Exame Técnica de Expressão Oral
Exame Técnica de Expressão Oral
Exame Técnica de Expressão Oral
1º Ano Semestre 1
Tema:
Formas de tratamento na lingua portuguesa
Estudante:
Para que o locutor saiba empregar a forma adequada por meio da qual se deve dirigir ao alocutário,
tem de possuir, no seu acervo lexical, um conjunto rico e variado de alternativas pelas quais possa
optar, de- pois de avaliar devidamente a situação enunciativa, o estatuto e a relação entre os interlocutores
entre os quais decorre a troca comunicativa. A referida complexidade do emprego das formas de
tratamento em português foi já salientada por muitos investigadores, nomeada- mente estrangeiros
ou que ensinam português a estrangeiros (entre ou- tros, ver C INTRA,1972; CARREIRA ,
1997, 2001, 2002, 2004, 2007; HAMMERMUELLER, 2004). A complexidade aumenta
pelo facto de as variedades brasileira e europeia do português não coincidirem neste ponto. Mas às
dificuldades próprias da não coincidência de usos em PE e PB não vamos dedicar-nos agora,
embora saibamos o quanto elas confundem estudantes estrangeiros que podem ter contacto com
professores falantes das duas variedades. Os problemas de adequação no uso das formas de
tratamento coloca-se para os estrangeiros que aprendem por- tuguês mas também, e cada vez mais,
para os falantes de português
como língua materna (DUARTE, 2010), sobretudo para aquele vasto grupo que não fala, em casa, a
variedade padrão que é a variedade utilizada na escola, onde um uso inadequado das formas de
tratamento, justamente, pode ser muito penalizador para o aluno. Por outro lado, as formas de
tratamento configuram um lugar de permanente disfunção no que concerne à tradução, porque nem
sempre a língua de chegada do texto a traduzir possui forma equivalente à portuguesa, nem sempre
o tradutor compreende as finíssimas especificidades que o emprego de uma ou outra forma acarreta
(DUARTE, 2008a e 2008b). Por isso irei também comentar alguns exemplos da tradução francesa
de um romance de José Saramago, sempre com o intuito de salientar os problemas gerados pela
complexidade do sistema de tratamento português.
No domínio das formas de tratamento, colocam-se, sobretudo, três tipos de dificuldades. a. O uso
das formas de tratamento de tipo nominal é muito codificado em português já que elas variam, sobretudo
mas não unicamente, de acordo com a relação social existente entre o locutor e o destinatário do
discurso, o que faz com que, como CINTRA (1972) e CARREIRA (1997, 2001) demonstraram,
nos possamos dirigir a um locutor do sexo femi- nino utilizando, por exemplo, Senhora Maria,
Dona Maria, Senhora Dona Maria, consoante a interlocutora estiver situada num nível mais ou
menos elevado da escala social. Como refere António Lobo Antunes, a propósito da adequação
sociolinguística da linguagem «falada» pelas suas personagens, numa entrevista concedida a Maria
Luisa Blanco (BLANCO, 2002, p. 100): As regras entre as classes são muito complicadas. Se
damos um tratamento excessivo à mulher que ajuda na limpeza ela pode ficar incomodada, mas se o
damos por baixo também, porque pensa que estamos a humilhá-la. Quem adquiriu o estatuto de dona,
fica furiosa se é tratada por senhora, mas se é tratada por senhora dona também fica furiosa… Por
outro lado, podemos chamar Menino ou Menina mesmo a interlocutores que já não sejam crianças
nem tão pouco adolescentes, se o locutor estiver numa posição interactiva baixa em relação ao des-
tinatário, como no caso de Os Maias, em que Carlos adulto continua a merecer esse tratamento do
seu criado de quarto Baptista, o que já não
acontece na tradução francesa de Paul Teyssier: De modo que havia já cinco semanas que o menino
não escrevia a madame Rughel…
– É necessário escrever amanhã… – disse Carlos (cap. V). De sorte que voilà déjà cinq semaines
que Monsieur n’avait pas écrità Madame Rughel.
- Il faut écrire demain, dit Carlos. Veremos, um pouco abaixo, por que razão esta também é uma
questão de léxico. b. Para marcar a deferência em relação ao alocutário, o locutor dirige-se-lhe, quer
utilize uma forma nominal ou não, enquanto sujeito de um verbo na 3ª pessoa do singular (como
em espanhol ou italiano) e não na 2ª pessoa do plural (5ª), como em francês.
Neste sentido, na mesma crónica de Alice Vieira já referida , é possível considerar que só
o tratamento «senhora dona» é hoje cortês em PE, enquanto que outros autores podem defender
vários patamares nominais de tratamento para as mulheres, consoante o respectivo estatuto social,
como vimos no exemplo de Lobo Antunes atrás transcrito: […] e as mulheres, depois de passarem
por aqueles brevíssimos segundos em que são tratadas por «Menina», passam de imediato –
sejam casadas, solteiras, viúvas ou amigadas, sejam velhas ou no- vas, gordas ou magras, feias ou
bonitas, ricas ou pobres – à categoria de «Senhora Dona». Insisto que me refiro unicamente ao PE,
uma vez que, no PB, as questões se colocam de modo muito diferente, sendo o uso de «você» o
preferido. Em PE, os problemas de inadequação do uso de «você» só se põem no singular. Na 3ª
pessoa do plural, «vocês» é perfeitamente aceitável quando o locutor se dirige a vários destinatários.
Em contrapartida, o emprego do pronome de 2ª pessoa do plural, «vós» está hoje relativa-
mente confinado quer geograficamente quer do ponto de vista dos tipos de discurso em que é
aceitável, enquanto forma de o locutor se dirigir a vários interlocutores. Na verdade, no discurso
da Igreja, é perfeitamente normal que o sacerdote se dirija publicamente aos fiéis tratando-os na 2ª
pessoa do plural, mas essa forma está confinada, hoje, a usos muito particulares e marcados.
É por ser tão complexo dirigirmo-nos a outro interlocutor em PE que as formas de tratamento se
tornam um problema de aprendizagem para os estudantes de português língua estrangeira e foi da
constatação dessa dificuldade que partiram as pesquisas de CARREIRA (1997, 2001,
2004, 2007).
A nosso ver, toda a aprendizagem da língua, seja ela materna, segunda ou estrangeira, deve também
passar, a um dado momento, pela leitura de textos literários. Apoiamos esta opinião nos estudos de
FONSECA (2002) que defendeu, em Portugal, a importância do cruzamento do olhar da literatura
e do da linguística para melhor compreender não apenas os textos e os fenómenos literários em
geral e estilísticos em particular, mas também a língua e os problemas linguísticos e gramaticais, e,
mais especificamente, discursivos ou de uso. Fonseca não está isolada, bem entendido, na sua luta
em prol de uma aproximação interdisciplinar entre os estudos linguísticos e literários, como atestam,
por exemplo, alguns escritos recentes de Aguiar e Silva (2005, 2008) e o número da revista Semen, 24
(Novembro 2007), intitulado «Linguistique et poésie: le poème et ses réseaux», bem como os escritos de
outros investigadores, de que citarei apenas Jean-Michel Adam: (...) la littérature n’est certes qu’une pratique
discursive parmi d’autres, mais une pratique particulièrement intéressante. Entre l’analyse du
discours dit “ordinaire” et celle du discours littéraire, il me paraît indispensable d’instaurer un
mouvement de va-et-vient, l’étude de l’un donnant souvent à connaître quelque chose du
fonctionnement de l’autre (ADAM, 1991, p. 5).No que diz respeito ao estudo das línguas
estrangeiras e sem sair da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, poderei também citar
Bizarro (2007), que estudou os benefícios da leitura de textos literários para a aprendizagem do
francês como língua estrangeira. Henri Besse tinha já adiantado, em 1989, uma posição idêntica:
Parce qu’en lui [texte littéraire] la langue travaille et est travaillée plus que dans tout autre texte,
parce que sa facture lui assure une relative autonomie par rapport à ses conditions de production et
de réception, parce qu’il est l’un des lieux où s’élaborent et se transmettent les
mythes et les rites dans lesquels une société se reconnaît et se distingue des autres, le texte
littéraire nous paraît particulièrement approprié à la classe de français langue étrangère
(BESSE, 1989, p. 7).
O convívio com a complexidade da linguagem literária é tão importante para o aprofundamento da
aprendizagem das línguas como o contacto com documentos linguísticos reais, do quotidiano, não
ficcionais. Porque, embora essa discussão não possa ser feita nem agora nem aqui, os textos literários
são tão reais como quaisquer outros textos.
Sendo assim, a frase mais correta, pelo menos, no português europeu, é a seguinte:
As línguas são mecanismos complexos e fascinantes. Numa dada fase da respectiva aprendizagem, é
absolutamente indispensável que aquele que aprende uma língua seja confrontado com a sua
complexidade. A riqueza e a variedade dos inputs linguísticos são fundamentais e não poderiam
ver-se confinadas ao convívio com os discursos quotidianos, como um certo comunicativismo
excessivo propôs há uns anos. Numa etapa mais avançada da aprendizagem, uma das formas mais
úteis de o aprendente se familiarizar com a complexidade inelutável da língua é ler e analisar textos
literários. O confronto reflectido de traduções parece-nos, neste âmbito, de grande rendimento
pedagógico. O emprego das matraga, rio de janeiro, v.18, n.28, jan./jun. 2011
REFERÊNCIAS
ADAM, Jean-Michel. Langue et Littérature, Analyses Pragmatiques et Textuelles. Paris:
Hachette, 1991.
AGUIAR E SILVA, Vitor Manuel. Sobre o regresso à Filologia. In: Gonçalves, Miguel et al.
Gramática e Humanismo, Actas do Colóquio de Homenagem a Amadeu Torres, v. I, Braga:
Universidade Católica Portuguesa, 2005. p. 83-92.
BESSE, Henri. Quelques réflexions sur le texte littéraire et ses pratiques dans l’enseignement du
français langue seconde ou langue étrangère. Le Trèfle, n. 9, p. 3-8, 1989.