Ginastica Sueca
Ginastica Sueca
Ginastica Sueca
Resumo
A investigação tem como objetivo perceber a circulação da ginástica sueca para
o Brasil, desde a Suécia. A temporalidade vai de 1813 – ano em que Ling funda o
Instituto Central de Ginástica de Estocolmo (Gymnastiska Centralinsitutet – GCI), até a
primeira década do século XX – período em que encontramos mais fortemente os
vestígios do sistema sueco de ginástica no Brasil. Desenvolvida a partir dos preceitos da
pesquisa histórica, as fontes consultadas para a pesquisa foram os tratados de ginástica
sueca, jornais, periódicos, livros e manuais de ginástica. As principais noções
mobilizadas para a pesquisa foram: circulação (S. Gruzinski), zona de contato (M. Pratt)
e redes de sociabilidade (A. C. Gomes). Também foram mobilizados os estudos de
Darnton e Chartier sobre história dos livros e dos impressos. As principais conclusões
até o momento, indicam que entre fins do século XVIII e início do XIX, a Suécia
assiste, com vivo interesse, o debate pela educação do corpo. A escola deveria ensinar o
que era um bom cidadão, consciente de seus deveres e direitos, cuidadoso de si, de sua
moral e de seu corpo. A criação do Instituto Central de Ginástica de Estocolmo é reflexo
desse movimento. Seu primeiro diretor, Pier Henrik Ling (1776-1839), vai
desenvolvendo seu sistema ginástico, que tinha na formação do corpo harmonioso sua
razão de ser e na ciência médica sua explicação - daí construir movimentos precisos e
adequados, formas exatas e uniformes de executá-los e diferentes versões para a
ginástica segundo seus objetivos: pedagógica, estética, militar e médica. Ling morre em
1839 e vários sucessores como Gabriel Branting, August Georgii, Mathias Roth e
Hjalma Ling dedicam-se a dar continuidade e divulgar a obra do mestre. Um grande
esforço foi despendido em sua divulgação. Sob observação rigorosa de seus princípios,
o Instituto foi tornando-se o epicentro da ginástica sueca no mundo. Tomou para si a
responsabilidade de estudo, de continuação e de divulgação do método de Ling. Nesse
esforço, a ginástica sueca “viajou” por continentes e países e foram escritos e traduzidos
1
Pesquisa financiada pela FAPEMIG.
livros e manuais em diversas línguas. O Instituto enviava representantes para outros
países e recebia missões de estudiosos e pesquisadores estrangeiros que ali iam e
retornavam aos seus países publicando relatórios e tratados que serviram de referência
em todo o mundo. No Brasil, a ginástica sueca chega através de discursos pedagógicos e
médicos em sua defesa, através de manuais em língua francesa e portuguesa, através de
professores que vieram do Instituto, e também através do contato de brasileiros em
Congressos. Esses vestígios estão presentes em programas escolares, em manuais aqui
publicados, na importação de livros do sistema sueco, na adoção desse método em
escolas e clubes, na presença de mediadores. Nessa longa viagem, também fruto de
traduções e compreensões diversas, a ginástica racional sofre mudanças, que permitem
ver a dimensão transformativa da circulação.
5
Ver CARVALHO (2011).
anatomia (com dissecação), fisiologia, higiene, cinesiologia, patologia, além de
instrução pratica em todos os ramos da ginástica.
Crianças de todas as escolas iam ao ginásio para terem aulas com os futuros
professores e formação prática era estimulada. Os alunos de ginástica médica assistiam
aos doentes, para ganharem experiência. A licença do conselho de saúde para praticar
ginástica médica se dava mediante o diploma do Instituto. O cargo de professor de
ginástica nas escolas públicas suecas era ocupado somente por pessoas ali graduadas.
Nas cidades do interior, professores faziam cursos básicos para ministrarem aulas,
embora não fossem considerados professores de ginástica. O diretor do Central Institute
tinha como um de seus deveres supervisionar a instrução da ginástica em todo o país.
Aparecia inesperadamente em cada cidade: demitia professores considerados
incompetentes e os fazia retornar aos cursos (POSSE, 1891). Assim, com ações de
formação rigorosa e divulgação potente, o Instituto Central de Ginástica de Estocolmo
vai sendo reconhecido como lugar de cultivo e divulgação de uma educação do corpo.
6
Ressalto que a pesquisa sobre Fritjof Detthow está em andamento e, portanto, com apontamentos ainda
superficiais.
7
A data de sua vinda ainda está incerta, embora numa entrevista ele diga que tenha vindo em 1919, as
notícias sobre ele e seu vínculo com o Estado só aparecem a partir de 1920.
8
Essa é a expressão utilizada em variadas noticias de jornal. A investigação ainda rastreia os termos do
contrato.
9
O Jornal, Maranhão, 10 de dezembro de 1919.
10
No Jornal O Estado de São Paulo, em 14 de fevereiro de 1921, é a primeira notícia registrada de nomes
de professores suecos atuando com massagens e ginástica. Embora existam esse e outros anúncios de
professores formados em Estocolmo oferecendo aulas de ginástica sueca em São Paulo, não encontramos
ainda vínculos desses professores com instituições públicas e oficiais do estado de SP.
11
Jornal Correio Paulistano, 19 de fevereiro de 1920.
12
Fritjof Detthow vai viver em São Paulo até a sua morte em 1947, com 61 anos. A pesquisa ainda
investiga até quando o professor mantém o vínculo com o Estado.
13
Jornal Correio de São Paulo, 23 de dezembro de 1932.
Educação Física 14 e também com educadores importantes como Fernando de Azevedo,
Lourenço Filho, Américo Netto, Oswaldo Diniz Magalhães, entre outros 15. Há indícios
de uma potente rede de sociabilidade frequentada por ele, notadamente do campo
educacional paulista. No ensino escolar, o professor sueco vai atuar em locais de grande
visibilidade: na Escola Normal Caetano de Campos, onde atua como professor e onde
há muitos registros de sua ação com os alunos em eventos apresentando números de
ginástica sueca 16. Seu vínculo com a Directoria Geral de Instrucção Pública (depois
Diretoria Geral do Ensino) o envolve em diversas ações: inquéritos sobre as escolas
paulistas realizado em 1931, cursos ao professorado paulista sobre ginástica sueca e
teoria da ginástica ao longo dos anos 20 e 30, envolvimento com a III Conferência
Nacional de Educação em 1929, entusiasmo na organização do I Congresso Brasileiro
de Educação Física (que não chegou a acontecer em 1925), entre outras importantes
ações. Em diversas entrevistas que concede aos jornais, Detthow ressalta a experiência
que a Suécia teve, o papel da ginástica e da educação física naquele país, a importância
do Instituto de Estocolmo na formação de professores e na organização da ginástica.
Sua presença e vínculo com o campo educacional geram, segundo ele mesmo,
alterações importantes nas escolas paulistas no que tange ao ensino da ginástica: turmas
organizadas por aptidão e habilidade, condição orgânica, adoção de fichas individuais –
muito baseando-se no sistema de ginástica da Suécia 17.
No Brasil, o sueco desenvolve diversas atividades, indicando que passou a ser
uma referência nos cuidados com o corpo e saúde através da ginástica. Ao longo dos
anos 20 e 30 há muitos registros de ações de Detthow no âmbito da educação e da
educação física. Concomitantemente ao seu trabalho com a Directoria, o sueco dá aulas
particulares de ginástica sueca. Os inúmeros anúncios publicados em jornais de São
Paulo, já a partir de 1921, demostra que o professor monta uma sala com aparelhagem
do sistema sueco de ginástica. Há depoimentos de ex-alunos da escola Normal Caetano
de Campos nos quais contam que, antes mesmo de entrar para escola, em meados dos
anos 20, faziam aulas particulares com o professor sueco. Há anúncios de professores
particulares “formados por Frijtof Detthow”. Há notícias de que atuou em diversos
festejos da Sociedade escandinava e de outras instituições de caridade, ensaiando danças
14
Jornal O Estado de São Paulo, 2 de setembro de 1936.
15
Há muitas notícias nos jornais que registram reuniões, encontros, inaugurações, cursos, entre outros, em
que Fritjof Detthow esteve presente na companhia desses e de outros professores, intelectuais e políticos.
16
Jornal O correio Paulistano, 9 de abril de 1927.
17
Correio de São Paulo, 23 de dezembro de 1932
e números de ginástica sueca. No final dos anos 20, adquire o Instituto Jaguaribe,
importante instituição que atendia à elite paulistana, oferecendo, entre outras atividades,
ginástica sueca médica. Em 1922 inaugura um Instituto de Massagem (a massagem era
uma técnica importante do sistema médico de ginástica sueca).
Durante esse tempo, Fritjof vai também escrever, não só em jornais, mas
também em revistas do campo educacional, no Brasil e no exterior: na Revista de
Educação (órgão da Diretoria Geral do Ensino de São Paulo), na Revista Escuela
Moderna (Espanha) e na revista Monitor (Argentina) encontram-se artigos do professor
sueco. Há também o registro de artigos em revistas da área cultural como a Revista
Vanitas, mundana e ilustrada, que indica artigos de Detthow 18.
O levantamento de fontes realizado até aqui indica que Fritjof Detthow desfrutou
de um importante reconhecimento em São Paulo e desenvolveu um trabalho de
divulgação e inserção da ginástica sueca bastante vigoroso. Ressalta-se que ao longo
desse tempo há registros de viagens que realizou às terras de Ling para atualizar-se e ter
notícias do avanço da ginástica racional a fim de partilhá-las no Brasil. Essas viagens,
registradas em jornais, tiveram o apoio do governo de São Paulo, inclusive
comissionando o professor para as viagens.
Detthow não atuou, aqui, apenas com a Educação Física. Atuou no escotismo,
desenvolvendo ações no campo da cultura física, foi tradutor (chegou a publicar o
romance de Madame Dupret, Éramos Seis, em sueco) e ainda envolveu-se com equipes
de escavações científicas durante, sobretudo, fins da década de 30 até a década de 40.
Ao longo desse tempo, nunca perdeu o vínculo com o governo sueco,
representando-o em festividades, condecorações e atos oficiais.
Fritjof Detthow viveu um período de muitas transformações no Brasil, de um
modo amplo, e em São Paulo, particularmente. Foram tempos turbulentos que
envolveram mudanças tanto no terreno político (embates locais, revoltas e o
envolvimento com a Segunda Guerra), cultural (alterações de hábitos e costumes) e no
campo educacional (destaca-se a reforma da educação nos anos 20). O professor
atravessou também um período de muitas transformações do próprio sistema sueco, o
qual também se modernizava com o tempo, flertando com novas técnicas menos rígidas
e também com o esporte.
18
O acervo da Revista ainda não foi acessado, o que não permite dizer que artigos foram.
Por fim, vale ressaltar que temos como hipótese, que tem conduzido a pesquisa,
de que a ginástica lingiana que chega e circula no Brasil (mas também em outros
lugares do mundo), precisa ser tomada como objeto cultural, como uma prática que não
nasce nem permanece pura e que, em sua circulação, por meio de mediadores, há uma
dimensão transformativa (GRUZINSKI, 2001). A pesquisa, ainda em andamento, tem
tratado ainda de tentar perceber qual a ginástica sueca Fritjof Detthow traz ao Brasil e
trata de divulgar e implantar. Procuramos saber ainda, como esse novo caldo cultural e
político, vivenciado pelo sueco, impactaram suas ideias sobre educação do corpo e
ginástica.
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