Ashbel Green Simonton
Ashbel Green Simonton
Ashbel Green Simonton
Ashbel Green Simonton, o missionário fundador da Igreja Presbiteriana do Brasil, era membro de uma das inúmeras
famílias de origem escocesa-irlandesa que viviam no Estado da Pensilvânia. Simonton nasceu em 20 de janeiro de
1833 na localidade de West Hanover, no sul daquele estado. Era o filho mais novo do Dr. William Simonton, um
médico que também abraçou a carreira política, tendo sido eleito duas vezes para o Congresso dos Estados Unidos.
A mãe de Simonton, Martha Davis Snodgrass, era filha do Rev. James Snodgrass, que durante 58 anos foi pastor da
Igreja Presbiteriana local. Após a morte do seu pai e do avô materno em 1846, Simonton, então com treze anos, e
sua família mudaram-se para a cidade de Harrisburg, no mesmo estado, onde ele concluiu os estudos secundários.
Desde cedo Simonton recebeu as melhores influências morais, intelectuais e espirituais da fé presbiteriana em que
foi criado. Essas influências podem ser facilmente discernidas no Diário que escreveu a partir dos dezenove anos de
idade.
Após estudar na Academia de Harrisburg, Simonton ingressou no Colégio de Nova Jersey, fundado pelos
presbiterianos em 1746, que mais tarde viria a ser a conceituada Universidade de Princeton. Um dos primeiros
presidentes do Colégio fôra o notável pastor e educador escocês John Witherspoon (1723-1794), o único ministro
religioso a assinar a declaração de independência dos Estados Unidos, em 1776.
Ao concluir os seus estudos em Princeton, em 1852, Simonton, então com dezenove anos, empreendeu uma longa
viagem pelo sul dos Estados Unidos em busca de experiência na área do ensino. Por um ano e meio dirigiu uma
academia para meninos em Starkville, no Mississipi. A detalhada descrição dessa viagem forma a parte inicial do seu
interessante Diário, em que ele registra observações perspicazes sobre uma grande variedade de assuntos, desde
suas próprias lutas interiores nas áreas vocacional e sentimental até suas reflexões sobre temas candentes da
época, como a escravidão, os problemas políticos e as tensões entre o norte e o sul do país.
Voltando a Harrisburg em meados de 1854, Simonton debateu-se mais uma vez com o problema da escolha de uma
carreira. Deixando de lado o interesse pelo magistério, optou pelo estudo do Direito, embora reconhecendo certas
dificuldades éticas quanto ao exercício da advocacia. Uma das principais considerações que tinha em mente era
que, qualquer que fosse a vocação a seguir, ele devia exercê-la com um forte senso de responsabilidade social. Essa
preocupação é claramente vista em uma tocante passagem do seu Diário em que ele se preocupa com a situação
dos pobres nas vésperas do Natal de 1854. Diz ele: “Neste inverno provavelmente haverá mais sofrimentos entre as
classes pobres do que jamais houve. Milhares de trabalhadores já foram despedidos nas cidades e nos aglomerados
industriais; os aluguéis e a comida estão caros... o carvão custa mais que nunca. Se o inverno todo for tão severo
como em dezembro, muita gente vai sofrer muito”.
Poucas semanas mais tarde, ao completar vinte e dois anos, Simonton preocupava-se por ainda não ter fixado o
objetivo da sua existência. Em pouco tempo, tais dúvidas seriam dissipadas por um grande reavivamento religioso
ocorrido em sua região. Há mais de um século, desde o tempo dos puritanos da Nova Inglaterra, o fenômeno dos
avivamentos havia se tornado uma característica marcante do protestantismo norte-americano. Esses avivamentos,
que surgiam periodicamente em diferentes lugares, geravam um grande interesse por questões de ordem espiritual
em indivíduos, igrejas e comunidades inteiras.
Em conseqüência de um fenômeno dessa natureza ocorrido em sua igreja, Simonton procurou tornar mais explícito
o cristianismo evangélico que sempre fôra parte importante do seu ambiente familiar e de toda a sua formação. Ele
passou a ver a experiência religiosa como algo profundamente decisivo para a sua realização pessoal. Visto que a fé
diz respeito aos fundamentos da existência humana e aos significados últimos da realidade, seria uma grande
insensatez não devotar a essas questões uma profunda atenção.
Durante um período de muitas lutas e questionamentos, ele assumiu publicamente o seu compromisso com Cristo,
tornando-se membro da igreja que freqüentava. Ao mesmo tempo, compreensivelmente, começou a sentir grande
atração pela carreira religiosa. O fato de que, ao ser batizado ainda em criança, os seus pais o haviam dedicado a
Deus para ser um pregador do Evangelho, foi também um poderoso incentivo. Assim, no final de junho de 1855,
Simonton ingressou no Seminário de Princeton. Esse seminário havia sido fundado em 1812, nos moldes das
melhores tradições calvinistas, a fim de dar uma sólida preparação intelectual e teológica aos futuros ministros
presbiterianos.
Ainda no primeiro semestre de estudos, Simonton ouviu uma pregação do Dr. Charles Hodge (1797-1878),
eminente teólogo e professor do seminário, que o fez pensar seriamente na possibilidade de devotar-se à obra
missionária no estrangeiro. Uma das principais conseqüências dos grandes reavivamentos norte-americanos havia
sido um profundo interesse por missões, ou seja, a preocupação em levar a mensagem cristã a outros povos. A
primeira entidade surgida nos Estados Unidos com essa finalidade foi a Junta Americana de Comissionados para
Missões Estrangeiras, criada pelos congregacionais em 1810. Em 1837, os presbiterianos também criaram a sua
própria Junta de Missões Estrangeiras, que eventualmente começou a atuar em diversas regiões da Ásia, África e
América Latina.
Inicialmente, Simonton parece ter considerado a Bolívia como provável campo de trabalho. Todavia, em novembro
de 1858, ao candidatar-se formalmente para a obra missionária no exterior, citou o Brasil como o campo de sua
preferência. Não sabemos o que o levou a decidir-se pelo Brasil, mas existe uma possibilidade que consideraremos
adiante. Simonton foi ordenado ao ministério presbiteriano em 14 de abril de 1859, conheceu o seu futuro cunhado
e colega Alexander Latimer Blackford (1829-1890), e embarcou para o Brasil em 18 de junho, chegando ao Rio de
Janeiro no dia 12 de agosto, há exatos 140 anos atrás.
A chegada de Simonton ao Brasil não marcou a primeira presença de reformados neste país. Em meados do século
XVI, quando os franceses tentaram estabelecer na Baía da Guanabara a chamada França Antártica, o chefe da
expedição, o vice-almirante Nicolas Durand de Villegaignon, buscando elevar o nível moral e espiritual da
comunidade, escreveu ao próprio Calvino solicitando-lhe o envio de colonos reformados. Calvino e a Igreja
Reformada de Genebra atenderam prontamente o pedido, enviando vários correligionários sob a liderança de dois
pastores, que chegaram ao Rio de Janeiro no início de 1557. Pouco depois, surgiram desavenças entre Villegaignon
e os calvinistas, que resultaram na expulsão deste últimos da pequena ilha em que a colônia fora instalada. Isso os
colocou em contato com os tupinambás, a quem tentaram evangelizar.
Eventualmente, o pequeno grupo regressou para a França, estando entre eles o sapateiro Jean de Léry, que veio a
tornar-se um pastor e escreveu o célebre livroHistória de uma Viagem à Terra do Brasil, publicado em 1578.
Quando o navio ameaçou naufragar, cinco reformados ofereceram-se para retornar ao continente, sendo
imediatamente presos por ordem de Villegaignon. Obrigados a responder a uma série de perguntas teológicas, eles
produziram a notável Confissão de Fé da Guanabara, com base na qual três deles foram executados. Dos demais,
um foi poupado por ser o único alfaiate da colônia e o outro conseguiu fugir, sendo mais tarde preso e enforcado.
Essa experiência, embora efêmera e fracassada, passou à história como o primeiro esforço missionário feito por
protestantes no sentido de evangelizar povos pagãos.
No século seguinte, houve nova presença reformada Brasil, dessa vez de modo muito mais marcante, quando os
holandeses da Companhia das Índias Ocidentais ocuparam o nordeste durante 24 anos (1630-54). A igreja
reformada do Brasil holandês chegou a ter mais de vinte comunidades, dois presbitérios e um sínodo, sendo em
tudo uma igreja presbiteriana, exceto no nome. Além de dar assistência religiosa aos colonos europeus, a igreja
realizou uma importante obra missionária e beneficente junto aos silvícolas. Um aspecto muito significativo desse
experimento foi o fato de que, especialmente durante a administração do príncipe João Maurício de Nassau-Siegen
(1637-44), os holandeses concederam aos residentes católicos e judeus da colônia uma medida de liberdade
religiosa até então inédita na América Latina.
Com a expulsão dos holandeses, não houve qualquer presença expressiva de protestantes no cenário brasileiro
durante um século e meio. Foi somente no início do século XIX, com a transferência da corte portuguesa para o
Brasil, que o protestantismo começou a implantar-se definitivamente no país. O célebre Tratado de Comércio e
Navegação, firmado entre Portugal e a Inglaterra em 1810, pela primeira vez tornou possível o exercício legal do
culto evangélico no Brasil, com algumas restrições. Poucos anos mais tarde, com a independência e a necessidade
de atrair imigrantes europeus, aumentou consideravelmente o ingresso de protestantes filiados a diferentes
confissões.
Dentre os primeiros imigrantes protestantes a se fixarem no Brasil em números expressivos, dois grupos se
destacam: os anglicanos, a partir de 1808, e os luteranos, a partir de 1824. Todavia, desde o início também
começaram a chegar reformados de diferentes nacionalidades. Assim sendo, em junho de 1827 foi fundada no Rio
de Janeiro, por iniciativa do cônsul da Prússia, a Comunidade Protestante Alemã-Francesa, uma igreja composta
tanto de luteranos quanto de calvinistas franceses, alemães e suíços.
Nas décadas seguintes, começaram a chegar ao Brasil protestantes movidos por uma motivação diferente. Ao
contrário dos imigrantes, que limitavam as suas atividades religiosas às suas próprias comunidades étnicas, a partir
de 1835 surgiram missionários procedentes do hemisfério norte interessados em alcançar com a sua pregação os
próprios brasileiros. Os primeiros deles foram metodistas e congregacionais. Essas duas modalidades de
protestantismo são denominadas pelos estudiosos como “protestantismo de imigração” e “protestantismo
missionário”.
Dois pastores norte-americanos destacaram-se nesse período: Daniel Parish Kidder e James Cooley Fletcher. Kidder,
um ministro metodista, residiu no Brasil de 1837 a 1840 e viajou extensamente pelo país distribuindo bíblias e
fazendo importantes contatos com políticos e intelectuais liberais como o regente Diogo Antonio Feijó. Em São
Paulo, Kidder ofereceu ao governo da província Novos Testamentos para serem usados nas escolas públicas, mas
sua oferta foi rejeitada por interferência do bispo local. Retornando para os Estados Unidos, ele escreveu a
importante obraReminiscências de Viagens e Permanência no Brasil, publicada em 1845.
Um nome freqüentemente associado com Kidder é o do pastor presbiteriano James C. Fletcher (1823-1901), que
teve uma longa e frutífera ligação com o Brasil a partir de 1851. Embora Fletcher não tenha se envolvido
diretamente com a evangelização dos brasileiros, limitando sua atuação religiosa às comunidades de imigrantes,
seus esforços contribuíram em muito para a consolidação do protestantismo no Brasil. Ele tornou-se amigo do
imperador D. Pedro II e de muitas figuras destacadas da sociedade brasileira, e lutou em favor da liberdade
religiosa, da emancipação dos escravos e da imigração de protestantes. Fletcher planejou e executou uma
exposição industrial americana no Rio de Janeiro, promoveu os métodos educacionais norte-americanos e
acompanhou industriais e cientistas em visita ao Brasil. Eventualmente, ele tornou-se membro correspondente do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e por mais de vinte anos foi um incansável defensor dos interesses
brasileiros na imprensa norte-americana.
Outra importante contribuição de Fletcher foi o livro O Brasil e os Brasileiros, publicado em 1857, atualizando e
ampliando a obra anterior escrita por Kidder. Esses livros tornaram-se clássicos (o de Fletcher chegou a nove
edições) e despertaram grande interesse pelo Brasil entre os norte-americanos. Nessas obras, Kidder e Fletcher
descreveram o Brasil como um país vasto, dotado de recursos extraordinários, porém prejudicado pelo atraso
econômico, pela falta de escolas e pela ignorância religiosa. A religião oficial não estava tendo êxito em educar o
povo nos princípios éticos e espirituais do evangelho. Fazia-se necessário, portanto, para o progresso e a
prosperidade do povo brasileiro, que os norte-americanos lhes levassem a sua religião, os seus valores e os seus
métodos educacionais.
E aqui voltamos ao nosso personagem principal. É provável que Simonton tenha lido esses livros e daí tenha
resultado o seu interesse pelo Brasil e pela situação espiritual dos brasileiros. Seja como for, quando chegou ao Rio
de Janeiro há 140 anos, ele não deparou-se com um terreno totalmente por desbravar. A sua chegada havia sido
precedida por algumas gerações de protestantes, cujos esforços facilitaram em muito o seu trabalho. Ele foi um
pioneiro no sentido de implantar sólida e definitivamente em solo brasileiro o presbiterianismo, ao contrário das
experiências temporárias anteriores. Com Simonton, pela primeira vez o movimento reformado, calvinista e
presbiteriano fincou raízes não somente no Brasil, mas entre os próprios brasileiros.
Em virtude da falta de fluência na língua portuguesa, nos seus primeiros tempos no Brasil Simonton limitou-se a
proferir as suas prédicas em navios ancorados na Baía da Guanabara e em residências de estrangeiros. Logo travou
contato com o Rev. Robert R. Kalley, um missionário escocês que chegara ao Brasil quatro anos antes e dera alguns
importantes passos no sentido de ampliar a liberdade religiosa então existente. Em abril de 1860, Simonton
finalmente conseguiu dirigir o seu primeiro culto em português. Três meses mais tarde, chegaram valiosos reforços
na pessoa do Rev. Alexander L. Blackford e sua esposa Elizabeth, irmã de Simonton. No final do ano, Simonton fez
uma longa viagem de reconhecimento pelo interior, passando por São Paulo, Sorocaba, Itapetininga, Itu e
Campinas. Fez várias pregações, visitou ingleses e alemães, hospedou-se com liberais e conversou com sacerdotes.
Ao descrever essa viagem, Simonton deixou um curioso testemunho sobre o choque cultural que experimentava.
Na região de Itapetininga, ele passou algum tempo em uma fazenda cuja hospitalidade muito apreciou. Todavia,
não pode deixar de notar a casa desmazelada e suja, sem assoalhos, com falta de janelas e portas, e os porcos,
galinhas, cachorros, vacas, cavalos e mulas que entravam livremente. Diz ele: “Nunca vi família tão excelente, com
suficientes recursos, viver tão mal. Escravos por toda a parte, uns atrapalhando os outros; tábuas abandonadas na
serraria a 100 metros de distância; não consigo entender tanto descaso e negligência. Dia após dia eu observava e
me maravilhava do processo como se dirigia a empresa toda. Ao ver João Carlos [Nogueira], um dos brasileiros de
coração mais bem formado, em outros aspectos um homem de bom senso, viver daquele modo, minha confiança
no Brasil e nos brasileiros diminuiu”.
A partir de maio de 1861, o melhor domínio da língua permitiu que Simonton tivesse mais êxito em atrair
interessados e ele manifestou a satisfação de finalmente poder anunciar a sua mensagem aos brasileiros (e
portugueses) e ver os primeiros frutos. Finalmente, a 12 de janeiro de 1862 concretizou-se a primeira grande
realização de Simonton, que foi a fundação da Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro. Naquele dia, estando presente
um novo missionário recém-chegado, Francis J. C. Schneider, Simonton admitiu formalmente à igreja os seus dois
primeiros membros, curiosamente ambos estrangeiros – um americano, agente da Companhia Singer de máquinas
de costura, e um português. Que esse evento foi muito significativo, o próprio Simonton o atesta em seu Diário,
onde, ao registrar o fato, concluiu: “Assim, organizamo-nos em igreja de Jesus Cristo no Brasil”.
Pouco tempo após a fundação da igreja, Simonton regressou aos Estados Unidos para gozar o seu primeiro e único
“furlough”, antecipando uma viagem que pretendia fazer no final do ano. Essa antecipação deveu-se principalmente
ao estado de saúde da sua mãe. Ao chegar, Simonton soube que ela havia falecido recentemente e também afligiu-
se com os horrores da Guerra Civil. Falou sobre o seu trabalho em diversas igrejas, inclusive na maior igreja
portuguesa de Jacksonville, Illinois, onde os fiéis encantaram-se em ouvir um americano expressando-se tão bem
em seu idioma. Em março de 1863, Simonton casou-se com Helen Murdoch e quatro meses depois o novo casal
chegou ao Rio de Janeiro. Com o regresso de Simonton, o casal Blackford mudou-se para São Paulo, a fim de ali
iniciar a obra presbiteriana.
Em fins de junho de 1864, nove dias após o nascimento de sua filha, a esposa de Simonton faleceu em virtude de
complicações resultantes do parto. No difícil período que se seguiu, Simonton contou com a companhia e a
solidariedade de um jovem colega que viria a ser um dos mais notáveis missionários a trabalharem no Brasil –
George Whitehill Chamberlain (1839-1902) – o futuro fundador da Escola Americana de São Paulo, com sua esposa
Mary Annesley Chamberlain.
No final desse dramático ano de 1864, dois importantes acontecimentos verificaram-se entre os presbiterianos do
Rio de Janeiro. No dia 23 de outubro, o ex-sacerdote José Manoel da Conceição foi formalmente recebido como
membro da igreja, após declarar publicamente a sua adesão à fé evangélica. Conceição havia sido pároco em várias
cidades do interior de São Paulo e convivera com imigrantes protestantes. Sua ênfase às Escrituras e outras
posições consideradas pouco ortodoxas levaram seus colegas a apelidá-lo de “padre protestante”. Os seus contatos
com o Rev. Blackford finalmente o levaram a romper com a religião que, conforme afirmou, havia inspirado os
melhores atos da sua vida. Essa importante adesão deu grande publicidade ao novo movimento.
Dois dias após a profissão de fé de Conceição, ocorreu o lançamento da Imprensa Evangélica, o primeiro periódico
protestante do Brasil, que haveria de circular por 28 anos. Esta, que foi a segunda grande contribuição de Simonton
ao presbiterianismo brasileiro, estava dentro das melhores tradições do protestantismo – muito provavelmente a
Reforma Religiosa do Século XVI não teria tido êxito não fosse a existência da imprensa. O jornal de Simonton era
um órgão de propaganda evangélica que visava alcançar sobretudo as camadas mais cultas da população e teve boa
aceitação junto a certos grupos, particularmente liberais, maçons e alguns membros do clero. Seus editoriais e
artigos visavam comunicar as principais ênfases da fé evangélica, mostrar os benefícios éticos e sociais do
protestantismo e comentar as questões políticas e religiosas mais salientes da época. O periódico também não se
furtava à polêmica religiosa, travando vigorosos debates com o jornal católico O Apóstolo.
Em 1865, surgiram outras duas comunidades presbiterianas no Brasil, ambas na Província de São Paulo. O Rev.
Blackford organizou em março a igreja da capital, em um salão localizado junto ao Largo de São Bento, e em
novembro outra igreja na distante vila de Brotas, a última paróquia do ex-padre Conceição. Surgia assim um novo
fenômeno no nascente protestantismo brasileiro – a conversão de grandes famílias residentes no interior; no caso
de Brotas, as famílias Gouvêa e Cerqueira Leite. Agora, com a existência de três comunidades, foi possível a
Simonton e seus colegas dar mais um passo importante na institucionalização do presbiterianismo no Brasil – a
criação de um presbitério ou federação regional de igrejas. O Presbitério do Rio de Janeiro, solenemente instalado
no dia 16 de dezembro de 1865 na cidade de São Paulo, era composto por apenas três pequenas igrejas e três
missionários estrangeiros, e ficou filiado ao Sínodo de Baltimore, da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos.
O principal objetivo da criação desse concílio foi algo que ocorreu no dia seguinte no mesmo salão próximo ao Largo
de São Bento – a ordenação de José Manoel da Conceição como pastor presbiteriano. Após Conceição pregar o seu
sermão de prova, Blackford fez as perguntas constitucionais e Simonton dirigiu ao novo colega uma mensagem de
saudação baseada no texto da 2ª Epístola de São Paulo aos Coríntios, capítulo 5, versículo 20: “De sorte que somos
embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos
que vos reconcilieis com Deus”. Com isso, José Manoel da Conceição tornou-se o primeiro ministro evangélico
brasileiro, dando início às suas famosas viagens missionárias pelo interior de São Paulo e sul de Minas que foram
uma sementeira de futuras igrejas. Conceição notabilizou-se pelos seus métodos evangelísticos moderados,
evitando ataques contra a religião católica e procurando identificar-se com as pessoas a quem pregava a sua
mensagem e procurava servir com seus pequenos conhecimentos de medicina.
Na segunda reunião do Presbitério do Rio de Janeiro, em julho de 1866, foi ordenado o jovem Chamberlain, que no
mês seguinte retornou aos Estados Unidos para estudar teologia em Princeton. Ele haveria de voltar para o Brasil
dois anos mais tarde, já casado com Mary Annesley, para iniciar o seu profícuo trabalho pastoral e educacional na
capital paulista. No dia 31 de dezembro de 1866, Simonton fez o último registro no seu Diário, quase um ano antes
da sua morte. Seu senso de devotamento ao ideal supremo da sua vida transparece nos últimas palavras que
anotou: “Quem me dera um batismo de fogo que consumisse minhas escórias; quem me dera um coração
totalmente de Cristo”.
Enquanto isso, a pequena igreja de Simonton ia ganhando novas adesões. O aumento contínuo da congregação
tornava necessárias acomodações cada vez mais amplas. Daí as freqüentes mudanças de endereço: Rua do Ouvidor,
Rua do Cano (atual Sete de Setembro) e Rua do Regente. Em abril de 1867, houve nova mudança, desta vez para o
Campo de Santana, atual Praça da República. A igreja passou a ocupar os andares superiores de um prédio em cujo
pavimento térreo funcionava uma cervejaria. A necessidade de mais espaço prendia-se a dois novos projetos de
Simonton, ambos na área educacional – uma escola paroquial e um seminário.
Desde a sua chegada ao Brasil, Simonton havia se empolgado com a idéia de uma escola em moldes americanos que
servisse tanto a comunidade imigrante quanto os brasileiros. Chegou a convidar o seu irmão James para abrir a
referida escola. James de fato veio, permaneceu no Brasil por vários anos (1861-65), lecionando a maior parte do
tempo em Vassouras, mas a escola não foi aberta. Agora, no Campo de Santana, Simonton alegrava-se por ter
espaço para uma pequena escola paroquial, que funcionava nos fundos do salão de cultos.
Ainda mais importante foi a sua última contribuição para o presbiterianismo nacional, a criação do chamado
“seminário primitivo”. Desde que Calvino fundou a sua Academia de Genebra, em 1559, os reformados vinham se
esforçando para proporcionar aos seus ministros uma sólida preparação acadêmica nas áreas bíblica, teológica e
pastoral. A própria Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos havia demonstrado essa preocupação ao criar
instituições como o Colégio de Nova Jersey e o Seminário de Princeton. Simonton percebeu que a Igreja
Presbiteriana do Brasil não poderia crescer e emancipar-se sem a preparação de líderes autóctones. Assim, no dia
14 de maio de 1867 tiveram início as aulas do Seminário do Rio de Janeiro, tendo como professores o próprio
Simonton, seu colega Schneider e o pastor luterano Carlos Wagner. Essa modesta instituição teológica existiu por
apenas três anos, mas formou os quatro primeiros pastores presbiterianos nacionais: Antonio Bandeira Trajano,
Miguel Gonçalves Torres, Modesto Perestrello de Barros Carvalhosa e Antonio Pedro de Cerqueira Leite.
No final de novembro de 1867, Simonton fez a sua última visita a São Paulo. Um dos principais motivos para essas
visitas era ver a sua filhinha Helen, que estava sendo criada pela tia Elizabeth, a irmã de Simonton . Desta vez,
porém, havia uma razão adicional – Simonton achava-se doente e esperava que a viagem e o clima salubre da
capital paulista trouxessem melhoras à sua saúde. Ele freqüentemente queixava-se em seu Diário das altas
temperaturas do Rio de Janeiro e das freqüentes epidemias de febre amarela e outras enfermidades. A chegada a
São Paulo não trouxe o alívio desejado e Simonton veio a falecer no dia 9 de dezembro de 1867, poucas semanas
antes de completar 35 anos, sendo sepultado no Cemitério dos Protestantes, anexo ao Cemitério da Consolação.
Até certo ponto, a obra de Simonton foi bastante limitada, especialmente em razão da brevidade da sua estadia no
Brasil. Descontados o período inicial em que aprendeu o idioma e a sua longa viagem aos Estados Unidos, seu
trabalho efetivo entre os brasileiros estendeu-se por pouco mais de seis anos. Além disso, a morte prematura da
sua esposa foi um duro golpe do qual ele nunca recuperou-se plenamente. Por outro lado, levando-se em conta
essas limitações, foi notável tudo o que ele conseguiu realizar. Vale relembrar as suas principais contribuições no
sentido de lançar as bases do presbiterianismo no Brasil:
1. A fundação da Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro (1862), a primeira comunidade reformada de língua
portuguesa a ser estabelecida no Brasil (composta de brasileiros e portugueses).
3. A organização do Presbitério do Rio de Janeiro (1865). O presbitério é a instituição mais característica do sistema
presbiteriano de governo, visto ser o órgão que ordena os ministros e supervisiona as igrejas locais.
4. O seu interesse pela educação, materializado na criação da escola paroquial anexa à igreja do Rio de Janeiro.
5. A sua preocupação com o treinamento de uma liderança presbiteriana nacional, traduzida na instalação do
Seminário do Rio de Janeiro (1867), que formou os primeiros pastores de língua portuguesa.
6. O seu espírito tolerante e aberto, expresso no relacionamento próximo que teve com colegas de outras
confissões evangélicas, como o congregacional Kalley e o luterano Wagner, e mesmo com sacerdotes da religião
majoritária, com os quais dialogou freqüentemente.
7. Seu interesse pela boa literatura evangélica no idioma pátrio. Além de seus editoriais e artigos na Imprensa
Evangélica, escritos num português que faria inveja a muitos brasileiros, Simonton traduziu o Breve Catecismo de
Westminster e outras obras, escreveu um comentário bíblico e deixou muitos sermões, alguns dos quais foram
reunidos por seu cunhado Blackford e publicados nos Estados Unidos em 1868.
8. Sua visão de uma igreja que não devia isolar-se, mas inserir-se fortemente na sociedade, contribuindo
decisivamente para o aperfeiçoamento ético, intelectual e espiritual dos indivíduos, das famílias e das instituições.
9. O desprendimento que demonstrou, deixando o conforto e a segurança da terra natal para dedicar a sua vida e
esforços em benefício do povo brasileiro, continua a ser uma fonte de inspiração e motivação para os herdeiros do
seu movimento.
Ao falarmos sobre Simonton e as bases do presbiterianismo no Brasil é preciso, inicialmente, fazer uma breve
definição de termos. Historicamente três vocábulos têm sido aplicados ao movimento de que iremos tratar. O
primeiro deles é o termo “Reformado”. Além de sua acepção genérica, virtualmente sinônima de “protestante”, o
vocábulo “reformado” desde o século XVI passou a ser aplicado especificamente ao segundo movimento da
Reforma Protestante. A primeira expressão do protestantismo foi o movimento de Lutero, iniciado na Alemanha em
1517. Alguns anos mais tarde, surgiu na Suíça um outro movimento, possuidor de grandes afinidades com o
luteranismo, mas distinto deste em vários aspectos. Tal movimento teve como líder inicial o reformador Ulrico
Zuínglio, sediado em Zurique, que morreu em 1531.
Poucos anos depois, o movimento passou a ser liderado por uma figura de muito maior expressão que foi o francês
João Calvino, o grande reformador de Genebra. Portanto, podemos definir como “reformado” stricto sensu o
segundo movimento da Reforma Protestante do Século XVI, surgido na Suíça, e que teve como líderes iniciais Ulrico
Zuínglio (na Suíça de lingua alemã) e especialmente João Calvino (na Suíça de lingua francesa). Esse nome é
preservado até hoje nas igrejas dessa tradição existentes no continente europeu (Igreja Reformada da França, da
Suíça, da Holanda, da Hungria, da Romênia, etc.).