Direito Do Trabalho:: Releituras, Resistência
Direito Do Trabalho:: Releituras, Resistência
Direito Do Trabalho:: Releituras, Resistência
Releituras, Resistência
Organizadores
GERMANO SIQUEIRA
GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO
SILVANA ABRAMO ARIANO
JOSÉ APARECIDO DOS SANTOS
SAYONARA GRILLO
Direito do Trabalho:
Releituras, Resistência
EDITORA LTDA.
© Todos os direitos reservados
Vários autores.
Outros organizadores: Guilherme Feliciano, Silvana Abramo, José Aparecido
dos Santos, Sayonara Grillo.
Bibliografia.
17-04356 CDU-34:331
APRESENTAÇÃO.................................................................................................. 7
Caro leitor;
No momento em que no Brasil vive a triste realidade de uma forte desconstrução
legislativa dos princípios e fundamentos do Direito do Trabalho, no contexto de uma
chamada reforma trabalhista, que na verdade inverte todos os balizamentos desse
ramo do conhecimento jurídico, é com grande orgulho que, ainda por ocasião dos atos
comemorativos dos 40 anos da ANAMATRA, apresento esta obra, que tem a finalidade
de simbolizar e traduzir, ao mesmo tempo, ato de resistência, conclamando todos os
operadores jurídicos a revisitar textos clássicos da doutrina estruturante do Direito do
Trabalho no Brasil e no mundo, campo de reflexão sobre a necessidade de reposicionar o
enfoque dos legítimos fundamentos juslaborais.
Sem preconceito ou sectarismo, o projeto contempla o resgate da leitura de autores da
maior importância para a compreensão do papel histórico dessa disciplina, identificando
com clareza o papel de cada sujeito na complexa relação capital e trabalho.
Neste volume, os seguintes autores históricos: Alonso Olea, Amaro Barreto, Américo
Plá Rodriguez, Bernard Edelman, Cançado Trindade, Casas Baamonde, Christophe
Dejours, Evaristo de Morais, Georges Gurvitch, Karl Marx, Mario de la Cueva, Oscar
Ermida Uriarte, Octavio Bueno Magano e Papa Leão XIII. Foram convidados para
comentar seus preciosos textos: Ana Paula Sefrin Saladini, Antonio Umberto de Souza
Júnior, Augusto César Leite de Carvalho, Claiz Maria Pereira Gunça dos Santos, Ericson
Crivelli, Flávio Roberto Batista, Guilherme Feliciano, Homero Batista Mateus da Silva, Jair
Aparecido Cardoso, José Aparecido dos Santos, Marcus Orione, Paulo Roberto Lemgruber
Ebert, Rodolfo Pamplona Filho e Sebastião Geraldo de Oliveira, tornando-se essencial a
leitura.
Em um país marcado pela desigualdade, a centralidade do Direito do Trabalho
é indiscutível. Não um Direito do Trabalho que tutele interesses dos economicamente
abonados, mas daqueles desprotegidos socialmente.
Compreendendo que o Direito do Trabalho é um legítimo instrumento de civilidade
nos domínios da sociedade capitalista, é importante considerar que a sua degradação
implica rebaixar as próprias condições existenciais daqueles que são, afinal de contas,
os humanos destinatários de sua proteção, sem a qual caminharemos para a completa
barbárie.
8 Direito do Trabalho: Releituras, Resistência
Que todos nós possamos refletir sobre esses temas, sobre os tempos atuais e,
principalmente, sobre os tempos que nos esperam, que não prescindem nem prescindirão
dos valores fundantes do Direito do Trabalho.
Boa leitura!
Germano Silveira de Siqueira ,
Presidente da Anamatra.
1ª SEÇÃO
afastadas. O salário dos operários de máqui- músculos por vapor como força motriz. Por
nas se eleva em relação ao dos trabalhadores outro lado, para ganhar em espaço o que é
domiciliares, dos quais muitos pertencem perdido em tempo, ocorre a ampliação dos
aos “mais pobres dos pobres”(the poorest of meios de produção utilizados em comum,
the poor). O salário dos artesãos mais bem o forno, as construções etc., portanto, em
colocados, com os quais a máquina con- uma palavra, maior concentração dos meios
corre, cai. Os novos operários de máquinas de produção e maior aglomeração corres-
são exclusivamente mocinhas e mulheres pondente de trabalhadores. A principal
jovens. Com o auxílio da força mecânica, objeção, apaixonadamente repetida por
elas aniquilam o monopólio do trabalho toda manufatura quando ameaçada com
masculino em tarefas pesadas e expulsam, a lei fabril, é com efeito a necessidade de
de tarefas mais leves, massas de mulheres maior investimento de capital para levar
idosas e crianças imaturas. A concorrência avante a empresa em sua dimensão antiga.
irresistível elimina os trabalhadores manuais No que tange às formas intermediárias
mais débeis. O horrendo crescimento da entre manufatura e trabalho domiciliar,
morte por inanição (death from starvation) em assim como ao próprio trabalho domiciliar,
Londres durante a última década corre para- sua base desmorona com a limitação da
lelo com a expansão da costura a máquina. jornada de trabalho e do trabalho infantil.
As novas operárias da máquina de costura Exploração ilimitada de forças de trabalho
movida com o pé e a mão, ou só com a mão, baratas constitui o único fundamento de sua
ficando elas sentadas ou de pé de acordo capacidade de concorrência.
com o peso, o tamanho e a especialidade da (...)
máquina, despendem muita força de traba-
lho. Sua ocupação torna-se nociva à saúde, Vê-se que o Parlamento inglês, a quem
devido à duração do processo, embora esta seguramente ninguém há de acusar de ge-
seja na maioria das vezes menor do que no nialidade, chegou por meio da experiência
velho sistema. Onde quer que a máquina à convicção de que uma lei coercitiva pode
de costura se abrigue, como na confecção de simplesmente eliminar todas as assim
calçados, espartilhos, chapéus etc., em chamadas barreiras naturais da produção
oficinas já por si acanhadas e superlotadas, contrárias à limitação e regulamentação
multiplica as influências nocivas à saúde. da jornada de trabalho. Com a introdução da
lei fabril num ramo industrial, é concedido,
(...) por isso, um prazo de 6 a 18 meses, dentro
Essa revolução industrial, que se do qual é problema do fabricante eliminar
processa naturalmente, é acelerada de modo os obstáculos técnicos. Para a tecnologia mo-
artificial pela extensão das leis fabris a todos derna, vale literalmente o dito de Mirabeau:
os ramos industriais em que trabalhem Impossible? Ne me dites jamais ce bête de mot!
mulheres, jovens e crianças. A regulamen- Se, porém, a lei fabril acelera assim a matu-
tação obrigatória da jornada de trabalho, ração dos elementos materiais necessários
estabelecendo duração, pausas, início e à transformação da empresa manufatureira
término, o sistema de turnos para crianças, em fabril, apressa, ao mesmo tempo, pela
a exclusão de todas as crianças abaixo de necessidade de maior dispêndio de capital,
certa idade etc., torna necessária, por um a ruína dos pequenos mestres, bem como a
lado, mais maquinaria e a substituição de concentração do capital.
COMENTÁRIOS A “O CAPITAL” DE KARL MARX
(Livro I, Capítulo VIII, 6, e Capítulo XIII, 8)
Introdução
Constitui enorme desafio selecionar para comentários um trecho da obra de Karl Marx
no contexto de um trabalho de resgate em releituras de textos clássicos relacionados ao
direito do trabalho, especialmente para abrir o trabalho. Com efeito, além das dimensões
monumentais de sua obra, seja em extensão ou em densidade, são inúmeros os aspectos de
sua crítica da economia política que poderiam dialogar de maneira relevante com a teoria
geral do direito do trabalho, parte dessa releitura em que estes comentários se encontram.
Posto isso, fez-se a opção pelos dois excertos retro, que tratam substancialmente de dois
temas: a formação da classe operária no contexto da luta pela redução da jornada de trabalho
e os horrores da Revolução Industrial.
Ainda que mantida a escolha dos dois temas selecionados, diversos outros textos
poderiam ser retirados d’O Capital para ilustrá-los. Nesse cenário, a opção foi feita por
aqueles que propiciavam melhores condições para o diálogo com temas contemporâneos do
direito do trabalho, em conformidade com a proposta da obra, conforme ficará demonstrado
na sequência do texto.
Sendo assim, nas seções que seguem, O Capital, e em especial seus excertos aqui
selecionados para leitura, será contextualizado na obra de Karl Marx. Depois, sua obra, como
conjunto, será contextualizada em seu tempo e, por fim, será debatida, à luz dos excertos
escolhidos, a atualidade da obra de Marx e o que ela tem a dizer ao direito do trabalho
contemporâneo, cumprindo, com isso, o itinerário de resgatar a importância d’O Capital
para o direito do trabalho e de empreender sua releitura à luz dos desafios sociais hodiernos.
publicação. Algumas vezes, por considerar que o livro não deveria, afinal, vir à publicação(1),
outras, por alongar-se demasiadamente para encontrar a melhor forma de redigi-lo antes
que viesse a público. Este último é o caso d’O Capital.
Embora Marx já demonstre preocupações com a economia política desde sua estada
em Paris em 1844, quando redige os manuscritos que ficariam mais tarde conhecidos
como Manuscritos econômico-filosóficos, também de publicação póstuma, a elaboração
propriamente dita d’O Capital começa entre 1857 e 1858, quando Marx conclui a redação
de seu primeiro rascunho, a que deu o nome de Fundamentos para uma crítica da economia
política, ou, em alemão, Grundrisse der Kritik der politischen Ökonomie, o que o fez ser
conhecido popularmente, mesmo fora da Alemanha, pela primeira palavra de seu título
em alemão, Grundrisse. Os Grundrisse permaneceram como manuscrito até 1939, quando
foram publicados pela primeira vez em Moscou, a partir do trabalho de Riazanov no Instituto
Marx e Engels. Considerando que a primeira edição do Livro I d’O Capital é datada de 1867,
conclui-se que Marx levou ao menos nove anos para preparar seu texto para publicação,
produzindo, nesse ínterim, inúmeras reelaborações do mesmo texto, sendo que uma delas
até mesmo mereceu publicação autônoma parcial, em 1859, sob o título de Contribuição
à crítica da economia política ou Para a crítica da economia política, de acordo com a
tradução consultada.
A despeito de, como visto, Marx ter investido ao menos nove anos na tarefa, a preparação
d’O Capital para publicação pode ser considerada um trabalho inacabado até depois de
sua morte. O plano original da obra contava quatro livros, dedicados, respectivamente, ao
processo de produção do capital (Livro I, de onde foram extraídos os excertos comentados);
ao processo de circulação do capital (Livro II); ao processo global de produção capitalista
(Livro III); e às teorias sobre o mais-valor (Livro IV). Depois de ter publicado o Livro I em
1867, Marx faleceu em março de 1883, sem ter concluído a preparação para publicação
dos Livros II a IV.
Vê-se, portanto, que, depois de todos esses anos de trabalho sobre o primeiro manuscrito
para preparar o Livro I, Marx não foi capaz, nos dezesseis anos seguintes até sua morte, de
organizar sequer o segundo dos quatro livros previstos. Nesse período final de sua vida,
além de seu ritmo de trabalho ter diminuído muito em razão de problemas de saúde, ele
também se dedicou a questões políticas e militantes, tendo publicado seu clássico A Guerra
(1) Como aconteceu, por exemplo, com A ideologia alemã (MARX; ENGELS, 2007), escrito em conjunto
com Engels. Embora o manuscrito tenha sido finalizado em 1846, sua publicação em livro ocorreu
apenas em 1933, muitos anos depois da morte de Marx e do próprio Engels, que ainda sobreviveu ao
primeiro por alguns anos. A respeito desse episódio, Marx comentou com fina ironia anos mais tarde,
ao redigir o prefácio da obra Para a crítica da economia política, de 1859: “Friedrich Engels, com quem
mantive por escrito um intercâmbio permanente de ideias desde a publicação de seu genial esboço
de uma crítica das categorias econômicas (nos Anais Franco-Alemães), chegou por outro caminho
(compare o seu trabalho Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra) ao mesmo resultado que eu;
e quando ele, na primavera de 1845, veio também instalar-se em Bruxelas, decidimos elaborar em
comum nossa oposição contra o que há de ideológico na filosofia alemã; tratava-se, de fato, de acer-
tar as contas com a nossa antiga consciência filosófica. O propósito tomou corpo na forma de uma
crítica da filosofia pós-hegeliana. O manuscrito, dois grossos volumes in octavo, já havia chegado há
muito tempo à editora em Westfália quando fomos informados de que a impressão fora impedida por
circunstâncias adversas. Abandonamos o manuscrito à crítica roedora dos ratos, tanto mais a gosto
quanto já havíamos atingido o fim principal: a compreensão de si mesmo”. (MARX, 1982:26).