Antologia Pou00e9tica Ferreira Gular PDF
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FERREIRA GU LLAR
OBRA
POESIA
Um Pouco Acima do Chão (1949)
A Luta Corporal (1954)
João Boa-Morte, Cabra Marcado pra Morrer (1962)
Quem Matou Aparecida? (1962)
Por Você, Por Mim (1968)
Dentro Da Noite Veloz (1975)
Poema Sujo (1976)
TEATRO
Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come (com Oduvaldo Viana Filho) (1966)
A Saída? Onde fica a Saída? (com Armando Costa e A.C. Fontoura) (1967)
Dr. Getúlio, Sua Vida e Sua Glória (com Dias Gomes). (1968)
ENSAIO
Teoria do Não-Objeto (1959)
Cultura Posta em Questão (1964)
Vanguarda e Subdesenvolvimento (1969)
O AUTOR
Neoconcretismo
Surgiu ainda no final da década de 50, dentro do próprio movimento concretista,
como reação à ―exacerbação racionalista‖ que viam na Poesia Concreta. Propunham,
assim, a reposição da subjetividade. Além disso, buscavam produzir uma poesia de
engajamento político, mais ligada à realidade, para escapar à tendência alienante que
diziam existir no movimento anterior. Um de seus representantes mais destacados foi
Ferreira Gullar.
Galo Galo
O galo
no salão quieto.
Galo galo
de alarmante crista, guerreiro,
medieval.
De córneo bico e
esporões, armado
contra a morte,
passeia.
Anda.
No saguão.
O cimento esquece
o seu último passo.
Morta
Flutua no chão
galinha.
Agora
as penas são só o que o vento
roça,leves.
Apagou-se-lhe
toda cintilação, o medo.
Morta. Evola-se do olho seco
O sono. Ela dorme.
Onde? Onde?
As Pêras
As peras, no prato,
apodrecem.
O relógio, sobre elas,
mede
a sua morte?
Paremos a pêndula.De-
teríamos, assim, a
morte das frutas?
Oh as peras cansaram-se
de sua forma e de
sua doçura! As peras,
concluídas, gastam-se no
fulgor de estarem prontas
para nada.
O relógio
não mede. Trabalha
no vazio: sua voz desliza
fora dos corpos.
Tudo é o cansaço
de si. As peras se consomem
no seu doirado
sossego. As flores, no canteiro
diário, ardem,
ardem, em vermelhos e azuis. Tudo
desliza e está só.
O dia
comum, dia de todos, é a
distância entre as coisas.
Mas o dia do gato, o felino
e sem palavras
dia do gato que passa entre os móveis
é passar. Não entre os móveis. Pas-
sar como eu
passo: entre nada.
É tranquilo o dia
das peras? Elas
não gritam, como
o galo.
Gritar
para quê? se o canto
é apenas um arco
efêmero fora do
coração?
Roçzeiral
Au sôflu i luz ta pom-
pa inova‘
orbita
FUROR
tô bicho
‗scuro fo-
go
Rra
UILÁN
UILÁN,
lavram z‘olhares, flamas!
CRESPITAM GÂNGLES RÔ MASUAF
Rhra
Rozal, ROÇAL
l‘ancêndio Mino-
Mina TAURUS
MINÔS rhes chãns
sur ma parole -
ÇAR
ENFERNO
LUÍZNEM
E ÔS SÓES
LÔ CORPE
INFENSOS
Ra
CI VERDES
NASCI DO
CÔFO
FORLHAGEM, fo-
lhargem
q‘abertas
ffugas acêças
GUERRAS
dê pomos -
pomares riste
MON FRÈRE MA FRÊLE -
te roubo o roubo
CÃO das Haspéridas
Dê seque peles
perseques rijes
curraçanádus
pur flór
oblófs!
LO MINÇA GARNE
Mma!
Ra tetti mMá
Mu gargântu
FU burge
MU guêlu, Mu
Tempu – PULCI
MU
LUISNADO
VU
GRESLE RRA
Rra Rra.
GRESLE
RRA
I ZUS FRUTO DU
DUZO FOGUARÉO
DOS OSSOS DUS
DIURNO
RRRA
MU MAÇÃ N‘ÃFERN
TÉRRE VerroNAZO
OASTROS FÓSSEIS
SOLEILS FOSSILES
MAÇÃS Ô TÉRRES
PALAVRA STÊRCÃ
DEOSES SOLERTES PA-
LAVRA ADZENDA PA-
LAVRA POÉNDZO PA-
LARVA NÚ-
MERO FÓSSEIL
LE SOLÉLIE PÓe
ÉL FOSSIL PERFUME
LUMEM LUNNENi
LUZZENM
LA PACIÊNÇA TRA-
VALHA
LUZNEM
coroada de açucenas,
seus lutuosos cabelos,
seu túnica em quadrados
preto e branco. Amor e morte
Recado
Os dias, os canteiros,
deram agora para morrer como nos museus
em crepúsculos de convalescença e verniz
a ferrugem substituída ao pólen vivo.
São frutas de parafina
pintadas de amarelo e afinadas
na perspectiva de febre que mente a morte.
Jarro na mesa
Sobre o centro da mesa há um jarro de flores
azuis brancas puídas
Dia 5 de março
Há um jarro pintado
cheio de flores
Há no quintal uma galinha velha se espojando
na terra velha
no esquecido deserto
O açúcar
O branco açúcar que adoçará meu café
nesta manhã de Ipanema
não foi produzido por mim
nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.
Vejo-o puro
e afável ao paladar
como beijo de moça, água
na pele, flor
que se dissolve na boca. Mas este açúcar
não foi feito por mim.
Homem Comum
Bicho urbano
A natureza me assusta.
Com seus matos sombrios suas águas
suas aves que são como aparições
me assusta quase tanto quanto
este abismo
de gases e de estrelas
aberto sob minha cabeça.
OVNI
Se me afasto um passo
o espelho me esquece:
– reflete a parede
a janela aberta
Eu guardo o espelho
o espelho não me guarda
(eu guardo o espelho
a janela a parede
rosa
eu guardo a mim mesmo
refletido nele):
sou possivelmente
uma coisa onde o tempo
deu defeito
Mau cheiro
ARTE POÉTICA
Não quero morrer não quero
apodrecer no poema
que o cadáver de minhas tardes
não venha feder em tua manhã feliz
e o lume
que tua boca acenda acaso das palavras
- ainda que nascido da morte -
some-se aos outros fogos do dia
aos barulhos da casa e da avenida
no presente veloz
Subversiva
A poesia
Quando chega
Não respeita nada.
Nem pai nem mãe.
Quando ela chega
De qualquer de seus abismos
Desconhece o Estado e a Sociedade Civil
Infringe o Código de Águas
Relincha
Como puta
Nova
Em frente ao Palácio da Alvorada.
E só depois
Reconsidera: beija
Nos olhos os que ganham mal
Embala no colo
Os que têm sede de felicidade
E de justiça.
E promete incendiar o país.
POEMA OBSCENO
Façam a festa
cantem e dancem
que eu faço o poema duro
o poema-murro
sujo
como a miséria brasileira
Não se detenham:
façam a festa
Bethânia Martinho
Clementina
Estação Primeira de Mangueira Salgueiro
gente de Vila Isabel e Madureira
todos
façam
a nossa festa
enquanto eu soco este pilão
este surdo
poema
que não toca no rádio
que o povo não cantará
(mas que nasce dele)
Não se prestará a análises estruturalistas
Não entrará nas antologias oficiais
Obsceno
como o salário de um trabalhador aposentado
o poema
terá o destino dos que habitam o lado escuro do país
- e espreitam.
FERREIRA GULLAR. In Na vertigem do dia, 1980
A ESPERA
Um grave acontecimento está sendo esperado por todos
Um grave acontecimento
está sendo esperado
e nem Deus e nem a polícia
poderiam evitá-lo.
FERREIRA GULLAR. In Na vertigem do dia, 1980
MANHÃ DE SOL
Invisíveis,
de que falam vocês
recostados no túmulo de Vinicius de Moraes?
Do CPC? do Opinião? do futuro
da Nova República?
ou simplesmente flutuam
como os ramos
ao fluxo da brisa?
Paro no sinal da Rua Mena Barreto.
- E pode um marxista admitir
conversa entre defuntos?
Não é a morte o fim de tudo?
- É claro, digo a mim mesmo, é claro –
e sigo em frente.
Nasce o Poema
há quem pense
que sabe
como deve ser o poema
eu
mal sei
como gostaria
que ele fosse
porque eu mudo
o mundo muda
e a poesia irrompe
donde menos se espera
às vezes
cheirando a flor
às vezes
desatada no olor
da fruta podre
que no podre se abisma
(quanto mais perto da noite
Mais grita
o aroma)
às vezes
num moer
de silêncio