P-014 - Charada Galáctica - Clark Darlton PDF
P-014 - Charada Galáctica - Clark Darlton PDF
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CHARADA GALÁCTICA
Autor
CLARK DARLTON
Tradução
MARIA MADALENA WÜRTH TEIXEIRA
Digitalização
DENISE BARTOLO
Revisão
ARLINDO_SAN
As etapas até agora percorridas por Perry Rhodan e
seus seguidores na busca ao planeta da vida eterna poderiam
ser encaradas como simples passatempo, diante do que os
aguarda ainda.
Ao menos, os desconhecidos guardiães do segredo da
imortalidade recorrem a toda a gama de truques psicológicos
para desencorajar os tímidos entre os perseguidores.
Perry Rhodan, entretanto, convicto do alto destino da
Humanidade, não desiste tão facilmente. Seguindo
obstinadamente em seu rumo, acaba deparando com a
Charada Galáctica.
***
A vinte e sete anos-luz dali, a Terra transitava inalterada em torno de seu sol. No
entanto, naqueles últimos anos a estrutura política de seus países sofrera sensíveis
modificações, impostas pelas circunstâncias. A expedição arcônida malograda colocara
entre as mãos de Perry Rhodan, Reginald Bell e Eric Manoli, os primeiros lunautas
terrestres, um poder incomensurável. A nova tecnologia capacitou-os a evitar a eclosão da
guerra atômica, e a unificar as nações do globo terrestre. Ainda continuavam existindo três
grandes blocos de poder, na verdade — o Leste, o Oeste e a Federação Asiática — porém a
potência criada por Rhodan impunha a paz. A base inicial no deserto de Gobi expandira-se
grandemente, fazendo surgir a cidade de Galáxia, a mais moderna do mundo, com
gigantescos arranha-céus e estradas de inigualável perfeição.
Quando ausente, Rhodan era substituído pelo coronel Freyt. Além do nítido
parentesco espiritual, os dois homens apresentavam impressionante semelhança física.
Facilmente poderiam ser tomados por irmãos.
Freyt aparentava ser um homem ainda jovem. Alto e magro, tinha rugas profundas
nos cantos da boca, mas nos olhos brilhava constantemente uma centelha de humor. Seu
posto regular era o de comandante dos esquadrões de caça espacial.
Tudo corria normalmente. As novas instalações industriais funcionavam plenamente,
atendendo aos pedidos feitos. O mundo começava a sujeitar-se à dependência econômica
de Perry Rhodan.
O centro vital daquela imensa cidade, de aparência quase cósmica, ficava debaixo de
uma cúpula energética constantemente ativada. A segurança era total, pois nem mesmo a
mais potente bomba nuclear conseguira romper a barreira. Por mais de uma vez ela
comprovara sua resistência.
No presente, não existiam injunções políticas que justificassem a manutenção
contínua na cúpula protetora; porém não havia como se opor à ordem explícita de Rhodan.
Freyt sabia que as medidas preventivas de seu chefe não eram motivadas por homens, mas
sim por possíveis agressores extraterrenos. Desconhecidos que poderiam a qualquer
movimento descobrir a posição da Terra e vir atacá-la.
O dia findava. Freyt contemplava o firmamento crepuscular. Fazia semanas que não
tinha notícias de Rhodan. O que estaria acontecendo lá no sistema Vega? A invasão dos
tópsidas, os cruéis lagartos gigantes, teria sido repelida? Os ferrônios oprimidos teriam
reconquistado sua liberdade? O planeta da vida eterna já teria sido encontrado?
Perguntas e mais perguntas, e nada de respostas.
Freyt suspirou. Rhodan poderia dar-se por satisfeito quando voltasse. O mundo
inteiro estava ao seu lado, apoiando suas aspirações de engrandecer o poderio da Terra.
Surgiam os primeiros sinais para o estabelecimento de um governo mundial devidamente
planejado.
De um edifício próximo saiu um homem fardado de tenente. Freyt reconheceu-o
logo. O russo Peter Kosnow, oficial de ligação com o Bloco Oriental. Seus cabelos louros,
cortados à escovinha, mostravam reflexos avermelhados à luz do sol poente.
Kosnow mudou de rumo ao avistar o comandante. Saudando cordialmente, disse:
— Se eu fosse o senhor, não ficaria aí admirando o pôr do sol, mas iria correndo à
central radiofônica. Isto é, para o hiper-transmissor!
Freyt estremeceu involuntariamente.
— Notícias de Rhodan? Homem, está brincando?
— Não é do meu feitio — tranqüilizou-o Kosnow. — A mensagem acabou de ser
transmitida, e já está sendo reprisada. Se correr, ainda pega a terceira emissão direta.
— Está tudo em ordem? — indagou Freyt, ansioso, já acelerando o passo.
— Lógico! — respondeu o russo risonho, tomando direção oposta.
Freyt atravessou a estrada asfaltada às carreiras; subiu a escada na entrada saltando
os degraus de dois em dois. A seguir tomou o elevador para a cúpula da estação
transmissora.
Os gravadores ligados registravam a transmissão. O operador de plantão levantou os
olhos ao ver entrar Freyt, acenou brevemente, e voltou a ocupar-se com suas tarefas.
Naquele momento iniciava-se a terceira repetição da mensagem provinda dos confins do
espaço. As hiperondas não requeriam tempo algum para vencer a distância de vinte e sete
anos-luz. Portanto, naquele preciso momento Perry Rhodan encontrava-se diante do
enorme complexo transmissor da Stardust-III, enviando sua mensagem.
— Perry Rhodan, falando da Stardust-III. Atenção, coronel Freyt, cidade de Galáxia
Tópsidas expulsos do sistema Vega. Ferrônios novamente livres. Tratado comercial com o
mundo deles e o nosso em andamento. Preparar instalações industriais B7A e 42C para
fabricação dos bens de troca. Continuar mantendo secreta posição de nosso planeta;
requisito essencial, mesmo para os ferrônios. Stardust-III continua em Vega por enquanto.
Novas mensagens quando necessário. Emissões hiper-radiofônicas ainda suspensas, para
não chamar as atenções sobre localização da Terra. É tudo. Tripulação da Stardust-III
envia saudações a todos os companheiros da Terceira Potência. Tudo de bom! Rhodan.
Não houve mais nenhuma repetição. O sussurro do transmissor emudeceu.
— As primeiras transmissões foram iguais a esta? — perguntou Freyt ao operador.
— O mesmo texto, coronel. Receberá uma cópia escrita.
— Obrigado.
Freyt deixou a central radiofônica com passo lento.
Um acordo comercial com os ferrônios! Um dos objetivos de Rhodan consumado:
relações comerciais pacíficas com uma raça extraterrena. A primeira base extra-solar da
Terra — para Freyt, Rhodan era indiscutivelmente o representante legítimo da Terra —
havia sido instalada. Além disso, a permanência da Stardust-III no sistema Vega indicava
que havia tarefas adicionais a cumprir.
Teriam ligação com o misterioso planeta do qual Bell vivia falando com tanto
entusiasmo por ocasião de sua última visita?
Fosse como fosse, os encargos de Freyt estavam delineados.
O sol desaparecera. Freyt estremeceu, sentindo frio. O sistema de ventilação soprava
o ar frio do deserto para dentro da cúpula energética. O antigo isolamento do mundo
exterior já não era tão completo.
— Um novo capítulo de nossa História começa — murmurou Freyt para si mesmo,
enquanto se encaminhava vagarosamente para o bangalô no qual morava. — Só que a
Humanidade ainda não sabe disso...
2
Lossos, o cientista ferrônio, não ocultara a Rhodan suas dúvidas. Solicitara uma
audiência, logo concedida, porque Rhodan apreciava o simpático velho. Porém a entrevista
teria que aguardar o término da conferência particular com Thora e Crest, ainda em
andamento.
A ex-comandante arcônida resumiu:
— Portanto, nossas respectivas posições estão claramente delineadas, Perry Rhodan.
Você quer usar a Stardust-III, uma nave de guerra arcônida, para expandir seu reino
terreno. Nós queremos retornar com ela ao nosso planeta natal. E em conjunto desejamos
achar o planeta da vida eterna, valendo-nos da Stardust-III e do cérebro positrônico.
Teremos que tentar a consecução destes três objetivos sem prejudicar nenhuma das partes.
Logo, será preciso estabelecer as respectivas prioridades.
— Certo, Thora — interrompeu Crest, gravemente. — Alegro-me ver que pensa
assim. Mas, antes de precipitar qualquer decisão, poderíamos pôr-nos de acordo num
ponto: procurar em primeiro lugar o planeta da vida eterna. Uma vez conseguido isto, as
circunstâncias resultantes determinarão o empreendimento seguinte.
— Concordo plenamente com sua sugestão — disse Rhodan, satisfeito. — Uma vez
alcançado este objetivo, não haveria inconveniente algum de minha parte em realizar o vôo
para Árcon, denunciando assim à sua raça a posição da Terra.
— Revelando-a — corrigiu Crest, com um ligeiro sorriso. — Eu diria que no caso
não se aplicaria o termo “denunciar”.
— Façamos um pacto, então — disse Thora, estendendo ambas as mãos para
Rhodan. — A seqüência será: a busca ao planeta da vida eterna, Árcon, e depois a Terra,
com todas as conseqüências resultantes. De acordo?
Tomando as mãos dela entre as suas, Rhodan concordou.
— Certo, meus amigos. Mas eu gostaria de acrescentar uma pequena condição ao
nosso pacto, caso nada tenham a opor.
— Que condição? — perguntou Thora, desconfiada.
— Nada de grave, não se preocupe — replicou Rhodan, com um sorriso
compreensivo. — Eu gostaria que os arcônidas só tomassem conhecimento das
coordenadas espaciais da Terra quando eu julgar o momento apropriado. Pois nós terrenos
não temos a menor vontade de ver nosso planeta tornar-se colônia de um reino estelar em
decadência. Afinal, por mais duro que seja confessá-lo, vocês não podem deixar de
reconhecer que a raça arcônida degenerou. Concordamos em comerciar com ela e apoiar os
arcônidas na conservação do Império, porém não queremos criar novas fontes de atrito.
Que acham?
— De acordo — disse Crest.
Os dois homens fitaram Thora. Após curta hesitação, ela respondeu:
— Pois bem, também estou de acordo. Estou certa de que o conselho de nosso
esclarecido governo compreenderá suas ponderações. Estamos entendidos, então, e
podemos partir para a realização do nosso objetivo comum. Quanto mais depressa
encontrarmos o misterioso planeta, tanto mais depressa poderemos rever Árcon, nossa
pátria.
— Fico-lhes grato por confiarem em mim. Logo após a palestra com Lossos poremos
mãos à obra.
— Que é que o ferrônio quer de você? — indagou Crest, curioso.
— Ainda não sei Disse que queria conversar comigo. Talvez ainda tenha se lembrado
de algum detalhe importante. Quem sabe?
Deixando os dois arcônidas sozinhos, Rhodan dirigiu-se a outra peça, onde Lossos já
esperava impaciente. Sem sequer erguer-se ao ver Rhodan entrar, o ferrônio começou
precipitadamente, sem introdução alguma:
— Eu devia ter pensado nisto antes! Porém só agora me ocorreu esta possibilidade.
— Que possibilidade?
— Que nosso sistema continue com todos os quarenta e três planetas originais.
Rhodan não respondeu. Visivelmente perplexo, não entendeu. Fato que o ferrônio
constatou com muda satisfação, sem, no entanto, deixar transparecê-la. Excitado,
prosseguiu:
— Não manifestou a hipótese de que os misteriosos desconhecidos, inopinadamente
aparecidos em Ferrol há dez mil anos, deixando-nos os hipertransmissores, foram capazes
de levar seu planeta para onde bem entendessem? E nós todos supusemos, implicitamente,
que eles abandonaram nosso sistema, aceitando sua hipótese como tecnicamente
realizável. Pois bem, nossa suposição pode ser falsa. Acho que eles talvez continuaram
neste sistema, mudando apenas de local.
Rhodan sentara-se enquanto Lossos expunha sua teoria.
— E que local seria este? — indagou, com a testa enrugada.
O ferrônio sorriu evasivamente.
— Pergunta-me demais, pois também não sei. É um mero palpite... Numa das luas
gigantes que gravitam em torno dos nossos planetas maiores, talvez. Ou podem ter
empurrado algum planeta desabitado para fora do sistema, ocupando seu lugar. Desta
forma, quem tencionasse procurá-los seguiria instintivamente na pista do planeta
emigrado. Não é exatamente isso que você pretende fazer?
— Seus argumentos não deixam de ter fundamento — disse Rhodan, cautelosamente
— mas não passam de hipótese. Por que motivo seres possuidores de tecnologia tão
avançada se dariam tanto trabalho só para mistificar alguém? Sem dúvida possuíam armas
suficientemente eficientes para manter à distância qualquer oponente. Pessoalmente, acho
que eles fazem toda essa brincadeira de esconde-esconde apenas para se divertir; porém a
brincadeira no fundo é séria. Eles desejam ser encontrados; e é por aí que precisamos
começar. Deixaram uma pista, e a pista aponta para fora deste sistema.
— Então permita-me ao menos procurar eu mesmo o tal planeta, no âmbito do
sistema Vega! Assim que o encontrar, mando-lhe imediatamente aviso.
Rhodan refletiu. A teoria de Lossos não era totalmente desprezível nem absurda;
apenas pouco provável. Não seria justo impedi-lo de fazer suas próprias explorações; pelo
contrário, seria até suspeito. Os ferrônios possuíam uma frota espacial bem aparelhada, e
nada os impedia de iniciar espontaneamente tal empreendimento. E se o planeta da vida
eterna efetivamente...
— Não tenho nada a opor — replicou, portanto, Rhodan. — Pode contar com o apoio
de um de meus caças espaciais, naturalmente. As cabinas são um tanto apertadas, mas
conseguiremos acomodar duas pessoas nelas, retirando algum equipamento de menos
importância. Vou ordenar a Deringhouse que mande aprontar um caça espacial com o
respectivo piloto. Mantenha-se em contato radiofônico constante conosco.
O idoso ferrônio empertigou o corpo baixo. A estatura reduzida fazia-o parecer mais
jovem.
— Agradeço-lhe, Rhodan. O sucesso que eu puder obter será igualmente seu.
Sob o olhar pensativo de Rhodan, Lossos se retirou.
***
***
***
Thora desistira no último momento de sua intenção inicial de entrar na arca com os
demais. Portanto, o grupo que na manhã seguinte embarcou no hipertransmissor da base
compunha-se apenas de Rhodan, Bell, Crest e os mutantes.
O aparelho parecia uma enorme gaiola gradeada. A apreciável quantidade de energia
requerida para o transporte, em estado de desmaterialização, através do hiperespaço, era
fornecida por geradores. O manejo era simples, mas o modo de funcionamento ninguém
compreendia.
A porta foi fechada. Rhodan ajustou as coordenadas e ativou a máquina. Não
sucedeu absolutamente nada, o que conferia com o esperado. Em distâncias curtas, não se
fazia sentir o costumeiro efeito doloroso da desmaterialização.
Ao abrir a porta, encontravam-se em Thorta, a capital de Ferrol. A guarda pessoal do
Thort já os aguardava. Entre manifestações da maior deferência, o grupo foi conduzido às
arcadas subterrâneas, onde foram deixados à própria sorte. Ferrônio algum se sentia
disposto a enfrentar desnecessariamente os espectros que assombravam o local.
Ras Tshubai realizou alguns saltos teleportados a fim de sondar o terreno. John
Marshall captava-lhe os pensamentos, transmitindo o conteúdo aos demais. Desta maneira,
Rhodan sempre estava informado sobre o que tinha à sua frente.
O gerador, instalado na véspera, encontrava-se na entrada do recinto abobadado em
cujo centro ficava a arca. E ela se encontrava realmente ali, apesar de invisível a olhos
humanos e impenetrável a qualquer objeto material. O invólucro protetor, erigido há
milhares de anos por seres desconhecidos, e repleto de inconcebíveis segredos, formava
uma espécie de campânula de energia pura no meio da peça. Ondas de rádio, emitidas do
cosmo por fontes desconhecidas, enfeixadas de alguma forma por algum equipamento
invisível, formavam a invisível arca. A telecineta Anne Sloane conseguira desviar estas
ondas por instantes durante a primeira experiência; a arca se abrira, permitindo a entrada
de Ras Tshubai. No entanto, aqueles poucos segundos não haviam sido suficientes para
tomar conhecimento de todo o conteúdo da arca. Fora, pois, com a maior satisfação que
Rhodan recebera do cérebro positrônico a fórmula neutralizadora dos raios provindos do
cosmo. Um efeito de polarização, conforme observara muito acertadamente Crest. E
podia-se fazê-lo durar à vontade, por quanto tempo se quisesse. Além disso, o cérebro
positrônico informara que o processo levantava simultaneamente a barreira de tempo. O
que era, evidentemente, o ponto mais importante no caso. Pois que lhes adiantaria penetrar
na arca se os objetos nela guardados se encontrassem a milhares ou milhões de anos no
passado ou no futuro?
Rhodan distribuiu os mutantes, posicionando-os de modo que qualquer deles pudesse
chegar à arca com poucos passos, em caso de necessidade. Depois inclinou-se para o
gerador. A regulagem estava correta. Voltando-se para Crest, avisou:
— Bell e eu vamos entrar. Do Exército de Mutantes levaremos inicialmente apenas
Anne Sloane e John Marshall. Os demais ficam de prontidão. Ainda não sabemos que
espécie de capacidade será exigida, mas caso...
Todos compreenderam o que Rhodan pensava, de modo que ele poderia ter
dispensado o resto da frase.
— ...surgir alguma dificuldade, o mutante com o dom apropriado precisa intervir sem
demora, a fim de eliminá-la.
Após uma derradeira hesitação, Rhodan tornou a se inclinar para o gerador. Calcou
um botão, e com um leve clique o aparelho começou a funcionar. A bateria atômica
embutida forneceria a energia necessária para a geração do feixe de raios polarizantes.
Em tensa expectativa o grupo aguardou.
Estariam corretos os cálculos do cérebro positrônico? Os dados fornecidos seriam
adequados? Um erro mínimo, e...
A sala subterrânea com suas paredes de pedra natural parecia vazia. A visão era livre
de lado a lado, até a parede oposta. Mas Rhodan sabia que se tratava de urna ilusão ótica.
Os raios luminosos, habilmente desviados, eram distribuídos de tal maneira que o
observador se julgava num recinto vazio. Porém na realidade o centro da peça era ocupado
pela invisível cúpula de raios enfeixados. E ela oferecia resistência idêntica tanto a matéria
sólida, quanto a luz e ondas.
Rhodan repassava em pensamento aqueles detalhes técnicos, quando seus olhos
perceberam os primeiros sinais de alteração no ambiente. No meio do salão o ar
apresentava estranha cintilação. A parede oposta começou a esfumar-se, as pedras
pareciam oscilar, mudando de formato e posição. Depois dissolveu-se, desaparecendo
totalmente. O desvio dos raios luminosos deixava de existir.
Novos fatos surpreenderam o grupo.
Atônito, Bell viu surgir à sua frente objetos misteriosos, materializando-se do nada.
Quanto mais nítidos e concretos esses objetos se tornavam, tanto mais diminuía a
cintilação do ar. A barreira de raios cósmicos se desfazia lenta e constantemente. Por fim
cessou de todo.
Simultaneamente, os objetos por ela protegidos do mundo exterior retornavam ao
presente. Vindos do passado e do futuro, despojavam-se de todas as características
próprias da quarta e da quinta dimensão — tempo e dilação de tempo — podendo agora
ser vistos e tocados. Situando-se de repente no presente, passavam a ser concretos e
materiais. Transformavam-se em realidade.
— Puxa, que truque fantástico! — observou Bell.
— E no entanto é real... — replicou Rhodan, num sussurro. — O melhor meio de
guardar um objeto de maneira completamente segura é enviá-lo para o futuro longínquo,
onde ninguém pode se apoderar dele. Ele fica lá, esperando, até que seja alcançado. Mas se
fosse enviado para o passado...
— ...estaria perdido para sempre — completou Crest. — A menos que se possa trazê-
lo de volta, ou viajar fisicamente para trás no tempo.
— Quer dizer que viagens no tempo são viáveis? Sempre me pareceram mera ficção
ou imaginação.
— Constituem o fundamento da quinta dimensão — replicou Crest. — Assim como
o espaço é o fundamento da terceira. Mas não me pergunte demais por enquanto, Perry.
Espere até chegar a hora de tratarmos deste assunto, antes que se sinta tentado a fazer
pouco caso dele. Se as viagens espaciais fossem fáceis, nós, os arcônidas, já teríamos
reagido há séculos à ameaça de desmoronamento de nossa cultura.
Rhodan satisfez-se com a explicação. Parecia lógica. Bell gemeu, desconsolado,
enquanto Anne e John se mantinham imparcialmente calados.
No meio do salão antes vazio surgira um novo recinto, nitidamente delineado por
caixotes e baús, cuidadosamente dispostos em pilhas e filas. Era fácil visualizar junto a
eles os seres desconhecidos, acumulando ali, há milhares de anos, seus mais preciosos
tesouros, para guardá-los no futuro. Mas tratar-se-ia realmente de tesouros? Afinal, aquilo
lembrava muito mais um depósito. E no meio de tudo havia algo bastante familiar: um
hipertransmissor de matéria!
Era do tipo médio, pois acomodava mais de uma pessoa. Sua altura permitia deduzir
que a raça desconhecida possuía estatura mais ou menos semelhante à humana. Os
mecanismos de controle não diferiam dos já conhecidos.
Um hipertransmissor... ali?!
A mesma pergunta se formou na mente de todos os presentes: onde estaria o anti-
transmissor, ou hiper-receptor, correspondente? Onde iriam parar, caso entrassem naquele
aparelho e o ativassem? Ou melhor, quando se processaria a rematerialização?
***
***
— Creio que agora podemos ir — disse Rhodan, pondo a mão sobre o braço de
Crest. — O gerador garante o afastamento da barreira. Enquanto a energia continuar a
fluir, nada pode acontecer. E como você me afirmou que isto continuará acontecendo pelos
próximos milênios, temos tempo de sobra. Vamos, pessoal!
Rhodan tomou a dianteira. Crest seguiu-o, após imperceptível hesitação. Bell
demorou mais a decidir-se, porém acabou avançando igualmente, acompanhado de perto
pelos dois mutantes. Os demais componentes do Exército de Mutantes presenciavam a
cena imóveis e silenciosos.
Rhodan alcançou o ponto em que anteriormente a barreira invisível impedia a
passagem. Agora o obstáculo já não existia, e Rhodan penetrou na arca. Contornando um
enorme baú, viu-se diante do hiper-transmissor. Meramente por seu volume, este se
destacava dos demais objetos ali acumulados. Instintivamente, a mão de Rhodan procurou
no bolso o pedaço de papel que trouxera consigo. Ele continha uma frase misteriosa,
traduzida e escrita pelo cérebro positrônico. As instruções diziam que uma frase idêntica
apareceria em algum lugar dentro da arca. Seria a nova pista.
Crest parou ao lado de Rhodan. Nos olhos avermelhados brilhava algo semelhante à
incerteza. As mãos de dedos delgados tremiam levemente.
— Não pretende...?
Rhodan fitou Crest com um olhar quase dominador.
— Você desistiria agora, Crest? Assim tão perto do objetivo? Não vai querer que eu
acredite nisso, não é? Pelos menos nós, terrenos, não entregamos os pontos com tamanha
facilidade, quando o prêmio é alto. E este é alto: a vida eterna...
— Ela não adianta nada quando se está morto, Perry...
— Não deve ser esta a intenção dos desconhecidos, Crest. Deixaram uma pista que
leva inegavelmente até eles. Não se arriscam nem um pouco. Pois apenas seres de natureza
semelhante à deles serão capazes de encontrá-los. Bárbaros incultos jamais atingiriam o
planeta da vida eterna. Portanto pode estar certo, Crest, de que os desconhecidos não
tramam nenhum ardil mortal para nos apanhar. Haverá obstáculos, sim, mas isso é parte da
missão. Porém não marchamos ao encontro da morte.
O inusitadamente calado Bell decidiu-se a falar:
— Sabe lá quando foi que esses seres deixaram o hipertransmissor aqui, Rhodan!
Você disse que foi há dez mil anos, quando abandonaram o sistema Vega. Quanta coisa
não prevista por eles pode ter acontecido desde então? É bem capaz do hipertransmissor
nos jogar em plena Vega!
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Fora de cogitação! Você subestima a inteligência destes seres. Deviam saber,
forçosamente, que se passariam séculos, ou até milênios, antes que alguém desse com o
início da pista. Calcularam as contingências astronômicas. Nem se preocupe, eles não
deixaram nada ao acaso.
Avançando alguns passos, Rhodan abriu a porta gradeada do hipertransmissor. Os
poucos controles correspondiam exatamente aos que observara em Ferrol, sem a menor
diferença. O hipertransmissor era idêntico aos usados pelos ferrônios, com a diferença de
que estivera até aquele momento em plano de tempo diverso, no passado ou no futuro.
— Fiquem aqui! — ordenou Rhodan, com voz rouca. — Eu vou sozinho. Se ele
funcionar, deixando-me em local seguro, volto imediatamente para buscar vocês.
— E em caso contrário? — exclamou Bell, aflito. Rhodan deu de ombros, sem
responder. Com um rápido olhar para Crest, entrou na espaçosa cabina, onde caberiam
folgadamente quatro a cinco pessoas.
— Quando eu tiver desaparecido — recomendou Rhodan — aguardem um pouco.
Não tomem iniciativa alguma, a fim de não pôr em risco minha volta. Entendido?
Crest discordou.
— Não seria preferível que um de nós...?
— Não, Crest! Creio na boa vontade dos imortais. Eles querem que alguém decifre
este enigma. Eu não poderia desapontá-los, não acha?
Crest silenciou. Sorrindo para ele e Bell, Rhodan acenou tranqüilizadoramente para
Anne Sloane e para John Marshall, e baixou a alavanca.
Deu-se algo surpreendente. Rhodan não se tornou invisível nem desapareceu.
Continuou de pé dentro da cabina, assim como entrara.
O hipertransmissor de matéria não funcionava.
***
A segunda lua do décimo segundo planeta bem poderia ser tomada por irmã da
primeira. Em nada se diferenciava da que haviam visitado anteriormente. Atmosfera
sofrível, água escassa, pouca vegetação, paisagem constituída de rochas e montanhas.
Lossos insistiu na aterrizagem, e Groll acedeu, contrariado. O aparelho pousou num
platô rochoso. Os instrumentos de mediação automática indicaram que a atmosfera era
rarefeita demais para desembarcar sem traje espacial. Resmungando baixinho, o ferrônio
enfiou um macacão levíssimo, porém Groll sabia que ele correspondia plenamente às
exigências da situação. O capacete plástico completou o equipamento.
— Espere por mim a bordo! — disse Lossos, desaparecendo na escotilha do piso que
havia sido adaptada para servir de comporta auxiliar. Groll fechou-a hermeticamente e
iniciou o processo de desembarque. O ar foi sugado, produzindo o vácuo no pequeno
compartimento. Depois a portinhola externa se abriu, e o ferrônio foi lançado para fora
como um volume de carga, rolando pela superfície pétrea da lua 12B.
O rude tratamento não conseguiu abafar seu ardor de cientista. A gravidade mais
reduzida que a de Ferrol lhe fornecia energias adicionais.
Pondo-se de pé num salto, Lossos afastou-se com passos rápidos do caça, sem lançar
um só olhar para o piloto que o vigiava preocupado por trás do vidro da escotilha.
— Sujeitinho chato! — resmungou Groll, aborrecido.
O pesquisador ferrônio sumiu entre as rochas. Avançava sem rumo definido,
confiando no acaso. Sem dúvida seu bom senso lhe dizia que eram praticamente nulas as
chances de topar com algum indício do planeta desaparecido naquele local ermo.
Groll aborrecia-se na pequena cabina. Claro que poderia descer igualmente, mas
perguntava-se o que faria lá fora. Portanto continuou sentado em seu lugar, esperando.
Lossos regressou duas horas depois, sem demonstrar sua decepção. Trabalhosamente
introduziu-se no caça através da comporta. Retirando o capacete, disse, ofegante:
— Nada! De jeito nenhum isto aqui é o planeta desaparecido. Experimentemos o
próximo!
— Ora, não deve ser diferente deste — replicou Groll, mal-humorado. — Quantas
luas tem mesmo o décimo terceiro planeta?
— Só duas — respondeu Lossos. Na testa abaulada viam-se duas profundas rugas,
dando nitidamente a impressão de que ele refletia com grande esforço. — E uma delas é
bastante interessante do ponto de vista astronômico.
— Ah, é? — comentou Groll, laconicamente, levantando vôo.
Só quando estavam longe da lua 12B acrescentou:
— O que é que ela tem de interessante?
— Sua distância do planeta-mãe é tão grande que precisa de meio ano para contorná-
lo uma vez. A lua 13B é quase um planeta autônomo; só que gira em torno de outro
planeta. E os dois juntos giram em torno do sol. Por que não seria ela o quadragésimo
terceiro planeta que estamos procurando?
— É, por que não?... — respondeu Groll. Com uma risada, acrescentou: — E por que
deveria sê-lo, afinal?
***
Rhodan fez nova tentativa, porém o resultado foi igualmente negativo. Nada mudou.
O hipertransmissor não dava o menor sinal de vida.
Ligeiramente desapontado, Rhodan deixou a cabina, olhando perplexo para Crest.
— Não entendo isso! — confessou. — Conseguimos superar com a maior facilidade
os primeiros obstáculos, e acabamos diante de um hipertransmissor enguiçado.
Que significará isso?
— Deve ter algum significado! — respondeu Crest, convicto. — Pense nos
numerosos outros hipertransmissores. Nenhum deles apresentou defeito em todos estes
milênios, e nem um só foi posto fora de uso por imprestável. As fontes de energia são
inesgotáveis, pois o gerador está embutido neles, conforme sabemos. Logo, se este aqui
não funciona, é por algum motivo deliberado. Que acha, Bell?
Bell tinha claramente o ar de quem não nutria opinião alguma; mas era evidente que
não queria se desmoralizar. Portanto, disse, em tom arrastado:
— Concordo com você, Crest... Não faltava imaginação a esses seres do passado...
Agora querem que banquemos os mecânicos de hipertransmissores, para demonstrar que
sabemos raciocinar na quinta dimensão...
Bell falara por falar, só para dizer alguma coisa. No entanto Rhodan parecia
impressionado com suas palavras. Relanceando os olhos primeiro por Bell, depois por
Crest, voltou novamente a atenção para o hipertransmissor. Abrindo a porta, tornou a
entrar na cabina. Crest ficou esperando do lado de fora, assim como Anne Sloane e John
Marshall. Bell, no entanto, que não percebera o inesperado efeito de suas palavras,
recobrou o ânimo.
Rhodan procurava. Procurava algo bem definido: o indício sem o qual todo aquele
jogo de adivinhação perderia o sentido.
Os desconhecidos possuíam um inapreciável segredo: a imortalidade. E estavam
dispostos a reparti-lo com uma raça merecedora, de nível semelhante ao seu. Mas de que
modo poderiam avaliar esta equivalência? A resposta era óbvia: submetendo-os a uma
prova. Portanto, haviam deixado uma pista sutilmente concebida antes de desaparecer.
Caso alguém conseguisse seguir essa pista, e interpretar acertadamente os numerosos
indícios reveladores, encontrar-se-ia forçosamente com eles algum dia. O encontro dos
charadistas e dos solucionadores premiados.
Uma verdadeira competição cósmica de charadas.
Um campeonato galático de charadas!
Rhodan sabia que o transmissor representava simultaneamente dois problemas. Em
primeiro lugar, era preciso fazer o aparelho funcionar novamente; depois, arriscar a
viagem para local ignorado, onde...
Rhodan não ousou levar o pensamento mais adiante. O que os esperava lá constituía
novo problema, para ser resolvido posteriormente.
Bell emitiu repentinamente uma exclamação de surpresa. Crest correu logo para
junto dele, assim como os dois mutantes. Dentro de mais alguns instantes Rhodan juntava-
se igualmente ao grupo em torno de Bell. Em seu bolso, o bilhete nervosamente
comprimido entre os dedos parecia queimar como fogo.
— Que foi? — perguntou ele, já adivinhando a resposta.
— Uma inscrição! — gritou Bell, excitado. — Descobri uma inscrição. Na parte de
trás do hipertransmissor. E sem o menor trabalho...
Rhodan tirou o papel do bolso e leu rapidamente o que estava escrito nele; parecia
comparar aquelas duas linhas com as que apareciam na face lisa do hipertransmissor. A
seguir tornou a guardar o papel no bolso.
Bell acompanhara os gestos de Rhodan com evidente desapontamento.
— Isso por acaso é algum dicionário? — indagou zombeteiramente.
— Com sua permissão, sim! — respondeu Rhodan, concentrando-se no estudo da
inscrição. — Sinais gráficos iguais aos que vimos nos planos de construção dos
transmissores. Trata-se, portanto, da mesma língua, o idioma dos imortais. Mais ainda: esta
frase aí é a mesma do início da pista que estamos seguindo. O que prova que o transmissor
representa a continuação da pista.
— Frase? Onde é que tem uma frase por aqui?
— O idioma é escrito mediante símbolos figurativos, sinais geométricos e letras
desconhecidas. Além disso, está criptografado. Só o cérebro positrônico será capaz de nos
dar o texto em linguagem corrente.
— Que diz a frase? — indagou Bell.
— Encontrarão a luz, caso tua mente corresponder à ordem mais elevada. Eu
esperava mesmo achar esta frase em algum ponto dentro da arca. Agora podemos estar
certos de que nos encontramos na pista correta, e de que acharemos a luz.
— Está bem! — resmungou Bell, olhando de esguelha para os estranhos sinais. —
Caso nossa mente corresponda à ordem mais elevada... Será que corresponde?
— A do cérebro positrônico corresponde, pelo menos — disse Rhodan,
pensativamente.
Assim como a lua 13A, a 12C não apresentou novidade alguma.
Já mais interessado na aventura, Groll fez a pequena aeronave distanciar-se do
décimo terceiro planeta, rumando para a segunda lua dele, a mais afastada. Seu diâmetro
era mais ou menos igual ao de Marte; porém a gravidade equivalia a 1 g, segundo a
afirmava Lossos. Fato incomum, levando a concluir que no interior daquela lua existiam
elementos extraordinariamente pesados. A atmosfera era respirável, e suficientemente
densa. O clima, de acordo com os apontamentos de Lossos, era inclemente, frio e áspero;
porém tolerável.
“Um mundo à parte”, pensou Groll consigo mesmo, admirando-se pelos ferrônios
ainda não terem pensado em transformá-lo em mais uma colônia. Interrogando Lossos
acerca disso, recebeu como resposta:
— A lua 13B possui clima suportável para vocês, sim. Mas nossa população é
reduzida demais para pensar em novas colônias. Principalmente em colônias na lua 13B;
para o nosso gosto, ela é fria demais.
Como vê, não é incomum deixarmos de lado planetas ou luas colonizáveis.
Futuramente talvez pensemos nisso, quando nosso próprio mundo se tornar pequeno
demais...
O décimo terceiro planeta foi ficando longe; em troca, sua lua externa crescia a olhos
vistos. O círculo luminoso da atmosfera, refletindo a luz da distante Vega, destacava-se
nitidamente na escuridão cósmica. No sistema solar ela seria considerada um planeta,
pensou Groll, com uma pontinha de inveja. Um mundo melhor que Marte aquele, caso
Lossos não tivesse exagerado. E seu núcleo pesado indicava a possibilidade de uma
mineração de profundidade bastante proveitosa.
Nuvem alguma empanava a visibilidade da superfície. Também ali, constatou Groll,
não havia mares nem oceanos. Pouca água, portanto, pensou desapontado. Apenas alguns
riozinhos cortavam as extensas planícies. Desembocavam em depressões mais profundas,
acabando por infiltrar-se no solo. Em conseqüência disso existiam amplas áreas verdes,
verdadeiro convite à povoação.
— Os ferrônios nunca exploraram esta lua mandando alguma expedição para cá? —
perguntou admirado. — Afinal, num mundo assim deve existir vida.
— A natureza é perdulária — replicou Lossos. — O Universo deve contar com
inúmeros mundos à espera de ocupação por seres civilizados. Produzem vegetação, mas
nenhuma vida inteligente. É óbvio que possuímos registros sobre a lua 13B, mas nenhum
deles menciona a existência de vida nela; nem presente, nem passada. Talvez as
observações feitas tenham sido apenas superficiais; que eu saiba, jamais aterrizaram nela.
— Que descanso! — criticou Groll, espantado. — Mas talvez se possa atribuir tal
desinteresse à extrema amplidão do sistema de vocês, com excesso de mundos
aproveitáveis. Vocês vivem na abastança. No meu sistema solar só há dois planetas, além
do meu, com possibilidade de serem habitados.
— Seu sistema fica muito longe de Vega? — indagou Lossos, distraidamente.
Mas Groll não esquecera as ordens de Rhodan, e respondeu:
— Longe ou perto, que diferença faz?
O ferrônio fingiu não perceber a evasiva do piloto. Algum dia ficaria sabendo de
onde tinham vindo aqueles desconhecidos. De repente, Lossos apontou para baixo:
— Está vendo aquela cordilheira? Procure sobrevoá-la no sentido do comprimento,
bem baixinho. Se os imortais deixaram de fato algum marco, devem tê-lo colocado em
ponto bem visível, onde possa ser avistado de longe. O cume de uma montanha seria ideal.
O argumento era razoável. Groll fez o caça descer sobre a planície verdejante, na
direção das montanhas próximas. Não viu árvore alguma, mas apenas capim alto, com um
ou outro platô rochoso no meio. Um curso d’água raso serpenteava em mil ramificações
através de um emaranhado de ilhas e ilhotas. Paisagem verdadeiramente primitiva,
faltando apenas os animais pré-históricos. Deserta e à espera da vida ela se estendia sob o
morno sol distante.
Aos poucos, o capim foi se tornando mais curto e ralo. Touceiras esparsas brotavam
agora no chão árido, que se tornava cada vez mais seco e duro. Por fim só restou rocha
nua, que se elevava gradualmente.
Groll fez o aparelho subir, pois a encosta se tornava mais íngreme. O declive era
acentuado, porém sem acidentes dignos de nota.
Lossos, com o rosto grudado à escotilha, observava atentamente cada particularidade
do terreno desconhecido, buscando vestígios que nem ele próprio podia imaginar como
seriam, ou se existiam realmente. Talvez estivesse perseguindo miragens, devia pensar
consigo mesmo.
A encosta acabou de repente. Diante do olhar surpreso de Groll estendia-se agora, até
os confins do horizonte, uma superfície plana. Quase um mundo diverso, totalmente
diferente da paisagem amena da planície. Devia ficar a uns dois mil metros de altitude,
sem água nem vegetação de espécie alguma. Um local estéril e inóspito. Se existira de fato
uma civilização na lua 13B, certamente não se desenvolvera naquele ponto.
Lossos parecia não dar a menor importância à mudança de cenário.
— Suba um pouco, para termos uma visão de conjunto — pediu ao piloto. — Preste
atenção a sinais característicos.
— Pensa mesmo que essa gente deixou marcos à beira da estrada? — perguntou,
sacudindo a cabeça. — Seria absurdo...
— O que é absurdo para nós, pode ser perfeitamente normal para outros, sobretudo
tratando-se de estranhos — argumentou Lossos, serenamente. — E vice-versa...
Precisamos levar em conta este fato, pois os seres que vivem mais do que o sol também o
consideraram. Que diz seu indicador de gravidade?
Estranhando a brusca mudança de assunto, o sargento Groll consultou seu painel de
instrumentos.
— Deve haver mesmo elementos pesados aí embaixo, elementos naturais,
obviamente. Ou julga ter descoberto as instalações subterrâneas da raça desconhecida?
— Quem sabe? — replicou Lossos, com um sorriso misterioso. — Até que seria uma
agradável surpresa darmos com a entrada da casa deles, não é?
“Que incorrigível otimista!”, pensou Groll, amaldiçoando aquele encargo maluco. E,
no entanto, a exploração do pequeno mundo poderia ter sido bem agradável... Se
dependesse dele, teria pousado na planície de relva, para procurar animaizinhos. Na água
do rio poderia encontrar bactérias, com a ajuda do microscópio, e...
— Está vendo aquele grupo de rochas isoladas ali adiante?! — exclamou o cientista
ferrônio, arrancando o piloto de seu devaneio. — Aterrize perto dele.
Sem responder, Groll desviou obedientemente o rumo do aparelho. Contornou uma
vez, a pouca altura, as rochas irregularmente dispostas, fazendo depois a nave pousar junto
do pedregulho maior. Era uma área selvagem e acidentada, sem o menor sinal de vida ou
vegetação.
— A atmosfera está em ordem. Desça comigo, caso lhe interesse.
Groll recusou o convite. Mas depois que o sábio desembarcou pela saída normal,
desaparecendo entre os rochedos, mudou de opinião. Já que estava ali, poderia aproveitar a
oportunidade para explorar as redondezas por sua própria conta. Apanhou num escaninho a
pequena pistola de raios; após um rápido exame, enfiou-a no cinto. Trancou a porta do
caça, usando uma nova combinação, que só ele conhecia. Ninguém poderia entrar no
aparelho sem bloquear automaticamente os propulsores.
O ar era fresco e agradável. Groll teve a impressão de que o teor de oxigênio era um
tanto reduzido, pois via-se forçado a respirar depressa. Como se estivesse a quatro mil
metros de altitude na Terra, pensou. Bem, aquilo não constituía obstáculo digno de nota.
Lentamente, tomou direção idêntica à do ferrônio, que desaparecera de vista. A área
era grande demais para ser abrangida com o olhar; absurdo imaginar que logo ali
encontrariam vestígios de uma civilização há muito desaparecida. O chão era liso e plano,
com pedregulhos esparsos espalhados cá e lá. As formações rochosas se destacavam como
colunas contra o céu azul-esverdeado.
Groll começou a imaginar como se teriam formado aqueles pilares de rocha. Água
não existia ali, e os temporais deviam ser raros e fracos. Bem, talvez aquele mundo tivesse
aspecto diferente outrora...
Reinava um silêncio quase irreal. Os passos de Groll despertavam ecos nas rochas.
Ouvia ruído de outros passos, mas não conseguia determinar em que direção... os do
ferrônio. Groll parou, e agora só escutava os passos de Lossos, fantasmagóricos e
impressionantes. O som vinha da direita e da esquerda, da frente e de trás. Parecia que um
batalhão inteiro marchava por entre as colunas rochosas. O eco reverberava um sem
número de vezes, até encontrar finalmente a procurada saída para o alto. Porém o bem
treinado ouvido do piloto sabia distinguir o eco do som original; não que fosse fácil, mas
era possível. Instintivamente o sargento levou a mão à cintura; o contato com o metal frio
devolveu-lhe a serenidade.
É que, além dos passos do cientista ferrônio, havia outros passos... lentos, cautelosos
e sorrateiros.
Groll e Lossos não estavam sozinhos naquele mundo.
3
As experiências haviam sido encerradas por aquele dia. Crest conseguira determinar,
inapelavelmente, que os circuitos do hipertransmissor tinham sido interrompidos de
maneira deliberada em diversos pontos. Havia igualmente contatos falsos e ligações
erradas, prontas para provocar curtos-circuitos.
— É nossa primeira tarefa — disse Crest. — E temos que resolvê-la, como condição
básica para podermos continuar na busca. Ainda temos os planos do hipertransmissor.
Com a ajuda do cérebro positrônico vai ser fácil obter um esquema simplificado dos
circuitos. Talvez um de nossos robôs-operários, devidamente programado, possa reparar os
defeitos deliberadamente provocados.
Rhodan não teve alternativa senão concordar com Crest. Um dos mutantes ficou
vigiando a arca, pois não convinha deixá-la mergulhar mais uma vez nos recessos do
tempo. O gerador neutralizante permaneceu ligado.
Rhodan demorou-se noite a dentro na central do grande cérebro positrônico arcônida,
irmão menor do gigantesco complexo eletrônico em Vênus, ali deixado na época da
Atlântida pela raça dominante no Universo. Infatigavelmente ele enfiava perguntas nos
classificadores, comparando as respostas. Fórmula após fórmula escorregava das fendas
ejetoras. Os tradutores simultâneos davam suas instruções através dos alto-falantes.
Rhodan dialogava com o cérebro positrônico como se este fosse um ser vivo. Apresentava
suas perguntas, e recebia as informações desejadas. E, do ponto de vista positrônico, o
cérebro era de fato um ser vivo; afinal, era mais inteligente do que qualquer ser orgânico
existente no Universo.
Rhodan só se deu por satisfeito ao ter nas mãos o esquema simplificado dos circuitos
do transmissor, e ao ver confirmadas quase todas as suas suposições em relação à
competição charadística dos imortais. Agora sabia com certeza que se encontrava na pista
do maior segredo do Universo, e que não descansaria enquanto não o revelasse.
Na manhã seguinte, Crest condicionou um dos robôs-operários, cuja especialidade
era a positrônica. Seu raciocínio sintético foi reajustado para bases pentadimensionais. Por
conexão direta com o grande cérebro positrônico recebeu a instrução necessária. Dez
minutos após, o robô, construído segundo moldes arcônidas, transformara-se no mais
perito construtor de hipertransmissores de matéria do momento. Para ele seria brincadeira
consertar qualquer aparelho, mesmo os avariados de propósito.
Rhodan aguardou a tarde antes de voltar para Thorta. Esperara receber alguma
notícia do sargento Groll, porém o caça espacial não se manifestara. Mas a falta de notícias
não constituía motivo para preocupação; no ardor da pesquisa, Lossos nem se lembraria de
enviar comunicações à base. O silêncio podia ser interpretado como sinal certo de que os
dois homens ainda não haviam deparado com vestígio algum da desaparecida raça imortal.
A guarda pessoal de Thort não disfarçou seu assombro ao ver Rhodan, Crest e Bell
desembarcar do hipertransmissor no Palácio Vermelho em companhia do robô. Jamais
haviam visto semelhante reprodução metálica da figura humana.
No subterrâneo tudo continuava no mesmo. Supervisionado por seus donos, o robô
pôs-se ao trabalho imediatamente. Em poucos instantes expôs as entranhas funcionantes do
hipertransmissor. Em circunstâncias normais, Rhodan desanimaria diante da barafunda de
mini-instrumentos eletrônicos e condutos de plástico; no entanto, sabendo-se amparado
pelos incomensuráveis conhecimentos do cérebro positrônico, incorporados no robô,
manteve-se sereno e confiante.
— Será que ele vai conseguir? — sussurrou Bell, em voz apenas audível, como se
receasse ser ouvido pelos próprios proponentes do grande enigma. — E se ele der com os
burros n’água?
— Não acha preferível calar a boca? — observou Rhodan, secamente.
Ofendido, Bell afastou-se, enquanto Crest presenciava tudo com seu imutável sorriso
compreensivo. Inalterado e tranqüilo, o robô desfazia os contatos errados, refazendo-os na
ordem correta.
Os minutos foram passando, estendendo-se por uma hora que parecia eterna.
Por fim, com um gesto que bem poderia ser interpretado como de satisfação, o robô
recolocou a tampa magnética sobre o mecanismo interno do hipertransmissor e endireitou-
se. Com voz inexpressiva, anunciou:
— O hipertransmissor está pronto para funcionar.
Rhodan deu um suspiro de contentamento. Com um olhar de relance a Bell, bateu
amistosamente no frio ombro metálico do robô, que saía da cabina. Voltando-se para
Crest, pronunciou uma única palavra:
— Quando?
Com um gesto da mão, o arcônida indicou sua indecisão.
— É justamente o que eu me perguntava o tempo todo, Perry. Talvez só amanhã... O
grupo disposto a enfrentar tal risco deve ser muito bem organizado. Podemos ir parar num
hipertransmissor cuja parte receptiva esteja em ordem, mas cujo transmissor tenha sido
avariado de forma idêntica à deste aqui. Parece-me imprescindível levar o robô. E não
poderemos dispensar um médico; sendo especialista, o Dr. Haggard seria o mais indicado.
— Necessitaremos de Anne Sloane e John Marshall entre os mutantes — acrescentou
Rhodan, pensativo.
— Exato, isso cobrirá todas as eventualidades. O salto para o desconhecido nos
levará à próxima tarefa, e espero que sejamos capazes de realizá-la.
Com os olhos presos ao chão, Crest apresentava aspecto profundamente meditativo.
— Há momentos em que nutro sérias dúvidas, Perry. Não seria temerário querer
descobrir os segredos de uma grande raça?
— Não estamos fazendo nada proibido — observou Rhodan. — Eles nos deixaram
uma pista, para que os seguíssemos.
— Teoria sua, Perry. Não podemos saber se corresponde à realidade. Pessoalmente,
acho que colocamos nossas vidas em jogo tentando seguir essa pista.
— Pois minha opinião é diametralmente oposta, assim como a do cérebro
positrônico. Ou acha mais conveniente procurar o desaparecido planeta da vida eterna
através do Universo, sem o menor ponto de referência? Ele pode estar em todo lugar, e em
lugar nenhum.
— Às vezes chego a pensar que seria melhor cancelar definitivamente o plano de
procurá-lo — murmurou Crest.
Observação que fez Bell recuperar o ânimo. De jeito nenhum ia continuar escutando
passivamente aquilo tudo. Além disso, sabia que desta vez contava com o apoio de
Rhodan.
— Crest, não entendo você! — exclamou, em tom de reprovação. — Quem jogaria
fora a oportunidade de vir a se tornar imortal? Os desconhecidos recompensam com a
imortalidade a solução do enigma. Basta decifrá-lo, e seremos imortais.
— Suposições e mais suposições, meu caro — replicou Crest, mansamente. —
Concordo que mesmo nossa expedição iniciada em Árcon se baseava em suposições e
crônicas antigas. Elas afirmavam a existência desse planeta, mas isso foi há dez mil anos.
— Ótimo! — interveio Rhodan. — É justamente isto que comprova a veracidade da
teoria. Tivemos a prova concreta de que há dez mil anos existiu neste sistema uma raça
desconhecida, que, segundo eles próprios afirmavam, vivia mais do que o sol. Ora,
segundo os padrões humanos, isso corresponde à imortalidade. Esta raça é a mesma que
habitava seu planeta da vida eterna. Está aí o início da pista. E o verdadeiro objetivo de sua
expedição, Crest, era segui-la.
O arcônida concordou com certa reticência.
— Claro, claro, tem toda a razão, Rhodan. Desculpe minha hesitação e meus contra-
argumentos. Você vai depressa demais, e às vezes é custoso acompanhar seu ritmo. Apesar
de raciocinarmos depressa, nós, arcônidas, agimos bem mais devagar...
— Tão devagar que seu Império foi para o beleléu — observou Bell, com brutal
franqueza.
O sorriso de Crest se apagou, porém em seus olhos ainda se lia algo como
condescendência e compreensão, ao responder:
— Amanhã, então? Bem, estou de acordo. Teremos ainda uma boa noite de repouso
para nos fortalecer. É bom ver que nossas opiniões são iguais. Vamos embora?
***
***
***
Por alguns segundos, que lhe pareceram eternos, Groll ficou olhando para a boca da
arma desconhecida. Esqueceu até a existência de Lossos, parado logo atrás dele, em
completa imobilidade. Só via à sua frente o vulto ameaçador do desconhecido, agora
transformado em adversário e guarda do labirinto.
O vulto hesitou, o que foi sua perdição.
Os olhos do ferrônio ajustaram-se mais rapidamente à repentina claridade do que os
do terrano. Enquanto Groll só enxergava a arma, Lossos já distinguira o que estava por trás
dela.
— É um tópsida! — sibilou, apavorado. — Atire, depressa!
E simultaneamente o ferrônio se atirou no chão.
Groll não saberia explicar, posteriormente, como é que a arma passara tão
rapidamente do cinto para sua mão. Devia ter sido a palavra “tópsida” que o levara a agir
instintivamente, com a rapidez do raio. O ser antes desconhecido revelava-se um inimigo
mortal.
Os tópsidas! Os reptilóides dotados de inteligência, vindos de um sistema solar a
mais de oitocentos anos-luz de distância, por terem captado os sinais de socorro do
cruzador arcônida acidentado na lua terrestre há anos. No entanto, tinham calculado mal as
coordenadas espaciais, indo dar no sistema Vega, onde toparam com violenta reação por
parte dos ferrônios. Mas só com a intervenção de Rhodan a invasão pudera ser finalmente
repelida.
E agora deparavam com um tópsida na lua externa do décimo terceiro planeta!
Groll repassava aqueles fatos na memória enquanto caía ao solo. Antes de tocar o
chão, calcou o disparador. Viu a ofuscante seta energética se lançar contra o vulto
indistinto, e fechou os olhos, feridos pela excessiva luminosidade.
Também o tópsida reconhecera o perigo. Hesitara, por motivos inexplicáveis,
durante mais alguns segundos. E só por isso é que Groll e Lossos estavam vivos agora.
O reptilóide abrira fogo ao mesmo tempo que Groll, porém suas reações haviam sido
mais lentas. Enquanto o terrano mirava num alvo relativamente fixo, o tópsida apontava
para um adversário que já mudara de lugar. O feixe energético de sua arma assobiou por
cima dos dois homens estendidos, perdendo-se nas trevas do fundo do túnel. Logo após, o
mesmo feixe executou um tonto e descoordenado bailado de morte, e apagou-se.
Groll tirou o dedo do disparador e abriu os olhos. A enorme sombra sumira; em seu
lugar, ardia no chão um montinho de algo semelhante a cinza, que logo desapareceu,
desprendendo espessas nuvens de fumaça. As luzes da peça vizinha lhe pareciam agora
mais fracas e mortiças; o que, no entanto, era mera ilusão. Seus olhos ainda afetados pelos
fulgurantes lampejos energéticos precisavam adaptar-se novamente a condições normais.
Lossos ergueu-se penosamente.
— Um tópsida! Que será que fazia um tópsida aqui?
Groll era, certamente, a pessoa menos indicada para fornecer-lhe resposta. Segundo
lhe haviam informado, os invasores tinham sido expulsos do sistema.
— Algum sobrevivente das batalhas espaciais, quem sabe, que encontrou refúgio
aqui. Mas neste caso, teríamos que achar em algum lugar seu bote salva-vidas. Talvez
fosse esse o motivo de sua hesitação. Na certa esperava que o socorrêssemos.
O ferrônio ajudou Groll a se levantar igualmente.
— Será que era o único?
Groll deu de ombros. Como ia saber? De qualquer forma preferiu conservar a arma
na mão ao prosseguir. O túnel acabava dez metros adiante. Tendo-os percorrido, os dois
homens se viram diante de um fabuloso complexo tecnológico, totalmente
incompreensível para eles.
Toda uma parede da sala baixa, porém muito longa, estava recoberta de telas
opalescentes. Transistores da altura de um homem alternavam com blocos maciços de
metal acobreado, unidos uns aos outros mediante ligações prateadas. De permeio, globos
negros providos de antenas pontudas. O extremo da peça consistia num gigantesco painel
de controle. A abundância de botões, chaves e luzes de controle tornava o conjunto ainda
mais intrigante.
— Que é isso? — gemeu Groll, que aguardava coisa bem diferente. Nem ele próprio
sabia o que esperava encontrar, no entanto. Apesar de completamente desarvorado, Lossos
disse:
— Uma central técnica dos imortais! Que mais poderia ser?
Depois de observar por momentos o ininteligível conjunto de instalações misteriosas,
Groll tomou sua decisão:
— Temos que voltar imediatamente a Ferrol, a fim de informar Rhodan sobre isso.
Só ele e os arcônidas, com seus conhecimentos, serão capazes de compreender a finalidade
e a utilidade deste equipamento. Venha, Lossos, os segundos perdidos jamais poderão ser
recuperados.
O ferrônio prosseguira, detendo-se diante da primeira tecla. Parecia procurar em vão
os botões reguladores.
— Deixe disso! — exclamou Groll, severamente. — Poderia causar tremenda
catástrofe mexendo em tecnologia que desconhece. Venha, não podemos desperdiçar
tempo.
Com grande relutância o cientista se desprendeu das maravilhas de um inconcebível
passado. Pois não havia a menor dúvida de que aquelas instalações eram anteriores à
espaçonáutica ferrônia.
— Deve ser o que Rhodan procura — murmurou ele. — Tem razão, sargento, vamos
embora.
Assim que passaram pelo local onde se encontrava a parede, marcado por um
encaixe, as luzes da sala se apagaram. As misteriosas instalações mergulharam nas trevas.
Groll acendeu precipitadamente seu holofote portátil; a repentina escuridão lhe clava
arrepios.
Segundos depois do apagar das luzes, a parede divisória tornou a descer
vagarosamente, isolando a sala do mundo exterior.
Calados, os dois homens refizeram o percurso anteriormente percorrido. Muito ao
longe, sob a forma de um orifício claro ovalado, avistavam a claridade do dia. Em breve
voltavam à brilhante luz de Vega.
Groll estremeceu repentinamente. Nem mesmo seu quente macacão espacial
conseguia protegê-lo daquele frio. Um frio que não tinha causas físicas. Pois só então se
conscientizou de que matara um ser vivo, apesar do fato ter ocorrido há mais de meia hora.
Começou a recriminar-se por sua precipitação. Afinal, aquele tópsida podia ser um
náufrago do espaço, com direito a auxílio e proteção, conforme mandavam as leis
interestelares. Porém logo reformulou seu modo de pensar. O tópsida não morrera de arma
na mão?
Lossos afastara-se um pouco, a fim de ir olhar a pirâmide. Com os olhos
semicerrados, estudava a inscrição. A semelhança com os símbolos que Rhodan mandara
decifrar no cérebro positrônico era indubitável.
— Eis a prova de que nos encontramos na pista certa, sargento! Agora não me
oponho a decolar o quanto antes, e voltar para Ferrol.
Groll não respondeu. Compreendia a euforia do ferrônio; porém, estranhamente, não
conseguia compartilhar de seu entusiasmo. No entanto, deveria sentir-se satisfeito por ter
podido prestar um favor a Rhodan...
“Bem, esperemos até saber o que diz a inscrição na pirâmide”, pensou intimamente.
O filme já revelado encontrava-se no seu bolso. A imagem era nítida e clara.
Em silêncio, os dois homens dirigiram-se para o caça espacial. A fechadura não fora
tocada. Embarcaram na apertada cabina e fecharam a portinhola. Dez segundos depois, a
paisagem rochosa foi ficando para trás.
Lossos emitiu de repente uma exclamação de surpresa, apontando para baixo, através
da escotilha.
— Olhe, sargento! Perto daquele rochedo isolado! Algo cintilando ao sol!
Fazendo uma curva fechada, Groll fez o caça baixar novamente. E identificaram logo
o objeto brilhante, quando voaram por cima dele. Eram os destroços camuflados de um
minúsculo bote salva-vidas espacial, do tipo usado em emergências por náufragos, no
âmbito de um sistema solar.
— Portanto, aquele tópsida era o único por estas bandas! — constatou Groll,
objetivamente. Porém, em pensamento, acrescentou: “O último neste sistema, e eu acabei
com ele...”
Depois acelerou, e o esguio aparelho disparou para o alto, mergulhando no
firmamento escuro do cosmo.
***
Trevas!
E no meio delas, redemoinhos de cores cintilantes e vivos relâmpagos. Dores
repuxantes em todos os músculos. Queda interminável no espaço sem fim. Terrível solidão
dentro da eternidade. Nem frio, nem calor — apenas nada.
Mas do nada, algo começava a emergir: a consciência.
Tempo? Perdera toda a significação; era um abstrato absoluto. Segundos... anos...
milhões de anos...
Distâncias? Já não existiam. Quilômetros... anos-luz... bilhões de anos-luz...
E de repente, o presente outra vez!
Rhodan sentiu as dores diminuírem. Os olhos muito abertos enxergavam de novo.
Sentiu o chão firme debaixo dos pés. Seu corpo lhe pertencia novamente. Podia ouvir,
também. E escutou a voz rouca de Bell:
— Conseguimos! A arca! Perry, voltamos para a arca!
Rhodan viu então, igualmente. Através das grades do hipertransmissor tão
conhecido, reconheceu o salão subterrâneo de Thorta. Três de seus quatro mutantes
guardavam a entrada. Suas fisionomias revelavam evidente surpresa.
Sem saber por quê, Rhodan olhou para seu relógio. Tinham se demorado por quase
quatro horas na misteriosa sala de máquinas. E, no entanto, parecera-lhe uma eternidade.
Rhodan abriu a porta do hipertransmissor. O africano Ras Tshubai veio ao seu
encontro.
— Já, senhor?
Estranhando a pergunta, Rhodan replicou:
— Já? Que quer dizer?
— Ora, o senhor esteve ausente por menos de cinco minutos!
Rhodan encarou firmemente o africano, procurando ocultar sua perturbação. Com
voz firme, disse:
— Comparar relógios, Ras!
— Exatamente 10:30 h, hora normal da Terra, senhor — respondeu o telepata,
consultando seu relógio de pulso.
Rhodan ergueu devagar o braço, a fim de olhar para seu cronômetro. Mas poderia ter
dispensado o gesto. Os ponteiros marcavam 14:25 h.
— Mal vocês sumiram — contou Ras — apareceu de volta o robô; teleportou-se com
o hipertransmissor para a base, retornando três ou quatro minutos depois com Betty.
Não faz um minuto que ele entrou na arca com Betty.
O restante do grupo também havia deixado o hipertransmissor. A não ser Crest,
ninguém entendia aquela discussão. Será que agora o tempo ficara biruta também? Podiam
ter vivido fisicamente quatro horas em pouco mais de cinco minutos?
Uma amostra, um prenúncio da imortalidade?
Anne Sloane lançou repentinamente um grito aterrado. Fora a última a sair do
hipertransmissor, junto com Marshall, e olhara casualmente para cima. E vira aquilo.
E quem não via, ouvia.
Junto ao teto flutuava uma pequena esfera luminosa. Seu diâmetro não ultrapassava
os dez centímetros. Pulsava de maneira lenta e regular. E a cada pulsação emitia batidas,
como o gongo da sala de máquinas que acabavam de deixar. Batidas surdas e cavas.
Rhodan voltara-se rapidamente ao ouvir o grito de Anne. Quando avistou a esfera,
estarreceu.
A luz?
A mensagem falara de uma luz, que só encontrariam caso pudessem voltar. Pois
bem, tinham voltado! Aquela bola luminosa devia ser a tal luz. Mas o que significaria?
A esfera brilhava como se estivesse em fogo. Com infinita lentidão, começou a
descer. Rhodan adivinhou instintivamente que também naquele fenômeno devia existir um
limite de tempo. Pois até então os imortais tinham adotado sempre o princípio de
determinar prazo para a execução de cada tarefa.
Os cabelos de Bell tornaram a entrar em desordem. As cerdas avermelhadas
refletiam o cintilante brilho da esfera, e por um momento a cabeça de Bell pareceu arder.
Porém Rhodan dispensou apenas alguns instantes de atenção à estranha cena, depois
perguntou a Betty:
— Você está ouvindo alguma coisa? Talvez se trate de uma mensagem telepática. E
você, Marshall?
Ambos os mutantes sacudiram a cabeça.
A não ser pelas batidas do gongo, a esfera permanecia muda.
Crest fitava-a, intrigado.
— É formada por energia, sem a menor dúvida. No entanto, não acredito que ela
exista agora e aqui. Arde, mas não irradia calor. Luz fria.
Bell foi obrigado a dar um passo para o lado, pois a bola descera tanto que ameaçava
pousar-lhe sobre a cabeça. E as misteriosas batidas surdas do gongo não acabavam! Todos
os presentes, sem exceção, não conseguiam afastar os olhos da misteriosa esfera que lhes
apresentava novo enigma. Parecia ter incorporado todos os terrores da sala de máquinas da
qual tinham conseguido se safar.
Rhodan dirigiu-se a Anne Sloane:
— Será que consegue segurar ou controlar a esfera?
A telecineta tentou, porém desta vez sua capacidade se revelou inútil. Sem reagir aos
esforços, a bola descia mais e mais, pulsando intrigantemente, e emitindo as monótonas
batidas de gongo. Cavas e fúnebres, elas pareciam anunciar o irremediável mergulho dos
preciosos segundos no mar da eternidade.
Pairava agora junto ao rosto de Bell, que se recusava a ceder um milímetro de terreno
que fosse; não se afastaria mais um só passo. Mantinha os olhos quase fechados, a fim de
resistir ao brilho que emanava da esfera. Apesar de estar a menos de vinte centímetros
dela, não sentia calor algum. Em troca, viu alguma coisa. Foi o primeiro a avistá-la, talvez
por se encontrar tão perto da misteriosa bola. Um objeto escuro e alongado, aninhado
dentro dela. Incoerentemente, Bell se lembrou de um organismo unicelular visto através do
microscópio; sim, era àquilo que a cena se assemelhava: uma massa transparente circular,
com uma mancha escura no meio.
A mancha escura devia medir uns cinco centímetros de comprimento.
Antes que Rhodan, ou qualquer dos outros, percebesse suas intenções, Bell já entrara
em ação. Deixando de lado qualquer hesitação, enfiou a mão na massa luminosa, para
apanhar o objeto escuro, firmemente convencido de que se tratava da esperada mensagem.
Conclusão bastante lógica, pois tinham-lhes anunciado a vinda da luz, e aquela esfera era
luz, fria e sob forma redonda. Continha algo escuro, que só podia ser uma cápsula. A
mensagem, evidentemente. A próxima tarefa.
Seus pensamentos foram bruscamente interrompidos.
Mal encostou a ponta dos dedos na periferia da bola luminosa, curtos raios luminosos
saltaram dela, entrando pelas mãos de Bell. Espantado, Rhodan viu os cabelos do amigo
irradiar luz. As cerdas eriçadas imitavam direitinho uma aurora boreal.
Seu berreiro apavorado deixava adivinhar que não se sentia muito bem no papel que
representava. Recolhendo apressadamente a mão, ficou pulando feito doído de um lugar a
outro. Agitava os braços, como querendo sacudir para fora do corpo toda aquela
eletricidade.
Imperturbavelmente a bola continuava a descer; flutuava agora a apenas meio metro
do chão. Rhodan receava uma catástrofe, caso tocasse nele; mesmo que desaparecesse
simplesmente, seria um contratempo. Pois vira também a cápsula escura que Bell tentara
agarrar.
Betty Toufry substituiu Anne Sloane nas tentativas de deter a esfera por telecinésia.
Porém concentrava-se em especial na cápsula, por supor que esta se encontrasse no
presente, em espaço tridimensional. Mas não tardou a constatar que também não conseguia
nada. Inexoravelmente a bola se aproximava do chão.
Bell, já mais calmo, olhava para a esfera, carrancudo, como se ela fosse algum
adversário pessoal.
— Puxa, que susto ela me pregou! Parecia tão amistosa no começo...
— Que quer dizer com amistosa? — indagou Rhodan, interessado.
— Amistosa, sim — confirmou Bell. — Os choques elétricos vieram depois.
Primeiro senti só um toque, uma leve apalpadela. Como se uma corrente muito fraca
passasse da bola para meus dedos; deu uma voltinha pelo meu corpo e voltou para a esfera.
Aí começaram os fogos de artifício. Até que não doeu, para ser franco. Com o tempo, a
gente poderia se habituar.
— Ah, é? — fez Rhodan, vendo a esfera descer abaixo da marca de um metro. Uma
apalpadela? Sim, pode ter sido isso, talvez.... Vai ver que você não lhe agradou.
— Talvez você lhe agrade, então! — resmungou Bell, amolado. Mas logo se mostrou
também pensativo. Um rápido olhar para a expressão do rosto de Rhodan fê-lo voltar
novamente sua atenção para a esfera. — Caso ambos pensemos a mesma coisa, Perry, seria
mais do que tempo de...
Rhodan acenou. O risco não era muito grande, já que Bell não sofrera nenhum dano
grave por ter tocado na misteriosa aparição. Os desconhecidos que a haviam enviado não
eram mal-intencionados. Apenas gozadores de marca... No entanto, apesar de brincar com
as vidas de seus eventuais sucessores, jamais os ameaçavam de maneira direta e imediata.
Bem, Bell passara pela prova sem prejuízo maior; portanto ele podia fazer
igualmente uma tentativa. Aviso não lhe faltara. Por outro lado, a menção de Bell a
“apalpadelas” era um indício que não podia ser desprezado. Talvez seu amigo não
possuísse a estrutura mental exigida.
A bola chegara a oitenta centímetros do piso quando Rhodan se decidiu; abaixando-
se, enfiou a mão na massa luminosa. Sentiu imediatamente a débil corrente elétrica
invadir-lhe o corpo. Não houve raios, no entanto; fato que deixou Bell um tanto
aborrecido, mas, ao mesmo tempo, satisfeito.
Rhodan constatou que a luz era de fato fria. Já não percebia o fluxo elétrico. Não
sentia nada. Porém seus dedos tocaram em algo duro e material. A cápsula — se é que se
tratava mesmo duma cápsula — era evidentemente de natureza tridimensional. Rhodan
não teve dificuldade em segurá-la entre o polegar e o indicador. Era fria, sem ser fria
demais. E nem procurou fugir-lhe. Rhodan puxou-a para fora sem que nada impedisse.
Era uma cápsula metálica, com cinco centímetros de comprimento, e um de
espessura. A mensagem da luz!
Agora que tinha a cápsula em seu poder, Rhodan recuperara a serenidade. Afastando-
se da esfera, recomendou:
— Acho melhor sairmos da arca, pessoal; vamos ficar observando, lá da entrada, o
que acontecerá com a bola. O gongo já se calou.
Era a única alteração perceptível. No mais, continuava tudo na mesma. A esfera
brilhava, continuava a descer vagarosamente, tocando por fim o chão liso e duro de pedra.
Tensos e expectantes, Rhodan e os companheiros observavam da entrada do salão
subterrâneo.
A esfera afundava no chão! Passou através dele como se não existisse, mergulhando
pedra a dentro com a mesma regularidade com que se vinha deslocando no ar. Era agora
apenas um hemisfério luminoso, diminuindo mais e mais. O processo lembrava um pôr de
sol no oceano.
O último reflexo luminoso se apagou. A esfera desaparecera.
— Fantástico! — murmurou Crest, visivelmente impressionado. — Ela retornou à
sua dimensão. Se você não tivesse agarrado a cápsula a tempo, ela teria sumido junto com
a esfera.
— Isso mesmo — confirmou Rhodan. — E com ela, a solução da charada galáctica;
ou pelo menos parte dela.
— Acha que continua?
Rhodan deu de ombros.
— Talvez o cérebro positrônico nos responda esta pergunta. Venham!
Ao sair, Rhodan desligou o gerador que mantinha a arca no presente. Ela
desapareceu assim que o leve zumbido do aparelho cessou, como se jamais tivesse
existido.
As arcadas subterrâneas jaziam vazias e desertas.
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