Texto 07 - Marcio Abreu
Texto 07 - Marcio Abreu
Texto 07 - Marcio Abreu
PENSAMENTOS
Marcio Abreu1
(CURITIBA/PR)
1 - Marcio Abreu é dramaturgo, diretor e ator.
(VLADIMIR MAIAKOVSKI)
37 | Pedaços de Pensamentos
Na minha memória de espectador precoce encontro meu olhar sempre atento ao que
aparentemente não deveria ser o foco das atenções. Lembro-me de olhar invariavelmente
para as coxias, para os refletores, tentando entender os ângulos e a mágica da luz, de olhar
para o público atrás de mim; lembro-me de observar a reação das pessoas, de olhar fixo
para o ator que escuta enquanto espera a deixa para dar sua réplica; lembro-me de ouvir
os barulhos acidentais vindos dos bastidores, tentando imaginar como seria o mundo por
trás de tudo, o avesso das imagens criadas diante de mim, o outro lado do bordado;
lembro-me da enorme dificuldade em ouvir e de como as palavras no teatro pareciam muitas
vezes desprovidas de impulso e sonoridade, como se, mesmo ouvindo, eu não conseguisse
escutar, como se, apesar de emitidas pelos atores, as palavras estivessem ausentes;
lembro-me de pensar nisso, de me achar surdo e do quanto isso me impressionou e
ainda me causa espanto.
Direção Teatral: Formação e Pesquisa | 38
Muito cedo, a noção dos enigmas do teatro. Por que ouvimos alguns atores
e outros não? Por que ouvimos alguns textos e outros não? Por que estamos
sem estar? O que é a presença? O que é capaz de preencher um espaço? De
repente, um sentido novo emerge, ainda enigmático, e me faz perceber, ao
longo do tempo, a fundamental noção de vazio. A importância do vazio nasce,
para mim, da relação objetiva com uma espécie de sensibilidade que foi se
desenvolvendo a partir dessas e de outras questões e, hoje, em quase todos
os meus processos criativos eu começo no vazio para terminar nele.
Olhar de dentro
Inscrição no espaço
Formas de escrita
Nômades (2014).
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O ator
Não entendo o ator como centro no teatro. Não se trata de haver centros ou bordas.
A criação teatral é necessariamente a coordenação de vários campos de ação, de ofícios os
mais diversos, de saberes complementares, de várias artes e de muitas pessoas. Não se trata
de dar mais ou menos importância a isso ou aquilo. Tudo é importante. Tudo é fundamental.
Não podemos abrir mão de nada. No entanto, é evidente que o aspecto presencial do teatro
é sua força e é o que o distingue de outras experiências artísticas. Nessa perspectiva,
o ator manifesta o fenômeno, se oferece ao encontro, convoca o público, se faz presença.
E é ali que tudo acontece, onde todos estão. E aí vem a maravilha. O ator inventor de línguas,
mastigador de palavras, incendiário de espíritos, ampliador de corpos e de espaços, pintor de
silêncios, arrebatador de almas, provocador de escândalos, formigador de risos, estripador
de chatos, politizador de mortos, sonhador de mundos, ladrão no escuro, pilantra de marca
maior, a dor de todo mundo, o trabalhador das madrugadas, o faminto depois das peças,
o doador universal!