato
ao da saída do Rio de S. Vicente), à ilha das Pedras (em 2 de julho), ao Cabo Frio (dia 4 dêste mês),
aos Baxos dos parguetes e à ilha dos Baxos (dia 14, id.), à Pedra da Galé, Recife de sam migel e
Cabo de Santagustinho (dia 31, id.), às terras de santantonio (3 de Agosto) e à ilha de S.t0 Aleixo
(9 horas do dia 4 dêste mês).
<Dominguo iiij0 dias dagosto 1532... as nove oras do dia vi a ilha de sãtaleixo demoravame^
ao norte e como me acheguei mais a ella vi huã nao q estava surta ãtre ella e a terra pareçia ser mui
grande logo me deçi da gavia e mãdei fazer prestes a artelharia e [o copista escreveu e riscou aqui a
palavra mandei] fazer sinal ao galeão (342) q vinha por minha popa. e enchegando Isic] a my lhe disse
q pusesse a artelharia em ordem e se fizesse a gête prestes porq se a nao q estava na ilha surta fosse
de frança avia de pelejar cõ ella* (343).
Não admira; despejar estas costas «cte cossairos francezes, que hião tomando nellas muito
pé*—era um dos fins a que iam ao Brasil os navios da expedição de Martim Afonso de Sousa.
i De que nacionalidade seria, porém, a náu que Pero Lopes acabava de descobrir do alto
da gávea da Santa Maria das Candeias? iSeria realmente de França?... Falecem-nos os meios de o
averiguarmos. Mas é de crer que fôsse francesa.
Meses antes de Pero Lopes aqui chegar, e quando êle ainda se encontrava com seu irmão
em S. Vicente, uma região mais ao norte da costa brasileira havia sido teatro de estranhos aconteci-
mentos por parte dos súbditos de França. ^ r r, „ • ✓ i
No mês de Março fundeara em Pernambuco (344) uma náu marselhesa, La Pellenne («ia
pellegrina», «peregrine»), que havia largado de Marselha no mês de Dezembro do ano antecedente (345),
sob o comando de jean Duperret, admiràvelmente eqüipada, com 18 canhões e competente arsenal
bélico, 120 homens de guerra, nobres e plebeus, numeroso material próprio para a construção e muni-
ciamento duma fortaleza e acampamento militar, àlém de abundantes e variadas mercadorias de resgate
(337) Até aqui Pero Lopes viajou no galeão S. Vicente; depois continuou a viagem em a náu S.ta Maria das
Candeas. São236êstes os dois aúnicos navios de que fala a Naveguaçam, a partir do referido dia 22 de Maio. 7!1„_0 ,
( ) <Sesta fr xxiiij do dito mes pola menhãa via terra tres leguoas de m; e conheci o Rio a
de Janr q me
demorava a norte e quarta do nordeste cõ o veto sudueste dei a vela e entrey nelle ao meo dia. Sesta fr [aqui o copis a
riscou xb] xiiij dias do mes chegou a nao santa maria das acãdeas q fiquara ê sã vicete acabandose de correger. neste Rio
estive tomando mãtimento pera tres meses e partime terça fr dous dias de Julho cõ o veto nordeste say fora e achei o mar
tã feo q me foi necessário tornar aRibar e surgi na boca ao [sic] mar da ylha das pedras en fundo 15 braças darea limpa*.
(339) Desde 18 a 30 de Julho. —<... Nesta bahia estive calafetando os altos das nãos q os trazia esvaídos e
tomando mantimentos e outras cousas q me erã necessárias aqui fiz alardo da gente q trazia_ pera podcre tomar armas
e achey em ambas as nãos l. e iij [cincoenta ea três] marinheiros da minha nao e me detiuerao oito dias buscanaoos e no
nos pude aver por os índios mos esconderem. 3 xxx dias do mez de Julho parti desta bahia de todollos santos co o veto
sudueste-», (Fl. 28 v. — 29 do Códice). , , T * a a /%r.
(340» <o chamado porto de Pernambuco, primitivamente a entrada do canal de Itamaraca, desde os primeiros
tempos foi o porto da chegada e de partida da navegação entre a Europa e o Brazil. Era o porto marítimo, o porto do
Brazil por excellencia A colonisaçâo portugueza começou no Novo Mundo, portanto, nas margens do canal de Pernambuco.
Foi nas proximidades da ilha de Itamaracá e da parte do continente fronteira à mesma ilha e adjacências e nas proximidades
do Cabo de Santo Agostinho, que começamos a defender os nossos direitos, contra os estrangeiros, então traficantes de pau
brazil * (Revista do Instituto Archeologico e Geographico Pernambucano, Vol. XV, 1910, n." 79, pag. 81, nota 5. Discurso de
^ ^ ^ (34i) a coníar de meiados de Agosto até 4 de Novembro. Êste período de tempo deduzimo-lo hipotéticamente,
porquanto, como é sabido, a narrativa do Códice está interrompida nesta altura, saltando, por folhas em branco, do dia 4 de
Agosto (na ilha de S.to Aleixo) para igual dia de Novembro (dia da partida de Pernambuco para Portugal).
(342
3 3
) Referência ao galeão S. Vicente.
i344
* ) El. 29 v. do Códice. ^ i j - c
( ) «Dictis insulis [Brasiliaribus] in 3loco femãbourg nuncupato», como se le no Documento, de origem francesa,
publicado por Varnhagen, a págs. 441-444 da l. edição da sua Historia Geral do Brazil e nas duas ultimas edições do
Diário da navegaçam (1861 e 1867). . . . „ ..
<0 nome Pernambuco é escripto de vários modos pelos antigos auctores, que se occuparam do Brasil. rernam-
bouc, Fernambuquo, Paranambuquo, Pernambuc. Hans Staden escreve; Praneubuk» (Revista do Instituto Archeologico e Geo-
graphico Pernambucano, Vol. XV, 1910; n.o 79, pág. 81, nota 5, já citada). _ ^ , . . ..
(345) < In anno domini milessimo quingentessimo trigessimo, et in mense Decembns»; assim se le no
referido documento. , ,,
Em nota, Varnhagen corrige, escrevendo: «Alias 1531 >. — Quanto a nos, afigura-se-nos que nao ha aqui um erro
a corrigir, mas sim uma eqüivalência de calendários (francês e português) a estabelecer.
150
Jf
/
O coronel ferraz q vai nesta nao he homê de feito e de recado tratou isto como letrado caualeiro muyfo ha
S sei õ o he bem se lhe pode encaregar qualquer negocio sobre my segido [sic] este fez.
Estes francezes espicyalmête o capitão o mestre e o scriuão lançara a perder esta naao por se fiarem no meu
rosto en verdade e Deos sabe os modos com que desimulei ate os por neste estado mas S /l. por o que compre a mw a
honra ha me de fazer merçe de lhes perdoar a estes tres e mãdar dar o seu e ainda ajuda pera o caminho V. S p
fazer muita merçe o trabalhe por minha honra e q seia de maneira que saibao que por me fazer merçe e honra lhes faz
mme das uZ ão de marselha que he Italia não queria ter ,a mao nome pois estes pollo q sabião de mi se soo da
Zostra e certo se me elles tomarão a palaura antes ev morrera q a naoo ser tomada e nunca sairao se nao fora irem
comiguo a seu . por ^ falase a v s neste negocio façame merçe de o ouuyr e nisto oulhar o q me
comprir a charles cor/real hi morador os pode S. A. mãdar entregar e en sua cassa se afirmarao os autos e dep°'l*o a °*
e sentencearse cedo faça V. S. q honorato (353) nê outro francez tenha parte na soltura destes tres e mais estes dizem q
ordes mostrarão coroas eu se prouarê pasara cem anos he milhor parecer q se lhes faz merce que parar esta longaria I/. S
me faça esta merçe a mi e a minha honra na carauella quãdo la fui lhes fiz preito e menage de lhes nao fazere rnalj de
S A lhes dar as vidas e fato delles q ião certos enchalmos [sic] pois se enganarão por my Deos sabe como estou esta ora
por uer as lagrimas destes e como se aquejxão do meu rosto e ev do diabo q os trouxe a tal estado e a mi o memstro A carne
todauia sofre mal vire de marselha pasarê o estreito e ire ao brasil vea V. S. q sesta naoo nao [osse tomada da
lombardia sairão trinta pera la isto arreceaua por isto uos auisei e mo pagastes bem Deos queira q se faça milhor daquy
por diante comigo ./ screuo tão mal ja por não saber e por estar antre mil uozes e nesta nao sem tempo screumcl0^ a
nao q foi dos franceses e ora dei Rei noso Snr. aos xbiiij dagosto I532=dõ martinho*.-Sohrescnto: -Ao M'0 Magnífico
S.or o S.or conde da Castanheira meu S°r etc* (354).
Na carta que escreveu no dia 21 de Agosto, D. Martinho de Portugal começa por dizer.
-Pareceo me bem mãdar por terra auisar S. A. como se tomou esta naoo franceza não lhe digo meudamente as
cousas pollas saber por Ant° Corrêa q he hü dos boos homês q ui elle fez tudo e ha de dizer que ev como quer que seta
elle he pera fazer m'" mais que isto auiso S. /I. porq me lembrou q estaua hy honorato pera uer a maneira q quer ter com
ella ante que ella ua. Aja V. S. por bem empregado o gasto destas nãos pollo seruiço q S. A. recebe em se tomar, certefico
q se en marselha auisão antes natal forão dez naoos partidas, fizerão fortaleza e q leixão . 1. [cincoenta] arquabuzeiros com
duas peças m'° grosas dartelharia de metal e pequenas dez ou doze outro si de metal com as que acharao la de S. A. na
fortaleza q tomarão, trazia esta naoo monição e artelharia q se não tomara sem m'o dano senão feria como foi.
Tomou ha Anto Corrêa dominguo [dia 18] à tarde (355) terça me uim este porto oje quarta parte D" Soares as/ a
isto porq o uio de $ se V. S. pode enformar como a pidir a V. S. que me peça tanta merce q aja de S. A. en satisfaçao ora
seja disto ora do q quizer q va meo fato e homês neste galeão [Trindade, capitão Gaspar Veloso] en q esta mujta par e
delle. ha mtas razões pera ev pedir esta merce a S. A. deixe q folgar q aja mtas mais pera ma fazer*.
No dia seguinte, isto é, a 22 dêste mesmo mês, em carta para D. João III, que suponho dirigida
igualmente de Málaga, dizia Francisco Pessoa, feitor da armada de D. Martinho: «... se for a liam
onde vosa alteza mandaua que fose me tomaram a mercadoria por esta nao do brasyl que aquy as
caravelas tomaram ...» (356). É manifesta a alusão que aqui se faz à captura da Pellerine.
Aludindo a esta tomadía e à destruição da feitoria portuguesa de Pernambuco, dizia D. João
a Martim Afonso de Sousa, no final da sua — já muito conhecida — carta de 28 de Setembro dêste ano
de 1532; *Na Costa de Andaluzia foi tomada agora pollas minhas Carauellas, que andauã narmada do
Estreito huma Nao Franceza carregada do Brasil, e trazida a esta Cidade a qual foi de Marselha a
Pernambuco e desembarcou gente em terra a qual desfez huma Feitoria minha que ahi estava e deixou
lâa setenta (357) homens com tenção de povoarem a terra e de se defenderem, e o que Eu tenho
(352) Charles Corrêa era mercador e morava em Lisboa. Por carta de 10 de Maio de 1530, 0. João III concedeu-
lhe o previlégio que tinham os alemães (Chancelaria dêste Lrei, Liv. 52, fl. 120 v.). Por uma outra do dia 29 de igual mes de
1536, foi dispensado^do e ra'dia'da Àssumpçâo da Virgem Maria [Agosto 15, quinta-feira]
o dito D Martinho fingindo querer consultar as equipagens e capitães sobre o que convinha fazer na viagem, convidou o
dito Debarram e o mestre do seu navio a vir procurá-lo; logo que chegaram a bordo, D. Martinho. na presença de Corrêa
e de accordo com elle os fez prisioneiros, fez prender os outros homens a bordo da Pellerine, carregou-os de ferros, apre-
eníe» a carça e envio» ois' ioiomenlos. Nao hí, porém, One hesita, na esactldjo da carta; ao
passo que o Protesto é de 1538, isto é, seis anos decorridos sôbre os factos —a carta é escrita na mesma ocasiao em que
êstes se deram e por quem a êles assistiu, neles tomando parte.
(354) Honorato de Cais, embaixador de Francisco 1 em Portugal. r nlirflní.n fie aig 433 v
(355) Arquivo da Tôrre do Tombo-Vol. 1 da colecção comprada aos condes de S. Lourenço, fls. 432-433 v.
Annaes, pág. 377,
[357) Co0Z0. iVL™. Gomes de Carvalho (pág. 58 da sua já citada obra) enganou-se quando, em nota referente ao
número de franceses que ficaram guarnecendo o fortim de Pernambuco, ou seja <setenta», escreveu estas linhas; «E f a 2 -
dsmo da carta de el-rei a M. Affonso. de 28 de setembro de 1532, e o protesto, de Samt-Blancard, Neste Protes^ nao ve,o
indicado o número de franceses da guarniçâo. Porisso estranho que Vamhagen (em nota da sua Historia Geral, páS-193 da
3 a edição), depois de ter substituído por trinta os setenta que se encontram na copia publicada por D. Antomo Caetano de
Sousa, faça também esta observação: -Setenta se lê nas cópias, parece porem ter havido engano de algum copista, pois trinta
se lê no processo autêntico de St. Blancard».— E' cousa que se não lê em tal documento.
152
A EXPEDIÇÃO DE MARTIM AFONSO DE SOUSA
mandado que se nisso faça, o mandei ao Conde, que vollo escrevesse pera serdes emformado de tudo
o que se passa, e se ha de fazer, ainda que Eu creyo, que elles não tornarão laâ mais a fazer
outra tal, pois lhe esta não socedeo como cuidavão ...
A segunda parte dêste trecho fàcilmente se compreenderá tendo presente que a Duarte Coelho,
capitão-mór da armada então enviada de guarda-costas à Malagueta, fôra dada também a missão de ir
a Pernambuco desalojar os franceses que a Pellerine lá deixara. É certo que não chegou a lá ir então,
mas isso foi devido a ulteriores contra-ordens, supervenientes de imprevistos factos que entretanto
ocorreram em Pernambuco e dos quais D. João III tomou conhecimento apenas em Janeiro do ano
imediato, quais foram; a rendição e parcial destruição do fortim galo-pernambucano, meses antes levantado
pelas gentes da Pellerine, e a captura de duas náus francesas nas águas de Pernambuco com as respectivas
tripulações e carregamentos—aquelas e esta levadas a efeito por Pero Lopes de Sousa, que, ou informado
já do que se passara com a chegada da Pellerine (358), ou por outro motivo de nós desconhecido, para
ali se dirigira da ilha de S.to Aleixo depois do referido dia 4 de Agosto dêste ano de 1532.
Com êste trecho final da carta de D. João III devemos igualmente relacionar a nomeação
de Paulo Nunes a que já aludimos e o envio das tres caravelas de que nos fala o apontamento tomado
por Fr. Luís de Sousa —duas das quais seriam certamente as que na mesma carta veem indicadas pelo
monarca, quando atrás diz: «vai agora [João de Sousa] com duas Caravellas armadas, pera andarem
comvosco o tempo, que vos parecer necessário, e fazerem, o que lhe mandardes».
São do Protesto do barão de St. Blancard estas palavras: «Informado da construcção do forte
em Pernambuco e da existência aí de mercadorias e de armas, o dito Rei [D. João 111] fez armar tres
navios de que elle deu o comando a Pero Lopes, com ordem de sem demora se dirigir ao dito forte,
para o destruir, apreender as mercadorias lá existentes e massacrar os homens da guarnição». À parte a
referência aqui feita ao comando das caravelas—que não foi, nem podia ter sido dado em Lisboa a
quem se achava então nas proximidades de Pernambuco e por quem certamente o supuria ainda nas
alturas do Rio da Prata —esta passagem do Protesto francês constitui um terceiro elemento interpretativo
daquela parte final da carta escrita a Martim Afonso de Sousa.
No capítulo que consagra à ilha de Itamaracá, escreveu Fr. Vicente do Salvador:
«f/n esta ilha de Tamaracá tinhão os Francezes feito huua fortaleza com hum presidio de mais de cem soldados,
com muitas munições, e artilharia, onde se recolhia a gente dos seus navios, quando vinhão a carregar de páu brasil;
o qual sabido por EIRep Dom João Terceiro, ordenou huma armada mui bem provida de todo o necessário, e mandou nella
por capitão mór Pero Lopes de Souza... Esta armada partiu de Lisboa, e navegou prosperamente athé avistar a ilha de
Tamaracá a tempo que havia delia sahido huma náu Eranceza carregada para França, a qual cuidou fugir-lhe, mas mandou
atrás delia huma caravella muito ligeira, e por capitão delia hum João Gonçalves (359), homem de sua casa, de cujo esforço tinha
jnuita confiança, pela experiência que delle tinha de outras armadas em que o accompanhou contra os corsários na costa de
Portugal e de Castella; e como a caravella era hum pensamento e a náu Franceza sobrecarregada, posto que alijou muita
parte da carga de páu brasil, em fim foi alcançada, e querendo se pôr em defeza lhe tirarão da nossa com hum pelouro de
cadêa, que a colheo de prôa a popa, e a desenxarciou de huma banda, e lhe matou alguns homens, com o que se renderão
os mais, que erão trinta e cinco entre grandes e pequenos, e a náu com oito peças de artilharia com a qual preza se tornou
o capitão João Gonçalves, havendo já vinte e sete dias que o capitão-mór estava na ilha, onde teve informação de outra náu
que vinha de França com munições e resgates aos Francezes, e a mandou esperar por outras duas caravellas (3eo), de que
forão por capitães Álvaro Nunes de Andrada, hum fidalgo, galego, da geração dos Andradas, e Gamboas, e Sebastião Gon-
çalves Arvellos (361), os quaes a tomarão e entrarão com ella na mesma maré em que João Gonçalves entrou com a outra, com
o que os Francezes da fortaleza começarão a enfraquecer, e desmaiar, e muito mais porque se lhe levantou hum levantisco,
e alguns Portuguezes que elles tinhão tomado, e andavão entre os Gentios, os quaes, como lhes sabião faltar já a lingoa, os
amotinarão contra os Francezes de tal modo, que se Pero Lopes de Souza lho não prohibira, quizerão logo matal-os e
comel-os, que tão variável he o Gentio, e amigo de novidades; e assim vierão logo os principaes offerecer-se a Pero Lopes
de Souza para isto, e para tudo o mais que lhes mandasse; o qual os recebeo benignamente, e lhes disse que não fizessem
o mal aos Francezes, porque todos erão irmãos, nem elle lho havia de fazer, se lhe não resistissem, antes muitos benefícios,
(358) díz 0 sr. Rocha Pombo: «Quando (em Agosto de 1532) ia pelas alturas das ilhas de Santo Aleixo, em
viaqem para o reino teve Pero Lopes indícios positivos de aquelles que, havia mais de um anno e meio, tinham sido
expulsos daquella parte da costa, nella se achavam outra vez estabelecidos. Resolveu, portanto, dar combate de novo aos
contrabandistas...» (Obra citada, pág. 202). . r, • t j j ■.cin • f j- u
3
(359) Provavelmente o mesmo que era mestre da nau Rainha, da armada que em 1539 seguiu para a índia sob
a caP.tania mor de
fanitanía-mór ae^ejOgLopeS n ^ mencionado
Pero Lones de Sousa, ^ num dos pág ^
Documentos <Serͣ?m as ^
que transcrevemos na pág.^ 121 dêste Volume.
ao
Maranhão?»—Quanto a mim seriam duas das três de que nos fala Fr. Luís de Sousa, enviadas de Lisboa_ neste mesmo ano.
P") O nome de Sebastião Gonçalves de Arvelos e também já nosso conhecido, pelos tres documentos que
publicámos na referida pág. 121 dêste Volume, nos quais é designado com o cargo de Almoxarife do Armazém da Ribeira,
em 1539. Porventura dizem-lhe respeito dois documentos que encontramos na Parte I do Corpo Chronologico: um de 19 de
Outubro de 1515 (Maço 19,17) e o outro de 10 de Julho de 1516 (Maço 20,74).
153
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUOUESA DO BRASIL
o certo e que, desta vez, eie q a0 ií 9 Fphraio 1532» mas que deve ser de 1533,
, .rr ^ ^rifr-ae;-
capitamo dil re con tre ^VnnoZresolk uno castello che francesi haveano fatto far, et hanno impi-
?£^3S£»'SMW=sr--.ssg
caravelas ainda
^ onão haviam
^ chegado
reaIisadoaopelos
Brasil.
navlos que „
Pero tLopes de Sousa
qmma levava
levava^ae
de S Vicente,
0u.t—e
ubronão
Se pelas caravelas
em Selembr0i
enviadas de Llsboa-a acçio ""'J,7p°af"aFrse!,S"^ lílvadòt e dós autores gue o seguiram, guando João Oonçalves
Siao^df2maÇd"sS4e, caravela^ regressou fíSmíuc^ a ndu .rancesa aprisionada, havia ar d,as gue Pero Lopes
de Sousa " 52.54 d, edição de
ao do Santuário Mariano. . _„„ntnii Varnhaaen (oáq 139 da l.a ed. do Diário), a narrativa que se lê
(364) por isso, e contrf ia^fnraon3"e r S
dr ada do odgfnal copiado na Naveguaçam, na parte a que este
nos três autores citados em a nota antenor nao p códice da Biblioteca da Ajuda.
historiador brasileiro faz corresponder as 6 folhas em branco do Codice de 1533 reIativa a exploração do
(365) Na coluna 459 do mesmo Tomo vem Publicada canada:_ ^ mandar 3 caravele, et ha deliberato di
Rio da Prata pelos portugueses. Dela trasladamos estas hn . ^ disrnonfar in fera, aziò habino a domestegar
mandar 10, o 12 bandizadi per caravela di ^Çlt sentenhadi el prefat0 sereníssimo re ha mandato uno bando per
S
'JZ l0sbX: ^Ze
quel anffariá^c// Zisbona zofl Devria mia... lontan de li». Talvez que por «Devria» deva
entender-se—de Évora.
154
»
A EXPEDIÇÃO DE MARTIM AFONSO DE SOUSA
Como se vê, o Processo de St. Blancard e a narrativa de Fr. Vicente do Salvador são
concordantes quando referem que de Lisboa foram enviados navios para Pernambuco contra os
franceses, e até quando erradamente acrescentam que estes navios iam sob a capitanía-mór de Pero Lopes
de Sousa; ao passo, porém, que St. Blancard apenas se refere ao assalto e destruição da fortaleza
franco-pernambucana, efectuado pelas gentes de bordo dêsses navios, e nem alude ao aprisionamento
das duas náus francesas—omissão que, aliás, não é de estranhar, por isso que tais náus, ao contrário
do que se dava com a Pellerine, não lhe pertenciam — estoutro historiador brasileiro ocupa-se desenvol-
vidamente do apresamento dessas duas náus pelas três caravelas expedidas de Lisboa e apresenta-nos
os franceses da guarnição da fortaleza a fazerem depois voluntária e espontânea entrega desta a Pero
Lopes de Sousa.
Outra parece ser todavia a versão dos factos que ressalta da carta de D. João 111 para o
conde da Castanheira, de 21 de Janeiro de 1533, a que já temos feito referência (366). Conforme o que
aqui se lê, a posse da fortaleza foi um acto de conquista efectuado por Pero Lopes de Sousa com o
pessoal que êle levava a bordo da sua náu Santa Maria das Candeas e do galeão S. Vicente; porquanto
diz o monarca; «... vyndo elle [Pero Lopes de Sousa] do Rio da Prata correndo a costa do brasill
veyo ter a pernambuco onde achou os franceses que tinhão feito fortaleza e lha tomou e os tomou a
elles...». Quanto ao papel que em Pernambuco desempenharam as três caravelas, nada encontrámos
na correspondência arquivada na colecção de Fernando Palha. Em carta do dia anterior, isto é, de 20
do citado mês de Janeiro, há apenas referência ao facto de Pero Lopes de Sousa haver levado do
Brasil para Portugal «duas naus francezas com trinta e tantos francezes», que deixou em Faro.
A estada de Pero Lopes de Sousa em Pernambuco, nesta altura do ano de 1532, está plena-
mente confirmada por documentos cuja autenticidade e veracidade não sofrem a mínima dúvida.
Além da carta de D. João III, escrita de Évora a 21 de Janeiro de 1533, que encontrámos na
colecção do conde da Castanheira —e mais adiante vai publicada —um outro documento achámos, na
Tôrre do Tombo, que irrefragàvelmente o confirma. Começado no mês de Junho de 1535 e concluído
em Fevereiro de 1536, estoutro e novo documento faz parte do Corpo Chronologico. É um processo
organizado nas competentes estações oficiais para pagamento e liqüidação de vencimentos devidos a
um bombardeiro de um dos navios que em 3 de Dezembro de 1530 saíram de Lisboa fazendo parte da
expedição de Marlim Afonso de Sousa ao Rio da Prata —o galeão S. Vicente.
Importantíssimo para o conhecimento de actos e factos até hoje desconhecidos na História
Geral do Brasil, uns, e para elucidação e esclarecimento de outros ainda não suficientemente elucidados
pelos autores que desta expedição se teem ocupado, êste processo —que reputo inédito, e quiçá comple-
tamente ignorado do leitor — consta de seis peças, nas primeiras duas das quais se encontra bem
patente a prova de que Pero Lopes de Sousa, vindo do Rio da Prata, aportou e se deteve em Pernambuco.
Ambas elas são firmadas por funcionários desta feitoria. À primeira já fizemos referência quando alu-
dimos a Paulo Nunes e a Vicente Martins.
Transcrevamo-las:
«Sõrs provedor e ofycyaes dos almazês do Reyno faço saber a vosas merces q D° Paz bombardejRo moRador
ê lysboa vcho cõ marty a0 de sousa narmada q foy ao Ryo da pRata de q marty a 0 hya quapitã mor e servjo nela do djto
seo hoficyo de bombardejRo e ho sor marty a0 ha despedyo cõ po lopes de sousa seo Jrmão q se fose cõ ele pera ho
Reyno ho quoal D0 Vaz se ia em a dyta armada cõ o sor p° lopez de sousa e chegado a pernãbuqo do Ryo da prata
domde vynha foy necessariho ho dyto D0 Vaz fyquar ê ho dyto fernãbuq0 pera servyço de/Rey noso sõr ho quoall p0 lopez
mãdou e fez fiquar por cõdestabre da forteleza q se fez de q míz ferRejra hera quapitã e quomesou a servyr no dyto
fernãbuq0 aos trinta dyas do mes doutubro da era de mjll e quinêtos e trinta e dos anos q chegou palus nniz [Nunes] na
qaRavela espeRa pera ser quapitã do dyto fernãbuq0 quomo ho foy e fez cõdestabre da forteleza a p0 [ou xpo? —Pero
ou Cristóvam ? ] franq [Franco] e ho dito Dj0 Vaz servya de bombardejRo do primejRo de majo da era de trinta e tres anos
ate a esta de myll e qujnêtos e trinta e cinq0 ê q estamos q aquy chegou Duarte quoelho a esta forteleza a nove djas do
mes de março da dyta hera (367) é q lhe foy entrege a dita forteleza e lhe deu licença pera q se quyzese ir pera ho Rejno e
servir ê diãte nã ganhase solido dei Rey noso sõr e de todo ho tempo q ho dito Diogo Vaz servyu nõ lhe foy pago so huã
peça de seu ordenado q ho dito palus nuniz lhe deu pedyu esta pera lhe la ser pago seo solido e ordenado e ja qua da
peça lhe foy qua posta verba no lyuro da feytoRya e ê quomo lhe esta he pasada per my Eitor de barros esprivam da dyta
feytoRya oje xb dias do mes de junho da dyta era. Eytor de barros. pagou Ix reaes >.
(36?) Duarte Coelho partiu para o Brasil em Outubro de 1534. A 2 dêste mês foi-lhe passado alvará concedendo
a .mercê dos direitos que havia de pagar dos ferros e cousas outras que mandara trazer de fora do reino para Provimento
de Sus navios em que ora vai: e isto te a quantia de quarenta cruzados de que montarem os ditos direitos» (Corpo Chron.,
Parte I, 53, 118).
história da colonização portuguesa do brasil
.slres.-A,em *0,w,rz'aoiTiz v
X
368
narmada da malagueta ( ) estava aquy este dito D g • delIRey noso sõr cõ seu solido certifiquo
£
- - —
tfee qaquy o achamos na fortaleza S serviço deIRey noso cor. ■ Anto.no Veloso l ).
Pero Lopes de Sousa deixara as águas da ilha de S."> flleixo depois do dia 4 de Asostoe
velejara para o norte, fazendo pôrto em Pernambuco. O que o levou alt, ignoramo-lo, porquanto, como
eiahpmos iá o Códice- está em branco nesta altura da torna-viagem.
Saltando, portanto, do dia 4 de Agosto para 4 de Novembro, diz a Naveguaçam.
- »• »•. *—" ^ ^
É tempo de trasladarmos para aqui as duas cartas de D. ]oão III para o conde da Casta-
nheira, a que nfais de 'ma vez nos' temos referido, datadas de Évora aos 20 e 2. d,as do mes de
janeiro de 1533:
TírZ e^quinhentos trinta e tres, e tanto que os franceses forem nesa cidade direis
iSí —- - -
Partpodqui este Diopouaz hqtard.irqno
em tres dias do mes de dezébro de , bc xxx annos eJe™l0 a^ 3 Q I seruio em toda a vjagem e estada Ha ate
7e Duarte coelho é xij dias do mes de esetebro
dlas de
de '^J^^^re^eí por mes cinqêta esetemilletresêtos reaes
chegaar aquj cinquoêta e sete meses e "^ j cõteudos atraz nesta certidão do provedor das cotas sc. tres mill reaes.
de q se lhe descõtam desanove múl e ojto cetos reaes co e espravos e assy lhe devem direitos q a deaver
làTsírSVqPuaãt!o's™^^^ 0 S
'- -
<Recebeo o dito Do vaz bombardeiro
c 0
mil e quinhentos reaes cõteudos na conta acima em copnmefo _ aos de2 dias de f.™ de 7 b xxxbj.—D. Dias*,
asjnou este conhecimeto feito e asinado per mym D Dias, esp . .. á déste Volume, os últimos dias da toma-
(37.) pi. 36 do Códice da A)uda.-Conforme ^ ^vert.mos a pag^ 130 a®steN^vembr^ de 1532 (fl. 37 do Códice),
viagem de Pero Lopes de Sousa mencionados na Fer a d sao os de 22. 23 e
dias em que êle navegava nas alturas da ilha de a r "a°da *i "ri Fevereiro de 1531) e uma das duas aprisionadas na
(372) a Santa Maria das Candeas ( P " n "°^ a092 ter Ceiro dos °rês navios («tre nave>) de que fala a carta
torna-viagem (a que não foi metida no fundo em Pern^buco). O terceiro aos
referida por Marino Sanuto seria provàvelmente o galeao o. Vicente.
(373) Provedor da Fazenda no Algarve f Varnhaqen (pág. 200 da 3.a edição da sua Historia
Gera, do < Em^quanfo6 SeTdiz noTo conde da Castanheira. foi sollicitador acerrimo em favor de providencias a
bem do Brazil»
155
A EXPEDIÇÃO DE MARTIM AFONSO DESOUSA
ao governador que hos mande meteer no lymoeiro e teer a bom recado, e escreuermeis o que se nisto fas.~ Rey=Pera o
conde da Castanheira. No sobrescripto Por elIRey A dom amtonio datayde comde da castanheiro vedor de sua fazenda» (375).
«Comde Amiguo eu ellRey vos emuio muito saudar bem creo que teereis sabido da vinda de pero lopes de sousa
que veyo do brasill o qual antre outras boas nouas que trouxe foy que vyndo elle do Rio da prata correndo a costa do
brasill veyo teer a pernambuco onde achou os franceses que tinham feyto fortaleza e lha tomou e os tomou a elles e ficou
pacificamente em poder de portugueses sem nenhuma contradiçam e porque parece que por esta obra ser feyta nom sera
necesario ir duarte coelho com a sua armada ha dita costa do brasyli e que seria muyto mais meu seruiço ir esperar as
naoos que antonio vaaz de lacerda diz que aviam de partyr de frança pera a índia ao porto ou llugar omde elle diz que se
aviam de ir ajuntar para segirem dy sua viagem em conserua ate a índia, que deue de ser na costa de gine ou perto da
costa da mallagueta omde o dito duarte coelho estaa, encommendouos muyto que vos emformes lloguo do dito antonio vaaz
quall he o llugar onde se as ditas nãos de frança aviam dajuntar e asy em que tempo aviam de partyr e poderam ser no
dito llugar, e tomada delle a dita emformaçam, pratiqueis com pessoas que bem emtendam e guardem o segredo que neste
caso compre se poderá o dito duarte coelho ir esperar as ditas naoos ao dito llugar e se sera meu seruiço fazer se e asy
se avera tempo pera se lhe mandar este avyso daquy ate os dez ou quinze dias dabryll que leuou por seu regimento que
andase na costa da mallageta por que sam emformado que pelas carauelas que forem ha mina e nauios que vam ha Jlha
de sam tome se pode mandar este aviso e achando vos que se pode fazer com muyta dilligencia mandareis fazer prestes
carauelas pera a mina ou quallquer outro nauio que vos parecer que milhor posa lleuar o dito avyso e me escreuereis o que
nisso achais e o que se deue fazer pera mandar lloguo faser as provisões necesarias, porque podendo o dito duarte coelho
ir esperar as ditas nãos o averey por muyto meu seruiço, fernam daluares a fes em euora aos vinte e um dias de janeiro
de mil e quinhentos trinta e tres, e enformarvos eys do dito antonio vaaz dos synaes que as ditas naoos aviam de fazer
humas has outras e de todo o mais que vos parecer que compre pera o regimento que se ouuer denviar a duarte coelho.
E quando parecese que non poderia aproueytar por ir esperar as ditas naoos de frança praticareis se sera meu
seruiço mandallo tornar da dita costa da mallageta pera non andar mais tempo despendendo os sol Idos e mantymento se
poderá vyr has ]lhas esperar as naoos da Índia que este ano com ajuda de noso senhor vy serem e de tudo me enviaes
vosa reposta = Rey = Pera o conde da castanheira. No sobrescripto Por etRey A dom amtonio dataide comde da castanheira
veedor de sua fazenda > (376).
Conduzidas do Algarve para Lisboa as duas náus francesas, D. ]oão III fêz expedir a seguinte
carta ao Dr. João Rebelo, do seu Desembargo e juiz dos feitos da Guiné e índias:
i Doutor Joham Rabello. Eu El Rey vos emvyo muito saudar, Eu espreuy ora a Pero Afonso d Aguyar provedor
dos meus allmazens que as duas nãos francesas que Pero Lopez de Sousa trouxe do Brasyli que estam no porto dessa
cidade de Lixboa se vendam e andem em pregam os dias da ordenação e se arrematem a quem por ellas mais der por
quanto nam servem e se fazem com ellas muita despeza e com ha jemte e mantymêtos delia e ey por bem que vos vades
ao dito allmazem estar a arremataçam das ditas nãos e façais fazer diço auto pelo spriuam damte vos e o dinheiro per que
se vender se deposytarâ em mam de huã pesoa abonada encomendouos e vos mando que hasy ho cumpraes. Pero Amri-
ques (377) a fez em Euora aos cinquo dias de Junho de 1533 e notefiquereis a Charles Corrêa (378) de como heu asy mando
vemder as ditas naoos por senam daneficarem (37Q) e poeer em deposyto o dinheiro dellas pera se emtregar a quem fcr
justiça e que elle poderá estar â venda e arremataçam das ditas nãos e/c.—Soscriçam: Pera o doutor Joham Rabello juiz
dos feitos da Guiné sobre a venda e arremataçam das duas nãos francesas que trouxe Pero Lopes de Sousa > (38()).
Esta carta foi apresentada no dia 16 do mesmo mês de Junho ao referido Pedro Afonso de
Aguiar. As náus com seus aparelhos —que constavam de um «roll de cada naoo sobre sy per Bastiam
Gonçalluez almoxarife da rybeira»—foram apregoadas em 11 dias sucessivos, nos lugares do costume,
sendo o maior lanço o de Paulo de Pasternaque, flamengo e mercador, morador em Lisboa, no adro
de S. Nicolau, que ofereceu a quantia de 70.000 reais, no dia 10 de Julho, tendo também licitado ante-
riormente Pedro Eanes de Leiria, morador em Lisboa a Catequefarás, e Luís Brandão, que ofereceram
respectivamente os lanços de 44.000 e 66.000 reais. «E despois desto em 16 dias do dito mez de julho
do dito ano de 1533 anos em Lixboa eu spriuam fuy a casa de Charres Corrêa merquador ao quall
Challres Corrêa eu dito spriuam amostrey a carta delRey nosso senhor que no começo deste auto
(375 ) Vol. 111 da Colecção do conde da Castanheira, fl. 163, ou seja Pasta I da Colecção de Fernando Palha.
(376
377
) Ibid. fls. 165-166 v.
( ) Pero' Henriques é quem também subscreve a carta de D. João III para Martim Afonso de Sousa, datada
de Lisboa aos37828 de Setembro de 1532. . . - ur j c ^ j
( ) O mesmo a quem D. Martinho de Portugal se refere na sua carta atrás publicada. Em carta do dia 11 de
Setembro dêste mesmo ano, para o conde da Castanheira, D. João III refere-se a Charles Corrêa ao tratar de certa escjitura
a celebrar com um certo «Guilherme caminer bretão procurador dé monseor de quet congar» (Pasta I da Colecção de
Fernando Palha). „ , ,
(379) Como sucedeu com aquela em que João de Sousa foi para Portugal.
isso) Documento trasladado no Auto de pregoões e arrematação das duas naoos francesas que vy eram do
Brasyli que estam no porto desta cidade de Lixboa (Corp. Chron., Parte li, 51, 55). André Lopes era o escrivão do Auto.
157
história da colonização portuguesa do brasil
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158
A EXPEDIÇÃO DE MARTIM AFONSO DE SOUSA
Apêndice
nome tome delas [posse] Reall e autoall e tirar estormentos e ey por bem que tenham e posuam e syruam os ditos oficyos
fazer todos os outros autos quando direitamente se Reque- como se per mjm per mjnhas proujsões o fosem e por que
rerem e forem necesaryos porque pera isso lhe dou especial e hasy me diso praz lhe dey esta mjnha carta de poder ao
todo comprido poder como pera todo ser fyrmp e valioso Re- dito martym afonso per mjm asynada e asellada com ho meu
querem e se pera mais fyrmeza de cada húa das cousas sobre- sello pera mays firmeza dada em a Villa de crasto Verde
ditas e serem mais fyrmes se comprirem com efeyto e a XX dias de novembro fernam da costa a fez anno do nacy-
necessarjo de feito ou de direito nesta mjnha carta de poder mento de noso sôr Jhü X.o de myll bo xxx annos E eu
yrem decraradas alguma dausulla ou cláusulas mais espiciaes amdre piz a fiz escreuer e soescrevy.
e exvberantes heu as hey asy por expresas e decraradas (Chancelaria de D. João III, idem, fl. 103).
como se especiallmente o fosem posto que sejam taes e de
V
tall calidade que de cada húa delas per direito fose necesarjo
se fazer expresa memçam e porque asy me de todo praz Carta para o capitão-mór dar terras de sesmaHa
mandey diso pasar esta mjnha carta ao dito martym afonso
asynada per mim e aselada do meu selo pendente dada em Dom Joham &c A quantos esta mjnha carta virem faço
a vila de crasto Verde aos XX dias do mes de novembro saber pera que as terras que martym afonso de sousa
fernam da costa a fez âno do nacimento de noso Snõr do meu conselho achar ou descobryr na terra do brazyll
]hü X.o de mil b^ xxx ãnos e eu amdre pyz a fiz escrever e omde o emvio por meu capitão moor que se posam apro-
sobescrepvy e se o dito martim afonso em pessoa for algumas ueytar e per esta mjnha carta lhe dou poder pera que elle
partes elle leixara nas ditas terras que asy descobrir por dito martym afonso posa dar as pessoas que consygo leuar
capitam mor e governador em seu nome a pessoa que lhe as que na dita terra quyserem vyuer e pouoar aquella parte
parecer que ho melhor fara ao quall leixara per seu asynado das terras que hasy achar e descobryr que lhe ben
os poderes de que hade usar que seram todos ou aquela parecer e segundo o merecerem as ditas pessoas por seus
parte destes nesta mjnha carta decrarados que elle vyr que seruyços e calydades pera aas aproueytarem e as terras que
he bem e mando que a dita pessoa que asy leixar seja obe- hasy der sera somente nas vidas daquelles a que as' der e
decido como ao dito martim afonso sob as penas que nos mays nam e as terras que lhe parecer bem poderá pera sy
ditos poderes que lhe asy leixar forem decraradas e no que tomar porem tamto ate mo fazer saber e aproueytar e gram-
foca a emprazamento dos fidalgos que em cima he decrarado jear no mylhor modo que elle poder e vyr que he necesaryo
por alguns justos Respeitos ey por bem que o dito martim pera ben das ditas terras e das que hasy der as ditas pe-
afonso os nom empraze e quando fizerem taes casos per scas lhes pasara suas cartas declarado nellas como lhas
onde mereçam pena algúa crime elle os prendera e mos da en suas vidas somente e que de demtro em seys annos
emviara presos com os autos de suas culpas pera se nyso do dia da dita dada cada hum aproueyte a sua e se no dito
fazer o que for justiça. • tenpo asy ho nam fizer as poderá tornar a dar com as mes-
mas condições a outras pessoas que has aproueytem e nas
(Chancelaria de D. João III, Liv. 41, fl. 105).
ditas cartas que lhes asy der hyra trelladada esta mjnha carta
de poder pera se saber a todo tenpo como o fez per meu
IV mamdado e lhe ser Imfeyramente guardada a quem a tyuer
e o dito martym afonso me fara saber as terras que hachou
Carta de poder para o capitão-mor criar tabeliães pera poderem ser aproueytadas e a quem as deu e quanta
e mais officiaes de justiça camtydade a cada hum e as que tomou pera sy e a dyspo-
Dom Joham Gíc. A quamtps esta mjnha carta virem siçam dellas pera o eu ver e mandar nyso o que me bem
faço saber que eu emvio ora a martym afonso de sousa do parecer e por que asy me praz lhe mandey dar esta mynha
meu conselho por capitam moor darmada que emvio a terra carta per mym asynada e asellada com ho meu sello pem-
do brazill e asy das terras que elle na dita terra achar e demte dada em a Villa de crasto verde a XX dias do mes de
descobryr e por que asy pera tomar a posse dellas como novembro fernam da costa a fez anno do nacymento de noso
pera as cousas da Justiça e gouernamça da terra serem Sõr Jhú X.o de mill bc xxx anos.
menystradas como deuem será necesaryo cryar e fazer de (Ibidem, idem) (a).
novo alguns oficyaes asy tabaliães como quaesquer outros VI
que vyr que pera yso forem necesaryos per esta mjnha carta
dou poder ao dito martym afonso pera que elle posa cryar e Carta dei Rey D. João III para Martim Affonso de
fazer dous tabaliães que syruam das notas e Judicial! que Sousa quando passou ao Brasil, para povoar
logo com elle da qy vam na dita armada os quaes seram aquella Costa, e tomou huns Cossarios Fran-
taes pessoas que ho bem saybam fazer e que pera ysso cezes, que andavão naquella Costa. Traia D. Luiz
sejam autos aos quaes dara suas Cartas con ho trellado Lobo, no tom. 1. do seu Nobiliario.
desta mjnha pera mays firmeza e estes fabaliaes que hasy
fizer leixaram seus synaes públicos que ouverem de fazer «Martim Affonso amigo, Eu El Rey vos emvio muito
na mjnha chancellaria e se despoys que elle dito martym saudar; Vi as cartas, que me escrevestes por João de Sousa,
afonso for na dita terra lhe parecer que pera gouernamça e por elle soube da vossa chegada a essa terra do Brazil, e
delia sam necesaryos mays tabaliães que hos sobre ditos que
asy da qy hade leuar yso mesmo lhe dou poder pera os (a) t de advertir e registar que, principalmente em duas das suas
cryar e fazer de novo e pera quamdo vagarem asy hús como mais essenciais disposições, é muito outra a redacção dêste diploma na
cóoia que Fr. Gaspar da Madre de Deus trasladou a pags. 9 e 10 das suas
outros elle prouer dos ditos oficyos as pessoas que vyr que Memórias, traslado este de que o autor diz ■ se conservão tres copias au-
pera yso sam autas e pertemcentes e bem asy lhe dou poder thenticas, ingeridas nas Sesmarias de Pedro de Goes, Francisco Pinto, eRuy
Pinto registadas no Cartório da Provedona da Fazenda Real da Villa de
Santos, hoje
pera que possa cryar e fazer de nouo e prouer por falecy- lamentável estrago existente na cidade de S. Paulo, para onde o mandarão com
do dito Cartório».^ , * • j-t
mento dos que cryar os oficyos da Justiça e gouernamça da ^Que explicação ou justificação deveremos dar a tais diferenças de
redacção ^ segUnda parfe da nota 319 dêste Capítulo e págs. 66 e 67 dá
terra que per mjm nam forem proujdos que vyr que sam
necesaryos e os que asy per elles cryados e proujdos forem edição do Diário, publicada por Varnhagen em 1839.
160
«i»
A EXPEDIÇÃO DE MARTIM AFONSO DE SOUSA
como hieis correndo a Costa, caminho do Rio da prata, e ceza carregada do Brazil, e trasida a esta Cidade, a qual foi
assim, do que passastes com as Nãos Francesas dos Cossai- de Marcelha a Pernambuco, e desembarcou gente em terra,
ros, que tomastes, e tudo, o que nisso fizestes, vos agradeço a qual desfez huma Feitoria minha, que ahi estava, e deixo
muito, e foi tão bem feito, como se de vós esperava, e são lâa setenta homens com tenção de povoarem a terra, e de se
certo, que a vontade, que tendes pera me servir, a Nao, que defenderem, e o que Eu tenho mandado, que se nisso faça,
qua mandastes quizera, que ficara antes !âa com todos, os o mandei ao Conde, que vollo escrevesse pera serdes emfor-
que nella vinhão, daqui em diante quando outras taes Nãos mado de tudo o que passa, e se ha de fazer, e pareceo
de Cossairos achardes tereis com ellas, e com a gente deltas necessário fazervollo saber pera serdes avisado dis^o, e terdes
a maneira, que por outra Provisão vos escrevo. tal vegia nestas partes por onde andais, que vos não possa
Porque folgaria de saber as maes vezes novas de vós, acontecer nenhum mao recado, e que qualquer força, ou
e do que laâ tendes feito, tinha mandado o anno passado fortalleza, que tiverdes feita, quando nella não estiverdes,
fazer prestes hum Navio para se tornar ]oâo de Sousa pera deixeis pessoa, de que confieis, que a tenha a bom recado,
vôs, e quando foi de todo prestes para poder partir era tãa ainda que Eu creyo, que elles não tornarão laâ mais a fazer
tarde para laâ poder correr a Costa, e por isso se tornou a outra tal, pois lhe esta não socedeo como cuidavão, e muy
desarmar, e não foi; vai agora com duas Caravellas armadas, declaradamente me avisai de tudo o que fizerdes, e me
pera andarem comvosco o tempo, que vos parecer necessário, mandai novas de vosso Irmão, e de toda a gente, que
e fazerem, o que lhe mandardes, e por ategora não ter levastes, porque com toda a boa, que me emviardes rece-
nenhum recado vosso, do que no assento da terra, nem no berei muito prazer. Pero Anriques a fez em Lisboa aos 28.
Rio da prata tendes feito, vos não posso escrever a determi- de Setembro de 1532. annos.
nação, do que deveis fazer em vossa vinda, ou estada, nem Rey».
couza, que a isso toque, somente encomendarvos muito, que (Historia Genealogica da Casa Real Portugueza, Vol. VI
vos lembre a gente, e Armada, que lâ tendes, e o custo, que das Provas, págs. 318-319).
se com ella fez, e faz, e segundo vos o tempo tem sucedido,
e o que tendes feito, ou esperardes de fazer, assim vos de- VII
termineis em vossa vinda, ou estada, fazendo, o que vos
milhor, e maes meu servisso parecer, porque Eu comfio de Carta de el-rei D. João III para o Conde
vôs, que no que assentardes será o milhor, havendo destar da Castanheira. Évora 25 de Janeiro de 1533
laâ maes tempo, emviareis logo huma Caravella com recado
vosso, e me escrevereis muito largamente todo o que ate «Comde amiguo eu ellRey vos emvyo muito saudar.
então tiverdes passado, e o que na terra achastes, e assim, Vi a carta que me escrevesfes em resposta das que vos
o que no Rio da prata, tudo muy declaradamente pera Eu emvyey por pero llopes de souza e todo o que mandastes
por vossas cartas, e emformação saber, o que se ao diante fazer sobre a vinda das naaos do brasill que estam no
deve fazer, e se vos parecer, que não he necessário estardes allgarue e o aviamento que se nyso deu foy muy bem feito
laâ mais podervoseis vir, porque polia comfiança, que em e vollo agardeço muyto e lloguo se emvyarão de quaa vosas
vôs tenho, o deixo a vôs, que são certo, que nisso fareis, cartas a nuno rodrigues barreto emcomendovos muyto que
o que mais meu servisso for. tamto que as duas naaos forem vindas mandeis fazer deltas
Despois de vossa partida se praticou, se seria meu e dos franceses o que vos tenho escrito.
servisso povoarse toda essa Costa do Brazil, e algumas pes- Vy todo o que me escrevestes da pratica que pasastes
soas me requeriâo Capitanias em terra delia. com esas pesoas sobre o que devya de fazer duarte coelho
Eu quizera antes de nisso fazer couza alguma, esperar com a armada que traz na costa da mallageta e como dizeis
por vossa vinda, para com vossa enformação fazer, o que que será meu seruiço ir esperar as naaos da imdia na rota
me bem parecer, e que na repartição, que disso se ouver de que ellas trazem do cabo de boa esperança pera aas ilhas e
fazer escolhaes a milhor parte, e porem, porque despoes fui por quam incerto pode ser toparem com ellas llonge das
emformado, que dalgumas partes fazião fundamento de povoar ditas ilhas ey por bem e meu serviço que ho dito duarte
a terra do dito Brazil, considerando Eu com quanto trabalho coelho se venha dyretamente has ditas ilhas dos açores e
se lançaria fora a gente, que a povoasse despois de estar amde na paragem dellas asy como vay decrarado no regi-
assentada na terra, e ter nella feitas algumas forças, como mento que apos esta lhe ira e ate o tempo comtido no dito
jâ em Pernambuco comessavão a fazer, segundo o Conde da regimento esperamdo as ditas naaos asy como fizeram os
Castanheira vos escrevera, determinei de mandar demarcar capitães das armadas pasadas que foram em guarda dellas
de Pernambuco ate o Rio da prata sincoenta legoas de Costa encomendovos muyto que mandeis lloguo como lhe vaa
a cada Capitania, e antes de se dar a nenhuma pessoa, este avyso por carauelas da myna, ou outros navyos que voos
mandar apartar para vôs cem legoas, e para Pero Lopes, parecer que mylhor e com mais certeza Iho possam llevar e
vosso Irmão sincoenta nos melhores limites desta Costa por lloguo vos irão as cartas pera elle e o dito regimento e prati-
parecer de Pillotos, e doutras pessoas de quem se o Conde carees com estes oficiaes se sera neceSaryo enviarlhe allguns
por meu mandado emformou, como vereis pellas doaçoens> mantimentos ou outras cousas necesaryas pera a dita armada,
que logo mandei fazer, que vos emviarâ, e despoes de esco. e emviarlheis pelos navyos que levaarem o aviso todo o que
Ihidas estas cento, e sincoenta legoas de Costa para vôs, e parecer que lhe he necesaryo.
para vosso Irmão, mandei dar a algumas pessoas, que reque- E com esta armada de duarte coelho parece que se pode
rido Capitanias de sincoenta legoas a cada huma, e segundo escusar de emvyar outra armada has ilhas, da naao e cara-
se requerem, parece que se dará a mayor parte da Costa, e uellas que me escrevestes somente devem dir duas caravelas
todos fazem obrigações de levarem gente, e Navios â sua armadas pera esperarem pelas taes naaos que ficaram da
custa em tempo certo, como vos o Conde maes largamente armada do ano pasado nas quaes iram dous cavalleiros com
escreverá, porque elle tem cuidado de me requerer vossas regimento que amdem na paragem das ditas ilhas omde
couzas, e Eu lhe mandei, que vos escrevesse. acostumam de andar as armadas pasadas esperamdo pelas
Na Costa de Andulisia foi tomada agora pollas minhas ditas naaos e tamto que cheguem se venham com ellas sem
Caravellas, que andava narmada do Estreito huma Nao Fran- esprarem pellas deste anno nem fazerem mais demor? e nom
30 161
história da colonizaç ao portuguesa do BR
VIII
vyndo ate chegada de duarte coelho has ditas ilhas que tant°
que elle hy chegar se tornem as ditas carauelas e o dito Carta de D. João III para o conde
Tuarte coelho ficara com a dita armada té o dito tempo en- da Castanheira, de 26 de Janeiro de 1533
comendovos que mandeis fazer prestes as ditas duas cara-
rr/pêr " partirem o mais em bre.e ,«e pode, ser e lloS«o .Comde amyguo. Eu EllRey vos emuio muito saudár. vy
iram os capitães pera ellas e direys da mynha parte a ayres a carta que me escreuestes em reposta da que vos emv,ev
da cunha que lhe agardeço a boa vontade com que follgava sobre os negocios dos avysos que trouxe antomo vaaz e asy
de me servir e que ey por escusado por agora sua .da por os apontamentos dos pareceres das pesoas «ejos^
estes respeitos que vos aqui escrevo (b).
Eu vos esprevy como avia por meu servyço que esta meu^smüço que a dita armada vaa apartada em duas ar-
armada da Índia fose em duas partes a saber quatro naoos madas com dous capitães moores a saber quatro naoos em
nesta primeira e tres na outra
. coutinho e comprimeira
e que nesta elle dom
foseioam.
por huma e tres em outra e as quatro iram primeiro. . • • ^
quanto ao que se apontaua sobre a naoo e "rauJaS ^
pTeyra TdomrPframcisco
pereyra cr,eutos que
de me
noronha,
a esto emovem
diogo bramdam,
ey por beme que
por deuem de ir has ilhas esprar as naoos da Jndia e sob
aue deue de fazer duarte coelho tanto que vyer vosa reposta
pSdU,°: 'CiSm ot por c,pi«. moor d.s dii.s tres n.oos 'das que vos espreuy per pero lopez de sousa responderey
derradeiras e que a naoo em que elle ouvera de ir com o que em todo se deue de fazer comformandome com voso
parecer, fernam daluarez a fez em euora aos xxb, dias de
-nr ~odpes janeiro de de T ^c xxxiij. Rey».
poder yr e nom estando despachado ira nella nuno furtaJ0 ^
(Colecção do conde da Castanheira, Volume II, fl. 12).
T eu escrevo ao corregedor Amtam gonçalvez que loguo
jmi* ar»ría nnp lhe escrevv Que mandase ao corre-
TdtdlpàrTcdrrihrp:,, Jm^tia o mandar ilopuo IX
despachar vos lha mandareis a carta e lhe mandareis pue loguo
e"f. a d,m diltlgencva e eu voa eacreverev tanto gue lor
Carta de D. João III para o conde da Castanheira.
Hectnachado o que aveis de fazer da dita naoo. Évora, aos 3 de Fevereiro de 1533
O que mamdastes lazer na artelherva pera t»^'»
muv bem feyto e quanto ha gente pera çafim pelo ornem que .Comde Amyguo. Eu ellRey vos emuyo muito sauda^
a amda aqui requeremdo vos escrevo o que se nyso hade UU a carta que me escreuestes de xxx dias de Janeiro em
faZer: que me daees conta da noua que vos deu ese framesquo
'^Tsaa-Teí^ReTosrarcTmde^da^cLtanheira. rromano de tavylla
^-Nolobrescripto: Por ellRey A dom amtonio datayde comde
da castanheira vedor de sua fazenda». ouanto ao que dizeis do nai^o que devya de jr ao
(Colecção do conde da Castanheira, Volume II. fls. hrasiV/ nom faltey quaa com pero lopez o que se devya de
166-167). proueér porque Lua pera depois se praticar quando elle
tornase e determynar o que ouuese por meu servyço agora
pelo que me escreueis averey por bem que pratiqueis Uoguo
0» Papa dè^ef-ret para^ com eUe de que maneira fica a fortalleza e com quamto
vldor"^3 suà^azenda, antes da chegada de Pero Lopes de Sousa a Évora: homêes e como fica de mantimentos e das outras cousas
neZsaruas e asy do Regimento que lhe lleixou do que amam
de zer se fosem llaa franceses por que se «caram tam
poucos portugeses e ella tam fraca que lhes llelxom mandado
que se fosem franceses se salluasem Palla
Lerasem e isto se podia fazer, parece que a gente (que/
pode ir em hum navyo nom abastara pera est*defe"S*™ *
qu? s1fbré'Tso ^ongsr£ e£por bem que se «açam^es pe^a.^art.rem que he mylhor lleyxallos estar asy ate eu mandar acud.r a
no mez de .mar«°1u*""ê arma8 pera /aa nas Jlhas se armarem as outras
asy artelhanahepolluora e armas p des/a armada apres rfa cunfta ?so como compre. E se também ficam de maneira que se
duas ey P" ". Y?® J^éis de minha parte e lhe mandareis dar minha
posam defender e determynados pera ^ **1
carta qTe ^ o navyo com allguuns homens e capitao pera fycar Haa
tCa^Tdc^smS mez de Janeiro de 1533-Wid., fl. 295).
porque sera favor pera elles e defenderseam mylhon Ysto pra-
Aires da Cunha. rafd0reenlfadrfa^OÃçSrOj^nò'an^lnt^édenTÍ Ly Uoguo com pero lopez e me manday rrecado do que
sido o capitâo-mor da armada en para escrever que 'l™ achardes pera se asentar o que se deue de fazer e
Desconhecemos em que se ter riirado ,uai aVarnhag
r isboà, commandando um galeao,
Setembro de 1533 chegara lA.res d» Cunha] a L sbb^co ila1lbuco { dára » Regims prourste, de duarte celho que esperam
com o qual se olferecêra a destraír a feitona que {o. incurnbida por pôfestâ delermvnaçh deste nauvo E se elle
a náo de Marselha La concluída esta empreza--
chegar pouco depois Pero Lopes ceix (pág 200 da 3.«edição saryo eu averya por mais meu seruiço nom mandar ao brasy
O sr. Caoistrano de Abreu emdlz nota 5 "nde está 1533. deve-se
da Historia Geral do Drazil), i;-'Er '„ueco nenhum documento que )usti- oente nem outra cousa ate tomar asento no que deue de ,r
ler 1532.. Mesmo assim, repito: nao conheço nennu.t
«que ou autprise tal afirmação de Varnhagen istas trazem, no pera se a terra povoar e aseguvar que prazendo a noso
(c) Este Diogo Lopes de Sousa que os s aloaf.lho bastardo de senhor sera cedo. de todo me manday vosa rresposta per
ramo dos Sousas alcaides-móres de 1 a 0 'sobrinho paterno de outro
André de Sousa (pnor do mosteiro sen c^ l, " de Eix0 e Requelxo, e neto de ZTltioZo se for posvuel temam daluarez a lez em euora
Diogo Lopes de Sousa, o Baharrao, da t° da QUe etn 1532 seguira para
Álvaro de Sousa-era um dos capitães .a™ard! fooe8que,nâo podendo a iii dias de fevereiro de 1533=ReY Reposta ao conde da
castanheira. — 3Vo sobrescripto: Por ellRey A ^tonio
dataide conde da castanheira veador de sua fazenda .
X" r.r.7d. a. ms ivai— m (Colecção do conde da Castanheira, Volume III, fls.
238 - 239).
162
A EXPEDIÇÃO DE MARTIM AFONSO DE SOUSA
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CAPÍTULO IY
A SOLUÇÃO TRADICIONAL DA
COLONIZAÇÃO DO BRASIL
POR
PAULO MERÊfl
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ffc STA dito e rédito com inteira verdade e justiça que foram os portugueses
& quem deu ao mundo moderno o primeiro exemplo de colônias propriamente
m ditas e duma política sistemática de colonização.
O primeiro ensaio dessa política é poucos anos posterior ao desco-
brimento da Madeira e respeita a êste território insular. Desde logo vemos
o arqüipélago dividido em capitanias hereditárias, sendo concedidos aos
capitães donatários importantes privilégios e proventos e delegando-se nêles
o exercício de parte dos atributos do poder público 0). Por esta forma
ao mesmo tempo que se galardoavam condignamente alguns dos heróis
11 Mi) da empresa marítima, assegurava-se o povoamento e exploração das ilhas
descobertas.
Tratando-se de ilhas desabitadas mas feracíssimas e de clima privilegiado, o seu destino
econômico era naturalmente serem povoadas em larga escala por gente de Portugal que as agricultasse,
as desenvolvesse e fizesse delas um prolongamento da mãe-pátria.
Sendo assim, o sistema de colonização por donatárias apresentava-se como uma inteligente
e fecunda adaptação das doações de bens da coroa, que entre nós eram tam freqüentes e represen-
tavam até certo ponto um equivalente das concessões feudais.
Com efeito, na altura em que D. Henrique iniciou os descobrimentos, os chefes dos diversos
estados europeus enfeudavam a cada passo bens, rendas e direitos da coroa aos seus parentes e
servidores, não obstante o sistema político assumir de dia para dia uma feição mais acentuadamente
monárquica e centralizadora. Entre nós, sem embargo dos progressos do poder real, os monarcas
continuavam a fazer freqüentes e importantes doações de direitos reais e de jurisdição civil e criminal.
Não eram raras as doações com «mero e mixto império»; em muitas continha-se o privilégio de não
entrar corregedor nas terras do donatário; a própria Lei Mental foi muitas vezes dispensada (2).
Ora nunca esta cedência de direitos reais e poderes soberanos íôra tanto de aconselhar como
no presente caso em que ao rei e ao infante convinha interessar alguém directamente no povoa-
v—
rn lá mpsmo antes de feitas as doações haviam principiado a colonização com gente do continente, as dadas
de sesmarias, e até o exercício da justiça pelos capitães. Vide Prof. Damiâo Peres, <4 Madeira sob os donatários, Funchal,
1914, páq. 16 2e segs. . , ,
( ) Gama Darros, Hist. da adm. pública, tomo I, pag. 459 e segs.
167
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
mento e desenvolvimento das novas possessões, sem aliás abdicar do seu senhorio eminente e
suprema jurisdição.
Tomemos para exemplo a carta concedida a Bartolomeu Perestrelo em 1 de Novembro
3
de 1446 ( ). O infante D. Henrique doa-lhe o governo da ilha do Pôrto Santo por ser êle o primeiro
que por seu mandado a povoou e por muitos outros serviços que lhe fêz. A concessão é de juro e
herdade, devendo por morte de Bartolomeu Perestrelo suceder-lhe no govêrno da ilha o mais velho
dos seus filhos, e assim por diante. Ao donatário pertence a jurisdição civil e crime em nome do
infante, ressalvando-se todavia os crimes a que corresponda pêna de morte ou cortamento de membros
e declárando-se que, sem embargo da jurisdição conferida, os mandados e correição do infante serão
cumpridos na ilha como em coisa sua própria.
Bartolomeu Perestrelo e os seus sucessores terão direito a todos os moinhos de pão, a todos
os fornos em que houver poia, e a uma certa pensão das serras de água e outros engenhos que na
ilha se fizerem. Tendo o donatário sal para vender, mais ninguém poderá negociar nessa mercadoria,
dando-o êle à razão de meio leal de prata o alqueire. Pertence-lhe também o dízimo de tôdas as
rendas que o infante receber na ilha, as quais serão especificadas no íoral que para êsse efeito^ o
infante mandou fazer. Poderá dar de sesmaria as terras a quem lhe aprouver na conformidade do dito
foral, sob a condição de a terra ser aproveitada dentro de cinco anos, isto sem que o infante perca o
direito de dar a quém quizer terra ainda por distribuir.
O mesmo sistema de doações, em regra hereditárias, envolvendo a concessão de atribuições
soberanas mais ou menos latas ao donatário e cometendo-lhe a distribuição da terra em sesmarias, foi,
àparte diferenças de detalhe, seguido para os Açores e para as demais ilhas do Atlântico, tôdas elas
insusceptíveis de exploração comercial imediata e como tais destinadas a ser verdadeiras colônias, e não
simples feitorias como as possessões da costa da Guiné.
Muitas vezes era o descobridor da terra o contemplado com a doação, e não faltam mesmo
exemplos de se doarem de ante-mão a certo indivíduo as ilhas ou terra firme que vier a descobrir.
As doações não se cingiam, de resto, tôdas a um tipo uniforme. Quanto à duração, houve-as vitalícias
e em mais duma vida, mas a grande maioria eram de juro e herdade. Quanto ao conteúdo, umas eram
doações de domínio e jurisdição, outras apenas de «carrego e capitania», outras finalmente apresen-
tavam um carácter mixto. Muitas vezes o donatário a quem era trespassado o domínio doava por sua
vez a outro indivíduo a terra assim concedida, reservando para si certos direitos. De tudo isto
abundam exemplos (4).
A eficácia dêste sistema de colonização demonstraram-na com o decurso do tempo os excelentes
resultados obtidos nos Açores e na Madeira, onde a obra dos colonos era favorecida pela benignidade
do clima e fertilidade do solo. As ilhas depressa se povoaram e organizaram, surgindo aldeias e vilas,
às quais era concedido foral à semelhança da mãe-pátria.
Prosperaram a olhos vistos a cultura, especialmente da cana e da vinha, a produção do
açúcar, a criação de gado, a indústria das saboarias, ao mesmo tempo que se desenvolvia a pesca.
A exportação para Lisboa e para o estrangeiro tomou a breve trecho largo incremento.
Assim povoadas com colonos de Portugal, arroteadas e exploradas, as ilhas dos Açores e da
Madeira fornecem o primeiro grande testemunho da nossa capacidade colonial. « Em breve espaço, escreve
Oliveira Martins, adqüirem uma fisionomia europeia: são como pedaços de Portugal destacados do
continente».
(3) Alguns documentos do Arquivo Nacional da Torre do Tombo àcêrca das navegações e conquistas portuguesas,
(4) Podem ver-se muitas cartas de doação nas seguintes obras; Saudades da Terra, de Gaspar Frutuoso,
ed. Azevedo, Funchal, 1873; Barcelos, Subsídios para a hist. de Cabo Verde e Guiné, Lisboa, 1899 e 1900 (sep. das Memórias
da Acad. das Sciências de Lisboa); Arquivo dos Açores; Alguns docupientos do Arquivo Nacional cits.
168
A SOLUÇÃO TRADICIONAL DA COLONIZAÇÃO DO BRASIL
^2 M capítulos anteriores assistiu-se aos primeiros ensaios de colonização na terra brasílica. D. JOÃO III
APLICA AO
Desde cedo vimos, a par da pesquisa geográfica, tomar incremento a exploração mercantil BRASIL O SIS-
da costa e com ela a organização militar indispensável para a defesa dos colonos e nego- TEMA DAS
DONATÁRIAS
ciantes. Mas nos primeiros tempos, por motivos que já foram largamente expostos (5), os
governos julgaram dever confiar à exploração dos particulares as relativamente escassas
riquezas de Santa Cruz, aplicando de preferência no tráfico da índia os recursos do Estado.
Todos êles, com efeito, eram poucos para sustentar o nosso ingente império oriental e para
defender as nossas posições no Norte de África: as terras do Brasil, sem serem esquecidas nem des-
prezadas, eram todavia, e muito naturalmente, uma preocupação secundária.
Entretanto, o pau brasil atraía as atenções do comércio europeu e os nossos homens tinham
de defrontar-se com traficantes doutros países, sobretudo franceses, que cada vez mais freqüentavam a
costa brasileira.
É bem conhecido, e já ficou descrito noutro capítulo desta obra, o estado de permanente
hostilidade originado nestas rivalidades.
O nosso govêrno reclamou repetidas vezes por via diplomática contra os corsários de Dieppe
e Honfleur, mas a corte francesa não só atendia frouxamente as nossas reclamações como por fôrma
mais ou menos encoberta protegia os seus súbditos nesta verdadeira guerra surda contra o nosso país.
No Brasil os nossos direitos soberanos começaram a correr sério perigo. Os franceses
aliavam-se aos indígenas contra nós, tendo chegado mesmo a fazer tentativas para se estabelecerem
em certos pontos da costa, tentativas que os nossos naturalmente repeliam, e em geral por fôrma
devéras violenta.
Como bem escreveu ]oão Ribeiro no seu excelente compêndio de história brasileira, «impunha-se
uma das duas alternativas: ou colonizar a terra ou perdê-la»; e foi isso que viu claramente o grande
monarca que na nossa história figura com o nome de João 111 e para o qual Oliveira Martins propôs
o justo epíteto de rei colonizador.
Os factos que acabamos de recordar explicam as medidas de defesa adoptadas em relação à
colônia, e em especial as duas expedições já historiadas no presente volume: a de Cristóvam Jacques e
a de Martim Afonso de Sousa.
A respeito desta última, vimos já qual o espírito que a ela presidiu e pudemos apreciar o seu
alto significado. Não se tratava já duma simples expedição militar destinada a proteger o desenvol-
vimento das íeitorias e a defender o monopólio do pau brasil, mas sim duma verdadeira expedição
colonizadora que, sem deixar de ter carácter militar, era ao mesmo tempo uma primeira e já importante
tentativa de povoamento e exploração em grande, norteada essencialmente pelo mesmo espírito que
animara a tarefa da colonização das ilhas do Atlântico. Cêrca de 400 pessoas, como vimos, formavam a
expedição, a qual ia provida abundantemente de tudo o necessário: armas, aparelhos e material de
construção, artigos de comércio, e também sementes, plantas e animais domésticos. Ao mesmo tempo,
conferiam-se a Martim Afonso poderes excepcionais, convertendo-o num verdadeiro vice-rei e habili-
tando-o a organizar o govêrno, a administração e a justiça pela fôrma mais conveniente. Finalmente,
conferia-se-lhe a faculdade de conceder terras de sesmaria a quem as quisesse povoar e agricultar,
à semelhança do que se fizera na Madeira e outras ilhas.
Iniciava-se assim a política de colonização propriamente dita, da qual Martim Afonso de Sousa
lançou as primeiras bases.
Vêmo-lo, com efeito, fundar a povoação de S. Vicente, distribuir o solo pelos colonos; vemos
iniciar-se e tomar incremento a cultura da cana e de outros produtos, construíndo-se os primeiros engenhos,
formando-se vários núcleos de lavradores e organizando-se o tráfico com a metrópole. Vemos igualmente
Martim Afonso consagrar-se à administração civil e eclesiástica. De tudo isto resultou que dentro em
breve a jóven colônia atingia um apreciável florescimento, resolvendo alguns colonos mandar ir para
junto de si as suas famílias.
Enquanto isto se passava nas terras de Santa Cruz, a coroa não se desinteressava do problema,
antes é positivo que êle passara a constituir uma das suas principais preocupações.
Tornava-se evidente a necessidade de pôr em prática um mais completo e vasto plano de
colonização, e essa necessidade foi sentida desde cedo. Numa carta muito notável, escrita pelo monarca
□axszrzxm mzrr m xizmxsr:
(5) Vol. 11, cap. XI.
169
31
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
a Martim Afonso em 1532 (&) lê-se, com efeito, que depois da partida deste se pensou na corte portu-
guesa Ta vantagem que haveria em povoar tôda a costa do Brasil, havendo pessoas que requenam
nela Cr.s|óram ]acques e ]oão de Melo j,, clmara, irmâ0 do capitão da ilha de
S. Miguel, haviam solicitado doações no Brasil e se tinham oferecido para o colonizar, levando ao todo
3.000 mora^0.deJ de distribujr as terras do Brasil por vários capitães donatários encontrou um valioso
patrono no bem conhecido Doutor Diogo de Gouveia, segundo se vê da importante carta (s) por este escrita
a el-rei D. João IIÍ em 29 de Fevereiro e 1 de Março de 1532:
....Eu já por muitas vezes lhe escrevi o que me parecia deste negócio ...A verdade era dar SenAorasíerras
a vossos vassalos que 3 anos ha que se as V. A. dera aos dois de que vos eu falei já PoZe
nascidas e outros muitos da terra cruzados com os nossos; é certo que apos estes houveram de ir outros muitos... Porq
auando lá houver sete ou oito povoações, estes serão abastantes para defenderem aos da terra que nao vendam o brazil a
TiZguem e não o vendendo, as'naus'não hão de querer lá ir para virem de vazio. Depois disso aproveitarão a terra... e
converterão a gente ã fé, etc-».
D João III concordava, mas a gravidade do assunto não lhe permitia tomar uma resolução
sem se informar primeiro cuidadosamente. Por isso aguardava o regresso de Martim Afonso W Entre-
tanto porém, graves acontecimentos se produziam, que tornavam cada vez mais urgente uma decisão.
Meses antes (Dezembro de 1531) levantara ferro de Marselha com rumo ao Brasil a famosa
Pélerine armada à custa do barão de Saint Blancard, não só para traficar com os índios como para se
estabelecer militarmente no território brasileiro e encetar o arroteamento do solo. tudo com o supremo
consentimento de^Francisco subseqüentes: a construção da fortaleza em Pernambuco pelo
capitão da Pélerine. o apresamento desta náu pela armada portuguesa de guarda-costa ao sair do
Dôrto de Málaga, a tomada da fortaleza por Pero Lopes. ^
Alguns dêstes factos eram do conhecimento de D. João III à data da sua celebre carta a Mart
Afonso de Sousa. Pelos tripulantes da náu apresada no estreito soubera o Govêrno como ela havia
deixado em Pernambuco um forte com numerosa guarnição, e mandara ordens a costa da Malagueta
para que Duarte Coelho, capitão-mór duma esquadrilha aí estacionada, passasse ao Brasil a desalojar
os intrus0Q^e)essas notícias resolveram definitivamente o monarca a pôr em prática o pensamento de
o território dividido em zonas paralelas de diferente largura. A delimitação, .feita com relação à costa,
era bastante imperfeita e deu mais tarde origem a infindáveis pleitos. As vezes nem sequer se indicava
o ponto da costa em que principiava a capitania: determinava-se apenas o numero de léguas a contar
dos limites de outra concessão já feita. Para o interior as cartas nada diziam quanto a limites, a nao
ser que as léguas medidas na costa «entrarão... pelo sertão e terra firme a dentro quanto puderem
entrar e fôr de minha conquista», isto é, até à linha fixada em Tordesillas; nem de outra fôrma poderia
ser, em vista do quási nulo conhecimento da corografia da região. Compreendiam-se nas doações as
ilhas que se achassem até à distância de 10 léguas da costa.
Doze foram os donatários. Os quinhões porém, em rigor, foram quinze, porque os dois irmãos
Martim Afonso e Pero Lopes tinham à sua conta 180 léguas, distribuídas em cinco porções separadas.
O resultado das investigações sobre êste difícil assunto foi fixado do seguinte modo —que
Capistrano qualifica de «lapidar»—pelo sábio G. d'Avezac nas suas Considérations géographiques sur
1'histoire du Brésil (h);
—«O limite extremo da mais meridional destas capitanias, concedida a Pero Lopes de Sousa, é determinado nas
próprias cartas de doação por uma latitude expressa de 27°'/a; confrontava, um pouco ao norte de Paranaguá, com a de
S. Vicente, reservada a Martim Afonso, e que se estendia do lado oposto até Macahé, ao norte do Cabo Frio, desenvolvendo
assim mais de cem léguas de costa, mas em duas partes que encravavam desde S. Vicente até a embocadura do Inqueri-
queré, à de Santo Amaro, de dez léguas, adjudicada a Pero Lopes, o irmão de Martim Afonso.
Ao norte dos domínios dêste estava a capitania de S. Tomê, cujas trinta léguas iam expirar junto de Itape-
merim: era o lote de Pero de Góis.
Em seguida vinha a capitania do Espírito Santo, outorgada a Vasco Fernandes Coutinho, cujo lindo interior era
marcado pelo Mucurp, que a separava da capitania de Porto Seguro, atribuída a Pero de Campo Tourinho; esta prosseguia
peto espaço de cincoenta léguas até à dos Ilhéus, obtida por Jorge Figueiredo Corrêa, igualmente de cincoenta léguas, cujo
têrmo chegava rente à Bahia. A capitania da Bahia, doada a Francisco Pereira Coutinho, estendia-se até ao grande rio
S. Francisco; além estava a de Pernambuco, adjudicada a Duarte Coelho, e que contava sessenta léguas até ao rio de
Igaraçú, passado o qual Pero Lopes possuía terceiro lote de trinta léguas, formando sua capitania de Itamaracá até à
baía da Traição.
Neste lugar começava por se estender sobre um litoral de cem léguas até à angra dos Negros a capitania do
Rio Grande, dada em comum ao grande historiador João de Barros e a seu associado Aires da Cunha; da angra dos
Negros ao rio da Cruz quarenta léguas de costa constituíam o lote concedido a Antônio Cardoso de Barros; do rio da Cruz
ao cabo de Todos os Santos, vizinho do Maranhão, eram adjudicadas setenta e cinco léguas ao vèdor da Fazenda
FernandÁlvares de Andrade e além vinha emfim a capitania do Maranhão, formando segundo lote para a associação de
João de Barros e Aires da Cunha, com cincoenta léguas de extensão sobre o litoral, até ã abra de Diogo Leite, isto é, até
cerca da embocadura de Tury-açú».
úÚi
(11) Paris, 1857. Pág. 30 e 31. Transcrevemos a passagem das notas de Capistrano de Abreu à obra de
Salvador (pág2 74).
(1 ) Vide quanto à Madeira a cit. obra do Prof. Damião Peres, A Madeira sob os donatários, pág. 25 e ss.
Considerações
ies de ordem geral em Lannoy, Uexpansion coloniale des peuples européens: Portugal, pág. 89.
171
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORIU0UESA DO BRASIL
um sem l SslS « a ^ —
S. ~ d!
futuras seraçoes. ^ oca5Íonal da colónia ameaçada que a coroa dêste modo garantia,
d
era a sua exploração e aproveitamento, f
3 e an 0
sociedade, ideal gue alguns anos atras ", ° = , l ^ com irresistível sedução,
m a n C0
altura, sobretudo depois do ensato . a ' J* os nossos estadistas de gue, em
O gue se conhecia do pais era ia mais gue su p somenos valor o futuro da grande
consolidar esta resolução no espírito do monarca e dos seus ministros, e tanto assim que com pequeno
interval0 S
CremoUsepofsS nTp^ÍuvIdÍ-sÍtV o sistema das capitanias hereditárias era. atentas
J- - Hn mnmento e os objectivos em vista, o mais capaz de promover, ao menos de prmcipi ,
G0
-eia' d
Nl„Tll,7llod:aÍ!s}7a%ff^=S
(•3) Vide sôbre tôda esta matéria: Sousa Felgueiras ap tfw. do jnsf. fíist.. vol. XIX.
$ KdTm vTsfexeVplof nã^obra0 Tem" conhecida de Pauliat, ^ politigue coloniale sous Vancien régime.
pág. 53, 211 e 257.
172
A SOLUÇÃO TRADICIONAL DA COLONIZAÇÃO DO BRASIL
Sistema análogo foi também o adoptado pelos inglêses na América do Norte com as
conhecidas «colônias de proprietário». E com sobeja razão nota ainda Oliveira Martins (16) que foi por
considerações semelhantes que mais modernamente muitos govêrnos da Europa, desejando fomentar ai
colonização de territórios ultramarinos, recorreram às companhias coloniais com atribuições soberanas (17).
Não esqueçamos, de resto, que os íactos se encarregaram de corroborar eloqüentemente o
acertado da política preferida. Sem querer antecipar o que será objecto de subseqüentes capítulos dêste
volume, cremos oportuno pôr em relevo a importância da obra dos primeiros colonos, que ainda antes
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O PAÇO DE ÉVORA
da criação do govêmo geral, ou seja, em um reduzido número de anos, lograram ocupar uma extensa
parcela do litoral brasileiro e em grande parte libertá-la das investidas estrangeiras. Tal era a sua
principal missão, e nobremente a cumpriram; mas nem por isso descuraram a tarefa do fomento
econômico e do desenvolvimento da colônia. Com efeito, ao tempo da chegada de Tomé de Sousa,
primeiro governador geral, existia já mais de uma dúzia de povoações em várias capitanias, de algumas
das quais se exportavam para o reino açúcar e outros artigos.
Tudo isto, que a seu tempo será mais amplamente exposto e colocado na merecida evidência,
se realizou—cumpre não o esquecer tampouco —através de tôda a sorte de dificuldades, hoje difíceis,
de bem aquilatar.
o o»* o*< o»* o o o *<0 »i«o O
n Rrasil p as colônias portuguesas, págs. 12-13. j j ^
Í17 O rpoime feudal aparece perfeitamente caraterizado nas cartas de concessão, por exemplo na dada a
rnrr.nsnhia tra s c e b
Companhia Hndo Canadá
Canada^ donde transcrevemos a seguinte
" „ 5 ^g c ouron =e d'orfórmula: «à de
du poids perpétuité,
8 mares en toute propnete,
à chaque mutation )ustice et Pauliat,
de roi>. seigneuneob.sous
cit.
pág^l^ Muitos dos argumentos dêste autor em favor do sistema das companhias coloniais teem aplicação às capitanias
brasileiras, suas ascendentes remotas.
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Foi de fado aos donatários e aos seus cooperadores que coube a árdua e gigantesca tarefa
de, como alguém escreveu (18), «revelar o Brasil» à mãe-pátria, mostrando-lhe que valia a pêna
prosseguir no atrevido empreendimento em tam boa hora encetado.
iDefeitos tinha, a-pesar-de tudo, o sistema das donatárias? Sem dúvida, e sobretudo, como
tantas vezes tem sido dito, a falta de unidade, a falta de «sentimento do interesse comum». Tais vícios,
porém, depressa foram corrigidos pela criação do govêrno geral, que, sem dúvida, constituiu um comple-
mento' necessário do primitivo plano joanino, mas que, se em boa verdade foi eficaz e se impôs, foi
porque encontrou uma base sólida na obra dos donatários e dos primeiros colonos (19).
AS CARTAS DE S cartas de doação e os forais das capitanias constituem, como é sabido, a principal
doaçAo E OS
FORA1S fonte para o conhecimento do regime jurídico do Brasil no período anterior ao
govêrno geral. Pela carta de doação fazia el-rei mercê da capitania de determinada
porção de território, abrangendo nessa mercê hereditária a concessão de impor-
tantes atributos da autoridade soberana. Posteriormente era dado à capitania um
foral, no qual se fixavam, consoante o próprio formulário dêsses diplomas, os
«direitos, fóros, tributos e coisas» que na respectiva terra se haviam de pagar
ao rei e ao capitão donatário. , a .
Aplicavam-se dêste modo ao território brasílico, adaptando-as às circunstancias,
duas peças tradicionais do nosso sistema político-administrativo: por um lado as doaçoes de bens da coroa
e direitos reais, por outro as cartas de foral. O foral supunha, como se ve, a existência previa da
carta de doação, à qual servia de complemento, constituindo os dois diplomas o estatuto fundamenta
da respectiva capitania (20).
(ts) Rocha Pombo, Hist. do Brasil, t. III, p. 283. Cf. p. 288; «E a prova «ye™fj0?0
primeiros governadores gerais vieram homens como a legião dos missionários, como Gandavo. Qabne1 Soares,
tantos que se^poss
tantos, se possuíram de pornbo
admiração
^ ^pela
^terra e >foram
, cit p 282preconizar-lhe
e seg ; onde as
se maravilhas
faz uma )Una
sta Península ■>
e brilhante. •apologia . obra
da . .
dos
capitães donatários^ ^ ^ ^ ^ e de {oral com as respectivas datas e indicaçao dos livros da chancelaria
de D. João 111 onde figuram:
Doações Forais
?(♦).. H— III — 1535 (L. 10 fl. 86)
Aires da Cunha 20 — XI — 1535 (L. 22 fl. 108 v.o)
Antonio Cardoso de Darros 19—XI — 1535 (L. 21 fl. 187 v.o)
10—III — 1534 (L. 7 fl. 83) 24— IX — 1534 (L. 7 fl. 182 v.o)
Duarte Coelho 7 .... ?
Fernand'Álvares de Andrade 5_ IV — 1534 (L. 7 fl. 110 v.o) 26 —Vill— 1534 (L. 7 fl. 146 v.o)
Francisco Pereira Coutinho 11— III — 1535 (L. 10 fl. 85)
João de Barros ? ( • ) • 1 _ IV — 1535 (L. 10 fl. 70)
Jorge de Figueiredo Correia ? ( ♦ ♦ ) • 6— X — 1534 (L. 10 fl. 19 v.o)
Martim Afonso de Sousa . ?
Pero de Campos Tourinho . 27 — V — 1534 (L. 7 fl. 103^ 23- IX — 1534 (L. 7 fl. 181)
28— 1 — 1536 (L, 21 fl. 65) 2g_ II — 1536 (L. 22 fl. 141)
Pero de Qóis 6— X — 1534 (L. 10 fl. 18)
Pero Lopes de Sousa. . . 1 —IX — 1534 ( * • * )
Vasco Fernandes Coutinho 1—VI —1534 (L. 7 fl. 113) 7— X — 1534 (L. 7 fl. 187)
(') No livro 73 da Chancelaria de D. João III acham-se só fragmentos destas doações, e em nenhum dêles
se contém ad Udid.
data.
(**) 26 de Julho de 1534, segundo Rocha Pombo. .
(* * *) Hist. Genealógica, Provas, VI, n.o 35 e Madre de Deus, pag. 147.
174
A SOLUÇÃO TRADICIONAL DA COLONIZAÇÃO DO BRASIL
Nas cartas de doação diz-se que el-rei faz mercê de um certo número de léguas de terra
e da sua jurisdição civil e criminal. Acrescenta-se que pela mesma carta é dado poder ao donatário para
tomar posse da terra, das suas rendas e de tôdas as coisas compreendidas na doação. O objecto da
doação é geralmente designado pelos nomes de «capitania» e «governança» e o donatário pelo título
de «governador» ou «capitão».
A capitania assim doada era inalienável, indivisível e sujeita forçada e inalterávelmente a
regras especiais de sucessão dentro da família que a aproximavam dos morgados. Assim, na falta de
descendentes, seria chamado à sucessão um ascendente, e na falta de ascendentes um transversal; em
cada uma destas classes o legítimo preferia ao bastardo, o grau mais próximo ao mais remoto, no mesmo
grau o varão à mulher, e, finalmente, entre os do mesmo sexo, o mais velho ao mais moço; os ascen-
dentes legítimos preferiam no entanto aos filhos ilegítimos, e era mesmo lícito ao donatário deixar a
capitania a um transversal legítimo excluindo um descendente bastardo, ou a um transversal ilegítimo de
grau mais afastado de preferência a um bastardo de grau mais próximo; os bastardos de coito danado
não eram capazes de suceder. Se, contra o ordenado na carta, algum donatário alienasse ou partisse as
coisas compreendidas na doação, perderia ipso facto a governança, a qual passaria à pessoa que a ela
teria direito por morte do infractor.
Estabeleciam-se, como se vê, em relação às capitanias brasileiras normas bem diversas das
da célebre Lei Mental. De resto, nas próprias cartas de doação el-rei dispensava expressamente esta lei,
dizendo: «e isto hei assim por bem sem embargo da Lei Mental, que diz que não sucedam fêmeas, nem
bastardos, nem transversais, nem ascendentes».
O donatário e os seus sucessores deviam usar o título de «capitão e governador» da respectiva
terra, manter o apelido da família e trazer as suas armas.
Nas terras da capitania não poderia jàmais entrar corregedor, nem alçada, nem outra qualquer
justiça. Se o capitão praticasse algum acto pelo qual devesse ser castigado, el-rei o mandaria ir à corte
para ser ouvido e julgado segundo o direito.
No caso de o delito ser tal que pela lei do país importasse a perda da governança, devia esta
passar ao seu sucessor, salvo no caso de traição à coroa, em que reverteria ao monarca a respectiva terra.
O capitão devia repartir as terras de sesmaría por pessoas que fossem cristãs, sem fôro nem
direito algum, salvante o dízimo de Deus à Ordem de Cristo. A estas sesmarias eram aplicáveis as
disposições do art. 67 do livro IV da Ordenação.
Havia porém sempre um certo número de léguas (dez a dezasseis consoante as cartas de
doação) de que o rei fazia mercê ao capitão donatário como terra «sua livre e isenta»: quanto a esta
porção de terra, não era o capitão obrigado a dá-la de sesmaria, podendo antes explorá-la como
entendesse e sendo-lhe nomeadamente lícito arrendá-la ou emprazá-la. Não quere isto dizer que o
donatário ficasse tendo a faculdade de dispor destas terras livremente; pelo contrário, segundo deter-
minação expressa das próprias cartas de mercê, elas deviam necessariamente passar à pessoa a quem
pertencesse por direito a capitania (21). O capitão não pagava direito nem fôro algum por estas terras,
aíóra o dízimo a Deus extensivo a tôdas as terras da capitania.
Durante o prazo de vinte anos era livre ao donatário escolher a terra livre e isenta no lugar
que mais lhe conviesse, não a devendo todavia tomar junta, mas sim repartida em quatro ou cinco
porções distantes umas das outras não menos de duas léguas.
Tirante esta terra isenta, era vedado ao capitão tomar para si, ou de qualquer modo vir a
possuir, qualquer terra, bem como dá-la a sua mulher, ou ao filho que devesse herdar a capitania.
Somente poderiam, decorridos oito anos depois das terras serem aproveitadas, havê-las por compra não
simulada, se o possuidor da sesmaria a quisesse vender.
Não podia tam pouco o capitão dar de sesmaria a qualquer parente seu maior porção de terra
do que a que desse ou tivesse dado a pessoa estranha.
No caso de algum possuidor de sesmaria vir a herdar a capitania, era obrigado dentro de um
ano a largá-la a outra pessoa, sob pêna de ser devolvida à fazenda real com outro tanto do seu valor,
devendo logo o almoxarife ou feitor de el-rei apreendê-la.
(21) Vid. Gav. 10 maç. 11 n.o 17 —sentença por que se julgou que El-Rei não devia dar as dez léguas de terra que
pretendia Manoel Coutinho Pereira, filho de Francisco Pereira Coutinho. O fundamento da sentença é que, tendo o A. renun-
ciado à capitania, deixara de lhe pertencer a terra isenta; «nem houve na doação diferença antre estas 50 legoas da doação
mais que no pagar dos direitos e administração destas dez legoas em que se alterou a natureza das outras, sendo porem a
doação em tudo o mais uma doação, etc.»
175
A DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
e a8raVos
de tôda a^aCe^^^
A alçada do ouvidor era de cem mil reis nas ^aS r pêna inclusivamente de morte, salvo
tinham alçada para abs,olve^ comorpa"^ n^s nesse caso-exceptuados os crimes de heresia, traição,
tratando-se de pessoa «de mor quahd », P deqrèdo e cem cruzados de multa.
sodomia ^dnadofafc-S00 Jen rau^t: da' população reclamar mais de um ouvidor, era o donatário
0 U d 0 d e P
expressatneme b^^;^itâ 0 "(; p ;d:? d e põr meirinhoíeãn"' lidor, escrivães e guaisguer
0U,roS 0,i
1aSár iir^tãnc^çL e dar os S^m 7
ca aa aS
que lhe parecessem necessário^, sendo as ^ gid d de tirar outra da chancelaria real, e com a
Estes tabeliães serviriam por essas cartas ^er" "f"3 • servir e que devia ser conforme aos dados
pe 0 q
carta receberiam do capitao regimento novernador a pensão de quinhentos reis anuais,
pelo chanceler-mór. Os tabeliães pagariam 0t:ciais das vilas fazendo as respectivas pautas. Podia
, a ^mútarú^com tmfos oscfíreitos a elas Gerentes, o^as pessoas a guem iõssem entregues
d^sua mão alcàidarias far-.he "i^^^iá^Sos. tinha direito ã vin.ena
d
Eram importantes os ° de todo o pescado, à ou seja,
(meia dízima) do rendimento hgutdo do pau b astl a vi ^ coroa e à 0rdem de cristo e ao
ao dízimo de todos os dízimos e guatsgu f taxado pela câmara e coníirmado pelo rei.
tributo das barcas para passagem dos " ' escravos de que necessitasse, e àlém disso mandar
-r aSe r ^
^ c^3^ acôrdo ccím o capL, ao gua. pagariam
o fôro concertado. nan brasil O capitão e moradores podiam
d
aproveitar-se X --f ^ Jomo
ir
da Ordem de Cristo' ao r disposições de grande importância sôbre comercio, relativamente ao qual,
Havia ainda out[as d'sp Çad tava um re2ime de grande liberdade, análogo ao que sempre
e salvas as restrições indicada , P Atiâritl>n (aat o tráfico era livre tanto ao capitão como
sôbre este, privilégios, eigons dos gueis eren, bas.e.te vutg.res ns, dosções regias, vide as Ord. «an,
L
' "• % Vide Lannov, Vmp,ns,c*coloaiafe dt„ pég. Almeida de Eça, Normas econômicas dl,,
Darros, vol. II, pág. 281.
176
M
A SOLUÇÃO TRADICIONAL DA COLONIZAÇÃO DO BRASIL
barque, ainda que outro fôsse o direito dêsse lugar. Os moradores de cada capitania podiam igualmente
traficar com os das outras com inteira liberdade e sem pagar quaisquer direitos.
Os navios de Portugal que levassem mercadorias ao Brasil não pagariam imposto algum
nesta colônia se já tivessem pago direitos nas alfândegas do reino. Se no Brasil carregassem para o
reino ou seus senhorios, não pagariam coisa alguma. Se carregassem para o estrangeiro, pagariam à
coroa a dízima da saída.
Aos estrangeiros mandava-se aplicar, com intuitos proteccionistas, um regime um tanto mais
apertado, porquanto, ainda que houvessem pago dízima no reino das mercadorias exportadas, não
deixariam de pagar à coroa a dízima da entrada no Brasil, e os que do Brasil trouxessem mercadorias
pagariam sempre dízima da saída. O que a ninguém era lícito, quer português quer estrangeiro, não
sendo morador da capitania, era negociar directamente com os gentios: quem tal fizesse perderia as
mercadorias em dôbro. Pela mesma ordem de razões se não permitia que comerciassem com o gentio
os moradores da capitania que fossem feitores de alguma pessoa residente fóra do reino ou com ela
tivessem companhia.
As coisas de munição de guerra, como mantimentos, armas, artilharia, pólvora, salitre, enxofre,
chumbo, etc., poderiam ser importadas para a colônia sem pagar direitos alguns, qualquer que fôsse a
sua proveniência, e livremente vendidas a qualquer morador que fôsse súbdito português e cristão.
Finalmente, disposição fundamental e importantíssima era aquela por fôrça da qual não poderia haver
direitos de sisa, nem quaisquer outros de qualquer qualidade, salvo os ordenados na carta de doação
e no foral, os quais ficam sumariamente apontados nas páginas anteriores (24).
j]S cartas de doação, discriminando as diferentes classes de população, agrupam os homens CONDIÇÃO DAS
PESSOAS.
livres em três categorias: a dos nobres, a dos peões e a dos gentios. Índios.
Muitos povoadores eram pessoas de qualidade. A-pesar da reputação pouco ESCRAVOS
sedutora de que gosavam os territórios brasílicos, o instinto de expansão dos portugueses
deu de si uma decisiva demonstração: homens de tôdas as classes emigraram para
as terras de Santa Cruz com o anceio de lá se fixarem, levando consigo muitos dêles suas
mulheres e famílias.
Os nobres disfrutavam não só os privilégios consignados na carta, mas tôdas as prerro-
gativas próprias da sua classe, mantendo-se as distinções sociais nos mesmos têrmos em que eram
conhecidas da metrópole.
Àlém dos colonos que se alistavam nas expedições povoadoras, constituíam também uma
parte importante da população europeia os degredados e os criminosos homiziados (25).
Os primeiros eram em grande número, sobretudo depois que o alvará de 31 de Maio
■*,
I Iiyili IIII IIP VTT -9**-'
(2<) A João de Barros, Fernand'Álvares de Andrade e Aires da Cunha fêz D. João III mercê especial das
minas de oiro e prata que achassem nas suas capitanias, bem como do comércio dos mesmos metais, quer extraídos das
minas quer havidos por qualquer outro meio legítimo, sendo defeso a outras quaisquer pessoas ir às minas que se
descobrissem e envoler-se nesse comércio sem licença dos donatários, sob pêna de perderem quanto houvessem adqüirido
e serem degredados para S. Tomé. O produto das minas e do tráfico do oiro e prata devia ser enviado directamente para
Lisboa ou outro porto do continente, pagando-se o quinto à Coroa. Chancel. D. João III, \\v. 21 fl. 73.
(25) Nos inícios da história da colônia desempenharam também um papel importante os desertores. Vide Capis-
trano, Descobrimento do Brasil.
32 177
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
de 1535 (26) determinou que se mudasse para o Brasil o degredo para S. Tomé; e, conquanto não
tenham faltado censuras a êste sistema de povoamento, é certo que êle não deve causar estranheza,
nem ser condenado in limine como um êrro de governação.
É preciso não esquecer que o Brasil estava bem longe de ser uma tentadora terra de
promissão. Alguém escreveu já a êste propósito, com bastante razão, que só por heroísmo ou por castigo
se admitia que alguém fôsse habitar paragens tam pouco hospitaleiras, e tanto basta para justificar que
se tenha lançado mão sem vacilar de um processo a que aliás outros povos recorreram em idênticas
circunstâncias (27). Sabe-se, de resto, que os degredados, conquanto numerosos, não constituíam de modo
algum o elemento principal nem preponderante.
Para uma justa apreciação da gravidade desta política convém, por outro lado, ter presente
que a legislação do tempo considerava como crimes e punia rigorosamente muitos actos que hoje não
cáem sob a acção da lei penal.
Não quere isto dizer que as remessas constantes de degredados não viessem com o tempo a
agravar as condições das capitanias, contribuindo para o seu insucesso; a prova têmo-la nas reclamações
dos próprios donatários, de que é exemplo bem significativo uma conhecida carta de Duarte Coelho
a el-rei (28).
Ao lado dos degredados figuravam também os homiziados, visto que D. João III concedeu
cartas aos donatários em virtude das quais as respectivas capitanias eram consideradas couto para os
criminosos, ainda que já condenados, que nelas quisessem ir morar, exceptuados apenas os crimes de
heresia, traição, moeda falsa e sodomia (29).
Era êsse um processo tradicional de povoamento e colonização. ]á anteriormente à nossa
expansão atlântica êle era a cada passo posto em prática no continente quando se pretendia dar
incremento à povoação de um lugar, sobretudo dos situados na raia, e parece ter sido também usado
na Madeira (30). Circunstâncias e necessidades semelhantes aconselhavam agora o seu emprêgo em larga
escala e a justificação que esboçámos do envio de degredados tem aqui igualmente aplicação. A medida
prestava-se, é certo, a abusos. Donatários havia que, interpretando-a a seu modo, faziam extensivo o
couto de homiziados aos crimes cometidos nas capitanias, de onde resultava o absurdo de um criminoso
poder perpetrar no Brasil uma longa série de delitos, gosando de sucessivos homizios (31)-
Quer entre os degredados, quer entre os fugitivos e os emigrantes voluntários, devia já nesta
época ser importante o contingente de judeus. Não deve porém êste elemento ser exagerado, nem
está de modo algum provado que, como alguns pretenderam, fossem os judeus os introdutores do
açúcar e outras culturas na colônia (32).
Conhecidos os elementos de que se compunha a população europeia, vejamos agora em
que situação se encontravam os indígenas (33) e qual o tratamento de que para com êles usavam
os colonizadores.
]á nesta obra í34) se pôs com justiça em relêvo o significado que a êste respeito encerra o
conselho de capitães que na tarde de domingo de Pascoela de 1500 se reüniu na náu almirante sob a
presidência de Cabral e no qual, tendo o capitão-mór preguntado se seria bom tomar por fôrça dois
aborígenes para os mandar a el-rei, o conselho opinou que se não tomasse a ninguém por fôrça, para
(26) Colecção de Duarte Nunes de Leão, parte IV, tit. 22, lei 9.a. O alvará de 5 de Outubro de 1549 dispôs outro
tanto àcêrca da regra da Ordenação que mandava degredar para a Ilha do Príncipe (ibid. lei 8.a). As remessas dos degre-
dados destinavam-se sobretudo a Pernambuco. _
(27 ) O desterro como processo de povoamento já fôra usado nas ilhas do Atlântico. Vide Gama Barros, II, pág. 280.
(2S) Carta de 20 de Dezembro de 1546 transcrita por Fernandes Gama, Mem. hist. da província de Pernambuco,
Tômo I, pág. 248 e seg. . _ .
C ') Eis a lista das cartas que examinámos na Chancel. de D. João ///: a Francisco Pereira Coutinho (26 de
Agosto de 1534, livro 20 da Chancel, fl. 136); a Pedro de Campos Tourinho (16 de Setembro do mesmo ano, 1. 20, fl. 157);
a Duarte Coelho (24 de Setembro, 1. 20, fl. 157 v.o); a Pedro Lopes de Sousa t5 de Outubro, 1. 10, fl. 19 v.o); a Martim
Afonso de Sousa (da mesma data, 1. 10, fl. 020); a Vasco Fernandes Coutinho (6 de Outubro, 1. 20, fl. 165 v.o); a ]oão de
Barros (11 de Março de 1535, 1. 10, fl. 86 v. ); a Aires da Cunha (da mesma data, 1. 10, fl. 87); a Antônio Cardoso de Barros
(18 de Novembro de 1535. 1. 22, fl. 110); a Pedro de Góis (1 de Março de 1536, 1. 22, fl. 142).
í30
31
) Gama Barros, vol. II, pág. 245 e seg. Ord. Man. liv. V, tit. 52.
í32) Carta cit. de Duarte Coelho. Vamhagen, pág. 307.
( ) Lúcio de Azevedo, Hist. dos cristãos novos, pág. 229. Cf. Rev. de Historia, ano XII, 1923, pág. 159.
(33) O têrmo indígenas não é rigoroso, como o não é o de índios, mas qualquer dêles está consagrado e pode
ser usado sem inconveniente.
(") Vol. II, pág. 139,
178
C^tcrçeíro (toro Oas oídenaçoêa.
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
mais pacificar os naturais. Aí se salientaram também «as diligências para atrair a confiança e simpatia
do íncola, denunciadas na carta de Caminha em múltiplos pormenores». •
Foi essa política de atracção a proclamada ulteriormente em vários diplomas régios—recorde-se
a propósito o que ficou dito àcêrca do regimento da Náu Bretoa (35)—e teremos ocasiao de a ver
expressa de uma maneira clara no regimento dado por D. ]oão III a Tomé de Sousa.
A missão essencial dos povoadores no tocante aos indígenas tinha de ser, no espirito
proselitista da época, a de trazê-los à fé cristã, mas para isso preceituavam-se_ meios suasórios e
catequese pacífica. Nas doações e forais das capitanias a política de assimilação não está directamente
enunciada, mas nem por isso é menos manifesta; a cada passo se faz distinção, não entre europeus e
naturais, mas sim entre cristãos e gentios, mostrando assim que em princípio o índio convertido
e encorporado no grêmio dos colonos fica assimilado a estes.
Abundam na história das várias donatárias os exemplos de população europeia e nativa
vivendo em excelentes relações e até em estreito convívio; há mesmo exemplos de se prestarem
indígenas voluntàriamente a servir os colonos nos trabalhos do campo e dos engenhos e a cooperar
na defesa da colônia. , ...
O modo de ser natural dos portugueses, aqui como noutras possessões, favoreceu notavel-
mente a política assimiladora. Freqüentes eram as uniões, legítimas ou ilegítimas, de portugueses e
índias, e dêsses cruzamentos resultou o tipo étnico a que se deu o nome de mamelucos e pelo qua o
aborígene era associado à emprêsa da nossa colonização.
É evidente que, não obstante estas normas de proceder, não eram de modo algum raros os
embates violentos e os actos de maior ou menor barbaridade praticados em relação a naturais.
As constantes agressões dos índios eram o principal obstáculo que neste tempo encontrava pela frente
a tarefa colonizadora; responder-lhes com uma atitude fraca ou hesitante seria a perdição irremediável.
As colisões com os aborígenes eram impossíveis de evitar e de facto repetiam-se constantemente, por
pacífica que fôsse a política do governador. Algumas tribus mais ferozes dirigiam ataques repetidos e
temerosos contra as nossas povoações, e os europeus nossos competidores, sobretudo franceses,
insinuando-se junto dos índios, incitavam-nos e auxiliavam-nos contra os portugueses Necessário se
tornava conter em respeito essas forças declaradamente adversas, fazendo-lhes sentir por forma imludivel
a nossa superioridade e vingando as agressões de que éramos alvo. Daí constantes guerras e cativeiro
de índios, enquanto estes pelo seu lado, quando se apoderavam de europeus, os matavam e nao
raramente os devoravam. , ,...Q
Como as diversas tribus andavam sempre em guerra umas com as outras, a própria amizade
que os portugueses dispensavam a umas os forçava a manifestarem-se inimigos das outras, secundan o
os indígenas aliados. , , ,
Por outro lado, a escravização de índios em maior ou menor numero tornaya-se, dadas as
condições da colônia, uma triste necessidade, e a pressão dessa necessidade econômica determinava
fatalmente muitos actos de violência. Os colonos não podiam nem pelo seu reduzido número nem pelas
circunstâncias climatéricas dedicar-se intensivamente aos trabalhos de exploração, e quanto as raças
aborígenes, afóra um ou outro caso esporádico, não tinham desenvolvimento economico capaz de
fornecer trabalhadores livres. Todos os povos colonizadores, como é bem sabido, se encontraram
perante o mesmo magno problema e todos o resolveram de igual modo, fazendo assentar a organização
do trabalho sôbre a cooperação forçada. _ _ .......
Cumpre, de resto, não esquecer que a instituição da escravidão não repugnava a inteligência
nem aos sentimentos da grande maioria dos homens do tempo. Escravos ou servos havia-os, mais ou
menos, em todos os países, e Portugal não só os utilizava nas suas possessões como possuía grande
cópia dêles no próprio continente. tComo não havia pois de desenvolver-se a escravidão no território
americano, onde a necessidade de braços, o sentimento de superioridade dos colonos em face de tipos
inferiores de humanidade e a convicção generalizada de que a escravidão era a legítima conseqüência
do cativeiro, conduziam fatalmente àquele resultado? , . . j-
Não admira pois que logo nos primeiros tempos da história da coloma surjam exemplos de índios
escravos, como os que já se nos depararam no regimento da Náu Bretôa e na «Nova Gazeta» de 1534 (36).
De que os escravos índios forneceram aos donatários, depois que estes deram impulso à
cultura da cana e do algodão, um avultado número de braços indispensáveis às duras tarefas agrícolas
restam-nos provas concludentes.
Pero de Góis, primeiro donatário de S. Tomé, escrevendo em 1545 a el-rei, fala nos índios
que tem ocupados nos serviços das roças e diz que para os engenhos tem «escravos e gente que
abaste» (37) Por uma carta de Luís de Góis, escrita a D. João III em 1548 vê-se que também na capitania
de S. Vicente havia já então muita escravaria («ha mais de seiscentas almas e de escravaria mais
de três mil») (38).
A posse de escravos índios explica-se em grande parte pelo facto de ser a instituição da
escravidão conhecida e praticada pelos aborígenes. Para estes, o prisioneiro de guerra, quando não era
devorado, era reduzido à escravidão. Compreende-se assim que mesmo sem o uso da violência por
parte dos portugueses muitos escravos passassem para o poder dêstes. Freqüente era também intervirem
os colonos a fim de evitar que os indígenas sacrificassem os prisioneiros, oferecendo-lhes vários objectos
em troca dêles e logrando assim resgatá-los.
O próprio govêmo metropolitano sancionava nestas circunstâncias a escravidão: a escravos
«resgatados» se referem, por exemplo, as doações, ao permitir, como vimos, que o capitão donatário
exporte o pequeno número nelas fixado. Mas a par desta fonte há a considerar as lutas em que os
portugueses aprisionavam indígenas e os reduziam à escravidão por um modo não menos legítimo.
Era, com efeito, doutrina corrente no tempo que os prisioneiros feitos em guerra contra os selvagens ou
infiéis eram servos dos seus vencedores (39).
Escusado será dizer que ao cativeiro regular acresciam as inevitáveis violências exercidas por
muitos colonos que não hesitavam em sujeitar brutalmente homens pacíficos ou em organizar batidas
contra populações indígenas que os não hostilizavam. Factos em verdade pouco edificantes, mas que era
impossível evitar, que se repetem na história de todos os povos colonizadores e que em nada contrariam
a política régia, expressa bem categoricamente, como veremos, no regimento de Tomé de Sousa e várias
vezes repetida por D. João III e pelos seus sucessores.
Quanto à escravidão africana, pode também afirmar-se sem receio que data da primeira fase
da colonização do Brasil, conquanto só mais tarde viesse a atingir proporções consideráveis.
Sabido como é que o trabalho dos negros fôra já utilizado por nós na exploração das ilhas
do Atlântico e que os Espanhóis dêles se serviram largamente'nas índias Ocidentais, de estranhar seria
que outro tanto se não désse em relação às terras de Santa Cruz. Como o nosso país estava cheio de
escravos africanos, naturalíssimo era que os levassem daqui para o Brasil, e com razão tem sido
observado por vários autores que muitos dêsses escravos terão ido logo com seus senhores a bordo
dos primeiros navios.
Não faltam, de resto, provas directas da existência de escravos desta proveniência nos
primeiros tempos da história da nossa colônia.
Já em 1542 pedia Duarte Coelho a el-rei isenção de sisa para certo número de peças que
pretendia importar, ao que o monarca respondeu que lha não podia dar emquanto não expirasse o praso
do contrato pelo qual fôra arrematada a arrecadação dêsse imposto (40).
Também da capitania de S. Tomé escrevia Pero de Góis em 1545 a um seu sócio mostrando
a necessidade de irem daqui sessenta negros da Guiné, cinqüenta para os engenhos de água e os
restantes para ajuda dos carretos e lenha UO-
Ainda outra prova íornéce-no-la a carta de sesmaria dada por Jorge de Figueiredo a Lucas
Giraldo em 1537, na qual se impõe a êste a obrigação de enviar nas armações dêsse ano e do seguinte
tôda a gente necessária até à quantia de cem pessoas, entre homens livres e escravos, para serviço da
fazenda e defesa da terra (42).
(37) Augusto de Carvalho, Apont. para a hist. da Capitania de S. Tomé, pág. 56.
(38 ) Jbidem, pág. 69. .. j » r ^ ^ •
í39) Vide Becker, La política espahola en Ias índias, pag. 233. Cf. Vanderpol, La doctrme scolastique du droit
dc guerre, pág. 151.
í40) Carta de 27 de Abril de 1542 impressa no Eras. Hist. 2.a série, I, p. 170 e cit. na Hist. de Varnhagen,
3.a ed. p. 30241nota A. . . . ^ ,u /- •. j ^ ^ ,
(42) Carta a Martim Ferreira de 12 de Agosto de 1545 ap. Augusto de Carvalho, Capit. de S. Tome, cit. pág. 57.
( j Tôrre do Tombo, Chanc. de D, João III, livro 55 fl. 176.
/
Não resta dúvida porém de que neste primeiro período a classe escrava era principalmente
representada pelos indígenas e que só mais tarde, quando triunfaram as doutrinas avoraueis a überdade
dêsíes! ao mesmo tempo que se foram reconhecendo os seus defeitos como agr,cultores, o recrutamento
da mão de obra entre a população africana se tornou de regra.
REG1MEN TERRI- O fazer a análise das doações e forais encontrámo-nos em frente de uma serie de dispo-
TORIAL. ORGA- sições directa ou indirectamente destinadas àquilo que, a par da defesa militar, constitui o
NIZAÇÃO ADMI-
NISTRATIVA. obiectivo fundamental da política colonial portuguesa no Brasil durante êste período; o
LEGISLAÇÃO novoamento e aproveitamento da terra (43). «Porquanto-palavras textuais e bem sigm-
ficativas de uma carta de sesmaria (44)-por a dita terra se povoar, aproveitar e defender
p npressário aos primeiros povoadores fazer todo favor e liberdade».
Como o regime territorial e a organização agrária assentavam sobre as doaçoes de terras em
sesmaria, procuraremos ver, em face dos diplomas que nos restam, o que eram essas sesmanas e em
que con^°^oSse jj^fa^usar os forais das capitanias, que o capitão governador devia repartir as
(«) «Povoamento», «aproveitamento» são as próprias expressões que a cada passo nos deparam os docu-
mentos do lempo.^^ concedida a Lucas Giraldo na capitania de Jorge de Figueiredo (T. do Tombo, Chanc. de D. João 111,
liv. 65 fl 116). _ - segundo a noção das ordenações do Reino (Man. liv. IV, 67; Filip. IV, 43), eram as dad'as de
• k c mi
terras mamnhas mip os'seus
ou que os seus qodonos conservassem
e
desaproveitadas. .......
deriva de sesm0 (sesm0< seism0), vocábulo que, eqüivalendo pnmi-
A
4 a sexto (de
tivamente íHp ou
• Ssex
fS j(eSm veio mais
eiros ou tarde, por uma evolução pouco clara, a empregar-se no sentido de courela, e
coureleiros eram nos antigos tempos da nossa monarquia os oficiais a quem
também no ^ssa0 termo lsou limito, se sem dono ou que os seus proprietários não cultivavam por si nem por outrem.
incumbia a ™ ®/A ™n Fernando promulgou-se a célebre lei das sesmarias, destinada a conseguir que todas as terras
Ça
.ess*»,
oAS (IV. 80. que PMSou? co^Se^Vp^V^. «uuueUuas, às quais aiaUeu, as doações e
1,1, onde o S,. lordào de
Freitas se refere ao assunto. „, ,
0
P) ?53Íl5°oTdo TÍmbo? Chanc" tíTo! João íll, l.o 67 fjs. 108 y.o CÍ, ^ do Inst. Hist. XXIV, p. 209.
tm de Aoosto de 1540. T. do Tombo, Chanc. de D. ]oao 111, 1.° 47 ils. 1.
SC 28 de ® de 1542 T. do Tombo, Chanc. de D João 111 l.o 69 fls. 1 8^
(si) 26 de Março de 1547. T. do Tombo, Chanc. de D. João 111, 1.° 65 fls. 176.
182
a»
A SOLUÇÃO TRADICIONAL DA COLONIZAÇÃO DO BRASIL
silêncio da carta a êste respeito, dentro do qüinqüênio, sob pêna do pagamento de certa multa e de
lhe ser retirada a terra (52).
Nalgumas cartas adopta-se expressamente o período de cinco anos, fazendo referência à
disposição legal (53); há porém exemplos de se conceder ao possuidor da sesmaria um praso mais
amplo. Assim, pela citada carta de sesmaria concedida a Lucas Giraldo na capitania de Jorge de
Figueiredo, é aquele obrigado a enviar à sua terra dentro de curto praso a gente, armas e munições
necessárias para a exploração e defesa da mesma, e impõe-se-Ihe o encargo de fazer um engenho
de açúcar, proíbindo-se-lhe que até lá disponha da terra; mas em compensação, atendendo ao muito
tempo e despesa que demanda o aproveitamento da sesmaria, o capitão prorroga-lhe de antemão por
mais dois qüinqüênios o praso da Ordenação, cláusula que el-rei confirma.
Nenhum direito ou fôro pagam pela terra, ao capitão ou a quem quer que seja, os conces-
sionários das sesmarias, salvo apenas o dízimo à Ordem de Cristo. Quanto, porém, às moendas de
água, marinhas de sal e engenhos, já vimos que pela doação da capitania pertenciam ao governador,
podendo êste portanto cobrar tributo pela licença. É assim que, por exemplo, na carta de sesmaria de
Lucas Giraldo, êste é obrigado ao pagamento do censo anual de uma arroba de açúcar por cada um
dos engenhos que se lhe consente que construa. Mas há também exemplos de concessões gratuitas: tal
é a de água para três engenhos, um de açúcar, um de algodão e um de pão, bem como de uma
marinha de sal, tudo «forro dízimo a Deus», feita por Francisco Pereira Coutinho a Afonso de Torres.
Das cartas que passámos em revista depreende-se que a concessão de uma sesmaria
importava freqüentemente a de direitos importantes de soberania, constituindo assim o contrato entre o
capitão e o concessionário uma espécie de sub-enfeudação —ou melhor, de sub-doação, se assim nos
é lícito dizer—com analogias evidentes com a doação primária da capitania.
Sirva de exemplo mais uma vez a carta de Lucas Giraldo. Segundo ela, poderá o conces-
sionário (e seus sucessores) fazer na sua terra vilas e fortalezas, das quais terá jurisdição e senhorio;
serão suas as alcaidarias-móres para sempre de juro e herdade com todos os direitos respectivos,
ficando apenas reservado prestarem os alcaides menagem ao capitão governador. Poderá igualmente
Lucas Giraldo pôr as justiças e oficiais que forem necessários, fazer as eleições dos oficiais nas câmaras
e tudo o mais que o capitão ou o seu ouvidor poderiam fazer, ficando em todo o caso reservado ao
governador chamarem-se por êle os juizes e oficiais, entrar o seu ouvidor nas terras sesmadas, fazer
as eleições quando estiver presente e conhecer das apelações e agravos.
Cláusulas análogas nos apresentam a sesmaria dada a Afonso de Torres e a da ilha de
Santo Antônio concedida a Duarte de Lemos.
As pessoas contempladas com as sesmarias podiam por sua vez distribuir (e de facto distri-
buíam) a respectiva terra em sesmaria a vários povoadores. A êste respeito diz porém expressamente a
carta outorgada a Brás Teles de Menezes que a terra dada aos povoadores para êles romperem à sua
custa será sempre «dízimo a Deus» sem outro nenhum fôro.
Cumpre agora dizer algumas palavras àcêrca do sistema administrativo e judicial da colônia
antes da criação do govêrno geral.
Os donatários nem sempre estavam pessoalmente à testa do govêrno da respectiva capitania
e alguns dêles até nunca lá estiveram, continuando a fazer vida de corte e defendendo nela os seus
interêsses. Nestas condições o govêrno supremo da terra era confiado a um proposto (capitão-mór, lugar-
tenente, governador), que temporáriamente exercia os direitos do donatário.
No exercício da jurisdição civil e criminal era o donatário, como já vimos, representado por
um ouvidor de sua nomeação, com a competência e alçada já referidas quando do exame que fizemos
das cartas de doação. Por vezes (e nos primeiros tempos talvez fôsse esta a regra) o próprio capitão
acumulava as funções da ouvidoria e outras ainda, como as de alcaide-mór, e até as de oficial
da fazenda régia. , , .. , ...
Ao capitão governador era confiada a nomeação nao so do ouvidor, como do meirmho
«dp ante o ouvidor» escrivães e quaisquer outros oficiais necessários e costumados no reino, sendo
obrigadot quando sé tornasse necessário, a pôr outro ouvidor onde por el-rei fôsse ordenado.
A organização municipal era semelhante à da metrópole: em cada vila havia, pois, vereadores,
o o o O O »*• O O O •*« O O
(52) À sanção da perda da terra estava, de resto, sujeito, pela lei nacional, qualquer proprietário que incorresse
em igual incúria. Xi
(ss) V. g. na carta concedida a Diogo Alvares.
*
um ou dois juizes ordinários, procurador e outros oficiais. Vários documentos dêste período fazem
referência à casa do conselho e ao pelourinho (54). De um foral dado a Olinda por Duarte Coelho (1537)
falam vários escritores (55). De um juiz pedâneo, eleito pelos vereadores de S. Vicente a requerimento
da povoação do Pôrto de Santos, dá notícia Frei Gaspar da Madre de Deus na sua bem conhecida
Memória (56).
O capitão devia, conforme a carta de doação, superintender, por si^ ou pelo seu ouvidor,
na eleição dos juizes e oficiais das vilas, e confirmar a dita eleição, juizes e oficiais deviam
chamar-se pelo capitão.
A gestão dos interêsses da fazenda real em cada capitania estava a cargo do feitor ou
almoxarife e do «provedor e contador», funcionários de nomeação da coroa (57). Havia porém capitanias
em que as funções de oficial da fazenda eram exercidas, como já dissémos, pelo próprio governador.
Das alcaidarias-móres já por mais de uma vez tivemos oportunidade de falar (58).
As normas de direito por que se regia a colônia eram em parte normas decretadas especial-
mente para o Brasil, em parte normas gerais comuns a todo o reino.
A legislação geral, que devia considerar-se em vigor quando não fôsse contrariada por
qualquer disposição especial da colônia, era representada pelas Ordenações de D. Manuel de 1521 e por
numerosas leis extravagantes. Das fontes de direito particular as mais importantes eram as cartas de
doação e os forais das capitanias. Os diplomas emanados da metrópole completavam-se com os forais
dados pelos capitães donatários às vilas que se iam fundando, com outros diplomas por êles expe-
didos (59) e com as posturas das câmaras (60).
ESTA analisar uma outra face da actividade política de D. joão III: a que respeita
à defesa dos seus direitos em relação ao Brasil na ordem internacional, já em
i capítulos anteriores diversos episódios desta porfiada obra diplomática foram
desenvolvidamente historiados; voltaremos todavia a fazer referência rápida a
alguns dêles, relacionando-os- com outros de data mais recente,
8 O assunto merece que nêle se insista. Com efeito, se a D. joão III e aos
seus estadistas cabe a glória de terem encetado segundo um amplo, sábio e
arrojado plano a grande obra de defesa militar, povoamento, organização e fomento
das possessões americanas, foram ainda o mesmo caluniado monarca e os seus
hábeis diplomatas quem sustentou pela fôrma mais tenaz e inteligente em face das pretensões estrangeiras
a legitimidade da nossa soberania nesses territórios e os nossos direitos sôbre o oceano que lhes dá acesso.
(54) Vide por exemplo Fr. Gaspar da Madre de Deus, Mem. para a hist. da capit. de S. Vicente, Lisboa 1792,
p. 37 e 38, onde cita cadernos ada vereação.
(") Varnhagen, 3. ed., pág. 248.
(56) p^g JQ2
(") Rocha Pombo vol 111, pág. 147 afirma que os provedores locais foram criados ainda antes de 1548.
(53) Acrescente-se que vários documentos dêste período dão conta da existência de vigários e ouvidores ecle-
siásticos, com a jurisdição própria do seu fôro. j . . j r• ^
Õ') Vide por exemplo o alvará que transcreveu Madre de Deus, (ob. cit. pág. 70) do fragmento do Livro de
Vereações existente no Arquivo da Câmara de S. Vicente.
(60) vide Madre de Deus, pág. 66.
184
A SOLUÇÃO TRADICIONAL DA COLONIZAÇÃO DO BRASIL
Vem a propósito recordar que as navegações portuguesas foram, desde o seu início, acompa-
nhadas de um certo número de medidas de ordem jurídica, reconhecidas pelo direito internacional
coevo e tendentes a assegurar a nossa soberania em relação às regiões descobertas e ocupadas. Nunca
os promotores da nossa expansão marítima e colonial despresaram êste aspecto da emprêsa, já
mandando colocar cruzes e padrões, como títulos de posse, nas costas que sucessivamente se fossem
descobrindo, já ampliando com novos epítetos o ditado dos reis portugueses, já finalmente (para só
citarmos os títulos mais importantes) alcançando dos pontífices diversas bulas, as quais não só nos
atribuíam de ante-mão as terras que conquistássemos, mas freqüentemente criavam uma verdadeira
«esfera de influência» em benefício de Portugal, reservando-lhe uma certa zona de expansão e
proibindo os outros soberanos de nos perturbarem no gôso dêsse exclusivo de navegação, comércio
e conquista.
Quanto à pretensão de estender aos próprio^ mares a nossa soberania, também em
providências legislativas ela se afirma desde cedo. Não quer isto significar que, como exageradamente
se^ afirmou já, Portugal não admitisse «que os filhos de outra nação pusessem pé em terras suas no
àlém-mar». Não faltam exemplos de colonos e mercadores estrangeiros nas nossas possessões, e até já
vimos que certas disposições dos forais das capitanias brasileiras pressupunham a possibilidade de
estrangeiros negociarem na colônia. Mas êsses casos, por freqüentes que fossem, e ainda quando se
filiassem numa política de manifesto favor, não destruíam nem contradiziam o princípio de que os mares
por nós descobertos estavam sujeitos à nossa soberania, sendo portanto lícito aos nossos reis proibir
as nações estrangeiras de os freqüentar sempre que assim o entendessem.
Que se não tratava, de resto, de um princípio meramente teórico, e que já mesmo antes
de D. }oão III êle servia de fundamento a reclamações dos nossos governos, mostra-o claramente o
que conta Rèsende na sua Crônica de D. João II àcêrca das ordens dadas por êste monarca ao seu
embaixador em Inglaterra, entre as quais figurava a de reivindicar junto do rei inglês o exclusivo da
navegação e comércio da Guiné (ei). Foi porém no reinado de D. João IÍI que esta política tradicional
se tornou mais rigorosa e exclusivista.
A-pesar das dificuldades que encontrou nas cortes de França e de Inglaterra, D. João III
manteve, com efeito, de uma forma pertinaz e inflexível o princípio do monopólio (62) e perseguiu
inexoràvelmente os aventureiros estrangeiros que contra vontade do rei português teimavam em
contrabandear no Brasil e na costa africana, acometiam as nossas embarcações e ameaçavam sériamente
a nossa soberania.
Assim entendida e posta em prática, com as restrições em favor de estrangeiros que as
oportunidades aconselhavam, mas sem transigências para com os nossos inimigos e rivais, a política de
monopólio foi uma condição de defesa do nosso patrimônio colonial e porventura, dados os perigos
com que tínhamos de defrontar-nos, um complemento indispensável da soberania territorial (63).
(61) Desenvolvemos esta matéria e documentamos algumas das afirmações feitas no texto no artigo Os juris-
consultos portugueses e a doutrina do <Mare dausum», (Rev. de íiist. t. XIII), D. Manuel também estabeleceu a doutrina
do monopólio.62 Vide supra, pág. 73.
( ) Como a palavra monopólio se presta a equívocos, não será supérfluo observar que a empregamos para
significar o exclusivo da navegação e comércio na ordem internacional. Vimos já, ao fazer a análise dos forais das capitanias
brasileiras, que êste monopólio não era de modo algum incompatível com uma regulamentação extremamente liberal do tráfico.
(63) Reconhecem-no até os escritores menos dispostos a louvar os actos de D. ]oâo III. Vide por exemplo
Gomes de Carvalho, ob. cit. pág. 22: «D. João III... cria talvez [com o monopólio comercial] a única política colonial
compatível com as forças militares da metrópole e a incapacidade das colônias para se defenderem». Aparte a idéa falsa
de que D. João III criou uma nova política colonial, o juízo é exacto. Vide o que sôbre êste assunto ficou exposto no
capítulo II dêste volume.
33 185
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
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185
A SOLUÇÃO TRADICIONAL DA COLONIZAÇÃO DO BRASIL
assim eloqüentemente a sua doutrina: «Quanto a não navegarem meus navios nem irem a minhas
terras, não é cousa igual nem justiça que aquilo que pelos reis meus antecessores e por elrei meu
senhor e padre e por mim foi descoberto com tantas mortes de nossos vassalos e tão grandes despezas
e tantas vezes cometido para se descobrir e tornando-se sem o acertar e depois de ser este caminho
aberto por ele, queiram ir fazer novos descobrimentos naquelas partes custando tanto a estes reinos
e fazendo-se para se suster tamanhas despesas com tantas gentes e navios como vós lhe sabereis
muito bem dizer, pelo que todas estas navegações não somente são descobrimentos mas verdadeira-
mente se pode dizer que são compradas por tanto sangue e dinheiros como tem custado e sempre
custam que ficam mais propriamente compra que descobrimento e que se não pode haver coisa nestes
mares de minha navegação que os meus já não tenham achado e descoberto e não poderia ninguém
cometer tais descobrimentos que não tocassem em cousa minha». Refere-se a seguir às bulas pontifícias,
concluindo, após um extenso arrazoado, que «todas estas navegações dos meus mares e terras eu as
tenho de mui bons titulares por bulas de Santos Padres de muitos tempos para cá... fundadas em
direito, pelo qual são cousas próprias minhas e da coroa de meus reinos de que estou em posse
pacífica e ninguém com razão e justiça se deve nisso intrometer».
Em 1534, nas instruções (de 2 de Maio) dirigidas a Rui Fernandes, novo embaixador
em França, o nosso monarca assim se expressa: «Os mares que todos devem e podem navegar são
aqueles que sempre foram sabidos de todos e comuns a todos, mas os outros, que nunca foram
sabidos nem parecia que se podiam navegar e foram descobertos com tão grandes trabalhos por
mim, esses não» (71)-
Como é natural, as pretensões dos portugueses suscitaram desde cêdo vivos protestos da
parte dos aventureiros franceses a quem a política de D. João III prejudicava altamente. Por isso,
através dos escritos e dos documentos diplomáticos provocados por estas desavenças vemos surgir pela
primeira vez, ditadas pelo interêsse, idéias e princípios, como o da liberdade dos mares, que só muito
mais tarde haviam de ser consagrados definitivamente pelo direito internacional.
Bastará recordar o protesto, célebre formulado pelo barão de Saint Blancard, Bertrand
d'Ornezam, perante a conferência de Baiona, no qual se repudiam da forma mais categórica os direitos
de Portugal sobre a terra e os habitantes do Brasil e a legitimidade do exclusivo comercial (72).
O próprio monarca francês, a-pesar da sua atitude dúbia e hesitante, mais de uma vez
reivindicou para os seus marinheiros a liberdade de navegar (73), e foi mesmo até expôr pontos de
vista dignos de nota no tocante à necessidade da posse efectiva como título internacional para a
aqüisição de territórios.
Em carta de 15 de Agosto de 1531 para • D. Antônio de Ataíde, lamentava com efeito
D. João 111 que as promessas do almirante Chabot com respeito às viagens dos franceses à Malagueta
e ao Brasil fossem feitas em palavras «tão limitadas... que quando por elas o apertassem poderia
dizer que as tais terras não estão em minha obediência ou que as não possuo». Efectivamente, o
almirante dizia (é D. João III quem nos informa na mesma carta) que, quanto às viagens da Malagueta
que estava em obediência de elrei de Portugal e outras terras que este tinha e possuía, não iriam lá
navios de França sem licença do rei português.
Com razão viu D. João 111 nestas palavras o propósito de fazer depender a legitimidade do
nosso monopólio da circunstância de termos uma posse real e efectiva do respectivo território e, como
se tratasse de questão muito melindrosa,—o nosso monarca tratou de prudentemente ladeá-la, «porque
espertar-se por nenhuma via agora lá esta matéria da posse e propriedade havê-lo hia por cousa mui
contrária a meu serviço»... í74).
Í7I1 Gomes de Carvalho, ob. cit., pág. 64 (Doe. da Biblioteca de Évora). A estas pretensões de Portugal se
referia em 1535 o embaixador de Veneza em França, Marino Giustiniano: <non solamente vuol avere la superiorità, ma non
uiiol rh'alcun altFuomo sia chi si voglia, vada a guelli luoghi*. (Tommaseo, t. I, pág. 87). ^
(72) Quénin, ob. cit., pág. 258. Vide na mesma .obra, pág. 12, os termos em que um piloto de Ango (Cngnon)
traduzia a sua irritação contra as ambições portuguesas. . ,,, r ru „ v-r-io i r,n
í73) Carta de 6 de Setembro de 1528 dirigida a D. João III. C. Chron., Farte I, maço 41, doe. 30.
GO Palha Carta de marca de João Ango, pág. 102 e segs.-Noutra conjuntura Francisco 1, autorizando os seus
súbditos a comerciar 'em terras descobertas por Portugal, fá-lo apenas com limitação das habitadas ou freqüentadas por
portugueses (Gomes de Carvalho, pág. 62; C. Chron., I, m. 68, doe. 90).
187
*
Mas que o rei de França esteve longe de manter com firmeza a sua posição provam-no as
várias cartas, por êle toleradas, ou mesmo assinadas (75), em que se reconheciam sem restrições as
pretensões de Portugal (76).
(") Em 1537. graças à venalidade de Chabot, foi obtida do próprio monarca uma carta patente em que mais
uma vez se proibia a navegação para as colônias portuguesas, proibição essa ainda varias vezes renovada nos anos seguintes.
Desta^frouxidâode Francisco 1 se queixavam com mal reprimida revolta os marinheiros de D.eppe eHonleum.l estfor
heureux oour ce neuple —esèrevia Crignon—que le roí François 1 use a son egard de tant de bonte et de courtoisie, car s u
voulait lâcher tant soit peu ia bride aux négociants français, en moins de quatre ou cinq ans ceux-ci lui auraient conquis
ramitié et assuré Tobeissance des peuples de ces nouvelles terres»^
(76) Vide Roncière, Hist. de la marine française, 111, pag. 292.
Si
áA
188
I
CAPÍTULO V
OS PRIMEIROS DONATÁRIOS
POR
PEDRO DE AZEVEDO
. .
.
OS PRIMEIROS DONATÁRIOS
m OGO que o Atlântico, ao finalizar o século XV, deixou de ser o profundo fôsso
V£á que separava dois continentes, os europeus que habitavam o litoral do
ocidente procuraram estabelecer-se ou explorar comercialmente o novo orbe,
ao qual foi imposto o nome de América. Escandinavos, inglêses, rebeldes
flamengos ou holandeses, franceses, espanhóis e portugueses, todos na sua
altura, tomaram posição no continente fronteiro.
Aparte alguns episódios mais ou menos bélicos, os dois povos da
península-ibérica souberam harmonizar os seus interesses e a Portugal
coube um quinhão nada pequeno naquele continente, quinhão que êle soube
conservar e colonizar, atraindo os indígenas e fundindo-se com êles a ponto
das curiosas línguas, que lhes serviam de comunicação, desaparecerem nas
costas, os seus ritos religiosos serem substituídos pela moral cristã, e o seu tipo físico perder os
principais característicos.
Fiados os portugueses no poderio naval que tinham na parte central do Atlântico e que
só era brandamente disputado pelos castelhanos, não se preocuparam a princípio com as incursões que
os corsários franceses empreendiam nas costas da África e da América. Para obstar a estas desordens,
procuraram depois os portugueses manter a liberdade e a polícia do mar criando flotilhas que caçavam os
corsários franceses e protegiam as náus que vinham da índia e até às vezes davam guarida nos Açores
aos navios espanhóis que regressavam das índias Ocidentais repletos de ouro (O- Neste serviço de
(') Nas Cartas missivas, m. 2, n. 364, da Torre do Tombo, guarda-se a seguinte carta, sem data: «Nos elRey
fazemos saber a vós Amtonio Pachequo fidallguo de nossa casa e capitam moor da nosa armada que mandamos andar na
guarda da nosa costa de sobre a nosa cidade de Lixboa que o emperador meu muyto amado e prezado primo me fez agora
saber que eram chegadas ao porto dAmgra da ilha cinquo nãos suas que vynham das Antylhas e traziam ouro rogando nos
que por quanto lhe era certificado que nos tynhamos mandado nossa armada as ditas ylhas pera virem com as nossas nãos
da índia a Lisboa e as trazerem seguramente dos cosairos á dita cidade mandaamos a dita nosa armada que as ditas suas
nãos fizessem conserua ate serem postas em salvo. E porque as cousas do imperador meu primo istimamos como próprias
vos mandamos que vyndo dar comvosquo na paragem homde avees dandar na guarda costa a esperar por as nosas nãos
da Índia segundo levastes por vosso regimento as ditas nãos do imperador meu primo que asy vem das Antylhas vós lhe
fassaes conserva atee as meterdes dentro em Lixboa se ellas nella quyserem entrar ou atee o cabo de Sam Vicente ser-
uyndo uos o tempo pera yso e nam o perdendo pera o que ouver de fazer na jornada da costa e espera das ditas nosas
nãos por no cabo nos escrever o emperador meu primo que tem mandado esperar húa sua armada pera ter guarda das
ditas nosas nãos e tudo asy compri e com todo bõo cuidado o fazey o asy bem como de vos esperamos porque se asy o
fezerdes aueremos muito prazer. Feito».
191
*
tiveram em breve de se haver com os indígenas, que não se deixavam impunemente dmg r Pelos
europeus. Eram necessários também trabalhadores para o arroteamento das terras e ne^ °s ^°pe^
podiam lavrar debaixo da constelação do Cruzeiro do Sul, nem os indígenas e"m f "^ra f
robustos para esses trabalhos. Em 1578 escreve Felipe Sassetti a respeito da soberba dos índios b
leiros o seguinte, que se encontra a pág. 125 das suas Leüera edite e medite, edição de 1855. «Del
Vergino non ce ne conduceno. perchè é sono gente cattiva e estimata, e como e sinezzono chiavi, si
deliberano di morirsi, e viene loro falto-. ]á em Portugal a raça negra havia um sf u
nas províncias do sul do reino, era empregada nos trabalhos corporais e mesmo agrícolas, nao sendo
mo ainda hoie achar vestígios dessa colonização entre a actual população, como se ve mlensamenle
junto de Alcácer do Sal e nas ilhas adjacentes. . . .
Quando ainda se não pensava introduzir no Brasil a colonização negra,ja nas Antilhas havia
uma população africana relativamente considerável, alimentada pela navegaçao portuguesa, como
vamos ver.
192
OS PRIMEIROS DONATÁRIOS
Os dois primeiros entraram no Brasil enviados pelo Rei de Portugal com o fim de
reconhecerem as costas e de lá estabelecerem a autoridade real; e como recompensa dos serviços -
prestados ali receberam quinhões na divisão da costa americana. A êles foi consagrado capítulo especial.
Os restantes, com excepção de Pedro de Góis, não conheciam a Terra de S.ta Cruz; alguns mesmo nunca
ali puseram o pé. Aos três capitães mencionados e a Duarte Coelho fàcilmente se acha justificação para
as donatárias que receberam, mas aos outros não é tam fácil achar-se-lha. Segundo se julga,
o entusiasmo não foi grande entre os portugueses para atravessar o Atlântico e ir gozar dos direitos
magestáticos exarados nas cartas de doação daquelas terras e nos respectivos forais. Além da
habilidade guerreira, os donatários tinham de possuir dotes administrativos e dispor de capitais para
lavrar terras, que só produziam açúcar, já fabricado nas ilhas da Madeira e de S. Tomé, circunstâncias
que mais afastavam do que atraíam os pretendentes, que fàcilmente adqüiriam na índia honras e
riquezas, como na verdade fizeram os dois irmãos, Sousas atraídos pelos esplendores asiáticos.
34
193
história da colonização portuguesa do brasil
INTRE todos os donatários o mais favorecido pelo rei foi por certo Duarte Coelho
' "mo peu extensão da capitania, como pela proximidade da Europa, como ate
& pela relativa prosperidade da feitoria ali fundada anteriormente.
Pondo de parte o apelido Pereira, que alguns luntam a Duarte Coeino
e que provavelmente nasceu de uma confusão com o nome do °
i Pacheco Pereira, o primeiro donatário de Pernambuco pertencia po bastard
à antiga família dos Coelhos, como ia se leu no cap. X do vol. 11 desta
Historia.^^ ^ determ.nada fêz.se inquérit0 sôbre a ««ação de Duarte
Coelho, sendo então ouvidas algumas pessoas, que declararam ser seu pa, Qonçalo Coelho,
pessoas foram as seguintes:
««SIS: SafSrsSS»?-
desusa Z^TaTmaTaZuZeTer^el,: Z VeceTaria vós lhe deis e façais com muita deli3encia dar tanto çue volo
„ ajhR*» srt^j B
mandados para
5
Duarte de Albuquerque, citados nos Anaes, de D. ]oa , p 2
( ) Bib. Nac. Cod. 272, fl. 21. ««Diura i dp laneiro de 1524 diz: «Mandey Duarte Coelho a descobrir
(«) lorge de Albuquerque em carta de Malaca, de 1 de Janeiro ae iszt ui
Canchynchina». Cartas de A fonso de Albuquerque iomoJV (1910), pag. ^ , lhe diz reSpeito fala de uns estudos
D Sousa Viferbo Diccwnáno do'J[dV'tectos l^ Brasil 0 encarregado da inspecção.
requerer porque compre muito a meu serviço ser a dita armada bem provida de tudo ho que lhe for necessário e por este
com asynado do dito Duarte Coelho e conhecimento em forma do feytor da dita armada vos mandarey pagar ou tomar em
conta todo aquilo que com a dita armada despenderdes he que asy compri sem duvida que a elo ponhaes posto que este
nam pase pela chancelaria sem embargo da ordenação em contrario. Fero Amrriquez ho fez em Évora ao primeiro dia de
agosto de 1531.—Fernandalvarez ho fez asynar.. .*.
náUS da fndia
ção^^mantimen*- '
O Corp. Chron., II, 172, 41. Em 21 de Outubro de 1535 foi pago o soldo a João Madeira, bombardeiro da Mina
que servira com Coelho seis meses menos um dia; Corp. Chron., II, 204, 115.
(10) Anaes de D. João III, pág. 377.
(") Existe um conhecimento datado de 8 de Junho de,1529 de um certo Duarte Coelho, capitão da caravela
Santa Cruz, feita no Pôrto de Santa Maria, Corp. Chron. II, 156, 29. Além de outras particularidades a assinatura é comple-
tamente diversa da do donatário e feita com grande rudeza. Vê-se que o nome era vulgar.
195
história da colonização portuguesa do BRASIL
.D. João III pelos muitos serviços de Duarte Coelho ^3^ ^ ^ ^ capitania de pernambuco da
muito tempo andou na guerra que^ sempre la se ma f nha c0 aovernador geral, e a qual ele novamente começara de
Nova Lusitânia no Brasil, onde ele era por mandado de g armad0Si que a ela foram ter; por todos estes
povoar e aproveitar, pelejando com os índios da te concedeu em 6 de Julho de 1545, carta de brasão de armas,
serviços e a seu requerimento, em prêmio e 3ala > mmnànhada a destra de uma cruz do calvário de sua cor
E por ela as seguintes de oiro, leão V* cTnco estrelas de seis pontas de vermelho,
mm.d, sõbre m,n,e de verde em P'-,., Me pre„, com .s por,es. fretes e o l.vrsdd
afvgve.dss de o/r.; bordsdvr, de azul carresada de cmeo easMus cteer^ ^ P^ rí,„s„,; 0 ,eã,.
de preto. Elmo de prata, aberto, guarnecido de oiro P q o n-0 haver sido fidalgo, como
Basta a existência deste documento para me dar a certeza de^ ^
alguns outros modernos o querem fazer, declarando-o por ft/Ao f de armas novas, e até de armas
Não me consta se tivesse ,a mais passada a nenhTj^ZP lembro da concedida ao duque Manuel Teles da
de sucessão são elas rarissimas naquela classe tam raras ^ oaís estrangeiro e país como a Áustria todo de formalidades
Silva, havendo para esta a explicação dêle estar servindo Taf bem; eu não quero dizer que todos
^^""^'c^e ZSo"^^ senhor, hâ entre ê.es indmeros nobres, agora
capitania sua viúva, D. Beãtnz de AlbuquerqUpda!ao ^da casa dei Rei e filho primogênito do I." Capitão donatano de
Duarte Coelho de Albuquerque, fidalgo da casa dei J caría de 8 de Novembro de 1560 (").
Pernambuco, teve mercê da sucessão na caPlta™a eP°' 0 govê'rno; então deixou-o a sua mãe e voltou ao
Para lá partiu nesse mesmo ano e ate ao na batalha de 4 de Agosto de 1578, foi um dos
reino. Acompanha D. Sebastião na /orna a , nouco antes da chegada a Portugal.
oitenta fidalgos resgatados e morreu, so eir „ ' Coelho de Albuquerque, exerceu na ausência do primogênito o
Jorge de Albuquerque Coelho, irmão de D™teJ*™0 f^fve até 5 de Março de 1576. Foi também dos 80
govêrno da capitania de Pernambuco, da qual tomou posse em resgatados depois da batalha de Alcácer-
Quibir, na qual foi ferido, tendo dado o seu
cavalo a ei Rei para o livrar. Morto o
irmão, foi, por carta de 15 de Maio de 1582,
confirmado na capitania (14), onde havia
nascido, na cidade de Olinda, a 23 de Abril
de 1539. É êste o herói de um célebre nau-
frágio narrado no princípio do II vol. da
Historia tragico-maritima. Casou em Por-
tugal por duas vezes: a primeira, em 18
de Dezembro de 1583, com D. Maria de
Meneses, que morreu em 12 de Maio de 1585,
sem deixar geração masculina, e era filha
de D. Pedro da Cunha, capitão das galés e
Assinatura de Duarte Coelho do conselho de Estado, e de sua mulher
(Corpo Chron. I, 71, 145).
r D. Ana de Meneses; e a segunda, em 25
de Novembro de 1587, com D. Ana de Meneses, filha de D. Á'var0 ZZbZZeZcrevZjorge dè Albuquerque várias
S„V., te quem teve . Duerte te Co^'
obras e dêle se encontram numerosas na Bíbliotheca Lusita nJpmbr0 de ,5g, sucedeu na casa e foi o 4° capitao
Duarte de Albuquerque Coelho nasceu em Lisboa a 22 de Dezembro
donatámo de Pernambuco, por carta de confirmação de 2 de Julho de 7603 (). Holandeses até 1638.
Passou ao Brasil em 1631 a acudir a restauração da sua 'nandou um nam0 com muitos
Também havia' prestado ^ muito cobre para a referida emprêsap e,
— 7 aZoZsa ZoZção de 1640. conservou-se fiel a Filipe IV. de quem foi gentil homem da camara e do seu
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F^taZ/e do comSço da carta de doaçdo da capitania de Duarte Coelho, de .0 de Março de ,«4. Arquivo Nacional Cftaoce/arZa de D. Joio ///, liv. 7, fl. 83
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OS PRIMEIROS DONATÁRIOS
conselho de Estado de Portugal, e por quem foi criado conde de Pernambuco e marquês de Basto. Compôs em castelhano
as Memórias diarias de la guerra dei Brasil, impressas em Madrid no ano de 1654, livro em cujo frontespício se vê gravada
a empresa do Marquês, um ilhéu batido das ondas, açoitado dos ventos contrários, mas, como dizia a divisa, SEMPER
IDEM. Morreu Duarte de Albuquerque em Madrid a 24 de Setembro de 1658 e foi sepultado naquela cidade, a-pesar-de
haver adquirido para seu jazigo, por contrato celebrado com os frades e confirmado por el Rei em 6 de Janeiro de 1626 a
capela-mor da Igreja do convento da Trindade de Lisboa (17). Havia casado com D. Joana de Castro, que morreu em 1631
e era filha de D. Diogo de Castro, 2° Conde de Basto, vice-rei de Portugal, e da condessa D. Maria de Tâvora. Dêste
casamento nasceram, entre outros: Jorge de Albuquerque Coelho, que em Castela, depois da morte de seu tio, o 3 o Conde
de Basto, se intitulou 4.o Conde e lá morreu moço na guerra da Catalunha; e D. Maria Margarida de Castro e Albuquerque,
condessa de Vimioso, senhora da capitania de Pernambuco e do condado de Basto, e mulher de D. Miguel de Portugal
7." Conde de Vimioso, de quem não teve filhos. Matias de Albuquerque, irmão do Marquês de Basto, seguiu política diame-
tralmente oposta a deste. Chamava-se Paulo de Albuquerque e depois, em virtude de ser nomeado pelo seu parente Matias
de Albuquerque, vice-rei que fôra da índia, para primeiro administrador do morgado de todos os seus bens por êle instituídos
em seu testamento, passou a chamar-se Matias de Albuquerque (ls). Passara ao Brasil em 1624 e servira na guerra de
Pernambuco com distinção, mas por intrigas tinha sido mandado recolher prêso a Lisboa, onde se encontrava no castelo
de S. Jorge, quando estoirou a revolução do 1.» de Dezembro de 1640 a qual o libertou. Encarregado logo do comando das
armas do Alemtejo, achou-se pouco depois suspeito na conspiração do Marquês de Vila Real, e foi demitido e prêso para
Setúbal sendo em breve reconhecido por inocente e solto. Em 1643 voltou a comandar o exército do Alemtejo e no ano
seguinte, a 26 de Maio, ganhou sobre as tropas espanholas a grande vitória de Montijo, a primeira da guerra da Restau-
rafao. D- J0*0 lv reconheceu-lhe logo a acção, criando-o conde de Alegrete por carta de 1 de Junho de 1644 (Chanc. de
D João IV, liv. 14, de Doações, p. 282). Continuou servindo com vária fortuna e muitos desgostos resultantes das implacáveis
intrigas, de que se encontrou rodeado. Faleceu o Conde de Alegrete em 1647, deixando viúva sem filhos a D. Catarina
Barbara de Noronha, irma do IP Conde de Vila Verde, a qual foi marquesa de Alemquer e camareira-mor da rainha
D. mana Sofia, morreu a marquesa a 15 de maio de 1703.
Pelo exposto vê-se haver-se extinguido antes do fim do século XVII a família dos Albuquerques Coelho
derivada de Duarte Coelho e de D. Beatriz de Albuquerque ('»).
Tendo cedido a palavra ao abalisado acadêmico Braamcamp Freire, cumpre-nos só notar que
o local da morte de Duarte Coelho não está devidamente verificado. O sr. Capistrano de Abreu, a p. 76
da Historia do Brasil, de Fr. Vicente do Salvador, anotou o seguinte;
<No livro manuscrito de Duarte de Albuquerque Coelho, lê-se que o avô não levou os filhos quando partiu para
a Europa, poucos dias sobreviveu á chegada a Lisboa, onde o chamara el rei, e foi enterrado na igreja de S. João da Praça
no jazigo de D. Manuel de Moura, casado com uma irmã de D. Beatriz ou Brites de Albuquerque >.
A respeito de certos parentes do primeiro donatário Duarte Coelho, oriundos de uma sua
irmã encontrámos no códice já referido, fl. 184, a seguinte notícia de autor anônimo:
< O descobridor da capitania de Pernãbuco se chamava Duarte Coelho ao qual deu El Rei a dita capitania de
juro e erdade para seus filhos erdeiros, descendentes e Unhas travessas que conservaria do Rio de S. Francisco ate o Rio de
Santa Cruz que he o Rio de Itamaracâ e no mesmo comprimento doze léguas ao mar com todas as ilhas que nelas
estivessem e pera o sertam ate entestar com os castelhanos; teria mais cláusulas de que não sou lembrado isto he o que o
meu sogro João Fernandes Coelho articulou contra o governador Luis de Brito de Almeida, porque mandava caravelões com
gente e seus capitães a resgatar gentio ao sertam da capitania de Pernãobuco, pelo não aver da banda da Bahia e o
guovernador vinha dizendo que mandava vigiar o Rio de Sam Francisco por lhe dizerem entravão ali franceses vendo que
la e ca lhe tomavão as peças para o senhor Duarte Coelho veyo a dezistir. O capitam que mandavão a esta entrada se
chamava Sebastião Alvares grande linguoa, desta demanda e doutras que ouve era procurador meu sogro João Fernandes
Coelho e o senhor Duarte Coelho tio de V. Senhoria isto he o que sey que vy no seu escritório. O senhor Duarte Coelho
avo de l/. 5* cazou com a senhora Dona Briatis de Albuquerque da qual ouve dous filhos, o senhor Duarte Coelho de
Albuquerque, e o senhor pay de V. S. que está em gloria, por morte do Auo de V. S. ficou por morguado e guovernador
o senhor Duarte Coelho de Albuquerque e por sua morte o senhor pay de V. S. que elle não veyo ao Brasil mas tinha os
seus procuradores e capitães. O senhor Duarte Coelho auo de V. S. tinha na cidade do Porto húa irmã casada, a qual teve
dous filhos os quais vierão para esta cidade da Bahia loguo quando se começou de povoar na Vila Velha, o mais velho
se chamava João Fernandes Coelho, outro Antonio Fernandes Coelho, que ficavam sendo primos irmãos do pai de V. S.
e por elles se corrião por costas com a senhora Dona Brites d Albuquerque estando em Pernambuco e com Damiana de
Guoes de Macedo molher que ficou de João Fernandes Coelho tratando se por primos, tanto assim que falecendo o senhor
Duarte Coelho em Berberia ficou o senhor pay de V. 5. maltratado das feridas era inda solteyro, receando que morrece sem
erdeyro se mandou a esta cidade da Bahia a tirar enformação se erão vivos inda Antonio Fernandes Coelho e seu irmão
João Fernandes Coelho, neste comenos se foi o senhor seu pay curar ás Caldas e teve saúde e se casou com a senhora may
197
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
de V. S. a quem Deus prospere a vida por larguos annos. Cazou João Fernandes Coelho, primo do senhor pau de V. S. com
Damiana de Guoes de Macedo filha de Manuel de Guoes de Macedo, fidalguo da Casa do Cardeal Dom Anrrique, moradores
em Alenquer, que mda oje ha muitos filhos e netos. De Antonio Fernandes Coelho e João Fernandes Coelho ficarão filhos e
netos que o;e se nao conhecem pello mizeravel estado das couzas e as do Brazil não serem permanentes*.
Cun a 0
'
ilustre índia ^ ^por esta
e veio Duarte
via aCoelho, Jerónimo do
ser antepassado de Marquês
Albuquerque, teve numerosa
de Pombal, descendência
a quem ainda de veias
corria nas uma
sangue americano. (América Brasileira. II, pág. 38, artigo do sr. Elísio de Carvalho).
... . Nã0 íoi .por acaso ^ coube a Duarte Coelho a capitania de Pernambuco, mas talvez em
obediência a desejo do valente militar, que se não era de estirpe tam ilustre como Martim Afonso de
Sousa, primo do conde da Castanheira, tinha a larga folha de serviços já relatada e sabia o suficiente
de administração pela sua qualidade de comandante de uma armada. A insistência em chamar à sua
capitania Nova Lusitânia, os trechos latinos intercalados nas suas cartas a El Rei e o nome de Olinda,
tirado das novelas de cavalaria, imposto a uma povoação do seu território mostram a relativa instrução
do donatano. Observe-se que é esta a única explicação plausível do nome da cidade, não se podendo
por forma nenhuma admitir a derivação daquele nome de Linda a Velha, que naquele tempo se dizia
Lmha-a-Velha, derivado do medieval Ninha Velha que estava junto da Ninha Pastor, hoje Linda-a-Pastora.
^ Além de ilustrado era bastante enérgico como mostra o modo como tratava os degredados e
os criminosos e a cutilada que, segundo Fr. Vicente do Salvador, aplicou a Francisco de Braga e ainda
a carta que Varnhagen publicou na tiist. do Brasil, I, pág. 149, que começa assim:
^
Coelho, .€PaÍ0
,U senhor Correia
ysento desta' escudeiro, deitadosegundo
Nova Lusytania, nestas elle
terras do Brasyl, diz
pruvicamente pede justiça ao Senhor Deus e a V. A. de Duarte
. . .».
A figura de Duarte Coelho salientou-se entre todos os donatários, a ponto de uma tradição
registada no cod. 345 da Pombalina, pág. 410, elevá-lo falsamente a conde de Olinda por D. João III e
outra, confirmada pelos documentos, fazer de seu neto conde de Pernambuco, por mercê de Filipe IV (20).
Segundo Louzada, escrivão da Tôrre do Tombo e autor de uns extratos de documentos que
se guardavam naquele arquivo (21), Duarte Coelho partiu para o Brasil com grande comitiva: «Por
muitas cartas da secretaria da Torre, se mostra como foi dada a capitania de Olinda a Duarte Coelho
nas partes do Brasil, onde chamam a Nova Lusitânia e que levou comsigo sua molher D. Brites de
Albuquerque e fez muitos gastos na armada que levou de parentes, criados e amigos para povoar a
terra como povoou e cultivou e teve muitas guerras com os imigos e indios e franceses por espaço
e anos e estas cartas são do ano de 1549. Consta que teve filhos de sua molher».
A carta de doação de Pernambuco tem a data de 10 de Março de 1534 (22).
Duarte Coelho chegou ao Brasil em 1535 (23).
Nã0
obstante a riqueza do donatário, a munificência régia cedeu em favor do capitão os
direitos que havia de pagar do ferro e outras cousas que mandou trazer de fora do reino a Lisboa
para provimento dos navios com que houve de partir para o Brasil, até à quantia de quarenta cruzados
de que passou recibo (24). ^
A feitoria de Pernambuco era relativamente antiga e nela se haviam por duas vezes querido
estabelecer os franceses, sendo a primeira vez pouco depois de fundada por Cristóvam Jacques como
nos diz o Diário de Pero Lopes de Sousa e a segunda vez em 1532.
Temos notícia de alguns feitores e outras autoridades da feitoria até o desembarque de
H
Duarte Coelho.
r. Rodrigo
D. d j • ^ de P0PAcuna,
ula
Ção que
dêsfe
ali novo
esteve domínio de dePortugal
prisioneiro 1527 a era
1528 então muito ascendia
(25), apenas diminuta,a 300
pois cristãos
segundoe
seus filhos, de comportamento pouco recomendável, segundo João de Melo da Câmara (26).
20
(21 ) Bib. Nac., cód. 272, pág. 21 v.
(22) Bib. Nac., cód. 1105, pág. 35.
( ) Chancelaria de D. João III, liv. 7, fl. 83.
«Z
(24) r data Chron.,
Corpo ®xacta do seu118.
I, 53, desembarque já ficou notada no cap. III.
av 18 ma
( 6) 9
Sousa . ÇO 5'Trabalhos
- ;Viterbo, n 0 20
- : Corpo Chron., I, 39, 133.
náuticos.
198
OS PRIMEIROS DONATÁRIOS
27
(2S ) Gomes de Carvalho, D. João III e os Franceses, pág. 57. ..
(29 1 Harrisse, John Cabot, pág. 205.
( ) Chancelaria de D. João ///, liv. 6, fl. 129; liv. 24, fl. 31; e liv. 57 fl. 291. -
(3°) C. C., I, 80, 102.
l31) C. C., I, sói 60.
(32) C. C, I, 82, 88.
199
/
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Brasil, o velho militar e hábil administrador Duarte Coelho continuou a conservar a autonomia, como
prêmio dos serviços prestados à coroa.
Mas em 1551 o P.e Manuel da Nóbrega, em carta a El-Rei, prestando aliás homenagem a Duarte
Coelho, é de parecer que a jurisdição de tôda a costa brasileira devia reverter ao soberano.
Por isso Duarte Coelho teria sido chamado à côrte, onde poucos dias depois do desembarque
faleceu, certamente em resultado da demorada viagem, que já se não coadunava com a sua idade.
ENOS feliz do que Duarte Coelho foi o donatário do Espírito Santo, Vasco^ Fer-
nandes Coutinho, fidalgo da Casa Real, que batalhara em África e na índia,
sem ter demonstrado qualidades de administrador e apenas as de valentia.
Se déssemos crédito a Rubim nas Memórias do Espirito Santo, na Rev. do Instituto,
r
XXIV, 219 estava já assentado na matrícula dos cavaleiros fidalgos em 1450, o que
ívv ® c^e r11311^63^3 impossibilidade.
vJfji/M, IbAr Era filho de Jorge de Melo, o Lagio, e irmão de Martim Afonso de Melo,
r
À
de Diogo de Melo e de Manuel de Melo. Satisfeito com os louros colhidos na
Ásia, veio repousar na pátria, comprando em Alenquer uma quinta com o produto
dos dinheiros ganhos na guerra. Não conhecemos a escritura de compra, nem tam pouco sabemos o
local exacto em que assentava a propriedade, só sabemos desta particularidade da sua vida pelo
seguinte alvará;
< Eu el Rey mando a vós juiz, vereadores e oficiaes da villa dAlcmquer que nom costrangaes Vasco Fernandes
Coutinho fidalgo de mynha casa pelos 28.000 reaes que he obrigado pagar de sysa de hüa quinta que comprou no termo da
dita vila por quanto lhe faço deles quitaçam. E este dares em pagamento ao almoxarife ou recebedor do dito almoxarifado
de que lhe fordes obrigados pagar ao quall mando que volo tome em pagamento e aos contadores que lhos levem em conta
sendo sobre ele postos em receita. Domyngos de Paiva o fez em Lixboa a 1 de dezembro de 1529. Eu Damiam o fiz
escrever ='Rey» (33). ^
Vasco Fernandes Coutinho tinha propriedades em Santarém, uma das quais, um prédio de casas,
vendeu com aprazimento de sua mulher, D. Maria, ao Hospital daquela povoação, que as emprazou
em 7 de Outubro de 1530 a João Álvares, enfermeiro do mesmo hospital (34). o documento não tem a data
da venda, mas é de presumir, que fôsse anterior à compra da quinta de Alenquer. Quatro anos depois
desta compra, Fernandes Coutinho é feito capitão donatário de cincoenta léguas de costa do Brasil.
Precisou então liquidar os bens que possuía e que talvez lhe permitissem viver íolgadamente
na Europa, para adqüirir meios de transporte para o Brasil de pessoas e bens.
A quinta que tinha em Alenquer foi certamente vendida nessa ocasião, mas sem que o docu-
mento aqui transcrito e já do conhecimento de Varnhagen mencione essa venda, como pretendeu
inadvertidamente o eminente historiador; e trocou ainda, em virtude do alvará de 27 de Junho de 1534,
uma tença de 30.000 reais mensais por um navio e munições para a expedição do Brasil (35).
33
(34 ) C. C., I, 44, 29.
(35) Pombalina, cód. 149, fl. 106.
( ) Corpo Chron., I, 53, 29.
200
OS PRIMEIROS DONATÁRIOS
As terras de que tomou posse eram ainda pouco conhecidas, não se sabendo nelas de
qualquer tentativa de colonização anteriormente a Vasco Fernandes Coutinho, sendo, portanto acfo de
certo arrojo ir directamente da Europa estabelecer-se nessas paragens.
E muito possível, a-pesar do que dizem alguns autores, que a expedição se limitasse a uma
só unidade naval, a que fôra cedida por EI-Rei e que a sua comitiva fôsse curta, pois os recursos de
Vasco Fernandes não eram largos, não obstante Fr. Vicente do Salvador falar em «muitos mil cruzados
que trouxe da índia, e muito patrimônio que tinha em Portugal» (36).
Na companhia de Vasco Fernandes vieram da Europa dois fidalgos de elevada nobreza,
chamados D. Jorge matar a Gaspar
de Menezes e D. Pereira, capitão da
Simão de Castelo- mesma fortaleza,
Branco. onde morreu sem
Segundo os casar. Teve bas-
linhagistas (37), tarda D. Inês, freira
D. Jorge de Me- da Anunciada de
nezes era filho
Lisboa.
bastardo de D. Ro- 1
Os historiado-
drigo de Menezes, li res referem-se com
filho segundo de
horror a D. Jorge
D. João de Me-
de Menezes, como
nezes e de D. Leo-
se houvesse sido
nor da Silva. D.
um monstro de per-
Rodrigo foi co-
versidade, mas o
mendador de Grân-
facto é que o seu
dola, guarda-mór
i único crime foi o
do príncipe D.
apontado, não ha-
Afonso, filho de
vendo base para
El-Rei D. João II
outras acusações;
e mordomo-mór da
e êsse crime res-
Rainha D. Leonor,
gatou-o morrendo
Casou três vezes e
na guerra com os
teve bastardos. Um
índios revoltados.
destes bastardos é
Como seu com-
o referido D. Jorge,
panheiro, mencio-
capitão de Moluco
na-se o nome de
que foi degredado BRASÃO DE VASCO FERNANDES COUTINHO D. Simão de Cas-
para o Brasil por
* iciu-uidHLU, lll
telo-Branco, d:
mas
esse nem sequer os nobiliários citam, a-pesar-de não ser fácil omitir-se nêles algum nome dos deposi-
tários do título de dom, que representa o mais elevado grau da nobreza portuguesa, sendo outrora
castigado severamente quem o usasse indevidamente.
Rangel de Macedo (38) aponta nos seguintes têrmos um cavaleiro assim chamado por
esse tempo:
Simão de Castelo-Branco, filho segundo deste D. Pedro de Castelo-Branco serviu em Azamor com cavalos
e criados ã sua custa donde veyo desgostoso com El Rey, D. João o 3.° por cuja causa se foy para Castella e se achou
com o Emperador Carlos S.o na conquista de Tunes e na jornada e naufrágio da Armada de Argel. Casou com D. Maria de
Menezes, filha de Manuel de Noronha da Camara e da sua primeira mulher D. Brites de Menezes-'.
É, pois, mais provável que o companheiro de D. Jorge de Menezes e que foi morto pelos
índios em seguida a êsse fidalgo, fôsse apenas um obscuro Simão de Castello-Branco.
Por uma carta de Duarte de Lemos, datada de 14 de Julho de 1550, temos algumas notícias
201
*
a respeito do donatário, que, ditadas pelo ódio, parecem destituídas de fundamento. Uma destas é que
Vasco Fernandes Coutinho, não tendo mais nada a perder, porque estava no reino muito endividado,
resolvera ir para França «restaurar-se de seus gastos que tem ffeitos na sua capitania»; e que ja quando
«partyo do Reino para este Draavll da primeira vez veio com este proposito e será boa testemunha
Femão Vellês e elle a mim me cometeo». , .
Em todo o caso, Vasco Fernandes nunca eíectivou êsses propositos, e pelo contrario apelo
sempre para os capitais portugueses, indo à Europa pedi-los, a ponto de ficar altamente empenha o,
o que prova que os capitalistas achavam remuneradoras as emprêsas americanas.
Por informações de Duarte de Lemos, sabemos que em 1550 ainda Vasco Fernandes se
empenhava em encontrar forças militares, com as quais pudesse restabelecer a ordem e repelir os índios;
todavia o meio que empregou não seria dos melhores, pois os seus
auxiliares eram criminosos e homiziados ou, na frase de Lemos,
«ladrões e desorelhados e degredados»; mas nisto não fazia mais
do que seguir velhas disposições portuguesas, que, para aumentar
vv l 11 a população de determinados lugares, declarava-os coutos de
V
homiziados. As guarnições das praças africanas de Ceuta e
f Tânger eram constituídas no século XV, na sua maior parte,
^ por degredados, e a própria legião estrangeira, que tantas con-
Assinatura de vasco Fernandes coutinho quistas írutuosas tem feito para França, não e formada por ele-
(Corpo chron. i, 102, os). mer^os exenipiar conduta. A dificuldade estava em dirigi-los e
neste ponto é que faltava a capacidade a Vasco Fernandes, que nem mesmo pôde resistir às delícias
do uso do fumo do tabaco, empregado já pelos índios brasis na sua terapêutica e nos seus ritos
qentílicos em doses concentradas.
O emprêgo dos degredados falhou, e em 1558 Femão de Sa, filho do governador Mem de Sa,
enviado em socorro da capitania, foi ali morto pelos índios sublevados. .
Antes de morrer, em 1561, pôde Vasco Fernandes ver melhoradas as condições da capitania,
então encorporada na administração geral da colônia. Apenas existe uma carta dêste donatano, datada
de 22 de Maio de 1558, dirigida ao governador (39).
A-pesar-de ser «já muito velho e mui cercado de doenças», Vasco Fernandes ainda pensava
como eterno sonhador em «chegar ao reino, se Deus for servido e a declarar-me com a minha fortuna
e ver se posso achar quem a povoe». ^ ... ^ . , r-
Do casamento de Vasco Fernandes com D. Maria, filha de André do Campo, senhor da Erra,
nasceram Jorge de Melo e Martim Afonso de Melo; mas foi um seu filho bastardo, do mesmo nome que
ô pa" quem herdou a capitania, casando com D. Lulsa Qrimalda, filha de Pedro Alvares Correta,
capitão Vasco pernan(jeg Coutinho tinha na capitania os costumados funcionários reais: provedor,
de l" nomeado Ambrósio de Mira, moço da câmara, filho do referido Sebastião Lopes, para
a escrivaninha ^ em 24 de pevereir0 de 1546, Belchior Correia, filho de
202
*
OS PRIMEIROS DONATÁRIOS
da capitania, Rui Fernandes, cavaleiro. Em lugar dêste, foi, em 12 de Maio de 1552, nomeado Tomás
Salema, cavaleiro da ordem de S. Tiago (n).
Não obstante as inquietações que produziam os índios, mas anteriormente à grande sublevação,
foi em 7 de Outubro de 1541 concedida uma sesmaria a Brás Teles de Menezes, cavaleiro da casa
do infante D. Luís, a Francisco Sernige e a Diogo Fernandes (42),
¥
¥
¥
(41
42
) Chancelaria de D. João ///, liv. 7, fl. 167 e 170; liv. 31, fl. 54 v; liv. 33, fl. 48 e 107; liv. 68, fl. 116.
(43 ) Chancelaria de D. João III, liv. 47, fl. 1.
( ) Corpo Chron., I, 78, 45.
203
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
empenho de Pedro do Campo foi • baldado, porque não consta que regressasse a Pôrto Seguro.
A sublevação dos moradores fôra tam bem preparada, que Tourinho ainda em 28 de Julho
de 1546 escrevia a El-Rei, na carta já mencionada, referindo-se aos seus projectos de colonização e
profetizando o Brasil ser em breve tempo um novo reino e de muita renda.
(«> Inq. de Lisboa, n.o 8821. A notícia do processo vem em Sciencias e letras, IV, 55, 57, Rio, 1917.
204
OS PRIMEIROS DONATÁRIOS
Não parece que Tourinho sofresse os rigores da Inqüisição pelas suas pretendidas blasfêmias,
porquanto os filhos do donatário herdaram a capitania, a qual venderam ao duque de Aveiro, que
obteve a necessária confirmação em 1556 (o). Na posse da opulenta casa ducal a capitania prosperou
até que por motivo da tentativa de regicídio, praticada em 1758 pelo último duque, a capitania foi confis-
cada pela coroa.
Para feitor e almoxarife da fazenda e almoxarifado das 50 léguas de terra de Pedro do
Campo Tourinho foi nomeado, em 4 de Maio de 1534, Afonso Ortiz, morador em Lisboa. Por morte
de Ortiz foi em 23 de Fevereiro de 1543 nomeado Luís de Andrade. No mesmo ano, a 15 de Novembro,
foi nomeado ]oão Gonçalves Brandão, escudeiro da Casa Real, provedor e contador da terra da
capitania de Tourinho (46).
Em 20 de Abril de 1545, obteve Luís de Andrade confirmação da terra que lhe cedera
Tourinho (47).
|ARA uma emprêsa como a de colonizar, ou, como se dizia então, povoar o Brasil,
o essencial para o donatário era ter capitais e por isso vemos as capitanias serem
doadas a alguns funcionários da fazenda Real, que não tinham o pensamento mesmo
afastado de ali se estabelecerem ou até de visitá-las.
m
Ao escrivão da fazenda real, Jorge de Figueiredo Correia, coube também
um quinhão, que recebeu o nome da capitania dos Ilhéus, e que, em virtude da
riqueza do donatário, foi abastecida de recursos. O donatário pertencia à família
dos Figueiredos, chamados do escrivão da fazenda, que provinha de um alcaide-
mór da Covilhâ, chamado João Lourenço, de quém foi filho Henrique de
Figueiredo, escrivão da fazenda de D. Afonso V e de D. João II, ocupação que também teve Rui
de Figueiredo, no reinado de D. Manuel. Êste Rui casou com Maria Jácome, filha de Pedro Jácome
Raimundo, amo que criou o príncipe D. Afonso, filho de D. João II, morto de desastre, os quais
houveram Francisco de Figueiredo, casado em segundas núpcias com D. Maria Correia, filha de Brás
Afonso, corregedor de Lisboa. Estes é que foram os pais do donatário, assim mencionado em
um nobiliário:
'■Jorge de Figueiredo Correia foi escrivão da fazenda delRey D. João 3.°, teve o habito de Christo. Casou com
D. Catarina de Alarcão filha de André de Alarcão, hum homem honrado de Castella, que criou a Rainha D. Catarina mulher
deIRey D. João 3.°, de quem houve:
Ruy de Figueiredo
Manuel de Figueiredo, que morreu moço
Hieronimo de Alarcão de Figueiredo, pagem do Rei
D. Maria de Alarcão* (48).
Não era, portanto, de nobreza muito aprimorada o novo donatário, mas a sua família serviu a Casa
Ceai com tôda a intimidade e a própria mulher devia ter sido criada debaixo das vistas enternecidas
da Rainha D. Catarina, soberana ainda pouco apreciada entre nós, a-pesar-das suas altíssimas qualidades.
50
perigo a capitania, se léguas de terra do
não fôra o auxílio referido Figueiredo,
do poder central. brasão de jorge de figueiredo correia Em l de Agosto
Por morte do ôe 1548 foi nomeado
Bartolomeu Godinho Machado provedor da capitania dos Ilhéus; e em 4 de Fevereiro de 1557 foi
nomeado jorge Martins, cavaleiro da Casa Real, almoxarife da capitania do Rio dos Ilhéus (49).
O rico banqueiro Lucas Giraldes, de origem italiana, acima mencionado, vivia na freguezia
da Sé, de Lisboa, onde faleceu em 1565, como se vê do assento seguinte:
<.Aos 13 do 777es de dezembro de 1565 anos faleceo lucas giraldez, fyquou por seu testamenteiro seu jenro dom
francisquo e Jacome morador no terreiro de São Mamede* (50).
(<') Estas três mercês estão na Cbanc. de D. João III, liv. 7, fl. 173; liv. 67; liv. 59, fl. 189.
(50) Registo da freguesia da Sé, publicado por Prestage e Azevedo, vol. I (1924), p. 130.
206
OS PRIMEIROS DONATÁRIOS
|0I no extremo norte do Brasil que João de Darros, Fernando Álvares de Andrade
e Aires da Cunha tiveram as suas donatárias, e, nas tentativas de colonização
rv. delas, os dois primeiros perderam bens e o último a vida.
Não seria de esperar que êsses funcionários superiores da fazenda real
se metessem em semelhantes aventuras, que exigiam uma preparação que êles
não tinham, e, por isso, delegaram em Aires da Cunha a parte prática da emprêsa.
u Estudemos separadamente estas três individualidades, de entre as quais
l ressalta naturalmente o escritor João de Darros, contemporâneo de Damião
de Góis, também funcionário da fazenda e guarda-mór da Tôrre do Tombo,
estabelecimento que só ao raiar do século XIX deixou de ser administrado pelo Conselho da Fazenda.
Os lugares que a que se elevou
João de Darros graças à sua inte-
ocupou foram o de ligência, a qual
feitor e o de tesou- se revela nos seus
reiro das casas da ív> descendentes, o
índia e Mina. Casou historiador Fran-
com D. Maria de cisco de Andrade
Almeida, a qual e os escritores
nos documentos ssí-
Paiva de Andrade
que lhe dizem res- e Fr. Tomé de
peito vem sem o Jesus. Era de ori-
e
predicado de dom, gem galega e filho
ao passo que sua %
do escrivão das
filha, D. Isabel de cisas, Gonçalo
Almeida, já o usava Peres, sem que,
legalmente. Do seu a-pesar dos es-
casamento houve forços dos genea-
os seguintes filhos logistas, êle possa
varões: João, Jeró- ser entroncado na
nimo e Lopo. João casa dos Condes
de Darros faleceu de Andrade. Esta
m
em 1570. família dos An-
Em 11 de Mar- drades é geral-
ço de 1535 foi assi- i mente intitulada
nado o foral das como Andrades da
50 léguas de terra Anunciada, local
na costa do Brasil. de Lisboa onde
Fernando Ál- habitavam, pró-
vares de Andrade ximo dos condes
era tesoureiro-mór BRASÃO DE JOÃO DE DARROS da Ericeira, seus
do reino, funções parentes.
O letreiro da sua sepultura conserva-se no museu do Carmo, em Lisboa, e é do teor seguinte:
CAPELLA E SEPVLTVRA DE FERNANDALVAREZ DANDRADE DO
CONSELHO DEL REI DÕ JOÃO: O: lllo; DECENDO PER LINHA DEREITA
DA NOBRE GERAÇÃO DOS CÕDES DÃDRADE DE GALIZA
FALLECEO EM MARÇO DE M. D. LII
E DE DONA ISABEL DE PAIVA SVA MOLHER
FALLECEO EM MAIO: DE: M. D. L. XXX
E DE SEVS DECEMDENTES
Quanto a Aires da Cunha, não nos foi possível encontrar a família a que pertencia, mas sabe-se
que esteve na índia e, por fim, comandou uma armada nos Açores.
Em 1529 estava em Lisboa, como se vê do seguinte conhecimento: «Conheceo e confessou
207
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Eitor Amrriquez cavaleiro íydallguo da Casa dei Rey nosso Senhor e seu sprivão da camara que servio
de thesoureiro das moradias que recebeo de Antonio Rodriguez Mazcarenhas recebedor da chancelaria
do civell desta cidade de Lixboa 50230 reaes em parte do que lhe o ano passado de 528 foy despachado
na dita chancelaria a quem asy recebeo do dito recebedor por pagamento doutros tantos que elle pagou
pello dito Eitor dade que receby
Arriquez a Aires ^ de Antonio Ro-
da Cunha a quem driguez Mazca-
os devia de sua renhas 10000reaes
moradia e de seus os quaes som do
filhos e forão por mes de dezembro
mym Manoel de de 1530—Ayres da
Moura carregados Cunha—. He ver-
em receita sobre dade que receby
o dito Eytor Anri- de Antonio Ro-
quez posto que driguez Mascare-
está preso pelo asy nhas outros 10000
mandar o senhor reaes os quaes
Dom Rodrigo som do mes de ja-
Lobo vedor da neyro e porque he
fazenda e por verdade que os
v
tanto lhe foy ao \\ receby deleasyney
/V -vl.
dito Recebedor rr aquy oge 20 dyas
pasado este conhe- de fyvereyro de
cimento em forma 1530 — Ayres da
em que o dito V Cunha-» (51).
Eitor Anriquez Uma carta de
asynou comiguo. Pedro Anes do
Manuel de Moura Canto diz do prés-
em Lixboa a xxjx timo de Aires (52);
de novembro de «alem de sua boa
1529 —E^or An- ordenança e deli-
riquez—Manuel BRASÃO DE FERNANDO ÃLVARES DE ANDRADE gencia em todo o
de Moura. He ver- que pertence á
guerra e oficio de capitam moor me dar e mandar dar dos mantymentos tem tanta temperança e justiça
como eu nunqua vi aos capitães».
Em carta de 31 de Agosto de 1532 (53), escrita em Angra, já citada em outro capítulo da
História, Aires da Cunha refere-se a um criado de seu pai, que tinha o comando de um navio.
Com esta larga folha de serviços não é para admirar que Cunha
tomasse o comando da expedição, que largamente provida de gente e
abastecimentos, largou de Lisboa em 1535; mas, a-pesar da experiência do
comandante e do auxílio que ainda recebeu de Duarte Coelho, a empresa
-P fracassou por completo, e Aires da Cunha com o seu navio desapareceu
nos baixos da costa. Entregues a si mesmo os expedicionários, entre os
quais se contavam os dois filhos de João de Darros, desembarcaram no
Cl
Assinatura de João de Barros Maranhão, e, por fim, enfadados, foram parar às colônias espanholas'. Seria
de esperar que o historiador João de Darros descrevesse as peripécias da
expedição em que tinham naufragado também as suas esperanças, mas tal não sucedeu, ou pelo menos
não chegou até nós o livro em que tratava do Brasil.
Uma alusão à expedição e às minas de ouro que El-Rei concedeu aos sócios donatários
encontra-se na carta de Duarte Coelho de 27 de Abril de 1542 (54).
(51
52
) Corpo Chron., II, 150, 3.
(53 ) Corpo Chron., I, 49, 91.
(54) Corpo Chron., 1, 49, 89.
( ) Corpo Chron., I, 71, 145.
208
OS PRIMEIROS DONATÁRIOS
Assim diz o glorioso capitão: «Quanto, Senhor, ás cousas do ouro nunca deixo de inquirir
e procurar sobre o negocio e cada dia se esquentam mais as novas mais como sejam daqui lonje pelo
meu sertão adentro e se ade pasar per tres jerações de mui preversa e bestiall gente e todos contravros
huns doutros a se de pasar esta jornada com muito pelygro e trabalho pera o quall me parese e asv
a toda a minha gente que se não pode fazer se não yndo eu e yr como se deve yr e acometer a tall
empresa pera
empenhos.
sayr com ella
Assim diz:
avante e não
«Item. Sendo
pera yr fazer
moço quando
trascoryadas
% Cl/ vim do Brasil
como os do Rio
1 na Ilha Mar-
da Prata que se
guarita juguei
perderam pa-
com o cura dali
samte de mill
e ganhoume
homens caste-
mais de dozen-
lhanos e como
tos cruzados,
as do Mara-
juguava sobre
nham que per-
% minha palavra.
deram setecen-
E quando me
tos e o pyor he % despedi, devia
fycar a cousa
lhe de dizer que
em nada».
lhos mandaria,
O lugar
tinha paeemais
exacto onde os
e mais não os
expedicioná-
tinha pera lhos
rios se reco-
pagar... » (55).
lheram consta
A ilha acima
de um docu-
referida fica na
mento muito
costa de Vene-
curioso do pu-
zuela.
nho de ]oão de
Ao contrá-
Darros, filho do
rio do que se
historiador,
ni^i julga, João de
que registou as <} Darros não se
dívidas de jogo <0 resignou com o
que não tinha
desastre da pri-
satisfeito, para
meira expedi-
não sobre-
ção, pois sa-
carregar a sua BRASÃO DE AIRES DA CUNHA
bemos por um
alma com êsses
• , . . • . uucumeiuo
documento ofi-uri-
.C,ue ainda em lo55 enviou nova expedição em que tomaram parte dois filhos. O documento é o
seguinte devidamente extratado (se); «João de Barros feitor das casas da India e Mina me enviou
que ell Rey meu senhor e avo que santa gloria aja lhe fez merce de huma capitania na costa do Drazill
nas terras de Sãota Cruz honde se chamam os Pitigares pera honde fez húa armada averaa vinte anos
em que despendeo muito da sua fazenda e averaa cinco que mandou outra em que forão dous filhos
seus a povoar a dita terra o que não ouve effeito por os gentios delia estarem escandilizados asy dos
moradores das outras capitanias como de pessoas deste reyno que vão a dita capitania fazer saltos e
roubos cativando os jintios da terra e fazendo lhe outros insultos de maneira que querendo seus filhos
tomar hum porto na dita sua capitania pera se proverem do necessareo por os ditos jintios estarem
escandilizados e de pouco tempo estavam salteados de jente portuguesa lhe matarão hum linguoa com
outro homem e lhe feryrão outros e trabalharão pellos matarem a todos por se vingarem dos malles
e danos que tinhão recebidos de navios com que no dito porto lhelinhão feitos saltos»
El-Rei, deferindo o pedido de João de Darros, proibira que para o futuro ninguém desem-
barcasse na capitania do requerente, posto que João de Barros não tenha feito povoaçâo alguma nas
terras da sua capitania. O alvará, que foi só registado nos livros da casa da índia e nas capitanias da
Bahia e Pernambuco, é datado de 5 de Março de 1561.
Os filhos de João de Barros que passaram ao Brasil foram Jerónimo e João.
João de Barros olhava, todavia, cuidadamente pela sua capitania e ainda em 3 de Março
de 1564 se fêz uma inqüirição de testemunhas na vila dos Cosmos ou Igaraçu, em virtude de João
Gonçalves, capitão de Tamaracá, devassar
a capitania de Barros na parte que con-
frontava com a capitania de D. Isabel de Gam-
boa, viúva de Pedro Lopes de Sousa (57).
O caso era o seguinte: «ho dito porto dos
Búzios que pella limguoa dos imdios se chama
Pyramgvpepe está fora da demarcação de dona
Isabel e está na capitania e terra do dito seu
Assinatura de Aires da cunha ' constituinte he e seu he estaa de pose delle de
(corpo chron. i, 49,89). muitos hanos ha esta parte e como tall ho teve
arrendado por certos anos a Martim Ferreira de São Vicente e que ho houve de Pero de Goes com-
prado e que sempre ho dito seu constituinte deu as licenças pera o dito porto em seus procuradores
nesta terra arrendarem por as ditas licenças em dinheiro e escravos e em búzios».
Requerendo Jerónimo de Barros a El-Rei mercês pelos seus serviços, escreveu o seguinte:
«Meu irmam João de Barros e eu em tempo dei Rei Dom João o 3.° fomos por seu mandado ao Rio
Maranham com húa armada a descobrir o dito Rio e costa pelas esperanças que avia de grande resgate
de ouro e descobrimos mais de quinhentas legoas de costa e entramos assi o dito rio Maranham como
outros muitos grandes e notáveis e resgatamos alguns homens que nella andaram dos que se perderam
com Luis de Mello no que passamos muitos trabalhos de guerra com os franceses e com o gentio da terra
e fomos e povoamos em tres partes no que gastamos perto de cinquo anos sostentando tudo sempre
a custa de meu pay até gastar quanto tinha e fizemos muito serviço a el Rei» (58).
Jerónimo de Barros ainda requereu a El-Rei meios para povoar a capitania que herdou do pai
e que constava de 50 léguas ao longo da costa dos Pitigoares e 25 na doca do rio Maranhão (5«).
Fr. Vicente do Salvador, Historia do Brasil, pág. 130, ignora as segundas emprêsas de João
de Barros e de seus filhos, e, por isso, narrando a infeliz expedição de 1535, diz a seguir: «Donde se
collige que não era o Maranhão a terra que el-rei deu a João de Darros, como alguns cuidam, sinão
estoutra que demarca pela Parahiba com a de Pero Lopes de Sousa; porque, se fora a do Maranhão,
havendo seus filhos escapado do naufrágio e chegado á do Maranhão com quasi toda a sua gente,
e achando a da terra tão benevola e pacifica, que causa havia para que a não povoassem?»
E ainda diz no mesmo lugar: «E finalmente se confirma porque a do Maranhão foi dada a
Luis de Mello da Silva, que a descubrio ... e não devia el-rei de dar a um o que tinha dado a outro».
A expedição de Luís de Melo da Silva que Fr. Vicente do Salvador aponta não é documentada,
a não ser agora pela referência acima de Jerónimo de Barros, e vive na tradição (60). Quási pelas
mesmas palavras fala Simão Estácio da Silveira na Relação sumaria do Cosmos do Maranhão, publicada
em 1624, sendo ainda vivo Fr. Vicente.
s
o
o
c
donatários do extrêmo norte do Brasil não eram afortunados nas suas empresas,
perdendo não só os bens, mas a própria vida, como sucedeu a Antônio Cardoso
de Barros, ainda que não foi nos trabalhos da sua capitania, na qual pouco tentou
praticar. A capitania de Cardoso de Barros caía no actual estado do Ceará, e
fè sôbre o donatário e a sua capitania coligiu muitas notícias o sr. barão de
Studart e que aproveitamos aqui (ei)
ê
Era Antônio Cardoso de Barros, irmão de Francisco de Barros, escudeiro
fidalgo, que foi à índia em 1535, e filho de um ]oão de Barros. Do seu casa-
ment0 teve
, íoão de Barros Cardoso, Maria de Barros, mulher de D. Jorge de
Melo, e ainda Cnstovam de Barros.
A doaçao de Cardoso de Barros não foi aproveitada pelo seu donatário, não se achando
qualquer vestígio da
pública, exerceu o
sua posse, não obs-
novo cargo junto de
tante Varnhagen
D. Duarte da Costa.
(Historia 3, pág. 201)
Dêste governador
julgar que uns deter-
temos uma carta
minados alicerces
pouco favorável a
aparecidos lá pro-
Cardoso de Barros,
vassem a tentativa
W'i que intervinha nas
de colonização.
alterações da colônia
Malogrado o
contra o governa-
aproveitamento da
dor (62).
Bahia, El-Rei en-
Assim diz: «An-
viou-o ao Brasil
tônio Cardoso de
como provedor-mór
Barros veo provido
da Fazenda da Bahia M de hum ano mais
com o ordenado de
para servir comiguo
200.000 reais, (Chanc. o seu carguo de
de D. João III, liv. 55,
provedor moor, cer-
fl. 119 v.) e a mercê tifico a V. A. que
de sobrevivência em
todo este tempo me
uma das filhas ou PUí! deu muito trabalho,
genros. Por des-
porque na verdade
pacho de 25 de Se-
homem que tem en-
tembro de 1577, rece- 'gm
genho e faz fazenda
beu êsse cargo Cris- V'
nesta terra he muito
tóvam de Barros. prejudiciall há de
Depois de ter V. A. e como a elle
colaborado com tem e muito grosa
Tomé de Sousa BRASÃO DE LUCAS GIRALOES descuidava-se muito
na administração * ^ do que compria id d
a
bem do seu oficio». Por fim, os alvorotadores retiraram-se da Bahia, mas tendo o navio naufragado
junto da foz do rio Curiuripe foram trucidados e devorados pelos índios, incluindo-se entre os mortos
o provedor da fazenda. Sucedeu isto em 16 de Junho de 1556.
A nomeação de Cardoso de Barros para provedor da fazenda tem a data de 16 de Janeiro
de 1549, atendendo-se nela aos serviços próprios e aos de seu irmão Fernão de Barros (63).
}5n5555}35»3J53553i53J33}!I355!5}Sl}í>J
61
(62 ) Principalmente na Geographia do Ceará, Fortaleza, 1924.
( ) Corpo Chron., I, 95, 37.
(") Chancelaria de D. João ///, liv. 70, fl. 109.
211
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
somente, avello Vosa Alfeza por bem. Peço, senhor, que nom aja como se perder tão boa religiosa
e aja por bem de a recolher porque alem de muito servir a Deus, ha mim faz mui grande merce e
desta freira se pode enfermar se é como digo da própria abadessa da Madre de Deus e de Beja e
para ser sostentamento de minha mae e irmãs solteiras que ficão não menos vertuosas como pode saber».
De Luís de Góis temos uma carta datada de 12 de Maio de 1548 (^®), em que se refere a
seu filho Pero de Góis, que não é evidentemente o acima
referido. Êste Luís de Góis afirma-se que entrou mais tarde
na Companhia de Jesus, fazendo-se confusão com um sobrinho ÍA/UÁL (£4
de Damião de Góis, que foi efectivamente jesuíta como vem tWí*** */rl' *
nos Inéditos Goesianos.
f Da família do cronista passaram ao Brasil apenas
Assinatura de Lufs de Góis
duas sobrinhas, como se lê numa já citada certidão na forma seguinte: «E Manuel de Goes casou
com húa molher que teve por amiga e delia ouve Damiana e Apolonia de Goes as quaes ambas
el rey Dom João o terceiro mandou com outras donzelas nobres ao Brasil aonde casaram ambas
e partiram de Lisboa em maio do ano do senhor de 1557 encomendadas ao Doutor Mem de Sá
que elrey então mandou por governador aquela Província». Damiana casou com João Fernandes Coelho
parente do capitão Duarte Coelho.
Voltando algumas linhas atrás, à carta de Pedro de Góis, cumpre dizer que El-Rei, cedendo
às súplicas do fidalgo da sua casa e capitão-mór das náus da costa do Brasil, contemplou a sua mãe
com 30000 reais pagos pela casa da índia (69).
Àlém do capitão-mór houve outro Pedro de Góis, também diverso do filho de Luís de Góis,
)á mencionado, que foi provedor da Fazenda na capitania de Francisco Pereira Coutinho e que fôra
amo de D. Francisco de Noronha, primo de El-Rei (70).
Pedro de Góis viera ao Brasil na armada de Martim Afonso de Sousa e do que nela praticou
vai narrado no capítulo competente e aos seus méritos e à protecção, que êste lhe devia dispensar, resultou
a concessão de cincoenta léguas, as quais êle tratou logo de
valorizar.
Temos de Pedro de Góis três cartas datadas de 1545, 1546 e
1551, sendo a primeira a Martim Ferreira e as restantes a El-Rei (7i).
Pedro de Góis tinha poucos recursos próprios, mas havendo
encontrado na Europa quém o auxiliasse, o referido Martim Ferreira,
a êle encomendou materiais para a colonização, e teria conseguido
fazer próspera a sua capitania, se a inimizade dos indígenas se não
tivesse oposto, vendo-se por fim obrigado a evacuar as suas terras.
Assinatura de Pedro de Góis Voltou então ao reino, donde regressou em 1549 com as
(Corpo Chrno. I, 77, 120).
funções de capitão-mór da armada de Tome de Sousa em compen-
sação das deliberações que tivera nos seus planos de povoação.
Ignora-se o final que teve, mas deve ter falecido no Brasil.
O único funcionário da capitania de Pedro de Góis, registado na chancelaria de D. João III, (72)
foi Tomé Rodrigues, provido escrivão da feitoria e almoxariíado.
68
(69 ) Corpo Chron., I, 80, 110.
( ) Chancelaria de D. João III, liv. 67, fl. 109, v.
F») Id., liv. 21, fl. 166.
3
(") L' i7]Uar^a"Se na
®''5''0*eca Évora e as outras no Corpo Chronologico, I, 77, 120, I, 92, 113.
213
*
ESPLENDIDA Bahia de Todos os Santos com as suas cincoenta léguas de costa foi
£ dada a Francisco Pereira Coutinho, que para lá partiu com uma luzida armada,
í o que seria penhor de uma eficaz colonização, a não se darem os costumados
episódios constantes das dissenções entre os povoadores e das arremetidas dos
índios. Nela se achava já o lendário Diogo Álvares, o Caramuru, que muito auxiliou
o donatário í73). . j c t
O donatário era filho de Afonso Pereira, alcaide-mor de Santarern e de
r
 D. Catarina Coutinho, filha do segundo conde de Marialva, D. Gonçalo Coutinho, e
dêle nos conta um linhagista o seguinte (74): «Foi capitam da Bahia que el rey
D João 3 o lhe deo, servio valorosamente na índia e foi chamado o Rusticão e dele se fala na crônica dei
Rey D. João 3. p. 4 e nesta sua capitania que lhe deo antes de edificada casou com D. Mana filha de
Rpímáo Pereira de Lacerda e de sua mulher D. Isabel Cardosa». . .. .
O seu filho «Manuel Pereira Coutinho que teve a dita capitania da Bahia que el rei lhe tornou
a tomar dando lhe 400$000 reis de juro na alfandega de Lisboa, viveo na sua quinta de Vara 0)0, jun o ao
Cadaval Casou com D. Philipa de Basto, filha de Fernão Borges e de D. Genebra de Brito».
No meado do século XVIII a representação da família estava só numa senhora chamada D. Ana
Felícia Coutinho Pereira de Sousa Tavares da Horta Amado Cerveira, a qua ..casou em 1763 com o
conselheiro de Estado e ministro José da Seabra da Silva. O filho dêste matrimônio foi agraciado com o
tftulo de visconde da Bahia, atendendo que El-Rei D. José em 1753 havia determinado que se encorpo
rassem na Coroa as mais importantes capitanias do Brasil, de que eram donatários dlver^sJ>I^lg0S'
conferindo e concordando com êles as eqüivalentes mercês que podessem compe ir-lhes, tendo-se toda a
atenção com o grau de desenvolvimento a que houvessem chegado tais capitanias, tanto em Povoado como
em olantações- e em virtude de tal encorporação na Coroa, se efectuou a concessão de títulos honoríficos
e outras mercês de juro e herdades àqueles donatários, sendo reconhecido que a compensação de 400$000
reis de juro da redízima aos descendentes de Francisco Pereira Coutinho, que fora donatano da capitania
da Bahia e nela principiara a primeira povoação da América, a que dera o nome de Vila de Pereira,
promoverá a pTantação de açúcar e algodão, sustentara por diversas vezes guerras com os gentios,
fundando debaixo de armas algumas aldeias, consumindo nisto avultados capitais de sua casa e fa ,
morí0 6 C mld0 el S
e que voltando da capitania dos Ilhéus para a da Bahia naufragara e fora . ° fiP ° ^
e porque a compensação arbitrada em 1576 fôra inferior à pista valia dessa capüf^' ^J ^ ^ C0^ ê
seus descendentes em eqüipolente posição à dos outros donatários a que acima se alude, lhe foi ieita merce
do titulo qu/ficou extratado diz-se que Francisco Pereira Coutinho fundara na sua capitania
uma vila chamada Pereira, mas como não temos outro abonador desse nome a
inteiramente aceite, se bem que seja plausível que tivesse sido o primitivo nome da intitulada posterior
mente Velha. ^ ^ possuírmos nenhum documeHto assinado por Coutinho, não é lícito acreditar
aue o donatário fôsse destituído do conhecimento das primeiras letras, como Varnhagen presume ( ).
Apenas temos notícia de dois funcionários reais nesta capitania. O primeiro e Diogo Luís, moço
da câmara da casa Real, nomeado em 20 de Fevereiro de 1534 escrivão da feitor.a e almoxanfado
O segundo é o já mencionado Pero de Góis, nomeado em 25 de-Agosto de 1536 provedor da Fazenda (77).
Um grande capitalista espanhol, naturalizado português tomou terras na capitania de PereiJ"a
Coutinho. Chamava-se êle Afonso de Torres e faleceu em 4 de Março ^
dência a fundir-se na casa dos condes de Sampaio, e havendo alcançado em 4 de Julho de 1559
brasão de armas.
(") lourinho em carta de 28 de lulho de 1546 fala em Diogo Álvares O Galego, «limgoa que la era morador.
e que lhe deu notícias do desbarato da Bahia.
(74) Biblioteca Nacional, cód. 1034, fl. 140.
(75) Silveira Pinto, Resenha das famílias titulares, I, pag. 197.
(76) Historia do Brasil, I, pág. 197.
(77) Chancelaria de D. João III, liv. 7, fl. 229 v. e 21, fl. 166.
214
OS PRIMEIROS DONATÁRIOS
Segundo Braamcamp Freire (78); «o seu trato comercial estendia-se até ao Brasil, onde, em 28
de Julho de 1542, obteve de Francisco Pereira Coutinho, capitão e governador da Bahia de Todos os
Santos, cartas de sesmaria de umas terras no limite daquela cidade, partindo do pôrto do Tubarão até ao
rio de Matorim, na largura de três léguas. Deu a sua outorga ao contrato D. Margarida de Lacerda,
mulher do capitão, por instrumento feito em 25 de Outubro do mesmo ano, na quinta de Varatojo, têrmo
do Cadaval. Finalmente El-Rei confirmou tudo por carta de 2 de Dezembro de 1549» (79).
Desde 1520, Afonso de Torres aparece-nos encarregado da feitoria dos tratos dos escravos
nos rios de Guiné e construindo náus e galés e comprando avultados padrões de juro. É com razão que
Braamcamp Freire lhe chama «um.dos negociantes mais ricos do nosso século de quinhentos».
000
CONCLUSÃO
indígenas, evitadas pelos anglo-saxões e favorecidas pelos portugueses. Ao passo que o anglo-saxão só
considera da sua raça o indivíduo que tem o mesmo tipo físico, o português esquece a sua raça
e considera seu igual aquele que tem religião igual à que professa. Ainda assim contam-se na Nova
Inglaterra famílias distintas provenientes de cruzamentos, como na Nova Lusitânia um cunhado do
donatário Duarte Coelho tem descendência ilustre de origem indiana.
O estudo da parte mais antiga da época dos donatários é, como se viu, dificultado pela
carência da correspondência com o soberano, falta que deve talvez atribuír-se aos próprios capitães,
que enfatuados com os recursos que haviam trazido da Europa, em quanto estes lhes duraram
mantinham rigorosamente as disposições dos forais das suas capitanias, sem haverem necessidade
de implorar a ajuda e conselho do monarca; mas esgotados os meios e o crédito tiveram de pôr o
soberano ao corrente dos negócios e pedir-lhe amparo. Êsse amparo veio com o governador geral,
trazendo como compensação do aumento das despesas da coroa a diminuição dos privilégios dos
capitães-móres. Com êsse passo ganhou a colônia consideràvelmente.
216
/
CAPÍTULO VI
(15 3 4 — 1549)
POR
C. MflLHEIRO DIAS
1 .
i
(1534 — 1549)
219
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
nos litorais do Brasil; a autoridade portuguesa não mais resultaria, apenas, dos títulos precários do
descobrimento e da repartição de Tordesilhas, referendada pela Cúria, mas da posse efectiva, manu müitari.
No estatuto das doações e seus forais encontram-se cautelosamente regulados os privilégios,
as regalias e os deveres do donatário. Êste não podia dar largas à ambição de se apropriar de vastos
tratos de terra sem solução de continuidade 0). O seu poder, conquanto aparentemente discricionário
na esfera da governação e da justiça, não era estorvo à prosperidade e liberdade dos colonos.
A capitania não lhe fôra concedida para êle a explorar como uma fazenda, mas para a governar como
uma província. O governador hereditário não podia lesar os interêsses e direitos da população.
Os impostos eram pagos em espécie. À Coroa pertencia o quinto do ouro e das pedras preciosas,
de cuja existência, aliás, não havia certeza, e o monopólio das drogas e especiarias. Ao governador
cabiam, além da redízima das rendas da Coroa, a vintena das pescarias (2) e da venda do pau-brasil,
o monopólio das marinhas e o direito de barcagem. Sobre a importação e a exportação, quando em
trânsito nos navios portugueses, não incidiam impostos (3). Os direitos políticos dos colonos haviam
sido salvaguardados, eqüiparados aos que os portugueses usufruíam na metrópole, embora as regalias
municipais fossem restringidas pela intervenção da autoridade do donatário. O colono, quer português
ou estrangeiro, podia possuir terras de sesmaria, com a única condição de professar a religião católica.
Aos estrangeiros, quando católicos, era consentido estabelecerem-se no Brasil U) e até mesmo entrega-
rem-se ao comércio de cabotagem, pelo que pagariam o décimo do valor das mercadorias—imposto
proibitivo, é certo, que anulava a liberalidade da concessão, mantida em obediência à tradição do direito.
Era-lhes, porém, vedado negociar com os naturais: medida com que se restringia a sua influência e se
procurava impedir a intromissão de elementos estranhos, e porventura instigadores de conflitos, nas
relações entre os portugueses e o aborígene.
Os estadistas e juristas que haviam redigido o texto das cartas de doação e dos forais
provavam a experiência adqüirida no govêrno de um vasto império; fruto da prática acumulada no
decurso de mais de um século de trato com povos bárbaros e exóticos. Reconhece-se nesses diplomas
o propósito de estimular o zêlo do donatário, de tornar atraente ao seu orgulho e à ambição de mando
o pôsto arriscado, cumulando-o de privilégios (5). O mesmo empenho de atrair o colono e de fixá-lo
à terra inspirara a concessão das regalias aos moradores, que poderiam possuir terras de sesmaria sem
outros tributos que a dízima. A exportação era livre para qualquer pôrto da metrópole, sujeita apenas
ao imposto geral da sisa, cobrado na ocasião da venda da mercadoria. As importações da metrópole
estavam isentas de impostos.
Já no capítulo IV se referiu e enalteceu a participação do dr. Diogo de Gouveia na
colonização do Brasil. Ao sábio reitor do colégio de Santa Barbara, de Paris, mestre de S.t0 Inácio,
e que de si mesmo dizia que *■ trabalhava para edificar com pedras vivas-», se deve o conselho reiterado
de resolver com o povoamento os infindáveis e insoluveis pleitos com a França. Mas o audaz
empreendimento foi objecto de demorada reflexão e a conseqüência de uma série de ensaios
preliminares, que revelam a colaboração de peritos. Muito ao contrário de um improviso, a instituição
das donatárias é o corolário de um pensamento para que se procurou, em meio de dificuldades quási
insuperáveis, uma realização prática. Só em 1534 foram expedidos os primeiros diplomas e sabemos que
desde 1532 haviam sido adoptados os princípios que regulavam o regímen das capitanias, pois em carta
de 28 de Setembro dêsse ano anunciava D. João III a Martim Afonso de Sousa a resolução de
demarcar a costa desde Pernambuco ao Rio da Prata e repartí-la em doações de 50 léguas, com
excepção da de Martim Afonso, que abrangeria 100 léguas de costa (6).
Tam acertadamente se legislara e se distribuíram os vários quinhões em que fôra dividido o
território, que a maioria dos donatários logo se aprestou para tomar posse dos seus domínios,
(') Só lhe era consentida, como vimos no cap. IV, a posse de uma extensão litorânea de 10 a 16 léguas,
repartida em 24 ou 5 quinhões, à distância de 2 léguas, no mínimo, uns dos outros.
(3) A Duarte Coelho foi excepcionalmente concedida a dízima, em vez da vmtena.
(4) Esta disposição veio a ser revogada por alvará de 5 de Março de 1557. - , •
( ) Mantinha-se a liberal tradição portuguesa. Durante o domínio de Castela o critério português foi, porem,
substituído pelo sistema do monopólio, vigente nas colônias espanholas. .
(5) O que inspirou a Varnhagen a reflexão de que Portugal já reconhecia a independência do Brasil quando se
preparava para o colonizar. . . ^ » j - i- m
(6) Posteriormente, o plano primitivo sofreu alterações importantes. A demarcaçao ampliou-se para o N. de
Pernambuco e reduziu-se 12o em seus limites meridionais, que foram fixados em 28° e '/a, até cuja latitude se estendia a
capitania de Pero de Sousa, que confrontava.com a de Martim Afonso nas imediações do Paranaguá (Ilha do Mel).
220
o
O REGÍMEN FEUDAL DAS DONATÁRIAS
à excepção de Antônio Cardoso de Darros, agraciado com 40 léguas no norte do Ceará, que não só
se deixou ficar na metrópole, como,—talvez desiludido com o insucesso da tentativa dos donatários
seus visinhos: ]oão de Barros, Aires da Cunha e Fernão Álvares de Andrade,—nenhumas diligências
empreendeu para dar cumprimento aos seus deveres, abandonando a capitania, que reverteu para
a Coroa de Portugal.
Das restantes, só duas, porém, cumpriram a missão colonizadora que lhes havia sido atribuída:
a de Martim Afonso de Sousa, por circunstâncias alheias à acção do donatário; e a de Duarte Coelho.
Entre os doze, só o donatário de Pernambuco se manteve no seu pôsto, pois Martim Afonso depois
que regressou à metrópole em 1534. até ao seu falecimento em 1571, não mais voltou à sua capitania
brasileira, de onde para sempre o afastaram os altos postos militares e políticos que exerceu na índia.
O posterior desenvolvimento e a prosperidade da capitania de S. Vicente devem-se menos
a acção pessoal do seu fundador, delegado da Coroa, do que à dos povoadores que lá deixou auxiliados
mais tarde pelo Govêrno Geral e pelos Jesuítas.
A capitania de Pernambuco é, pois, no período que medeia entre a implantação do regímen
feudal até à do Govêrno Geral, em 1539, exemplo único dos resultados da acção efectiva e exclusiva do
donatário, e à sua obra gloriosa será dedicado um capítulo especial.
A nos portos de Portugal se aparelhavam as armadas colonizadoras dos donatários. Vendem direcção aris
uns os solares, quintas e herdades do Minho, do Ribatejo e Alentejo; levantam outros tocrática da»
empréstimos; contratam colonos; adqüirem ou fretam navios aos armadores de Viana " ^
Caminha, Vila do Conde, Pôrto, Lisboa e Setúbal; compram alfaias agrícolas, ferramentas
e armamento; enfardam sementes; apreçam o gado nas feiras; recrutam soldados e artífices.
E um espectaculo nunca presenceado. Cada baixei, vogando sôbre as águas fundas do Atlântico será
tal qual uma arca de Noé, transportando os materiais da civilização para o mundo bárbaro. Nenhum
povo, como o brasileiro, avista nos pródromos da sua vida nacional essas caravanas aqüáticas balou-
çando e arfando nas ondas, e que conduzem os seus antepassados, as tribus povoadoras, cada uma
guiada por seu herói. Quando um Camões brasileiro cantar a infância heróica da sua pátria não deixará
de evocar as naus matriarcas da colonização, pandas aos alíseos as velas pintadas com o sinal do
cristianismo, e sobre cujos panos redondos e latinos descem dos espaços nocturnos os cinco clarões:
* sinal da cruz feyto no ceo de resprandecentes estreitas» (7).
^ As conseqüências do sistema inicial colonizador perduraram na ulterior repartição do Brasil
em Províncias e Estados, aos quais serviram de rudimento as donatárias, que não eram senão os
esboços da divisão administrativa de um novo e vasto império. À instituição do regímen feudal se deve
atribuir em parte a qualidade dos povoadores do primeiro ciclo e a feição aristocrática e guerreira que
ele ostenta nos dramáticos anais.
^Iri seu notável prefácio ao recenseamento de 1920 da população dos Estados Unidos do
Brasil, o sr. Oliveira Viana assinalou com magistral segurança as características sintéticas da primeira
sociedade criada na Idade Média brasileira: a sua tríplice fisionomia aristocrática na direcção militar
e rural, na execução. Ele reconhece que a história do Brasil «é a historia de um povo agrícola, é
(^) Gaspar Correia, LcndãS dã Jndiã, a pao. 731 do liv. IV da oarte II Refere-sp Corrpía or* -5r-»-»a«
uzeir Afon
" °
a noyte e o d a casyso todo,
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em que seentrou no estreito
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na terra, «As quaes
se disse missa, estreitas
e se pôs feytas
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os a"'es em Pôrto
221
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
a historia de uma sociedade de lavradores e pastores* (8). Não podia ser diferentemente. A ausência de
uma civilização autóctone organizada impôs aos colonizadores a necessidade de a criar desde o
sedimento e originou a conseqüente feição agrícola que ela apresentou desde nascença. A mais
imperiosa condição da vida é o alimento. A menos de se barbarizar como o íncola e de se nutrir da
caça e da pesca, o povoador foi compelido a assegurar-se uma alimentação regular e apropriada aos
seus hábitos. Deparando no gentio com uma raça bárbara e indomável, ainda retardada no período
feroz da antropofagia, o conquistador precisou de suplantá-lo pela força. E logo o colonizador rural se
fez guerreiro, se é que não foi o guerreiro que se improvisou lavrador. E como a terra era extensíssima
e brava e poucos os povoadores, demarcou-se generosamente a propriedade (9). Improvisou-se o gérmen
de uma nobreza agrária. Nada que se pareça com isto nas colonizações espanholas do outro hemisfério,
às quais o achado do ouro e o das civilizações do México e do Peru imprimiram o carácter violento
de conquistas inexoráveis e saques sôfregos.
Por sua vez, a categoria dos donatários e os privilégios que lhes tinham sido concedidos
radicavam à história do Brasil uma nobreza de sangue, e, desde o seu nascimento para a civilização,
asseguravam-lhe uma espécie de alforria, evitando-lhe o estigma de servidão colonial. Corrigindo com a
sua habitual lucidez erros antigos, ainda hoje explorados, o prefaciador do Recenseamento de 1920
vigorosamente reivindica a progenitura fidalga da sociedade brasileira; «Os primeiros colonizadores que
chegam a essas novas terras da América não são propriamente homens do povo, ou, pelo menos, os
elementos mais importantes entre elles pertencentes á plebe peninsular, mas sim aventureiros á caça de
fortuna rapida, homens da pequena nobresa e mesmo da grande nobresa, que emigram para restaurarem
nessas novas terras descobertas, nas feitorias da Asia ou nas riquezas da America, os brilhos esmaecidos
dos seus brasões. São, em regra, fidalgos arruinados nas dissipações da côrte, que procuram reconstruir
nas aventuras do novo mundo as bases da sua fortuna destruída. O grande afluxo plebeu vem depois,
quando se descobrem as minas, quando ha já um certo desenvolvimento economico na colonia, quando
o trafico já é assignalavel, quando a pequena industria é possível, quando o gosto do conforto e
a riqueza dos habitantes são bastantes para assegurar ao nomadismo commercial da mascateação
condições de viabilidade e vitalidade. Nos primordios, os elementos preponderantes da sociedade colonial
não são, com effeito, de modo algum, como se ha dito, essa escorralha de criminosos e degradados,
varridos das masmorras peninsulares para o vasadouro americano. Estes elementos tercianos, estes
detrictos humanos não valem nada, como elemento colonizador, como contingente formador do nosso
povo, diante dos elementos sadios que para aqui affluem nos primeiros dias da colonização. Mesmo os
elementos plebeus que aqui se fixam, quando requerem sesmanas, costumam allegar que são «homes de
calidades», porque só a homens taes se dá ingresso á propriedade da terra. Entre eles estão numerosos
representantes da grande fidalguia peninsular... Esses elementos aristocráticos, pelo que se deprehende
do testemunho dos chronistas coevos, se fazem os centros de gravitação, os «personnagens reinantes*,
como diria Taine, desse pequeno mundo em formação...* (10).
Admitindo-se, porém, como parece razoável, que a nobreza colonizadora, conquanto influente
fôsse muito menos numerosa do que a plebe, e sem negar que gente de tôda a espécie vinha da
metrópole e até que entre ela não faltavam os condenados a degredo, certo é que os donatários,
em seu próprio interêsse, deviam ter escolhido os colonos que iam ser seus auxiliares e vassalos,
e que alguns se fizeram acompanhar dos parentes e amigos, dos seus criados, feitores e caseiros.
Os próprios aventureiros, desde que se eclipsara a miragem do ouro —ressuscitada momentâneamente
pela fortuna dos espanhóis na América Central e na costa do Pacífico, —não se precipitaram em tropel
para o Brasil. Entretanto, as vicissitudes da luta com o canibal, as condições bárbaras em que
LiiimxgTmu.iu.3imTTra3
(8j A 'ausência de riquesa organizada, a falta de base para uma organização puramente commercial, ê que
leva os peninsulares p!ra aqui transplantados a se dedicarem à exploração agrícola. Não outro
Dadas as condições particulares em que os descobridores portugueses encontram a sua terra, Portuga na o tem outro
caminho para realisar a nossa conquista senão o da fundação da agricultura.» Oliveira Viana, O Povo Brasileiro e a sua Evo-
lução. Introdução ao Recenseamento de 1920, publicada pela Directoria Geral de tstatistica. r.mnrioHaHa
<.Em nosso paiz, ao contrario dos outros, a agricultura se inicia tendo por base a grande P^P^J^ade. . .
Nós, desde o inicio, temos sido um povo de latifundiários. . . Todo o longo período colonial e um período de espie
gloria da grande propriedade territorial. Então, só ella apparece e pompeia; so ella cria e domina, toda a trama da nossa
história é ella que fia e entretece, extende e recama, durante esses tresentos annos fecundos e gloriosos. .. Pequeno o ^gri
cultor e pequeno, o português podia ter estabelecido aqui a pequena cultura em pequena propriedade. Entretanto, o q
funda aqui, logo que põe o pé em nossa terra, é a grande cultura em grande propriedade.* Oliveira Viana, op. cit. pág. .
(ioj Ibidem, págs. 6 e 7.
222
o
0°
ena
000 Capitania de ]0Ã0 DE BARROS e AIRES DA CUNHA
2? ( P A R A ) 2.o QUINHÃO
Capitania de FERNÂO ÁLVARES DE ANDRADE
(MARANHAO)
apitaria de ANTÔNIO CARDOSO DE BARROS
(P1AUHV)
ÜUD 5°
UÜU Cap^aní e JOÃO DE BARROS
DOD
AIRES DA CUNHA
p I .0 QUINHÃO
F1W
Capi^ní^de^PE^p LOPES DE SOUSA
(ITAMARACÂ) 3.0 QUINHÃO
^ a
Capitania^ DUARTE COELHO
M,
(PERNAMBUCO)
10o
bag Slonafarias
—
,
I
orçosamente decorria a vida dos colonos, endureciam os ânimos, desencadeavam os instintos, suplan-
tavam os hábitos adquiridos pela civilização. Era inevitável que o civilizador se barbarizasse. Mas de
qualquer modo o primeiro ciclo da colonização brasileira é um empreendimento da nobreza, e cada
capi ama se adornou com o seu brasão heráldico, desde as quinas e os leões rompantes dos Sousas
as estrelas e a cruz floreteada dos Coutinhos. Vamos ver como essa nobreza se conduziu, a luta que
sustentou para construir entre o cáos de uma natureza virgem —que ainda no século XIX parecia a um
grande historiador inglês estorvo invencível para o desenvolvimento de uma forte civilização (") —
e enj hostilidade com o canibal, o berço de um povo, pagando alguns com o martírio e a vida quási
todos com a ruína, a honra póstuma de ficarem no limiar da história de uma das maiores nações do
mundo como os seus primeiros e heróicos construtores.
CAPITANIA DE S. VICENTE
de um L d3"com o ,■
acordo,
,n,erc la
f f°
ítm provável
de
de repartirem"asfraternalmente
capitanias dosa dois
posseirmãos resultou
da região ondeevidentemente
se nresumia
existirem as jazidas de metais preciosos, ocultas no âmbito remoto do sertão.
(") *...Such is the flow and abundance of lifp hv mhirh r..,,..-/ • i j <. 0 co ntries f the
earth. But amid this pomp and splendour of Nature, no placeis leftfnrTJÍ h? a J"Í % " °
with which he is surrounded. The forces that oppose him aresn fnZla.M h tUCí ^igmficance by theake
majesty
against them, never able to rally against their accuLlaTed pressure vw ^ t0
™ head
223
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
No seu regresso das paragens meridionais, Marfim Afonso de Sousa fundeou em S. Vicente,
aos 22 de Janeiro de 1532, de onde embarcou para Portugal no quarto ou quinto mês do ano seguinte.
Muito embora em sua carta de 28 de Setembro de 1532, de que foi portador João de Sousa, o rei lhe
houvesse anunciado a concessão de uma donatária de 100 léguas (13), a verdade é que só em 1535 foi
lavrado o foral da referida doação da capitania brasileira, onde Marfim Afonso fundara, como delegado
da Coroa, as vilas de S. Vicente e de Piratininga e a povoação de Itanhaen, que só em 1561 foi
elevada a vila. Decerto, a resolução prudente, que pouco depois Martim Afonso tomara, de proibir o
acesso do planalto aqs seus colonos, impediu que Piratininga fôsse desde logo habitada; mas é
irrecusável ter sido Martim Afonso de Sousa quém, nas terras de Tibiriçá, lançou a semente,
transplantada depois pelos jesuítas, da futura cidade de S. Paulo (14). Anteriormente, já joâo Ramalho
se estabelecera na Borda do Campo (Santo André) com a sua próle mameluca e os seus índios.
Coube a Brás Cubas a iniciativa da fundação de Santos, em 1543 (15).
Os poderes de que vinha investido, de tomar posse do território, organizar nêle o govêrno
e a administração e conceder terras de sesmaria (i^) a quém as quisesse cultivar e povoar, constituem
— como já dissémos na Introdução a este volume,—como que um ensaio do regímen que ia ser
adoptado. Martim Afonso é um pró-donatário que experimenta, por ordem e a expensas da Coroa, as
condições de êxito da missão, logo depois do seu regresso confiada aos doze agraciados com o govêrno
ruinoso das capitanias brasileiras.
Na armada colonizadora acompanhavam o capitão-mór fidalgos, militares e letrados de boa
gerarquia, àlém de alguns homens já experimentados no trato com os naturais da terra. Tudo fôra
reílectida e prudentemente organizado para garantir o sucesso do empreendimento a que se abalançava
a metrópole. Se considerarmos as dificuldades financeiras com que já então lutava D. joão III (17), não
será descabido admitir-se que a expedição de Martim Afonso de Sousa representava a decisiva
tentativa da Coroa, antes da distribuição das capitanias, para descobrir as jazidas de ouro e prata
da América portuguesa.
Conquanto seja difícil, senão impossível, discriminar entre os habitantes de S. Vicente
aqueles que vieram com Martim Afonso dos que chegaram com joão de Sousa e em navios subse-
quentes, apura-se que viajavam na armada, àlém de Pero Lopes, irmão do capitão-mór, cuja biografia
ficou inserta no cap. 111 U8); Pero de Góis, futuro donatário da capitania da Parahyba do Sul e capitão
do mar no govêrno de Tomé de Sousa, com seus irmãos Luís e Gabriel e Domingos Leitão, casado
com Cecília de Góis; os genoveses Adorno, Francisco, Paulo e josé; Brás Cubas e seus irmãos Antônio,
Gonçalo e Francisco (?); Antônio de Oliveira, 2.° loco-tenente do donatário; Pero Cápico, conhecedor
da terra, que na costa de Pernambuco, onde residira, voltara a Portugal em um dos navios da segunda
expedição de Cristóvam jacques; os irmãos Rui, Antônio e Francisco Pinto; Pedro Correia e Jerónimo
Leitão; o clérigo Gonçalo Monteiro, depois loco-tenente do governador, vigário de Santos e ouvidor
eclesiástico; jorge Ferreira, que veio a casar com uma das filhas de joão Ramalho, neta de Tibiriçá;
Henrique Montes, provedor dos mantimentos da armada (confundido por alguns historiadores brasileiros
com o seu homônimo castelhano, sobrevivente da expedição de Solis); Vicente Lourenço, piloto, e Pedro
Anes, piloto e língua da terra: ao todo uns quatrocentos homens f1®), incluindo os comandantes dos
(13) vide carta de D. João 111 a Martim Afonso de Sousa, publicada em apêndice ao capítulo V do presente
volume desta 4obra, pág. 161.
(1 ) Esta tese foi sustentada pelo erudito pintor e historiógrafo Benedicto Calixto, no tômo XIII da Revista do
Instituto histórico de S. Paulo. Veja-se do mesmo autor o opúsculo A villa de Santo André da Borda do Campo e a Primi-
tiva Povoação15 de Piratininga, S. Paulo, 1913.
l ) Santos teve foral de vila, passado pelo próprio Brás Cubas, ao tempo loco-tenente do donatário e provedor
da Fazenda, aos 19 de Janeiro de 1545.
(i6) Na 3.a das cartas regias dadas em Castro Verde, aos 20 dias do mês de Novembro de 1530, registadas
no Liv. 41 da Chancelaria de D. João III, e publicadas no apêndice do cap. III da presente obra, são conferidos ao capi-
tâo-mór poderes para dar terras de sesmaria. Essas doações eram, porém, vitalícias. Tôdas as sesmarias, concedidas por
Martim Afonso o foram, todavia, de plena propriedade aos sesmeiros e seus descendentes. Na carta de sesmaria a Pero
de Góis ^Outubro de 1532) vém transcrita a carta régia com variantes que derrogam a primitiva disposição. Assim, onde se lê
na carta régia, registada a fis. 105 do Liv. 41 da Chanc. de D. Joâo 111: «...e as terras que assim der será somente nas
vidas daquelles a quem as der e mais não...»; na referida carta de sesmaria se lê: «...e das terras que assim der serão
para elies e todos os seus descendentes.» A nova carta régia que veio substituir a 3.a com as variantes, referentes à con-
cessão de sesmarias, não se acha registada nos Livros da Chancelaria.
C7) Veja-se no cap. 1 dêste vol., págs. 10 a 18.
(is) Págs. 115 a 123 dêste vol.
C9) '... aqui (Rio de Janeiro) estivemos tres meses tomando mantimentos para um anno, para quatrocentos
homens que trazíamos...» Do chamado Diário da Navegação de Pero Lopes.
224
O REGÍMEN FEUDAL DAS DONATÁRIAS
J0
(21 ) 1 ...Eu trasia commigo allemães e italianos, e homens que foram% à índia, e franceses...» Ibidem.
( ) Os primeiros povoadores: t Quem era o bacharel de Cananéa? Cândido Mendes, na Revista do Instituto
Histórico do Rio de Janeiro; João Ramalho perante a História e Restauração histórica da villa de SJ° André da Borda do
Campo, Teodoro Sampaio, na Revista do Instituto Histórico de S. Paulo; S. Paulo nos primeiros anos, Afonso de Escragnolle
Taunay; Piratininga exhumada, Afonso de Freitas. Os esforços dos historiadores brasileiros para esclarecer êste período
inicial da história do Brasil, embora auxiliados pela publicação oficial dos documentos sobreviventes dos tombos dos pri-
meiros municípios, se em outros pontos conseguiram fazer luz onde se tacleava na obscuridade, pouco adiantaram para a
reconsfituíção da personalidade enigmática de João Ramalho.
33
225
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
denciã nestes campos. Sabe-se por Diogo Garcia que, em 1527, vwia na costa de S. Vicente um bacharel
com alguns outros europeus que eram seus genros, e alli mantinham uma especie de feitor ia: vendiam
refresco ás náus em transito, abasteciam-nas do que havia na terra (22), negociavam embarcações
pequenas (23), forneciam interpretes aos navegantes que iam ao rio da Prata, mas principalmente trafi-
cavam em escravos, contratando navios para o transporte de uma só vez de cêrca de oitocentos
delles para a Hespanha (24). O bacharel mui provável é que fosse Mestre Cosme Fernandes, que
depois foi o fundador de Iguape, e dentre os seus genros uns parece que eram castelhanos (25)
e faziam o commercio na costa, entre S. Vicente e Cananéa: commercio irregular e incerto como
também o eram, nesse tempo, as communicações com a Europa e com outros pontos do Brasil.
Na mesma costa de S. Vicente, no logar Temiurú, visinho do bacharel, residia Anfonio Rodrigues,
portuguez e talvez socio e companheiro de negocios de João Ramalho, estabelecido no interior, nos
campos de Piratininga ...»
a expedição O apógrafo da navegação de Pero Lopes (que não é da letra de Pero de Góis e cujo
DE
chRaveCsSem manuscrito original se considera perdido) menciona que, estando a armada fundeada na baía de
pesquisa DAS Cananéa, entre a ilha do Dom Abrigo e a terra firme, mandou Martim Afonso que Pedro Anes, piloto,
minas de ouro su^5sse bergantim um rio que ficava «ao norte duas léguas-»: o rio Iguape. Voltou Pero Anes com
Francisco de Chaves e o bacharel. Êste bacharel, acrescenta o apógrafo da Biblioteca da Ajuda, «havia
30 anos que estava degradado nesta terra (26), e o Francisco de Chaves era mui grande língua...»
Foram estes moradores de Cananéa e Iguape que influíram em Martim Afonso para enviar Pero Lobo,
com oitenta bèsteiros e espingardeiros, à procura das remotas regiões do ouro e da prata. Francisco
de Chaves prometia ao jóven e ambicioso herói voltar dentro de dez meses, com quatrocentos escravos
derreados ao pêso do ouro.
iO ouro! Era pensando sôfregamente nêle que viviam os desterrados. As notícias das riquezas
e da civilização dos Incas haviam transposto os Andes e atingido a costa atlântica, transmitidas de
tribu em tribu, através do imenso sertão. Os comandantes das armadas, quando surtas nos portos
meridionais, ouviam dos exilados as mesmas notícias fascinadoras. ]á Caboto escutara aquele canto das
sereias litorânias. ióE porque não haveria Martim Afonso de ceder ao convite de Francisco de Chaves,
se tôda a actividade exploradora do Novo Mundo, desde Colombo, desde os Pinzon, desde Hojeda, era
movida por essa esperança confessada de encontrar o apetecido metal, tam necessário ao homem da
Renascença, tam preciso às nações endividadas pelas guerras, pelos descobrimentos e pela prodigalidade
e pompa dos seus reis?! tNão se dirigia Martim Afonso ao rio da Prata com o desígnio secreto
de fundar a sua colônia à margem da grande estrada aqüática das minas? Desde que os castelhanos
tinham encontrado o ouro do México e a civilização azteca, a antiga esperança colombina nos tesouros
de Cathay e Cipango renascera, estimulando inquebrantáveis energias para a sua conquista. Como todos
os capitães na América, Martim Afonso, menos feliz que Pizarro, andava à procura do ouro, e o seu
regresso à Europa foi porventura apressado pela decepção que sofreu com a notícia do epílogo trágico
da expedição de Pero Lobo. Tinha sido já, talvez, com a mira de colhêr notícias do almejado metal que
Martim Afonso, quando no Rio de Janeiro, enviara quatro homens pela terra dentro, a explorar o
sertão; e é de presumir que, durante os longos meses que estacionou na sua semi-bárbara vila de
S. Vicente, a esperança no regresso feliz de Pero Lobo e de Francisco de Chaves, seguidos pelos
escravos avergados ao pêso da carga preciosa, lhe minorasse as privações do exílio e as saüdades da
corte e da família. Tipo exemplar do grande fidalgo palaciano e letrado da Renascença, companheiro
(22) «...f daqui fomos a tomar refresco em S. Vicente, que está a 24 graus, e ali vive um bacharel e uns
genros seus ha muito tempo, seguramente bem uns trinta anos, e ali estivemos até 15 de Janeiro do ano seguinte de 27,
e aqui tomamos muito refresco de carne e pescado e de victualhas da terra para provisões do nosso navio; assim como
agua e lenha e tudo o mais de que tínhamos necessidade... * Relação de Diogo Garcia, português, companheiro de Sólis na
expedição ao Rio da Prata (1515-16) e que lá voltou na armada de D. Pedro de Mendoza.
Esta conhecida Relação refere-se a uma viagem anterior a esta última, no decurso da qual, comandando tres
navios, Diogo23 Garcia fêz demorada escala em S. Vicente.
(24) <.. .£ comprei a um genro deste bacharel um bergantim que muito serviço me prestou...» Ibidem.
( ) «...£ este bacharel com seus genros fizeram commigo um contracto de fretamento para trazer-lhes â
Espanha na minha náu grande oitocentos escravos...» Ibidem.
(«) Estes castelhanos de Iguape assaltaram S. Vicente em 1535, já depois da partida de Martim Afonso, e foram
acossados para Santa Catarina pelos vicentinos, capitaneados por Pero de Góis.
(26) Regundo Ruy Diaz de Gusman (Argentina, liv. I, cap. VIII), o bacharel seria Duarte Peres, o mesmo que,
mais tarde, se juntou aos castelhanos de Iguape. Tinha sido desterrado no reinado de D. Manuel e Martim Afonso de Sousa
o teria expulso de S. Vicente, ordenando-lhe que regressasse ao local do degrêdo.
226
O REGÍMEN FEUDAL DAS DONATÁRIAS
de juventude do príncipe, agora rei;-,não é para estranhar, nem para censurar que a luxuriante
natureza americana nao bastasse a êsse hiper-civilizado de compensação e antídoto para a nostalgia
Quando de regresso a Portugal, Pero Lopes regista no seu suposto Diário que o irmão ficara em
S. Vicente aguardando o regresso dos expedicionários.
Foi o malogro dessa esperança que converteu, por todas as capitanias, em um vasto empreen-
dimento rural o primeiro ciclo da colonização do Brasil. Como João Ramalho e Antônio Rodriques os
emigrantes da expedição colonizadora acabaram por aplicar na agricultura a ambição aventurosa que
os atraíra para a América. Os genros de Tibiriçá e de Pequerobi haviam-se integrado na vida dos
aborígenes. O Brasil, por tôda a parte onde haviam tocado os navios portugueses, desde 1500 mostrara
aos nautas apenas as suas opulências vegetais, as suas praias de claras areias e as suas montanhas
vindentes, cobertas de florestas impenetráveis, que fechavam como fortalezas o horizonte.
A falta dos tesouros com que sonhara, Marfim Afonso encontrou em S. Vicente o auxílio
providencial de Ramalho e de Rodrigues. A êles deveu o poder instalar-se pacificamente e suster as
investidas hostis dos Tamoios, que dominavam desde a barra da Bertioga, ao N. da ilha de Guaimbé
ate o Cabo Frio, e que teriam possivelmente acabado por exterminar os invasores, reduzidos a uns
escassos trezentos homens enclausurados num ilhéu.
A vila, por medida de precaução, foi fundada no litoral da ilha de S. Vicente fronteira à de A colônia
Guaimbe, nome indígena da ilha de Santo Amaro. Ali encontravam os navegantes garantias de defêsa m^shabI:
ta
contra possíveis ataques, vista desembaraçada do mar, terra que bastasse para as primeiras necessidades ntes
de alimentação e agua potável em quantidade.
Assente a povoação, que^a princípio mais pareceria um acampamento: distribuída a terra pelos
que mostravam disposição e aptidão para a cultivar; não demorou que se iniciasse a cultura da cana
e se improvizasse um engenho, movido a água, para a fabricação do açúcar. A armada estava provida
de utensílios de lavoura e de sementes. Vinham nela operários e artífices (27). Pela primeira vez no
Brasil se instalava organizadamente uma povoação fóra dos moldes rudimentares das feitorias e dos
postos fortificados de resgate, com suas autoridades legalmente nomeadas, sua igreja, seu tombo seu
pelourinho, suas terecenas e estaleiro.
A 22 de Maio, quatro meses depois de assente a vila, Pero Lopes partia para Portugal onde ' .
chegou no fim de Dezembro ou primeiros dias de Janeiro do ano seguinte, portador das cartas do
capitão-mor, que relatavam os sucessos da expedição. Já antes, Martim Afonso, acompanhado e guiado
por João Ramalho, empreendera a escalada da serra de Piranaciacaba, de visita aos campos de
Piratminga. La deve ter voltado, pelo menos uma vez, em Outubro (28); e só então, de regresso a
S. Vicente, haveria proibido que os colonos subissem ao planalto a tratar com os naturais: medida com
que procurava impedir as extorsões e as discórdias inevitáveis nas relações do europeu com o indígena ecom
que gaj-antia a João Ramalho o domínio sem partilha dos campos, desde a ourela da serra ao vale do Tiété.
Meses depois, já instruído do malogro da expedição de Pero Lobo e Francisco de Chaves
trucidados pelos Carijós de Curitiba (29) e aproveitando a autorização régia, Martim Afonso de Sousa
embarcava de volta a Portugal, deixando a vila de S. Vicente entregue ao govêrno do vigário Gonçalo
Monteiro, assistido por Pero de Góis e Rui Pinto.
Na carta de que tinha sido portador João de Sousa, e escrita antes de haver recebido
quaisquer notícias, posteriores às enviadas de Pernambuco, D. João III deixa perceber que o móbil
principal da missão confiada a Martim Afonso fôra a exploração do Rio da Prata e a fundação nas
suas margens da primeira tentativa regular de colonização portuguesa no Novo Mundo. O acaso de
uma tempestade (30) impedira o capitão-mór de conduzir até àquelas remotas paragens os seus navios
227
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
e colonos. Essa tormenta decidira dos limites do Brasil, obstara às prováveis lutas de competição que
suscitaria a transgressão por parte de Portugal, nesse momento, das estipulações de Tordesilhas.
Escolhendo o porto de S. Vicente para a fundação da primeira vila brasileira, Martim Afonso provavel-
mente fôra a isso aconselhado pela experimentada certeza de que ali depararia com o auxílio dos
europeus, e principalmente dos portugueses domiciliados, havia muitos anos, entre as tribus do litoral
e do planalto. Essa acertada resolução ia ter as mais fecundas conseqüências na constituição da vindoura
nacionalidade, i Ao afastar-se na náu que o transportava, jubiloso, à metrópole, contemplando pela última
vez as formosas praias e as montanhas da costa paulista, entreveria êle os destinos gloriosos daquela
pequena e rude vila fundada no ilhéu litorânio, e de onde promanaria a mais pujante vergôntea do
regímen das capitanias? O destino ia desviá-lo para êsse outro palco, mais atraente para um soldado
ambicioso, onde Portugal se exauria no afan titânico de subjugar a índia. A missão que desempenhara,
na qualidade de emissário da Coroa, não pode integrar-se com propriedade na história trágica das
Donatárias. Mais feliz do que os seus émulos, Martim Afonso de Sousa não teve de aparelhar à custa
da sua fazenda a armada colonizadora, nem de enfrentar a resistência armada do íncola belicoso.
O genro de Tibiriçá aplanara-lhe as maiores dificuldades, evitara-lhe os perigos que os outros donatários
tiveram de arrostar em luta acérrima com os naturais. A história da capitania de S. Vicente só principia
quando o rei outorga a doação.
ponugue365 da vila, de onde premeditava expulsá-los para readqüirir com os rudes companheiros a
liberdade sem peias a que se julgavam com direito e que constituía para êsses homens insubmissos o
motivo voluntário do seu divórcio com a civilização. Não é difícil evocá-los, hirsutos e semi-nus
barbarizados pelo con-
tacto com o gentio, vi-
vendo fora da lei, va-
gueando pela costa com
as suas concubinas e os
indios seus apaniguados.
Os colonos de S. Vi-
cente tinham vindo per-
turbá-los na sua indepen-
dência selvagem. Contra
J.
êles se inflamavam as
suas cóleras violentas e
se moviam os seus ferozes
tuLvS
planos de vingança.
Antes de embarcar
para Portugal, já Martim u
Afonso, na previsão de tare ti
y
perigos não remotos e
reconhecendo a conve- 3* Cqf)O-íTto
niência de infligir um 10 de
castigo exemplar aos
^ VtUaelc-íüio cia f)a
massacradores da expe- Folie te
dição de Pero Lobo, teria T SViceulí. ■iam
deixado instruções para ^Vílla Fü
K na OOil
que se fizesse guerra aos
d CS
Carijós de Iguassú e aos
Pozto -ydUk
caudilhos revoltosos, e se
SA
executassem obras de for-
tificação em S. Vicente e ítc
Itanhaen (3i). Co
Segundo os mais ^Vt detiolFeican!
Ja
antigos historiadores pau-
listas, teria sido na au- ÜM
sência de Pero de Góis
e Rui Pinto, então nos \0
Campos de Piratininga, 6^ <0
aonde haviam ido orga-
nizar com João Ramalho
a expedição punitiva
contra o gentio de Curi-
tiba, que os habitantes
de S. Vicente, exaltados-
pelos desafios insolentes S. Vicente, Santos e Santo Amaro
dos espanhóis e foragidos Do códice da Biblioteca da Ajuda, Roteiro de todos os sinais, conhecimentos, fundos,
baixos, alturas e derrotas que ha na costa do Brasil, etc. (fim do século XVI)
de Iguape, tinham concer-
tado atacá-los. Foram, porém, imprudentes os vicentinos na execução da emprêsa. Dispersos e perse-
(3I) <Ate então tinha elle descurado de tal medida, por ter estado em paz com os castelhanos e com os indios
As circunstancias actuaes, porem, obrigaram-no a levantar um baluarte de defesa no Porto das Náus, em frente ao porto dê
Tumparu artilhar a muralha natural da bocca da barra de S. Vicente, em frente à primitiva villa e ilha do Sol e quarnecer
com artilharia a barra do rio Itanhaen, instalando os canhões no outeiro de Nossa Senhora da Conceição sobre a Pedrd
Grande, na qual, do lado do sul, já estava erguida a tradiccional Ermida sob a mesma invocação*. B Caíixto Capitanias
Paulistas, a pag. 166. Veja-se, do mesmo autor, Villa de S. Vicente; As forlificações do porto de Santos e villa de Itanhaen
229
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
guidos pelos castelhanos e os seus índios frécheiros, caíram estes sôbre a desamparada S. Vicente,
saquearam as terecênas do porto, levaram o livro do Tombo (32) da vila, cometeram inauditas violências.
Sabedores do que se passara, não tardaram Pero de Góis e Rui Pinto a descer a serra com a gente
de Tibiriçá para castigarem a afronta e restabelecerem a segurança da colônia. Então, avisados a
tempo do perigo que corriam, os revoltosos apressaram-se a abandonar Iguape e desceram a costa até
Santa Catarina, de onde alguns prosseguiram até o Rio da Prata.
Outra é a versão transmitida por Ruy Diaz de Gusman na sua Argentina, e que o jesuíta
Charlevoix, tam contraditado por Frei Gaspar, reeditou na sua Historia do Paraguag. No combate
haveria participado Pero de Góis, que ficou ferido com uma arcabuzada. Depois do assalto e saque de
S. Vicente, os assaltantes de mótu próprio teriam desamparado a terra e, embarcados em dois navios,
se haveriam recolhido à ilha de Santa Catarina.
Que se abrira a luta entre os habitantes de S. Vicente e os rebeldes de Iguape, não sofre
dúvida, e êsse conflito foi o prólogo de um movimento mais generalizado de hostilidade das tribus
circunvizinhas, fomentado tanto pelos insurrectos castelhanos como pelos corsários franceses, que
a presença de Duarte Coelho em Pernambuco repelira daquelas paragens para o sul. Não obstante,
a vila resistia, devido à defesa natural da sua posição. Dispondo de alguma artilharia, ela representava
o mais forte reduto dos portugueses na América, antes que o donatário de Pernambuco, instalado em
Olinda, não ultimasse as obras defensivas da sua vila feudal e não submetesse ao seu império as tribus
dos arredores.
S. Vicente e Olinda, extrêmas atalaias do domínio português, haviam de ser as duas células
mater da nacionalidade, em sua primeira fase embrionária. O grande papel histórico desempenhado
pela capitania de S. Vicente em seu primeiro período consistiu em impedir que o domínio francês se
consolidasse nos territórios meridionais do Brasil. A posição dos franceses em Rio Frio e na
Guanabara teria adqüirido outra solidez se no sul não existisse aquele núcleo de povoamento, que
mantinha com o govêrno geral da Bahia o contacto necessário para a preservação dos elos da
unidade territorial. É assim que, mais tarde, por ocasião da reconquista do Rio de Janeiro, a
capitania de S. Vicente, já inçada de mamelucos, intervirá com socorros que muito contribuirão
para a vitória.
Decerto, os navios que de Portugal vinham anualmente ao Brasil, fariam a cabotagem desde
Pernambuco a S. Vicente, trazendo-lhe novos colonos, gados, panos e ferramentas, e transportando para
a metrópole as caixas de açúcar produzido nos canaviais florescentes da colônia. Afastado para a índia,
o donatário em pouco poderia valer à sua capitania brasileira; e foi talvez o sentimento da sua
impotência, e não só o desejo de agradar ao parente poderoso, que o levou a oferecer a donatária ao
conde da Castanheira. Martim Afonso não era rico e só mais tarde, com os ganhos do Oriente, refaria
a sua antiga abastança. Os auxílios que sua mulher, a espanhola D. Ana Pimentel, prestaria aos
colonos de S. Vicente, em quási nada podiam concorrer para a sua prosperidade. Achavam-se êles
reduzidos ao próprio esforço e iniciativa, beneficiando da circunstância de haver sido S. Vicente fundada
a expensas da coroa, que correra com tôdas as despezas da armada e da instalação—ao contrário do
que sucederia nas restantes capitanias, cuja colonização se fizera exclusivamente a expensas dos donatários.
(32) Varnhagen, Historia Geral do Brasil, vol. I, pág. 440 da l.a edição. Desconhecemos a existência do docu-
mento em que se baseia o historiador.
A bafa do Rio de Janeiro e a cidade de S. Sebastião
Do códice quinhentista da Biblioteca da Ajuda, Roteiro de todos os sinais, conhecimentos,
fundos, baixos, alturas, que ha na costa do Brasil.
> •. •;
* 4
■».- . .
,
O REGÍMEN FEUDAL DAS DONATÁRIAS
OS últimos meses de 1538, Gonçalo Monteiro, que concluíra o triénio da governança como
loco-tenente do donatário, foi substituído por Antônio de Oliveira, feitor do almoxarifado
real. A Antônio de Oliveira sucedeu no governo da capitania Cristóvam de Aguiar de
Altero, nomeado por provisão de 20 de Dezembro de 1542, e que não terminou o seu
triénio por haver sido substituído por Brás Cubas, nomeado pela provisão de 26 de
Novembro de 1544, e que desempenhou o cargo até 1549, ano da instituição do govêrno geral da Bahia (33).
E neste período, que vai desde o advento de Antônio de Oliveira até 1549, que a capitania
de S. Vicente se consolida, mercê da iniciativa dos seus povoadores, entre os quais avulta em primeiro
plano a figura prestigiosa do honrado e piedoso Brás Cubas; e mercê também do aparecimento na
scena histórica de um dos principais actores do violento drama da colonização quinhentista: o mameluco.
Privados em seus primeiros tempos de mulheres européias, os trezentos moradores de
S. Vicente foram forçados a seguir o exemplo de Ramalho e a procurar as uniões com a aborígene.
A próle mameluca propagou-se, e é a êsse exemplar mestiço, produto da união do português com a
india, que caberá a missão providencial e terrível de desbravar os sertões, de quebrar as resistências
do íncola, de preparar a transição entre a barbarie e a civilização. É nêle que se apoia o empreendi-
mento audaz dos colonizadores. É êle que, de um punhado de gente, fará uma população e lhe
transmitirá as capacidades de resistência ao meio físico, lhe anulará a nostalgia da pátria europeia, lhe
implantará uma alma brasileira. Todavia, o mameluco não pode considerar-se o autor, mas sim o
instrumento da colonização.
É com legítimo orgulho que os historiadores paulistas invocam a nobreza dos seus fundadores.
Antônio de Oliveira, Cristóvam de Aguiar de Altero e Brás Cubas eram gente de casta. Não há vestígio
da participação de degredados na obra gloriosa dos povoadores vicentinos; antes pelo contrário, e
desde a infância da pequena vila, êles são os inimigos dos aventureiros de Iguape e representam o
núcleo germinativo de uma sociedade organizada.
A qualidade dos companheiros de Martim Afonso de Sousa demonstra o cuidado que presidira
à organização da expedição. Com o futuro donatário de S. Vicente» viera para o Brasil Brás Cubas, que
Vamhagen diz ter servido anteriormente com Martim Afonso na índia, o que só pode atribuír-se a um
equívoco, pois o futuro governador não estivera no Oriente antes da sua efêmera missão na América.
Da existência anterior desta grande figura da história brasileira nada nos referem os arquivos.
Os seus biógrafos estão reduzidos a repetir Pedro Taques, que o faz natural da cidade do Pôrto'
A sua resolução de residir na colônia, que o capitão-mór da armada era mandado a fundar na América!
pode inferir-se do facto de ter vindo acompanhado de três irmãos: Antônio, Gonçalo e Catarina,'
segundo Taques. Frei Gaspar exclui, com razão. Catarina, pois não viajavam mulheres na armada, e
ajunta à relação da família o pai de Brás Cubas—que só anos depois embarcou para o Brasil a
juntar-se aos filhos í3^)—e o irmão Francisco Nunes Cubas.
Em 10 de Outubro de 1532, o futuro fundador da vila de Todos os Santos obtivera de
Martim Afonso, por carta de sesmaria, umas terras nos campos de Piratininga; e em 1536, da procu-
radoia do donatário, doação de novas terras nas margens do rio Jeribatiba, ou Jeribatuba: lugar inçado
de palmeira jerivá, hoje denominado Jurubatuba. Ficavam estas terras fronteiras ao local onde veio a
edificar-se a vila e cidade de Santos, abrangendo a doação a ilha Pequena—mais tarde de Brás Cubas
e hoje de Barnabé, que, à semelhança de S. Vicente, oferecia ao colonizador um abrigo defensável
contra os ataques dos Tamoios. Mediam as terras umas treze léguas de testada e passaram ulterior-
mente ao convento do Carmo por doação do seu primeiro proprietário. Nesta ilha Pequena, pelo menos
até 1543, residiu Brás Cubas em companhia do pai, João Francisco Cubas, que para o Brasil viera
«com fazenda e gasto*. Eis a família colonizadora modêlo.
Na sua ilha, com os seus parentes, Brás Cubas cultiva a cana do açúcar e prepara-se para a
grande missão que vai desempenhar. Supomos que êle seria, desde o princípio, um dos mais qualificados
residentes vicentistas e um dos iniciadores da grande propriedade rural. Os campos de Piratininga,
vedados ao trato dos moradores da marinha, e onde João Ramalho ciumentamente dominava, não
ofereciam à iniciativa realizadora de Brás Cubas as perspectivas de uma fácil prosperidade. Requereu
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(33) Brás Cubas foi nomeado pela 2.a vez em 1556, tendo governado no interregno, também pela 2.a vez,
Antônio de 34 Oliveira.
( J Na escritura do auto de posse, lavrada em Lisboa aos 10 de Agosto de 1540, se diz que João Pires Cubas
viera * havia tres annos >. Veja-se no vol. IV da Revista do Instituto Histórico de S. Paulo.
231
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
e obteve terras no litoral, de onde poderia exportar para o reino o açúcar dos seus canaviais. Não
tardou que circunstâncias, de certo imprevistas, viessem preparar-lhe as condições em que se revelaria
a sua acção empreendedora.
A invasão, pelas águas do mar, da praia onde Martim Afonso assentara a vila de S. Vicente,
originando a sua transferência, veio a influir na posterior fundação de Santos. Uma forte ressaca^
freqüente nos litorais do sul, derruíra as casas do Conselho e o Pelourinho. O ancoradouro de Tumiarú
assoriou-se. Os habitantes viram-se obrigados a transferir residência para o local onde, ainda hoje, se
eleva a actual e quási quatro vezes centenária S. Vicente. Por alguns documentos coevos se sabe que
os camaristas tiveram de reünir-se, em 1542, nas igrejas de Nossa Senhora da Praia e de Santo Antônio,
por ter o mar levado as casas do Conselho. Também a igreja Matriz fôra abatida pelas ondas, tendo
sido preciso arrancar do mar os sinos da tôrre e deliberando a vereação, em 1545, construir uma nova
matriz, para cuja edificação concorreram os paroquianos.
Assoreada a entrada do canal para o pôrto de Tumiarú, pensou-se em deslocar o fundeadouro
para as imediações da hoje barra grande de Santos, do lado oposto à do norte, ou da Bertioga, situada
entre o continente e a ilha de Guaimbé ou Guaibe, hoje de Santo Amaro. Coube a Brás Cubas'realizar
êsse pensamento, cujas conseqüências econômicas e políticas não demoraram a aparecer. Comprara êle
a Pascoal Fernandes e Domingos Pires as terras de sesmaria de que eram possuidores junto do outeiro
de Santa Catarina, na face norte da ilha de S. Vicente; e na baía a que os indígenas chamavam Inguáguassú
fundou um pequeno povoado com o nome de Pôrto da vila de S. Vicente. Ali instituiu um hospital, sob a
invocação de Todos os Santos como o de Lisboa, junto a uma igreja, dedicada a Nossa Senhora da Misericórdia.
A povoação de Brás Cubas prosperou ràpidamente. Nomeado em fins de 1544 loco-tenente
do donatário, logo aos 19 de ]aneiro de 1545 o fundador lhe dava foral de vila. Os navegantes não
tardaram a abandonar o primitivo surgidouro de Martim Afonso, e S. Vicente, cerceada na sua actividade
marítima e comercial, entrou a declinar de vez, conquanto permanecesse cabeça da capitania. Em 1543, a câmara
de S. Vicente nomeava Pedro Martins Namorado juiz pedâneo de Santos, a requerimento dos seus habitantes.
D. Ana Pimentel revogava, no ano seguinte, certamente por indicação, senão a instâncias
de Brás Cubas, a ordem que vedava o acesso do sertão aos europeus. Com essa revogação ia
inaugurar-se o movimento de penetração. A colônia litorânea já se sentia forte para afrontar os riscos
da conquista. Aberto o caminho do interior aos habitantes de S. Vicente, de Santos, de Itanhaen e de
Santo Amaro, era inevitável que romperia o conflito entre o civilizado e o indígena, retardado pela
medida prudente de Martim Afonso. Mas a obra de colonização não podia ficar limitada ao litoral,
enclausurada nas ilhas, impedida da sua natural expansão. Era no planalto que melhor se poderia
desenvolver a cultura dos cereaes e a criação do gado. Por sua vez, a lavoura carecia de braços, e
eram as tribus indígenas que teriam de fornecer-lhos. Os vicentinos, a comêço timoratos, receiosos dos
perigos da terra desconhecida, davam por terminada a fase vegetativa da colônia. ]á alguns milhares
de indws mansos trabalhavam nas roças dos brancos. ]á o mameluco intervinha na obra ingente que
se elaborava. ]á o Tamoio, o Carijó e o Tupiniquim não infundiam o mesmo terror antigo. }á o instinto
da propriedade vinculara os exilados à nova terra, compelindo-os à sua defesa. A colonização portu-
guesa assumia o carácter militar das colonizações romanas. Ia dar-se, afinal, o embate entre o invasor
e o autoctóne, e que desde as Antilhas ao rio da Prata transformara sucessivamente em campos de
batalha os litorais da América. Os hábitos canibalescos da quási totalidade das tribus indígenas e a
rebeldia do nômada em submeter-se, agravariam cruelmente as condições em que se desenvolveria o
conflito. Brás Cubas, fundador de igrejas, hospitais e cidades, lavrador e magistrado, era também
soldado. Das guerras sustentadas com os naturais, anteriormente a 1549, dizem os alvarás dirigidos
a Tomé de Sousa em 25 de Junho e 4 de Dezembro de 1551. Pediam, no primeiro, os oficiais e
moradores da capitania de S. Vicente, que lhes fôsse dada quitação da soma de 1.800 cruzados da
fazenda real, dispendida no sustento da guerra; manda o.segundo verificar se, como alegava, gastara
Brás Cubas duzentos mil reis da sua fazenda nas guerras com os índios, sendo capitão e ouvidor com
alçada em 1546: guerras para as quais se armaram navios e haviam feito os moradores da capitania
grossas despezas, tendo já antes Brás Cubas, com outros santistas, expulsado do seu pôrto os dois
galeões inglêses comandados por Edward Fenton (35). Tantas lutas deveriam ter enfraquecido a resistência
(35) Varnhagen duvidava da veracidade da provisão de 25 de Junho de 1551, citada por Frei Gasoar Historia
Geral, pag. 255, nota 1, da 2.a edição. Porem, no Instituto Histórico do Rio de Janeiro existem as cópias dos dois alvarás.
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e obteve terras no litoral, de onde poderia exportar para o reino o açúcar dos seus canaviais. Não
tardou que circunstâncias, de certo imprevistas, viessem preparar-lhe as condições em que se revelaria
a sua acção empreendedora. :
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232
O REGÍMEN FEUDAL DAS DONATÁRIAS
dos colonos, abandonados aos seus próprios e minguados recursos. À situação crítica em que se
encontrava a capitania, cujos moradores se tinham visto compelidos a defender-se à mão armada contra
as assolaçoes dos índios, refere-se com veemência a carta de Luís de Góis, irmão do donatário Pero de
Gois, dirigida de Santos, aos 12 de Maio de 1548, a D. João III.
Éste Luís de Góis, irmão primogênito do donatário da Parahyba do Sul, ficara em S. Vicente
administrando as propriedades do irmão, depois da ida dêste para Portugal. Segundo Frei Gaspar Pero
de Gois cultivara as terras fronteiras a Inguáguassú, que Martim Afonso lhe concedera de sesmaria
e nelas fora dos primeiros a fundar um engenho de açúcar, conhecido por engenho da Madre de Deus'
nome derivado da ermida ou capela que Pero de Góis fizera construir na sua fazenda.
Por êste documento epistolar se sabe que a população branca e mameluca orçava então por
seiscentas almas, alem de tres mil escravos. Na sua carta, Luís de Góis exortava o rei a socorrer
a colonia ameaçada: «se Vossa Alteza não soccorre a estas capitanias e costas do Brasil, ainda pue nós
percamos a vida e fazendas, Vossa Alteza perderá a terra ...»
Mas a terra, ja alagada de sangue, não seria perdida. Já nada poderia impedir o germinar
da semente, regada de suor e dè lágrimas.
233
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
em companhia de Tomé de Sousa. No mês de Março de 1535, na armada de Antônio de Saldanha, segue
à tomada de Tunis, empreendida por Carlos V. Em Outubro dêsse mesmo ano já estava de regresso
em Lisboa. Para a armada guarda-costas foi nomeado em Agosto de 1536. A 24 de Março de ^1539
partia para a índia como capitão-mór de uma armada de seis velas. Ao regressar do Oriente, supõe-se
ter naufragado nas alturas da ilha de S. Lourenço, nesse mesmo ano ou no seguinte.^ ^
Da vida curta e acidentada de Pero Lopes, das façanhas que o imortalizaram, da própria
natureza das missões de que o investiram e do modo como as desempenhou, infere-se que era um
navegador perito e um soldado valoroso e violento. Comprazia-se na guerra e nos perigos. Quando se
lhe oferece ensejo de combater, precipita-se. A crueldade romana—e talvez necessária de que deu
mostras em Pernambuco, tem novo assomo na índia. Aliás, sem êsses homens de bronze não teria
podido Portugal cumprir a missão portentosa que se avocara. Êles foram os intemeratos devassadores
dos oceanos e os terríveis conquistadores dos povos. Com os gumes das suas espadas e as quilhas
dos seus navios arrotearam os domínios imensos da pequena Roma quinhentista. A sua nobre progenitura,
o seu parentesco com o valido do rei, a fama da sua valentia, confirmada pelas acções que obrou na
América, eis outros tantos motivos que lhe valeram os prêmios das capitanias brasileiras. Contudo,
e embora aquinhoado com oitenta léguas de costa, Pero Lopes era dos donatários menos favorecidos
na partilha do Brasil. A própria circunstância de ser o seu domínio repartido em três quinhões isolados
agravava singularmente as dificuldades e despezas com a sua colonização, pois tornava necessária a
fundação de três sédes de govêmo. .
Sem outra fortuna que não a da nobreza e a dos louros de guerreiro, o donatano
pouco mais poderia ter feito do que concertar com o irmão mais velho algumas medidas que aprovei-
tariam às suas capitanias paulistas, como o contrato de sociedade, mencionado por Frei Gaspar, para
a construção de engenhos de açúcar, celebrado em Lisboa com um João Veniste, Francisco Lobo e o
piloto Vicente Gonçalves, aos quais os donatários se obrigavam a conceder as terras necessárias. Mas
logo Martim Afonso parte para a índia e Pero Lopes para a guerra de Tunis.
Dos dois quinhões da capitania meridional, o que se prolongava da barra de Paranagua ao
sul da Laguna, por mais remoto, dispendioso e difícil de colonizar, foi abandonado; e o pequeno
quinhão de dez léguas, intercalado na capitania de S. Vicente, beneficiou parasitàriamente das iniciativas
dos colonos vicentistas. Para que a capitania de Santo Amaro pudesse ter séde própria, foi necessário
que o loco-tenente da viúva de Pero Lopes considerasse a ilha de Guiambé como incluída na sua
donatária. Sem esta usurpação, a capitania de Santo Amaro, neste período, não teria história.
Para que a usurpação se tornasse possível concorreram vários factores, a começar pelo
desinterêsse que Martim Afonso de Sousa—porventura desejoso de não abrir um conflito com a sua
infeliz cunhada,— demonstrou pela reivindicação dos limites da capitania onde ela confrontava com
a de seu defunto irmão. A redacção ambígua da carta de doação de Pero Lopes deu ensejo a que se
consumasse a espoliação. A referida carta traçava a divisa das donatárias «pe/o rio de S. Vicente
da banda do norte-», mas já a de Martim Afonso era mais explícita: «Será pelo rio de S. Vicente, braço
da banda do norte». Sabendo-se que o lagamar de S. Vicente desagúa no oceano por três braços ou barras,
êsse «braço da banda do norte» não podia deixar de ser a barra da Bertioga, situada entre a terra firme
e a ilha de Guaimbé ou Guaibe, que ficara inclusa na jurisdição da capitania de S. Vicente. E tanto se
entendeu assim, que os propostos ou loco-tenentes de Martim Afonso nela concediam terras de sesmaria.
Entre os moradores da ilha de Guaimbé, um havia, Gonçalo Afonso, ouvidor da capitania de
D. Isabel de Gamboa (38). Parece ter sido êste Gonçalo Afonso quem se lembrou de anexar a ilha à donatária
de Pero Lopes, propondo que a divisa passasse a ser pela barra Grande de Santos e já não pela da Bertioga.
O longo pleito a que futuramente deu causa essa invasão de jurisdição foi minuciosamente
narrado por Frei Gaspar e Pedro Taques, e recentemente recomposto e esclarecido por um historiador
paulista (39). Dêle não temos, por agora, que nos ocupar, pois a questão litigiosa só se declarou muito
mais tarde. Por enquanto, ela não assumiu qualquer importância perturbadora. Na dependência da
capitania de S. Vicente ou da capitania do filho primogênito de,Pero Lopes (falecido em 1547), a ilha
(38) '...D. Izabel de Gamboa, no fim deste anno (1542) constituiu Capitão Loco-Tenente das 50 léguas (os dois
quinhões meridionais) a Christovam de Aguiar de Altero, e Ouvidor a Antonio Gonçalo Affonso, como tutora que era de seu
filho Pero Lopes de Sousa. Este menino succedeu a seu pae e foi o segundo donatário. Morrendo com pouca edade, pa s
a Capitania a3 seu irmão Martim Affonso, que teve também como tutora sua mãe D. Izabel de Gamboa». rr. üaspar, op. ci.
( ') Benedicto Calixto, Capitanias Paulistas; 1924.
234
O REGÍMEN FEUDAL DAS DONATÁRIAS
de Santo Amaro está íntima e indissolüvelmente ligada à obra dos colonos vicentistas. Foram alguns
deles que a povoaram, e, talvez por lograrem maior liberdade, a desanexaram da dependência das
autoridades da vila, fundada por Martim Afonso de Sousa. Na ilha, ou se achavam estabelecidos, ou
possuíam ferras, além de Gonçalo Afonso, ]orge Ferreira, casado com uma das filhas mamelucas de
João Ramalho, Cristóvam Monteiro, José Adorno, todos mais ou menos aparentados, e alguns dos filhos
da prole numerosa do capitão de Santo André da Borda do Campo, genro de Tibiriçá.
Santo Amaro só desempenha um papel saliente, conquanto fugaz, nos pródromos da coloni-
zação do Brasil enquanto está integrada no movimento de projecção colonizadora oriundo de S. Vicente.
As duas capitanias eram governadas indistintamente em comum, pelos mesmos próceres (^o) Quando a
vila de Santos entra a preponderar, logo fenece a efêmera vila de Santo Amaro, cujos moradores,
expostos às incursões dos Tamoios, a desampararam depressa, transferindo-se para a povoação flores-
cente de Brás Cubas ou para S. Vicente. O instinto da defesa fôra mais forte que o da independência.
Santos era agora a célula activa, o acampamento militar, o pôrto de comércio e o baluarte daquele
núcleo isolado que tanto ia contribuir para a formação da nacionalidade.
jE, porém, a capitania de Santo Amaro não passava de um episódio da colônia vicentina
e se as terras ao sul de Paranaguá, de onde nada havia a esperar dados os insuficientes
recursos do donatário para explorá-las, jaziam abandonadas, outro tanto não acontecia
com Itamaracá, situada na zona do pau-brasil e muito mais próxima da metrópole, a vinte
dias de navegação do arqüipélago de Cabo Verde.
Não faltariam armadores que se propusessem a ir carregar naquelas regiões ferazes o pau
de tinturaria, e Pero Lopes conhecia o homem idôneo para empreender em excepcionais condições de
êxito a exploração, senão a colonização dessa secção norte dos seus domínios brasileiros. Êsse homem
dedicado, destemido e honrado era João Gonçalves, o seu braço direito na luta travada com os franceses
da costa pernambucana,-mas a quem só depois da morte de Pero Lopes a viúva inconsolável entregou
o govêrno da donatária anarquizada. Depois de vencer os franceses de La Motte e de tomar-lhes a
fortaleza, Pero Lopes confiara a um Francisco Braga, residente na feitoria de Igaraçú a guarda do
baluarte rendido e o comando da guarnição. Colônia propriamente dita era cousa que ao tempo não
existia em Itamaracá, nem mesmo em Igaraçú, onde a feitoria fundada por Cristóvam Jacques à margem
do rio do mesmo nome (mais tarde divisa da capitania de Pernambuco), pouco mais seria do
que um pôsfo de resgate e de concentração, rudimentarmente defendido contra as assolações perió-
dicas dos franceses.
Pelo que se depreende das referências de Gabriel Soares e Frei Salvador, Francisco Braga
atraiu para o fortim de Itamaracá, confiado por Pero Lopes à sua guarda, alguns dos seus companheiros
na feitoria, e foi êsse pequeno núcleo que Duarte Coelho encontrou domiciliado na ilha, em boas
relações com os íncolas, quando a sua armada surgiu na foz do Igaraçú, no sítio que veio a chamar-se
o pôrto dos Marcos, por se plantarem ali os das divisas das duas capitanias limítrofes. Possivelmente
... . . (4°) Segundo Frei Gaspar, Gonçalo Afonso feria vindo para S. Vicente, em 1532, com João de Sousa na
qualidade de bombardeiro o que parece pouco crivei, atendendo aos cargos que em breve ia desempenhar Cristóvam Aouiar
de Altero, 3.° capitao de S. Vicente (1542), teria acompanhado Martim Afonso na sua armada. Gonçalo Afonso recebera terras
de sestnana na ilha de Guaimbe e na terra firme fronteira. Para pugnar pelos interêsses que ali tinha fôra em 1542 a Por
tugal, onde então se achava Aguiar de Altero. Em Lisboa obteve Gonçalo Afonso de D. Isabel de Qambôa qu^ o nomeasse
ouvidor da capitania, aconselhando-a a nomear como loco-tenente a Aguiar de Altero, já investido nas mesmas funrôes em
S. Vicente por D. Ana Pimentel, mulher e procuradora de Martim Afonso. • mesmas runçoes em
235
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
antes da sua ida para o Oriente, Duarte Coelho já navegara por aquelas paragens em companhia de
Gonçalo Coelho, seu pai, pelo que informa o códice genealógico da Biblioteca Nacional de Lisboa que
serviu #à identificação do donatário de Pernambuco (41)- O ter demandado Duarte Coelho a foz do
Igaraçú para estabelecer nas suas imediações a séde da capitania mostra que a antiga feitoria era
considerada local vantajoso para a fundação de uma vila e que ofereceria garantias de ocupação
pacífica, resultantes do demorado convívio dos portugueses com os aborígenes. Certo é que,, subindo o
rio com a sua família, os seus colonos e soldados, Duarte Coelho instalou-se no próprio local ou
imediações da feitoria, onde ainda hoje existe a mais antiga vila de Pernambuco —a S. Vicente pernam-
bucana—e ali erigiu uma capela a S. Cosme e S. Damião, que se festejam a 27 de Setembro. Dos
oragos da capela tomou o nome a vila. i Celebra a data, como alguns pretendem, qualquer vitória sobre
os indígenas revoltados, ou mais simplesmente a conclusão da capela, inaugurada para o culto nesse
dia? Não sobreviveu documento que possa resolver esta dúvida.
No fim do século XVI, segundo o Roteiro Geral, a vila de Cosmos (abreviatura dos Santos
Cosme e Damião), contava cêrca de duzentas almas e três engenhos de açúcar.
A escolha da feitoria de Igaraçú para cabeça da donatária, na divisa da capitania de Pero
Lopes, só pode explicar-se pela intenção de aproveitar as edificações já existentes e por estar já
acostumado o gentio daquela costa, abundante em brasil, ao trato de resgate com os europeus. Não
tardou, porém, a estalar o conflito entre o donatário de Pernambuco, tam cioso da sua autoridade
e prerogativas, e os habitantes de Itamaracá, comandados por Francisco Braga.
Transmite-nos na sua Historia Frei Vicente do Salvador—por informes que Capistrano supõe
colhidos em quaisquer relações escritas, senão em depoimentos orais de homens antigos,—notícia dessa
discórdia entre Igaraçú e Itamaracá. Afrontado pela atitude do vizinho insubmisso, Duarte Coelho
mandara, à moda feudal, marcá-lo com uma cutilada no rosto. Assim humilhado e reconhecendo a
impossibilidade de resistir a um homem da gerarquia do donatário de Pernambuco, Francisco Draga
abandonou Itamaracá e embarcou com alguns dos companheiros para as colônias espanholas. Tanto
pela deserção do pôsto como pela gravidade da ofensa que recebeu de Duarte Coelho, se pode inferir
que a Francisco Draga não haviam sido atribuídos poderes de loco-tenência para o govêrno da
capitania de Itamaracá.
De volta a Portugal, todo entregue à sua irresistível vocação de soldado, mais anelante
de louros e honras que de lucros, e sem fortuna para empreender a dispendiosa colonização das suas
capitanias americanas, provàvelmente se limitou Pero Lopes a concertar com o irmão primogênito
algumas medidas relativas ao quinhão encravado na donatária meridional de Martim Afonso. Reserva-
va-se, talvez, para mais tarde, quando regressasse da índia, atender aos seus domínios brasileiros.
Por ora, recém-casado, reparte entre os prazeres do amor e os da guerra a exuberância da sua mocidade.
Deixando Duarte Coelho a sua vila de S. Cosme de Igaraçú e tendo transladado para a
colina de Marim a séde da capitania de Pernambuco, Itamaracá viu-se livre da sua severa vigilância.
Os companheiros de Francisco Bra^a, que haviam preferido permanecer na ilha a arriscarem-se em
companhia de seu chefe desprestigiado a uma longa e perigosa viagem, não tardaram em converter o
agreste reduto num asilo de contrabandistas, aonde se recolhiam quantos de Olinda fugiam às punições
do austero donatário. Epi carta de 20 de Dezembro de 1546, Duarte Coelho queixa-se que de Itamaracá
se haviam despachado para os portos da Europa seis navios carregados de pau brasil.
Foi só depois da' presumida morte de Pero Lopes em regresso da índia, que D. Isabel de
Gamboa, sua viúva, filha do rico feitor da Casa da índia e em Flandres, Tomé Lopes Caiado, deliberou
confiar à energia e à honradez de ]oão Gonçalves o govêrno da capitania anárquica de Itamaracá.
O antigo companheiro de Pero Lopes partiu com quatro navios, que provàvelmente não eram
armados só à custa de D. Isabel, mas de sociedade com comerciantes interessados no negócio do pau brasil.
Sobrevindo uma tempestade que tresmalhou a esquadrilha, o navio em que viajava João
Gonçalves, acossado pelos ventos, foi dar à costa na ilha de S. Domingos. Os outros três, comandados
por Pedro Vogado, chegaram ao ponto do destino, e de Itamaracá regressaram a Portugal com carrega-
mento de pau brasil. Ficou, porém, Pedro Vogado na ilha, de que assumiu o govêrno na ausência
do loco-tenente.
(41) Veja-se a pág. 194, no cap. V do presente Volume e as págs. 300 a 308 do capítulo X do Vol. II, dedicado
à expedição de 1503.
236
O REGÍMEN FEUDAL DAS DONATÁRIAS
Tctid0 notícia, pelos três navios regressados, do desaparecimento de João Gonçalves, a viúva
do donatário apressóu-se a substituí-lo por «um capitão que mais era para governar uma barca», no
dizer pitoresco de Frei Salvador, e que pouco depois se retirou para o reino, deixando a terra
desamparada.
^ ^ Depreende-se, todavia, das breves notícias que nos chegaram dêsses tempos nebulosos da
infancia da colonização, que, insulada entre os mangues de Itamaracá, uma população portuguesa
resistia e se desenvolvia, porventura acrescida de alguns colonos, deixados na terra pelos três navios
de Pedro Vogado. E assim que, quando o gentio ameaça Igaraçú (1548?), o socorro que os colonos
de Itamaracá prestaram aos sitiados da vila dos Santos Cosmes valeu-lhes a animosidade dos naturais,
que até aí viviam com êles em boa paz.
_ ^■n^re 0:3 habitantes de Itamaracá um havia, Miguel Álvares de Paiva, que se distingüira na
dedicação aos portugueses sitiados, abastecendo-os de mantimentos e estorvando a passagem do
inimigo, e a cuja obstinada coragem Frei Vicente atribui o não ferem os colonos abandonado a ilha.
Esta, finalmente, entraria num período de prosperidade e de temporária disciplina (42) com a chegada
de João Gonçalves, fundador da vila da Conceição de Itamaracá, cabeça da donatária, e a quem os
íncolas chamavam «o capitão velho».
. ^ presença de. um homem prestigioso, munido dos poderes da autoridade e sabendo usar
de.a,^ ia salvar do iminente aniqüilamento a capitania de Itamaracá. Esta nova fase está já, porém
incluída no período do^ Govêrno Geral, cuja influência não tardou a fazer-se sentir em todas as
capitanias que ainda então possuíam elementos vitais de resistência.
(42) An s de ois a
J Albuquerque
de A.u a 2. P .III. capitania
D João do mês dede Itamaracá
Agosto devolveu
1555: à<...
anarquia
e combanterior,
Luiz decomo
Se/xasse ^
depreende da cZüão
s/r^a rfe rarta HanaTarHnim,,
Uha dl
Tamaraqua, era levantado com dividas, deixando a dita Capitania desamparada em tempo de guerra e levando comsioo um
Bartolomeu Roíz, homisiado por morte de um homem, e pessoa muito prejudicial ao povo e assim outros decnadados e
homisiados, aos quaes por suas obras se deve dar pouco credito, antes pena e castigo...» gradados e
237
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
antes da sua ida para o Oriente, Duarte Coelho já navegara por aquelas paragens em companhia de
Gonçalo Coelho, seu pai, pelo que informa o códice genealógico da Biblioteca Nacional de Lisboa que
serviu *à identificação do donatário de Pernambuco (41)- O ter demandado Duarte Coelho a foz do
Igaraçú para estabelecer nas suas imediações a séde da capitania mostra que a antiga feitoria era
considerada local vantajoso para a fundação de uma vila e que ofereceria garantias de ocupação
pacífica, resultantes do demorado convívio dos portugueses com os aborígenes. Certo é que, subindo o
rio com a sua família, os seus colonos e soldados, Duarte Coelho instalou-se no próprio local ou
imediações da feitoria, onde ainda hoje existe a mais antiga vila de Pernambuco —a S. Vicente pernam-
bucana,—e ali erigiu uma capela a S. Cosme e S. Damião, que se festejam a 27 de Setembro. Dos
oragos da capela tomou o nome a vila. i Celebra a data, como alguns pretendem, qualquer vitória sobre
os indígenas revoltados, ou mais simplesmente a conclusão da capela, inaugurada para o culto nesse
dia? Não sobreviveu documento que possa resolver esta dúvida.
No fim do século XVI, segundo o Roteiro Geral, a vila de Cosmos (abreviatura dos Santos
Cosme e Damião), contava cêrca de duzentas almas e três engenhos de açúcar.
A escolha da feitoria de Igaraçú para cabeça da donatária, na divisa da capitania de Pero
Lopes, só pode explicar-se pela intenção de aproveitar as edificações já existentes e por estar já
acostumado o gentio daquela costa, abundante em brasil, ao trato de resgate com os europeus. Não
tardou, porém, a estalar o conflito entre o donatário de Pernambuco, tam cioso da sua autoridade
e prerogativas, e os habitantes de Itamaracá, comandados por Francisco Braga.
Transmite-nos na sua Historia Frei Vicente do Salvador—por informes que Capistrano supõe
colhidos em quaisquer relações escritas, senão em depoimentos orais de homens antigos,—notícia dessa
discórdia entre Igaraçú e Itamaracá. Afrontado pela atitude do vizinho insubmisso, Duarte Coelho
mandara, à moda feudal, marcá-lo com uma cutilada no rosto. Assim humilhado e reconhecendo a
impossibilidade de resistir a um homem da gerarquia do donatário de Pernambuco, Francisco Draga
abandonou Itamaracá e embarcou com alguns dos companheiros para as colônias espanholas. Tanto
pela deserção do pôsto como pela gravidade da ofensa que recebeu de Duarte Coelho, se pode inferir
que a Francisco Draga não haviam sido atribuídos poderes de loco-tenência para o governo da
capitania de Itamaracá.
De volta a Portugal, todo entregue à sua irresistível vocação de soldado, mais anelante
de louros e honras que de lucros, e sem fortuna para empreender a dispendiosa colonização das suas
capitanias americanas, provavelmente se limitou Pero Lopes a concertar com o irmão primogênito
algumas medidas relativas ao quinhão encravado na donatária meridional de Martim Afonso. Reserva-
va-se, talvez, para mais tarde, quando regressasse da índia, atender aos seus domínios brasileiros.
Por ora, recém-casado, reparte entre os prazeres do amor e os da guerra a exuberância da sua mocidade.
Deixando Duarte Coelho a sua vila de S. Cosme de Igaraçú e tendo transladado para a
colina de Marim a séde da capitania de Pernambuco, Itamaracá viu-se livre da sua severa vigilância.
Os companheiros de Francisco Bra^a, que haviam preferido permanecer na ilha a arriscarem-se em
companhia de seu chefe desprestigiado a uma longa e perigosa viagem, não tardaram em converter o
agreste reduto num asilo de contrabandistas, aonde se recolhiam quantos de Olinda fugiam às punições
do austero donatário. Eiji carta de 20 de Dezembro de 1546, Duarte Coelho queixa-se que de Itamaracá
se haviam despachado para os portos da Europa seis navios carregados de pau brasil.
Foi só depois da' presumida morte de Pero Lopes em regresso da índia, que D. Isabel de
Gamboa, sua viúva, filha do rico feitor da Casa da índia e em Flandres, Tomé Lopes Caiado, deliberou
confiar à energia e à honradez de ]oão Gonçalves o govêrno da capitania anárquica de Itamaracá.
O antigo companheiro de Pero Lopes partiu com quatro navios, que provàvelmente não eram
armados só à custa de D. Isabel, mas de sociedade com comerciantes interessados no negócio do pau brasil.
Sobrevindo uma tempestade que tresmalhou a esquadrilha, o navio em que viajava João
Gonçalves, acossado pelos ventos, foi dar à costa na ilha de S. Domingos. Os outros três, comandados
por Pedro Vogado, chegaram ao ponto do destino, e de Itamaracá regressaram a Portugal com carrega-
mento de pau brasil. Ficou, porém, Pedro Vogado na ilha, de que assumiu o govêrno na ausência
do loco-tenente.
(<i) Veja-se a pág. 194, no cap. V do presente Volume e as págs. 300 a 308 do capítulo X do Vol. II, dedicado
à expedição de 1503.
236
O REGÍMEN FEUDAL DAS DONATÁRIAS
Tendo notícia, pelos três navios regressados, do desaparecimento de João Gonçalves, a viúva
do donatário apressóu-se a substituí-lo por «u/n capitão que mais era para governar uma barca-», no
dizer pitoresco de Frei Salvador, e que pouco depois se retirou para o reino, deixando a terra
desamparada.
. , . Depreende-se, todavia, das breves notícias que nos chegaram dêsses tempos nebulosos da
infância da colonização, que, insulada entre os mangues de Itamaracá, uma população portuguesa
resistia e se desenvolvia, porventura acrescida de alguns colonos, deixados na terra pelos três navios
de Pedro Vogado. E assim que, quando o gentio ameaça Igaraçú (1548?), o socorro que os colonos
de Itamaracá prestaram aos sitiados da vila dos Santos Cosmes valeu-lhes a animosidade dos naturais,,
que até aí viviam com êles em boa paz.
Entre os habitantes de Itamaracá um havia, Miguel Álvares de Paiva, que se distingüira na
dedicação aos portugueses sitiados, abastecendo-os de mantimentos e estorvando a passagem do
inimigo, e a cuja obstinada coragém Frei Vicente atribui o não terem os colonos abandonado a ilha.
Esta, finalmente, entraria num período de prosperidade e de temporária disciplina (42) com a chegada
de João Gonçalves, fundador da vila da Conceição de Itamaracá, cabeça da donatária, e a quém os
íncolas chamavam «o capitão velho».
A presença de. um homem prestigioso, munido dos poderes da autoridade e sabendo usar
dela,^ ia salvar do iminente aniqüilamento a capitania de Itamaracá. Esta nova fase está já, porém
incluída no período do Govêrno Geral, cuja influência não tardou a fazer-se sentir em todas as
capitanias que ainda então possuíam elementos vitais de resistência.
( ) An s
^ Albuquerque
de A,u a °D. depois, a capitania
João III, do mes dede Itamaraca
Agosto devolveu
1555: àc..,
anarquia anterior, como se depreende da carta de lerómmn
e como Luiz de Seixas, que servia de capitão na ühJ de
Tamaraqua, era levantado com dividas, deixando a dita Capitania desamparada em tempo de guerra e levando comsioo um
Bartolomeu Roxz, homisxado por morte de um homem, e pessoa muito prejudicial ao povo e assim outros deoradados e
homisiados, aos quaes por suas obras se deve dar pouco credito, antes pena e castigo...» ,
237
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
(i3) ...'Porque Pero de Goes e Luiz de Goes, que ora por aqui passam, as mais novas de mim e da terra
darão a V. A., não me alargo mais nesta, e deites pode l/. A. saber das cousas de cá ...» Carta de 27 de Abril de 1542,
de Duarte Coelho a D. ]oão 111.
(44) Veja-se Apontamentos para a historia da capitania de S. Tomé, por Augusto de Carvalho. O autor repete
e desenvolve 45a argumentação de Aires do Casal, na Corografia brasilica.
( ; Gabriel Soares de Sousa (Roteiro Geral) e Frei Vicente do Salvador (Historia), seguidos pela maioria
dos historiadores.
(46) Se êle vinha de S. Vicente, aonde fôra para trazer em sua companhia o irmão e mais colonos, é natural
que tenha surgido na foz do Parahyba, primeiro pôrto que se lhe apresentava em condições favoráveis a desembarque. L Para
que prosseguir cinco léguas para o N. até à enseada do Retiro?
238
I
O REGÍMEN FEUDAL DAS DONATÁRIAS
e fabricação To
CalT T
Campos. b d0 en9enh0
Varnhagen,
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a quem faltaram ' 0 decisivos que
documentos TnülnHsT dT To rflTnl
lhe consentissem STôfde
segurança o local da vila da Rainha, limita-se a dizer que, -a/dm & dL TTTT J?.9T COm
fez perto da costa (na foz do Parahyba). se deliberou a
acma. onde havia bastante ferida de aSua. um grande engenAo./Oabriel Soares diz apenas quê Se
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•no rio chamado "a "n fZ formco
da Parapba se fortificou
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e fez"--uma povoação...,
mesma versão de Frei
Aires Vicente
do Casal, doescreve
que Salvador,
no
principio do século XIX, duvida que Pero de Qóis se lenha instalado na margem do Parahyba e
baseado em frágeis mdicos (o achado de duas mós de pedra, vagos vestígios de edificações antas e
a pennanencia de uma trad.çao remota) supõe que o donatário se tenha estabelecido cinco iéqufs aê
norte do Parahyba, na enseada-do Retiro: .junto i extremidade de uma bahia no
do Cabapuana,. No entanto, pela caria de Pero de Géis a Martim Ferreira, seu sócio (1545) não node
concluir-se que a povoação ficasse .mui perto da praia do mar., a cinco léguas ao N. do rio Parahyba
O donatano diz que, depois de vir ao rio Parahyba, onde desembarcara a carga que trazia'
determinou explorar o rio (.as agoas g nesta terra onde fico havia.), e que nesta exploraçãê andara
per o de dois meses por ser a terra inçada de arvoredo e os índios pouco práticos no que nelas
pretendia; e foi-se então .a fonte limpa e onde está cousa certa, ainda q pera o presente seja um pouco
longe, pois pode haver por terra sete ou oito léguas e por agoa dez*.
239
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Entendemos que a primitiva povoação era, de facto, na foz do Parahyba — o que não obsta a
que existisse qualquer pequeno núcleo de colonos ou uma feitoria cinco léguas ao N., na enseada do
Retiro, último ponto onde Pero de Góis se haveria porventura de entrincheirar e resistir antes de
retirar-se para a capitania do Espírito Santo,— e que no interior, a dez léguas pelo rio, houvesse
instalado o engenho, contíguo às plantações.
Quando, em 12 de Agosto de 1545, Pero de Góis escreve a Martim Ferreira, que lhe adiantara
os capitais, nada fazia prever para breve o aniqüilamento das suas esperanças. O donatário mostra-se
confiado no resultado da sua obra pertinaz; espera poder exportar dentro de um ano 2.000 arrobas
de açúcar; pede ao sócio que lhe contrate uns vinte artífices, a soldo, e lhe mande sessenta escravos
africanos, sendo dez para os trabalhos agrícolas, córte e transporte da cana, e cincoenta para trabalhar
nos engenhos de água. Depreende-se que, desde 1537, quando tomara posse do seu domínio em
companhia de Luís de Góis, no curto período de oito anos a sua actividade empreendedora conseguira
fundar na capitania a cultura da cana em grande escala.
Essa obra pertinaz fora possível pela atitude pacífica, ou pelo menos espectante do gentio,
muito embora o pedido de escravos da Guiné deixe entender a sua pouca confiança na cooperação do
íncola, rebelde à servidão.
Por experiência, devia saber o donatário da Parahyba quanto era ilusória e fugaz a atitude
conciliadora do aborígene. Por tôda a parte, da continuidade de relações entre os europeus e os
indígenas rompia o conflito inevitável, a menos que o europeu se adaptasse à existência nômada e
selvagem do habitante das florestas. Uma tentativa de colonização implica a organização da disciplina
e do trabalho, e o autoctóne era refratário a essa concepção da vida civilizada. Entre as duas raças,
separadas por milênios de evolução civilizadora, entre o homem da Renascença e aquele outro homem
retardado, antropófago e nú,—não podia haver entendimento duradouro. De parte a parte, tudo os
impelia à discórdia. Decerto, Pero de Góis esforçou-se por manter a paz, por evitar violências provoca-
doras de reacções. O êxito do seu empreendimento dependia quási exclusivamente da condescendência
do gentio. A superioridade do armamento não era bastante para compensar a inferioridade numérica
dos colonos. Os portugueses não seriam, talvez, mais compassivos e humanitários do que os espanhóis
e os britânicos, para com aqueles bárbaros de que assim fala o Padre Antônio Vieira: ...«não pode
haver gente mais terrível entre todas as que teem figura humana, que aquella, (quaes são os Brasis)
que não só matam seus inimigos, mas depois de mortos os despedaçam, e os comem, e os assam, e os
cosem a este fim, sendo as próprias mulheres as que guisam e convidam hospedes a se regalarem com
estas inhumanas iguarias; e assim se viu muitas vezes naquellas guerras, que estando cercados os
barbaros, subiam as mulheres ás trincheiras, ou palissadas, de que fazem os seus muros, e mostravam
aos nossos as panelas em que os haviam de cosinhar...» U7). Mas as condições em que se encontravam
e o próprio carácter rural que assumira a colonização impedia os portugueses de recorrer sistemàtica-
mente à violência para submeter o íncola rebelde. Não podendo exterminá-lo, convinha-lhes apaziguá-lo
e captá-lo. Êsse processo, preconizado pela metrópole, raras vezes surtia resultados duradouros. Sempre
acabava sendo necessário recorrer à solução da íôrça: única autoridade reconhecida pelo bárbaro.
O conflito entre os aborígenes e os colonos da Parahyba devia avizinhar-se do período de
crise quando um acontecimento inesperado veio dar pretexto à conflagração iminente.
Na sua carta de 29 de Abril de 1546 a D. João III, Pero de Góis relata como os factos se
passaram. Da capitania vizinha do Espírito Santo saíra num caravelão, a resgatar pela costa, um tal
Henrique Luís. Entrou êle num dos portos da capitania da Parahyba, e, transgredindo as leis instituídas
pelos forais, sem conhecimento e consentimento do donatário traficou com os indígenas do litoral.
Não se contentou, porém, em fazer o seu comércio ilícito, pois aprisionou um principal da terra «o mais
amigo dos Christãos», e, tendo-o prisioneiro no seu navio, por êle exigiu resgate. Deram-lhe os bárbaros
o que Henrique Luís reclamara. Êste, movido pela cupidez, não só não devolveu o prisioneiro resgatado
como, para captar as boas graças de outra tribu inimiga, lho entregou para que o massacrassem e
devorassem. Esta conduta vil do civilizado indignou os selvagens, que mostravam desta vez presar
mais do que êle a lealdade. Correu logo voz da traição infame. Os índios levantaram-se, clamando que
não havia fiar nos falsos portugueses. Assim o conta Pero de Góis ao rei: «e se vieram logo a uma
povoação minha pequena, que eu tinha mais feita, e estando a gente segura, fazendo suas fazendas,
deram neüa e mataram tres homens, e os outros fugiram e queimaram os canaviaes todos com a mais
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Viuva; e no cabo desta bahia fica a ilha de Duarte de Lemos, onde está assentada a vil Ia do Espirito
Santo, a qual se edificou no tempo da guerra dos Guiatacazes, que apertaram muito com os povoadores
da Villa Velha».
Foi nesse admirável scenário tropical, de águas, ilhas, serranias e florestas, que Vasco
Fernandes Coutinho inaugurou o seu dramático governo feudal, d Era a ambição do poder ou a da
riqueza que o levara a requerer uma das donatárias do Brasil ? Certo é que para cumprir os encargos
do mandato em que o investia a doação, êle vendeu as suas terras de Alemquer, cedeu ao Estado, a
troco de um navio, a tença com que fôra galardoado pelos assinalados serviços no Oriente, e ei-lo
a caminho do Novo Mundo com uma frota «mui provida de moradores e das munições de guerra
necessárias, com tudo o que mais convinha a esta empreza, em a qual se embarcaram, entre fidalgos
e criados dei-Rei, sessenta pessoas, entre as quaes foi D. Jorge de Menezes, o de Maluco, e D. Simão
de Castello Branco, que por mandado de S. A. iam cumprir suas penitencias a estas partes» (52).
Espanta a audácia dêstes homens, dêstes pequenos reis de tragédia, que deixam a pátria e a
família, que alienam os bens, que se endividam e arruinam na temerária empresa de colonizar uma
terra longínqua, habitada por canibais, onde tudo é incerto, a começar pela riqueza. De-certc, as honras
inerentes ao donatário, a sua quási autonomia realenga, as suas prerrogativas já anacrônicas, deviam
exercer sobre o orgulho humano fascinação imperiosa. Só assim se entende que um homem nas
condições de Vasco Fernandes Coutinho, que já entrara na idade madura e cujas energias deviam estar
semi-gastas pelos trabalhos da sua anterior vida militar, passada na África e na índia, se abalançasse
a trocar pelos perigos e as canceiras de tam difícil e incerta emprêsa uma posição honradamente
ganha. Não tardaria que os novos e penosos trabalhos, que teve de enfrentar, e as condições ásperas
daquela nova existência semi-bárbara enfraquecessem o ânimo viril do antigo companheiro de
Afonso de Albuquerque.
Os documentos que restam da demarcação de limites com a donatária de Pero de Góis e da
doação da ilha de Santo Antônio a Duarte de Lemos mostram o espírito liberal e magnânimo de Vasco
Fernandes. Êle é, sem dúvida, uma das mais interessantes figuras da dramática história do íeudalismo
brasileiro. As acusações que contra êle articulou Duarte de Lemos, exageradas pelo intento perverso
de o comprometer perante o rei, ajudam, entretanto, a devassar o carácter do donatário. Bravo soldado,
fidalgo generoso e pródigo, Vasco Fernandes Coutinho não era um estóico varão da linhagem moral
de Duarte Coelho, mas um verdadeiro homem da Renascença, com todos os seus brilhantes defeitos.
De-certo, a tarefa ingente de colonizar o Brasil exigia caracteres da têmpera de bronze do dona-
tário de Pernambuco, aliás já raros naquele tempo. Mas talvez nenhum outro dos doze donatários,
como Vasco Fernandes, teve do seu posto dominante a mesma concepção fidalga, idealista e romanesca.
Que pretendesse assenhorear-se das terras que a Coroa confiara à sua guarda, segundo relata Duarte
de Lemos a D. João III depois de lhe verberar o desregramento da conduta, é pouco crível. Seria
prova de demência. Mas que o lisongeavam os poderes e regalias concedidos aos donatários e que,
de ânimo leviano usava dêles com a liberalidade de um príncipe, disso dá testemunho o teor da
carta de sesmaria da ilha de Santo Antônio (15 de Julho de 1537), em que se despojava em benefício
do ingrato Duarte de Lemos de quási todos os privilégios que lhe competiam. Da sua leitura fica-se
com a impressão de que a ditara um monarca e não um vassalo (53). Não o fadara a natureza para
chefe senão na bravura e na liberalidade. Faltavam-lhe os dons necessários à dominação dos homens.
A sua tolerância denunciava a moral acomodatícia de um soldado da índia e um carácter mais propenso
à indulgência do que à disciplina. A licenciosidade asiática, que acabara corrompendo a metrópole,
contagiara o alegre e destemido alcaide-mór de Ormuz.
Vasco Fernandes Coutinho confiara demais no seu prestígio e nos seus dotes militares.
O Brasil não era a índia. O imprudente optimismo de que deu provas parece demonstrar que não
estava compenetrado dos riscos e das dificuldades do empreendimento a que se atrevera.
Desembarcando com a sua gente no sopé do monte João Moreno, ali acampou e se fortificou
o donatário; e necessàriamente a colônia nascente teve de encarar, antes de mais nada, o problema da
alimentação. O donatário concedeu terras de sesmaria aos seus companheiros, e, obtido o concurso
t52 ) Roteiro Geral, ibidem. A frota reduzia-se talvez ao navio cedido pela Coroa.
(53) Os têrmos da doação de 1537 foram posteriormente modificados, por exorbitarem dos poderes conferidos
pelo fora! ao donatário. Veja-se o Apêndice do presente capítulo e Memórias históricas e documentadas da província do
Espirito Santo, por Brás da Costa Rubim, na Revista do Instituto Histórico do Rio de Janeiro.
242
O REGÍMEN FEUDAL DAS DONATÁRIAS
do gentio, iniciou-se a cultura. O fogo devastou a floresta; a golpes de machado abateram-se as árvores
destinadas à construção das casas, paliçadas e palanques de defesa. Mas os colonos não eram muitos
e Coutinho, depois de instalado na sua rude vila de taipa, à beira-mar, teria recordado, talvez, com
saüdade a sua herdade de Alemquer, a quietação da vida rural em que honrosamente repousava das
trabalhosas lides do Oriente, ou os prazeres da opulenta Lisboa quinhentista, da cidade-bazar edificada
com aquele doirado mármore lioz em que se talharam os padrões do Brasil e da África.
Não fôra, de-certo,para viver encurralado num arraial, a guerrear com os frècheiros das selvas,
que o donatário do Espírito Santo se desterrara parã a sua bárbara capitania brasileira. Não tardou
que a sua liberalidade atraísse para a capitania novos colonos. Entre êles avulta Duarte de Lemos,
que se transferiu da Bahia para o Espírito Santo, e a quém Vasco Fernandes Coutinho fêz doação da
ilha de Santo Antônio.
Estes dois homens são a antítese um do outro. Em contraste com o cavalheirismo pródigo
de Coutinho, Duarte de Lemos é um ambicioso a frio, calculador e intrigante. Porventura contava que
governaria discricionàriamente a capitania em prêmio dos serviços prestados. E que êsses serviços
foram importantes, o próprio donatário o reconhece tanto na carta de doação da Ilha de Santo Antônio,
em 1537, como na sua ratificação em 1540: «por desejar que elle em alguma maneira seja galardoado
do seu serviço, perigos e riscos de sua pessoa em que muitas vezes se viu em companhia do donatário,
e ao gasto que tem feito de sua fazenda ...»
Enriquecida com a aqüisição dêste homem ambicioso e empreendedor, que supre com a sua
energia os desfalecimentos de autoridade de Vasco Fernandes Coutinho, a colônia prospera. Os índios
são contidos em respeito. A plantação da cana de açúcar desenvolve-se. Mas para um antigo soldado
da índia, cujos cabelos vão encanecendo, a vagarosa prosperidade de uma feitoria rural afigura-se
compensação precária e tardia para tamanhos sacrifícios suportados. Êle sonha com a conquista das
minas, cuja vaga e sedutora notícia vai percorrendo, desde S. Vicente ao Maranhão, todas as capitanias;
e Vasco Fernandes parte (em 1539?) para Portugal «a aviar-se para ir pelo sertão a conquistar minas
de oiro e prata, de que tinha novas», no dizer de Frei Vicente do Salvador.
Ausentes o donatário e Duarte de Lemos, ficou o governo da capitania confiado ao turbulento
D. Jorge de Menezes, celebrado pela sua intrepidez no ataque ao Samorim de Calecut, e que o vice-rei
D. Nuno da Cunha castigara pelos desvarios cometidos nas Molucas, mandando-o algemado para Lisboa,
de onde D. João III o deportou para o Brasil.
Possivelmente, o arrebatado D. Jorge quis governar a ferro e fogo, repetindo as cruéis
proêsas da índia. O aborígene sublevou-se e o imprudente pagou com a vida a sua turbulência
incorrigível. Não foi mais feliz o seu companheiro de destêrro, Simão Castelo Branco, que lhe sucedera
no govêrno. Quando Vasco Fernandes Coutinho voltou à capitania, encontrou os índios revoltados,
a vila assediada, as plantações destruídas, e enterrados os seus inábeis substitutos. Duarte de Lemos,
espécie de condotiere da época feudal, retirou-se para a florescente capitania de Pôrto Seguro quando
viu que já nada podia esperar do donatário do Espírito Santo. Abandonado pelo auxiliar poderoso,
tendo perdido os seus companheiros, Coutinho deixou o continente e refugiou-se na ilha de Santo
Antônio, onde fundou a segunda vila, que viria a chamar-se da Vitória (54). Em 1549, quando Tomé
de Sousa inaugura o Govêrno Geral, o donatário do Espírito Santo ainda residia na ilha, que doara a
Duarte de Lemos. Nada mais lhe restava do que o domínio platônico da sua vasta e inconquistável
capitania. Havemos de vê-lo, envelhecido e pobre, agasalhado por Duarte Coelho e D. Duarte da Costa,
gastando na amargura os últimos dias de uma vida tocada outrora pela luz da glória.
CAPITANIA DE PORTO-SEGURO
O que não é mais possível, como se demonstrou no cap. VII do Vol. II da presente obra, é
perseverar na confusão estabelecida por Varnhagen, que procurou identificar o actual Pôrto Seguro,
cabeça da capitania de Pero do Campo, com o «.pôrto seguro» onde surgiu a esquadra de Cabral (55).
Oriundo de uma região litorânea, entre o Lima e o Minho, residente numa das vilas de maior
tráfico marítimo do seu tempo, cujos moradores se salientaram nas navegações e pescarias de bacalhau
da Terra Nova, e de supor, como diz Gabriel Soares, que Pero do Campo Tourinho fôsse homem
prático na arte de marear, e talvez armador de navios de pesca. A gente que o acompanhou era da
melhor do reino, sem mescla de sangue mouro, e afeita tanto à lavoura como às lides do mar.
Tourinho parece ter sido, entre os donatários, um dos que mais a peito tomaram a emprêsa que
lhe fôra confiada. Isso se depreende das notícias em que os primeiros cronistas são concordes em
apresentá-lo empenhado com seus bens e parentes na colonização da capitania, que o rei lhe doara
pela carta de 27 de Maio (56) de 1534. Nas duas caravelas e nas duas náus da sua frota vinham
seiscentos homens e mulheres (57). Trouxera para o Brasil a esposa, Inês Fernandes Pinto, os filhos,
Fernão e André do Campo Tourinho, (ss) e a filha, Leonor, que veio a casar com Gregório da Pesqueira.
O donatário de Pôrto Seguro procedia como o de Pernambuco, mas faltavam-lhe os dotes
excepcionais de patriarca guerreiro, que adornavam o filho natural de Gonçalo Coelho e o predes-
tinavam a ficar na História como a maior figura da dinastia dos donatários. Depressa se gastou a sua
energia, ao extrêmo de lhe escassear a autoridade para subjugar a rebelião da sua gente.
O fidalgo vianense não se adestrara nas guerras de África e do Oriente. Vivendo afastado
da côrte, nas terras férteis do Minho, encarou a sua missão mais como um vasto empreendimento rural
do que como uma emprêsa político-militar.
À data em que o donatário desembarcou na foz do Buranhem, ainda os Aymorés não tinham
acometido os povos do litoral, ocupado pelos Tupiniquins. Tourinho encontrava o gentio acostumado a
uma já longa convivência com os portugueses, inaugurada trinta e cinco anos antes pela armada de
Cabral e desenvolvida pelo trato dos feitores e o tráfego comercial. Homem prudente e pacífico, o
donatário fundou o seu vilarejo na extensa chan de uma colina, aquinhoou com terras de sesmariâ a
sua gente laboriosa, e não tardou que a pequena população, aplicada à lavoura e à pesca, se difundisse
para o norte e para o sul de Pôrto Seguro, criando os núcleos de Santa Cruz e de Santo Amaro,
depois de pactuadas com os Tupiniquins pazes duradouras.
Pela carta de Duarte de Lemos, de 14 de Julho de 1550, se infere que a cultura do açúcar
não atingira ainda naquele tempo, quinze anos depois do estabelecimento do donatário, grande desen-
volvimento. O pau brasil constituía a principal mercadoria de exportação, escassa para assegurar acfivo
tráfego marítimo. Os colonos, oriundos em sua maior parte do litoral minhoto, pescadores e pequenos
agricultores de cereais e de vinha, encontraram na pesca os fáceis recursos de subsistência que a
lavoura não bastava para garantir-lhes, tanto por falta de braços como da experiência indispensável ao
amanho e cultivo das terras tropicais.
A colônia conservou o carácter provinciano e modesto que lhe imprimira o donatário rural;
mas a convivência dos colonos com os indígenas, a falta de energia de Tourinho, as rivalidades açu-
ladas pelo interêsse, acabaram por criar um estado latente de indisciplina. Denunciado à Inqüisição
de Lisboa por João Barbosa Pais, em 13 de Setembro de 1543, três anos depois, em 24 de Novembro
de 1546 foi prêso em Porto Seguro e remetido com algêmas para o reino, onde compareceu perante o
tribunal do Santo Oficio. Ao ambicioso e volúvel Duarte de Lemos (que já se desaviera com Vasco
Fernandes Coutinho) confiou Tourinho os poderes e atribuições de loco-tenente, até renunciar a favor
do filho, em 1554, à posse da capitania brasileira.
O processo instaurado pelo Santo Ofício contra o donatário de Pôrto Seguro, e que publicámos
em apêndice a êste capítulo, constitui um dos mais elucidativos documentos do primeiro período
da colonização.
(55) emproando (o donatário) direito ao Brasil, foi demandar o mesmo Porto Seguro, onde a armada do
afortunado Cabral entrara sete lustres antes.* —Historia Geral, pág. 253 da 3.a edição. Insistindo no êrro e repudiando a sua
opinião antiga àcêrca do fundeadouro de Cabral, prossegue Varnhagen: ^Segundo a tradição (?), o proprio monte onde
Cabral deixara plantado o signal da redempção, foi o que Pero do Campo escolheu para assentar a primeira villa que
fundou em seus estados.* Ibidem.
(56) E não 7 de Outubro como escreveu o P.e R. Galanti. Veja-se a nota 20 de pág. 174 do presente volume.
(") Cf. Toribio de Medina, Diego Garcia de Moguer, pág. 157.
(58) Pero do Campo Tourinho transferiu em 19 de Novembro de 1554 a seu filho, Fernão do Campo Tourinho
o govêrno e posse da donatária. Por morte dêste, sucedeu-lhe sua irmã Leonor, que em 1556 já era donatária.
245
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Por êle se ajuiza da anarquia em que caíam as populações, quando contagiadas pelo espírito
insubmisso do aborígene e desmoralizadas por uma existência de liberdade semi-bárbara. Como o infor-
tunado donatário da Bahia, prêso pela sua gente; como o delegado do donatário dos Ilhéus, enviado
em ferros para Lisboa; Campo Tourinho é vítima de uma conspiração e reduzido à condição de um réu
heresiarca pelos seus próprios súbditos. Em todos os tempos, mandar foi sempre ofício áspero, que só
se afeiçoa às almas enérgicas e para o que faltavam ao fidalgo minhoto os dotes nativos e a aprendi-
zagem requerida.
(5') Gabriel Soares, no Roteiro Geral, escreve Rameiro: ^castelhano muito esforçado, experimentado e prudente*.
Magalhães Qandavo diz que o delegado do donatário foi João de Almeida. Mas a carta do ouvidor geral, desembargador
Pero Borges, datada da Bahia aos 7 de Fevereiro de 1550, confirma que àquela data era Romero o delegado de Jorge de
Figueiredo, que este reconduzira ao pôsto de que havia sido destituído pelos colonos rebelados. Veja-se no Apêndice a
carta de Pero Borges.
246
O REQÍMEN FEUDAL DAS DONATÁRIAS
A terra era fértil, regada de águas e luxuriante de vegetação. Em homenagem ao rico donatário, Romero
oaptizou a vila com o nome de S. Jorge, onomástico do escrivão da Fazenda Real, e possivelmente
regressaram a Lisboa com carga de pau brasil os navios que levaram a Figueiredo Correia as notícias
do bom êxito da expedição.
Os povoadores, como de costume, fortificaram-se e erigiram para o exercício do culto uma
capela-pois em todas as frotas dos donatários, com os soldados, os artífices e os agricultores ia o
sacerdote, sem o qual nao se podia conceber a instituição de um rudimento de sociedade organizada
De-certo se repetiram na capitania os incidentes conflituosos do colonizador com o natural, derivados
da necessidade que aquele logo de começo experimentava de utilizar-se da mão de obra do aborígene
indomável à sujeição e à disciplina. Mas êsse conflito parece não ter atingido nos Ilhéus a intensidade'
que em outras capitanias originou o malogro das tentativas colonizadoras. Os Tupiniquins acabaram por
aceitar a presença dos intrusos sem estorvá-los, antes até mesmo prestando-lhes apoio e coadjuvação.
ara esse resultado haveria por ventura contribuído o critério utilitário, aplicado ao estabelecimento de
uma coloma que nao era senão uma grande feitoria comercial.
Nao fitava o dinheiro, e, conseqüentemente, as mercadorias para resgate. Jorge de Figueiredo
obteria, merce da influencia do seu cargo, interessar no seu empreendimento colonial os ricos comer-
ciantes cosmopolitas da Lisboa quinhentista, entre os quais o florentino Lucas Giraldes, que acabou
por adquirir a capitania dos Ilhéus ao filho segundo do donatário (6o). Entre as personagens
in uentes na corte, que Jorge de Figueiredo presenteou com doações de terras, sabia-se pela carta de
Duarte de Lemos que figurava Fernando Alvares, funcionário da Casa da índia. Numa colecção sob a
rubrica de Documentos dos Jesuítas, conservada na Tôrre do Tombo, e que parecem provir na sua
maioria do pleito que a Companhia sustentou para empossar-se da herança de Mem de Sá, o sr. Aires
de Sa encontrou referencias à doação que Jorge de Figueiredo Correia fizera em 1537 ao futuro
governador do Brasil, «como consta do escrito raso da dita doação, por virtude da qual Mem de Sá se
meteu logo de posse dele, (o Engenho dos Ilhéus) posto que, depois, no ano de 1544 lhe fez o dito
Jorge de Figueiredo a escritura publica* (<5i).
Trata-se, evidentemente, das terras de Camamú, que o Roteiro Geral menciona terem sido
doadas por Mem de Sa aos padres da Companhia, que as começaram a povoar, despejando-as por
ocasião dos ataques assoladores dos Aymorés, que obrigaram os moradores a passar para as ilhas
de Boipeba e Tinharé.
É assim que, muito antes de ser chamado à governança do Brasil, já o desembargador Mem
de Sá, amigo do escrivão da Fazenda e donatário dos Ilhéus, lá possuía terras: facto êste até
agora, pouco divulgado. '
Gabriel Soares afirma ter sido na capitania de Jorge de Figueiredo que primeiro se cultivou
a cana do açúcar. Das poucas notícias que restam do período inicial da colonização infere-se que a
cultura da cana se generalizou em quási tôdas as capitanias meridionais, desde S. Vicente a Pernambuco >
Mas não custa a acreditar que, mercê dos capitais de que dispunha o donatário, tenha sido nos Ilhéus
que maior número de engenhos de açúcar se montaram e que maior desenvolvimento atingiu a cultura
E todavia, a-pesar-de tantas circunstâncias favoráveis à prosperidade da colônia, esta não
tardou a ser convulsionada pelo conflito aberto entre os colonos e o delegado do donatário que foi
remetido para o reino sob a inculpação de improbidade e despotismo. iA paixão da liberdade amanhecia
cedo no Brasil!
Pelo teor da carta de nomeação de Sebastião Martins, morador em S. Jorge dos Ilhéus para
alcaide-mór da capitania, e datada de 26 de Setembro de 1551, se sabe que já então o donatário
era falecido.
O critério comercial dera bons resultados enquanto não se abriu a crise do desprestígio da
autoridade e não foi necessário, simultâneamente, impor a disciplina aos colonos e suster a rebelião do
247
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
aborígene. Então se sentiu a falta de um chefe que soubesse ser ao mesmo tempo estadista e guerreiro,
com os dotes precisos para governar os homens e comandar soldados. E a prosperidade dos Ilhéus
desapareceu, calcada aos pés dos bárbaros Aymorés, que destruíram os canaviais, lançaram fogo aos
engenhos e afugentaram os colonos do escrivão da Fazenda e do mercador florentino.
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O REGÍMEN FEUDAL DAS DONATÁRIAS
Pero Borges (7 de Fevereiro de 1550). Com esses elementos, a que se juntaram as informações
posteriores de Mariz, de Jaboatão e de Simão de Vasconcelos, precedidas pelas escassas referências de
de Nóbrega, Anchieta e Cardim, se compôs desde Aires do Casal a Varnhagen e Acciolv a versão que
teremos de reproduzir com pequenas variantes, à falta de novos documentos que a ampliem ou corrijam.
A resumida narrativa de Gabriel Soares, que a seguir reproduzimos, foi, porém, o modêlo de
que se serviram os subseqüentes historiógrafos.
«Quem quizer saber quem foi Francisco Pereira Coutinho leia os livros da índia, e sabel-o-ha ■ e verão seu
grande valor e heróicos feitos dignos de differente descanço do que teve na conquista do Brasil, onde lhe coube por sorte a
capitania da Bahia de Todos os Santos, de que lhe el-rei D. João III, de gloriosa memória, fez mercê pela primeira vez da
terra que ha^ da ponta do Padrão até o rio de S. Francisco ao longo do mar, e para o sertão de toda a terra que couber
na demarcação desie Estado, e lhe fez mercê da terra da Bahia com seus recôncavos. E como este esforçado capitão tinha
animo incançavel, n^o receou de ir povoar a sua capitania em pessoa, e fez-se prestes com muitos moradores casados e
outros solteiros, que embarcou em uma armada, que fez à sua custa, com a qual partiu do porto de Lisboa. E com bom
vento fez a sua viagem até entrar na Bahia e desembarcou da ponta do Padrão delia para dentro, e fortificou-se, onde
agora chamam a Vilta Velha, em o qual sitio fez uma povoação e fortaleza sobre o mar, onde esteve de paz com o gentio
os primeiros annos, no qual tempo os moradores fizeram suas roças e lavouras. Desta povoação para dentro fizeram uns
homens poderosos, que com elle foram, dois engenhos de assucar, que depois foram queimados pelo gentio, que se levantou
e destruiu todas as roças e fazendas, pelas quaes mataram muitos homens, e nos engenhos, quando deram nelles. Pôz este
alevantamento a Francisco Pereira em grande aperto porque lhe cercaram a villa e fortaleza, tomando-lhe a aqua e mais
mantimentos. os quaes neste tempo lhe vinham por mar da capitania dos Ilhéus, os quaes iam buscar da villa as embar-
cações com grande risco de cercados, que estiveram nestes trabalhos, ora cercados, ora com trégoas, sete ou oito annos nos
quaes passaram grandes fornes, doenças e mil infortúnios, a quem este gentio Tupinambá matava gente cada dia com o cue
se ia apoquentando muito; onde mataram um seu filho bastardo, e alguns parentes e outros homens de nome com o aue
a gente que estava com Francisco Pereira, desesperada de poder resistir tantos annos a tamanha e tão apertada guerra se
determinou^ com elle apertando^ que ordenasse de os pôr em salvo, antes que se acabasse de consumir em poder de
inimigos tão cruéis, que ainda não acabavam de matar um homem, quando o espedaçavam e comiam. E vendo este capitão
sua gente, que já era mui pouca, tão determinada, ordenou de a pôr em salvo e passou-se por mar com ella em uns cara
velões que tinha, para a capitania dos Ilhéus; do que se espantou o gentio muito, e arrependida da ruim vizinhança aue
lhe tinha feito, movido também de seu interesse vendo que, como se foram os portugueses lhe ia faltando os resgates aue
lhes elles davam a troco de mantimentos, ordenaram de mandar chamar Francisco Pereira mandando-lhe prometter toda a
paz e boa amizade, o qual recado foi delle festejado, e embarcou-se logo com alguma gente em um caravelão que tinha
e outro em que vinha Diogo Alvares, de alcunha o Caramurú, grande lingua do gentio, e partiu-se para a Bahia e querendo
entrar pela barra dentro, lhe sobreveio muito vento e tormentoso, que o lançou sobre os baixos da ilha de Taparica onde
deu a costa. Salvou-se a gente toda deste naufrágio, mas não das mãos dos Tupinambâs, que viviam nesta ilha, os'quaes
se juntaram, e ã traição mataram a Francisco Pereira e a gente do seu caravelão, do que escapou Diogo Alvares com os
seus, com boa linguagem. Desta maneira acabou às mãos dos Tupinambâs o esforçado ca vai lei ro Francisco Pereira Coutinho
cujo esforço não puderam render os Rumes e Malabares da índia, e foi rendido destes barbaros; o qual não somente gastou
a vida nesta pretenção, mas quanto em muitos annos ganhou na índia com tantas lançadas e espingardadas e o que tinha
em Portugal, com o que deixou sua mulher e filhos no hospital*.
Eis o tema sucinto que serviu aos historiadores e a cujo laconismo todos à porfia tentaram
acrescentar informações mais minuciosas.
Os dados biográficos do Donatário constam do capítulo V do presente volume (62), a que
reportamos o leitor.
Da carta de sesmaria, datada de 20 de Dezembro de 1536, pela qual o donatário faz doação
a Diogo Alvares de quatrocentas varas de terra de largo e quinhentas de comprido (es), deduziu
Varnhagen que o herói da índia embarcou para a sua capitania nesse mesmo ano de 1536, quando, já
Duarte Coelho se transferira, possivelmente, de Iguaraçú (onde deixou como capitão a Afonso Gon-
çalves) para Marim, e fundara a sua vila de Olinda. Com certeza se sabe que, até Agosto de 1535
não chegara à Bahia, onde a tripulação de um navio espanhol, que naufragara em Boipeba, só encontrou
nove colonos.
A armada do donatário teria avistado primeiro o rio de S. Francisco, na extrêma setentrional
da capitania, e veio correndo a costa até surgir na baía de Todos os Santos, onde, treze anos depois,
o piedoso Tomé de Sousa fundaria a cidade do Salvador.
62
(63 ) Pág. 214.
( ) Documento do arquivo do mosteiro de S. Bento, da Bahia. Publicado por Varnhagen a páq 277 (3 a edição)
1 sua Historia Geral.
249
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
O fragmento de uma conhecida Relação (64) é todo de louvores à terra, «a milhor e mais limpa
do mundo*. Da baía onde a frota lançara âncoras se diz; *tè a entrada duas léguas de ponta a ponta,
de baixa mar tê quatro braças e meia, sem restinga nem baixo, podem entrar nela quantos navios ha no
mundo, nem nunca se viu porto milhor nem mais seguro, e ha dentro desta baia trese ilhas, em que ha
ilha de nove léguas em roda* (Itaparica). À data em que foi escrita, estava já no primeiro sobrado a
tôrre que Francisco Pereira Coutinho mandara construir na sua vila feudal —a vila Pereira —a que a
carta de sesmaria chama «a fortaleza».
Dela consta ainda que se haviam edificado casas para i-cem moradores*. Não era, pois,
muita a gente que o donatário transportara na sua frota. Na Bahia residia Diogo Álvares, a quem
Tourinho chama o galego, com a sua vasta prole mameluca (õ5), e os cinco homens que Martim Afonso
e Pero Lopes haviam deixado, anos antes, na feitoria. Em Agosto do ano anterior (1535), como ficou
dito, ]uan de Mori lá encontrara nove europeus (66).
À data da doação das terras de sesmaria a Diogo Álvares, ou simultâneamente com ela,
Coutinho havia dado terras a Fernâo Dolores, Pedro Afonso, bombardeiro, Sebastião Aranha, Paulo
Dias e Francisco de Azevedo. Infelizmente, não sobreviveram os traslados das outras cartas de sesmaria
lavradas pelo escrivão Rodrigo Fernandes, e que permitiriam um recenseamento aproximado da
população da colônia. Esta teve seu primeiro assento no sítio ainda hoje chamado da Vitória.
O recinto fortificado se estenderia até ao outeiro em que se edificou o convento de Santo Antônio, e
onde, porventura, se erguia a tôrre do donatário, no pontal da barra, paragem conhecida por Padrão:
nome provindo do marco que ali havia deixado uma das expedições de 1501 ou 1503.
Limitados às notícias recolhidas e transmitidas por Gabriel Soares de Sousa, vereador da
Câmara da Bahia, e por Frei Vicente do Salvador, natural da mesma cidade, temos de admitir que,
durante os primeiros anos, as relações entre os colonos e os Tupinambás foram de modo a
consentir na prosperidade da colônia. A Relação, cujo fragmento se refere ao ano de 1536, denuncia
exultante satisfação. A terra parece aos colonizadores um paraíso: i-dará tudo que lhe deitarem...;
os algodões são os mais excedentes do mundo ...; o assucar se dará quanto quizerem*... Não faltavam
os mantimentos: «zrma anta vale um vintém, um veado mesmo um vintém, um porco montez mesmo
um vintém ...* O peixe é tanto *que vale de graça: peixe de oito palmos que se toma ao anzol...*
O gentio apresenta-se pacífico: «oóra de uma légua daqui ha uma aldêa com 120 ou 130 pessoas muito
pacificas... e o principal delles com sua mulher, filhos e gente querem já ser christãos»... Tudo são
esperanças num porvir próspero e feliz. O donatário contempla a terra ubérrima, as águas azuis e
calmas do recôncavo, a mancha verde da ilha de Itaparica —onde será trucidado e devorado,—o vasto e
rico território cujos povos nativos o acolhem como a um rei: «De uma parte da sua capitania se veem
quasi todos para elle, dizendo que querem ser christãos, e não querem comer carne humana, e trazem
mantimentos...»
Mas assim como uma pequena faúlha basta para atear um grande incêndio, uma pequena rixa
pode originar uma rebelião. O convívio do colono com o aborígene coloca em contado dois homens
que não estão em condições de entender-se. O português encara o bárbaro com a altivez de um amo que
exige a submissão do servo. O tupinambá não sabe o que é sujeição servil e voluntária. Tem o mesmo
instinto da liberdade da ave e da fera. Qualquer gesto brusco vai transformar a espectativa benevola
do selvagem em cega cólera. O europeu não pode dispensar o braço indígena para os trabalhos rurais,
nem a mulher indígena para satisfação dos instintos sexuais. Outros tantos motivos para conflitos do
pundonor e do ciúme. De-certo, Diogo Álvares e os seus parentes multiplicam os esforços para impe-
direm que a animosidade se declare, irredutível. Por seu lado, ao donatário, mais soldado do que
chefe, faltava a severidade austera que subjuga os homens e os disciplina. Duarte Coelho definiu-o
como culpado; «de não saber usar com a gente como bom christão e ser mole para resistir ás doidices
e desmandos dos doidos e mal ensinados que fazem e causam levantamentos e uniões de que elle se
não pôde escusar de culpa* (67).
Pela carta de Nóbrega, de 9 de Agosto de 1549, se depreende que um eclesiástico da comitiva
a q ár 5
g iatsft^aSa ^os^S ie onde" passai d/p"^ "s ^
limítrofe dofnhéus ^'LsZZuaP o" velho barra' re'iu2i-d0 3 'er de ma"dar 05 "ravelões à capitania
Em Vâ0 3 Sua
requere o abandono da Séza e Z.amente rTT ^ . Sen,e dizimada
de se forjar um falso aluará réqio de mie f ■ ■ - -
, nS S an5 u as
S frd concertado o estratagema
evadira da Bahir mesr a„,es-e em oL 'ã'?53"0 ^ C,6'iS0. de n0me 'p50 Bezerra^-que se
em que se apresentou o embusteiro, Coulinho, recolhèTaoTllhéus''330 ^ d0"3,ar'0 ^ Na caravela
Ierad 3 WHd
onde CouZo^rreZiZ, rZZV^tZZZnc™
levara a artilharia da forlaieza abandonada- e que denois de ha e " na Bahia, de onde
res
gentio, os franceses tinham partido com a promessa de ali reorea Satado pacificamente com o
e providas de muita gente para povoar a terra. regressarem com cmco naus bem armadas
Resolveu então o encanecido herói do Oriente reoressar ae
do Caramurú, em dois caravelões. regressar ao seu pôsto e partiu na companhia
Levava-o o destino para o horrendo «jarrifiVír. z,. ~ i • . . a .
3
donatárias. Descendo a costa, que, pela primeira vez havia dez " , i0"3 P3"SliC3 daS
^Zdert"; as ^embarcações ^
d0 desembar ador p
da insurreição lontra^ donatário^rPôrto Seguro.' 9 ero Borges. Êste mesmo clérigo foi um dos cabeças
251
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
mártires dã civilisãção bahiãna! A grande obra que empreendestes, e por que vos sacrificasfes, veiu a
realizar-se. O solo que regastes de vosso sangue é um dos mais populosos e mais productivos do
Império de Santa Cruz, e os seus habitantes mais piedosos ainda se lembram de vós em suas orações
ao Senhor dos justos, que distribue a quem os mereceu galardões sempifernosl*.
AS CAPITANÍAS SETENTRIONAIS
IO mês de Novembro de 1535 partiam do Tejo com destino ao Brasil os dez (69)
navios da maior armada eqüipada pelos donatários.
O aparato bélico da expedição colonizadora suscitou suspeitas de que
outros, que não o povoamento das capitanias do nordeste, seriam os seus ocultos
objectivos. Iam nela novecentos homens e mais de cem cavalos (70). Comandava-a
um dos donatários, Aires da Cunha, guerreiro experimentado nas conquistas do
Oriente, de onde regressara como os procônsules romanos com cabedais e glória.
Um outro dos donatários, }oão de Barros, feitor da Casa da índia, gramático e
letrado, que já ao tempo começara escrevendo as Décadas da Ásia, mandava na
expedição dois filhos. O terceiro, Fernão Álvares de Andrade, fizera-se representar por um delegado
de confiança. . .
0 consórcio dos três donatários no custeio da dispendiosa expedição; a imponência militar
de que ela se revestia, em contraste com as pequenas frotas colonizadoras dos que anteriormente haviam
partido a tomar conta das suas capitanias; as despezas consideráveis feitas com o armamento dos dez
navios, em que participara a Coroa, que fiara aos donatários material de guerra, artilharia e munições,
pareciam justificar as suspeitas do embaixador de Espanha. Êste supusera, a princípio, que a expedição
se destinava, como a de Martim Afonso de Sousa, cinco anos atrás, ao Rio da Prata, em cujas margens
D. Pedro de Mendoza havia acabado de fundar o rudimento da futura grande colônia espanhola da
América meridional. Mas, de facto, a armada destinava-se ao nordeste brasileiro, e o solícito embaixador
informou Carlos V de que se premeditava mandar soldados e cavalaria às terras auríferas dos Incas.
Esta suposição não só se baseava nos recursos militares da expedição, como na concessão excepcional
que D. ]oão III fizera aos três sócios dos metais preciosos que viessem a descobrir (70.
1 Estava na mente dos donatários o empreendimento audaz que lhes atribuíam, ou obravam
êles na persuasão de que nos territórios das suas capitanias, sem transgredirem os limites da partição
de Tordesilhas, encontrariam os mesmos povos que Pizarro dominara no Perú, e que pelas suas terras
se prolongariam as jazidas auríferas da costa ocidental ?
É evidente que esta esperança e não a resolução de invadir as conquistas castelhanas, animara
os três donatários a tamanhos dispêndios no recrutamento e armamento de um exército. Aliás, a prática
já demonstrara a necessidade de assegurar pela fôrça o domínio da nova terra, onde os naturais, a
princípio indecisos, acabavam sempre reagindo contra os intrusos.
A política ultramarina, praticada pelas duas nações peninsulares, procurava sistemàticamente
t65)' No documento
. . rpublicado por Medina,
< at pág. CCXXXI doD „Descubrimiento
J: „ i, n Aadei
l- r\r\rio
C Ct nde Ias
/- n w-,Amazonas,-i <-»i
diz-se
f ktrt C
arqüipelago era ponto, de passagem e referência na navegação do Atlântico Sul. À vista das Canárias navegavam os navios
que se destinavam à índia, ao Brasil e à costa da Mina. . , , j
(7°) Qalvão menciona 130. Aires do Casal, seguindo loão de Barros, escreve; ^cento e trese cavalos em dez
baixeis de guerra'. O documento publicado por Medina refere < mill f quinientos hombres y ciento y veinte de a ca bailo».
(71) Chanc. de D. João III, Liv. 21, fls. 73 e 74. Veja-se o Apêndice do presente capítulo.
252
O REGÍMEN FEUDAL DAS DONATÁRIAS
evitar quaisquer motivos de litígio, e são numerosos os documentos em que se confirma n 7Pln
in ransigente com que a Espanha defendia o monopólio das suas conquistas Portugal que abandonara
as suas pretenções ao Rio da Prata, cedendo os direitos de prioridade drtecLtaentXrme
as reclamações espanholas, baseadas no tratado de partilha, não iria afrontar a Espanha no prÓDrio
Afo„0so deSU|^'
Afonso
ma
T1!6 faThItmitaua
Sousa prudentemente ,a mili,ar na N0V0 Mund0 quand0 nas
"" divisa '
da .conquista ' de Castela.
"«natárias meridionais,
a área Hartim
das sesmarias.
d ernamfauco,
u ^ grande armada,
onde Duarte sob acolheu
Coelho o comando de Aires da com
os expedicionários Cunha, dirigiu-se
o natural primeiro
alvoroço de uma desterrado
terras de
que reve am.gos e companhe.ros das guerras do Oriente, que dêles receberia notícias recentes da
pa na, e que no luz.mento da expedição ia encontrar, a par de motivos para orgulho, p ovWenc.al
testemunho para certificar os indígenas do invencível poder português.
F01 13 em 01ind
r u o. .t
Cunha Fundeou
J ^ ou
a armada
ainda em
no pôrfo dosIguaraçú, que no
Marcos ou Duarte Coelho
Recife? São se encontrou de
pormenores comsecundária
Aires da
importância. O facto e que a escala de Pernambuco parecia fazer parte do itinerário da expedição
Os litorais para o norte do cabo de S. Roque até ao estuário do rio Maranhão eram muito menos
conhecidos e freqüentados pela navegação do que a linha de costas que daquelas paragens descia para
o rio da Prata.
Duarte .Coelho não só forneceu informações e intérpretes aos expedicionários, como lhes cedeu
uma embarcação a remos, destinada a preceder a armada e a sondar a costa, a fim de evitar que os
navios, que iam começar utna verdadeira viagem de cabotagem, déssem em baixíos ou demandassem
portos sem fundo para surgidouro.
x • - x fora
Traiçao), í grande extensão
dividida litorânea
em quatro lotes.aoAsnorte da capitania
primeiras de Itamaracá
cem léguas, àlém da (delimitada pela baía
baía da Traição da
e aue
compreendiam a Parahyba e o Rio Grande do Norte, haviam sido adjudicadas a João de Barros e
Aires da Cunha. Seguiam-se as quarenta léguas doadas a Antônio Cardoso de Barros, no actual Estado
do Ceará, mais as setenta e cinco de Fernão Álvares de Andrade, abrangendo parte do Pianhv e do
Maranhao, contando-se desde a extrema desta capitania mais cincoenta léguas que constituíam o secundo
lote da parceria de João de Barros e Aires da Cunha.
Que o limite setentrional da segunda secção da donatária dos dois associados fôsse o rio
Amazonas ou o Gurupy e uma questão secundária, pois de qualquer modo a fronteira norte do Brasil
haveria de ser demarcada pela conquista. As zonas litigiosas, a um tempo em que a medição das
longitudes se fazia por processos deficientes, não podiam ser delimitadas com rigor.
Teoricamente, a 2.a donatária de João de Barros e Aires da Cunha devia atingir a extrêma
norte da demarcação (que no mapa de Cantino secciona o Amazonas); assim como a de Pero Lopes
atingia no sul (e na realidade o transpunha) o limite meridional da divisa de Tordesilhas depois que o
insucesso de Martim Afonso de Sousa, em sua missão de fundar uma colônia à margem do Rio da
Prata, levara Portugal a desistir do direito de prioridade no descobrimento e a reconhecer tàcita-
mente os direitos de Castela, reivindicados com a expedição de Solis, em 1515.
253
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
As capitanias setentrionais abrangiam quási todo o litoral desde o norte da Parahyba até ao
Pará, e a resolução da Coroa comportava um acto político de grande alcance, pois ampliava até às
imediações do eqüador a posse portuguesa com a adjudicação dos territórios compreendidos nessa
vastíssima área.
A expedição dos três donatários associados podia operar em uma linha de 225 léguas de
costa, ficando-lhes apenas defesas as 40 léguas da donatária de Antônio Cardoso de Barros, no Ceará.
O que desde logo se constata pelo itinerário da armada, desde a partida de Pernambuco, é o
desígnio de não se fragmentarem os recursos da grande expedição, de não se distribuírem em ocupações
parciais. A esquadra vai explorando a costa e o seu objectivo parece ser o de atingir a foz do
Maranhão, porventura com o fito que lhe atribui o embaixador Luís Sarmiento em sua carta de 15
de Julho de 1536, e segundo a qual Duarte Coelho haveria comunicado aos expedicionários «que el
tenia ciertos lenguas de la tierra que le certificaban que en una sierra y província questaba cabo dei rio
Maranon avia mucha cantidad de oro e que por otro rio que estaba mas cerca dezian estos lenguas que
podian yr a dar aquella sierra». O desembarque no Ceáramirim, onde encontraram alguns náufragos de
um galeão da esquadra de D. Pedro de Mendoza, fundador de Buenos-Aires, não teria sido mais do
que uma escala de repouso, talvez para reparação dos navios ou abastecimento de água e lenha.
Lá se demoraram pouco, tendo sido hostilmente recebidos pelos Potiguares. A viagem fazia-se morosa-
mente, ao longo de um litoral pouco navegado até então, à vista de terra, com necessidade de sondagens
freqüentes. Pouco depois de transposto o cabo de S. Roque, a embarcação a remos, cedida aos
expedicionários por Duarte Coelho, perdera-se da armada, vindo a ser os seus tripulantes recolhidos
por uma caravela espanhola. Foi no percurso entre o cabo de S. Roque e o rio Maranhão, e talvez nas
vizinhanças do porto, que a náu capitânia sossobrou. Os restantes nove navios —quatro náus e cinco
caravelas,—atingiram o estuário e desembarcaram na ilha da Trindade, já assim designada no mapa de
Diogo Ribeiro, composto sete anos antes, depois chamada ilha das Vacas, e que mais tarde os franceses
baptizariam com o nome de S. Luís, que ficou sendo o da capital do Maranhão. É impossível apurar
se o naufrágio da capitânia ocorreu junto à barra do Maranhão, como diz Severim de Faria e Gabriel
Soares, ou nos parcéis da Coroa Grande e Lençóis Grandes, ou ainda nas proximidades da
ilha do Mêdo.
Os expedicionários, segundo foi informado o embaixador de Carlos V por uma carta chegada
do Brasil, «saltaron en una isla junto al rio e dizen que fueron bien recebidos de la gente que alli
avitaba, y pusieron de nombre a la dicha isla de la Trenidad y enpeçaron a hedificar un lugar y
castillo y pusieron nombre aquel lugar nazareu (Nazareth). Scrive que los mismos de aquella ysla le
certifican que ochenta léguas de alli por el dicho rio dei Maranon ariba ay infinito oro. Llegaron alli los
portugueses con una armada en este mez de março pasado» ...
Cêrca de três anos, acalentados pela esperança de encontrarem as minas de ouro, os expedi-
cionários ficaram na ilha do Maranhão, tendo subido o curso do grande rio (navegaram por elle acima
duzentas e cincoenta léguas, diz Gandavo) e explorado em vão as terras circunvizinhas. Desiludidos,
resolveram regressar à pátria, e ainda no regresso os perseguiu a desventura. Três dos navios, impelidos
por ventos contrários, foram ter às Antilhas; e, como de costume, as autoridades espanholas usaram
para com os infelizes dos rigores que só a emulação da conquista da América podià determinar entre
povos vizinhos e aliados, cujos soberanos eram próximos parentes.
Assim, da imponente expedição dos novos argonautas, que tinham partido para o Brasil à
procura do velo de ouro, nada mais restava do que ruínas e alguns centos de cativos. Em uma carta
de 27 de Abril de 1542, em que se refere à infeliz expedição de Aires da Cunha, Duarte Coelho diz que
nela se perderam setecentos homens. Da ambiciosa aventura se queixava João de Barros quando dizia:
«O principio da milícia desta terra, ainda que seja o ultimo de nossos trabalhos, na memória eu o
tenho mui vivo, por quão morto me leixou o grande custo desta armada sem fruito algum*.
E, todavia, quinze anos mais tarde, por volta de 1550, João de Barros tentou mais uma vez
colonizar a sua capitania brasileira, armando uma frota em que mandou dois filhos (73). Os Potiguares
ofereceram, porém, tenaz resistência, e os expedicionários regressaram a Portugal por não poderem
manter-se na terra. É a esta segunda tentativa dos filhos de João de Barros que se refere Gabriel
Soares de Sousa no cap. IX do Roteiro Geral. A confusão até agora estabelecida pelas informações
»OOC>C<X>>»CO<»C<>COO<X50K
hPel0S
desempenhar
omini s abandonados
a ^tarefa °ardua e gloriosadas
da capitanias setentrionais
sua expansão os pernambucanos
colonizadora iriam mais
através da Parahyba, dotarde
Rio
^ j j ° ^or 6 Gea a eí< ul
5 ' P sando os franceses instalados no Maranhão, e, finalmente fundando
a cidade de Belem, no Pará, e arremetendo contra os inglêses, no Amazonas.
6
em 1522
5 e 1559,
ISSgTde
e de Belc^rr^ í"0r0nha
Belchior Camacho, à Ílha de S ]0á0) confirmada
a quem foi concedida - 22 de
em ' Agosto de sucessivamente
1539 a ilha da
Ascensão, ou Trindade, nao tiveram qualquer influência na formação da nacionalidade.
Historia ^BrasT3 P0mb0 dedÍC0U alSUmaS ^ PágÍnaS maÍS SegUraS 6 Penetrantes da sua vasta
Até à instituição das capitanias, no período de pouco mais de trinta anos, que vai da expedição
255
HISTORIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
de Cabral à de Martim Afonso, os trabalhos náuticos de descobrimento do litoral ocupam quási exclu-
sivamente a actividade portuguesa. Mas seria injustiça continuar a considerar-se de desídia esse pri-
meiro período. Durante êle se foram estabelecendo as íeitorias, que em parte vieram a servir de alicerce
às posteriores vilas dos Donatários. A progressão não se faz aceleradamente, mas também não tam
vagarosamente como se afigurou aos historiógrafos entediados, que não encontravam suficiente matéria
para narrativa nos anais das três primeiras décadas do século XVI. O estudo a que já se procedeu,
no Volume II da presente obra, dos mais antigos monumentos cartográficos; revela uma actividade
marítima incançável. As subseqüentes expedições comerciais já beneficiavam das informações colhidas
pelos degredados, que haviam estabelecido o contado com o aborígene e aprendido a sua língua.
Os donatários preparam, por sua vez, à custa de sacrifícios incompensados, a eficácia do
govêrno centralizador da Bahia. Em menos de dezoito anos, essas sentinelas, que montavam a guarda
pelo litoral imenso, desde Olinda a S. Vicente, tinham fixado no Brasil dois a três mil europeus e
fundado os rudimentos de muitas povoações —algumas das quais se tornaram com o tempo grandes ou
pequenas cidades, como Santos, S. Paulo, Campos, Vitória, Ilhéus, Bahia, Pôrto Seguro, Iguaraçú e
Pernambuco.
Essa obra precursora tem nas ameias da fortaleza de Olinda a sua coroa. Pernambuco, que
Caspistrano chamou «a segunda metrópole* em uma das felizes definições sintéticas que lhe são pecu-
liares, se não desempenhou o papel máximo na formação da nacionalidade, avantaja-se a S. Vicente
através de todo o período feudal, pois entre todos os donatários é Duarte Coelho o único exemplo
de um construtor de nação: único que logra resistir às privações e aos perigos; único que consegue
implantar-se firmemente em seus domínios e legá-los aos descendentes como um fundador de dinastia.
Estava, pois, naturalmente indicado que lhe fôsse reservado um capítulo especial na presente obra.
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f'Jhefu* nirei to de Fern< aIKae
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a =: CS isssra»
Mapa do Brasil dividido em capitanias, existente no cod. |V da Biblioteca da Ajuda (Fim do século XVI)
38
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Apêndice
- ■ relativas
especies .At. d°™™ntação
a capitaniaque
de publicamos
Pernambuco,emnão
apêndice ao cápítulo
é totalmente VI, Alguns
inédita. e que será
destescompletada no foram
documentos capítulo VI! com do
conhecidos as
mfatigavel Varnhagen,^ outros vieram a luz da publicidade, posteriormente, em obras diversas, se bem que, na maior parte
dVTombo
do Tombo e da ^'omnciàs
Biblioteca dee Évora,
erpos. revistos
Pela primeira vez aparecem
pelo eminente reunidos,
historiador recopiados
e paleógrafo, sr.directamente dos originais da Torre
dr. Pedro Azevedo
^°ntribuem
embora na sua
e SteS
maioria de, secundaria
documentos, sobreviventes
importância, do período
a versão inicial
instituída porda Varnhagen
colonização,na
para corrigirGerai
Historia em certos
e quepormenores,
perdurou
El 0 U
" *'° " ~
As duas cartas já conhecidas de Pero de Góis: a de 18 (') de Agosto de 1545, dirigida ao seu sócio comanditário
Martim Ferreira, e a de 29 de Abril de 1546, endereçada a D. João III, são bastantes para nos elucidar sobre as trabalhosas
do ■ - Lms
ar, irmão r - T P 0CUra de !ocal
/ se interna durante
de Gois, adaquado aosmeses.
dois engenhos de água edessas
Depreende-se plantação de canaviais
laboriosas que oque,
diligências donatário
voltandoemdecomvanhia
Ztugal
onde obtwera a coadjuvaçao financeira de Marfim Ferreira, trazia ambiciosos projectos. ortugal,
ln
10 pelo . 0a. Slt
, no, '0 e6C0!hdo
margem !d0ManajeJltabapuana),
.,Para. c ,tura da cana e
" estabelecimento
onde começavam dos engenhos
as cachoeiras. Até ali, oficava
rio eraa 7navegável
ou 8 léguas
Perododelitoral
Gós
descreve minuciosamente as condições favoráveis do local e a importância das levadas, que forneceriam aos engenhos a
força motriz. Surpreende num soldado, como era o senhor da capitania da Parahyba, a competência e a soTcitude
com que delibera e administra. A sua actwidade não é menos surpreendente e digna de melhor sorte. Uêmo-lo correr num
caravelao a vizinha capitania do seu amigo Vasco Fernandes Coutinho, para contratar um oficial de Brás Teles a cruzado
por dia, para a montagem dos engenhos; mandar abrir uma estrada de carro, desde ojitoral, que permitia ir da povoacão
pessoas», a dar mão forte a Vasco Fernandes Coutinho nas guerras sustentadas com o gentio. A doação da ilha remonta
a 15 de Julho de 1537 e foi rectificada por escritura, perante o notário geral da corte, aos 22 de Agosto de 1540, em Lisboa,
na casa em que então pousava o donatário do Espírito Santo, na rua do Barão (de Alvito). Não tardará que Duarte de
Lemos abandone o seu generoso amigo e companheiro de armas. Quando, em 1550, Tomé de Sousa o manda por capitão
à capitania acéfala de Pôrto Seguro [cujo donatário fôra enviado a ferros para Lisboa, três anos antes, sob a inculpação de
hereje e blasfemo], Duarte de Lemos encontra-se em Santa Cruz com Vasco Fernandes Coutinho, então em viagem para o
reino, e a carta que a 14 de Julho dêsse mesmo ano escreve a D. João ///, denunciando-o como traidor, é um documento
que o define.
Pela primeira vez se pública, ressalvando algumas escusadas repetições e palavras demasiado grosseiras, o pro-
cesso a que respondeu perante a Inquisição de Lisboa o donatário de Pôrto Seguro, e que nos permite reconstituir a figura
de Fero do Campo Tourinho.
No fim do século XVI, Gabriel Soares de Sousa escrevia do donatário de Pôrto Seguro que era «um cavalleiro
natural da villa de Vianna da foz do Lima, homem nobre, esforçado, prudente, e muito visto na arte de marear», o qual,
para povoar a sua capitania, «vendeu toda sua fazenda e ordenou á sua custa uma frota de navios, em a qual se embarcou
com sua mulher e filhos, e muitos moradores casados, seus parentes e amigos». E mais não diz dêle Gabriel Soares senão
que fundou as vilas de Pôrto Seguro, S.ta Cruz e S.t0 Amaro, que promoveu a cultura da cana e guerreou com os Tupiniquins.
Comparado a Gandavo (Historia da Província de Santa Cruz, 1576, no cap. IN), o autor do Roteiro Geral pode, porém, passar
por prolixo. Anos mais tarde, Frei Vicente do Salvador, condiscípulo de um neto de Pero do Campo Tourinho, é ainda mais
somítico do que Gabriel Soares na biografia do donatário de Pôrto Seguro. Foi com este mísero material que Varnhagen
escreveu duas das páginas mais incertas e hipotéticas da sua Historia Geral. Para o grande historiador, Pero do Campo
Tourinho era «homem prudente, esforçado e mui entendido nas cousas do mar», gosando de tamanho crédito em sua
província que, «apenas fez constar que daria terras aos que o quizessem acompanhar, se encontrou com tantos que não
poude acceitar a todos, e preferiu, depois dos parentes pobres, os de que tinha seguras informações». Durante a vida do
donatário—conclui Varnhagen,—havia na colônia «bons costumes, fazia-se justiça a todos, eram os habitantes tementes a
Deus e observadores da religião, sem a qual não ha sociedade possível», e depreende o historiador que, embora menos activo
e empreendedor que Duarte Coelho, senhor de Pernambuco, Campo Tourinho «tinha deste todo o zelo religioso».
Ora, já há alguns anos se sabia que na vida dêste colonizador do Brasil, tam convencionalmente retratado desde
Gabriel Soares e Frei Salvador até Varnhagen e Rocha Pombo, se desenrolara um grande drama, e que o piedoso senhor
feudal de Pôrto Seguro respondera na Inquisição de Lisboa em um processo por blasfêmias e heresias, cuja inquirição se
fizera na séde da capitania, por iniciativa do vigário, conluiado com outros clérigos e súbditos do donatário. Estes sucessos
haviam sido dados a conhecer pelo Archivo Histórico Portuguez, e comentados no n.° 6 da revista Sciencias e Lettras (Rio,
1917), por Capistrano de Abreu, que em prefácio ã edição, feita a expensas de Paulo Prado, da Primeira Visitação do Santo
Officio ás partes do Brasil, considerava conveniente a publicação integral do processo de Pero Tourinho.
Dêste procçsso, não só a figura do donatário de Pôrto Seguro sai rediviva, palpitante como o peixe atirado da
rêde para a areia da praia, como também as da comparsaria daquele tôrvo drama, que teve por scenário os bárbaros
vilarejos quinhentistas do litoral brasileiro.
Na cabala urdida contra Tourinho intervém o mesmo clérigo João Bezerra, que desempenhou papel saliente na
prisão do donatário da Bahia. É o mesmo «grão ribaldo» a quém se refere Duarte Coelho numa das suas cartas a
D. João III, que adiante se publicará em apêndice ao cap. VII (3). Os autores da inquirição são o próprio vigário de Pôrto
Seguro, padre Bernardo de Aureac, francês, o franciscano frei Jorge, Manuel Colaço, capelão do duque de Aveiro (que
possuía uma fazenda em Santa Cruz, (como consta da carta de Duarte de Lemos), Pero Rito, beneficiado da igreja da vila,
e o já citado João Bezerra, padre de missa.
A publicação do processo torna dispensável o seu resumo. 0 que dêle se depreende é que Tourinho fôra pouco
feliz na escolha dos colonos, ou não soubera impôr-Ihes a sua autoridade. A indisciplina chegara a ponto de os súbditos
prenderem o seu governador e de o remeterem algemado para Lisboa. Seria uma verdadeira rebelião popular, se as suas
cabeças não fossem sacerdotes, magistrados e fidalgos.
O donatário aparece-nos vítima de uma conspiração de fanáticos e de intrigantes ambiciosos. De-certo, a-pesar dos
seus destemperos de língua e seus modos desabridos, o bom morgado minhoto era um homem sensato, mas ingênuo. Não é
difícil compreender e justificar as suas iras contra os abusos dos sacerdotes, que decretam dias santos de guarda quando
tam preciso é trabalhar. Tourinho enterrara todos os bens na aventura colonial. Meses antes de ser prêso pelos seus
vassalos, queixava-se ao rei (carta de 28 de Julho de 1546) de «aynda agora ao presente sermos caa tão pobres que não
podemos fazer nada sem ter favor e ajuda sua». As suas esperanças de salvamento estavam nas plantações de cana e na
conclusão dos engenhos: «tanto que os engenhos se acabarem eu espero em Deus, V. A. terá aqui um novo Reyno e muita
renda em breve tempo». A sua cólera contra os padres, que reduzem os dias de trabalho e lhe aconselham promessas a
Santo Antônio para rehaver os escravos fugidos, podia parecer herética em 1546, mas parece-nos agora, quatro séculos
volvidos, justificável. Certamente, êle não possuía as capacidades prestigiosas do mando. Faltava-lhe a prática de manejar os
homens e de os dominar. Era irritável e falador, mas tinha o senso das realidades e sabia que não havia jde ser com dias
santos e as resas dos clérigos que poderia plantar os canaviais, construir os engenhos, fazer prosperar a sua capitania
e ressarcir-se das despezas que fizera em troca das honras e dos títulos de capitão e governador daquele longínquo e enga-
nador Pôrto Seguro ...
(3) Veja-se também a carta de Pero Borges, de 7 de Fevereiro de 1550, adiante publicada, e onde o ouvidor-már conta os trabalhos que
passou nos Ilhéus para prender o mestre e um marinheiro culpados de haverem abandonado no litoral, entre os potiguares, muitos homens, mulheres
e crianças que vinham em um navio do reino e que os selvagens trucidaram e devoraram. O mestre da náu, para fugir ao castigo, embrenhara-se nas
serras .com hum cleriguo de missa a que chamão o Bezerra, o qual na Bahia fingio que trazia hum alvará de V. A. para prender a Francisco Pereira .... e
porque era cleriguo ... o nam prendi, e porem se V. A. mandar fallo hey, porque elle nam vive bem-.
258
O REGÍMEN FEUDAL DAS DONATARIAS
Finalmente, àcêrca do loco-fenente do donatário dos Ilhéus e ouvidor, Francisco Romero, a carta do magistrado
Pero Borges dá informações elucidativas. Bom soldado o considera o desembargador, mas ignorante do seu ofício e despres-
tigiado, pois já expiara na cadeia do Limoeiro, em Lisboa, faltas que cometera no exercício do seu cargo, em que teimava
em mantê-lo o influente escrivão da Fazenda.
O estado caótico e de desmoralização em que viviam as minúsculas populações das vilas dos Ilhéus e Pôrto
Seguro, como os abusos cometidos pelas autoridades incompetentes, inspiram ao sisudo e austero Pero Borges comen-
tários severos.
Pela sua carta se sabe que a população da vila de Pôrto Seguro não atingia cem almas; que faltavam homens
para juizes ordinários e vereadores, a ponto de se nomearem degredados para exercerem os cargos do concelho; que os
tabeliães serviam sem cartas do oficio e lesavam e exploravam as partes; que muitos homens, casados no reino, viviam
amancebados com um par de gentias, pelo menos, cada um; que a prática odiosa de se assaltarem e escravisarem os
naturais era a causa principal das guerras que se faziam aos portugueses. Êste relatório minucioso fornece ao historiador
os elementos indispensáveis à reconstituição flagrante da vida semi-bârbara dos vilarejos feudais, ao tempo da instituição
do governo geóal e da chegada dos jesuítas moralizadores. Estes mesmos vícios e abusos se registam, aliás, nos primórdios
da colonização espanhola, francesa e inglesa. Nem podia ser de outro modo enquanto se nãd avigorasse a autoridade e se
não organizasse em bases eficientes o governo e a distribuição da justiça.
Abandonado aos seus instintos, o civilizado barbarisava-se em contacto com a amoralidade do aborígene.
O mérito dos colonizadores consistiu em disciplinar a anarquia e fazer surgir a ordem daquele caos assustador.
Não foram pois, tam somente, as hostilidades do aborígene que determinaram o malogro das tentativas feudais
de colonização, mas também a indisciplina dos colonos, a desmoralização, a anarquia e as rebeliões dos vassalos, a incom-
petência das autoridades improvizadas, a carência de recursos. Enquanto isso sucedia, os navios franceses continuavam percorrendo
o litoral, resgatando com os naturais, carregando pau brasil e fomentando a animosidade do aborígene contra os portugueses.
II que lhe levem em conta o que lhe asy pagar e o dito alvará
de lembrança e postilla estormento de venda e arrenunciação
Carta de mercê dos cargos de provedor e contador e conhecimento em forma do que acima faz mençam foy todo
das rendas e direitos da capitania roto ao asynar desta que por firmeza delo lhe mandey pasar
de S. Vicente a Brás Cubas per mym asynado e aselado do meu selo pendente. Dado em
(1551) Almeyrim a xbiij de junho. Adrião Lúcio a fez ano do nacy-
mento de noso senhor Jhesu Christo de 1551. André Soarez
Dom ]oam etc. A quantos esta minha carta virem faço a fez screpver.
saber que confiando eu de Bras Cubas meu moço da camara
que nisto me serviraa bem e fielmente com todo recado e (Chanc. de D. João III, liv. 62, fl. 210).
delygemcia que a meu serviço cumpre ey por bem e me
praz de lhe fazer merce dos cargos de provedor e contador
de mynhas rendas e dereytos da capifanya de Sam Vycente III
nas terras do Drasyii de que Martim Afonso de Sousa do Carta de confirmação e mercê dos cargos de
meu conselho he capytam das 20 legoas de costa de que he provedor e contador das rendas, capelas, confrarias,
capytam Martim Afonso filho de Pedro Lopes de Sousa que aibergarias e gafarias de S. Vicente e
Deus tem os quaes cargos servira conforme ao regimento Santo Amaro a Brás Cubas.
que pera yso lhe será dado e avera com eles dordenado em
cada hum ano dous por cemto de todo ho que remderem as (4 de Fevereiro de 1553)
ditas rendas dizymos e dereytos que pertencerem e se areca- Dom Sebastião etc. A quantos esta minha carta virem
darem pera mym e ficarem em proveyto da feytoria e almo- faço saber que confiando de Bras Cubas cavaleiro fidallgo
xarifado da dita capytania dos quaes ofícios eu tinha feyto de minha casa que no que o encarregar me servirá bem e
mercê per hum meu alvará de lembrança a Pedro Amrique fiellmente como o meu serviço cumpre e por lhe fazer merce
que foy meu sprivão da camara e por seu falecimento provou ey por bem e o dou ora daqui em dyante novamente por
fazer deles merce per hüa apostilla ao pee do dito alvara provedor e contador das rendas e asy das capellas espritaes
a Lyonor da Costa sua molher e por a dita Lyonor da Costa confrarias e allbergarias e gaffarias que ora ouver e ao diante
se meter freira ouve por bem de fazer deles merce a Breatiz se fizerem na capitania de São Vicente nas terras do Brasil
da Costa sua filha e que Ambrosyo Rudriguez meu cevadeiro de que Martym Afonso de Sousa do meu conselho he capitão
avo da dita Breatiz da Costa os podese vender a hüa pessoa e da capitania das 20 legoas da costa de que he capitão
auta segundo todo vy pelo dito alvara e postilla e o dito Martym Afonso filho de Pedro Lopez de Sousa que Deus
Ambrosio Rudriguez vemdeo e renunciou os çiitos cargos per perdoe asy e da maneira que o elle deve ser e como o são
mynha iycença ao dito Bras Cubas segundo se vyo per minha os outros provedores e contadores das rendas das comarcas
fazenda do negocio da Imdia per hum publico estormento de e provedorias de meus reynos e esta em quanto eu o ouver
renunciação que parecia ser feyto e asynado per Joam por bem e não mandar o contrario o qual officio elle serve
Taborda publico tabeliam nesta vyla dAImeirim aos xxx dias conforme ao regimento delle que lhe mandey dar que elle em
do mes de mayo deste ano presente de 1551 com testemunhas todo conprirá e guardará segundo nelle e em minhas ordena-
nele nomeadas Notefiquo ho asy a Tome de Sousa do meu ções for declarado e ey por bem que aja de mantimento em
conselho capytam da cidade do Salvador da Baya de Todolos cada hum ano com os ditos ofícios 6000 reaes que lhe serão
Santos e governador das terras do Brasyll e ao provedor pagos a custa do rendimento das ditas rendas das ditas capi-
mor de mynha fazenda em elas e mando lhes que metam ou tanias que elle fizer arrecadar e mando ao meu porteiro mor
façam meter ao dito Bras Cubas em pose dos ditos ofícios dos cativos das ditas capitanias que em cada hum ano do
e ao > capitães que ora são e ao diante forem das ditas capi- rendimento das ditas rendas dellas depois de comprido o
tanias ouvidores juizes e justiças das vyllas deiles e a todos que pelloS defrutos for mandado dê e pague ao dito Bras
os oficiaes e pessoas a que ho conhecimento destes pertencer Cubas os ditos 6000 reaes per esta só carta geral sem mais
que lhos deyxem servir em dias de sua vyda asy e da ma- outra provisão minha e pello trelado delia que será trelladado
neira que servem os ditos cargos os outros provedores e e concertado pelo escrivão de seu carego e seu conhecimento
contadores das outras capitanyas da dita costa e lhe leixem mando aos contadores que lhes levem em conta e asy mando
aver os ditos dous por cento dordenado como dito he e a Thome de Sousa do meu conselho capitão da capitania da
todos os proes^e percallços que lhe direitamente pertence- Baya de Todollos Santos no dito Brasill e governador de
rem sem nyso lhe ser posto duvida nem embargo algum todollas terras delle que o meta em posse do dito officio
porque asy he minha mer.ce e em tudo lhe cumprem e de que se fará asento nas costas desta asinado per elle e
goardem e façam comprir e goardar esta carta como se nela asym mando aos capitães das ditas capitanias e ouvidores
contem e ele jurará na chanceiaria que bem e verdadeira- juizes e justiças das villas e lugares dellas e a todos os
mente syrva goardando em todo o que cumpre a meu serviço officiaes e pessoas a que esta minha carta for mostrada e o
e ás partes seu direito na qual chancelaria pagou ao rece- conhecimento delia pertencer que tanto que o dito Bras
bedor dela dordenado dos ditos oficiaes 2400 reaes que foram Cubas for metido de posse do dito officio dy em dyente lhe
sobre o dito recebedor carregados em receyta segundo se deixêm servir e delle usar e aver o dito mantimento próis e
vyo per seu conhecimento em forma e per este mando ao percalços que lhe pello dito regimento e provisões minhas
almoxarife e recebedor que ora he e ao diante for das ditas directamente pertencerem em quanto eu o ouver por bem e
capitanias que em cada hum ano dee e pague ao dito Bras nam mandar o contrairo como dito he sem duvida nem em-
Cubas do dia que for metido de pose dos ditos ofícios e os bargo allgúu que lhe a ello seja posto porque asy o ey por
começar a servir em diante tudo o que montar nos ditos bem e em tudo lhe cumpram e guardem e fação inteiramente
dous por cento de que as ditas rendas dizymos e direytos comprir e guardar esta carta como nella he declarado e elle
remderem como dito he e pelo trelado desta que será treia- jurara na minha chancelaria aos santos evangelhos que bem
dado no livro de sua despesa pelo sprivam de seu cargo e verdadeiramente sirva o dito offycio guardando em todo
e conhecimento do dito Bras Cubas mando aos contadores meu serviço e as partes seu dereito e pera firmeza de todo
260
►
O REGÍMEN FEUDAL DAS DONATARIAS
lhe mandei dar esta carta per mym asynada e asellada do de polvora de bombarda e despimgarda e pelouros e chumbo
meu sello pendente. Dada na cidade de Lixboa a iiij dias e bombardeiros porque tem muita necessidade diso e com
de fevereiro. Pero Cubas a fez anno do nacimento de nosso brevidade porque he muito a meude combatida dos contrayros
Senhor ]hesu Christo de mil bc lüj. E não sendo já gover- he tenho grande arreceo que se perqua se V. A. a não
nador nas ditas partes do Brasil o dito Tome de Sousa dara provee loguo e não manda povoar o Rio de Janeiro porque
a pose do dito officio ao dito Bras Cubas e a pasara a pesoa nam aja franceses que favoreçâo estes contrairos que são
que tiver e servir o dito cargo de governador. E eu Álvaro muito nosos vizinhos porque os franceses lhe dão muitas
Pirez a fiz escrever. E posto que nesta carta acima escrita armas de foguo e muita polvora com que lhes dão muito
seja declarado que o governador das partes do Brasill dee a ânimo pera cometerem o que quiserem como fazem. Noso
pose a Bras Cubas do officio conteúdo nella Eu ey por bem Senhor acrecente a vida e real estado de V. A. por muitos
e mando que a dita pose do dito oficio lhe seja dada em annos a seu santo serviço amen. Beijo as reais mãos de
camara pellos officiaes delia da Villa do Porto de Santos da V. A. Desta vila do Porto de Santos oje 25 de abril 1562 —
capitania de São Vicente onde o dito Bras Cubas reside e Do provedor da capitania de São Vicente. — Bras Cubas.
vive e ha de servir o dito officio avendo respeito a aver 200 (Arquivo da Tôrre do Tombo, gav. 2, maço 6, n.o 22.—
legoas da dita capitania de São Vicente na Bahia de Todos Conserva ainda o sêlo de Brás Cubas, que tem cinco cubas
os Santos do Brasill onde o dito governador reside. Da qual em santor).
pose se fará auto nas costas desta pello escrivão da dita
camara que sera asinado pellos ditos officiaes delia pera se
por elle em todo tempo ver e valeer como lhe a dita posse V
por elle foi dada e asy me praz que esta dita carta pase
pella chancelaria posto que o tempo em que por ella ouver Carta de mercê a Antônio Teixeira dos ofícios de
de passar seja pasada e pagara chancelaria directamente feitor e almoxarife da capitania de Pedro de Góis
somente sem embargo da ordenação em contrario. Pedro (1 de Julho de 1536)
Cubas a fez em Lixboa a biij0 dias de mayo de mil bc Ix b.
Dom Joham etc. A quantos esta minha carta virem faço
(Chancelaria de D. Sebastião, liv. ,16, fl. 306 v.). saber que confiando de Antonio Teixeira que nisto me
servira bem e fiellmente e como compre a meu serviço
IV querendo lhe fazer graça e merce tenho por bem e me praz
de lhe fazer merçe em dias de sua vyda dos ofícios de meu
Carta de Brás Cubas a D. ]oâo III, feitor e almoxarife da mynha feitoria e almoxarifado da capi-
em que dá conta do achado do ouro tania do Brasill de que lenho feito doaçam e merce a Pedro
(25 de Abril de 1562) de Gois fidallguo de minha casa asy e da maneira que ho
ell deve ser e como o sam e foram os meus feytores e
Senhor—Por húa nao que desta capitania de São almoxarifes que tenho providos nas outras capitanias do
Vicente partio pera ese Reyno ho ano pasado escrevi a Vosa dito Brasyll com hos quais ofícios o dito Antonio Teixeira
Alteza como vindo a esta capitania ho governador Mem de teraa e averaa de mantimento ordenado em cada hum ano
Saa lhe parecera voso serviço que eu fose por este sertão dous por cento de lodo o provento das Rendas dizimas e
demtro com hum homem que V. A. de la mandou a buscar direitos que pera mim se arrendarem e feytorizarem na dita
minas douro e prata e como fora a minha custa a jemte que feytoria e allmoxarifado asy per terra como per mar quer
levara comigo he que amdaria de jornada trezentas legoas e venha pera estes regnos quer pera quaisquer outras partes
por respeito das augoas que se vinhâo me torney e as amos- nollficoo asy ao capitam da dita capitanya e a quaesquer
tras do que trouxe mandey a V. A. e ao governador á Bahia outros meus oficiaes delia a que ho conhecimento pertencer
pera que por ambalas vias soubese ho que achara daquela e lhes mando que metâo loguo o dito Antonio Teixeira em
viagem. pose dos ditos ofícios e lhos deixem servir e delles usar e
Por eu vir muito doemte do campo he não poder loguo aver os ditos dous por cento dordenado em cada hum ano
la tornar torney loguo a mandar ho mineiro Luis Martinz ao pella dita maneira os quais elle tomará em sy e pello
sertão em busca douro he quis noso Senhor que o achase tresllado desta carta que seraa registada nos livros da dita
em seis pontos trinta legoas desta vila tão bom como ho da feytoria e allmoxarifado pello escrivam de seu carguo e
Mina e dos mesmos quilates he amostra que trouxe mando asento do dito escryvam do que monta no hordenado mando
daqui ao Governador da Bahia per asy o leixar mandado aos contadores que lho levem em conta e asy averaa o dito
he o mando chamar que venha dar ordem como se estas Antonio Teixeira com hos ditos ofícios todos os proes e
minas âo de beneficiar por ele o leixar asy ordenado aqui precallços que lhe direitamente pertencerem e jurará na chan-
canado se foy que se não bolise em ninhüa cousa sem ele celaria aos santos evangelhos que ho servirá bem e verda-
vyr ho que farya loguo em vendo meu recado he a yso deiramente goardando em todo a mym meu serviço e as
mando hum bragantim á Bahia porque lhescrevo as' novas partes seu direito e per firmeza delle lhe mandey dar esta
deste ouro pera nyso ver ho que lhe parece mais serviço de carta per mim asinada e asellada do meu sello pendente
V. A. ho prover ou mescrever que o faça. Manuell da costa a fez em Évora o primeiro dia do mes de
Nas minhas terras achei húas pedras verdes que pare- julho ano do nascimento de noso Senhor Jhesu Christo de
cem esmeraldas muito fremosas não ousey mandalas por este mil bc xxxbj.
navio a V. A. por as não aventurar a tão fraqua passagem
(Chanc. de D. João II/, liv. 21, pág. 139).
todavya mando lhe a mostra delas he da pedra em que nace
e o mesmo mando ao governador da Bahia pera que va per
duas vias a V. A. he vimdo o governador loguo aqui como
creo que vira e damdo boa embarcação pera ho reino man-
darey a V. A. as maiores e de mais preço.
Mande V. A. olhar por esta terra he mande a prover
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
VI hum dia por terra quem quer e quem nam quer ir polo rio,
vai por terra, asi pello rio se pode acarretar ho açuquar sem
Carta de Pedro de Góis escrita da Vila da Rainha
trabalho e por terra sirvirem se por mais presteza. Isto da
ao seu sócio Martim Ferreira
própria maneira que lhe escrevo, pasa; e escrevo lhe pera
(18 de Agosto de 1548) que o saiba.
(Em que dá noticia minuciosa das plantações de cana- Neste rio como digo detrimino fazer os nossos emge-
viais, montagem de engenhos, pessoal para os mesmos, etc.) nhos daugoa pera ho qual este primeiro dia dagoslo (sic) que
embora viraa parte hum mancebo lingoa com hum homem
Senhor—Ja que per outras cartas minhas lhe dou conta que vinha por feitor pera Luis de Goes, a que qua damos
do que qua pasa e do que de llaa vem sô mais breve que dez mil reaes por este primeiro anno e á lingua quatorze.
poso. Por Jorge Martinz que laa vai se achar a tudo e de Estes dous homens com outros dous que pera isso asoldadei,
tudo hir de mi avisado e pera o laa avisar do que qua paso vão arrotear e a fazer com os Imdios muita fazemda . s.
e quero agora dizer de mim como fiquo e o que detrimino prantar húa ilha que já lenho pelos Índios roçada de canas.
e asi ho que mais compre pera esta negoceação a que Deus E asi fazer toda quanta fazenda pudermos fazer, pera que
deixe acabarmos com honra e muito proveito como espero quando vier gei^te ache jaa que comer e canas e o mais
nelle que seja cedo. necesario pera os emgenhos. E entretanto que estes homens
Despois de me vir e largar no Rio da Paraíba nosa rossam, faço eu qua no mar dous engenhos de cavallos que
fazenda que faziamos detriminei ver as augoas que nesta moia hum delies pera os moradores, e houtro pera nós
terra onde fiquo avia, e Luis de Qoes ao presente estava, as somente; e isto pera o presente os entreter. Pera estes dous
quaes em as ver amdei perto de dous meses por a terra engenhos, bento Deus, tenho gente e o mais que lhe pertence
ser chea de arvoredo e os Índios pouquo práticos no que que he canas pranto agora. E querendo noso Senhor, da
nos queremos nellas e em algúas que tenho pera mi que som feitura desta a anno e meio poderei Deus querendo mandar
milhores e mais perto por ser o lugar per onde se avia de hum par de mil arrobas daçuquar noso destes emgenhos, e
busquar trabalhoso e as próprias auguas susas com paos dahi pera diante mais. Nisto eu porei toda a diligencia que
que'ao presente he trabalhosa cousa alimparem-se. Fui-me a poder e Deus poraa aver tudo. Isto detrimino ao presente e
fonte limpa e onde está a cousa certa ainda que pera o pre- nestes qmpenhos ficamos todos ocupados ao presente como
sente seja hum pouco longe que pode aver per terra sete ou Jorge Martinz lhe laa dirá; e podem ser feitos querendo Deus
oito legoas e por augoa dez. Isto na própria verdade que antes de hú ano e logo dahi a seis meses moer e termos ja
outra cousa nam é rezão que lha escreva nem se sofre antre qua sabido que estes dous engenhos de cavalos moem tanto
taes pesoas e tanto. como hum daugoa bõo. E tenhos em casa e em cabo seguro
Digo que isto e neste proprio rio de Managee donde e donde o açúcar nom pode ser maao se não ho milhor da
estou o qual vem nelle dar outros rios que sam os que lhe costa pelo porto ser muito bom e exprimentado por nós jaa.
digo que ao presente inda que se faz mais perto não pude Pera estes engenhos como já dito tenho temos escravos
ver e serão ao diante muito bõos ora por este rio arriba e gente que abaste pera elles resalvado moedor que á mister
onde começa de cair de quedas e até onde boamente podem que mande buscar dous pera cada emgenho seu e que sejam
os barcos bir fui a ver e achev poderem se fazer todos bõos oficiaes porque mestre daçucar ao presente tenho ca
quantos engenhos quisermos por ser hum rio onde enfrão e hú casado com sua molher o qual me tinhão ja no Spiritu
podem entrar navios como ese que veo vindo em tempo Santo tomado e asoldado por tres anos e lhe davâo sasenfa
daugoas e corem dalto por donde se pode fazer tudo o que mil reaes por hú ano e eu ho ouve á mão vindo elle por sua
quiserem neste rio e nestas cachoeiras medi ho que queria molher e ho mandei pela camara reter com penas grandes e
fazer e pera ter mais sem duvida fui ao Spirito Santo omde fiz ficar ao qual lhe dou vinte mil reaes mortos por este
me achou e o caravelão quando veo. E com muito trabalho primeiro anno que nam moio e dahi por diante como moer
ouve hum oficial de Bras Telles ao qual dei a cruzado em corenta mil reaes. E isto fiz a elle mais por força que por
dinheiro por dia em que se montou no que lhe dei em quanto elle ter vontade comtudo fiqua seguro por ser casado que não
qua amdou dezoito mil reaes como lia veraa per hum coaderno ha outra cousa pera terra. Ora estes moedores á mester
que la vai do que se quaa gastou. Este por ser ja esperi- mandar buscar e termo-Ios certos e virem logo ainda que seja
mentado e por nosos oficiaes qua me faltarem em húa augoa estarem hum ano sem logo fazerem seu oficio porque mais
quis comprender pouquo e segurar mui o e ter diso muita vai pagar lhe hum ano de vazio que telos seguros na boia e
certeza como tenho asi que tomei o que me bem pareçeo feitos a ella que nam ao tempo de faze-los emgenhos esperar
per fazenda asi do olho do mais. Fiqua o primeiro emgenho por elles e perderem-se as canas e também porque neste
daugoa com oitocentas braças de levada de tres palmos sós anno primeiro sempre gastâo em doenças e fazerem-se á
em largo e tres em fundo por terra muito chãa e sem terra, pelo que é necessário mandalos logo vir; e nom aja
trabalho e trazem na á borda do Rio sobre hum outeiro como duvida a isto. Os meios que ouver mester eu os mandarei
digamos ese que vosa merçe tem de tras de sy. E damos a per hum rol de fora inda que nas cartas os peça pera que
queda que he de sesenta palmos largos pera riba em baixo vá tudo mais largo e decrarado.
na borda do rio que estaa tam perto como ese mar de caa Jaa lhe digo, senhor, que pera estes engenhos de cavallos
de maneira que fiqua o emgenho tam perto do rio como esas eu só, bento Deus, com João Velho abasto e com a fazenda
casas donde vosa merce estaa e podem chegar as barquas que ao presente temos e daqui té 11a se farão sem mais outros
asy como ahi chegão. Ficaram os mestres muito satisfeitos gastos que os que estam feitos, do Reino digo. Agora lhe
da terra. E de feito é muito estremada terra de marapenes quero dezer ho que se á mester pera os emgenhos daugoa
quedentas (?) lhe chamão elles e da maneira que elles dese- de riba. Estam bem pera baixo omde estou é neçeçario ao
javão. Ora nam tem mais esta terra senão ser dez legoas por menos virem sasenta negros de Quinee, logo este primeiro
augoa pello rio que nom lhe faz nada noso [nojo?] e obra ano dos quaes faço conta de tomar os dez pera estes enge-
de sete legoas por terra omde lhe mandei abrir hum caminho nhos dos cavallos que isto soo lhes falece pera ajuda dos
que pode hum carro sem molhar pee chegar ao engenho e acarretes e lenha e os sincoenta irão pera os engenhos dau-
cavalos e tudo e tudo ho que homem quiser. E amda se em goa e com estes negros amde vir vinte homens outros a
262
O REGÍMEN FEUDAL DAS DONATARIAS
soldo e hú húa (?) palha imda que nas cartas lhe nam faço que s^ não fiassem em nós que não mantlnhamos verdade e
menção pera que he nem as rezões, porque tudo o que nelle se vyerâo lloguo a hua povoação minha pequena que eu tinha
for será farinha peneirada e o farello fora. E tudo pode crer mais feita e estando a gemte segura fazemdo suas fazendas
que foy muy bem oolhado e he neceçario pera terra e nom derão nelles e matarão tres homens e os outros fogirão e
se pode de tudo dar conta pelo meudo porque seria alem queimarão os canaveaes todos com ha mais fazenda que
de emfadamenfo grande nunca acabar e Jorge Martinz dirá o auia e tomarão toda quanta artelharia auia e deixarão tudo
que mais em tudo compre e a rezão porquê naquilo que souber. estroido e imdo as novas a mim acudi com toda a gente que
Tenho pera mim que nenhúa cousa é pior pera armação pude e quoamdo la fui era tudo estroydo e toda a terra asy
que mandar cousas roins do que se deve goardar porque as no mar como onde eu estaua alevantada pera me matarem e
baratas saem caras . s. o ferro do bom o milhor porque sae a toda a gente pello que me foy forçado em que me pes
tudo em proveito e o roim que ha e nom se faz dele nada por de mym nom dar ma conta acodir ao mar e recolher
como este que ora veo. E assim toda a mais mercadoria do toda a gente a mim e fazer me nelle forte com perder vynte
que se deve muito goardar que o ferro quando o mandar e synqo homens que me matarão dos milhores que tinha e
seja do milhor e as faquas de baixa sorte das milhores e asi toda a fazemda que feita tinha como lia pode querendo ver
as tisouras e toda a mais mercadoria e em bôas caixas porque per hüs estromentos que pera mais fe mandei tirar e fiqei
as tisouras que agora vierão nom aproveitâo por virem em com hum olho perdido de que não vejo e quinze annos per-
canastras e isto nom he minha culpa que eu ho avisei bem didos nesta terra (') e o que mais sinto ha perda que dei ha
do caso e nom sey porque se nom lembra do que lhe escrevo homens que comiguo follgarâo darmar por lhe eu dizer que
pois tudo é seu proveito e serviço e oulhe de quem se llaa Vosa A. me mandara que os buscasse como fes, e ter a terra
fia e de quem lhe isto compra porque qua vem tudo furtado ao presente em condição de se perder se lhe não açodem,
e nom perqua o seu e pague lho a quem no entregar. E oulhe ho que tudo naçe da pouqua justiça e pouquo temor de
os feitores que manda porque niso jaz o ponto. Eu farei imda Deus e de Vosa A. que em algüas partes desta ferra se fas
outro pequeno sobre este homem que qua mandou e as e ha, per donde se de vosa A. não he prouida perder se á
cousas que falecem. Beijo as maaos de vosa merce mil vezes. todo ho Brasyl antes de dous annos e isto não com gastar
Desta sua vyla da Rainha oje 18 de agosto de 1545. nada mais que mandar nos que cumpramos seus foraes e
(Biblioteca de Évora, cód. CXVI, 2-13, n.o 2). nom comsyntamos andar ha salltear a costa, tudo ho que
É a única carta que há na Bib. de Évora. Varnhagen pera isto compre eu ho tenho escrito llargo ao seu feitor
desdobrou esta carta em duas. da casa da índia peço ha Vosa A. ho mande ir amte mim e
delle sendo enformado proveja esta sua ferra onde estam
muitos engenhos dagoa feitos e pode jagora render muito
VII avendo pas na ferra a quoal nom pode aver sem sesarem
os roubos nella aos nossos feitos.
Carta de Pedro de Góis escrita da Eu senhor tenho hua mal e tres irmãas que 11a deixei
Vila da Rainha a D. João III e como não tenho nada de meu nem meus avos me deixaram
(29 de Abril de 1546) mais que aquilo que Deus e vosa A. me faz merce, mantenho
(Em que dá conta de como, ao regressar do reino, encontrara as com muito trabalho da minha vyda e pesoa, antre as
desbaratada a sua capitania, e da fundação de uma boa e quaes húa dellas he freira em Santa Crara de Beja ha perto
nova povoação com muitos moradores, a umas dez léguas de vynte annos e por desejar de ser ouseruante se sayo
do mar pelo interior, e de como os naturais se levantaram com llicença do seu prellado e por ser tão boa madre e
em represália das más acções de Henrique Luís e da luta vertuosa ha dezejão e recolhem na Madre de Deus. Resta
que com êles travara, em que perdeu um ôlho e vinte e
cinco homens mortos). somente auelo Vosa A. por bem, peso, senhor, que nom seja
em se perder tão boa relligiosa e aja por bem de a reco-
Senhor.—Per húa que lloguo como a esta sua terra lherem porque aliem de nisto seruir ha Deus ha mim fas
do Brasil cheguei lhe escrevi, lhe dei comta quanto desba- mui grande merçe e desta freira se pode enfermar se he
ratada achei a minha capitania e alleuantada porque toda ha como digo da própria abadesa da Madre de Deus e de Beja
mais gente que nella tinha deixada toda fogida com ho e pera sostentamento de minha may e irmãs sollteiras que
capitão e como mais por seruir vosa alteza que pello gosto ficão não menos vertuosas como pode saber lhe peço me
que antão delia tiue ha nom llargei e deixei, mas amtes faça merçe de algüas cousas que lhe lia mando pedir pera
asentei e de nouo comecei a pouoar per hum rio acima obra sostentamento de se nom perder esta ferra de donde as
de dez legoas do mar por nom aver agoas mais perto, omde sostenho pera ho quail nom tenho que pôr diante a Vosa A.
fis húa mui boa povoação com muitos moradores e muita pera que mereça senão per ho dezejo que sempre tiue e
fazenda, a quail a elles e a mim custou muito trabalho por tenho pera ho servir o quoall rogo ha Jhesu Christo seja de
ser pella terra dentro e estando assy muito comtentes com Vosa A. tão açeito como a elle foy ho do Madeiro na cruz
ter ha terra muito pacifiqua e hum engenho dagoa quasi de que nam teue que dar mais que ho coração e a llingoa e
todo feito com muitos canaueaes, sayo da terra de Vasquo allcançou ho que pedia. Este mesmo Deos acreçente os dias
Fernandes Coutinho hum ornem per nome Anrrique Luis da vida e reall estado de Vosa A. como os da Rainha e
com outros e em hum carauellão sem eu ser sabedor se foy príncipe nossos senhores e os entretenha sempre em seu
ha hum porto desta minha capitania e contra o forall de seruiço. Desta sua vylla da Rainha no Brasyll aos xxbiiij
Vosa A. resgatou ho que quis e não contente com isso tomou dias dabril de 1546. = Pedro de Goes Sobrescrito: Pera
por engano hum imdio ho maior principall que nesta terra el Rei noso senhor. — À margem: não serve.
auia e mais amiguo dos cristãos e o premdeu no nauio
pedindo por elle muito resgate ho quail despoes de por elle (Corpo Cronológico, Parte I, 77, 120).
lhe darem ho que pedio por se congraçar com outros imdios
contrairos deste que prendeo lho Ueuou e entregou preso
e lho deu a comer, contra toda verdade e rezão per donde
os Índios se allevantarão todos dizendo de nós muitos malles (1) Desde que fôra para S. Vicente com Marlim Afonso de Sousa.
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O REGÍMEN FEUDAL DAS DONATARIAS
elle e o dito Vasco Fernandez era concertado e asentado e confirmações dos príncipes serem feitas em prejuízo
sobre a dita demarquação pelo dito seu alvará e Minha de terceiro as quaes ordenações e direitos e quaesquer
confirmação e assim me prouvésse que ainda que se em outros que em contrario haja Hei neste caso por derogadas
algum tempo achasse ficarem os baixos dcs Pargos ao cassadas e anuladas e quero que nam tenham força nem vigor
sul do rio de Santa Catharina por onde ambos partem algum contra o conteúdo nesta carta posto que nella não
e sendo Minha a terra que houvesse dos ditos baixos sejam declarados e especificados de verbo a verbo e sem
até o dito rio lhe fizesse delia doação e mercê pera que embargo da ordenação do segundo livro titulo 40 que diz que
chegasse com a terra da sua capitania ao dito rio de Santa se não entenda nunca ser por Mim derogada ordenação
Catharina. E visto seu requerimento com o dito assinado algüa se delia e da substancia delia não fizer expressa menção
e visto a forma de Minha confirmação da dita confirmação e por firmeza delia lhe mandei dar esta carta por mim assi-
na qual consentiu e outorgou Dona Maria mulher do dito nada e sellada com o meu sello do chumbo pela qual Mando
Vasco Fernandez como nelta he conteúdo e por alguns justos a todos os Desembargadores, corregedores, ouvidores, juizes
e bons respeitos que Me a isso movem Me apraz e hei por e justiças, officiaes e pessoas de meus reinos ou senhorios a
bem de confirmar e approvar como de feito por esta presente quem for mostrada e o conhecimento delia pertencer que a
carta confirmo e approvo pera sempre a dita demarcação e cumpram e guardem e façam inteiramente cumprir e guardar
assinado o consentimento do dito Vasco Fernandes sobre pera sempre assim e da maneira que se nella contem sem
ella feito e quero e mando que se cumpra e guarde como se duvida nem embargo algum que a ello seja posto porque
na dita confirmação e assinado contem pcsto que pela tal assim he minha mercê. ]oam de Seixas a fez em Almeirim
demarcação agora ou ao diante em qualquer tempo ache a 12 dias do mes de março ano do nascimento de nosso
e mostre o dito Pedro de Goes tomar da terra da capitania do Senhor jhesu Cristo de 1543. Manuel da Costa a fez escrever.
dito Vasco Fernandes ou elle Vasco Fernandes tomar terra
da capitania do dito Pedro de Goes por quanto Me apraz que (Arquivo da Torre do Tombo, Chanc. de D. João III,
elle e todos seus herdeiros e sucessores pera sempre estejam liv 6, pág. 51 v.)
pela dita demarcação na forma e maneira que se contem na X
Minha confirmação e no dito assinado de Vasco Fernandes
e não possam em tempo algum vir contra elle em parte nem Carta régia regulando a doação da ilha
em todo por via alguma que seja posto que algum delles de Santo Antônio a Duarte de Lemos
por bem da dita demarcação e concerto assim entre elles por Vasco Fernandes Coutinho
tome da terra do outro ou outr(o do outro e sejam nisso
enganados como dito he e isto Me apraz assim sem embargo (s de Janeiro de 1549)
de o dito assinado e concerto não ser feito por escriptura Dom Joham etc. A quantos esta minha carta virem faço
publica e da ordenação do Livro 111 fit. 45 na parte que saber que Duarte de Lemos fidalgo de minha casa me apre-
dispõe que todos os contractos, divisões e demarcações sobre sentou húa escritura da qual o theor tal he:
bens de raiz sejam feitos por escritura publica e posto que o Em nome de Deus saibam quantos esta escritura de
dito Vasco Fernandes desse o dito assinado sem outra outorga doação e declaração virem que no anno de Nosso Senhor
e consentimento da dita Dona Maria sua mulher visto como Jhesu Cristo de 1540 anos aos vinte dias do mes de agosto
já tinha outorgado na dita demarcação e já confirmada por na cidade de Lisboa na rua do Barão onde pousa o senhor
Mim e como agora não pode outorgar o dito assinado por Vasco Fernandez Coutinho capitão e governador da capitania
ser ausente e sem embargo da Ordenação do IV livro titulo do Espirito Santo na parte da sua terra do Brasil estando
seis que dispõe que o marido não possa vender nem alienar presente de húa parte o dito Vasco Fernandez Coutinho e da
bens de raiz sem outorga e consentimento de sua mulher, outra o senhor Duarte de Lemos fidalgo da casa dei Rey
porque sem embargo de tudo de Minha certa ciência poder nosso Senhor logo em presença de mim notario geral da
real e ausoluto Me praz e Hei por bem de confirmar e corte e testemunhas adiante nomeadas o dito Duarte de
aprovar o dito concerto e demarcação na maneira sobredita Lemos apresentou ao dito Vasco Fernandez Coutinho hum
e assim Hei por bem e Me apraz que sendo caso que alvará feito e assinado por sua mão do qual o tralado de
agora ou em qualquer tempo se ache ou mostre que os verbo a verbo he o que se ao diante segue:
baixos dos Pargos ficam ao sul do dito rio de Santa Catha- Eu Vasco Fernandez Coutinho digo que eu dou ao
rina por onde os ditos Pedro de Goes e Vasco Fernandes par- senhor Duarte de Lemos a ilha Grande que está da barra
tem da maneira que por elle Me pertença e seja Minha a pera dentro que se chama de Santo Anfonio, a qual lha dou
terra que Eu houver dos ditos baixos até ao dito rio de fazer fora e isenta pera si e todos seus erdeiros e descen-
delia doação e mercê a elle Pedro de Goes pera elles e todos dentes enfatiota pera sempre e isto por vertude da minha
seus herdeiros e sucessores pera sempre na forma e maneira doação que tenho pera o poder dar e fazer na qual ilha
que se contem na doação da dita capitania pera que possa poderá poer todos os officiaes e officios delia e lhe pagarão
chegar e chegue com a sua terra delia ao dito rio de Santa a pensão a elle somente as apelações que virão a Mim todo
Catharina e suppro e hei por supridos todos os defeitos e o mais lhe dou poder que elle possa fazer e mandar fazer e
nulidades que de feito ou de direito nesta confirmação assim também em sua vida lhe dou minha redizima que nella
e doação e mercê haja ou ao diante possa haver por onde me poderá vir e assim também terá as aguas e moendas
sejam em prejuízo do dito Vasco Fernandez ou do dito pera elle e sua casa forras e isentas e sendo caso que nosso
Pedro de Goes e de seus herdeiros e descendentes ou de cada Senhor de Mim faça o que for seu serviço mando que este
hum delles e isto sem embargo das doações dos ditos Vasco valha até que meus herdeiros ou herdeiro lhe fação dejla
Fernandes e Pedro de Goes dizerem que nunca em tempo algum doação da dita ilha que ora lhe tenho dado por muito que
se possam as ditas suas capitanias e cousas dellas partir lhe devo e por me vir ajudar a suster a terra que sem sua
nem escambar nem em outro modo alienar e assim que eu ajuda o nam fizera e mando ao meu herdeiro sob pena de
não vá nem consinta ir em tempo algum contra as ditas suas maldição que o cumpra muito mais se poder. Feito por Mim
doações em parte nem em todo e sem embargo do direito a 15 de julho de 1537. Vasco Fernandes Coutinho.
commum e ordenações que prohibem os benefícios e doações E apresentado e incorporado o dito alvará de doação
265
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
nesta escritura como dito he o dito Duarte de Lemos disse declarou o dito Vasco Fernandez Coutinho que por quanto
que por elle Vasco Fernandes Coutinho até ao presente lhe a dita ilha está limitada por termo da povoação do Espirito
não poder fazer escritura e carta de sua doação conforme o Santo nem elle Duarte de Lemos nem seus sucessores não
seu alvará por alguns respeitos em Deus ser servido de elle farão na dita ilha villa e a redizima que no alvará lhe
Vasco Fernandes ora vir a esta cidade e corte de El Rei tem concedida estava no dito tempo entre elles asentado que
nosso Senhcr lhe pedio por merce que lhe mandasse fazer não fosse senão a redizima da sua própria fazenda. Teste-
sua escritura de que lhe assim tem feito merce doação pelo munhas que foram presentes Fernão Velez fidalgo da casa
dito seu alvará por haver tanto tempo que já entre elles do dito Senhor e Pedro Garcia morador na Villa do Espirito
estava assentado e vendo o dito Vasco Fernandes Coutinho Santo na terra do Brasil e Ruy Fernandez creado do dito
o dito seu alvará e como lho passara em tempo que por senhor Vasco Fernandez Coutinho e Antonio da Costa criado
outra maneira se não podia fazer por não haver oficiais na do dito Fernão Velez. E eu Qomez Eanes de Freitas escrivão
terra e as mais lembranças que entre elles passaram e como da camara do dito Senhor e das correições da sua costa e
o dito alvará não tem vicio nem borradura nem cousa que o notario publico e geral nella e da sua casa da supplicação
faça suspeito mas antes he o dito alvará verdadeiramente que este segundo tirei pera o dito Duarte de Lemos e nelle
feito e assinado per sua mão e havendo respeito ao dito fiz meu publico sinall tal he.
Duarte de Lemos se vir da capitania de Todos os Santos Pedindo me o dito Duarte de Lemos que lhe confir-
onde estava na companhia de Francisco Pereira pera a sua masse a dita escritura de doação e visto seu requerimento
capitania e trouxe seus criados e outras pessoas que por seu per lhe fazer mercê Hei por bem e me apraz de lha con-
respeito vieram com elle e o ajudou sempre a suster e fazer firmar a dita doação assim e da maneira e com as cláusulas
guerra contra os infiéis e gentes da terra o que sem sua e condições nela declaradas e Mando ao capitão da dita capi-
ajuda não poderá fazer e por desejar que elle em algüa nia do Espirito Santo e a quaesquer outros oficiais e pessoas
maneira seja agalardoado de seu serviço, perigos e riscos de a quem o conhecimento pertencer que cumpram e guardem
sua pessoa em que se muitas vezes com elle Vasco Fernandes e façam inteiramente cumprir e guardar como aqui he con-
Coutinho viu e ao gasto que tem feito de sua fazenda lhe teúdo sem duvida embargo nem contradição algüa que lhe a
fizera o alvará da dita doação da dita ilha ou leziria de Santo elo seja posto porque assim he minha mercê. E por firmeza
Antonio e feito o dito alvará por sua própria pessoa lhe fora de tudo lhe mandei passar esta carta por Mim assinada e
a pegar a dita ilha e lhe dera delia corporalmente posse selada do meu sello pendente. Dada em Almeirim aos oito
autuai, civil e natural e como senhor e governador da terra dias de janeiro. Yeronimo Correia a fez ano do nacimento
o incorporou na posse de toda a dita ilha e em pessoa delle de Noso Senhor Yhesu Christo de 1549. E eu Manuel de
Vasco Fernandez Coutinho elle Duarte de Lemos dera logo Moura a fiz escrever.
ás pessoas e moradores da terra grandes partes de sesmarias (Arquivo da Torre do Tombo, Chanc. de D. João III.
das terras da dita ilha pera aproveitarem e a povoarem liv. 6. fl. 512).
fazendo fazenda pera si como em sua cousa própria forre
e isenta dizimo a Deus e tendo esta posse e deixando ordem
em sua fazenda por seus moradores e creados se viera a XI
estes Reinos pera delles dar maneira pera todo o que cum-
prisse pera sua povoaçâo e porque elle Duarte de Lemos lhe Carta de Pedro do Campo Tourinho
pede que lhe faça sua escriptura e carta de doação conforme escrita de Porto Seguro a D. João III
ao dito alvará e doação o dito Vasco Fernandez Coutinho (28 de Julho de 1546)
disse que elle aprova e ratifica o alvará da dita doação
e posse que lhe por elle tem dada assim e pela maneira (Em que dá conta dos sucessos da Bahia e de se achar em
Pôrto Seguro o donatário Francisco Pereira Coutinho, e
que nelle entre elles está asentado pelo dito alvará e por pede ao rei prover de artilharia, pólvora e muniçáo de
esta escritura era declarado e lhe concede por que já guerra o portador capitão do mar Manuel Ribeiro, por
entre ellas estava asentado no dito tempo, que possa fazer serem na terra muito pobres em quanto se náo acabarem
e mandar fazer hum engenho de assucar pera sua fazenda os engenhos).
no rio das Roças Velhas defronte da dita ilha e nam pague Senhor. —A Baia capitania de Francisco Pereira Cou-
mais foro delle nem outro tributo, nem pensão que hum bõo tinho se despovoou per rezão do gentio dela lhe dar gera
pam de assucar cada anno que pese quatro arrateis e com averá hum anno e ele se veyo aquy onde ora está sem
estas graças, doação e liberdades lhe concedo a dita ilha ou nunqua pôr nenhua deligencia acerqua de a pouoar e ora
lesiria de juro e erdade pera todo sempre pera elle Duarte sou enfermado por hum Diogo Alvarez o galego lingoa que
de Lemos e todos seus erdeiros e sucessores, assim e pela la era morador que daquy foy em hum caravellão á dita
maneira que lhe ele pode conceder e sua doação lhe dar Baia que se fora dahy húa nao de França averia dous ou
poder e a elle ter concedido e outorgado pela doação do tres dias os quaes fizeram amizade com os brasys e levou
dito seu aluará e ora o declara e outorga por esta escritura toda a artelharia e fazenda que ahy fiquou e concertaram
ao dito Duarte de Lemos prometendo o dito Vasco Fernandez com hos brasis de tornar dahy a quatro meses com
Coutinho ao dito Duarte de Lemos e assim a mim notario quatro ou cinquo nãos armadas e muita gente a pouoar a
como pessoa publica estipulante e aceitante esta escritura terra por causa do brasill e algodões que nela ha e redi-
e doação em nome da senhora Dona Isabel Froez sua ficarem as fazendas e engenhos que eram feitos e por o tal
mulher de nunca em tempo algum por si nem por seus nam ser seruiço de Deus nem proveito de V. A. antes des-
sucessores lhes ir contra nem a seus erdeiros e sucessores truição de todo o Brasil eu mandei ao dito Francisco Pereira
entre elles em parte nem em todo mas prometo de sempre a da parte de V. A. logo se embarcase pera ese Reino fazeto
aver por firme e valiosa do tempo em que lhe assim tem saber a V. A. e por nam ir o faço saber a V. A. e lhe
dada e concedida pera todo sempre. E em testemunho de mando hum estormento diso pera com brevidade prouer
verdade assim lhe mandou fazer esta escritura e doação como for seu serviço.
pera delia tirar quantas forem necessárias e querendo a elle E pera guarda e conservação do Brasil e de toda esta
confirmar pede a El Rei noso Senhor que lha confirme; e costa fiz caa Manoel Ribeiro portador capitão do mar por
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O REGÍMEN FEUDAL DAS DONATARIAS
ser pesoa auta e pera o tal abei e pertencente e pera o prezos por Uamçarem x ou xb ou xx allmas nos pitiguares
servir em cousas que cumprem a V. A. muito dilysente. em terra e as darem a comer aos Imdios e despois se alle-
Beijarey as mãos a V. A. por ser cousa que tanto vamtaram com ho navyo e lhe trazerem suas ffazemdas
cumpre a seu serviço proveio de artelharia polvora de muni- roubadas e elles mortos e assy hum ffranses per nome
ção de guerra que pera o tal serviço he muito necesario Formão que veyo narmada de V. A. degradado pera sempre
porque aynda agora ao presente somos caa tão pobres que por ladrão do mar cosairo como Framcisco do Camto que
não podemos fazer nada sem ter favor e ajuda sua e tanto vay por capitão desa nao mais largamente dirá a V. A. e
que os engenhos se acabarem, eu espero em Deus, V. A. ter como elle Ueva mao preposito segundo emformações que eu
aquy hum novo Reyno e muita renda em breve tempo. As tenho não deu por nada mas antes os Uevou todos e mais se
mais novas desta terra por o portador será V. A. na verdade mais achara e os que leva comsiguo são lladrões e desore-
enfermado por ser pesoa pera yso. Deste Porto Seguro onde Ihados e degradados pera esta terra por onde creo que não
fiquo beyjando suas reaes mãos oje xxbiij dias de Julho Ileva bom preposito como hum Antonio Vaz que esta no Ryo dos
de 1546.- Pedro do Campo - So6rescr/7o: A El Rei noso Ilheos na ffazenda de FernamdAlvares da Casa da índia mais
senhor. Do Brasil. llargamente sabe e asy hum Roque Martins que qua está na
sua capitania e outro que era mestre de hum navio em que
(Corpo Cronológico, Parte 1, maço 78, n.o 45. Conserva
ainda o sêio de Pedro do Campo, que contém apenas um B). elle vay por serem cometidos e o mestre se deixou ffiquar
em terra nesta capitania por não segir a Rota que Vasco
X 11 Fernandes ileva que he yr se a França a se restaurar se de
seus gastos que tem ffeitos na sua capitania, dizendo que asy
Carta de Duarte de Lemos escrita ho ade fazer pois lhe V. A. quebra suas doações e a sua
de Pôrto Seguro a D. João III capitania deixou e entregou ao ouvidor gerall ho que dá
(14 de Julho de 1550) mais cor a ser verdade seu caminho e mao preposito.
!t. Eu mandey este aviso a Tome de Sousa porque
(Em que dá conta de como Tomé de Sousa o mandou como Vasco Fernandez se vay a Pernambuqo a ver com Duarte
capitão para a capitania de Pôrto Seguro —cu)o donatário
fôra, quatro anos antes, remetido em ferros para Lisboa,— Coelho e dahy segir sua rota per onde lhe bem parecer e
e informa sobre a próxima expedição de descobrimento como elle ja nam tem que perder e está no Reino muito
das minás de ouro, e de como Vasco Fernandes Coutinho endividado nenhüa duvyda á ho ffazer portanto ho ffaço
chegara a Santa Cruz, fazenda do duque de Aveiro, com o a [saber] a vosa allteza e crea V. Allteza que ja quando
projecto de se passar a França com os homisiados que
levava em sua companhia). partyo do Reino pera este Brazill da primeira vez veio com
este preposito e será boa testemunha Fernam Vylles (Velez)
Senhor.—Eu esprevy outra a V. A. num navyo que e elle a mim me cometeo e eu lhe dixe que nunqua Deus
deste porto capitanya de Porto Seguro partio pera ho Reyno quisese que fose tredo a V. A. e porque os tempos lhe não
de Christovam Pares em que lhe dava conta como ho gover- socederão nem Deus quis que elle tall deserviço lhe fizesse
nador Tome de Sousa me mandou a esta capitania de Pedro ho nom ffez não por que não fosse boa a sua vontade.
do Campo e que estyvese nella por capitão ate V. A. prover It. Senhor despois destar nesta capitania per V. A.
e asy lhe esprevy quam estamos deste ouro e como está na mandou ho governador Tome de Sousa hum mandado a esta
comquysta de V. A. todo e a mor parte que vay do Peru e capitania por parte de V. A. que nenhúa pesoa cortase nem
que está nesta alltura de dezasete grãos que he aonde esta careguase brasill e os que tynhão llycensa de V. A. pera ho
capitania está. Tenho vymte omens juntos pera yrem busquar careguarem ffosem careguar aos Pefyguares e ao Rio de
e partirão por aguosto damdo lhe Tome de Sousa ho nese- Janeiro, os armadores desta capitania e moradores delia não
sario he ho caminho poees ysto he de V. A. e estamos tão tinhão outro repayro pera paguarem {fretes de seus navyos
perto delle deve V. Allteza de mandar omens que conheção por ainda aver pouqo açuquare se não ho brasill que carre-
a terra domde está ho ouro porque por nenhúa terra destas guavão os que tynhão licença de V. A. Pede este povo por
partes podem miihor yr a elle que por esta de Porto Seguro merce a V. A. que aja por bem não avendo de caregar com
por ho gentio delia estarem de pas e muito nosos amigos as licenças que tem carege de brazill pera V. A. paguando lhe
mormente dispois que V. A. mandou a sua armada a esta seu frete e vemda asym se parecer bem a V. A. e seu ser-
terra que elles souberão que V. A. mandava que hos não viço restaurar se ha esta capitania. Doutra maneira despo-
salltease e os tornasem a suas terras. voar se ha por que sertefiquo a V. Alteza em verdade que
Eu tenho mandado a Tome de Sousa daquy desta capi- se não tivessem esta esperança de V. A. lhe ffazia que
tania hum pilloto que he sobrinho de Pedro do Campo que não fíiquase tão senhores (?) hum ornem que se não va asy
se chama Jorge Diaz Diguo que he dos prymsypaes que temos esperança de V. Allteza espero ver pois nem .... os
ande yr na companhia a descobrir de yr e reger se polia moradores como dantes vinhão sertefyquo asy a V. A. esprita
alltura e não ffoy a outra o buscar ho nesesaryo pera neste Porto Seguro aos 14 de julho de 1550. — Duarte
ho caminho e tamto que ffoy vymdo trazendo ho nesesario de Lemos.— Sobrescrito: Pera EI Rey noso senhor.
yrão ho quall he resguates . s. faquas cunhas tizoiras contas (Corpo Cronológico, Parte I, maço 84, n.o 99). Docu-
da terra e anzollos e allgüas roupas e podões ffoses machados mento lacerado.
he não esprevo mays disto a V. A. por que Tome de Sousa
lho escrepvera mays llargamente. XIII
Senhor, V. A. saberá como Vasco Fernandes Coutinho
veyo ter a este Porto Seguro e ffoy sorgir junto da nao a Carla de Pedro Borges escrita de
Santa Cruz ffazenda do Duque d Aveiro que he desta villa Pôrto Seguro a D. João III
duas llegoas omde estava a nao de V. A. á carega de brazill (7 de Fevereiro de 1550)
dizemdo que se queria yr nella ao reyno e estarya hy oyto
dias eu ho ffuy ver e lhe pedi e requery da parte de V. A. (Em que dá conta de como fôra mandado com Pero de Góis em
socorro dos Ilhéus, onde Francisco Romero estava de
que não llevase huns omiziados que ho ouvidor gerall capitão e ouvidor, e de como o julga incapaz de exercer
prendeo nos Ilhéus que ffogirão da cadeia os quaies estavão cargos de justiça; de como nas várias capitanias é mister
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HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
que se ponham por ouvidores homens entendidos e se com o ouvidor que conhece de auções novas basta ate aver
coíba o abuso de nomear degredados para vereadores; de mais gente e asy o hey de ffazer por estoutras capitanias,
como nenhuma das duas capitanias dos Ilhéus e Pôrto
Seguro tinha direito a um juiz dos orfãos por não chegarem porque crea V. A. que muitos officiaes causão muitas deman-
a trezentos os habitantes das suas vilas, sendo que Pôrto das, fallo como experimentado, porque estando por vosso
Seguro não tinha cem habitantes; de como prendera o corregedor no regno do Algarve esteve a villa de Loulé perto
mestre de um navio, culpado de haver abandonado entre de quatro meses sem nenhüa justiça de nenhúa calidade
os potiguares os colonos que vinham do reino; e em que
informa sôbre a desmoralização dos costumes, etc., etc...). porque fallecera o Iffante Dom Fernando voso irmão que
Deus tem. Eu quando por mandado de V. A. ffui tomar posse
Senhor—Quando aguora vim com Pedro de Goes por da dita villa nom avia acontecido naquelle tempo dos quatro
mandado do governador ao socorro dos Ilheos, como por meses em que esteve vagua a villa cousa de que se devesse
outra escrevi a V. A. em quatro [dias] se ffizerão as paazes tirar devassa nem tomar querella e loguo como ay ffui com
he me vagava tempo entendi em algumas cousas da justiça a coreição ouve negocios que davão que fazer a cinquo
e achei tantas cousas de que lançar mãoo que bem parecia escrivães que andavão na correição e a mais se mais forão.
terra desemparada da vossa justiça. Eu aqui nesta capitania e ná dos Ilheos pasey por
Estaa ay na dita capiianya dos Ilheos hum capitão por algúas cousas do tempo pasado por me dizer o governador
Jorge de Figueiredo que tão bem serve de ouvidor a que que asy o avia V. A. por bem e porem por os que trouxetão
chamão Francisco Romeiro que jaa aly esteve outra vez com muitos homens he moiheres em hum navio do reino averá
ho mesmo careguo e foi preso no Limoeiro muitos dias por seis ou sete anos e meninos he os lançarão em terra nos
culpas que cometeo no mesmo officio, ho quall he bõo homem pituguares e os comerão todos os gentios he elles vierão
mas nom pera ler mando de justiça porque he ignorante e vender as roupas e fazenda destes haa Baia, nom pude
muito pobre, o que muitas vezes ffaz fazer aos homens o desimular, porque ffoy hum grande caso e deshumano tenho
que nam devem. Hee pera cousas de gerra homem acordado preso o mestre e senhorio do navio que he naturall do
e experimentado e de bõo conselho segundo me dizem. Algarve e hum marinheiro os quaes prendy com grande
E porem achei lhe cousas mal feitas com algumas pesoas trabalho nos Ylheus em serras e brenhas de noyte onde o
principaes da terra e nas cousas da justiça mal atentado mestre do navyo andava embrenhado com hum cleriguo de
e sendo jaa outra vez ouvidor como dise serve sem pro- missa a que chamão o Bezerra, o qual na Bahia fingio que
visão de V. A. com outras cousas de que fuy emformado trazia hum alvará de V. A. pera prender a Francisco Pereira
que são de mais qualidade das quaes não devasey porque jaa defunto e o ffez prender de ffeito e porque era cleriguo
elle ade dar residência acabados tres anos e antonce se ffaz e este casso que nam tinha jaa parte ho não prendi e porem
e mais porque eu nom fazia correição que haa ey de fazer se V. A. mandar fallo ey, porque elle nam vive bem.
quando veer Deus querendo de São Vicente. Nem pude desimular com os tabeliães dos Ilhéus e
Parece me que devia V. A. mandar a Jorge de Figuei- alguns dos daqui de Porto Seguro porque os achey servir
redo e aos outros capitães que ao menos pusessem ouvidores delles sem cartas dos officios senão com huús allvaraas dos
homens entendidos, porque nom fallo na alçada que dantes capitães, nenhüus tinhão livros de querellas antes alguüs as
tinhão que era cousa despanto, mas pera ha allçada que tomavâo em folhas de papell. Nenhuü tinha regimento, leva-
aguora lhes fiqua de vinte mill reaes he muito necessário vâo o que querião ás partes, como nam tinhão por onde se
porque a vossa Casa do Civel tem pouquo mais he estão regerem, alguns servirão sem juramento, e porque isto he
nella homens muito bõos letrados he experimentados e são huma publica ladroice e grande malícia porque cuidavâo que
sempre em hüa sentença ao menos dous e aqui hum homem lhe nam avião de tomar nunqua conta viviáo sem ley nem
que nom sabe ler nem escrever dá muitas sentenças sem conheciâo superior, procedo contra elles porque me pareceo
ordem nem justiça e se se executâo tem na execução muito pecado no spirito santo passar por isto.
moores desordens, de maneira que mais tenho que ffazer Ha nesta terra muitos homens casados laa no reino
em ordenar os processos e em o que ffazem nos inventários os quaes ha muitos dias que andão qua e nam grâojeão
e nas comarcas do que tenho que ffazer em despachar as muitos delles ou os mais ffazendas, senão estão amancebados
cousas e negócios principais e ja soendo ouvidores enten- com hum par ao menos cada hum de gentias, ffazem pior
didos será a cousa posta por seu caminho e nom averaa vida que os mesmos gentios, a estes he bem por serviço de
processos infinitos e negocios e ao menos pera os Ilheos he nosso Senhor, e por sua terra que se agora começa a povoar
nec ssario ouvidor e se quando ffizer correição lhe achar nam aver tanto genero de pecados públicos que os mandem
taees cousas por onde deva ser sospenso, proveraa entanto hir pera suas moiheres, nam sendo elles degradados, ou que
de capitão e ouvidor o governador. mandem elles por ellas. V. A. mande prover.
Aqui por estas capitanias avia quatro homens e todos A causa que principalmente ffazia a estes gentios ffazer
eram officiaes porque os capitães ffazião trinta tabelliâes e guerra aos christâos era o salto que os navios que por esta
trimta enqueredores e juiz dos orffãos e escrivão dos orffãos costa andavão ffazião nelles. E neste negocio se ffazião
de maneira que nom ay homens pera serem juizes ordinários cousas tão desordenadas, que o menos era saltealos porque
nem vereadores e nestes hofficios metião degradados por ouve homem, que hum indio principal livrou de maãos de
culpas de muita infamia e desorelhados e ffazião outras cousas outros mal ffirido he mal tratado e o teve em sua casa e o
muito fora de voso serviço e de rezão. Eu não consento agora curou e o tornou a poer são das fferidas em salvo. Este
que nenhum degradado sirva nenhum officio e mando que homem tornou aly com hum navio e mandou dizer ao indio
nom aja juiz dos orffãos nem escrivães porque nenhúa destas principal que o tivera em sua casa que o ffosse ver ao navio,
capitanias nom passa de iijc vezinhos como diz a ordenação cuidando o jentio que vinha elle agradecer lhe o bem que
que ha de ser a villa em que ouver de aver juiz dos orffãos. lhe tinha ffeito, como o teve no navio o cativou com outros
Soo nesta villa que nem tem cem vezinhos avia quatro que com elle forão e o ffoi vender por essas capitanias.
tabeliães dous enqueredores escrivão dos orffãos e outros E porem este homem nam fiquou sem castiguo porque
officiaes e nom haa homens pera os officios do concelho naquelle mesmo porto onde elle tomou este jentio que taâo
porque nom haa senom hum juiz ordinário e dous vereadores boas obras lhe fez, vindo aly outra vez saltear, se perdeo o
e hum procurador e thesoureiro do concelho, o quall juiz navio he elle comerão no os peixes, e os gentios comerão
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O REGÍMEN FEUDAL DAS DONATARIAS
os peixes que a este homem comerão, foy juizo devino que aproveitão os homens presos, senão que elles não servem
nam engana nem recebe engano. Agora que a requerimento e ocupâo quem os guarda, se V. A. nam ouver por bem o
destes padres apostolos que qua andão homens a quem que neste caso ffaço em mandar soltar os baregeiros casados
nam falece nenhúa vertude eu mando poer em sua liberdade despois de pagarem suas penas pera yrem servir seus degredos,
os gentios que forão salfeados e nam tomados em guerra. tornados ey ha cadea e esperarão per recado de V. A. esta
Estão os gentios contentes e parece lhe que vay a cousa de terra, Senhor, pera se conservar e hir avante haa mister nam
verdade, e mais porque nem que se ffaz justiça e a ffazem se guardarem em allgüas cousas has hordenações, que fforâo
a elles quando alguns christâos os agravam e parece-me que ffeitas nom avendo respeito aos moradores dellas. De Porto
sera causa de nam aver ay guerra. Seguro a bij de fevereiro de 1550. Pedro Borges. Sobres-
No meu regimento se contem que nos casos crimes crito: A el rey nosso Senhor do ouvidor geral do Brasil.
conheça por aução nova he que lenha alçada ate morte (Arquivo da Tôrre do Tombo, Corpo Cronológico, Parte I,
natural exclusiva em scravos gentios he piões christâos m. 67, doe. 8.)
homens livres e que naquelles casos em que per direito ou
vosas ordenações aas pessoas das ditas qualidades he posta XIV
pena de morte natural inclusiva que eu proceda nos taes
Carta de mercê e doação das minas de ouro
feitos ate final e os despache com ho governador sem apel-
e de prata que Fernão Álvares de Andrade,
laçâo, sendo ambos conformes e sendo diferentes que ponha
Aires da Cunha e João de Darros venham a des-
cada hum seu parecer e mande os autos ao corregedor da
cobrir nas suas capitanias do Brasil
corte com ho tall preso e que nas pesoas de mais calidade
dos acima ditos lenha alçada em cinquo anos de degredo. (13 de }unho de 1535)
Diz outro capitulo do dito regimento que estê sempre Dom Joham etc. A quantos esta minha carta vyrem
na capitania onde estiver governador salvo quando for neces- ffaço saber que eu tenho feyto doação e merce a Fernão
sário hir fora he me elle mandar qua antonce ffarey o que dAlvarez dAndrade do meu conselho meu thesoureiro moor
elle ordenar. e Ayres da Cunha fidalgo de minha casa e a ]oham de
Aconteceo vir a esta capitania por mandado do gover- Bairros feitor das sisas da índia e Mina pera elles e todos
nador como escrevo a V. A. e vou por estoutras, achey aqui seus filhos netos erdeiros sobsesores de juro derdade pera
hum homem pião que matou outro hé necessário que pera o sempre da capitania e governança de duzentas e vynte cynco
julgar e sse retornar a Dahya onde fiqua o governador he legoas da terra na minha costa e terra do Brasyll repartidas
isto será em junho ou julho por razão da monção e que as capytanias nesta maneira .s. ao dito FernamdAlvarez
seria mais cedo virá caso que nam yrá desta capitania nem sesenta cynco legoas que comesam do Cabo de Todolos
destoutras aa Baia navio daqui a hum anno porque asi hé que Santos da banda de leste e vam corenta pera loeste ate ho
de Pernambuquo nem do Espirito Santo nem de São Vicente rio que está junto com o rio Cruz e aos ditos Aires da
nam ffoi ainda navio a Baia despois da vinda do governador Cunha e Joham de Bayros cento e cynquoenta legoas .s. cem
e daqui hüa so vez, de maneira que estará este preso aguar- legoas que começam omde se acaba a capitania de Pedro
dando na cadea e será primeiro comido dos bichos que Lopez de Sousa da banda do norte e corem pera a dita
despachado, a mym parecia me que pois V. A. dava a hum banda do norte ao longo da costa tanto quanto couber nas
capitão alçada toda nos crimes nos ffeilos dos piões, e nas ditas cem legoas e as cincoenta legoas que começam dabra
outras pesoas dez annos e a seus ouvidores homens sim- de Diogo Leite da banda de loeste e se acabam no cabo de
plizes e ignorantes que não sabião nem sabem ler nem Todolos Santos da banda de leste do rio do Maranham
escrever, que com mais razão ha avia de dar aos letrados segundo mais inteiramente he conteúdo e declarado nas
he homens exprimentados e que sua honra e derradeiro fim cartas e doações que os sobreditos FernamdAlvarez Ayres
he servir vos ou mandar que estas apelações vão ao regno da Cunha Joham de Bairros das ditas terras e capitanias de
direitamente quando o ouvidor estiver sem o governador, mym tem sobre as quaes terras e capitanyas elles todos Ires
porque como do regno vem mais asinha navios e destas inteiramente estam contratados e conçertados per minha licença
terras pera laa vaão, virão mais asinha os despachos. E mais que misticamente as povoem e aproveytem como milhor
acontecem mil casos que nam estão determinados pellas orde- podem por espaço de vynte anos e que no fim delles as
nações e fiquão em alvidro do julgador e se nestes se ouver repartam antre sy como lhes bem parecer da maneira que
de apellar nam se pode ffazer justiça e são as vezes huüs cada hum fiqua com aquela parte que lhe couber pela repar-
casos tão leves que he crueza appelar nelles he estarem os tiçam que asy fizerem e ora o dito Ayres da Cunha em
homens em terra tão pobre esperando por suas appellações, seu nome e dos ditos FernamdAlvarez e Joham de Bairos
mande V. A. ver isto e mande prover se ffor seu serviço. se fez prestes pera com ajuda de noso Senhor hir as ditas
Aqui nesta capitania de Porto Seguro querelou o mei- suas capitanyas e terras a tomar pose delas pera omde leva
rinho da coretçâo dalguns homens que tinhão e tem suas navios darmada com muita gemte asy de cavalo como de pee
mulheres no regno e nas ilhas haa annos, he estão aberre- e artilharia armas e munições de guerra tudo a própria custa
gados publicamente com gentias da terra cristaâs e outros despesa delles ditos Ayres da Cunha e FernamdAlvarez e
com suas próprias escravas também gentias de que tem Joham de Barros pera descobrirem e segurarem e apecifi-
ffilhos, procedo contra elles e condenei os na pena da carem a terra e asy pera buscarem e descobrirem quaesquer
ordenação e mudei-lhe o degredo que tinhão dAfrica pera minas douro e prata que la ouver pello qual consyderando
qua pera as capitanias como jaa esprevi a V. A. que parecia eu o muito gasto e despesa que nyso fazem e se amde fazer
bem ao governador he a mim por muitos respeitos que na e o grande proveyto que eu e meus reynos e vasalos
carta ou cartas vâão, e sem embarguo da ordenação dizer podemos receber das mynas que elles ditos FernamdAlvarez
que estes baregeiros nam sejam soltos sem especial mandado Ayres da Cunha Joham de Barros com ajuda de nosso
de V. A. eu os mandey soltar pera yrem comprir seus Senhor nas ditas terras podem achar e descobrir e avendo
degredos porque a dita ordenação nom se deve de entender asy mesmo respeito a seus muitos serviços e por folgar de
em logares tão alongados donde V. A. estaa he lugares onde lhes fazer merce de meu propio moto certa cyemcia poder
estão de contino como em guerra em que nenhúa cousa reall e ausoluto ey por bem e me praz de lhes fazer como
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HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
de feito per esta presente carta ffaço merce e inrrevogavel femea que entam sobceda a femea e emquanto ouver decem-
doação pera elles e todos seus filhos netos erdeiros e dentes legítimos machos ou femeas que nam sobceda nesta
sobcessores de juro e derdade pera sempre da todas e doaçam bastardo algum e nam avendo decendentes machos
quaesquer minas asy douro como de prata que os ditos nem femeas legitimas entam sobcederem os bastardos machos
FernamdAlvarez Aires da Cunha Joham de Bairos ou cada e femeas não sendo porem de danado coyto e sobcederam
hum deles per sy ou per outrem buscarem acharem e des- pela mesma ordem dos legytimos primeiro os machos e
cobryrem per quallquer via modo que seya e em quaesquer despois as femeas em yguall grão com tall condyçam que se
partes lugares em que as acharem e descobrirem imdo elles o pesoydor das ditas mynas e comercio as queyra antes
porem ou mandando descobryr as taes mynas pellas terras leyxar a hum seu parente trasversal que aos decendentes
adentro das suas capitanias e nam per outra algúa parte asy bastardos quando nam tyver legítimos o possa fazer e nam
me praz de lhes fazer doaçam e merce de juro e derdade avendo decendentes machos ou femeas legitymos nam bas-
pera sempre pela dita maneira de qualquer comercyo douro tardos da maneira que dito he em tall caso sobcederam os
e prata que aa sua custa e despesa descobryr e fizerem vyr acendentes machos e femeas prymeiro os machos e em defeito
as ditas suas capitanias asy per concerto de contrato e delles as femeas e nam avendo decendentes nem ascendentes
pazes como tomada por conquysta e guerra ou per qualquer sobcederem os trasversaes pelo modo sobredito sempre pry-
outra maneira e defendo e mando que depoys de os sobre- meiro os machos que forem ym igoal grão e despoys as
ditos capitães ou seus subsesores asy terem descuberlas as femeas e no caso dos bastardos o posoydor poderá se
ditas minas ou comercio do dito ouro e prata nam posa quiser leyxar a dita eramça a hum trasversall legitimo e
pesoa algúa de qualquer calydade ou condição que seya yr tiralla aos bastardos posto que seya decendente e em muyto
nem mandar a taes mynas nem comercio pelas terras das mais propynquo grão e este ey asy por bem sem embargo
ditas capitanias per outra algua parte salvo elles ou as da ley menlall que diz que nam sobcedam femeas nem bas-
pesoas que pera yso derem licença pelo concerto e partydo tardos nem trasversaes nem acendentes porque sem embargo
que com elles fizerem sô pena de fazemdo o contrairo de todo me praz que esta eramça sobcedam femeas e bas-
perderem por iso pera os ditos capitães todo ouro e prata tardos nam sendo de coyto danado e transversais e acem-
que das ditas minas ou comercio trouxerem de que eu averey dentes do modo que ja he declarado e per esta presemte
o quynto e mays serem degradados por dez annos pera a carta dou poder e autorydade aos ditos FernandAlvarez
Ilha de Sam Tome e os ditos capitães e seus sobcessores Ayres da Cunha Joham de Barros e a cada hum delles que
seram obrigados de me pagar a mim e a meus sobcesores o elles por sy e por quem lhe aprouver possam tomar e tomem
quynto de todo ouro e prata que acharem e descobryrem a pose reall corporall e autoall de todas as minas e comercio
tomarem e ouverem asy das minas como per comercio ou que acharem e descobrirem e que se aproveitem das rendas
per qualquer outra maneira e toda a mays parte do dito ouro dellas na forma e maneira conteuda nesta doação a qual ey
e prata será sua lyvre e ysenta sem delia pagarem outros por bem quero e mando que se cumpra e guarde com todallas
alguns direitos nem tributos de qualquer calydade que seya clausollas condições declarações nella conteudas e declaradas
salvo o dito quymto que hüa soo vez amde pagar de todo o sem mingoa nem desfalecimento algum e pera todo o que
que ouverem como dito he o qual quymto pagaram nas dito he derogoo a ley mentall e quaesquer outras leyes e
minhas feytoryas das ditas capitanias aos meus feitores e ordenações dereitos grosas costumes que em contrario desta
oficiaes que eu pera iso ordenar e pera se fazer asy bem e ajam ou posam aver per qualquer via e modo que seya posto
fielmente como compre a meu serviço seram os sobreditos que seyam tais que fose necesaryo serem aquy expresas e
obrygados de levar todo o dito ouro e prata as ditas minhas declaradas de verbo a verbo sem embargo da ordenação do
feitorias e ay lhes será despachada pelos ditos meus feytores segundo lyvro tytollo corenta e nove que diz que quando se
e oficiaes os quaes receberam e arrecadaram pera mim o as taes leyes e ordenações derogarem se faça expresa menção
dito quymto e se carregará sobre elles em recepta e entregaram dellas e da sostancia dellas e per esta prometo aos ditos
lyvremente toda outra mays parte aos ditos capitães ou as FernandAlvarez Ayres da Cunha Joham de Barros e a seus
partes a que pertencer e todo ho ouro e prata que lhe sobcessores que nunca em tempo allgum vá nem consynta
asy entregarem será marquado nas ditas feytorias da marca hyr contra esta minha ordenação em parte nem em todo e
que nellas pera ysso avera e aqueles que o asy nam com- roguo e encomendo a todos meus subcesores que lhe cum-
prirem e lhes for achado ouro ou prata sem a dita marqua pram e mandem comprir e guardar e asy mando aos meus
encorreram nas penas comteudas no regimento que acerca feytores e oficiaes das ditas capitanias e ao feitor e oficiaes
diso mandarey fazer e quando as ditas capitanias ou partes da casa da índia e a todolos corregedores desembargadores
cuyo o dito ouro ou prata for fyrada fora das ditas capitanyas ouvidores juizes e justiças ofeciaes e pesoas de meus regnos
despoys de o asy terem despachado e marquado nas ditas e senhorios a que esta carta for mostrada e o conhecimento
feytorias ey por bem que o posam livremente tyrar e trazer delia pertencer que a cumpram e guardem ffação inteiramente
pera estes regnos somente e nam pera outra algúa parte comprir e guardar como se nella contem sem nyso ser posto
e vyrem com o dito ouro e prata direitamente a cydade de duvida nem embarguo nem contradição alguma porque asy
Lixboa e na casa da índia lhes sera visto e despachado pelo he minha merce e por fyrmeza dello lhes mandey dar esta
feitor e oficiaes delia e lhe entregaram e deixaram lyuremente carta por mim assinada e asellada do meu sello pendente de
tyrar da dita casa todo ouro e prata que cada hum trouxer chumbo. Antonio Bravo a fez em Évora a xbiij dias de
marquado com as marcas das ditas feitorias. junho anno do nascimento de noso Senhor Jhesu Chrislo
Item esta doação e merce que asy faço aos ditos de myll b.c xxxb.
FernandAlvarez Ayres da Cunha e Joham de Barros ey por
(Arquivo da Tôrre do Tombo, Chanc. de D. João lll
bem que se erde e sobceda de juro e derdade pera todo
liv. 21, fl. 73).
sempre pera elles e seus decendentes filhos e filhas legítimos
com tall declaraçam que em quanto ouver filho legitimo baram
no mesmo grão nam sobceda filha posto que seja mayor
ydade que ho filho e nam avendo macho ou avendo e nam
sendo em tam propinquo grão ao ultimo peçoidor como a
O REGÍMEN FEUDAL DAS DONATARIAS
Capitolos estaçam damdo hos dias samtos de guarda deu sam martinho
por devaçam que ho pouoo custumava a guardar dise ao padre
Provara que dise que se Deus ho nam ajudaua e fauo- com grande ira que ho nam dese e despois fora da Igreja
recya naquylo que elle quyzese que diria que a fee dos dise que se mays ho vigairo dese samto de guarda ho avya
turqos hera a booa e que se tornarya turqo dizemdo esto denforcar e asi dizia e fazia comtra Deus e seus samtos
muytas vezes. outras muitas heresias e blasfemeas e asi como lhe a vom-
Que dise huü dia estamdo huú frade frey Diogo da tade vynha e acostumava.
hordem de sam framcisqo dizemdo misa leuamtamdo ho samto Em os vymte e seys dias do mes de Novembro de
sacramento imdo a gemte pera a igreja pera ver a Deus dise bcRbj nesta vila de Porto Seguro eu esprivão por mandado
aos que hiam ao tamger do çynô corremdo «honde hys vos do vigairo desta vila fuy a casa de Gomçallo Fernandez honde
outros nam vades la que nam hides ver a Deus senão está preso Pero do Campo he cytey por mandado do dyto
ao diabo.> vigairo pera ver jurar testemunhas por quamto se avya de
Dise de huú padre de sam framçyquo per nome frey tirar inquyryçam sobre hos casos da Samta Inquisyçãm as
Diogo ho quail dyz mysa em húa povoaçâo chamada Samto quaees testemunhas e emquiryçam se avya de tirar nesta
Amaro desta capitanya aos moradores «ese frade quando vila na Igreja de Nosa Senhora da Pena pello dyto vigairo e
hides ver e ouvir sua mysa nam tem a ostea nas maâos per Manuell Collaço sendo presemte quallquer dos ]uizes
consagrada mas tem ho diabo». hordinairos desta vylla e se avya de começar de tirar o que
Dizia que nenhum dia de Nosa Senhora nem dos após- despois de jamtar e pello dyto Pero do Campo foy dyto e
tolos nem dos samtos se avya de guardar senam hos dado em rresposta que elle estava preso em ferros e que
domingos e nos ditos dias mandaua trabalhar toda sua gemte nam podya pesoallmente vir tirar a dyta inquyryçâo nem dar
e rreprendia asparamente ao padre que hos taees samtos juramento as testemunhas e por tamto elle mandarya húa
daua de guarda e asi aos que hos guardauam. pesoa que em seu nome as vyse jurar ho quall avya por bem
Dizia que hele merecya mais que todos hos samtos que fose Clemente Anes morador nesta vyla. ]oham Camello
e apostolos que elle trabalhaua e que hos samtos nam ho Pereira ho esprevy.
fyzeram nem pagaram dyzimo como elle e que se lhe Deus Emquyryçam que ho vigairo desta vila com ho padre
nam dese mais alta cadeira que aos profetas que guardase Manuell Collaço e Pero Anes Vicente juiz ordinairo todos
seu parayso. tres juntamemte tiraram pelos capitólios e apomtamentos que
D.zia pruvicamente quamdo lhe fogiâo algús escrauos ho dito vigairo fez comtra Pero do Campo Tourinho das blas-
aos que ho aconseihauam e diziam que mandase dyzer femeas heresias que dizia e fazya contra Deus e seus samtos
rresponsos com cãdea ao bem avemturado Samto Antonio ha quall ynquiriçam se tirou nesta vyla de Porto Seguro na
rrespondia que lhe porya húa candea de m... que lhe nam Igreja de Nosa Senhora de Pena aos vynte e sete dias do
avya de dar esmola por que ho dito samto lhos fazya fogir. mes de Novembro de bcRbj anos despois de jamtar e ho
Dizia que nam ha hi tamtos samtos de guarda senam dyto Pero do Campo foy cytado por mim esprivão por man-
por que as mançebas dos byspos e arcebyspos quando esta- dado do dito vigairo pera ver jurar as testemunhas e por
vam com ellas lhe rrogavam que fizese huú samto de guarda e estar preso as vyo jurar em seu nome Clemente Anes a que
elles por lhe fazerem a vontade mandauam que nos seus arce- ho dito Pero do Campo constituyo pera o caso e seus dytos
byspados se guardasem aqueles samtos que ellas queriam e testemunhos que sam hos seguintes.
e que daquy nascia aver tamtos samtos como avya.
Dise huü dia estamdo doemte dos olhos que se Samta Duarte de Sequeira fidalgo da casa dei Rey noso
Luzia tiuera imagem no seu altar aquy em esta Igreja que ho Snnõr morador nesta Capitanya testemunha jurado aos Samtos
ouvera de deitar da rrocha do mar abaixo e que de quall- Avangelhos e pelo emqeredor Manuell Collaço perante ho
quer molherynha por hi fazya tamta e ysto com muita ira. dyto vigairo e juiz ordinairo forão dados e perguntado pello
Dise do Papa e cardeaes que todos heram bugirrôes custume dise elle testemunha que ao dito Pero do Campo
sodomytygus tiranos que por dinheiro casauam e descasauam nam queria mall mas aas suas obras maas e maaos zélos e
a quem querya. sem justiças que fazia tinha maa vontade e do custume
Dizia e cometeo a algús padies que querya mudar ho nam dise.
corpo de Deus em Outubro que hera qua ho verão e quamdo pergumtado ele testemunha pelo primeiro capitólio dise
lhe diziam que ho Papa ho podia fazer dizia que também que ouvira dizer a Pero Escorçyo e a outras pesoas de que
hera papa e que agora papa papa papa com estarneo. nam hera lembrado nem quanto tempo avya somente de huú
Dyzia que hos padres sacerdotes e frades mandarya ano pouqo mais ou menos a esta parte que se Deus ho nam
emforcar per justiça dizemdo e rrepremdemdo a alguas pesoas ; favoreçese e ajudase naquylo que elle dito Pero do Campo
do povo que holhase que ho nam podia fazer e que ho papa quyzese que dirya que ha fee dos turquos hera a booa e que
mandarya húa es[cu]munham ele dise que alymparya ho se tornaria turqo e elle testemunha declarou que ysto ouvira
c... com ella. dizer ao dito Pero Escorçyo e ao padre Manuell Collaço que
Dise estamdo agastado por húa chea lhe desmanchar ho ouvirão dizer ao dito Pero do Campo e ali nam dise do
ho seu emgenho dizia irosameme que quamto trabalhaua hera dito Capitólio.
soo com sua ajuda e força e que Deus nam lhe daua da sua Do segumdo capitólio dise elle testemunha que neste
graça nem ho ajudaua mas que antes como tinha alguú homem presemte ano de bcRbj ouvira dizer a Gaspar Fernandez
que bem lhe trabalhaua logo lhe daua doença e que Deus esprivão e a Lopo Vaz e ao padre vigairo que o dito Pero
nam se enganase com elle porque cada vez avya de ser pior do Campo estamdo no adro da Igreja defromte da porta
e que viese ele a pouoar a terra por que elle a deixaria aos primcypall tocamdo ho syno e vymdo a gemte corremdo que
imfiees e ysto muito iroso. haleuantauam ho samto sacramento disera ele dito Pero do
Dise que bem se parecya que Deus sayra dos judeus Campo «homde his vos outros vamos» ver a Deus e o dito
pois tamto hos ajudaua e a nós nam e que nos tomasemos Pero do Campo disera «nam vades 11a que nam his ver a
judeus e que então nos ajudarya. Deus senam ho diabo > dizemdo misa huú frey Diogo frade da
Estamdo ho vigairo rreuestido no altar ao tempo da Ordem de Sam Framcysquo e ali nam dise do dito capitólio-
O REGÍMEN FEUDAL DAS DONATARIAS
Do terçeyro capitólio dise elle testemunha que ho gramde ira que ho nam dese de guarda e depois de hacabada
padre Manuell Collaço disera huú dia destes pasados que ha mysa fora da Igreja elle testemunha ouvira dizer no mesmo
houvira dizer ha huú seu crvado dele dyto padre per nome dia a Framcisquo Leitam e ha outros que ho dito Pero do
chamado Azeredo que himdo a casa do dito Pero do Campo Campo dizia que ho padre por que hera framçes bêbado dizia
pldir huú pouqo de uinho peras mysas ho dito Pero do que se guardase e que se ho mais dese de guarda que lhe
Campo estava falamdo com Manuell Afomso mestre dacuqer avia de dar quatro bofetadas e asi dizia e fazia outras cousas
e lhe dizia dum padre per nome chamado frey Roque da comtra Deus e seus samtos de que nam hera llembrado e ali
hordem de Sam Framcysquo ho quall diz mysa em huâ nam dise do dito capitólio.
pouoaçam termo desta vila chamada Samto Amaro tquamdo Dos dez capitolos dise elle testemunha que no afio
his ouvir mysa dese frade nam tem ha ostea nas maâos mas pasado .s. neste de Rbj ouvira duas vezes dizer ao dito
ho diabo > e ali nam dise do dito capitólio. Pero do Campo que ho papa e cardeaes heram todos bugiarrões
Do quarto capitólio dise elle testemunha que havera sedomytigus que por dinheiro casauão e descasauam a quem
huú ano pouqo mais ou menos que ouvira dizer ao dito queryam e ali nam dise do dito capitólio.
Pero do Campo que nenhum dia de Nosa Senhora nem Dos homze capitólios dise nyl.
dapostolo nem de Samto de havia se guardar e que nestes Dos doze capitolos dise elle testemunha que no ano
dias dise ele testemunha que vira a gemte do dito Pero do de bcRb estamdo elle testemunha com ho dito Pero do
Campo per seu mandado nos ditos dias trabalhar e asi Campo e Fernam do Campo seu filho mais velho em húa va-
repremder ao pouoo por que guardavam hos taes dias e ramda das suas casas falamdo em húu padre frey Diogo
ouvio ele testemunha dizer ao vigairo que ho dito Pero do dizemdo ho dito Fernam do Campo a seu pay como ho dito
Campo pelegaua com elle porque daua hos taees samtos de padre vinha pera este Brasill degradado rrespomdeu ho dito
guarda e desomrramdo ho dito padre das palauras que lhe Pero do [Campo que se] ho frade viese a esta sua capitanya
vinham ha vomtade e ali nam dise do dito capitólio. que ho avya demforcar e o dito seu filho Fernam do Campo
Do quinto capitólio dise elle testemunha que neste ano lhe dise que ho nam podia emforcar por que hera frade elle
presemte e dita era ouvira dizer ao dito Pero do Campo que dito Pero do Campo rrespomdeo e dise que não tinha de ver
mereçya mais que todos hos samtos e que elle trabalhaua e com frade nem cleryguo que ho avya demforcar e ho dito seu
que hos samtos nam trabalharão e que elle pagaua dizimos filho Fernam do Campo lhe tornou a dizer que se ho emfor-
que hos samtos nam fizeram e dise elle testemunha que case que ho samto padre mamdaria húa escumunhão e saria
houvyo dizer ha Belchior Alvarez que houvira ao dito Pero escumumgado e o dito Pero do Campo rrespomdeo que se
do Campo que se Deus lhe nam dese húa cadeira mais alta tall escumunham mamdase ho papa alymparia ho c... com ella
que ha dos profetas que guardase seu parayso que ho nam e que nam tinha de ver com yso e ali nam dise do dito
qerya e ali nam dise do dyto capitólio. capitólio.
Do sesto capitólio dise elle testemunha que no ano de Dos treze capitolos dise ele testemunha nyl.
bcRb ouvyo dizer a Gomçallo Fernandez e a Pero Es- Dos quatorze capitólios dise elle testemunha que no ano
corçyo e a Lopo Vaz e a Francisco Qomçaluez e ha outros de bcRbj no mes doutubro pouco mais ou menos ouvira dizer
muytos de que nam hera lembrado por lhe fogirem hús a Belchior Aluarez aquy morador que ho dito Pero do Campo
espravos a elle Pero do Campo e alguãs pesoas lhe dizerem disera que bem se pareçya a que Deus sayra dos judeus pois
que hos encomendase a Samto Antonio e que lhe mandase aos judeus ajudaua e a nós nam que nos tornasemos judeus
dizer rresponsos e que comfiase que Samto Amtonio Ihos e que emtâo nos favoreçerya e ali nam dise do dito capitólio.
depararia e o dito Pero do Campo disera com «ira que lhe Joham Camello Pereira ho esprevy.
mamdaria açender húa camdea de m...» e que ho samto lhe
daua o vemto e emcaminhaua como se fosem e que lhe nam Lourenço Pinto homem solteiro cunhado do dito Pero
avia de dar mais esmola e ali nam dise do dito caplftollo. do Campo e seu criado testemunha jurado aos Samtos avam-
Do septimo capifolo dise elle testemunha que neste ano gelhos que pelo emqueredor lhe foram dados e peramte o vi-
de bcRbj ouvira dizer ao dito Pero do Campo Tourinho per gairo e juiz ordinairo lhe foy perguntado pelo custume dise
algüas vezes que domde nacya haver tamtos samtos de guarda elle testemunha que lhe queria gramde bem e desejava toda
hera por que hos perlados arcebispos bispos quamdo estauão sua saluação e do custume ali nam dise.
com suas mancebas ellas lhe rrogauam que fyzesem húu Pergumtado elle testemunha pelo primeiro capitólio dise
samto e outro quaes ellas queriam de guarda e eles por lhes que no mes de feuereiro do ano de b^Rbj ouvira dizer ao dito
fazerem a vomtade as ditas mamçebas hordenavam hos samtos Pero do Campo irosamente que se ho Deus noso lhe dese de
de guarda nos seus arçebispados e bispados e ali nam dise rrosto que tomaria ao Deus dos turquos e que se tornaria
do dito capifolo. furqo com elles e que meteria a terra de guerra e que mataria
Do outavo capitoio dise ele testemunha que neste ano a todos e que tamto lhe momtava viuer dez anos como quatro
presemte de bcvbj ouvira dizer a Pero Escorçyo que ele dito e que faria a sua vomtade ou viuiria a sua vomtade e que húa
Pero do Campo disera estamdo doemte dos holhos e asi destas palauras disera que se nam acordaua de quall deltas e
também ouvira a Gaspar Fernamdez e a outros de que nam ali nam dise do dito capitólio.
hera lembrado que algüas pesoas ho hião ver e lhe diziam Do quarto capitólio dise elle testemunha que vay em
que se emcommendase a Samta Luzia e elle dyto Pero do dous anos pouqo mais ou menos que estaua em casa do dito
Campo rrespondeo que se estiuera Imagem de Samta Luzia Pero do Campo e que em todo este tempo nos dias de Nosa
no altar desta Igreja ha mamdara deitar por húas rrochas Senhora e apostolos e outros samtos que ha Samta Madre
abaixo ao mar e que de quallquer molherzinha por hy faziam Igreja mamda guardar de maravilha mamdaua ho dito Pero do
samta e ali nam dise do âito capitólio. Campo guardar algü deles mas mamdaua trabalhar hos sobre-
Do nono capitoio dise elle testemunha que no ano de ditos dias a sua gemte e asi rrepremdia asparamente ho padre
bcRb estamdo húu domynguo a misa e ho jpadre vigairo vigairo por que daua as taees festas de guarda e asi aos
ha estaçam damdo Sam Martinho de guarda ho quall ho pouoo outros do pouoo que hos guardauam e ali nam dise do dito
custuma por sua devaçam guardar ho dito Pero do Campo capitólio.
Tourinho rrespondeo ao padre na mesma estaçam e dise com Do quynto capitoio dise ele testemunha que este ano
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HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
presemte de bcRbj estamdo ho di:o Pero do Campo jamtamdo lhe framçes bêbado e que nam avya de ser mays vigairo e
hou ceamdo que se nam acordaua da ora do comer se hera dizemdo muitas palauras emjuriosas comtra ho padre e asi
jamtar se çea estamdo Pero Corrêa com elle comemdo dizia chamamdo aos samtos «samtinhos samtinhos> por escarneeo
ao dito Pero Corrêa que hos samtos nam trabalharam e outras e dizia estas palavras sem temor de Deus nem avya quem
cousas que dizia dos samtos que nam emtemdeo a que pro- ho rrepremdese por ele dito Pero do Campo nam querer
pósito ho dizia mas que emtemdeo ao dito Pero do Campo e ouvir nem tomar de nenhüa pesoa e asi dizia outras cousas
ouvio dizer que sa Deus nam lhe daua hüa cadeira çyma muitas maas comtra hos samtos e da samta Madre Igreja de
dos profetas que ho nam fazia bem com elle ou lho nam que nam hera lembrado e ali nam dise do dito capitólio
agradeçya e nam he bem Ilembrado se dise algüa palaura Joham Camelo Pereira ho esprevy.
destas ou outras semelhamte e nestas palavras estaua dovi-
dozo e ali nam dise do dito capitólio.
Do sesto capitólio dise elle testemunha que neste pre- Aos quatro dias do mes de Dezembro de bcRbj na
semte ano de bcRbj quamdo lhe fogião algüs espravos ao dito Igreja desta villa foram tiradas as testemunhas seguymtes
Pero do Campo se algüas pessoas lhe diziam que hos em- peramte ho vigairo e Pero Anes juiz ordinairo e pelo emque-
comemdase a Samto Amtonio rrespomdia irosamemte que lhe redor Manuell Colaço lhes foram dado juramemto dos Samtos
nam avia de mamdar dizer mysa nem rrespomso nem lhos Avamgelhos e Clemente Anes procurador do dito Pero do Campo
avya mais de emcomemdar pois lhes nam trouxera doutra Tourinho as vyo jurar. Joham Camelo Pereira ho esprevy.
vez que lhe fogiram e ali nam dise do dito capitólio. Belchior Aluarez vreador nesta villa de Porto Seguro
Dos sete capitólios dise ele testemunha que no pre- testemunha jurado aos Samtos Avamgelhos que pello emque-
semte ano de bcRbj e no mays tempo que esteue em sua redor lhe foram dados peramte ho vigairo e Pero Anes
casa do dito Pero do Campo lhe ouvira dizer elle testemunha Vicemte juiz ordinairo e pergumtado pelo custume dise ele
que hos arçebispos e byspos faziam mall em mamdar guardar testemunha que nam queria mall ao dito Pero do Campo
os samtos que mais martírios padecya agora huú homem que Tourinho e do custume ali nam dise. Pergumtado elle teste-
hos samtos aquele tempo do que elles padeçyam e estas munha pelo primeiro capitolo dise que se afirmaua e lhe
palauras dizia soberbosamemte com todo seu emtemdimemto pareçya que ouvira ao dito Pero do Campo Tourinho algüas
por vezes e ali nam dise do dito capilolo. vezes que se Deus ho nam ajudaua e fauoreçya naquylo que
Dos outo capitolos dise ele testemunha que neste pre- hele quyzese que diria que ha dos turquos hera a booa e
semte ano de bcRbj ouvira dizer ao dito Pero do Campo que se tornaria turqo e que asi ho ouvira ele testemunha
estamdo em sua casa falamdo com houtros homems em dizer a muitas pesoas que ho ouviram dizer asi ao dito Pero
Samta Luzia que se nam emcomemdase a ella da emferme- do Campo pubrycamemte e ali nam dise do dito capitólio.
dade dos holhos que elle se emcomemdara a ella e que lhe Do segumdo capitolo dise elle testemunha que ouvyo
nam dera saúde e pera que se emcomemdavam a ella e dizer a muytas pesoas que elle dito Pero do Campo Tourinho
dizemdo palauras feeas comtra Samta Luzia de que elle imdo a gemte corremdo pera ver a Deus ao tocar do çyno
testemunha nam he lembrado e do dito capitolo ali nam dise. que celebraua mysa hü padre per nome frey Diogo da ordem
Dos nove capitolos dise ele testemunha que do tempo de Sam Framcysqo dise «aomde his vos outros corremdo» e eles
que está em casa do dito Pero do Campo lhe ouvira dizer rrespomderam «vamos ver a Deus» e ele dito Pero do Campo
algüas vezes dos papas cardeaes arcebyspos e bispos que lhes dise «nam vades que his ver ho diabo» e que ysto
dormyam com suas irmaãs e ho papa tudo asoluyam por ouvira, elle testemunha dizer a Lopo Vaz alcayde desta vyla
dinheiro e peita dizemdo palauras emjuriosas comtra ho papa e ali nam dise do dito capitolo.
que pera que hera papa dizemdo ysto pubricamemte por sua Ao quarto capitolo dise ele testemunha que ouvira dizer
boca e ali nam dise do dito capitólio. ao dito Pero do Campo per vezes que nenhü dia samto nem
Dos honze capitolos dise elle testemunha que na pre- dia de Nosa Senhora era de guarda senam ho domynguo e
semte era de bcRbj ouvira dizer por vezes ao dito Pero do que nam ha hi tamtos dias samtos senam hos dos domyngos
Campo que hos saçerdotes heram huüs velhacos bêbados e e rrepremdia asparamemte ao padre que hos dauam e nos
que lhe avya de cortar as coroas com hú machado e ysto taees dias mamdaua trabalhar toda sua gemte pubrycamemte
dizia com todo seu emtemdimemto irosamemte e ali nam dise e ali não dise do dito capitólio.
do dito capitólio. Do quymto capitolo dise ele testemunha que ouvira
Dos doze capitolos dise ele testemunha que neste ano dizer por vezes ao dito Pero do Campo que elle mereçya
de bcRbj no mes doutubro pouqo mais ou menos ouvira mais que hos samtos nem apostolos por que elle trabalhaua
dizer ao dito Pero do Campo irosamemte por hüa chea lhe e que hos samtos nam trabalharam nem pagaram dizimo como
derrubar hü tamque que elle trabalhaua sempre e Deus lhe elle e asi mais dise elle testemunha que ouvira dizer ao dito
nam daua da sua graça e como tinha hü homem que traba- Amtonio Pimto cryado do dito Pero [do] Campo que ouvira ao
lhaua bem loguo lhe daua doemça pera terra nam ir pera dito Pero do Campo dizer que se lhe Deus nam dese hüa
bem e dizia comtra Deus «toma a tua terra> (com a maão cadeira mays alta que a dos profetas que guardase seu parayso
pera o ar alevamtada, e senam dizeme que me vaa dela e que nam queria 11a hir e ali nam dise do dito capitólio.
eu a deyxarey», e que pera que hera igreja pois Deus tudo Dos sete capitolos dise ele testemunha que ouvira dizer
desmamchaua e ysto dizia comtra Deus noso Senhor damdo ao dito Pero do Campo que nam havya hi tamtos samtos de
com ho braço irosamemte e ali nam dise do dito capitolo. guarda se nam por que quamdo hos byspos arcebyspos
Dos treze capitolos dise elle testemunha que no ano estamdo com suas mançebas na cama elas lhe rrogauam que
de bcRbj ouvira dizer ao dito Pero do Campo que hos fizesem hü samto de guarda aquele que elas tinham na
judeus lhe corrya o manaa e que hü cristão nam tinha tamta vomtade e que eles lho faziam asi como elas lho rrogauam
dita como elles e ali nam dise do dito capitolo. e que daquy avya e naçya aver tamtos samtos de guarda e
Dos quatorze capitolos dise elle testemunha que neste nam por que hos hi ouvese e ali nam dise do dito capitólio.
presemte ano de bcRbj ouvira dizer ao dito Pero do Campo Dos outo capitolos dise ele testemunha que ouvira dizer
algüas vezes que se ho vigairo daua alguü dia samto de ao dito Pero do Campo que de quallquer molhersynha que
guarda que nam no avia mays de comsemtyr dar chamando hi avia faziam samta e ysto lhe ouvira elle testemunha por vezes
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O REGÍMEN FEUDAL DAS DONATARIAS
estamdo elle dito Pero do Campo homde quer que se achaua Do quymto capitolo dise elle testemunha que ouvira
e ail nam dise do dito capitólio. per muitas vezes dizer ao dito Pero do Campo ysto em todo
Dos nove capitolos dise ele testemunha que ouvira dizer ho tempo que está nesta capitanya primçypallmemte de quatro
ao dito Pero do Campo que ho papa cardiaes todos heram anos a esta parte que ele dito Pero do Campo mereçya
bugiarões sodomytigus tiranos que por dinheiro casauam e tamto e mais que hos samtos e que os samtos que nam
descasauam e faziam tudo ho que queryam dise ele teste- trabalhauam nem pagauam dizimo como elle e que daua
munha que ysto ouvira dizer per vezes ao dito Pero do com ha maâo pera o aar dizemdo «samtos samtos agora» por
Campo Tourinho e ali nam dise do dito capitolo. escarneo e que elles Ia estauam em çyma dizemdo ysto com
Dos homze capitolos dise ele testemunha que ouvira soberba e asi disera a elle testemunha «tu trabalhas e me-
dizer por vezes ao dito Pero do Campo que mamdaria cortar reçes mais nenhú delles e hes mais samto que elles» e elle
as coroas emquamto aos padres e emforcalos e jostiçalos e testemunha porque he emfermo de húa perna se emcomendou
que nam tinha de ver com seus perlados nem com ninguém a Samto Amaro e foy dormyr em sua ermyda pelo seu dia
e ali nam dise do dito capitólio. e vymdo delia achou o dito Pero do Campo asemtado em
Dos doze capitolos dise elle testemunha que ouvira huú paao jumto com ho pellourinho e pergumtou a elle teste-
dizer per vezes ao dito Pero do Campo estamdo agastado munha «donde vems?» dise elle testemunha «venho de Samto
por húa chea que lhe desmamchou hú famqe do seu emgenho Amaro» e elle dito Pero do Campo dise «que fosfe Ia fazer?» e
que quamto elle dito Pero do Campo trabalhaua hera somemte elle testemunha respomdeo «venho de Samto Amaro de pedirlhe
com sua ajuda e força e que Deus lhe nam daua de sua que me aja saúde pera esta perna» e elle dise <ja viras são
graça nem o ajudaua mas amtes lhe derrubava ho que elle como hes paruo Samto Amaro Samto Amaro elle chamavase
fazia e que pois asi hera que nam avya de tornar a com- Samto Amarinho por que queria bem a húas molheres e por
çertar ho dito emgenho mas que viese elle Deus a comcertallo yso se chamaua Samto Amaro por que amdaua nesta vaã
nem mais lhe havia de mandar dizer misa nem trabalhar na gloria e mais ey o de mamdar tirar de sua Igreja e mamdalo
terra mas deyxala aos infiees poys elle asi querya e ali nam botar por hi por que se teu cuspir nesa perna loguo saras
dise do dito capitólio. são por que lia foy duas ou três vezes Qomçalo Fernamdez
Dos treze capitólios dise elle testemunha que ouvira e nunca veo são e eu como lhe cuspy húa vez loguo sarou»
dizer ao dito Pero do Campo que se elle fora judeu Deus e ali nam dise do dito capitólio.
lhe nam derrubara ho tanque nem lhe fyzera mall e que bem Dos seys capitolos dise elle testemunha que por muitas
se pareçya nysto sair elle Deus dos judeus e delle nam e ali vezes ouvira dizer ao dito Pero do Campo primçypallmemte
nam dise do dito capitolo. de quatro anos a esta parte quamdo lhe fogiam algús espravos
Dos quatorze capitolos dise elle testemunha que ouvira que nam avia de mamdar dizer rresponsos nem misas a
dizer ao dito Pero do Campo que por que ho dito vigairo Samto Amtonio nem poor camdea no seu altar e que dizia
desta villa hera framçes como Sam Martynho ho daua de que de m... lhe daria e que tomaria o rretavolo de Samto
guarda e nam polo ser e que se mays ho dese que ho avya Amtonio e que ho botaria por hi alem e que fose o Samto
de castygar e ali nam dise. Dos mays capitólios por que foy de m... pera a p... que ho pario e que hera húu tall e húu
pergumtado somemte que de todas estas cousas atraz espritas quall e que dizia outras cousas muytas do dito Samto de que
em seu testemunho vira e ouvira de janeiro pasado desta nam hera lembrado e ali nam dise do dito capitólio.
presemte hera a esta parte e que de tudo se reportava no Dos sele capitolos dise elle testemunha que de quatro
testemunho que na devaça çycular que do dito Pero do anos a esta parte ouvira por muitas vezes dizer do dito Pero
Campo tiraram dito tem. Joham Camelo Pereira ho esprevy do Campo Tourinho pubricamente que nam havya hi tamtos
Joham Douteiro ferreiro morador nesta villa testemunha samtos mas por que hos bispos e arcebispos tinham muitas
jurado aos Samtos Avamgelhos que pelo emqueredor lhe forâo mamçebas e que quamdo estauam com ellas lhe pediam que fose
dados e pergumtado pelo custume dise nyl. fali samto de guarda e que loguo ho faziam e que por yso
Pergumtado ele testemunha pelo primeiro capitolo dise avya tamtos samtos e nam pelos hi aver e ali nam dise do
ele testemunha que ouvira dizer averá dous meses pouquo dito Capitólio.
mays ou menos a alguas pesoas de que nam hera lembrado Dos nove capitolos dise elle testemunha primcipallmente
que ho dito Pero do Campo disera que a fee dos turquos de quatro anos a esta parte que ouvira por muitas vezes dizer ao
hera a booa que se Deus ho nam fauoreçese e que nam no dito Pero do Campo Tourinho em muitas partes pubricamemte
fauoreçemdo se tornaria a fee dos mouros e ali nam dise do que hos papas cardeaees e todollos perlados herão bugiarrõees
dito capitólio. sodomytigus que por dinheiro casauam e descasauam o que
Do segumdo capitolo dise elle testemunha que avera queriam e que asi lhe ouvira muitas vezes dizer papinhos
quatro annos que estava aquy nesta dita villa huü frade de cardialinhos bispinhos de m... e com gramde desprezo e do
mysa per nome chamado frey Diogo e que elle testemunha dito capitolo al nam dise.
ouvira dizer ao dito Pero do Campo Tourinho em huü paao Dos omze capitolos dise ele testemunha que de quatro
asemtado que estajva] jumto do pelourinho per muitas vezes anos a esta parte ouvira muitas vezes dizer ao dito Pero do
que quem hia ouvyr misa do dito padre que nam hia ver a Deus Campo pubricamente que emforcaria e justiçaria e cortaria as
maas que hia ver ho diabo e ali nam dise do dito capitólio. coroas em a metades a todos hos padres e se algúu homem
Do quarto capitolo dise elle testemunha que de omze do pouoo ho rrepremdia ele dito Pero do Campo dizia que
anos a esta parte primçipallmemte de quatro anos pera quaa hera mais que papa e que ho papa não tinha poder nelle e
ele testemunha ouvira muitas vezes diamte de muitas pesoas se algú do pouoo lhe dizia que ho papa mandaria escumunhão
e soo dizer ao dito Pero do Campo Tourinho alguuãs vezes dizia que alimparia ho c... com ella e que as imdulgemçias
com ira e outras sem ella segumdo seu custume que nenhú que daua que as nam podia dar e que elles a si mesmo faziam
dia hera pera ele mays maao que hos domyngos e samtos aquilo com [vem] a saber hos papas e que heram todos
hos quaees dias elle testemunha vira mamdar trabalhar toda ladroêes e ali nam dise do dito capitólio.
sua gemte e lhe ouvira responder asparamemte a todo o Dos doze capitolos dise elle testemunha que ouviu
povoo por que nam trabalhauam hos taees dias e que heram dizer muitas vezes primçipalmemfe de quatro anos a esta
samtinhos de m... e ali nam dise do dito capitólio. parte do dito Pero do Campo que elle trabalhaua soo com
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HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
sua ajuda e força e nam com ha de Deus e que Deus ho nam padre lhe nam dese nenhü samto de guarda e que saymdo
fauoreçya dizemdo Yst0 Yrosamente e que VYese Deus pouoar da Igreja hia murmuramdo comtra ho padre cousas que elle
a terra se quizese e senam que ha deixaria por que se avya testemunha nam emtemdeo e dise elle testemunha que ouvira
de viuer quatro anos que hos queria viuer a sua vomtade e dizer ao dito Pero do Campo que quamdo queria dizer ou
que nam tinha de fazer com Deus e ali nam dise do dito fazer algúa cousa boa ou maa segumdo sua vomtade e que
capitólio. Deus lho dizia e que falaua com elle dito Pero do Campo
Dos quatorze capitolos dise elle testemunha que no queria e asi lhe ouvira outras muitas cousas contra Deus e
ano de bc e Rb estamdo ho padre vigairo dizemdo misa seus samtos e comtra ha Igreja de que nam hera lembrado
estamdo a estaçam dera Sam Martinho ao pouoo que custu- e ali nam dise do dito capitólio e dos mais capitolos porque
maua a guardar e que ho dito Pero do Campo se aleuamlara foy pergumtado dise nyl ]oham Comelo Pereira que hoesprevy.
irosamemte comtra ho padre dizemdo que Sam Martinho nam Pero Corrêa caualeiro fidalguo testemunha jurado aos
se avia de guardar e que quallquer samtinho loguo ho daua Samtos Avamgelhos que pelo emqueredor lhe foram dados
de guarda e ameaçamdo ho dito vigairo que loguo ho avia estamdo presemte o vigairo e juiz ordinairo pergumtado pelo
de botar fora de sua terra e ysto por que daua hos samtos custume dise eile testemunha que he gramde amyguo do dito
de guarda e que lhe ouvira mais dizer que Deus lhe dizia o Pero do Campo e sempre ho foy e que tinha com elle huü
que fizese quamdo queria fazer sua vomtade maa ou booa e comtrato feyto pera com sua filha ho quall tem em sua maão
outras cousas muitas falaua e dizia comtra Deus e seus samtos e que comtudo diria a verdade do que lhe fosse pergumtado
e comtra a Samta Madre Igreja que por serem muitas e e ali nam dise do custume.
comtinuas se nam lembrar delas em espicyall e que elle teste- Do quarto capitolo dise elle testemunha que de huü
munha se afirma ho dito Pero do Campo dizer muitas blas- ano a esta parte quamdo se dauam allguüs samtos de guarda
femeas e ali nam dise do dito capitólio e dos mais capitolos elle dito Pero do Campo Tourinho despois que se recolhia a
por que foy pergumtado dise elle testemunha nyl. sua casa dizia muitas palauras aos padres que hos taees
Pero Roiz homem solteiro morador nesta villa de idade samtos dauam pezamdo lhe de hos darem e que vira mandar
de trynta anos pera cyma testemunha jurado aos Samtos trabalhar algúas vezes hos seus espravos aos samtos e
Avamgelhos que lhe foram dados pelo emqueredor presemte domimgos e ali nam dise do dito capitólio.
ho vigairo e juiz ordinairo e Clememte Anes criado do dito Do quimto capitolo dise elle testemunha que de huü
Pero do Campo as vyo jurar e pelo dito emqueredor lhe foy afio a esta parte ouvira dizer ao dito Pero do Campo per
pergumtado pello custume dise nyl. vezes que elle mereçya mais que todos hos samtos e após-
Pergumtado pelo primeiro capitolo dise elle testemunha tolos e que elle trabalhaua e que hos samtos nam ho fizeram
que averá huü mes pouquo mais ou menos que ouvira dizer nem pagaram dizimo como elle e dise mais elle testemunha
a muitas pesoas de que nam hera lembrado que ho dito Pero que ouvira dizer ao dito Pero do Campo que mereçya a maa
do Campo disera pubricamemte que ha fee dos turquos hera vida e que Deus que lhe nam holhava pelo seu tamque lho
a booa e que se Deus ho nam fauoreçese naquylo que elle deixara rrombar que elle testemunha dise que ouvira dizer
quyzese que elle diria que a fee dos turquos hera a booa e que algumas pesoas dizia helle Pero do Campo que bem se
ali nam dise do dito capilollo. mostraua ser Deus paremte dos judeus por que hos fauoreçya
Do quarto capitólio dise elle testemunha que per muitas e nam fauoreçya aos christãos velhos e ali nam dise do
vezes ouvira dizer ao dito Pero do Campo de seys anos a dito capitólio.
esta parte que nenhü dia de Nosa Senhora nem dapostolo nem Dos quatorze capitolos dise elle testemunha que averia
de samto se avia de guardar e rrepremdia hos padres que huü mes pouquo mais ou menos que ouvira dizer ao dito
dauam hos taees samtos de guarda e que hos guardaua e hos Pero do Campo que havia de botar o vigairo fora de sua terra
mais destes dias mamdaua trabalhar toda sua gemte e ali nam por que dera Sam Martinho de guarda e outros samtos por
dise do dito capitólio. que lhe estoruauam seu trabalho e servyço que lhe fazião
Do quymto capitolo dise elle testemunha que de seys em sua fazemda que hos samtos estauam no çeeo e nam
anos a esta parte pouquo mais ou menos ouvira dizer ao dito avya mester quaa nada e dise elle testemunha que algüas
Pero do Campo Tourinho por muitas vezes soo e acompa- vezes hia falar com elle dito Pero do Campo sobre cousas
nhado pubricamemte que merecya mais que hos samtos e que que rreleuauam ao povoo e que elle dito Pero do Campo a
os samtos nam trabalhauam e que elle trabalhaua e que elles rrenegaua de Deus e de seus samtos com ira por que comtra-
nam pagauam dizimo e que elle que o pagaua e ali nam dise diziam o que elle nam tinha na vomtade de fazer e que as
do dito capitólio. cousas sobre que elle dito testemunha falaua com elle dito
Dos sete capitólios dise elle testemunha que de seys Pero do Campo heram sobre forte'ezar e buscar mamti-
anos a esta parte pouquo mais ou menos per muytas vezes memtos pera a villa por estar desaperçebida e aver fama
ovira dizer a Pero do Campo Tourinho pubricamenfe que de guerra com ho gemtyo e elle dito Pero do Campo dizia a
nam avia hi tamtos samtos senam que quamdo as mamçebas todos que sabya de Deus que nam avya daver guerra daquelle
dos arçebyspos e byspos estauam com ellas lhe rrogavam dia a trymta anos e que elle testemunha lhe ouvira muitas
que fizese aqelles dias samtos que elas tinham na vomtade vezes dizer muitas cousas e palauras muito feaas que elle
e que elles por lhes fazerem as vomtades hos faziam guardar testemunha muito estranhaua por serem comtra o que ha
em seus byspados e ali nam dise do dito capitólio. Samta Madre Igreja mamda e cree e que nam dizia a forma
Dos omze capitolos dise elle testemunha que ouvira dellas por nam ser lembrado e por descarregue de sua com-
dizer a Pero do Campo muitas vezes que emforcaria e justi- çyemçya e asi as dizia e por que totallmemte nam hera
çaria e cortaria as coroas aos padres que estauam nesta lembrado mas que interiormemte pello escamdallo que dellas
capitanya e que elle hera seu vigairo e papa sobre elles e ali lhe ficara asi desemcarregaua sua comçyemçya e ali nam dise
nam dise do dito capitolo. do dito capitólio e dos mais por que foy pergumtado dise
Dos quatorze capitólios dise elle testemunha que no ano nyl e dise elle testemunha que sobre estes casos e outros
de bcRb (sic) ouvira dizer na Igreja ao dito Pero do Campo que ja tem testemunhado em hüa devaça que se tirara no
estamdo ho padre vigairo rrevestido fazemdo estação damdo cycular se rreporta em todo ho que nela tem dyto ]oham
ao pouoo Sam Martinho que se custumava a guardar que ho Camelo Pereira o esprevy.
276
O REGÍMEN FEUDAL DAS DONATARIAS
Pero Mouzinho escudeiro do duque d^veiro testemunha que hera huú bêbado que por yso daua Sam Martynho de
jurado aos Samtos Avamgelhos que pelo emqueredor lhe devação ao pouoo e de guarda e que hera bêbado como ho
foram dados diamte ho vlgairo e Juiz ordinairo e Ciememte samto e que Sam Martinho ním hera samto e que hera huú
Afies procurador do dito Pero do Campo as vyo jurar e samtynho por hi e ali nam dise do dyto capitólio e pergum-
pergumtado ele testemunha pelo custume dise ny!. tado elle testemunha geralmemte por todo ho que mais sabya
Pergumtado elle testemunha pelo primeiro capitolo dise e por todolos mais capitolos dise nyl. Joham Camelo Pereira
que ouvira dizer muitas vezes a pessoas de que ao presemte o esprevy.
nam hera lembrado que dizia ho Pero do Campo que se Gaspar Fernamdez tabaliam nesta vyla de Porto Seguro
Deus ho nam fauoreçese que diria que a fee dos mouros testemunha jurado aos Samtos Avamgelhos que pelo emque-
hera a verdadeira e que se tornaria mouro e ali nam dise do redor lhe foram dados peramte ho padre vigairo e Pero Anes
dito capitólio. Vicemte juiz ordinairo e pergumtado pelo custume dise elle
Do segumdo capitólio dise elle testemunha que de testemunha que has obras e feytos de Pero do Campo quer
dous anos a esta parte ouvira dizer na baya dos samtos msll e ao dito Pero do Campo nam amtes he seu atnyguo e
domde hera ele. lhe deseja todo bem e saúde e salvaçam a alma e dise que
(') com tudo que diria a verdade.
Qomez Marques morador nesta villa almotaçe teste- Pergumtado elle testemunha pelo primeiro capitólio
munha jurado aos Samtos Avamgelhos que pelo emqueredor dise que himdo huú dia ele testemunha avera huú mes pou-
Manuell Colaço lhe foram dados peramte ho vigairo e juiz quo mais ou menos a casa do dito Pero do Campo esfamdo
ordinairo pergumtado pelo custume dise nyl, ho dito Pero do Campo agastado por rrespeyto de huú em-
Do quarto capitólio dise elle testemunha que de quatro genho que ha chea lhe derribara lhe pareçe a ele testemunha
anos a esta parte pouquo mais ou menos ouvira muitas vezes em Deus e sua comçyemçya que ho dyto Pero do Campo
dizer ao dito Pero do Campo que nenhúa festa hera de disera que se Deus ho nam favoreçya e hajudaua que diria
guarda nem ainda aos domingos avya de guardar e nas dytas que ha fee dos turqos ou mouros hera ha booa e que hasi
festas e dominguos vira a dita testemunha seus escravos e ho ouvira dyzer a outras muitas pesoas que ho dito Pero do
gemte trabalhar e lhe vyo rrepremder aos do pouoo porque Campo as mesmas palauras disera e ali nam dise do dito
nam trabalhauam e corrya apoos dos homens porque nam capitólio.
trabalhauam as taees festas e que havya de mamdar emforcar Do segumdo capitólio dise elle testemunha que havera
ao padre vigairo por que daua os samtos de guarda e que cymquo anos pouquo mais ou menos que mamdamdo elle
ha Samta Madre Igreja daa e ali nam dise do dito capitólio. testemunha huú dia dizer a huú padre da hordem de Sam
Do quimto capitolo dise elle testemunha que de quatro Framçisquo per nome frey Diogo estamdo ho dito padre no
anos a esta parte se acorda que houvyra muytas vezes pu- altar e tamgemdo ho çyno acudymdo gemte a ver Deus ao
bricamente dizer ao dito Pero do Campo que mereçya mais tempo dos samtos pasara ho dyto Pero do Campo per jumto
que todolos apostolos e samtos e que hera mais samfo que da Igreja pelegara com ho dyto testemunha dyzemdo que elle
elles que elle pagaua dizimo e que elles ho nam pagaram e testemunha querya ser capitam em mamdar comtra ho que
que elle que trabalhaua e que elles que nam trabalharam elle Pero do Campo querya he era sua vomtade por que ja
e que heram huú samtynhos de palha de m... e que nam elle tinha mamdado que aquelle frade nam disese mysa e que
heram samtos e ali nam dise do dito capitólio. elle testemunha e os outros que hiam ha Igreja cuydariam que
Dos seis capitolos dise elle testemunha que de muito hyam ver Deus das maãos daquelle frade «nam his ver Deus
tempo a esta parte que se nam acorda ouvira dizer ao dito das suas maãos senam ho diabo» e praguejamdo muitas cousas
Pero do Campo Tourinho quamdo lhe fogiam alguns escravos e palauras feeas e ali nam dise do dito capitólio e decrarou
porque Samto Amtonio loguo lhes nam trazia que Samto elle testemunha por escurpulo que tinha em sua comcyemçya
Amtonio nam hera samto que ho seu rretavolo que estaua na que ho dito Pero do Campo disera as palauras sobredytas
Igreja avya de mamdar deitar pela rocha abayxo e que lhe açerqua do Samto Sacramento com muyta soberba e ino-
avia de mamdar poor camdea de m... e que se emcomem- rancia por ho dyto Pero do Campo ser muyto soberbo e
dase a Samto Amtonio que ho avya de mamdar açoutar que inorante e ali nam dise do dito capitólio.
nam hera samto nem hera nada e ali nam dise do dito Do quarto capitolo dise ele testemunha que de cymquo
capitólio. anos a esta parte pouquo mais ou menos ouvira dyzer ao
Dos homze capitolos dise elle testemunha que houvira dito Pero do Campo que Deus nam mamdara guardar mays
dizer ao dito Pero do Campo de muitos anos a esta parte que ho domimguo e que hos papas mamdauam guardar as
que ha avyla] de mamdar emforcar justiçar queymar hos outras festas e que muytas festas prymçypaes do ano de
padres saçerdotes religiosos e que nam tinha de ver com Nossa Senhora e allgús domimguos ho dito Pero do Campo
nimguem e que tamta justiça farya nos ditos padres como mamdaua a sua gemte trabalhar e elle em pesoa hia ver ho
em quallquer çycular e que vira elle testemunha ao dito Pero tall trabalho e ali nam dise do dito capitólio.
do Campo imfamar e desomrrar muitos padres pela sua boca Do quymto capitolo dise elle testemunha que havera
e ferir e espamcar a huú padre per nome Joham Bezerra e dous anos pouquo mais ou menos a esta parte que ouvira
que deytaua os padres pregadores fora da capitanya sem dizer ao dyto Pero do Campo por vezes que huú homem
lhes pagar seu premyo e ali nam dise do dito capitólio. nesta vyda presemte que trabalhava e andava descalso e
Dos quatorze capitólios dise elle testemunha que de mamtinha filhos que mereçya por estes trabalhos tamto como
dous anos a esta parte pouquo mays ou menos elle dito hos samtos e que se elles heram samtos foram por que Deus
Pero do Campo muytas vezes desomrara ao padre vigairo quysera e dise elle testemunha que lhe pareçe em Deus e sua
comcyemçya que nestas palauras sobredytas que ho dito Pero
do Campo dizia hera em despreso dos samtos e tirarse seu
mereçymemto e ali nam dise do dyto capitólio.
í1) Por não oferecerem nada de novo omitiram-se os depoimentos
de loao Anes, Lopo Vaz, Gaspar Rodrigues, João do Amaral, ferreiro, Duarte Dos seys capitolos dise elle testemunha que de tres
Fernandes, tabelião, Gonçalo Anes, Antonio Gomes Cavaleiro, tabelião, Diogo annos a esta parte pouquo mays ou menos fogindo hús es-
Fernandes, Francisco Drusa de Espinosa, Diogo Fernandes, ferreiro, Bel-
chior de Azeredo e Gonçalo Fernandes. crauos ao dito Pero do Campo disera que Samto Antonio
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
dera ho vemto aos seus escravos pera lhe fogirem e que lhe dyto Pero do Campo nam se lembraua perfeytamemte como
nam havya mays de dar esmolla e que havya de mandar tirar as dyzya e falaua nem a forma delas mas por descarregue
sua imagem da Igreja e botala*por hi fora e ali nam dyse do de sua ■comçyemçya afirma lhe ouvir muitas cousas feeas e
• dito capitolo. mall dytas comtra Deus e seus samtos e fee católica e que
Dos sete capitolos dise elle testemunha que de hú ano elle testemunha nam holhaua por suas cousas tamto por ho
a esta parte pouquo mais ou menos ouvira dizer ao dyto dyto Pero do Campo ser contyno nas semelhamtes cousas
Pero do Campo que ha rrezam porque avya tamtos samtos prymcypallmemte que dyzya elle testemunha que hera doudo
hera por que hos byspos e arcebyspos tinham mamçebas e e inorante e soberbo e por esta rrazão tinha poucas cousas
ellas quamdo esfauam com elles ditos byspos ellas lhe rro- suas na memorea porem que ho julga por tall como dyto tem
gauam que lhe fizese guardar tall samto de que ellas tinham e dos mays capytolos por que foy pergumtado dyse nyl.
em suas vomtades e elles dytos byspos loguo faziam ho tall ]oham Camelo Pereira ho esprevy.
samto de guarda hou samta e que hos dytos byspos hos Pero Escorçyo Drumondo fydalguo e juyz ordynairo
mamdauam guardar em seus byspados e ali nam dise do dyto nesta vyla de Porto Seguro testemunha jurado aos Samtos
capitolo. Avamgelhos que pelo emqueredor lhe foram dados peramte ho
Dos nove capitos dise elle testemunha que de muito vigairo e juiz ordinairo pergumtado pelo custume dyse nyl.
tempo a esta parte muitas emfyndas vezes ouuyra dyzer ao Do quarto capitolo dise elle testemunha que de dous
dyto Pero do Campo que hos papas e cardeaes heram hús anos a esta parte ouvyra dyzer ao dyto Pero do Campo
bugiarões sodomytygus tiranos que casauam e descasauam que nenhú dya se avya de guardar senam ho domymguo que
por dinheiro ha quem queryam e ali nam dise do dyto Deus tomara pera si e que nas outras festas e samtos vyra
capitolo. • elle testemunha trabalhar hos seus escravos e elle dyto Pero
Dos dez capitólios dise elle testemunha que este ano do Campo hyr a seu seruyço e sabe elle testemunha que lhe
presemte ouvira dizer ao dito Pero do Campo que ha festa das outras pesoas que as taees festas guardavam e asy hos
de corpus crystu nesta terra se havya de mudar por rrezão rrepremdya e ali nam dyse do dyto capytollo.
do emverno que "hera qua quamdo em Portugal! hera verão e Do quimto capitolo dyse elle testemunha que houvyra
que ha de ser ao domimguo e nam ha quimta feira que ho dyzer ao dyto Pero do Campo de dous anos a esta parte
domimguo Deus ho tomara pera si e ali nam dise do dito que quallquer homem agora mereçya mays que todos hos
capitolo. samtos porque trabalhauam e mamtynham sua molher e fylhos
Dos omze capitolos dyse elle testemunha que de muito e que pagaua dyzimo ha Igreja ho que hos samtos nam fyze-
tempo a esta parte vira ho dito Pero do Campo emjuryar de ram e ali nam dyse do dyto capytollo.
palaura aos sacerdotes de mysa e rreligiosos e imfamalos de Dos seys capitolos dyse elle testemunha que de dous
muitas cousas que nelles nam avya e dizer que neles farya anos a esta parte pouquo mays hou menos ouvyra dyzer elle
justiça como em quall quer outro cycular e que nam tinha de testemunha que fogiram ao dyto Pero do Campo hús escravos
ver com ho papa nem com nymguem e que elle dyto teste- e loguo naquelle mesmo dya elle testemunha emcomtrara com
munha vyra dar hua punhada ha hú padre capuchinho de ho dyto Pero do Campo ha porta de hú Bernaldo Pimemta
samta e haprovada vyda e emjurialo de muytas e maas e lhe dysera que hos emcomemdase a Samto Amtonyo e elle
palauras e ouvyra elle testemunha dyzer que ho dyto Pero Pero do Campo lhe tornara em rreposta muito yroso que lhe po-
do Campo espamcara ao padre Joham Bezerra que elle teste- rya húa camdea de m... e outras palauras feeas de que elle tes-
munha vyra ao dyto Pero do Campo tomar hü momtamte e temunha nam he bem lembrado e ali nam dyse do dyto capytollo.
dyzer que querya metelo pella barrygua a hú frey Diogo frade Dos sete capitólios dyse elle testemunha que de dous
de Sam Framçysco e que vyra correr com muitos virtuosos anos a esta parte ouvyra dyzer ao dyto Pero cfo Campo que
padres pregadores e botallos fora da terra e nam lhe paguar não havya hy tamtos samtos senam por que as mamçebas
seus prêmios e que fazya outras muitas cousas e fazya e dos byspos e arçebyspos lhes pyd^am que lhe desem hú
dyzya comtra hos padres de mysa de que elle testemunha samto de nome da dyta mamçeba e elles por lhes comprazer
nam he bem llembrado e ali nam dyse do dyto capitólio. mamdauam que se guardase aquelle samto no seu byspado e
Dos doze capitólios dyse elle testemunha que havera daquy avya tamtos samtos e ali nam dyse do dyto capytollo.
hú mes pouquo mays ou menos que houvyra dyzer ao dyto Dos nove capitolos dyse elle testemunha que de dous
Pero do Campo estamdo agastado per húa chea que lhe anos a esta parte ouvyra dizer ao dyto Pero do Campo que
leuara hú tamque de hú seu emgenho que Deus ho nam hos papas cardeaees heram huús bugiarrões tiranos que por
ajudava e poys Deus ho nam querya ajudar nem favoreçer dynheiro fazyam tudo e ali nam dyse do dyto capytollo.
que elle nam querya mays trabalhar na tera que vyese elle Dos quatorze capitolos dise elle testemunha que havera
Deus povoar a terra e que elle ha deixarya aos imfyees e dous anos que estamdo ho padre vigairo rrevestydo ha esta-
ysto dyzya com muita soberba e ira damdo com ha mão per çam dera Sam Martynho de guarda e que elle testemunha
ao ar e que como hú homem hera boom trabalhador na sabe guardar se no arçebyspado e que ho dyto Pero do
terra loguo lhe Deus daua desgosto e doemça e ali nam dise Campo se vyrara comtra pera ao dyto vygayro presemte ho
do dyto capytollo. povoo imdo lhe a maão por que ho dava e das palauras que
Dos quatorze capitolos dyse elle testemunha que todos amtão dyse elle testemunha nam he lembrado e ali nam dyse
hos homems que ho padre vigairo daua na estaçam Sam do dyto capytollo e foy pergumtado elle testemunha pelas
Martynho ho.vyram dyzer ao dito Pero do Campo marmurar e mays heresyas e blasfemeas que ho dyto Pero do Campo
falar dizemdo que Sam Martynho hera por hi hú samtynho dyzya e fazya comtra Deus Noso Senhor e seus samtos e
e nam hera nada e pois ho padre ho daua na estaçam que comtra a Samta Madre Igreja dyse elle testemunha que ouvyo
elle descomtarya ao dyto vigairo no seu premyo e que por dyzer ao dyto Pero do Campo hafirmamdo asi alguú prepo-
ho vigairo hera françes como Sam Martynho que por yso ho syto que falaua dyzya «Deus me dyse tall» e asi dyse elle
daua e ali nam dise do dyto capytollo e pergumtado gerall- testemunha que ouvyra muytas cousas ao dyto Pero do
memte polas blasfemeas he eresyas que ho dyto Pero do Campo mall dytas e mall faladas que lhe pareçyam de maao
Campo dyzya comtra Deus e seus samtos e comtra a Samta cristão e dos mays capytolos por que foy pergumtado dyse
Madre Igreja dyse ele testemunha que elle das cousas do nyl. ]oham Camelo Pereira ho esprevy.
O REGÍMEN FEUDAL DAS DONATARI AS
Aos vymte e outo dvas do mes de dezembro de bcRbj hüa samta do seu nome e que elles por lhe fazerem sua
anos na Igreja de Nosa Senhora da Pena desta vyla foram vomtade que logo a fazyam de guarda e por esta rrezão
tiradas as testemunhas seguimtes Joham Camelo Pereira avya tamtos santos de guarda e ali não dyse do dyto
ho esprevy. capytolio.
Pero Gomçalvez morador na dyta vyla testemunha Dos outo capytollos dyse elle testemunha que haverá
jurado aos Samtos Avamgelhos e pelo emqueredor Manuell dous anos pouquo mays ou menos a esta parte que ouvyo
Collaço lhe foram dados presemte ho vigairo desta vylia e de dyzer ao dyto Pero do Campo e chamar de p... aleyvosa ha
Pero Anes Vicemte juiz ordinairo e pergumtado pelio cus- bemavemturada Samta Luzya dizemdo que hos samtos que
tume dyse que nesta dyta vyla nam tynha outro moor amiguo se queryam por mall e que por que desomrara Samta
que elle testemunha tiramdo seus filhos e comtudo dyrya Luzya loguo tivera saúde e ali nam dyse do dyto capytolio.
a verdade. Dos dez capitolos dyse ele testemunha que avera dous
Pergumtado pelo primeiro dyse elle testemunha que de anos pouquo mays ou menos que houvyo dyzer ao dyto
hú ano a esta parte pouquo mays ou menos ouvira dizer ao Pero do Campo que cometera ha hú padre que se se poderya
dyto Pero do Campo Tourynho que se Deus ho nam ajudava pasar ha festa do Corpo de Deus ao domimguo e que ho
que elie dyrya que ha fee dos mouros hera ha mylhor e que padre lhe dysera que ho papa ho poderya por que ho dyto
lhe pareçe a elle testemunha que na mesma hora também padre lhe dysera que ho papa ho poderya fazer dysera elle
dysera que elle dyto Pero do Campo que se tornarya mouro dyto Pero do Campo «papa / papa / papa agora» damdo com
e ali nam dyse do dyto capitólio. ha maão por maneira descarneo e ali nam dyse do dyto
Do segumdo capitólio dyse elle testemunha que avera capitolo.
Gymquo anos pouquo mays ou menos que vymdo elle teste- Dos treze capytollos dyse elle testemunha que avera
munha he outros da porta da vylla pera a Igreja que pycavão hú ano pouquo mays ou menos que ouvyo dyzer ao dyto
ho çyno ha hüa mysa que dyzya hú padre da hordem de Pero do Campo Tourinho per vezes que bem pareçya que
Sam Fratncysquo per nome frey Diogo e jumto com a porta hera Deus dos judeus que ha eles favoreçya e com eles hera
da dyta Igreja emcomtrara elle testemunha ao dyto Pero do e que haos outros não nos ajudava e que com eles fora
Campo e lhe dysera ho dyto Pero do Campo a elle teste- sempre e que sempre se esqueçera de nós e do dyto capy-
munha e a outros ihomdehisvos outros» dyse elle testemunha tolo ali nam dyse.
«vamos ver a Deus que pycam ho çyno» e ho dyto Pero do Dos quatorze capytolos dyse elle testemunha que vai
Campo dyse «quem dys mysa?» dyse elle testemunha «creo que em dous anos pouquo mays ou menos que estamdo ho
frey Diogo» e dyse elle dyto Pero do Campo «Deus his vós vigairo a estaçam dera Sam Martynho de guarda e em saymdo
outros ver nam his ver Deus senam ho dyabo» e dyse elle da Igreja ho dyto Pero do Campo dysera a elle testemunha
testemunha que foy ho dito Pero do Campo dyzemdo outras que se ho vygairo daua mays samtos de guarda que ho avya
muitas cousas da mesma materea que senam acorda e ali de tirar do altar e bolar fora da Igreja que hera hú pixym
nam dyse do dyto capytolio. bêbado que por húa vez que Sam Martynho fizera vynho que
Do quarto capitólio dyse elle testemunha que conty- por yso ho dava de guarda e por que ho vigairo hera amygo
nuadamemte dyzya ho dyto Pero do Campo que nenhú dia de vinho por yso ho fazya e loguo dyse a elle testemunha
se avya guardar senam ho domimguo que este somemte dyzel lhe que nam dyga mays mysa e que per muitas vezes
mamdara Deus e dyse ele testemunha que todo ho comteudo elle testemunha lhe vyra a elle dyto Pero do Campo com
neste, capytolio açyma esprito lhe ouvira e vyra mamdar paixão dyzer muitas blasfemeas comtra Deus e seus samtos
trabalhar toda sua gemte em muitos dyas samtos de guarda e e çerramdo as maãos e cuspymdo pera o çeeo com ira das
asi dyse elle testemunha que ho dyto Pero do Campo dyzya quaees blasfemeas e doutra muitas nam hera bem lembrado
muitas desomrras ao dyto vigairo por que daua hos samtos por serem comtynoas e muitas e ali nam dyse do dyto capy-
de guarda e que rrepremdya asparamemte ao dito vigairo tolio e de todolos outros por que foy pergumtado de todo
e ali nam dyse do dyto capytolio. ho comteudo neste testemunho e no mays dyse elle teste-
Do quymto capitolo dyse elle testemunha que de quatro munha que se rreportava a outro testemunho que já tinha
anos a esta parte pouquo mays ou menos ouvyra dyzer ao dado em hüa inquyryçâo que se ora tyra do dyto Pero do
dyto Pero do Campo muitas vezes que nós outros temos Campo no cycuiar. ]oham Camelo Pereira ho esprevy.
mays mereçymemto neste mundo que todos hos samtos por ]oham Vieira homem casado morador na dyta vyla
que hos samtos tynham a graça de Deus e do espryto samto testemunha jurado aos Samtos Avamgelhos que pelo emque-
e que nam semtyam seus trabalhos e que nós que trabalhá- redor lha foram dados presemte ho vigairo e juiz ordinairo
vamos e semtyamos nosos trabalhos que pagavamos dyzymos e pergumtado pelo custume dyse que lha nam querya mall
que hos samtos nam pagaram e ali nam dise do dyto capytolio. somemte querya mall aos seus mãos feytos e comtudo dyria
< Dos seys capytolos dyse elle testemunha que avera a verdade.
dous anos pouquo mays ou menos que hymdo da Igreja com Do quarto capitólio dyse elle testemunha que de muito
ho dyto Pero do Campo falamdo em hús escravos que fogi- tempo a esta parte per muitas vezes ouvyra dizer ao dyto Pero
ram ao dyto Pero do Campo elle testemunha lhe dysera do Campo que nenhú dya hera de guarda senam hos domim-
«Senhor emcomemdayos a Samto Amtonyo» e elle dyto Pero guos e allgüs dyas de Nosa Senhora e que nas dytas festas
do Campo dysera «como lhos ey demcomemdar se mos nam vyra elle testemunha ho dyto Pero do Campo mamdar tra-
traz pera casa eu lhe ey de mamdar tyrar as toalhas do altar balhar toda sua gemte e dyse elle testemunha que lhe ouvyw
e também mandalo botar fora da Igreja» e dyse elle teste- dyzer a elle dyto Pero do Campo que cytaua em mamdar
munha que lhe pareçe que na mesma hora ouvira dyzer ao tirar dous altares todas as imagems e deixar somemte ho
dyto Pero do Campo que porya hüa camdea de m... ao crucyfyçyo de ]esu Noso Senhor e ali nam dyse do dyto
dyto Samto Amtonyo e ali nam dyse do dyto capytolio. capitolo.
Dos sete capytollos dyse elle testemunha que de muito Do quymto capitolo dyse elle testemunha que de muito
tempo a esta parte que nam he acordado per vezes ouvyra tempo a esta parte per vezes ouvyra dyzer ao dyto Pero do
dyzer ao dyto Pero do Campo que por que has p... de Campo que hos homems mereçyam agora mais que hos
Roma lhe rrogaram suas matnçebas que fyzesem de guarda samtos no outro tempo porque hos homens trabalham e
279
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
pagam dvzymo que hos samtos nam íyzeram e ali nam dyse meas comtra Deus e seus samtos e que elle testemunha na
do dyto capytollo e pergumtado por todolos mays capitólios estaçam rrepremdya a elle dyto Pero do Campo e que por
dyse nyl e dyse elle testemunha que se rreportava a outro ser capytão e muito forle de comdyçam nam se querya
testemunho que já tinha dado em hüa inquyryção que se tira conheçer senam usar de sua vomtade e que nam querya
comtra ho dyto Pero do Campo no çycular. Joham Camelo esperar rrepremçam e que todo ho pouo se queixaua a elle
Pereira o esprevy. vygairo das blasfemeas e heresias que ho dyto Pero do
Bernardo de Aureajac vigairo nesta vyla testemunha Campo fazya e dyzya e elle dyto vigairo tornava em rreposta
jurado aos Samtos Avamgelhos que pello emqueredor lhe ao povoo que por ser capitam e estar lomge de Portugall
foram dados presemte ho juiz ordynairo e pergumtado pello nam podya mays fazer que rrepremdelo e que mamdarya a
custume dyse nyl. seu perlado hú estormemto como estava pera mamdar senam
Do quarto capitolo dyse elle testemunha que havera soçedera a tall prisam e dos mays capitolos por que foy
seys anos por hú dya de Sam Tyaguo e de Sam felypee lhe pergumtado dyse que tudo ouvira dyzer ao povoo per muitas
dysera a elle vygairo ho dyto Pero do Campo < dizemme padre vezes por que ha elle dyto vigairo se vinham queixar. Joham
que quereys mamdar a Portugall hú estormemto como eu Camelo Pereira ho esprevy.
nam quero que se dê hos dyas samtos de guarda por povoar Manuell Colaço Capelão do duque d'Aveiro testemunha
a mynha terra» e ho dyto vygairo que lhe rrespomdera «eu jurado aos Samtos Avamgelhos que pelo vigairo lhe foram
hobedeço a Samta Madre Igreja e ey de fazer ho que me dados presemte ho juiz ordinairo e pergumtado pelo custume
mamda e ey de dar hos samtos de guarda e se mo empi- dyse que a seus vyçyos e dysojsojluções e maao vyuer tinha
dyrdes ey de mamdar ho dyto estormemto a meu prelado» e avorreçymemto e aa sua alma e vyda querya bem e ali nam
elle dyto Pero do Campo dyse com gramde furya ao dyto dyse e comtudo que dyrya a verdade. Joham Camelo Pereira
vigairo que heram papynhas de m... e que nam sabyam ho o esprevy.
que fazyam e que elle dyto vygairo se fose loguo fora da Pergumtado elle testemunha pelo printeiro capitolo dyse
sua terra por que hera terra nova e que a querya povoar e elle testemunha que no mes de Feuereiro desta presemte
que desem hos samtos todos de devaçam e nam de guarda hera hú dya do dyto mes indo elle testemunha a casa do
e que por yso elle dyto Pero do Campo muitas vezes pele- dyto Pero do Campo com seu filho Amdré do Campo lhe dera
jaua com elle vigairo e ali nam dyse do dyto capitolo. elle dyto testemunha ao dyto Pero do Campo hüas cartas do
Do quymto capitolo dyse elle testemunha que de quatro Reyno lemdo húa carta começou ho dyto Pero do Campo a
ou cymquo anos a esta parte ouvyra dizer per vezes ao dyto dyzer mall de hú fydalguo do Reyno e elle dyto testemunha
Pero do Campo que hos homens agora neste tempo heram lhe dyse que fazya mall tall cousa falar e seu filho Amdré
mais samtos que hos apostollos por que hos apostollos am- do Campo estamdo presemte ho rrepremdera também da tall
dauam com Noso Senhor e que heram alumeados da sua murmuraçam e elle dyto Pero do Campo paseamdo por húa
graça e que nam Semtyam hos trabalhos que nós agora sem- casa das casas homde estauam rrespomdeu com gramde ira
tiamos por que amdamos descallsos e com muitos trabalhos e soberba desta maneira «se Deus me nam fauoreçer eu dyrey
e ali nam dyse do dyto capitólio. que a lley dos turquos he a booa e tornar mey turquo» e elle
Dos sete capitolos dyse elle testemunha que de quatro dyto testemunha e Amdré do Campo seu filho rrepremderam
ou çymquo anos a esta parte pouquo mays ou menos per ao dyto Pero do Campo das taees crimynosas palauras rres-
vezes ouvyra dyzer ao dyto Pero do Campo que hos byspos pomdeu elle dyto Pero do Campo que quatro anos que avya
e arçebyspos que tinham mamçebas e que ellas quamdo de vyuer que hos avya de vyuer a sua vomtade e elle teste-
eslauam com elles que elas lhe rrogauam que fyzesem hú munha com ho dyto Amdré do Campo sairão loguo fora da
samto ou samta de sua vomtade ou de seu nome de guarda casa do dyto Pero do Campo muito escandalisados e estamdo
e que hos dytos byspos por lhes fazerem as vomtades ho também aas taees palavras presemte Amtonio Pymto seu
fazyam de guarda que por esta causa avya hy tamtos samtos cunhado e cryado e ali nam dyse do dyto capytollo.
de guarda e nam que hos ouvese na Igreja e ali nam dyse Do quimto capitolo dise elle testemunha que haverá hú
do dyto capytollo. ano e meo pouquo mays ou menos que ouvira ao dyto teste-
Dos nove capitolos dyse elle testemunha que de quatro munha dyzer ao dyto Pero do Campo que hos daguora heram
ou cymquó anos a esta parte pouquo mais ou menos ouvyo mays samtos e que mereçyam mays que hos samtos por que
dyzer per muitas vezes ao dyto Pero do Campo que hos hos homems trabalhavam e leuauam maa vyda e pagauam
papas heram sodomitygus tiranos bugiarrões e que tudo dízimos que hos samtos nam fyzeram e que elle dyto teste-
fazyam por dinheiro e casauam e descasauam a quem queryam munha rrepremdera ao dyto Pero do Campo da tall prafyca
por dinheiro e tudo a fym de rroubarem nam por que ho he erro e elle dyto Pero do Campo ho nam querya ouvyr
podesem fazer e ali nam dyse do dyto capytollo. mas afyrmar ho que dyzya e ali nam dyse do dyto capitólio
Dos doze capitólios dise elle testemunha que avera e dos mais por que foi pergumtado dyse nyl e dyse elle
quatro ou çymquo anos pouquo mays ou menos que ho dyto testemunha por descarreguo de sua comçyemçya que Pero
Pero do Campo cometeo a elle testemunha que mudase a do Campo Tourinho ho julgaua por ynoramte e gramde ma-
festa do Corpo de Deus ao domimguo por trabalharem aquele neacollo e que asi jumtamente hera soberbo e mall inclynado
dia e ali nam dyse do dyto capitolo. e punha emxucuçam a sua maa imcrinaçam quamdo lhe vinha
Dos quatorze capitolos dyse elle testemunha que avera a vomtade e ali nam dise. Joham Camelo Pereira o esprevy.
dous anos pouquo mais ou menos que hú domimguo estamdo Diguo eu Joham Camelo Pereira padre de mysa espri-
elle dyto vigairo rrevestydo ha estaçam damdo hos samtos vão deste caso testemunha jurado aos Samtos Avamgelhos
dera Sam Martynho de guarda e ho dyto Pero do Campo se que pollo vigairo peramte ho dyto Manuell Colaço e juiz me
alevamtou em pee irosamemte dizemdo «nam quero que deys forão dados do custume diguo que eu lhe desejo saúde e
Sam Martynho de guarda por que nam hera asy» e ho dyto saluaçam pera sua alma e aas suas obras e maao zello e
vigairo lhe dyse a elle dyto Pero do Campo «nam poso ali sem rrezões que fazya e faz quero mal e comtudo direi
fazer por que ho arçebyspo Dom Martynho ho mamda guardar» a verdade.
e asi dyse elle dyto vigairo que muitos domimguos ho vyra Do quarto capitolo por que foy pelo dito emqueredor
mamdar trabalhar e asi todalas festas e fazer muitas blasfe- pergumtado diguo que de hú ano e meo a esta parte ouvy
280
O REGÍMEN FEUDAL DAS DONATA RIAS
alguas vezes ao dito Pero do Campo que nenhu dia samto custume de homze anos a esta parte segumdo ho tenho
de guarda se avy de guardar por ser tera nova e que habas- ouvydo a muytas pesoas nesta capytania moradoras em todo
tava ao domynguo que Deus tomara pera si e ysto dyzya em este tempo e diguo eu testemunha que hú dia do mes de
todo seu emtemdymemto e juizo que tinha e rrepremdya novembro da presemte hera amdamdo eu falamdo com ho
asparamemte algüs do pouoo por que guardavam hos taes dyto Pero do Campo e elle me dyse que hú serto homem
dias e diguo que eu dizia allgúas vezes mysa aos domimguos tomara ho Senhor e que elle que hera hü ladrão que tinha
e que timya de dar hos samtos de guarda por me nam em- tall cousa furtada pera que has taees comfisoeês e sobre ysto
juryar e também por nam trazelo a mais comdenaçam sua e asi me tornou a dizer que pera que heram mais comfysoeês
de sua comçyemçya e nos dias de guarda e algüs domymguos que de trez em trez anos abastaua e que imda húa vez
vy ho dito Pero do Campo hir ao seu emgenho e seus es- abastava e ouvymdo estas paiauras me afastey dele e não
cravos trabalharem e ouvy dizer aa moor parte deste pouoo ousey de mays fallar por que não me desomrrase e ho leva-
desta vylla que asi escravos como cryados todos trabalha- se a mais culpa por ser homem sem rezão e aver nesta
uam domymguos e samtos de guarda e ali nam dyse do capitanya rreligiosos virtuosos e homens leygos de muyta
dyto capytollo. autorydade e de nenhum deles tomava cousa algüa nem avya
Dos doze capitolos por que fuy pelo emqueredor per- nenhü que se nam afastase delle por nam lhe ouvirem as
gumtado diguo eu testemunha que avera tres meses pouquo blasfemeas e feas paiauras que por sua boca falaua e digo
mais ou me [nos] que hü dia acabey de dizer mysa sahimdo que numca ouvy dizer que pesoa de quallquer calidade que
da Igreja fuy pera homde esta húa cruz sobre a rrocha fose falase tamto e tam mal! comtra Deus e seus samtos e
pegado com as pousadas do dyto capitão Pero do Campo e comtra a nosa Samta Madre Igreja e perlados e dygo por
ouvy gramdes brados em sua casa e eu soby açyma e achey descarregue de minha comçyemçya que he muito soberbo e
ho dyto Pero do Campo paseamdo mui furyoso e iroso com maliçyoso e sobre yso ho julguo muito imhoramte e algúas
hús alambres na maão como que hacabaua de rrezar e com vezes tomado de vynho e por tamto asiney aquy oje vymte
ele estaua hú Amtonio Pymto seu criado e cunhado e per- e nove dias do mes de Dezembro ano do nacymemto de
gumtey ao dyto Pero do Campo que cousa hera de sua pai- Noso Senhor Jesus Cristo de bcRbij e eu Joham Camelo
xão e ele me respomdeu e dyse «que he, he que trabalho Pereira ho esprevy.
somemte com mynha força sem ajuda de Deus e nam me E acabada asi a dita Imquyryçam pelo dito vigairo foy
daa de sua graça e ora me derrubou ho emgenho e tamque mamdado a mim esprivão que lhe fizese estes autos conclusos
nam se emgane Deus comygo porque hagora ey de ser mays pera prover no caso como fose justiça. Joham Camelo Pereira
rroym e maao e venha elle quaa Deus povoar a terra senam ho esprevy.
deixalaey aos imfyees» e ysto muito yroso «e que como tenho Concluso ao Vigairo
hü homem que bem trabalha loguo lhe elle Deus daa doemça
ora vaa ora vaa> ysto dizia comtra Deus damdo com ha maao Vysto hos casos blasfemeas he eresias polos quaes hos
pera çyma e botou as comtas ou alambres sobre a cama padres e rreligiosos desta capytania jumtamemte todos com
mui furyosamemte e eu testemunha lhe dyse «Senhor tomay ho pouo desta vyla prenderam a Pero do Campo Tourinho
emxemplo de noso padre adão que com suor de seu rrosto ho rremeto vysto a calydade de seus casos com estes autos
comeria seu pão e que com trabalhardes por vosa pesoa e e Inqyryção asi preso em ferros como está a meu perlado
dardes esmolas alcamçaryes ho parayso e saluaçam> elle dyto ou a quem ho caso no Reyno pertemçer.
Pero do Campo me rrespomdeu e dyse «que quem hade ter Forão terladados estes autos e emquyryção dos pro-
paçyemçya poys me desmamcha tudo nam creo eu logo se pios autos per mim Joham Camelo Pereira padre de mysa
comserto a Igreja nem paguo aos clerygos poys me elle Deus esprivão deste caso somemte por mamdado do dyto vigairo
desmamcha meu emgenho» e ysto e outras cousas feeas dizia e comçertados com hos propios com Gaspar Fernamdez
i5ue nam as emtemdi bem e por me pareçer que com elle taballiam do pubrlco judiçyall nesta vyla de Porto Seguro ho
não podia acabar que vyese a conhecerse de tam feeas pala- quall comcerto ambos fizemos bem e fiellmemte peramfe ho
uras avocallo a piores segumdo seu desordenado custume dito vigairo Manuell Colaço emqueredor do caso e peramte
me vym pela porta fora e com elle dyto Pero do Campo o juiz Pero Annes Vyçemte portamto asinamos todos aquy
fycou ho dyto Amtonio Pymto seu criado e ali nam diguo do de nosos sinaees rrasos oge segumda feira sete dias de
dito capitolo. Fevereiro de bcRbij e nam façam duvida nas amtrelinhas
Dos quatorze capitolos por que fuy pelo dito emque- que dizem / aos / samtos / aos padres velhacos / brusa /
redor pergumtado diguo que este ano pasado por que ho campo / temos / dese / de / e nos rriscados que dizem / ele /
padre deu Sam Martynho por devaçam elle dyto Pero do o esprevy / ese / estamdo / estam / de / dezer / tempos / por
Campo estaua asemtado em húa cadeira e se vyrou nela mui que todo eu fyz peramte hos sobre dytos por ir na verdade
furyoso pera falar comtra ho padre e nam lhe ouvy nada Joham Camelo Pereira o esprevy. // Joham Camelio Pereira —
mas segumdo Deus e em minha comçyemçya elle quysera Manuell Colaço —Bernardo Duaurujac—Gaspar Femandez —
desomrrar ho padre e aly a estaçam calouse e fora da Igreja Pero Anes Vycemte.
despoys de comer eu ouvy ao dito Pero do Campo Tourynho Aqui vem xxbij pellas quaes se prouam os capitolos
dizer que havya demforcar ao padre se mais dese nenhü que estam no primçipio destes autos muito largamemte e
samto de guarda que hera hüa besta que nam sabya ho que aparte foi la citado pera as ver jurar e mandoas ver jurar
fazia e outras muytas bestydades que por taees serem ho por hú requeremle.
nam emtemdia por nam estar promto com ele e ali nam diguo
do dyto capitólio e hao mais por que foy pergumtado digo nyl. Antes doutro despacho seja notificado ao Reu Pero do
E pelo dyto emqueredor fuy pergumtado gerallmemte das Campo que dee fiança bastante de mill cruzados a senam
mais cousas que delle sabya diguo que de hú ano e meo a partir desta çidade de Lixboa sem licemça por ser necesario
esta parte ouvy muitas paiauras feas ao dito Pero do Campo fazerem se çertas diligençias primeiro por parte da Samta
comtra Deus Noso Senhor e seus samtos e comtra a nosa inquisição que cumprem a seruiço de Noso Senhor e bem
Samta Madre Igreja das quaes nam sam lembrado do modo da justiça vistos os autos —Frey Antonio de Lixboa —Joham
e maneira que has dizia por ser contino nelas e ir ysto de de Mello.
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HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Aos dezasete dyas do mes de Setembro de my!! bcRbij saber quinze dias antes e que nom ho comprimdo elle Pero
annos em Lixboa eu notairo per mamdado do sõr Joam de do Campo asy e se imdo sem ho fazer saber como dito he
Mello inquisidor fuy ha Boa Vysta a rrua do Poço homde que elle Pero do Campo ficase des agora çytado per todos
pousa o Reo Pedro do Campo e lhe pubryquey o desem- hos termos e autos judyçyaes ate ouuyr semfemça defenetiva
bargo atras como se nelle comtem e per elle foy dito que inclusyve. Amtonio Roiz o ffiz — Pedro do Campo.
elle nam tinha quem o fiase que mamdase fazar as diligem- Aos oylo dias do mes de Outubro de myll e quinhemtos
çias que quisese que elle esperaria e senam irya ate que vyesem. e quarenta e sete annos em Lixboa na casa do despacho da
Paulo da Costa o esprevy e asyneu aquy o dito Pero do Samta Inquisyçam estamdo hy os seis deputados mandaram
Campo—Pedro do Campo. vyr peramte sy a Pero do Campo Tourinho capytâo do Porto
«Senhor — Diz Pero do Campo Tourinho que na sua Seguro das Terras do Brasyll e pello juramento dos Samtos
capitania do Porto Seguro ho premderam e fizeram comtra Evangelhos lhe fyzeram pergumta quamto tempo avya que
elle conjuração çertos moradores seus imigos capitães e por era capytão do dyto porto e capitanya dyse que averya deza-
ho lançarem da terra e capitania o prenderam em ferros e sete annos ou dezaseis e que ao tempo que lhe el Rey Noso
mandaram a este Reino com autos de testemunhas falsas Senhor fez merçe da dyta capitanya estaua em Vyana de
e fabricadas e sobornadas afim de me destruírem sendo tudo Caminha homde era morador e hy naçera e fora bautizado;
ao comtrairo do que elles de mim dizem por eu ser muito pergumtado em que cousas gastara seu tempo em quamto
bom e catholico cnstaom e muito desejoso de aumemtar nosa estiuera na sua capylanya dyse que fizera oyto Igreijas em
samta fé nas ditas partes e gemtyos do Brazil e como dese- que se dizia misa e que fizera oyto vyllas nas quaes em cada
joso disto e não como elles de mym dizem fiz sete igrejas húa mandara fazer húa igreija e que em Porto Seguro que
na dita capitania e tinha nellas dous frades e çimquo clérigos he a primçipall mandara fazer duas e asy mandara fazer
á minha custa que todos os dias diziam missa e ofiçiauam muytos emgenhos na terra outras cousas necesaryas pera
os ofiçios divinos: e sendo desta maneira ha tres meses que ella a quall' pouohou de nouo / Pergumtado se no tempo que
ando aqui detheudo e desterrado per meus imigos fora da Ha andou se se comfesaua e comumgaua no tempo que
dita capitania a qual corre risquo de se perder com minha mamda ha Samta Madre Igreija dise que sy e que se com-
absençia e de se leuantarem comtra ella os yndios da terra fesaua com ho vygairo clerygo framçes o quall tinha asy em
como tizeram a capitania de Pero de Qoes e a capitania de Porto Seguro e que também se comfesaua a hú mestre Mar-
Vasco Fernamdez Coutinho : por tanto pede a Vossa Senhoria cos o quall fora cura na igreija do dito Porto / Pergumtado
ho mande despachar com brevidade e lhe mande dar vista se era lembrado estamdo na dyta sua capitanya dizer ou
dos autos que contra elle soplicante vierâo do Brazil por fazer algüa cousa que fose comtra nosa Samta fee catolyca
quanto them enbargos de nullldade aos ditos autos pera se nam e comtra o que tem e era a Samta Madre Igreja pera de
fazer por elles obra algua contra elle soplicante como per quallquer cousa de que semtyse nesta parte sua comcyemçya
denunçiaçam e conspiraçam de seus imigos capitaês e por emcaregada pydyse pera dar a noso Senhor e misericórdia a
quanto elle soplicante não them fiança que dê a Vosa Senho- Samta Madre Igreja pera ser reçebydo com muyta miseri-
ria de iudiçiosisti diz que está prestes pera dar juratoria córdia dise que nam era lembrado dizer nenhüa cousa que
cauçam como o direito manda em tal caso e mais que hipo- fose comtra a Samta fee catolyca amtes rrepremdia as pesoas
thecara e obrigara as Remdas da sua capitania a nom se que vya fazer o que nam devyam / Pergumtado se era lem-
mover daqui e estar a comprimemto de direito no que Requer brado dizer algüa ora queremdo fazer algüa cousa que se ho
merce e justiça». Deus não ajudase nella que dyrya que a fee dos mouros que
Que faça o sopricante hipotheca e obrigaçam gerall de era milhor que has dos cristãos e que se tornaria mouro / dise
sua fazemda em espeçiall da sua capitania e rendas delia em que numqua tall dise / Pergumtado se algüa ora dysera a
forma a saber com juramemto a comprir tudo a que se çertas pesoas que hiam ouvyr misa «homde ides não ides a
obrigua como pede em sua pitição e com iso feito pode ver Deus senão o dyabo» / dise que numqua tall dise / Per-
requerer sua justiça ordinariamente per sy e seu procurador gumtado se dizia elle na dita sua capitanya que nenhú dia
e ser lhe a gardada em Lixboa xxiiij de Setembro de 1547 — de Nosa Senhora nem dapostollos nem dos samtos se avyam
Frey Antonio de Lisboa—]oham de Mello. de guardar e por iso mandava trabalhar a seus servidores
Aos vymte e seis dias do mes de Setembro de mill e nos tais dias / dise que não mas amtes os mamdaua guardar
quinhemtos e coremta e sete annos em Lixboa nas varandas e festejar / somente que rrepremdia as vezes o vigairo
destes estaos eu notairo pubriquey o despacho asima ao dyto framcez por dar de guarda Sam Guilherme e Sam Martynho
Pero do Campo Tourinho e per elle foy pedido o trelado e Sam Jorge e outros samtos que nam mandaua guardar a
deile pera se acomselhar com seu procurador e eu notairo Samta Madre Igreja nem os prelados os mamdauam guardar
lho dey Paulo da Costa o esprevy. em suas comstytuições por quamto a terra era noua e era
Aos ij dias do mes de Setembro de mill bcRbij na necesaryo trabalhar pera se pouoar a terra e fazeremse
casa de despacho da Santa Imquisyçâo estamdo hy o sr. algüas cousas de serviço de Deus / Pergumtado se era lem-
Joam de Mello Imquisydor peramte elle pareçeo Pero do brado dizer algüa ora que mereçya mais que os Samtos
Campo Tourynho capitão do Brazyl da capitanya de Porto Apostolos / e que se lhe não dauam algüa cadeira mais alta
Seguro e elle sr. Imquisydor lhe dise que cumprya a serviço que ha dos profetas que guardase seu paraíso dyse que
de Noso Senhor e bem deste Samto Offiçyo da Imquisyçâo nunqua tall disera somemte dyzia as vezes vemdo que fra-
elle Pero do Campo se nom partir desta Çidade de Lixboa balhaua de noyte e de dya com muitos cuydados que mais
sem primeiro o ffazer saber a elle sr. Imquisydor e que por- trabalhos podia ter Sam Pedro que elle / Pergumtado se disera
tamto lhe mamdaua e pedia que elle se nom íose pera o alguã ora que não avya de por candeas a Samto Amtonio
Brazyl nem pera outra nenhüa parte sem primeiro lhe ffazer nem lhe dar esmolla amtes avya de tyrar a imagem delle do
saber e elle Pero do Campo ho prometeo ffazer asy e por altar por lhe fazer fugyr os seus espravos dise que nunqua
asy lhe ser noteficado e elle ho prometeo asy asynou aquy tall disera mas amtes lhe fazia dizer misas e fez fazer sua
nesta notificação Amtonio Roiz o esprevy —Pedro do Campo. comfrarya a quall os comfrades nam pagauam e elle a pa-
E lhe foy declarado que primeiro que se fose pera fora gaua / Pergumtado se disera algüa ora que hy não avya
asy pera o Brazyl como pera outra parte lho fizese primeiro tamtos samtos de guarda e que se hy avya tamtos que os
O REGÍMEN FEUDAL DAS DONATARIAS
bispos os faziam por fazerem as vomtades a suas mançebas guera que não ouvesem medo que Noso Siior tynha cuydado
que lho pydia dise que tam somemte por rryr dyrya algúa delles e que fose trabalhar e fazer o que avya de fazer e
ora quando vya que mamdauam guardar alguú samto que ha nam ouvesem medo. Pergumtado se dysera que quamdo hü
igreija nam mamdaua guardar por nam estar no calandairo / frey Roque dizia misa e aleuamtaua o Samto Sacramemto
dyrya que ho prelado o mandaua guardar por ser do nome que nam aleuamtaua a Deus senão o dyabo / dise que nun-
da sua mançeba e que quem era priguiçoso por jugar e qua tall disera / mas que amtes lhe dera dinheiro pera lhe
folgar buscaua muitos samtos e que ysto tudo dyzia pera dyzer quatroçemtas misas e que elle nam lhe dysera nenhüa
anymar os homens que trabalhasem pera que ha tera se po- e quamdo morrera lhe mamdara deyxar o dinheiro que lhe
uoase e se fizese o que era necesario e se aumentase a fee dera / Pergumtado se tinha algúas pesoas que lhe quisesem
catolyca / Pergumtado se dise algúa ora comtra a bem avem- mall dyse que sy / como era hú Duarte de Sequeira que já
turada Samta Luzia que era húa molherzinha por hi dise que he faleçido e hú Bastiam AIvrez e hú Pero Mousinho e ho
não / mas amtes lhe fizera fazer hü altar muyto homrado e Fernamdez e Gaspar Roiz e Pero d'Outeiro e Amdré Fereyra
lhe mandaua dizer húa misa cada somana / Pergumtado se e Lopo Vaz Alcayde e Domimgos Martinz e Francisco Brusa
disera algúa ora que os bispos eram hús bugyarrões e tyranos castelhano e Duarte Fernandez e Francisco Gomes e Pero
que casauam e descasauam e faziam o que queryam por Anes e Aleixos de Sousa pedreiro e ]oham Eanes e Fran-
dinheiro dise que nam disera tall e que lhe lembraua mais cisco de Salinas e Jorge Martinz / Bertolameo Doram caste-
emtemder em seu trabalho e no bem da tera que dizer taes lhano e Joam Vieyra e Pero Gomçalvez e Pero Fernamdez
cousas e que quamdo lhe diziam que os prelados tinham vreador e Gaspar Fernamdez tabalyam e que todos estes
remdas e folguauam que elle dizia que este tinha tamto tra- estauam mall com elle por elle bradar com elles que nam
balho como os que trabalham de polia manham ate noite queryam trabalhar e lhe rrepremdya seus viços e os casti-
e ysto com suas ovelhas e com ho cuidado dellas / Pergum- gaua e premdya quamdo era necesario pollos malles que
tado por que rrezam deytara de pregador a hú frey Fram- fazyam aos ymdios dormimdo lhes com suas molheres e
cysquo que hy pregaua na igreija dise que não o lançara filhas e faziam outras ccusas que nam devya / Pergumtado
dahy mas que elle se fora e lhe pagaram tudo o que lhe se querya estar pellos autos que comtra elle vyriam do Bra-
dyuyam e que a causa que se fora era por dizer que se syll / dise que todo o que comtra elle diziam era falso por
querya hir por aly lhe pagar seu trabalho em açuquar e em que os que comtra elle testemunhavam eram seus imigos
outra parte lhe pagauam em dinheiro e que este frey Fram- nomeamdo os sobre ditos e outros que lhes queryam mall
cisco dysera hú dya no pulpeto que se tomara por elle fazer o que dyvya e os castigar e ali nam dise. Paulo
a bendigam abarzada / e que ho pouo se escandalizara disto da Costa o esprevy com ho riscado que dizia engenhos / e
e elle tornara a dizer no pulpeto que senam escamdalizasem dise que as pesoas que tem nomeado sam de sua capytanya
do que disera por que as vezes querya hü homem dyzer húa e estes podyam trazer outros que testemunhasem comtra elle
cousa e escapaualhe outra e que era castelhano e estaua agora e diryam o que queryam e fazyam o que quyzesem depois
em Pernambuco / Pergumtado se disera algúa ora que Deus que ho nam vyram na tera —Jorge Gonçalves Ribeiro —Pedro
lhe dizia que em quamto elle fose capytão que nam avya de do Campo—Ambrosius.
vyr guera a terra e que não era necesaryo rrepayro / dyse
que nam / somemte dizia ao pouo quamdo lhe vya falar em (Arquivo da Tôrre do Tombo, Inquisição de Lisboa).
\
CAPÍTULO VII
NOVA LUSITÂNIA
POR
OLIVEIRA LIMA
.
■
A NOVA LUSITÂNIA
I êsfe o nome dado pelo donatário ao seu feudo e sob o qual foi o mesmo
primitivamente conhecido. Em 1565 já aparece, porém, em documento oficial
a denominação, na grafia que prevaleceu sôbre uma porção de variantes do
cs século JXVI (0, de «-capitania de Pernambuco-», e que veio a vingar, pôsto
que, ainda em 1590, conste de outro documento a designação de «capitania
de Pernambuco da Nova Luzitania», a qual estava realmente a reclamar
simplificação. A expressão Nova Luzitânia fôra no entanto feliz e merecia
não haver sido abandonada tam cêdo, transmitindo por si só uma impressão
de estabilidade e indicando que um espírito de maior ordem presidira à
organização política e social dêsse trecho colonial com que se pretendeu de
íacto constituir uma projecção ultramarina da nacionalidade portuguesa.
Suas origens históricas, anteriores à doação e mesmo contemporâneas dela, não se acham
contudo ainda bem esclarecidas. Sabe-se, pela carta de Américo Vespúcio, que na expedição de 1501 se
efectuaram desembarques entre 5° e 8° de lat. sul, portanto em território depois intitulado pernambucano.
O navegador florentino menciona mesmo na sua relação o cabo de Santo Agostinho, onde no ano
anterior, a 26 de Janeiro de 1500, se quis que houvesse aproado Vicente Vanez Pinzon, baptizando-o
por Santa Maria de la Consolacion: o que Varnhagen contesta, identificando êste último com a ponta de
Mucuripe, vizinha ao pôrto de Fortaleza, no Ceará (2).
O cabo de Santo Agostinho pela sua posição geográfica, de ponto avançado do continente,
como que estava destinado, segundo faz observar o malogrado scientista americano Orville Derby (3), a
servir de centro aos primeiros tentámens de intercurso com os aborígenes, e a tradição com efeito atribui
à fundação de Pernambuco a data de 1503, da expedição de Gonçalo Coelho: pai, ao que se presume,
de Duarte Coelho; já associando alguns com a estada de Cristóvam Jacques o estabelecimento de uma
primeira feitoria.
» ■
(0 Baptista Caetano, Pernambuco, Qual a sua verdadeira orthographia e a sua etimologia correspondente?,
n.o 55 da Revista do instituto Archeologico e Geographico Pernambucano.
(2) Historia Geral, l.a edição. Veja-se no cap. III do 1.° volume da presente obra a refutação à prioridade dos
espanhóis no descobrimento do Brasil. ■ ^
(3) O nome de Pernambuco nos mappas antigos, n.os 61-64 da Rev. do Inst. Arch. e Geogr. Pernambucano.
287
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Orville Derby nota com acêrto que uma feitoria era por sua natureza temporária e transitória:
levantava-se onde se formavam relações amistosas com os indígenas, dependendo sua continuação da
manutenção de tais relações, dos ataques de fóra e dos lucros de comércio. A colonização sistemática
foi que produziu os núcleos permanentes; àlém de que, no caso de Pernambuco, o duplo emprêgo desta
designação, ora aplicada a uma localidade, ora a uma região, tem introduzido bastante confusão nos
estudos topográficos que lhe dizem respeito.
Pernambuco, significando na sua etimologia tupy «pedra ou mar furado» ou ainda «arreben-
tação do mar», corresponde originàriamente ao canal de Santa Cruz, entre a costa de Iguaraçú e a ilha
de Itamaracá. «Porto de Pernambuco* chama repetidas vezes ao de Itamaracá o Diário de navegação
de Pero Lopes de Sousa. Em cartografia, o nome aparece pela primeira vez num mapa anônimo e sem
data, de procedência portuguesa, conservado em Munich e reproduzido no Atlas de Kunstmann. Êste mapa
é em todo caso posterior ao regresso à Península, em Setembro de 1516 U), dos sobreviventes da
expedição de ]uan Diaz de Solis ao Rio da Prata.
Os companheiros do desventurado descobridor, ao fazerem escala pelo cabo de Santo Agostinho,
a fim de levarem algum pau brasil, encontraram na costa de Pernambuco uma feitoria.
Supõe-se que seu local era Iguaraçú, onde por acordo quási geral se coloca êsse primeiro
núcleo de povoamento do litoral do nordeste brasileiro, sem que a etimologia ajude qualquer hipótese,
porque o vocábulo tupy eqüivale apenas a «embarcação ou canoa grande».
Na verdade é improvável que qualquer feitoria existisse sem solução de continuidade: nos
pontos favoráveis houve ou teria havido uma sucessão delas. O comêço seria porventura a hospitalidade
dispensada pelos selvagens a algum degredado deixado por uma das primeiras armadas de exploração.
Noutra expedição ulterior brotava a feitoria onde se dera o trato inicial. Nem faltam vestígios dêsses
ensaios de intercâmbio durante o primeiro quartel do século XVI nas visinhanças do cabo de
Santo Agostinho.
O desembargador Adelino de Luna Freire, por longo tempo presidente do Instituto Arqueo-
lógico de Pernambuco, refere-se mais de uma vez a uma feitoria fundada em 1516, e recorda que os
irmãos Parmantier, de Dieppe, percorrendo em 1520 a costa do Brasil, tomaram um carregamento de
pau-brasil em Pernambuco, onde somente encontraram um fortim de madeira que servia para abrigo de
alguns portugueses degredados e a que sem rigor se pode tratar de feitoria. Capistrano de Abreu dá
uma feitoria como fundada em Pernambuco, cêrca de 1522, por Cristóvam ]acques, vindo do sul (5);
todavia, está hoje averiguado que o regresso de Cristóvam ]acques remonta a 1519.
Sebastião Caboto aí encontrou em 1526 um feitor e 12 homens, «cujas noticias sobre as
riquezas metalhcas do Rio da Prata desviaram para a sua bacia a armada destinada ás Molucas*.
A carta de Luís Ramirez, que fazia parte desta esquadra, escrita do Rio da Prata em 10 de Julho 1528, descreve
a passagem, em Julho de 1526, pelo cabo de Santo Agostinho, de onde os ventos fizeram os quatro
navios de Caboto retrogradarem 12 léguas (mais ou menos a distância entre o Cabo e Iguaraçú) depa-
rando-se-lhes então a feitoria em que se proveram do que mais urgentemente careciam e permanecendo
arribados três mêses, até Setembro, no depois chamado porto dos Marcos (Iguaraçú) com receio da
esqüadra de Cristóvam Jacques.
O ano de 1526 é precisamente o ano da segunda expedição ao Brasil do comando de
Cristóvam Jacques, incumbido de expulsar os franceses do litoral brasileiro e indicar os pontos
convenientes para estabelecimentos definitivos. Sua nomeação de guarda-costa é datada de 5 de Julho
de 1526 e resa a tradição que êle então restaurou a feitoria anterior e levantou outra na própria ilha
de Itamaracá. Nesse ano de 1526, conforme documento encontrado por Varnhagen, pagavam direitos na
.Casa da índia, de Lisboa, açúcares idos de Pernambuco e de Itamaracá, onde porventura se teriam
feito plantações.
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zi a* ijunno ae ^1516
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primeira viagem de Cristóvam Jacques ao Brasil, efectuada em 1516, que se prolongou desde
de 1519.
. , Ç) Prolegómenos ao livro II da Historia do Brasil por frei Vicente do Salvador, edição Heiszfloo Irmãos 1918
Aceitando esta data, o revisor cinge-se estreitamente ao texto do historiador, quando diz que Qonçalo Coelho se tornou oarâ
o remo depois de falecido D. Manuel (1521), mandando logo el-rei D. João III outra armada e como capitão-mór Cristóvam
Jacques «qua neste descobrimento trabalhou com notável proveito sobre a clareza da navegação desta costa continuando
com seus padrões conforme o regimento que trazia*. Sabemos, porém, agora, que Gonçalo Coelho estava dé reoresso ao
reino antes de 22 de Dezembro de 1506, data em que foi nomeado recebedor das cisas do têrmo de Lisboa como sabemos
que a viagem de Cristóvam Jacques se realizou entre os anos de 1516 e 1519. Veja-se no 2.o volume da presente obra I
pag. 300 e seguintes; do mesmo volume, a pág. 363; e no presente volume, págs. 59 e 60, 71 e 73.
288
A NOVA LUSITÂNIA
(16 ) Rio Branco, Ephemerides Brazileiras, pág. 102 da edição do Inst. fiist. do Rio de Janeiro.
(17) A Bretanha unira-se à França pelo casamento de Carlos VIII com Ana de Bretanha, em 1491, mas só foi
formalmente 18anexada sob Francisco I, em 1532: daí a distinção estabelecida.
( ) Por sua vez foi a náu marselheza aprisionada no regresso com o seu carregamento de brasil e trazida para
Lisboa, escrevendo el-rei na carta de 28 de Setembro de 1532 a Martim Afonso que o sucesso se déra na costa da Andaluzia
e se devia «ás minhas caravelas que andavam na armada do Estreito».
C") Adelino de Luna Freire, Fundação de Olinda, n.o 51 da Rev. do Inst. Arch. e Geogr. Pernambucano. O autor
confunde a chegada a Iguaraçú com a chegada a Olinda. Vamhagen dá a partida do donatário para Pernambuco em Outubro
de 1534, pelo facto de a 2 do mesmo mês ter êle sido dispensado por D. João III do pagamento dos direitos sôbre os
objectos que levava nos navios <em que ora uai para o Brasil >. Causas diversas poderiam entretanto ter retardado a partida.
290
A NOVA LUSITÂNIA
É todavia crível e mesmo provável que Duarte Coelho haja permanecido meses no sítio dos Marcos,
o que permite confirmar a tradição de que foi a 27 de Setembro —dia dos santos mártires Cosme
e Damião, sob cuja invocação se levantou com efeito a matriz — que vingaram seus esforços, apode-
rando-se o donatário da elevação, a menos de dous quilômetros de distância, ocupada por tabas de
índios que ofereceram viva resistência e que eram os Potiguares segundo uma versão, a-pesar-de que
a estes cabem como habitai na distribuição dos etnólogos as costas da Parahyba e do Rio
Grande do Norte.
Confiando então a governança da povoação a um dos seus honrados companheiros, Afonso
Gonçalves, e, sempre cauteloso, como soe a um homem de verdadeiro valor, tendo celebrado amizade
com os índios tabajaras, aliados dos franceses, e que predominavam de Itamaracá para cima até o rio
Obiahy, Duarte Coelho desceu a costa a examinar outro local com melhor porto próximo e outras
condições mais vantajosas para a séde da sua autoridade e o centro da sua actividade. Das praias de
Maria Farinha e do Pau Amarelo deparou-se-lhe o que buscava num môrro por trás dessa ponta
de Percaauri, já anteriormente conhecida e temporàriamente ocupada.
Como entre as cidades da velha Grécia, flutua sôbre o berço de Olinda uma lenda graciosa
que dá o donatário por enamorado da colina coberta de vegetação verde-escura, a contrastar com um
buliçoso mar verde-claro, de cujos furores resguardaria a navegação o ancoradouro natural dos arrecifes,
ligado por um istmo arenoso, a meio do qual se construiu mais de um século depois o forte do Buraco.
A situação não era portanto somente aprazível; era também prática, àlém de correspondente à clássica
preferência peninsular de edificarem-se as vilas sôbre elevações, de mais fácil defesa contra assaltos,
com a orla dos muros de cunho mourisco descendo as encostas.
Os índios cahetés, senhores do território desde o rio S. Francisco até Itamaracá, souberam
defender sua aldeia — Marim — com o denôdo que lhes era peculiar e parecido com o dos araucanos
na costa do Pacífico. É bem possível que a feitoria de Iguaraçú continuasse a servir de abrigo à esposa
do donatário, a dama do paço com quém êle se casara quarentão e que se arriscara a uma tal lua de
mel, e às outras senhoras da expedição, composta de várias famílias, enquanto em Olinda se derrubavam
as matas e se preparavam as palhoças, que num curto espaço de tempo seriam substituídas pelas casas
de taipa e por bastantes de pedra e cal, algumas até de sobrado, «com sacadas sobre cães de
pedra» (20), que o invasor holandês veio encontrar e queimou.
A emprêsa não foi de rosas. Os assédios do gentio tinham semeado o pavor e feito duramente
sofrer os colonos; a fome tinha-os por vezes torturado; as certeiras flexas inimigas tinham produzido
baixas, sendo ferido o próprio Duarte Coelho que da sua torre quadrada, sòlidamente edificada, dirigia
com acêrto a defensiva, entremeada de sortidas. Sua constância estava, porém, ao par do seu valor.
Sobrava-lhe a experiência das lutas, pois que muito jóven começara para êle no Oriente a vida estrénua.
Seu nome figura emoldurado por notáveis rasgos nos fastos gloriosos de João de Barros e de Diogo
do Couto. Num período de 20 anos, em que serviu sob as ordens dos maiores dentre os vice-reis—
Gama, Almeida, Albuquerque —não só o conheceram todos os empórios da índia, como pontos dos
mais distantes da Ásia. Pelejou, acompanhando o terribil, na tomada de Malaca; descobriu a Cochin-
china; combateu contra os corsários chins; ganhou diversos prélios navais medindo-se com adversários
de forças superiores; conquistou reinos que fêz tributários do seu; andou em embaixadas no intuito de
proteger a posse de Malaca, obtendo do rei de Sião o livre e pacífico comércio com Portugal.
(20) Professor Morales de los Rios, artigos descritivos do Recife e Olinda no Diário de Pernambuco, 1920.
291
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
RA portanto Duarte Coelho pessoalmente fadado para fazer triunfar a aventura que lhe
preencheu o último quartel da vida e que êle muito apropriadamente qualificou, numa das
suas cartas ao rei, como tendo sido de «conquistar a palmos a terra que lhe fora doada
ás léguas*. No seu temperamento equilibrado, na sua natureza vigorosa e ao mesmo
tempo maleável, a vontade forte obedecia a um conspícuo bom senso. Sua presença
quási basta para explicar o êxito singular dêsse ensaio de colonização feudal, por êle executado
com método, perseverança
e disciplina, com o resul-
tado que na Nova Lu-
sitânia logo se reflectiu a
Velha, com seu mixto bem
i^ hispânico de religiosidade e
CITA5 n C de ambição, acrescido dos
.. traços peculiares do portu-
guês: a tenacidade e a resi-
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parte da gente que acompa-
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•; r sentido mais lato. O solo
Bai os cio a a
era inculto, palmilhado por
aborígenes selvagens e nô-
mades, que não plantavam
muitas vezes o milho e
■' • Arcíí" a mandioca no mesmo
lugar; e faltavam ao as-
•' '• V'*•.'X''•*:'* j pecto físico da terra certas
feições risonhas de que
apenas a civilização trans-
plantada posteriormente a
dotou.
A costa, por exemplo,
não se anunciava, como
\ hoje, pelos seus renques
i de coqueiros de altos e
farfalhantes diademas, fi-
A vila de Olinda e o pôrto do Recife no fim do século XVI gurando à distância emer-
Do códice da Biblioteca da Ajuda, Roteiro de todos os sinais, conhecimentos, fundos, girem da areia branca das
baixos, alturas que ha na cosia do Brasil
praias; nem as mangueiras
emprestavam ainda à ve-
getação a tonalidade pas-
tosa da sua folhagem densa e sombria, brotando do mesmo tronco áspero uma sucessão de galhos
dos quais se dependuram às pencas os frutos de estranho perfume e delicioso sabor. Foram os
292
A NOVA LUSITÂNIA
jesuítas que em 1572 (21) fundaram colégio em Olinda, onde primeiro apareceram em 1551, os principais
importadores não só dos coqueiros e das mangueiras, como de outras espécies vegetais da Ásia e da
África que muito enriqueceram a flora brasílica. Antes eram só cajueiros ralos e de folhas claras que
se esgalhavam pelo litoral, coníundindo-se com a vegetação rasteira dos mangues. A florescência dos
cajueiros regulava até o calendário indígena.
A natureza não era inóspita, antes pelo contrário clemente, e, considerada a latitude tropical
pode até dizer-se amena, assemelhando-se o clima ao de Ceilão, com um sol causticante abrandado pelo
frescor da humidade das matas nas regiões mais acidentadas, a pequena distância das praias- com
chuvas abundantes e regulares; e temperado à beira mar pelas brisas pronunciadas e constantes, já
notadas e registadas por Piso, o sábio médico de Maurício de Nassau. O taboleiro do interior, diverso
das frescas várzeas banhadas de rios e entrecortado de montes, uns escalvados outros umbrosos, só
mais tarde seria devassado pelos filhos dos colonos que Duarte Coelho teve a habilidade de prender
à terra com os proventos do açúcar.
Para isto desprezou o donatário os lucros aleatórios do ouro, cuja pesquisa lhe era recomendada
de Lisboa, porquanto as melhores rendas do tesouro real deveriam pelas cláusulas das cartas de doação
provir do quinto dos metais preciosos, àlém do dízimo dependente do povoamento e da produção
conseqüente, do exclusivo do pau-brasil dado por estanco (22), e das peças da Guiné, isto é dos
escravos africanos, cuja importação era a princípio restricfa às mercês que dela fazia o soberano.
A visão da prata mexicana e peruana surgia de molde a açular o apetite da metrópole portuguesa e
duas vezes se ^encontram nas cartas de Duarte Coelho—registo pitoresco e vivido dos acontecimentos
da Nova Lusitama —referencias à exigência de entradas aventurosas que êle ia porém prudentemente
postergando sob variados pretextos, ainda que, no seu dizer, .cada dia se esquentavam mais as novas
do sertão».
]á o hinterland recebera por causa das secas a designação de desertão, tendo ido a explorá-lo
alguma da gente do donatário: Paulo Afonso subira mesmo o rio São Francisco, que pela carta régia
pertencia todo ao senhor de Pernambuco, e deparara com a cachoeira famosa que lhe perpetuou o nome.
O grosso dos moradores não abandonou contudo pela caça das minas, que podiam ou não existir, suas
moradas e lavras, tam arraigados ao solo que em 1546, onze anos após a posse, por sentença do
donatário, por êle submetida à aprovação da Coroa, se pagava em Pernambuco todo o dízimo real em
açúcar feito e purgado, quando na vizinha capitania de Itamaracá unicamente se mercadejava e contra-
bandeava em pau-brasil (23). Entretanto, no dizer dos Diálogos das Grandezas do Brazil (24) os
moradores de Pernambuco, Itamaracá e Paraíba não se tinham .alargado para o sertão dez léguas*.
293
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
CANA de açúcar, um dos fetiches comerciais da época, que para a Madeira fôra levada da
Sicília pela iniciativa do Infante D. Henrique, para a Sicília viera do Oriente no período
então pouco remoto das cruzadas. O solo pernambucano já tinha sido experimentado como
terra favorável àquela gramínea, sendo mesmo possível que o próprio governo mandasse
fundar o primeiro engenho a fim de dilatar a esfera da cultura da cana à América. Assim
se explicaria a apontada produção de 1526.
Que o terreno resultou de eleição, prova-o o facto de, em 1590, haver na capitania 66 engenhos,
quando em 1550, segundo uma das cartas de Duarte Coelho, apenas existiam 5 moentes e correntes.
Na Bahia, séde do govêrno central, o número era só de 36 e em todo o Brasil, ao começar o século XVII,
a totalidade não passava de 120, com uma produção anual de 60.000 caixas (25), a qual, conforme os
Diálogos, oscilava de acordo com as safras, mas orçava por 500.000 arrobas em 1618 e dava para
carregar de 80 a 200 náus por ano. «O açúcar e,—diz o interlocutor apologista da terra,—a principal
cousa com que todo este Brazil se ennobrece e faz rico
Não era todavia de fácil preparo, envolvendo cultivo e fabrico, sendo lavoura e indústria.
Duarte Coelho tomara a precaução de trazer consigo capatazes proficientes, já adestrados na Madeira
e em São Tomé, e obreiros industriosos, pela mór parte judeus, que eram o melhor elemento econômico
do tempo e que lucravam com fugir à fúria religiosa que grassava na Península. O processo era moroso
e trabalhoso. Os primeiros engenhos consistiam de atafonas — os Diálogos chamam-lhes gangorras —
movidas por bois e depois por bêstas, presos os animais a almanjarras. Os de água, movendo-se pela
força desta a roda que põe em movimento as moendas, já constituíam um progresso sensível, reque-
rendo açudes para reprêsa da água. O sumo, recolhido num tanque, era cosinhado em caldeiras, indo
«■limpo e melado-» para os tachos de cobre onde tinha de engrossar e ser batido antes de passar para
as fôrmas de barro a fim de coalhar e purgar do mel que corre ou «mel de furo», fazendo-se o retame
e ficando o açúcar branqueado pelo barro.
O govêrno da metrópole concedia isenção de direitos de exportação por dez anos aos
açúcares dos «engenhos feitos de novo» e pagavam menos direitos os senhores e lavradores que
carregavam o produto por sua própria conta. Também o donatário obtivera, pelo alvará de 2 de
Outubro de 1534, isenção de taxas para os materiais que mandara vir de fóra a fim de montar o
seu engenho.
Uma expedição colonizadora, de custeio particular, era pesadíssima, fossem os capitais nela
empenhados próprios ou tomados de empréstimo. Nem admira, à vista dos enormes gastos de que se
queixava Duarte Coelho nas suas cartas a D. João III, alegando estar pobre e endividado, só do açúcar
fiando a fortuna que afanosamente buscava, e perante as dificuldades não menos consideráveis que
oferecia a execução de semelhantes empresas, que houvesse fracassado o sistema de colonização por
feudos pelo malogro repetido das suas aplicações.
Apenas se salvou a Nova Luzitania e esta mesmo enquanto viveu Duarte Coelho, o qual
faleceu em princípio de 1554 (26), porque os filhos alteraram suas normas de administração. Tanto um
como outro, Duarte e Jorge, eram nascidos em Olinda em 1537 e 1539 respectivamente (27), mas tinham
sido educados na corte, para onde os levara o pai na segunda das suas duas viagens, em 1553, e onde
ficaram (28) até que a rainha regente D. Catarina de Áustria os mandou regressar em 1560 para
(25) Dr. Edmund Lippmann, Geschichte des Zuckers, ein Beitrag zur Kutturgeschichte, citado por Alfredo de
Carvalho no estudo sobre. Industria e Commercio assucareiro do Brazil neeriandez, n.o 88 da Rev. do Inst. Arch. e Geogr.
Pernambucano.
(26) O alvará de confirmação da doação na pessoa do primogênito é de 10 de Maio de 1554. Rio Branco nas
Ephemerides dá 7 de Agosto de 1553 como a data do falecimento do donatário, não se pronunciando sôbre se ocorreu em
Lisboa, como escreve frei Vicente do Salvador, ou em Olinda, como pretende Jaboatão. Segundo o neto, Duarte de Albuquerque
Coelho, na sua obra inédita Compêndio de los Reys de Portugal, mencionada por Capistrano de Abreu, Duarte Coelho teria
falecido poucos dias depois de chegado a Lisboa, onde o chamara el-rei—pode presumir-se que por causa dos conflitos de
jurisdição entre vassalo e suzerano —sendo sepultado na Igreja de São João da Praça, no jazigo de D. Manuel de Moura,
seu concunhado, casado com uma irmã de D. Brites. Veja-se a pág. 197 do presente volume.
(27) Frei Vicente do Salvador cita também uma filha, Inês, a qual teria casado com D. Jerónimo de Moura,
deixando descendência. A Nobiliarchia Pernambucana não faz porém menção desta união e apenas regista um D. Jerónimo
de Moura «que passou a servir na índia, onde faileceu sem successâo», e era um dos rebentos do consórcio de D. Filipe de
Moura, filho de D. Manuel de Moura, com D. Genebra de Albuquerque, neta de Jerónimo e filha de Filipe Cavalcanti.
(28) Duarte de Albuquerque Coelho, conde de Pernambuco e marquês de Basto, nega que o avô tivesse levado
os filhos, o que é no entanto positivamente afirmado por frei Vicente do Salvador e nunca fôra contestado, antes se acha
atestado por documentos, entre êles um título de sesmaria passado por D. Brites de Albuquerque a Duarte Lopes em 20 de
Maio de 1556 (Pereira da Costa, Capitães-móres governadores loco-tenentes dos donatários de Pernambuco, n.o 50 da Rev. do
Inst. Arch. e Geogr. Pernambucano). E contudo possível, o que conciliaria os dizeres, que a partida dos dois mancebos
para a côrte tivesse ocorrido somente depois do trespasse do donatário.
294
A NOVA LUSITÂNIA
arcarem com os selvagens. Estes, sentindo fraquejar o mando nas mãos de D. Brites de Albuquerque,
«capitôa e governadora» na ausência do «herdeiro e successor da capitania», tinham-se de novo
sublevado, massacrando e devorando os náufragos de um navio que se dirigia para o reino, entre êles
o primeiro bispo do Brasil, D. Pedro Fernandes Sardinha, e o provedor-mór da fazenda Antônio Cardoso,
ateando fogo nos canaviais e espalhando a desolação até às vilas de Iguaraçú e Olinda, na segunda
das quais assumiu o govêrno o irmão de D. Brites, ]erónimo de Albuquerque, que à frente dos
moradores armados desbaratou quanto pôde os Cahetés, condenados a perpétua escravidão por um édito
régio de 1557.
A luta intermitente de emboscadas e escaramuças, por motivo da qual chegou a estar de
partida para Pernambuco o segundo governador geral D. Duarte da Costa (1553-57), residente na Bahia,
prolongou-se até que, ansiosos os dous mancebos por darem amostra do seu esforço, tomou o mais
môço o comando de uma expedição ou antes de um troço que durante cinco anos, com as mais sérias
privações, percorreu «as montanhas e desertos» do interior de Pernambuco, do limite sul ao limite norte,
limpando a capitania das suas tribus ferozes com o auxílio de tribus amigas. Destas jornadas intrépidas
não ficaram fundações permanentes, que só mais tarde teriam lugar, efectuando-se a conquista do
interior do sul para o norte sob a pressão dos mamelucos farejadores de minas, empreiteiros de
resgates e criadores de gado.
Duarte de Albuquerque Coelho sonhava com grandezas e por seu gosto tentaria converter as
quimeras em realidades. Suas responsabilidades—-abstraindo mesmo do seu temperamento—não eram
idênticas ou directas como as do pai, o qual presidira com tanta tenacidade quanto carinho ao lento
desabrochar do seu feudo. O filho formara até seu espírito longe da terra, num meio é verdade
tristonho e beato, mas em que no entanto «o fanatismo não brigava com o ideal de heroísmo peculiar
ao século pela resurreição das tradições clássicas, antes casando-se tal ideal com o ascefismo religioso,
crescente pela opposição ao sensualismo dominante, produzia caracteres da tempera dos jesuítas
Nobrega, Anchieta e São Francisco Xavier e do rei Dom Sebastião» (29).
Vindo de Pernambuco para Lisboa em 1572, Duarte, segundo conta Gabriel Soares (30),
por duas vezes ocupou o rei com suas quimeras, mas i-desconcertou-se com S. A. pelo não fartar das
honras que pedia». Ambos os mancebos tinham o ânimo valente do pai sem possuírem todavia a sua
invejável circunspecção: seduziam-nos as façanhas militares mais do que as fainas administrativas em
que se comprazia o tino do patriarca. Duarte nada ficou a dever a ]orge neste ponto, pois que,
enquanto o outro andava perseguindo índios, êle expelia do Recife, «então burgo miserável de pescadores
e marítimos», os calvinistas franceses companheiros de Villegaignon, que expulsos do Rio de Janeiro
por Mem de Sá em 1560 com o concurso de um contingente pernambucano, tentaram de passagem
estabelecer-se em Pernambuco no ano imediato.
Nem só com estrangeiros se medira porém o natural levantado de Duarte: o historiador
da Companhia de Jesus, Simão de Vasconcelos, fala de uma rixa que em 1562 rompeu entre o segundo
donatário e os principais da terra e que foi serenada por dous jesuítas.
O anexar Filipe II, em 1580, Portugal e suas conquistas, era Pernambuco sem favor a mais
adiantada das capitanias do Brasil, quer do ponto de vista agrícola, quer do do conforto
da vida e da polidez dos costumes. Olinda, em 1584, segundo a narrativa epistolar do
jesuíta Fernão Cardim, tinha 700 colonos e com seu têrmo mais de 2.000, pois cada
engenho tinha 20 a 30 moradores, e, afóra os engenhos, havia as roças: isto àlém de
outros tantos negros escravos e cativos índios, dando o Tratado descriptivo para os negros o algarismo
total de 4 a 5.000. Iguaraçú tinha 200 colonos e como cada morador era soldado e tinha de servir na
29
(30 ) Oliveira Lima, ob. cit.
( ) Tratado descriptivo do Brasil, na Rev. do Inst. Hist. do Rio de Janeiro.
295
f
defesa comum com um mosquete e um pique —o que possuísse 400$000 reis era obrigado a ter armas—não
está demasiado o cálculo de Gabriel Soares em 1587 de poder a capitania pôr em campo mais de 3.000
homens, dos quais 400 a cavalo.
À medida que o regímen feudal, onde mesmo se revelara eficaz, ia cedendo da sua consis-
tência, a autoridade do suzerano fôra-se estendendo a título de garantir a integridade da possessão que
com os donatários certamente acabaria por esfacelar-se. Surgiram com o despertar da organização
militar àlém-mar os têrços de profissionais das armas, que mais tarde, quando vieram os soldados
regulares pagos pelo rei, passaram a constituir as ordenanças e as milícias, formando-se então com
êsses contingentes da metrópole e da colônia as três linhas tradicionais da tropa, A dualidade,
juntamente com a disparidade, senão rivalidade das forças, e a relaxação que daí se originou contri-
buíram muito para a fraca defesa que Pernambuco ofereceu no século imediato à invasão holandesa.
Por ocasião da restauração portuguesa deu-se um regresso instintivo à concepção do povo armado,
de que resultou o êxito da emprêsa.
A colonização da Nova Lusitânia não foi uma colonização guerreira, mas os colonos eram
quási todos, senão todos, bons soldados. Um dos característicos da Renascença foi sabidamente a
versatilidade das aptidões humanas, da qual Leonardo da Vinci aparece como um representante genial.
Aquela pacata gente portucalense que nos vergéis minhotos, copiosamente regados, cultivavam o trigo,
o cânhamo e a vinha de enforcado, e que nas serras alcantiladas que descem para o Douro cultivavam
a uva saborosa que dava o nectar do Pôrto, combatia, uma vez transplantada para àlém-mar, como uma
coorte de veteranos.
]á lhes estava na massa do sangue, afeitas as gerações precedentes a um batalhar incessante
e prolongado de séculos—lusitanos contra fenícios, contra romanos, contra suevos e alanos, contra
árabes e berberes; portugueses contra mouros, contra leoneses e contra castelhanos. Agora, em Vera
Cruz, era a vez de terem por inimigos índios e franceses. A têmpera dos conquistadores era porém
para lutar com tais inimigos e outros que viessem. Tomem-se exemplares a êsmo em qualquer das
expedições, das do reino ou dessas que, partindo da Nova Lusitânia, foram dilatando o império
português para o norte, até rematar com a do Pará, em fins de 1615, da qual proveio a fundação de
Belém, expedição completada pelo assalto de 1623, que expulsou os holandeses do rio Xingu, onde
tinham estabelecido os fortes Orange e Nassau (3').
Antônio Parreiras teve a intuição artística da plétora animal dêsses homens quando os pintou
no seu quadro da Conquista da Amazônia, a fisionomia dura, a expressão concentrada, nuns espiri-
tualizada pela chama interior, noutros amortecida pelo vício, metidos os bustos nos gibões de anta,
golpeados nos encontros, de que vieram certamente a inspirar-se nossos sertanejos para seus trajes
de couro, costumeiros nas lides com o gado bravio.
A colonização definitiva a que procedeu Duarte Coelho, precedida, como quási sempre
acontece, por tentámens, foi levada a cabo por gente nobre e gente limpa. Antes, com as primeiras
expedições, emigravam alguns aventureiros, espíritos de eleição no seu gênero, que se afoitavam a
consorciar-se com essa natureza virgem, e mandavam-se de Lisboa degredados, que eram isolada-
mente desembarcados na costa para que praticassem o falar do gentio e, em troca da vida redimida,
pudessem servir de intérpretes para futuras relações. Quando entrou a haver íeitorias, fossem estas
da fazenda real ou de concessionários do pau brasil, despachavam-se, a fim de ajudarem o povoa-
mento local, levas de criminosos: prática geral a todos os colonizadores da América.
Em Pernambuco, como nos outros pontos, não seria muita dessa gente a sobreviver às
incursões dos índios e às refregas com os estrangeiros. Verdade é que pelo tempo adiante chegaram
novas levas e mesmo mais numerosas, ao ponto de Duarte Coelho, com elas mais desfavorecido por
ser o seu feudo o único ordeiro, numa das suas cartas ao rei pedir pelo amor de Deus «que lhe não
enchessem a capitania de semelhante peçonha». Não era que êle recuasse ante a manutenção de uma
disciplina severa, a qual fazia fugir os incorrigíveis para a vizinha Itamaracá, onde às paixões se dava
livre curso porque seu donatário, em vez de seguir o exemplo do de Pernambuco, para lá despachara
um loco-tenente que fundou na ilha a vila da Conceição e procurou insuflar-lhe vida, enquanto êle,
(31) Já em 1616 Pedro Teixeira, que de 1637 a 1639 subiu e desceu o Amazonas, de Belém a Quito e de Quito
a Belém, abordara em canoas e incendiara um navio holandês fundeado na costa de Qurupá (Manuel Barata, A jornada de
Francisco Caldeira de Castello Branco, Fundação da cidade de Delem. Estudo critico. Belém, 1916).
296
A NOVA LUSITÂNIA
Pero Lopes, corria o mundo à cata de aventuras, acompanhando Carlos V na expedição de Tunis contra
Barbaroxa, participando do assalto à índia e cruzando os mares na espectativa de presas opulentas.
Para pôr fim àquele abuso dos malfeitores e em benefício do progresso da sua fundação,
pedira Duarte Coelho ao soberano que se mandasse executar as precatórias de umas para outras
capitanias e que só se entendesse o homízio entre a metrópole e a colônia. Os deportados que ficavam
em Pernambuco mudavam forçosamente de vida sob a dura fiscalização do donatário e no meio de
gente de bom viver, com a qual aspiravam a ombrear e sua progénie ambicionava aliar-se, o açúcar
dando-lhes abastança e passando uma mão de cal sobre o seu próprio passado ou o da sua ascendência.
Nos Diálogos se faz pitoresca referência aos filhos dos réus de justiça que «despiram a pelle
velha como cobra, usando em tudo de honradíssimos termos» e alcançavam bons casamentos, mesmo
porque os pais enriqueciam e «com a riqueza foram largando de si a ruim natureza de que as
necessidades e pobrezas que padeciam no Reino os faziam usar-». É a história neste particular de
todas as emigrações, de que ainda no século XIX foram exemplos notáveis a Austrália e a Nova
Zelândia, povoadas por convicts inglêses numa proporção em que nunca o foi o Brasil. Nem era o
degredado de antanho sinônimo de criminoso na nossa moderna concepção: havia-os culpados de
delitos insignificantes e nada infamantes, e bem assim por motivos que hoje chamaríamos políticos,
figurando no rol até personagens de distinção como no século XVII Francisco Manuel de Melo, uma
das maiores figuras intelectuais do século, tam esforçado nas letras quanto nas armas. Não formavam
êles aliás maioria, ao lado dos que por vontade própria se transplantavam, sem mesmo poderem dizer
que se expatriavam—pois que uma nova pátria os albergava.
oo
UARTE Coelho podia gabar-se da sua excelente linhagem. Fazendo-lhe a mercê de fidalgo
da casa real pelos seus relevantes feitos pessoais nos dous hemisférios e cencedendo-lhe
e aos seus descendentes carta de brasão de armas por alvará, datado de Évora aos 6 de
Julho de 1545 (32), D. João 111 não enobrecia um vilão: revalidava tam somente a nobreza
do seu servidor.
Da sua ascendência se tratou largamente no cap. X do 2° volume e no cap. V do
presente tômo.
A Nobiliarchia Pernambucana (33) nos seus quatro alentados tomos fornece o melhor atestado
da superior colonização da Nova Lusitânia, preservando-se pelas alianças matrimoniais uma aristocracia
territorial pôsto que democratizada pelo ambiente social —a falta de um meio cortezão não implicava,
contudo falta de um meio policiado—e nalguns casos pelos cruzamentos. Duarte Coelho favoneava as
uniões das índias tabajares com os colonos que continuavam a afluir não só de Portugal como das
Canárias e da Galiza, senão de outros pontos, porque a política portuguesa do século XVI não foi a de
rigoroso exclusivismo posteriormente adoptado pela Espanha. Nacionais e estrangeiros todos eram pelo
donatário cuidadosamente arrolados num livro de tombo.
(32) O brasão de Duarte Coelho constava «de um escudo em campo de ouro, um leão de purpura passante, uma
cruz de sua côr firmada em pé de verde, um chefe de prata com cinco estrellas de vermelho afogueadas de ouro e uma
bordadura azul com 5 castellos de prata cobertos com as portas e frestas lavradas de preto; elmo de prata aberto guarnecido
de ouro paquife de ouro e purpura e por timbre o mesmo leão» (Pereira da Costa, Donatários de Pernambuco e gover-
nadores' seus loco-tenentes, n.0 48 da Rev. do Inst. Arch. e Geogr. Pernambucano). Segundo Manuel Severim de Faria
(Noticias de Portugal) é a seguinte a significação heráldica dessas armas: A cruz representava o senhorio de Pernambuco
nas terras de Vera Cruz; as 5 estréias, o cruzeiro do sul; o leão, o valor empregado na conquista do feudo; os 5 castelos
aliás já nas armas dos Coelhcs —as povoações fundadas pelo donatário em sua capitania.
(1718-
do^^rcos^ o^^quVf^era "homem de gostos intelectuais, tendo durante sua administração feito pesquisar documentos sobre o
passado de sua capitania e mandado escrever uma descrição histórica, geográfica e legislativa até seu governo, a qual se
encontra arquivada na Torre do Tombo. A Nobiliarchia foi conservada inédita no mosteiro de Sao Bento de Olinda, de onde
passou para o Inst.tuto Arqueológico, que encetou sua publicação, a qual vai ser integrada pela Biblioteca Nacional.
« 297
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
298
A NOVA LUSITÂNIA
Persistiu até à invasão dos holandeses a imigração aristocrática com um carácter que
podemos qualificar de civil, para diferençá-la da de carácter militar que a guerra depois determinou;
aquela era a que condizia com a índole feudal do senhorio, que como tal se prolongou até então.
III. Pars. 7
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O CÊRCO DE IGUARAÇÚ
Gravura quinhentista da Relação de Hans Staden (da edição de Francfort, 1567)
Os fidalgos que chegavam e desejavam estabelecer-se, encontravam farta matéria prima matrimonial entre
as famílias já radicadas, bastando a de Jerónimo para um amplo fornecimento. Rebentos destas famílias
299
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
nobres iam combater em África, na índia, nas armadas, depois da anexação em Flandres, e mais tarde
na Catalunha. Era um viveiro mais de ilustre sangue lusitano, ainda não tinto pela mestiçagem africana.
Ao lado dos que, seguindo certos instintos da raça, se entregaram às aventuras, indo batalhar
sob todos os céus, outros havia, porém, que se apegavam à terra como esse Jerónimo de Albuquerque
Melo, filho legítimo do patriarca, que foi alcaide-mór de Olinda e «-viveu tão satisfeito com a vida do
campo, que deu ocasião a ser conhecido com o apelido de carreiro fidalgo» (30). a atracção da terra
exercia-se sobretudo pela sua prosperidade. Não há maior chamariz do que o lucro, e o dinheiro gera
o luxo,^mas gera também o refinamento. No Brasil do século XVI a Nova Lusitânia foi realmente a
instituição política de que falam os Diálogos— «academia publica onde se aprende com facilidade toda a
policia, bom modo de faliar, honrados termos de cortezia, saber bem negociar, e outros attributos
desta qualidade».
E tudo isto se depreende perfeitamente que o papel de Portugal no Brasil não foi tanto o de
conquistador como principalmente o de colonizador, misturando-se os europeus com a
população indígena em vez de a destruírem sistemàticamente, e perpetuando-a na sua
prole, mesmo quando ela sucumbia vitimada pelas lutas, doenças, vícios e maus tratos.
A civilização portuguesa implantava-se integral onde não existia civilização alguma a
suplantar ou que pudesse influir sobre a que chegava de longe, distinguindo os vencidos dos vencedores,
como foi o caso das gentes de cultura latina com relação aos invasores bárbaros, os quais ainda vieram
a sofrer o influxo dos berberes, formando-se da fusão a resistente população mosárabe.
, ^ In<^a era u^na terra opulenta, densamente habitada, por muitos disputada e protegida pelos
seus príncipes, aonde só era possível ir derramar sangue e mercadejar: o Brasil era uma terra virgem
cujos primores se iriam desvendando à medida que melhor se os fôsse procurando; dispersamente, posto
que tenazmente e cruamente, defendida pelas suas tribus, e que se prestava à lavoura, podendo fornecer
pelo trabalho agrícola do elemento transplantado o que na índia se ia comprar para revender Nos
Diálogos das Grandezas do Brazil se aventa, entre outras, a idéa de mandar buscar semente de pimenta
do i \alabar para distribuí-la por todos os centros de povoamento, resultando muito mais barata e
podendo ate ser colocada nos mercados do norte da Europa por preço muito inferior à asiática, tirando
assim aos holandeses a vontade de lá irem buscá-la, uma vez que deixavam de auferir com isso
lucros sedutores.
Os donatários e capilães-móres, que eram sesmeiros pelo rei, distribuíam as terras de
sesmanas conforme as «forças e possibilidades» de cada um, abrindo Duarte Coelho na Nova Lusitânia
um registo das terras concedidas. Os^ favorecidos, se porventura não conseguiam levantar cabedais
para as fabricas, vendiam as concessões. Um engenho de água e mesmo «dos que chamam trapiches
que moem com bois, fazem de despeza, feito e fabricado, ao redor de dez mil cruzados pouco mais ou
menoi,». Nao se cifravam na montagem as despezas, antes avultavam na conservação, sendo precisos
escravos sadios várias juntas de bois para chegarem a cana das plantas e a lenha das matas aos
respectivos picadeiros, vasilhame bem concertado, mestres competentes.
-Yerdade
10.000 arrobas ide açúcar
é que um bom en
, escorrido, fora2enho, com todas
3,000 arrobas as condições
de melaço requeridas,
(40). É mister podiaesta
ter presente produzir até
produção
considerável quando se lê no padre Cardim que nas fazendas pernambucanas, «maiores e mais ricas
que as da Bahia, o agasalharam e aos seus companheiros, não em redes indígenas, mas em leitos de
damasco carmezim fcanjado de ouro, e ricas colchas da índia». Os proventos explicam a abastança e a
prodigalidade. Mais de cem colonos tinham em 1584 de 1.000 a 5.000 cruzados de renda e alguns
de 8.000 a 10.000.
Outras fontes de riqueza eram o âmbar sacudido nas praias pelo mar e, com pouco custo
de lavoura o algodão, o qual, descaroçado de um modo primitivo por «2 eixos que andam em roda-",
se vendia na terra a 2$000 a arroba —o que era grande proveito para o cultivador —para se revender
no reino a 4$000, baixando entretanto bastante no comêço do século XVII pela concorrência do mercado
de Veneza e outros.
Claro é que, conforme sempre aconteceu e em tôda a parte, o comércio auferia o melhor dos
lucros. Os Diálogos citam o caso de um mercador algarvio que em 1592 trouxe para Olinda um
carregamento de vinhos de Alvor, azeite, passas, figos e outros frutos da terra, no valor de 730$000,
apurando no espaço de seis meses em dinheiro de contado perto de 7.000 cruzados, que empregou em
açúcar branco, excelente a 650 reis a arroba. Os Diálogos chamam a estes, comerciantes <^de ida poi
vinda», seus ganhos sendo os mais elevados, regulando 40 e 50 por cento sobre o preço original de
compra, ao tratar-se dos artigos de luxo que «colmavam» as lojas de Olinda e pelos quais se pode
ajuizar do fausto da capitania; «-toda a sorte de louçania, sedas riquíssimas, pannos finíssimos, brocados
maravilhosos, que tudo se gasta em grande copia na terra».
Alguns dos mercadores domiciliados na Nova Lusitânia importavam directamente do reino
semelhantes artigos, que lhes deixavam fartos cabedais e que, levados até aos engenhos^ por novos
intermediários, os últimos elos da cadeia, ainda davam muitas vezes a estes mascates mais de cento
por cento de vantagem. A Nova Lusitânia depressa se tornou um ponto de convergência para os
chatins. Não só de Portugal chegava aos colonos tudo de quanto careciam para o gôso da vida:
de Angola e do Congo vinham marfim e ébano, êste representado pelos escravos. Em 1559 a rainha
regente D. Catarina permitira a cada senhor de engenho importar até 120 africanos, pagando somente
o têrço dos direitos em vez da metade, pois só aos donatários era livre escravisarem o gentio e mesmo
exportarem algum. Não admira que 50 anos depois escrevessem os Diálogos que «se ha criado no
Brazil uma Nova Guiné», somando nalgumas capitanias os escravos negros mais do que os índios
e tendo i-todos os homens que vivem na terra mettida case toda sua fazenda em semelhante^ mercadoria»,
Do Rio da Prata, havendo o domínio único dos Filipes englobado os dous impérios coloniais
ibéricos, combinando-lhes a economia, subiam a costa peruleiros «em caravellas de pouco porte com
patacas de 4 e 8 reales, prata lavrada e por lavrar, em pinhas e em postas, ouro em pó e em grão
e outro lavrado em cadeias».
O comércio já se encaminhava para concentrar-se nas mãos de forasteiros, ao passo que a
lavoura permanecia doméstica. Dos agricultores nacionais, todavia, alguns negociavam directamente^com
o reino em açúcares, dali recebendo abastecimento para suas fazendas. Era ainda uma reminiscência
do processo original da permuta de gêneros. Duarte Coelho, que possuía a visão de um homem de
Estado, pensara logo no comércio de cabotagem e um dos seus primeiros cuidados foi mandqr construir,
em pequenos estaleiros adrede levantados, caravelões e lanchas para iniciarem o tráfico de mantimentos
entre as capitanias próximas, que as pusesse relativamente a coberto da fome em caso de assédio das
suas vilas pelos selvagens (4i), e igualmente para criarem na medida do possível relações de interêsse
com os indígenas, incutindo-lhes experimentalmente a idéia do valor das suas roças.
Na viagem costeira que preparou êsse escambo de ferramentas e de quinquilharias por
víveres e da qual também resultou o resgate de índios escravisados nas contendas sem fim das tribus
(411 Frei Vicente do Salvador não precisa datas, as quais não abundam aliás no seu trabalho, mas nao P^ec
referir-se ao cerco que em 1548 pôs em novo e não menos grave risco a vila ou antes a poyoação de Iguaraçu, cu)a guarmçao
então se compunha de 90 colonos—muitos dêles parentes pobres de Duarte Coelho, que tinham vindo do Minho a tentarem
ío,tuna—30 ^ e as a[mas de toso decidiram um, vez mais d. partida, que contpori»
lainrpQ aflitivos mas não durou desta feita mais do que um mês. O pedido de socorro, instantemente formulado para Olinda
afim de salvarém-se os atacados da destruição iminente determinou o despacho de um reforço de 40 homens da tripulação
de duas embarcações portuguesas armadas em côrso contra mouros e franceses e que comandadas pelo cap.tâo Penteado
tinham rhXdo a Pernambuco a 28 de laneiro de 1548 (Rio Branco. Ephemerides brazüeiras), trazendo um carregamento de
deportados e pr^parand™-se para regressar com outro de páu-brasiL Era arcabuzeiro de um desses navdos um alemaode
Hesse, Hans Staden, que assistiu ao cêrco e o descreveu na sua conhecida relaçao, da qual o Apendice do capitulo ante
publica o trecho relativo à guerra de Iguaraçú.
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
entre si, Duarte Coelho foi até o limite meridional do seu feudo, isto é, até a foz do rio S. Francisco,
entrando em todos os portos para despejá-los das náus francesas no contrabando do pau brasil e
tomando lanchas aos franceses, que nas investidas contra Olinda andavam de parceria com os selvagens,
rei Vicente do Salvador, que relata esta esploração do litoral pelo primeiro donatário, escreve que não
oram poucos os feridos e que o próprio chefe o foi «ote uma bombardada de que andou muito tempo
maltratado■*. Não se recolheu, porém, ao seu tôsco solar ultramarino sem «a/impar a costa destes ladrões
e fazer pazes com os mais dos mcf/os»—pazes forçosamente passageiras porque os índios eram volúveis,
desconfiados e por isso mesmo traiçoeiros. Em Iguaraçú, logo depois da saída de Duarte Coelho para
^in a, um episódio de bebedeira levara os tabajares, mais amigos do que quaisquer outros, a pôrem
cerco por dous anos à povoação incipiente, matando o capitão dela, Afonso Gonçalves (42).
jAMBEM a Duarte Coelho ocorreu a intuição de utüisar capitais do reino, muito provàvel-
mente de cristãos novos, que eram os banqueiros da época, em proveito do seu senhorio,
no qual se compreendia o curso de tôda uma importantíssima artéria fluvial, caminho
natural de penetração continental; da exploração dessa artéria numa maior escala do que
, . 0 Perrmtiam seus meios e seu crédito, e da valorização das indústrias nascentes que sua
actividade implantara no feudo que lhe focara. Para tal fim e outros de benefício para a capitania, foi
ele duas vezes ao reino, em 1540 ou 1541 e em 1553.
Desta segunda vez devia a viagem também encerrar propósitos políticos, pois que a coroa
era pouco tempo antes, em 1549, directamente início á sua obra de centralização, mais natural que a
de dispersão, mediante a nomeação de um governador geral, acolitado por dous altos funcionários, um
de justiça e outro de fazenda. Isto embora se houvesse simultâneamente cogitado em Lisboa, pelo que
se ve da carta de Duarte Coelho a el-rei, de 15 de Abril daquele ano de 1549, de uma grande companhia
de armadores —uma chartered certamente com amplas atribuições econômicas e militares
e aixo da protecção real, afim de sustar a anarquia geral dos feudos e obstar à renovação tam
continua de ataques franceses. Uma vez enriquecidos os concessionários e cumprida a missão histórica
dos donatários, a coroa os iria a uns e outros substituindo por assim dizer automàticamente.
uem maiores dificuldades experimentara para salvar suas finanças e chegara mesmo, na sua
expressão, a ficar <gastado de fazenda», fôra o primeiro senhor da Nova Lusitânia, cujo filho segundo,
Jorge, quando residindo em Lisboa depois do seu resgate em África e da perda da independência
por uguesa, au enria tranqüilamente da redízima, que era o dízimo dos dízimos, do dízimo do pescado,
que ele era o umco a possuir inteiro, e dos fóros dos engenhos, que pela doação formavam seu
monopolio, uma renda de 10.000 cruzados, a qual duplicaria nos comêços do século XVII, em tempo e
para beneficio do seu filho Duarte.
Ao velho Duarte coubera igualmente defender os seus privilégios e os dos seus moradores
contra a coroa, que dêles se despira para assegurar a primeira colonização do Brasil, tentando a
vaidade e a ambição dos seus súbditos. Nos feudos doados pelo soberano a autoridade real não ficara
contudo sem delegação: encarnavam-na os almoxarifes e feitores que lhe efectuavam as cobranças cuja
importância os forais em muitos casos tinham feito decrescer, e que desempenhavam também o papel de
cônsules, fornecendo atestados que serviam para regular as taxas alfandegárias. Por outro lado pretendia
o erano regio salvar os seus prejuízos, provenientes das doações, com o incremento do negócio do
pau-brasil, ja que a colônia não parecia ser rica das «drogas e especiarias», que eram de monopólio da coroa.
O pau-brasil constituía um elemento socialmente perturbador para uma capitania como a Nova
Lusitânia, cuja prosperidade tinha como condição essencial a ordem. Para corresponder às reqüisições
de Lisboa e ainda que com lucro possível para alguns dêles próprios, tinham os moradores que se
internar, quando e quanto lho permitia a sanha dos cahetés, porque não mais se encontrava o então
precioso lenho nas cercanias das povoações. Deviam mesmo sair por êle pela costa os bergantins do
donatário, aliás não sem perigo, porque os cahetés não só navegavam os rios em canoas, como se
afoifavam ao mar em jangadas. Demais, trabalhavam os índios domesticados de má vontade nessas
derrubadas, quando não eram especialmente tentados pelos que, açulados pela ganância, os distraíam da
lavoura, fazendo-lhes presentes até de armas, de gume e de fogo, que êles naturalmente preferiam às
ferramentas em troca das quais costumavam vir fazer as levadas dos engenhos e outras obras grossas
e vender mantimentos. «E como estão fartos de ferramentas—na frase de Duarte Coelho, escrevendo a
el-rei—fazem-se mais ruyns do que são, e aluoroção-se, e ensoberbessem-se e levantão-se».
O peor era portanto a desordem que produziam os indivíduos que recebiam da coroa a merçê
de algum carregamento e para os quais eram indiferentes as fadigas e percalços do donatário. Aos
concessionários legais havia ainda que juntar os contrabandistas. Os moradores pacatos chegaram a
ameaçar o donatário de encampar as fazendas e engenhos se continuassem tais dificuldades, pelo que
Duarte Coelho suplicava a el-rei de suspender durante dez ou doze anos todo o corte de pau-brasil
vinte léguas para o sul de Olinda e vinte léguas para o norte de Iguaraçú. Era pouco crível que neste
ponto o atendesse o fisco real, pelo que resignado, pois que jàmais nutrira entusiasmo por tal negócio,
Duarte Coelho impetrava de D. João III, três anos depois, o favor de deixá-lo exportar durante vinte
anos, sem concorrência estranha na sua comarca de Olinda e forros de todos os direitos, 3.000 quintais
cada ano da reputada madeira, a fim de prover-se de cousas que lhe eram necessárias para desafogo e
defesa da terra e que não achava quem lhas fiasse, mesmo porque o Brasil feudal fôra um malogro do
ponto de vista da política doméstica e também do ponto de vista financeiro para os contemplados.
ELO gôsto de Duarte Coelho, que neste sentido aconselhava seu suzerano, todo o donatário
de terras no Novo Mundo viria povoá-las ou mandaria pessoas «sufficientes»: tinha disto
a obrigação moral, desde que aceitara a mercê. Sua inteligência lúcida e prática antevia
que o abandono das capitanias implicava a perda dos direitos outorgados e não tardou
de facto, como correctivo ao relaxamento geral dos feudos, o cerceamento pelo poder real
dos poderes dos donatários.
A emprêsa resultará superior aos instrumentos empregados, e, decorrido meio século, o Brasil
oferecia um espectáculo lamentável de confusão.
A coroa procedeu portanto acertadamente procurando pôr um remate a essa situação anárquica,
mediante a abolição de valiosas prerrogativas, concedidas com o primitivo espírito da organização
concebida, entre as quais a de larga alçada dos donatárips sobre os colonos no cível e no crime, que
passou para o ouvidor geral, sendo porém mister o assentimento do governador geral nos casos de
sentença de morte e ficando êste delegado supremo do poder real com a regalia até de suspender os
capitães das suas jurisdições autônomas. Honrou-se todavia a coroa mandando que se não entendesse
com Duarte Coelho a lata autoridade dada a Tomé de Sousa, dêste modo aqüiescendo com os protestos
de um servidor dedicado e sizudo qual o donatário pernambucano.
A 24 de Novembro de 1550 escrevia êste a el-rei uma epístola de gratidão, na qual não em
absoluto contente com o obtido, insistia pelo reconhecimento e respeito das liberdades e franquias dos
seus moradores, exactamente como as inseriam a doação e foral. O receio de Duarte Coelho era ver
afundar-se a Nova Lusitânia por êle criada e que tanto maior amor lhe merecia quanto a tinha
amassado com o seu próprio sangue e o seu próprio suor. Ver saírem da capitania os moradores por
falta de garantias seria uma dor pungente para o seu coração, e a montagem de novas fábricas parecia
depender da manutenção de tais direitos e privilégios e provàvelmente também de abusos, contra os
quais atentava especialmente o regimento de fazenda, mandado executar nas diferentes partes do Brasil
303
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
pelos provedores e oficiais desde então encarregados da fiel cobrança dos dízimos realengos, dos bens
de defuntos e ausentes, do serviço das alfândegas e da verificação da legitimidade das sesmarias (-13).
Portugal não tinha tido um feudalismo na acepção rigorosa do têrmo, porque dos seus reis
datavam os senhorios e êsses reis não contavam atrás de si uma longa tradição de vassalagem.
A transpiantação do sistema medieval para o Novo Mundo dera aos fidalgos portugueses a sensação
por assim dizer nova da perfeita independência castelã, embora obrigada a uma luta porfiada contra a
natureza e contra o gentio, e mais tarde arriscada a comprometer-se num meio que de amorfo e brutal
ameaçava, entregue às paixões, passar sem transição a desordenado e corrupto.
Os jesuítas surgiram na colônia ao lado de Tomé de Sousa, não só como os defensores dos
aborígenes, mas também como os evangelizadores dos colonos, introduzindo o elemento moral, superior
ao político e a qualquer outro, no meio das contendas físicas pela existência e das rivalidades de
apetites, das quais o único freio consistia numa religião que, mal compreendida ou mal interpretada,
perdera a espiritualidade para sobreviver em ritos, num quási fetichismo.
Aos planos de catequese e de colonização teocrática da Companhia sorria de preferência o
regímen de centralização administrativa, sob uma responsabilidade única, que dela recebesse inspiração.
Os padres Nóbrega e Antônio Pires, quando vieram a Olinda em 1551, no prosseguimento da sua cruzada,
prègando a moralidade e o amor do próximo, encontraram, segundo referem suas cartas, muito que
reformar numa situação de que se não ocupavam os cinco ou seis sacerdotes que ali se entregavam a
uma vida desregrada. O donatário, mais pelo cansaço do que pelos anos, já não dispunha da sua
anterior fortaleza para reprimir a indisciplina e * faltava-lhe muito para hum bom regimento de justiça*
— escrevia a D. João III o padre Nóbrega, que era um temperamento político e tinha a visão das
cousas do Estado.
Insinuava o jesuíta ao monarca que reivindicasse para a coroa a capitania, *.das maiores e
melhores desta terra*. Bem o sabia el-rei e por isso estava tratando de reaver o que distribuíra.
Assegura-se nos Diálogos que, pondo de um lado o que o erário dispendia em cada ano com os aprestos
das náus que mandava à índia; os soldos da gente de guerra e marítima; moradias de seus criados;
mercês feitas a particulares; juntamente com o cabedal que remetia para a compra de pimenta do
Malabar; e do outro o que esta lhe rendia e mais o arrendamento dos direitos que pagavam «a canella
de Ceylão, o cravo de Maluco, a massa e nós muscada da Banda, o almiscre, benjoim, porcelana e
sedas da China, as roupas e anil de Cambapa e Bengala, a pedraria do Balaguate, e Bisnaga e Ceylão»,
os ganhos excedentes ficavam todavia àquém do rendimento do consulado e da entrada no reino do
açúcar de Pernambuco, Itamaracá e Parahyba, cultivado somente no litoral.
na ouerra contra n^plftin ^0e"10 dJte1 r'6a do rígido caracter paterno. Sua alma era antes a de um condottiere:
em que
caoitâo de terra ele <aui7 /r D '? Cavalcanti foi como capitão de mar e Jerónimo de Albuquerque como
vlcente do Salvador A companhia dos aventureiros, que era dos mancebos solteiros*. Assim o relata frei
0 combln da C
acolher oatranhas Um indfvS^ ' f U T «rja falta de escrúpulos, nêle ia até o ponto de engendrar quimeras e
deixarde oanharlhea p^fmaoornc^0 0P alcunbado P^edo Ouro, o ex-jesuíta terceirense Antônio de Gouveia, não podia
SeS de re stldl
aue escreveu em 1627 a sua crônica a f P , 2'taÇão e suas artes de nigromante. O citado historiador monástico,
em suma a causa de' el-rei D. Sebastilo o manda? c^mtr^o^rdno.6536 enfeltlçado 0 moço donatário e escreve que íoi «sa
tLusitama serviços
^ P^^re do podem
que se Ouro, qualificar
duas vezes processadoarrebanhando
de relevantes, pela Inqüisição
com de Lisboa,
seus prestou
sortilégios ao segundo
o gentio, donatário
melhor dito da Novao
hipnotizando
pelo pavor e com isto aumentando muito o número das «peças que se vendiam». O tio, Jerónimô, e mesmo o K
reprovavam ao senhor do feudo o ao querer atalhar tão grande tyrannia*, à qual seu coração parece haver™do nerfeU
n^. i?6,-!'"ali!
Duarte
5
' Na0Coelho
de Albuquerque
sei ira d e
iy a circunstancia
. Justificaçâo,
de mas poderá
ter sido servir
durante seudegovêrno
atenuante
a suaà capitania
falta de humanidade testemunhada
teatro de sangrentos nor
encontros
com os índios, os quais com a maior ousadia chegaram a atirar-se, como lobos a rebanhos, sôbre os escravos d?s Qr^?as l
resistência tanto mais difícil de debelar quanto era dispersa Mobilizou-se para isto tôda a Nova Lusitânia
-brancos e seus confederados vermelhos-contra esse elemento indómito, «não ficando mais em Olinda que Hveronimo de
Albuquerque com alguns velhos que nao podiam menear as armas* (cap. XV da Historia de frei VicLte do sílv^dorf
3 1110 sherman
tacões e de
tações tfp ^hfnlarn h progressiva
plantações, a marcha Geórgia e da tudo
do conquistador, de lord Roberts
varrendo na Transvaal,
deante de si. destruidora de gente de habi-
p nvem ^"t°n1,0.de Qouyeia era. allíuilTista e esta semi-sciência ajudou-o especialmente junto ao filho de Duarte Coelho
nro«^« ! contrário do pai, seduzia a miragem das minas de ouro e prata do seu sertão. Serviços no resgate de escravos
em 1571, o mandou0 prender
1671 TZZn ^T' ede2deportar
redad a
° Ppor« oembusteiro
Brasil cm sob
1567,nressão
ao bispodosda iesuítas
Bahia D.intrio^HoQ
Pedro Leitão
mniV-,o ^mefmo que aepois,
deDo°s
porque, no seu constante aposlolado em p,ol dos índi°,s, condCTa^ í.!" "-companltciro
S^ulV ' V"6 0 se h
" °' t' >""■ ^uarte de Albuquerque So"bo apSo peZ parl„^,i?dT£ae
FAf.rri,ine,ro * tm
> ^ * c"s»°
304
A NOVA LUSITÂNIA
Isto se passava no começo do século XVII, mas tempo tinha havido no norte em que açúcar
era somente o de Pernambuco, podendo dizer-se que o esforço individual dos seus moradores, os quais
fretavam seus transportes, assim excedia proporcionalmente o das grandes companhias de comércio dos
séculos imediatos.
Os missionários tinham verificado que êsse esforço não se produzia num ambiente positiva-
mente de virtudes, pois que a continência se afrouxara sob os trópicos e o geral dos vícios se tinha
acirrado; mas subsistia uma caridade de carácter temporal, reflexo da riqueza da terra, posto que nem
por isso menos eficaz. Assim é que a Santa Casa da Misericórdia de Olinda gastava como nenhuma
outra no Brasil, avaliando-se suas despezas cada ano em 13 a 14.000 cruzados, dados todos pelos
moradores, e costumando só o provedor contribuir do seu bolso com mais de 3.000 cruzados.
Os dous pioneiros jesuítas relatam, aliás, nas suas missivas ter sido bastante frutuosa a sua
seara religiosa. O donatário havia sido sempre o primeiro a fazer cumprir as disposições protectoras
dos índios, cuja infracção constituía, de resto, uma invasão dos seus privilégios: não lhe era, porém, dado
arcar com a dissolução dos costumes de uma sociedade que as condições do meio tinham tornado no
âmago primitiva, não obstante o luxo que entre ela medrara e lhe emprestara uma aparência esmerada,
a ponto tal que nos Diálogos se conteem conceitos como êste: «fu oi já affirmar a homens mui
experimentados na corte de Madrid que se não traja melhor nella do que se trajam no Brazil os
senhores de engenhos, suas mulheres e filhas, e outros homens afazendados e moradores».
As prédicas dos jesuítas agiram contudo mais sobre o gentio do que sobre os colonos da
Nova Lusitânia, em bom número muito relutantes em abandonarem o escândalo das suas mancebias,
os rancores que se tinham suscitado entre êles, a irreligião que lhes adviera do relaxamento dos hábitos
e da falta de direcção espiritual e até o gentilismo a que fechavam os olhos, deixando os filhos já
cristãos correrem o mato entre os selvagens.
A abundância dos neófitos comprova o êxito do proselitismo entre os aborígenes, enquanto
os curas, que serviam na matriz ou de capelães nas fazendas, feridos nas suas côngruas pela concor-
rência inesperada de sacerdotes que antepunham ao dinheiro as almas, promoviam contra os intrusos
uma sedição. Nem podia ter por estes simpatia o donatário, cioso das suas prerrogativas como
justamente era, pronto sempre a reagir contra qualquer menosprêso das mesmas e não duvidando em
expôr longamente ao soberano seus agravos na matéria. O facto é que a missão de Olinda, com seus
aldeiamentos e seu comêço de ermida, deixada por Nóbrega em mãos do companheiro, foi abandonada
até 1560, dando-se como razão a falta de obreiros.-
reedificação de templos-» —se bebia de ordinário cada ano o valor de 10.000 cruzados e chegou-se
alguns anos a beber muito mais (80.000 cruzados, diz o jesuíta), vinham do reino para correr a jorros
nos banquetes «-de extraordinárias iguarias» em que se reüniam os senhores de engenho a propósito
de tudo, sendo a maior festa a da benção das fábricas quando deitavam a moer, gastando em tais
folganças o melhor dos seus lucros e até se endividando com isto e com as perdas na escravaria
maltratada. Os divertimentos eram corridas de touros, jogos de canas, pato e argolinha, sendo alguns
dos colonos tam briosos em indiferença ou porventura
questão de montaria que
apenas da falta de um mis-
compravam ginetes de 200
ticismo exagerado. Pode di-
e 300 cruzados, possuindo
zer-se que para o prolon-
três e quatro dêsses cavalos
gamento no Brasil dessa
de luxo.
modalidade espiritual contri-
Verdade é que havia na
buiu bastante a ausência de
Nova Lusitânia colonos de
SÜÉ uma delegação da Inquisição,
40, 50 e 80.000 cruzados de
à qual se deve considerar
seu, ostentando tôda a fa-
hostil o sentimento da terra,
mília sêdas, veludos e da-
como o testemunhou o epi-
mascos, talvez mais apaixo-
sódio do Padre do Ouro í44).
nados os homens pelo jogo
Os próprios bispos do Bra-
do que pelas cerimonias reli-
sil, a quém fôra, por especial
giosas e mais amigas as IP
T comissão, atribuído o poder
mulheres do que de práticas
de aplicar as pênas daquele
de igreja de festas de vai-
tribunal eclesiástico, com ape-
dade, para onde se faziam t
T lação para Portugal, ficaram
transportar, cobertas de jóias,
durante algum tempo somente
em palanquins ou cadeiri-
com a faculdade de exercer
nhas carregadas por escra- * tal jurisdição sôbre os indí-
vos, tratando-as o jesuíta T* genas, até que em 1623 lhes
Cardim de «muito senhoras,
foi restituída a autoridade
e não muito devotas».
que tinham anteriormente
O movimento da Renas-
desfrutado.
cença, intenso na primeira
A actividade do Santo
metade do século XVI, foi
BRASÃO DE JORGE DE ALBUQUERQUE COELHO Ofício foi aliás muito menos
o de uma revivescência do
Donatário de Pernambuco sensível no Brasil no pri-
paganismo com efeitos salu-
(Reproduzido da edição princeps da Prosopopêa, de Bento Teixeira) meiro século da sua vida
tares sobre a tolerância reli-
histórica do que posterior-
giosa, embora derivada da
i 1 r- i l' * J • * mente, não
IlldllCj lldC se dando antes
OC vldlivlVJ dlllt-O
de 1591 noticia de um visitador, que foi Heitor Furtado de Mendonça, nem antes de 1601 de um
promotor fiscal em Olinda, que foi o madeirense Gonçalo Novo de Lira (45).
Es a s ci da
. , .. ! , ° ® de "ao podia ainda constituir um centro intelectual, mas contaria de certo seus
desfastios intelectuais. Os )esuitas, uma vez estabelecidos, ensinavam as humanidades, em que eram
mestres, aos filhos dos principais da terra, não faltando entre êles fidalgos de dom na frase do padre
Femam Cardim. Como era seu costume, usavam do teatro para fins proselíticos, de conversões e de
regeneração moral. A tradição fala não só de diálogos, de músicas e danças, como de um auto levado
a scena em 1575-0 rico avarento e o Lazaro pobre-cu]o efeito se refere haver sido tam sugestivo
que homens abastados se despojaram dos seus bens.
• c^i> • •
Pernambucano! 189^ Nesse ano ^'e lôoíTofp^rêsa5 ^ remetída'par^ Usbo^acu^da'0^JU H* 5 ^ d0 nst Arch e Geo r
' - 3 -
bens e vendidos em hasta pública perante a vèdoria a nprnamh.,rin3 n r -f s perna i "10'.sendo-|he confiscados os
Camaragibe da freguesia de São Lourenço de Muribara ' ' F ndes, filha do feitor do engenho
Fernandes ola.^dáVlíS^ âS PSrccs e»'«' a 1=
ciando o passamento como ocorrido depois de 1582. ' Pereira da Costa contesta algures, noti-
306
A NOVA LUSITÂNIA
Olinda teve mesmo em Bento Teixeira Pinto o seu épico, o primeiro poeta do Brasil na
ordem cronológica, se é que não foi igualmente o autor do Naufrágio de Jorge de Albuquerque Coelho,
constituindo-se em todo caso o cantor sem rival das grandezas da Nova Lusitânia e das proêsas de
um dos últimos cavaleiros peninsulares, em cujo espírito se aliavam o amor das façanhas extraordi-
nárias e a lealdade pessoal que tanto perfumou os fastos medievais. Tal foi o terceiro donatário
de Pernambuco.
Muito bom cavaleiro, dissera D. João III do primeiro donatário quando seu parente Afonso
de Albuquerque apareceu de luto no Paço e lhe comunicou seu traspasse. E cavaleiro de facto o era
até a medula o fidalgo homem de guerra e homem de Estado que deixara um nome honrado e ilustrado
nos dous hemisférios, em todo o dilatado império lusitano do tempo. Tomando a peito todos os seus
encargos, êle sabia entretanto dirigir-se ao rei com desassombro e altivez, pôsto que com respeito, como
era próprio de um vassalo feudal que rende preito de fidelidade ao seu suzerano, mas a quém repugna
a subserviência, que seria uma traição aos que, por sua vez, lhe prestavam fidelidade.
Duarte e Jorge de Albuquerque Coelho fizeram parte da esplêndida comitiva de denodados
e abnegados guerreiros —a fina flor da nobreza portuguesa — que acompanhou na sua malfadada
jornada africana o penúltimo rei da dinastia de Aviz. O sangue de ambos correu no campo de
Alcácer-Quibir, mas venderam caro a sua liberdade. Prisioneiros do xerife vencedor, foram resgatados
—Duarte sucumbindo, porém, logo aos seus ferimentos e privações antes de tornar a ver terra cristã;
Jorge, que para Fez íôra levado quási moribundo
í46) Sua primeira mulher foi D. Maria de Menezes, sua prima segunda, e a outra foi D. Ana de Menezes, filha
Hp n Áluaro Coutinho e nela de D. Francisco Coutinho, conde de Redondo e vice-rei da índia. Jorge de Albuquerque
Coelho deixou dous filhos que ambos se distinguiram: Duarte, marquês de Basto pelae Epanha, que pelejou em Pernambuco
-ontra os holandeses e seguiu em 1640 o partido de Castela, e Matias, o heróico defensor da capitania, depois da restauração
vencedor da 47batalha de Montijo, no Alentejo, contra os castelhanos e marquês de Alegrete. ■, r-, ■ ^ r>
í ) D Domingos do Lorêto Couto, da ordem de São Bento, nos seus Desagraves do Brazü e Glorias de Per-
nambuco ívols XXiv e XXV dos Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro, 1904) relata que em Alcácer-Quibir Jorge
de Albuauerqúe Coelho «depois de ter recebido onze penetrantes feridas nas partes mais nobres do corpo, foy conduzido
do campo quasi agonizante em hum carro até a cidade de Fez, onde para ser curado das feridas lhe tirarao vinte ossos, de
cuia violenta operação, que durou o largo espaço de sete mezes, tolerou com heróica paciência horríveis dores. Como a cura
foi tarde já o corrosivo das matérias havião feito irreparável o damno dos nervos Ç ainda que pode com seu disvelo a
cirurgia conservar a vida, não alcançarão seus remedios a embaraçar que não ficasse baldado em extremo tao lastimoso, que
huâ das pernas feridas ficou com notável encolhimento muy desigual a outra, e corcovado todo corpo de sorte que em duas
moletas podia mover-se com muita dificuldade e trabalho. Sobre ellas andou trez annos e quatro mezes, e no fim d elles
deixou huâ em 23 de Abril de 1582 pendente do altar de N. S.a da Luz para memória do beneficio, que da sua maternal
demência recebera».
307
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
século as flores da sua bondade. O jesuíta Nóbrega apregoou-lhe as virtudes, confirmando sua fama,
e frei ^Vicente do Salvador atribui-lhe um coração tam carinhoso que a todos os seus dependentes
tratava como filhos. A autoridade que assim passara das mãos musculosas do guerreiro para as mãos
delicadas da sua dona era como que o símbolo de que findara a fase heróica da fundação. Ia entretanto
começar a fase épica da resistência, já animada pelo espírito local que depois se tornaria o
espírito patriótico.
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308
A NOVA LUSITÂNIA
Apêndice
fizerem as tais villas ou cada huã deltas lhe lymytaram e elle vyerem nam poderam tomar terra alguma de sesmarya
asynaram logo termo pera ellas e depois nam poderam da na dita capitanja pera sy nem pera sua molher nem pera o
terra que asy tiverem dado per termo fazer majs outra villa filho erdeiro delia amtes daram e poderam dar e Repartyr
sem mynha licença. todas as ditas ferras de sesmarya a quaes quer pessoas de
& Outrosy me praz que a dita capitania e governador quallquer calydade e comdyçam que seyam e lhes bem parecer
e todos seus sobcesores a que esta capitania vyer posam
lyuremente sem foro nem direito alguum somente o dizimo
novamente cryar e prouer per suas cartas os tabeliães do de deos que seram obrygados de pagar a ordem de todo o
prubico e judiciall que lhes parecer necesaryos nas villas e que nas ditas terras ouverem segundo he decrarado no forall
povoações da dita terra asy agora como pelo tempo adyamte e pela mesma maneira as poderam dar e Repartir per seus
e Ide darã suas caifas asynadas per elles e aseladas com o
filhos fora do morgado e asy per seus paremtes. E porem aos
seu sello e lhes tomaram juramento que syrvam seus ofícios ditos seus filhos e paremtes nam poderam dar mays terraa
bem e verdadeiramente e os ditos tabeliães serviram per as da que derem ou teuerem dada a qualquer outra pessoa
ditas cartas sem mays tirarem outras de mjnha chancelaria e
estranha e todas as ditas terras que asy der de sesmarya a
quando os ditos ofícios vagarem por morte ou renunciaçam huns e outros sera conforme a ordenaçam das sesmaryas e
ou per erros per se asy he os poderã yso mesmo dar e lhe com obrygaçam dellas as quaes terras o dito capitam e gouer-
darã os regimentos per omde hâ de seruyr conformes aos da nador nem seus soçesores nam poderam em tempo alguum
mynha chancelaria e ey por bem que os ditos tabeliães se tomar pera sy nem pera sua molher nem filho erdeiro como
posam chamar pelo dito Capitam e governador e lhe pagaram dito he nem polas em outrem pera depoys vyrem a elle por
suas pensões segunda forma do foral que ora pera a dita modo alguum que seya somente as poderam aver per tifolo
terra mandey fazer das quaes pemsões lhe asy mesmo faço de compra verdadeyra das pessoas que ellas quyserem vender
doaçam e merçe de juro e derdade pera sempre. pasados oyto annos e despoys de as taes terras serem apro-
Si Outrosy lhe faço doaçam e merce de juro e de her- ueytadas e en outra maneyra nam.
dade pera sempre das alcajdaijas mores de todas as ditas Outro sy lhe faço doaçam e merce de juro e derdade
villas e povoações da dita terra com todas as rendas e direitos da metade da dizima do pescado da dita capitanja que a mym
Si foros e trebutos que a elas pertencerem segundo sam
pertencer porque a outra metade se ade arrecadar pera mym
escritas e decraradas no forall as quaes o dito Capitam e segundo no foral he decrarado a qual metade da dita dizima
governador e seus socesores averam e arrecadaram pera si se emtendera do pescado que se matar em toda a dita capi-
no modo e maneira no dito forall conteúdo e segundo forma tanya fora das dez legoas do dito capitam e gouernador por
delle e as pessoas a que as ditas alcajdarjas mcres forem quamto as ditas dez legoas he terraa sua lyure ysenfa segundo
entregues da mão do dito Capitão e governador elle lhes atras he decrarado.
tomará a menagem dellas segundo forma de mjnhas orde- Outro sy lhe faço doaçam e merçe de juro e derdade
nações. pera sempre da Redizima de todalas Rendas e direitos que
& Outrosy me praz por fazer merce ao dito Duarte a dita ordem e a mym de direito na dita capitanja pertencer
Coelho e todos seus soçesores a que esta capitanya e gouer- —a saber—que de todo Rendimento que a dita ordem e a
namça vyer de Juro e derdade pera sempre que elles tenham mym couber asy dos dízimos como de quaes quer outras
e ajam todas as moendas dagoa marynhas de sall e quaes
Rendas ou direitos de qualquer calydade que seyam aya o
quer outros enjenhos de qualquer calidade que seya que na
dito capitam e gouernador e seus soçesores huma dizima que
dita capitanya e gouernamça se poderem fazer e ey por bem
he dez partes huma.
que pesoa alguma nam posa fazer as ditas moendas marynhas
nem emjenhos senam o dito capitam e gouernador ou aquelles Outro sy me praz por Respeito do cuydado que o dito
capitam e gouernador e seus soçesores em de ter e guardar
a que ele pera yso der licença de que lhe pagaram aquelle
e comseruar o brazyll que na dita ferra ouver de lhe fazer
foro ou trebuto que se com elles conçertar.
doaçam e merce de juro e derdade pera sempre da vymtena
Outro sy lhe faço doaçam e merce de juro e der-
dade pera sempre de dez legoas de terra ao lomgo da costa parte do que lyquydamente Render pera mym foro de todos
da dita capitanya e gouernamça e entraram pelo sertam tamto os custos o brazyll que se na dita capitanja trouxer a estes
quanto poderem entrar e for de mjnha conqujsta a qual terra Reynos e a conta do tall Rendimento se fara na casa da mjna
da cidade de lisboa onde o dito brazill ade vyr e na dita casa
sera sua lyvre e ysemta sem delia pagar foro trebuto nem
direito algum somente o dizimo de deos a ordem do mestrado tamto que o brazyll for vemdido e arrecadado o dinheiro delle
de noso senhor Jesus Chrisfo e dentro de vynte annos do dia lhe sera logo paguo e entrege em dinheiro de contado pelo
feitor e oficiaes delia aquyllo que per boa conta na dita vin-
que o dito capitam e gouernador tomar pose da dita terra en
tena montar e ysto por quamto todo o brazyll que na dita
qualquer parte que mays quyser nam as tomando porem
terra ouver ade ser sempre meu e de meus sobçesores sem
jumtas senam Repartydas em quatro ou cinquo partes e nam
o dito capitam e gouernador nem outra alguma pessoa poder
sendo de huma a outra menos de duas legoas as quaes terras
tratar nelie nem vendello pera fora somente poderá o dito
o dito capitam e gouernador e seus suçesores poderam
capitam e asy os moradores da dita capitanja aproueytarse do
arrendar e aforar enfatiota ou em pesoas ou como quizerem
dito brazyll ahy na terra no que lhes for neçesaryo segundo
e lhes bem vyer e pelos foros e trebutos que quyserem e as
he decrarado no forall e tratando nelle ou vendendo pera fora
ditas terras nam sendo aforadas ou as Rendas dellas quando
encoreram nas penas conteudas no dito forall.
o forem vyram sempre a quem soçeder a dita capitanya e
Outro sy me praz fazer doaçam e merce ao dito capitam
gouernamça pelo modo nesta doaçam conteúdo e das nouy-
e gouernador e a seus socesores de juro e derdade pera
dades que deos nas ditas terras der nam sera o dito capitam
e gouernador nem as pesoas que de sua maão as tyuerem ou sempre que dos escrauos que elles Resgatarem e ouverem na
trouxerem obrygados a me pagar foro nem direito alguum dita terraa do brazyll posam mandar a estes Reynos vynte e
quatro peças cada anno pera fazer dellas o que lhes bem vyer
somente o dizimo de deos a ordem que Jerallmente se a de
os quaes escrauos vyram ao porto da cydade de lisboa e nam
pagar en todas as outras terras da dita capitanja como abaixo
a outro alguum porto e mandara com elles certydão dos ofi-
hira declarado.
ciaes da dita terraa de como sam seus pela qual certidão lhe
Item o dito capitam e gouernador nem os que apos
seram qua despachados os ditos escravos forros sem delles
310
A NOVA LUSITÂNIA
pagar direitos alguns nem cvmco por cemto e alem destas o crime obrygar E porem o s;u soçesor nam perdera por yso
vinte quatro peças que asy cada anno poderá mandar foras a dita capitanja gouernamça jurdiçam Rendas e beens delia
Ey por bem que posa trazer por marynheyros e grumetes em como dito he.
seus navyos todolos escrauos que quyserem e lhes for neçe- Item mays me praz e ey por bem que o dito duarte
saryos. coelho e todos seus soçesores a que esta capitanya e gouer-
Outro sy me praz por fazer merce ao dito capitam e namça vyer usem jnteyramente de toda jurdiçam poder calcada
gouernador e a seus soçesores e asy aos uezynhos e mora- nesta doaçam comteuda asy e da maneyra que nella he decra-
dores da dita capitanya que nella nam posa em tempo algum rado e pella comfiamça que delles tenho que gardarão nyso
aver direytos de sysas nem enposycoês saboaryas trebuto de tudo o que cumpre a seruyço de deos e meu e o bem do
sall nem outros alguns direytos nem trebutos de quallquer pouo e direyto das partes ey outro sy por bem e me praz
calydade que seyam saluo aqueles que per bem desta doaçam que nas terraas da dita capitanya nam entrem nem posam
e do forall ao presente são ordenadas que aja. entrar em tempo algum coregedor nem alçada nem outras
Item esta capitanya e gouernamça e Recebidos e beens algumas justiças pera nellas usar de jurdiçam alguma per
delia Ey por bem e me praz que se erde e sobceda de juro nenhuma via nem modo que seya nem menos sera o dito
e derdade pera todo senpre pelo dito capitam e gouernador capitam sospenso da dita capitanya e gouernamça e jurdiçam
e seus descendentes fylhcs e filhas legytymos com tall decra- delia E porem quamdo o dito capitão cayr em algum erro ou
raçam que enquanto ouver filho legitimo baram no mesmo fyzer cousa per que mereça e deua ser castygado eu ou meus
grão nam soçeda fylha posto que seya de mayor ydade que soçesores o mandaremos vyr a nos pera ser ouuydo com sua
ho fylho e nam avendo macho ou avendo o e nam semdo justiça e lhe ser dada aquela pena ou castigo que de direyto
em tam propinco grão ao ultimo poosoydor como a femea que no tall caso mereçer.
emtam soceda a femea e enquanto ouver decemdentes legi- Item esta merce lhe faço como Rey e Senhor destes
tymos machos ou femeas que nam soçeda na dita capitanja Reynos e asy como gouernador o prepetu amenystrador que
bastardo alguum e nam avemdo descemdentes machos nem sam da ordem e cavalarya do mestrado de nosso senhor
femeas iegytimos socederam os bastardos machos e femeas Jhesus christo e per esta presemte carta dou poder e auto-
nam sendo porem de danado coyto e socederam pela mesma rydade ao dito duarte coelho que elle per sy e por quem lhe
ordem dos legitymos prymeyro os machos e depoys as femeas aprouuer posa tomar e tome a pose Real corporall e autoall
em yguall grão con tall condicam que se o posoydor da dita das terras da dita capitanya e gouernamça e das Rendas e
capitanya a quyser antes leixar a hum seu paremte transver- beens dellas e de todas as mays cousas conteudas nesta
saall que aos decemdentes bastardos quando nam tyver legí- doaçam e use de tudo jnteyramente como se nella conthem
timos o posa fazer e nam avemdo desemdentes machos nem a quall doaçam ey por bem quero e mando que se cumpra e
femeas legítimos nem bastardos da maneyra que dito he en guarde em todo e per todo com todalas clausolas condições
tall caso soçederam os deçemdentes machos e femeas pry- e decraracões nela conteudas e decraradas sem myngoa nem
meyro os machos e en defeyto delles as femeas e nam avendo desfaleçymento algum e pera todo o que dito he derogo a ley
decemdentes nem asendentes socederam os transvesaes pelo mentall e quaesquer outras leis ordenações djreytos grosas e
modo sobre dito senpre prymeiro os machos que forem en custumes que en contrario desto aja ou posa aver por quall
ygual grão em depoys as femeas e no caso dos bastardos o quer via e modo que seya posto que sey m taes que fose
posoydor poderá se quyser deixar a dita capitanya a hum nesecaryo serem aquy expresas e decraradas de verbo a verbo
trasvesall legitymo e tyralla aos bastardos posto que seyam sem enbargo da ordenacam do segundo lyuro tytolo quarenta
deçemdentes e muyto mays proprinco grão e ysto ey asy por e noue que diz que quamdo se as taes leis e direytos dero-
bem sem embargo da ley mental que diz que nam soçedam garem se faça expresa menção dellas e per esta prometo ao
femeas nem bastardos nem trasvesaes nem açemdentes por dito duarte coelho e a todos seus sobçesores que numqua em
que sem embargo de todo me praz que nesta capitanya tempo algum va nem consynta hyr contra esta mjnha doaçam
socedam femeas bastardos nam sendo da coyto danado e en parte nem em todo e Roguo e encomendo a todos meus
trasvesaes e açemdentes do modo que ja decrarado. sobçesores que lhe cumpram e mandem comprir e guardar e
Item outro sy quero e me praz que en tempo alguum asy mando a todos meus corregedores desembargadores ou-
senam posa a dita capitanya e gouernamça e todas as cousas uydores juyzes e justiças oficiaes e pesoas de meus Reynos
que per esta doacam dou ao dito duarte coelho partyr nem s senhoryos que cumpram e guardem e façam comprir e
escaymbar espedacar nem em outro modo en alhear nem em guardar esta mynha carta de doaçam e todas as cousas nella
casamento a filho ou filha nem a outra pesoa dar nem pera conteudas sem lhe nyso ser posto duuyda nem embargo nem
tyrar pay ou fylho ou outra alguma pesoa de catiuo nem per contradição alguma porque asy he mynha merçe e por fyr-
outra cousa ainda que seya mays piadosa por que mynha meza de todo lhe mandey dar esta carta per mym asynada e
tenção e vontade he que a dita capitanja e gouernamça e asellada do meu sello de chumbo —Manoel da Costa a fez
cousas ao dito capitão e gouernador nesta doaçam dadas am em evora a dez dias do mes de março anno do nacymento
de ser sempre jumtas e se nam partam nem alyenem em de nosso senhor Jhesus christo de myll quynhentos — Eu fer-
tempo algum e aquele que a partyr ou alyanar ou espedaçar nam daluares tesoureyro moor dei Rey Noso Senhor escryuam
ou der en casamento ou por outra cousa per onde aja de ser de sua fazemda a sobescreuy E esta doaçam vay escryta en
partyda ajnda que seya mays piadosa per este mesmo feyto cynco folhas com esta do meu synall as quaes cynco folhas
perca a dita capitanya e gouernamça e pase dyreitamente vam todas asynadas ao pee de cada huma pelo doutor chris-
aquele a que ouvera de hyr pela ordem do soçeder sobre tovam esteuez do meu conselho e desenbargo meu desem-
dita se o tall que ysto asy nam compryo fose morto. bargador do paço e petições manoel da costa a fez em evora
Outro sy me praz que por caso algum de quall quer a dez dias do mes de março de myll quynhentos e trinta e
calydade que seya que o dito capitam e gouernador cometa quatro —E posto que no décimo capitolo desta carta digua
per que segundo direyto e leis destes Reynos merese perder que faço doaçam e merce ao dito duarte coelho de juro e
a dita capitanja gouernamça jurdiçam e Rendas delia a nam derdade pera senpre da metade da dizima do pescado da dita
perca seu sobçesor saluo se for traidor a coroa destes Reynos capitanja ey por bem que a tali merce não aja efeito nem
e en todos os outros casos que cometer será ponjdo quamto tenha vigor algum por quanto se vio que não podia aver a
311
HISTÓRIA DA COLONISAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
manevra que hão de pagar a difa dizima na dita capitania se dereitos e terras e frebutos que em meus reynos e senhorios
cargarem pera fora do Reyno e se for pesoa que não aja per bem de minhas ordenações pertencem e sam concedidos
de tornar aa dita capitania daraa laa fiamça ao que montar aos alcaydes mores.
na dita dizima pera dentro no dito tempo de húm anno item Nos Ryos da dita capitania em que ouyer necesy-
mandar certidam de como veo descargar em meus regnos ou dade de por barcas pera a pasagem delles o capitam os
senhorjos e nam mostrando a dita certidam no dito tempo poraa e levara dellas aquele dereito ou trebuto que laa em
se arrecadara e avera a dita dizima pela dita fiamça. camara for taxado que leve sendo confirmada per mym.
Item quaesquerpesoas estrangeyras que não forem natu- Item cada hum dos tabeliães do publico e judiciall que
raes de meus Reynos ou senhoryos que a dita terra levarem nas viilas e povoações da dita capitania ouver sera obrigado
ou mandarem levar quaesquer mercadorias posto que as de pagar ao dito capitão quynhentos reaes de pensam em
levem de vários reynos ou senhoryos e que ca tenham pago cada hum ano.
dizima pagarão la da entrada dizima a mim das mercadoryas Item. Os moradores e povoadores e povo da dita capi-
que asy levarem e caregando na dita capitanya mercadoryas tania seram obryguados em tempo de guerra a servir nella
da terra pera fora pagar me hão asy mesmo dizima da sahyda com o capitão se lhe necesario for. Notefico asy ao capitão
das taes mercadoryas das quaes dizimas o capitam averaa da dita capitania que ora he e ao diante for e ao meu feitor
sua redizima segundo se conthem em sua doação e ser lhe e almoxarife e oficiaes delia e asi juizes e justiças da dita
a dita redizima entregue per meus oficiaes ao tempo que se capitania e a todaias outras justiças e oficiaes de meus regnos
as ditas dizimas pera mym arrecadam. e senhoryos asy da justiça como da fazenda e mando a todos
Item de mantimentos armas artelharia poivora salytre em jerall e a cada hum em particular que cumpram guardem
enxofre chumbo e quaesquer outras cousas de munições de e façam inteyramente comprir e guardar esta mynha carta de
guerra que aa dita capitania levarem ou mandarem levar o forall asy e da maneyra que se nella conthem sem lhe nyso
capitam e moradores delia ou quaesquer outras pesoas asy ser posto duvida nem embargo nem contradiçam algüa porque
naturaes como estrangeyras ey por bem que se nam paguem asy he minha merce. E por fyrmeza dello mandey pasar esta
direitos alguns e que os sobreditos posam lyvremente vender carta per mim asynada e asellada do meu seiio pendente a
todas as ditas cousas e cada hüa dellas na dita capitania ao qual mando que se registe nos lyvros da minha feytoria da
capitão e aos moradores e povoadores delia que forem chris- dita capitania e asy na minha alifandegua de Lixboa e pela
tãos e meus súditos. mesma maneira se registará nos lyvros das camaras e viilas
item todas as pesoas asy de meus regnos e senhorios e povoações da dita capitania pera que a todos seya notorio
como de fora delles que a dita capitania forem nam poderam o contheudo neste forall e se cumprir enteiramenfe. Manuel
tratar nem comprar nem vender cousa algüa com os gentyos da Costa a fez em Évora a xxíiij dias do mes de setembro
da terra e trataram somente com o capitão e povoadores ano do nacimento de noso senhor Jhesu Christo de mill
delia comprando vendendo e resgatando com elles todo o que bcxxxiiij anos.
podem aver e quem o contrario fizer ey por bem que perca
em dobro toda a mercadorya e cousas que com os ditos III
gentyos contratarem de que será a terça parte pera a minha Carfa de Duarte Coelho
camara e outra terça parte pera quem os acusar e a outra (27 de Abril de 1542)
terça parte pera o espritall que na dita terra ouver e nam no Senhor. Per ho capitam dos navios que daquy mandey
avendo hy seraa pera a fabryca da igreyia delia. ho mes de setembro pasado dey conta a V. A. de minha
Item quaesquer pesoas que na dita capitania cargarem viagem e chegada a esta nova lusytanea e do que era pasado
seus navios seram obrigados antes que começem a cargar e depois aqua metyme senhor a dar ordem ao sossego e paz
e antes que sayão fora da dita capitania de o fazerem saber da terra com dadyvas a huns e compolas mãos doutros
ao capitão delia pera prover e aver que senam tyrem mer- porque tudo hera necessaryo e asy dey ordem a se fazerem
cadorias defesas nem partyram yso mesmo da dyta capitania enjenhos dacuquares que de la trouxe contratados fazendo
sem licença do dito capitão e não fazendo asy ou partindo tudo quamto me requeriam dando tudo ho que me pedyram
sem a dita licença perder se hão em dobro pera mim todas sem olhar a proveito nem a ynteresse algum meu mas a hobra
as mercadoryas que caregarem posto que não seyam defesas yr avante como desejo. Temos grande soma de canas prantadas
e isto porem se entenderá em quanto na dita capitania não todo o povo com todo trabalho que foy posivell e dando a
ouver ffeytor ou ofíiciall meu porque avendo a hy a elle se todos ajuda que a mim foy posyvell e cedo acabaremos hum
fara saber o que dito he e a elle pertencera fazer a dita enjenho mui grande e perfeito e amdo ordenamdo de começar
delegencia e dar as ditas lycenças. outros praza ao Senhor Deos que segundo sua graça mise-
liem o capitam da dita capilania e os moradores e po- rycordia e minha boa entençam sua ajuda. Quanto senhor as
voadores delia poderam lyvremente tratar comprar e vender cousas do ouro nam dejxo de inquerir e precurar sobre o
suas mercadorias sem os capitães das outras capitanyas que negocio e cada dia se esquentam mais as novas mas como
tenho providos na dita costa do Brasyll e com os moradores sejam daquy lonje pelo meu sertão a dentro e se ade pasar
e povoadores dellas . s. de húas capitanyas pera outras das per tres jerações de mui preversa e bestiall gente e todos
quaes mercadoryas e compras e vendas dellas nam pagarão contrayros huns doutros a se de pasar esta jornada com muito
huns nem outros dereitos allguns. pelygro e trabalho pera o quall me parece e asy a toda a
Item todo o vezinho e morador que vyver na dita capi- minha gente que se não pode fazer se não yndo eu e ya
tania e for feytor ou tiver companhya com alguma pesoa que como se deve yr e acometer a tall empresa pera sayr com
vyver fora de meus regnos e senhoryos não poderá tratar ella avante e não pera yr fazer barcoryadas como os do Rio
com os gentyos da terra posto que seyam christãos e tra- da prata que se perderam pasamte de mill homens caste-
tando com elles ey por bem que perca toda a fazenda com lhanos e como os do Maranham que perderam sefecentos e
que tratar da qual será hum terço pera quem o acusar e os o pyor he fycar a cousa danada e por yso senhor espero a
dous terços pera as obras dos muros da dita capitanya. ora do Senhor Deos em o quall praza a elle deos que me
Item os alcaydes mores da dita capitanya e das viilas cometa esta empreza e pera seu santo seruiço e de V. A. que
e povoações delia averam e arrecadaram pera sy todos os será o maior contentamento e ganho que eu dyso querya ter.
49 313
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Ysto, senhor, tenho asentado e la tenho mandado buscar que lhe custa pouco nem estão com os trabalhos e Eadygas
cousas necesaryas pera jornada e alguns bons homens porque e em pelygros e derramamento de sangue em que eu Senhor
he necesaryo deyxar aqui a cousa fornecyda e a bom recado estou e ando não lhes dá nada, Senhor, de cousa algüa do
per todalas vyas em especial! por estes franceses que se que me a mym daa e de que eu synto não ho sentem elles,
sentyrem não estar na terra cometeram a fazer das suas ri- nem a perda que V. A. recebe.
balldaryas porque à quatorze dias que aquy quyzeram fazer Porque pera fazerem seu brasyll emportunâo tanto os
o que soyam a fazer mas não poderam, la mando a certeza jmdeos e prometem lhe tamta cousa fora dordem que me tem
dyso pera que a V. A. veja se for necesaryo e com tudo eu a terra toda em desordem da ordem a que ha eu tenho posto
senhor tenho o quydado que se deve ter nas cousas de seu e se lhe dão algua cousa do que lhe prometem he deytar a
serviço e deos me hajude e me dê a sua ora pera tudo yr a perder ho conserto e ordem que tynha posto pera o que
bom fim e porque Pero de Goes e Luis de Goes que ora por cumpre ao trato deste brasyll quando se V. A. qyser servyr
aqui pasam as mais novas de mim e da terra daram a V. A. delle porque não basta, Senhor, dar lhe as ferramentas como
não me alargo mais nesta e delles pode V. A. saber das estaa de costume mas pera fazerem os Imdeos fazer brasill
cousas de qua. E porque pera cousas de tamta ymportancia dam lhe contas da Bahia e carapuças de pena e roupas de
à mester muito grandes gastos e eu estou muito gastado e
cores que homem qua não pode alcançar pera seu vestyr e
yndividado e não poder sofrer tamta gemte de soldo como o que pyor he espadas e espingardas em especiall huns
ate quy sofry e ja tres anos que pedy a V. A. me fizese
poucos de poucos homens que com favor e abriguo meu de
merce de me dar licença e maneira de aver alguns escravos tres anos pera qua estão na terra de Pedro Lopez pegado
de Guine per meu resgate e o anno pasado me sayo que ate
comiguo que como sam darmadores de fazer fazendas como
não se acabar o contrato que era feyto se não podia fazer abitadores na terra são armadores de brasyll que nunca deixão
dando-me a entender que como fora acabado serya provido de ho fazer e carregar porque de tres anos pera qua tem
pollo qual ya Ia escrevy a V. A. sobre yso não sey se me fez levados mais de seis ou sete navyos carregados de brasyll,
esta merce, porque os navios não sam aymda vyndos, peço eu ja lhe tenho requerido e feito sobre yso ho que me pareceo
a V. A. que se me não proveo desta lycença que olhe quanto bem e serviço de sua Alteza e qua em minhas terras, Senhor,
seu serviço ysto he quam pouco dano nem estorvo faz darme provido sobre yso e pregaado conforme a ley que V. A. pos
lycensa pera aver algumas pesas descravos pera o milhor em minha doação e vou á mão a yso quamto poso, porque
servir e a dom Pedro de Moura e a ManuelI dAlbuquerque serteffico a V. A. que de tres anos pera qua que se corrompeo
que mande vosa A. dar a provysam pera ysto. Desta vylla este fazer de brasyll que poem em muita confusão ha terra
dOIynda a 27 dabryll de 1542 Servo de V. A Duarte Coelho. e a mym dá grande trabalho e fadyga em acodyr a tamtos
Sobrescrito: A EI Rey noso senhor. De Duarte Coelho. descontentes e a remedear desmanchos, porque até nos
(Tôrre do Tombo, Corpo Chron, Parte I, maço 71, doe. 145). estorvam este fazer do brasill ao fazermos nossas fazemdas
em especyall os enjenhos porque quando estavam os ymdeos
IV famyntos e desejosos de feramentas pollo que lhe davamos
Carta de Duarte Coelho nos vynhão a fazer as levadas e todalas outras obras grosas
(20 de Dezembro de 1546) e nos vynhão a vender os mantymentos de que temos asaz
necesydàde e como estão fartos de ferramentas fazem-se
Senhor.—Posto que neste ano de 1546 tenha escripto mays royns do que são e allvorançamse e ensoberbesem-se
por tres vezes a V. A. damdo lhe conta das cousas de qua e e levantam-se.
asy de alguas cousas que me pareceo seu servyço e pella E porque as fazendas em especyall dos enjenhos por
encerteza das cousas do mar quys, Senhor, per esta tornar estarem espalhadas e não juntas e os que vem a fazer estes
a dar a mesma conta pera V. A. prover o que for seu servyço. enjenhos não vem como homens poderosos pera resystyr
Quamto he, Senhor, a esta Nova Lusytania posto que mas pera fazerem seus proveitos e pera os eu aver damparar
com muito trabalho e com asaz de fadyga tamta quamta ho e defemder como cada dya faço, mas quem, Senhor, tera
Senhor Deus sabe a cousa estaa bem premcypiada a Deus tamto dinheiro pera polvora e pylouros artelharia e armas e
louvores mas ha muitos enconvenyentes e estorvos pera yr as outras cousas necesaryas, dyguo, Senhor, que he mui
a cousa em crecimento e aumento como eu, Senhor, desejo necesaryo remedear V. A. e prover sobre ysto e mandarme
pera servyço de Deus e de Sua Alteza e os que eu qua, loguo provysão que a vynte legoas de todas estas minhas
Senhor, poso remedear trabalho tamto por yso quamto, Senhor, povoações .s. dOIynda vymte legoas pera o sull que he ja
he posyvell mas ao que eu não posso, Senhor, acudir he outra jeração de ymdeos e de Samta Cruz a vymte legoas
necesario, V. A. remedear e com breuydade prover sobre yso, pera ho norte que he ja outra jeração na terra de Pedro
se quer ser servydo. Lopez de Sousa se não faça brasyll daquy a dez ou doze
Ja tenho escripto a V. A. e lhe fyz saber per outras anos ao menos, sob pena da mesma pena que V. A. ja tem
que escriptag lhe tenho que húa das cousas que mais denefica posto e mande me provysão dysto e nysto remedeará V. A.
ao bem e aumento de suas terras he fazer se brasyll nem a o que per outra vya senão pode remedear e quem quyser
vymte legoas das povoações que se ora novamente povoam fazer brasyll ha outros portos muitos omde ho podem fazer
em especiall nesta Nova Lusytania por que o brasyll, Senhor, sem me fazerem tanto mall e dano e tanto desservyço de
está muito longe polo sertaão a dentro e muy trabalhoso e Deus e de V. A. e este de por aquy ao redor que he o
muy pelygroso de aver e muy custoso e os Imdeos fazemno milhor de todo outro Brasyll fycará guardado pera quamdo
de ma vontade pollo qual ese que eu la tenho mandado estes se V. A. quyser seruyr delle que por sua ordem e com todo
anos pasados pera V. A. e asy hum pouco que ate ho pre- resguardo se fará.
sente fyz pera mym pella lycemça de que me V. A. fez merce Outro sy, Senhor, per as outras que atras dygo ter
faz se tudo por sua ordem e muito devagar conforme ha escripto a V. A. lhe dey comta e per esta lha tomo a dar
condyçâo dos Imdeos em dez e doze meses e em ano e meo que cumpre muito a seu servyço e ao bem e salvação das
a carrega de hum navyo e que me saya mais custoso he cousas de qua mandar que pois todos somos portugueses e
necessaryo Senhor sofrello pollo que cumpre ao bem da terra, seus vasalos e sudytos que não huzem huns como portugeses
mas a eses a quem V. A. la faz merce de brasyll como quer e outros como francezes e outros como se fosem castelhanos e
314
■
A NOVA LUSITÂNIA
dvgo ysfo, Senhor, por encontrar pesoas a que V. A. tem que hão de fazer e não homens de por a hy porque estes
dado terras por esta costa do Brasyll que em suas terras ou taes não fazem mas desfazem no bem que se deve de fazer,
capytanias que cumprâo e fação cumprir as cartas precatoryas porque mercenarjus mercenaryus sum.
que lhe os outros capytães e governadores mandarem e que E nestas terras de Pedro Lopez de Sousa que Deus
fação e huzem como huza Duarte Coelho a quem V. A. qua aja que estão aquy junto comiguo mande V. A. que ponhão
mandou e porque ho qua mandou precura de fazer o que deve ahy ouvydor que saiba e entenda ho que ha de fazer porque
e ho que cumpre a seu servyço como sempre fez e dyguo tem ahy quatro pesoas que milhor serya não estarem ahy
ysto a V. A. porque anda esta cousa em desordem e he porque outra fazenda nem fruyto nam fazem se não fazer
muito necesario prover V. A. sobreyso antes que ahy aja mais brasyll darmadores e como quero castigar degradados vão se
desarranjos por que nysto não lhos quebranta, V. A. nas pera llaa e fazem cousas por onde merecyam a todos ser
doações porque eu de minha parte não tão somente obede- enforcados, se 11a mando allgúa carta precatorya dizem que
cerey mas receberey merce de V. A. ser eu ho prymeirb a que aquyllo que he couto e que tem prevyllegios, estas cousas,
ho mande e os outros que sygam por ysso. Senhor, não são pera sofrer e se as eu ategora sofry foy,
E quanto he, Senhor, ao prevylegio e lyberdade que Senhor, por não quebramtar a jurdyção alhea mas parece me
V. A. deu a mym acerca dos omizyados que em Évora lhe pedy que será necesaryo a servyço de Deus e de V. A. acudyr a
se emtende nos dellitos de llaa pera os que llaa andarem yso pello pelygro e dano que se pode causar das taes
omizyados aymda que Ha sejam condenados per suas justiças desordens.
vymdo se a estar e a pouoar comigo em minhas ferras não Das cousas desas terras e capytanias debaixo, este
poderam por aqelles casos ser qua citados nem demandados agosto pasado por hum feitor de Afonso de Torres que aquy
desta maneira, Senhor, se emtende e esfoutras terras e capy- veo ter esprevy a V. A. per a quall lhe dey dyso algúa breve
tanias se lhas V. A. tem dada esta lyberdade emtendem na conta e per esta tomo a lembrar a V. A. que deve de prover
ao reves porque os delytos e melefycios qua cometydos e sobre as cousas da Bahya por que me parece comprir a seu
feitos que hão de ser punydos e castygados como for rezão servyço porque Francisco Pereira he velho e doemte e nam
e justiça e se de minhas terras fogyrem allguns malfeitores está pera yso e posto que V. A. Ia tenha tudo bem sabydo
pera outras com temor de castyguo ou doutras pera a minha todavya dyrey o que eu qua, Senhor, emtemdo aserca do que
esta fali lyberdade e prevylegio lhes não deve de valler emqery e soube das cousas da Bahya que posto que Fran-
porque se asy for e como os outros capytães qua continuão, cisco Pereira tenha culpa de não saber husar com a jemfe
dyguo Senhor, e afyrmo que se não povoara a terra mas que como bom capytâo e ser mole pera resistir ás doudyces e
em breve tempo se despovoara o povoado e yra tudo através desmandos dos doudos e mall ensynados que fazem e causâo
pollo quall Senhor, dyguo que he muito necesario que todos levantamentos e ouniões de que se elle não pode escuzar de
em jerail huzem das cartas precatoryas e as cumprão e que cullpa, todavia, Senhor, cumpre e he necesario os que em ta l
V. A. o mande. erro cayrem per suas doudyces e desordens e mãos ensynos
Outro sy, Senhor, ja por tres vezes tenho escripto e e desobedyencias que com o dito Francisco Pereira tyveram
dyso dado comta a V. A. aserca dos degradados e ysto Senhor, serem muy bem castyguados porque afyrmo a V. A. que foy
dyguo por mym e por minhas terras e por quão pouco ser- hua cousa muy desonesta e fea e dyna de muito castyoo
viço de Deus e de V. A. he do bem e aumento desta Nova porque aquellas revolltas e levantamentos contra ho Francisco
Lusytanya mandar qua taes degradados como de tres annos Pereira foy a causa de se a Bahya perder e o cllerygo que
pera qua me mandão porque sertefico a V. A. e lho juro pella foy o princypyo daquelle dano e mall deve V. A. de ho mandar
ora da morte que nenhum fruyto nem bem fazem na terra mas yr preso pera Portugall e que nunca torne ao Brasyll porque
muito mall e dano e por sua causa se fazem cada dya malles tenho sabydo ser hum grão riballdo.
e temos perdydo o credyto que atequy tynhamos com os E outro sy torno a dar conta per esta a V. A. do que
Imdeos porque o que Deus nem a natureza não remedeia pasa aserca dos dyzymos e dos direitos dos enjenhos o quall
como eu ho posso remedear, Senhor, se não em cada dya os tudo per petyção do povo e requerimento do feitor de V. A.
mandar emforcar o quall he grande descrédito e menoscabo se processaram autos em os quaes eu sahy com sentença que
com os Imdeos e outro sy não são pera nenhum trabalho, pagasem todos em jerall o dyzymo em açuquer feito e pur-
vem proves e nus e não podem deixar de husar de suas gado segumdo huzo e costume nos reinos e senhorios de
manhas e nysto cuydâo e reinão sempre em ffogir e em se Portugall com as mais rezões que V. A. Ha verá pello trellado
yrem crea V. A. que são pyores qua na terra que peste pollo dos autos e sentença que com esta vay com outros costumes
quall peço a V. A. que pollo amor de Deus tall peçonha me novos que mandey que se huzasem daquy em dyamte por
qua não mande porque he mais destruir o serviço de Deus e asy ser rezão e justiça porque estes donos dos enjenhos
seu e o bem meu e de quamtos estão comiguo que não huzar queryam me esfollar o povo peço a V. A. que ho mande ler
de misericordya com tall gemte porque ate nos navyos em peramte sy e se lhe pareser ser justiça que ho confyrme
vem fazem mill malles e como vem mais dos degradados que porque afyrmo a V. A. que he justiça e que amtes vou contra
de jemte que merea os navyos levantãose e fazem mill malles ho povo que contra os donos dos enjenhos mas ha negra
e achamos qua menos dous navyos que por trazerem muitos cobyça do mundo he tanta que turba ho juyzo aos homens
degradados são desaparecydos torno a pedir a V. A. que tall pera não comcederem no que he rezão e justiça,
jemfe me qua não mande e que me faça merce de mandar Tomo a lembrar a V. A. e a lhe pedir proveja sobre
ás suas justiças que os não meta por força nos navios que este fazer do brasill porque ora novamente per hum navyo
pera minhas terras vyerem porque he Senhor deitarem me que aquy chegou do reino nos deu qua novas de estarem la
a perder. prestes pera se vyrem aquy fazer trynta myll quyntaes e
Outro sy, Senhor, dou conta a V. A. e lembro o que pasante delles cousa que tanto escamdollo e allvoroço mefeo
lhe ja tenho escripto que proveja e mande a todas as pesoas neste povo dOlynda e em todos os moradores e povoadores
a que deu terras no Brasil! que venhão a povoar e resedyr destas minhas terras e me vyeram, Senhor, com pytyções e
nellas que asy cumpre a seu serviço pois esa foy ha condy- com requerimentos que tall não consentisse senão que me
ção, ou ja que não vem que ponhão em suas terras pesoas emcamparyam as fazendas e os enjenhos e mas ouveram
autas e sofycientes e ouvydores que entendam e saibam o por emcampadas se tall consemtysse, e posto, Senhor, que
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HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
tavam-se 88 dias que tínhamos estado no mar sem ter avistado porém mais grossas. Tinham amarrado as pontas em estacadas
a terra. Alli os portugueses tinham estabelecido uma colonia e queriam puxa-las para fazer cahir as arvores sobre as nossas
chamada Marin (Olinda). O comandante desta colonia foi cha- cabeças. Seguimos para lá, forçámos a passagem. A primeira
mado Arto Koslio (Duarte Coelho), a quem entregámos os das arvores tombou para o lado da estacada e a outra cahiu
prisioneiros; e alli descarregámos algumas mercadorias, que na agua, atraz do nosso bote. Antes que começássemos a
lá ficaram. Terminámos os nossos negócios neste porto, dese- forçar as barreiras, chamamos por nossos companheiros para
jando seguir viagem, mas esperando cargas. virem em nosso auxilio. Quando começamos a chamar, gritando,
também os selvagens armaram alarido para impedir que os
Capitulo III nossos nos ouvissem, pois não podiam vêr-nos por causa de
uma pequena mata que ficava entre nós, mas tão perto
Aconteceu que os selvagens do logar se tinham revol- estávamos que eles nos poderiam ter ouvido se não fosse a
tado contra os portugueses, o que nunca antes tinham feito; gritaria dos selvagens.
mas que fizeram agora por terem sido escravisados Por isso Levámos os mantimentos á colonia, e como os selvagens
o comandante nos pediu pelo amor de Deus que ocupasemos viram que nada podiam fazer, pediram a paz e retiravam-se.
o logar chamado Garasú (Iguaraçú), a cinco milhas de dis- O cerco durava havia quási um mez e vários dos selvagens
tancia do porto de Marim, onde estávamos ancorados, e de morreram, mas nenhum dos christâos. Quando vimos que os
que o? selvagens se queriam apoderar. Os habitantes da selvagens estavam pacificados, voltámos outra vez para o
colonia de Marin não podiam vir em auxilio deles, porque navio grande em Marin, e ahi carregámos agua e também
suspeitavam que os selvagens os fossem atacar. farinha de mandioca para servir de victualha, e o comandante
Fomos, pois, em auxilio da gente de Garasú, com da colonia de Marin nos agradeceu.
quarenta homens do nosso navio e para lá nos dirigimos
numa embarcação pequena. A colonia está situada num braço
do mar, que avança duas legoas pela terra dentro. Haveria
uns 90 christâos para a defesa. Com eles estavam mais uns VII
30 mouros (negros?) e escravos brasileiros que pertenciam
Carta de Afonso Gonçalves
aos habitantes. Os selvagens que nos sitiavam foram calculados
em oito mil. Nós tínhamos em redor da praça apenas uma (10 de Maio de 1543)
estacada de madeira. Senhor. —Depois que de V. A. me parti e embarquev
Capitulo IV
pera esta terra de Santa Cruz de que he capitão e gover-
Ao redor do logar onde estávamos sitiados havia uma nador Duarte Coelho, pus no caminho muitos dias por causa
mata, na qual tinham construído dois reductos de arvores dos tempos que me forão adversos e fortes ou por a von-
grossas para onde se retiravam de noite; e quando os ata- tade do Senhor Deus ser asy, finalmente cheguey a esta
cavamos para lá voltavam. Ao pé destes reductos tinham feito terra honde fico pera servir V. A. e quando aqui vim ter
buracos no chão, em que ficavam durante o dia e de onde derão me novas de sete nãos francesas que pasarão pera os
sahiam para guerrear comnosco. Quando atiravamos sobre pitigoares honde lhe eu senhor dixe que se podia fazer
eles cahiam todos, pensando assim evitar o tiro. Estávamos offensa aos franceses e depois passarão outros muitos e com
tão sitiados por eles que não podíamos sair nem entrar. Che- húa dellas encontrou hum meu bergantim que hia ao resgate
gavam perto da colonia, atiravam flechas aos ares, supondo e saiolhe húa zavra que hia com ella e foi ho seguindo
que nos alcançariam na queda. Atiravam também flechas em tanto que ho alcançou e andarão as bombardadas e espin-
que amarravam algodão com cêra, a que pegavam fogo, para gardadas e frechadas de maneira que quiserão abalrroar cõ
incendiar os tectos das casas; e combinavam já o modo de elle mais os frecheiros cõ a mais gemte não nos consentirão
nos devorar quando nos tivessem apanhado. e matarão ho mestre e ferirão algúa gemte da que hia nelle
Tínhamos ainda alguns alimentos que depressa acabaram. e dos franceses morrerão cinquo ou seis e outros muitos
Nesta terra é costume trazer diariamente, ou de dois em dois forão feridos por causa dos frecheiros que os tratavâo mal,
dias, raizes frescas para fazer farinha e pão, mas os nossos e asy se alargarão delles, no que todo se fez muito seruiço
não podiam aproximar-se do sitio onde se achavam as raizes. a V. A. e muito mais se faria se governasse estas terras
Como percebemos que havíamos de sentir falta de man- com algúa gente e justiças de que tem muita falta e posto
timentos, sahimos em dois barcos para um logar chamado que nesta capitania ha muita gente e esta bem fortalecida e
Tamaraka (Itamaracá) para os trazer. Os selvagens, porém, segura destes gentios estaria muito mais segura se V. A.
tinham atravessado grandes arvores no rio e haviam muitos tivesse aqui justiças suas porque as terras novas como estas
deles postados nas duas margens para nos impedirem a não se povoam e sostentam se não com inteira benenidade
passagem, Forçámos, porém, a barreira, e ao meio dia, mais e justiça cada hum a seu tempo isto diguo porque sou
ou menos, voltámos sãos e salvos. Os selvagens nadapoderam criado de V. A. e obrigado a lho fazer saber. Senhor a
fazer-nos nas embarcações; arremessavam, porém, grande igreja desta minha fazenda de que lhe dey conta e pedi
porção de lenha da margem para os botes e queriam incen- me fizesse merce do abito com algúa tença pera com
diá-los. Juntamente atiravam uma especie de pimenta, que lá tudo ho seruir porque eses são meus desejos beijarey as
cresce, com o fim de nos obrigarem a abandonar as embar- mãos de V. A. cõcedermo a hum Pero de Mesquita filho de
cações. Porém, não foram bem succedidos, e enquanto isto Bastião Afonso que foy voso orivez e afinador da moeda de
durara, cresceu a maré e voltámos. Fomos a Tamaraka, onde Lixboa terrá carrego de lho alembrar e requerer a V. A. me
os habitantes nos deram as victualhas. faça merce confirmar nelle a reitoria desta igreja porque elle
Com estas regressámos ao logar sitiado. Nos mesmos he pera isso. Senhor eu quisera aquerir os dizmos desta
sítios em que anteriormente haviam posto obstáculos tinham igreja pera os gastar nella e em cosas necesarias pera ho
de novo derrubado arvores, como anteriormente. Acima do culto diuino e ornamentos pois sou fundador delia e a fiz a
nivel das aguas e na margem haviam cortado duas arvores minhas custas próprias e a tenho feita a milhor que ha
de modo a aguentarem-se ainda de pé. Nas copas amarraram nestas terras como V. A. poderá saber e asy folgaria que
umas cousas chamadas sippo (cipó) que crescem ccmo lupulo, tiuesse todallas cousas e ornamentos bõos e tiue sempre
317
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
qual brasyll farey em parte onde não faça nojo porque asy cllamores que hos provese com justiça, ao qual) eu respondy
me corrpre e dygo, Senhor, tres mill quintaes porque segun o que V. A. verá nas cartas da petyção e os comsolle de seu
qua custa e o pouco que 11a vali nam se tornaram em mill agastamento e os apacefyqej dando lhe alguas descullpas
quintaes. de V. A. diso não ser sabedor e prometendo lhes de logo o
Por quamto, Senhor, este fazer de brazill que com fazer saber a V. A. e dando lhes esperança que V. A. pro-
tamta desordem querem fazer e he tão danoso e tão oudyoso veria nisso.
o fazer dele nesta comarca dOlynda e Samta Cruz quanto já Para ho quall, Senhor, peço a V. A. veja minha carta
tenho esprito a V. A. e envyado por estromentos e pedymdo e lhe tome ho emtemto e achara que he tudo de sustamcya
lhe ha tres anos e per tres vyas que sobre yso proveja por de seu servyço sobre que ando morrendo que milhor me
de quamtos allvaraes V. A. tem mandaao pasar todos ee fora ja hüa morte que tantas sem acabar de morrer, porque
qerem aquy vyr pera acabar de deitar, a perder tudo e pera as cousas destas calydades qua per fora tão alongadas do
pyor ser está pegada comigo a terra de Pedro Lopez de reino querem se, Senhor, per outros meos e maneiras que
Sousa que Deus aja omde não esteve o propio pastor mas não as de llaa e pois V. A. sabe que eu sempre fyve cuidado
hum mercenaryo por lymgoa e feitor darmadores que em tão especiallmente das cousas de seu servyço e dado tão
outra cousa não emtemdem senão em fazer brasyll ja dysto boa conta de mym como deus e V. A. sabe e a todos he
tenho dado comta a V. A. proveja sobre yso. Peço a V. A. notoryo, rezão será, Senhor, que por sua parte me não ve-
que mande que do cabo de Samto Agostynho ate Capyguoary- nhâo estorvar pera as cousas de seu serviço que desejo levar
bemerym que he o estremo dos petyguoares que pode ser avante, porque muito mais perda será o que se pode segyr
doze ou treze legoas pouco mais ou menos que he tudo de não se guardamdo has lyberdades e previlegios que o pro-
húa jjeração que nesta sobredita comarca se não faça brasyll veito que dyso pode redumdar eu não tenho pera mym nem
allgúu daqy a dez ou doze anos pera se ha cousa se tornar poso crer que ysto nem per V. A. nem que dyso he sabedor,
a meter em ordem, pois ahy ha tamtos outros portos em que mas que por ofycyaes que qerem eyceder ho modo por se
ho podem fazer asy do cabo de Samto Agostynho ate São mostrarem servydores ou se vem por rendeyros lembre se
Francisco que he na mesma minha costa como dahy pera V. A. do que cumpre a seu servyço por que eses taes não
baixo e na costa dos potigoares que são outras jerações se lembrâo se serão de seu proveito.
contrairas destes e fazemdo o 11a não nos danefycam e a E, pois, V. A. sabe que polo servyr qua vyr e me
quem V. A. ouver por bem de ho dar quer nos petygoares conceder em mynhas doações pera se a cousa milhor e mais
quer nos outros meus portos debaixo podem, Senhor, vyr justamente poder fazer e yr pera bem como louvores a deus
aquy pera mais sogorydade e toda hajuda e favor que lhes vay entre has quaes cousas comceder e ouve por bem polia
eu poder dar lhe darey de boa vomtade asy pera os pety- emformaçâo e decllaração que diso lhe dey ouve por bem a
goares que he daquy doze quynze vynte trynta e corenta seu servyço que asj eu como todos meus erdeiros e sobce-
legoas tudo costa omde ha brasyll muito e bom e mais çores e todollos moradores e povoadores que em minhas
barato que este daquy asy polia desordem como por ser dez terras vyesem a morar ou povoar e de todollas mercadoryas
doze quynze legoas pello sertão ademtro, como qeremdo ir e cousas que de qua mandasemos ou levasemos llaa ao
aos outros meus portos do cabo de samto agostynho pera Reino não pagasem senão húa soo syza . s. de dez hum e
ho sull que he outra jeraçâo comtrayros destes porque asy que podesem vender e fazer dellas o que lhes bem vyese
como os meus bragantyns e os caravellões dos moradores e outro sy que posto que sejam entrados ou chegados a
andem a mayor parte do ano por toda minha costa asy po- quallquer porto cydades vyllas ou lugares de seus Reynos e
deram andar os seus navyos e eu os favorecerey e ajudarej senhoryos e ahy não quyserem vender nem descarregar que
no que poder e aquy se poderam fornecer e avyar de lym- lyvremente ho possâo fazer e yrem pera omde lhe bem vyer
goas e do mais que lhes cumprir e poderem comprar e sem serem constrangydos nem lhe poderem ir a mão a yso
vemder com os moradores e povoadores da terra e fazerem posto que nos taes portos cydades vyllas e lugares aja outros
seu proveito sem nos daneficarem asy ha mym como aos foraes ou custumes em contrairo deste, o quall segumdo me
que comigo estão. delle Senhor, escrepvem e qua todo o povo se me qeixa
E posto, Senhor, que dysto tenho escripto e dado se não guarde laa, nem querem guardar aos moradores e
comta a V. A. avera obra de hum mes aserca de não me povoadores que ha doze e dez e oyto e seys anos que mo-
serem 11a guardadas minhas doações comveo me tornar per ram e pcvoam aa terra e qua tem grosas fazemdas cryados
esta a escrepver sobre yso e dar comta a V. A. do que pasa e espravos e omrram e aumentão ha terra porque arguem
e a causa he esta: allgumas pesoas aquy moradores se me Ha, que tem as molheres no reino e que lhes não hão de
vyeram aqueixar de como lhes Ha não qeryam guardar as guardar as liberdades e prevylegios em minhas doações
lyberdades comteudas em minhas doações e sobre ysto mesmo conteudas.
me escrepveram de Portugall aigúas pesoas que comigo E outrosy pesoas nobres e poderosas que Ha estão no
estam comsertadas pera vyrem ou mandarem fazer enjenhos reino e qua povoam e outras que querem povoar per seus
e parece que por saberem 11a que se não guardavam minhas feitores e jemte e escrepvaria e fazer enjenhos que he cousa
doações e porque nos allvaraes que de mym tem diz que ey reall e que muito aumenta e acresemta ho bem da terra e
por bem a servyço de V. A. que do dia que vyerem ou per dão muito proveito a V. A. e muito mais daquy em diamte
sy e em sua pesoa mandarem a povoar e a fazer os enje- ymdo a terra pera bem como louvores a Deus vay V. A. a verá.
nhos trazendo ou mandando trazer os ofycyaes e toda a Outrosy, Senhor, querem llaa aver por moradores e
jemte e cousas necessaryas pera elles que posem gozar dos povoadores os que elles querem e não os que eu qua per
prevylegios e lyberdades de moradores e povoadores destas minha ordem e per meu trabalho e endustrya ando adque-
minhas terras como se em minhas doações contem. rymdo pera a terra e mando asemtar no lyvro da matrycolla
Sabydo ysto, Senhor, qua foy gramde allvoroço e ajum- e tombo das terras todos aquelles que são moradores e
tamento em todo ho povo e todolos ofycyaes e pessoas no- povoadores e a estes o feitor e allmoxarife de V. A. e es-
bres e omrradas todos juntamente se ajuntaram em comcelho privâo de seu carrego pasâo as arrecadações de moradores
e fizeram camara e me fizeram sobre yso hüa petyçâo per e povoadores e aos outros não. E outro sy dizem Ha e
elles asynada que com esta vay pedymdo me com gramdes levamtam outro solegismo que não hão de gozar das lyber-
316
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
■
A NOVA LUSITÂN IA
Ha rezam, Senhor, me hobriga por descarego de com- guardar e conservar os previllejos e Ilyberdades que me con-
syemssea a dar dysto esta breve conta a V. A. e dygo que sedeo pera meus moradores e povoadores como ouve por
todo este povo e rrepubrica desta nova Llusytanea foy e está serviço de deos e seu.
muy alterado e confuso com estas mudanças e afyrmo a V. A. Qua, Senhor, foram pruvicadas muitas novidades que
que se por mjm nam fora sse queryam muytos yr da terra per outra dou conta a V. A. e allgúas dellas prejudicam a
e ysto ssobretudo em lhes nam quererem sseus ofycyos qua mym e ao povo moradores e povoadores desta Nova Lusy-
nem no Reyno guardar ssuas Ilyberdades e prevjllejos con- tanea, e sam bem contra seu serviço e asy me deixou aquy
teúdos em mjnhas doações e forall que lhe foram provi- dyso o provedor mor Antonio Cardoso em seu regimento as
cados e pregoados e estes ofycyaes que qua vyeram quyseram ditas novidades e asy que V. A. me dava e com pena que
usar dasperezas que pera em taall tempo e rezam e pera em eu nam entendesse em sua fazenda ao quall dygo que ysto
terras novas nam eram entam cedo, porque sam, Senhor, me nam prejudica per minha parte, porque nem da minha
cousas mais pera despovoar o povoado que pera povoar ho queria ter cuidado mas se prejudicar a fazenda de V. A.
despovoado. Eu, Senhor, remedeey tudo ysto como milhor ysso veja lia que a mim nam seria cullpa, mas ali de menos
pude e com muito sofrymento com o sysso que me ho Senhor nam será pôr me eu nunca em parte allgúa nem em tempo
Deos deu, como tudo está per asentos e autos que sobre allgúu aproveytar de sua fazenda nem lhe ser em carego de
ysso se fizeram e toda esta gente da me, Senhor, a cullpa por húum soo real! nem nunca o deos permitta nem mande que
eu favorecer tanto a seus ofycyaes, o quall eu juro polia ora lhe eu, Senhor, seja nunca em taall carrego, mas antes sse
da morte que fiz por serviço de V. A. por ser asy necessário achara he hé pruvico e notoreo ter eu em todo parte aliem
porque a seus hoficiaes que qua vyeram nam os conhecya dos serviços de minha pesoa o servy e a seu pay que deos
nem lhe devia usar com elles como usey e fyz e dey maneira em sua glloria tem com muitos gastos de minha fazenda na
que me nam fyzesem llogo entam requerimentos prometendo Indea e aquy e em todas partes e asy o juro pollo meu Deos
lhe que eu screpveria sobre tudo a V. A. como Iho escrepvy, que creyo e adoro sem oje em dia ter nem llevar tença nem
de que nam tenho reposta e agora fizeram me grandes reque- juro de V. A. nem esa moradia que lynha depois que de la
rimentos e protestos pera que lhes guardase e fysesp guardar parti que agora faz dezeseis anos nem a serviço sse quer
as Ilyberdades e previllejos que até quy lhe foram guardados pera especearia que nam poso vyver sem ella. Dygo ysto,
e lhes ora queryam quebrar e se nam que largaiyam a ferra, Senhor, porque ysto deste regymento destes seus novos ofi-
eu, Senhor, lhes respondy o que me bem e rezam pareceo cyaes ou foy ennovação delles, ou allgúa fallça enformaçam
ho quall tem pera mandar presentar a V. A. e requerer de dallgúu pouco vertuoso que contra mim dese o que me nam
sua Justiça. maravilho dizerem os mãos de mym servo dos servos de
Pollo quall, Senhor, digo que he necesario dyzeracerqua Deus pois delle mesmo Deus dizem, porem nam se deve dar
dysto a V. A. a verdade do que me parece seu seruiço e des- credito contra mim sem eu ser ouvido pois minha condiçam
carego de sua concyencea e da minha se iho nam diser pollo vyda e obras sam tam aprovadas e conhecydas minhas cousas
quall dygo que he muyto oudyosa cousa e perjudycatiua ao e a conta que em tudo tenho de mim dado a Deos graças e
serviço de deos e seu e proveyto de sua fazenda e bem e llouvores e creya, Senhor, de mim que tudo ho que tomo a
aumento das cousas que tam caro qustam quebrar e nam carego tomo e faço como proprio pastor e nam como merse-
guardar as Ilyberdades e preujliejos aos moradores e povoa- nario e por ysso. Senhor, Deos ajuda e confyo que ajudara
dores e vasallos de que ya estam de pose e de que usam até afym de meus dias porque dizem os nafuraes que no
depoys de lhe serem prouicados e pregoados como per minhas nacer e no vyver e no morer sse vera quem cada hum he.
doações lhes eu denuncyey e pregoey. Ho que em tempo Muytas cousas se me ofrecem pera poder dizer que por
allgum nem em parte allgúa se nam deve fazer quanto mais nam enfadar a V. A. e por ser de Iam longa vya o deixo pera
tam cedo a estas partes tam allongadas do Reyno e que com quando me com V. A. vyr o que bem desejo somente, Senhor,
tanto trabalho pellygro e gasto se faz e pensa e sostenta digo que ao presente estamos de paz e pacíficos a Deos
como senhor sem estas terras e o senhor deus o sabe em llouvores e estes cynquo enjenhos estam de todo moentes
que o padeço. e corentes e cada dya se fazem mais fortes as casas deles
Tome V. A. ysto de mym como o deve de tomar de pela maneyra de hum que eu tenho feyto, e tudo vay pera
quem sse disso doe e o deseja servir assy acerqua do que bem se estas mudanças ho nam estorvar, mas outros enjenhos
a sua hobrygaçam e consyemcia toqua como nas do seu pro- que com migo estavam averiguados estes estam duvidosos e
veyto porque a gente contente e quyeta estará e areygará na me esprevem que core (?) nam saberem guardarem lhes as
terra e faram fazendas de que muy dobrado e tresdobrado Ilyberdades e previllejos que lhes foram per mim provicados
proveyto V. A. terá desta ferra e cada vez mais ysto senhor conteúdos em minhas doações e forall pois lhes eu guardo
he asy e a vergonha muita polia experyensea que tenho que o que lhes fyquey que nam vyram. Peço a V. A. pollo que a
cristam verdadeyro he que quem as sabe as tanje e nam deve serviço de Deus cumpre e ao proveito de sua fazenda que
V. A. dar credito a quem o nam entende e lhe vay com mande conpryr e guardar as Ilyberdades e previllejos con-
fallças enformações e vãos e soprestycyosas ymnovações que teúdos em minhas doações e forall aos moradores e povoa-
nam ymportam a seu serviço nem proveyto mas per dera- dores que eu tyver asentados por moradores e povoadores
deyro se verá ser seu desserviço e perda e o tempo dará em o llyvro da matricoila e fonbo que pera ysso he feyto des
disso testemunho sse sse nam emendar o erro. o pryncipyo e com ysto deixe me fazer e vera ho proveyto
E per eu senhor trabalho como trabalho e faço ho que que se dyso sege. Desta vylia dOllynda a 24 de novembro
faço pera a cousa yr avante como cumpre a serviço de deos de 1550.—Servo he vasallo de V. A. Duarte Coelho.—Sobres-
e seu e com a gente vosa como vosso per fodallas vias e crito: Pera El Rey noso senhor de Duarte Coelho.
com lhes fazer todallas bôas obras e avondanças do meu
e do que a mym toca por a cousa yr avante sem ate o pre- (Torre do Tombo, Corpo Cronológico, Parte I, maço 85,
sente ter proveyto mas muytos gastos e despesas do quall doe. 103).
V. A. he servido e tem proveito e cada vez mais se espera
peço a V. A. que per sua parte senam prejudique este bem
pois nam ha de por do seu mas acresentallo com soomente
so
321
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
prendi ao capitão delia e ao seu pilloto com fazer hum auto no que soferece por as caravelas nom terem amarras nem
do que pasara estive aqui synquo ou seis dias por a terra estar enxarcia nem cousa com que posão navegar se nom forem
quasi perdida com descordias e desvarios dos omens por socorridas porque as amarras que lhe qua podemos da terra
nom estar Vasco Fernandez nella e ser ido nom sei se 11a fazer nom são boas pera navios tamanhos se não pera esta-
se omde, sayo ho ouvidor fora comsertou tudo, parti me ja rem em porto. Isto he ho que ao prezente pasa ate ser
mui tarde em setembro e quis, Noso Senhor que dobrei os tornado a esta Baya. Noso Senhor Jhesu Christo acrecenfe
baixos dAbrolhos e vym ter aos Ilheos onde ho ouvidor ficou os dias de vyda a Vosa A. com os da Raynha e primcepe
fazendo correição por não ter imda dantes acabada e eu me nosos Senhores e o emtretenha sempre em seu reall estado
vym a esta Baya, onde achei Tomé de Sousa já desconfiado pera seu santo serviço amen. Desta sua cidade do Sallvador
darmada vir por ser já farde e chegei em outubro, aqui lhe da Baya dos Santos oje xxbiiij dabrill de 1551.—Perfro de
dei conta de tudo ho que pasava e me acontecera dês que Goees.—Sobrescrito: Pera ell Rey nosso Senhor. De Pedro
por seu mandado desta cidade parti conformando me sempre de Goes do brasill, primeira via.
com meu regimento que per ele me foy dado. Sabida a ver-
dade do que pasava tirou a caravela ao capitão Chrisfovão (Corpo Cronológico, Parte I, maço 92, n.o 113).
Cabral e a seu pilloto e o mais ao prezente tem aqui
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CAPÍTULO VIII
POR
PEDRO DE AZEVEDO
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I —O GOVÊRNO DE TO M É DE SOUSA
E todos os seus vastos domínios, aquele que por fim mais prendeu a atenção tome de sousa
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dos reis de Portugal, foi, como é notório, a terra nova que recebeu o nome
MUNDO
de Brasil, produto florestal ali encontrado em abundância 0). O afastamento
m
dos da Ásia, a intrepidez dos habitantes de Marrocos, a insalubridade de
i Moçambique e até certo ponto de Angola, impediram que os vassalos dos
reis^ de Portugal se estabelecessem em grandes massas em qualquer dêles.
t«te A África Austral poderia ter-se proporcionado aos portugueses, mas como
não encontraram ali nem minas de ouro, nem plantas preciosas, a terra ficou
,
desamparada e apta a receber outras raças européias, como depois sucedeu,
as quais, avançando para o norte, quebraram a ligação das possessões
portuguesas das duas costas e vieram nos nossos dias a explorar os jazigos
auríferos, que os reis de Portugal já conheciam sob o domínio do misterioso Monomotapa e tinham
procurado atingir sem resultado por Sofala.
É temerário dizer-se que os reis de Portugal prestaram pouca atenção às terras novas, que
se tinham deparado aos seus súbditos para àlém do Atlântico, e mesmo que assim tivesse sucedido,
êsse abandono estaria justificado pelos trabalhos do Oriente, que exigiam gente e dinheiro, cousas de
que o reino não abundava, já que mais de metade do solo pátrio era ingrato, já que a indústria
nacional era rudimentar. D. João IV, como prova de aprêço, juntou aos seus títulos o de senhor do Brasil,
como nos diz João Pedro Ribeiro (2), proclamando-se: «-Dom João por graça de Deus, Rei de Portugal
e do Algarue, daquem e dalem mar em África, Senhor do Brazil e de Guiné e da Conquista-», etc.
Só no meado do século XVI é que o Brasil se tornou uma terra de promissão para Portugal
tanto pela facilidade de navegação, relativa proximidade, clima suportável, como pela docilidade da
povoação quási inerme e pela produtividade do solo.
Ao lado do soberano, que era então D. João III, trabalharam dois funcionários superiores da
fazenda real, como eram o Conde da Castanheira e Fernando Álvares de Andrade, dotados de vistas
(') No continente fronteiro negociava-se a malagueta e com êsse nome era conhecida a costa de onde ela pro-
vinha, alvo, também, como a do Brasil, da cobiça dos franceses.
(2) Dissertações, t. IX, pág. 96, na carta patente em que se acham encorporados os capítulos das cortes de
D. João IV, com data de 12 de Setembro de 1642, impressa por Pedro Craesbeck em 1645.
327
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
largas e que nunca largaram de mão os negócios do Brasil e ali obtiveram também importantes
concessões de terras. u yauica
. ^ d'visão da América portuguesa em capitanias de indelével importância histórica provou-se
porem, ineficaz na colonização do Brasil, como adiante se verá resumidamente.
... ^ Tomé de Sousa coube a missão de unificar a colônia e lançar -a semente do Estado
Vejamos quem ele era. i-^auu.
.. .. 0. aP^Iido Sousa é extremamente vulgar entre os portugueses, tanto europeus como coloniais
sem distinção de classe, provindo o nome de um pequeno rio, que corre no distrito do Pôrto com o
curso de nove léguas, o qual é mencionado desde o século X nos documentos em latim bárbaro, debaixo
a forma Sausa. Uma família desta região proprietária de vastas terras e na qual andava o lugar
de tenente da região adoptou o nome de Sousa e quando os descendentes masculinos se extingüiram
um bastardo do rei D. Afonso III, chamado Martim Afonso, de alcunha Chichorro, casou com uma
herdeira da casa, tomando a descendência aquele apelido.
Entre os descendentes, alguns dos quais tomaram o predicado de dom, inerente aos ricos
homens ou condes conta-se Pedro de Sousa de Seabra, fidalgo minhoto, casado com D. Maria Pinheiro
de quem foram filhos Lopo de Sousa, João de Sousa, D. Violante de Távora. Lopo de Sousa foi pai
de Martim Afonso de Sousa e de Pero Lopes de Sousa, que se notabilizaram, como sabemos, no Brasil
e na Índia; João de Sousa foi prior de Rates; e D. Violante, pelo seu casamento com D. Álvaro de
Ataide, foi mae do primeiro Conde da Castanheira.
t
Tome' de <P PrÍOrprimo, ^portanto,
j Sousa, ates teve var os
' filhos
de Martim de de
Afonso Meda Rodrigues
Sousa de Faria,
e do Conde entre os quais sobresái
da Castanheira
A D. Mana Pinheiro, acima mencionada, tem-se atribuído origem judaica, o que está muito
longe de ser provado, e ate o seu neto Tomé, sendo governador do Brasil, diz em carta a el-rei
atada de 1 de Julho de 1531 (Gaveta 18, m. 8, n.o 8): «eu aguora tirey hum [capitão] da capitania
dos Ilhéus que he a melhor cousa desta costa peva fazenda... por ser christão-novo e acusado pella
Santa Inquisição». O horror que Tomé de Sousa tinha pelos cristãos-novos não é prova certa de que êle
estivesse isento de lhe correr nas veias sangue judaico, mas alguma cousa afirma.
Um nobiliário da Colecção Pombalina (Biblioteca Nacional, n.o 258, pág. 31) informa-nos a
respeito do prior da maneira seguinte:
de Faria, a Vw/wfT3' ^ T c" ^ ^ S0USa ^ Seabra f0V cleris0 e prior de Rates e ouve de Mecia Roiz
Ruy de Sousa servio na ,ndia sem f lhos
fw Francisco
frey FrLri^n a c
de Sousa, f''
domimco; f
Leão de" São
^ Pedro, de Santo^ '
Eloy; Helena de Tavora, ''mulher
! Pedro de Sousa Enriaue
do Licenciado clérigo;
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de João Tonesde
Lopes de r
Castanheda. Thome de
Tl ^ Dfilho
Sousa, ' Catarina de Sousa mulher de Nicola
IP deste João 'de Sousa, Prior de Gera
RatesIdes;
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de Tavora,
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Brasil
l 0! 0 S de s
" Francisco
rlEtíJf deI Sousa
ZÁÍ .e r
Garcia" J T* que servirão
de Sousa ' na índia" sem
"' 'filhos».
"' "lhl,r de c s
' "° "'<"■■■ Teve basMoe
0
, mosteiro de Rates de que foi último prior o pai de Tomé, data de 1100, pertencendo
a orde 1
• " de 'unY e depois à de S. Bento. Em 1516 foi autorizado pelo Papa o rei D. Manuel a
tomar posse das rendas e mosteiros do reino para prover comendas naqueles que na guerra dos mouros
servissem a Deus e ao Rei Em 25 de Maio de 1515 apresentou-se no mosteiro de Rates João de São
Miguel escrivão do corregedor e na presença de João de Sousa, abade do referido mosteiro, tomou
posse dos frutos e rendas dele, os quais por morte do abade pertenceriam ao mestrado da Ordem de Cristo
O ul imo abade fo. efectivamente João de Sousa, que jaz sepultado em campa brasonada, mas ilegível na
capela-mór do antigo mosteiro. D. Antônio Caetano de Sousa diz que o prior viveu ali com bastante
dissolução e pouca memória do seu estado (4). Não é bem assim, porque o celibato eclesiástico apenas se
tornou rigoroso depois da celebração do Concilio de Trento e por isso Tomé de Sousa era correntemente
conhecido sem reparos por filho do Prior.
. 1cnn Ignoramos a data do nascimento de Tomé, mas deve ter nascido dois ou três anos depois
de 1500, ano em que nasceu seu primo Martim Afonso de Sousa, o qual já sabemos aproximadamente.
(3) Na armada de Martim Afonso de Sousa aparece-nos um loão de Sousa de oupm miiitn ^ u
P UC0 sabemos mas
nao seria para admirar que fosse primo do capitâo-mór e irmão de Tomé de Sousa '
( 0 33 Sã0 eXtraÍdaS d0 trabalh0 de Ferreira inlitulad vi a de
teiro. Povoa de Vaízim." "* ^ ' ° ^ " ^es, sua igreja e seu mos-
328
A INSTITUÍ ÇÃO DO GOVERNO GERAL
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O MOSTEIRO DE S. PEDRO DE RATES
menos dotado de bens de fortuna do que êles e menos categorizado, muito novo teria de recorrer ao
exercício das armas e como soldado iria servir em Marrocos.
A guerra de África não se pode considerar como uma verdadeira escola militar, o gênero de
emprêsas militares era muito especial e o terreno muito ingrato para fazer manobrar grandes massas
de tropas, que exigissem um esforço de inteligência da parte dos comandantes. As sortidas, emboscadas
e actos de bravura pessoal avultavam nas curtas expedições, que as guarnições das fortalezas empreen-
diam, e de uma destas pequenas expedições, comandada por Tomé de Sousa e sucedida em 1527, temos
duas versões, ambas contidas nos Anaes de Arzila, de Bernardo Rodrigues (7).
329
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Ouçamos Rodrigues:
'Neste ^mpo Diogo da Silveira foi entrar, dando o capitão esta licença a Tomé de Sousa, filho do abade
de Rates, que o/e e veador d'el-rei, nosso Senhor, com o qual fomos 50 de cavalo, indo o dito Tomé de Sousa por nosso
capitão. Diogo da Silveira nos guiou e levou a Agoní, aldea principal de Benagarfete, sua terra dele Diogo da Silveira
correndo o campo ate dentro das tranqueiras, mataram um mouro e tomaram dous, sem algum contraste, nos viemos á villa
razendo estes dous mouros com que o capitão muito folgou, porque Diogo da Silveira, sempre que ia fora, mostrava
nptm nitdtnTrt ^
*' ' ' ■ mas como o capitão desse licença a Tomé de Sousa, que depois foi governador do Brasil e ora é veador
delrei, nosso senhor, que com 50 de cavalo fora fora por capitão dêles e Diogo da Silveira que o guiasse, com os quais
Diogo da Silveira entrou pola terra de Capanes e corremos Agoní, e subindo pela serra com grande rebate, junto das
ranqueiras matamos um mouro e tomamos dous cativos, e, sem outra contradição, nos recolhemos muito contentes, e assi
o foi o capitao por Tome de Sousa fazer presa e trazer estes dous mouros da mesma aldeia de Diogo da Silveira*.
Além desta façanha não conhecemos outro feito de Tomé de Sousa em África, senão uma
prova do espírito ponderado e não impulsivo do filho do último prior abade de Rates, que nós é contada
pelo sr. David Lopes, fundado nos Anaes de Arzila e que assim se passou:
■ ^ de
um criado 'SaMartim
'"do Antonio de
Macedo,com
l/az, a cavalo, com tenção
Diogo Soares e Tomé
de atropelar de Sousa,
Macedo, mas da
foi casa de Leonel
baldado o seu Pais, veio
intento, ao seutodos
porque encontro
três,
percebendo para que vinha, desembainhando a um tempo as espadas, deram com elas fortemente no cavalo e no cavaleiro
e fizeram-nos fugir, correndo sobre eles. Agastou-se o conde com este procedimento de Martim l/az, porque bem viu donde
vmha o golpe, repreendeu-o e manteve a ordem de prisão em sua casa. Estes sucessos mais exacerbaram Martim Vaz
e mais criaram nele o desejo de se vingar; e a sua cólera descarregou-se agora sobre os companheiros de Macedo por o
erem a/udado na refrega contra o seu homem. Mandou, pois, desafiar, por escrito, em primeiro togar Tomé de Sousa, por
ter lãlãdo contra ele, mas Sousa não saiu ao desafio, antes se foi queixar ao conde*.
Esta pendência deu-se em 1532, e pouco depois deve ter regressado ao reino, porque em
Março de 1534 partiu para Çafim com seu primo Pedro Lopes de Sousa, numa caravela carregada de
madeira, conforme se lê em uma carta do conde da Castanheira (s). D. João III mostrou-se muito
satisfeito com o procedimento dos dois primos, por causa da ventajem que fizeram a todos os outros (9);
a qual seria a presteza com que marcharam e chegaram primeiro a Çafim que os restantes cava-
leiros. A África era, porém, terra onde só se adqüiria glória, e onde se metiam lanças apenas
con ra os mouros e nada mais; mas a afastada índia prometia além das honras grossos proventos a
quem ca ou lá tinha parentes altamente colocados.
Na armada de 1535 do comando de Vasco Peres de Andrade partiu Tomé de Sousa capita-
neando a nau Galega (io), abordando à índia em fins de Agosto dêsse ano (n). Em 28 de Novembro
e 1535, em ochim, passou um recibo de 3.800.000 reais, que Tomé de Sousa mandou entregar ao
tesoureiro daquela cidade (12).
No ano seguinte de 1536 já estava de regresso, como nos diz uma carta de 10 de Agosto
• ^es!e a110' eiJ que ?• :,oao 111 ordena a Pero Lopes de Sousa, que vá esperar aos Açores a náu
de Tome de Sousa, da qual teve também conhecimento Fr. Luís de Sousa (13).
serviços
tfacilitaram-lhe
-i-í Prestad
a carreira na os em Arzila
Europa. Dêle edizia
os dao índia,
conde aliados às amizades
da Castanheira e parentesco
a Martim Afonso que disfrutava
de Sousa (h)
que «carfa vez lhe ia achando mais qualidades boas, tendo sobre tudo a de ser sisudo*-, e D. João
de Castro pedia a el-rei que lho mandasse para ajudá-lo no govêrno da índia, como regista Varnhagen.
Tome de Sousa, depois da vinda da índia, quis constituir família e ampará-la, visto que
muito provavelmente não teria bens herdados, começando por obter a comenda de Rates, do mestrado
arta Costa
(Íi2>
12
3
) Ç
Corpo Chron. II, 205, 8. de 27 de Novembro, no Corpo Chron. I,' 56,' 86.
C,4) Vol. III, pág. 118, nota3 167 e Anaes, pág. 399.
( ) Varnhagen, Historia, 1 , pág. 315.
330
A INSTITUIÇÃO DO GOVERNO GERAL
de Cristo, onde fôra abade seu pai. Em 2 de Agosto de 1537, pagou Fr. Tomé de Sousa 12.000 reais
do quarto da dita comenda (liv.o 120 da Ordem de Cristo, fl. 507 v.). Mais tarde, trocou esta comenda
pela de Arruda, que lhe ficava mais próxima. Em Julho desse ano, foi-lhe passado o privilégio de fidalgo
da Casa Real (Chancelaria de D. João III, liv.o 24, pág. 159). No ano seguinte de 1538, como já fica
notado, achámo-lo casado. No intervalo dêstes dois anos comprara Tomé de Sousa várias tenças e
padrões a Aleixo de Sousa, e um outro a Pedro Lopes de Sousa, a Rui Lopes Coutinho e a Jorge Lopes,
o que tudo somou uma boa quantia (is).
São muito escassas as notícias a respeito de Tomé de Sousa entre 1540 e 1549, ano em que
foi nomeado governador do Brasil, não estando por certo inactivo, mas, pelo contrário, administrando
a fortuna que grangeara e gosando as delícias da vida conjugai, que só cêrca dos 40 anos lhe
fôra dado constituir.
Em 27 de Setembro de 1542 confirma el-rei a compra que fêz Tomé de Sousa para sua filha
de 90.000 reais e seis moios de trigo de tença, que êle adqüirira {Chanc. de D. João III, liv.0 38, fl. 135).
Em 26 de Novembro de um ano que poderá ser o de 1546, escreveu Tomé ao governador
da índia, D. João de Castro, da vila da Casfanheira a recomendar-lhe os seus dois filhos naturais e a
dar-lhe esperança de o ir ver lá na índia, referindo-se nela aos penedos da quinta de Sintra
propriedade dos Castros (16).
Em 7 de Janeiro de 1549 foi nomeado governador geral do Brasil, para onde partiu, e lá se
demorou até entregar o govêrno ao seu sucessor, em 13 de Julho de 1553. Durante a sua residência no
novo mundo apenas recebeu a graça de pertencer ao Conselho de El-Rei O7), em data de 27 de
Fevereiro de 1551.
Pouco mais de dois anos passados no Brasil já o salteavam as saüdades da mulher e da
filha, e com palavras enternecedoras implorava do rei sucessor: *peço a V. A. por amor de Deus que
me mande ir pera húa molher velha que tinha e húa filha moça*.
D. Helena de Sousa, única filha de Tomé de Sousa e que lhe sobreviveu, de que dão notícia
documentos e nobiliários, era já casada em 27 de Julho de 1554 com D. Diogo Lopes de Lima, pois
desta data são as apostilas que aprovam as renúncias das tenças, que usufruía Tomé de Sousa e já
do nosso conhecimento, em sua filha.
Repare-se que Tomé de Sousa, logo que foi nomeado governador do Brasil, tratou de assegurar
o futuro da filha, obtendo um alvará régio, datado de 26 de Janeiro, por meio do qual as referidas tenças
recairiam nela, e mesmo regressado ao reino elas lhe seriam transferidas (is).
À data do casamento contaria D. Helena pouco mais de 15 anos, pois seu pai havia casado
em 1538, como já vimos.
Tomé de Sousa não quis durante o govêrno do Brasil tomar nenhumas terras para êle;
mas, deposto o mandato, não achou inconveniente em mudar de linha de conduta, e, por isso, pediu
e alcançou de el-rei seis léguas de terra de sesmaria, ao norte do Salvador, para nelas recolher o gado
vacum, que possuía em terras alheias e fazer outras melhorias que entendesse, ficando só obrigado a
pagar o dízimo à ordem de Cristo. O alvará foi passado em 10 de Dezembro de 1563 (19), sucedendo
porém, que essas terras já pertenciam ao Conde da Castanheira, foram-Ihe transferidas as seis léguas
de sesmaria para outro local (20). Nas cartas das capitanias proíbia-se aos donatários adqüirirem terras
nos seus domínios, e Tomé de Sousa sendo, àlém de governador geral do Brasil, capitão da Bahia, teve
de submeter-se a essa disposição.
Em 13 de Maio de 1577 foi-lhe dado o provimento do lugar de tesoureiro da alfân-
dega do Salvador para quém êle quisesse apresentar, o qual, segundo os usos do tempo retribuiria
o seu protector (21).
Tomé de Sousa exerceu um alto cargo palatino, como foi o de vèdor da casa de D. João III
de que não conhecemos, porém, a carta de nomeação, que nos é revelada por um alvará de 22 de
Outubro de 1557, em que lhe é confirmado êsse pôsto por D. Sebastião (22).
O 4* O O O ■+O •fr'O O Hh O O O
(») Chanc. de D. João III, liv. 44, fl. 139 -v. e liv. 49, fl. 214.
(16) Torre do Tombo, Co/, de São Lourenço, IV, fl. 419.
(178) Chanc. de D. João III, liv. 1, fl. 144.
C) Chanc. de D. João III, liv. 63, fl. 131 v.
(lg
20
) Chanc. de D. Sebastião, liv. 12, pág. 303.
(21 ) Idem, liv. 20, pág. 5 v.
(22) Idem, liv. 39, fl. 109.
( ) Privilégios de D. João III, liv. 5, fl. 195 v.
331
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
^ i u, j d^oção do primeiro governador do Brasil por êste mosteiro já subia a 1542, pois em 7
de eSm0la 3 qUantÍa de mÍ1 reaÍS descontados no seu soldo
H 237 ioiT ' (Corpo Chronologko,
da
, . , ^arta íá mencionada a D. João de Castro, de duas datadas do Brasil para el-rei,
Para
Je' ainda
1562, e que se guardam
conhecemos duas
na preciosa colecção de S.cartas dirigidas
Lourenço, hoje ao
no conde
ArquivodaNacional.
Castanheira, ambas
eStl 0
quando diz ao conde. 6 «nom
Tomd de
Sousa
cansaria tantoé mas
pesado, a-pesar-de
desisto, doe-me os por vezes
dedos querer ser
dos pees*. jovial, como
Os ditos mais curiosos são os seguintes, que vão de pág. 124 a 127:
<0 pay de Thomé de Sousa foi hum clérigo fidalgo prior de Ratis e porque era tio do conde da Castanheira
pedio o conde a el Rei D. João pera o primo o officio de seu veedor, que vagara, e depois de falecido el Rey, servio também
a el Rey D. Sebastiam no mesmo cargo e dahy a alguns annos houve-o pera um seu genro. Indo Thome de Sousa visitar
Dom Luis Fernandes de Menezes filho do Arcebispo de Lisboa que arribara do Brasil, onde fora ter em huma nao e de que
hia por capitão para a índia, confando-lhe D. Luis as grandes tormentas e tempos adversos, que tivera, que o costrangerão
a tornar para o Reyno, disse lhe Thome de Sousa; —Ó Senhor que mao anuncio esse para os bastardos, que ate gora não
houve filho de molher solteira, que não fosse ditoso.
El Rei Dom João fes merce a hum homem, de que gostava, que tangia huma guitarra e cantava chamado Gomez
Soares, que pudesse trazer seda; e disso lhe mandou passar hum seu alvara, pedindo depois este homem a el Rei que lhe
fizesse merce, que pudesse sua molher também trazer seda, estando ahi Thomé de Sousa que sabia que a molher de Soares,
fora molher solteira, disse-lhe:—0 vosso alvará diz, que possais trazer toda a seda, que vos derem, e vós agora quereis, que
possa vossa molher trazer toda a seda que lhe derem.
Governando Thomé de Sousa o Brasil, soube que hum morador da cidade, onde residia, era por natureza grande
demandão com que trasia a muitos homens muito inquietos, e não lhe parecendo, que para o emendar haveria outro melhor
meyo, mandou chamar hum parente seu e feto seu tutor entregando lhe toda sua fazenda com esta cor de dizer, que o outro
estava alienado, e o tramposo, tanto que isto vio, como não sabia o artifício, foi se ao governador, mas por mais que lhe
gritou^ e clamou, nunca o quis prover, e tirando delle hum instrumento de agravo, embarcando se para o reino, escreueo
Thomé de Sousa no mesmo navio a el Rei, como aquelle homem era muito prejudicial á Republica, com que remetendo o
el Rei aos Desembargadores do Paço, e mandando lhe que o não despachassem, andou o coitado dei Rey para elles, e delles
para el Rei, té que desenganado do tempo, se tornou a embarcar para o Brasil, e chegando Ia morreo, e seu herdeiro, indo
se ao governador depois que lhe falarão na herança, disserão que seus agravos forã causa da morte daquelle homem, e o
Governador respondeu-lhe Pois se elle agora fora vivo, ainda houvera de ter tutor.
Servindo Thomé de Sousa de vedor da Rainha, disse lhe ella hum dia que queria jantar recolhida, que não dei-
xasse entrar fidalgos, salvo se fossem cazados, e elle respondeu-lhe—se trouxerem proposito de se casarem, bastará?
Ouvindo Thomé de Sousa a huas damas dizer, que por que se não servia a Rainha de veedor, que fosse fidalgo
de Dom, disse lhes elle Muitos dias ha que eu tivera Dom se quizesse, mas por não parecer Bispo de anel, o deixei.
Cazando hum dezembargador da Caza do Civel e indo para o receberem acompanhado de outros dezembar-
gadores e Thomé de Sousa por padrinho, tanto que o acabara de receber em caza da noiva, que inda entam se costumava,
foi tão sofrego, que diante de todos abraçou logo a molher e rindo se os pajés, disse lhes Thomé de Sousa—de que vos
rides vós outros? 0 senhor Doutor não o hé, e não o entende, e não sabe muito bem, o que fez?
Dizendo lhe a infanta D. Maria, que pois tinha mui boa renda, porque não trazia grande caza, acodio lhe elle
com este gracioso descargo:—E eu Senhora para que quero muita gente se com pouca sou também servido, que ha sincoenta
annos, que tenho hum ourinol; e a Infanta espantando-se de o ouvir, declarou-se elle dizendo lhe, porque Senhora quem mo
quebra, pagamo.
Andando hum fidalgo muitos annos na índia, onde seruio muito bem em diversas guerras, em que se achou,
estando neste reino, no tempo que o Xarife de Marrocos mandou com hum seu filho e grande poder de gente cercar Mazagãò
mandou-o a Rainha lá, e em ambos os combates e em todos os conselhos, fez o que devia com bom conceito, que se delle
tinha. Dando se lhe depois por seus serviços hua comenda de duzentos mil reaes de renda, começarão alguns fidalgos a
murmurar disso e chegárão a afirmar que não era fidalgo, mas filho de hum tabalião e Thomé de Sousa disse—Nam fazem
mercê neste reino aos homens, senão para os deshonrarem >.
Com êstes ditos fica caracterizado o homem que foi enviado ao Brasil para abrir uma nova
época na história da colonização daquela parte da América, o que conseguiu pelo seu tacto e inteligência.
Nascido num meio difícil, subiu quási aos mais elevados poderes do reino, juntou fortuna ou
como se dizia outrora, fazenda avultada, mas a sua descendência extinguiu-se logo e o morgadío fundiu-se
noutra casa, que não na dos Sousas.
A sua sepultura, como a de Pedro Álvares Cabral, deveria ser um lugar de romagem para
brasileiros e portugueses, mas hoje talvez seja difícil achar os restos venerandos do vèdor da casa do
rei D. Sebastião (28), esse mancebo, que, arrastado por uma parte do partido militar, quis tentar uma
emprêsa, que modernamente duas potências bem apetrechadas ainda não lograram por completo.
iCi&òyi
(28) D. Sebastião foi educado anti-socialmente e dessa educação nasceram as qualidades, que o tem feito oassar
por uma criatura patológica. Cfr. Dr. Nefer, Das einzige Kind und seine Erziehung, Munich, 1906.
333
mSTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
0
r- 00D
0
0
000'
jê
Sêlo de Brás Cubas Sêlo de PeJro do Campo Tourinho Sêlo de Pedro Borges
Sêlo de Tomé de Sousa, com as
armas dos Sousas do Prado
<Dom João etc. A quantos esta minha carta virem faço saber que vendo eu quanto cumpre a serviço de Deus
e meu conservar e ennobrecer as capitanias e povoações que tenko nas minhas terras do Brasil ordeney ora de mandar
fazer huma fortaleza e povoaçao grande e forte na Baya de Todos os Santos por ser pera yso o mais conveniente luauar
que ha nas ditas terras do Brasil pera daly se dar favor e ajuda has outras povoações e se ministrar justiça e prover nas
cousas que cumprem a meu serviço e aos negocios de minha fazenda e a bmi das partes e vila muita conLnrf i f
em Thome de Sousa fidalguo de minha casa que nas cousas de que o encarregar me saberá bZ ser^ Tn f
e
por
Z tJPÜP"
bem me praz de lhe fazer merce dos
"7 carreguos
7T de capitão da povoação "e mterras
° 0 da dita Baya de Todos os Santos "
29
(30 ) Corpo Chron. I, 77, 120.
(3I ) Corpo Chron. I, 78, 45.
( 1 Corpo Chron. I, 80, 110.
334
A INSTITUÍ ÇÃO DO GOVERNO GERAL
e de governador geral da dita capitania e das outras capitanias e terras da costa do dito Brasil por tempo de tres anos
e com 400000 reaes dordenado em cada hum anno pagos ha custa de minha fazenda ao thesoureiro de minhas rendas
e dereitos que ha de estar na povoação da dita Baya por carta somente que será registada no livro de sua despesa pelo
escrivão de seu carguo e pello trelado delia e conhecimento do dito Thomé de Sousa mando que lhe sejão levados em conta
os ditos 400000 reaes que lhe asy paguar em cada hum anno Notefico asy a todos os capitães e guovernadores das ditas
erras do Brasil ou a quem seus carregos tiverem e aos oficiaes da justiça e de minha fazenda em ellas e aos moradores
das ditas terras e a todos em geral e a cada hum em especial mando que ajão ao dito Thomé de Sousa por capitão da
dita povoação e terras^ da Baya e governador geral da dita capitania e das outras capitanias e terras da dita costa como
dito he. E lhes obedeção e cumprão e fação o que lhes o dito Thomé de Sousa de minha parte requerer e mandar segundo
forma dos regimentos e provisões minhas que pera isso leva e lhe ao diante forem enviadas sem embarguo de peitas
doações per mim feitas aos capitães das ditas terras do Brasil lhes ter concedido que nas terras das ditas capitanias não
entrem em tempo algum corregedor nem alçada, nem outras algumas justiças pera nellas usarem de jurdiçam alguma per
nenhuma via nem modo que seja, nem menos sejão os ditos capitães sospensos de suas capitanias e jurdições dellas. E asy
sem embarguo de pellas ditas doações lhes ter concedido alçada nos casos eiveis assy por aução nova como per apelação
e agravo até contia de 100000 reaes. E nos casos crimes ate morte natural inclusive em escravos e gentios e em piões
cristãos homens livres em todo/os casos asy pera asolver como pera condenar. E nas pessoas de mais calidade atee dez
anos de degredo e cem cruzados de pena sem apelação nem agravo per quanto por algumas justas causas e respeitos que
me a yso movem ey ora por bem de minha certa ciência por esta vez pera estes casos e pera todo o conteúdo nos
regimentos que o dito Thomé de Sousa leva derogar as ditas doações e todo o nella contheudo em quanto forem contra o
que se conthem nesta carta e nos ditos regimentos e provisões posto que nas ditas doações aja algüas cláusulas derogatorias
ou outras quaesquer de que per dereito e minhas ordenações se devesse de fazer expressa e especial menção e deroguação
as quaes ey aquy por expressas e declaradas como se de verbo ad verbum fossem nesta carta escritas sem embarguo de
quaesquer dereitos leys e ordenações que aja em contrario e da ordenação do livro II titulo 49 que diz que nenhüa
ordenação se entenda ser deroguada se da sustância delia se não fizer expressa menção porque tudo ey por bem e mando
que se cumpra e guarde de minha certa sciencia. E o dito Thomé de Sousa jurará na chancelaria aos santos Evangelhos
que bem e verdadeiramente sirva guardando em tudo a mym meu serviço e as partes seu dereito. E por firmeza do que
dito he lhe mandey passar esta carta per mym asinada e asellada do meu sello pendente. Bertolomeu Eroez a fez em
Almeirym a sete dias do mes de janeiro do ano do nascimento de nosso Senhor Jhesus Christo de mil b.c Rix > (31}.
Como vemos pela carta de nomeação de Tomé de Sousa, êste foi encarregado da capitania
da Bahia e de governador geral de todas as outras, não sendo, portanto, extinto por completo o sistema
das donatarias, havendo só a mais uma entidade intermédia entre o soberano e os capitães. O donatário
da Bahia era Francisco Pereira Coutinho, que depois de maltratado pelos colonos tinha-se refugiado
na capitania de Porto Seguro de Campo Tourinho, o qual pouco depois, em 24 de Novembro de 1546, foi
também detido pelos moradores. É por êste tempo que Pereira Coutinho, pretendendo voltar para a Bahia,
naufragou e foi devorado pelos indígenas.
El-rei lançou então mão da capitania, satisfez o herdeiro do defunto donatário e mandou
fundar uma nova cidade na Bahia.
A expedição partiu em 1 de Fevereiro de 1549, chegou ao seu destino em 29 de Março,
e constava de três náus, duas caravelas e um bergantim. Em 24 de Janeiro escrevia Fernando Álvares
de Andrade a el-rei o seguinte a respeito dos preparativos:
<Da armada do Brasyl estão jaa em Bellem a naao e caraveIIas de V. A. e amanhã com ajuda de noso Senhor
irão as outras, eu cuydey que poderá partir este domingo porque estaa de todo prestes e se se defem he somente pollas
pessoas que estão nesa corte que ouveram dir nella de que jaa escrevy os nomes delles algüas vezes e os principaes são o
ouvidor geral mestre da pedrarya, Antonio Cardoso, os sacerdotes e Pero de Goes afora outras porque se a armada nom
deterá lembro a V. A. que por amor de Deus se nom perca este bom tempo que caa vay porque se torna outro contrario
arreceo muyto que seja a armada de todo desaviada por a gente darmas ser muito pobre e amda cramando pedindo de
comer por aver dias que são asentados > (33).
A côrte residia então fóra de Lisboa e o tesoureiro-mór do reino estava receoso da demora
dos altos funcionários, que ficariam recebendo as últimas instruções dos conhecedores dos assuntos
brasileiros, ou, o que é mais natural, entretendo-se com as funções próprias da côrte.
Os altos funcionários eram o ouvidor Pero Borges, o provedor-mór da Fazenda Antônio
Cardoso de Barros, o capitão-mór da costa Pedro de Góis, o mestre da pedraria, ou, como diríamos hoje,
o arquitecto e engenheiro Luís Dias, e os sacerdotes, que eram os padres da Companhia de Jesus.
Pero Borges tinha já larga fôlha de serviços na Europa quando partiu para a América, e na
sua carta de 7 de Janeiro de 1550 (Corpo Chron. I, 67, 8) declara ter estado como corregedor no reino
335
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
do Algarve, como também esteve em Elvas, de onde escreveu em 22 de Abril de 1542 a El-Rei (Corpo
Chron. I, 71, 140). Era enérgico bastante para manter na ordem os criminosos e oficiais de justiça, habi-
tuados de largos tempos a viverem à indiana e a não prestarem contas às autoridades. Em 1558 ainda
vivia no Salvador (Corpo Chron. I, 102, 129).
Em 1556, no tempo de D. Duarte da Costa (Corpo Chron. I, 100, 17) no dizer dos vereadores
do Salvador, Pero Borges era um tirano da peor espécie. Escreviam êles ao Rei que não havia cidadão
que < antes não escolhera ser cativo do xarife que cidadão nem morador desta cidade enquanto he gover-
nada por Dom Duarte e seu filho e regida por Pero Borges hos quaes são tão assolutos e desolutos
senhores delia que não ha p pessoa que neste tempo cuida que tem cousa propia nem sua honra
se segura*. Adiante mais diremos do procedimento em Portugal do ouvidor.
O provedor da fazenda Cardoso de Barros, que abandonara a sua capitania para ser funcio-
nário, era pessoa abonada, tendo até engenhos, tornou-se no govêrno do sucessor de Tomé de Sousa,
inimigo encarniçado de D. Duarte, e morreu no naufrágio do navio, que transportava os adversários do
governador à corte.
Do mestre de obras Luís Dias temos uma carta datada de 15 de Agosto de 1551, na qual
encontrámos curiosos pormenores a respeito das fortificações do Salvador, pois o regimento de Tomé de
Sousa determinava que íôssem fortificadas as povoações do Brasil e até os próprios engenhos.
Na armada de Tomé de Sousa vieram os primeiros evangelisadores do Brasil, os que
prepararam o terreno para o avanço dos europeus nas solidões do Novo Mundo, derramando a instrução
e a moral cristã. Pode-se seguir passo a passo a actividade dos padres, porque êles próprios se
encarregaram de registá-la e divulgá-la, como homens metódicos que eram, e tornando-se protectores e
mestres dos oprimidos, criaram a animadversão dos colonos, que baseavam a sua riqueza no trabalho
indígena, animadversão que, avo!umando-se pelos tempos adiante, provocou a quéda da Companhia
por intermédio de Pombal, como é sabido. Os primeiros padres foram Manuel de Nóbrega e João de
Aspilcueta Navarro, de quem temos copiosa correspondência em edições críticas.
Em Julho de 1550 escreveu D. João III ao Papa e a Baltasar de Faria a tratar da criação de
um bispado nas terras que se chamam do Brasil (34), sendo passada a bula em 25 de Fevereiro de 1551.
Para bispo foi nomeado D. Pedro Fernandes Sardinha, natural de Évora e que estudou em
Paris. Em 10 de Novembro de 1531 passou o seguinte recibo de missas rezadas na Sé de Lisboa;
< Diguo eu Pero Sardinha capelam que he verdade que eu Recebi de Gaspar Rodriguez almoxarife da portajem
desta cidade de Lixboa a esmola das myssas que se dyzem pella alma dei Rey Duarte que sam quinhentos reaes as quaes
myssas se dyzem na see e porque he verdade que eu disse as ditas missas na dita ssee assynei este per minha mão. Feito
em Lixboa aos dez dias do mes de Novembro de mill e quinhentos e xxx e hum—Pero Sardinha* (35).
O bispo, segundo êle mesmo narra de Cabo Verde ao soberano, partiu de Belém em 24 de
Março de 1552 (sic) (36) e chegou ao Salvador em 23 de Julho, como diz o P.e Nóbrega em carta sua.
Parece ter-se dado bem com Tomé de Sousa, mas no govêrno imediato de D. Duarte da Costa, como
veremos, tal não sucédeu.
Além das pessoas que Tomé de Sousa levou na armada e que se lhe adiante juntaram
êle encontrou já alguns indivíduos que merecem referência. Um dêles era o castelhano Filipe Guilhem,
que linha alcançado certa nomeada pelas suas pretendidas invenções, que lhe valeram ter entrada nos
autos de Gil Vicente, em circunstâncias desfavoráveis. A documentação a respeito dêle foi reünida e
publicada já (37). Guilhem diz em carta a El-Rei, datada de 1550, que tinha vindo para o Brasil em 1538,
e em 1540 fôra residir para a capitania dos Ilhéus de Jorge de Figueiredo, o protector dos castelhanos,
ajudando-a a sustentar e governar. Tomé de Sousa convidou-o por sugestão real a reünir-se-lhe, para
tratar dos negócios do ouro.
Segundo o cronista Francisco de Andrade, Tomé de Sousa encontrou na Bahia uns trinta
colonos ou moradores, que estavam com Gramatão Teles (38). Êste Gramatão Teles devia ter sido
camarada do governador na praça de Arzila, pois, segundo os Anaes de Arzila, ali serviu, e em 1539
comandou um navio da armada do Estreito de Gibraltar (Corpo Chron. I, 65, 52).
(34
35
) Corpo D/p/. Português VI (1884), pág. 373 e 376.
(36 ) Corpo Chron. II, maço 172, doe. 40.
(37) Corpo Chron. I, 86, 45.
(3S) Sousa Viterbo, Trabalhos náuticos, I, 149.
( ) Vamhagen, Hist. /3, pág. 324.
336
A INSTITUIÇÃO DO GOVERNO GERAL
Pedro Annes do Canto. Eu El Rei vos envio muito saudar. Por carta de Thomé de Sousa, capitão da Bahia de
Todos os Santos e governador das terras do Brasil e doutras pessoas, tenho sabido que acerca de hua cidade que mandei
fazer na dita capitania da Bahia, é quasi acabada e estam as paredes em altura que se fecha já de noite e feita soma darte-
Iharia que de ca foi, está posta em quatro baluartes que estam na dita cerca, com a qual a dita cidade está muito forte e
defensável e é a terra da dita capitania tão grossa e fértil, que avendo la gente em abastança, que a plante grangeie e fará
nela muito proveito e a terra se enobrecerá muito e porque pode ser que aja nessas ilhas alguas pesoas que mandandolhes
eu dar embarcações, em que posam hir e mantimentos pera a viagem quererião la hir viver e eu pelo gosto de se assim as
ditas partes hirem povoando e enobrecendo, folgarei de o fazer e vos encommendo que façaes notificar nessa cidade dAngra
e em todas as villas e povoações dessas ilhas como eu mando dar embarcações e mantimentos a todas as pessoas que se
quiserem hir viver ás ditas partes do Brasil e alem disso lhe serão la dadas pelo dito Thomé de Sousa terras que plantem
e aproveitem livremente sem dellas pagarem mais que o dizimo a Deus, que portanto as que quiserem la ir, vo-lo façam
saber pera lhe ordenardes embarcação em que vão e as proverdes de mantimentos pera a viagem, porque vos mando que
deis a isso recado.
Todas as pessoas que quiserem ir viver ás ditas partes serão lançadas em hum rol e como forem tantos que
bastem pera ocupar hum navio, tomareis a frete de quaesquer navios, que no porto dessa ilha ouver que sejam pera isso
pera levar a dita gente á dita capitania da Bahia e haveres do almoxerife ou recebedor da dita ilha os mantimentos que
pera as ditas pessoas forem necessários pera aviar ao qual mando que se dê por hua provisão que com esta vae, porque
também lhe mando, que faça quaesquer outras despesas, do dinheiro que por vós for dito, porque pode ser que seja necessário
pagar logo algúa parte do dito frete e ao senhorio ou mestre de tal navio, que assim fretardes dareis uma certidão vossa
em que declare a quantia porque foi fretado, e a gente que leva e o que lhe foi pago adiantado e fica por pagar, a qual
certidão o dito mestre apresentará ao dito Thomé de Sousa tanto que chegar a dita gente á dita capitania da Bahia e lhe
requererá que nas costas da que vós lhe assim passardes lhe dê outra sua em que declare como la levou a dita gente e
a poz na dita capitania da Bahia, e pelas ditas certidões e traslados deste capitulo assignado por vós, que lhe também dareis,
lhe será pago o que houver de haver e se lhe ficou devendo do dito frete; o qual pagamento lhe fará o almoxarife ou
recebedor dessa ilha requerendo se lhe la ou quando vier a esta cidade lhe pagará o thesoureiro do meu almazem de Guiné
e índias, sem mais outra provisão minha nem de minha fazenda e pelas ditas certidões e o traslado deste capitulo assignado
por vos como dito he e conhecimento do senhorio ou mestre do tal navio será o dito frete, que se lhe assim ficar devendo
levado em conta ao official que lhe paga.
Pela dita maneira provereis de embarcação e mantimentos a todas as pessoas que quiserem hir viver às ditas
partes do Brasil ate 300 pessoas e todas irão directamente à dita capitania e saberá onde o dito Thomé de Sousa está e
sendo necessário que assim despachardes com a dita gente hirá hua pessoa de recado e confiança a que se entregarão os
ditos mantimentos pera os despender como deve e se não desperdiçarem e escrevereis ao dito Thomé de Sousa a gente que
vae e do mais que vos parecer, poderá ir. E parecendo vos que deve a dita pessoa dando por isso algum ordenado, haverá
o que virdes que he bem e a custa de minha fazenda e pagar-lhe-ha o dito almoxarife ou recebedor, por vosso mandado e
por elle e por o traslado deste capitulo assignado por vós e o conhecimento da dita pessoa lhe será levado em conta o que
lhe pela dita maneira pagar e o ordenado que a dita pessoa houver de haver será o que vos bem parecer, como dito hé, não
passando de dois mil reaes por mês que he o que mando, dar aos capitães de meus navios. Encomendo vos que este negocio
façaes como fazeis todas as outras cousas que vos encomendo e na melhor maneira que poderdes, provoqueis a gente a
folgar de hir viver ás ditas partes do Brasil porque receberei disso muito contentamento. Bartolomeu Fernandes a fez em
Lisboa a U de Setembro de 1550.
E trabalhareis por as pessoas que assim houverem de hir viver ás ditas terras do Brasil serem casadas, ou ao
menos as mais dellas que puderdes. E como vos esta carta for dada me escrevereis a gente que vos parecer que poderá hir e
assim como a fordes enviando me ireis escrevendo, o que se nisso faz e pode fazer, porque havendo aparelho pera poder ir
mais, porventura vos mandarei recado pera ordenardes de os enviar.
Possuímos só duas cartas de Tomé de Sousa escritas do Brasil a El-Rei, o que é realmente
pouco, mas ainda assim devemos considerar-nos satisfeitos em terem chegado até nós.
Na primeira, que é datada de 18 de Julho de 1551 (Corpo Chron. I, 86, 96), diz o governador
geral, que em 1550 o capiíão-mór do mar, Pedro de Góis, o provedor-mór Cardoso de Barros e o ouvidor
geral Pedro Borges tinham ido correr as capitanias do Brasil até o extrêmo sul ou rio de São Vicente
como no ano anterior e que já eram de volta. Pedro de Góis, havendo desembarcado as duas autoridades
civis, voltou ao Rio de Janeiro onde encontrou dois franceses, que prendeu e entregou no regresso ao
governador, que lhes perdoou a fôrca para se dêles servir-como língua e ferreiro, mesteres de que havia
falta no Salvador. No regresso com os dois ministros encontrou-se no Cabo Frio com um navio de franceses,
que não pôde tomar em virtude da defecção do navio de Cristóvam Cabral.
O ouro encontrado no Perú pelos castelhanos enchia de inveja os portugueses, e Tome de
Sousa não deixava também de buscá-lo, ainda que scéptico no resultado da busca.
E curioso que o governador nesta carta proponha a EI-Rei, a título de economia, a supressão
dos logares de provedor-mór e tesoureiro como inúteis, o que mostra vir já de longe a abundância de
lugares públicos.
O gado da Bahia veio do Gabo Verde na caravela Galega, mas sentia-se a necessidade de
mais importação dêle, bem como de ferro.
O governador achava-se um pouco melindrado pelo soberano não permitir que fôsse visitar a
capitania de Duarte Coelho, e isto a-pesar-de lhe reconhecer os méritos, Já ao tratarmos do capitão de
Pernambuco, vimos como foi mal vista nela a criação do cargo de governador geral.
O tesoureiro do Reino Fernão Álvares de Andrade preocupava-se com os negócios do Brasil,
a ponto de ter sido contemplado com uma capitania, de que não tirou proveito, e que o não desanimou,
negociando com o pau brasil ou campeche («), que neste ano lhe dera prejuízo.
Conclui lembrando que em breve terminará o seu triénio e que não deseja mais servir
no Brasil e que tinha mandado justiçar dois principais de uma aldeia, que tinham trucidado
quatro degredados.
A outra carta de Tomé de Sousa é datada de 1 de Junho de 1553 UO e é mais extensa
que a anterior.
Noticia a chegada da armada; que fêz muito gasto na visita que realisou às costas do Brasil;
que fêz fortificar as povoações e engenhos da terra, como lhe manda o regimento; e que mandou construir
edifícios para os tribunais e respectivas cadeiras; e pede ao Rei que os capitães residam nas capitanias
e quando isso não possa ser que ponham gente apta a regê-los, motivo por que colocou João Gonçalves
Dromondo nos Ilhéus, de Jorge de Figueiredo.
A independência de Duarte Coelho continuava a ser-lhe desagradável, e, por isso, diz ao
soberano que a justiça entre em Pernambuco; e que Vasco Fernandes Coutinho vá residir no Espírito Santo.
Pede mais ao Rei que mande dez criados seus para serviços nas capitanias, nos lugares da
fazenda e outras cousas que cumprir.
Gaba a situação do Rio de Janeiro e entende que se deve ali construir uma povoação honrada
e boa e onde os franceses fazem muito negócio. Envia um debuxo da costa e desculpa-se de não ter
mandado construir ali uma fortaleza por ter pouca gente.
Celebra São Vicente como uma terra muito honrada e que a pouca distância dela se fêz outra
vila chamada Santos que *-tem o melhor porto que se pode ver he todas as nãos do mundo poderão
estar nele*.
São Vicente tem igreja muito honrada, diz o governador geral, e honradas casas de pedra e
cal com um colégio dos irmãos de Jesus. A gente que andava espalhada pelo campo fêz juntar em uma
vila a que deu nome Santo André ficando por capitão dela João Ramalho, natural da terra de Coimbra
e que já Martim Afonso lá achou quando ali foi. Àlém de Santo André, ainda fundou a vila da Conceição.
Conta mais o desastre sofrido por uma expedição espanhola, que naufragou na costa, a qual
ia comandada por Fernando de Saraiva.
Encarece os serviços dos padres da Companhia e a necessidade que tem de lhes moderar o
zêlo, pois pretendem ir pelo sertão dentro, de que êles se sentiram muito.
Termina dando novas do ouro, de que êle governador não crerá a existência em quanto o não
vir. Vê-se que Tomé de Sousa julgava antes que a riqueza do Brasil estava no sólo, do que no
quimérico metal.
Portusal e deriva 3e
(") Gave^ni, - a denominação de uma região americana, onde se recolhe.
338
A INSTITUIÇÃO DO GOVERNO GERAL
As duas cartas de Tomé de Sousa dão bem a medida do que valia o antigo fronteiro e
caçador de javalis Arzila, o bom senso que possuía, e o sentido da realidade que o dominava. Em 13
de Abril de 1554 (Corpo Chron. I, 92, 83), dizia o turbulento Bispo do Salvador: «afirmo a V. A. que
quem vio esta terra em tempo do bom Tomé de Sousa e a vê agora que tem tanta cousa de se carpir
quanta teve Jeremias de chorar sobre a cidade de Jerusalém».
Tomé de Sousa com Duarte Coelho brilham entre os primeiros coloniais e colonizadores da
terra que se chama Brasil.
«pfpE-
o
D. Lourenço da Costa que foy clérigo (e dizem que teve spirito profético)
D. Arma de Aíendoça, mulher de Antonio Munis Barreto governador da Índia (44)
D. Margarida de Mendoça, mulher de Duarte de Mello da Silva, de Pouolide.
D. Joana de Mendoça, tres vezes Abbadeça de Udivellas».
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partir para o Brasil. ' "Pesar-de fllho segundo, tinha já uma situação desafogada ao
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se conservou 1553 pôsto
governador do Brasil
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do que anos. masporque
determinado como
depôs em Dezembro de 1557, quando chegou o seu sucessor Mem de Sá (45).
Em 1 de Junho de 1553, Tomé de Sousa parece que ainda ignorava a nomeação do seu
rCDSSDuaPrt0éq(4e6).em 3 56 refere
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0 30u ernad0r d0 Brasil
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a 10 de Junho,
1 Possuímos
pequeno reportorio cinco para
de notícias cartasumtôdas datadas
período de 1555anos,
de quatro e sãoque
de
felizmente é aumentado com algumas outras cartas redigidas no Brasil, como são as do bispo do
Salvador e dos padres da Companhia, etc.
A escolha de D. Duarte da Costa, fidalgo palatino, poderá ter sido feita pelo conde da
Castanheira, a quem os negocios do Brasil interessavam de maneira extraordinária, mas se isso se deu
não foi feliz a eleição do segundo governador do Brasil, a quem faltava a prática do mando e
a experiência de guerra, até certo ponto compensada por seu filho D. Álvaro, afeito, segundo se diz, às
guerras de África.
Deixando-se envolver em assuntos mesquinhos, levantou contra êle uma parte da população,
a câmara do Salvador e até o próprio bispo do Salvador, mais pelo procedimento dissoluto de D. Álvaro
da Costa, do que por êle próprio.
Ao lado do governador combatiam o ouvidor Pero Borges os padres da Companhia e
Tomé de Sousa na corte, o que explica a conservação do governador por tanto tempo naquele lugar
Varnhagen escreveu na fííst. 1 3 pág. 316 que Borges tinha reputação de homem justo «se bem
que no Brasil vem a adquirir a de excessivamente severo e pouco caridoso».
Vê-se que êsse juízo tem de se modificar e que inibido de seguir durante três anos a
carreira judicial teve de passar ao Brasil, de onde saiu em 1561 (Corpo Chron. I, 104, 83), como vemos
de uma carta sua.
Além de D. Álvaro da Costa, segundo diz o bispo, ainda havia outros desordeiros como João
Rodrigues Peçanha (48), Luís de Góis e Fernão Vaz da Costa.
Os partidários do bispo parece que eram em maior número, mas não podendo suster o campo
pretenderam retirar-se para a Europa em meados de 1556, na náu Nossa Senhora da Ajuda, mas um
naufrágio fê-los cair, bem como o próprio bispo, na mão dos indígenas, por quem foram vitimados.
Este desastre não desanimou a oposição feita pela Câmara do Salvador, que numa representação
a el-rei renova os agravos, que havia contra o governador e que eram confiados em outra a um procu-
rador, que também pereceu no naufrágio.
Por esta^ representação sabemos os nomes dos principais foragidos, se assim se lhes pode
chamar, que eram àlém do bispo, o deão, dois cónegos, o antigo donatário Antônio Cardoso de Barros,
que fôra destituído do seu lugar da Fazenda pelo governador, o que aliás já fôra insinuado por Tomé
de Sousa em carta sua ainda existente, e a «velha que veiu com as órfãs».
Esta menção precisa de alguns esclarecimentos. No século XVI as guerras ou expedições
ultramarinas roubavam ao reino um número considerável de homens válidos, que por lá morriam ou
(J7) A respeito de Pedro Borges acham-se nos Elementos para um dicionário de geografia e historia Portuguesa.
Concelho de Elvas 1 (1888), pag. 405, por Vitorino de Almada, as seguintes notícias do tempo que esteve naquela cidade e que
lhe são pouco favoráveis; «-Entretanto chegou a Elvas o corregedor Pero Borges, que tomou posse ao mesmo tempo da vara
do seu alto cargo, e da superintendência dos negocios do aqueducto. Este magistrado deixou de si uma triste celebridade
na comarca, por um processo em que respondeu por desvio de fundos, e illegalidades cometidas em diversas arrematações.
Não se achou porem, como cousa certa, que este desvio de fundos fosse apropriação; porque dos documentos que alludem
ás irregularidades das contas não se pode traduzir isso positivamente. Pero Borges, contra as expressas disposições do
regimento da administração da obra, recebia indevidamente algumas quantias que lhe levavam a casa, provenientes do
lançamento para o aqueducto, sem que fossem presentes nem o depositário, a quem deviam logo ser entregues, nem o
escrivão, que acto sucessivo devia lançar essas verbas no fim da receita.* A repetição deste abuso levantou suspeitas e
reforçou-as o adiamento indefinido da tomada de outras ao depositário, sem duvida porque o corregedor temia que se fizesse
luz sobre as illegalidades que cometera na aplicação dos dinheiros recebidos, os quaes necessariamente haviam de aparecer
no acto do balanço. Pela sua parte o depositário começou a abusar do mesmo modo, recebendo dinheiros sem a assistência
do corregedor e do escrivão; e assim se levantou no povo algum clamor de desconfiança sobre ambos. Escreveram então os
officiaes da Gamara a el rei, participando-lhe o facto abusivo; e quanto á demora na tomada de contas, não diziam que o
corregedor se negava a toma-las, mas que sendo requerido que as tomasse nos paços do conselho e como estava estabelecido
no regimento, elle respondera que só as tomaria em sua casa:
Mandou el rei ouvir Pero Borges, e escreveu á Gamara a 30 de abril de 1543 (Próprias 2, 313), comunicando-lhe
que ia fazer esta deligencia.
As contas do corregedor Pero Borges colocaram-no na mesma posição desgraçada, porque se provou ter desviado
114.064 reaes achados de menos na quantia de 2 contos e 81.565 reaes, que produzira o lançamento para a obra dágua da
Amoreira, sendo em conseqüência condenado, por sentença de 17 de maio de 1547 (Próprias, 2, 14), a pagar á custa de sua
fazenda o dinheiro extraviado, em suspensão, durante 3 anos, do exercido de cargos de justiça.
E este um dos rarissimos casos desta natureza que apareceu durante a sua longa administração publica elvense,
e a respeito de Pero Borges, ainda assim, parece não se ter provado que houvera peculato; porque se assim fosse, ficaria
inhabil para todos os dias de sua vida, se não expiasse a culpa pendurado duma forca*. Na Tôrre do Tombo (Corp. Chron. II,
183, n.o 23) existe uma certidão pela qual consta ter sido dado por suspeito o corregedor de Elvas Pedro Borqes'
em 16 de Maio de 1543. '
(48) Este nome não figura no livro do sr. ]. B. de Almeida Pessanha a respeito desta família, de que ultimamente
apareceu segunda edição.
341
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
desapareciam deixando na metrópole ao abandono os filhos, e por outro lado o estado sanitário na capital
do reino era deplorável e^ por isso as epidemias ceifavam todos os anos adultos, como se pode verificar
nos registos paroquiais desse tempo, ainda existentes (49). Dentro do Castelo de Lisboa estabeleceu-se um
recolhimento de orfas, onde estas eram educadas e recebiam um dote para se casarem. Quando Mem de Sá
partiu para o Brasil como terceiro governador geral levou algumas destas órfãs para as casar aí
onradamente; mas ele proprio confessou que o expediente não surtiu efeito e pediu suspensão das
remessas. Ve-se, porem, que ja antes de Mem de Sá, se tomara aquela medida, que, a continuar-se teria
dp Rndr;nrtEHtreF 0S náU ra g0
Freitas.
t Í + l
Este
apontados na refer
ida representação
Freitas era um funcionário da Fazenda da
já Câmara
do tempovem
de mencionada a sogra
Tomé de Sousa (so)
«e que pela maa vontade que me tem o governador e ouvidor que também serve de provedor moor e
o contador» segundo ele conta, jazia em prisão.
E do seu punho uma lembrança dirigida a certo licenciado para mediante ela demandar justiça
com provas do seu constituinte, .porque quaa não ha alvará que não grosem, nem vertudTquTnão
f e dlzem ubllcamente
Rndrfon
Rodrigo dPde Freitas ^ ^ueest.vera
,3 anteriormente
quem lhes
presoaborrecer prenderão
e condenado e terãoe assim
«em degredo hum par
em dinheiro detiraram
e me anos»
meus ofícios por eu procurar a liberdade e o bem da republica como hera obrigado por ser vereador»
O mencionado Freitas, sendo escrivão do armazém, assistiu à fundação da cidade do Salvador
onde havia muita gente de soldo e de muitos mestres e se faziam muitas obras de jornal e de empreitada
havendo navios da armada e muita gente de mar. Como no tesouro não havia dinheiro o governador e
o provedor-mor mandaram-lhe que desse às pessoas de soldo e aos empreiteiros os gêneros que
houvesse no armazém devidamente avaliados para lhe serem depois descontados no soldo fazendo-se
isto sem mandados nem certidões. Esta falta de esçrituração foi depois prejudicial ao escrivão São longos
governador regista o abuso das suspeições, que entravavam a acção da justiça, dispõe-se a usar dos
processos que usara Tomé de Sousa e propõe a remissão dos degredados como maior utilidade da colônia.
Pede ao rei perdão para três degredados, por quem se interessavam os padres da Companhia.
Como os moradores do Salvador, a-pesar da pobreza da terra, usavam vestidos de sêda, não
nossa, ao que se opunham as Ordenações, D. Duarte entende que el-rei devia minorar o rigor da lei.
O ouvidor geral fôra a S. Vicente e ali ordenara alguns melhoramentos de obras públicas,
tais como a construção de um caminho, qúe trouxesse mantimentos do campo à séde da capitania para
o que se aproveitara dos serviços de um degredado e esperava também aproveitar-se dos serviços de
outro degredado para a construção de duas pontes na mesma região. Era necessário, portanto, que o rei
lhes perdoasse os degrêdos.
A carta termina com outras propostas menos importantes. No mesmo dia D. Duarte escreveu
outra carta a el-rei, que é uma catilinária contra o provedor Antônio Cardoso de Darros, a quem destituiu
do emprêgo por pretender alargar as atribuições, que lhe dava o regimento da provedoria. Melindrado
com isto, Cardoso de Barros aliou-se com o bispo e com outros, que hostilizavam o governador.
O governador acusava-o também de ter um engenho e cabedal, o que era muito prejudicial à fazenda
real. Varnhagen refere-se por alto a estas acusações, dizendo que as "-dispensaremos de mencionar por
não termos delas provas para mancharmos a memória de um dos primeiros donatários e do primeiro
provedor mor deste Estado, que tão tristemente veiu a findar seus dias» (52).
A extensa carta de 8 de Abril de 1555 é tôda consagrada ao Bispo. Começa por narrar a
visita que o próprio governador, o Re Luís da Gama, da Companhia, e outras pessoas honradas do
Salvador fizeram ao chefe da igreja, para que se «-emendasse das cousas de que se o povo escandalizava
em lhas apontar», de que resultou D. Pedro no púlpito referir-se a D. Duarte da Costa e seu filho com
pouca cautela. Entretanto o bispo mandou espancar um homem, que difamava de mandante, de que se
lavrou um auto, como se diz na carta. Com o deão e com o chantre tinha também o bispo lutas
porfiadas, sobre as quais o governador ouvia o conselho do P.e Luís da Gama. Estas pequenas lutas
não são de admirar numa povoação pequena onde abundavam altos funcionários, e, por isso, a Côrte
não se preocupava com essas dissenções, a que nós hoje denominamos política local, estando, como
sabemos, o governador apoiado junto do Rei por alguns ministros.
Em 20 de Maio de 1555, D. Duarte da Costa melindra-se com o descontentamento que el-rei
manifestara sobre o comportamento de D. Álvaro, que se havia ilustrado na índia, por dar crédito às
palavras do bispo; pelo que o governador revela ao rei o comportamento do chefe espiritual, não
esquecendo a maneira como tratara o capitão Vasco Fernandes Couíinho, que chegando ao Salvador
velho, pobre e cansado, êle lhe mandara pôr ao pescoço as ervas que fumava, sendo remédio que se
usava na terra.
A última carta que se conserva de D. Duarte é de 10 de Junho de 1555, e foi largamente
extractada por Varnhagen, e por não se conhecer até agora o paradeiro do original, vai adiante publi-
cada com as outras do punho do governador.
Nesta missiva descreve-se largamente a guerra que os índios inesperadamente fizeram ao
Salvador sem provocações dos moradores, mas com grande interêsse destes, porque assim com a
sujeição dos indígenas ficaram mais desabafados e com «mais terras para suas roças e criações». Talvez
assim não tivesse sucedido, porque nas lutas entre civilizados e selvagens, raras vezes a estes é dada
razão; como ainda hoje sucede nos conflitos entre as nações poderosas e as humildes, e para o
futuro continuará a suceder entre as nações nas pretendidas ligas e tribunais internacionais.
Nesta guerra com os índios houve-se com galhardia D. Álvaro da Costa, como era de esperar
da sua educação militar e como põe em relêvo o governador.
Segundo Varnhagen colige da carta, nasceu desta luta a primeira milícia organizada do Brasil
(1,3 385). As suas palavras são estas; «o governador tratou logo de organizar seis companhias ou antes
esquadras; e deu o mando dellas a alguns dos mais notáveis da terra, que eram da sua parcialidade.
Ao mesmo tempo requereu, pela esquadra que fazia regressar ao reino, por não ter meios para paga-la,
que se lhe mandasse com que manter de soldada uns 80 homens d'armas, ou ao menos os do pequeno
numero já organizado, quando saíssem a pelejar— Eis a origem de um primeiro contingente de
exército no Brasil».
Apêndice
navios de remo pera serviço da terra e defemsão do maar tempo que lhes limitar o capitão que lhas der e que nos
ev por bem e vos mando que com a mais brevidade e deli- asentos das ditas povoações dos ditos enjenhos se fação torres
gencia que poderdes, ordeneis com que se fação os que vos ou casas fortes e se lhe dê limite de terra como atras fica
parecerem necesarios da grandura e feição que virdes que decrarado que se faça nas terras da Bahia e que as pesoas
convém e pera a obra deles, levais officiaes e dos meus a que se derem terras pera as aproveitar as não posão vender
allmazens as monições necesarias e como os ditos navios nem trespasar dentro de tres anos e as aproveitem no tempo
forem feitos os mandareis armar e aparelhar pera servirem que manda a ordenação e mando aos capitais que quando
omde comprir e procurareis de busquar luguar conviniente derem as taes aguas e terras seja com as ditas obriguações
em que estem varados o tempo que não ouverem dandar e o decrarem asy nas cartas de sesmaria que lhes pasarem
no mar. e aos que as ja teverem se notefique este capitolo o qual
Eu são emformado que os jemtios que abilão ao longuo fareis treladar no livro das camaras das ditas capitanias pera
da costa da capitania de Jorge de figueiredo da villa de se asy comprir e porque se segue muito prejuízo de as fa-
São Jorge atee a dita Bahia de Todolos Samtos são da zemdas e emjenhos e povoações deles se fazerem lomge das
linhajem dos Topynambaes e se alevantarão ja per vezes vilas de que amde ser favorecidos e ajudados quamdo diso
contra os christãos e lhes fizerâo muitos danos e que ora ouver necesidade ordenareis que daquy em diamte se façam
estão ainda alevantados e fazem gerra e que seraa muito mais perto das ditas vilas que poder ser e aos que vos parecer
serviço de Deus e meu serem lançados fora desa terra pera que estam lomge ordenareis que se fortefiquem de maneira
se poder povoar asy dos christãos como dos jemtios da que se posão bem defender quoando cunprir.
linhagem dos Topiniquins que dizem que he jemte pacifica e E asy ordenareis que nas ditas vilas e povoações se
que se oferecem a os ajudar a lançar fora e a povoar e faça em hum dia de cada somana ou mais se vos parecerem
defender a terra, pelo que vos mando que escrevaes aa pesoa neçesarios feira a que os jemtios posão vir vender o que
que estiver por capitão na dita capitania de Jorge de Figuei- teverem e quiserem e comprar o que ouverem mester e asy
redo e a Afonso Alluarez provedor de minha fazemda em ela ordenareys que os christãos não vão as aldeas dos jemtios a
e a algúas outras pesoas que vos bem parecer que venhão tratar com eles salvo os senhorios e jemte dos emjenhos
aa dita Bahia e tamto que nela forem praticareis com ele e porque estes poderão em todo o tempo tratar com os jemtios
com quaesquer outras pesoas que nisso bem entendão a ma- das alldeas que estiverem nas terras e limites dos ditos
neira que se teraa pera os ditos jemtios serem lançados da emjenhos e porem parecendo vos que fara inconveniente
dita terra e o que sobre iso asentardes poreis em obra tamto poderem todos os de cada enjenho ter libardade pera tratarem
que vos o tempo der luguar pera o poderdes fazer com os com os ditos jentios segundo forma deste capitolo e que sera
jentios das terras Peraaçuy e de Totuapara e com quaesquer milhor ordenar se que húa so pesoa em cada emjenho o faça,
outras nações de jemtios que ouver na dita capitania da Bahia asy se fará.
asemtareis paz e trabalhareis porque se conserve e sostemte E temdo allguns christãos necesidade de em allguns
pera que nas terras que abitão posão seguramente estar outros dias que não forem de feira comprar allgüas cousas
christãos e aproveitallas e quoando sobceder algum alevamta- dos dytos jemtios o dirão ao capitão e ele dara licença pera
mento acudireis a iso e trabalhareis por apacificar tudo o as irem comprar quoamdo e omde lhe bem parecer.
milhor que poderdes castiguando os culpados. Pola terra firme a demtro não poderá hir a tratar pesoa
Tanto que os neguocios que na dita Bahia aveis de aligúa sem licença vosa ou do provedor mor de minha fazemda
ffazer esteverem pera os poderdes deixar ireis visitar as não sendo vos presente ou dos capitais e a dita licença se não
outras capitanias e deixareis na dita Bahia em voso luguar dará se não a pesoas que parecer que irão a bom recado e
por capitão hüa pesoa de tal calidade e recado que vos pareça que de sua ida e trato se não seguira prejuizo allgum nem
conviniente pera iso ao qual dareis per regimento o que deve isso mesmo irão de húas capitanias pera outras per terra sem
fazer em vosa ausência e vos com os navios e jemte que licença dos ditos capitães ou dos provedores posto que seja
vos bem parecer ireis visitar as outras capitanias e por que per terras que estem de paz pera evitar allguns enconvenientes
a do Espirito Santo que he de Vasco Fernandez Coutinho que se diso seguem sob pena de ser açoutado sendo pião e
esta alevantada ireis a ela com a mais brevidade que poderdes sendo de moor calidade paguara vinte cruzados ametade pera
e tomareis emformação por o dito Vasquo Fernandez e por os cativos e a outra metade pera quem o acusar e os ditos
quaesquer outras pesoas que vos diso saibão dar razão da provedores não darão a dita licença senão em ausência do
maneira que estão com os ditos jentios e o que cumpre fazer capitão.
pera se a dita capitania se tornar a reformar e povoar e o que Porque a principal cousa que me moveo a mandar
asentardes poreis em obra trabalhando todo o que for em povoar as ditas terras do Brasill foi pera que a jente dela se
vos porque a terra se asegure e fique pacifica e de maneira comvertese a nosa santa fee católica vos encomendo muito
que ao diante se não alevantem mais os ditos jentios e na dita que pratiques com os ditos capitães e oficiaes a milhor
capitania do Espirito Santo estareis o tempo que vos parecer maneira que pera iso se pode ter e de minha parte lhes
necesario pera fazerdes o que dito he. direis que lhes aguardecerei muyto terem espiciall cuidado de
Item. Cada hüa das ditas capitanias praticareis junta- os provocar a serem christãos e pera eles mais folguarem
mente com o capitão dela e com o provedor moor de minha de ho ser tratem bem todos os que forem de paz e os favo-
fazenda que comvosco aa de correr as ditas capitanias e asy reçam sempre e não consymlão que lhes seja feita opresâo
com o ouvidor da tal capitania e officiaes de minha fazemda nem agravo allgum e fazendo se lhe lho fação correger e
que nela ouver e allguns homens principaes da terra sobre emmendar de maneira que fiquem satisfeitos e as pesoas que
a maneira que se teraa na governança e segurança delia e lhas fizerem sejão casteguados como for justiça.
ordenareis que as povoações das ditas capitanias que não Ey por bem que com os ditos capitães e officiaes
forem cercadas se cerquem e as cercadas se repairem e pro- asenteis os preços que vos parecer que onestamente podem
vejâo de todo o necesario pera sua fortaleza e defensâo e asy valer as mercadorias que na terra ouver e asy as que vão do
ordenareis e asentareis com os ditos officiaes que as pesoas reino e de quaesquer outras partes pera terem seus preços
a que forâo dadas e daquy em diante se derem aguoas e certos e onestos conforme a calydade de cada terra e por
ferras de sesmaria pera se fazerem enjenhos os fação no eles se venderem trocarem e escaybarem.
347
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
tanias fará em cada hüa delas esta diligencia o provedor de E porque pera isto se poder bem ffazer e pera melhor
mynha fazenda que estever na dita capitania e do que o tal guarda e defemsão do mar e da terra seraa necesario aver
provedor achar faraa autos que enviaraa ao dito prcvedor alguns navios de remo nas capitanias omde os ditos cosairos
moor pera proceder por eles segundo forma deste capilolo. mais acostumâo de ir vós com o dito provedor moor de
E querendo allgúas das ditas pesoas prover se laa das ditas minha fazemda e com os capitães provedores e oficiaes das
cousas ou dalgúas delas ey por bem que se lhe dem dos taes capitanias e com as mais pesoas que vos parecer que o
meus aimazeis avendo as nelles polos preços que se achar bem emtendão praticareis a maneira que se terá pera se
que nela custão postas e a dita diligemcia fará o dito prove- fazerem os ditos navios de remo e de que tamanho e em
dor moor ou os ditos provedores na artelharia e armas que que capitanias se farão e a maneira de que se poderão soster
os capitães são obriguados a ler e com as outras pesoas e prover e armar quando ffor necesario e quamtos devem
farão os ditos capitães somente ey por bem que o dito pro- de ser e a cuja custa se devem de fazer e que capitanias
vedor moor ou os ditos provedores façâo a dita deiigemcia. recebem disto mais favor pera contrebuirem nas despesas
Porque por bem do forall dado as capitanias das ditas necesarias pera iso e do que asenfardes fareis auto que me
terras pertencem a mim todo o paao do dito brasyll e pesoa enviareis pera com vosa enformaçâo prover niso como ouver
allgúa não pode neile tratar sem minha licença e ora sou por meu serviço.
enfermado que as pesoas a que per minhas provisões tenho Como ffordes na dita Bahia sprevereis aos capitães das
comcedido licemça pera poderem trazer allgúa camtidade do outras capitanias que tamto que souberem que na dita costa
dito paao o resguatam por muito maiores preços do que ha cosairos volo sprevão enfformando se primeiro das velas
soya e deve de vailer e por o averem com mais brevidade que sam e de que tamanho e da gente que trazem e a para-
encarecem o dito resguate dé que se seguem e podem seguir gem em que estam pera vos proverdes niso pela maneira
muitos inconvenientes ey por bem que em cada capitania sobredita ou como vos parecer mais meu serviço e que en-
com o dito provedor moor de minha fazemda capitão e ofi- tretanto acudão a yso tendo aparelho pera os seguramente
ciaes e outras pesoas que vos. bem parecer pratiqueis a poderem fazer.
maneira que se deve de ter pera que as pesoas a que asy Porque averei por muito meu serviço descobrir se o
tenho dadas as ditas licenças posão aver o dito paao com o mais que poder ser pelo sertam adentro da ferra da Bahia
menos prejuizo da terra que poder ser e lhes limiteis os vos encomendo que tanto que ouver tempo e desposisam
preços que por ele ouverem de dar nas mercadorias que pera se bem poder fazer ordeneis de mandar allguns bar-
corerem na terra em luguar de dinheiro e o que sobre yso gantins toldados e bem providos do necesario pelos rios de
se asemtar se spreverá no livro da camara pera dahy em Peraçuu de Sam Francisco com lymgoas da terra e pesoas
diamte se comprir. de confiança que vão por os ditos rios acima o mais que
Eu são emformado que muitas pesoas das que estão poderem aa parte do loeste e pera honde fforem ponham
nas ditas terras do Brasyll se pasão de húas capitanias a padrões e marcas e de como os poseram façam asentos
cutras sem licença dos capitães delas de que se seguem autênticos e asy dos caminhos que fizerem e de todo o que
allguns inconvenientes e querendo niso prover ey por bem acharem do que nisto fezerdes e o que soceder me spre-
que as pesoas que estiverem em qualquer das ditas capitanias vereis meudamente.
e se quiserem ir pera outra allgúa pesão pera yso licença ao Encomendo vos e mando vos que as cousas conteudas
capitão a qual lhe ele dara nam tendo ao dito tempo tall neste regimento cumprais e façais cumprir e guardar como
necesidade de gente pera que lhe deva deixar de dar e de vos comfio que o fareis. ]eronimo Corrêa a ffiz1 em
quando lhe asy ouver de dar a dita licença se enfermara Allmeirim aos xbij de dezembro de 1548.
primeiro se a tall pesoa viveo ou esteve por solidada ou per
quallquer outro partido com algua outra pesoa e se comprio Se allguns degradados cue forem pera as ditas partes
o tempo de sua obriguaçâo e achando que ho comprio e do Brasill me servirem lia em navios darmada ou na terra
nam he obriguado a pesoa algúa lhe dara a dita licença e lhe em qualquer outra cousa de meu serviço pera honde vos
pasara pera yso sua certidão em que o asy decrare e levando parecer que devem de ser abelitados pera poderem servir
a dita pesoa a dita certidão será recolhida em qualquer outra quaesquer ofícios asy da justiça como de minha fazenda ey
capitania pera honde ffor e nam a levando o capitão dela o por bem que vos encarregueis dos ditos ofícios quando ouver
nam recolhera e recolhendo o ey por bem que encorra em necesydade de proverdes de pesoas que o syrvão e ysto
pena de 50 cruzados ametade pera os cativos e a outra pera se nam entenderá nos que forem degradados por furtos
quem o acusar e isto nam averá luguar nos degradados ou fallsydades.
porque estes estaram sempre nas capitanias domde fforem As pesoas que nos ditos navios darmada ou na terra
desembarcar quando destes reinos forem levados sem pode- em qualquer outra cousa de guerra serviram de maneira que
rem pasar dahy pera outras capitanias. Este capitulo se apre- vos pareça que mereçem ser cavaleyros ey por bem que os
goara em cada húa dellas e se registara nos livros das camaras- façais e lhe pasareis provisão de comoo os asy fizestes e da
Por que húa das primeipaes cousas que mais cumpre causa porque o mereceram.
pera se as ditas terras do Brasill milhor poderem pouoar he Quando vos parecer bem e meu serviço mandardes
dar ordem como os cosairos que a ela forem sejão casti- paguar a algúas pesoas do ordenado ou solido que ouverem
guados de maneira que não se atrevão a ir laa vos enco- daver allgúa parte adiamtada ou dardes allguas dadivas a
mendo mais que tenhaes especial cuidado de tamto que quaesquer pesoas que sejão ey por bem que o posais fazer
souberdes que ha cosairos em allgúa parte da dita costa e as dadivas nam pasaram de cem cruzados por anno.
ireis a eles com hos navios e gemte que vos parecer bem e Posto que em alguús capitolos deste regimento vos
trabalhareis pelos tomar e tomando os procedereis contra mando que façais guerra aos gemtios na maneira que nos
eles de maneira que .se ccntem em húa provisão minha que ditos capitolos se conthem e que trabalheis por castiguardes
pera iso levares e não podendo vos ir em pesoa ou pare- os que forem culpados nas cousas pasadas avendo respeito
cendo vos por algúas rezões mais meu serviço não irdes ao pouco entendimento que esa gemte ateeguora tem a qual
mandareis em voso luguar húa pesoa de confiança que vos cousa demenue muyto em suas culpas e que pode ser que
bem parecer ao qual dareis per regimento o que deve fazer. muytos estarão arrependidos do que fizerâo averey por meu
349
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
serviço que conhecendo eles suas culpas e pedindo perdão quem provese nelas e daquy em diamte espero que com ajuda
dela se lhe conceda e ainda averey por bem que vos pela de noso Senhor irão em muyto crecimento e pera que arre-
milhor maneira que poderdes os traguaes a iso porque como cadação delas se ponha na ordem que a meu serviço compre
o principal ihtento meu he que se convertão a nosa samfa fee
ordenei ora de mamdar as ditas terras hüa pesoa de con-
ioguo he rezão que se tenha com elles todos os modos fiança que syrva de provedor moor de minha fazemda em
que puderem ser pera que o façais asy. E o princepal a de elas e por confiar de vos que niso me sabereis bem servir
ser escusardes fazerde lhes guerra porque com ela se não com aquele cuidado e deligencia que de vos espero ey por
pode ter a comunicação que convém que se com elles tenha bem de vos encarreguar do dito carreguo no qual tereis a
pera o serem. maneira seguinte:
Levareis o trelado da ordenação porque tenho mandado Ireis daquy em companhia do dito Tome de Sousa
que em meus reinos e senhorios não posa pesoa allgüa de
direitamente a dita Bahia de Todolos Santos e porque ele
qualquer calidade que seja trazer borcados nem sedas nem leva per meu regimento a maneira que ha de ter em asentar
outras cousas contheudas na dita ordenação e tanto que a terra e fazer a fortaleza e povoação na dita Bahia e prover
cheguardes a dita Bahia mandareis Ioguo notefiquar nela em outras cousas que cumprem a meu serviço vos mando
e enviareis o trelado da dita ordenação asynado por vos aas que em tudo o que ele convosco praticar acerqua das cousas
outras capitanias pera que se pobrique nelas e se guarde lhe deis voso parecer e o ajudeis em tudo o que poderdes e
inteiramente. E da dita noteficaçâo se fará auto em cada capi- lhe de vos ffor necesario.
tania o qual se treladará com a dita ordenação no livro da
Tamto que chegardes a dita Bahia vos emformareis que
camara pera do dia da noteficaçâo em diante se eyxecutar as oficiais de minha fazemda á em cada capitania pera prove-
penas da dita ordenação nas pesoas que nelas encorerem. rem e arrecadarem minhas remdas e aos que achardes por
Porque parece que será grande inconveniente os gemtios emformação que á nas ditas capitanias sprevereis em como
que se tornaram christãos morarem na povoação dos outros eu vos mando por provedor moor de minha fazemda aas
e andarem mesturados com elles e que será muito serviço de ditas terras e que por tanto vos sprevão Ioguo que remdas
Deus e meu apartarem nos de sua conversação vos encomendo e dereitos á na capitania donde forem oficiais que me per-
e mando que trabalheis muyto por dar ordem como os que tençâo e de que cousas se paguão e a maneira qye se tem
forem christãos morem juntos perto das povoações das ditas na recadação deles e sobre que pesoas está carreguado e o
capitanias pera que conversem com os christãos e não com que tee guora renderão e se ha hy casa ordenada pera a
os gentios e posam ser doutrinados e ensinados nas cousas dita recadação e que asy vos sprevão que artelheria armas
de nosa santa fee e aos meninos porque nelles enprimiram e monições minhas á na tal capitania e se está tudo carre-
melhor a doutrina trabalhareis por dar ordem como se fação guado em receita sobre meus oficiaes e sendo vos emfor-
christãos e que sejâo insinados e tirados da conversação dos mado que em allgüas das ditas capitanias não á oficiais de
gentios e aos capitães das outras capitanias direis de minha minha fazemda sprevereis o sobredito aos capitães ou pesoas
parte que lhe guardecereis muyto ter cada hum cuidado de que estiverem em seu luguar.
asy o fazer em sua capitania e os meninos estarão na Tanto que na dita Bahia a terra estiver asentada dareis
povoação dos portugueses e em seu ensino folguaria de se ordem que se fação húas casas pera allfamdegua perto do
ter a maneira que vos dixe. mar em luguar conveniente pera boom despacho das partes
Quando sobcedâo algúas cousas que não forem providas e arrecadação de meus direitos e vereis que oficiais ao
per este regimento vos parecer que compre a meu serviço presente são necesarios pera a dita alfandegua e dareis conta
porem se em obra vos a praticareis com meus oficiaes e com diso ao dito Tome de Sousa pera ele com voso parecer
quaesquer outras pesoas que virdes que nelas vos poderão prover dos ofícios que se ioguo não poderem escusar aquelas
dar emformação ou conselho e com seu parecer as fareis e pesoas que vir que niso me podem bem servir atee eu prover
semdo caso que vos sejais em deferente parecer do seu ey deles a quem ouver por meu serviço e porem estando laa
por bem que se faça o que vos ordenardes e das taes cousas pesoa que he provida do oficio de provedor de minha fazenda
se fara asemto em que se decrarará as pesoas com as praticas da capitania da dita Bahia ele servira de juiz da dita alfan-
e parecer delas e o voso pera me spreverdes com as primeiras degua segundo forma do regimento dos provedores e as
cartas que apos iso me enviardes. pesoas que forem encarreguadas dos ditos ofícios averão
(Biblioteca Nacional de Lisboa, Arquivo da Marinha juramento que syrvão bem e verdadeiramente.
liv. 1 de Ofícios, de 1597 a 1602, fl. 1). Ordenareis que na dita allfandegua aja livros . s. hum
da receita e despesa dos rendimentos dela e outro em que
se registe o foral e regimento dos oficiaes e quaesquer outras
II provisões que ao diante se pasarem sobre arrecadação dos
Regimento de Antônio Cardoso de Barros direitos da dita alfandega os quaes livros serão contados e
asynados em cada ffolha pelo dito provedor.
(17 de Dezembro de 1548) Ordenareis casa em que se faça o negocio de minha
ffazemda e contas e pera o dito negocio se farão livros . s.
Eu el Rey ffaço saber a vos Amtonio Cardoso de Baar- hum em que se asemtarão todalas remdas e dereitos que Eu
ros cavaleiro fidalguo de minha casa que vemdo Eu quanto
tenho nas ditas capitanias . s. as remdas de cada hüa per
serviço de Deus e meu he serem as terras do Brasill po-
titolo per sy declarando que cousas e per que maneira se
voadas de christãos pelo muito fruito que se diso segue
paguão os ditos direitos e ordenados e mantimentos que ora
mando ora ffazer hüa fortaleza na Bahia de todolos Santos tem e ao diante tiverem os oficiaes de minha fazemda e
e prover as outras capitanias pera que daquy em diante
quaesquer outras pesoas e asy temças que se ia mandarem
posâo ser milhor povoadas e a jsto ordenei que fose Tome
paguar e averá outro livro em que se asentem os contratos
de Sousa fidalguo de minha casa que emvio por capitão da e arrendamentos que se fizerem e outro em que se registem
dita Bahia e governador de todalas terras do Brasil e os forais regimentos e quaesquer outras provisões que se
porque^ as mynhas rendas e dereitos das ditas terras afee
pasarem sobre cousas que toquem a minha fazemda e asy
quy não forão arrecadadas como compriâo por não aver
se fará hum livro pera mafricola em que se asente a gente
350
A INSTITUÍ ÇÃO DO GOVERNO GERAL
de soldo que ora vay nesta armada ou ao diante for e cada e outras pesoas ou amtre quaesquer outras partes e asy
pesoa terá titolo apartado em que se decrare o nome da podereis avocar a vos quaesquer ffeitos e causas que sobre
pesoa e alcunha se a tever e cujo filho he e o luguar omde as ditas dadas de terras e aguoas se tratarem amtre os
he morador e o soldo que adaver e o tempo que servir e os provedores e asy das apelações e agravos que dante eles
paguamentos que lhe forem feitos e asy se fará outro livro sairem e de tudo conhecereis na maneira e com a mesma
em que se asente todolos oficiaes que teverem carguo de allçada que aveis de ter nos outros feitos açima contheudos.
receber nas ditas terras do Drasill minhas rendas e dereitos Pelo regimento que leva Tome de Sousa lhe mando que
decrarando o tempo em que começarão a servir pera tanto depois que cheguar a Bahia tamto que o tempo lhe der
que for tempo de darem suas contas serem pera iso cha- luguar e os neguocios daquela capitania esteverem pera os
mados e asy se farão quaesquer outros livros e imemtas ele poder deixar vaa visitar as outras capitanias quando asy
que pera os neguocios da dita fazemda forem necessários e for vos ireis com ele pera o ajudardes nas cousas de meu
encarreguareis húa pesoa auta que syrva de porteiro das ditas serviço que nas ditas capitanias aa de fazer e pera também
casas da fazemda comtos e allfamdegua e tenha cuidado de vos proverdes em cada hüa delas nas cousas que tocarem
guardar os livros das ditas casas os quaes livros lhe serão a voso carguo e que vos per este regimento mando que ffaçais.
carreguados em receita em hum livro que pera iso averá que Em cada húa das ditas capitanias tamto que a elas
terá as folhas asynadas e numeradas per vos e estará em fordes fareis vir peramte vos o provedor almoxarife e offi-
poder do sprivão da fazemda. . ciaes de minha fazemda que nelas ouver e semdo presemte
Tanto que asy ordenardes a dita casa pera o neguocio o scripvão de voso carguo vos enformareis dos ditos oficiaes
de minha fazemda vós como sprivão de voso carguo ireis a que remda e direitos tenho e me perfençâo na tal capitania
ela todolos dias que vos parecer que he necesario pera des- e como se arrecadarão ate então e se forâo arremdados ou
pacho das cousas e neguocios em que aveis de prover e de se, arrecadarão pera mym e se foy tudo carreguado em receita
quaesquer outros que sobcederem. e perque pesoas e sobre que oficiais e em que se dispemdeo
Conhecereis de todalas apelações e agravos que saírem o dito rendimento e pera isso tomareis conta aas ditas pesoas
dante os provedores e oficiaes de minha ffazemda asy desa e o que achardes que despenderão lhe levareis em conta e
capitania como de todalas outras capitanias das ditas terras o que ficarem devendo ffareis arrecadar deles aos tempos
do Brasill de feitos que se tratarem peramte eles sobre e pela maneira que mais meu serviço vos parecer e o tre-
contia que pasar de dez mill reaes ou sobre cousa que os lado das arrecadações das contas que se tomarem enviareis
valha e porem no luguar onde vos esteverdes conhecereis aos meus contos do reino.
das apelações e agravos que sairem dante os oficiaes do tal Não avendo na tal capitania oficiaes de minha fazenda
luguar ainda que seja de menos contia que dos ditos dez providos per mym ou faltando allguns dos que forem nece-
mil reaes semdo porem de dous mil reaes pera cima. sarios dareis diso conta a Tomee de Sousa pera ele com
Conhecereis per auçâo nova no luguar omde esteverdes voso parecer prover dos oficiaes que forem necesarios pesoas
e a cimquo léguas darredor de quaesquer casos que focarem que pera iso forem autas e sprever mês os ofícios que
a minha fazemda amtre quaesquer partes posto que o meu se asy proverem e a que pesoas pera eu mandar acerqua
procurador niso não seja parte e asy podereis avocar a vós diso o que ouver por meu serviço.
quaesquer feitos e causas que tocarem a minha fazemda que Em cada húa das ditas capitanias ordenareis que aja
se tratarem peramte o provedor ou allmoxarife do luguar casas pera alfandegua e contos e livros pera o neguocio das
donde vos esteverdes e nos ditos feitos de que conhecerdes ditas casas da maneira que o aveis de ordenar na Bahia e
per auçam nova e avocardes a vos procedereis ate final tomo se conthem no regimento dos provedores.
sentença inclosivel sendo a causa sobre contia de dez mil Asy ordenareis de fazer em ramos apartados as remdas
reaes e dahy pera baixo ou sobre cousa que os valha e e direito que eu tever e me pertencerem em cada húa das
sendo de moor contia levareis o feito a Bahia pera la o des- capitanias anexando a cada ramo aquela parte das ditas
pachardes pela maneira que avieis de despachar os outros e rendas e direitos que vos parecer que se milhor poderão
não avendo vos de hir tão cedo o remetereis la pera o dito nella arrecadar de que se faraa asento no livro dos regi-
Tome de Sousa dar a eles juizes em vosa ausemcia que o mentos da provedoria da dita capitania e as ditas rendas
despachem como for justiça e imdo vós do tal luguar amtes mandareis meter em preguão per ramos ou juntamente como
de terdes dada sentença final nos ditos feitos os deixareis ao vos mais meu serviço parecer e as airematareis a quem por
provedor da capitania de que for o tal luguar o qual os elas mais der guardando niso a forma do regimento de minha
acabará de procesar e determinar dando apelação e agravo fazenda e as confias dos arrendamentos fareis carreguar em
nos casos em que souber. receita sobre o dito allmoxarife pera ter cuidado de tomar as
Em quanto esteverdes na povoaçâo da dita Bahia des- fiamças e arrecadar a dita contia segundo se contem no
pachareis os ditos feitos que a vos amde vir por apelação e regimento de minha fazemda com o qual vos enformareis
agravo com dous leterados os quaes pedireis ao dito Tome em tudo o que não for contrairo a este.
de Sousa e ele volos dará quando comprir e não os avemdo Em cada húu anno sprevereis a cada hum dos prove-
será com duas pesoas quaes lhe a ele bem parecer e com dores de minha fazenda que vos mandem per certidão o
as ditas pesoas detriminareis os ditos feitos de qualquer que remderão minhas remdas e dereitos de sua provedoria o
contia que forem sem apelação nem agravo e pela mesma ano atras e o que delas despenderam e em que cousas e que
maneira detriminareis os feitos que levardes das outras capi- todo o mais enviem a emtregar ao meu thesoureiro que aa
tanias e asy aqueles que na dita capitania da Bahia se tra- destar na dita Bahia pera receber todas as ditas remdas e eu
tarem peramte vós per aução nova ou avocardes do pro- lhes mando em seu regimento que asy o fação.
vedor e allmoxarife delia. Tereis cuidado de tanto que cada allmoxarife tever
Ey por bem que outro sy conheçais per auçâo nova recebido cimquo anos lhe mandar notefiquar que va dar sua
asy na capitanya da Bahia como em qualquer, outra omde conta á Bahia na casa dos contos que hi a destar e que leve
fordes e esteverdes de todalas duvidas e feitos que se mo- pera iso todos seus livros e papeis e ao provedor da tal
verem sobre as sesmarias e dadas de terras e aguoas amte provedoria sprevereis que recemcee ao dito almoxarife sua
o capitão em cuja capitania, estiverem as ditas terras e aguoas conta primeiro que vaa á dita Bahia e arrecade dele o que
351
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DOBRASIL
achar que fica devemdo e o enviee ioguo ao dito meu the- zerse em allgumas das ditas capitanias algum navio á custa
soureiro e que asy vos spreva que pesoas aa na dita prove- de minha fazemda pera defemsão da costa vos dareis ordem
doria que sejão autas pera receber as remdas em quanto o e maneira como se faça conforme ao que ele niso ordenar e
allmoxarife der sua conta e vos emcarreguareis do dito rece- o tal navio sera carreguado em receita sobre o allmoxarife
bimento húa das ditas pesoas que o provedor vos nomear. daquela capitania em que se fizer e asy artelharia e monições
Tamto que ho dito allmoxarife for aa Bahia pera dar que ao dito Tomee de Sousa parecer necesaria pera se
sua conta lha fareis tomar e como for acabada sera vista armar quando comprir.
per vós e ficamdo o allmoxariffe devendo allgúa cousa lha E porque será meu serviço e proveito de meus reinos
fareis pagar e depois de ter dado conta com entregua lhe pela abastança de madeiras que ha nas ditas terras do
pasareis provisão pera tornar a servir seu carguo decraramdo Brasill fazerem se nãos ey por bem que as pesoas que na
nela como tem dado a dita conta com entregua e o recebedor dita terra do Brasill as fizerem de 130 toneis ou dahy pera
que estever servimdo o dito carguo acabará de servir aquele cima ajão a merce e gozem das liberdades de que gozão per
anno que tever começado posto que o dito allmoxarife demtro bem do regimento de minha fazenda os que fazem nãos da
do dito anno leve a dita provisão pera poder tornar a receber dita grandura nestes reinos a qual merce averão nas minhas
e pela dita maneira virão os recebedores dar sua conta aca- remdas das ditas terras do Brasill.
bado o tempo de seus recebimentos. Emformar vos eis do que se fez dartelharia armas e
Aas duvidas que ouver nas ditas contas detriminareis monições minhas que estavão na fortaleza velha de Pernam-
com húu leterado que pidireis ao dito Tomee de Sousa ou buco e ffalhoeis arrecadar e carreguar em receita sobre o
com qualquer outra pesoa que ele pera iso ordenar e não
allmoxarife e pela mesma maneira vos emformareis em cada
semdo ambos conformes em allgüas das ditas duvidas o dito capitania onde ffordes se nella ha alguma artelheria armas e
Tome de Sousa dara outra pesoa pera terceiro e o que per monições que me pertemçâo e achando a a fareis arrecadar
dous for detriminado se comprirá. pela dita maneira e carreguar em receita sobre o allmoxarife.
Quando pelo tempo em diante depois desta primeira Tendo allgüs capitães ou pesoas outras das ditas capi-
vez fordes a cada húa das ditas capitanias vos emformareis tanias necesidade dallgúa artelharia pera seu uso na terra e
como os ditos provedores all noxarifes e recebedores e outros defemsão dela a pidirâo a Tome de Sousa e ele lha mandara
oficiaes de minha fazenda servem seus carguos e achando dar nos meus allmazens se lhe bem parecer e será pelo
pela dita enformaçâo que fazem neles o que não devem preço que achardes que me custa posta laa e pera iso levareis
tirareis sobre isso inquirição devasa e procedereis contra os daqui per certidão do provedor dos meus allmazeis o que
culpados como for justiça detriminando seus feitos na Bahia cada húa das ditas cousas custa posta Ia e o preço per que
como aveis de fazer nos outros feitos e se sospenderdes se asy der aas ditas pesoas se carreguará em receita sobre
allguns dos ditos oficiaes de seus carguos o ffareis saber a o allmoxarife que as der.
Tome de Sousa pera ele prover pesoas que o syrvão e não Eu tenho ordenado que os capitães das capitanias da
sendo o dito Tome de Sousa presente na capitania e que os dita terra e os senhorios dos engenhos e moradores delas
asy sospendedes vós os provereis dando lhe juramento. sejão obrigados a ter as armas e artilharia seguinte . s. cada
Ey por bem que daqui em diamte pesoa allgúa não capitão em sua capitania ao menos dous falcões e seis berços
faça nas ditas terras do Brasil navio nem caravelâo allgum e seis meyos berços e vinte arcabuzes ou espingardas e sua
sem licença do dito Tomee de Sousa a qual lhe ele dara nos polvora necesaria e vinte beestas e vinte lamças ou chuças
lugares omde for presente e naqueles em que o não for dareis e coremta espadas e corenta corpos darmas dalguodão dos
vos a dita licença se ahi esteverdes e não estamdo a dara em que na dita terra do Brasill se custumão e os senhorios dos
vosa ausência o provedor da capitania donde o tall navio se emjenhos e fazemdas que am de ter casas fortes tenhão ao
ouver de fazer as quaes licenças darão a pesoas abastadas menos quatro berços e dez espingardas e dez beestas e
e seguras que dem fiamça perque se obriguem que quando vinte espadas e dez lamças ou chuças e vinte corpos das
ouverem de hir tratar com o tal navio o faça a saber o pro- ditas armas dallguodão e todo morador das ditas terras que
vedor da capitania donde partir e que cumprão inteiramente nelas tever casa terras ou aguas ou navio tenha ao menos
o que sobre isto he contheudo no regimento dos ditos pro- beesta ou espingarda espada lamça ou chuça e que os que
. vedores. não teverem as ditas armas se provejão delas da noteficação
Trabalhareis com as pesoas que vos pedirem licença a hum ano e pasado o dito ano achamdo se que as não tem
pera fazerem os ditos navios que os fação de remo e semdo pagem em dobro a valia das armas que lhe falecerem das
de quinze bamcos ou dahi pera cima e que tenha de banco que são obriguados a ter a metade pera quem os acusar e
a bamco tres palmos daguoa ey por bem que não pagem a outra metade pera os cativos e portanto vós tereis cuidado
dereito nas minhas alfandegas do Reino de todalas monições quando corerdes as ditas capitanias de saber se as ditas
e aparelhos que pera os tais navios forem necesarios e pesoas tem as ditas armas e demxucutar as penas sobreditas
fazendo os de dezoito bancos e dahi pera cima averão mais nos que nelas encorerem. E porque no regimento dos pro-
alem dos ditos direitos quarenta cruzados de merce a custa vedores tenho mandado que quando vos não fordes as ditas
de minha fazenda das remdas que se arrecadarem das ditas capitanias cada hum deles em sua' provedoria faça a dita
terras do Brasil e isto pera ajuda de as fazerem como tudo deligencia e autos do que niso achar e volos enviem quando
he contheudo no regimento dos ditos provedores os quaes volos asy emviarem procedereis por eles segundo forma
quarenta cruzados lhe vos mandareis paguar nas ditas rendas deste capitolo e também sabereis se as pesoas que per
com certidão do provedor da capitania omde se ouverem de este capitolo am de ter artelharia tem a que são obriguados
fazer de como lhe tem dado fiamça a o fazer demtro de hum e a dita diligemcia fareis vós ou os ditos provedores na àrte-
ano e tereis cuidado de saber se aqueles que se obriguarão Iheria e armas que os capitães sao obriguados a ter per
fazer os ditos navios os fizerão e comprirão suas obriguações vertude deste capitulo e com as outras pesoas farão os ditos
pera que achando que os não comprirão se arrecade deles e capitães a 4jta deligemcia da artelharia e armas que cada
de seus fiadores os ditos quarenta cruzados segundo he hum a de ter porque com os ditos capitães somente fareis
contheudo no regimento dos ditos provedores. vos ou os ditos provedores a dita deligencia e não com
Se ao dito Tomee de Sousa parecer meu serviço fa- as pesoas.
352
A INSTITUÍ ÇÃO DO GOVERNO GERAL
os ajão de receber e porem em quanto o dito provedor moor cerão per aução nova de todolos feitos causas duvidas que se
não prover de pesoas que ajão darrecadar o dito ramo os moverão sobre cousas que toquem a minha fazemda antre
ditos provedores darão carguo a allguas pesoas da terra fieis meus allmoxarifes recebedores remdeiros e quaesquer outros
e abonadas que recebão os taes ramos damdolhes ordem oficiaes e pesoas que minhas remdas receberem arrecadarem
como o façâo com juramento que arrecadem tudo o que per- e despenderem que huns com outros trouverem e asy nas que
temcer aas ditas remdas guardamdo meu serviço e ao povo ouverem amtreles e o povo e de todalas cousas que perten-
seu direito e que não recebão cousa allgua sem ser presemte cerem a minha fazemda e dela dependerem per qualquer via
o sprivão do allmoxarifado. que seya. E posto que as taes demandas sejão amtre partes
Semdo caso que os ditos rendeiros não dam fiamça as e eu seja ja paguo ey por bem que o conhecimento delas
ditas remdas ao tempo e da maneira que são obriguados e pertença aos ditos provedores os quaes conhecerão de todas
pelo almoxarife for noteficado aos provedores como não he as ditas cousas e as detriminarão finalmente como lhe parecer
dada a dita fiamça os ditos provedores mandarão loguo justiça sem apelação nem agravo. E esto semdo os feytos e
chamar os ditos remdeiros e lhes mandarão que dem loguo causas que asy detriminarem de dez mil reais ou dahy pera
suas fiamças como são obriguados e se as loguo não derem baixo ou sobre cousa que os valha e sendo sobre moor contia
farão remover as ditas remdas mandamdo as meter em preguão dará apelação e agravo pera o provedor moor e porem
e as arrematarão a quem por elas mais der e tudo o que a estando o dito provedor moor presemte poderá avocar a sy
dita remda demenuir do primeiro arrendamento o dito almo- quaesquer feitos e causas que quiser e proceder neles como
xarife recadará pelos beens dos ditos rendeiros e não se conthem em seu regimento.
abastamdo pelos fiadores que teverem dado a décima parte E iso mesmo ey por bem que semdo allgum ofycial de
e se isto não abastar mandará premder os ditos remdeiros atee minha fazemda nas ditas partes acusado per erros que fizer
que paguem e tudo o que pasar no dito arrendamento sprevão em seu oficio o conhecimento dos taes casos pertemça aos
ao dito provedor mor pera ele ordenar o que ouver por meu ditos provedores asy quamto ao perdymento dos oficiaes como
serviço. a qualquer outra pena crime que por iso merecer.
Os ditos provedores terão cuidado de como emtrar o Os ditos provedores farão guardar os privilégios e
mes de Janeiro avisar aos allmoxarifes e recebedores que liberdades que per minhas ordenações são outorgados aos
acabem per todo o dito mes darrecadar tudo o que for devido rendeiros e conhecerão dos feitos dos ditos remdeiros omde
pelos rendeiros e o que sobre os ditos allmoxarifes for carre- eles forem acusados ou demandados posto que as ditas cousas
gado em recepta e que ate quinze de fevereiro concertem as não toque a minhas remdas e nas casas dos ditos rendeiros
receitas e despesas de seus livros e loguo como pasarem os de que asy am de conhecer darão apelação e agravo pera as
ditos quimze dias de fevereiro de cada hum ano lhe começarão justiças a que per dereito e per bem de minhas ordenações
a tomar as ditas contas e não alevantarão dellas mão atee se ouver de pertencer se os juizes da terra dos taes casos
acabarem. E devendo allgúa cousa a farão arrecadar dos conhecerão e esto não sendo sobre cousas de minhas remdas
ditos almoxarifes e recebedores e o que asy arrecadarem ou do que delas dependerem e em todo guardarão os ditos
enviarão entreguar ao meu thesoureiro que aadestar na Bahia provedores o que acerqua disto he detriminado per minha
e spreverão ao dito provedor moor o dinheiro que asy ordenação no 2.° livro titulo 29 das libardades e previlegios
emviâo decrarando os oficiaes que os taes dinheiros fica- concedidos aos remdeiros e porem isto se entenderá sendo a
ram e de que tempo e não paguando loguo os ditos remda ou quinhão que nela o remdeiro tiver de dez mil reaes
almoxarifes e recebedores o que ficarem devendo os ditos posto que pela ordenação se requeira que a remda de que
provedores os mandarão premder e vemder a arrematar for rendeiro seja de vinte mil reaes e não cheguando aa dita
suas fazemdas aos tempos contheudos em minha orde- contia não gozará de privilejo algum de rendeiro. E esto se
nação e porão outros recebedores que entertamto recebão emtenderá nos rendeiros que teverem quinhão dos ditos dez
atee que o provedor moor proveja doutro recebedor e damdo mil reaes e dahi pera cima.
boa conta o deixarão receber o outro ano seguimte. E no se- E porque nas alfandeguas das ditas capitanias se aade
gundo ano farão o mesmo e acabado de receber cinquo anos o arrecadar a dizima das mercadorias que aas ditas terras forem
dito provedor lhe tomara conta segundo forma do regimento ou delas sairem por me pertemcer segundo forma do foral
de minha fazemda e faraa saber ao provedor moor como o dado a cada hüa das capitanias das ditas terras cada pro-
dito allmoxarife ade dar conta pera que lhe ordene recebedor vedor em sua provedoria sera juiz da dita allfandegua em
que receba entertanto o seisto ano e que o outro der a dita quanto Eu ouver per bem e terá na arrecadação da dita
conta nomeando lhe pera ele allguns meus criados ou pesoas dizima a maneira seguimte:
taes que sejão autos e pertencentes pera servir o dito carguo Ey por bem e mando que todalas naaos navios que de
e não o provendo ele dito provedor porá no dito oficio meus reynos e senhorios ou fora delles forem aas ditas
dalmoxarife o dito ano seisto recebedor que receba as remdas terras do Brasil vão direitamente a cada hüa das partes omde
e tome as fiamças aos remdeiros e faça os paguamentos que ouver allfandegua e casa darrecadação de meus direitos pera
nele forem desembarguadores e lhe dara juramento que bem ahi serem vistos e descarregarem na dita allfandegua quaes-
e verdadeiramente syrva o dito carguo e o dito allmoxarife quer mercadorias que levarem e paguarem a dizima daquelas
não tornara a servir seu oficio nem recebera cousa das ditas de que se dever e isto posto que as mercadorias que levarem
remdas atee as contas dos ditos cinquo anos serem vistas sejão taes ou de taes pesoas ou vão de lugares que delas
pelo dito provedor moor e mostrar certidão sua em que senão ajão de paguar dizima e ainda que aas ditas nãos ou
decrare como tem dado conta com entrega e per ela sera o navios não levem mercadorias todavia irão direitamente a
dito allmoxarife metido em pose de seu oficio acabado o dito qualquer porto omde ouver a dita casa dallfandegua pera se
ano que ade carreguar sobre o recebedor as quaes contas ahy saber que navios são e a que vão e serem buscados se
os ditos provedores terão cuidado de tamto que forem aca- levâo mercadorias allguas defesas e provando se que qualquer
badas as enviara ao dito provedor moor pelo porteiro dos naao ou navio tomou primeiro nas ditas terras do Brasil
contos com todolos livros e papeis que as ditas contas outro porto em que não aja allfandegua e que allgúa da
pertencerem. gemte dele descaregua algúa mercadoria do dito navio em
Os ditos provedores cada hum em sua capitania conhe- terra ou a carregou nele posto que a tal terra seja de paz
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A INSTITUÍ ÇÃO DO GOVERNO GERAL
ey por bem que o senhorio do dilo navio o perca e o capitão que se tirou com licença o qual poderá demandar o dito caso
mestre e piloto que nele forem perderão a valia da merca- aos oficiaes que lhe a dita licença derâo.
-doria que se provar que se descarregou ou carregou e mais As ditas mercadorias que se asy descaregarem se
serão degradados por cimquo annos pera ylha de Sam Tome levarão direitamente a dita alfandegua posto que sejâo taes
e não imdo no dito navio senhorio dele o capitão mestre que delas se não deva dizima as quaes mercadorias se levarão
e piloto perderão a valia do tal navio. pubricamente e levando qualquer pesoa algüa da dita merca-
Tanto que os ditos navios cheguarem ao porto omde doria escondida . s. ao redol de sy ou em manguas ou de-
asy ouver casa dalfamdegua se o provedor e allmoxarife ou baixo de capa ou de maneira que pareça que vay escomdida
qualquer deles la loguo não for o capitão ou mestre do tal sera tomada por perdida imda que digua que a levava pera
navio poderão lamçar fora húa pesoa que vaa fazer a saber a dita allfamdegua os dous terços pera o dito remdimento
sua chegada os quaes oficiaes tanto que o souberem se irão e outro pera quem o tomar descobrir ou achar.
ao dito navio ambos ou qualquer delles se ambos não esti- Semdo as ditas mercadorias triguo ou vinhos louça
verem na terra como scripvão dalfamdegua e entrarão dentro alcatrão e outras desta calidade não terão as pesoas cujas
e saberão do mestre e piloto do tal navio que mercadorias forem obriguação de as levar a dita alfandegua pera nela se
trazem dando lhe juramento se trazem livro da careguaçâo paguar a dizima por serem cousas muyto dificultosas de levar.
ou folha das avalias e trazendo livro lho pedirão e ficara em E porem quando nos ditos navios forem as ditas cousas
poder do allmoxarife jurando que o não trazem lhe mandarão os mestres deles farão delas rol amtes que as descarreguem
que pelo dito juramento decrare todas as mercadorias que o qual levarão a dita allfandegua com decraraçâo de quanta
trouxerem e mando ao dito mestre e piloto que entreguem o he a dita mercadoria e depois de feito o dito rol o dito
tal livro ou folha se o trouxerem o qual o dito allmoxarife provedor as irá dezimar ao porto omde as descarreguarem
terá em seu poder até o navio se acabar de descareguar e pera depois de dezimadas as poderem levar e fazer delas o
vimdo no dito nauio pesoas que tragam camas ou arcas de que lhe bem vier sem mais irem a alfandegua e a dita dizima
suas bitalhas lhas farão o dito provedor e allmoxarife abrir faraa o dito provedor arrecadar e carreguar em receita sobre
e serão per elles vistas e não trazendo nelas cousas de que o dito almoxarife.
se deva de paguar dizima lhas desembarguarão e mandarão Tamto que as ditas mercadorias que ouverem de ir a
levar fora e achando nas ditas caixas cousa de que se deva dita alfandegua forem a ela levadas o dito provedor e allmo-
paguar direitos as farão levar aa dita alfandegua com todas xarife com o sprivão da dita allfandegua se asemtarão em
as mais mercadorias que no dito navio vierem sendo oras hua mesa que na dyta ca^a avera e farão vir perante sy as
pera iso e semdo tão tarde que se não posa naquelle dia ditas mercadorias e aquellas de que se não ouver de paguar
acabar de descareguar o dito scripvam dallfamdegua espre- dereitos despacharão loguo e as levarão as pesoas cujas
vera as mercadorias que nas ditas caixas vierão e alem diso forem e as outras de que se deverem dereitos dezimarâo e
ficara no dito navio hum guarda que dormirá e estará nele carreguarão em receita a dita dizima sobre o dito allmoxarife
até se acabar de descareguar e asy estará e dormira no dito e sendo allgúas das ditas mercadorias de calidade que não
navio em quanto se descarreguar o mestre delle e não con- posão ser trazidas aa dita mesa como he ferro coiros e outros
sentira que nelle se ffaça furto nem outro allgúu desaguisado semelhantes em tal caso o dito provedor almoxarife e sprivão
nem tire dele cousa allgúa sob pena de cinquoenta cruzados irão omde eles estiveram e ahi as dezimarâo e asentarâo em
e da cadea e de paguar qualquer mercadoria que se provar livro e não podendo o almoxarife estar presente ao dezimar
que se tirou do dito navio. das ditas cousas mandara por sy húa pesoa que veja como
Qualquer pesoa que abrir arca cofre ou outra vazilha se carregua sobre ele a dita dizima em receita.
E semdo a mercadoria que se dizimar tal de que se não
sem licença do dito provedor posto que delas não tirem posa na mesma cousa paguar de tres húa o juiz e almoxarife
mercadoria algua pagara dez cruzados e provando se que
a aforarão naquilo que valer segundo os preços da terra e
tirou das ditas vazilhas allgúa mercadoria perderá a valia pelo dito aforamento pagara o mercador a dizima a dinheiro
dela e paguaraa a dita pena. e não sendo o dito mercador contente do tal aforamento em
O dito provedor noteficara aa gemte do dito navio que tall caso avaliara a dita mercadoria e pela dita avaliação se
cada hum tire sua mercadoria e a leve a dita allfamdegua tomara a dita dizima nas ditas cousas per sorte e se carre-
porque damdo o mestre o tal navio por descarreguado se guara sobre o dito allmoxarife e o que asy arrecadar em
perdera qualquer cousa que depois nele for achado e da dita mercadoria se decrarara no asemto da receita a calidade
noteficação se faraa asemto pelo dito sprivão. dela e se for cousa de medyda ou covados ou varas o que
Mando que depois dos ditos navios serem nos portos tem. E se for de pesoas quintaes ou arrobas pera a todo
das ditas capitanias e asy amtes de serem surtos como depois tempo se poder tomar diso conta ao dito allmoxarife.
de ho serem nenhúa pesoa vaa aos ditos navios nem saya E depois que as ditas mercadorias forem aa dita allfan-
deles amtes de meus oficiaes irem a eles nem vão a eles de degua se não trarão dela sem serem dezimadas primeiro e
noute posto que ja la tenhão ido os ditos oficiaes ou estem paguos os direitos delas com licença do dito provedor sob
demtro e isto em quanto os ditos navios descarreguarem e pena de se perderem os dous terços pera o rendimento da
de todo não forem descarregados sob pena de dez cruzados dita allfandegua e o outro pera quem o descobrir.
e se perder a barca ou batei em que a tal pesoa for das Averaa na dita allfandegua dous selos de cera dife-
quaes penas as duas partes serão pera o rendimento da remte hum do outro .s. hum que se pora em todo pano
allfandegua e a outra pera quem o acusar. de cor e de linho de que se paguar dizima e outro nas se-
Todalas mercadorias que fforem nos ditos navios se melantes cousas de que se não ouver de paguar a dita dizima
descarreguarão de dia atee sol posto e não de noite e aos os quaes selos estarão em húa arqua de duas fechaduras
ditos oficiaes não darão licença pera se descarreguarem do de que ho provedor tera hua chave e o sprivão outra.
sol posto por diamte e damdo eles a taMicença ey por bem E achando se allgúas sedas panos de lãa ou Unho sem
que não valha e a mercadoria que se asy tirar de noute com allgúus dos ditos selos serão perdydos os dous terços pera
a barca ou batei em que se tirar se tomara por perdida e o o remdimento da dita allfandegua e o outro pera quem o
mestre do tal navio paguará vinte cruzados posto que alegue descobrir ou achar.
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HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
O dito provedor seraa juiz dos ditos descaminhados comprirão nem iso mesmo se guardarão não vindo com a tal
e cousas sobreditas e as detryminará finalmente sem ape- decraração posto que pelo dito provedor sejão pasadas.
lação sendo a contenda sobre valia de dez mil reaes ou dahi E por quanto dos açuqueres que se fizerem nas ditas
pera .baixo e sendo da dita contia pera cima daraa apelação. terras e dos meles e de todo o mais que delas sair me per-
Depois de dizimadas as ditas mercadorias o dito pro- tence os direitos e asy a dizima do que das ditas terras sairem
vedor com o almoxarife perante o sprivâo da dita allfandegua pera fora do reino pelo modo contheudo no foral ey por bem
em ela pubricamente em preguão vemderão as ditas merca- que na arrecadação dos ditos açuqueres se tenha a maneira
dorias que fforem arrecadadas da dita dizima a quem por seguinte.
elas mais der a dinheiro de contado e a contia perque se Lavrador allgum nem pesoa outra que fizer açuqueres
vemderem se carreguarão sobre o dito allmoxarife no livro de nas ditas terras não tirara pera sy nem per outrem fora da
sua receita com decraração da sorte da mercadoria que se casa do purguar dos ditos açuqueres sem primeiro ser aleal-
vemder e preço e pesoas a que se vemder. dado e paguo dizimo delles sob pena de o perder.
Quando allgúus navios partirem das ditas terras as E tanto que o lavrador ou pesoa outra que tever açu-
pesoas que os carregaarem serão obriguadas de amtes que quer na dita casa do purguar o tever feito e acabado fará
os comecem a carreguar o fazerem saber ao provedor da saber ao allmoxarife ou pesoa que per mym tever carguo
capitania donde esteverem e lhe decrararão as mercadorias darrecadar os meus dereitos de como tem feito tamta soma
que amde carreguar e asy serão obriguados depois de carre- daçuquer e que he ja alealdado de que mostrara certidão do
guados amtes de partirem o tornarem a fazer saber ao dito alealdador e lhe requererá que va receber o dizimo e o dito
provedor e o mestre do tal navio lhe levara hum rol das allmoxarife ou pesoa que o dito carguo tever será obriguado
mercadorias que são carreguadas e o dito provedor depois ao hir receber e arrecadar com seu sprivâo e receberão do
de visto o dito rol irá ver o dito navio e mercadorias que bom e mao igualmente na pilheira e o farão loguo acarretar
em ele esteverem carreguados e achando allgúas defesas ey e Ilevar aos luguares omde for ordenado que se encaixe os
por bem que se percâo em dobro e posto que no dito navio quaes oficiaes serão obriguados a hir receber o dito açuquer
não vão mercadorias todavya o dito mestre será obriguado demtro em tres dias do dia que lhe for noteficado sob pena
de o fazer saber ao dito provedor e lhe pedir licença pera de xx cruzados ametade pera o lavrador ou pesoa cujo o dito
partir sem a qual ele não partirá sob pena de perder o dito açuquer for e a outra metade pera hua obra pia qual o pro-
navio. E o dito mestre será avisado que depois do dito pro- vedor ordenar e pasando outros tres dias alem dos primeiros
vedor ir ver o dito navio ou lhe der licença pera partir não tres paguarão outros xx cruzados pelo modo sobredito. E esto
consemtir que nele se met^ mercadoria allgúa sob pena de sera não tendo eles tal empidimento per omde o não posâo
perdimento do dito navio e mercadorias que se nelle meterem fazer e pera serteza de como lho fizerão saber o sprivâo de
sem lhe valer dizer que não nas vio meter. seu oficio lhe dara diso fee e não estando o sprivâo presente
E dizendo os mestres dos navios que de la partirem e serão perante duas testemunhas de credito a quaes penas
pesoas cujas forâo as mercadorias que neles vierem que vem cada hum dos ditos provedores emxecutara em sua capitania
pera meus reinos e senhorios e que por iso não são obri- e o fara asy comprir com deligencia ouvindo as partes de
guados a pagar dizima das mercadorias que trouxerem nos maneira que os lavradores e pesoas que açuqueres fizerem
ditos navios elles se obriguarão a demtro de hum ano levar sejão aviados e não recebão niso perda nem dano allgum.
ou enviar ao dito provedor certydão dos oficiaes de minhas Tamto que o dito allmoxarife receber o dizimo do dito
allfandeguas omde descarreguarem de como nelas descare- açuquer o fara carreguar sobresy em receita pelo sprivâo do
guarâo as ditas mercadorias com decraração da calidade delas seu carguo o qual terá muito cuidado de lho careguar em
e quantas erâo e a dita obriguação ficara asemtada no livro hum livro que pera iso averá numerado pelas folhas e asynado
que pera iso avera em que se decrarara as mercadorias pelo dito provedor no qual livro estará cada lavrador entitolado
que levão. per sy e no asento de cada hum se decrarara que a tamtos
E se as pesoas que asy carreguarem as ditas merca- dias de tal mes e ano recebeo o dito almoxarife de foão
dorias não forem moradores na capitania donde partirem tanto açuquer e de tal sorte e se he de sua novidade ou se
darão fiamça ao que montar na dizima delia que demtro no o comprou e a quem e diso dara hum sprito ao lavrador em
tempo de hum ano mandarão a dita certidão e levando a ou que tão bem decrarará como fica careguado sobre o dito
mandando a se registar no asemto que aadeficar no livro da allmoxarife ou pesoa que o receber e pelos ditos spritos
dita obriguação ou fiança de como satisfez e não mostrando serão os lavradores ou pesoas que açuqueres fezerem obri-
a dita certidão demtro no dito tempo o dito provedor arre- gados a dar sua conta sem mais ser necessário aver outro
cadara pela dita fiamça a dizima das ditas mercadorias ou conhecimento dos quaes spritos o dito sprivâo não levara
daquela parte delas de que não levarem ou enviarem certidão dinheiro allgum.
de como as descareguarão em minhas allfandeguas asy e da Quando os ditos lavradores ou pesoas que delles com-
maneira que a paguarão se as carreguarão pera fora do reino. prarem açuqueres os quiserem carreguar podelas am levar
Quando allgúas pesoas que não forem moradores que por mar ou por terra pelos ditos spritos a allfandegua do
vierem pera estes reinos e trouxerem pera eles mercadorias luguar omde se ouverem de carreguar e tamto que la che-
pedirão certidão ao provedor da capitania domde partirem de guarem o provedor e allmoxarife verão os ditos açuqueres
como asy la são moradores pera ca gozarem da liberdade e os despacharão e vindo os ditos açuqueres ja encai-
que lhe pelo foral he concedida e o dito jyovedor lhe dara a xados o dito provedor dará juramento aas pesoas cujo
dita certidão feita pelo sprivâo da dita allfandegua e asynada o dito açuquer for que decrare se he branco se de melles ou
por ele dito provedor o qual antes de lha pasar se emformará remeles e per omens que o entendão fara estimar as ditas
se as pesoas que lhe as taes certidões pedirem são moradores caixas dando lhe primeiro juramento dos samtos avangelhos
nas ditas terras com molher e casa e quanto tempo á que la que estimem os mais juntamentos que poderem quantas
vivem e asy as mercadorias que trazem são de suas novidades arrobas vem em cada caixa pela dita estimação sendo as partes
ou as comprarão e a quem e se são delas paguos os dereitos comtemtes se avera a dizima em açuqueres encaixados e
e do que nisso achar lhe pasarâo suas certidões e sendo as empapelados avendo de se paguar la e não semdo as partes
ditas certidões pasadas per outros oficiaes ou pesoas se não ou meus oficiaes comtemtes da dita estimação entam se pesarão
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A INSTITUÍ ÇÃO DO GOVÊRNO GERAL
as ditas caixas e pera se saber a sorte dos açuqueres que elle em recepta em hum livro que pera iso avera e o fara
nelles vem ev por bem que alem do juramento que se a de enviar a cidade de Lixboa no primeiro navio que depois diso
dar aas partes pera decrarar a calidade do dito açuquer e se de Ia vyer e se entreguara ao thesoureiro dos defuntos
tomar a dita dizima do bom e do mao se tome nas ditas que esta na dita cidade com o qual dinheiro o trelado do
caixas a dita dizima per sortes descontando a tara e se testamento e o dito inventario virão com decraração do que
carreguem em receita sobre o dito allmoxarife pelo dito sprivão se vemdeo do contheudo nelle em preguão cada cousa per
dalltandegua com decraração de quamto he a dita dizima e de sy e os beens de raiz se os ouver fara o dito provedor
quem a receberão e em que dia e mes e ano e se he arrendar ate os herdeiros do dito defunto de ca yrem ou
daçuquer de canas se de meles e se he da novidade da mandarem vemder ou fazer dos ditos beens o que quiserem
mesma pesoa que os carregua ou se os comprou e dizendo e o dito provedor sprivão allmoxarife terão o dito carguo da
que o comprou decrarara a quem e o dito provedor fara vir fazemda dos defuntos em quanto eu não desposer dele em
perante sy a pesoa ou lavrador a quem se o tal açuquer outra maneira ou não mandar o contrairo.
comprou e decrarando a dita pesoa que o vendeo se asentara E posto que digua que a fazenda dos defuntos se em-
asym no dito livro e posto que do tal açuquer se não aja de tregue ao meu allmoxarife ey por bem que se entregue a hôa
paguar dizima da saida todavia se fara o dito asento no dito pesoa em cada capitania que ao provedor dela bem parecer
livro com as ditas decrarações asy pera depois se verem os pera que a dita pesoa o envie ao thesoureiro dos defuntos
ditos asentos com o dito livro dos dízimos como pera se de Guine que esta em Lixboa e o dito provedor terá cuidado
cotejar com a certidão que am de trazer de como descarreguarão de fazer enviar o dinheiro que da dita fazenda se fizer ao
os ditos açuqueres nas allfandeguas de meus reinose se fazer dito thesoureiro nos primeiros navios que vyerem do Brasil.
o que atras he dito que se faça com as outras mercadorias Os ditos provedores conhecerão de todos os feitos e
que se nas ditas terras carreguarem e não levarão a dita cousas e duvidas que se moverem sobre dadas de sesmarias
certidão de como as descarreguarão nos ditos meus reinos terras e aguoas que os capitães derem em suas capitanias
e senhorios. ora os ditos feitos e duvidas sejão amtre os capitães e partes
No fim de cada hum ano os provedores cada hum em ora amtre outras partes os quaes feitos e duvidas procesarão
sua capitania verá os livros asy o em que estiver carreguado e detriminarão finalmente sem apelação nem agravo sendo
o açuquer de que se pagou dizimo como o da saida dalltan- sobre cousa que valha dez mil reaes pera baixo e semdo dos
degua e sabera se sayo mais açuquer dallgúa pesoa que ditos dez mil reaes pera cima em tal caso darão apelação e
aquele de que tever paguo o dito dizimo e achando que sayo agravo pera o provedor moor.
mais lhe fará paguar em dobro todo aquele que pelos livros Os ditos provedores cada hum em sua provedoria fará fa-
da sayda se achar que menos paguou do que devera pelo zer hum livro queteraa as folhas numeradas e asynadas por ele
foral por asy soneguar e não paguar o que era obriguado. ê que se registarão todas as cartas de sesmarias de terras
E porque os capitães amdaver a redizima asy do que e aguoas que os capitães teverem atee ora dadas e ao diante
se arrecadar pera mym do dito açuquer como de todo o mais derem e as pesoas a que ja são dadas as ditas sesmarias
que das rainhas remdas nas ditas terras pera mym se arrecadar e ao diante se derem serão obriguadas a registar as cartas
mando aos ditos provedores que eles lhe fação paguar a dita das dytas sesmarias do dia que lhe forem dadas a hum ano
redizima segundo fforma de suas doações e da mão dos ditos e não as registando no dito tempo as perderão e isto farão
oficiaes averão os ditos capitães a dita redizima e não da os ditos provedores apreguoar em luguares pubricos pera a
mão dos lavradores nem doutras allgúas pesoas sob pena de todos ser notorio e farão fazer asento no dito livro de como
o capitão que o contrairo fizer perder pela primeira vez a se asy apreguou e terão sempre cuidado de saber se as
redizima daquelie ano e pela segunda vez ser sospenso da pesoas a que asy forão dadas as ditas sesmarias as aprovei-
jurdyçâo e remdas que lhe pertencerem na dita capitania atee tarão dentro no tempo de sua obriguação e achando que as
minha merce. E o provedor lhe fará paguar a redizima do não aproveitarão o mandarão noteficar aos capitães pera elles
açuquer asy do bom como do mao. as poderem dar a outras pesoas que as aproveitem e os
E mando aos ditos capitães e pesoas que por eles ditos capitães serão obriguados de dar as ditas terras pera
esteverem nas ditas capitanias e a todas as outras justiças que não estem por aproveitar.
das ditas terras que não conheçâo das cousas de que per Ey por bem que pela terra firme a dentro não va pesoa
este regimento am de conhecer os ditos provedores nem se allgüa tratar nem de hüas capitanias pera outras per terra
emtremetão nelas nem em allgüa que toque a minha fazemda posto que a terra estee de paz sem licença do governador e
ou dela depemda sob pena de sospemsão de suas jurdições não sendo ele presemte será com licença do provedor da
ate minha merce salvo daqueles em que lhe he dado per este capitania donde for ou do capytâo dela sob pena dé ser
regimento que provejão e mamdo aos ditos provedores que açoutado semdo pião e semdo de moor calidade paguara
queremdo elles conhecer prover ou entremeter se em algüas vymte cruzados a metade pera os cativos e a outra metade
delas lho não comsymtâo e fação diso autos os quaes enviarão pera quem o acusar porque pera evitar allguns inconvenientes
a este reino em minha fazenda do neguocio da Imdia pera que se diso seguem o ey asy por bem e a dita licença se
nella se despacharem como ffor justiça. não dará se não a pesoas que parecer que irão a bom recado
Falecemdo algua pesoa nas ditas terras do Brasil o e que de sua ida e trato se não seguira perjuizo allgum
provedor em cuja capitania falecer se enformará se fez testa- posto que digua que va com licença do provedor ou do
mento e temdo o feito se nelle se desposer que sua fazenda capitão será a dita licença do dito capitão porque ele ey por
se entregue algüa pesoa asy se lhe fara e falecendo sem tes- bem que a dee nom semdo presemte Tome de Sousa e não
tamento ou não despondo que se entregue la o dito provedor estamdo hy o dito capitão então a dara o provedor.
com o sprivão de seu carguo fara inventario de toda a fazenda Ey por bem que as pesoas que forem a tratar e a
movei e de raiz que dele ficar e o movei fara vemder em neguocear suas fazendas por mar de hüas capitanias pera
preguão pubricamento e o rematará a quem por ele mais der outras em navios seus ou doutras pesoas ao tempo que
e depois de compridos allgüus legados se os deixar que se começarem carreguar e asy amtes de saírem do porto fação
la fação e o mais dinheiro que sobejar e no dito movei saber ao provedor de minha fazenda que estever na capitania
se fizer fara entregua ao dito allmoxarife e careguar sobre domde o tal navio ouver de partir as quaes pesoas lhe decra-
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HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
rarão per rol as mercadorias que levão e o dito provedor ira como a pesoa que o fez tem dado fiança ao fazer da dita
em pesoa ver se as ditas mercadorias são as contheudas no grandura e feição demtro de hum ano e que não ho fazendo
dito rol e achando que são mais ou partindo se o dito navio porque pague os ditos direitos em dobro lhe alealdem e
sem licença do provedor se perdera o dito navio e asy as despachem o que asy mandar trazer pera o dito navio sem
mercadorias que nele forem e tudo se carreguara em receita diso paguar direitos algúus e fazendo o os ditos navios de
sobre o meu allmoxarife e não levando o dito navio mais dezoito bancos e dahy pera cima averão mais alem dos ditos
mercadorias que as contheudas no dito rol o dito provedor direitos corenta cruzados de merce aa custa de minha fazenda
lhe dara licença e o deixará ir e o dito rol se registara em pera ajuda de os fazerem os quaes lhe serão paguos das
hum livro que se pera iso fara pera se nelle spreverem as minhas rendas das ditas terras do Brasil e o provedor moor
mercadorias contheudas no dito rol com decraraçâo de como os fará paguar aas pesoas que fizerem os ditos navios de
o tal navio partiu com licença e o senhorio dele e pesoas remo de 18 bancos pera cima como dito he mostrando as
que no dito navio forem serão obriguados de tamto que che- taes pesoas certidão do provedor da capitania donde se asy
guarem ao luguar donde ouverão de descaregar as mercado- fizer em que decrare que as ditas pesoas lhe tem dado fiamça
rias que asy levarem o ffazerem primeiro saber ao provedor pera que se obriguem a fazer demtro de hum ano e não os
de minha ffazenda que no dito luguar estiver e a trazerem fazendo paguarem os ditos direitos e asy os ditos coremta
quando tornarem certidão do dito provedor de como as la cruzados em dobro.
vemderão ou escambarâo aos ditos capytães e moradores Os ditos provedores terão cuidado cada hum em sua
das povoações omde asy forem e do retorno que delas tra- capitania de em cada hum ano saber se as pesoas que se
zem pera que se saiba que a vemderão aos christâos e não obriguarão a fazer os ditos navios comprirâo suas obriguações
aos jemtios. pera que não sendo compridas fazerem arrecadar delles ou
Tamto que ho dito navio tornar aa capitania domde de seus fiadores os ditos direitos em dobro e asy a merce
partio o provedor dela saberá loguo se o senhorio e pesoas dos ditos 40 cruzados se a teverem recebida e os senhorios
que no dito navio foram trazem a dita certidão na torma dos taes navios terão obriguaçâo de quando ouver guerra na
acima decrarada trazendo a de menos mercadorias do dita capitania ou nas outras comarquas quaes mandaram
que Ileva encorrerá na pena sobredita e mando aos ditos servir nela os ditos navios.
provedores que quando os ditos navios tornarem se enforme E porque sera meu serviço e proveito de meus reinos
cada hum em sua capitania per testemunhas que per- pela abastança das madeiras que á nas ditas terras do Brasill
guntarão devasamente com o sprivão de seu carguo se a fazerem se Ia naaos ey por bem que as pessoas que na dita
gemte do dito navio resgatou mercadoria allgúa com os gemtios terra do Brasill fizerem nao de 130 toneis ou dahi pera cima
ou se lhe deu armas ou salteou ou lhes fez allgum dano e os ajão a merce e guozem das liberdades que am e de que
que achar culpados prenderá e procederá comtra eles damdo guozâo per bem do regimento de minha fazemda as que
apelação e agravo pera o provedor moor de minha fazemda fazem naaos da dita grandura neste reino e as pessoas que
o qual tomara conhecimento do caso e o despachara pela quiserem fazer as taes nãos se obriguarão ao provedor da
maneira que se contem em seu regimento. capitania domde as quizerem fazer e lhe darão fiamça de cem
Ey por bem que daqui em diamte pesoa allgua não faça cruzados ao menos que dentro em hum ano as comecem de
nas ditas terras do Brasil navio nem caravelão allgum sem fazer e tanto que as ditas pesoas derem a dita fiamça os
licença a qual se pedira a Tome de Sousa que envio por ditos provedores lhe pasarão certidão de como a tem dado
governador aas ditas terras do Brasil e estando ele presente e com ela mando aos oficiaes de minhas allfandeguas omde
na capitania omde se o tal navio ouver de fazer e não estamdo vierem ler as cousas que as ditas pesoas mandarem trazer
presente se pedyra ao provedor moor se hi estiver e não pera as ditas nãos que lhas despachem livremente sem pa-
estamdo se pidira e a poderá dar o provedor da dita capitania, guarem dereitos allguos e nas custas da dita certidão decra-
a qual licença se dara ha pessoas abastadas e seguras e que rarâo os ditos oficiaes que lhos asy despacharem quanto
dem fiamça abastanfe pera que se obriguem que quando montou nos direitos diso e lhe tornarão a dita certidão pera
ouverem dir tratar com o tal navio o ffação saber ao dito sua guarda e vindo as ditas nãos que se asy fizeram ao reino
provedor e cumprâo inteiramente o que se conthem no capi- se arquearâo segundo regymento e se lhe paguarâo os que
tolo atras. lhes montar aver de suas arqueações nas remdas das ditas
E a mesma fiamça serão obriguados a dar os que ora terras do Brasil.
tem navios feitos e os elles quiserem tratar e não a damdo E os ditos provedores terão cuidado de saberem se as
não poderão tratar com elles nem telos e os senhorios dos taes pesoas cumprem a dita obriguaçâo e comprindo a lhe
emgenhos daçuqueres que ora tem navios ou ao diamte os farão desobriguar suas fianças e não a comprindo lhe pidirão
tiverem não darão a dita fiança e porem ficarão obriguados a dita certidão que lhe pasarão e achando nela decraraçâo de
quando quiserem naveguar e hir tratar nos ditos navios a como lhe foram despachadas allgúas cousas fara arrecadar
fazerem e comprirem as mais deligencias contheudas no dito pelas ditas pesoas ou pela dita fiamça que ouverem de dar
capitolo e não as comprindo encorrerão nas penas nelle que achar que montava nos dereitos das cousas que lhe forão
decraradas. despachadas e não lhe mostrando a dita certidão os executarão
E porque os navios de remo são mais convenientes pelos dereitos de todallas cousas de que lhe darão a dita
pera naveguarem na dita costa do Brasil e servirem na guerra certidão que ade ficar registada no livro.
quando comprir os ditos provedores cada hum em sua capi- Eu tenho ordenado que os capitães das capitanias da
tania noteficarâo aas pesoas que quiserem fazer navios e dita terra e senhorios dos engenhos e moradores dela sejão
fazemdo os de remo de quinze bancos ou dahy pera cima e obriguados a ter artelharia e armas seguintes .s. cada capitão
que tenhão de banco a banco tres palmos daguoa. Ey por bem em sua capitania ao menos dous falcões e seis berços e seys
que não paguem direitos nas minhas allfandeguas do reino de meyos berços e vinte arcabuzes ou espinguardas e polvora
todas as armações e aparelhos que pera os taes navios forem necesaria e vinte bestas e vinte lamças ou chuças e 40 espadas
necesarios e mando aos oficiaes das ditas alffandeguas que e 40 corpos darmas dalguodâo dos que na dita terra do Brasil
o trelado deste capitolo com certidão do provedor de minha se custumão e os senhorios dos engenhos e fazemdas que
fazemda da capitania donde se o tal navio ouver de fazer de am de ter torres ou casas fortes tenhão ao menos quatro
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A INSTITUÍ ÇÃO DO GOVERNO GERAL
berços 10 espinguardas e 10 bestas e 20 espadas e dez lanças desejava alcançar de Deus quando dizia; quem me otorgara
ou chuças e 20 corpos das ditas armas dalguodão e todo o senor que me tenhas no inferno escondido até que pase o
morador das ditas terras que nelas tever casa terras ou teu furor contanto que me sinales e ordenes tenpo em que
aguoas ou navio tenhâo ao menos besta ou espinguarda te alembres de mim: pelo que nam deixarei de dizer e con-
espada lamça ou chuça e que os que não teverem as ditas fesar a V. A. que tenho esta lenbrança por tamanha satisfaçam
armas se provejão delas da noteficação a hum ano e pasado que pode bem escusar fazerme outra algúa merce pera me
o dito tempo achando se que as não tem paguem em dobro satisfazer o trabalho que tenho levado en tantos anos cheos
a valia das armas que lhe falecerem das que são obriguados de tanta pobreza e ma vida e me parece que nam ha parte
ter a metade pera os cativos e a outra metade pera quem o tam esterile onde me vosa alteza mandase que tendo ja
acusar. E tenho mandado que o provedor moor quando correr comigo como tenho este comtenfamento que se me nam con-
as ditas capitanias tenha cuidado de saber se as ditas pesoas vertese em terehal parayso.
tem as ditas armas e denxucutar as penas sobreditas nos Ora faz hum ano justamente que Tome de Sousa me
que nellas encorrerem. E pera que a dita deligencia se faça mandou chamar da parte de Vosa A. a capitania de Jorge de
ey por bem que quando o dito provedor moor não fizer a dita Figueiredo, onde estava avia dez anos ajudandoa a sustentar
deligencia dentro de tres meses depois de pasado o dito ano e governar: parecendome que em asi o fazer fazia a Vosa A.
da noteficação em que se am de prover das ditas armas cada serviço e também por escusar que nam dixesen de mim que
provedor em sua dita capitania ffaça a diligencia e autos diso andava buscando furo pera sair de onde V. A. mãdava e era
os quaes enviara ao dito provedor moor pera proceder por eles servido estivese e dentro do primeiro navio que pera esta
segundo forma deste capilolo e seu regimento. E querendo cidade se partio me vim e larguei tudo o que la tinha e Tomé
allgúas das ditas pesoas prover la das ditas cousas ou algúa de Sousa folgou muito comigo por chegar aynda em tempo
delas as poderão requerer ao provedor moor pera ele lhas em que mais que em outro o podia servir e elle asi me fez
mandar dar pelos preços que me custarão postas laa. E esta o gasalhado que lhe pareceu era serviço de V. A. eonra minha.
deligencia de se saber se as ditas pesoas tem a dita artelharia Pello que lhe peço a V. A. de mim se sirva e lhe
e armas acima decraradas se fara em cada hum ano. E posto alenbre que perdi nove annos em casa de Vasco Fernandez
que digua que a fara o dito provedor moor e que não a fa- Çeçar e doze neste Brasil, que fazem vintum, que sam justa-
zendo a faça cada provedor em sua capitania ey por bem mente a terça de minha vida e a milhor parte delia pera que
que o dito provedor moor e provedores fação a dita deligencia poda e saque deus for servydo de me dar por milhor empre-
somente na artelharia e armas que os ditos capitães são gada em seu serviço.
obriguados a ter como se conthem neste capitolo e os seus Nam escrevo a V. A. das calidades desta tera per duas
capitães cada hum em sua capitania farão a dita deligencia rezões; a húa porque Thome de Sousa o faz. ao qual V. A.
com as outras pesoas que per vertude do dito capitolo am deve dar mais credito que a outro algum, e a sigunda porque
de ter artelharia e armas que nelle he decrarado. nam tenho licença de V. a. pera o fazer.
Eu tenho mandado ao provedor moor em seu regimento E porque senpre meu yntento foy inquirir e saber as
pera que ho acuquer que nas ditas terras do Brasill se ouver estranhas cousas deste Brasil e ver se poderia achar caminho
de fazer seja da bondade e perfeição que deve de ser ordene pera se a tera seguramente correr, o primeiro ano que a esta
que em cada capitania aja alealdador que seja enlegido pelo Baya cheguey me dixeram que por Porto Seguro entravão
dito provedor moor e sendo ele ausente pelo provedor da tal pola tera a dentro e andavam la cinco e seis meses, pella
capitania como capitão dela e oficiaes da camara e que a qual rezam me fui a Porto Seguro e tirey hum estromento
pesoa que asy for enlegida sirva o dito carguo e quanto o bem que mandey a V. A. desejando seu favor pera buscar e dar
fizer e lhe seja dado juramento e que de todo o acuquer que maneira como fosem descubrir has minas douro que hos
alealldar e se carreguar pera ffora aja de seu prêmio hum negros deziam que avia, do qual fiquey muito triste em nam
reall por arroba á custa das pesoas que o cujo açuquer ver recado nem mandado de V. A. temdolhe escrito sempre
teverem o nam tirem da casa do purguar sem primeiro ser per todas as vias e navios que pera o reino yam, mandando
visto e alealdado sob pena de o perderem e que o alealdador minhas cartas a Vasco Fernandes Çeçar e a Jorge de Figuei-
seja visado que não aiealde açuquer allgum senão sendo da redo pera as darem a V. A.
bondade e perfeição que deve ser na sorte de que cada hum Socedeu agora que este março pasado vierõ a Porto
for pelo que mando aos ditos provedores que cada hum em Seguro negros dos que viuem junto de hü gram rio, alem do
sua provedoria não sendo nela presente o dito provedor qual dizem que esta húa sera junto delle que resprandece
moor tenha cuidado de ordenar que se faça o dito alealdador muito e que he muito amarella, da qual serra vão ter ao dito
pela maneira contheuda neste capitolo. rio pedras da mesma cor, a que nos chamamos pedaços douro,
Este regimento mando aos ditos provedores allmoxarifes que delia caem, e os negros, quando vão a guerra polia banda
sprivãos de seus careguos que imteiramente o cumpra no que de aquém, apanham do dito rio os ditos pedaços de que
a cada hum pertencer como se nele contem. — Domynguos dizem que fazem gamellas pera nellas darem de comer aos
de Figueiredo o fez em Allmeirim a 17 de Dezembro de porcos que pera si não osam fazer cousa algúa, porque dizem
mil bcRbiij. E eu Manuel de Moura o ffiz sprever. que aquelle metal êdoença pella qual rezam nam ousam pasar
a ella e dizem qué muyto temerosa por causa de seu res-
(Biblioteca Nacional, Arquivo da Marinha, liv. 1 dos
Ofícios de 1597 a 1602, fl. 151). prandor, e chamãolhe sole da tera.
E com esta nova esteve toda a jente de Porto Seguro
demovida ou a mais dela pera o yrem buscar, todavia nam
IV
ousarom sem o fazer saber a Tomé de Sousa: elle me
Carta de Filipe Guilhem demandou meu parecer, eu lhe dixe e dey em escripto os ytês
(20 de Julho de isso) do que me parecia que devia mandar e fazer pera se milhor
achar e com menos perigo e despesa, emtanto que o tempo
Senor. —Poso dizer que sam o mais bem aventurado de verão se chegava pera poderem yr.
homê que ha em todo o mundo, pois a cabo de tantos anos Elle esteve detreminado pera me mandar ao descubrir,
V.a A. teve de mim lenbrança e que delle alcancey o que Job porque he necesario pear iso hú homê de muito siso e cuidado
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HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
He porque ho sobredito é ho necesario pera o espi- capitam ffoy a demandar Pero de Quoees com a sua cara-
ritual agora quero lembrar a V. A. a merce que me prometeo vella e com o bragantim e pelejou com a nao dous dias e
fazer (pelo bispo san Tome) pedindo lhe eu huma terça dos meo que estava ella apercebida de gente e artilharia e com
dízimos desta igreja que este ano de 550 estam arendados os tempos que nestes dous dias lhe socederâo a nom tomou
em 77 mil reaes e me despachar que me fazia mas que pri- ffazendo o capitão mor em tudo isto o que pode e devia
meiro queria ter enformaçam de como eu governava o careguo como o ffazem todas as cousas de vosso serviço e com
que aceitara a qual lhe manda ho governador, far me á merce tanta vontade he gerall em tudo que me parece rezão por
achando que eu a mereço ma fazer porque com menos me minha conciencia dizello e V. A. gasta mais do que tem e
nam estrevo poder sostentar e asy aja respeilo que eu so ffez hüas casas nesta cidade por lhe parecer que nisso tam-
sirvo V. A. em esta cidade avendo nella tanto que fazer em bém servia V. A. tam boas e milhores que as que eu ffiz
o espiritual e. que fuy o primeiro que vim oferecido aos pri- pera os capitães delia, toda a merce que lhe V. A. ffezer em
meiros trabalhos me faça merce prover de adaiam e asy sirvo seu despacçho merecia. E tirey a caravella a Christovam Ca-
de tisoureiro per húa provisam que tenho de V. A. a qual brail por que me pareceo que tevera culpa em se apartar em
diz que eu sirva o dito careguo em quanto eu quiser e nam tall tempo de seu capitão, elle tirou disto hum estormento
tenho ate agora com ele mais que dous mil reaes e em pera V. A. se lia for ter ffara nisso o que lhe parecer seu
nenhüa negligencia cay em nenhum dos carguos que sirvo serviço. E o que pasarão os officiaes de V. A. em toda
sinal é que asy o farey cometendo me maiores cousas pelo a costa me diserâo que lhe tinhâo esprito muito largamente
que peço a V. A. me queira prover dambas as denidades ffezerão com suas idas muito serviço a Deus e a V. A.
avendo tamen respeito ser a terra muito pobre que nam se e proveyto de sua ffazenda e esta terra se acabará de perder
podem nela sostentar muitos padres por que nenhúas benesses de todo se V. A. a ella nom mandará sua justiça.
tem nem mais que somente sostentarem se com ho ordenado. Item. Eu tinha começado hüa guallee quando escrevi a
R. M. avendo asy por seu serviço me faça merce la no Reyno V. A. este ano pasado e depois acabey e ffiz capitão delia
se querer servir de mim he dar me licença me posa ir pera a Migell Anriquez criado de V. A. homem honrado e pera
o fazer e em tudo receberei merce. Da cidade do Salvador todo careguo que lhe quisereem dar e por comitre Pedro
oje 3 dagosto de 1550.—Manue/ licenciatus. — Sobrcscrito: A el- Reboilo patrão da ribeira desta cidade e homem que ha dez
rei noso senhor. anos que sabee esta costa e serve nella de piloto e com a
(Arquivo dalôrre do Tombo, Corpo Cronologico, 1,84,123). mais gente necesaria pera sua navegaçam mandey lhe que
fosse daqui pera Pernambuquo e que em qualquer rio que
mais geytoso achase careguase de mantimentos e entrase
VII
pelos rios dentro ate onde mais nom podese que desejo eu
Carta de Tomé de Sousa muito de saber o que vay por esta terra pera ver se poso
descobrir algúa boaventura pera V. A. pois esta terra e o
(18 de Julho de 1S51) Peruu he todo hum. A galle partio a b de novembro do ano
pasado e ate a ffeytura desta nom tenho nova delia presumo
Senhor—Nas deradeyras que o anno pasado esprevy pellas grandes tormentas que ca forâo muito desacostumadas
a V. A. dezia que Pero de Quoees capitão moor do mar que este ano pasado nunca o tall vy que he perdido e que
desta costa e o provedor moor e o ouvidor gerall erão idos a comeo o mar porque se desse em terra na costa ou em
desta cidade a corerem as capitanias daqui pera São Vicente algúu rio tivera nova delia pellos indios prazerá a Deus que
que são daqui iijcl leguoas pouco mais ou menos, são tor- não será perdida e se o ffor que os levara todos ao paraíso
nados aqui a salvamento cada hum ffazendo seu officio como pois hião em serviço de Deus e de V. A. E o que daqui
milhor podia conformando se em todo com os regimentos recolho que quando a noso Senhor aprouver de dar outro
que lhes dey e eu com os que me V. A. deu. Peruu a V. A. aqui que a ordenara quanto e como quiser
Pero de Quoees a jda daqui pera São Vicente nom e nos por muito que madruguemos nom ha de amanhecer
topou nao algúa de cosayros e depois de poer o provedor mais asinha e comtudo isto homem nom se pode teer que
mor e o ouvidor geerall em São Vicente pera usarem de nom ffaço allgúa diligencia e eu algüas ffarey mas hão de
seus officios se apercebeo o milhor que pode e de mais ser com muito tento e pouca perda de gente e ffazenda
gente da terra he tornou outra vez a corer a costa ate o rio tirando as que me V. A. mandar que estas ffarey como
de Janeiro que he aguora a mayor escala de cosayros e nom
parecer bem a V. A. e Antonio Cardoso escreve a V. A.
achou cosayro algum. E topou antre os Índios dous franceses acerca das mostras do metall que mandou de Pernambuquo
hum grande linguoa e outro ffereyro que estavam ffazendo que se perderão no Recyfe dArzilla e eu nõm ey de fallar
brasil pera quando tornasse a nao que ali os deyxara e elle
mais em ouro se não se o mandar a V. A.
os ouve a mão per suas industrias que as sabee melhor que Item. Pareceme que por estes três anos que vem devia
ningem nesta terra e mos trouxe, nom os mandey enfforcar V. A. escusar provedor moor da ffazenda porque o ouvidor
por que tinha muita necesidade de gente que me nom custe gerall que vier servira o mesmo officio e milhor que toda
dinheiro o ferreyro tenho na ferraria de V. A. com hüa bragua outra pesoa que nom ffor leterado que o entenda milhor e
o quall he o mais abell homem que tenho visto porque ffaz aveloriza mais o careguo com a vara da justiça em que será
bestas e espingardas e todas as armas, o outro que he milhor obedecido e temido com dous escrivães hüa das cousas
linguoa traguo em hum braganfim aferolhado. Daqui por de justiça e outra das da fazenda e quando ffor fazer correyçâo
diante se ffara o que V. A. mandar e tornou-se a São Vicente a ffará de todo e ainda lhe sobejaraa tempo e desta maneira
a tomar os oficiaes pera se tornar a esta cidade e tornando terão que fazer e de outra ffolgam ambos todo o tempo.
da vynda outra vez a entrar no Rio de Janeiro topou ahi Item. O thesoureiro de toda a costa que está residente
nova que no Cabo Frio que são da hij dezoyto léguas nesta cidade poderaa também servir de almoxarife dos alma-
estava hua nao de cosayros franceses, trazia o capitão mor zens e mantimentos e da cidade porque hee o neguocio case
duas caravellas e hum bragantym partiu se pera ir pelejar todo hum e nom he muito e asi abastará hum escrivão e
com ella e acertou húa das caravellas de que era capitão capitão moor do mar he escaso porque a maior parte do
Christovam Cabrall de se apartar nestas xbiij leguoas de seu tempo nom he necesario e se o ffor o governador ordenaraa
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
hum homem que va servir V. A. e desta maneira escusará mandar . . . que a natureza do homem ou a calidade ... lhe
V. A. ordenados e como a terra ffor rendendo ira V. A. nom . ,, tenhão as cousas . , . que antes V. A. permude os
crecendo nos officios e deste modo as que aguora rendem a homens como fordes que tellos muito em hum luguar e por
terra os ira paguando e ffazendo alguns navios e obras nom enfadar V. A. gerado nas palavras que Jhesu Christo
necessárias e o que V. A. ordenar em tudo isto será o milhor dezia a seu pay sprituo quidam partus est pera todo ho
que eu não são senam todo ho cativeyro do mundo e quando que V. A. mandar, curo autem deseja ir casar sua filha e ver
cheguey aqui pareceo me muito bem muitos officiaes por dar sua may see forem vivas que depois que ca estou me acon-
algum modo de vida aos homens daqui por diante queria que teceo escrever a quem está no outro mundo.
V. A. nam posesse nesta neguoceaçâo nem em todas as linhas It. Nom escrevo a V. A. o de que a terra tem nece-
de sua cassa. sidade porque esperamos cada dia por navio de V. A. e segundo
Item. Este ano passado veo a esta cidade a caravella o que trouver asi se respondera e o que vinha no navio do
Galga de V. A. com guado vacuum que he a mayor nobreza pilloto moor foy todo entregue aos officiaes de V. A.
e ffartura que pode aver nestas partes e eu a mandey tornar It. Huns iiijo degradados e homens de mao viver se
a caregar ao Cabo Verde do mesmo guado pera tornar aqui foram desta cidade seem minha licença em húu barquo e
que isto era o que lhe a Casa da Índia dava por regimento forão ter daqui a oyto leguoas a huna aldea que eram imiguos
e a mandey careguada de madeira por que vali muito no da geração destes índios nossos amiguos com os quaes eu
Cabo Verde e hum ano que partida daqui e nom tenho nova também tenho feito pazes os índios os ... na sua aldea, como
delia sella nom he aribada ou nova delia deve ser perdida o soubee mandey 11a Pero de Guoes a saber como pasam os
que este ano pasado de .b. se avera medo delle nestas partes Índios nossos amiguos que estavam na ffrontaria desta aldea
em quanto ouver memória de homens. se fforão loguo a ella e a queymarão e fugirão os culpados
It. O gualeão Sam Joam se desfez em Pernambuquo pera dentro do sertaão e não pode aver a mão Pero de
como V. A. ja sabee e segundo a enformaçâo que tenho nom Guoes mais que dous pincipaaes e húa molher, nos homens
poderá ser desfeito em parte que mais se aproveytara pella mandey loguo ffazer justiça e a molher laura (?) no espritall
terra estar em muita necesidade de ferro e das monições em fferros em sua vida e se me nam . . gerrear todos quantos
delle eu ate aguora nom mandey 11a porque esta costa core-sse fforão nisto estou detriminado . . . ffaço prestes pera lhes ir
com moniçâo a quall veetn de seis em seis messes aguora tomar húa aldea porque me . . . que deve este caso ser muito
mandarey lhe a prover sobre as remdas da terra ... e se estranhado e castigado . . . per todos homens que se morrerem
sobre a ffuga do gualeão me nam pode lia ir o provedor de febres folgara . . . pelo que compre no bem da terra pois a
moor porque está muito differente com Duarte Coelho e com quer V. A. . . . mais suceder escreverey a V. A. pella primeira
seu cunhado Iheronjmo dAlbuquerque nem eu pello que me via. Noso Senhor acrecente a vida e reall estado de V. A.
V. A. teem escrito que nom vaa lia ate ver outro recado seu. a seu santo serviço. Desta sua cidade do Salvador nas partes
torno a dizer a V. A. que os capitães destas partes merecem do Brasil a xbiijo de Julho de bclj anos.— Thome [de Sousa/.
muita honra e merce de V. A. e mais que todos Duarte Coelho
sobre que larguamente tenho escrito a V. A., mas nom deixar Sobrescrito: A ei Rey Noso Senhor.
ir Vosa Alteza ás suas terras parece me grande deserviço de
(Arquivo da Tôrre do Tombo, Corpo Chronologico, I,
Deus e de Vosa conciencia e dinificamento de Vosas rendas. m. 86, doe. 95).
. . . FernandAlvarez escrivão da casa da índia em tempos
pasados. .. muito a soster esta terra com hua fazenda que ca VIII
ffez e. . . nisso gastado muita parte de sua ffazenda e tem
duvida . . . Jorge e toda a capitania de Jorge de Figueiredo Carta de Luís Dias, mestre de obras
•. . elle nam fora. E no ano atras do que eu vim gastou muito
em mandar esperar a armada de V. A. per hum seu sobrinho. (15 de Agosto de 1551)
Toda honra e merce que lhe V. A. ffezer nesta terra em verdade Senhor. — Pelo galeam São João vierão ca huns aponta-
que a merece que eu são testemunha de vista que em armada mentos de Vosa Alteza pera o governador Tome de Sousa,
em que viajou fretou duas nãos que vierão armadas em minha os quoaes mandava que vise commigo, aos quoaes eu satisfiz
companhia pera irem caregadas de brasill de licenças que elle e respondi a elles conforme ao que V. A. mandava e logo
tem e fforão de vazio e perdeo niso ij mil cruzados e aliem despedi de caa hum sobrinho meu muito bom oficial, que
de tudo isto he homem de milhor condição que vy que ante comigo de la veyo e V. A. mandou pedir. Socede[u| se per-
V. A. deve de valler muito esta manha. derse este galeam em Pernambuqo e o meu sobrinho meteo
It. Este janeiro de lij que em bora viraa se acabarão se em outro navio e ia com as amostras pera V. A. onde
os três annos pera que me V. A. mandou a estas partes por temos caa per novas que tão bem se perdeo, de maneira que
amor de Deus que me mande ir que eu nom sey outras nem V. A. as amostras nem nos caa teremos a reposta que
palavras por onde o peça porque ainda que servisse V. A. delas esperávamos.
toda a vida que ey de viver no outro mundo em lhe acaretar Pelo que determiney per hum navio que dos Ilheos hia
terra as costas neste ou lhe acrecentar muitas cidades e terras pera laa, per omde o governador e todos os oficiass de V. A.
ao seu real estado nom me ffartaria cousa algúa destas nem lhe escrevem, fazer eu ho mesmo em lhe mandar de novo
de outras pera o muito que devo a V. A. e pera minha con- amostra . . . cidade conforme a como per V. A. e per seus
dição e por isso nom sey outro modo de ffalar nisto se nam apontamentos . . . mandado pedir eu a mando laa com os
que outra vez peço a V. A. por amor de Deus que me mande papeis do governador . . . avelo e ordenará ho que seu ser-
ir pera húa molher velha que tenho e hua ffilha moça. viço for polo . . . portador que se perdeo escrevia a V. A. desta
E nenhum outro governador pode V. A. mandar que nom sua obra e . .. muros da cidade e em que depois de feito ho
ffaça ca milhor que eu e com menos trabalho e verdadei- muro ... húa envernada tamanha que nos deribou parte dos
ramente que aliem de V. A. usar comiguo de hua grande que ieifo tínhamos, ainda que não foy em tanta cantidade por
caridade ffaz também seu serviço que todolas. . . teem termo me parecer que no caso isto de serem hum pouco altas pera #
e limite e nestes tres anos servi. . . ffama e com as orelhas taipa sem cal, os emendamos e fizemos de maneira que estão
que a mesma vontade . . . servirei todas as outras que V. A. pera ha tera muito bons; fiquom já asy acabados e se
362
A INSTITUIÇÃO DO GOVERNO GERAL
compesão jaguora a revocar de cal de dentro e de fora, de Hum navio de Afonso de Tores que chegou ontem da outra
maneira que com elas revocadas ficarão tam fortes que costa deu novas que tivera vista de hüa nao grande que lhe
duraram muitos anos ate que V. A. tenha na terra mais rendi- pareceo o zambuquo.
mentos com que pelo tempo em diante posa gostar mais em Estivemos nesta ylha quatro dias no qual tempo senty
fazelos como qiser e hos baluartes estão muito fortes e muito ser esta terra mais riqua de dinheiro que de vertudes e não
. . . iados com madeira pela taiparia de dentro que durão he muito de espantar pois ha tantos anos que carece de
depois que tão bem forem revocados ho que qiserem. Isto me pastor se absentia de Mouses em 40 dias foy causa que
parece que sobeja e abasta pera esta terra. o povo ydolatrasse que se pode cuidar de hüa terra onde
E asy fizemos dous baluartes, hum na Ribeira de does, nunqua entrou pastor e se entrou não durou mais que húm
muito poderoso, em syma do rochado, de que V. A. verá na mes pelo que V. A. devia de prover esta tera antes que se
mostra, que joga pera todo ho mar da baya e joga as duas acabem de estraguar as conciencias que nela são muy larguas
esperas de marqa mayor que vierão e dous camelos e dous Húm dos meios que me a mim parece em que esta tera se
falcões e hüa dúzia de berços: este ainda que he de madeira podia reformar e muito emendar he virem a ella sopiriores
he tão forte que durará segundo dizem vinte anos por ser de asi no espritual como no temporall que fosem mays ysentos
paos de mange que se criam nagoa e sam como fero. da cobiça e zelosos da Justiça cuidando nisto me alembrou
O outro baluarte de Santa Cruz he mais pequeno e joga o que conta Plutarco de Traiano e Antonio Pio ambos empe-
nele hüa espera e dous falcões e meya dúzia de berços e isto radores romanos os quais quando mandavâo guovernadores
ate saber se V. A. os quer ter asy ate o diante os fazer de as províncias muito distantes capitulavão com eles que não
pedra e cal ou logo como ele ordena. aviam de sair de suas guovemanças com mais fazenda da
E asy fezemos cadeya muito boa e bem acabada com que tinhão quando entrarão nelas e depois que acabasem o
casa daudiencia e camara em syma e na ribeyra de Qoes seus carguos casavão lhe as filhas e honravâo lhe os filhos
casa da fazenda e alfandegas e almazens e ferarias, tudo de e pois V. A. é tão poderoso como Traiano e Antonio Pio
pedra e baro revocadas de cal e telhados com telha, que seria eu de parecer que usasse deste estilo trajaniquo pois
servem ja, de maneira que pelo presente me parece que isto não tem menos animo pera fazer merces a quem o serve do
he acabado ate ho tempo mostrar de sy mais cousas, pelo que que ell teve e desta maneira servirão os homens pera rece-
peço a V. A. ajaa por bem de me mandar ir com o governador berem e não se entreguarião antes de servir.
Tome de Sousa por ser velho e mal desposto e ja ao presente Muito fuy emportunado que quisese dar ordeês nesta
não aver necesydade de mim e nisto me fara muita esmola terra e dalguús fui grosado e notado de pequo porque não
e merce e muito serviço a Deus pera amparo de hüa velha trouxe licença de V. A. e de mais pera as dar dizendo que
que tenho e rogarey sempre a Deus pelo acrecentamento e poderá daquy levar huús mill cruzados mas eu muito milhor
estado de V. A. como o da Rainha e príncipe nossos senhores sofri titolo de néscio que nome de cobiçoso e muito mais
que os entretenha sempre pera seu santo serviço e lhe acre- folguo com onesta probeza que com fazenda guanhada á custa
cente os dias de vida amem. Desta sua cidade do Salvador da conciencia a soo dous dey ordeens menores por terem
Baya de todolos Santos, a quinze dias dagosto de mil qui- breves de Roma crismey algüas 500 ou 600 pesoas mais
nhentos cinqüenta e hum anos — Luys Diaz. crismara se não estivera tanto de caminho.
(Arquivo da Tôrre do Tombo, Corpo Chronologico Nosa partida daquy sera esta noite com ho terrenho
Parte I, 86, 111). prazera a noso Senhor per cujo serviço e fee V. A. me manda
IX nesta empreza que ele que ate quy me deu tempo nolo dera
per cheguarmos ao Brasill a salvamento e a V. A. Raynha e
princepe e princesa dará muita vida com grandisigua prospe-
Carta do bispo do Salvador
ridade. Desta ylha de Santiago do Cabo Verde, onze de abrill
(11 de Abril de 1552) de 1552.— Orador e criado de V. A. O bispo do Salvador.
Sobrescrito: Pera el Rey noso Senhor do bispo do
Senhor - Parecia me rezâo loguo daquy começar de
Salvador.
comprir o que V. A. me mandou quando dele me despedy
que sempre lhe esprevese do que soccedese nesta viagem. (Arquivo da Tôrre do Tombo, Corpo Chron. 1, 86, 45).
Partimos de Belem a 24 de março e aos 27 viemos a vista
da ylha da Madeira com nortes nordestes e lestes tão rijos X
que pareciam que falavão e com eles coremos ate altura das
Canarias daqui por diante viemos com ventos gualernos e Carta do bispo do Salvador
brandos ate esta ylha de São Tiaguo do Cabo Verde onde (12 de Julho de 1552)
sorgimos a oito de abrill três dias ante monsâo em conjução
que dous navios davão a vela pera o Reino e por cuidarem Eu tenho encomendado o deado desta see a hum padre
que éramos franceses tornarão amaynar ate que foy de dia vertuoso e letrado que prega nesta cidade e se veio comigo
que nos conhecerão. Muito mais cedo cheguaramos a esta do reino e por ca saber delle que fora frade lhe não confirmei
ylha se corrêramos com todas as veilas mas por esperar o dito deado, somente lhe dei o ordenado de pregador e lhe
polas nãos da índia e em espiciall pela nao Barileira que encomendei que servise de deão até se elle habilitar e prover
nunqua ade perder o nome de Zoreira não coriamos senão de Roma pera poder ser confirmado na dita dinidade, pela
com o papafiguo e com o traquete de proa eu não quisera qual provisam me disse que tinha ja mandado antes que
tocar nesta ylha nem apartarme das nãos mas a muita enpor- partisse pera ca e espera que lhe venha na primeira embar-
tunação dos padres que vinhão muito enjoados e as instâncias cação que pera esta cidade vier, digo isto a Vossa Alteza
do mestre e piloto que desejavão de vender suas farinhas porque se nam for servido disto me mande o que devo de
mo fez fazer seles larguaram se das nãos nãos da Índia na fazer porque eu nom fiz isto senam pela necessidade que ha
passajem das Canarias segundo os ventos freaquos que trou- na terra de doutrina evangélica e o padre ser vertuoso e bem
xemos as nãos da índia devem de ser aguora nesta parajem. acostumado e ter letras e pregar onestamente.
história da colonização portuguesa do brasil
coosta fiz cerquar de taipa com seus balluartes he as que chama Angra dos Reis e dará a V. A. Ilargua emformação
estavão arredadas do mar fiz cheguar ao mar e lhe dey toda Pero de Quois.
a artelharia que me pareceo necesaria, a quall está entregue It. São Vicemte capitania de Martim Afonso he húa
aos vossos almoxarifes por que os capitães nam querem ter ferra muyto honrada e de gramdes aguoas he cerras e campos,
a que são obriguados a ter nem tem fazendas por honde os está a villa de São Vicente situada em húa ilha de Ires leguoas
obrigue a yso hordene V. A. nisto o que lhe parecer seu de comprido e húa de llarguo na quoall ylha se fez outra
serviço e mandey em todas as vilias fazer casas de audiência villa que se chama de Santos a quall se fez porque a de
e de prisão he endereitar allguas ruas o que tudo se fez sem Sao Vicente não tinha tam bom porto e a de Santos que está
opressão do povo he com folleguarem muito de o fazer que húa leguoa da de São Vicente tem o melhor porto que se
disto são grande parteira. pode ver he todas as nãos do mundo poderão estar nelle
It. Como dise a V. A. não farey senão as lembranças com os proizes dentro em terra, esta ylha me parece pequena
muito necessárias sem as quais esta terra se não poderá pera duas vilias parecia me bem ser hua soo e toda a ylha
sustentar senão se hum homem pode viver sem cabeça. ser temo delia verdade he que a villa de São Vicente diz que
V. A. deve mandar que os capitães próprios residão em suas foj a primeira que se fez nesta coosta e diz verdade e tem
capitanias e quando isto não por ailgúns justos respeitos húa igreja muito honrrada e honrradas casas de pedra e call
ponhão pesoas de que V. A. seya contente porque os que com hum collegio dos yrmãos de Ihesus. Santos precedeu-a em
aguora servem de capitais não os conhece a may que os porto e em sitio que são duas grandes callidades he nella
pario e eu aguora tirey hum da capitania dos Ilheos que estão ya a allfandegua de V. A. Hordenará V. A. nisto o que
he a melhor cousa desta coosta pera fazendas e que mais lhe parecer bem que eu ouve medo de desfazer húa villa a
aguora remde pera V. A. por ser christão novo e acusado Martim Afonso aynda que lhe acrecentase tres . s. a Bretiogua
polia santa inquisição e não ser pera o tall carguo em modo que me V. A. mandou fazer que estaa cinquo lleguoas de
allguú o quall mandou o filho de Jorge de Figueiredo que São Vicente na boca rio por honde os yndios lhe fazião
Deos aya e provey de capitão hum homem honrado e abas- muito mall eu a tinha ya mandado fazer da maneira que tinha
tado he de boa casta que vive na dita capitania e que sirva escrito a V. A. sem custar nada se não o trabalho dos mora-
em quamto V. A. nom prover ou o capitão da terra he Joham dores mas aguora que a vy com os olhos e as cartas de V. A.
Gonçallvez Dormundo que he fidallguo e de cota darmas per a hordeney e acrescentey doutra maneira que pareceo a
hüa provisão de V. A. todos bem segundo V. A. verá por este debuxo e hordeney
It. A esta cidade do Sallvador deve V. A. de prover de outra villa no começo do campo desta villa de São Vicente
hum capitão honrrado he abastado por que a callidade delia de moradores que estavão espalhados por elle e os fiz cerquar
o demanda asy e o governador gerall não deve ter lluguar e ayuntar pera se poderem aproveitar todas as povoações
certo senão rezedir onde lhe parecer que ha mais necesi- deste campo e se chama a villa de Santo André porque honde
dade delle. a cituey estava húa ermida deste apostollo e fiz capitão delia
It. Que a justiça de V. A. entre em Pernambuquo e a lohão Ramalho naturall do termo de Coimbra que Martim
em todas as capitanias desta coosta he doutra maneira nom Afonso ya achou nesta terra quoando ca veyo. Tem tantos
se deve de tratar da fazenda que V. A. tiver nas ditas capi- filhos e netos bisnetos e descendentes delle ho nom ouso de
tanias nem menos da justiça que se faz. dizer a V. A, não tem cãa na cabeça nem no rosto e anda
nove leguoas a pe antes de yantar e ordeney outra villa na
It. O Espirito Santo he a melhor capitania e mais borda deste campo ao longuo do maar que se chama a Con-
abastada que ha nesta costa mas está tam perdida como o ceição de outros moradores que estavão derramados por o
capitão delia qué Vasco Fernandez Coutinho eu o provy o dito campo e os ayuntey e fiz cerquar e viver em hordem e
melhor que pude mas V. A. deve mandar capitão ou Vasquo aliem destas duas povoações serem muy necessárias pera o
Fernandez que se venha pera ella e ysto com brevidade. bem comum desta capitania ffolgey de o fazer por o que
It. Per muitas vezes tenho escrito a V. A. que mande direy em outro item abaixo desta. Estas duas vilias de
a estas partes ale dez criados seus e que seyão homês que São Vicente e Santos não estão cerquadas e as casas de
tenhâm allgua "obriguação e honrra pera servirem nas capi- maneira espalhadas que se não podem cercar senão com
tanias de oficiaes de sua fazemda e de capitães e doutras muito trabalho e perda dos moradores porque tem casas de
cousas quando comprir. Eu entrey no Rio de Janeiro que pedra e call e grandes quintais e tudo feito em deshordem
esta nesta costa na capitania de Martim Afonso 50 Ileguas de per honde lhe não veyo outra melhor telha que em cada húa
São Vicente e 50 do Espirito Santo, mando ho debuxo delia dellas que fazerse no melhor sitio que poder e mais convi-
a V. A. mas tudo he graça ho que se delia pode dizer senão nhavel pera sua defenção cada húa seu castello e desta ma-
que pimte quem quiser como deseje hum Rio isso tem este neira ficarão bem segundo a callidade da terra e deve se
de Janeiro, parece me que V. A. deve mandar fazer aily húa lloguo prover nisto quem com rezão o deve fazer porque
povoação honrrada e boa porque ya nesta costa nom ha rio doutra maneira estão mall.
em que entrem franceses senão neste e tirâo delle muita Item. De Castella partiu hua armada com 300 pessoas
pimenta e fuy sabedor que hum ano tiraram 50 pipas he pouquo mais ou menos pera o rio da Prata, a quoall parte
tirarão quanta quiserem pagar os matos andão da callidade delia na Ilha do Princepe na costa da Quine e parte na costa
deste de ca de que V. A. deve de ter emformação e escu- entre ho Rio da Prata e São Vicente 60 lleguoas delle honde
sar se hia com esta povoação armada nesta costa e não se chama o Rio dos Patos se perdeo casi toda e se salivarão
ponha V. A. isto em traspaço porque aliem de ser necesario soomente 60 pessoas casy a metade molheres honde entrava
pera o que diguo devia V. A. aily de ter outro ouvidor gerall a molher do governador que tão bem falleceo que se cha-
porque está em pasajem pera toda a costa daly e desta mava Fernando de Saraiva e suas filhas e parentes em que
cidade ser provida com Justiça e com brevidade por respeito erâo nove ou dez molheres fidallgas afora outras, os yndios
das monções e se eu não fiz fortaleza este ano no dito Rio como virom que era gente que se parecia com nosquo e
como me V. A. escrevia foy por que o nom pude fazer por dizerem lhe elles que erâo yrmãos nossos nam lhes fizeram
ter pouqua gente e não me parecer siso desarmarme por mall allgum antes muyto guasalho, como se vyão asy perdidos
tantas partes e acerqua deste caso he de outra bahia que se veyo hum capitam daquella companha que se chamava Johâo
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HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
do Sollazar que foy criado do duque dAveiro a quem fez tem que trarão estes homens nova de allgum grande tesouro.
deitar o abito de Santiaguo ê chegando este homem a Da cidade do Salvador ao primeiro de Junho de 1553—Thome
São Vicente chegei eu e me pedio que mandase buscar de Sousa. — Sobrescrito: A ell rey noso Senhor.
aqueiles homens e molheres que estavão ally perdidos, pare-
ceo me serviço de Deus e de V. A. mandallos buscar em (Arquivo da Tôrre do Tombo, Gav. 18, m. 8, n. 8).
hum navyo he trazellos a São Vicente parecendo me que as
molheres virão tão emfadadas dos trabalhos que pasarâo que
casarão ahy com quem lhes der de comer e os homens que XIII
farão cada hum sua roça. E parti com eiles desa pobreza
minha que Ilevava e nom foy tam pouquo que nom fose mais Dom Duarte da Costa carta de capitam
do que eu tinha de meu de trinta he cinquo anos. da Cidade do Salvador do Brasyl
Item. Polio Rio da Prata arriba 300 lleguas da bara ao (1 de Março de 1553)
norte e ao nordeste esta hua povoação grande de castelhanos
da gente que ally lievou Dom Pedro de Mendonça a quoall Dom Joham etc. A quamtos esta mynha carta virem
está em 25 grãos he hum quoarto e São Vicente esta em faço saber que vemdo eu como pera os cargos de capitam
23 e 3 quoartos, foi se aguora descobrindo pouquo e pouquo da cidade do Saluador da capitanya a Baya de fodolos Samtos
que esta povoação que se chama a cidade dAçunção está na costa do Brasyll e de gouernador jerall da dita capitanya
muyto perto de São Vicente e não devem de pasar de cem e das outras capitanyas e teras da dita costa he necesario
lleguoas porque polia altura se ve Iloguo claramente. Parece húa pesoa tall e de tamto rrecado e comfiamça que nyso me
nos a todos que esta povoação está na demarcação de V. A. posa e sayba bem serujr e pela muyta comfiamça que tenho
e se Castella ysto neguar mall pode provar que he Malluco em Dom Duarte da Costa do meu comselho que nas cousas
seu e se estas pallavras parecem a V. A. de mao esperiquo e de que o emcaregar me saberá bem servjr e o fará com o
pior cosmografo terá V. A. muita rezão que eu não sey nada cujdado e delygemcia que se dele espera e como ate quy
disto se não deseyar que todo o mundo fose de V. A. e de tem feyto nas cousas de meu seruyço de que foy emcare-
vossos herdeiros achey que os de Sam Vicente se comunicavâo gado ey por bem e me praz de lhe fazer merçe dos ditos
muyto com os castelhanos e tanto que na alfandegua de V. A- cargos por tempo de tres anos e com quatro cemtos mill
rendeo este ano pasado cem cruzados de direitos de cousas reaes de ordenado em cada huu ano pagos a cüsta de mynha
que os castelhanos trazem a vemder. E por ser com esta fazemda no tesourejro de mynhas rremdas que ha de estar
gente que parece que por castellanos não se pode V. A. desa- na dita cidade do Saluador por esta carta somemte que sera
peguar delles em nenhúa parte hordeney com grandes penas rregistada no livro de sua despesa pelo esprivâo de seu
que este caminho se evitasse ate ho fazer saber a V. A. e cargo e pelo trelado delas comtheudas do dito Dom Duarte
por nisto grandes guardas e foy a causa por honde follgey de mamdo que lhe sejam leuados em comta os ditos quatro
fazer as povoações que tenho dito no campo de São Vicente cemtos mill reaes que lhe asy pagar em cada huú ano.
de maneira que me parece que o caminho estará vedado acuda Notefiquo ho asy a Tomé de Sousa do meu comselho
V. A. com muyta brevidade a mandar ho que nisto ha por que ora esta serujndo os ditos cargos e ao prouedor moor
seu serviço e em todo ho modo responda V. A. a este capitólio de mynha ffazemda nas ditas partes do Brasyll oficiaes e
que em cousas tão novas não me sey detreminar por que a pesoas a que ho conhecimento desta pertemcer e mamdolhes
tençâo dos castelhanos era yrem se por terra pera a sua que tamto que ho dito Dom Duarte da Costa chegar á dita
povoação. cidade do Saluador o metam em pose dos ditos cargos e lhes
Item. Os yrmãos da companhia de lhesu fazem nesta leyxem serujr pelo dito tempo de tres anos e aver o dito
terra muyto serviço a Deus por muitas vias como por vezes ordenado como dito he e nas costas desta lhe pasem certidão
tenho escryto a V. A. tem elles grande fervor de yrem polia do dia mes e ano que lhe deram a dita pose pera que se
terra a dentro a fazer casas no sertão entre o gentio e lho sayba que dahi em diamte á de corer os ditos tres anos e
defendy de maneira e com as pallavras com que se devem vemçer o dito ordenado e mamdo a todolos capitães das
defender as tais obras dizendo lhes que asy como se for teras do Brasyll e aos que seus cargos tiuerem e aos ofiçiaes
•V. A. allarguando se vão elles também e que se quisessem da justiça e de mynha fazemda em elas e aos moradores
entrar polia terra a dentro que o façâo dous e tres com seus das ditas teras e todos em jerall e a cada huú em especiall
llinguas a preguarem ao gentio mas yrem a fazer casa antre que ajam ao dito Dom Duarte da Costa por capitam da dita
elles me não parece bem por agora senão em nossa companhia. cidade do Saluador e governador gerall das outras capyta-
Sinto ysto muyto e de maneyra que o tomem como nyas e teras do Brasyll como dito he e lhe obedeçam intei-
martírio que lhes eu dese. V. A. acuda Iloguo a ysto Iloguo ramemte e cumpram e façam o que lhes de mynha parte
porque não queria eu ter com homens tão vertuosos e tanto rrequerer e mamdar segumdo forma dos Regimemtos e pro-
meus amiguos deferenças de pareceres porque sempre tenho uisões mynhas que pera yso leua e lhe ao diamte forem
ho meu por pior e senão pera toda esta costa contra esta emviadas sem embargo de polas doações por mym ffeytas
hopeniâo não ousava eu de lho enpedir. aos capitães das ditas teras do Brasyll lhes ter comcedido
que nas teras das ditas capitanyas não emtrem em tempo
It. De São Vicente até o Rio da Prata estavão allguas
alguú coregedores nem alçadas nem outras algúas justiças
armas de Castella em allguas partes mandeias tirar e deitar pera nelas vsarem de jurdiçam per nenhúa via nem modo
no mar e por as de V. A.
que seja nem sejam os ditos capitães sospemços de suas
It. Correndo esta costa achey antre o gentio nova mais capitanyas e jurdições delas e asy sem embargo de pelas
quente douro do que me a mi parece nem parecera ate que ditas doações lhes ter comcedida alçada nos casos ciues asy
o veya pollo muito que o deseyo todavia hordeney doze por auçam noua como per apelaçam e agrauo ate comtia de
homens e hum clleriguo yrmão da companhia delhesus como çem mill reaes e nos casos crimes ate morte naturall inclu-
elles e estão pera entrar pella terra firme polia via de Porto sive em escrauos e gemtios e em piães cristãos omès liures
Seguro e per Pernambuquo são ja entrados outros quererá em todolos casos asy pera asoluer como pera comdenar e
nosso Senhor que pois V. A. parte também com elle do que nas pesoas de mais calydade ate dez anos de degredo e cem
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A INSTITUÍ ÇÃO DO GOVERNO GERAL
cruzados de pena sem apelaçam nem agrauo por quamto por avião prezo sobre certa diferemça que emtre ele e os seus
alguas justas causas e rrespeytos que me a yso mouem ey avião tido e o levarão ao Peru prezo e a esta causa não se
ora por bem de mynha certa cyemcia por esta vez pera estes povoou esta prouymcia porque todos nos tornamos ao Peru.
casos e pera todo ho comtheudo nos rregimemtos que o dito Trouxe comiguo certos imdios destas provimcias de
Dcm Duarte da Costa leua derrogar as ditas doações e todo quem me Enformey que avia adiamte de hum destes imdios
ho nelas comtheudo emquamto forem comtra o que se com- que tive em mynha companhya quatorze ou quinze anos.
them nesta carta e nos ditos rregimemtos e provysões posto Depois que desta terra saymos vierâo tras nos catorze
que nas ditas doações aja algüas cláusulas derrogatoreas ou mil imdios pera saber que jemte éramos e no caminho se
outras quaesquer de que per direito e mynhas ordenações se toparão com outros imdios de outro Senhor com quem tinhão
deuese fazer expresa e espeçiall mençam e derrogaçam as guerra e os matarão a todos que não fiquarão mais que
quaes ey aquy por expresas e declaradas como se de verbo trezemtos vivos os quaes se forão fugindo por hum Rio
a verbo fosem nesta carta escrytas sem embargo de quaes- asima em húas canoas e a cabo de certo tempo forão a hum
quer dereylos leis ordenações que aja em comtrairo e da povo de cristãos que ha no Peru que se chama as Chacha-
ordenaçam do liuro segumdo titolo quoremta e noue que diz poas avera neste camynho por omde vierão estes imdios ate
que nenhúa ordenação se emtemda ser derrogada se da sus- o Peru quinhentas legoas. E estes imdios se conhecerão com
tamcia dela senam fizer expresa memçam por que sem em- os outros que Eu trouxe porque erão todos de hüa terra e
bargo de tudo Ey por bem e mamdo que esta mynha carta de hum Senhor e a relação da terra eu tinha dos meus im-
se cumpra e goarde inteiramemte e o dito Dom Duarte da dios e a que estes me derâo toda era hüa. E estes trezemtos
Costa jurará na chamcelaria que bem e verdadeyramemte imdios fiquão agora no Peru.
syrua goardamdo em todo a my meu seruyço e ás partes seu Em esta provimcia de Machifaro que eu vy se podem
direito o qual Dom Duarte me fará menagem amtes que deste povoar cimquo ou seis vilas muy riquas porque sem duvedas
Reyoo parta na forma e maneira em que os capitães e ay nela muyto ouro e ao que me ela pareçeo he terra abun-
alcaydes mores das fortalezas me fazem quamdo os proveyo doza de mantimentos e sam como a do Peru.
dos ditos cargos e leuará certidam de Pero d'Alcaçoua Car- Esta ferra está emtre ho Ryo da Prata e o Brasil pela
neiro do meu comselho e meu secretario de como fez a dita terra ademtro por esta terra vem o Ryo Grande das Ama-
menagem e por firmeza do que dito he lhe mamdey pasar zonas e na pasajem desta terra tem este Ryo muytas ilhas
esta carta por mym asynada e aselada do meu selo pem- no Ryo e bem povoadas de jemte bem luzida e da outra
demte dada em Lisboa ao primeiro dia de Março Adriam banda do Ryo ay muyta povoaçâo da mesma jemte de ma-
Lúcio a fez ano do nacymemto de Noso Senhor ]esu Cristo neyra que de hüa bamda e doutra esta bem povoada.
de mill bcliij, Amdre ]oham a fez esprever. Os mamtimentos desta terra he mais que quá se chama
myiho e acaçaby que serve por pão e disto ha muyta camti-
llòrre do Tombo, Chancelaria de D. João III, Livro 56, dade. Ha neste Ryo muyto pesquado de toda a çorte como
foi. 191 v). em Espanha que em cada povo que cheguão achâo muytas
XIV casas cheas de pescado cequo que eles levão a vemder pelo
sertão e tem suas comtratações com outros imdios. Vão os
Apontamentos de Diogo Nunes das suas viagens caminhos muyto abertos e muyto seguydos porque corre
na América (1554?) muyta jemte por eles.
Ay carnes momtezes nesta terra; .s. veados amutas
Apomtamento do que V. A. quer saber porcos momtezes patos e outras casas Muytas. Tive noticia
que ate o Rio da Prata nesta mesma terra avia hoveihas
No ano de xxxbiijo foy com hum capitão que se diz como as do Peru que he o mylhor sinal que nestas partes
Mercadiiho e saymos do Peru ha descobrir e pasamos muytas pode aver porque omde ay ovelhas ay todo o demais em
terras despovoadas ate donde este capitão se fiquou mal abastamça.
disposto. Por este Rio se ade prover esta terra porque podem
Emtonce mamdou vimtacimquo homens de cavalo nos hir navios por ele omde se poderá povoar hua vila que seja
quaes fuy eu por mandado do dito capitão e cheguamos a porto e escala de toda esta terra porque sobe a mare do-
hüa provimcia a cabo de vimtacimquo dias hachamos boa zentas legoas o Ryo asima e deste porto omde se povoar a
terra e bem povoada de imdios e riqua de ouro segumdo o primeira vila sobirâo barguamtis mais de trezemtas legoas
que vy e no que os Índios trazião que bem parecia a terra por que o Rio vay chão e muyto bom.
abumdoza de ouro por que os imdios trazião armas douro e Avera trezemtas legoas des desta prouimcia ate o mar
braceletes nos braços. Esta jemte era de guarnição porque e sae este Ryo ha costa do Brasil.
tinhão guerra com outros imdios que jaa tínhamos deyxado Também poderey ir por são Vicemte atraveçando pelas
atras. Puzerãoce em nos defemder que não emtracemos na cabeçadas do Brasil tudo por terra firme, porem ha muita
terra e emtâo o desbaratamos por força darmas e emtramos terra que amdar e não se pode levar as cousas neceçarias
na terra. E estes imdios serião ate cimquo ou seis mil e aly pera comquisfar e povoar como por este Ryo aimda que a
se tomarão muytos deles emtre os quaes vinhâo outros im- terra he bem povoada.
dios de outras limguoas e terras como pareçeo polos limgoas He necessário pera comquistar esta terra agora ao
que levávamos comnosquo. Esta provimcia omde Eu chegey presemte quatrocentos homens, cento e vimte de cavalo e os
se chama Machifalo. outros de pee, esta jemte toda se a de fazer em Alemtejo e
Estes imdios que aly tomamos nos derâo conta que no Alguarve e alguns omens dAfriqua porque esta jemte
erão de outro senhor que estava adiamte deste .de que erão prova bem naquelas partes.
vasalos. Hey mister cimquo navios amareados com todo o ne-
Estes dous senhores tem guerra hum com outro e se çeçario estes hão de ir ate emtrarem no ryo e daly se poderão
cativão huns e outros e os tomão por escravos —vista a terra tomar he neçeçario três barguantis e tres taforeas pera tomar
ser tam boa nos viemos a dar comta a noso capitão aomde os mantimentos e cavalos e gemte aos navios que daquy
o tínhamos deyxado e não no achamos por que os seus o forem porque pera o Ryo estes navyos são mais neceçarios.
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Ha munição que hey mister he cem arcabuses e cin- do aimazem com seus capacetes e outras duas ou tres dúzias
quoenta bestas e duas dúzias de peças dartelharia de bronze, de couraças, porque ysto he o que basta. —D/og-o Nunez.
as seys de dous quintaes e outras seis de quatro quintaes e
as dozes peças ão de ser de seis quimtaes ate oyto. Mais (Corpo Chron. Parte 3.a, maço 14, doe.),
corenta quintaes de polvora.
Ha ordem que tem os guovernadores no Peru e em
todas as outras índias de Castela em conquistar e repartir a XV
terra he o seguinte;
Depois de conquistada a terra e paseficada a gemte Carta do bispo do Salvador
dela se fumdão vilas em os milhores luguares que lhe parece
ao governador e conquistadores dela e logo poen per memória (II de Abril de 1554)
num livro quantos caciques ay na terra que estes são senhores
dos índios que estão ao redor da dita vila trinta ou corenta Senhor.— Por via de Pernambuco tenho escripto a Vosa
legoas e os indios que cada cacique tem os dão aos cristãos Aiteza por hum Antonio Ferreira da Camara e porque as
com o senhor deles a qual cantidade que o guovernador lhe navegações desta costa sam duvidosas torno a escrepver por
parece segundo calidades na pesoa e segundo os serviços na via de Porto Seguro, porque afirmo a Vossa Aiteza que
terra tem feito porque a hum dão mais e a outros menos. quem vio esta terra em tempo do bõo Tome de Sousa e a
Estes indios servem a este cristão e lhe dão hum tanto vee agora que tem tanta causa de se carpir quanta teve
cadano de remda conforme ao que decrara o cacique que os Jeremias de chorar sobre a cidade de Jerunsalem porque
indios lhe podem dar de maneira que eles andem descançados, sam tantos os desconcertos desarranjos e dissoluções de
afora disto lhe dam trimta ou corenta imdios pera que lhe Dom Álvaro Joam Rodriguez Peçanha Luis de Goes, Fernâo
façâo sua casa e lhe guardem seus guados e lhe fação suas Vaz da Costa e de outros seus sequazes e tamanho o des-
sementeiras e estes trinta indios se trocâo cada mes no ser- cuido do governador que não ha homem que nam seja afron-
viço porque se vão hus e vem outros. tado e ameaçado nem mulher que nam seia desonrrada e
Se estes indios podem dar ouro ou prata o emtreguão combatida em sua omrra e sam estes omens tam atrevidos
ao caçique pera o cacique o de a seu Senhor e asy também em ofemder a Deus e em afrontar aos moradores desta
lhe dão roupas que eles fazem e trigo e mays segundo o que cidade que bem se pode dizer delles aquillo da escriptura
tem e colhem em suas terras não recebendo eles dano porque predicauerunt peccatum suum sicut Sodoma et non erubuerunt
o dão de sua vontade e de toda a prata e ouro e pedras que et non sit timor dei ante oculos eorum. Eu vendo tanta de-
estes imdios dão leva o emperador seu quinto e comtudo vassidade por vezes avisei o governador em particular que
VSto Qus dão aos cristãos estão os imdios mais descamçados oulhase por seu filho e o apartasse de maas conversações e
e não dão tanto como davão no tempo que estavão com o remediasse tamanhos males com tempo; ele me respondia
seu cacique, porque por húa cousa muyto leve que faziâo que nam podia tolher a Dom Álvaro seu filho que folgase
mandava que lhe mataçem ate a quarta jeraçâo e lhe tomacem com quem quisese e que na terra nam havia outros fidalgos
toda sua fazemda de maneira que não tynham cousa sua mais honrados que Joham Rudriguez Peçanha e Luis de
propia. E agoraa estão muito mais riquos e favorecidos Goes com quem seu filho se desenfade e que arrebentava
e lhes guardão sua justiça e he de maneira se quezerâo os do riso de quem isto mal parecesse e que bastava ser ele
caciques levantar contra os cristãos se os indios lhes quizerâo conhecido no Reino por vertuoso e que lhe não dava nada
ajudar porque estes imdios os descobrirão aos cristãos. de quanto se dissesse sabendo que não era capaz de con-
selho e que não lhe aproveitava minha adomestação secreta
Estes homens que tem estes repartimentos são obri-
guados a ter hum sacerdote emtreles pera os dotrinar aos nem o envergonhara a murmuração do povo manifesta, pre-
imdios e a seus filhos em nosa santa fee. guei Dia dos Santos estranhando as cousas que sucederam
nesta cidade desde que Tomé de Sousa se foi allegando os
Todos os povos que se fundão e os repartimentos que grandes castigos que Deus manda aos povos pelo pecado do
se dão he a nome de sua magestade e estes repartimentos adultério e isto em gerai sem ter ninguém em particular, do
que daa o guovernador he por vida e em morrendo este o que me tomou o governador tamanho aborrecimento que
daa o governador a outro que ajaa servido na terra emtanlo nunca mais me passou pela rua a defender a todos os seus
que governador se faz desta maneira em nome de S. M. panigoados que nam entrasem em minha casa nem me visi-
sepem a Justiça o dito governador. Esta he a ordem que se tassem e fez com seu filho Dom Álvaro e com Joham Ro-
tem em todas as Imdias de Castella. driguez Peçanha que amotinassem os conegos contra mim
Se V. A. for servido que Eu vaa a povoar e conquistar como logo fizeram e amotinaram a hum Francisco Vacas que
esta terra em nome de V. A. a de ser com estas condições eu tinha provido de chantre e a hum Gomes Ribeiro frade
ditas arriba por que asy o faz o emperador e mais me V. A. que foy de São Domingos que eu quisera prover de deâo e
de fazer merce por tres vidas da guovernação porque asy as assim todos os outros e querendo eu prender estes dous o
daa he Emperador com outras muytas merçes que lhe mais governador me foi a mão e mandou ao carcereiro que não
em riba faz oulhando seus merecimentos e a governação ha recebesse clérigo na cadeia sem sua licença e despois me
de ser de todo ho que descubrir e povoar. fez muitas vexações e maus ensinos favorecendo os conegos
Dando me V. A. os navios e munição como asima contra mim e Joam Rudriguez fazendo os sahir da ssee e
diguo Eu porey mantimentos cavalos e gemte por que se toma servir se deles em sua casa e o mesmo fez Luis de Qooes
á vontade de fazer este caminho não he por outro respeito e assim me fizeram outros muitos agravos e prenderam e
senão por servir a deos e a V. A. e pera dar ordem como carregaram de ferros a hum conego que era da minha parte
se salvem esta gentelidade e sejâo cristãos toda a mais parte como se verá pela devassa que leva Antonio Ferreira e por
desta cantidade desta gemte que este he meu desejo que outros papeis que ca ficam. De Dom Duarte nam sei que
pera mym e meus filhos minha molher tenho de comer que dizer senam que tirou ca o rebuço que la trazia de vertuoso
me baste a deos gracias. e trocou a ordem da policia porque o pae obedece ao filho
A me V. A. de dar mais duas dúzias de corpos darmas e o fiiho não tem nenhua reverencia nem acatamento ao pae
A INSTITUÍ ÇÃO DO GOVERNO GERAL
e não se faz na terra senam o que Dom Álvaro manda e Eu servy seis anos descrivam do almazem nesta cidade
Joam Rodriguez, Luis de Goes e Fernam Vaz da Costa do Salvador em tempo que ela se hedificou de novo e avia
querem. Depois pode Vosa Alteza ver quam bem seremos muyta gemte de soldo e de mantimento e se fezerom muytas
governados. Da assuada e força que Dom Álvaro, Joham Ro- obras de jornal e dempreitada e avia navyos darmada e muyta
driguez e seus companheiros fizeram em prender hum conego gente do mar e porque no tesouro nem no almazem não avia
poderá Vossa Alteza ver pela devassa que mando e por mais dinheiro pera se pagar a gente de soldo e os empreiteiros
que la escrevam a Vossa Alteza nam dee credito senam a mandou o governador e o provedor moor que desem has
papeis tirados judicialmente e a visitaçam que tenho feita. pesoas de soldo e aos emprenteiros quaesquer cousas que
Os que foram nesta assuada e prisam deste padre foram ouvese no almazem que eles pedisem pelas avaliações e lhe
penetenciados que as suas custas se fezesse hua ermida de fossem descontados do que aviam daver de seus soldos e
Sam Pedro no caminho da Vila Velha, a qual tenho quasi aca- empreitadas, has quaes cousas se lhes davam sem mandados
bada e ate os 20 deste abril se poderá dizer missa nella. nem certidões por mais brevidade e menos despesa das partes
Dom Álvaro e Joham Rodriguez por poderosos foram sem e tomaram muitas e muy meudas cousas cada dia e cada ora
penitencia pera que Vossa Alteza os condene que á sua custa que lhes eram necesarias e eu as lançava em despesa ao
acabem a see desta cidade, eu toquei nisto a Dom Duarte e ele almoxarife e o escrivão que ao principio foy da matricola e
me respondeo que inda que êles nam pagassem nada que nem das obras poos as verbas as pesoas que as recebiam pera lhe
por isto se deixaria de fazer a see e porem isto será aa custa serem descontadas e despoys que eu também servy descrivam
de Vossa Alteza e eu quisera que fora a sua e inda isto é da matricula e das obras fazia o mesmo.
pequeno pera as culpas e sacrilégios que cometeram. Esta E porque as cousas que as partes fomauão heram
escrevo com receo que ma nam tomem os grandes espias muitas e muy meudas e davam se no almazem e os livros
que estes omens tem sobre mim. As outras que escrevi o da matricola das obras estavam em mynha casa e o almo-
ano pasado a Vosa Alteza por Simão da Gama e por Pedro
xarife não procurava nem tinha cuydado de me lembrar que
Ferreira sam cerfeficados que ficaram na mam de Joam Ro-
posese as verbas e fezese desconto das cousas que ele dava
driguez Paçanha. Vosa Alteza se devia informar do caso e
as partes e posto que eu trabalhava muito pelo fazer e porque
castigar a quem tamanha açam comete. Noso Senhor acrecente hera muito ocupado no oficio do almazem e da matricula e
a vida e real estado de Vosa Alteza por longos anos. Desta das obras e em procurador dos feytos de Sua Alteza e em
sua cidade do Salvador, 11 de abril de 1554. — Capelam de provedor de sua fazemda que também servy e juiz e vereador
Vosa Alteza —O Bispo do Salvador. e outros cargos de muyta ocupação pelo que não seria muyto
(Tôrre do Tombo, Corpo Cronologico, I, 92, 83), que antre myl cousas que o almoxarife deu sem mandados
nem certidões ficasem por pôr verbas a b ou b j por me ele nam
XVI lembrar nem requerer e se jsto for será por sua culpa e
negregencia porque o feytor ou allmoxarife não ade dar nada
Apontamentos do escrivão do Salvador da fazemda de Sua Alteza sem mandado e certidões e verbas
Rodrigo de Freitas (1555?) dos oficiaes necesarios pera lhe serem levados em conta e
Lembrança de Rodrigo de Freitas sobre quando despender mal não lhe levem em conta e arrecadam
os livros do almazem da matricula das partes o que lhe dão como não devem e asy o fara o
almoxarife se algua cousa deu a pesoas a que as não fez
As malicias deste tempo e a maa vontade que me tem descontar.
o governador e ouvidor que também serve de provedor moor Porque ainda que os feytores e almoxarifes despendão
e o contador me avisam pera me prevenir de toda cousa que algúa fazenda per mandado de seus soperiores sendo cousas
posâo arguir ajmda que o farão sem razão por me embaraçar que demandam verbas ou certidões e se eles pagarem não
e satisfazer suas vontades com tam pouqua rezão como agora lhes seram levadas em conta e podelas am arrecadar das
fazem e asy como me prenderam e condenarem em degredo partes^ a que as derom e asy o fara o almoxarife que o
e em dinheiro e me tiraram meus ofícios por eu procurar a escrivão não he obrigado pagar o que o almoxarife deu ás
liberdade e o bem da republica como hera obriguado por ser partes sem verbas e descontos necesarios ou se lhes deu
vereador asy ordenarão de o fazer por eu servir Sua Alteza mais do que lhes avia de dar ou errou as contas que fez com
em cargos de sua fazemda e asy como a aranha faz peçonha as parles.
daquylo de que a abelha faz mel fazem estes senhores da E se parecer ao almoxarife que tem justiça contra mym
frol de meus serviços. cite me e demande me ordinariamente que eu folgarey muyto
E porque entendo que me vão armando por omde me delle querer ter demanda comigo pera se saber como cada
embaracem despois que não ouver navio que posa levar hum servyo e usou da fazenda de Sua Alteza e se se achar
recado ao reyno pera me vir logo o remedio necesário pera que eu levey algum percalço ou benese do almazem ou comy
que ainda que me venha livramento do porque agora estou ou beby com o almoxarife ou levey algum percalço ás partes
preso me amdam com outro negocio de novo pera me vexarem quero perder toda merce e receber toda pena.
e acabarem de destroir com quatro annos de prisão porque E quando o contador "começou de tomar a comta ao
pera me vir recado pera o que por que agora estou preso almoxarife eu lhe mandei requerer por Antonio Pinheiro
pasam dous annos e em me não prevenir pera- o que agora escrivam da provedoria que vise bem os Livros asy os da
ordenão pasaram outros dous em tornar mandar ao reino comta do almoxarife como os da matricola e das obras e dos
buscar remyssão e asy me acabaram de destroir e o criado mantimentos e tudo o que achase que não fora bem des-
do governador estara ganhando sesente mil reaes cadano do pendido ou descontado as partes o fezese arrecadar porque
meu oficio descri vão do tesouro e por estas rezões ordiram a prencipio se davam asy muytas cousas pera mylhor
muitas sem rezões contra mym so color de justiça pelo que aviamento das partes e por se a cidade hedificar e aver
cumpre comtraminar suas mynas e segurarme de casos com muitas obras e gente de soldo e de manfymento e armadas
que fazem muito serviço a deus e a sua Alteza e bem ás avia muito trabalho nestes ofícios por nam aver dinheiro
partes como vay provado nos meus papes e susterey largua- pera pagar a gente e por yso tomavão muytas e muy
mente quando comprir. meudas cousas em pagamento do almazem e polas rezões
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H ISTÓ RI A DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
sobreditas não seria (?) muyto ficarem algúas por descontar ram o que lhes mandavam pagar e se o contador achava
as partes porque o almoxarife mo não lembrava nem tinha que se lhes montava majs ou menos não devera de o levar
conta com yso e seus irmãos e seus creados tinhão as chaves em conta aos thesoureiros se pagarem mais do que se devya
e davam a fazenda de Sua Aiteza e serviam o cargo por ele as partes e ouvera mo de dizer a mym pera lhes por verbas
ter outros pasatempos de seu gosto como ajnda agora faz em seus titolos de que mays ou menos receberam do que
pelo que não sabe dar rezão da fazemda de Sua Aiteza e se lhes montava e per esta maneira não ouvera hero e se o
porque tem muita amizade com o filho do governador e ouver a ele se pode dar a culpa porque sendo seu oficio de
amdam de dia e de noyte per onde querem e querem lhe contador e temdo setenta mil reaes dordenado por anno e
pagar seus pasatempos á custa da fazenda de Sua Aiteza e estamdo devagar tomando as contas e levamdo em conta os
de mynha honra e asy como me fazem ir' aos contos dar contas
mandados e certidões sem dezer aos thesoureiros nem as
por ele a não saber dar asy ordenão de me fazer pagar o que partes nem a mym se recebiam mays ou menos do que
ele mal despendeo e porque tem qua toda alçada e o provedor
aviam daver pera se lhes descontar ou dar poys ajnda ven-
moor he meu imigo e parte e o comtador que deu o ardil çiam soldo quamdo ele tomava estas comtas e logo se poderá
pera me premderem e sam gramdes amigos do almoxarife tudo emendar.
com que comem e bebem e por amor do governador e do seu E porque são enformado que o ouvidor e provedor
filho que tem com o almoxarife seus pasatempos ordenam de moor e o comtador ambos ou algúu delles fez comtra mym
me fazer pagar por ele ou ao menos deve embaraçar por me autos sobre as cousas sobreditas com o escrivão dos comtos
vexar e destroir. dezemdo que dera de perda muita fazemda a Sua Aiteza nas
Servy também cymquo anos e meyo descrivão da ma- verbas e pagamentos que as partes receberam de mays os
tricola e das obras sem nenhum premyo nem ordenado e quaes autos mandaram ao reyno ou os tem pera mandar ou
sem levar percalço nem cousa algua ás partes por a terra pera me embaraçar por eles quando quyserem os quaes autos
ser nova e por favorecer o serviço de Sua Aiteza em tempo se os fezerem e mandarem são saraticios e maliciosos e
que avia muita gente de soldo e de mantimento e navios feytos sem o eu saber sendo presemte na cidade e não fuy
darmada e a cidade se hedificou de novo e se fezeram muytas pera yso citado nem ouvido e se eu fiz o que não devia
obras de jornal e dempreitada a custa de sua aiteza e eu citem me e demandem me e eu respomderey e detreminar
fazia cada mes os roys dos mantimentos e as certidões pera se a o que for justiça ordinariamente que eu não são feytor
serem pagos em seus soldos e obras aquy e no Reyno sem nem thesoureiro nem almoxarife nem receby fazemda de Sua
levar nenhüu prêmio a custa de Sua Aiteza nem as partes Aiteza pera a pagar sem mais ser ouvido se a mal despendy
como foy largamente provado nos meus papes que mandey. ou der dela maa conta quem a recebeo e a despemdeo mal
E porque não avia dinheiro no tesouro nem no alma- obrigalo am que a page a pee quedo o que a muytos não
zem pera a gente ser paga aos quartes ou a meses ynteiros fazem e a mays de bj anos que a devem.
e pola pobreza da terra e necesidade das pesoas tomavam E se o almoxarife quyser algúa cousa comtra o escrivão
em seu desconto no almazem as cousas que nela avia e eu de seu cargo ou outra parte pode os demandar ordinaria-
lhes punha os vistos pera lhe serem descontadas de seus mente e eu lhe darey húas botas amarelas mais justas que
soldos ou empreitadas e porque heram muytas e muy meudas as que agora traz e húa camysa com volta de tramcinha
cousas e asy descontos de dias que perdiam e outras meu- sobre sua velhice de que daa tam maa conta como da
dezas que podiam ser causa dalgum hero na comta do que fazemda de Sua Aiteza.
lhes aviam de pagar pelo que também mandey requerer ao Eu não são comtador nem obrigado a pagar os heros
contador pelo dito Antonio Pinheiro escrivam da provedoria das comtas se as ouver nem o contador he tam certo nas
que vise os livros da matricula e das obras e dos manti-
que faz que se vier outro que as reveja como he necesario
mentos e viu se alguas pesoas receberão mays ou menos do
não ache muytos e grandes heros contra a fazemda de Sua
que lhes hera devido pera que nem Sua Aiteza nem as
Aiteza e muytas dadivas, ele he meu ymyguo e deu as lem-
partes perdesem o seu e pelas rezões sobreditas não será bramças da camara per omde me fez premder ele e o escri-
muito achar se que alguns receberam de mais meo real e vão dos contos como vay provado nos meus papes e asy
hum real e b e dez e cento e myl e asy mays e menos como errou muito em tomar as lembranças que estavam
e outros pela mesma maneira receberiam de menos e outros guardadas na arqua da camara e as deu ao ouvidor e pro-
. o seu justamente o que pode ser pelas causas sobreditas vedor mor e me fez prender asy arrera nas contas que faz
pelas muitas verbas e meudezas que húus tomavão e os que e no auto que fizer contra mym pera me obrigar a pagar o
isto não fezerom averyam o seu justamente e não he cousa que não comy nem beby nem fiz com malícia ou peita.
nova aver hero em contas moormente em tempo de tamtos E não me daria nada de pagar algúa pouquidade se se
trabalhos e ocupações como eu tinha com tantos cargos. achar por conta liquyda que algúas partes receberam mays
E porem não se achara que por peita ou dadiva ou com comdição que o contador pague tudo o que se achar
imteresse pequeno ou grande comtara de mays ou menos a que herou nas contas que tem feytas nestas partes em biij
nenhüa parte nem que o dilatase ou deyxase de o aviar logo anos que a que serve e se ele isto quyser venha quem
com muyto amor e vomtade como vay provado e se outra reveja as contas e quero lhe dar húu quarto de vinho com
cousa se achar quero que me dem toda a pena que quyserem. que ele folga muyto.
E nas certidões que pasava as partes do que lhes de- Mas diz ele que comta arada não vai nada e que ainda
viam sempre declarava quanto soldo venciam por mes e em que herre que não he obrigado a nada e ainda que dee
quanto tempo vemceram a comtia do que lhes pasava certidão quitação a húu thesoureiro ou almoxarife e despoys se ache
e o comtador tomou conta a Qonçalo Ferreira que servio de que a comta foy herrada e que ficam devemdo a Sua Aiteza
thesoureiro mays de dous anos e João dAraujo que servio pouquo ou muito que lho vão demandar ou a seus herdeiros
outro tanto e Luis Qarces e Sebastiam Ferreira e todos po^qne os contadores nao sao obrigados a o pagar e se isto
deram conta que lhes tomou o dito comtador pelos manda- asy he sendo eles comtadores e temdo bõos ordenados e
dos per que dispenderom e pagarom as partes com mynhas estando sobre panos verdes muyto devagar fazemdo as comtas
certidões em que hia declarado o que tinhão por mes e o sem rezão seria pagar eu algúa cousa se a alguém por hero
que tinhão tomado em desconto e em quanto tempo vence- ouve de mays não semdo comtado nem temdo ordenado nem
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A INSTITUI ÇÃO DO GOVERNO GERAL
vagsr pera comer de maneira que me não abasfavâo os dias mandou dizer por vezes que lhe era eu suspeito e Bras
e gastava parte das noytes em servir estes cargos e mays Fernandez escrivão ante o ouvidor geral por dizer húas pala-
vai o papel que ele gasta em ver estes livros e fazer estas vras contra o dito ouvidor de que fez auto e o remetteu a
contas que o hero que pode aver nellas. mim como a superior pera o julgar segundo forma de vossa
Nem sé vio nunca que os escrivães fosem aos comtos ordenaçam me veo também com suspeiçam tudo afim de
dar comta pelos almoxarifes o que a mym fazem fazer por impedir fazer se justiça e alongarem as causas: sam cousas
me vexar e serem tam amigos do almoxarife nem que paga- estas Senhor, que se forem avante, alem do credito que
sem o que eles mal gastarom ou derom sem verbas e des- perde o cargo de governador nem pode V. A. ser servido
contos necesarios ou per hero de comta nem os escrivães da porque a qualquer cousa que mandar justa ou injusta me
matricola o que as partes recebesem de mays ou de menos ão de por suspeiçam; eu me pus a nam admitir nenhúa sus-
senão as partes que devem pagam que pera yso tem Sua peiçam especialmente sendo de cousas muito leves como são
Alteza comtadores e almoxarifes pelas comarquas do reyno estas duas que não tocam a mim ate V. A. nam mandar o
pera arrendarem o que lhe deverem nas comarquas domde que hei de fazer nisto e hei de hir pelos feitos em diante e
eles são e per húa carta que lhes mandão dos contos ou darei apelaçam e agravo das partes que apelarem posto que
domde he necesario fazem logo as deligencias necesarias e caiba em minha alçada porque não digam ás partes que os
se arrecada logo qualquer cousa de qualquer pesoa que a quero executar tendo me intentado suspeiçam.
deve e asy se usa e pratiqua. Ueja Vossa Alteza que vai muito neste negocio princi-
E porque a paixão cega muito e asy o fez a estes palmente estando Vossa Alteza tam longe que se nam pode
senhores prenderem me por requerer o bem do povo como haver o recurso destes negocios e entretanto a justiça perece.
hera hobrigado por ser vereador e tirarom me meu oficio O ouvidor geral foi sempre juiz em muitos negocios
pera o dar a seu criado do governador e pera o lograr mais que teve nesta terra ]oam Rodriguez Peçanha e assim nos
tempo não duvido que ordenem estas e outras cousas pera de Luis Garcez tesoureiro, e precedendo nas causas lhe
me mexeriquarem com Sua Alteza e me embaraçarem pera vieram ambos com suspeição, e Joam Rodrigues por pasar
me vexar e destroir e aproveitar seus criados com os ofícios o tempo da ordenação em que ouvera de provar a suspeiçam
alheos pelo que he necesario que o senhor Licenciado Ruy e o ouvidor hir pelos feitos em diante lhe veo com outra
Gonçallvez ou quem for meu procurador faça per esta emfor- nova suspeiçam e Luis Garces sendo o ouvidor julgado por
mação hua petição muyto bem feita pedindo a Sua Alteza nam suspeito lhe intentou outra nova suspeiçam tudo isto
que avendo respeito as cousas sobreditas e as imizades pu- afim de dilatar sendo as causas com homens que eles tem
bricas que estes senhores me tem e ser tam longe daquy presos na cadea, de maneira, Senhor, que se isto assim for
pera o reyno pera em breve se poder detriminar este negocio não se pode fazer nunca justiça nem se acabarão os nego-
aja por bem que eu não seja preso por estas cousas e se o cios porque elles lançam-se pera juizes da suspeiçam em
for seja solto e posa servir meus ofícios. E se o almoxarife pessoas que lhe fazem a vontade e a justiça perde se. Tome
ou o procurador da fazemda de Sua Alteza ou outrem contra de Sousa sendo governador vendo outras suspeições desta
mym quyser algúa cousa me citem e demandem perante qualidade mandou vir a si os autos e com sete ou oito
juizes sem sospeita e se teverem autos feitos contra mym se homens dos principaes da terra, em que entravam os juizes
não use deles por serem feytos por imigos e partes sospeifas em que as partes se louvaram, as determinou, o que foi
e tudo se torne procesar de novo per oficiaes sem sospeita muito bem feito, por se evitarem delongas e se fazer verdade;
e se me teverem feyto algúa penhora ou outra cousa que e eu assim o determino de fazer até V. A. mandar nisto o
tudo de novo faça ordinariamente. que lhe parecer bem e mandar hum alvará que o dito ouvidor
Ho senhor Licenciado saberá muito bem como se ade com hum acompanhado proceda nos feitos até se julgar a
fazer pera vir como compre porque quaa não ha alvará que suspeição.
não grosem nem vertude que não contrafação e dizem publi- Deve Vossa Alteza também mandar provisão aos go-
camente que quem lhes aborrecer premderão e terão asy vernadores pera poderem vender degredos aos homens que
hum par danos em ir e vir o negocio ao reyno e tudo será cá forem degradados de húas capitanias pera outras, ou pera
vir que não foy bem julgado e não será mays e eles ficam as obras ou pera os bergantins ou comutar os ditos degredos
vimgando pelo que cumpre prevenir se ornem de tudo e a e assim perdoar algúus a algúas pessoas que seia mais vosso
gramdes cautelas cautelas maiores e porque Sua Alteza está serviço nam irem comprir os ditos degredos e os preços que
enformado das maldades que qua vaão e do que me tem as partes aom de pagar sejam os que Vossa Alteza mandar
feito e como o tenho servido comfio que comcederá qualquer e devia Vossa Alteza fazer esmola e merce do que pelos
cousa destas levemente porque não lhe peço perdão nem degredos pagarem ao hospital de nossa Senhora das Candeas
quita nem espera se não justiça que ele me carregou. desta cidade porque he muito pobre e tem muitas necesidades
(Arquivo da Tôrre do Tombo, Cartas missivas, m. 2, n.o 60). porque se curam nele todos os enfermos assim os que
adoecem na terra como os que vem nos navios.
XVII Nesta cidade foi preso hum ornem a que chamam Se-
Carta de D. Duarte da Costa bastiam dElvas por fazer hum furto de resgate a hum dis-
penseiro de Tomé de Sousa, sendo governador o qual também
(3 de Abril de 1555)
vivia com Tomé de Sousa e veio degradado a esta cidade do
Senhor—Húa cousa ha nesta terra muito nova pera reino já por outro furto procedendo o ouvidor geral no feito
mim e pera outros homens que virem outros governadores o condenou que fosse açoutado e desorelhado, chamou-se ás
e he que como eu mando fazer algúa cousa de vosso serviço ordens e estando o feito nestes termos fugiu da cadea com
ou per bem de justiça logo me vem com suspeiçam, como foi outros presos acolheu se ao colégio dos padres de Jesus,
Luis Garces tesoureiro que pelo provedor moor de vossa mandou-me pedir que queria casar com hua moça orfã criada
fazenda lhe tomou conta delia por saber tela tomada em das orfans que vieram em minha companhia, eu lhe disse
Portugal quando lha entregaram e mais aqui o qual por eu que se casasse que pediria a Vossa Alteza que lhe perdoasse
nam mandar o contrairo despois de ter posto suspeiçam a sua justiça porque nam tem parte, casou com a dita moça,
quamtos julgadores e homens honrados ha nesta cidade em peço a Vossa Alteza que o aja por bem.
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
Hutn Jacome Pinheiro foi morador em Sam Vicente Eu tenho escrito a Vosa Alteza que me parece que he
foi condenado polo ouvidor geral em degredo pera sempre
necessário o ouvidor geral destas partes ter provisão de Vosa
pera os hergantis por matar sua molher por desastre que Alteza pera pasar cartas pera se tirar das notas escrituras
hera húa moça mamaluca e andando servindo seu degredo que ja foram tiradas e se perdem, como faz o chanceler mor
fugio do bargantim em tempo de Tomé de Sousa, acolheu se porque he grande opressão mandarem nas as partes buscar
á dita igreja de Jesu e os padres da Companhia o casaram ao reino.
com hüa moça filha de hum indio da terra que novamente
E assi sprevi também que os governadores deviam de
fizeram cristão e por fazerem esta obra de misericórdia me dar licença ás partes pera poderem citar os concelhos por
pediram que pedisse a Vossa Alteza que lhe perdoasse o juizes e outros julgadores pois deixam perder sua justiça por
dito degredo e a fugida do bergantim o que Vossa Alteza nam mandarem ao reino pelas taes licenças, mande Vosa
deve fazer porque terra tam nova como esta e tão minguada Alteza nisso o que ouver por seu serviço. Noso Senhor a
de cousas necessárias é digna de muitos perdões e merces vida e real estado de Vosa Alteza acrescente. Desta cidade
pera se acrescentar e por neste caso nam aver partes. do Salvador aos fres dias de abril de 1555 anos.—Dom Duarte
lambem os ditos padres de ]esu me diseram que a da Costa.
esta cidade veo degradado hum Nuno Garcia pedreiro por
omze anos por morte de hüu ornem mulato e tendo ja ser- (Torre do Tombo, Corpo Cronologico, I, 95, 36).
vido do dito degredo hü como se comcertasem os ditos pa-
dres com ele que os servise nas suas obras de graça cimquo XVIII
anos e que lhe averiam perdam de Vossa Alteza dos outros
cinquo anos o qual os tem ja servido os outros cinquo anos, Carta de D. Duarte da Costa
pedem a Vossa Alteza que lhe perdoe os ditos cinquo anos (3 de Abril de 1555)
que tem por servir ou lhe mande pagar as obras que lhe ele
tem feito no seu colégio nos ditos cinquo anos, eu, Senhor, Senhor. —Húu dos mores trabalhos que tenho nesta
terra he ser necessário o escrepver a V. A. de feitos e des-
nam me pude escusar de escrever isto a Vossa Alteza.
concertos dalgúus homens por ser cousa muito fora de minha
Senhor aqui se esecuta a vossa ordenação das sedas;
os moradores tomam mal isto e parece que em algúa parte condição mas a obriguaçam do carguo e do serviço de V. A.
me obrigua a yso. Antonio Cardoso veo provido de huú ano
tem razam porque aqui não se faz nunca cousa de seda
nova, senão algúus omens que trazem algúas cousas de seda mais pera servir comiguo o seu carguo de provedor moor
velhas vestidas do reino e algúas outras usadas e velhas que certefico a V. A. que todo este tempo me deu muito trabalho
porque na verdade homem que tem engenho e ffaz fazemda
vem vender, deve Vosa Alteza mandar dar nisto hum talho
nesta terra he muito prejudiciall ha de V. A. e como a elle
porque goardar se a ordenaçam ao pee da letra parece cousa
tem e muito grosa descuidava se muito do que compria a bem
rija, segundo a terra he pobre e os omens nella estam apertados.
de seu officio per o que me era necesario servir muitas vezes
Vindo o ouvidor geral de Sam Vicente me dise que na
dita capitania avia hum caminho de cinquo ou seis legoas, ho de governador e de provedor moor e quamdo eu nom podia
qual era laa mao e áspero por causa dos lameiros e grandes por minha maa desposvSám mandava meu ffilho Dom Álvaro
que emtemdesse no que hera necesario no provimento das
ladeiras que se não podia caminhar por ele, o que era grande
perda da dita capitania pela necesidade que ha do campo e armadas e disto se me agravava Antonio Cardoso sem se
das fazendas dos moradores que nele tem pera onde he o querer emendar e ffez muitas cousas polas quaes com muita
dito caminho polos muitos mantimentos que ha no campo rezão o devera tirar do dito officio e tudo lhe sofri por
de que se sustenta a dita capitania o qual caminho se nam esperar cada dia por outro novo officiall atee que sobre servir
podia fazer sem muito dinheiro e que hum Joam Perez o desta maneira queria tomar mor alçada da que lhe V. A.
Gaffo dalcunha morador na dita capitania sendo acusado pela tynha dado per seu regimento e por lho nom consemtir se
justiça perante o dito ouvidor geral por se dizer que matara ausemtou de minha casa e me alevantou cousas que nunca
hum seu escravo do gentio desta terra com açoutes cometeu forâo de minha profisam nem me vierão por pensamento e
o dito ouvidor que queria fazer o dito caminho á sua custa as disse pubricamente, as quaes ordenaua provar per teste-
e por logar por onde se bem pudesse caminhar e a conten- munhas e pera isso eu dezia o que facilmente se nesta terra
tamento dos moradores contanto que se nam procedese pode fazer por a qualidade da gente dela polas quaes rezões
contra ele polo dito caso, pareceo bem ao dito ouvidor por me pareceo serviço de Deus e de V. A. e pola autoridade de
meu carguo mandar lhe que nom servise mais o seu, junta-
razam da obra ser tam necesaria e tam custosa dise me que
o escrevesse a Vosa Alteza o que Vosa Alteza deve de aver mente com ter ja acabado o que lhe V. A. mandou que mais
por bem polo grande proveito que á tera diso vem e polo service comiguo e também porque parecia comciencia nom
muito que custa. fazemdo nada levar dozentos mil reaes de ordenado e encar-
reguei loguo do dito carguo ao ouvidor gerall que o serve
Também, Senhor, na mesma capitania na vila de Santos
a dous regatos em que entra o mar, onde estam duas pontes sem ordenado e muito bem e de tudo mandei ffazer autos
de madeira que se cobrem com a maré e estam ambas nas que envio a V. A. e lhe peço muito por merce que os mande
ver por pesoa que fielmente lhe dê a relação delles pera que
principaes ruas da dita vila todos os anos se concertam de
novo, porque a agua as derruba, o concelho he muito pobre V. A. nisso mande o que lhe parecer seu serviço e necesario
que as nam pode concertar a sua custa e os moradores pera que se tenha aos vossos governadores a obidiencia e
também e recebem niso grande opresam, hum Cristovam Cal- cortezia que ao tal) nome e carguo se deve. E depois de ter
deira degredado pera a Bretiogua por cinco anos morador sospenso Antonio Cardoso elle se ffez amiguo com loham
na dita villa, commeteu ao dito ouvidor que lhe quitasse o Rodnguez Peçanha e com o bispo de gramdes ymiguos que
dito degredo e que faria as duas pontes á sua custa de ao e tudo sao aiumtamentos e amotinações que sam muito
pedra e cal e de tijolo de maneira que o mar as não levasse em pre,u.zo da terra por ser nova e muito comtra o serviço
de V. A as quaes cousas eu tempero com muito sofrimento
pareceu bem ao ouvidor pelo enobrecimento da dita villa e
pelo gasto que lhe tira, deu-me conta disso, Vosa Alteza o pera esta tera ir pera milhor como espero que sempre será.
devia assim haver por bem. 15
mpnf.e contra T. th eS ureir0
. °Cardoso^
mentos Antonio de «"V me edeu
cousas huüs
erros queaponta-
fizera
372
A INSTITUIÇÃO DO GOVERNO GERAL
em seu officio nos quaes nom quis entemder per comselho ao dito ouvidor e por ser ja muito de noute e por me
do ouvidor gerall sem primeiro os enviar a V. A. como envio. zerem que podia ter o dito clérigo 24 oras preso e por nam
Nosso Senhor a vida e reall estado de V. A. acrecente. Desta ter aqui o ouvidor geral que me aconselhase o mandei a cadea
cidade do Sailvador a tres dias do mes dabrill de mil e logo pela manhã por me o dito padre Luis da Grãa dizer
bcLbjb annos. — Dom Duarte da Costa. que incorrera em escomunham por nam mandar entregar logo
(Corpo Chron. I, maço 95, doe. 37). o dito padre ao bispo e assim meu filho e outras pesoas por
o prenderem o mandei logo entregar ao bispo e assim os
XIX autos e ele pelo mestre escola da Se mandou loguo absolver
a mim e a todos os que foram na dita prisam do dito clérigo
Carta de D. Duarte da Costa e lhes mandou pagar a cada hum certa cera como Vosa
(8 de Abril de 1555) Alteza por húa certidam do dito Luis da Grãa que nestes
autos vai. verá e como lhe foi entregue o dito clérigo o mandou
Senhor. —Eu creo que Thomé de Sousa terá dito a logo pera sua casa e tirou outra devasa como Deus sabe,
Vosa Aiteza ho que lhe pareceo o bispo desta cidade o pouco porque ele hé juiz e inquiridor e hum mancebo que ele tem
tempo que com elle conversou e parece me que nam sera em casa como a creado a quem da de comer escrivam e na
muito desviado do que a mim também parece. Eu, Senhor, dita devasa preguntaua cousas fora da substancia, como era se
depois que aqui cheguei a esta terra trabalhei quanto pude meu filho Dom Álvaro dormia com alguas molheres e isto
de conversar o bispo com obras de muita amizade, assim por pelo odio que lhe tomou por me trazer o dito clérigo, como
sua dignidade e meu carguo como por, Vosa Alteza mo Dom Álvaro mostrará a Vosa Alteza. E acabadas de tirar as
encomendar, achei-o tam dissoluto em tudo, primeiramente testemunhas foi requerido o dito Silvestre Rodriguez pera
em tomar vosa jurisdiçam e tam áspero e cobiçoso nas penas dizer se queria acusar o dito clérigo e pedindo tempo pera
que põe e leva em terra tam nova e pobre e tam escandaloso deliberar por estar ainda muito mal nam Iho quis dar e o
nas grandes excomunhões que põe por quaesqueres cousas e
lançou de parte. E requerendo lhe sobre isto o dito Silvestre
tam mal sofrida em deante delle requerer ninguém sua jus-
Rodriguez sua justiça não queria ouvir seus requerimentos
tiça, porque nam cõsente que ninguém apele nem agrave os desonerava e os queria prender do que o dito Silvestre
delle, e finalmente por outros muitos vicios particulares que Rodriguez se me agravou requerendo me que lhe mandase
tem, me foi necessário ir á sua casa com Luis da Oram, da perguntar testemunhas e passar hum instrumento e o bispo
Companhia de Jesu, muito virtuoso que tinha cargo deste veo com húa suspeição ao inquiridor com a qual nam ouvera
colégio e com outros homens honrados desta cidade, como de vir por sua onra e a mim responde com tanta cortesia
já escrevi a Vosa Alteza, e o aconselhei que se emendasse como Vosa Alteza verá.
das cousas de que se o povo escandalizava com lhas apontar E por impedir o instrumento que o dito Silvestre Ro-
logo e que não tomasse a jurisdiçam de Vosa Alteza tra- driguez tirara e se nam saber a culpa que tinha no que
zendo lhe á memória quanto se devia de guardar destas requeria a Silvestre Rodriguez passou húa carta precatória
cousas irem a Vosa Alteza per não perder o credito em que pera que eu o mandase prender, dizendo que era erege e
o Vosa Alteza tinha quando lhe fez tanta honra e merce e sobre isto se pasaram alguas cousas que Vosa Alteza verá
com verdades e bons conselhos sabem mal a quem não folga pela mesma carta precatória e minha reposta e assinada do
muito com elles, não aproveitou nada e foi tudo de mal em dito Luis da Grãa.
peor e tem amotinada toda esta terra e levado todo o dinheiro E semdo preso o dito Silvestre Rodriguez o bispo o
da costa com penas e excomunhões postas á sua vontade e mandou cometer que perdoase a Pero Vaz e Fernam Pirez
os homens ficam vivendo como dantes e por alguas cousas que o espancaram e que disesse que se lhe chamara bêbado
que sucederam em que eu cuido que fiz o que devia ao ser- fora por mandado de Dom Álvaro meu filho e doutras pesoas
viço de Deus e de Vossa Alteza se começou a descontentar e que logo lhe perdoaria. E assim foi. E o dito Silvestre
de mim e de meu filho e dahi em diante disse muitas cousas Rodriguez foi levado da cadea perante o bispo e aí fez e
no púlpito e manda dizer nas estações contra mim, que lhe assinou o que lhe o bispo mandou contra sua vontade e foi
eu tenho sofrido, que me puseram em condição de o mandar logo solto como tudo se verá pelos ditos autos. E desta
embarcar, mas receei que me tivesse Vossa Alteza em outra maneira, Senhor, usa o bispo com as pesoas que nesta terra
conta da que me ate aqui teve e determinei me a lhe sofrer lhe aborrecem que por qualquer ccusa diz que sam ereges
tudo, porque não lhe achei outro melhor remedio e não lhe e depois de se vingar os absolve com mui leves penitencias,
errar pregação nenhua e lhe faço a cortesia e honra que lhe e o castigo que deu a Fernam Pirez por esta obra de miseri-
fiz quando cheguei a esta ferra. córdia que fez em espancar este pobre ornem por seu mandado,
Eu envio ao secretario huns papeis pera mostrar a sendo este clérigo hum homem de muito mao viver e idiota
Vosa Alteza muito contra rninha vontade e nelles verá Vosa e que pouco antes que o bispo viesse a esta terra matou huú
Alteza que o ano atraz passado no mes de dezembro mandou ornem em Santarém de que nam he livre, segundo dizem e
o bispo espancar húm homem de noute a que chamam sendo ornem que suas orações sam falar em guerras e em
Silvestre Rodriguez por hum Fernam Pires, clérigo e por hum omens que matou em desafios em Italia, o fez deão da see
leigo a que chamam Pero Vaz da Torre degradado e foi o desta cidade e tirou o deiado a Gomes Ribeiro ornem de boa
caso desta maneira que chamou o dito Fernão Pires ao vida letrado e pregador que foi de Vosa Alteza sobre isto
Silvestre Rodriguez á falsa fe de sua casa, onde tinha o dito requerer sua justiça e tanto que o fez deão lhe mandou que
Pero Vaz comsigo e deram tanta pancada ao dito Silvestre denunciasse por escommungado a todos os que foram na sua
Rodrigues, que ficou como morto, lançando sangue pela boca prisam quando espancou o dito Silvestre Rodriguez sendo
e ao ouvidor acudio meu filho Dom Álvaro com muita gente todos ja absolvidos e tendo satisfeito as penitencias fez pagar
e por verem o dito ornem estar sem fala o dito Fernam Pires aos sobreditos penas que passaram de cento e cinqüenta cru-
se gabava e gloriava do que tinha feito dizemdo que espancara zados que elle embolsou como faz as outras penas a que
o dito ornem porque dizia mal do bispo e por nam ser ainda Vosa Alteza deue de prover por descargo de sua consciência
aquele tempo a justiça presente o dito Dom Álvaro meu filho e mandar que se restituam as pesoas a que se levaram
com as outras pesoas o trouxeram perante mim indo eu ja pois que ja eram absolvidas como constará a Vosa Alteza
373
história da colonização portuguesa do brasil
governador, porque quando eu fizer qualquer destas cousas se declara, quis Nosso Senhor que viesse elle a esta terra
de minha propia vontade e sem conselho de ninguém e pelos pecados dos moradores delia, mande Vosa Alteza saber
foram muito mal feitas nam podia o bispo ter licença pera os muitos homens principaes e creados vossos que tem des-
mais que pera o escrever a Vossa Alteza e isto sendo elle onerado sende lhe elles muito obedientes por sua dinidade
hum ornem tam desarrozoado como he porque nam no sendo mande se Vosa Alteza informar de como ferio dous omens
comigo devera de praticar estas cousas e achar que nam por suas mãos e huú deles esteve de todo a morte com os
tinha nenhüa razam pera mandar passar a dita carta de esco- miolos descobertos o qual curou o licenciado Jorge Fernandes
munham pois tudo passou pontualmente como aqui digo a vosso fisico e do que mandou fazer na visitaçam da costa e
Vosa Alteza, mas porque elle passou a dita carta pera difamar do dinheiro que de Ia tirou e do que fez por si em Per-
nam curou de mais cortesia como lambem fez na inquiriçam nambuco donde me escreveram que trouvera mais de 800 cru-
que tirou da prisam de Silvestre Rodriguez em que fora de zados afora muitos serviços que tomou e mande se Vosa
proposito fallar em meu filho e nam serem estas as pri- Alteza bem informar de como he cortes nos púlpitos e estações
meiras nem as derradeiras descortesias que elle dirá e que ao vosso governador e aos vossos oficiaes porque estes sam
eu sofrerei por serviço de Vosa Alteza com lhe afirmar que os logares que o bispo toma pera sua vingança e nestes se
neste ornem nam avera nenhua cura se nam mandalo Vosa nam fez nesta terra ategora nenhum serviço a Nosso Senhor,
Alteza hir com o seu Fernam Pirez porque pois lhe eu nam mas nascem do que nelles diz grandes escândalos e prejuízos.
acho meio nem termo pera se elle emendar ao que deve Dos padres de Jhesu pode Vossa Alteza saber como sam
nam lho achara outro ornem mais agastado que eu. Peço por delle tratados e como os ajuda com suas esmolas e com os
merce a Vosa Alteza que mande ver estes autos todos com
favorecer de fora.
esta carta omde acharam as certidões e carta de escomu-
Outras cousas muito vergonhosas e muito baixas pera
nham e todos os mais papeis de que faço mençam e
prelado pudera dizer delle a Vossa Alteza que por onestidade
por eles vera toda a verdade do que passa. Noso Senhor
nam digo e estas que digo com muito descontentamento meu
a vida e real estado de Vosa Alteza acrecente. Desta
o faço e nam poderei deixar de dizer a Vossa Alteza algüas
cidade do Salvador a 8 dias de abril de 1555.— Dom
mais o mais onestamente que puder pera que conheça quam
Duarte da Costa.
mal faz o que repreende, quando cheguei a esta cidade fiz a
(Arquivo da Torre do Tombo, Corpo Cron. I, 95, 41). honra que devia a Joam Rodriguez Peçanha e meu filho hera
seu amiguo, isto estranhava o bispo em púlpito e em ajunta-
mentos e tanto que se Joam Rodriguez descontentou de mim
XX por suas culpas, logo o bispo o adquiriu a si e teve com elle
estreita amizade e lhe comeu o que lhe dava e se aconse-
Carta de D. Duarte da Costa, lhava com elle ate á ora que o viu preso outras taes amizades
2,o governador do Brasil tratou com Antonio Cardoso e com Luis Qarcez como vio que
os eu castiguei, e assim o fazia com todo homem infame
(20 de Maio de 1555) em que via disposição pera me danar e nos ajuntamentos
que tinha com estes homens e de como se gloriava de
Senhor. —Por Cristovam dOliveira capitam da nau Espe- ter bando me pareceu propio da condição do bispo de
rança recebi húa carta de Vosa Alteza na qual me escreve o Camara.
descontentamento que tem de meu filho Dom Álvaro por fazer Vasco Fernandez Coutinho chegou aqui velho pobre e
nesta terra cousas contra o serviço de Deus e de Vosa Alleza cansado, bem injuriado do bispo, porque em Pernambuco lhe
e contra a obrigaçam que me tem por ser seu pae e governar tolheo cadeira despaldar na igreja e apregoou por escomungado
agora esta terra e que por meu respeito o deixava agora de de mistura com homens baixos por beber fumo segundo mo
castigar. ele dise, eu o agasalhei em minha casa e com minha fazenda
Vossa Alteza teve muita razão de dar credito aos papeis lhe socorri a sua pobreza pera se poder ir pera o Espírito
do bispo e ao que lhe de meu filho escreveu porque parece Santo e o bispo o agasalhou com dizer no púlpito cousas
que hum bispo de 60 annos nam quereria infamar hum delle tam descorteses estando elle presente que o puseram
mancebo, meu filho, e fazer lhe perder o que merece diante em condiçam de se perder do que eu o desviei e hei vergonha
de Vosa Alteza sem causa, mas tenho por mui certo que se de decrarar o que lhe disse e por lhe defender a elle o fumo
Vosa Alteza ouvira as parles e examinara as testemunhas do sem o qual nam tem vida segundo elle diz o defendeu nesta
bispo e fora bem informado de como elle sempre viveu no cidade com excomunhões e grandes penas dizendo que era
Porto e na Índia e em outras partes onde esteve mandaria rifo gentilico sendo hüa mezinha que nesta terra sarava os
primeiro saber como isto passava antes de lhe dar nenhum homens e as alimarias de muitas doenças e que parece que
credito, mas ja que lho Vosa Alteza deu e lhe pareceu que nom devia de defender e por se achar que hum pobre homem
meu filho podia ter taes erros recebi eu muito grande merce o bebia o mandou pôr nu da cinta pera cima na See hum
de Vosa Alteza em me escrever que por meu respeito o domingo á missa com os fumos no pescoço e condenou a
deixava de castigar. outro na mesma pena o qual de vergonha de a cumprir fugio
E ainda que as culpas quando os filhos tem toquem pera os gemtios tutiapara e o fnalaram la e o bispo foi causa
nalma aos paes a mim tocou neste negocio nalma e na vida desta morte e da guerra que pode suceder do troco que hei
e fico morto de paixam e de desgosto, porque sei quam ao de tomar como tiver tempo e certa informaçam da maneira
contrairo meu filho aqui serviu e viveu do que escreveram a de sua morte.
Vosa Alteza. Nos tempos das confissões vão cousas que escandalisam
Este novo negocio e outras cousas pasadas do bispo muito e de que se Vossa Alteza deve mandar informar porque
me farão agora dizer e entender em cousas que nunca disse se o bispo presume que algum ornem testemunhou algua
nem custumei em 51 anos que tenho vividos nas abas de cousa no secular contra elle, na confissão lhe perguntam os
Vosa Alteza. O bispo, Senhor, he inimigo de meu filho como seus clérigos por isso e ainda que digam que testemunham
Vosa Alteza verá nos papeis que lhe tenho mandados e pelas verdade ou que não foram nisso nam os querem absolver
difamações que nelles e noutros que meu filho lhe mostrará nem dar a comunham, até que lhes digam o que querem e da
375
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
maneira que querem e disto se queixaram aqui publicamente pobres e presos e agora quando se embarcou deu a cama e
dous ou três omens por toda esta cidade. vestidos por amor de Deus a moradores pobres e lhe fará a
A Cristovam Cabral capitam do bergantim São Tome merce que elle merecer.
escomungou e condenou em cinqüenta cruzados por levar E peço por merce a Vosa Alteza que nam dee credito
daqui o deão que ia é por meu mandado a embarcar aos a nenhüus papeis feitos em casa do bispo por seus oficiaes
Ilheos e eu pus por ele parte ate vir sentenciado do reino porque pode ser que encarregue sua conciencia nem se confie
e nam contente com isto quando veio o tempo da confissam dos testemunhos dos homens que ia foram porque nam dirão
nam no quiseram absolver por o bispo assim mandar dizen- toda a verdade como são hús mancebos irmãos que se cha-
do lhe o padre que havia de pagar primeiro as dividas que mam de alcunha as Freiras que Vossa Alteza tomou por
o deão devesse nam lhe vaieo dizer que o levara por man- moços fidalgos e que o viessem servir comigo no Brasil,
dado de seu governador que o citasem primeiro e que fosse estes se vieram embarcar dando eu a vela em Delem sem
ouvido e sentenciado e que entam se fosse a isso obrigado cama e mal vestidos os quaes remediei de tudo e lhes dei
pagaria, nam prestou nada e andou assim ate se embarcar de comer sempre á minha mesa e dinheiro pera suas neces-
comigo pera Pernambuco e como o viram embarcado o es- sidades eram tam mal acostumados em muitas cousas e em
comungaram como o elle soubesse se foi ao bispo pedir lhe difamar molheres que os mandei pera o reino e como o
que o mandasse absolver e que nam no vexase sem causa bispo o soube os começou a grangear e elles se gabaram
e o bispo lhe respondeo que era erege segundo me elle disse que escrevia o bispo por elles a Vosa Alteza males de mim e
e outras palavras peores pelo qual me pedio licença pera se de meu filho e por hum clérigo seu parente os quaes não
ir pera o reino queixar se a Vosa Alteza e eu lhe impedi a serão boas testemunhas por isto e por suas vidas.
ida porque o avia mister e por tolher queixumes. lambem soube agora que o bispo e cabido não escre-
É certo, Senhor, que como hum ornem nam faz o que veram a Vosa Alteza bem de mim pelo mestre escola que la
o bispo quer, logo é ameaçado dizendo que sentem mal da vai por seu mandado, a elle mesmo mande Vosa Alteza pre-
fé, anda, Senhor, a cousa de maneira no eclesiástico que hum guntar por juramento se he verdade o que escreveu a Vosa
domingo destes pasados perante Cristovam d Oliveira capitam Alteza e se dá conta o bispo do que escreve as pesoas que
da nau Esperança apreguou na estaçam o deão que é alma assinaram a carta e de mim se informe dos seus clérigos e
e o conselheiro do bispo ornem bem auto pera se deitar de quem quiser, ainda que pera mim nam havia mister res-
desta terra pelos males que aconselha ao bispo por outros ponder mais que o que ouvi que respondera hum romão
muitos defeitos de sua pessoa por escomungado ao Doutor honrado a hum imperador sendo acusado por hum homem
Pero Borges, vosso ouvidor geral e provedor mor por nam de mao viver e dizia «Senhor aquele me acusa e eu nego,
estar á pregaçam do bispo e isto de mistura com os mais Vosa Alteza julgue».
infames omens desta terra que entam escomungava e manda O bispo, Senhor, vive como sempre viveu e por ven-
ler escritos na estaçam que me Luis Garces pede que eu lhe tura peor com o poder que tem, tam longe de Vosa Alteza,
nam faço por nam ser justiça nem vosso serviço e disto e eu, Senhor, vivo como sempre vivi acompanhado de muitos
doutras cousas que aqui passaram em tempo que aqui esteve trabalhos e mais sofrimentos do que nunca tive dos gastos
Antonio d Oliveira se pode Vosa Alteza informar delle tudo que tenho e de como faço justiça e da paz que procuro e
a som de difamar e de dar ao povo em que falar. do exemplo que dou de fora ainda que de dentro seia mao
Eu senhor quamdo recebi esta carta de Vossa Alteza e de como olho por vossa fazenda e de como trabalho de
tinha ja arribado do caminho que fazia pera Pernambuco descobrir nesta terra cousas de vosso serviço, Vosa Alteza
donde havia de mandar meu filho pera o reino no galeão e se pode informar e pera minha consciência eu estou sem
caravelas como Vosa Alteza verá pelas cartas que tinha es- escrúpulo do que faço e muito desejoso de ter saúde e habi-
critas agora Senhor o mando de melhor vontade, porque ja lidade pera vos servir milhor ha dous anos que sirvo e quis
que Vosa Alteza lhe perdoa por meu respeito o que seus nosso Senhor que alem dos trabalhos que eu afigurava que
inimigos delle escreverem e testemunharem nam quero eu ca havia de ter, tivesse estoutros que atrás digo em que nunca
que dissessem e escrevessem outras cousas peores por onde la cuidei em pendença de lhe nam agradecer bem as muitas
parecesse a Vossa Alteza que ambos merecíamos castigados merces que sempre recebi delle. Tenho dez filhos e filhas
e pera requerer a Vossa Alteza a minha ida que tanto cum- molheres em idade pera casar e minha molher muito mal
pre pera minha comciencia e saúde e pera lhe Vossa Al- disposta e eu o fico em estremo de disposições de que fui
teza fazer a merce que merece pelos serviços da feira e mister bem curado, como lhe meu filho dirá, não vim a esta
desta terra. terra por cobiça nem por vaidade de honra nem em idade
Peço por merce a Vossa Alteza que mande tirar húa pera folgar de ver mundos novos, so o amor de vosso ser-
devassa delle por pessoa sem suspeita e preguntar se os viço me trouxe sem conselho de parente nem de ninguém,
padres de ]esu aos quaes se nam esconde nada e a todo peço por merce a Vosa Alteza que a merce que eu por isto
o povo desta terra tirando pesoas que aqui castiguei que mereço seja mandar me ir no tempo que me Vosa Alteza
sam três ou quatro e se achar delle cousa mortal mande o limitou porque se nam tivera delle ja tão pouco por correr
castigar como merecer e a mim também, porque se ele an- ainda lhe pedira que mo encurtara por nam estar na conver-
dara com mulheres casadas ou matara ou espancara ou ferira sação do bispo porque com todo homem me concertara, ainda
em terra tam pequena eu o houvera de saber e certo que que fosse diabo, senão como elle e este pouco tempo que
quando eu nam pudera com elle nem aproveitar meu castigo me fica daqui ate maio pera comprir os três anos eu traba-
não estivera húa so ora comigo nesta terra. lharei que o não gaste todo nesta Baia por me escusar
Mas eu espero em Nosso Senhor que se me Vosa de tão terrível conversação. Noso Senhor a vida e real
Alteza fezer esta merce que achara que nunca olhou pera estado de Vosa Alteza acrescente. Desta cidade do Sal-
mulher casada nem abosou ninguém e que todo o povo lhe vador a vinte dias do mes de maio de 1555.—Dom Duarte
quer muito grande bem e chora porque se elle vai e que alem da Costa.
das idas em que gastou muito servia em todos os ofícios que (Arquivo da Torre do Tombo, C. C. I, 95, 70).
lhe eu mandava asim no mar como na terra, e me descan-
sava em tudo e a pobreza que lhe eu dava a gastava com
376
A INSTITUÍ ÇÃO DO GOVERNO GERAL
da Aldea saltou com elle, e o frecharom muito mal polas afora alguma Escravaria, e atée cheguarem a jantar ao En-
ilhargas, e assi aos Escravos; e como isto fizerom, segundo genho, queimarom cinquo Aldeas, e em huma sóo houve
despois soube, mandarem logo aa Tapoãa, que são da qui registencia, e despois de jantar os da cerqua mayor, que
três legoas, a tomar as Vacas de hum Garcia d'Avilla, Criado estava peguada com o Engenho, onde estava recolhido todo
de Thomé de Souza, e todo o mais Guado, q Ia acharão, e o peso da gente, que serião mil homens mandarão recado a
tomarão, e frecharom dous, ou tres Vaqueiros, que andavão meu filho: dizendo que até então nom pelejara com homens,
por fora afastados da Cidade, e matarão hum Negro de Guiné se não com gente fraca, e que queimara casas de palha, que
de hum morador, e tomarom hum Moço filho d'outro Morador, fosse pelejar com elles, e saberia quem elles herom, e se
que estava em huma Roça de seu Fay alem do Engenho, e não que elles o verião buscar; e meu filho sahio logo do
algumas Escravas, que estavão nas Roças afastadas da Cidade, Engenho com a gente em ordem, e deu a dienteira a Chris-
e tomarão tres homens brancos, que sem minha licença tovão d'01iveira, e a Manoel Jaques, e a Fernão Vaz da Costa,
andavão naquelle tempo nas Aldeas afastadas da Cidade: e e derom na cerqua, e pelejarem mui bem grande espaço,
loguo o mesmo dominguo vendo eu tamanho desavergonha- onde acharom grande registencia, e por força d'Armas entra-
mento que craro mostrava ser cousa cuidada de dias, e ser rem acerqua, e os deitarem fora, e os de Cavallo os alcan-
feita tam perto desta Cidade, houve loguo Conselho com çarem, e matarem muitos em que entrarem alguns principaes,
algúas pessoas, que pera isso chamei, e pareceo bem que e forão muitos feridos, que depois achavão mortos por os
loguo se castiguasse tamanho atrevimento, e loguo o mesmo Matos; no rompimento desta cerqua forom feridos Christovão
dia despois de anoitecer, mandei Dom Álvaro meu filho com de Oliveira de huma frecha, que lhe atraveçou hum braço, e
setenta homens de pée, e algús seis de Cavallo, a dar na dita Manoel Jaques em outro braço, e Fernão Vaz da Costa polos
Aldea, e por muito prestes que foram já acharom feito huma peitos, e hum Pedro Fernandes, que serve de screpvão dos
tranqueira muito forte, com canas, e covas grandes, cubertas Contos, pela testa e Ayres Quinteiro, Moço da Camara de
de folhas por cima e debaixo com estrepes muito agudos, e Vossa Alteza, que foi de«meu filho, huma mão atravessada
Aldea despejada de mulheres, e mininos, a qual tranqueira com huma frecha, que lhe passou a rodella, a Dom Álvaro
foi hum grande pedaço muito pelejada, e defendida delles muito ferirão muito o Cavallo, e assi firirom outros tres, ou quatro
valentemente, e com ajuda de Nosso Senhor foi entrada, onde homês da Companhia, e Deos seja louvado sam todos sãos;
matarão alguns gentios, e cativarom o principal d'Aldea, e lha e neste dia á tarde até o sabado pela manhaã, que tomarom
queimarem toda, e outras duas aldeas, que hi estavão perto. á Cidade queimarom tres Aldeas: e loguo á quarta feira quatro
E no mesmo tempo que isto mandei fazer mandei por mar dias de Junho por ter nova que se recolhia muita gente em
Christovão d'01iveira, Capitão da Nao Esperança, e Manoel cinquo Aldeas alem do Rio Vermelho pola banda do Engenho,
Jaques, e Bastião da dita Aldea, e lhe tomarom dous Rodeiros, e que estavão muito fortes com cerquas, mandei Dom Álvaro
e duas Canoas, e lhe queimarem as mais que tinham, e isto meu filho com a gente, que me pareceo necessária a dar
com muitas frechadas que lhe tiravam. nestas Aldeas, e as queimou todas, e ainda que estavão fortes
E loguo aa quarta feira me determinei a lhe mandar e com cerquas, nom ousarom os Gentios d'esperar.
tomar por força todo o Guado, e Vaqueiros que tinhâo tomado, Foi tamanho o medo deste Qentio deste supito negocio,
e mandei Dom Álvaro meu filho aa Tapoaam, com cento e que todos os.da banda da Tapoaam me mandarom dizer, que
sassenta homeês de pée, e porque atée entam o Qentio elles nom forom os que fizerom o mal, que nom quisesse
daquella banda nom era culpado neste alevantamento, se lhe bolir com elles, que nos guardarião as nossas Roças; e por se
nom fez mal nenhum, e chegando láa ajuntarom todas as mostrarem muito amigos, me trouxerom loguo alguns Escravos,
as Vacas, e as trouxeram a esta Cidade, sem nunca neuhuns que faltavam, e queimarom algumas Aldeas dos que come-
Gentios, sendo muitos, e passando por muitas Aldeas, ousarem çarom a guerra, que estavão despovoadas: Eu lhe tenho por
de registir; mas antes lhe entregarem os Vaqueiros que o agora concedido paz pera despois do socidimento da Guerra
Gentio deste alevantamento forom láa frechar; e porque a assentar com as condições, que bem parecerem.
alem da Tapoaam andava outro Vaqueiro com outras muitas Hum índio principal de toda esta Terra, que se chama
Vacas de Moradores, e faltarem muitos Escravos e Escravas; o Tubarão, que está peguado com estes do alevantamento,
me trouxe meu filho o principal índio da Aldea de Tapoaam, que eu cuido que seria no Conselho me mandou loguo, como
até elle mandar buscar o que faltava daquella banda, o que vio o desbarato destoutros, os homens brancos, que atraz
elle comprio mui inteiramente, e foi solto. digo, que tomarom, por andarem desmandados polas Aldeas
sem minha licença.
E loguo á quinta feira mandei Christovão de Oliveira,
Esta gente, Senhor, se vir que sobcede de esta guerra,
e a Manoel Jaques por mar em dois bateis artilhados a
como agora parece, faremos delles tudo o que quisermos, o
soccorrer huns tres homens, q estavão na fazenda de João
que nom pode ser sem gente, e o necessário pera ella, e
d'Avelosa, e por verem que inda que lhe deixassem mais
hera-me bem necessária a destas Náos, a qual eu nom tomo,
gente nom podião defender huma casa coberta de palha, em
porque se perderão ellas neste porto; e inda que isto não
que estavão, que nom lha queimassem, nem menos a roça,
fôra, nom ha hi com que se lhe pague os mantimentos, nem
mos trouxerem, e de caminho houveram por manha hum
á gente da Cidade, que foi em todas estas idas, nom dei nada
Índio principal de huma Aldea, onde tinhâo tomado o filho
do de Vossa Alteza, porque do dinheiro que veo, com paguar
do Morador, e Escravos que atras diguo; e com este Índio
hum quartel a cada pessoa que tem ordenados, e dous, ao
houverom tudo, e mo trouxerom. Cabido, e outras dividas que se deviâo se foi todo, e elles
E loguo aa Sexta feira seguinte derradeiro de Mayo, são muito pobres, e o dia que vão á Guerra nom tem
me screpveo Antonio Cardoso, que estava cerquado no seu que comer, eu os ajudo, e os ajudarei emquanto o tever, mas
Engenho de Qentio de seis Aldeas, que derrador delle estavão, he muito necessário, pois mando os Navios por não poder al
e de tres cerquas de madeira peguadas com elle, em que havia ser, que Vossa Alteza proveja com alguma gente de soldo atee
muita gente, e que aquelle dia nom poderá tomar e assi nada oitenta homens, o mais cedo que se poder, e dinheiro pera
do mantimento de sua Roça, e que lhe soccorresse: mandei se lhe dar mantimento de farinhas, porque nesta terra agora
loguo Dom Álvaro meu filho, com perto de duzentos homês nom ha outra cousa pera comer; e assi pera se dar também
de pée com os da Cidade, e das Nãos, e alguns de Cavallo, alguma cousa a estes da Cidade, que vão pelejar sem nenhum
378
A INSTITUÍ ÇÃ O DO GOVERNO GERAL
minha qualidade nam constando por autos cousa porque eu fallta de muitas cousas que não tem pryncipallmente justiça
deixasse de merecer merce e honra, me mandou meter na por que todos cramão e outras que mais esprevo ao conde
cadeia com muitas vexaçoes nao me querendo remeter ao pera que V. A. dê ynteyra informação e a proveja com bre-
reino, mas dizendo que assim me avia de ter ate vir apela- vidade, entanto que chegey trabalhey por tudo por em paz e
çam mandando me fazer cada dia muitas ameaças como elle fyz que o governador e bispo Dom Álvaro e ouvidor jerall
costuma e vendo eu os trabalhos tão certos e a qualidade sse fallassem e visitassem que avia muito que o não fazyam,
da prisão e minha indisposição quis antes morrer húa vez de que o povo reçebeo muita conssollaçom e contentamento,
que cada ora e assim me injuriou dando me degredo pera crendo que com yso ssessariam escandallos e trabalhos pas-
esta cidade por não poder ir queixar me de maneira que sados, mas como herão de muitos dias não se puderão tão
indo agora o governador a Pernambuco levando me por razão de verdade dessareygar que por baixo não fique tanta parte
da armada nunca me consentio ir e levando me minha fazenda que não aja bem que V. A. castygar e os da terra que
que era o que elle pretendia, por ser ornem cheio de seus padecer.
interesses e muito esquecido das mercês que Deos e Vosa Agora çoçedeo gerra que dá muito trabalho aos mora-
Alteza tem feito, e agora depois de injuriado e destruído diz
dores porque não podem granjear suas fazendas. Deve V. A.
aos que o vão visitar «Coitado do licenciado que agora sei
ssoquerrer ha tudo pryncipallmente com justiça de boa con-
que tudo foram testemunhos falsos contra elle!> como Vosa ciencia, porque tenho por sem duvida que por pequados
Alteza se pode mandar informar de Antonio Cardoso e Joam e talltas que ha na desta terra çoçederão todos estes malles
Rodrigues Peçanha e outros por seus juramentos e desta que ao presente ha nella, honde eu fiquo com minha molher
maneira. Senhor, fico nesta terra, onde me Vosa Alteza man- e filhos com todo^ho que posso servimdo V. A. e aconse-
dou servi-lo e comtudo fazendo meu officio, nam levando por lhando aos que a governão tudo o que ssynto que he neses-
isso ás partes prêmio, tendo me riscado meu ordenado e de sario pera V. A. ser servido e a terra yr avante e sosten-
meu criado tem me posto em tal estado que vindo eu a esta tando me da esperança que me da ver as merces que faz
terra com mil cruzados em dinheiro e fazenda afora meu aos que nella vem viver que a mym fara allgüa com que
movei, de que vinha abastecido, hoje em dia nam tenho nada, possa pasar tamtos trabalhos e misérias como ao presente
porque tudo me tem destruído e roubado, de que me queixo ha nella. Ho Senhor Deus hacrecente ha vida e reall estado
a Vosa Alteza por esta, até o poder fazer por minha pessoa de V. A. per muitos prósperos anos. Desta cidade do Sallva-
e peço a Vosa Alteza proveja nisto, porque bem creio que dor a doze dias de junho de 1555 anos—Sf/nao da Gama
será informado das tiranias que ca vão, porque as qualidades d Andrade.—Sobrescrito: A el Rey nosso Senhor.
do bispo bastam pera despovoar hum reino, quanto mais hüa
cidade tão pobre como esta, peço a V. A. que das pessoas (Corpo Cronologico, Parte I, maço 95, doe. 91).
que desta terra vão mande tomar informações, assim de minhas
cousas particulares como geraes e por ellas saberá V. A. que
lhe fallo verdade faltando me muito pera dizer por nam XXV
enfadar V. A. cuja vida e real estado Noso Senhor prospere
por muitos anos. Desta sua cidade da Baia, oje dez dias de Carta de Jerónimo de Albuquerque
junho de 1555 anos. As reaes mãos de Vosa Alteza beijo — (28 de Agosto de 1555)
Jorge Fernandez.
Senhor —De dous anos a esta parte que se começou
(Arquivo da Tôrre do Tombo, Corpo Cronologico, I, 95, 88). a guerra, tenho escrito a V. A. muitas dando lhe conta das
cousas desta capitania e da dita guerra, das quaes até agora
não vi reposta e neste mes de maio que ora pasou, por húa
XXIV sua caravela que por aqui passou vindo da cidade do Salva-
dor lhe escrevi dando lhe conta do que mais era sucedido
Carta de Simão da Gama de Andrade
e como Luis de Seixas que servia de capitam na ilha de
(12 de Junho de 1555) Tamaraqua era levantado com dividas deixando a dita capi-
tania desemparada em tempo de guerra e levando consigo
Senhor —Da ylha de São Miguell hesprevi ha vosa hum Bartolomeu Rodriguez homisiado por morte de hüu
Allteza tudo ho que hatelli me tinha çoçedido e asi esprevi
ornem e pessoa muito prejudicial ao povo e assim outros
ao comde e mandey ha certidão de Manoell da Camara da
degradados e omiziados aos quaes por suas obras se deve
gemte que da ylha trouve, como V. A. me mandava no regi- dar pouco credito, antes pena e castigo.
mento que me deu e o mesmo faço haguora que mando húa E por razão desta guerra e sustentar esta capitania
certidão do governador e outra de Manuell da Camara de despendi muita fazenda e fiquei muito individado e pobre,
toda ha gente com que haqui cheguey, hasy de llixboa como como V. A. poderá saber de quantos vão desta villa e terra
das ylhas pella quall poderá ver que não foy ho numero e nas guerras passadas pedi a Vosa Alteza provesse húa
tanto como parecia que nas ylhas se poderiam achar, ha pessoa que servisse de capitão nesta capitania á custa de
rezâo porque senão quisseram então enbarquar foy por ha sua fazenda, porquanto o pouco que ella rendia nam bastava
terra hestar muito habastada de todos mantimentos prynci- pera minha irmã e seus filhos se manterem e eu aceitei este
pallmente pão que vallia a trynta reaes ho allqueire. cargo por me parecer que nisso fazia allgum serviço a Vossa
Eu Deus seja llouvado trouve boa viagem aynda que Alteza e que brevemente seria provida e portanto beijarei as
vagarosa e de muitas doenças e ysto porque vim fora do mãos a V. A. haver por seu serviço de me dar licença que
tempo que se requere pera a costa de Quine e por os degre- olhe por minha fazenda que estou no fundo, que hé mais certo
dados que de contino trazem madorra do llimoeiro, parti de que palavras de maldizentes que a Vosa Alteza o contrario
São Myguell ho primeiro dia de setembro, chegei a esta dizem e pela guerra da Baia saberá o que eu tenho des-
cidade a 27 de novembro hacheya habastada de farinha e pendido.
muito mais de motinações e odios amtre hos prymcipays Dois engenhos se perderam ou quasi tres no tempo
de que o povo pagava muitos trabalhos e á terra periguo por desta guera. nos quaes se fazia muitos assucares. hum deles
380
A INSTITUIÇÃO DO GOVERNO GERAL
é o de Igaraçuu e o outro de Santiago de Olinda que por com tanto poder porque ja teguora se nos sostynhamos era
estar fracamente provido nelle húu Diogo Fernandez que o com húa esperança que nos dava cuidarmos que Vossa Alteza
fez com outros companheiros de Viana, por ser gente pobre serya disso sabedor e que he tão piadoso e cllemente pera
mandei recolher a esta villa, por achar nam tinha escravaria com seus vasallos que tamto que soubesse a desaventura e
armas nem artilharia com que se pudessem defender no qual miséria em que agora vivemos senão descuidaria de nos
tempo os Índios o queimaram e roubaram pelo que este en- socorrer com ho remedyo que pera tantos males avemos
genho ficou deserto e se tivera cem peças de escravos nam mister.
se despovoaria. Certifico a V. A. que he húu dos honrados... Mas vemdo ho descuido que pera noso remedio se tem
desta capitania o dito Santiago que nelle se podem asentar e o muito crecimento que vai de nosas preseguisões ha quatro
dentro da cerca dois engenhos daçucar e tem boas terras e anos he tamta a desesperação em que todos somos postos
muitas madeiras e lenhas e outras cousas necessárias, os que não ha pesoa que pera descanso de sua vida e segu-
quaes andando bem providos do necessário e escravaria rydade de sua honra antes não escolhera ser cativo do xarife
como cumpre se farão nelles cada ano dez mil arrobas daçucar que cidadão nem morador desta cidade em quanto for gover-
e porque isto é cousa do serviço de Deus e de V. A. e onde nada por Dom Duarte e seu filho e regida por Pero Borges
pode receber muito proveito em suas rendas o quis aqui es- hos quaes são tão assolutos e desolutos senhores delia que
crever pera que nisso mande o que lhe parecer ser seu ser- não ha pesoa que neste tempo cuide que tem cousa propia
viço e crea V. A. que se não povoam estes engenhos e o de nem sua honra segura pella quoall rezão tememos que a mor
Igaraçu, a terra nam pode povoar se nem ir adiante e pelos parte da gente se va e despovoe a terra e se Ilancem com
moradores que agorâ vam desta capitania se vera quam ho gentio porque por mar não tem saida.
pouco proveito recebem este ano em suas mercadorias e E pera mais desaventura nosa permefio o Senhor Deus
como vão os navios com pouca carga por falta deste engenho per nosos pecados que a nao Nossa Senhora dAjuda se per-
que nam acharam açúcares em que empregar seu dinheiro e desse da quall dependya toda nosa esperança e o bem desta
desta maneira todos recebem perda e os moradores muito terra por que nella iam pesoas que aliem de lhe terem amor
maior que não tem modq de vida. e desejarem ho acrecentamento delia aviam a V. A. de dar
Soube do dito Diogo Fernandes que hum Bento Rodri- imteyra enfformação de tudo ho que tem pasado, os quais
guez morador nesta cidade que tem arrendado o trato de eram ho bispo, Antonio Cardoso de Barros e Lazaro Ferreira,
Gyne folgaria de povoar os ditos dous engenhos em Santiago Francisco Mendes da Costa, Sebastião Ferreira que hya por
d Olinda, se Vosa Alteza o mandasse chamar e nisso lhe procurador da cidade marido de Clemência Dorya a sogra de
falasse que fazendo se hora cousa de muito seu serviço e Rodriguo de Freitas a molher de Bras Fernandes, seu pai
aumento da ferra e seguridade delia que em dois engenhos Antonio Pinheiro a velha que veo com has orffans, o capitão
se ajuntariam 400 pessoas de guerra, entrando alguús mora- Lloas ho adaiam e outros dous conheguos os quaes todos iam
dores com sua escravaria que se a elles iriam viver com a com asas agravos a queyxar se a V. A. fazendo muita ffalta na
obrigação de lhes fazerem alguas canas pera seu sustenta- ferra e todos morreram com outros muitos inocentes tam
mento. Folgue V. A. de favorecer nisto ao dito Diogo Fer- costantes no serviço de Deus e no que erão hobriguados a
nandez que está muito pobre com seis ou sete filhas e dois sua honra que os que ffyquamos ffoy com estremada inveja
filhos sem ter com que os possa manter pela dita perda que de acabar ally com eles porque segundo ho como eles aca-
recebeu e elle he ornem que pera negociar os ditos engenhos barão ffoy pera viverem eternamente e nos se ffiquamos he pera
outro mais suficiente na terra que elle não se achara e que cada dia morrermos de hüa morte prellongada que nos
com menos dinheiro e tempo isto acabe e ponha no estado consume as fazendas e cousas sem nos acabar as vidas.
que cumpre dando lhe hum quinham como elle dèvia ter no Hora vendo estes tres guovernadores quam mall nos
dito engenho e povoando se o engenho de Igaraçuu, que terçou nosa esperança e quam bem lhe socederão seus danados
tenho por nova se envia renovar por certos mercadores dessa desejos ffoy tanto o contentamento e presunção que diso
cidade, me parece que a terra ficara em paz e desta maneira tomarão que aliem de outros synaes ho mostrarão com vis-
os moradores folgarão de trabalhar e se estenderão pela terra fidos e mostras de muito prazer e a nós nollo derão bem a
a fazer canaviaes e roças de mantimentos e de outras novi- entender em nos ffazerem com trabalhos dobrados semfir a
dades, de que V. A. pagarão seus dízimos e elles terão que perda que perdemos que ffoy tamanha de maneira que não
comer. Nova outra ha que contar somente este gentio esta ha pesoa nesta terra que tenha esprytos pera mais que a
callado e atemorizado e com se fazerem os ditos engenhos Deus pedir remedyo e vingança de seus males he perdas.
de que V. A. ha de receber muito proveito e não perda, E porque não parecese totallmente ser ja toda deses-
ficara a terra sossegada e os imigos submettidos e sujeitos peração posta em nosos corasões asemtamos hos juizes he
ao que lhe for mandado. A Santíssima Trindade aumente a vereadores deste ano de 1556 tornarmos a escrever a V. A.
vida e estado... de V. A. por muitos anos como deseja. parte de tantos males e asy lhe mãodarmos hos trelados da
Em Olinda a... de agosto de 1555... [De Jeronimo dAlbu- carta e apontamentos que por Sebastião Ferreira procurador
querque], da cydade lhe mãodavamos na nao que se perdeo e isto
porque alem de ser muito necesario sabello V. A. pera o
(Arquivo da Torre do Tombo, C. C., 1, 96, 74).
mãodar remedear tememonos e teme se todo este povo que
como o governador e ouvidor gerall estão vyforiosos do mall
XXVI que a esta terra sobcedeo e por a muita fallta de gente que
aguora ha que se doa do bem delles que nesta inleyção ffação
Carta dos oficiais da Câmara do Salvador vereadores he offyciaes á sua vontade hos quaes não tão
(18 de Dezembro de 1556) somente não darão conta do que pasa e he necesario pera
bem delia mas amtes lhe escreverão ao revez Houvando hos
Senhor—Sam tantas as perseguições e trabalhos que males e desdenhando ho bem.
vierão e cada dva nos vem aos moradores desta sua cidade E pera isto darmos a V. A. por lenbrança que se Ha
do Sallvador despois que Thome de Sousa delia se ffoy que vir carta da camera em que vão hasynadas por hoffyciaes
não ha já pesoa que tenha sofrymento nem paciência pera Joam d Araújo, Gaspar LIameguo, Cristóvão dAguiar, Antonio
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
do Reguo, Sebastião Alvarez, Antonio Rybeiro, Diogo Monis de hú anno pasê por cartas e passando por aluaras não
Barreto, Bernalldo dAvellar e Lopo Machado que a cousa valhã. Bertolameu Froez o fez em Lixboa xxb de Janeiro
destes omens não dê nenhum credito porque estes tem o de mil bc sinquoenta e sete.
governador da sua mão á custa da ffazenda de V. A. e aliem
diso nenhum he casado nem morador na terra e são has (Arquivo da Tôrre do Tombo, Chron. de D. João III,
próprias pesoas que de sua mão tem pera ajudarem a tirar liv.o 59, fi. 184).
as ffazemdas e omras aos moradores com outros de menos
callydade pera juramentos falsos e destes e de todos nos XXVIII
outros pedymos a V. A. muito por merce mâode devasar Carta de Vasco Fernandes Coutinho
com o governador e ouvidor e emtão saberaa a quem deve
de mandar castigar ou ffazer merçe pois que serão nosos (22 de Maio de 1558)
pecados que o não soubese pellas pesoas que pera iso Senhor.—É a minha obrigação tanta, em que lhe são
tjnham concyencia e vontade pera o dizer e crea V. A. pela mercê que me fez.e no socorro que me mandou, dado
que nesta devassa que pedymos e asy na revista dos ffeitos caso que sua pessoa e quem elle é e pera o que era obri-
e resedencia consiste toda a consollaçâo e remedio dos mora- gado a fazer o que fez e fora eu assim doente e aleijado
dores desta terra. como estava me embarquei ao vir visitar e beijar as mãos e
Na taixa da camara desta cidade achamos hum auto com o mao tempo e ma vida do barco, ja quando aqui
ffeyto per mandado dos juizes he vereadores que servirão cheguei, foi dita chegar vivo da maneira que vim pela qual
o ano de 55 em o qual se contem cousas muito impor- rezão e minha doença não vou, logo falo se se Nosso Senhor
tantes ao serviço de V. A. e por nos parecer necesario me der ajuda e um pouco de saúde pera isso, pera lhe dar
tornar a enviar o trellado delle per sermos serteffyquados conta de mim e assim da terra como fica, Nosso Senhor seja
que o primeiro trelado que hos propios hoffyciaes enviavão louvado despejada dos inimigos e em termos melhores do
a V. A. hia na nao Nossa senhora d Ajuda que se perdeo que nunca esteve, do que Vossa Senhoria deve de ter muito
o ffazemos hora trelladar e vai com os apontamentos que gosto pois que por sua industria ,e ajuda depois de Deus
por ser cousa que ffez muito escandello e este pouo commenta pode dizer que salvou aquela gente do muito risco e perigo
nos pareceo llycito que V. A. o vise pera em todo mãodar em que estávamos e ganhou aquela terra ainda que lhe cus-
o que vir que seja seu serviço cuja vida e reali estado tasse tanto e depois delle eu fui o mofino em ella custar
e da rainha e príncipe nosos Senhores prospere per muitos tanto não se pode nisto fallar porque é cousa tam nova'tão
anos. Escrito na camara desta sua cidade do Salvador aos fora de estilo e de rezão o por parte sucedeu tamanho mal
dezoito de dezembro. Pedro Teixeira escryvâo delia a ffez que se não poderá fallar.
de mil bc Ibj —Spmao da Gama d Andrade. — Francisco Porto- Peço a Vossa Senhoria que pois ja ganhou aquella
carrero — Joham Velho Galvão — Vycente Diaz —Pedro Fi- terra e comigo usou tanta fidalguia e tanta virtude que em
gueira?—Damyam Lopez da Mesquita.—Sobrescrito: A el Rey tudo o faça como eu deíle desespero em a favorecer nas
noso Senhor. Da camara da sua cidade do Salvador das cousas que for necesarias pera paz e sosego da gente porque
partes do Brasill. esta é a que mais nojo pode fazer entre huns e os outros
(Arquivo da Tôrre do Tombo, Corpo Chron. I, 100, 17). porque dos indios ja fica segura louvores a Deos e a terra
despovoada delles, peço a Vossa Senhoria que me proveja
com justiça de algumas desordens que la ha entre nós e
XXVII que os moradores tem contra mim por onde se tem cau-
sado muitos odios e muitos desmandos entre elles e o
Alvará do provedor de Pôrto Seguro a Filipe Guilhem começo de se os indios alevantarem foi esta que lhe direi
huua postura que la está em que houvesse um compadre,
(25 de Janeiro de 1557) tomaram no tanto em gozo que teimam os que querem e
isto causou se alevantarem os negros com os resgates que
Eu el Rey faço saber a quantos este meu alvará virem levavam e pelos digo e como os não traziam ficavam logo
que eu ey por bem e me praz de fazer merce a Filipe de alevantados; a isto ha Vossa Senhoria de prover a que os
Guilhê, morador nas partes do Brasil, do officio de provedor não haja por escusa e odios e demanda e também porque
de minha fazenda da capitania de Porto Seguro das ditas o capitão que ahi estiver não no tragam e tratem como
partes em dias de sua vida, do qual oficio ^diz que o proueo até agora fizerem e a mim dizendo que no sertão eu não
Tomee de Sousa, do meu conselho e veedor da minha casa, tinha qfue entender porque a camara tinha esse poder e
estando por meu guouernador nas ditas partes. E por sua elle com a postura que ella tem dizer a Vossa Senhoria
guarda lhe mandey passar este meu aluara, pelo qual o dito o pouco amor e cortesia e ensino que comigo usavam pelos
Filippe de Guilhê será obriguado a tirar carta em forma do que de la vem o saberá. Eu por estas cousas e por
dito oficio da feitura dele a dous annos primeiros seguintes. outras muitas que eu por minha ventura e pecados tenho
A qual carta lhe sera passada per este aluara ou o trellado e mereço a Deus queria chegar ao Reino, se Deus for
delle em forma que faça fee, e atee tirar a dita carta, que servido e a declarar me com a minha fortuna e ver se
sera nos ditos dous anos, ey por bem que elle sirva o dito posso achar quem a povoe e fazer algum partido ou
oficio da maneira que elle foy prouido pelo dito Tome de vender, pois que não mereci a Deus por meus pecados
Sousa. Noteficoo asy ao meu guouernador das ditas partes ter cousa minha a que a deixasse e porque me é muito
do Brasil, e ao capitão e oficiaes de minha fazenda da dita necessário assim pera minha comciencia e descargo de
capitania de Porto Seguro e mandolhes que cumprã e guar- minha alma, e pera que a terra se povoe e não esteja
dem e façâ inteiramente cumprir este meu aluara como se tão deserta, como está e tão desamparada, é necessário
nelle conthem, o qual valera e terá força e viguor como se ir tomar conclusão antes que morra, porque são ja mui
fosse carta feita em meu nome e aseilada de meu sello pen- velho e mui cercado de doenças e morrendo desta ma-
dente sem embarguo da ordenação do L.® segundo, titulo neira corra a alma muito risco. Pesso a Vossa Senhoria
vinte, que diz que as cousas cujo efeito ouuer de durar mais pois que tanta merce me tem feito depois que veio que
382
A INSTITUÍ ÇÃO DO GOVERNO GERAL
em tudo me faça merce e me favoreça e que escreva porque espero em Nosso Senhor de me dar hum pouco
la como ella esta e as qualidades que tem e a muita de saúde e de esforço pera que lhe vá beijar as mãos
necessidade que esta terra tem daquella terra se não e visitalo lhe não escrevo mais miudamente as cousas
perder por muitas rezões que Vossa Senhoria ja sa- que são passadas e as que relevam pera bem da sua
bera e se la ha embarcação e Vosa Senhoria ha de obrigaçam e honra sua. Beijo as mãos de Vossa Se-
mandar algum navio pera o Reino, folgaria de por elle nhoria. Desta Villa dos Ilhéus a 22 do mes de maio
ser embarcado e ir... . com seu recado porque com de 1558 anos.— Vasco Fernandes Coutinho.
elle e com sua ajuda espero em^ Nosso Senhor de lá
fazer minhas cousas como me são necessárias pera re- (Arquivo da Tôrre do Tombo, Corpo Cronologico,
médio de minha consciência e salvação pera aquella terra, I, 102, 96).
383
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
ÍNDICE
INTRODUÇÃO pAgs.
POR O ponto de vista francês
63
O ponto de vista português .
C. MALHEIRO DIAS 64
A enviatura de João da Silveira
(PAGS. I A LXIII) 66
Assolações dos corsários . 68
A missão de Cristóvam Jacques 71
PÁGS. As reclamações de Francisco 1 77
O Império colonial português I A enviatura de João da Silveira .
79
Principais características da primeira fase da colo- A carta de João de Melo da Câmara
83
nização V Apêndice:
Razões políticas da colonização .... IX
O sentimento nacionalista da colonização Carta de Pero Colaço a D. Manuel ....
XII 85
Regímen, evolução e factores da colonização Alvará de D. Manuel, de 28 de Julho de 1513, pelo
XIV qual manda pagar a quém o parlamento da Bre-
A escravatura XIX
Povoamento e defesa litorânea . tanha indicar certa quantia pelo apresamento de
XXI um navio, feito por Pero de Andrade
A expedição de Crisfóvam Jacques . XXVIII 86
A missão de Marfim Afonso de Sousa Instruções ao corregedor do Algarve por causa de
XXXII um corsário francês que deu entrada em Faro
As donatarías hereditárias XL1 87
Divisão das capitanias Carta de Jácome Monteiro a D. João III, de 10 de
XLIV Março de 1527
A missão dos donatários . XLVII 88
O primeiro governador Carta do bispo de Osma, de 15 de Junho de 1527 88
L1I Carta de Diogo Leite, de 30 de Abril de 1528 .
O segundo governador LV 89
O govêrno de Mem de Sá Carta de D. Rodrigo da Cunha, de 30 de Abril
LVII de 1528
Os processos inglês e português LV11I 89
A fundação do Rio de Janeiro . Carta de João de Melo da Câmara (1529?) . 90
LX Traslado das bases propostas para o acordo entre
CAPÍTULO I os reis de França e Portugal por causa das
cartas de marca 91
(PÂGS. 1 A 47)
A METRÓPOLE E SUAS CONQUISTAS CAPÍTULO III
NOS REINADOS DE D. JOÃO III, D. SE- (PÁGS. 97 A 164)
BASTIÃO E CARDEAL D. HENRIQUE A EXPEDIÇÃO DE MARTIM AFONSO
POR DE SOUSA
C. MALHEIRO DIAS POR
JORDÃO DE FREITAS
D. João III . 2
O Império 3
A Inqüisição Fontes documentárias 97
8 Biografia de Martim Afonso de Sousa .
A crise financeira e econômica da política colonia 10 102
As guerras da África e da índia .... Biografia de Pero Lopes de Sousa .... 115
18 Poderes conferidos ao capitão-mór da expedição
A Europa durante o reinado de D. João 111 24 123
D. Sebastião; a Regência Narrativa da expedição 126
27 Itinerário da Armada
O rei cavaleiro 29 133
As ruínas da política imperialista .... Regresso de Pero Lopes de Sousa a Portugal . 150
34
A visita do legado do Papa 37 Apêndice:
Lanças em África 39 Carta do príncipe D. João ao duque de Bragança
O cardeal-rei 159
45 Renúncia que fêz Martim Afonso de Sousa das
Apêndice — Língua e Literatura Portuguesa (1521 cousas que seu pai tenha por doação dos du-
1580), por Agostinho de Campos .... 48 a 55 ques de Bragança 159
Carta de grandes poderes ao capitão-mór Martim
CAPITULO II Afonso" de Sousa 159
(PÁGS. 59 A 91) Carta de poder para o capitão-mór criar tabeliães
e mais oficiais de justiça 160
A EXPEDIÇÃO DE CRISTÓVAM JACQUES
Carta de D. João III para Martim Afonso de Sousa
POR quando passou ao Brasil (28 de Setembro de 1532) 160
ANTÔNIO BAIÃO E C. MALHEJRO DIAS Carta de D. João III para o Conde de Castanheira
(25 de Janeiro de 1533) 161
Carta de D. João III ao Conde de Castanheira (26
Antecedentes da expedição . 59 de Janeiro de 1533)
'rimeiras viagens francesas ao Brasil 162
61 Idem, idem (3 de Fevereiro de 1533) .... 152
58
385
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
ÍNDICE
PÁGS. PÁGS.
Idem, idem (8 de Fevereiro de 1533) .... 163 A expedição de Francisco de Chaves em pesquisa
Idetn, idem (10 de Fevereiro de 1533) .... 163 das minas de Ouro 226
Idem, idem (16 de Fevereiro de 1533) .... 163 A Colônia e seus primeiros habitantes .... 227
Idem, idem (1 de Março de 1533) 163 S. Vicente depois do regresso de Martim Afonso de
Sousa a Portugal 228
CAPÍTULO IV Os govêrnos dos loco-tenentes do donatário . 231
(PÂGS. 165 A 188) Capitanias de Santo Amaro e SanfAna .... 233
Capitania de Itamaracâ 235
A SOLUÇÃO TRADICIONAL DA COLO- Capitania da Parahyba do Sul 237
NIZAÇÃO DO BRASIL Capitania do Espírito Santo 241
PELO Capitania de Porto Seguro 244
Capitania dos Ilhéus 246
PROF. PAULO MERÊA Capitania da Bahia. 248
As capitanias setentrionais 252
As doações de capitanias como sistema tradicional Apêndice:
de colonização . . 167 Carta de Luís de Qóis (12 de Maio de 1548). . . 259
D. João III aplica ao Brasil o sistema das dona- Carta de mercê dos cargos de provedor e direitos
tárias 169 da capitania de S. Vicente a Brás Cubas (1551). 260
Apreciação da solução dada por D. João III ao Carta de confirmação e mercê dos cargos de pro-
problema do Brasil 171 vedor e contador das rendas, capelas, confrarias,
Normas jurídicas e instituições. As cartas de doação albergadas e gafadas de S. Vicente e Santo
e os forais 174 Amaro a Brás Cubas (8 de Fevereiro de 1553). 260
Condição das pessoas. índios e escravos ... 177 Carta de Brás Cubas a D. João III, em que dá
Regimen territorial. Organização administrativa. Le- conta do achado do ouro (25 de Abril de 1562). 261
gislação 182 Carta de mercê a Antônio Teixeira dos ofícios de
Os direitos de Portugal em relação ao Brasil pe- feitor e almoxarife da capitania de Pedro de Qóis
rante o direito internacional. A política de mo- (1 de Julho de 1536) 261
nopólio e o *mare clausum* 184 Carta de Pedro de Qóis, escrita da Vila da Rainha
ao seu sócio Martim Ferreira (18 de Agosto
CAPÍTULO V de 1545) 262
(PÁGS. 191 A 216) Carta de Pedro de Qóis, escrita da Vila da Rainha
a D. João III (29 de Abril de 1546) .... 263
OS PRIMEIROS DONATÁRIOS
Alvará régio de cedência de um navio e munições
POR a Vasco Fernandes Coutinho (14 de Junho de 1534). 264
PEDRO AZEVEDO Carta de confirmação da demarcação das capitanias
de Pedro de Qóis e Vasco Fernandes Coutinho
(12 de Março de 1543) 264
Duarte Coelho, donatário de Pernambuco ... 194 Carta régia regulando a doação da ilha de Santo
Vasco Fernandes Coutinho, donatário do Espírito Antônio a Duarte de Lemos (8 de Janeiro de 1549). 265
Santo 200 Carta de Pedro do Campo Tourinho escrita de Pôrto
Pedro do Campo Tourinho, donatário de Porto Seguro a D. João III (28 de Julho de 1546). . 266
Seguro •. . . 203 Carta de Duarte de Lemos escrita de Pôrto Seguro
Jorge de Figueiredo Correia, donatário dos Ilhéus. 205 a D. João III (14 de Julho de 1550) .... 267
Os donatários João de Barros, Fernando Álvares Carta de Pedro Borges escrita de Pôrto Seguro a
de Andrade e Aires da Cunha 207 D. João III (7 de Fevereiro de 1550). . . . 267
Antônio Cardoso de Barros, donatário do Ceará . 211 Carta de mercê e doação das minas de ouro e de
Pedro de Qóis, donatário da Parahiba do Sul. 212 prata que Fernão Álvares de Andrade, Aires da
Francisco Pereira Coutinho donatário da Bahia. . 214 Cunha e João de Barros venham a descobrir
nas suas capitanias do Brasil (18 de Junho
CAPÍTULO VI de 1535) 269
Inqüirição que fêz o vigário da vila de Pôrto Seguro
(PÁGS. 219 A 271) sôbre as heresias e blasfêmias de Pero do
O REGÍMEN FEUDAL DAS DONATARÍAS Campo Tourinho (Processo da Inqüisição de
POR Lisboa) 271
C. MALHE1RO DIAS
ÍNDICE
387
1
c
PÁGS. pAgs.
Frontispício extra-texto, a côres I Moedas portuguesas do reinado de D. João III II
Afonso de Albuquerque, segundo o retrato da As/a, Imperatriz D. Isabel (pintura de Ticiano)
de Faria e Sousa 13
III O cláustro do convento dos Jerónimos. Extra-tex 14-15
Vasco da Gama, segundo o retrato da As/a IV A tôrre de menagem do castelo de Arzila . 15
D. Francisco de Almeida, segundo o retrato de Qòa VII Praça forte de Çafim 17
Tamoios colhendo o caju (gravura reproduzida da A fortaleza de Ormuz 19
obra de Thévet, de 1557) VIII Vasco da Gama (pintura contemporânea de auto
Gravuras da edição de 1598 de Las Casas . . . XI desconhecido) 20
Indígenas do Rio de Janeiro (da edição de Thévet, A praça de Diu 22
de 1557) XIII D. João de Castro (retrato das Lendas da Indi
Martim Afonso de Sousa, segundo o retrato de Qòa XVI de Gaspar Correia 23
Ataque a uma taba de Tupiniquins (da edição de Rainha D. Catarina (pintura atribuída a Cristóva
Hans Staden, de 1592) XX Lopes). Extra-texto 26-27
Refeição de Tupiniquins (da edição de Hans Staden, Praça forte de Mazagão 27
de 1592) . . XXIII A princeza D. Joana, mãe de D. Sebastião (pintur
A execução de um prisioneiro numa taba de Tupi- de Antônio Moro) 28
niquins (da edição princeps de Hans Staden, Carlos V (pintura de Ticiano). Extra-texto 23-29
de 1556) XXVI O rei D. Sebastião (pintura de Cristóvam de Morais
A execução de um prisioneiro (da edição de Hans Extra - texto 30-31
Staden, de 1592) XXVII D. Luís de Ataíde (da galeria de Gôa) ... 31
O padrão de Pôrto Seguro XXXI Luís de Camões (da edição de Faria e Sousa, 1639 33
Fundação da vila de S, Vicente por Martim Afonso Os portugueses na índia (da Histoire de la Nain
de Sousa (quadro de B. Calixto) .... XXXIII gation, de Linscot) 35
A frota de Martim Afonso de Sousa no pôrto das Armadura de parada de D. Sebastião. Extra-text 36-37
Náus (quadro de D. Calixto) XXXV Infanta D. Maria (pintura de Antônio Moro) 38
Martim Afonso de Sousa no pôrto de Piassaguéra, O paço de Sintra, por Duarte de Armas 41
a caminho de Piratininga (quadro de B. Calixto) XXXVII A conversão do duque de Gandia (pintura de Car
Baltasar Ferreira atacando a Hipupiara (gravura da bonero). Extra-texto 44-45
História da Província de Santa Cruz, de Maga Cardeal D. Henrique
Ihães Gandavo) 46
XL O córte do pau-brasil (baixo relêvo em madeira d
Tamoios (da edição de Jean de Lery, de 1578) . XLII1 2.o quartel do século XVI)
Família de Tamoios (idem) 62
XLV Fac-símile da assinatura de D. Manuel . 63
Combate de Tupinambás contra uma tribu inimig Fac-símile da assinatura de Luís XII
(idem) 63
XLVIII Francisco I (gravura quinhentista) .... 65
Guerreiros Tamoios (idem) . L Fac-símile da assinatura de João da Silveira .
Funeral de um Tamoio (idem) 67
LI Fac-símile da assinatura de Jácome Monteiro . 67
Subsídios para a indumentária militar portuguesa A cidade de Rouen. Extra-texto .....
do século XVI (da edição princeps de Casta 68-69
Embarque do pau-brasil (baixo relêvo em madeir
nheda) LV1 do 2.o quartel do século XVI) ....
D. Sebastião (da obra de Thévet, Histoire des plu 69
Brasão de Francisco I 70
illustres et sçavans hommes de leurs siècles) LVII Fac-símile da assinatura de Francisco I . .
O entêrro de D. Manuel (página do Livro de Hora 71
Baixo relêvo chamado dos selvagens, na igreja de
de D. Manuel) 2 Saint-Jacques, em Dieppe
Fons Vitae, quadro da Misericórdia do Pôrto com 72
O aborígene brasileiro (gravura quinhentista) . 78
os retratos da família real portuguesa. Extra O Brasil na Cosmografia de Guillaume Le Testin
texto 2-3 Extra - texto
Um fidalgo português na índia (gravura da Histoire 80-81
A aborígena brasileira (giavura quinhentista) 81
de la navigation, de Linscot) 4 Fac-símile da assinatura de Martim Afonso de
O príncipe D. João (pintura de Frei Carlos) Extra Sousa
texto 105
4-5 Brasão de Martim Afonso de Sousa. Extra-texto 108-109
Assinatura de D. João 111 5 Martim Afonso de Sousa, segundo o retrato da Asia
Assinatura de Pedro da Alcáçova Carneiro 110
5 Martim Afonso de Sousa. Reconstituíção de Roque
Assinatura de D. Antônio de Ataíde . 5 Carneiro baseada no retrato da galeria de Gôa
D. João 111 (pintura de Cristóvam Lopes). Extra 113
Cartas de poderes de Martim Afonso de Sousa.
texto 6-7 Fac-símiles. Extra-texto
O Infante D. Luís 124-125
7 Fac-símile da l.a página do códice da Biblioteca
Um auto de fé. Extra-texto ...... 8-9 da Ajuda, Neveguaçam q fez p.o lopez de Sousa
A Virgem da Misericórdia (pintura atribuída a An no descobrimento da costa do Brasil, etc.
tónio de Holanda, onde figuram as pessoas da 127
O paço de Évora 173
família real). Extra-texto 10-11 Frontispício do Terceiro Livro das Ordenações. 179
388
I
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
pAgs. pAqs.
Fac-símile da assinatura de Duarte Pacheco Pereira 194 As ilhas de S. Vicente e de Santo Amaro, em uma
õrasão de Duarte Coelho 195 edição quinhentista de Hans Staden .... 225
Fac-símile da assinatura de Duarte Coelho . . . 195 S. Vicente, Santos e Santo Amaro. Do Códice da
Fac-símile da carta de doação de Duarte Coelho. Biblioteca da Ajuda, Roteiro de todos os sinais,
Extra - texto 196-197 etc 229
Fac-símile da assinatura de Afonso Gonçalves . . 199 A baía do Rio de Janeiro. Do mesmo códice qui-
Brasão de Vasco Fernandes Coutinho .... 201 nhentista da Biblioteca da Ajuda. Extra-texto . 230-231
Fac-símile da assinatura de Vasco Fernandes Cou- Fundação da vila de Santos. Tríptico de Benedicto
tinho ' 202 Calixto. Extra-texto 232-233
Fac-símile da assinatura de Duarte de Lemos . . 202 O engenho de açúcar na primeira fase agrícola da
Brasão de Pero do Campo Tourinho .... 204 colonização 239
Fac-símile da assinatura de Pero do Campo Tou- A baía de Todos os Santos e a cidade do Salvador.
rinho 204 Do códice da Biblioteca da Ajuda retro-mencio-
Brasão de Jorge de Figueiredo Correia .... 206 nado. Extra-texto 248-249
Brasão de João de Barros 207 Mapa do Brasil dividido em capitanias. Códice qui-
Fac-símile da assinatura de João de Barros . . 208 nhentista da Biblioteca da Ajuda. Extra-texto . 256-257
Brasão de Fernando Álvares de Andrade . . 208 A vila de Olinda e o pôrto do Recife no fim do
Brasão de Aires da Cunha 209 século XVI 292
Fac-símile da assinatura de Aires da Cunha . . 210 O cêrco de Iguaraçú. Gravura quinhentista . . 299
Brasão de Lucas Giraldes 211 Brasão de Jorge de Albuquerque Coelho ... 306
Brasão de Pedro de Góis . 212 Mosteiro de S. Pedro de Rates 329
Fac-símiles das assinaturas de Pedro de Góis e Fac-símile da assinatura de Tome de Sousa . . 332
Luís de Góis -213 Selos de Brás Cubas, Pedro do Campo Tourinho,
Distribuição das Donatarías. Extra-texto . . . 222-223 Pedro Borges e Tomé de Sousa .... 334
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
ERRATAS B COMENTÁRIOS
Pág V. linha 8. Onde se lê; «Duarte Pacheco», deve ler-se Pág. XXVII, linha 2. Onde se lê: «a cultura de S. Tomé»,
Duarte Coelho deve ler-se: a cultura de Cabo Verde, de S. Tomé
Pag V, linha 12. Onde se lê; <e que determina», deve Pág. XXV11I, linhas 13 e 14. Onde se lê: «Cristóvam Jacques
ler-se: e que determinam é mandado pela segunda vez à América, coman-
Pág. XVII, linha 5. Onde se lê: «Estas viagens, narradas na dando uma náu e cinco caravelas artilhadas», deve
Primeira Parte da presente obra, dedicada ao Desco- ler-se : Cristóvam Jacques é mandado pela segunda
brimento, realizaram-se no litoral ao sul das ime- vez à América, comandando uma náu e quatro ca-
diações do cabo de S. Roque, onde se presumia ravelas artilhadas, (seguindo mais uma de conserva
passar o meridiano da partilha», deve ler-se: Estas com destino ã Guiné),
viagens, narradas na Primeira Parte da presente
obra, dedicada ao Descobrimento, realizaram-se no N. B. É no ataque dos corsários franceses a esta
litoral desde as imediações do Cabo de S. Roque, caravela da Guiné que se baseia D. João III para
até onde se presumia passar o meridiano da par- justificar a atitude posterior de Cristóvam Jacques.
tilha. Pág. XXIX, Nota, linha 14. Onde se lê: «Pero Cápico», deve
N. B. Se na primeira década do século XVI, e lêr-se: Pero Capíco
mesmo algum tempo depois, a actividade dos na- Pág. XXXII, linha 15. Onde se lê: «1525», deve ler-se: 1526
vegadores espanhóis, que haviam finalmente ultra- Pág. XXXIV, linha 18. «O capitão traz o título de governador,
passado o equador após Cabral, estabeleceu certa que ninguém antes dêle tivera».
confusão nos limites setentrionais da propriedade N. B. Êste título não é mencionado nas cartas de
portuguesa, a verdade é que já o mapa de Cantino poderes, mas parece implícito a êsses poderes, pois
os conduzia até a foz do Amazonas. No sul, a zona que Martim Afonso de Sousa dêle fêz uso.
litigiosa manteve-se até à expedição de Martim Pág. XXXIV, linha 19. Onde se lê: «parte do diário de Pero
Afonso de Sousa, quando Portugal abandonou de- Lopes», deve ler-se: parte da relação apógrafa de
finitivamente à Espanha a posse do Rio da Prata Pero Lopes
Pág X^ll, linhas 17 e 18. Onde se lê: «As armadas da Ásia,
que transitavam nos mares americanos, haveriam N. B. O manuscrito da Biblioteca da Ajuda não é
também abandonado no litoral alguns desterrados», do punho de Pero Lopes, nem de Pero de Góis.
deve ler-se: As armadas que transitavam nos mares Trata-se de uma cópia truncada e talvez acrescentada
de uma relação ou roteiro do navegador. Veja-se
americanos haveriam continuado a abandonar no
litoral alguns desterrados. o cap, 111 do presente volume, págs. 126 e seguintes.
N. B. Contra o que geralmente se presumia, e Pág. XLI, linha 9. «Martim Afonso parte do Tejo a 12 de
muito embora o rei D. Manuel, ao participar à côrte Março de 1534, capitaneando cinco navios, fazendo
escala na Bahia».
espanhola o descobrimento do Brasil, o conside-
rasse boa escala para as náus da carreira da índia, N. B. Esta presunção se apoia em Jaboatâo.
não é possível documentar quaisquer arribadas das Todavia, não existe texto coévo que a confirme.
armadas do oriente nos portos brasileiros. O caso Tudo induz a crêr que a armada de Martim Afonso
de Cabral é uma excepção, que confirma o propó- não fêz escala em qualquer dos portos do Brasil.
sito de reconhecimento das terras ocidentais. A derrota da índia não flectia para o ocidente até
Veja-se a págs. 402 e seg. do vol. 11 desta obra, a aos litorais brasileiros. Cabral é excepção à regra,
análise dedicada ao roteiro das armadas indianas. e tudo quanto se tem dito para justificar o desvio
Pág XVII, linha 19. Onde se lê: <Identicamente teria acon- de Cabral como havendo sido uma simples manobra
tecido com a armada», deve ler-se: Assim teriam da derrota indiáiica é méra fantasia. O desvio de
procedido a armada de 1501 e a expedição comer- Cabral só pode explicar-se como tendo obedecido
cial de 1503 a ordens expressas para o reconhecimento das terras
Pág. XVIII, linha 4. Onde se lê: «Em Pernambuco», deve ocidentais.
ler-se: Em Iguarassu, no cabo de Pecauari (pontal Pág. XLI, linha 26. Onde se lê: «Donatárias», deve ler-se:
de Olinda?) Donatarías
Pág. XIX, linha 34. Onde se lê: «terra inóspita e despovoada», N. B. Da mesma correcção é passível a cóta da
deve ler-se: terra despovoada mesma página.
Pág. XXI, linha 33. Onde se lê: «arribou a Pernambuco», Pág. XLII, linha 7. Onde se lê: «agrupo», deve ler-se: agrupou
deve ler-se: arribou a Iguarassú Pág. XLII, linha 32. Onde se lê: «1821», deve ler-se: 1621
Pág. XXII, linha 4. Onde se lê; «no Recife», deve ler-se: Pág. XLV, linha 4. Onde se lê: <contituíndo», deve ler-se:
em Iguarassu constituindo
Pág. XXII, linha 17. Onde se lê: «coração a trabalhar», deve Pág. LV1I, linha 3 da legenda da gravura. Onde se lê: «Theret»,
ler-se : coração que trabalhava deve ler-se: Thevet
Pág. XXII, linha 32. Onde se lê; «adoptando», deve ler-se: Pág. 82, linha 37. Onde se lê: «a Pèlerine cairia», deve
se adoptasse ler-se: a Pèlerine cairá
Pág. XXIII, linha 56. Onde se lê: «fizeram que», deve ler-se: Pág. 83, linha 10. Onde se lê: «que João de Melo da Câmara
fizeram com que teria estado no Brasil», deve ler-se: que João de
Pág. XXVI, linha 6. Onde se lê: «tôdas as civilizações», deve Melo da Camara teria estado, quiçá, no Brasil
ler-se: tôdas as actuais civilizações
Pág. 83, linhas 18 a 23. N. B. Nesta passagem da análise
390
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
ERRATAS E COMENTÁRIOS
crítica da carta de João de Melo da Câmara, admi- ajustar», deve ler-se: tratou subseqüentemente de
timos que êste se referia à viagem do Brasil quando ajustar.
escrevia ao rei: «-que se a mym nã parecera que Pág. 119, linha 52, nota 152. Onde se lê: «rrebeo», deve
isto hera muito grade serviço seu e proveito de sua ler-se: rrecebeo.
fazenda que nã me atrevera a cometer lhe nê me Pág. 120, linha 36, nota 154. Onde se lê: «Duas cartas do
metera no mar na força do inverno, etc. dia 12», deve ler-se; Duas cartas de D. João ///,
Reconhecemos que os argumentos de que nos do dia 12.
valêramos são frágeis. A viagem das Ilhas a Por- Pág. 120, linha 20. Acrescente-se: Acerca da ida e estada de
tugal, durante a quadra invernosa, era tanto ou mais Pero Lopes de Sousa em Itamaracá tenha-se pre-
perigosa que a travessia do Atlântico sul. A própria sente o que dizem Pr. Vicente do Salvador (Histo-
invocação do inverno deixa entender que se tratava ria do Brazil, Liv. /, cap. II); Fr. Agostinho de Santa
da viagem dos Açores e não de uma viagem que Maria (Santuário Mariano, Tômo IX, pâgs. 326-328);
decorria, em grande parte, na zona tropical. En- Fr. Antônio de Santa Maria Jaboalão (Orbe Se-
tendemos mesmo que João de Melo da Câmara não rafico, Digressão IV, Esf. 10, n.° 134, pág. 91) e
teria deixado de referir-se à sua estada no Brasil Fr. Gaspar da Madre de Deus a pâgs. 161 e 162
se, realmente, lá tivesse ido. das suas Memórias para a historia da capitania
Pág. 97, nota 3, linha 3. Onde se lê: «Chronica ou Annaes», de S. Vicente, que diz: * Penso, que depois de
deve ler-se: Chronica ou Annaes. constituído Donatário das 30 legoas vizinhas de
Pág. 99, linha 13. Onde se lê: «Fiquei servindo assv na corte Pernambuco pela Carta feita em Évora, he que
ate», deve ler-se: ^... e fiquei seruindo a ssy na Pedro Lopes foi expulsar os Francezes, e que nessa
Corte até. occasião ... ou depois disso fundou a sua Capi-
Pág. 100, linhas 4 e 5. Onde se lê: «João Manuel da Câmara», tania de Itamaracá*.
deve ler-se: João de Melo da Câmara. Pág. 120, linha 49, nota 161. Onde se lê: «Estoutra data tam-
Pág. 100, linha 31, final da nota 15. Onde se lê: «negociações bém não me parece», deve ler-se: Estoutra data
diplomáticas», deve ler-se: negociações diplomáti- não me parece.
cas, mas dando-a erradamente como existente no Pág. 120, linha 50. Onde se lê: «deva ler-se 1535», deve
Maço 36, Doe. 30 (Revista Trimensal do Instituto ler-se: deva ler-se 1537.
Histórico do Rio de Janeiro, Tômo LXV, Parte Í, Pág. 120, linha 51. Onde se lê: «Martim Afonso de Sousa
pág. 438). já se achava na índia, como capitão-mór do mar»,
Pág. 102, linha, 55, nota 29. Onde se lê: «Paço de Cintra», deve ler-se: Martim Afonso de Sousa continuava
deve ler-se; Sala de Sintra. na índia, como capitão-mór do mar; mas incli-
Pág. 103, linha 14. Onde se lê: «podia estar», deve ler-se: no-me a crer que não há êrro na referência de
nom podia estar. Varnhagen.
Pág. 103, linha 24. Onde se lê: «da corte o ansejauão», deve Pág. 120, linha penúltima, nota 162. Deve ler-se: Corografia
ler-se: da corte se anojauão. Brazilica.
Pág, 107, linha 21. Onde se lê: «costa de geam», deve ler-se: Pág. 121, linha 9. Onde se lê: «Corno Chronologico», deve
costa de guiné. ler-se: Corpo Chronologico.
Pág. 109, linha 7. Onde se lê: «nosso seofir», deve ler-se: Pág. 121, linha 14. Acrescente-se: Dois anos antes (1537) par-
nosso sehor. tira Fernão Mendes Pinto para a índia.
Pág. 114, linha 6. Acrescente-se o seguinte: D. Ana da Guerra, Pág. 124, linha 14. Onde se lê: «governador (185) em seu
nora de Martim Afonso de Sousa, era filha do l.o nome», deve ler-se; governador em seu nome.
matrimônio de D. Francisco Pereira, da casa dos Pág. 125, linha 8. Onde se lê: «que passou; com o mesmo>;
condes da Feira, vèdor da fazenda do infante deve ler-se: que passou (185); com o mesmo.
D. Luís; o seu casamento fêz-se contra vontade Pág. 126, linha 41, nota 194. Onde se lê: «Menezes nasceu
de Martim Afonso de Sousa, parece que cerca de a 27 de Outubro de 1716 e era filho», deve ler-se;
1547 (Carta do infante D. Luís, encorporada na Menezes era filho.
Parte I da colecção Fernando Palha; Doe. 56, Pág. 129, nota 208. A carta de Pedro de Qóis erroneamente
Maço 81, Parte I, do Corpo Chronologico). assinalada com a data de 12 de Agosto de 1545
Pág. 115, nota 125. Onde se lê: «Tratado de Sphera», deve em vários textos brasileiros, é a de 18 de Agosto
ler-se: Tratado da Sphera. do mesmo ano, publicada a pág. 262 do presente
Pág. 115, nota 126, penúltima linha. Onde se lê: «bom & volume.
e elle», deve ler-se: bom & elle. Pág. 130, linha 46, nota 213. Onde se lê: «A fl. 30», deve
ler-se : A fl. 33.
Pág. 116, nota 131, primeira linha. Onde se lê: «1828», deve Pág. 133, linha 28. Onde se lê: «Dezembro de 1531», deve
ler-se: 1528. ler-se: Dezembro de 1530.
Pág. 117, linha 31. Onde se lê: «efectuar-se, porém, no
Pág. 134, linha 52, nota 244. Onde se lê: «Pero Capíco
ano», deve ler-se: efectuar-se no ano. [Capig.o?J>, deve ler-se: Pero Capíco [Çapico,
Pág. 117, linha 37, nota 133. Onde se lê: «vinte dias janeiro», Capig.o, Capiguo, Cavarim, Cabarigo ?].
e de não a 21», deve ler-se: vinte dias de janeiro*, Pág. 138, linha 10. Acrescente-se: Cremos até que outra não
e não a 21. é a nâu a que se refere um Alvará de D. João ///,
Pág. 118, linha 11. Onde se lê: «tratou subseqüentemente a datado do dia 16 deste mesmo mês de Maio de 1531
391
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
ERRATAS E COMENTÁRIOS
—e também de Montemór-o-Novo—em que ao Al- primeiros meses de 1538, senão nos fins do ano
moxarife da Ilha Terceira se ordena que entregue anterior, perante os comissários.
o dinheiro que fôr preciso para despezas com < uma Pág. 151, final da linha 19. Deve ler-se: presas e tomadias
nau do brasil que ahi peiu ter-» (Publicado a pág. entre os súbditos de França e de Portugal, em
407 do Vol. XII do Archivo dos Açores). tribunal internacional instituído, por entendimento
Pág. 141, linha 43, nota 283. Acrescente-se: Vide no mesmo e acordo com D. João III, por decreto datado de
Corp. Chron., I, 48, 38, o que sôbre este particular Cremieux a 22 de Março de 1535 (Torre do Tombo,
escreveu o Dr. Gaspar Vaz em carta de Diepe, aos Gaveta 15, XXIV, 2). Conf. no mesmo Arquivo:
16 de Janeiro deste mesmo ano. Corp. Chron., I, 55, 66 è I, 57, 3; Gaveta 15, l, 2,
Pág. 141, linha 47, final da nota 284. Acrescente-se: Conf. n.os 1.3; Corp. Chron., /, 59, 4; Gaveta 15, XIII, 16;
Corp. Chron., /, 30, 83: Carta do governador de Corp. Chron., I, 60, 155 e I, 47, 17.
Lisboa para D. João III, de 16 de Fevereiro de 1533. Pág. 151, linhas 20 e 21. Onde se lê: «A Pellerine deve ter
Pág. 145, linha 36, última linha do texto. Onde se lê: <aqui largado de Pernambuco quando Pero Lopes de
chegaram a 22 de Janeiro», deve ler-se: aqui che- Sousa se achava na Bahia de Todos os Santos, ou
garam, como vimos na pág. 136, a 22 de Janeiro-. quando de aqui se dirigia para a ilha de Santo
Pág. 147, linha 56, final da nota 320. Onde se lê: «P. I, 49, Aleixo», deve ler-se: A Pélerine deve ter largado
Does. 89 e 91 >), deve ler-se: P. I, 49, Does. 89 e 91, de Pernambuco no mês de Junho de 1532, isto é,
respectivamente de 31 de Agosto e 1 de Setembro quando Pero Lopes de Sousa se achava no Rio
de 1532). Conf. Corp. Chron, I, 50, 9; I, 48, 105; I, de Janeiro.
48, 110; I, 48, 113 l, 47, 70; /, 46, 108; l, 48, 5 e Pág 151, linha 22. Onde se lê: «levado a cabo pela armada»,
l, 48, 16; l, 48, 98. deve ler-se: levado a cabo no mês de Agosto de
Pág. 149, linha 30, nota 331. Onde se lê: «23 de Julho», deve 1532 pela armada.
Pág . 151, linha 34. Onde se lê; «Cristóvam Jacques fundou
ler-se: 29 de Junho ou Julho.
Pág. 149, linha 47, nota 336. Onde se lê: «Diz, porém, Fr. duas feitorias em Pernambuco», deve ler-se: Cris-
tóvam Jaques fez duas casas de feitoria em Per-
Luís de Sousa», deve ler-se: Estava para sair em
nambuco.
Setembro, como se vê dêste apontamento de Fr. Pág.. 151, linha 35. Onde se lê: «1535», deve ler-se: l de
Luís de Sousa.
Pág. 149, linha 48, mesma nota. Onde se lê: «29 d'Agosto», Setembro de 1534.
Pág.. 151, entre as linhas 36 e 37. Acrescente-se: «fm certo
deve ler-se: 29 [aliás 27] d'Agosto.
Pág. 149, última linha. Acrescente-se: Certo é, porém, que ela Roteiro português de 1570, de que existe uma
cópia no Museu de Londres, lê-se o seguinte:
se fêz <de foz em fora sexta feira 3 pela manhã >
Ylha de fernâo buquo que se chama na lingua
(Carta de D. João III para o conde da Castanheiro,
dos índios Tamaraqua, e chama-se fernâo buquo o
de 5 de Outubro, Vol. II da colecção dêste titular
velho porque esteve alv primeiro hua fortaleza
fl. 73).
Pág. 150, linha 7. Onde se lê: «Recife», deve ler-se: aRecife. delrey. («Revista do Instituto Archeologico e Geo-
Pág 150, linha 24. Onde se lê: «Março fundeara», deve graphico Pernambucano»), Vol. 20, ano de 1918,
nfi 101, pág. 166).
ler-se: Março dêste ano de 1532 fundeara.
Pág. 150, linha 31, nota 338. Onde se lê: «dito mes pola me- Pág. 151, linhas 40 e 41. Onde se lê: «uma das feitorias fun-
nhaã», deve ler-se : dito mes [de MaioJ pola menhaã. dadas por Cristóvam Jacques», deve ler-se: uma
Pág. 150, linha 33. Onde se lê: «xiiij dias do mes chegou», das duas casas de feitoria feitas por Cristóvam
deve ler-se: xiiij dias do mes de Junho chegou. Jaques.
Pág. 151, linha 44, última da nota 346. Acrescente-se: Conf.
Pág. 150, última linha. Onde se lê; «eqüivalência de calen- a carta de doação da capitania de Duarte Coelho,
dários (francês e português) a estabelecer», deve de 10 de Março do mesmo ano de 1534.
ler-se: equivalência de calendários (francês e por- Pág. 151, linha 47, nota 348. Deve ler-se: Adiante (pág. se-
tuguês) a estabelecer; sendo de notar que, mais guinte, nota 357) veremos quantos eram.
adiante, êste mesmo documento—reportando-se duas Pág. 151, linha 54, final da nota 349. Acrescente-se; (Corpo
vezes ao ano seguinte àquele a que anteriormente Chron. I, 46, 84).
se referira—designa-o por 1531 (<in mense augusti
Pág. 151, linha 55. Acrescentê-se: «A Pélerine chamava-se
milessimi quingentessimi trigessimi primi» . ... <et
circa mensem decembris dicti anni milessimi quin- antes São Tomé a estirada, tendo sido apresada e
roubada pelos franceses a André Afonso, português,
gentessimi trigessimi primi»), quando é certo que
da cidade do Porto (Corpo Chron. I, 65, 13).
(conforme aliás já o consignou Varnhagen e exube-
Pág. 151, linha 59 e 60, nota 351. Onde se lê: «Com êle iam
rantemente se prova) os factos ali mencionados
também Francisco Pessoa e Gaspar Veloso» deve
por Bertrand de Ornessan se deram incontestàvel-
ler-se: Com êle iam também Antônio de Morais,
mente em 1532, e não em 1531.
escrivão da armada, e Gaspar Veloso.
Pág 151, linhas 18 e 19. Onde se lê: «protesto ou reclama- Pág. 151, final da nota 351. Conf. Corpo^Chron. I, 47 108.—-
ção que o mencionado barão de Saint-Blancard fêz No libello do barão de Saint-Blancard apresentado
em 1538 perante os comissários», deve ler-se: li- em Baiona, eram argüidos —alem de Pero Lopes de
belo, protesto, reclamação e requerimento que o Sousa, D. Martinho de Portugal e Antonio Corrêa,
v
mencionado barão de Saint-Blancard fêz num dos mencionados no manuscrito três vezes editado por
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
ERRATAS E COMENTÁRIOS
i
[/arnhagen — tnais os seguintes portugueses: Barto- Pág. 153, linha 24. Onde se lê: «supuria», deve ler-se: supor/a.
lomeu Ferraz, Gonçalo Leite e Gaspar Palha, capi- Pág. 153, entre as linhas 26 e 27. Acrescente-se: E' mani-
tães de navios da esquadra de guarda costas (Corpo festa e muito para estranhar em La Ronciere (His-
Chron. I, 60, 148; I, 66, 107; I, 65, 13). toire de la marine française, págs. 280-282, 3.o vol.,
Destes três documentos, por nós encontrados em da edição de 1923) a confusão ou unificação do que
recentes pesquizas que realisámos no Arquivo Na- Pero Lopes de Sousa praticou no começo do ano
cional da Torre do Tombo, o primeiro é uma cópia de 1531, nas alturas da ilha de Santo Aleixo e do
autêntica do libélo do barão de Saint-Blancard, Cabo de Santo Agostinho, quando seguia para o
diferente da cópia de Varnhagen na redacção e Rio da Prata, com o que operou no pôrto de Per-
número de alguns dos respectivos itens; o segundo nambuco no seu regresso para Portugal, entre 4 de
é o traslado autêntico de uma carta testemunhável Agosto e 4 de Novembro de 1532. Outro sim, não
dada em Lisboa aos 26 dias de ]aneiro de 1540, da foi na ilha de Santo Aleixo, mas no aporto de Per-
qual constam os trâmites que se seguiram na ins- nambuco * (di-lo o próprio libelo de Saint Blancard,
trução do processo, depois de levado ao tribunal de que aliás nem fala de tal ilha) que o capitão Du-
Baiona; o terceiro contém o traslado, igualmente perret construiu o forte e se estabeleceu com a
autêntico, das alegações de contrariedade apresen- sua gente.
tadas pelos seis argüidos e tem a data de 12 de Pág. 153, linha 53. Onde se lê: «Provavelmente o mesmo que
Julho de 1539. Estes dois últimos documentos são era mestre da náu Rainha>, deve ler-se: Provavel-
inéditos e completamente ignorados da bibliografia mente não será aquele João Gonçalves «mestre* da
histórico-brasileira e bem merecem ser publicados náu Rainha.
na íntegra, principalmente o n.o 13 do Maço 65. Pág. 153, linha 54, Onde se lê: «num dos Documentos que
Numa das suas contestações dizem Antônio Corrêa, transcrevemos na pág. 121 dêste Volume», deve
Gonçalo Leite, Bartolomeu Ferraz e Gaspar Palha: ler-sc: num dos documentos de 23 de Janeiro de
t Entendem provar que no ano de 1531 [aliás 1532] 1539 que transcrevemos na pág. 121 dêste Volume;
nem tam pouco aquele «meirinho* de S. Vicente, sis-
em tal mes a nao e gente que se diz serem do auctor
meiro de Iriripiranga, que ali morava em Abril
foram ter a fernãbuquo porto do brasil, onde estava
hum castelo e fortaleza feita por elrey noso sõr e de 1538 — «cazado com mulher e filhos em a dita
seus vasalos portugueses a qual avia trinta anos e terra, passa de um anno, e he o primeiro homem
mais que no dito porto era feita e era o dito cas- que aa dita capitania veio com mulher cazado, soo
telo e porto habitado pelos portugueses que com determinação de povoar*-—de que nos fala
tinham ay suas casas de morada avya Rta Fr. Gaspar da Madre de Deus (Memórias, págs. 39
[quarenta] anos e mais [ou seja pelo menos e 40). Porventura será aquele João Gonçalves que
desde 1491] e ao tempo que se diz a nao do auctor D. João ///, por carta de 28 de Fevereiro de 1538,
ay chegar estava no dito castelo feitoria do dito nomeou seu feitor e almoxarife na «capitania dos
sõr e de muitos mercadores portugueses que tinham bytygares», ou seja da capitania doada a Pero
ay muitas mercadorias asi de portugal pera tratar, Lopes, e que, «porquanto. . . está no brasil*, elrei
como da terra que tinham avida s. [a saber] pao manda, em 12 do mês seguinte, que o juramento
de brasil, algodões, pelles danimaes de diversas «lhe seja dado no brasill pelo Ouvidor q p° lopes
côres, papagaios e bugios e oleos e escravos e tem na dita sua capitania* (Chanc. de D. João III,
outras muitas mercadorias de muita valia e asi Liv.0 49, fl. 30 v.); aquele mesmo a quem mais
tinham muita artelheria de cobre e ferro e polvora, tarde, segundo também refere Fr. Vicente do Sal-
lanças, e bestas espinguardas e outras armas offen- vador (cap. XII da sua Historia), a viuva de Pero
sivas e defensivas pera sua guarda e contra seus Lopes de Sousa entregou o governo daquela sua
imiguos*. capitania e que, tendo vindo a Lisboa, daqui partiu
em direcção a Itamaracá a bordo de um patacho,
Pág. 152, linha 35. Onde se lê: «feitor da armada de D. Mar-
tinho», deve ler-se: feitor de elrei na Andaluzia. que não chegou ao seu destino e naufragou em
S. Domingos, salvando-se, porém, os que trans-
Pág. 152, linha 46, final da nota 352. Acrescente-se: Conf.
portava. Resiste-se que a nomeação de João Gon-
Corpo Chron. /, 43, 23 e I, 63, 101,
çalves, « cryado de p.0 lopez de sousa *, para feitor
Pág. 152. Corrijam-se as numerações das notas segunda, ter-
ceira e quarta e transponham-se os respectivos e almoxarife da capitania, se fez para preenchimento
parágrafos. Em vez de 354, é 353; em lugar de 355 da vaga aberta pela morte de «mA1 de bragua *
deve ser 354; e em vez de 353, leia-se 355. [Manuel de Braga], a quem D. João III «dos ditos
ofícios tynha f."> mercê*.
Pág. 152, nota 353. Onde se lê; «Honorato de Cais, embai-
xador de Francisco 1 em Portugal>, deve ler-se: Pág. 154, linha 40, meio da nota 362. Acrescente-se: Junto da
Honorato de Caix, gentilhomem saboiano, embai- fortaleza atacada pela gente da Pélerine havia uma
xador de França junto de D. João III desde o mês igreja em que se celebravam os ofícios divinos;
de Janeiro de 1522 (Corpo Chron. 1, 27, 106), que os franceses roubaram-na e queimaram-na, levando
já o havia sido no reinado anterior, que continuou os cálices e cruzes e tôda a prata e ornamentos
a sê-lo junto delrei D. Sebastião e que ainda o era (Corpo Chron. 7, 65, 13).
em 1558, em que foi substituído por Jean Nicot.— Pág. 154, linhas 45 a 48, mesma nota 362. Elimine-se desde:
Conf. Corpo Chron. I, 57, 101; l, 30, 21 e 69. «Se em Setembro», até o final da nota.
393
HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
ERRATAS E COMENTÁRIOS
Pág. 154, linha 49, nota 363. Onde se lê; «Historia do Brazil», Pág. 155, linha 56. Onde se lê: «seus navios em que ora
págs. 52-54 da edição de 1889», deve ler-se: «///s- vai», deve ler-se: seus navios em que ora vai pera
toria do Brasih, cap.XI.págs. 52-54 da edição de 1888. o brasil.
Pág. 154, linha 50, mesma nota 363. Onde se lê: «sem excluir Pág. 155, linha 57. Acrescente-se: No verso dêste Alvará en-
a errônea afirmação», deve ler-se: sem excluir a contra-se uma declaração assinada pelo punho de
afirmação. Duarte Coelho, com a data de 14 de Outubro dêste
Pág. 154, linha 57, última da nota 364. Acrescente-se: Mais ano de 1534.
razoável seria porventura admitir que nos relatos de Pág. 156, linha 26. Onde se lê; «vinte dias de Janeiro de mil
Fr. Vicente do Salvador, Fr. Agostinho de S.'a Maria e quinhentos trinta e tres», deve ler-se: xx [vinte]
& Fr. An to ti ! o SJa Maria Jaboatão se confundiram dias de janeiro de j bc xxxiij [1533],
factos ocorridos em três diferentes anos (1531, Pág. 157, linha 14. Onde se lê: «dez ou quinze dias», deve
1532 e 1537 ou 1538), relacionando-os ou fazendo-os ler-se: x [dez] ou xb [quinze] dias.
corresponder erradamente a uma única estadia de Pág. 157, linha 19. Onde se lê: «vinte e um dias», deve ler-se:
Fero Lopes de Sousa no nordeste brasileiro, quando, xxj [vinte e um] dias.
muito possivelmente, os acontecimentos a que andam Pág. 157, linha 20. Onde se lê: «de mil e quinhentos trinta
ligados, nesses relatos, os nomes dos capitães João e tres», deve ler-se: de j bc xxxiij [1533].
Gonçalves, Álvaro Nunes de Andrada e Sebastião Pág. 157, linha 55, nota 378. Acrescente-se: Vide nota 352.
Gonçalves Arvelos, comandantes das três referidas Pág. 157, linha 58, nota 380. Onde se lê: «Parte II», deve
caravelas, se teriam dado — não em 1531, nem em ler-se: Parte I.
1532, quando Fero Lopes de Sousa regressava do Pág. 194, linha 28. Onde se lê; «Castro», deve ler-se; Couto.
Rio da Prata a Portugal e se passaram os aconteci- Pág. 194, linhas 33 a 35. Diz-se neste lugar que Duarte Coelho
mentos produzidos pela sua acção contra os fran- foi encarregado em 1529 de ver os portos de África,
ceses desembarcados da náu Pélerine — mas numa que deviam ser fortificados e que de aqui voltou
segunda viagem que êle teria feito ao Brasil, em depois de ter o conde da Castanheira regressado
1537 ou 1538, aquela de que nos fala Gabriel Soares, ao reino da viagem de França. Em notas são ale-
no cap. 14 do seu Roteiro Geral, e à qual fizemos gados dois documentos; um alvará de D. João 111,
referência na pág. 120. O ano de 1538 é, como publicado por Sousa Viterbo nos Trabalhos Náuticos
vimos então, aquele em que, segundo refere Var-' e uma carta do mesmo rei ao conde da Castanheira,
nhagen, o conde da Castanheira escrevia a Martim publicada por Palha em A carta de marca. Como re-
Afonso de Sousa, dizendo-lhe: <Pero Lopes, vosso sultou confusa a notícia, que está no texto, torna-se
irmão, está feito um homem muito honrado, e outra necessário aqui esclarecê-la em face dos dois docu-
vez vos affirmo muito honrado. E digo vol-o assim mentos. Em alvará datado de 18 de Março de 1529
porque pode ser que por sua pouca edade vos pa- D. João III escreveu ao capitão de Arzila dizendo-lhe:
reça que terá bons princípios, mas que não será E porque Duarte Coelho heepesoa que amdou muyto
ainda de todo bem assentado nisso, como vol-o tempo em Italia e em outras partes, onde vio fortalezas
aqui digo, que ê ainda menos do que o que delle
e conventos delas e assp muros dallguas cidades e
cuido». Tendo Martim Afonso de Sousa nascido no vil Ias ... e tem experiência e conhecimento destas
ano de 1500, e sendo Fero Lopes de Sousa ainda
de pouca edade em 1538, temos de concluir que cousas e da maneira em que se podem milhor se-
gurar e fazer, ouve por muito meu serviço de o
este não teria nascido em 1501 ou 1502 (como es- enviar a essa vi lia e aos outros meus luguares
crevemos a págs. 115), mas sim de 1506 a 1512,
desas partes . . . . e acrescenta: em tall maneira
não nos esquecendo dos seus feitos de 1531 e 1532.
que elle faça hy pouqua detença nem se detenha
Dentro desta nova ordem de idéias ~e ao contrário mais dias que aqueles que se nam poderem escusar
do que dissemos a págs. 154, cingindo - nos ao pera o que elle ou ver de veer. Nada mais se sabe
que escrevera Varnhagen em 1839—não podere- dêste Duarte Coelho que poucas semanas se demo-
mos continuar a suprir ou preencher com qualquer raria em África, de onde viria logo participar ao
desses relatos a conhecida lacuna do chamado Diá- rei as necessidades das praças. Dois anos depois
rio da navegação; devendo, porisso, transferi-los em 5 de Maio de 1531 (e não 1533 como vem na
para a pág. 120 e relacioná-los com o que lá es- referida pág. 194) o mesmo rei em carta ao futuro
crevemos relativamente aos anos de 1537 e 1538 conde da Castanheira então em França, escreve-lhe:
Pág. 155, linha 1. Onde se lê: «Processo de St. Dlancard»,
Duarte Coelho me dise a muyto boa vontade e
deve ler-se: Protesto de St. Blancard. obras que achara no Duque de Namours irmão do
Pág. 155, linha 3. Onde se lê: «quando erradamente acres- duque de Saboia meu muyto amado e presado
centam», deve ler-se: quando acrescentam. irmão... Nam me pareceo sobejo saberdes que
Pág. 155, linha 17. Onde se lê: «as três caravelas, nada en-
Duarte Coelho me dise também que quando man-
contrámos», deve ler-se: as tres caravelas enviadas dava a pratica primeira dos outros negocios per
de Lisboa em 1532, nada encontrámos.
diferenças e que se ffalava em se poherem juizes
Pág. 155, linha 54, nota 367. Onde se lê: «para o Brasil em
árbitros.. . Dois meses depois de escrita esta carta
Outubro de 1534. A 2 dêste mês», deve ler-se: para pouco mais ou menos partiu para a Mina a armada
o Brasil depois de Outubro de 1534, talvez em Ja- sob o comando de Duarte Coelho. É tentadora a
neiro de 1535. A 2 daquele mês. idéia de que o Duarte Coelho que esteve em Itália
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HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL
ERRATAS E COMENTÁRIOS
e em outras partes, o que esteve em missão diplo- Pag. 227, linha 22. Onde se lê: «cultivar;», deve ler-se: cul-
mática em França e talvez em Saboia e o capitão tivar,
de Pernambuco sejam a mesma pessoa. Viterbo, que Pág. 240, linha 19. Onde se lê; «se adaptasse», deve ler-se:
aceita a vinda do capitão Duarte Coelho da índia se não adaptasse.
em 1529, não crê, evidentemente, que este estivesse Pág. 241, nota 48. O texto desta nota deve ser assim recons-
em Itália, ao passo que a data de 1526 registada no tituído : Varnhagen (Historia Gerai, pág. 273 da 3.a
texto permite essa identificação. No que não parece edição) acrescenta que Pero de Góis tentou sufocar
haver dúvida é na estada do capitão Duarte Coelho a rebelião, mas teve de ceder com a perda de vinte
em França pouco antes da ida do conde da Casta- e cinco mortos e com o ficar êle ferido e sem um
nheira lá, o qual capitão juntaria assim aos mais ôlho. Conhecemos o documento que forneceu ao
dotes já conhecidos o de diplomata.
historiador brasileiro estas informações comple-
Pág. 198, linha 44. Onde se lê: «de 1527 e 1528», deve ler-se: mentar es. Ruy Diaz de Gusman, na sua Argentina,
em 1527 e 1528. ao narrar o combate entre os castelhanos de Iguape
Pág. 199, linhas 14 e 15. Onde se lê: «capitania de Pernam- e os portugueses de S. Vicente, diz que Pero de
buco», deve ler-se: capitania de Pernambuco, um Góis foi então atingido por um tiro de arcabuz.
dos quaes chamado Vasco Fernandes, conhecedor Porém, não foi nesse combate que perdeu o ôlho
da língua do Brasil, foi nomeado feitor e almo- em conseqüência do ferimento, mas sim, como .re-
xarife da feitoria e almoxarifado de toda a terra fere Varnhagen, anos depois, em combate com os
de Pernambuco, por carta de 22 de Abril de 1534 insurrectos da Parahyba. •
(Livro 7 da Chanc. de D. João III, f/s. 77 e IM). Veja-se a carta de Pero de Góis, de 29 de Abril
Pág. 199, linha 17. Onde se lê : «Francisco Nunes», deve ler-se: de 1546, a pág. 263 do presente volume.
Francisco Monteiro. Pág. 245, linha 1. Onde se lê: «demonstrou», deve ler-se:
Pág. 199, linha 20. Onde se lê: «o logar de provedor (29)», mostrou.
deve ler-se: o logar de provedor por falecimento Pág. 245, linhas 42 a 45. Onde se lê: «Ao ambicioso e vo-
do mencionado Francisco de Oliveira (2'). lúvel Duarte de Lemos (que já se desaviera com
Pág. 199, nota 29. Onde se lê : «livro 57», deve ler-se: livro 58. Vasco Fernandes Coutinho) confiou Tourinho os
Pág. 213, linha 26. Onde se lê: «cincoenta léguas», deve poderes e atribuições de loco-tenente, até renunciar
ler-se: trinta léguas. a favor do filho, em 1554, à posse da capitania
Pág. 219 e subseqüentes. Onde se lê: «Donatárias», deve brasileira», deve ler-se: Ao ambicioso e volúvel
ler-se: Donatarías, Duarte de Lemos (que já se desaviera com Vasco
Pág. 219, linha 11. Onde se lê: «dispensar», deve ler-se: Fernandes Coutinho) confiou Tomé de Sousa, em
dispersar. 1550, os poderes e atribuições de loco-tenente, até
Pág. 221, linha 15. Onde se lê: «1539», deve ler-se: 1549. que se normalisou o govêrno da capitania pela
Pág. 221, linhas 37 e 38. Onde se lê: «a sua triplica fisionomia renúncia que dela fêz Tourinho, em 1554, em favor
aristocrática na direcção militar e rural: na exe- de seu filho, Fernão do Campo Tourinho.
Veja-se a carta de Duarte de Lemos a D. João III,
cução», deve ler-se; a sua tríplice fisionomia: aris-
de 14 de Julho de 1550, publicada a pág. 267 do
tocrática na direcção; militar e rural na execução.
presente volume.
Pág. 223, linha 17. Onde se lê: «Juqueriquere», deve ler-se: Pág. 252, linhas 13 e 14. Aceita-se nesta passagem a versão
Juqueriqueré. corrente de que João de Barros enviou seus dois
Pág. 224, linha 31. Onde se lê: «os genoveses Adorno», deve filhos na expedição de 1535. Pendemos, porém, para
ler-se : os genoveses Adorno. acreditar que êles só foram ao Brasil por volta
Pág. 224, linha 32. Onde se lê: «Pero Cápico», deve ler-se: de 1550, na armada a que se refere o Códice 2664
Pero Capíco. da Tôrre do Tombo, citado a pág. 209 do presente
Pág. 224, nota 13. Onde se lê: «Capítulo V», deve ler-se: volume.
Capítulo ///. Pág. 252, linha 26. Onde se lê: «Como diz Severim de Faria
Pág. 225, linha 26. Onde se lê: «Nesse trecho da costa exis- e Gabriel Soares», deve ler-se; Como dizem Seve-
tiam >, deve ler-se: Nesse trecho da costa havia. rim de Faria e Gabriel Soares.
Pág. 225, linha 35. Onde se lê: «haviam sido», deve ler-se: Pág. 255, linha 16. Onde se lê: «e de Belchior Camacho»,
tinham sido. deve ler-se: e a de Belchior Camacho.
ESTA OBRA COMEÇOU A
IMPRIMIR-SE NAS OFICINAS
DA LITOGRAFIA NACIONAL
DA CIDADE DO PÓRTO, NO
DIA 25 DE MAIO DE 1921
E CONCLUIU-SE NO DIA 15
DE ABRIL DE 1926
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