Pereira, D.L.T
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1 author:
Sara Garcês
University of Coimbra
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FICHA TÉCNICA
ISSN: 2182-9985
TECHNE é uma revista de carácter monográfico, subordinada a um tema geral definido para
cada volume, com uma periodicidade mínima de 1 volume/ano. A revista oferece acesso livre
imediato ao seu conteúdo, seguindo o princípio de que disponibilizar gratuitamente o
conhecimento científico ao público proporciona um maior progresso do conhecimento.
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Portugal
MAÇÃO, 2018
| Techne 4 (1) |
XIV JIAP
Edição:
Sara Garcês
Organização
Co-Organização
MAÇÃO, 2018
TECHNE 4 (1)
Editorial
This volume of Téchné includes 9 papers presented on occasion of the 14th edition of the Iberian-
American Journeys on Archaeology and Heritage (JIAP), in 2018.
Initiated back in 2007, the JIAP gatherings are a moment for researchers involved in the
transatlantic studies animated by ITM and partners (namely the Polytechnic Institute of Tomar,
the Quaternary cluster of the Geosciences Centre of Coimbra University and several Brazilian
entities) to meet and present the progress of investigations which attempt to benefit from the
intersection of European and American epistemological approaches. The Federal University of
Santa Maria, the School of Advocacy of the Lawyers Bar, the Institute Documento and the
Espaço Arqueologia company were the main Brazilian partners in this edition.
Dilemmas and concerns on conservation are discussed in the papers by André Soares and Luís
Barone. Methodological contributions are discussed in the papers by Cristóvão et al., Rita
Anastácio and Jedson Cerezer et. al. The papers by David Pereira et al., Neide Barrocá Faccio
and Raul Novasco et al., deal with settlement patterns. Rock art is the theme of the research
presented by Leonardo Paéz.
The XVth JIAP will meet again in March 2019, in Mação, Portugal.
Este volume da Téchné inclui 9 artigos apresentados por ocasião da XIV edição das Jornadas Ibero-
Americanas em Arqueologia e Património (JIAP) em 2018.
Iniciados em 2007, os encontros da JIAP são um momento para os investigadores envolvidos nos estudos
transatlânticos, animados pelo ITM e parceiros (nomeadamente o Instituto Politécnico de Tomar, o Centro
de Geociências da Universidade de Coimbra e várias entidades brasileiras), conhecerem e apresentarem o
progresso de investigações que tentam beneficiar da interseção de abordagens epistemológicas europeias e
americanas. A Universidade Federal de Santa Maria, a Escola de Advocacia da Ordem dos Advogados, o
Instituto "Documento" e a empresa "Espaço Arqueologia", foram os principais parceiros brasileiros nesta
edição.
Dilemas e preocupações com a conservação são discutidos nos trabalhos de André Soares e Luís Barone.
Contribuições metodológicas são discutidas nos trabalhos de Cristóvão et al., Rita Anastácio e Jedson
Cerezer et al. Os trabalhos de David Pereira et al., Neide Barrocá Faccio e Raul Novasco et al., tratam dos
padrões de assentamento. A arte rupestre é o tema da pesquisa apresentada por Leonardo Paéz.
O XV JIAP reune novamente em março de 2019, em Mação, Portugal.
ÍNDICE
Arte rupestre del área Noroccidental de la cuenca del lago de Valencia. Un acercamiento
31-42 desde la arqueología, la etnohistoria y la etnografía
Leonardo Páez
Aplicação de técnicas e métodos de registro e cadastro de sítios com arte-rupestre na região dos
Campos Gerais, estado do Paraná, Brasil
83-91
Jedson Francisco Cerezer, Valdir Luiz Schwengber, Douglas Gonçalves Pereira,
Raul Viana Novasco
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eISSN: 2182-9985
negócios da elite comercial fluminense (Prado, 2003, p. 79). atravessando o Rio Pelotas, indo até Lages, Campos
dos Curitibanos, cruzando os rios Negro e Iguaçu,
Com a expansão em direção ao rio da Prata e a até os Campos onde posteriormente foi instalado o
localização de rebanhos de gado e cavalo (Vacaria Registro de Curitiba, último ponto antes da feira de
do Mar), remanescentes da primeira fase das Sorocaba1.
reduções (1626-1641), outras capitanias passaram a Em 1737, temos a fundação do Rio Grande, sendo
se interessar pela área, além do que a abertura do que a partir do forte Jesus-Maria-José, temos a
Caminho de Laguna a Sacramento (1726) e comandância do Presídio, denominação dada à
posteriormente a ligação com São Paulo povoação surgida ao redor do forte Jesus-Maria-
viabilizaram o deslocamento para a região. José e subordinada ao comandante da fortaleza.
(Laytano, 1983). (Fortes, 1981, p. 51). Assim, gradativamente, a coroa
Nesse período os povoados do litoral catarinense portuguesa foi garantindo suas possessões na
serviram de apoio aos deslocamentos até a Colônia do região, sendo o passo seguinte a criação de
Sacramento. Em 1684, temos a fundação de Laguna, que freguesias e implantação da máquina burocrática.
contribuiu de forma relevante para a conquista de terras no Rio Aos poucos, os luso-brasileiros foram se
Grande do Sul. No lado castelhano temos no período de 1682 a expandindo, de leste para oeste e, em 1752, já
1768, o retorno dos jesuítas a região do Tape, vindo a formar os estavam localizados na confluência dos rios Jacuí e
Sete Povos das Missões, com o intuito de defender a fronteira Pardo, fundando o regimento de Dragões Jesus
espanhola no rio da Prata. (Quevedo, 2003). Maria José de Rio Pardo, conhecido como
tranqueira invicta do Rio Grande do Sul (Quevedo,
A descoberta de ouro na região de Minas Gerais, 2003, p.32).
depois em Goiás e Mato Grosso durante o século Com a chegada dos casais dos Açores em 1750
XVIII, engendrou grandes mudanças na colônia e (cerca de 400) e sua instalação em áreas próximas ao
na sua relação com a metrópole, que buscou litoral, estabeleceram pequenas povoações (Torres,
mecanismos para centralizar o poder. Por outro Mostardas, Estreito e Gravataí). Outros foram
lado, a distância das minas em relação ao litoral, acomodados ao longo do rio Jacuí e Taquari (Porto
necessitava do transporte realizado pelas mulas, Alegre, Santo Amaro, Taquari, etc.) (Fortes, 1981).
além do que o gado, a carne e o leite, serviam de
Não sabemos como os açorianos sobreviveram nos
complemento à alimentação dos mineiros. primeiros tempos, reconhece a professora Helen Osório, que
Inicialmente o gado foi deslocado da região pesquisou a distribuição de terras no início da colonização
nordeste e, posteriormente, os paulistas passaram a portuguesa, no Rio Grande do Sul. As poucas referências que
capturar o gado que vivia nas planícies do Rio encontrou em documentos foram manifestações da Câmara de
Grande do Sul, sendo comercializado nas feiras de Viamão a respeito do grande número de casais e da falta de
Sorocaba, despertando o interesse na ocupação do terras para acomodá-los. Deram bexigas nos casais que foram
Rio Grande do Sul. Em 1725 já temos o para Viamão e têm morrido muitas crianças, diz Gomes Freire,
estabelecimento do tropeiro João de Magalhães, governador do Rio de Janeiro, numa carta de 1753, ano em que
sendo que em 1732, foi doada a primeira sesmaria a maior parte dos casais desembarcou em Rio Grande. Eles
(Manoel Gonçalves Ribeiro). deveriam seguir para as Missões, mas o fracasso do Tratado de
O “Caminho das Tropas” passou por uma série de Madri obrigou o governo a distribuí-los para Viamão e Porto
modificações, sendo que primeiramente, o Alegre e daí, nos anos seguintes, para Santo Amaro e Rio
deslocamento se dava pela Praia. Em 1728 foi Pardo, onde ficaram dispersos, vivendo em choças sem
aberto o Caminho dos Conventos (Souza Farias) receberem as terras prometidas (Bones, 1998, p.86).
saindo de Araranguá, penetrando nos Campos de
Cima da Serra até chegar em Curitiba, e, finalmente Nesse período, buscando resolver a questão das
em Sorocaba. Este traçado foi modificado a partir fronteiras entre as Coroas Ibéricas, foi assinado o
de 1730, quando Cristóvão de Abreu, utilizou os tratado de Madrid (1750), que determinava que
Campos de Viamão (Registro de Santo Antônio da Portugal entregasse à Espanha a Colônia de
Patrulha-RS), rumando ao norte até chegar aos Sacramento e a Espanha entregaria a Portugal a
Campos de Vacarias (Registro de Santa Vitória), região dos Sete Povos das Missões. Tal acordo não
1 http://cipa.icomos.org/fileadmin/papers/olinda/99c507.pdf
Soares | Techne 4 (2018) 1-7 3
foi concretizado em função da resistência dos Povos, ficando o Rio Grande do Sul com os
indígenas em defender suas terras, resultando no contornos atuais.
que ficou conhecido como Guerra Guaranítica Rebaixada da condição de sede à distrito, Santo
(1754-1756). Com o início dos trabalhos de Amaro foi paulatinamente abandonada e manteve
demarcação da fronteira meridional entre Portugal seu traçado original do século XVIII, com catorze
(general Gomes Freire de Andrade) e Espanha prédios tombados como patrimônio histórico, além
(marquês de Valdelírios) a partir de 1752, acirraram- da praça principal e do traçado urbano preservado.
se os ânimos, quando a comissão demarcadora Em 2005 o Centro de Ensino e Pesquisas
aproximou-se das áreas de influência das reduções Arqueológicas – CEPA da Universidade de Santa
jesuíticas. Frente à animosidade dos “tapes” a Cruz do Sul, em contato com o Núcleo de Estudos
comissão suspendeu os trabalhos, recolhendo-se do Patrimônio e Memória – NEP, da Universidade
Gomes Freire de Andrade a Rio Pardo, onde já Federal de Santa Maria – UFSM, realizam projeto
havia ordenado em fins de 1751 a construção de conjunto dentro das obras de restauração da Igreja
dois grandes depósitos para munição e víveres em Matriz, datada de 1778. As escavações ocorreram
Rio Pardo e Santo Amaro (Rodrigues apud juntamente com o levantamento do patrimônio
Antunes, 1994, p.17). cultural eleito pela comunidade, bem como um
O interesse em que servisse como ponto estratégico projeto de médio prazo de valorização dos bens
para dar cobertura militar à Colônia do S. culturais do local, materiais e imateriais, e as
Sacramento levou a Coroa portuguesa a criar, em dificuldades enfrentadas pelo local na preservação
1760, a capitania do Rio Grande de São Pedro, do próprio patrimônio.
vinculada ao Rio de Janeiro. A capitania teve
inicialmente três sedes: Viamão, Rio Pardo, e a O desenvolvimento do projeto
partir de 1772, Porto Alegre (Quevedo, 2003, p.33). Uma das atividades que o NEP – UFSM desenvolve
Em substituição ao tratado de Madrid, foi assinado é a socialização do conhecimento, mormente
em 1761 o Tratado de El Pardo, anulando as através de atividades designadas como Educação
transferências de territórios acordadas no tratado Patrimonial. Porém a socialização compreende
de Madrid, sendo que a partir de 1762, o capacitar os diferentes públicos alvos a respeito dos
governador de Buenos Aires, D. Pedro de Cevallos, processos de identificação, valorização, proteção e
invadiu a Colônia de S. Sacramento, e na seqüência divulgação do patrimônio cultural local. Neste
(1763) atacou Rio Grande, que permaneceu até 1776 sentido, dois pontos devem ser destacados.
sob o domínio Espanhol, estando dessa forma à Considerando a Educação Patrimonial (EP) como
capitania alijada de seu acesso ao mar. uma metodologia, vamos nos ater aqui a dois
O comandante da praça de Rio Grande, o governador elementos fundamentais: 1º - o objetivo é a
coronel Sena Madureira, conseguira transferir a sede do valorização do patrimônio LOCAL. Isso implica, em
governo para a Capela Grande de Viamão. Nesta povoação um ato contínuo, o (re) conhecimento dos bens
permaneceu o governo até 1773, quando, já sendo governador culturais considerados relevantes para a
o coronel José Marcelino de Figueiredo, este o transferiu comunidade em questão; 2º - observar que as ações
novamente, mas, desta vez para São Francisco do Porto dos educativas têm caráter político, no sentido de
Casais, que logo recebeu o nome de Porto Alegre (Fortes, 1981, emponderamento dos grupos subalternos aos quais
p.69). os bens culturais não foram ou não têm a
Em 1777, temos a assinatura do tratado de Santo valorização apropriada.
Ildefonso, onde foi acordada a devolução da Ilha de Não se trata de não observar a totalidade do
Santa Catarina e de Rio Grande ao domínio patrimônio. O levantamento dos patrimônios
Português, sendo que à Espanha foi entregue a culturais hoje se encontra a cargo de iniciativas do
Colônia de Sacramento e a região dos sete povos poder público ou da iniciativa privada que percebe
das missões. nos bens culturais uma fonte de renda e/ou
Em 1801 temos a incorporação das Missões pelos exploração econômica. A parte da obrigação que a
luso-brasileiros, a partir da ofensiva militar de União possui em registro, preservação e valorização
Manoel dos Santos Pedroso e José Borges do Canto. dos seus patrimônios, a ausência de recursos
No mesmo ano, o tratado de Badajoz, regulamenta somada ao despreparo dos cidadãos em definir
a posse de Portugal que recebeu a região dos Sete quais são os elementos de identificação cultural
4 Soares | Techne 4 (2018) 1-7
levam à condenação os bens culturais de diversas grupos minoritários, sejam migrantes, populações
cidades, sob forma de abandono, esquecimento ou rurais, ou mesmo povos originários, no que
depredação. concerne a valorização dos seus bens culturais.
Por outro lado, a determinação do que constitui o Basta ver a problemática indígena no que concerne
patrimônio de uma localidade ainda se encontra em aos direitos mínimos para uma pálida ideia disso.
fase incipiente, no qual o poder público ou a Em termos percentuais, não é necessário dizer que
legislação determina o que deve ser tombado ou os bens ligados à tríade branco – católico – militar
reconhecido como representativo das comunidades. excedem em centenas de vezes os bens ligados à
Embora a constituição tenha sofrido muitos matriz afro, aos povos originários ou migrantes,
acréscimos positivos, parte da população ainda tomados no todo ou em separado.
desconhece os mecanismos de reconhecimento de
identificação, registro e tombamento de bens Os problemas levantados
culturais, materiais ou imateriais. Mais das vezes, Destarte o repasse dos recursos do município serem
conscientemente ou não, continua se valorizando-se escassos a ponto de não haver estrada pavimentada
os bens da elite dominante. entre a sede e o distrito (e ainda por cima em mau
A política de preservação do patrimônio histórico e estado), existem problemas que impedem o
artístico se reduziu praticamente à política de preservação desenvolvimento tanto econômico quanto do bem
arquitetônica do monumento de pedra e cal. O levantamento estar da saúde da população. Vamos citar os três
sobre a origem social do monumento tombado indica tratar-se casos que nos chamam atenção pela falta de diálogo
de: a) monumento vinculado à experiência vitoriosa da etnia entre o poder público e a população.
branca; b) monumento vinculado à experiência vitoriosa da A caixa d’água localizada na praça, por exemplo,
religião católica; c) monumento vinculado à experiência não atende com água tratada a maioria da
vitoriosa do Estado (palácios, fortes, fóruns, etc.) e na sociedade população. Vários moradores afirmam que a
(sedes de grandes fazendas, sobrados urbanos, etc.) da elite qualidade da água que abastecesse os moradores é
política e econômica do país. (Falcão, 1984, p. 28). de qualidade duvidosa, obrigando-os a adquirir
filtros, de diversos tipos ou valores, para obter água
Dito de outra forma é relativamente fácil observar potável. Frente a isso a prefeitura iniciou o processo
que grande parte dos patrimônios do país, ou de de construção de nova caixa d’água, ao lado da
seus bens tombados, se constitui em representantes escola Rio Grande do Sul, a única do distrito, em
da etnia branca, católica ou militar, excluindo-se terreno cedido pela mesma. A construção, realizada
assim uma parcela significativa da população. Por com recursos do município, demorou mais de 2
outro lado, desde os povos originários até os povos anos até ser concluída, sendo uma estrutura de
escravizados no passado, cruzando por grupos concreto, ferro e cimento, para suportar a colocação
minoritários de imigrantes, excluídos, de uma caixa d’água que atendesse a parte mais
marginalizados ou periféricos, somente há pouco alta da cidade, onde encontra-se a praça e as casas
tempo tem sido alvo de ações de valorização dos do traçado urbano original. O ponto de divergência
seus bens culturais. Isto não chega a ser novidade. é que embora a necessidade de qualidade de vida, o
Porém, no que concerne à valorização, o papel do IPHAN não apenas não autorizou como solicitou a
NEP é, além de promover o reconhecimento e a demolição da estrutura da caixa d’água.
visibilidade aos grupos subalternos, é o de tomar A justificativa do superintendente à época (2007) foi
posição frente àqueles grupos que são que a construção da mesma iria interferir tanto no
sistematicamente excluídos do processo, conjunto arquitetônico da praça, alterando a
visualizando assim a Educação Patrimonial como volumetria, como estava sendo construído em área
processo de autovalorização das comunidades considerada tombada pelo patrimônio (figura 1).
invisibilizadas pela manutenção de um status quo O segundo caso de conflito e divergência foi a
de elites que preferem a continuidade do discurso instalação de um monumento em homenagem a
de “cadinho de culturas” como referia Gilberto imigração açoriana, também na praça, em área
Freyre. arqueologicamente irrelevante (pois havia sido
Embora esta aproximação pareça ter pouca relação escavada e não apresentado vestígios, além de ter
com a constituição patrimonial do país, como dito sido alterada em seu subsolo pela abertura de rua
acima, é muito recente a preocupação com os no local). A prefeitura, em alusão a efeméride de
Soares | Techne 4 (2018) 1-7 5
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eISSN: 2182-9985
Jorge Cristóvão*
Instituto Terra e Memória
Nelson Almeida**
Grupo Quaternário e Pré-História, Centro de Geociências (uI&D 73-FCT), Universidade de Coimbra
Instituto Politécnico de Tomar
Rita Anastácio***
Grupo Quaternário e Pré-História, Centro de Geociências (uI&D 73-FCT), Universidade de Coimbra
Instituto Politécnico de Tomar
Luiz Oosterbeek****
Grupo Quaternário e Pré-História, Centro de Geociências (uI&D 73-FCT), Universidade de Coimbra
Instituto Politécnico de Tomar
Instituto Terra e Memória
* Jorge Cristóvão | jorgecristovao70@gmail.com ** Nelson Almeida | nelsonjalmeida@gmail.com *** Rita Anastácio | rfanastacio@ipt.pt **** Luiz
Oosterbeek | loost@ipt.pt
10 Cristóvão et al. | Techne 4 (2018) 9-20
isolado) (tabela 1); A próxima etapa foi a (Figura 2). De forma a uniformizar o trabalho todos
optimização da tabela de dados de forma a que esta os sítios arqueológicos foram localizados com
pudesse ser trabalhada em ArcGIS. Esta coordenadas ETRS89/PT-TM06. Para esse fim foi
optimização passou pela inclusão de descritores utilizada a aplicação online WebTransCoord v.0.9,
secundários binários afectos aos descritores obtida a partir do site da DG Território. Esta
principais. Classificou-se cada um dos descritores aplicação permite relocalizar os sítios arqueológicos
relevantes (cerâmica cardial, fauna, ossos, etc.) com para ETRS89 com reduzida margem de erro.
os algarismos 0 ou 1, de acordo com a presença ou
ausência de vestígios. O mesmo foi feito de forma a
2.4. Processamento em Ambiente SIG da
individualizar as diversas cronologias, mais Tabela de Dados
especificamente Neolítico Antigo, Médio e Final.
2.4.1. Preparação dos dados
Desta forma, e por aplicação do acima descrito, Completada a tabela de dados em Excel com a
temos a Tabela 2. informação relativa aos sítios arqueológicos e
respectivas coordenadas, procedeu-se à importação
2.3. Sistema de Coordenadas dos dados para o ArcGIS. De forma a proteger a
Um dos pilares fundamentais da tabela de dados localização de cada um dos sítios arqueológicos,
foi a inclusão para cada um dos sítios arqueológicos não foram reveladas as coordenadas. A solução
das respectivas coordenadas, pois só assim é encontrada para esta situação passou pela utilização
possível manipular os dados em ambiente SIG. do Método das Áreas Quadriculares (fonte: Tese
Todos os sítios apresentam coordenadas com base Doutoramento da Investigadora Rita Anastácio).
no sistema ETRS89/ PT-TM06(Tab.3). O Sistema de Este método passa pela criação de uma grelha de
coordenadas ETRS89/ PT-TM06 caracteriza-se quadrados com 1km² de área cujo posicionamento
geograficamente do modo apresentado na tabela 3. geográfico tem por base a grelha da Carta Militar de
A falsa origem das coordenadas rectangulares pode Portugal 1:25 000, do Instituto Geográfico do
ser traduzida na seguinte representação gráfica Exercito.
Cristóvão et al. | Techne 4 (2018) 9-20 13
Tabela 3: Caracterização do sistema de coordenadas ETRS89/PT-TM06 cuja origem das coordenadas rectangulares falsa é em Vila de Rei (DGT,
2017).
(Figura 3).
Devido à área útil de cada quadrado ser 1km²,
algumas quadriculas contém em si mais do que um
sitio arqueológico. Desta forma importa associar a
cada sitio a quadricula sobre a qual este recai. Para
realizar esta relação foi usada a função em ArcGIS
(Join Data), activada a partir da layer dos sítios
arqueológicos de relacionamento com a layer da
grelha, através da opção “it falls inside”. A layer
resultante desta operação de analise apresenta
agora na sua tabela de atributos a informação de em
qual quadricula se inserem os respectivos sítios
arqueológicos. De forma oposta, importa agora
relacionar cada quadricula com os sítios
arqueológicos de forma a verificar quais os sítios
arqueológicos em cada quadricula. Esta operação é
feita em ArcGis (Relate), activada partir da layer da
grelha com os 169 quadrados, e pedindo para
relacionar as duas layers através do field “Quad”. O
Figura 2: Representação da falsa origem do sistema ETRS89/PT-TM06. resultado da operação pode ser visto através da
consulta da tabela de atributos da layer da Grelha,
seleccionando uma dada quadricula e usando a
A grelha foi gerada em ArcGIS (Fishnet) sobre a
funclão “Relate” serão indicados todos os sítios
área total abrangida pelo posicionamento dos sítios
arqueológicos cuja posição geográfica se situa
arqueológicos. Com a adopção desta solução,
dentro da área de 1x1km dessa quadrícula (Figura
aquando da visualização do geoportal, apenas se
4).
sabe que o sitio arqueológico se encontra dentro
O próximo passo foi associar efectivamente a layer
daquela área de 1 km². A grelha criada é composta
da grelha das quadriculas 1x1km com a layer dos
por 6722 quadriculas de 1 km² codificadas alfa
sítios arqueológicos de forma que a criar uma nova
numericamente (Colunas A-CE e Linhas 1-81).
layer de grelha 1x1km que contenha em si a
Com a grelha criada o próximo passo foi seleccionar
informação referente aos sítios arqueológicos. Para
os quadrados sobre os quais recaiam os sítios
realizar este passo utiliza-se a ferramenta de análise
arqueológicos. Este passo foi feito com recurso em
espacial em ArcGis (Spatial Join).
ArcGIS (Select by Location) cruzando o
Com esta ferramenta é possível adicionar à Layer
posicionamento da layer dos sítios arqueológicos
da grelha de 1x1km, os atributos da layer dos sítios
com a layer da grelha de 1 km². O resultado final
arqueológicos pedindo para fazer uma junção “join
traduziu-se numa grelha final com 169 quadrados
Cristóvão et al. | Techne 4 (2018) 9-20 15
Figura 3: Mapa com o resultado final entre o cruzamento da posição dos sítios geográficos com a grelha quilométrica.
classificados como Neolítico, não estão definidos identificados em 14% dos sítios materiais
quanto ao período específico. faunísticos, e também em 14%, foram identificados
Da totalidade de sítios, 55% tem componente vestígios osteológicos humanos. Da totalidade dos
Calcolítica, com a maioria destes a serem 221 sítios arqueológicos, apenas 11% se encontram
classificados como calcolíticos ou terem datados.
componente calcolítica. O Mesolítico tem Relativamente à caracterização dos fragmentos
considerável menor representação, com apenas 6% cerâmicos, dos 140 sítios com fragmentos de
dos sítios. Caracterização dos sítios quanto à sua cerâmica, em 34% dos sítios foram encontrados
tipologia (Figura 10). fragmentos decorados, sendo que em apenas 5%
Com a análise do gráfico da figura 10, verificamos existem fragmentos com cerâmica cardial.
que da totalidade dos sítios arqueológicos que Tendo em conta a natureza deste trabalho de
quanto à tipologia, verificamos que as tipologias caracterização, importava também classificar a
mais recorrentes são, os Povoados com 27% de totalidade dos sítios quanto ao seu grau de
representação, o Megalitismo – Anta com 13%, as relevância, mais especificamente tentar definir um
necrópoles com 12%, e as estações ao ar livre com grau de importância para os sítios arqueológicos de
10%. Caracterização de sítios arqueológicos quanto forma a tentar perceber quais são os mais
à presença de materiais (Figura 11). importantes de um ponto de visto do estudo
Com o gráfico da figura 11, verifica-se que 92% dos arqueológicos (Figura 13). Desta forma, e
sítios possuem industria lítica; 63% tem cerâmica atendendo as características de cada sitio, os
(decorada, não decorada e Cardial). Foram mesmos foram classificados como:
18 Cristóvão et al. | Techne 4 (2018) 9-20
Figura 8: Gráfico com relação entre a distribuição dos sítios quanto à Figura 9: Gráfico com caracterização Neolítico.
sua cronologia.
• Grau 1 (Baixo) - Grau Baixo - Sítios não baixa relevância, 16% têm relevância média e 22%
escavados e sem materiais de relevo; dos mesmos apresentam um grau de relevância
• Grau 2 (Médio) - Sítios escavados e sem alto. Estes últimos podem ser considerados como os
materiais de relevo; sítios arqueológicos mais importantes da região,
• Grau 3 (Alto) - Sítios escavados e com uma vez que, e atendendo a sua caracterização, são
materiais de relevo. sítios basais para o estudo do povoamento
Esta classificação é sempre passível de ser holocénico do Alto Ribatejo.
discutida. Contudo tendo em conta a forma como
os dados foram recolhidos e organizados, esta 4. Conclusões
classificação foi aquela que melhor satisfazia a Com a execução do projeto MTAS espera-se dar um
necessidade de classificar os sítios quanto à sua novo impulso ao estudo do neolítico na região do
importância. Alto Ribatejo. Com efeito a criação deste geoportal
Com a análise do gráfico a figura 13, verifica-se que marca o primeiro passo nessa direção.
62% dos sítios arqueológicos do Alto Ribatejo têm Evidentemente é um trabalho que por natureza será
Cristóvão et al. | Techne 4 (2018) 9-20 19
Figura 10: Gráfico com caracterização dos sítios quanto à sua tipologia.
sempre incompleto, contudo o acesso a informação também revelou algumas limitações da plataforma
existente será agora mais simples, porque pela ArGIS Online. A mais evidente, é a limitação da
primeira vez foi criada uma plataforma que permite mesma relativa a possíveis atualizações futuras.
visualizar em tempo real a localização e Dada a arquitetura da mesma, torna-se necessário
características de cada sítio arqueológico. para o acrescento de novos sítios arqueológicos
Analisando em retrospectiva o trabalho refazer toda a plataforma de raiz. Pois alguns dos
desenvolvido, a grande parte do mesmo foi temas são transversais a todos os sítios
centrada na recolha e processamento dos dados arqueológicos. Um outro ponto a assinalar está
referentes a cada sítio arqueológico. De facto, a relacionado com a multiplicidade de fontes de
grande mais valia deste trabalho, a par da criação informação. Esta variação implica que por vezes um
da plataforma, foi o desenvolvimento de uma determinado tipo de sítio arqueológico possa ser
padronização no processamento dos dados que classificado de outra forma por um outro autor.
permitiu reunir num só ambiente de processamento Desta forma ficou evidente que a única maneira de
informação referente aos sítios arqueológicos mais criar um repositório informativo dos sítios
importantes da região. arqueológicos da região que seja imparcial e
Com este trabalho, e a partir da analise dos dados “honesto” é se a informação que consta da base de
em ambiente SIG, é agora possível interpretar em dados for trabalhada sempre pela mesma equipa.
tempo real a evolução do povoamento holocénico Caso contrário, podem-se verificar variações
na região. Sendo possível correlacionar todos os interpretavas das características e cronologias de
sítios arqueológicos quanto à sua cronologia, cada sitio, o que pode comprometer uma correta
tipologia e presença ausência de materiais analise da evolução da ocupação holocénica da
arqueológicos diferenciadores. A plataforma região. Com a criação deste Geoportal e pela
resultante apresenta para além de um visual primeira vez existe uma plataforma digital que
apelativo, varias camadas de informação, todas reúne a informação referente à ocupação da região
interactivas e com possibilidade de correlação em no holocénico, de fácil leitura e com possibilidade
tempo real. No entanto, a mesma metodologia de crescimento e maturação da informação. Será
20 Cristóvão et al. | Techne 4 (2018) 9-20
Figura 11: Gráfico com caracterização dos sítios quanto à presença de Figura 12: Gráfico com caracterização dos sítios quanto à presença de
materiais arqueológicos. materiais arqueológicos.
Figura 13: Gráfico com a classificação dos sítios quanto ao seu grau de relevância.
Bibliografia
Anastácio, R., 2016. Da Gestão do Património Cultural
à Gestão do Território com Recurso a Tecnologias de
Informação Geográfica: contributos metodológicos.
Caso de Estudo - Região do Médio Tejo. Vila Real:.
Pereira & Faccio | Techne 4 (2018) 21-30 21
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eISSN: 2182-9985
1 O conceito de território indígena difere-se das delimitações territoriais fixadas por meio do poder e controle do Estado. O território indígena é uma terra
tradicionalmente habitada por um grupo cultural, caracterizada com fartura de nomes êmicos, que, além de conceituarem a paisagem, idealizam um conjunto de
lugares hierarquizados e conectados a uma rede de itinerários (Bonnemaison, 2002; Ferguson & Chanthaphonh, 2006).
2 Entendida como estratégias de movimentações socioespaciais dentro e fora de seu território (Bonnemaison, 2002).
3 Processo de conquista ou organização por parte dos colonizadores que se apropriam e modificam os territórios das comunidades locais, impondo nova
aldeia do Piquiri9, localizada na margem do rio pesqueira, quanto para fugir das frentes de
homônimo, no estado de Mato Grosso do Sul. colonização aurífera. Campos (1862) menciona que
Jardim (1869, p. 551) escreve: [...] os homens um aglomerado de aldeias Kayapó localizava-se
entranham-se no sertão durante parte da boa estação do acima do Rio Paranaíba e que eles realizavam
anno á cata de mel e de caça, e presume-se que n’estas excursões para o Rio Paraná e afluentes (rios
excursões elles chegam ás vezes até a estrada de Goyaz, e Sucuriú e Verde), enfatizando que nessa área não
tem ahi commettido parte dos malefícios [...]. havia aldeias. Duas questões podem ser levantadas
em relação a este ponto: (1) Campos não sabia da
Se considerarmos que esses homens habitavam a existência de aldeias nesta região?; (2) Nesse
aldeia do Piquiri, localizada ao norte do Mato período essa área fazia parte do território Kayapó,
Grosso do Sul, e que suas excursões chegariam à mas não era utilizada como habitação? Desta feita,
estrada de Goiás, a mobilidade sazonal desse grupo se em 1723 nenhuma aldeia foi mencionada por
era muito extensa e, provavelmente, pontilhada de Campos (1862) no Rio Paraná e afluentes, em anos
aldeias e acampamentos onde faziam paragens. posteriores outros viajantes as mencionaram. O
No ano de 1817 Manuel Aires de Casal, processo de povoamento dessa região,
pesquisador português, define o território Kayapó provavelmente, se deu pela expulsão e/ou
Meridional como Caiapônia. Na visão do autor a aldeamento dos Kayapó no caminho de Goiás,
Caiapônia, obviamente habitada pela nação Kaiapó sobretudo, na região de Vila Boa de Goiás, onde se
Meridional desde tempos imemoriais, estendia-se concentrava a exploração aurífera. Diante da
ao norte até o distrito de Goiás, a oeste até a pressão colonizadora, parte dos grupos Kayapó
Bororonia, da qual é separada pelo Rio Araguaia, e assumiu a estratégia de migrar para o Rio Paraná e
a sudeste até os rios Paraná, Paranaíba e Anicuns, afluentes estabelecendo aldeias e formando uma
que a separam da Província de São Paulo (Rio organização socioespacial bem definida.
Paraná) e do distrito do Rio das Velhas (demais Alguns relatos históricos ajudam-nos a entender
rios). Conforme o processo de colonização do esse processo de territorialidade/territorialização
Centro-oeste brasileiro ocorria, novos dados sobre Kayapó. No ano de 1726, uma descrição do então
os Kayapó Meridional apareciam. No ano de 1861, governador de São Paulo, Rodrigo César de
Machado de Oliveira (1861, p. 496) escreve que todo Meneses, transcrita por Afonso Taunay (2012)
o “território dominado por esses índios no seu comenta que a tropa seguindo viagem Rio Paraná
descobrimento está como encaixilhado pelas serras abaixo foi dormir na barra do Rio Apeú, numa
Dourada, Santa Martha, e Sellada, e estende-se até à dilatada “praia da parte esquerda, porque da direita
margem septentrional do Paranahiba, um dos mais anda o gentio, que é de certo o pior que tem estes
volumosos braços do Paranã e seu confluente do sertões” (Taunay, 2012, p. 223). O relato em apreço
lado direito”. Salienta Oliveira (1861, p.504) que foi realizado numa época contemporânea a de
nessa época os Kayapó sofriam intenso ataque dos Campos ([1723] 1862). Mesmo não mencionando o
colonos “mamelucos” que nas terras desses “gentio” dessa região, pressupomos que sejam os
indígenas andavam à procura de ouro. Ao que Kayapó10. O fato de o autor dizer “anda” mostra
parece, uma estratégia tomada pelos Kayapó foi a que os mesmos não estavam estabelecidos ali, mas,
de fazerem “parada” à distância dessas frentes de provavelmente, essa região era alvo de suas
exploração aurífera, onde pudessem tomar situação excursões, já naquela época temidas pelos
defensável. O autor informa que esses locais aventureiros e colonizadores. Oitenta e quatro anos
escolhidos foram pelo Rio Paraná e pela Serra de depois da viagem de Meneses pela confluência dos
Santa Marta. Ressaltamos que a região setentrional rios Tietê-Paraná abaixo, João Ferreira de Oliveira
do Rio Paraná foi um ponto estratégico para os Bueno11 realiza o mesmo trajeto fluvial descrevendo
Kayapó, tanto no que se refere a sua economia os acontecimentos dessa viagem.
O primeiro contato com os Kayapó se deu ao A aldeia foi descrita como “composta de 10
retornarem à barra do Rio Tietê, próximo a uma palhoças e nas quais não havia viva alma por se
ilha na confluência com o Paraná, com três acharem os índios nas suas plantações à margem do
indígenas que pescavam. Segundo o autor Sucuriú” (Florence, 1875, p. 389). Na descrição
“nenhum sobresalto tiveram, antes convieram em consta também que a casa do chefe era maior que as
vir na canôa ao meu quartel, revestindo-se de tanta outras e que ali se encontravam troncos de palmeira
confiança e candura, que no embarque lançaram na furados15.
praia seus arcos e frechas [...]” (Bueno, 1908, p. 144). Após algumas vistorias na aldeia, os viajantes
Após esse encontro fortuito, Bueno solicita ao deixaram-na voltando para suas canoas e partindo
pequeno grupo de indígenas que dissessem aos para o Salto de Urubupungá. Descreveu-o Florence
seus chefes que viessem ao seu encontro. (1875) como um estrondoso salto de água com uma
No dia seguinte vieram ao encontro de Bueno um largura de quatro léguas, com grande número de
grupo maior de indígenas junto aos seus chefes. Em saliências e reentrâncias. Cita ainda que na margem
diversos episódios desse encontro fica claro que esquerda havia uns ranchos, feitos pelos Kayapó
este grupo Kayapó já estava largamente habituado “de construção muito inferior às míseras choupanas
ao convívio junto aos colonizadores12. Com base na de seu aldeamento. Nada mais eram do que folhas
data de 1810, quando se deu este encontro, de palmeiras apoiadas em forquilhas de
acreditamos que parte desse grupo indígena já paus” (Florence, 1875, p. 390). Quanto a esses
havia sido aldeado e que sua procedência era a “ranchos feitos pelos Cayapó”, bem poderia ser um
antiga província de Goiás13. acampamento temporário, próximo ao conjunto de
Numa conversa amistosa em que Bueno oferece aos cachoeiras, destinado a alguma atividade específica.
chefes dos Kayapó terras e ferramentas, Sustentamos essa hipótese pelo fato de Florence
vislumbramos como se dava a distribuição das mencionar o estado provisório de tais construções,
aldeias naquele território. Comenta Bueno (1908, p. que segundo ele eram inferiores às da aldeia.
146): O relato de Florence (1875) aponta para uma
Depois que os chefes me ouviram, responderam organização socioespacial configurada por uma
que estavam promptos, porém que os seus indios não aldeia Kayapó próxima à margem esquerda do Rio
sabiam navegar por cachoeiras o que para o anno lhes Paraná, interligada a uma área de roça à beira do
levasse dez canôas grandes para elles virem, e Rio Sucuriú, afluente do Paraná; e por
igualmente viveres; e que além dos de suas aldêas, acampamento(s) localizado(s) no Salto do
haviam de convidar a gente de duas aldêas, que ficam Urubupungá. Essa configuração mostra uma rede
acima do Salto de Urubupungá, uma grande e outra de exploração ambiental bem estabelecida por
menor, ambas do seu commando, para os acompanhar; e habitação, campo agrícola e acampamento, situados
que além disto, no Rio Sucuriú haviam três aldêas de próximo ao grande Salto.
muita gente, commandadas por outro chefe, a quem Os relatos históricos mencionados apoiam a
também haviam de convidar para o mesmo fim, e que eu hipótese de que, num primeiro momento, a região
lhes não faltasse. que engloba a foz do Tietê – Paraná, Salto do
Urubupungá ao norte e Rio Sucuriú ao sul, era
Após 16 anos da viagem de Bueno, em 1826, temos cursada pelos Kayapó Meridional, mas estes ainda
os relatos de Hércules Florence (1875), que navegou não apontavam a presença de habitações. As
pelos rios Tietê e Paraná. Seu relato remete à aldeias começaram a serem descritas na região no
presença de grupos Kayapó habitando a região da ano de 1810 com os relatos de Bueno. Bueno (1908)
Foz do Tietê até o Salto de Urubupungá. indica que esses grupos vieram de Goiás e,
Caminhando por meia légua da margem do Rio provavelmente, já haviam sido aldeados. Sua
Paraná14 os viajantes chegam a uma aldeia Kayapó. organização socioespacial parecia estar bem
12 É evidente no relato de Bueno que os mesmos estavam acostumados ao tipo de alimentos e as ferramentas que a tripulação trazia, bem como a eles era totalmente
16 “Um dos grandes óbices opostos ao povoamento de Goiás proveio da hostilidade dos caiapós, nação numerosa e aguerrida a quem acabou destruindo Antônio
Pires dos Campos, o famoso Pay Pirá, em diversas jornadas” (Taunay, 2012, p. 189)
17 Ano de 1817 para Pohl e o ano de 18a19 para Saint-Hilaire.
18 Como veremos adiante, uma continuidade cultural em relação ao modo em que viviam em suas próprias aldeias.
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localizam-se “pedras que servem de fogão, cestas momento de declínio da ocupação Kayapó no
de uma forma particular, chamadas jucunús, e, às aldeamento de Mossamedes. Em 1833 boa parte da
vezes, giraus, que têm apenas a largura do corpo: população havia abandonado Mossamedes,
nisto consiste o mobiliário de tais choupanas” (Saint- permanecendo ali, principalmente, os velhos e
Hilaire, 1937, p. 111). deficientes. No ano de 1879 o aldeamento de São
Importante salientar que estes dois naturalistas, José de Mossamedes torna-se oficialmente extinto.
Pohl e Saint-Hilaire, além de descreverem Num segundo momento do processo de
fisicamente a aldeia Mossamedes, também trazem aldeamento dos Kayapó Meridional, levantamos
importantes anotações sobre a organização social e informações importantes sobre os estados de Mato
a cultura material deste grupo indígena. Grosso do Sul e Minas Gerais. Segundo os relatos
Pohl (1951) oferece relatos sobre o modo de vida do coronel Ricardo José Gomes Jardim (1869), a
dos Kayapó “em estado selvagem”, registrando que povoação que se formou em Santana do Paranaíba
seus assentamentos se localizam nas extensas matas iniciou-se no ano de 1835 com a vinda de 150 a 160
situadas a sudoeste da aldeia Mossamedes19. Kayapó, de ambos os sexos, que emigraram das
Comenta que “ali vagueiam, vivendo da caça, da aldeias de Goiás. Segundo as informações obtidas,
pesca, de raízes, de mel silvestre, etc. Cultivam um supomos que, nesse período, houve a emigração de
pouco de milho de grão negro e azul, que preferem parte dos “fugitivos” de Mossamedes para esta
a qualquer outra variedade como o mais rico em localidade situada à margem do Rio Paranaíba,
farinha [...] em estado selvagem, vivem em onde hoje é o estado de Mato Grosso do Sul.
poligamia [...] (Pohl, 1951, p. 363). O autor ainda O aldeamento Santana do Paranaíba recebeu a
registra que suas ocupações prediletas consistem visita de viajantes no ano de 1857, com o Dr.
em caçar e pescar na mata: “Quando apanham uma Kupfer, e em 1882, com o capitão Joaquim Lemos
peça de caça, o que não é trabalhoso, dada a da Silva. Kupfer descreve as casas da vila como
abundância dela na mata virgem, descansam o dia construídas de barro e cobertas com folhas de
inteiro; deitam-se e entregam-se a palmeira, sendo a casa dos homens dispostas no
ociosidade” (Pohl, 1951, p. 364). Hilaire vai centro do pátio da aldeia. Na descrição de Lemos a
complementar essas informações básicas anotando aldeia é construída na forma tradicional, circular
que os Kayapó que vivem na floresta estão com a casa dos homens no centro do pátio, onde os
“submetidos a um cacique geral que tem sob suas líderes reuniam-se para deliberar os assuntos da
ordens vários capitães: na aldeia os portugueses comunidade (Giraldin, 1997).
deram títulos de coronel, capitão, alferes, aos Nesse período outro aldeamento se formava no
indivíduos mais considerados pelos seus mesmo estado, era a aldeia do Piquiri. Segundo
compatriotas [...]” (Saint-Hilaire, 1937, p. 120). Jardim (1869) a aldeia do Piquiri contava com 300
Comenta Saint-Hilaire (1937) que os Kayapó que Kayapó, aproximadamente, tendo à frente dessas
vivem em estado livre nas matas conhecem apenas famílias um mesmo chefe a quem elas também
a indústria de fazer arcos, flechas e uma espécie de obedeciam em Goiás. Pelo relato do autor, esse
balaio que chamam de jucunú. Salientamos que chefe tinha grande poder agregador, pois “tem-se
estes também detinham algum conhecimento no conservado quase todas reunidas” (Jardim, 1869, p.
lascamento de cristais de rocha em quartzo. Esse 551). No entanto, essas famílias já haviam
fato fica explícito na descrição de Pohl (1951, p. abandonado boa parte de sua organização agrícola,
366), como uma atividade que consistia no alívio da “poucos se têm dado aos trabalhos
dor de cabeça. Quanto ao saber fazer das atividades agrícolas” (Jardim, 1869, p.551), preferindo os
oleiras, nada conseguimos de informação em Pohl homens da aldeia se embrenharem nas matas
ou Saint-Hilaire. O que fica registrado no relato executando atividades como a coleta de mel e a caça
desses viajantes é a descrição de objetos como os (Jardim, 1869, p.551).
jucunús (cestas), bem como os itsché (arco) e as Para os aldeamentos de Minas Gerais, mais
caschoné (flechas). especificamente do Triângulo Mineiro, temos a
As visitas de Pohl e Saint-Hilaire ocorreram num referência do Cônego Antonio José da Silva, que
19 Essas extensas matas onde se aglomeram os Kayapó coincidem com a região da Serra de Santa Marta e Serra dos Cayapó.
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escrevendo de Uberaba no ano de 1825 afirmava marceneiro de Uberaba, coletado pela pesquisadora
que existiam cerca de mil índios Kayapó aldeados a do arquivo de Uberaba, Sônia Maria Fontoura, ele
40 léguas, próximo ao Rio Grande (Giraldin, 1997). conta que em idade de 12 anos seu pai o levara para
Alexandre de Sousa Barbosa (1918), agrimensor da pescar no Rio Grande e que além do aldeamento
região, descrevera que existiam ao menos três Água Vermelha, existiam outras aldeias mais
aldeamentos no Triângulo Mineiro, entre eles, dois abaixo num local chamado Canal de São Simão. Na
localizavam-se na margem direita do Rio Grande, a primeira aldeia as casas estavam dispostas em
saber: o São Francisco Salles e o aldeamento de círculo, mas na última elas estavam em linha reta
Água Vermelha (Barbosa, 1918; Giraldin, 1997). (Giraldin, 1997).
No ano de 1871 a Diretoria Geral dos Índios de Um dos últimos relatos que fazem menção aos
Minas Gerais informava que no aldeamento de São Kayapó-Panará na região do Triângulo Mineiro foi
Francisco Salles existia um total de 118 índios, que registrado por engenheiros da Comissão Geográfica
nesse momento estavam deixando a aldeia para se e Geológica de São Paulo, que no ano de 1913
mudarem para um local chamado Cachoeira, realizaram a exploração científica do Rio Grande e
provavelmente, Cachoeira da Água Vermelha, na de seus afluentes. Contam-nos os engenheiros
margem do Rio Grande (Giraldin, 1997). Guilherme Wendel e Arthur Horta O’Leary (1913)
No ano de 1911 Alexandre de Souza Barbosa que eles receberam a visita de alguns índios,
encontra na região Oeste do Triângulo Mineiro, na próximo ao Salto da Água Vermelha (SP). Esses
confluência dos rios Paranaíba e Grande, um grupo índios informaram a eles que tinham sua moradia
de índios Kayapó, oriundos da aldeia Água numa aldeia pouco abaixo do Salto no lado
Vermelha, na época localizada na comarca de Frutal mineiro21. Segundo os engenheiros esses indígenas
(MG). Salientou o agrimensor que esse grupo antigamente “viviam em suas terras entre o porto
Kayapó se autodenominava Panará (Barbosa, 1918). da Aldêa e a cachoeira dos Índios, já há mais de
Segundo consta em seu manuscrito, intitulado uma geração mudaram-se para Agua
“Cayapó e panará”, Barbosa (1918) recebe Vermelha” (Comissão Geográfica e Geológica do
informações de que há aproximadamente trinta Estado de São Paulo, 1913, p. 14-15).
anos20: [...] os indios de Agua Vermelha andavam As informações fornecidas pelos engenheiros da
apenas nus. Nas terras da aldeia poucos plantam, não Comissão Geográfica e Geológica relata a
possuem gado e sua principal alimentação é fornecida movimentação dos Kayapó-Panará do aldeamento
pela pesca no rio Grande. Fazem em suas terras paulistas de São Francisco Salles para o de Água Vermelha.
desabitadas à margem esquerda deste rio pequenas roças Um marcador de paisagem importante entre essas
para ceva da caça. [...]. Informaram-nos que havia duas antigas ocupações Kayapó refere-se ao fato de
antigamente no centro da aldeia uma casa maior que as que ambas estavam instaladas na margem mineira
outras e a que chamavam piruá, onde se tomavam de do Rio Grande, muito próximas de grandes saltos
grandes deliberações [...] e se celebravam as festas e os ou cachoeiras, sendo a de São Francisco Salles
casamentos sob as ordens do capitão, este em tudo, chamada de Cachoeira dos Índios e a do
cegamente obedecido (Barbosa, 1918, p. 10). aldeamento de Água Vermelha chamado de Salto
da Água Vermelha.
Na década de 1880, a população Kayapó-Panará em
Água Vermelha era de, aproximadamente, 600 4. Considerações Finais
habitantes. No entanto, na data do registro de O resultado desta pesquisa bibliográfica configura-
Barbosa (1918), no ano de 1911, essa população se como importante fonte documental a respeito
estava reduzida a apenas 50 indivíduos. dos Kayapó Meridional, demonstrando a
Posteriormente, informações orais coletadas das complexidade histórica e socioespacial deste grupo.
cidades próximas de onde se localizava a aldeia Elaboramos aqui uma síntese que poderá fornecer
Água Vermelha dão conta da presença dos um conjunto de informações e desdobramentos
remanescentes das aldeias Kayapó-Panará daquela para diversas disciplinas sociais.
área, ainda na década de 1960. No relato oral de um O território Kayapó Meridional era vasto,
20 Próximo ao ano de 1880.
21 Com base no referencial geográfico e temporal, esses índios, nessa época, ocupavam a aldeia Água Vermelha.
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estendendo-se ao norte até a Serra Dourada (Goiás), Urubupungá; (2) a desterritorialização provocada
a oeste pela Serra Santa Marta e dos Caiapós pelo avanço colonial implicou uma
(Goiás) até a cabeceira dos rios Piquiri e Taquari reterritorialização Kayapó; (3) a reterritorialização
(Mato Grosso do Sul), ao sul até o Rio Pardo, Kayapó reconfigurou socioespacialmente algumas
afluente da margem direita do Rio Paraná (Mato áreas que tinham uma função dentro do território
Grosso do Sul – São Paulo) e a leste englobando passando a ter outra.
todo o Triângulo Mineiro até o Rio das Velhas É recorrente nos documentos históricos a descrição
(Minas Gerais). dos Kayapó Meridional organizados em aldeias de
Os primeiros relatos dão conta de um grande tamanhos distintos, tendo cada aldeia seu próprio
contingente populacional, diversas aldeias “chefe”, havendo em alguns casos relatos de
espalhadas pelo território e uma organização lideranças regionais, englobando várias aldeias. A
política bem estabelecida, tendo em alguns casos distribuição dessas aldeias, geralmente, é
uma única chefia para várias aldeias. Com a caracterizada pela proximidade aos grandes rios e
intensificação do empreendimento colonial e a seus afluentes, bem como aos marcadores de
desapropriação de suas terras tradicionais, alguns paisagem como cachoeiras (Urubupungá, SP-MS;
grupos Kayapó começam a migrar para outras Salto dos Índios e Água Vermelha, MG-SP) e serras
áreas de seu território, reorganizando-se (Caiapó, Santa Marta e Serra Dourada, GO). Outro
socioespacialmente em algumas décadas. padrão observado no assentamento desses grupos
A movimentação deste grupo por seu território foi a formação de uma rede englobando habitação,
pôde ser observada nos documentos históricos. roças e acampamento.
Neste aspecto, destacamos algumas estratégias de A configuração das aldeias e aldeamentos apontam
mobilidade socioespacial: (1) movimentaram-se algumas características comuns, que são
dentro de seu próprio território para fugir da marcadores socioespaciais dos grupos Kayapó
pressão colonial, defendendo-se topograficamente Meridional. São eles: (1) recepção de embarcações
nas serranias do Sudoeste de Goiás ou migrando em um “porto” instalado num grande rio (como o
para o Rio Paraná, na altura do Salto do Rio Paraná ou o Grande), próximo a saltos/
cachoeiras; (2) aldeias e aldeamentos22 Corrêa, R. L.; Rosendahl, Z. Geografia cultural: um século,
apresentando formato circular, com a casa dos 3. Ed. Uerj, Rio de Janeiro, pp. 83-131.
homens no centro (ou piruá), tendo de 8 a 10 casas; Campos, A. P., 1862. Breve notícia do gentio bárbaro que
(3) população variando entre 150 (Santana do há na derrota das minas de Cuiabá e seu recôncavo, na
Paranaíba/MS) a 600 (Aldeia Água Vermelha/MG) qual declara-se os reinos [...]. Revista Trimensal do
pessoas por aldeamento23; (4) no geral, as casas Instituto Historico Geographico e Ethnographico do Brasil,
eram confeccionadas com embira, folhas e fibras de 25 (3), 437-449.
palmeira buriti (Mauritia Vinífera). Bueno. J.F.O., 1908. Simples narração da viagem que fez
Outra característica socioespacial a mencionar é a ao Rio Paraná o tesoureiro-mór da Sé d´esta cidade de
mobilidade de subsistência Kayapó. Neste aspecto, S. Paulo [...]. Revista do Instituto Histórico Geográfico
suas roças eram caracterizadas pelo cultivo de Brasileiro, 3, 139-151.
milho (grão negro e azul), batata e outros cultivos. Colwell-Chanthaphonh, C., 2009. Myth of the Anasazi:
Geralmente, as roças ficavam distantes da aldeia. archaeological language, collaborative communities,
Saint-Hilaire (1937) fala em uma légua de distância, and the contested past. Public Archaeology, 8 (2-3), 191-
em outro caso, como mencionado por Barbosa 207.
(1918), as roças eram abertas perto da margem de Cavalcante, T.L.V., 2013. Colonialismo, território e
um grande rio (neste caso o Rio Grande no lado territorialidade: a luta pela terra dos Guarani e Kaiowa em
paulista) para a ceva da caça. Praticavam atividades Mato Grosso do Sul. Tese de Doutorado, Universidade
de caça (abundante na mata virgem) e coletas Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade
(raízes e mel silvestre). Segundo as fontes de Ciências e Letras de Assis.
apresentadas, as excursões de caça e coleta Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São
percorriam extensas áreas de seu território, sendo Paulo, 1913. Exploração do Rio Grande e de seus afluentes
que elas poderiam durar meses e se estenderem (1910), São Paulo.
para locais centenas de quilômetros longe da aldeia. Ferguson, T. J. ChipColwell-Chanthaphonh, 2006. History
A pescaria era tida como atividade de suma Is in the Land: Multivocal Tribal Traditions in Arizona’s
importância na bacia do Rio Grande e Paraná. San Pedro Valley.
Barbosa (1918) assinala que a principal alimentação Florence, H., 1875. Esboço da viagem feita pelo Sr. de
de um grupo Kayapó era fornecida pela pesca no Langsdorff no interior do Brasil, desde setembro de
Rio Grande e Florence (1875) aponta os ranchos 1825 até março de 1829. Revista do Instituto Histórico e
instalados a margem do salto de Urubupungá. Geográfico Brasileiro, 355-46.
Este levantamento bibliográfico é um primeiro Giraldin, O., 1997. Cayapó e Panará: luta e sobrevivência de
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históricas sobre este grupo que habitou, por pelo Campinas.
menos 200 anos, uma vasta área que englobava Giraldin, O., 2000. Renascendo das cinzas. Um histórico
parte do Centro-sul brasileiro. Informações de sítios da presença dos Cayapó-Panará em Goiás e no
arqueológicos estabelecidos nessa extensa área Triângulo Mineiro. Sociedade e cultura, v. 3, n.1 e 2, p
apresentando datações recentes podem ser 161-184, jan/dez.
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A ideia é entender como grupos indígenas multiterritorialidade. Rio de Janeiro.
ordenaram seu território e se organizaram Jardim, R.J.G., 1869. Creação da Diretoria dos Índios na
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Leonardo Páez*
1. El método etnohistórico y el estudio del arte desde los contextos socio-culturales de producción
rupestre y uso de estas manifestaciones, incluso más allá del
Salvando puntuales excepciones1, la praxis ocaso y extinción de tales contextos. Tal
investigativa del arte rupestre venezolano se ha planteamiento conlleva a considerar un
concentrado por lo general en dar cuenta de las procedimiento que permita la búsqueda e
características descriptivas de los materiales interpretación de datos que directa o
encontrados, así como de su significado originario a indirectamente den cuenta de las tramas sociales
través de lo que evocan sus representaciones relacionadas puntualmente con el espacio
gráficas. Esto se deduce de la revisión bibliográfica geográfico donde tales objetos se alojan. El desafío
a disposición, donde se entrevé los pocos trabajos está en la reconstrucción sincrónica y/o diacrónica
orientados a complementar la toma in situ de datos de la vida de los pueblos que habitaron el contexto
métricos y descriptivos con informaciones que espacial donde se insertan las manifestaciones
propugnen un acercamiento a su significación, bien rupestres motivo de investigación. En tal sentido, el
entre comunidades actuales, grupos criollo- método etnohistórico, entendido como el estudio
mestizos del pasado u originarios pueblos multidisciplinario de los pueblos indígenas del
indígenas de su contexto espacial. pasado y la pervivencia de sus imaginarios entre
Se plantea entonces el reto de avanzar más allá de comunidades criollo-mestizas descendientes y
esta praxis común, proyectando la investigación campesinas actuales2, supone una poderosa
Antczak, 2007; Morón, 2007; Tarble y Scaramelli, 2010; Vargas Arenas, 2010; Jaimes Ramírez, 2011; Navarrete, 2013; Páez, 2016.
2 Bajo esta noción, desde hace unos años la Escuela de Antropología de la Universidad Central de Venezuela (UCV) asume una línea de investigación bajo el
término de “antropología histórica”. Desde esta perspectiva, se asume que la noción “etno”, de manera peyorativa ...“ha sido utilizada, dentro de la general
geopolítica del saber occidental, para definir los saberes producidos por los grupos culturales y étnicos extraoccidentales en oposición a los producidos por la
modernidad occidental, en cuyo seno se habrían gestado las "ciencias", es decir, saberes con valor universal” (Amodio, 2005: 15).
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herramienta de trabajo que garantiza un plausible produjeron y usaron las manifestaciones rupestres
acercamiento a la comprensión de los contextos que perviven en sus predios. Ésta hace referencia a
socio-históricos y culturales inherentes a la la región geohistórica del lago de Valencia o región
producción y uso del arte rupestre. Mediante este tacarigüense3, la cual, durante los últimos milenios
enfoque cobra valor como importante fuente de de la época Precolonial venezolana, poco más o
datos el acceso e interpretación de documentos, menos entre los años 2.200 antes de Cristo (a.C.) y
pero también la indagación del registro 1.400 después de Cristo (d.C.), ocupaba una
arqueológico o la consideración de los testimonios extensión aproximada de 4.500 km2 del territorio
orales, todo auxiliado por marcos conceptuales Centro-norte de Venezuela (mapa 1). Este particular
aportados por la disciplina antropológica. De allí su contexto espacial y temporal, se asume, está
importancia al momento de emprender praxis integrado por tres sub-regiones diferenciadas4,
investigativas que propugnen avanzar más allá de concebidas aquí como paisajes culturales: 1) un
la mera compilación de datos métricos y paisaje lacustre al Sur, abarcando la cuenca
observaciones in situ de los artefactos rupestres, en hidrográfica del lago de Valencia, depresión
aras de una acertada interpretación del origen, uso- tectónica de 3.410 km2 de tierras fecundas y un lago
función y significación, sincrónica y/o diacrónica, de 380 km2 en su sección baja, a 408 m.s.n.m.
de esta pretérita expresión. (Deccarli, 2008); 2) un paisaje costero al Norte,
ocupando 100 km de línea litoral y una superficie
2. La región geohistórica del lago de Valencia y el calculada en 500 km2, presentando en su sección
PARANOT Oriental pequeños valles constreñidos entre el mar
La praxis investigativa que se trae a colación, Caribe y la cordillera de La Costa, y una costa
supone una muestra de lo que pudiera playera en su lado Occidental extendida al Oeste de
implementarse en las regiones geohistóricas Puerto Cabello hasta el delta del río Yaracuy
venezolanas (u otros espacios geográficos) en pro (Cruxent y Rouse (1982 I [1958]; Guevara, 1983); y
de un acercamiento a las tramas por las cuales se 3) un paisaje cordillerano al Centro, dominado por
Mapa 1: Ubicación aproximada de la región tacarigüense en el contexto geográfico Centro-norte venezolano. Elaboración propia sobre mapa
topográfico de Venezuela (http://www.oarval.org/TopoVNZ.jpg) y mapa satelital del área Centro-norte venezolano (www.arcgis.com).
3 Como también se convendrá en llamar aquí, en reconocimiento al antiguo topónimo aborigen del lago de Valencia: la laguna de Tacarigua.
4 Cabe la posibilidad que para la llegada de los europeos en el siglo XVI, la región tacarigüense haya abarcado un cuarto paisaje cultural comprendido por los valles
intermontanos de Chirgua y Guataparo, al Oeste de la depresión del lago de Valencia.
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Mapa 2: Ubicación aproximada de las sub-regiones de la región tacarigüense, entendidas como paisajes culturales. Elaboración propia sobre mapa
topográfico de Venezuela (http://www.oarval.org/TopoVNZ.jpg) y mapa satelital del área Centro-norte venezolano (www.arcgis.com).
una franja montañosa cercana a los 700 km2 de la particularidades o fenómenos naturales presentes
llamada cordillera de La Costa, sistema montañoso en su entorno posiblemente desempeñaron entre los
que discurre paralelo a la línea litoral y que funge grupos sociales implicados un rol esencial en la
de divisoria entre el paisaje lacustre y el costero transmisión y conservación de importantes
(mapa 2). significados religiosos, sociales, políticos y/o
En las faldas y laderas de los estribos y montañas económicos. El PARANOT, se concibe entonces
de la sección occidental del paisaje cordillerano, en como un espacio donde pervive un número
su vertiente Norte y Sur, se encuentran importantes significativo de SAR posiblemente vinculados
vestigios arqueológicos representados por un social, histórica y culturalmente entre sí y al ámbito
conjunto de Sitios con Arte Rupestre5 (SAR) espacial de la región tacarigüense (mapa 4). Desde
contentivo de petroglifos, morteros, puntos el enfoque político-territorial, el PARANOT incluye
acoplados y monumentos megalíticos (imagen 1). una extensa zona que abarca parte de los actuales
Allí se ubican cientos de inscripciones pétreas y municipios Diego Ibarra, San Joaquín, Guacara, San
algunas estructuras hechas en roca en apariencia Diego, Naguanagua, Puerto Cabello (estado
asociados a antiguos caminos transmontanos, los Carabobo) y Mario Briceño Iragorry (estado
cuales integran un paisaje cultural que produce al Aragua), con una superficie aproximada de 560
tiempo presente variedad de interrogantes y km2.
opiniones a las que los investigadores aún no han
podido dar satisfactoria respuesta (mapa 3). 3. El PARANOT durante la época Precolonial
La franja cordillerana donde se alojan estos (2.200 a.C. - 1.400 d.C.)
artefactos, recibirá aquí el título tentativo de Paisaje En líneas generales, el PARANOT supone el acto
con Arte Rupestre del Área Noroccidental creativo de diferentes sociedades que habitaron la
Tacarigüense (PARANOT). La noción Paisaje con región tacarigüense antes del arribo de los europeos
Arte Rupestre, aquí sugerido, se entiende como un a América. A través de la interpretación de los
tipo de paisaje cultural donde múltiples SAR y las datos arqueológicos e histórico-documentales
5 Se asume en esta investigación, como unidad mínima de análisis, el concepto de SAR, planteado por Martínez Celis (2012: 69-81) para el abordaje de la
investigación, gestión y protección del arte rupestre. Esta noción define ...“la extensión de terreno (superficial y subterráneo) que contiene o está relacionado con el
emplazamiento rocoso en que se inscriben los motivos rupestres”... (Ibíd.: 80).
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Imagen 1: Manifestaciones rupestres de la sección Occidental del paisaje cordillerano tacarigüense. Fotos e infografía: Leonardo Páez.
Mapa 3: SAR de las montañas de Vigirima posiblemente asociados a antiguos caminos trasmontanos y secundarios. Fuente: Páez, 2016.
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Mapa 4: Manifestaciones rupestres de la sección Occidental del paisaje cordillerano tacarigüense. Fotos e infografía: Leonardo Páez.
Ilustración 1: Posibles etapas de producción y uso originario de los SAR del PARANOT. Elaboración propia.
Imagen 2: Algunos tipos de surco en diseños de petroglifos del PARANOT. Izquierda: diseño ubicado en el SAR La Cumaquita, municipio San
Diego, estado Carabobo. Derecha: diseño localizado en el SAR La Corona del Rey, municipio Guacara, estado Carabobo. Foto e infografía:
Leonardo Páez.
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Mapa 6: Por la ruta fluvial Negro-Casiquiare-Orinoco-Apure-Portuguesa-Pao posiblemente se movilizaron desde la cuenca amazónica hacia el
Norte algunos signos presentes en el arte rupestre y en la alfarería precolonial, como la denominada “doble espiral invertida”, traída a colación en
la gráfica. La pieza cerámica observada corresponde a un plato con pedestal de la Serie Osoide rescatado en el Fundo La Betania, estado Barinas
(fuente: Arroyo, Blanco y Wagner, 1999). Fuente de los diseños rupestres: Koch-Grünberg (1907), De Valencia y Sujo Volsky (1987), Ortiz y Pradilla
(2002) y Valle (2012). Elaboración propia sobre mapa de Tarble (1985).
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Mapa 7: Hitos históricos del siglo XVI asociados al PARANOT. Fuente: Páez, 2016.
tendría su cenit en el momento que se sucedieron investido éste de una connotación mítica, tal vez
los repartimientos y la reducción indígena al agorera, como sucedería entre los grupos
régimen de encomienda, precisamente cuando se aborígenes que habitaban la región de la cuenca
debió haber producido un contacto más estrecho a orinoquense y guayanesa durante el tiempo
raíz de asignársele a los recién llegados la aludido, algunos de filiación Caribe, por tanto
responsabilidad de velar por su adoctrinamiento emparentados lingüística y culturalmente con los
(Briceño, 1943; Ponce y Vaccari, 1980; Castillo, 2002; pobladores tacarigüenses que hicieron contacto y
Cubillán, 2004). Pero además, acaso también se convivieron con los conquistadores y colonizadores
evidencie en el uso consuetudinario europeo de los europeos (Humboldt, 1969; Schomburgk R., 1841;
caminos trasmontanos del PARANOT a partir de la Schomburgk M.R., 1922 [1847]; Im Thurn, 1883).
segunda mitad del dieciseiseno siglo, con lo cual
habrían tenido la oportunidad de avistar, observar 5. El PARANOT durante la época Republicana
y/o detallar trazas de uso y operatividad de los (1.810 d.C. - 1.950 d.C.)
SAR aledaños a estas sendas, asunto que sin La posible subsistencia de imaginarios
embargo los documentos no explicitan (mapa 7). colectivamente compartidos y culturalmente
A pesar de la inadvertencia de operatividad social emparentados a la ancestral cultura indígena
del PARANOT entre los grupos aborígenes del tacarigüense durante la época Colonial y
dieciseiseno, los datos etnográficos colectados en Republicana, pudiera evidenciarse en los datos
los siglos XVIII y XIX en otras regiones venezolanas preliminares colectados entre los habitantes
permiten no descartar la pervivencia de ciertos actuales de ciertas comunidades insertas en el
referentes que, de alguna manera, quizá le PARANOT (mapa 8). En efecto, el trabajo
otorgaban un sentido o valor dentro del contexto etnográfico realizado entre estos avecindados -
social de la época Colonial. Tal vez la existencia de (posiblemente descendientes mestizos de
imágenes y estereotipos alrededor de los SAR del pobladores cuyos orígenes se remontan a tiempos
PARANOT estaría estrechamente vinculada al tempranos de la historia regional) deja al
conocimiento mismo de su presencia en el paisaje, descubierto la presencia de cierta memoria acerca
Mapa 8: Comunidades del PARANOT consideradas en el trabajo etnográfico: La Cumaca, Tronconero, Vigirima (vertiente Sur cordillerana) y
Patanemo (vertiente Norte). Elaboración propia sobre mapa del Instituto Geográfico de Venezuela Simón Bolívar (www.igvsb.gob.ve).
de una ascendencia aborigen así como de cierta torno a los petroglifos y demás manifestaciones
huella indígena en la valoración actual de algunos rupestres.
SAR. La posible re-significación agorera del SAR La
Tal situación se hizo evidente en el caso de la Cumaquita a mediados del siglo XX, incita a no
comunidad La Cumaca6, donde se colectó la descartar tal situación como una constante para
creencia, mantenida hasta mediados del pasado todos los SAR del PARANOT y demás espacios de
siglo, sobre la existencia de seres inmateriales (los la región tacarigüense, aunque no se posean datos
denominados espantos y aparecidos) actuando en concretos todavía. En todo caso, se sugiere que la
la llamada Piedra El Altar de la Virgen, una roca categorización de espacio funesto para los SAR
con grabados rupestres del SAR La Cumaquita sería un elemento proveniente del mundo simbólico
(imagen 3). En efecto, este sitio se consideró entre y conceptual que los indígenas tacarigüenses
los lugareños un lugar fatídico del cual había que manejaban en torno a estos parajes, quizá vigente a
cuidarse de sus nefastos influjos, una valoración partir de la pérdida de su uso y función social
que recuerda enormemente las observaciones originaria asignada por sus productores-usuarios en
realizadas entre comunidades indígenas algún momento postrero de la época Precolonial.
guayanesas por algunos de los autores A su vez, la praxis etnográfica llevada a efecto
decimonónicos consultados (Im Thurn, 1883). La permitió notar la pervivencia de otros posibles
creencia sobre fuerzas adversas operando en este imaginarios indígenas, puesto de manifiesto en
espacio, acaso represente un aporte y relatos como la denominada leyenda del Mojano.
reinterpretación de origen cristiano (el llamado En efecto, los testimonios colectados entre los
catolicismo popular) de un antiguo imaginario vecinos más longevos de la comunidad de
indígena precedente (Ascencio, 2012), asociado éste Tronconero7 dan cuenta de la creencia, conservada
con la presencia de influjos mágicos operando en aún en la actualidad, sobre la existencia de
7 En esta localidad se ubican cinco SAR, entre ellos el de Piedra Pintada, uno de los sitios emblemáticos del arte rupestre venezolano (cfr. Páez, 2011).
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6. Consideraciones finales
De manera sucinta se ha puesto sobre la palestra un
cuerpo de ideas tentativo referido al estatus social y
cultural del PARANOT a través de un espacio
temporal de cuatro mil años. Pareciera que ciertas
actitudes no cesaron con la desaparición de sus
creadores y usuarios originarios, ni de su mundo
social y cultural ni el propósito de su elaboración,
sino que permanecieron en el tiempo, llegando
incluso a la época actual. Eso sí, con las
transformaciones inevitables que ocasionaron siglos
Imagen 3: Vista parcial de la roca conocida como “Piedra El Altar de la de coexistencia y fusión de las comunidades
Virgen”. SAR La Cumaquita, municipio San Diego, estado Carabobo.
Nótese el nicho donde reposa una imagen escultórica de la virgen de originarias con los otros componentes pobladores.
Lourdes, exactamente arriba de unos grabados rupestres. Foto: cortesía
Marta de Araujo (2004). Las relaciones diacrónicas de este espacio con su
entorno social, sean o hayan sido de carácter
individuos (Mojanos) con capacidad de funcional, sacro, agorero, mnemónico, de temor o
transmutarse en felino u otorgar salud o respeto, desidia o desdén, de admiración,
enfermedad por medio de plantas y oraciones. Esta patrimonial, entre otras, se muestran interesantes
particularidad recuerda enormemente los poderes de examinar, pudiendo formar parte de futuras
atribuidos a los piaches indígenas, tal como lo pesquisas, especialmente porque la desmedida
describe el gobernador Juan de Pimentel en la transformación urbana y demográfica de la región
segunda mitad del siglo XVI (En Arellano, 1964), así tacarigüense amenaza simultáneamente tanto su
como a entidades zoomorfas insertas en el estado físico como la memoria oral de las
imaginario aborigen que pueden adoptar también comunidades que moran en sus alrededores.
la forma humana (Perrin, 1993). El atributo siniestro Aunque con el presente trabajo se procura
o demoníaco hacia la figura del Mojano, visibilizar este valioso legado, la cantidad de trabajo
probablemente originado a partir del carácter por hacer y el envejecimiento y desaparición de los
peyorativo con que la iglesia católica envistió a las moradores con mayor cúmulo de información,
prácticas religiosas aborígenes, acaso fungiría de hacen perentorio continuar esta labor.
elemento probatorio para establecer analogías entre
dicha figura y el piache. Un dato importante que Bibliografía
permitiría afianzar aún más esta presunción, se Antczak, M. M. y Antczak, A. (editores) 2007. Los
encuentra en el hecho del poder de trasmutación mensajes confiados a la roca. Sobre el inventario de
con que los testimonios envisten a este personaje, petroglifos de la Colonia Tovar de Peter Leitner. Editorial
como el de convertirse en felino (Ídem.). Equinoccio. Caracas.
Por su parte, otras valoraciones tradicionales hasta Arellano M., A. (compilador), 1964. Relaciones geográficas
hace poco practicadas en las comunidades del de Venezuela. Academia Nacional de la Historia.
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Paez | Techne 4 (2018) 31-42 41
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eISSN: 2182-9985
do patrimônio cultural de forma integrada a outras ação. Então, um conjunto de iniciativas acabou por
dimensões do desenvolvimento. Nas palavras de conformar um campo institucional e ampliou-se o
Oosterbeeck (2013, p 28), a “dicotomia entre corpo técnico que possibilitou, dentre outras coisas,
economia e cultura só serve para impedir sua dar realidade política à abordagem territorial do
análise, pois ambas consistem no mesmo desenvolvimento rural concebida no período
fenômeno”. A separação entre ambas gera, ainda anterior1.
segundo o autor, uma segmentação pouco A priorização regional dos territórios teve por base
produtiva nas políticas públicas entre políticas de a atuação do MDA, definindo “territórios rurais”
desenvolvimento e políticas de preservação como aqueles territórios nos quais “explicita ou
(Oosterbeek, 2013). implicitamente” se apresenta a “predominância de
elementos rurais”, mesmo compreendendo os
3. A abordagem territorial do desenvolvimento no espaços urbanizados das “pequenas e médias
Brasil e o território do Pontal do Paranapanema cidades, vilas e povoados” (MDA, 2004, pg. 10).
A abordagem territorial para as políticas de Para a Secretaria de Desenvolvimento Territorial,
desenvolvimento no Brasil tem sua origem em repercutindo, diretamente, reflexões mais ou menos
estudos acadêmicos nos anos 1990. Essa tendência, consensuais na academia (Abramovay, 2003; Perico,
marcada por estudos sobre redes institucionais 2009), a identidade é:
“que permitem ações cooperativas – que incluem,
"uma característica do território, relacionando-a
evidentemente, a conquista de bens públicos como com suas origens, com os modos de ocupação do espaço
educação, saúde, informação - capazes de e com o contexto social construído. Definida como um
enriquecer o tecido social de uma certa elemento aglutinador, a identidade territorial facilita a
localidade” (Abramovay, 2003, p. 84), foi construção de um futuro mais solidário e
rapidamente incorporada ao discurso oficial. Tal interdependente, onde se reconhece e se valoriza a
perspectiva passou a ser recomendada no diversidade, a coesão de princípios, a mediação de
planejamento do desenvolvimento rural, já a partir interesses e a convergência de dinâmicas sociais,
da segunda metade da década de 1990. culturais e econômicas" (Brasil, 2011, s/p.).
Na busca por uma operacionalização mais
normativa do desenvolvimento rural, Shejtman e No Território do Pontal do Paranapanema (extremo
Berdegué (2003) indicam o desenvolvimento oeste do Estado de São Paulo), tem-se, desde 2003,
territorial rural como um processo de uma tentativa de integração de políticas, com vistas
transformação do espaço rural com vistas à redução à superação de uma visão setorial. Em seu escopo, o
da pobreza e sua melhor dinamização econômica. programa Territórios da Cidadania (instituído em
Apesar de a ênfase ser fundamentalmente na 2008), buscou integrar 19 pastas ministeriais,
economia, para esses autores está óbvio que o requalificando parte dos Territórios Rurais, ou
território é uma construção social, na qual se “Territórios de Identidade”, definidos no início da
expressam a identidade e o pertencimento – algo política territorial do governo Lula da Silva (2003).
coletivamente compartilhado (Schejtman e O Território em questão é composto por 32
Berdegué, 2003). municípios inseridos na 10ª Região Administrativa
A mudança de governo nas eleições de 2002 fez do Estado de São Paulo (Figura1).
com que uma discussão, até então sem muita A realidade histórico-geográfica do Pontal do
concretização em termos de políticas públicas, Paranapanema apresenta, sem dúvida, grandes
efetivamente se materializasse como ação desafios para um desenvolvimento sustentável e
governamental. A chegada de uma coligação de substantivo. Com uma ocupação que data do final
partidos, liderada pelo PT, ao Governo Federal do século XIX, a região revela, em seu histórico
dinamizou o Ministério do Desenvolvimento fundiário, o mais conhecido caso de grilagem de
Agrário (MDA), ampliando seus instrumentos de terras do país (Leite, 1998). Apesar da flagrante
1A partir de 2016, paulatinamente, o governo Temer vai desmontando as agências federais ligadas ao desenvolvimento territorial. Cita-se a extinção do Ministério
do Desenvolvimento Agrário (MDA), em maio de 2016, substituído pela Secretaria Especial de Agricultura Familiar de Desenvolvimento Agrário e,
posteriormente, ainda nesse ano, a extinção da Secretaria de Desenvolvimento Territorial – SDT. Em 2017, nos primeiros editais de financiamento ligados ao
desenvolvimento territorial, não se faz mais menção aos Colegiados de Desenvolvimento Territorial com mediadores de projetos.
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Figura 1: Regiões Administrativas do Oeste do Estado de São Paulo, com destaque para os limites municipais do Território do Pontal do
Paranapanema. Fonte: Thomaz Jr. (2007).
Há escassos bens patrimoniais protegidos, de uma propriedade rural (a fazenda Santa Sofia), à
revelando um desinteresse dos agentes públicos e época do tombamento já estava inserida no tecido
da sociedade civil, supostamente porque há uma urbano de Presidente Venceslau.
percepção equivocada de seu valor, já que as Seu processo de tombamento junto ao
cidades têm menos de 100 anos (Hirao; Neres, CONDEPHAAT deu-se em 1991, tendo seus
2011). Tomando como referência os bens edificados estudos prévios iniciados em 1989 (Nascimento,
tombados pelo Conselho de Defesa do Patrimônio 2013). Segundo Nascimento (2013), um embate
Histórico, Arquitetônico, Artístico e Turístico do muito específico ocorreu entre o proprietário atual
Estado de São Paulo (CONDEPHAAT), constam, no do imóvel tombado e o CONDEPHAAT, tendo
território do Pontal do Paranapanema, apenas a como objeto a área envoltória do patrimônio
sede da fazenda Santa Sofia (Presidente Venceslau) reconhecido. No decorrer da década de 1990, após
e o Cemitério Japonês (Álvares Machado). Além seguidos procedimentos judiciais, um acordo
disso, há vários sítios arqueológicos de grupos permitiu que o proprietário – desde que restaurasse
Guarani e Kaingang, registrados no Instituto do os bens tombados – loteasse a área envoltória,
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN objetivo desde o início da pendenga judicial movida
(Faccio, 2016). pelo herdeiro do falecido coronel. Graças a esse
No caso do chamado “Mirante” e da casa sede da acordo, o Mirante está literalmente “cercado” por
fazenda Santa Sofia, no município de Presidente condomínios construídos no loteamento (figura 2),
Venceslau, o patrimônio tombado é composto pela o que retira sua possibilidade de melhor apreciação
casa do pioneiro e principal líder político do pela população local. Segundo Meneses (2006), a
município da primeira metade do século XX visualização do bem: "implica acesso necessário
(Álvaro Antunes Coelho), mais uma torre, para a fruição do bem, em particular, dos diversos
conhecida como Mirante. Segundo Erbella (2006), o valores que especificamente tenham sido
Mirante teria sido originalmente uma torre para declarados como razão para a ação protetora do
catavento que movimentava a bomba de sucção da Estado [....] o beneficiário da observação/fruição
água do poço da propriedade. visual, por certo, não pode ser circunscrito ao
Esse conjunto é representativo do período do café morador local, mas deve ampliar-se para todo o
na região, sendo um patrimônio diretamente ligado cidadão que pratique o espaço em causa" (Meneses,
à elite local (casarão mais torre), símbolo também 2006, p. 42).
da força política dos grandes proprietários e Além desse bem tombado, no município existe o
grileiros do Pontal do Paranapanema. Antes sede conjunto da sede e as antigas instalações do
Figura 2: Vista do Mirante da sede da Sta. Sofia (no detalhe, à direita, é visível a distância reduzida entre o bem tombado e o muro do condomínio
vizinho). Fonte: o autor (2017).
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Figura 3: Imagens da sede do Assentamento Primavera convertida em escola Municipal. Fonte: Arquivo do grupo de pesquisa Nupedor-GEPEP
(FCT/Unesp).
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Figura 4: Imagens do confinamento de gado (PA Primavera). Fonte: Arquivo do grupo de pesquisa Nupedor-GEPEP (FCT/Unesp).
processo: [...] a estrutura fundiária do município de efeméride em Álvares Machado, até mesmo pela
Álvares Machado se difere dos demais municípios do importância de sua comunidade nissei (Figura 5).
Pontal do Paranapanema e da região Oeste de São Paulo, Sendo um dos únicos cemitérios exclusivos da
pois a presença do imigrante japonês possibilitou que a colônia japonesa da América do Sul (há outro no
terra fosse vendida em pequenos e médios lotes Peru), o cemitério japonês foi tombado pelo
(Bomtempo, 2007, p.7). CONDEPHAAT em 1980, após mobilização da
Nos primeiros anos de colonização no Brejão, uma comunidade nissei de Álvares Machado.
epidemia vitimou muitos colonos imigrantes. Como A construção da nova capela budista, na verdade
o único cemitério da região ficava distante mais de uma reivindicação e melhoria que a comunidade
15 quilômetros, os colonos compraram uma área nissei de Álvares Machado demandava, na medida
comunitária, onde construíram um cemitério e uma em que ocorreu após o processo de tombamento,
escola da comunidade - instalação que faz parte do foi, num primeiro momento, vista como depredação
conjunto arquitetônico do cemitério japonês2 e intrusão ao patrimônio protegido (Nascimento,
(Miyashita, 1968). 2009). No entanto, além do péssimo estado de
Pouco tempo depois da abertura do cemitério em conservação da antiga construção – em madeira – a
1919 (Takenaka, 2003), sentiu-se a necessidade de nova capela atende melhor os requisitos para a
realizar-se uma celebração aos mortos, ritual realização de um culto budista como hoje se pratica
tradicional no Japão. Em 1921, celebra-se o no Brasil. Depois de uma troca de correspondência
Shokonsai – “convite às almas” em japonês ríspida entre CONDEPHAAT e comunidade, o
(Miyashita, 1968), realizado todos os anos, exclusive órgão reconhece que o patrimônio cultural em tela é
no período da 2ª Guerra Mundial, devido às dinâmico e tem uma vida que deve ser respeitada.
restrições civis impostas aos imigrantes japoneses Assim, nenhuma sanção foi aplicada aos detentores
no Brasil. O “ohaka” (cemitério em japonês) da propriedade do cemitério – eles mesmos
funcionou de 1919 até 1943, quando foi fechado descendentes de imigrantes japoneses.
pelas autoridades machadenses por orientação do
governo brasileiro. No total, foram enterrados ali Conclusão
784 mortos (Takenaka, 2003). Após o término da 2ª. No contexto deste estudo, pode-se afirmar que o
Guerra, mesmo com o cemitério desativado, o oeste paulista também é palco de lutas por
Shokonsai voltou a ser celebrado, tornando-se uma reconhecimento e pertencimento que são, por sua
Figura 5: Imagem do cemitério Japonês de Álvares Machado. Fonte: Arquivo do Laboratório de Arqueologia Guarani e Estudo da Paisagem – LAG
(FCT/Unesp).
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Faccio | Techne 4 (2018) 53-64 53
http://www.pacadnetwork.com/itm/index.php/techne/techne-2018
eISSN: 2182-9985
Figura 1: Localização dos Sítios Lagoa Seca, Aguinha, Terra do Sol Nascente, Pernilongo, Ragil, Ragil II e Capisa.
O lago da UHE da Capivara foi formado em 1974 e O Estado de São Paulo foi densamente povoado por
desde essa época os sítios em estudos encontram-se índios, cuja presença era marcante no Vale do
submersos emergindo apenas em períodos de seca Paranapanema até o início do século XX.
como as ocorridas em 1999 e 2008. Tais sítios se A faixa de terra dos sete sítios arqueológicos
inserem naquilo que Morais (2002) define como estudados no Município de Iepê, SP está localizada
sistema regional de ocupação de agricultores, próxima à margem paulista do Rio Paranapanema
perspectiva teórico-metodológica que adotamos e, até o momento, revela-se como a de maior
para sua contextualização. A maior parte desses proximidade entre sítios numa mesma área, pois,
sítios apresentou grande quantidade de materiais numa extensão de 9.300 metros estão os sete sítios
cerâmicos, além de líticos lascados, líticos polidos, arqueológicos Guarani.
urnas funerárias, manchas pretas e adornos em Procuramos, aqui, estudar os elementos da cultura
resina de jatobá. Buscamos executar uma material presente na área desses sítios, com atenção
sistemática e criteriosa arqueografia desses especial para o material cerâmico – principal
materiais e do meio físico, embora os sítios não identificador da cultura Guarani e da forma de
possam – devido à sua localização implantação em área de terraço. Contudo, desde já,
intermitentemente submersa – ser exaustivamente esclarecemos que muito se perdeu devido à ação do
pesquisados em sua totalidade. tempo e do homem, prejudicando um trabalho mais
Na região do Vale do Rio Paranapanema, lado completo, nesses sítios, cujas ocupações datam de
paulista – objeto específico deste estudo – pesquisas 700 ± 160 a 1668 ± 180 anos (Faccio, 2011).
arqueológicas acontecem desde a década de 1960. Deles, pudemos conhecer apenas parte de sua área
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e dos materiais arqueológicos, tendo em vista não espaço-temporal, a cultura material e as estratégias
sabermos o quanto de cada um deles está submerso de subsistência do grupo original foram mantidas
nas águas do Lago da Usina Hidrelétrica (UHE) da pelos seus descendentes ao longo dos séculos
Capivara. Mesmo em períodos de seca, quando o (Noelli, 1993). Segundo Rita Schell-Ybert,
nível desse lago baixa até 10 metros, eles não pesquisadora do Museu Nacional, “o povo tupi-
emergem totalmente. guarani já vivia na região de Araruama (RJ) há
O lago da UHE da Capivara foi formado em 1974 e 2.920 anos – aproximadamente 1.180 anos antes do
desde essa época os sítios em estudos encontram-se que as evidências científicas indicavam até
submersos emergindo apenas em períodos de seca hoje” (Geraque, 2008, p.1). Sobre esse dado,
como as ocorridas em 1999 e 2008. Tais sítios se Eduardo Goes Neves, arqueólogo do MAE/USP,
inserem naquilo que Morais (2002) define como coloca que:
sistema regional de ocupação de agricultores,
Os resultados são bem surpreendentes. Eles
perspectiva teórico-metodológica que adotamos complicam um pouco as coisas, talvez até nos levando a
para sua contextualização. A maior parte desses rejeitar uma origem amazônica dos tupis-guaranis [...] as
sítios apresentou grande quantidade de materiais datas potencialmente candidatas para as ocupações da
cerâmicos, além de líticos lascados, líticos polidos, Amazônia são as mesmas que as divulgadas agora para o
urnas funerárias, manchas pretas e adornos em Norte do Rio de Janeiro, “ou até mais recentes”. Mas
resina de jatobá. Buscamos executar uma essas datações são baseadas em dados linguísticos e não
sistemática e criteriosa arqueografia desses arqueológicos (Geraque, 2008, p.1).
materiais e do meio físico, embora os sítios não
possam – devido à sua localização Segundo Schell-Ybert, “essa ocupação antiga dos
intermitentemente submersa – ser exaustivamente tupis-guaranis no Rio, se não tira a importância da
pesquisados em sua totalidade. Amazônia como centro de origem desse grupo
indígena, ajuda a mostrar, talvez, que a saída do
O Sistema Regional de Ocupação Guarani norte do país começou bem antes do que se
O Sistema Regional de Ocupação Guarani é imaginava” (Geraque, 2008, p. 2). Segundo Schmitz,
formado por índios Guarani, provavelmente no Brasil havia duas populações do tronco
originários da Amazônia. Esses índios migraram linguístico tupi-guarani: “uma do Paranapanema
por um longo período pelas calhas do Rio Paraná e para o norte e ao longo da costa leste brasileira, que
de seus afluentes, transitando pelas bordas fala Tupi; a outra, no Paraguay, nos três estados
ocidentais do Planalto Central Brasileiro. Os meridionais do Brasil e em partes do nordeste
sistemas regionais de agricultores do Estado de São argentino, falando Guarani” (Schmitz, 1991, 37). O
Paulo foram desmantelados pelas várias frentes de autor ressalta, ainda, que, além de possuírem
invasão ibérica, a partir do século XVI (MORAIS, línguas distintas, esses dois grupos também
2017). Para a identificação dos Sistemas Regionais mantinham diferenças tecnológicas (Schmitz, 1977).
de Ocupação é necessário que se observem os No Estado de São Paulo, o limite para as ocupações
parâmetros arqueológicos como: tupi e guarani ainda não estão bem definidas.
(...) georreferenciamento de registros Sabemos que a área do Baixo Paranapanema
arqueológicos [considerados marcadores territoriais dos Paulista foi ocupada por grupos indígenas Guarani.
sistemas]; datações [consideradas marcadores temporais A Tradição Tupiguarani é atribuída a tribos
dos sistemas], compondo um quadro de fluxos e refluxos indígenas guarani ou tupi, devido à correlação que
de expansão; inserção dos registros arqueológicos em se faz com grupos históricos, embora saibamos que,
quadro tipológico referencial, adequado ao escopo das quando essa tradição foi criada, ela não assegurou
aproximações cartográficas [escalas] (Morais, 2007, p.8). correspondência étnica com tribos indígenas
guarani ou tupi (Morais, 2003).
Tem-se que a migração dos Guarani da área do
Vale do Rio Madeira, Amazônia Central, para a Sítios Guarani do Vale do Rio Paranapanema, SP.
calha do Rio Paraná e de seus afluentes, teria Na área do Médio e Alto Paranapanema os
ocorrido no período de 3.500 a 2.000 anos antes do arqueólogos Luciana Pallestrini e José Luiz de
presente (Meggers, 1977). Apesar dessa dispersão Morais foram pioneiros no resgate e estudo
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Figura 4: Urna
funerária do Sítio
Arqueológico
Alves - Piraju, SP.
Fonte: Faccio
(2011, adaptado
de Pallestrini,
1975).
Faccio | Techne 4 (2018) 53-64 57
Da cerâmica do Sítio Alves, Pallestrini escreve que evidenciado para a área do Médio Paranapanema
“seu estilo, dentro da Tradição Tupiguarani, Paulista, onde está localizado o Sítio Alves de que
apresenta matizes particulares quando comparado os grupos indígenas Guarani apresentam aldeias
com o estilo dos Sítios Fonseca e Jango Luiz; não só pré-históricas semelhantes, demonstrando a forte
a forma é diferente, como a ornamentação pintada resiliência desse grupo. Os sítios em estudo
se apresenta sempre em linhas duplas” (Pallestrini, encontram-se a uma distância máxima de 400
1975, p. 49). O Sítio Alves apresentou cerâmicas dos metros do Rio Paranapanema, sendo suas áreas a
tipos lisos e pintados. Os líticos do Sítio Alves leste ou a oeste delimitados por um córrego que
foram feitos nas matérias-primas sílex, arenito deságua no Rio Paranapanema. A área desses sítios,
silicificado e quartzo. antes da ocupação pela sociedade nacional,
Na área do Baixo Paranapanema, os Sítios apresentava uma exuberante Floresta Latifoliada
Arqueológicos Guarani começaram a ser estudados Tropical.
a partir da década de 1980. Apresentaremos o Sítio Tendo em vista a história de ocupação da área,
Arqueológico Alvim escavado na área do Baixo incluindo a construção de uma obra de grande
Vale do Rio Paranapanema, no âmbito do ProjPar1. impacto, como é o caso da Usina Hidrelétrica da
O Sítio Alvim, localizado no Município de Capivara, verificamos que na década de 1960, a área
Pirapozinho, SP e trabalhado em estudo anterior dos sítios arqueológicos não apresentava cobertura
(Faccio, 1992), apresentou contexto perturbado por vegetal de mata. Com a formação do lago da Usina
forte solapamento das margens do Rio Hidrelétrica da Capivara, os afluentes, que
Paranapanema, ocorrido no ano de 1983, que apresentam depósitos de argila, foram inundados,
deixou, em superfície, os materiais arqueológicos bem como os seixos utilizados para lascamento que
misturados de forma caótca. Neste caso, além dos se encontravam próximos das margens do Rio
materiais evidenciados em superfície fora da Paranapanema ou de seus afluentes na forma de
posição original, trabalhou-se com uma pequena stone lines.
área do sítio não destruída pela erosão. Na mesma Verificamos, agora, depois da formação do Lago da
área ainda foram encontrados cerâmicas, líticos UHE da Capivara, que os sítios ficam submersos a
lascados e polidos. O material cerâmico apresentou maior parte do ano, em quase todos os anos, ou em
urnas funerárias fragmentadas, na forma de faixa de depleção. Segundo Morais (1995), nas áreas
cambuchi e yapepó, miniaturas, cambuchi cabagua, de reservatórios de usinas hidrelétricas, a oscilação
yapepó e ñaeta. Pela quantidade de cerâmica da lâmina d´água e o embate das ondas afetam os
fragmentada espalhada pela área do sítio pressupõe- sítios arqueológicos alcançados pela nova margem.
se a presença de um número de sete ou mais Deslocamentos e rearranjos de materiais ocorrem
manchas pretas. pelo movimento turbilhonar das águas e pelo
As pedras polidas são objetos mais raros e, solapamento de barrancos que provocam
frequentemente encontrados muito desgastados ou desmoronamentos.
quebrados. Exceção é observada quando essas Por outro lado, ocorre, também, o soterramento de
peças estão associadas a cemitérios indígenas, na objetos arqueológicos pela deposição de
forma de oferendas, ou fora da área do sítio (na sedimentos, principalmente nos braços assoreados
forma de ocorrência arqueológica), dando a correspondentes. O nível da água do Lago da Usina
impressão de terem sido perdidas. Nesse contexto, Hidrelétrica da Capivara recua e avança nas
as peças, geralmente, estão bem conservadas. diferentes estações do ano, provocando correntes de
As pedras lascadas são abundantes nas áreas de fundo e ondas que “decapam” a área dos sítios
Sítios Guarani. São evidenciados, no geral, lascas, arqueológicos, fragmentando a cerâmica,
percutores duros e muitos resíduos. Os objetos destruindo as manchas pretas e, portanto,
dessa indústria são adequados para raspagem e modificando as feições originais da área de cada um
corte de osso, carne e frutas. dos sítios. Atualmente as áreas dos sítios de Iepê
Os sítios arqueológicos do Município de Iepê, SP em estudo estão protegidas por demarcação das
A pesquisa em tela corroborou o fato, já áreas de proteção permanente; não estão
1O Projeto Paranapanema foi criado na década de 1960 pela professora Dra. Luciana Pallestrini, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São
Paulo para realizar pesquisas arqueológicas na margem paulista do Rio Paranapanema.
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protegidos, contudo, das ações do Lago da Usina seu significado morfológico e funcional dentro do
Hidrelétrica da Capivara que, a cada estação, todo. Nesse sentido, as análises de material
destrói mais uma parte de cada um dos sítios. Os realizadas priorizaram as discussões tecnológicas,
sítios estão submersos ou em área de depleção. O uma vez que tais análises intra-sítio, largamente
ideal seria empregar técnicas de arqueologia propostas pela Arqueologia se veriam, já de início,
subaquática nessa área. parcialmente comprometidas. Dentro desse
Na área desses Sítios Guarani de Iepê, não se pode contexto, procuramos adotar metodologias de
deixar de considerar o fato de que se trabalhou, análise que permitissem proceder, ao menos, a uma
certamente, apenas parte de cada um dos sítios, os minuciosa caracterização das indústrias, bem como
quais apresentam área bem mais ampla que aquela obter os primeiros elementos para discussões sobre
que emerge em algumas épocas do ano de alguns a cadeia operatória envolvida na produção de
anos. A Figura 5 mostra a área pesquisada em artefatos obtidos (Faccio, 1988).
períodos em que o nível do lago da UHE da O estado de conservação dos sítios dificultou a
Capivara baixa e a provável área imersa nesses obtenção de dados referentes ao significado
períodos. funcional da parte estudada das indústrias, bem
Assim, é certo que lidamos, também, com apenas como a análise dos padrões de distribuição espacial
parte de suas indústrias, tanto qualitativa quanto da cerâmica intra-sítio, uma vez que, para isso seria
quantitativamente. As condições dos sítios necessário estudar todo o espaço do sítio. Com isso,
impediram que se tivesse qualquer tipo de controle a análise do material privilegiou as discussões
amostral em relação à área trabalhada, ou seja, qual tecnológicas, tendo em vista que as análises intra-
sítio estão comprometidas. Procuramos dessa mesmo estudo com as vasilhas provenientes dos
forma, adotar metodologia de análise que sítios arqueológicos do Município de Iepê.
permitisse caracterizar e oferecer elementos, para Foram obtidas as medidas do diâmetro da boca e
discussão e compreensão da sequência de gestos altura de 11 yapepó em três sítios (Aguinha,
técnicos realizados para a produção dos artefatos Pernilongo e Lagoa Seca). Nota-se que o diâmetro
da indústria cerâmica. da boca variou de 6 a 56 cm. Já a altura vai de
A análise do material cerâmico seguiu os aproximadamente 6,3 a 60,5 cm.
pressupostos teórico metodológicos definidos para Em geral, a altura dos yapepó pesquisados é menor
o estudo das ocupações ceramistas do Projeto do que o diâmetro da boca, ou seja, os yapepó têm a
Paranapanema, com as adaptações julgadas boca mais aberta e uma profundidade menor. Essa
necessárias. Nesse sentido, tomou-se o artefato - informação foi obtida com a análise da inclinação.
uma vasilha - para objeto de análise, pois, como Então, da mesma forma que foi obtida a altura do
todo comportamento cultural, a produção cerâmica yapepó tendo em mãos o diâmetro da boca, seria
é estruturada em padrões e sequências que não possível obter o diâmetro da boca sabendo-se a
podem ser obtidas por dados isolados (fragmentos), altura do yapepó (fotos de 1 a 7).
mas sim pela maneira como as informações se A cerâmica dos sete sítios de Iepê apresentam
estruturam entre si, ou se padronizam numa forma características semelhantes: base da vasilha
de vasilhame (Faccio, 1998). confeccionada com a técnica de modelagem e o
Na Arqueologia Brasileira, o material cerâmico é corpo por rolete. Os antiplásticos utilizados foram o
coletado na forma de fragmentos, sendo raros os caco moído e o mineral. Algumas peças apresentam
vasos recuperados inteiros. Assim, o somente o antiplástico mineral. A cerâmica lisa é
encaminhamento proposto foi agrupar os predominante, mas registra a presença do engobo,
fragmentos provenientes de uma mesma vasilha da pintura, do corrugado, do ungulado e do inciso.
por meio da análise da distribuição das peças na A pintura apresenta motivos mínimos que se
área do sítio, da verificação dos seus planos de repetem por toda a peça. Quando há carena na
fratura e dos diferentes atributos tecnológicos e cerâmica, a pintura está na parte superior do ângulo
estilísticos apresentados. A partir do agrupamento de parede; na parte externa da peça pintada é
dos fragmentos de peças de uma mesma vasilha, comum a repetição de um motivo mínimo. No caso
obtêm-se diferentes conjuntos de fragmentos, que dos ñaetá a pintura ocorre na face interna e em
passam a constituir o objeto inicial da análise alguns casos apresentam figuras, como a de um
(Robrahn, 1991). A partir da análise dos conjuntos macaco verificado na vasilha cerâmica do Sítio
obtêm-se as características gerais das vasilhas, Lagoa Seca (figura 6 e foto 31). A inclinação de
sempre levando em consideração o estado de valores referentes ao diâmetro da boca e altura dos
conservação das peças. cambuchi dos Sítios Aguinha, Lagoa Seca e
Para a área do Baixo Vale do Rio Paranapanema, Pernilongo é de 47,26 graus. Isso significa que, em
lado paulista, está se consolidando um trabalho de geral, a altura é maior que o diâmetro da boca (fotos
sistematização das formas de todas as vasilhas de 14 a 18). Os cambuchi caguaba são dos Sítios
encontradas inteiras e presentes em museus ou Aguinha e Pernilongo. Nesse caso observou-se que
coleções particulares. Esses vasos inteiros servem a altura, em geral, é menor que o diâmetro da boca,
de parâmetro e proporcionam uma maior e isso ocorre para todos os cambuchi caguaba, isto
fidelidade ao esboço de reconstrução das vasilhas. é, para as nove amostras encontradas, a altura é
Contudo, para reconstituir a forma de uma vasilha menor que o diâmetro da boca (fotos de 19 a 25).
a partir do fragmento de borda, consideramos ser Foram analisados cinco ñaetá dos Sítios Aguinha,
necessário que a borda tenha acima de 10% do Lagoa Seca e Pernilongo. O diâmetro da boca do
diâmetro da boca e um comprimento que possibilite ñaetá varia de 20 a 50 cm, enquanto na altura essa
representar, com segurança, o contorno do vaso. variação é de 11 a 18 cm. Nesse caso, verificou-se
Em áreas ou sítios onde se conhecem as formas das que a altura é menor que o diâmetro da boca (fotos
vasilhas é mais segura a sua reconstituição gráfica. 26 a 30).
Dessa forma, analisando o estudo realizado por
Brochado e Monticelli (1990), resolvemos realizar o
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eISSN: 2182-9985
ethos, o que é possível captar através das pesquisas principal propósito de contribuir para a
arqueológicas está depositado nos artefatos e nas compreensão da trajetória dos grupos Jê no planalto
estruturas de habitação e cerimoniais deixadas por meridional brasileiro. Em Santa Catarina foram
esses grupos. Dos artefatos, encontram-se realizados trabalhos no vale do Rio Itajaí, município
fragmentos de cerâmica e materiais líticos de Taió (Schmitz et al., 2009), e nos Campos de
produzidos a partir do lascamento e/ou do Lages, no município de São José do Cerrito (ver
polimento sobre blocos de basalto e arenito. Já as Schmitz et al., 2010; Schmitz et al., 2013a, Schmitz et
estruturas de habitação e cerimoniais, podem al., 2013b; Schmitz et al., 2016a; Schmitz et al.,
apresentar formas e dimensões diferentes, isoladas 2016b).
ou compondo agrupamentos. Tais variáveis são As pesquisas desenvolvidas no município de Taió
algumas das peças que compõem o quebra-cabeça resultaram em dados cronológicos e morfológicos
que os arqueólogos vêm montando há décadas. muito interessantes. No sítio SC-TA-04, composto
Na região do planalto catarinense é possível por 14 casas subterrâneas, um montículo funerário
verificar a ocorrência de movimentos culturais que e um aterro construído, provavelmente, a partir das
acompanham as transformações naturais do sobras de material mineral proveniente das casas
ambiente através do estudo do sítio arqueológico subterrâneas, foram realizadas quatro datações,
Rincão dos Albinos, situado no município de São através das quais se obtiveram as datas mais
José do Cerrito. As datas obtidas neste sítio antigas para casas subterrâneas no estado de Santa
sugerem que a ocupação teve seu início em, Catarina até então: 1390 AP e 1220 AP (Schmitz et
aproximadamente, 1400 AP, período em que, al., 2009).
segundo dados paleoambientais apresentados por A ampliação do horizonte cronológico obtido a
Behling (1997, 2002), a região do planalto partir dos trabalhos de Taió, foi reforçada e testada
catarinense é, majoritariamente, coberta por nas pesquisas realizadas em São José do Cerrito
campos. Contudo, nesse mesmo período, mudanças entre os anos de 2008 e 2017. Nesse período foram
climáticas tornam possível a subida da mata de escavadas estruturas de duas áreas arqueológicas
araucária para o planalto, iniciando uma alteração que apresentam diferenças estruturais, incluindo
no ambiente e na concepção de paisagem dos tamanhos, formas e disposição das casas
grupos Jê. subterrâneas, e amplitude espacial da área do sítio:
Assim, correlacionando dados arqueológicos com Rincão dos Albinos e Boa Parada (figura 1).
os dados paleoambientais, desenvolveu-se a Na área arqueológica da Boa Parada, verificou-se a
hipótese de que a área onde se localiza o sítio ocorrência dos padrões ocupacionais encontrados
Rincão dos Albinos era dominada por campos nos sítios escavados no vale do Rio Pelotas por
úmidos cercados por malhas de mata com araucária Mentz Ribeiro; Ribeiro (1985), Copé e Saldanha
que, por sua diversidade de recursos, foram (2002), Saldanha (2005) e Müller (2008), mas em um
constantemente reocupadas. Tal hipótese se reforça período mais recuado. Aglomerados compostos por
quando verificamos que a ocupação neste sítio se até 6 casas subterrâneas e a ocorrência de casas
estende continuamente até o século XI da era Cristã, subterrâneas isoladas; a intensificação do uso de
momento próximo aquele em que tem início uma cerâmica, a presença do danceiro, aterros
grande expansão da mata de araucária. cerimoniais em forma de plataforma e a maior
É também em torno do século XI que se verificam dispersão dos conjuntos de estruturas, são
alterações no padrão construtivo das estruturas características comuns aos sítios associados à
subterrâneas e na cultura material a elas associada ocupação Jê no planalto meridional a partir do
(Schmitz et al., 2016a; Novasco; Schmitz, 2016), século XII da era Cristã (Schmitz; Novasco, 2011).
indicando mudanças no comportamento e na Já a área arqueológica do Rincão dos Albinos, é
estrutura social dessas populações. composta por 107 casas subterrâneas, dispostas
sobre uma área de 180 metros de raio (Novasco;
2. A Arqueologia das casas subterrâneas em São Schmitz, 2016). Em duas casas subterrâneas que
José do Cerrito compõem o sítio foram obtidas datas que remetem
A equipe do Instituto Anchietano de Pesquisas ao início desta ocupação ao mesmo período daquela
realizou, e vem realizando, pesquisas que tem o empreendida em Taió, aproximadamente 1.400
Novasco & Schmitz | Techne 4 (2018) 65-73 67
Figura 1: Localização das áreas arqueológicas Rincão dos Albinos e Boa Parada.
anos AP. Neste sítio as casas estão aglomeradas, implantados em áreas mais planas, principalmente
como se construídas em sobreposição. Nesta área no topo de elevações (Schmitz et al., 2010; Schmitz
não ocorrem danceiros e a cerâmica aparece em et al.; 2013a; Schmitz et al.; 2013b; Schmitz et al.,
algumas estruturas, nos níveis mais superficiais 2016a; Schmitz et al.; 2016b).
(Schmitz et al., 2013a; Novasco, 2013). Sobre os sítios compostos por uma ou mais
A partir de dados obtidos nas pesquisas realizadas estruturas subterrâneas uma particularidade foi
em São José do Cerrito, alguns elementos do ethos observada: os sítios com as datas mais recuadas
do Jê Meridional puderam ser captados, como a apresentam casas com dimensões variadas, mas são
persistência temporal e geográfica da prática de produto de sucessivas reocupações e estão muito
construir casas subterrâneas, a utilização de próximas umas das outras, formando aglomerados
monumentos cerimoniais ligados à cremação e a com várias estruturas; já nos sítios com datações
manufatura de cerâmica. mais recentes, aproximadamente a partir de 900
A respeito do padrão de assentamento, em sua anos AP, o número de casas por sítio reduz, os
maioria, os sítios com estruturas subterrâneas aterros das casas são mais bem definidos e ocorrem
encontram-se implantados em encostas pouco estruturas cerimoniais associadas com maior
íngremes formadas por terraços coluviais, próximos frequência (danceiros e/ou montículos).
a fios de água de banhados de elevação; os abrigos Em se tratando da cerâmica, ao que tudo indica, ela
rochosos ocorrem com maior frequência em grutas passa a ser produzida a partir 900 anos AP e se
associadas a cascatas que as "protegem"; os sítios estende até os sítios mais recentes, com datas de 320
superficiais estão comumente implantados em anos AP. A cerâmica pode ser um dos elementos
média/alta encosta ou topo vertente; já os culturais que, quando presentes nos sítios, pode
'danceiros' e os aterros plataforma estão indicar a transição do modo de vida caçador-coletor
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para o forrageiro de baixa mobilidade, ou ainda, novamente, o aumento da umidade por volta de 10
para a adoção de uma horticultura incipiente. mil anos A.P, período no qual se dá o início do
Conforme dito acima, esta mudança de avanço da Floresta de Araucária na região. As
comportamento, relacionada à mobilidade do análises realizadas sobre as amostras obtidas em
grupo, foi verificada nas áreas arqueológicas Rincão Aparados da Serra indicam a não ocorrência de
dos Albinos e Boa Parada. Acredita-se que esta clima seco na região durante o Holoceno.
mudança de comportamento se deu de forma Para a região da Serra dos Campos Gerais, no
gradual e está associada a mudanças que ocorreram estado do Paraná, Behling (1997) obteve dados
no ambiente nesse mesmo momento, e sobre isso se palinológicos a partir de 12,3 mil anos antes do
discorrerá mais à frente. presente. Em seu diagrama palinológico é possível
identificar a ocorrência de algumas espécies
3. Dados paleoambientais existentes para o características da Floresta Ombrófila Mista, tais
Planalto Meridional Brasileiro como a Mimosa scabrella (Bracatinga), Podocarpus
O Planalto Meridional Brasileiro, onde se localiza o lambertti e selowii (Pinheiro-bravo) e, com menor
município de São José do Cerrito, compreende ao frequência, a Araucaria angustifolia (Pinheiro do
domínio morfoclimático dos planaltos subtropicais paraná ou araucária), entre 12 e 8 mil anos AP,
com araucárias. Situado entre os meridianos 54° período em que o planalto era ocupado
0'W e 49° 30' W, e entre o Trópico de Capricórnio majoritariamente por vegetação de campo. Entre 8 e
(paralelo 23° 30'S) e o paralelo 30° 00'S, este 4 mil anos AP as espécies da Floresta Ombrófila
domínio abrange uma área de, aproximadamente, Mista praticamente somem, ao contrário de alguns
400.000 km², distribuídos entre os estados do sul do gêneros de Floresta Ombrófila Densa, que
Brasil (ocupa 60% do território do estado do Paraná, apresentam um aumento significativo.
80% do território do estado de Santa Catarina e 35% Entre 4 e 1,5 mil anos AP, verifica-se através dos
do território do estado do Rio Grande do Sul). diagramas palinológicos a vigência de um clima
Para compreender o processo de formação e seco, com períodos de até três meses sem chuva nos
transformação desse ambiente, seria necessário estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do
realizar uma ampla revisão de eventos Sul, impossibilitando a expansão e estabilização da
hidrodinâmicos, processos de pedogênese, Floresta Ombrófila Mista. No diagrama da amostra
transições entre períodos de glaciação e períodos coletada na Serra dos Campos Gerais (Paraná), há a
secos, os quais são responsáveis pela atual indicação de que o clima tenha se tornado mais
configuração da Terra. No entanto, nesse item úmido por volta dos 1,5 mil anos AP Já em São
objetiva-se apresentar dados paleoambientais Francisco de Paula e Cambará do Sul o mesmo
obtidos na bibliografia e que se referem a análises processo ocorre por volta dos 1,1 mil anos AP,
palinológicas realizadas nas terras altas do sul do indicando que a franca expansão da floresta de
Brasil. araucária tenha ocorrido nos estados de Santa
Dados palinológicos obtidos no planalto de Santa Catarina e Rio Grande do Sul entre 1,1 e 1 mil anos
Catarina por Behling (1995), indicam uma redução AP (Behling, 1997).
de espécies do gênero Isoetes, Lycopodium e Portanto, através dos dados palinológicos
Croton (indicadores de locais com baixas existentes, é possível verificar que nos últimos 10
temperaturas) e um aumento da Dicksonia mil anos o planalto meridional brasileiro passou
sellowiana (xaxim, indicador de locais com alto teor por uma série de transformações climáticas, que por
de umidade) na transição Pleistoceno-Holoceno sua vez, acabaram modelando paisagisticamente
(entre 10,8 e 10,5 mil anos antes do presente), essa região. Sabendo que o ambiente exerce forte
denotando um período de mudança para clima influência na forma como os grupos humanos
quente e úmido. Entre 10,5 e 10 mil anos A.P. o vivem e se organizam, acredita-se que o
clima se torna mais frio e seco, o que pode ser aprofundamento dos dados paleoambientais da
evidenciado pelo aumento de Isoetes e diminuição região de interesse deste trabalho são fundamentais
de Dicksonia sellowiana. para uma melhor compreensão a respeito da
Dados de Roth e Lorscheitter (1993) coletados no dinâmica sociocultural dos grupos Jê Meridionais
Parque Estadual de Aparados da Serra indicam, do período pré-colonial.
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4. A ocupação Jê Meridional: uma proposta para o que mesclem atividades pastoris e agrícolas.
planalto catarinense Segundo o autor, pelo fato de que as regiões de
Neste item serão abordadas as estratégias campo geralmente apresentam baixo índice de
adaptativas elaboradas pelos grupos Jê Meridionais pluviosidade, ou um teor de umidade muito alto
no decorrer da ocupação por esses empreendidas devido à proximidade do lençol freático com a
na área do sítio Rincão dos Albinos. Cabe informar, superfície, a caça e a criação de animais é a pratica
contudo, que essa proposta foi desenvolvida a mais comum entre os grupos humanos que vivem
partir de análises arqueológicas realizadas sobre os nesses ambientes. Sobre a organização social desses
sítios com casas subterrâneas de São José do grupos, Moran (1994, p. 267), ressalta que em
Cerrito, e dados palinológicos disponíveis na virtude das características desiguais do meio
bibliografia acerca do Planalto Meridional ambiente, o nomadismo representa a forma mais
Brasileiro. comum de assegurar o suprimento adequado de
Entre o possível início da migração Jê em direção às pastos e água.
terras altas do sul do Brasil (3.000 anos atrás) e a Associada às atividades de caça e domesticação de
data mais antiga obtida para casas subterrâneas em animais nos campos, está a necessidade do uso do
São José do Cerrito (1.400 anos AP), existe um hiato fogo. De acordo com Moran (1994) as queimadas
de, aproximadamente, 1.500 anos, sem que realizadas sobre os campos estão associadas ao
vestígios concretos da presença desses grupos no controle do acúmulo de palha gerado por algumas
planalto fossem captados. Schmitz et al (2010) espécies de gramíneas que, se não forem ceifados,
informa sobre a ocorrência de um fogão encontrado queimados ou roçados, formam uma espessa
abaixo do aterro de nivelamento de duas casas camada de material vegetal sobre o solo que pode
subterrâneas geminadas, no município de São José levar até três anos para decompor-se totalmente.
do Cerrito, localidade de Boa Parada, no qual Ainda segundo Moran, essas queimadas recorrentes
obteve-se uma data por C14 de 2.640 anos AP. De mantêm as espécies arbóreas em um estágio juvenil
acordo com os autores, a data não se refere às casas, e não frutífero, permitindo, ao mesmo tempo, que
mas sim ao que havia antes delas e, por enquanto, as gramíneas perenes brotem novamente, mais
não é possível atribuir com toda a certeza tal adaptadas do que os arbustos para resistirem aos
ocupação aos Jê, uma vez que elementos incêndios (MORAN, 1994, p. 276).
diagnósticos capazes de permitir tal associação não Corroborando com as proposições de De Masi e
foram identificados. indo ao encontro as generalizações apresentadas
Considera-se muito provável, contudo, que nesse por Moran sobre os caçadores-coletores, dados
período os Jê Meridionais já ocupavam os campos obtidos através das análises de estratigrafia de
que dominavam esse território e as matas fluviais turfeiras atentam para a ocorrência de intensas
situadas nos vales dos rios e córregos, subsistindo atividades de queimadas sobre o planalto
da caça e da coleta. Dados obtidos por De Masi meridional entre 2.800 e 1.500 anos AP (Behling,
(2001) através da análise de isótopos estáveis de 1997; 2002; Behling et al., 2004; Iriarte; Behling,
carbono e nitrogênio identificados no colágeno de 2007), às quais são atribuídas por Behling às
ossos humanos coletados de abrigos sob rocha dos atividades de caça desenvolvidas sobre o campo. O
municípios de Urubici e São Joaquim, indicam que, autor ressalta, ainda, que, ao passo que as datas se
entre 1.735 e 1.182 anos AP (215 e 768 d. C.), os aproximam do presente as partículas de carvão
grupos humanos do planalto que depositavam seus diminuem, indicando um possível abandono dessa
entes em abrigos rochosos possuíam uma dieta prática (Behling, 1997). As colunas estratigráficas
baseada na caça e coleta de recursos terrestres, o apresentadas por Behling também deixam claro que
que os definiria como caçadores-coletores, cuja a expansão da mata de araucária está diretamente
mobilidade se restringe aos campos das terras altas. associada à diminuição das partículas de carvão,
Moran (1994, p. 265), a partir da compilação de indicando que a expansão da mata com araucária só
estudos antropológicos realizados no mundo foi possível a partir do momento em que os grupos
inteiro, afirma que a adaptação humana em áreas caçadores-coletores abandonam as práticas de
de campo baseia-se na caça de animais silvestres, na queimada. Deve-se considerar, contudo, um
criação de animais domésticos ou em estratégias caminho de mão inversa, no qual a expansão da
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mata com araucária leva os grupos caçadores- refúgios de mata com araucária na área do Rincão
coletores - que acreditamos serem os Jê Meridionais dos Albinos, este se tornaria um local onde a
sem casas subterrâneas - a abandonarem a prática disponibilidade de recursos seria abundante por, ao
das queimadas. menos, três meses. De acordo com Binford (1980) e
Propõe-se que, dentro do panorama cronológico Renouf (1984), em locais em que a variação de
que varia entre 2.700 e 1.600 anos AP os Jê, recursos é mais temporal que espacial, os
migrantes do cerrado do Brasil Central, aplicam as assentamentos serão sedentários ou quase
mesmas estratégias de subsistência e algumas sedentários, e esta redução de mobilidade
práticas desenvolvidas em sua região de origem, acarretará alterações nas características culturais e
como a caça nas estepes e a coleta nas florestas sociais desses grupos. No caso dos Jê Meridionais, o
fluviais, e o sepultamento em abrigos sob rocha que se propõe nesse trabalho é a hipótese de que a
(Schmitz et al. 1989; Morales, 2008). A fragilidade redução de mobilidade, decorrente da grande
dessa suposição encontra-se na insuficiência de disponibilidade de recursos durante o período de
registros arqueológicos que remontem às ocupações maturação do pinhão, bem como a diminuição das
empreendidas nesse horizonte cronológico. temperaturas e o aumento da umidade, resultaram
Com o aumento da umidade e a intensificação do na elaboração de novas estratégias de
processo de expansão da mata de araucária (por assentamento, acompanhadas da adoção das casas
volta dos 1.500 AP), é possível que características subterrâneas.
culturais, incluindo estratégias de ocupação e Associando a quantidade de carvão presente nos
subsistência, tenham sido desenvolvidas em perfis estratigráficos das turfeiras apresentados por
resposta às novas condições do ambiente. Suttles Behling (1997; 2002), os materiais arqueológicos
(1968), por exemplo, ao realizar estudos sobre presentes nos sítios arqueológicos e a cronologia na
grupos pescadores da costa pacífica do noroeste da qual se estende a prática do sepultamento em
América do Norte, salientou que esses grupos abrigos rochosos, sugere-se que, entre 1.500 e 1.000
talvez tivessem começado como grupos de alta anos AP, esses grupos mantêm-se nômades em boa
mobilidade, mas, em resposta à grande parte do ano, período em que caçam nos campos e
disponibilidade de salmão na região, foram realizam queimadas de menor proporção, mas
induzidos ao acúmulo de excedentes e a uma retornam aos "pinheirais" nos meses específicos de
colonização estável. maturação do pinhão. Os sítios escavados nos vales
No caso dos Jê Meridionais, com a expansão das do rio Itajaí do Oeste, Canoas e Chapecó (Schmitz et
matas com araucária, a disponibilidade de recursos al. 2009; Schmitz et al., 2016a; Schwengber et al.
sofreria um significativo aumento no período da 2012) demonstram que neste horizonte cronológico
maturação do pinhão, onde além da própria a cerâmica não é utilizada pelos construtores de
semente da araucária, estaria disponível uma maior casas subterrâneas, aparecendo com muita
diversidade de mamíferos de pequeno e médio frequência nos sítios com datas de 1.000 AP a 320
porte, como os porcos-do-mato e os roedores, que AP, ou seja, após a franca expansão da mata de
também são atraídos pela disponibilidade de araucária.
pinhão. Ambrosetti (1895), relata que os pinheirais Corteletti (2012) chama a atenção para outras
de San Pedro, em Missiones, eram visitados pelos alterações culturais desse grupo na transição do
indígenas todos os anos durante os meses de primeiro para o segundo milênio da era Cristã.
março, abril e maio, período de maturação do Segundo o autor:
pinhão. O autor informa ainda que cuando las A comparação entre as datações disponíveis até o
araucarias voltean sus piñones son muy visitadas momento, para sepultamentos em grutas e em
por todos los representates de la fauna del bosque: estruturas anelares, propicia a oportunidade de
venados, antas, catetos y, sobre todo, por grandes arriscar a hipótese de que, ao redor de 1000 AP,
piaras de chanchos jabalies que son ávidos por esta aconteceram mudanças de ordem social nos Jê
benéfica y abundante fruta (Ambrosetti, 1895, p. Meridionais. Sugiro que possa ser inferida uma
307). mudança no padrão de sepultamento destes povos,
Considerando a grande possibilidade de que no a partir da constatação de que todas as datas de
período inicial da expansão da floresta existiam esqueletos disponíveis para sepultamentos em
Novasco & Schmitz | Techne 4 (2018) 65-73 71
grutas aconteceram há mais de 1.100 anos e, por abrangente, é incontestável que, durante esses
outro lado, todas as datas de sepultamentos em possíveis (quase) 3.000 anos de ocupação sobre o
montículos e em estruturas anelares se colocam nos planalto sul brasileiro, os Jê Meridionais
últimos 1.000 anos. Há, portanto, uma época em mantiveram uma relação muito estreita com o
que os mortos são sepultados em grutas e, ambiente, percebendo as mudanças climáticas e
posteriormente, uma época em que os mortos são alterações ocorridas principalmente na composição
sepultados nos montículos e nas estruturas biótica da região (fauna e flora), elaborando
anelares. Por volta do ano 1000 AD ocorreu uma respostas adaptativas às transformações naturais, e
série de transformações nessa sociedade [...]: a transformando a sua organização social. Teriam
grande expansão da mata de araucária, ao que tudo sido, portanto, caçadores-coletores do campo, em
indica através da pratica de manejo (Bitencourt & um primeiro momento (2.800 a 1.500 AP); com a
Krauspenhar 2006); as alterações climáticas que tímida expansão da mata com araucária teriam se
tornam o clima mais quente e úmido (Iriarte e tornado caçadores-coletores do campo e do mato,
Behling 2007) e a certeza de cultivares do tipo C4 - mantendo-se estáveis por alguns meses durante a
provavelmente milho [...] (Corteletti, 2012, p. 197- maturação do pinhão (1.500 a 900 AP); e tornaram-
198). se grupos sedentários, com estruturas sociais
As transformações citadas por Corteletti estão complexas e economia mista, baseada na caça,
diretamente associadas à complexificação social dos coleta e agricultura (900 AP até a chegada dos
Jê Meridionais, que está entrelaçada à maior europeus).
ocorrência de locais de obtenção de recursos
sazonais, nesse caso, a mata com araucária. A Considerações finais
franca expansão da mata de araucária sobre os Este trabalho representa uma tentativa de
campos deu origem a uma nova fisionomia para compreender o processo de ocupação empreendido
boa parte do planalto catarinense. Existem a partir pelos grupos Jê Meridionais no planalto
do primeiro milênio da era cristã, no lugar dos catarinense, mais especificamente na região de São
vastos campos, mosaicos compostos por mata com José do Cerrito. A associação de dados
araucária e campo, provendo disponibilidade e paleoambientais e arqueológicos serviram de
variabilidade de recursos, tornando cada vez mais suporte para que vislumbrássemos a possibilidade
viável a sedentarização dos Jê Meridionais, e os de apresentar as estratégias de adaptação e
elementos culturais que a acompanham: cerâmica, ocupação desenvolvidas pelos construtores de casas
danceiros, economia mista etc. subterrâneas nesta região.
Deve-se ressaltar que as reflexões aqui Os dados paleoambientais contribuíram na
apresentadas tem o objetivo de criar hipóteses e composição de uma provável configuração
buscar respostas a respeito das estratégias de ambiental presente na região há 1.400 anos atrás:
adaptabilidade locais, desenvolvidas e aplicadas uma bacia bastante dissecada, coberta por mata nas
pelos grupos que ocuparam o Rincão dos Albinos. suas encostas, mas tomada pelos campos úmidos
Dessa forma, a manipulação desses dados no topo das vertentes. Do campo, queimado em
arqueológicos em associação aos paleoambientais, determinadas épocas, seria possível obter
visa a reforçar e, ao mesmo tempo, testar a hipótese basicamente a caça; e das matas, fonte sazonal de
de que a trajetória milenar do Jê Meridional no Sul recursos, poderia ser obtido o pinhão e a caça de
do Brasil não é uma simples transposição ou animais atraídos também pela maturação da
expansão territorial, que poderia ser tratada como semente da araucária. Os dados arqueológicos e as
uma diáspora, mas um ajuste continuado da observações feitas em campo permitiram que
economia, da sociedade e do mundo simbólico ao identificássemos padrões e variações de
ambiente, ao crescimento interno do grupo e ao assentamento, bem como os elementos que
relacionamento com outras populações indígenas e regularam os padrões e tornaram necessária a
coloniais que competem pelo mesmo espaço, elaboração de novas estratégias de assentamento.
tomando o sentido próximo de uma etnogênese Sabe-se, contudo, que mais do que respostas que
(JONES, 1997). solucionam alguns problemas que permeiam a
Assim sendo, partindo para uma síntese mais compreensão do processo de ocupação Jê
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garantir eficácia no apoio à decisão espacial dos legal dos bens culturais é feita apenas através da
processos de gestão do território. Neste âmbito sua classificação e inventariação, funcionando como
colocam-se questões sobre a qualidade da instrumento jurídico, com a finalidade de proteger e
informação geográfica versus resultados valorizar o Património Cultural, sem ter em linha
cartográficos credíveis, capazes de sustentar as de conta os fatores históricos, sociais e económicos
opções estratégicas de desenvolvimento sustentável que compõem a identidade cultural num território
do território. geográfico, que deveriam contribuir para o
Neste artigo pretende-se fazer uma reflexão sobre desenvolvimento socioeconómico regional e local.
as temáticas indicadas a fim de se compreenderem Desta forma, a nova lei do Património Cultural
os desafios da gestão do património, no âmbito da Português alicerça-se num conceito alargado,
gestão do território com recurso a tecnologias de abrangente e multidimensional que envolve
informação geográfica. diferentes manifestações de Património Cultural e
reflete as principais tendências internacionais e
2. A Gestão do Património Cultural asim como os compromissos assumidos pelo Estado
A Gestão do Património Cultural tem sido objeto de neste domínio (Carvalho, 2008).
preocupação a diferentes níveis de intervenção. Assim a ideia de preservação do Património
Para melhor compreender o Património Cultural é Cultural emerge do resultado de uma
necessário ter em conta a legislação e os seus descontinuidade civilizacional, contendo um
princípios orientadores, pois é através dela que se propósito pedagógico relativamente ao legado
têm construído a noção de Património Cultural e de cultural que cada País, que se pretende entregar às
identidade, como testemunho cultural. A legislação gerações futuras. Assinale-se que as finalidades da
obriga os diversos níveis de organização (pública), democratização e da descentralização cultural
a promover a recuperação e requalificação dos surgem, por vezes, a par do incentivo ao
centros históricos e outros conjuntos urbanos, dá incremento da edificação de equipamentos culturais
relevância à participação das comunidades na (bibliotecas, museus, cineteatros,...) e da
gestão efetiva do património, assim como identifica organização destas infraestruturas em redes
novas tipologias como a arquitetura do espetáculo, (GEPAC, 2014). Novos desafios sobre a gestão do
o património industrial, as cercas monásticas, os património e da cultura se vão-se colocar ao nível
jardins, o património vernacular, entre outras das futuras políticas culturais europeias e em novas
(Carvalho, 2007). áreas temáticas em que há alguns "nichos de
A construção do Património Cultural é então um pesquisa" (Ortega & Peris, 2013).
produto a dois tempos: obra da academia e do rigor A Gestão do Património Cultural é uma
de tipo científico, com a consagração de dinâmicas necessidade social que envolve diversos tipos de
sociais que remetem para apropriação mais do que atividade e distintos protagonistas, com vocações
para conhecimento (Oosterbeek, 2011). A questão distintas: equipas de campo reconhecidas e a
que se coloca é o que se deve valorizar: o efémero mobilização de cidadãos parceiros privilegiados
ou o sedimentado no tempo (Oosterbeek, 2010). desta gestão que consideram o património como
Esta reflexão terá de compreender quais os passos seu, que só faz sentido no quadro de uma sociedade
que podem ser dados para um futuro globalmente que o valoriza e o considera como parte da sua
mais equilibrado e sustentável, no qual o identidade cultural.
Património Cultural tem um papel central Uma estratégia de Gestão do Património deve ter
(Oosterbeek, 2008), onde é necessário definir sobre em vista a identificação, conhecimento, preservação
os usos públicos e privados. e usufruto do património, fomentando a pesquisa e
Os objetivos do Estado Português quanto à a investigação (identifica e dá sentido ao passado),
intervenção na cultura têm sido sobretudo: a a preservação e a fruição do mesmo, com a
preservação do património; apoio à criação, implementação de programas e planos que
produção e difusão cultural; democratização do permitam a construção de futuros sociais, que
acesso à cultura; descentralização cultural e identifiquem ações, com o objetivo de mudar os
internacionalização da cultura portuguesa. Embora território/comunidade, conduzindo assim a sua
os objetivos desta política sejam claros, a proteção valorização e utilização pública, mas com regras de
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Figura 1: Exemplos de problemas antigos e novos em Gestão do Património. (Fonte: adaptado de UNESCO, 2013).
e individuais que constituem a matriz das mesmo património (Fernandes et al, 2014). Neste
dinâmicas humanas, encontra instrumentos contexto é cada vez mais evidente que o património
eficientes nos três pilares do desenvolvimento é um fator incontornável dos modelos de
sustentável (ambiente, economia e sociedade) e desenvolvimento sustentável do território e perante
estes ativos reforçam-se precisamente com o as dificuldades que se anteveem para os próximos
domínio das mesmas (Oosterbeek, 2014). anos, a sua sustentabilidade no curto/médio prazo,
Um dos objetivos a atingir no desenvolvimento terá de ir no sentido de poder concorrer para a
territorial é a “sustentabilidade cultural”, isto é, a coesão social e para a melhoria das práticas de
possibilidade de transmitir o legado patrimonial a cidadania (Bernardes et al, 2014).
gerações vindouras. Contudo, como transmitir e
que tipo de património são questões de possível 3. A Gestão do Território
debate entre a postura tradicional de conservação/ O território como espaço geográfico apresenta
preservação do mesmo e formas inovadoras de várias definições complexas e abrangentes, mas
promoção e difusão do conhecimento relativo a esse incluí os conceitos de lugar, ligado a um local e de
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articulação com a cultura que os interpreta e gere, geográfico. É a ciência da informação que estuda os
procura encontrar um equilíbrio dinâmico entre temas fundamentais decorrentes da criação,
todas as componentes e o próprio território, manuseamento, armazenamento e uso da
articulando perspetivas distintas e dinâmicas, informação geográfica, utiliza os usa os SIG como
muitas vezes, contraditórias, construindo um ferramenta de compreensão do mundo geográfico e
quadro de referência que evite desarticulação e têm desenvolvimento e uso de teorias, métodos e
dispersão de esforços (Oosterbeek, 2014). dados para compreender os processos, as relações e
Podemos então afirmar que a gestão do território é os padrões geográficos (UCGIS)1.
a dimensão espacial do processo de planeamento e É uma ciência natural que por um lado procura
resulta num conjunto de regras que visam o descobrir princípios empíricos sobre o mundo real e
controlo, por via da administração pública por outro identifica os princípios práticos da sua
(Anastácio, 2016). Afeta a organização espacial e aplicação, para fins humanos através do
influência as dinâmicas territoriais e por isso é entendimento científico no que diz respeito à
necessário promover uma utilização racional do replicabilidade, independência do observador e do
espaço e uma gestão responsável dos recursos aí observado, partilha de termos bem definidos, e uma
existentes, que se fundamente na preocupação com a precisão, ou seja o detalhe
interdisciplinaridade e no qual a gestão do (Goodchild, 2004).
património deve assumir um papel fundamental. São considerados instrumentos de
operacionalização de metodologias e apoio à
4. As Tecnologias de Informação Geográfica decisão geográfica nas várias áreas em que o espaço
As tecnologias da informação envolvem todos os é parte integrante do objeto de estudo e são
procedimentos de recolha, classificação, utilizadas nas várias etapas sucessivas de
armazenamento, recuperação e disseminação de desenvolvimento de projeto. Muitas entidades já
conhecimentos registados. As tecnologias de compreenderam a importância dos Sistemas de
informação geográfica são um caso particular das Informação Geográfica (SIG) como instrumentos de
tecnologias de informação que incluem todo o tipo divulgação e de gestão e consequentemente já se
de instrumento para lidar com informação espacial encontram a desenvolver os registos da sua própria
e procura abranger todo o tipo de plataformas e informação. O desenvolvimento de projetos em
sistemas informáticos utilizados no processamento SIG, de apoio à Gestão do Património no seu
de informação georreferenciada, nomeadamente os modelo concetual, contempla três etapas
Sistemas de Informação Geográfica (SIG). A (Anastácio, 2012):
tenologia está hoje disponível no mercado com
• Inventário, que consiste na junção e
muitas soluções de sofware com diversos módulos organização dos dados de forma a poderem ser
básicos de visualização, pesquisa e de análise da utilizados em futuras pesquisas;
informação geográfica ou módulos mais complexos
• Análise, que requer um cruzamento de
que permitem funções de edição avançada, informação e exige o uso de métodos estatísticos e
modelação tridimensional e estatística avançada. análise espacial que recorrem ao desenvolvimento
Variam em função do modelo de dados a utilizar, de algoritmos que procuram dar resposta aos
funcionalidades disponíveis e versatilidade de objetivos pré-estabelecidos;
integração de dados.
• Gestão, que representa o aproveitamento
A sua aplicabilidade pressupõe um conhecimento das maiores potencialidades dos SIG, no apoio à
aprofundado de suporte científico assente na tomada de decisões.
Ciência da Informação Geográfica, suportado pela O encadeamento destas etapas de forma cíclica é
ciência cartográfica com orientações objetivas e fundamental para o sucesso das aplicações
normas de qualidade para a produção cartográfica constituindo assim os SIG um importante
que devem ser aplicadas de forma rigorosa, com o mecanismo de apoio à decisão, com devida
objetivo de produzir novo conhecimento espacial, fundamentação técnica assente no rigor e a
constituindo assim um desafio ao pensamento qualidade cartográfica das soluções, isto se forem
1 http://ucgis.org/
Anastácio | Techne 4 (2018) 75-82 81
http://www.pacadnetwork.com/itm/index.php/techne/techne-2018
eISSN: 2182-9985
*Jedson Francisco Cerezer | jfcpicci@gmail.com **Valdir Luiz Schwengber | valdirluiz@gmail.com *** Douglas Gonçalves Pereira |
arq.douglaspereira@gmail.com **** Raul Viana Novasco | raulnovasco@gmail.com
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adotados em estudos recentes que envolvem a arte melhor interação entre a paisagem reconhecida e o
rupestre. patrimônio cultural.
Nesse contexto de inovações e com o intuito de A metodologia consiste em contemplar objetivos
prover novas premissas metodológicas, foram técnicos de levantamento sistemático de arte
desenvolvidos o registro e o levantamento de 3 rupestre, para com eles avaliar a real situação de
(três) sítios arqueológicos na região dos Campos cada sítio, no que tange o estado de conservação, a
Gerais, no Paraná, durante a execução do Programa documentação das pinturas, a coleta de dados de
de Avaliação de Impacto ao Patrimônio localização e medidas de proteção e conservação.
Arqueológico na área de implantação da Linha de Inicialmente a equipe técnica propôs a execução de
Transmissão 230 kV Figueira – Ponta Grossa Norte. atividades que contemplassem a realização de
Tais sítios são denominados Abrigo Iapó 1, Abrigo vistoria técnica nos 3 (três) sítios arqueológicos de
Iapó 2 e Abrigo Iapó 3, e estão localizados no vale arte rupestres para avaliação do estado de
do Iapó, curso d’água que transcorre no interior dos conservação dos mesmos. Para esta prerrogativa
cânions do Parque Estadual do Guartelá. teve-se em conta os diferentes tipos de agentes
Em suma, as atividades desenvolvidas para a causadores de deterioração dos sítios, como por
execução do referido projeto representam a adoção exemplo:
de um protocolo metodológico próprio, adaptado
• Origem antrópica - a saber, pichação,
para esta pesquisa, cujas bases são amplamente fogueiras, remoção de partes do painel ou
difundidas nas redes internacionais de investigação perturbação por atividades econômicas como
em arte rupestre, em especial a IFRAO pastorícia, pecuária e silvicultura, além de lixo e
(International Federation of Rock Art Organizations demais resíduos deixados por visitantes ou em
- http://www.ifrao.com/ifrao/) (Bucco, 2012; casos específicos acampamentos ou mesmo
Collado, 2006; Garcês, 2017), tendo ainda como moradias, temporárias ou permanentes;
suporte o Laboratório de Arte Rupestre do Instituto
• De origem natural - como, líquens, algas,
Terra e Memória de Mação, Portugal. Dessa forma, fungos e demais agentes, árvores, raízes cipós entre
não compõe o conjunto de objetivos deste projeto outros bióticos; a lixiviação, efeitos eólicas ou
interpretar os motivos identificados nos sítios, mas pluviais, formação de concreções naturais – como a
sim, testar e adaptar protocolos de captura de calcita - além de bioturbações de outras naturezas
dados que potencializem as atividades de campo e como os provocados por animais, vertebrados –
permitam alcançar avanços interpretativos quando gado, canídeos, aves, roedores ou invertebrados –
da análise dos dados em gabinete. como cupins, abelhas ou vespas;
Assim, neste artigo ater-se-á em apresentar o Também se conta aqui a acessibilidade e o
conjunto de procedimentos, técnicas e recursos posicionamento dos paneis em relação aos pontos
utilizados na coleta de dados em campo, e o cardeais, visto que a incidência de chuvas, ventos
resultado obtido após o tratamento destes, ou a iluminação solar, que influenciam na existência
incluindo a proposição de uma prancha de ou não dos agentes acima citados e outros
caracterização de sítios, onde informações causadores de deterioração.
morfométricas e locacionais dos abrigos/painéis Nesse levantamento, tomou-se como uma das
são concentradas, permitindo uma avaliação prioridades a documentação fotográfica de alta
contextual dos sítios arqueológicos. resolução dos painéis de arte rupestre que
compõem os sítios arqueológicos e, por isso, para as
2. Materiais e Métodos fotografias, foram usadas câmeras, Canon EOS
Para o desenvolvimento dos levantamentos foram 600D (18 megapixels, lente 14 55mm), Canon G3X
adotados princípios técnicos que permitem obter (20.2 megapixels) e Samsung WB38OF
grandes quantidades de dados e informações dos (16.3megapixels). Foi considerado para as
sítios com pinturas rupestres, a fim de propiciar a fotografias manter sempre as mesmas
compreensão do contexto em que se inserem os configurações da câmera, no que diz respeito ao
sítios com arte rupestre do entorno do Parque ISSO e ao Balanço de Brancos; para o “White
Guartelá. Esta definição foi usada para situar Balance - WB” cada realidade exigiu ajustes pelo
geograficamente a área de estudo e possibilitar tipo de ambiente que se estava fotografando em
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especial pela iluminação; o ISSO, sempre foi cada painel sendo que as junções e agrupamentos
mantido a 100, isso fez com que nos caso de baixa foram realizados em laboratório, mediante a
luminosidade o tempo de exposição ou a abertura manipulação dos dados digitais. Ao mesmo tempo
do diafragma fosse alterados, sendo necessário para em que foi produzida a documentação fotográfica
todas as fotos o uso de tripé ou outras bases de geral dos painéis, procedeu-se, também, à
apoio nos locais onde a altura dos painéis em documentação dos principais motivos em separado,
relação a base são demasiadas curtas e não individualizando cada um deles.
comportam tripé. O controle da tomada das fotografias foi realizado a
Para o tripé sempre se procurou usar o menor partir da adoção de um plano cartesiano de
número de extensões, para evitar que vibre com o coordenadas locais específicas, registradas sobre
vento ou com o disparo da câmera. O disparo foi um croqui onde foram registradas as coordenadas
feito com temporizador ou controle, para evitar que alfanuméricas, onde, ‘X’ é letra, e ‘Y’ é número. A
ao carregar no disparador a câmara trema. coordenada da imagem foi indexada ao número de
Todas as fotos primaram pela ortogonalidade – armazenamento da fotografia na memória da
para os casos em que não foi possível houve a câmera fotográfica, em vias de não perder as
correção posterior em laboratório digital. A referências e facilitar o trabalho em gabinete.
distância focal perseguida foi a de 55mm, para, com Por fim, cumpre destacar que, para fins de
isso, evitar distorções. Nos casos que não foi georreferenciamento dos abrigos, foram utilizados
possível se fez necessário a correção – por esta receptores de sinal GPS (código C/A) da marca
razão o uso das escalas métricas foi fundamental. Garmin, modelo eTrex 30, configurados com o
A escala tem várias funções, contudo, a principal é datum WGS 84, e sistema de coordenadas UTM.
dar a noção de tamanho do alvo fotografado. Cabe reiterar que, conforme o Instituto Brasileiro de
Porém, cumpre destacar que esta serve, também, Geografia e Estatística (2015a), “[...] não existem
para ajustar as distorções métricas, e no caso das parâmetros de transformação entre SIRGAS2000 e
escalas cromáticas, como a modelo IFRAO, serve WGS 84 porque eles são praticamente iguais, ou
para a regulagem do sistema de cores aditivas RGB seja, DX = 0, DY = 0 e DZ = 0 [...]”, portanto, mesmo
– formado pelas cores Vermelho, Verde e Azul – e, tendo obtido as coordenadas UTM em campo a
assim, obter melhor aproximação cromática em partir do datum WGS 84, todos os produtos
caso de ajustes de saturação ou desequilíbrio no cartográficos gerados estão georreferenciados sob o
WB. O formato do arquivo digital usado foi o JPG e datum SIRGAS2000, respeitando a resolução n°
o RAW, sendo o formato RAW indicado para o 1/2005 do IBGE.
tratamento digital por manter as configurações e Ainda em campo são tomadas as dimensões do
qualidade das imagens. suporte, na sua maioria abrigos, para o desenho e
A sequência da tomada de fotos respeitou uma montagem das pranchas e croquis com os perfis. É
rotina baseada na escala e área abrangida. tida em consideração a orientação, disposição dos
Inicialmente, fotos mais amplas e em escala menor painéis.
foram obtidas, a fim de capturar vistas gerais do Tendo toda a documentação em mãos é iniciado o
painel. Feitas as fotos ‘gerais’, partiu-se para o trabalho de laboratório que resulta em uma
detalhamento dos painéis, com fotografias descrição completa, com todas as informações que
aproximadas e em escalas maiores. permitam informar de maneira técnica a localização
Diante dos painéis as fotos priorizam uma visão do abrigo e seu acesso, colocando em foco o estado
total, contudo, nos casos em que não foi possível de conservação, a paisagem e as características do
obter tal vista, várias fotos foram feitas, sobrepostas abrigo e dos painéis.
a 30%, partindo do extremo superior esquerdo ao Para descrever as características dos painéis cada
extremo inferior direto em linhas horizontais, fotografia é trabalhada digitalmente. As distorções
sempre com escala. Para o caso das fotos gerais do das fotografias são corrigidas com auxílio do
painel, escalas de dimensões maiores, entre 50 programa Asrix®, sendo que a exposição cromática
centímetros a 1 metro, foram utilizadas. é calibrada via RGB e Balanço de brancos. Assim se
Em abrigos compostos por vários painéis, o mesmo pode montar um 2D do painel com as fotos
procedimento foi adotado individualmente, para sobrepostas e enquadradas.
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Tendo as fotos corrigidas e calibradas sobre um 764m da Cachoeira dos Macacos. Implantado em
plano geral inicia-se os decalques com uso de meia encosta superior de uma colina, levemente
programas de tratamento de imagens, neste caso o inclinada em direção à calha do rio Iapó, onde
Adobe Photoshop®. O objetivo e identificar todas predomina a vegetação arbórea e herbáceas.
as figuras que estão em cada painel. Em muitos Próximo ao abrigo, uma área de gramíneas com
casos há figuras muito apagadas e/ou invisíveis a árvores serve como área de pasto para o gado da
olho desarmando, portanto, nestes casos, submete- fazenda.
se as fotografias referentes a elas aos métodos de Localizado em grande afloramento rochoso o abrigo
saturação – plugin Dstretch®, programa ImagJ® – apresenta dimensões de 9 m de comprimento, 37 m
sendo posteriormente removidos os ruídos, de largura e 2,96 m de altura, com pinturas no teto
restando a imagem do motivo isolada. do abrigo a 2,40 m do solo. Desgastadas pinturas
Cada etapa é separada por layers dentro do rupestres, de estilo esquemático com motivos
programa para, ao final, serem sobrepostas em zoomórfico, antropomórficos e idiomorfos, havendo
camadas onde, as inferiores correspondem à base partes pintadas que se despegam do teto; há
do suporte que será sobreposta pelas figuras, musgos, liquens e umidade que contribuem para
distintas por critérios como antiguidade da deterioração. Representações visíveis, com cor
execução – sobreposições –, cor e tipologia. Dessa avermelhada e em tons de ocre, estão concentradas
forma, se tem, ao final, diferentes “camadas” em em 4 agrupamentos distribuídos no teto.
que se podem ver as diferentes fases de execução O abrigo sofre danos por erosão eólica e pluvial
das pinturas no painel. assim como bioturbação por animais (casulos
A partir da organização das layers é possível ainda insetos, aves e mamíferos) que contribuir para a
isolar os tipos e assim enquadrar a arte rupestre deterioração. É importante mencionar o potencial
dentro das tipologias conhecidas atualmente no para escavação junto ao abrigo, pois, logo abaixo do
Brasil (Buco, 2012), possibilitando compor quadros teto com as pinturas, existe acúmulo de sedimento
próprios para interpretação. de terra preta.
Cada descrição de painel é composta por um Seguindo a metodologia proposta, os dados de
quadro de imagens com suas características, compilação das informações de campo, bem como
colorações e dimensões. Para acrescentar os resultados dos decalques são apresentados de
informações mais detalhadas do abrigo, uma forma projetual na prancha Abrigo Iapó 1 (modelo
prancha em formato A3 é elaborada e, nela, há na figura 3), onde constam as informações
informações de localização do sítio, croqui do relevantes sobre a localização, tipologia do sítio,
abrigo/suporte, descrições de cada painel, tipo de formação geologia características geomorfológica,
motivos e característica de cada figura. Esta vegetação do entorno, localização dos painéis no
prancha ainda conta com corte em escala do abrigo abrigo, detalhamento das pinturas e seu respectivo
e seus respectivos dimensionamentos e, dessa decalque, bem como os agentes que comprometem
forma, tem-se todas as informações levantadas em a conservação do sítio e das pinturas.
campo e tratadas em laboratório concentradas O sítio Abrigo Iapó 2 está localizado em grande
somente em um único local de forma sistemática e afloramento rochoso à meia encosta superior em
projetual, compondo o que consideramos como referência a seu compartimento topográfico, a 145
uma prancha analítica. m do sítio Abrigo Iapó 1. Se caracteriza como um
pequeno abrigo, destacado na paisagem, com
3. Resultados abertura para o nordeste, sendo que a área abrigada
Por meio da aplicação dos procedimentos acima possui 5,70 m de comprimento, 4,40 m de largura e
descritos, foram registrados os painéis dos sítios 3,14 m de altura.
Abrigo Iapó 1, 2 e 3. A descrição dos sítios e o O sítio é formado por painel horizontal (teto) de
resultado dos levantamentos realizados serão 1,80 m de comprimento e 1 m de largura, e, vertical
apresentados a seguir. (parede), com 1,50 m de comprimento e 0,75 m de
O acesso ao Abrigo Iapó 1 é feito pela fazenda largura, possui pinturas que decoram seu interior.
Itaytyba. Com base localizada na face nordeste de Avermelhadas e em tons de ocre, as pinturas
um conjunto de afloramento rochoso, situa-se a contêm motivos variados, de estilo esquemático
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Figura 1: Painel rupestre, sítio Abrigo Iapó 1- sob D'Stretch. Figura 2: Levantamento das medidas no sítio rupestre Abrigo Iapó 1.
com motivos zoomórfico, antropomórficos e intemperismo que atua sobre as rochas que dão
idiomorfos. O painel horizontal está posicionado a suporte às pinturas.
4,14 m de altura do solo, enquanto que o painel Por último, o sítio arqueológico Abrigo Iapó 3 se
vertical está a 3,35 m do solo. caracteriza por um pequeno bloco de rocha isolado,
Em se tratando de fatores de degradação das localizado a esquerda da rodovia PR-340, partindo
pinturas, foi possível verificar desgastes causados de Tibagi em direção à Castro. Com dimensão de
por animais (inseto, mamíferos e aves), mas 2,30 m de comprimento, 0,35 m de largura e 0,89 m
prevalecem as alterações ocasionadas por erosão de altura, o pequeno bloco rochoso isolado não se
eólica e pluvial, responsáveis por parte do configura como um abrigo, tendo a face do painel
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Figura 6: Vista frontal do painel que compõe o sítio Abrigo Iapó 3. Figura 7: Pintura identificados no sítio Abrigo Iapó 3 (plugin -D'Stretch).