Revista História Da Historiografia v. 12 N. 31 (2019)

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 429

HISTÓRIA DA SET.-DEZ. 2019 V.

12
31

HISTÓRIA DA
HISTORIOGRAFIA
International Journal of Theory and History of Historiography

ISSN 1983-9928 Revista Eletrônica Quadrimestral


2 História da Historiografia, n. 26, jan-abri, ano 2018, ISSN 1983-9928
Expediente

EXPEDIENTE

EDITOR CHEFE
Temístocles Cezar (UFRGS . Porto Alegre . RS . Brasil)

EDITORES EXECUTIVOS
Ana Carolina Barbosa Pereira (UFBA . Salvador . BA . Brasil)
Ewa Domanska (AMU . Poznan . Polônia)
Luisa Rauter Pereira (UFOP . Mariana . MG . Brasil)
Omar Acha (UBA . Buenos Aires . Argentina)
Valdei Lopes de Araujo (UFOP . Mariana . MG . Brasil)

CONSELHO EDITORIAL
Alejandro Eujanian (UNR . Rosário . Argentina)
Arthur Alfaix Assis (UnB . Brasília . DF . Brasil)
Arthur Lima de Àvila (UFRGS . Porto Alegre . RS. Brasil)
Claudia Beltrão (UNIRIO . Rio de Janeiro . RJ . Brasil)
Durval Muniz de Albuquerque (UFRN . Natal . RN . Brasil)
Fabio Wasserman (UBA . Buenos Aires . Argentina)
Fábio Franzini (UNIFESP . Guarulhos . SP . Brasil)
Fernando Nicolazzi (UFRGS . Porto Alegre . RS . Brasil)
Flávia Florentino Varella (UFSC . Florianópolis . SC . Brasil)
Helena Mollo (UFOP . Mariana . MG . Brasil)
Julio Bentivoglio (UFES . Vitória . ES . Brasil)
Lucia Maria Paschoal Guimarães (UERJ . Rio de Janeiro . RJ . Brasil)
Pedro Meira Monteiro (Princeton University . Princeton . Estados Unidos)
Pedro Spinola Pereira Caldas (UNIRIO . Rio de Janeiro . RJ . Brasil)
Raquel Glezer (USP . São Paulo . SP . Brasil)
Rebeca Gontijo (UFRRJ . Seropédica . RJ . Brasil)
Ricardo Salles (UNIRIO . Rio de Janeiro . RJ . Brasil)
Rodrigo Turin (UNIRIO . Rio de Janeiro . RJ . Brasil)
Sérgio da Mata (UFOP . Mariana . MG . Brasil)
Tiago C. P. dos Reis Miranda (Universidade de Évora . Évora . Portugal)

3 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019 - ISSN 1983-9928


Expediente

CONSELHO CONSULTIVO
Astor Diehl (UPF . Passo Fundo . RS . Brasil)
Carlos Fico (UFRJ . Rio de Janeiro . RJ . Brasil)
Carlos Oiti (UFG . Goiás . GO . Brasil)
Cássio Fernandes (UNIFESP . Guarulhos . SP . Brasil)
Chris Lorenz (VU University Amsterdam . Amsterdã . Holanda)
Denis Bernardes - in memoriam (UFPE . Recife . PE . Brasil)
Edgar De Decca - in memoriam (UNICAMP . Campinas . SP . Brasil)
Eliana Dutra (UFMG . Belo Horizonte . MG . Brasil)
Estevão de Rezende Martins (UnB . Brasília . DF . Brasil)
Ewa Domanska (Adam Mickiewicz University . Poznañ . Polônia)
Fernando Catroga (Universidade de Coimbra . Coimbra . Portugal)
Francisco Murari Pires (USP . São Paulo . SP . Brasil)
François Hartog (EHESS . Paris . França)
Frederico de Castro Neves (UFC . Fortaleza . CE . Brasil)
Guillermo Zermeño Padilla (Colegio del México . Cidade do México . México)
Hans Ulrich Gumbrecht (Stanford University . Stanford . Estados Unidos)
Hayden White - in memoriam(Stanford University . Stanford . Estados Unidos)
Iris Kantor (USP . São Paulo . SP . Brasil)
José Carlos Reis (UFMG . Belo Horizonte . MG . Brasil)
Jörn Rüsen (KI/ UWH . Witten . Alemanha)
Jurandir Malerba (PUC-RS . Porto Alegre . RS . Brasil)
Keila Grinberg (UNIRIO . Rio de Janeiro . RJ . Brasil)
Luiz Costa Lima (PUC-Rio . Rio de Janeiro . RJ . Brasil)
Manoel Salgado Guimarães - in memoriam (UFRJ . Rio de Janeiro . RJ . Brasil)
Marco Morel (UERJ . Rio de Janeiro . RJ . Brasil)
Marlon Salomon (UFG . Goiânia . GO . Brasil)
Pascal Payen (Université de Toulouse II - Le Mirail . Toulouse . França)
Sanjay Seth (University of London . Londres . Reino Unido)
Sérgio Campos Matos (Universidade de Lisboa . Lisboa . Portugal)
Silvia Petersen (UFRGS . Porto Alegre . RS . Brasil)

EDITOR ASSISTENTE
Marcos Eduardo de Sousa (UFOP/CEFET-MG . Mariana . MG . Brasil)

4 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019 - ISSN 1983-9928


Expediente

EDITORES COLABORADORES
Guilherme Bianchi (UFOP . Mariana . MG . Brasil)
Larissa Brandão (UFOP . Mariana . MG . Brasil)
Luiz Estevam Fernandes (UFOP . Mariana . MG . Brasil)
Marianna Andrade Melo (UFOP . Mariana . MG . Brasil)
Mauro Franco Neto (UFOP . Mariana . MG . Brasil)
Mayra de Souza Marques (UFOP . Mariana . MG . Brasil)
Tiago da Costa Guterres (UFRGS . Porto Alegre . RS . Brasil)

SECRETARIA
Aguinaldo Medeiros Boldrini (UFOP . Mariana . MG . Brasil)
Aline Machado Gonçalves (UFOP . Mariana . MG . Brasil)

REVISÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA


Luiz Antônio dos Prazeres

REVISÃO DE LÍNGUA INGLESA


Tikinet Edição

REVISÃO DE LÍNGUA ESPANHOLA


Adriana Carina Camacho Álvarez (Lecttura Traduções)

DIAGRAMAÇÃO, NORMALIZAÇÃO E
REVISÃO EDITORIAL
Editora Milfontes

REALIZAÇÃO
Sociedade Brasileira de Teoria e História da Historiografia (SBTHH)

Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal


do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal


de Ouro Preto (UFOP)

5 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019 - ISSN 1983-9928


Expediente

APOIO
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG)
Programa de Pós-graduação em História - UFRGS

CONTATO
Rua do Seminário, s/n - Centro Mariana - MG
35420-000| Brasil
http://www.historiadahistoriografia.com.br
historiadahistoriografia@hotmail.com
Telefone: (31) 3557-9400

MISSÃO
A História da Historiografia é um periódico interinstitucional patrocinado
pelos Programas de Pós-graduação em História da Universidade Federal
de Ouro Preto (UFOP) e da Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro (UNIRIO), coordenada pela Sociedade Brasileira de Teoria e
História da Historiografia (SBTHH). Sua publicação se insere no âmbito de
grupos e núcleos de pesquisa de Universidades brasileiras e estrangeiras
das áreas de teoria da História e história da historiografia. A revista
tem como missão a divulgação do conhecimento das áreas de teoria da
História, história da historiografia e outras afins no intuito de fomentar
o intercâmbio de ideias e resultados de pesquisas entre investigadores
dessas áreas correlatas, através da publicação de artigos inéditos que,
após o processo de avaliação editorial, sejam considerados relevantes às
discussões de tais campos. Além de pesquisas originais, incentiva-se a
produção de artigos de debate historiográfico que resenhem criticamente
publicações recentes pertinentes aos temas relacionados com as áreas de
conhecimento que configuram o escopo da publicação. A linha editorial da
HH, desta forma, almeja a constituição de um espaço de livre acesso para
o debate acadêmico por meio de publicações relacionadas à área.

6 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019 - ISSN 1983-9928


Expediente

FICHA CATALOGRÁFICA
História da Historiografia. Ouro Preto - International Journal of
Theory and History of Historiography / Edufop, 2019, volume 12,
número 31, Set.-Dez., 2019, 429 p.

Quadrimestral ISSN 1983-9928

1. História - Periódicos CDU 930(05)

7 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019 - ISSN 1983-9928


Expediente

EDITORIAL EDITORIAL
Elogio aos periódicos científicos nas humanidades
Valdei Lopes de Araujo 10

DOSSIÊ DOSSIER
“Some kind of empathy”: Introduction to What makes
history personal?
Pedro Spinola Pereira Caldas & Kalle Pihlainen 17
History as anguish: Empathic Unsettlement and
Primo Levi’s concept of “gray zone”
Pedro Spinola Pereira Caldas 24
The Possibilities of ‘Materiality’ in Writing and Rea-
ding History
Kalle Pihlainen 47
History as Self-Knowledge: Towards Understanding
the Existential and Ethical Dimension of the Historical
Past
Jonas Ahlskog 82
Emotions in Historiography: The Case of the Early
Twentieth-Century Finnish Community of Historians
Marja Jalava 113
ARTIGOS ARTICLES
O mundo não é dos espertos: história pública,
passados sensíveis, injustiças históricas
Keila Grinberg 145
Ortega y Gasset’s reception through political
contingences. A historiographical study in Spanish
intellectual history
Paolo Scotton 177
8 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019 - ISSN 1983-9928
Expediente

A história de uma história: terrorismo extraterrestre


a favor do governo, Brasil 1968
Daniel Faria 209
Crise da modernidade em perspectiva histórica: da
experiência empobrecida à expectativa decrescente
do novo tempo
Yuri Martins Fontes 244
Entre azagaias, carroças e espingardas: a escrita
do passado sul-africano em George McCall Theal
(1837-1919)
Evander Ruthieri da Silva 268
A Filosofia da História em Oliveira Martins: itinerário
das primeiras perspetivas dialéticas até uma posterior
valorização do inconsciente
Bruno Filipe Laranjeira Gonçalves 303
Pensamento Social Brasileiro em perspectiva: história,
teoria e crítica
Thiago Lenine Tito Tolentino 338
Método utópico, viagem científica: como descobrir uma
ciência utópica do social?
Henrique Estrada Rodrigues 380

NORMAS DE PUBLICAÇÃO 410


EDITORIAL GUIDELINES

Pareceristas de 2019 420


Referees of 2019

9 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019 - ISSN 1983-9928


HISTÓRIA DA Ouro Preto / MG
HISTORIOGRAFIA

Elogio aos periódicos científicos nas humanidades


Felizmente já nos acostumamos com a regularidade
que a cada quadrimestre um novo número da História da
Historiografia é oferecido ao público. Há mais de uma década,
teses, dissertações, artigos e a produção científica em
geral repercutem o que tem sido publicado nestas páginas.
Em bibliografias de cursos de graduação e pós-
graduação também encontramos artigos que se tornaram
referência essencial no debate de diferentes temas
dentro e fora das áreas de especialização do periódico.
Embora o grande livro monográfico e autoral continue a ser o
ponto culminante da pesquisa em nossas fronteiras, o dia a dia
de uma produção científica cada vez mais plural, democrática
e diversa acontece nos espaços mantidos pelos periódicos
científicos.

Ainda temos dificuldades em lidar com essa nova realidade


da produção científica nas humanidades da era digital. Muitos
colegas preferem ignorar essa produção científica diversa e
dispersa - no sentido de não acontecer mais em torno apenas
de grandes centros, autores ou editoras consagradas - e
seguem repetindo velhas fórmulas na recusa em responder
crítico-criativamente ao novo cenário. Essa resistência explica,
apenas em parte, o fato de termos indicadores de citação
proporcionalmente muito abaixo do número de acesso e de
leitores de nossos periódicos.

No tempo do livro impresso bastava um passeio pelas


estantes para reencontrar seus interlocutores e fontes.
A existência de uma biblioteca vasta, vaidosa e privada
era condição quase incontornável da vida letrada. Na era
do texto digital e da publicação em fluxo, sem o uso de
programas e aplicativos, a exemplo do Mendeley, Zotero,
Citavi, dentre outros, para organizar a crescente bibliografia e
padronizar referências, corremos o risco de produzir um
conhecimento empobrecido e provinciano. Para avançarmos

11 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p.10-15 - DOI: 10.15848/hh.v12i30.1572
Editorial

em uma cultura da citação e do diálogo que dê sentido à


crescente e cada vez mais democrática produção bibliográfica,
precisamos incorporar de modo crítico e cotidiano as novas
ferramentas digitais. Por enquanto, precisamos admitir que
citamos pouco e de modo assistemático, levando à perpetuação
de nossa situação subalterna, priorizando ainda a tradução
e referência a nomes consolidados em sistemas acadêmicos
europeus e norte-americanos. Claro que esse cenário pode ser
muito diferente nas diversas especialidades que formam hoje
uma disciplina nada homogênea.

No último fórum de coordenadores de pós-graduação da


Anpuh-Brasil, realizado em novembro em Manaus, foi discutido
documento produzido pelo Fórum de Editores acerca do uso
de ferramentas bibliométricas como fator complementar na
metodologia do Qualis periódico. O conjunto das disciplinas
da área de humanidades foi acionado pela Capes para
apontar quais ferramentas bibliométricas estariam mais
adequadas às suas especificidades. No caso dos periódicos de
história, o fórum de editores indicou o uso do índice H
produzido a partir da base do Google Acadêmico, não
no curto intervalo de 5 anos que o serviço oferece,
mas de dez anos, produzido com a ajuda de um programa
chamado Publish or Perish. A recomendação do uso desse
indicador assinala mudança importante de postura da área,
que até então se recusava - não sem boas razões - a adotar
metodologias dessa natureza.

O uso de métricas pode contribuir para ampliar o debate


em nossa disciplina sobre as formas de avaliar o impacto e
a relevância do que é publicado, temperando talvez o viés
pela quantidade de produtos que tem sido historicamente
induzido pela recepção da avaliação Capes, com um olhar mais
atento para a qualidade e o impacto dessa produção. Longe
de concluir, essa decisão deve iniciar um amplo debate, com
base em estudos mais detalhados sobre as melhores formas de
medir a qualidade do que publicamos.

12 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p.10-15 - DOI: 10.15848/hh.v12i30.1572
Editorial

Quando consideramos tais métricas, a História da


Historiografia encontra-se no mesmo patamar das principais
revistas nacionais na área de história, o que não deixa de
ser extraordinário, considerando seu caráter especializado.
Nossa revista tem contado com o apoio entusiasmado de uma
comunidade pequena, mas muito atuante e organizada, temos
conseguido debater juntos a importância da manutenção
deste espaço, o que se prova no apoio financeiro espontâneo
que essa comunidade tem nos prestado através de nossos
financiamentos coletivos. Infelizmente o cenário brasileiro
parece indicar que precisaremos cada vez mais desse esforço.

Um sistema de periódicos independente, academicamente


relevante e socialmente enraizado deve estar no centro de
nossas preocupações - e alvo das autoridades que temem
pela legitimidade de seu poder. Em um tempo de notícias
falsas, de ciência falsa, de revisionismos lastreados em
falsificações e negacionismos, defender os espaços de debates
razoáveis é defender a democracia. Com exceção talvez das
teses e dissertações, nem um outro veículo de publicação é
tão rigorosamente cuidado e verificado quanto um artigo de
periódico. Na HH, até que possa vir a público, qualquer artigo
passa por quase duas dezenas de ações cujo único objetivo
é verificar e aprimorar a qualidade e integridade do que será
publicado. Essa jornada começa por uma primeira triagem na
qual se verificam aspectos formais e indícios de eventual plágio;
análise preliminar pelos editores executivos; distribuição a
pelo menos dois pareceristas em sistema de duplo cego; nova
análise dos editores e envio de considerações aos autores;
retorno do texto modificado que será novamente conferido
por pareceristas e editores; revisão e normalização de notas
e referências; atribuição de identidade digital única (DOI);
editoração; nova conferência; ajustes; leitura final dos autores
e, finalmente, o imprimatur.

É preciso cuidar ainda para que a revista esteja indexada


em diversas plataformas que ajudam na divulgação de seu

13 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p.10-15 - DOI: 10.15848/hh.v12i30.1572
Editorial

conteúdo e na produção de métricas. Quando são repositórios,


essas plataformas garantem a integridade e permanência desse
conteúdo; afinal, não podemos admitir que esse patrimônio
desapareça com a volatilidade do suporte digital. A presença
em diversos repositórios é a maior garantia que podemos ter
dessa permanência e integridade, mas é uma ação que exige
esforço contínuo dos editores e de toda equipe. Não é nossa
intenção cansar o leitor com todos esses detalhes, mas em
um momento em que a existência dessas revistas é colocada
em risco, precisamos ampliar nossa consciência de seu valor
insubstituível.

Mas o trabalho editorial não se encerra com a publicação


dos artigos a cada número. É preciso fazer esse artigo chegar
aos leitores, despertar sua curiosidade e apontar a relevância
de cada texto. A exemplo de outros importante periódicos de
nossa área, a HH desenvolve ações de divulgação científica e
história pública, em especial através do portal HHMagazine -
humanidades em rede. Neste semestre inauguramos o podcast
O que a HH faz?, no qual os autores são convidados a apresentar
para um público não especializado as ideias centrais de seus
artigos. Entendemos que a função de um periódico científico na
área de história não se esgota na comunicação científica, que
deve servir de plataforma de mediação entre essa produção
e a sociedade, e que, ao lado da relevância científica, a
historiografia precisa sempre cuidar de sua relevância social e
cultural.

A defesa dos periódicos passa também por uma reflexão


mais ampla sobre o lugar que as coletâneas de artigos deveriam
ter em nossa matriz de publicações científicas. Em sua maior
parte, os processos curatoriais das coletâneas são mais fluidos,
há maior risco de endogenia, menor certeza quanto à revisão
por pares, ausência de serviços regulares de indexação dos
artigos e, consequentemente, menor potencial de impacto e
citação das contribuições individuais. Por outro lado, produzir
uma coletânea é mais barato e rápido do que editar periódicos.

14 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p.10-15 - DOI: 10.15848/hh.v12i30.1572
Editorial

Autores já consagrados acabam priorizando a publicação em


coletâneas por essas facilidades, mas com isso retiram do
sistema de periódicos artigos de maior amadurecimento, os
quais poderiam ser ainda mais aprimorados pela cadeia editorial
dos bons periódicos. Ao mesmo tempo, poderíamos ter boas
coletâneas que funcionassem como manuais ou introduções à
literatura especializada, seja reeditando artigos seminais, seja
produzindo material coligido para o ensino superior e básico ou
mesmo em ações de história pública. As coletâneas poderiam
ainda servir aos autores como veículos para reunir sua produção
de artigos em periódicos, dando ao conjunto uma unidade difícil
de recuperar em seus contextos originais de publicação.

No Edital 2019 do CNPq destinado ao apoio de periódicos


nacionais, nem uma das 16 revistas da área de história foi
contemplada. Além de nossa HH, diversas outras revistas
consolidadas e tradicionais não obtiveram financiamento,
mesmo que aprovadas pelo mérito de suas solicitações. O
quadro se explica, em parte, pelo corte brutal no orçamento,
reduzido de 4 para 1 milhão entre 2018 e 2019, tendo a Capes
se retirado dessa ação. Mesmo assim, a área de história foi
estranhamente destacada, gerando razoáveis acusações de
discriminação.

Se alguém tinha dúvida sobre nossa relevância social,


está aí um bom indicador, a historiografia e os historiadores
continuam a parecer perigosos aos donos do poder.

Continuemos assim!

Valdei Araujo

Mariana, 2 de dezembro 2019

15 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p.10-15 - DOI: 10.15848/hh.v12i30.1572
DOSSIÊ
DOSSIER
HISTÓRIA DA Ouro Preto / MG - Brasil

HISTORIOGRAFIA

“Some kind of empathy”: Introduction to What makes


history personal?
“Alguma forma de empatia”: Introdução O que faz da
história algo pessoal?

COORDINATORS:

Pedro Spinola Pereira Caldas


https://orcid.org/0000-0001-9875-4545

Kalle Pihlainen
https://orcid.org/0000-0002-3361-5840

The articles made available to the reader in this theme


section of História da Historiografia constitute the second
moment of our attempt to answer a question presented as
a thematic symposium proposed and organized by Kalle
Pihlainen at the IV Congreso Internacional de Filosofía de la
Historia in Buenos Aires in November 2017: “What makes
history personal?” While ensuing discussions have continued
on several fronts, the authors who now publish here — with
the exception of the organizers of this section — are not the
same who presented in Buenos Aires two years ago. In the
intervening time, and through our evolving discussion, we
have seen that the question is amenable to a wide range of
responses and attracts attention on diverse fronts.

Given the range and variety of potential, relevant opinions


and proposals, we have not attempted to definitively systematize
or answer the question here — as if that were conceivable in
any such endeavor — but to leave it, instead, to be rehearsed,
tested, and experimented on by each contributor in the ways
they see best. With this, we intend our theme section to shed

17 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 17-23 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1568
Pedro Spinola Pereira Caldas & Kalle Pihlainen

light on possible approaches to the question of the personal


from theoretical viewpoints and concrete situations with distinct
provenances.

One cannot seek an answer to the question of the


personal nature of history without elaborating on the role
emotions play on an elementary factor of intellectual life,
namely, the research. Thus, by addressing the specific case
of A.T., a young Finnish PhD candidate at the beginning
of the 20th century, Marja Jalava’s article paves the way for
broader identification too: reports of problems in carrying out
research are common, yet details of any difficulties tend to be
absent from the final work and hence easily remain unseen.
However, with the lack of academic and institutional space to
elaborate on the emotions involved, more sensitive researchers
may reveal their distress in private and informal settings. Jalava
does not miss the opportunity to point out how extremely
manly that attitude is: to hide the suffering, to withstand the
pain. After all, “boys don’t cry.”

Jalava studies the case of young A.T. because it shows not


only how emotions occupy the realm of academic work but also
how they contribute to it and, importantly, how the process
of historical research in its elaboration is not merely a case of
the historian expressing his or her feelings but, rather, their
development in relation to others (in A.T.’s case, this is evident
from his correspondence with an established Finnish historian
of the time, Gunnar Suolahti). In this sense, there is no “self”
prior to the work, but a “self” constructed (and also destroyed)
throughout the process, always in a context — real or fictitious
— filled by the expectations of others as well as by broader
social and political meanings and significance.

To ignore the complexity of this setting would reiterate


a radically dichotomic conception of knowledge, whereas
recourse to Merleau-Ponty’s phenomenology offers Jalava a
rich alternative to think on the young A.T, in whose trajectory
one senses the presence of something each of us has witnessed
in academia, whether personally, with colleagues or with young

18 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 17-23 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1568
‘Some kind of empathy’

students: the urgent need to give meaning to what one does


(in A.T.’s case, this materializes in the national sentiment,
strongly related to a feeling of manly brotherhood, a “band of
brothers”), but to also be able to channel this in a specialized,
“controllable” and scientifically rigorous way. Transference is
not always easy and, when it does not occur, or when one does
not know how to handle its failure, the psychological burden is
strong (and we would do well to question whether we currently
possess more sophisticated tools than those available to young
A.T.). The complexity of the case is undeniable: empathy exists
between two men, as exists the initial empathy between a young
22-year-old and his research subject, in which, instead, he sees
the reflection of the empathy for his national community. In
such a vertiginous game of mirrors, A.T.’s self-image shatters.
This was definitely not the first time and, sadly, it will not be
the last.

Kalle Pihlainen’s article also aims to escape dichotomies,


although, here, the key dichotomy is one that appears to
have deep roots in debates within theory of history, namely
that between experience and linguistic construction, presence
and meaning, theory of history and its surroundings—all
contrapositions that point to the need to overcome the mind–
body opposition. For Pihlainen, this attempt involves three
questions: “How does language ‘embody’ reality?”, “How
do referential texts encode reality?”, and, “How do we read
referential texts with respect to reality?” Naturally, the reader
will be able to follow how these unfold while reading the
argument, but we can already highlight its most important
nodes: body, codification, and identification. It is positively
surprising to see how—both in Jalava’s and Pihlainen’s articles—
the same considerations appear and disappear, as if variations
on a theme in which the body as a place (much more than as
an object) of production of knowledge is central.

By proposing these three questions and seeking a way


beyond easy polarizations, Pihlainen also invites the reader
to think about several other concerns, two of which we wish

19 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 17-23 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1568
Pedro Spinola Pereira Caldas & Kalle Pihlainen

to highlight here. Firstly, the challenge to avoid intellectual


voluntarism. Accordingly, the resources culturally present and
used in the production of meaningful historical knowledge
should not be understood as simple pliant instruments, but,
instead, as a legacy one possesses, and one that can be better
or less well known. Secondly, relatedly, the phenomenological
basis underlying this thought process needs emphasis: after
all, how should we ask “What makes history personal?” if we
accept Merleau-Ponty’s assumption that we are “condemned
to meaning”? This is a subtle question: to be condemned to
meaning does not mean to be condemned by meaning. This
phenomenological sensibility should also be seen as central to
the reading process, as existing within the complex shuttling
between reader and (referential) text, in which the identification
between oneself and another is complex, gifted with meaning,
and to be described in terms of “some kind of empathy” — that
is, it cannot be a mere absorption of information that questions
the identity of readers and their reading methods, and nor can
it constitute complete immersion. In this sense, the complex
dynamics of what in Jalava’s text focus on the elaboration of
a relational self are discussed by Pihlainen in ways that blur
the often clearly drawn lines between body and mind (verbally
articulated language), experience and language, and the
reader’s present and the past represented in a historiographical
piece.

Pedro Caldas’ reflection similarly demonstrates a concern


for thinking the self beyond personalism, voluntarism and a
self-centered subject-perspective. Using the subject pronoun
“I” in most of his text, that is, assuming his own voice, which
slowly looks for conceptual references — and articulates,
therefore, both experience and meaning — Caldas begins
with current experiences relating to a phenomenon yet to
be classified in Brazil (and, unfortunately, not only in Brazil):
the rise of far-right politics. It is as if his piece is traversed by
the problem “How to personalize history without it being self-
centered?” Pihlainen’s expression could be usefully repeated
in this context: “some kind of empathy”; and here we talk

20 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 17-23 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1568
‘Some kind of empathy’

about a delicate and difficult empathy between professionalism


and an agitated, yet not always conventional everyday life,
between professors and students, between the past and the
present, told and endured by an author as relevant as Primo
Levi, irreplaceable interlocutor, yet formulator of an experience
contiguous to suffering that requires caution as to avoid
immediate “immersion” (to use a term from Pihlainen’s piece
again). Anguish can, therefore, be a putative pathos from
which we see ourselves forced to lend meaning to history,
so much so that another possible answer — one yet to be
developed and one which remains inconclusive in Caldas’ text
— would be to consider the personal nature of history when it is
unheimlich (uncanny). Here, we are faced with an undoubtedly
ironic situation since “-heim” carries within it the intimate, the
welcoming, and the personal.

This engaging theme, laterally considered in Caldas’ text,


is discussed by Jonas Ahlskog in a more conceptual manner.
In his article, Ahlskog, too, aims to surpass key dichotomies:
between the practical past and the historical past, between the
experienced and the elaborated, between the will to engage in
the present while already engaged with the past. His goal is
clear: “In opposition, this essay argues that the personal resides
within and not only beyond historical relations to the past.” The
very choice of authors discussed by Ahlskog suggests the need
to overcome this particular dichotomy: the combination of W.
G. Sebald’s contemporary classic Austerlitz with the theoretical
work of R. G. Collingwood highlights how important it is to
articulate texts of distinct kinds.

With his reading of Austerlitz, Ahlskog shows how the


investigative method is not just a tool but, also, something
without which the personality of those who investigate would
remain indistinct and unaffected. Obviously, Ahlskog knows
that Austerlitz discusses a 20th-century traumatic event, yet he
recognizes that it questions the radical dichotomy between those
who suffer and those who study: “the best way of thinking about
this contingency is probably to view it as scale without either of

21 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 17-23 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1568
Pedro Spinola Pereira Caldas & Kalle Pihlainen

the extremes — there is neither complete lack nor necessary


connections with a personal dimension from the perspective
of the individual.” Thus, a theme traced by Pihlainen, namely
the reader’s importance in the process of personal construction
of meaning, also potentially personal, follows, at Ahlskog’s
hands, other contours. For him, the matter becomes one of
how reflection on a book such as Austerlitz causes readers to
see themselves as having a share of responsibility. One could
ask: condemned in what way? — to generate ‘“some kind of
empathy”?

Clearly, Collingwood is an essential point of reference


for thinking about this question. As demonstrated so well by
Ahlskog, the attempt to separate self-identity from everything
else that one is always already immersed in offers shaky
grounds to construct historical knowledge. One would be
vehemently attacked for even positing such a dichotomy; and,
more importantly, when undertaking to re-enact, it is clear
that one not only gains the existential consciousness of seeing
oneself obliged to attribute meaning but also needs the ethics
of distinguishing oneself from — and, if that is the case, also of
identifying with — the past ways of thinking that are being re-
enacted. Collingwood’s approach offers, as Ahlskog proposes,
another possibility to consider the personal dimension of history
in terms of a relational structure.

As noted, various points of entry and perspectives relating


to all of these themes appear and reappear with distinct
intensities throughout the articles that follow. Although
this offering can only hint at the range of possible ways to
articulate a response to “What makes history personal?”,
some central questions have already been exposed:
How to overcome the dichotomy between experience and
language, between body and mind, between past and
present, between engaging and disengaging, that is, between
practice and theory? And, for example, in what measure do
documents, such as letters and witness literature, provide
routes to elaborate these questions? Or, in this pursuit, how

22 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 17-23 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1568
‘Some kind of empathy’

could turning to phenomenology help? Perhaps beginning with


a phenomenology capable of critically implicating the reader,
of creating “some kind of empathy”, first, hopefully, with the
readers of this theme section.

ACKNOWLEDGMENT AND INFORMATION

Pedro Spinola Pereira Caldas


pedro.caldas@gmail.com
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
Brasil

Kalle Pihlainen
kalle.pihlainen@utu.fi
Tallinn University
Estonia

23 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 17-23 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1568
HISTÓRIA DA Ouro Preto / MG - Brasil

HISTORIOGRAFIA

History as anguish: Empathic Unsettlement and Primo


Levi’s concept of “gray zone”
História como angústia: Inquietação empática e o conceito de
“zona cinza”, de Primo Levi

Pedro Spinola Pereira Caldas


https://orcid.org/0000-0001-9875-4545
ABSTRACT

This article proposes a path of reasoning capable of


showing how history can become personal inasmuch RESUMO
as it produces the experience of anguish. To attain
this goal, based on two concrete personal experiences Pretendo neste artigo apresentar um caminho de

during the current political context of Brazil, it will take argumentação que mostre como a história pode

the following steps: history becomes personal, first as se tornar algo pessoal, na medida em que ela gera

it helps build one’s personality (as asserted in Johann angústia. Para chegar a esse ponto, será necessário,

Gustav Droysen’s Historik), by the ability of historical a partir de duas experiências concretas e pessoais

knowledge — produced by research or received by its da atual circunstância política brasileira, percorrer os

readers — has to be morphological; in other words, via seguintes passos: em primeiro lugar, a história se torna

its ability to find unity in what, at first glance, seems to be pessoal na medida em que ela ajuda na construção da

dispersed. Secondly, history can become personal as it personalidade, no sentido proposto por Johann Gustav

produces empathy, considered under Dominick LaCapra’s Droysen em sua Historik, ou seja, na capacidade que

concept of empathic unsettlement. Finally, since LaCapra o conhecimento histórico, produzido pela pesquisa

indicates that Primo Levi’s concept of gray zone contains ou recebido pelo seu leitor, tem em ser morfológico,

certain possibilities in terms of empathic unsettlement, ou seja, em dar unidade ao que aparece disperso.

the final section of this article carries out an exercise Em segundo lugar, a história pode também se tornar

about this notion to show that this type of experiences pessoal quando produz empatia, aqui apresentada nos

— limited to two specific cases in this study — invite us termos propostos no conceito de inquietação empática,

to think that history becomes personal in as much as it empathic unsettlement, de Dominick LaCapra. Por fim,

produces anguish, a notion that permeates The Drowned como LaCapra indica que o conceito de zona cinza, de

and the Saved (1986) — book that contains Primo Levi’s Primo Levi, contém em si possibilidades de inquietação

classic chapter on the gray zone. empática, faço, na última parte, um exercício com tal
conceito, tentando mostrar que essa variedade – aqui
limitada em dois casos – convida-nos a pensar que a
história se torna pessoal quando gera angústia, termo
que atravessa Os afogados e os sobreviventes (1986),
KEYWORDS livro no qual há o clássico capítulo sobre a zona cinza.

Theory of History; Morphology; Testimony

PALAVRAS-CHAVE
Teoria da história; Morfologia; Testemunho

24 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 24-46 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1517
Pedro Spinola Pereira Caldas

La tortura (…) è il male massimo, peggiore ancora della pena


di morte; distrugge il corpo del tormenato e lo spirito del
tormentatore.
Primo Levi, ‘I collezzionisti di tormenti´ (LEVI 2016, p.1558)

Morphology
When I first saw the question that gives title to this theme
issue — “what makes history personal?” —, I was not capable
of remembering any book, article, essay or chapter usually
linked to Theory of History, either in connection to classical
references or to more recent ones. In fact, I did remember a
passage from Thomas Mann’s Reflections of a nonpolitical man,
which is: “(...) The times were such, that distinctions could
no longer be perceived between what concerned an individual
or not; everything was agitated and stirred; problems were
jumbled up and could no longer be separated from each other”
(MANN [1918] 2013, p. 18)1.
1 - Free translation.
Thomas Mann was describing the context of World War I.
Despite the differences in historical contexts, Mann’s words
immediately express what I feel when thinking about how
history can become personal: a sense of fragility visible when we
know it is impossible to separate the tranquility and monotony
of daily routine from the turbulence of public events.

That was not the first time that Mann’s words came to my
mind. April 17, 2016.A Sunday, a rest day disrespected by
Brazilian congressmen, assembled for a voting session whose
result would impede Dilma Rousseff from continuing to take
the chair of President of the Republic of Brazil, for which she
had been democratically elected a year and a half before.
Following the example of the congressmen, I also disrespected
my rightful rest. I was scheduled to deliver a lecture — which
was already prepared — on the following morning, in which I
would present the concept of historicity to my students and we
would discuss a Leopold von Ranke’s text. But I was truly in
anguish. The result of the voting session was predictable and I

25 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 24-46 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1517
History as anguish

considered dishonest to find what was happening in my country


so normal that I should simply present the lecture according
to the program of my subject on Contemporary Historiography.
Therefore, I decided to postpone the discussion for a week and
started writing a 10-page text, which would be the topic of that
class. I finished the text in time to leave home and join a few
friends and thousands of people on that Sunday evening at one
of the main Rio de Janeiro’s squares, where citizens against
the presidential impeachment tensely watched for a few hours
the transmission of the voting session occurring in the federal
capital city of Brasília.

The following morning, before beginning a four-hour


conversation with my students about the events of the previous
day, I wrote on the board a quote by Theodor Adorno that
was fresh in my memory, since I had concluded the reading
of Minima Moralia a few months before: “Thinking no longer
means anything more than checking at each moment whether
one can indeed think” (Adorno 2005, p. 197). At that moment
we had no reasonable explanation to provide. Thus, I asked
the students: can we talk about what happened? Then, I said
that I would not analyze Ranke’s text as previously scheduled,
considering that we all surely feel the need to speak about
Brazilian politics, and an old-school Prussian historian would
have little to tell us at that moment. Therefore, a first attempt
on the subject of this theme issue could be: history becomes
personal when it affects us, when it establishes a compulsory
relation with us, when something apparently distant, objective
and incapable of reaching us ends up doing so, when we are
completely affected by the flow of events.

After that, I did the best I could to be well informed and


to identify a meaning in what happened, but I was not satisfied
with the press coverage and with the analyses of that day.
Then, I sought a more academic literature — which was not
difficult to find, since publishers quickly filled the bookstores
with works regarding the theme, while several articles were
published on specialized journals. Two works, for instance,

26 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 24-46 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1517
Pedro Spinola Pereira Caldas

helped me to understand that April evening in 2016: O Lulismo


em crise [“Lulism in crisis”] by André Singer; and Valsa Brasileira
[“Brazilian waltz”] by Laura Carvalho. These two works are
complementary, although sometimes divergent in their analyses
about the political and economic crisis experienced in Brazil in
recent years. Whether one agrees or not with their theses, they
were both very useful to me as examples of how to employ a
methodological approach in historical and social analysis. As
time passed, some complex explanations about those events
emerged, which seemed to confirm Wilhelm von Humboldt’s
famous statement on historical knowledge: “historical truth is,
as it were, rather like the clouds which take shape for the eye
only at distance” (HUMBOLDT [1821] 1967, p. 58).2

Now, thinking about it: what is the meaning of this effort


2 - For the role of
to look for explanations? After all, if Ranke was not helpful such distance in
then as a mediating element, the research work of Singer and knowledge, see the
theme issue of History
Carvalho, in turn, did serve me well two years later. Everything, and Theory fully de-
then, would be a matter of time. Thus, after building a certain dicated to this topic.
cf. HOLLANDER, Jaap
intellectual stability, would history cease to be personal? den; PAUL, Herman;
Perhaps not the way I felt about this issue in April 2016, but PETERS, Rik. Histori-
cal Distance: Reflec-
in some other manner — and, in this case, it is truly ironic tions on a Metaphor.
that another Prussian historian from the 19th century, Johann History and Theory
Theme Issue 50, n.4,
Gustav Droysen describes my elaboration on the texts by Singer December 2011.
and Carvalho. Droysen shows that as historian researches and
acquire more knowledge, they gradually tend to admit how
much one’s subjectivity was already present since the beginning.
Hayden White defines this process as the “phenomenology of
reading”, in which Droysen “(…) instructs historians in how to
produce different kinds of moral perspectives in their readers
(…)” (WHITE 1990, p.88). In this regard, Singer and Carvalho
offered me two different moral perspectives on the scenario
that I was living.

Morality in Droysen corresponds neither to dogmatism nor


to moralism. The best definition of morality was well expressed
in another sophisticated interpretation of his Historik: by
recognizing the existence of a structure that conditions him, in

27 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 24-46 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1517
History as anguish

other words, by being capable of recognizing the assumptions


behind his actions, a human being “(…) effectively fulfills his
need to no longer abide as an apathetic victim of objective
circumstances, and through the hermeneutical knowledge
of such objective conditions of his life, simultaneously
emancipates himself from them” (JAEGER 1994, p.66)3. And
this can be perceived in the Brazilian case: André Singer
(cf. SINGER 2018, p. 74-75), shows how Dilma Rousseff, 52
years later, made the same mistake as the former Brazilian
president João Goulart, who was ousted from office by the
military in 1964, not perceiving the internal contradictions and
swings of the Brazilian bourgeoisie (considered as its speculative
and productive sectors). By agreeing with Singer’s reasoning,
a reader attains conceptual clarity regarding the structure
of a historical process and, consequently, political and moral
responsibility, since they know which historical forces are in
motion in an anguishing evening.

Thus, we may initially think that history becomes 3 - Free translation.


personal as one attains an awareness of the process in which
4 - Free translation.
he or she is already inserted. Then we could conclude: there
is nothing unusual with what happened in a morning class at a
small university in a peripheral country undergoing another of
its many politically turbulent events — which are symptomatic
of an almost structural instability in its presidential system.
In this case, we may immediately refute the sketched idea
presented above, which states that history becomes personal
when it produces a sense of fragility in us. It is indeed the case
of taking up responsibility for what determines us, and Droysen
defines this position as the very “essence of subjectivity or,
to be more exact, of personality [Persönlichkeit]” (idem, my
emphasis); this could be an initial manner through which
history becomes personal. Beyond being a reflex of immediate
sensations, it is up to a human being to harness these initial
impressions as material for “(…) discernment and comparison,
judgment and conclusion and, [thus], in him or her alone, the
sum of one’ sensations are gathered into a totality” (DROYSEN
[1857] 1977, p. 23)4. What was previously dispersed attains

28 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 24-46 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1517
Pedro Spinola Pereira Caldas

form and, for this reason, historical knowledge is morphological


(cf. DROYSEN [1857] 1977, p.20). Here, personality consists in
the ability to shape such fragmented impressions.5

5 - Ethan Kleinberg
Empathic unsettlement (cf. KLEINBERG 2017,
p.98) is correct to
show that, for Droy-
That April weekend in 2016 was not the only moment when sen, the past is a
unstable soil, since
I felt the need for a sudden change of class plans in response to
it never presents it-
public events. In October 2018, a few days before the second self in itself, but only
based on a totali-
round of the presidential election in Brazil — once again, on
ty constructed by a
a Monday morning —, I had a scheduled lecture about the historian: “the keen
eye [das geschaffene
relationship between historiography and the social sciences
Auge] cannot bear the
based on the Annales School. Two days before, on Friday, one sight of pure light; if
turned directly to the
student6, a black young man, was violently beaten while doing
sun, it will be blind-
political propaganda with friends for Fernando Haddad, one ed and, thence, only
see its own ghosts”
of the candidates for the presidency. The courage of some of
(DROYSEN [1857]
his friends prevented that aggression from reaching a more 1977, p. 35). Maybe
I did not fully absorb
serious outcome.
Kleinberg’s text, but I
did not perceive any
Some of the victim’s friends would be attending my class elaboration on this
ghost-metaphor in his
on Monday. As in April 2016, I considered insensible to deliver reading of Droysen.
the lecture as if we were moving through life without major His creative and inter-
esting interpretation
bumps. But at that moment, I could maintain the proposed of history as hauntol-
discussion on historiography as a social science, with a change: ogy would probably
have something to
instead of speaking about contributions of the Annales School, say about it.
I decided to introduce my conspicuously upset students to Max
6 - https://bit.ly/
Weber’s concept of ideal type, and I started the lecture with 2RpF4EP. Access on
a discussion on the term “fascism”. I asked all attendees how December 3, 2019.
they used to understand this term. Once again, the dialogue 7 - NOVAES, Marina.
was quite intense. At the end, I proposed a reflection on its “’O que é fascismo?’:
a maior dúvida dos
use based on an article written by Stefan Breuer (cf. BREUER brasileiros em 2018,
2008), in which he proposes an ideal type on fascism. The segundo o Google”.
https://bit.ly/2riXPPF.
students reflected upon a general concern of the Brazilian Access on June 22,
people in 2018, a year in which the word “fascism” was the 2019.
most consulted one on internet search engines nationwide,7
besides the capability to speak about political violence. Once
again, we were affected by history, for one student, history
became personal in a particularly violent manner.

29 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 24-46 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1517
History as anguish

A few months later, as I was interested in the world’s


political context, I read The New Faces of Fascism by Enzo
Traverso. This book would have certainly helped me to better
prepare my October discussion on fascism, since I would then
be knowledgeable of its definition about the rise of extreme-
right populism in the European Union and the USA as a post-
fascist phenomenon (Cf. TRAVERSO 2019, p. 4).8

I do not have the intention to engage in specialized debates on


fascism, but I must call attention to Traverso’s characterization
of fascism as a transhistorical phenomenon (cf. TRAVERSO
2019, p.5). Such transhistorical feature does not mean this
phenomenon is immune to the current circumstances and
changes. Instead, as I learned in an article written by Dominick
LaCapra, it appears as:
8 - Traverso attempts
to escape from a more
(...) forces that affect the historian — forces that (...) may historicist standing,
bring into question the possibilities of the historical enterprise which reduces fascism
and indicate the manner in which the historian, like others, is to the context in whi-
ch it initially emerged
internally challenged by what has been figured in terms of the
(Europe in the 1920s
“transhistorically” (or structurally) traumatic, the dangerous and 1930s), but also
supplement, the “extimate” other, the disorientingly uncanny from a mere transpo-
(LaCAPRA 2009, p. 37-38, my emphasis). sition, at times, ana-
chronistically, to the
present days.

Based on my experience in 2016, I sought to gather some


thoughts on how history can affect us and become personal.
But it does so precisely in the sense of personality and morphology
as defined by Droysen in the 19th century. Yet, now, it seems
to me that we are facing a less stable way of being affected by
history. Then, what would it mean to be internally challenged?
In another article written by LaCapra, I found a potentially
helpful passage: “affective involvement, I am suggesting,
takes (or should take) the form of empathic unsettlement
— or rather various forms of empathic unsettlement that
differ with respect to victims, perpetrators, and the multiple
ambiguous figures in Primo Levi´s gray zone” (LaCAPRA 2004,
p. 135-136).

30 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 24-46 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1517
Pedro Spinola Pereira Caldas

LaCapra does not analyze the ambiguous figures of Primo


9 - For quite insightful
Levi’s gray zone9 — and this indicates that it was not his intention perspectives of what
Traverso and LaCapra
to do so. Since I was interested in knowing how I could apply
might would have cal-
the concept of empathic unsettlement in the case of the figures led the transhistorical
aspects of gray zone
characterized by Levi, I decided to carry out this exercise,
and Levi´s work in ge-
bearing in mind that the empathy LaCapra speaks about can neral, see Domenico
Scarpa´s idea of Le-
be a second way in which history may become personal.
vi´s “historical trans-
lability” (cf. SCARPA
Before taking this exercise forward, it is important to 2015) and also Alber-
to Cavaglion´s study
understand how the gray zone is both an ethical concept and on the gray zone (cf.
a narrative necessity — something that can be observed in the CAVAGLION 2006).
beginning of the theme chapter: “Have we survivors succeeded 10 - For an excellent
in understanding and making other people understand and illustrative anal-
ysis of the Italian
our experience? What we commonly mean by the verb ‘to context in which the
understand’ coincides with ‘to simplify’” (LEVI 2015, p. 2430). concept of gray zone
arose and circulated,
Without failing to recognize the importance of simplifications, cf. GORDON 2012,
without which “(…) the world around us would be an endless pos. 3038-3201. In
his indispensable
and undefined tangle (…)” (idem), Levi is aware that such book about the Ital-
need turned into a “(…) Manichean tendency to shun nuance ian elaborations on
the memories from
and complexity” (idem). Levi shows an acute concern with his the Holocaust, Gor-
historical circumstances by questioning the survivors’ ability don points out how
the concept of gray
to make themselves understood by readers in the immediate zone sought to shun
postwar period.10 In that period, cases of aggression and all both psychological
connotations (‘we are
type of threats were looming in the political field, including all haunted by ghosts
neo-fascist hostilities in Turin (Levi’s city), the fear of a military from the past’, and so
on) and relativisms
coup in Italy, the far-reaching geopolitical Cold War conflict (‘we are all guilty,
(cf. THOMSON 2014, pos. 7153-7156, 7232-7234 7476-7479, hence, no one is
guilty’), thus setting
7489-7490) and the grotesque and violent negationism of limits to the debates
Robert Faurisson (cf. LEVI 2015, pp. 1265-1266). All these on the construction
of Italian national
factors coexisted with what Annette Wieviorka calls “the era identity in its relation
of the witness” (WIEVIORKA 2006, p. 97), a (positive, in my with different stand-
ings vis a vis resis-
opinion) moment of democratization of historical actors but, tance to Nazism. On
also, a moment in which an impressive massification and that matter, also see
PAVONE, 1998. For
simplification of narratives occurred — based on the success other insightful read-
of the miniseries Holocaust (cf. LEVI 2015, pp. 1286-1293) as ings of the concept
of gray zone and its
Levi pointed out. It was a strange mix of plentiful information relevance for Levi´s
and weak political stability. work: cf. LANGER
2001; MACÊDO 2014:
pp. 127-148.

31 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 24-46 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1517
History as anguish

Although we are no longer living in that war context and


we are now fully immersed in a digital world, even though we
are not facing circumstances so strikingly distant from those of
the 1980s. The rise of right-wing populism, the preposterous
historical distortions that seek to frame Nazism as a leftist
movement,11 and the numbness diagnosed by Carolyn J. Dean 11 - Recently, some
Brazilians tried to
as “the fragility of empathy after the Holocaust” delimit the
explain to the Ger-
current landscape of comprehension (cf. DEAN 2004, p. 5-6). man embassy that
Nazism was a leftist
movement. Few facts
In spite of such background The Drowned and the Saved could possibly equal
can be understood as a book on the openness of readers to the that in showing how
delirious the extreme
experience it seeks to convey12 and, therefore, as a work that can right-wing became
be examined based on the concept of empathic unsettlement. in Brazil. https://bit.
ly/2RmJcpb. Access
Levi attempts to produce an affect in association with a reflection on July 11, 2019.
on the possibility of such affect. This is evinced by the layout
12 - It is highly illumi-
of the book’s contents. Its preface and first chapter can be nating a paper from
understood as two initial frames: in the preface, Levi questions Martina Mengoni that
unfourtanetly I have
the very possibility of bearing witness. Although he states that known only after sub-
“(…) the most substantial material for reconstructing the truth mitting this paper. By
reading it, one can
about the camps is the survivor’s memories”, he also ponders learn how complex
that “Regardless of the pity and indignation they arouse, were the connections
between Levi’s book
they should be read with a critical eye. The concentration and the historical con-
camps were not always the best vantage point for knowing text in which the book
was written. Accord-
the camps: the prisoners, subjected to inhuman conditions, ing to Mengoni, “Levi
were rarely afforded a comprehensive view of their universe” shaped ‘The Drowned
and the Saved’ in a
(LEVI 2015, p. 2415). hybrid way. Histories,
stories and ques-
This would not be the moment to deepen the subject, but tionings overlap and
intersect, enabling
such (lack of) conditions included, among other aspects, the readers to share in
fact that in addition to their situation of unspeakable hunger the various stages of
both a journey and a
and cold, camp prisoners did not know where exactly in Europe reflection, an inter-
they were, and if other camps existed. In his first chapter, section of History and
topics of discussion”
entitled “The Memory of the Offense”, Levi analyzes how the (MENGONI 2015, p.
very remembrance of this experience — which was perceived 155).

in the worst conditions — was susceptible to many obstacles


ranging between crystallization as a result of the passage of
time and shaped by third-party narratives, and the essentially
traumatic dimensions of the events (cf. LEVI 2007, p. 14):

32 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 24-46 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1517
Pedro Spinola Pereira Caldas

“Human memory is a wonderful but fallible instrument” is one


of his maxims (LEVI 2015, p. 2420). He was kind of asking
himself: how reliable is my own point of view as I bear witness
to the past?

If we take a closer look at the two final parts of the book


— its additional frame, so to speak —, we will notice that these
chapters are mirror-like to their readers. This fact is more
evident in the postscript, which includes Levi’s correspondence
with German readers. But before this, the final chapter of the
book, “Stereotypes”, contains a shrewd survey of readers’
expectations in regard to the account of a concentration camp
survivor. Here, one finds the old hope for heroic and resistant
behavior: “There is one question that we are always asked (…).
It is not so much a question, than a cluster of questions. Why
didn’t you escape? Why didn’t you rebel? Why didn’t you avoid
capture ‘before’? (LEVI 2015, p. 2522). Levi carefully answers 13 - Now that glob-
each of these predictable and frequent questions, always in a al warming is awak-
ening serious and
manner that may place his likely readers not only in the shoes well-founded appre-
of a camp survivor, but also within the scenario of his time. In hensions, we could
not affirm that the
the Cold War context, with its nuclear threat, Levi provocatively end of the Cold War
affirmed that we were as blind as our predecessors who lived invalidated Levi’s
question.
in the 1920s and 30s. In the case of an eventual nuclear war,
“Polynesia, New Zealand, Tierra del Fuego and Antarctica might
be left unharmed. It is much easier to get passports and entry
visas than it was then: why don’t we go, why don’t we leave
our countries, why don’t we escape ‘before’? (LEVI 2015, p.
2534).13 Now he is the provoker: how stable is our own position
as readers living in the present?

Considering these two parameters for understanding the


work, I will follow LaCapra’s assertion as I will seek to elaborate
on his indication about the ambiguous gray zone figures.

33 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 24-46 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1517
History as anguish

Anguish
Which feeling or affect is Primo Levi trying to draw his
readers? Surely, we could think on shame; but I believe
both Giorgio Agamben (cf. AGAMBEN 2016, pp. 81-126) and
Marco Belpoliti (cf. BELPOLITI 2015, p. 549-554)14 advanced
a lot in this field and I would not have much to add to their
thoughts. Therefore, I prefer to highlight another affect, which
is mentioned in the beginning of The Drowned and the Saved:
14 - In this sense,
Belpoliti’s keen re-
mark about how
This book (...) has an ambitious goal. It would like to answer shame is a look to the
the most urgent question, the question that distresses everyone present, to a (moral)
[una domanda che angoscia tutti] who has had the opportunity nakedness before the
world, whereas guilt
to read our Stories: How much of the concentration-camp world is a feeling linked to
is gone and will never return (...)? How much has returned or the past, can be con-
is returning? In a world teeming with threats, what can each of sidered as a distinc-
us do to make sure that at least this threat will be neutralized? tion between “the
past is” (shame) and
(LEVI 2015, p.2418-2419). “the past was” (guilt).
However much a
sense of guilt may
I inserted the original Italian words between brackets still be present, it be-
comes stronger when,
to unveil a word that is not fully perceptible in the English in most extreme cas-
translation: namely, anguish [‘angoscia’]. And this may be a es, it does not admit
any type of acquittal.
third way in which history can become personal. Since we are The past was, and,
striving here to think about possible ways in which history can since it was so severe
in its past actuality,
become personal by an affect, The Drowned and the Saved it does not admit an-
is indeed a work that may contribute to our discussion. Levi other meaning; it is
irrevocable and will
sets out to provide an answer to a question: an anguish- not assume any other
ridden question shared by all — che angoscia tutti / distresses form beyond the form
assumed in the sub-
everyone. Reading his book may be helpful when such anguish ject’s guilt. cf. BELPO-
is shared, since the very first beginning, between author and LITI 2015, p. 550.

readers, between past and present, and — why not? — the


future as well. In the passage above, the past was, is and might
be present again. And a pathway to avoid the latter possibility
may be the opening to such affect of anguish.

The word “anguish” is found not only in the beginning of The


Drowned and the Saved. It appears in many passages along its
chapters: I will give three examples. Here is the first one:

34 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 24-46 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1517
Pedro Spinola Pereira Caldas

Anguish is familiar to everyone, starting in childhood, and


everyone knows it is often blank and indistinct. Rarely does it
bear a plainly written label, indicating its own cause; when it
does, the label is often a lie. People can believe or say they are
in anguish for one reason, and be so for another reason entirely
(LEVI 2015, p. 2458).

Anguish is a familiar affect, but it is also the symptom of a


distorted and misconceived representation. It embeds a sense
of missing the target and directing us elsewhere. A second 15 - It is beyond the
possibilities of this text
excerpt can be highlighted precisely from the chapter on shame: to discuss the con-
cept of witness, which
nowadays counts on
There were no colds or flus in the camps, but people died, at a vast literature. But
I shall state here how
times suddenly. From diseases that doctors had never had the
I usually locate my-
opportunity to study. Stomach ulcers and mental illness were self. In addition to
cured (or at least the symptoms), but everyone suffered from the above-mentioned
an incessant malaise that poisoned our sleep and has no name and absolutely nec-
essary book by Wiev-
(LEVI 2015, p. 2469).
iorka, in which one
may learn about the
historical emergence
Once more, Levi complements the excerpt by providing the of the concept, a use-
ful typology has been
possible name of such affect: “(...) it would be more accurate to proposed by Aleida
see it as the atavistic anguish that reverberates in the second Assmann (ASSMANN
2007). According to
verse of the Genesis; the anguish, inscribed in each one of her, a witness may be
us, of the tohu vaholu, the formless and void universe (...)” legal, religious, his-
torical and moral. As I
(LEVI 2015, p. 2469). This passage is an addendum to Levi’s see it, a link between
classic reflection on the shame inherent to the act of surviving, conceptual abstrac-
tion and historical
i.e., the shame of speaking about an experience that was lived, mutation offers inter-
literally witnessed but not personally felt: “Weeks and months esting coordinates to
reflection about this
before dying, they had already lost the ability to observe, to discussion.
remember, to measure, and to express themselves. We speak
in their place, by proxy” (LEVI 2015, p. 2468-2469).15

Here, we find once more a tension created by Levi:


anguish becomes the name for a totally exceptional diagnosis,
whereas lending itself to the absence of form, to what has
undefined limits or contours. Once more, I indicate his
strategy: by referring to a phenomenon that “has no name”, he
reaches a pivotal religious reference of the Western tradition

35 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 24-46 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1517
History as anguish

(the Book of Genesis) and links it to our essence (“inscribed in


each one of us”). Thus, anguish may serve as a destabilizing
element, not necessarily for it has no name, but because it
articulates a vertiginous game of approximation and distancing,
since there is something in all of us that, under certain
circumstances, may not have a name.

Finally, let us examine the third selected excerpt:

The rise of the privileged — not only in the camps but in all
human Society — is a disturbing [angosciante] but inevitable 16 - For an analysis of
phenomenon (...) the hybrid category of inmate-functionaries is the gray zone concept
both its framework and its most disturbing [inquietante] feature. in reference to Rum-
This category is a gray zone, with undefined contours, which kowski, cf. MENGONI,
Martina. Variazioni
both separates and connects the two exposing camps of masters Rumkowski: Primo
and servants. It has an incredibly complicated internal structure, Levi e la Zona Grigia.
and harbors just enough to confound our need to judge (LEVI Torino: Zamorani,
2015, p. 2434-2435). 2018.

17 - I am leaving
aside a classical gray
Therefore, the capacity to confound “our need to zone case: the Kapos.
But the Kapos also
judge” could be originated precisely based on this constant had many ambigu-
shifting between approximation and detachment, which may ities. The best exam-
ple of this is the fact
destabilize any safe position from which a perspective can that Levi included a
present, so to speak, the necessary critical self-confidence. If figure he admired –
Herman Langbein, a
we agree with Lawrence Langer, this strategy of permanent political prisoner – in
oscillation between proximity and repulse constitutes the the account on the
administrative collab-
essence of memory in a state of anguish: “The seeds of orators of the concen-
anguished memory are sown in the barren belief that the very tration camp.
story you try to tell drives off the audience you seek to capture”
(LANGER 1991, p. 61).

Two of the cases analyzed by Levi in his gray zone chapter


enable us to think about the possibility of driving off the desired
audience: the case of Chaim Rumkowski16 and the case of the
Sonderkommando.17 It is not my intention to describe them
here. Instead, I would like to show how Primo Levi seeks to
present them to produce an affect in his readers:

36 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 24-46 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1517
Pedro Spinola Pereira Caldas

In Rumkowski we see a reflection of ourselves. His ambiguity is


ours (...) His fever is ours, the fever of Western Civilization that
descends into hell with trumpets and drums (...) Like Rumkowski
we, too, are so blinded by power and prestige that we forget our
basic fragility. We make our deals with power, willingly or not,
forgetting that we are all in the ghetto, that the ghetto is walled
in, that outside the wall are the lords of death, and that not far 18 - Simona Forti’s
away the train is waiting (LEVI 2015, p. 2454-2455). line of reasoning is
highly interesting. For
her, Primo Levi pres-
ents a concept of evil
“A reflection of ourselves”: an empathic unsettlement, that is fully different
from what she calls
since Levi confronts us with someone who brings in himself the “Dostoevsky par-
the entire world of which he was a part, precisely because he adigm”: instead of
speaking about de-
was never able to control it, even though he may have tried liberately exercised
to do so. For “men like him crowd around the foot of every evil, one should con-
sider evil in fragment-
absolute throne, trying to grab their tiny portion of power (…). ed form, scattered
None of this exonerates Rumkowski from his responsibility” amidst countless ac-
tors – and we would
(LEVI 2015, p. 2425).18 be among them in our
attempts to optimize
If we agree with Simona Forti’s reasoning, Rumkowski is life (cf. FORTI 2012,
p. 384-395).
absolutely present as a form of exercising evil, understood as
an “internalization of imperatives” (FORTI 2012, p. 385) and 19 - On the other
hand, the attempt to
an “optimization of life” — which are not exclusive to the head- eliminate each and
figure of the Łódź Ghetto — but, instead, as real and verifiable every type of agen-
cy would equally re-
contemporary possibilities. If we should take historical agency store the polarity Levi
for a pretense of controlling the historical process,19 we would be seeks to break away
from. This is what
refusing to feel the strength with which it affects us and makes may be seen, for in-
us aware of being more determined than determinant — as the stance, based on Jill
Bennett’s remarks
mechanical doll of E.T.A. Hoffmann’ story The Sandman, which about September 11,
inspired Sigmund Freud in the writing of his famous essay on 2001, and how the
way North Americans
the uncanny. Would then Rumkowski not be our own double saw themselves as
(cf. FREUD 2000, p.261)? victims glossed over
their share of political
responsibility for the
It is not incidentally that Freud cames to my mind. I episode (cf. BENNETT
2005, p. 18-19).
recollected him for two reasons. Firstly, because LaCapra
observes how trans-historical forces produce an effect of
uncanniness. Secondly, because while preparing this study, I
learned about the (above-mentioned) work by Ethan Kleinberg,
which identifies a relation with the past based precisely on this
feeling of Unheimlichkeit, the uncanny.

37 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 24-46 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1517
History as anguish

We may see how the uncanny can present itself with


Kleinberg— as I pointed in LaCapra — an “inversion in which
the ‘other’ turns to be the ‘same’”, a blurring of the frontier
between imagination and reality (KLEINBERG 2017, pp. 17-18).
This seems to be quite similar to the case of Rumkowski, i.e.,
to the illusion of somehow controlling the situation. It reminds
me of a definition that appears in a series of interviews given 20 - For a possible
connection between
by Primo Levi to the Italian writer Ferdinando Camon between Kleinberg´s Hauntol-
1982 and 1986. Levi affirms that the Lager were a sort of ogy, the concept of
Unheimlichkeit and
“distorting mirror” (LEVI 2018, p. 837; CAMON 1997, p.36). Levi´s work, see: BA-
SEVI, Anna. O Estra-
Thus, the suspension of the ability to judge does not nho estrangeiro na
obra de Primo Levi.
necessarily need to be considered as the absence of any type Tese de Doutorado
of enunciation, but, instead, as a form of criticism to the rigid (PhD-Thesis). Rio de
Janeiro: Programa de
positions expressed from a standpoint considered as safe, Pós-Graduação em
shielded and exempt from one’s circumstances. Otherwise, Levi Letras Neolatinas da
Universidade Fede-
would not have done the following: a possible approximation ral do Rio de Janeiro,
between the typical structural features of contemporary society 2017; BIASIN, Gian
Paolo. The Haunted
and the Lager’s organization — which, of course, does not Journey of Primo Levi.
amount to an absolute identity between the two of them. In: KREMER, Roberta
S (ed.) Memory and
Master: Primo Levi as
As I gathered my thoughts on the experience of April Writer and Witness.
2016, I paid close attention to the morphological character Albany: State Uni-
versity of New York
of the personal dimension of history, i.e., to the capacity of Press, 2001. For that
shaping dispersed elements. But now I perceive its reverse matter, also very in-
spiring Robert S. C.
side, so to speak: history may become strangely personal by Gordon´s study on
distorting this form. After all, in German, the Unheimlich is a the complex notion of
“Home” in Primo Levi.
denial (Un-) of the familiar, a denial of what one is intimately GORDON, Robert S.
acquainted with (Heim).20 C. How much home
does a person need?
Primo Levi and the
But to what extent would it be empathic, at least in the ethics of Home. An-
nali d´Italianistica, v.
terms proposed by LaCapra? Considering empathy as “(…) a 19 (2001).
virtual, but not a vicarious experience in that the historian puts
him or herself in the other’s position without taking the other’s
place or becoming a substitute or surrogate for the other who
is authorized to speak in other’s voice” (LaCAPRA 2004, p.
65), how could we possibly conceive Rumkowski as our reflex?
Would not it be the case, instead, of him assuming our place?
Would not we be speaking with his “voice”? Rumkowski drives

38 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 24-46 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1517
Pedro Spinola Pereira Caldas

us off — to use Langer’s verb — because we cannot perceive in


him a sign that we may be deluding ourselves in regard to the
efficacy of our actions and the morality of our choices.

Another affect-experience can be noted in the pages that


Levi dedicates to the members of the Sonderkommando. As
we know, in exchange for a slightly less undignified material
existence, they were in charge of the sinister task of removing
the prisoners’ bodies from the gas chambers. The passage
below exposes the terms of the exercise Levi proposes to his
readers:

Imagine, if you can, spending months or years in a ghetto,


tormented by chronic hunger, by exhaustion, by forced proximity
to others, and by humiliation; seeing your loved ones die around
you, one after the other; being cut off from the world, unable to
either send or receive news; in the end being loaded onto a train,
eighty or a hundred per boxcar; travelling around the unknown,
blindly, for sleepless days and nights; and finally finding yourself
cast within the walls of an indecipherable hell. At this point you
are offered a chance of survival (...). The experiment I have
proposed is not pleasant (...). Each individual is an object so
complex that it is useless to try to predict behavior, especially
in extreme situations; we cannot even predict our own behavior
(LEVI 2015, p. 2448).

Firstly, it is important to point out how imagination is


presented both as a possibility and a challenge. This apparently
simple passage slowly starts to be peeled off, layer after layer,
following each persecution stage, and inciting the reader to
divest him or herself from a previous self-representation. As
if saying, ‘see what is left of oneself, of what we consider to
be personal, when we lose the city where we live, the work
we do to survive, our social life with our beloved ones’, and so
on. Secondly, this exercise seems to have been purposefully
designed to confront its readers with a mindset in which one
cannot predict outcomes, one cannot project behaviors, one
cannot find a mirror for oneself in others and project one’s
image into the future.

39 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 24-46 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1517
History as anguish

As I see it, this is the affect Levi’s exercise seeks to


elicit. But it is a tempting proposal; and those who should
really think on the possibility of feeling empathy for the
Sonderkommando may read the accounts of their (extremely
rare) survivors. I chose to read Eyewitness Auschwitz by Filip
Müller. His testimonials in Claude Lanzmann’ Shoah are truly
impressive. And his own book is also shocking, since we may
find in it an expression of the aforementioned Primo Levi’s
ambiguity. In the last years of War, with the military defeat
of Nazi Germany approaching, Müller remembers how many
Sonderkommando members were seriously concerned about
the decreasing number of prisoners transported to Auschwitz.
After all, there would be no more work for them and “(…) as
long as the death factories were still working flat, we did not
have to fear for our lives” (MÜLLER 1979, p. 153). Can one
somehow identify with and mirror oneself in a case such as
this? It will depend, in a way, on what they — and only those
who were in that situation — could feel and communicate in his
testimonial.

Before judging Filip Müller, I consider it more interesting to


declare and elaborate, even if briefly, based on my experience
as a reader of his book: Eyewitness Auschwitz is not a repulsive
book at all. Quite the opposite: his account has many touching
moments, in which the readers’ empathy is strongly stimulated
with an intense emotional charge. It contains several passages
in which Müller’s text attains an empathic connection with
his readers, precisely as it speaks about the world that was
lost among people and their family ties, national identity, and
religious community. In one passage, a mother slowly removes
her daughter’s clothes before both were shot, lying to the girl
to spare her from suffering the awareness of imminent death
(cf. MÜLLER 1979, p. 72). In a particularly moving passage,
Müller narrates how some of his fellow Czech countrymen —
upon entering the gas chamber under the blows of SS soldiers
— sang the national anthem of their nation as well as the chant
that later became the national anthem of the State of Israel:
“It was as if they regarded the singing as a last kind of protest

40 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 24-46 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1517
Pedro Spinola Pereira Caldas

which they were determined to stifle if they could. To be allowed


to die together was the only comfort left to these people (…)”
(MÜLLER 1979, p. 110).

Religious, national and familial feelings produce empathy,


and a reader may perfectly feel admiration, respect and emotion
for the attitude of those Czech prisoners. But I do have some
doubts if it would be a type of empathy capable of generating
unsettlement. We may judge that their actions were “beautiful
and touching”. In the same passage, Müller highlights that
singing the Israeli national anthem after the Czech anthem
indicates a linkage between the past and the future, although
those people did not live to know about the State of Israel
foundation (cf. MÜLLER 1979, p. 110-111). A sense of historical
process is restored in the middle of an atrocious reality; with it,
anguish is mitigated and a glimmer of comfort, of Heimlichkeit,
is offered to readers.

However, this book not always provides us the comfort


of a touching situation such as the case above. In its account
of the arrival of Greek Jews from Thessaloniki, we find a quite
diverse narrative: since they were so distant from Central
Europe, those Greeks “(…) had no premonition of the fate that
awaited them” (MÜLLER 1979, p. 80). After enduring a dreadful
7-day journey from Greece to Poland, they were greeted with
cynicism by SS officials who promised work for them in the
camps. An impasse was felt among the newly-arrived Greeks:
“Why, if they were urgently needed here, were they given no
drinking water during their journey, and why were so many
allowed to die? On the other hand, not one of them could
have envisaged that a few hours later they would have been
transformed into a handful of ashes” (MÜLLER 1979, p. 81).

Those Greeks perhaps will not make us ask “what should


I do to preserve my dignity?”, but instead “is it possible to act
when a situation has reached a point of no return?”. Müller puts
himself in the place of someone who leads us to this question.
Thus, empathy would be unsettling for it is difficult to us to
think of the lack of imagination of the past and putting oneself

41 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 24-46 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1517
History as anguish

in this place can be truly anguishing, since, the journey into the
gray zone causes to us the feeling that we are walking inside
a house of mirrors. But if the sight of Rumkowski can cause us
repulsiveness after distorting our own image, then the sight
of Müller — despite the fact that it may also shock us — can
lead us to a place where one may glance at their own lack of
imagination. Now, I honestly cannot think about anything more
unsettling than that.

REFERENCE

ADORNO, Theodor. Minima moralia: Reflections on


damaged life. Translated by E.F.N. Jephcott. London: Verso,
2005.

AGAMBEN, Giorgio. Quel che resta di Auschwitz:


L´archivio e il testimone. Homo Sacer, III. Torino: Bollati
Boringhieri, 2016.

ASSMANN, Aleida. Vier Grundtypen von Zeugenschaft. In:


ELM, Michael; KÖβLER, Gottfried (Hg.). Zeugenschaft des
Holocaust: Zwischen Trauma, Tradierung und Ermittlung.
Fritz Bauer Institut Jahrbuch zur Geschichte und Wirkung
des Holocaust. Frankfurt am Main/ N. York: Campus, 2007.

BASEVI, Anna. O Estranho-estrangeiro na obra de


Primo Levi. 2017. Tese (Doutorado em Letras Neolatinas)
- Pós-Graduação em Letras Neolatinas, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.

BELPOLITI, Marco. Primo Levi di fronte e di profilo.


Milano: Ugo Guanda, 2015.

BENNETT, Jill. Empathic Vision: Affect, Trauma, and


Contemporary Art. Stanford: Stanford University Press,
2005.

42 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 24-46 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1517
Pedro Spinola Pereira Caldas

BIASIN, Gian Paolo. The Haunted Journey of Primo Levi. In:


KRAMER, Roberta S. (ed.) Memory and Master: Primo
Levi as Writer and Witness. Albany: State University of
New York Press, 2001.

BREUER, Stefan. Towards an Ideal Type of Fascism. Max


Weber Studies, v. 8, n. 1, 2008.

CARVALHO, Laura. Valsa brasileira: Do boom ao caos


econômico. São Paulo: Todavia, 2018.

CAVAGLION, Alberto. Attualità (e inattualità) della zona


grigia. In: MEGHNAGI, David (org.). Primo Levi: scrittura
e testimonianza. Firenze: Libri liberi, 2006.

DEAN, Carolyn J. The Fragility of Empathy after the


Holocaust. Ithaca; London: Cornell University Press,
2004.

DROYSEN, Johann Gustav [1857]. Historik. Hg. Peter


Leyh. Stuttgart; Bad-Canstatt: Fromann-Holzboog, 1977.

FORTI, Simona. I nouvi demoni: Ripensare oggi male e


potere. Milano: Feltrinelli, 2012.

FREUD, Sigmund. Das Unheimlich (1919). Studienausgabe


Band IV: Psychologische Schriften. Frankfurt am Main:
Fischer, 2000.

GORDON, Robert S. C. How much home does a person


need? Primo Levi and the ethics of Home. Annali
d´Italianistica, v. 19, 2001.

GORDON, Robert S. C. The Holocaust in Italian Culture,


1944-2010. Stanford: Stanford University Press, 2012.
Electronic edition.

HOLLANDER, Jaap den; PAUL, Herman; PETERS, Rik (eds.).


Historical Distance: Reflections on a Metaphor. History
and Theory, v. 50, dec. 2011.

43 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 24-46 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1517
History as anguish

HUMBOLDT, Wilhelm von [1821]. On the Historian’s Task.


History and Theory, v. 6, n. 1, p. 57-71, 1967.

JAEGER, Friedrich. Bürgerliche Modernisierungskrise


und historische Sinnbildung: Kulturgeschichte
bei Droysen, Burckhardt and Max Weber. Göttingen:
Vandenhoeck & Ruprecht, 1994.

KLEINBERG, Ethan. Haunting History: For a Deconstructive


Approach to the Past. Stanford: Stanford University Press,
2017.

LaCAPRA, Dominick. History in Transit: Experience,


Identity, Critical Theory. Ithaca; London: Cornell University
Press, 2004.

LaCAPRA, Dominick. History and its limits: Human,


animal, violence. Ithaca: Cornell University Press, 2009.

LANGER, Lawrence. Holocaust Testimonies: The Ruins


of Memory. New Haven: Yale University Press, 1991.

LANGER, Lawrence. Legacy in Gray. In: KREMER,


Roberta S. (ed.). Memory and Mastery: Primo Levi as
Writer and Witness. Albany: State University of New York
Press, 2001.

LEVI, Primo. The Complete Works of Primo Levi. New


York: Liveright, 2015.

LEVI, Primo. Opere Complete III. Edited by Marco


Belpoliti. Torino: Einaudi, 2018.

LEVI, Primo. I Sommersi e I Salvati. Torino: Einaudi,


2007.

LEVI, Primo. I collezzionisti di tormenti. Pagine Sparse


1947-1987. In: LEVI, Primo. Opere Complete II. Edited
by Marco Belpoliti. Torino: Einaudi, 2016.

44 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 24-46 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1517
Pedro Spinola Pereira Caldas

MACÊDO, Lucíola Freitas de. Primo Levi: A Escrita do


Trauma. Rio de Janeiro: Subversos, 2014.

MANN, Thomas [1918]. Betrachtungen eines


Unpolitischen. 2. ed. Groβe kommentierte Frankfurter
Ausgabe. Bd 13.1. Frankfurt am Main: Fischer, 2013.

MENGONI, Martina. ´The Drowned and the Saved”: A


Proposed reading. In: CONSONNI, Manuela; ITALIANO,
Federico (ed.). Primo Levi: In Memoriam. Sprachkunst:
Beiträge zur Literaturwissenschaft. Jahrgang XLVI/2015,
2. Halbband, 2015.

MENGONI, Martina. Variazioni Rumkowski: Primo Levi e


la Zona Grigia. Torino: Zamorani, 2018.

MÜLLER, Filip. Eyewitness Auschwitz: Three Years in


the Gas Chambers. Chicago: Ivan R. Dee, 1979.

PAVONE, Claudio. Caratteri ed eredità della zona grigia.


Passato e presente, n. 43, jan.-april, 1998, XVI.

SCARPA, Domenico. Historical translability: Primo Levi


amongst the Snares of European History 1938-1987.
In: CONSONNI, Manuela; ITALIANO, Federico (ed.).
Primo Levi: In Memoriam. Sprachkunst: Beiträge zur
Literaturwissenschaft. Jahrgang XLVI/2015, 2. Halbband,
2015.

SINGER, André. O Lulismo em crise: um quebra-cabeça


do período Dilma (2011-2016). São Paulo: Companhia das
Letras, 2018.

THOMSON, Ian. Primo Levi: A Life. New York: Metropolitan


Books, 2014. Electronic edition.

TRAVERSO, Enzo. The New Faces of Fascism: Populism


and the Far Right. London; N. York: Verso, 2019.

45 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 24-46 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1517
History as anguish

WHITE, Hayden. Droysen´s Historik: Historical Writing


as Bourgeois Science. The Content of the Form: Narrative
discourse and Historical Representation. Baltimore: The
Johns Hopkins University Press, 1990.

WIEVIORKA, Annette. The Era of the Witness. Ithaca:


Cornell University Press, 2006.

ACKNOWLEDGMENT AND INFORMATION

Pedro Spinola Pereira Caldas


pedro.caldas@gmail.com
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
Brasil

Project funded by CNPq.

RECEIVED IN: 06/AUG./2019 | APPROVED IN: 13/NOV./2019

46 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 24-46 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1517
HISTÓRIA DA Ouro Preto / MG - Brasil

HISTORIOGRAFIA

The Possibilities of ‘Materiality’ in Writing and Reading


History
Las posibilidades de ‘materialidad’ en la escritura y la lectura
de la historia

Kalle Pihlainen
https://orcid.org/0000-0002-3361-5840
ABSTRACT

In this article, I investigate the role of a particular kind


of ‘materiality’ at work in the writing and reading of RESUMEN
history. This involves examining the challenges posed
to constructivist approaches to history by various post- En este artículo investigo el rol de una clase particular

linguistic-turn claims about presence and experience as de ‘materialidad’ que opera en la escritura y la lectura

well as by so-called post-narrativism. The core focus will de la historia. Esto implica examinar los desafíos

be on outlining an argument for updating ‘narrativist’ or planteados a los enfoques constructivistas de la historia

constructivist theory of history to deal with these recent tanto por los argumentos del giro post-lingüístico sobre

concerns. This requires directing more attention to the la presencia y la experiencia como por el denomindado

relations between author, text, and reader, particularly post-narrativismo. El foco central será presentar un

concerning the key issues of reality, embodiment, and argumento para actualizar la teoría de la historia

immersion. To demonstrate the value of approaching ‘narrativista’ o constructivista a fin de que esta pueda

these relations in terms of ‘materiality,’ I consider three lidiar con esas preocupaciones recientes. Esto requiere

questions aimed at illuminating the balancing act between dedicar mayor atención a las relaciones entre autor, texto

referentiality and invention performed in history writing y lector, particularmente respecto de los asuntos clave

as a genre: How can language ‘embody’ reality? How do relativos a la realidad, la corporalidad (embodiment) y

referential texts encode reality? And, how could we read la inmersión. Para mostrar la utilidad del acercamiento a

referential texts specifically with respect to reality? esas relaciones en términos de ‘materialidad’, considero
tres preguntas que apuntan a iluminar el acto de
equilibrarentre referencialidad e invención performado
en la escritura de la historia como género: ¿cómo puede
el lenguaje ‘corporizar’ (embody) la realidad? ¿Cómo
pueden los textos referenciales codificar la realidad?
Y ¿cómo podríamos leer los textos referenciales,
específicamente con respecto a la realidad?

KEYWORDS
Experience; Constructivism; Reception

PALABRAS CLAVE
Experiencia; Constructivismo; Recepción

47 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
Kalle Pihlainen

It seems self-evident to say that theory and philosophy


of history should not exist in a vacuum. After all, its main
problems and objectives relate closely to those of numerous
other fields in the humanities and social sciences. Yet there is
a surprising disjuncture to be discerned as theory of history
has been impressively resistant even to the core debates in
‘cultural theory’ about, for example, affect theory or actor-
network theory (as well as, obviously, ‘post-ANT’) — possibly
the most salient developments that could currently contribute
to a reinvigorated understanding of historical production as
well as historical literacy. Even the connection to memory and
heritage studies has largely been ignored, as if debates could
be conducted in isolation… even, at times, in isolation from the
practice of history writing itself.

When borrowings do occur, they are often carried out


in superficial ways, and discussions tend to return to pre-
linguistic-turn agendas. This is perhaps nowhere as evident as
in the opposition of ‘narrativism’ by talk about ‘presence’ and
‘experience’ in recent decades, a subject that I go on to discuss
below. So, while I hope to describe some issues that might
make these other debates more approachable from the point
of view of theory of history as well as to outline some central
research agendas for going forward in conceptualizing history
as a practice of communication, my main concern here is more
to indicate missing connections for further elaboration. To set
up the argument, let me begin by sketching the main issues
relating to the personal relevance of history (the thread that
binds together the contradictory impulses and commitments at
the heart of ‘doing’ history).

The personal relevance of history


Leaning on recent research in cognitive neuroscience to
develop his ‘phenomenology of autobiography’ (primarily, that
is, the experience of reading autobiographies), Arnaud Schmitt
suggests that personal relevance could be a key factor in
determining what is real and what is fictional. He bases his

48 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
The Possibilities of ‘Materiality’ in Writing and Reading History

argument on the finding, moving in the reverse direction, by


which ‘real’ characters have more impact on us than ‘unreal’
ones. Accordingly,

what is real is what matters most to us […]. These conclusions


rest on the (scientifically reliable?) premise that reality makes
a stronger impression, or leaves a deeper neural mark than
fiction (with the possible exception of pathological cases of over-
immersion in fiction). (SCHMITT 2017, p. 81)

Regardless of the extent of the generalizability from such


findings (and Schmitt is to be commended for his wariness),
there appears to be a similar impactfulness in play in the
‘phenomenology’ of (reading) history texts — as there is,
indeed, in watching the news or listening to someone recount
their experiences of the day, for example. Even when a story
is not the most fascinating, its ‘truthfulness’ can command our
attention. In this sense, reality plays an undeniable role.

But this is only part of the story regarding a personal or ‘felt’


relation to situations described: a second issue — and one that
is more prominent in theoretical discussion about history —
involves their easy identifiability. And it is in the creation of this
(sense of) identifiability that a tension is introduced between
‘reality’ and truthfulness, on one hand, and the familiarity of
the form, on the other. For circumstances to be identifiable,
they must be described in identifiable ways. As Hayden White
puts this, the past, or

history [sic] — the real world as it evolves in time — is made


sense of in the same way that the poet or novelist tries to make
sense of it, i.e., by endowing what originally appears to be
problematical and mysterious with the aspect of a recognizable,
because it is a familiar, form. (WHITE 1978, p. 98)

There is yet a further twist, however: in addition to the


chosen story form, personal identification and even ‘empathy’
are also seen to figure in the creation of any ‘felt,’ personal

49 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
Kalle Pihlainen

relation. Although discussed with respect to all referential texts,


this may be most obvious in the boundary-case of the historical
novel, in which reference is admittedly less important than it
is in more ‘aggressively’ referential genres such as history,
biography, or autobiography.

For Georg Lukácz, in his influential discussion of the


historical novel, the evocation of the personal and concrete
nature of historical reality demands poetic engagement and an
appeal to experience, including identification with the actors
from the past:

What matters therefore in the historical novel is not the re-telling


of great historical events, but the poetic awakening of the people
who figured in those events. What matters is that we should re-
experience the social and the human motives which led men to
think, feel and act just as they did in historical reality. (LUKÁCZ 1 - The connection
1962, p. 42) with microhistory is
strong in Frank Anker-
smit’s arguments for
‘historical experience’
Lukácz goes on to remind us that it is less the great events of discussed below. For
the past that effect this experiential awakening than ‘outwardly more on this, see, es-
pecially, FROEYMAN
insignificant events’ (LUKÁCZ 1962, p. 42), the matters of daily 2016 and PAUL & VAN
experience and life. In this sense, microhistory, for instance, is VELDHUIZEN 2018.

a natural move toward more experiential and hence, potentially,


‘personal’ historical representations.1

Of course, other attempts at creating experiential histories


abound too. In these alternative forms of history writing — forms
that depart from the purportedly objective reportage of more
straight-forward history writing, and, indeed, of more realistic
historical novels — the reading experience is pronounced
and intentionally ‘literary,’ more in the manner of modernist
fiction than has been the case for most now-conventional
microhistories (see, for example, the playful, experimental
styles adopted by Natalie Zemon Davis in the Prologue to
Women on the Margins [DAVIS 1995] and James Goodman in
Blackout [GOODMAN 2003]). The generic orientation of such
writing forces us to maintain a referential attitude but, at the

50 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
The Possibilities of ‘Materiality’ in Writing and Reading History

same time, aesthetically induced experientiality is ramped up


by the seductive capacity and immersiveness of experimental,
‘literary’ forms — by their bringing that reality somehow ‘closer’
to us.

Ideally, such forms could make us more aware of ways


to connect with readers and make historical insights more
accessible while, at the same time, relying less on historians’
authority and ideals of objectivity. Paradoxically, they might
provide the best route toward making historical representations
at once personally felt and more ‘real.’ As per my title, the
main objective of this study is to better understand both the
writing and the reading of history and, consequently, to also
gain better insight into history as an academic practice. In
addition to my attempt to draw attention to the aspects of what
I mean by ‘materiality’ here, this debate relates specifically to
the question of history as communication.

In elaborating on these issues, I will revisit the debate


about ‘narrative’ with respect to history, where the complex
challenge of narrative construction has at times been
simplified and misunderstood to the extent that readings
are currently very polarized. Perhaps more importantly,
I will try to connect that debate to a largely ignored focus within
‘poststructuralism,’ broadly understood. In doing this, my goal
is to outline three particular blind spots that seem currently
to be the most interesting ones for going forward. These are
loosely tied to the idea of ‘materiality,’ albeit in a sense that has
been largely absent from debates within theory and philosophy
of history.

Before moving on to discuss what I believe to be the main


unappreciated concerns in this connection, a recap of the
principal developments leading to the current debate may
be helpful — hopefully this impressionistic ‘history’ can shed
light on the ways in which these potential blind spots relate to
tensions within the field today.

51 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
Kalle Pihlainen

The ‘stuff’ outside historical writing


Of the main developments in theory, the linguistic
turn certainly needs no introduction, in part because of its
dominance especially in the theory of history during the 1980s
and 1990s, but also because of its controversial nature even
throughout that period of relative success. To say that it needs
no introduction is not, however, to say that there is not a
continued need to get to know it better. Ideas falling under
the umbrella of the linguistic turn have been subject to many
misinterpretations and the work of its main proponents has
been quite strangely received; within philosophy, the worst
misreadings have arguably focused on Jacques Derrida and
Richard Rorty; in relation to history, particularly harsh readings
have been offered up of Hayden White, Keith Jenkins, Elizabeth
Ermarth, Sande Cohen, and Frank Ankersmit. At the same
time, historically oriented presentations by Michel Foucault and
Joan Scott, for instance, have been better received in at least
some more forward-thinking history approaches — for Foucault
and Scott, this has perhaps been the case most notably within
cultural history and women’s history. More recently, attempts
to pursue similar goals and conceivably to also broaden the
agenda of the linguistic-turn inheritance have continued in
the pages of the journal Rethinking History and in the work
of Martin L. Davies (2016) as well as Claire Norton and Mark
Donnelly (2019), for example. These questions have also been
kept alive by sporadic attacks on relativism and by virtue of
regularly recurring debates concerning one revisionist history
or another.

One of the most cited formulations of the linguistic turn as


it relates to history is presented by White in his seminal essay
‘The Historical Text as Literary Artifact’ (printed, for example,
in WHITE 1978). Here, he enjoins us to reconsider the nature
of historians’ work:

to consider historical narratives as what they most manifestly


are: verbal fictions, the contents of which are as much invented

52 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
The Possibilities of ‘Materiality’ in Writing and Reading History

as found and the forms of which have more in common with


their counterparts in literature than they have with those in the
sciences. (WHITE 1978, p. 82)

At other times, including in this very essay, White


(in)famously described this part of historical work in terms of
turning fact into fiction. Although he pushes the envelope much
further here than in expressing the more obvious need for
personally appealing, recognizable forms (in relation to which
I cited him above), this is clearly only a dramatization of the
same thesis. Had these interventions not been as controversial
as they proved to be, there might today be more agreement
between the fields of ‘theory’ and ‘history’ regarding questions
of construction and invention. While White later expressed
regret for some of the more extreme provocations, there is no
denying their core idea, however: history writing, like literature,
requires the complex construction (‘fictioning’) of meaning, not
simply an unearthing of facts; furthermore, history writing as
we know it follows largely the same linguistic paths as literature
in this meaning-making process.

Naturally, these provocations were met with numerous


objections, but those have largely tended to rely on quite extreme
interpretations of the initial claims, coupled with ignorance of
the attendant qualifications about what is meant by ‘fiction,’
‘textuality,’ ‘construction,’ and so on. As an example: during
one of the formative moments of the linguistic turn debate
in theory of history, Perez Zagorin rebukes Keith Jenkins with
what he seems to perceive as a knock-down response regarding
Derrida’s ‘well-known dictum that there is nothing outside the
text.’ In his denunciation, Zagorin ignores Derrida’s and others’
explanation of what is intended by this statement and chooses
instead to take it literally:

On the face of it this is a very implausible proposition. It does


not appear to be metaphorical and seems to say that everything
that is is part of a text. Derrida puts this another way when he
also denies that reading can get beyond the text to any sort of

53 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
Kalle Pihlainen

referent or reality either historical, biographical, metaphysical,


or other. (ZAGORIN 2000, p. 206)

Even with the clarification made here by Zagorin at


his own initiative, the challenges to any ‘getting beyond’
appear to escape him as well as so many other critics of the
linguistic turn and postmodern or deconstructive approaches
to history. Zagorin’s intended knock-down follows up on his
literal (non-metaphorical) reading of what it means to be
inside a text; obviously, he says, there are things ‘beyond’
texts for the simple reason that texts ‘require for their physical
realization such things as paper, ink, print, pens, parchment,
stone, clay tablets, and so on, none of which is a text.’
(ZAGORIN 2000, p. 206).

Regardless of the existence of such risible readings, actual


anti-realist positions are hard to come by, and this is something
that should be clear also from Zagorin’s conflation of arguments
concerning metaphysical realism (in the sense that reality exists
irrespective of us) and naive realism (claiming that perceptions
and experiences match and confirm reality), by which move he
consequently attributes to ‘postmodernists’ an anti-realism in
the strongest, crudest sense of claiming that there is no reality
whatsoever. Even Jenkins — who may justifiably be viewed
as taking the constructivist position furthest within theory of
history — has been very clear to distance himself from anti-
realism. As he explains: ‘I’m a realist but a realist of a certain
kind.’ For him, this means that

not only does such stuff exist (and has existed previously and
will exist in the future), but that it transcends each and every
attempt in each and every social formation to reduce it to their
inhabitants’ experiences, vocabularies, lexicons, abstractions,
etc. […] For it seems apparent that the actuality of ‘existence’
skips free of every (definitive) anthropomorphism. Yet, at the
same time such transcendental realism does not commit me to
metaphysical realism (namely, that we can know the way things
are independent of the way we access them). (JENKINS 2008,
p. 60)

54 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
The Possibilities of ‘Materiality’ in Writing and Reading History

Although Jenkins’ terminology is different (his description of


‘metaphysical realism’ here is what I would term ‘naive realism’),
he is not denying the ‘actuality’ of ‘stuff’ but merely recognizing
the inevitability of mediation and of impositions of meaning.
Not even the ‘reality’ of our experiences is thus questioned,
only our appreciation of their specific relations with actuality.

Narrativity as hostile to reality and experience?


After over half a century of fairly focused debate about
language and representation, it is not surprising that a
pendulum swing is taking place in theory of history as well
as within theory and philosophy more broadly. Some of the
suggested routes were perhaps to be expected — many even
anticipated by more nuanced approaches within constructivism
and poststructuralism, for instance, as I go on to indicate.
Nonetheless, the one-sidedness of some of the extreme
popularizations is surprising. They move forward on a number
of conceptual and disciplinary fronts: most obviously through
ideas of presence and experience in relation to history and
under the umbrellas of (speculative) realism and object-
oriented ontology, for example, within continentally oriented
philosophy. All in all, there may be said to be a general emphasis
on ‘materiality’ (if, fortunately, not predominantly on ‘reality’)
across the board in these efforts.

While there are sophisticated representatives of such


approaches (particularly with regard to material remains and
heritage, it seems), at their extremes many attempts run
counter to the fundamental idea of mediatedness — that is,
the problematic concerning our access to reality, an issue
foregrounded by the majority of theoretical approaches since
the 1960s. To be clear, this is not merely a case of their
opposing the previously discussed straw-claim of reality not
being ‘there’; rather, the same charges are presented also
against the far more modest views according to which we do
not have meaning-full access to reality ‘outside’ or ’beyond’ our
sense-making processes. By these latter views, ‘language’ —

55 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
Kalle Pihlainen

in one form or another — always gets in the way. Yet, even to


suggest this is easily perceived as tantamount to making anti
realist claims.

Despite the slew of elaborations regarding mediation and


accessibility, simply ignoring all such ideas seems currently
to be a popular tendency. With respect to the main ‘linguistic
turn’ trend within theory and philosophy of history within
the past decades — often (and often simplistically) referred
to as ‘narrativism’ — this amounts to ignoring the linguistic
problematic and treating language once more as if it were
somehow a transparent medium. Even if the denial of these
ideas is not always explicitly stated in the proposal of ‘new’
directions, it is worth asking: what else could it mean to present
something as offering a counter to ‘narrativism,’ to ‘textualism,’
or to an undue focus on the linguistic turn? What could be 2 - The ‘conjuring’ of
at least some feel-
presented as new and crucial ‘after’ these concerns, instead of ing of reality might
more moderately calling for increased attention to their less- best be undertak-
en through an em-
discussed or less-central aspects while still remaining within a phasis on underde-
constructivist framework? termination on the
part of the historian,
so as to leave more
In relation to history writing at least, this trend has been of the responsibili-
building gradually, already incipient at the height of the ty for interpretation
to the reader; see
linguistic turn. In his brilliant and well-timed challenge to PIHLAINEN 2017.
conventional historical form, In 1926, Hans Ulrich Gumbrecht
— very much in tune with linguistic-turn theory of history —
outlined a theoretically sensitive and nuanced position aimed
at defending ‘our’ desires for a presence of some sort in dealing
with the past. For him, it was clear at that time that

Historical culture cannot avoid living between its endeavor to


fulfill such desire for presence and an awareness that this is an
impossible self-assignment. Therefore, historical culture — if it
wishes to preserve its identity as a form of experience different
from the experience of fiction — must try to ‘conjure’ the reality
of past worlds, without indulging in naive analogies with magic
but acknowledging the inevitable subjectiveness of every such
construction of historical otherness. (GUMBRECHT 1997, p. 424,
emphasis added2).

56 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
The Possibilities of ‘Materiality’ in Writing and Reading History

Thus, still operating very much within the ‘constructivist’


camp and, consequently, advocating a sense of ‘irony’ regarding
this contradiction, Gumbrecht can talk about presence while
simultaneously invoking its impossibility as a practical limit to
more extreme, less theoretically sophisticated attempts. As
historians, ‘we’ may feel such a ‘desire for presence,’ but it is
moderated by an awareness of the impossibility of anything
but imaginary fulfillment. There is also a visible conflation
in Gumbrecht’s argument of historians’ constructions and
consumer desires, however: speaking more generally about
our historical-mindedness — at least for a large part of the
population, one assumes from his tone — Gumbrecht claims
that

what specifically drives us toward the past is the desire to


penetrate the boundary that separates our lives from the time
span prior to our birth. We want to know the worlds that existed
before we were born, and experience them directly. (GUMBRECHT
1997, p. 419)

While this rhetorical ‘we’ may be too liberally constructed


(it makes me at least want to shout, ‘speak for yourself!’), this
statement appears to be a fair representation of the kind of
romanticizing attitude to the past that clearly does motivate
many people, historians and their readers alike, to turn to
history: to ‘touch,’ to ‘taste,’ to ‘smell’ something of a reality
that once was. Gumbrecht gives us an example of this that
is certainly persuasively familiar for anyone working among
‘traditional’ historians: ‘touching the original manuscript of a
text whose exact words would be more easily accessible in
a critical edition seems,’ he argues, ‘to make a difference for
many scholars.’ (GUMBRECHT 1997, p. 419)

It bears emphasizing that this same dynamic is part of


Zagorin’s criticism of linguistic-turn approaches in the discussion
I reference above. In criticizing Jenkins for lack of knowledge
about historical practice, Zagorin dismissively asks: ‘Does he
[Jenkins] know what it is to read a manuscript written in an

57 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
Kalle Pihlainen

ancient hand and determine its contextual background and its


provenance, meaning, and significance as part of an evidential
synthesis to which it is related?’ (ZAGORIN 2000, p. 202)
Apparently, such contact with the past somehow (magically?)
contributes to the significance of historical studies.

What is notable in outlining the debate around these


positions is that, when elaborating on this issue in 1997,
Gumbrecht falls back to a relatively ‘safe’ position. He suggests
— but does not yet quite make — a break with the ‘fiction’
debate. As he quite correctly notes: ‘as soon as historical
culture openly opts for this desire for re-presentation (which
is not a given), it cannot help being ironic, for it then re-
presents the past as a “reality” though it knows that all re-
presentations are simulacra.’ (GUMBRECHT 1997, p. 424)
He later returns to the suggestion that it might be possible to
somehow present or ‘presentify’ the past (or, to be precise,
objects of the past) more explicitly. This time, he takes things
a little further, however, arguing that

instead of asking for a meaning, presentification pushes us in


a different direction. The desire for presence makes us imagine
how we would have related, intellectually and with our bodies, to
certain objects (rather than ask what those objects ‘mean’) if we
had encountered them in their own historical everyday worlds.
(GUMBRECHT 2004, p. 124)

Although he in part continues to connect this with his earlier


formulation of ‘conjuring up the past,’ this latter view seems
more a parsing of what it means to ‘mean’ than a significant
objection in itself. After all, relating intellectually or relating
with the body are essentially still forms of meaning-making in a
constructivist sense, regardless of whether we encounter things
‘directly’ in their ‘original’ context or in an imaginary mode, as
historical traces in some ‘artificial’ context. Meaning is always
only an attribution and imposition, but it is also something that
we can never avoid ‘adding’ when relating (to) something.

58 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
The Possibilities of ‘Materiality’ in Writing and Reading History

That said, it is important to note that the phenomenological


sentiment here is desperately in need of further work in
connection with history and should not be too hastily rejected.
Indeed, we may go further in this regard with what I will refer
to as ‘materiality’. I will come to that soon. My intention in
taking Gumbrecht to task in such a detailed fashion here, then,
is less to point to difficulties with his position than to indicate
the direction of the shift that has taken place in thinking about
presence — first as a ‘conjuring’ type of parlor trick performed
by reasonably theoretically self-aware historians, but later
(now?) increasingly in some supposedly more ‘authentic’ way.
Before moving on to the possible ways of following up on
several aspects of the kind of presence suggested by this more
basic phenomenological attitude, I want to briefly look at what,
for me, are some routes not to be taken.
3 - If read
For this purpose, I turn to Frank Ankersmit’s key provocation more modestly,
however, Ankersmit’s
regarding ‘historical experience.’ While Ankersmit has shifted focus is not far from
‘from narrative to experience’ with some forcefulness (as Joan Scott’s much
earlier intervention
insightfully observed by Ewa Domanska [2009] and elaborated regarding the role of
in detail by Peter Icke [2012]), he is no less radical with this lived experience in
historians’ interpre-
latter focus. In promoting this new position, he claims that tive work (cf. SCOTT
there may well be ways for historians to ‘enter into a real, 1991).

authentic, and “experiential” relationship to the past – that is,


into a relationship that is not contaminated by historiographical
tradition, disciplinary presuppositions, and linguistic structures.’
(ANKERSMIT 2005, p. 4) If substantiated, this would amount
to a significant challenge to linguistic-turn thinking. Imagine it:
to somehow bypass existing discursive traditions and linguistic
practices…3

Ankersmit takes this further, arguing that our debates


regarding history might — through historians’ embrace of this
kind of ‘authentic’ relationship — then also shift to focus on
‘historical experience, that is, on how we experience the past
and on how this experience of the past may come into being
by a movement comprising at the same time the discovery
and the recovery of the past.’ (ANKERSMIT 2005, p. 9)

59 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
Kalle Pihlainen

Although attending to the combination of discovery and


recovery certainly makes sense both in this context and as an
argument about approaching the past in general, tying this to
the idea of an ‘experiential’ relationship to history as if that
connection were already something available and established
seems premature. Historians are obviously intent on discovering
and recovering as much as, for example, uncovering, and it is
of crucial importance for the discipline that we examine how
these desires tie in with personal attitudes to the historical past.
But how can our experience connect us to that distant past?
(Beyond, that is, the kind of romantic or fetishizing attitudes
in dealing with material remains, for example, as described by 4 - For an example
of the reception, see
Gumbrecht in the citation above.) CHORELL 2006; for
its contextualization
Despite the way in which Ankersmit runs ideas of personal in Ankersmit’s ove-
rall thought, see VAN
experience and the work of the historian together, it seems DER DUSSEN 2016
that the first part of his formulation was intended primarily and PAUL & VAN VEL-
DHUIZEN 2018.
as a provocation and is thus presented in this exaggerated
form; certainly there is no denying its success in inspiring vocal 5 - See, for exam-
ple, Anton Froeyman
spokespeople both for and against ‘historical experience.’4 Yet, (2016, p. 81 ff.), who
while it was undeniably a timely and contagious sentiment — one explores the possi-
bility furthest. More
that captured the imaginations of many — the idea is premised moderately, Jonathan
on a complete rejection of some of the established problems Menezes (2018), for
one, reads Ankers-
and understandings regarding historical representation and mit’s position as one
language. More worryingly, going forward, it has been received of ‘suspending’ rather
than rejecting langua-
as a suggestion that we could now reasonably forget about ge when focusing on
‘narrativist’ or linguistic-turn debates — as if the underlying experience.

issues had somehow been resolved.5 In going so directly


against the core idea of mediation, it should not, however, be
enough to simply proclaim that we need not concentrate on
such issues any longer.

Making room for ‘materiality’


What seems most urgent in the current conjuncture, then, is
to seek real dialogue between these two key issues in theorizing
historical work (those of experience and linguistic construction),
instead of presenting them as mutually excluding as a matter

60 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
The Possibilities of ‘Materiality’ in Writing and Reading History

of principle. This is so particularly in trying to understand the


question of what it is about history that ‘speaks’ to us. How is
it that history (even when understood in the stricter sense of
disciplinary history writing) can be important to us in personal
and not only societal ways? While the answer to this question
may at first seem to rest solely on the shoulders of the audience
— the consumers of historical stories — and thus as relating
more to experience, responsibility also rests with the producers
and their storytelling skills and effort.

In this way, viewing ‘narrativism,’ for instance, as a hindrance


to talking about experience and reality prevents us from asking
better questions about historical work and its consumption.
It further leads proponents of ‘narrativist’ versus ‘realist’ or
‘materialist’ positions to return to debates that have already
been had at the early stages of the linguistic turn, with the
consequence that current discourse must rehearse this same
vicious circle — fact or fiction, reality or language, experience or
storytelling, and so on. Some recent claims that serve to create
an impasse to the elaboration of more theoretically nuanced
positions include talk about it now being time to move ‘beyond’
language, or to think ‘after narrativism’ (see, for example, the
special issue of History and Theory, ‘After Narrativism’ [v. 54,
n. 2, 2015]). But this can only lead to a ‘rinse and repeat’ of
the whole, now-familiar debate about history or, alternatively,
leads us off on a tangent instead, to questions that are largely
unrelated to history practices — to questions of the nature
of experience and knowledge in general, for instance, or to
substantive queries about time, societal change, and the like.

Admittedly, there is a balancing act to be carried out


regarding the relevance of theoretical work when a particular
approach is viewed as passé within a given field. The answer
for retrieving relevance should not be an endless search for
novelty, however, often resulting in a turning back of the clock
and the reinvention of previous positions, but, instead, mining
the work and insights already there, supplementing them as
necessary. In such situations, attention to detail is needed for

61 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
Kalle Pihlainen

taking the discussion forward. With respect to discussions of


‘narrativism’ in history this involves, hopefully, finally getting to
talk about the meaning and relevance of constructivist thinking
for actual history practices instead of arguing about very basic
epistemological questions.

Charting this more interesting ground between extreme


formulations of ‘nothing outside language’ and ‘immediate
experience’ — in fact simply working through these discussions
with more care and nuance — is important to ‘history’ topics
involving broader analyses of ‘historicity’ (including debates in
memory studies, public history, popular histories, and so on).
Simply accepting these positions as in fundamental conflict
would amount to saying that the debate regarding history has
failed, and thus indeed to accede to the desire that we turn to
something ‘new’ instead… Yet, while there are endless topics
to tackle, most of them do not contribute to understanding
‘history’ practices even in the broadest sense — something
that should arguably still be the main interest of theoretical
work regarding history.

In what follows, I want to address all this in terms of


the place of ‘materiality’ in texts and will proceed via three
questions. To begin, I touch on the general issue of how reality
can be thought of as present in language: How does language
‘embody’ reality? After this, I will discuss two further questions
that relate to history writing specifically. How do referential
texts encode reality? And: How do we read referential texts
with respect to reality? Through a quick discussion of these
three questions, I hope to suggest that the ‘old’ debate about
constructivism and poststructuralism still has much to give,
particularly relating to the area between the two extreme
straw-positions described.

But, before turning to these aspects of ‘materiality,’ there


is a need to rehearse the key ideas that should be retained
from ‘narrativist’ discussions in order for further thinking on
these matters to be sustainable. What is it we should hold
on to from linguistic-turn debates? What do we want to keep

62 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
The Possibilities of ‘Materiality’ in Writing and Reading History

from at least the more sophisticated accounts of ‘narrativism,’


‘constructivism,’ or ‘poststructuralism’ (or from ‘relativism’ or
‘postmodernism’ for that matter) to ensure that we do not just
reset the debate? How should we read these efforts better
and avoid reducing them to derisory ‘isms’ to be handily set in
opposition to unexacting attitudes of ‘realism’?

Perhaps a little surprisingly, what needs to be remembered


is fairly underwhelming and probably quite clear to most
historians from their practices, even if not always clearly
articulated in theoretical terms. Overall, linguistic-turn thinking
brings with it an increased sensitivity to language and poetics.
With respect to history, this involves directing attention to the
writing of history; even when viewed from a ‘narrativist’ or
narrative theory of history perspective, the research side of
6 - White acknowl-
things works well, and hence the challenge that this kind of edges this alongside
theory raises is, in the most basic sense, not epistemological.6 his early provoca-
tions. For him, we
Questions regarding the establishment of individual facts always also have re-
are simply bracketed so that we can proceed to focus on the course to ‘such crite-
ria as responsibility to
construction of stories from these facts instead. This involves the rules of evidence,
accepting the idea of so-called singular existential statements the relative fullness
of narrative detail,
(‘facts’) that are sufficiently authoritatively established by logical consistency,
the profession as not to face the same challenge as complex and the like.’ (WHITE
1978, p. 97)
emplotments.

While this is obviously a compromise, it is a necessary one


if we wish to talk about what histories are instead of returning
to more fundamental questions of reference, better belonging
to the sphere of philosophy of language, for instance. Clearly,
‘facts’ are no safer from the basic philosophical problems
of representation and reference than are more complex
representations. But we would never get to discuss issues
specific to history writing if we were to insist on first resolving
this debate regarding what can be described as its ‘building
blocks.’

In this same vein, it needs to be understood that ‘narrative’


and ‘narrativization’ do not imply a particular form as suggested
by some critics of ‘narrativism’ (see, for example, CARR 1986

63 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
Kalle Pihlainen

and KUUKKANEN 2015, who both seem to insist that the term
implies an uncomplicated, Aristotelian tripartite beginning-
middle-end structure). Against this overly simplified view of the
practice, ‘narrativization’ merely means a process of storying
— the creation of a story by connecting things into a larger
whole in a process of sense-making, regardless of how linear
and straightforward or fragmentary and complex the resulting
‘narrative.’ The fundamental point is, then, to remind that
there is no ‘entailment’ from facts to meaning (that is, there
is no moving from ‘is’ to ‘ought’ in the classic Humean sense).
Thus, whatever the things we know, they cannot ‘innocently’
suggest to us evaluations or provide us with the meaning of
a specific set of historical events, for instance. In this way,
there is a harsh disconnect between knowing things (‘facts’)
and making interpretations. The move from one to the other
is always mediated by historians through their interpretative,
sense-making processes. This is something we know all too
well from historical practice, of course, but often still fail to
articulate clearly in theoretical debates.

Centrally, from a ‘narrativist’ or, better, constructivist point


of view, none of this is to say that we are free to operate in
‘anti-realist’ or otherwise fully unconstrained ways. History is
not just what we wish to make of it — even if we discount the
crucial role of facts and research — already for the very basic
reason that we emplot reality in familiar forms and following
the various linguistic and cultural rules and expectations that
we inhabit. A reminder of this from White to pre-empt any such
objections before proceeding:

The historian shares with his audience general notions of the


forms that significant human situations must take by virtue of
his participation in the specific processes of sense-making which
identify him as a member of one cultural endowment rather than
another. (WHITE 1978, p. 86)

The challenge, then, is to keep sight of this quite practical


aspect of constructivism and see where it might still lead

64 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
The Possibilities of ‘Materiality’ in Writing and Reading History

us. In the present context this translates specifically to the


question: Where and how might ‘historical experience’ and
textually produced experientiality à la narrative theory overlap
sufficiently for the former to be theoretically justified? That is,
what are the preconditions against which we can talk about
the communication of something that could sensibly count as
‘historical experience’?

A) How is reality in language?


The first kind of ‘materiality’ that I can only all-too-briefly
gesture to here centers on the very basic question of how
language ‘embodies’ reality. Naturally, we have an everyday
agreement to use language referentially on many — if not most
— occasions. And the justification for this practice comes from
a straightforward pragmatic consideration: most of the time it
works. But this still leaves open the question of whether and
how reality is present in language, encoded into it.

The idea of embodied materiality I want to invoke here


has a long tradition in phenomenological thinking, with the
classic example of the hammer offering the easiest entry-
point. While that example does not yet connect directly with
language, it provides an easy route to articulating the relation
between material objects and embodied affordances. (It is also
very much in line with the sentiment expressed by Gumbrecht
that I cited earlier, concerning our possible relations to
objects.) In its simplest form: when we encounter a hammer
and we grasp it, it ‘communicates’ to us the underlying
purpose or intention behind it. It does this through its ready
graspability, the weighting and the heft — and its use is
intuitively clear as a result of our parallel embodied capacities.
The same may be even clearer with something like a pillow
or a baseball bat, for example, where options for utilisation
are arguably more strictly limited by the correspondence of
the object to our ‘constitution’ and experiences of the world
(possibly ‘primordial’ experiences, as Heidegger at times
phrases this). And to some extent, this is true of every artifact,

65 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
Kalle Pihlainen

albeit in diminishing degrees with increases in complexity and


abstraction.

The need to rescue glossed aspects of more sophisticated


theorizing from their collapse into ‘isms’ is just as urgent with
respect to much of the theory that undergirds the linguistic turn
as it is in the case of ‘narrativism’ and related simplifications:
the point of contact between language and embodiment
has been an object of attention for existentialism as well as
poststructuralism, even though both are mostly discussed in
terms of an exaggerated focus on description and language as
constitutive. While they attend to representation in what can
arguably be termed a relativist way, they do take embodiedness
(and the related question of materiality) into account and
attribute some influence to it vis-á-vis linguistic practices —
despite that dimension often being ignored by their critics (with
the exception of the work of Maurice Merleau-Ponty, of course,
for whom the embodied dimension plays a far more integral
role than it did for his contemporaries and hence has not been
similarly ignored). Since they also arguably provide the most
significant framework for the linguistic turn, this aspect should
not be too easily dismissed.

To give some brief examples: thinkers like Emmanuel


Levinas and Jean-Paul Sartre admittedly do consider ethics
and choice in relatively unrestrained ways, yet Levinas also
relies on the existence of ‘phenomenological structures’
(‘here,’ ‘near/far,’ and so on) and attributes a great deal to
our embodied experiences (with respect to ‘The Dwelling,’ for
example in LEVINAS 1969) whereas Sartre bases the move
to verbalizations of our internal states on the other’s fixing
of us as our body for them (SARTRE 1969, particularly the
chapter, ‘The Body’). Similar commitments can be discerned
in the work of ‘poststructuralist’ thinkers, despite the typical
claims made about their overt and even ‘absurd’ emphasis
of language as somehow free-floating. (This partly overlaps
with the arguments for ‘anti-realism’ and ‘anything goes,’
which are directed at these strands of thinking too, as already

66 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
The Possibilities of ‘Materiality’ in Writing and Reading History

discussed above in relation to Derrida.) But reading, for


example, Derrida on Jean-Luc Nancy or Nancy on ‘touch,’
the embodied or corporeal aspect and its connection with
language-use cannot be dismissed (see DERRIDA 2005; NANCY
1993). This same concern is equally evident in Luce Irigaray
when speaking of ‘touch’ (see, for example, IRIGARAY 1985,
especially the last chapter, ‘When Our Lips Speak Together’),
in Hélène Cixous’ classic ‘The Laugh of the Medusa’ (CIXOUS
1976) or even in Roland Barthes’ Pleasure of the Text (BARTHES
1975).

Another presentation of this connection — albeit moving


from language ‘down’ to embodiment, as it were — can of
course also be found in Judith Butler and Gayatri Spivak, who
have been intent on examining it from the point of view of 7 - These are by no
an idea of representational violence (in line with Derrida’s means the only route
to the connection be-
famous formulation in Of Grammatology; see, for example, tween language and
BUTLER 1997 and SPIVAK 1990). For them, approaching physical reality. Ge-
org Lakoff and Mark
this particular ‘material’ relation from a more radically Johnson, for instance,
constructivist point of view is an urgent task in order to be convincingly outline
many ‘embodied ca-
able to demonstrate the harmful, essentializing impacts of tegories’ and bodily
language. Hence also the resistance to ideas that might metaphors operati-
ve in language-use
be read to suggest naturalization of (female) corporeality. (LAKOFF & JOHNSON
But, despite the importance of understanding the workings of 1980).

representational, linguistic violence, the connected ‘material’


connections and conditions need to be examined too. In this
limited way at least, experiences of reality and language can be
seen to go hand-in-hand in the approaches that inform current
constructivist views.7

Obviously, this particular kind of ‘materiality’ also relates to


both writing and reading, and I will come to those next. But, first,
it is essential to recognize that it forms an underlying condition
to everything else: reality and meaning are inseparable in our
(embodied) experience. Or, as Merleau-Ponty famously put it:
‘Because we are in the world, we are condemned to meaning.’
(MERLEAU-PONTY 2002, p. xix) But this is not to say that
meanings are determined, since language has a life of its own

67 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
Kalle Pihlainen

too, and even someone like Merleau-Ponty has to take a very


long route to demonstrate how the spheres of embodiment and
language are united in ‘gesture,’ for example (see MERLEAU-
PONTY 2002, p. 213–215).

What, then, if the overlap between language and materiality


is so slight and difficult to place, might be the main take-
away from attending to embodiment in this way for referential
representations like history? Most importantly — because
the practical, directly referential connection of language to
reality can be there or not, because, that is, we can use it
to refer and to create — this underlines the fact that even
referential constructions will be suasive and seductive. The
constant shifting between reference and invention contains the
possibility of an immersive experience (remember White’s point
that histories ‘have more in common with their counterparts in
literature than they have with those in the sciences…’), and we
are accustomed to crossing the boundary between reference
and immersion without explicit acknowledgment. It seems
important to acknowledge that these are two different modes,
however, and immersion is not always a desirable condition.
This relates to the two further questions below, both having to
do with the distinctness of referential texts.

B) How is reality encoded in referential texts?


For debates about history writing, looking at language in
terms of both of these modes — that is: in terms of reference and
realism, on one hand, and invention and immersion, on the other
— can hopefully assist in overcoming the worst of the either-
or debates and in shaking off some of the underlying intuitive,
misleading attitudes. The key challenge then becomes one of
understanding the connection and working dynamic between
a pragmatic ‘contact’ with reality and ‘literary’ immersiveness
in attempts to write about the past. How is reality present
in these texts? Or, more precisely, how do overtly referential
texts encode and embed reality?

68 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
The Possibilities of ‘Materiality’ in Writing and Reading History

Specifically, for referential texts as opposed to fiction, a


crucial ‘mistake’ introduced by following too closely on the heels
of a literary theory approach has involved the professed ‘death
of the author.’ While this has not been substantially elaborated
within theory of history, the implications of looking at history
writing rather than ‘behind’ it to the intentions of the author has
been part and parcel of a textualist approach. Combined with
the epistemological problematics involved in history writing and
historians’ explicit attempts to deal with them, this attitude has
undoubtedly compounded the difficulties historians have had
in accepting constructivist views. Given the challenges history
faces as a practice, a break with extreme textualist positions
is warranted on this point, however, and authorial intentions
need (cautiously) to be brought back to the debates.

A key outcome of neglecting the historian (as author)


in textual readings has involved ignoring the writer-reader
contract in play in history (for more on this, see PIHLAINEN
2017; 2019a; 2019b and TAMM 2014). Yet part of this
contract is formed by the historian’s promise to be truthful
— and, in this sense, the historian-as-writer and specifically
the intentions involved constitute our only conduit to ‘reality,’
however tenuous. Textually, this connection is present in the
form of factual statements and the literary decisions needed to
accommodate them. Although this claim clearly calls for some
caveats, at its core it amounts to saying that — because of genre
commitments, including the particular promise to be truthful
— we are, as historians, constrained by all the practices that
fall under the admittedly all-too-vague umbrella of ‘historical
method’; chief among these: to aim not to ‘distort’ things (to
seek some kind of match or ‘correspondence’ with what is
known) and to include all relevant facts (to be ‘comprehensive’
in our interpretations).

If we can agree on the relevance of intentional engagement


on this basic level, the exhumation of the author does not
necessarily need to go further. Recognition of this commitment
is a sufficient reminder that there are interruptions in

69 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
Kalle Pihlainen

the text that result from and echo historians’ referential


commitments. Thus, when a text is taken seriously, these
commitments can also be seen as producing textual markers
— markers that can be ‘read back’ as long as one remains
constantly curious for them (as long, that is, as one then, as
a reader, continues to honor that same referential contract
and resists immersion into a fully fictional reading mode).
On this level, simply the aim of inclusiveness can be argued to
effect a disruption to ‘purely’ fictional form: a historians’ hands
are tied with respect to literary invention and this interrupts
the ‘literariness’ of history texts — as with any referential text.
At the very least, textual invention proceeds ‘facts first’ rather
than from the storyline.8

Such interruptions to overall literary form are hard to


demonstrate, since, as readers, we tend to read everything for
broader meaning and significance. Yet, some of the key generic
disruptors we encounter in history texts are fairly obvious:
Firstly, facts (‘singular existential statements’) tend to be 8 - For an elaboration
‘realistic.’ Thus, even when a particular fact appears to involve of this dynamic, see
Pihlainen 2017.
broader meaning ‘in itself’ (something as trivial as ‘Trump
trumps Clinton’ or as conspiracy-minded as the appearance
of a 9/11 ‘prediction’ in The Simpsons four years prior to the
event, for example), we may note this with some curiosity but
tend not to read it as meaningful. Admittedly, we overlook
such ‘meaning’ in part as a consequence of the referential
genre commitments and the underlying understanding relating
to reality; but the key to differentiating between referential
and ‘fictional’ processes here is not in the existence of
individual instances of this kind of potential meaning, but in
the coincidence of their overall direction when more of them
are present. Secondly, in line with this, history texts present
references to be followed up. They read outwards. Again, this
could be seen as a practice of ‘truth-creation’ that could be
used effectively in fictional writing too, but in referential texts
it produces interference (and, sometimes, when references
are not employed in this usual way, histories are accused of
being too free with their facts). Thirdly, point-of-view tends to

70 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
The Possibilities of ‘Materiality’ in Writing and Reading History

be severely limited and subject-positions are largely narrated


without recourse to internal states. So, while histories may
incorporate different perspectives, distinct storylines, parallel
and intersecting objectives, and so on, they tend to reject even
very basic literary conceits that go against realist expectations.
While not an active interruption, this realistic mode limits the
meaning-making process in much the same way as do more
explicit referential commitments.

All this (and much more) works as an interruption to any


properly literary meaning-making processes. And it thus makes
the kind of aesthetic closure described in literary criticism more
difficult to achieve. Polyphony, for instance, can be a strategic
choice for a fictional text. But, for referential writing, at least
some of these interruptions unavoidably leak over to infringe
on the storyline and the text’s aesthetic coherence. In this
key aspect, referential text production is not led by form and
meaning-making, as is the case for fiction. So, even though
there is always a ‘content to the form,’ that content is not
as comprehensive and controlled because of these resistant
elements — because of this resistant materiality. And, in this
respect, there is a difference between the kind of ideological
meaning-imposition suggested by White (‘the content of the
form’) in emplotments for history and an aesthetic closure
that involves firmer control of the meaning-making impact of
individual textual elements, as sometimes postulated in literary
theory.

Critically, a negotiation necessarily takes place in referential


text production between the ‘brute facticity’ that is the
touchstone of referential representations and the immersivity
that is inevitably introduced by the textual process — between
the two contending modes that such representation is forced
to move between. And this negotiation leaves textual traces.
But why be concerned with this? What is the significance of
these kinds of disturbances in referential texts? Ultimately, this
significance is only realized in the reading process.

71 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
Kalle Pihlainen

C) How do we read referential texts?


The third relevant aspect of ‘materiality’ that I want to
articulate in this connection involves our specific commitments
as readers with respect to referential texts. The question is:
How are referential texts read differently from non-referential
ones? Crucially, how are they read back for their reality?

Considering the strong arguments for textuality, and in


particular their separation of meanings from intentions in the
process of text production, it seems safe to say that the kinds
of interruptions created by referential commitments of history
writing are by themselves insufficient to establish a referential
reading practice. To be effective, such textual interruptions
require the complicity of the reader — the consummation of
the contract between the writer and the reader, as it were.
Without it, these interruptions are always in danger of being lost
within the overall immersivity created even by these expressly
referential storytelling practices. (This is only a somewhat milder
manifestation of the ‘impossible self-assignment’ involved
in history, cited from Gumbrecht above: here the referential
interruptions that constitute the aspect of presence available
to us in history writing are repeatedly covered and concealed
by the fictional, immersive pull of the story.) To make this side
of the referential commitment better visible, the practice of
reading — something that has been given far too little attention
in the theory of history (see AHLBÄCK 2007; PIHLAINEN 2017;
ROTH 2018) — needs to be discussed explicitly.

It seems safe to assume that readers are positioned


differently by a referential reading contract than they would
be by a ‘fictional’ or more explicitly literary one. Importantly,
there is an understanding of sorts regarding the premises and
expectations directed at the text as well as collusion regarding
referentiality. Without this ‘materiality’ reaching into the reading
— without the reader’s mindfulness of reality as a part of the
communication — referential writing would simply not make
sense as a genre. Arnaud Schmitt formulates this brilliantly in

72 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
The Possibilities of ‘Materiality’ in Writing and Reading History

the case of autobiography, and I want to quote him at some


length to do justice to his argument:

the phenomenology of fiction originates in the childhood


experiences of games and make-believe. What is the point of
autobiography if it is based on similar experiences? If it gives
rise to a ‘rapt state’? I am not saying that it is not able to give
rise to such a state, I am only asking if it is meant to. In other
words, fiction dictates the phenomenology it creates, but, up
to a certain point, autobiography should be monitored by the
reader who can curb her regression in order to fully experience
the referentiality of a self-narrative. (SCHMITT 2017, p. 97)

Clearly, the same question applies to history: What is the


point if it (only) creates a ‘fictional’ experience for us? And if one
accepts that ‘doing’ history indeed has a referential purpose,
then the same kind of self-monitoring should be expected of
readers when they read histories. Readers should not immerse
themselves in history writing to the extent that their reading
experience (the ‘phenomenology’ of the reading) is dictated
exclusively by the text. But, to return to Schmitt:

To go back to autobiography, it is then my contention that


immersion neutralizes the referential potential of this narrative
modality, and as already stated, without this referential
branching out, autobiography does not make any generic sense.
An autobiographical pact is not enough: it simply is a plea on
the part of authors, a desperate invitation to read them as they
want to be read, as they intended to while they were writing
their texts. The best autobiographers can do is leave blatant
paratextual traces and hope for the best: that the reader will
agree not to lose sight of them. (SCHMITT 2017, p. 97)

Schmitt does not see all this happening without some kind
of empathy. The reader needs to be empathic — and respectful,
perhaps, in the tradition of Buber and Levinas — to the lived
experience of the author. It should be remembered, however,
that Schmitt is speaking explicitly about self-narratives. And
because self-narratives involve a more direct communication

73 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
Kalle Pihlainen

(because, that is, at least ostensibly the experience and reality


to be communicated reside with the author), self-interruptions
and empathy also have a different objective. To ‘see’ or ‘hear’
the other.9

When, as in the case of history, the situations and events are


not connected with the author, postulating this same dynamic
becomes more difficult, however. The experiences described are
not the historian’s own and there is no parallel to the privileged
position or ‘access’ of an autobiographical writer. So, if we were
to choose to try to look behind the presentation at the author
in the manner suggested by Schmitt for autobiography, we
would still remain many times removed from the actual stuff of
the ‘historical’ realities that constitute the object of a historical
representation. (Once again: this is not intended as a comment
about the factual standing of a description, but rather to point
out that there is no additional ‘experiential’ privilege involved 9 - Here, in connec-
tion with autobiogra-
in historical representations that we can be called on to respect phy, it is easy to see
as part of the communication, as in autobiography through how the Levinasian
idea of the face-to-
acknowledging the figure and life of the author.) Given this, face can be helpful.
it may well be the case that the experiential break between For an attempt to ex-
tend this possibility to
historical subjects and the historian’s work is too significant history, see FROEY-
to ‘overlook’ in the same way as the more immediate textual MAN 2016.
processes between author and reader.

What makes the ‘historical’ experience personal to us is not,


then, as much the recognition of the subject’s experiences and
reality (that is to say, not our ‘communication’ with subjects
from the past) as it is the recognition of the storytelling skills
and power of the historian-author, coupled with our complicity
in the game of history writing and reading. The historian’s
ability to evoke emotional effects in us is not based in the same
way on the reality of the objects of representation but, instead,
rests on the mutual agreement to proceed together in this
conceit in a self-aware way, recognizing the twofold fictioning
required. This is not to say that our belief in the existence of
the objects and events plays no part, of course, only that it too
is part of the game.

74 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
The Possibilities of ‘Materiality’ in Writing and Reading History

Conclusion
So, what does this all amount to? What could it mean for
thinking about history and for the ways in which we theorize
historical practice? If we accept that the opposition of the
straw-figures of ‘only language’ and ‘direct experience’ are at
logger-heads in an irresolvable way, the obvious course would
be to try to rethink these attitudes in more sophisticated ways
— ways which are, in fact, already present in much of the
underlying philosophical and theoretical traditions, and which
can assist in elaborating on the details of the relation between
‘narrativity’ and ‘experience.’ The worst thing that we can do
is accept their presentation as mutually exclusive and ally with
one at the expense of the other.

To be sure, reality is ‘present’; but it is always mediated


in multiple ways even in ‘immediate’ sensory experience, let
alone writing. So, because referential writing is still writing —
because, that is, it is constructed, fictioned, rhetorical, poetic,
and so on — its referential commitments are vulnerable, and
it needs to (strategically) curb its fantastic and immersive
tendencies. Here, pursuing ‘materiality’ may offer useful
insights for rethinking historical practice, particularly if we
examine it in terms of the communication of that materiality
on at least the three levels indicated.

Important, then, is attending to reference, first, in the


fundamental terms of language interacting with reality,
particularly through embodiment. While this is a difficult issue
and does not necessarily need to be theorized to a great
extent for purposes of history writing, existing theoretical
elaborations can aid in analyzing actual text production.
Fortunately, history writing has additional strengths to help
remind of its referentiality. These result from the ‘agreement’ or
understanding that its production and consumption involve an
attempt to communicate truthfully about reality. Hence, second,
we should give due consideration to the textual interruptions
effected by referential materials and strategies — the resistant,

75 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
Kalle Pihlainen

residual ‘materiality’ resulting from the historian’s promise.


The writer’s commitment to facts interrupts semiotic meaning-
making processes and, consequently, the text incorporates
interruptions to its ‘literariness.’ Ideally, these could take
the form of polyphony, lack of formal closure, expressed
doubts, elaboration of alternative possibilities, recognition
of the contingency of events as well as irony concerning
representational practices. But they will also obviously include
straightforward extra-textual markers such as generic labeling,
references, notes, and so forth.

Third, we should explore strategies that help readers read


for reference and refuse immersion (this is the point at which
the writer’s commitments are actualized, after all). Readers
usually do ascertain the commitments of a text correctly
and can self-interrupt to keep their side of the referential
agreement. But, in cases where readers may prefer immersion
(such as when reading more popular accounts of commonly
romanticized periods or events, for instance), historians are
faced with a harder challenge. We may want to persuade readers
out of immersive attitudes by changing our representational
strategies and reinforcing the material connection in the text
(by increasing complexity, inducing confusion, appealing
to disruptive embodied experiences, and so on). But ‘felt,’
personal relevance can always be achieved by either route
and our specific emphasis ultimately depends on subjective
preferences and level of historical-mindedness.

What needs to be remembered is that ‘presence’ and


‘reality’ cannot save us, in themselves, or subdue the poetic
dimension of language. They cannot, in the end, prevent the
kind of ‘fictionalization’ and immersive opportunities outlined
even by simplified ‘narrativism,’ for example, from taking
place. There is always sufficient overlap between fictional and
referential texts for the readers of referential ones to ignore
connections to reality if they wish. And perhaps, at times, they
do so even when they have not expressly willed it: language
is seductive and — almost by default through being readers —

76 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
The Possibilities of ‘Materiality’ in Writing and Reading History

our imagination is engaged, leading us to more easily welcome


immersion. Ideally, however, this dynamic hands responsibility
over to the reader: we can try to read for ‘understanding’ others
and hence for reality and we can read for pleasure and perhaps
some deeper awareness of the human condition.

REFERENCES

AHLBÄCK, Pia Maria. The Reader! The Reader! The Mimetic


Challenge of Addressivity and Response in Historical
Writing. Storia della Storiografia, v. 52, n. 1, p. 31–48,
2007.

ANKERSMIT, Frank. Sublime Historical Experience.


Stanford: Stanford University Press, 2005.

BARTHES, Roland. The Pleasure of the Text. Translated


by Richard Miller. London: Jonathan Cape, 1975.

BUTLER, Judith. Excitable Speech: A Politics of the


Performative. New York: Routledge, 1997.

CARR, David. Narrative and the Real World: An Argument


for Continuity. History and Theory, v. 25 n. 2, p. 117–
131, 1986.

CHORELL, Torbjörn Gustafsson. F. R. Ankersmit and the


Historical Sublime. History of the Human Sciences, v.
19, n. 4, p. 91–102, 2006.

CIXOUS, Hélène. The Laugh of the Medusa. Translated by


Keith Cohen and Paula Cohen. Signs, v. 1, n. 4, p. 875–
893, 1976.

DAVIES, Martin L. How History Works: The Reconstitution


of a Human Science. London: Routledge, 2016.

77 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
Kalle Pihlainen

DAVIS, Natalie Zemon. Women on the Margins: Three


Seventeenth-Century Lives. Cambridge, MA: Harvard
University Press, 1995.

DERRIDA, Jacques. On Touch — Jean-Luc Nancy.


Stanford: Stanford University Press, 2005

DOMANSKA, Ewa. Frank Ankersmit: From Narrative to


Experience. Rethinking History, v. 13, n. 2, p. 175–195,
2009.

FROEYMAN, Anton. History, Ethics, and the Recognition


of the Other: A Levinasian View on the Writing of History.
New York: Routledge, 2016.

GOODMAN, James. Blackout. New York: North Point


Press, 2003.

GUMBRECHT, Hans Ulrich. In 1926: Living At the Edge of


Time. Cambridge, MA & London: Harvard University Press,
1997.

GUMBRECHT, Hans Ulrich. Production of Presence: What


Meaning Cannot Convey. Stanford: Stanford University
Press, 2004.

ICKE, Peter P. Frank Ankersmit’s Lost Historical


Cause: A Journey from Language to Experience. New
York: Routledge, 2012.

IRIGARAY, Luce. This Sex Which Is Not One. Translated


by Catherine Porter with Carolyn Burke. Ithaca, NY: Cornell
University Press, 1985.

JENKINS, Keith. “Nobody Does It Better”: Radical History


and Hayden White. Rethinking History, v. 12, n. 1, p.
59–74, 2008.

KUUKKANEN, Jouni-Matti. Postnarrativist Philosophy of


Historiography. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2015.

78 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
The Possibilities of ‘Materiality’ in Writing and Reading History

LAKOFF, George and Mark JOHNSON. Metaphors We Live


By. Chicago: University of Chicago Press, 1980.

LEVINAS, Emmanuel. Totality and Infinity: An Essay


on Exteriority. Translated by Alphonso Lingis. Pittsburgh:
Duquesne University Press, 1969.

LUKÁCZ, Georg. The Historical Novel. Translated from


the German by Hannah and Stanley Mitchell. London:
Merlin Press, 1962 [1937].

MENEZES, Jonathan. Aftermaths of the Dawn of Experience:


On the Impact of Ankersmit’s Sublime Historical Experience.
Rethinking History, v. 22, n. 1, p. 44–64, 2018.

MERLEAU-PONTY, Maurice. Phenomenology of


Perception. Translated by Colin Smith. London: Routledge,
2002 [1962].

NANCY, Jean-Luc. The Birth to Presence. Stanford:


Stanford University Press, 1993.

NORTON, Claire & Mark DONNELLY. Liberating Histories.


London: Routledge, 2019.

PAUL, Herman & Adriaan VAN VELDHUIZEN. A Retrieval of


Historicism: Frank Ankersmit’s Philosophy of History and
Politics. History and Theory, v. 57, n. 1, p. 33–55, 2018.

PIHLAINEN, Kalle. The Work of History: Constructivism


and a Politics of the Past. New York: Routledge, 2017.

PIHLAINEN, Kalle. Committed Writing: History and Narrative


Communication Revisited. In: BERGER, Stefan (ed.). The
Engaged Historian: Perspectives on the Intersections of
Politics, Activism and the Historical Profession. New York:
Berghahn, 2019a, p. 63–78.

79 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
Kalle Pihlainen

PIHLAINEN, Kalle. Experience, Materiality and the Rules of


Past Writing: Interrogating Reference. Life Writing, v. 16,
n. 4, p. 617–635, 2019b.

ROTH, Paul. A. An Audience for History? Review Essay


of Kalle Pihlainen’s The Work of History. Journal of the
Philosophy of History, advance article, 2018. Available
at: https://doi.org/10.1163/18722636-12341410. Accessed:
16 Dec 2019.

SARTRE, Jean-Paul. Being and Nothingness: An Essay


on Phenomenological Ontology. Translated by Hazel E.
Barnes. London: Methuen, 1969.

SCHMITT, Arnaud. The Phenomenology of


Autobiography: Making It Real. New York: Routledge,
2017.

SCOTT, Joan W. The Evidence of Experience. Critical


Inquiry, v. 17, n. 4, p. 773–797, 1991.

SPIVAK, Gayatri Chakravorty. The Post-Colonial Critic:


Interviews, Strategies, Dialogues. Edited by Sarah
Harasym. New York: Routledge. 1990.

TAMM, Marek. Truth, Objectivity and Evidence in History


Writing. Journal of the Philosophy of History, v. 8, n.
2, p. 265–290, 2014.

VAN DER DUSSEN, Jan. A Quest for the Real Past: Ankersmit
on Historiography and (Sublime) Historical Experience. In:
VAN DER DUSSEN, Jan. Studies on Collingwood, History
and Civilization. Cham: Springer, 2016, p. 213–253.

WHITE, Hayden. Tropics of Discourse: Essays in Cultural


Criticism. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1978.

ZAGORIN, Perez. Rejoinder to a Postmodernist. History


and Theory, v. 39, n. 2, p. 201–209, 2000.

80 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
Kalle Pihlainen

ACKNOWLEDGMENT AND INFORMATION

Kalle Pihlainen
kalle.pihlainen@utu.fi
Tallinn University
Estonia

This work has been funded by the Estonian Research


Council, project number PUT1150.

RECEIVED IN: 13/SEPT./2019 | APPROVED IN: 19/NOV./2019

81 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 47-81 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1527
HISTÓRIA DA Ouro Preto / MG - Brasil

HISTORIOGRAFIA

History as Self-Knowledge: Towards Understanding


the Existential and Ethical Dimension of the Historical
Past
História como autoconhecimento: para uma compreensão da
dimensão existencial e ética do passado histórico

Jonas Ahlskog
https://orcid.org/0000-0002-3311-654X
ABSTRACT

This essay explores the existential and ethical dimension


of the historical past from two different perspectives. RESUMO
In the first part, the essay approaches the issue by
examining the personal dimension of the historical past Este ensaio explora a dimensão existencial e ética

from the perspective of the individual subject. This do passado histórico a partir de duas perspectivas

examination elaborates the individual’s perspective by diferentes. Na primeira parte, o ensaio aborda a

literary illustrations from W. G. Sebald’s Austerlitz. In questão, examinando a dimensão pessoal do passado

the second part, the essay approaches the issue from histórico a partir da perspectiva do sujeito, elaborando

a conceptual perspective in order to articulate the ways a essa perspectiva por meio de ilustrações literárias de

in which the idea of a historical past connects with Austerlitz, de W. G. Sebald. Na segunda parte, o ensaio

the concept of history as self-knowledge. The essay aborda a questão sob uma perspectiva conceitual, a

engages with R. G. Collingwood’s philosophy of history fim de articular as maneiras pelas quais a ideia de um

to show that there are significant ethical and existential passado histórico se conecta ao conceito de história

aspects of the concept of historical past. In conclusion, como autoconhecimento. O ensaio se articula com

the essay argues that, from both the perspective of a filosofia da história de R. G. Collingwood, a fim de

the individual and conceptually, there is an important mostrar que existem aspectos éticos e existenciais que

personal dimension residing within and not only beyond são significativos para o conceito de passado histórico.

the historical past. Por fim, o ensaio argumenta que, tanto da perspectiva
individual quanto conceitual, existe uma importante
dimensão pessoal que reside dentro e não apenas além
do passado histórico.

KEYWORDS
History; Historical understanding; Historiography

PALAVRAS-CHAVE
História; Compreensão histórica; Historiografia

82 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 82-112 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1501
Jonas Ahlskog

Introduction
The historical past is the past understood by the methods
of historical research. What makes the historical past personal?
There are at least two distinct ways of understanding this
question. On the one hand, one may read the question as
being about the relation between the historical past and
individual human beings living at particular times and places.
In this sense, the question will be about investigating, from the
outside so to speak, the ways in which it can be an existential
and ethical concern for individuals to understand the past by
the methods of historical research. On the other hand, one may
read the question as being about the general relation between
the sense-making processes internal to the historical method
and the very possibility of human self-understanding. If one
reads the question in the latter sense, then one is interested
in conceptual relations and not merely the contingent,
empirical overlaps between the personal and the historical. The
investigation in this case will be about the ways in which the
concept of historical understanding necessarily connects with
the (logical) possibility of self-understanding for historically-
situated subjects.

In the following essay, I will explore the existential and


ethical dimension of the historical past. I will argue that the root
of the personal dimension of the historical is the unavoidable
entanglement between our historical and practical relations to
the past. In this respect, my essay opposes several influential
accounts that tend to construe history as an inherently
disengaged, alienated and objectivist discourse. It is this idea
of history that serves as a central motivating factor for the
recent turn towards ‘historical experience’, ‘presence’ and
‘practical past’ among key contemporary historical theorists
(ANKERSMIT 2005; RUNIA 2014; WHITE 2014). In fact, these
concepts were launched as instruments for exploring personal
relations to the past that history, by its very nature, allegedly
lacks. In opposition, this essay argues that the personal resides
within and not only beyond historical relations to the past.

83 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 82-112 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1501
History as Self-Knowledge

The first part of the essay engages this issue from the individual
subject’s perspective, whereas the second part engages the
issue on a conceptual level by examining interconnections
between the concept of historical past and the idea of history
as self-knowledge.

I explore the perspective of the individual by revisiting


themes from W. G. Sebald’s book Austerlitz. This is the same
book that both White and Runia use for illustrating their own
theoretical claims; namely, that the past becomes personal
only in the form of ‘practical past’ or ‘presence’ (WHITE 2014,
p. 8; RUNIA 2014, p. 62). I will offer an alternative reading in
order to show that Austerlitz elaborates not only the workings
of ‘practical past’ or ‘presence’, but illustrates vividly the
view expressed in this essay; that there is an unavoidable
entanglement between our historical and practical relations
to the past. I argue that Austerlitz makes palpable personal
dimensions within the historical past from the perspective
of the individual, and this feature of history takes shape
through the historically displaced protagonist of Sebald’s book.
In the second part of the essay, I will address questions about
whether there is also a personal dimension of history that can
be unfolded by examining conceptual connections between
historical past and the pursuit of human self-knowledge.
The essay explores this dimension of the personal through a
philosophical elucidation of the ways in which the very concept
of historical understanding necessarily connects with ethical and
existential dimensions of the self-understanding of historically-
situated subjects. For this purpose, I will clarify Collingwood’s
idea of history as self-knowledge in order to show that there is
a personal dimension within the basic processes of rendering
actions and events intelligible in history. In conclusion, I will
argue that both of these explorations support the main claim
of the essay: the personal resides within and not only beyond
the historical past.

84 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 82-112 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1501
Jonas Ahlskog

Personal historical past from the perspective of the


individual
In his book Austerlitz, Sebald writes:

[I]f I am walking through the city and look into one of those
quiet courtyards where nothing has changed for decades, I
feel, almost physically, the current of time slowing down in the
gravitational field of oblivion. It seems to me then as if all the
moments of our life occupy the same space, as if future events
already existed and were only waiting for us to find our way to
them at last, just as when we have accepted an invitation we
duly arrive in a certain house at a given time. And might it not
be […] that we also have appointments to keep in the past, in
what has gone before and is for the most part extinguished,
and must go there in search for places and people who have
some connection with us on the far side of time, so to speak?
(SEBALD 2011, p. 257-258).

This voice belongs to the evasive and anxious main


character of the book. He grew up in a small town in Wales with
foster parents and later at a boarding school due to his foster
mother’s depression. During his upbringing, he felt a constant
concern that something obvious was kept hidden from him.
In his teenage years, the headmaster of his school summons
him and tells him that his name is not, despite what he himself
believes, Dafydd Elias, but Jacques Austerlitz. When he has
been told his real name, the young Jacques asks: “Excuse me,
sir, but what does it mean?” To which the headmaster gives a
laconic reply: “I think you will find it is a small place in Moravia,
site of a famous battle, you know.” (SEBALD 2011, p. 68-69).

Jacques Austerlitz carries on with his real name, but forgetful


of the history of his own life. He excels in school, receives
a scholarship for university studies and will later become a
lecturer and researcher in the history of art. Successively, his
studies develop towards manic investigations of the architectural
history of monumental public buildings such as prisons, mental
hospitals and train stations. Jacques Austerlitz is conducting a

85 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 82-112 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1501
History as Self-Knowledge

far-ranging trip to research the family resemblances between


monumental buildings when he meets the narrator of the
book. This research, which was meant to become his doctoral
dissertation, had already swollen beyond reason and consisted
now of endless preliminary notes from the study of details.
He did not remember any longer, why he had chosen such a
comprehensive subject matter, but he said it was probably due
to insufficient supervision from the start.

When he is about 50 years of age, in the context of an


investigation of the waiting room in London’s Liverpool Street
Station, Austerlitz’s past begins to reveal itself through a sudden
memory flash. Standing in the waiting room, he is paralyzed
by a vision in which he sees himself and the foster parents
that have come to meet him. Jacques Austerlitz realizes that
he must have traveled through this very station almost half a
century ago. Somewhat later, he listens to a radio program in
which two women are discussing how they came to England in
1939 by a so called Kindertransport, out of harm’s way from
the war on the continent. At that moment, Austerlitz said he
knew beyond doubt that those memories were part of his own
life as well.

Austerlitz investigates, by testimony, archive research and


visits to important sites, how his own life is entangled with
the tragic history of 20th century Europe. Austerlitz finds out
that his father, Maximilian, fled from his hometown, Prague,
to Paris shortly before the arrival of the Nazis. He learns that
Maximilian was in hiding for a long time, but later arrested
and then disappeared in the prison camps of the war. Jacques
mother, Agáta, chose to remain in Prague – unrealistically
confident in her own prospects – and persevered until a raid
in 1942 when she was sent to the ghetto in Theresienstadt.
Austerlitz never finds definitive information about the final fate
of his parents, but he is told that in 1944 Agáta is sent east
from Theresienstadt.

One can pinpoint the overlap between history and practice


in the simple yet profound question that Sebald poses for the

86 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 82-112 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1501
Jonas Ahlskog

young Jacques: what does Austerlitz mean? By this question,


Sebald is brilliantly bringing together two different relations
to the past that are constantly in friction throughout his book.
There is, on the one hand, the relation to the past expressed
by the headmaster of the school: Austerlitz, the Battle of the
Three Emperors on December 2, 1805. A decisive victory for
Napoleon that would lead to the dissolution of the Holy Roman
Empire. An official, dead past, the events of which any school
pupil will be able indifferently to recite like a fairy tale about
witches and trolls. In other words, a historical past that is of
no concern to Jacques in his individuality. If history never has
the potential to go beyond the headmaster’s stories of ‘great
men’, then it is certainly doubtful that such ‘history’ would ever
become a personal concern for Jacques Austerlitz.

What does Austerlitz mean? It is possible to recast this as


a question that is both personal and historical simultaneously.
When answering to such a question, the headmaster might
instead have told Jacques about a relation to the past that he
is unable to escape, a history that gets, so to speak, under
his skin. He may start by telling him that Austerlitz is a Jewish
name, that Jacques is a refugee from the Nazis. That at the time
the place, Austerlitz, situated close to Brno in what was then
Czechoslovakia, had a flourishing Jewish community, and that
maybe his family had gotten their name from that community.
That the Nazis built a ghetto nearby in Theresienstadt, at the
north of Prague, that the Jews of Austerlitz were sent there and
later to Auschwitz; that it is unlikely that his parents are still
alive. In brief, the headmaster could have described a past with
decisive relevance for how Jacques would think about himself
and his own place in the world.

How should one understand the relation between, on the one


hand, the past that is an inevitable part of our self-understanding,
and, on the other hand, the picture of our past produced
according to the methods of professional historical research?
In the words of the British philosopher Michael Oakeshott, the
issues at hand can be conceptualized as a distinction between

87 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 82-112 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1501
History as Self-Knowledge

the practical and the historical past. Oakeshott illustrates the


essence of his distinction by an example from his childhood.
During walks in difficult country with his father, the young
Oakeshott would get tired, become inclined to lag and perhaps
rest in the grass. On such occasions, his father would encourage
him to go further by half-seriously appealing to past record:
this, Oakeshott’s father would say, “is not what Trojans would
do” (OAKESHOTT 1983, p. 38). In this colloquial setting, the
Trojans were for the young Oakeshott “not a long-perished
people, the intricacies of whose lives, performances and
fortunes only a critical enquiry could resuscitate from record;
they were living and to us familiar emblems of intrepidity”
(OAKESHOTT 1983, p. 38). In Oakeshott’s vocabulary, the
Trojans belonged to the practical past. They were part of
that “accumulation of symbolic persons, actions, utterances,
situations and artifacts’ which is an indispensable ingredient of
an articulate civilized life” (OAKESHOTT 1983, p. 44).
Oakeshott’s concept of the practical past is very useful
for highlighting that our concerns with the past are often not
historical. On the contrary, our everyday approach is to see the
past in relation to practical concerns in the present. The past
thus regarded is, by definition, a past that is not thought of
as worth knowing for its own sake but only “in relation to our-
selves and our current activities” (OAKESHOTT 1991, p. 162).
We use this kind of past “to make valid practical beliefs about
the present and the future” (OAKESHOTT 1933, p. 105). By
contrast, the historical past is a past that is thought to ex-
ist independently of our own concerns. The past of history is
studied for its own sake and deserves investigation in its own
right. To understand something historically is to be “exclusive-
ly concerned with the past” (OAKESHOTT 1983, p. 27). The
consequence of Oakeshott’s distinction is a dichotomy between
a practical past that is always with us, even during walks in
heavy terrain, and an alienated historical past that is only to be
found in history books.

How does the story of Austerlitz relate to the distinction


between historical and practical past? As I already stated, both

88 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 82-112 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1501
Jonas Ahlskog

White and Runia claim that Austerlitz illustrates the ways in


which the past matters for an individual beyond history. White
claims that the story of Austerlitz can be read as “as an alle-
gory of the impossibility of – or to cite Nietzsche – the disad-
vantage (Nachteil) of history “für das leben” (WHITE 2014, p.
6). White comes to this conclusion by interpreting the story of
Austerlitz as an illustration showing that “knowledge of ‘histo-
ry’ raises more problems than it solves” and that, for Auster-
litz, it turns out that history is “less than helpful when it is a
matter of seeking meaning for an individual life or existence”
(WHITE 2014, p. 6). In support of this reading, White cites the
fact that Jacques Austerlitz’s historical inquiries seems to re-
veal the ways in which those who “made history” after the war
were, through monumentalizing, just as keen to hide signifi-
cant truths about the past as the Nazi regime was. Thus, White
concludes that the lesson to be drawn from the Austerlitz story
is that there is no such thing as “history” against which “anti-
history” or “mythifications” could be measured and assessed
(WHITE 2014, p. 6).

Runia, on the other hand, claims that Sebald was “ob-


sessed with what I have called presence” and interprets Se-
bald’s entire authorship as a project for translating time into
space (RUNIA 2014, p. 61, 67). The story of the book is ac-
cordingly cast as being about getting in contact with the past
that made Jacques Austerlitz into the person that he is, and the
channel for such contact is the unrepresented presence stored
in the material remains of the past. Centrally, for Runia, the
story of Austerlitz shows the ways in which the past, despite
the intentions of the subject, gets in touch with Jacques Aus-
terlitz through the artifacts, buildings, photographs and mon-
uments of the past that somehow remembers him. According
to Runia, Sebald presents a story about how Jacques Austerlitz
is moved by the presence of the past through material things
that “telescope” unrepresented meaning from the past into
Austerlitz’s present, and this is a “subterranean” process of the
unconscious beyond the meaning-making process of history
(RUNIA 2014, p. 101-105).

89 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 82-112 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1501
History as Self-Knowledge

Both White and Runia deliver interpretations that reveal


important aspects of the existential depth in Sebald’s work. Of
course, given the fact that Austerlitz is a multifaceted work of
art, it would be absurd simply to claim that their readings are
somehow wrong or incorrect. Still, their readings are one-sided
to the extent that they completely neglect important tensions
between historical and practical relations to the past in Austerlitz.
The most significant blind spot is that neither White nor Runia
give any existential or ethical role, except in negative terms, to
Jacques Austerlitz’s efforts, as an art historian, to explore the
troubled architectural history of 20th century Europe. I argue
that it is this important story line in the book that offers the
possibility of uncovering alternative and existential aspects
of Austerlitz, which White and Runia have neglected. The
predicament of Jacques Austerlitz, the art historian, provides
an illustration of the entanglement of historical and practical
past from the perspective of the individual subject.

In the life of Jacques Austerlitz, there can be no clean


separation between ‘the past in relation to ourselves’ and
‘the past for its own sake’. For this distinction neglects
the fact that exploring the past for its own sake may have
consequences for how we think about the past in relation to
ourselves. The basic problem of the distinction becomes very
clear from the perspective of the individual subject: Jacques
Austerlitz, the art historian, is after all not another person but
Jacques Austerlitz himself. This entangled predicament of the
subject is clearly manifest in Sebald’s descriptions of Jacques
Austerlitz’s research in the history of architecture. As Jacques
Austerlitz reflects on the subject matter of his investigations,
he pertinently observes that:

As far as I was concerned the world ended in the late nineteenth


century. I dared go no further than that, although in fact the
whole history of the architecture and civilization of the bourgeois
age, the subject of my research, pointed in the direction of the
catastrophic events already casting their shadows before them
at the time. […] And if some dangerous piece of information
came my way despite all my precautions, as it inevitably did, I

90 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 82-112 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1501
Jonas Ahlskog

was clearly capable of closing my eyes and ears to it, of simply


forgetting it like any other unpleasantness. (SEBALD 2011, p.
141).

The inability of Austerlitz to investigate the historical


past links directly and unavoidably with his inability to come
to terms with a personal and practical past. In order not to
expose his repression, and by that exploding his self-image,
Austerlitz must self-censure his own historical research. This
censorship concerns no matters of detail: an entire century in
the history of Europe must be plunged into darkness. In this
respect, there is truth to one of White’s central claims – that
history raises more problems than it solves. Nevertheless, the
fact that history has the possibility of creating problems at the
personal level for Jacques Austerlitz is a perfect example of
the point I am arguing for: that historical investigations are
entangled with practical relations to the past. If there were
no such entanglement, then history could never become as
much as a personal problem to begin with. Although White is
certainly right, that history, by itself, cannot solve personal
problems.

Sebald wrote in my first quote:

might it not be […] that we also have appointments to keep


in the past, in what has gone before and is for the most part
extinguished, and must go there in search for places and people
who have some connection with us on the far side of time, so to
speak? (SEBALD 2011, p. 258).

The idea of an ethical imperative, Jacques Austerlitz’s ‘must’,


expressed in this excerpt by Sebald, shows us how the issue
about the interconnection between the historical past and the
practical past should be posed. We are not here dealing with
the relationship between two logically independent phenomena
– as when we are investigating whether the rain this morning
was the cause of the wet asphalt. On the contrary, conceptions
and repressions about our past are already part of our own

91 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 82-112 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1501
History as Self-Knowledge

practical self-understanding, and this is shown by the fact


that Jacques Austerlitz’s image of himself could not survive
a truthful, historical investigation of 20th century European
history. Our self-understanding, and the practical past internal
to it, is always already a product of our present historical
situation, and this means that investigations of our historical
situation ‘for its own sake’ can have dire consequences for the
practical images of the past that shape our self-understanding.
The reason is, of course, the overlap in subject matter: we may
explore historically exactly that which connects directly with
what we repress in our practical image of the past.

Undoubtedly, Austerlitz demonstrates a sense in which


knowledge produced by the methods of historical research,
may have a deep personal relevance for the individual subject.
However, one obvious objection to this way of elucidating the
personal dimension of history would be: how representative is
the case of Jacques Austerlitz? Clearly, everyone’s life is not
as tightly connected with traumatic events of 20th century as
Jacques Austerlitz’s. Someone else may be able to explore
the history of the 20th century without any dire consequences
for the practical past of their self-understanding at all. Still,
the best way of thinking about this contingency is probably
to view it as scale without either of the extremes – there
is neither complete lack nor necessary connections with a
personal dimension from the perspective of the individual. For
the extremes one would have to, on the one hand, imagine
cases of history as pure escapism, or, on the other, history
that dealt only with matters that directly connect with the
personal life of the individual subject. I leave it up to the
reader to consider whether it is possible to imagine such cases
coherently. What requires further exploration is, instead,
the ways in which there is a necessary connection between
existential and ethical concerns for the subject’s self-
understanding and the sense-making processes internal to the
very idea of a historical past.

92 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 82-112 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1501
Jonas Ahlskog

Conceptual connections between historical past


and the personal
What is the starting point of every attempt to make sense of
the past in historical research? Answering this question properly
is crucial for understanding conceptual connections between
historical past and the pursuit of human self-knowledge.
The reason is, as I will argue, that the existential and ethical
relevance of engaging in historical research resides in the
potential for such research to change the self-understanding
of the historian. So, what is the starting point of historical
research? The answer is, I believe, uncontroversial and clearly
articulated already by G. W. F. Hegel in his Introduction to
Philosophy of History:

As the first condition to be observed, we could […] declare that


we must apprehend the historical faithfully. But with such general
terms as “apprehend” and “faithfully” there lies an ambiguity.
Even the ordinary, average historian, who believes and says that
he is merely receptive to the data, is not passive in his thinking;
he brings his own categories along with him, and sees his data
through them. In every treatise that is to be scientific, Reason
must not slumber, and reflection must be actively applied.
(HEGEL 1998, p. 14).

Hegel’s fundamental point is that history starts from


contemporary categories of intelligibility. In addition, historical
research is, by necessity, reflective and the reasons are, one
the one hand, that history aspires to be a science, and, on the
other hand, that events and actions in the past may strike the
contemporary person as utterly unintelligible. Hence, history is
the active employment of our own categories to render intelligible
what may seem, on the face of it, as incomprehensible actions
and events in the past. However, the fact that the historian
brings his own categories along with him, does not imply that
the historian merely forces that which is foreign to fit with his
present categories. Rather, the application of Reason, so to
speak, must be conducted in ways that both render the foreign

93 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 82-112 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1501
History as Self-Knowledge

intelligible and preserves its otherness. Naturally, this goal will


place certain demands on revising the current categories of
the historian in order to make room for otherness. In other
words, to render what is foreign intelligible involves a two-way
relation. This relation involves, on the one hand, re-describing
the objects in order to make them fit with our own categories,
and, on the other hand, openness towards changes in current
categories through confrontation with foreign categories of
intelligibility. In relation to this two-way relation of cultural
understanding, Peter Winch wrote:

We are not seeking a state in which things will appear to us just


as they do to members of S [= the alien society], and perhaps
such a state is unattainable anyway. But we are seeking a way
of looking at things which goes beyond our previous way in that
it has in some way taken account of and incorporated the other
way that members of S have of looking at things. Seriously to
study another way is necessarily to seek to extend our own –
not simply to bring the other way within the already existing
boundaries of our own. (WINCH 1972, p. 33)

Still, this obviously raises the question: how are the


contemporary categories of the historian to be understood –
are they not also products of the historical process? In addition,
are those categories completely transparent to the historian,
or are the categories themselves only articulated and unfolded
in and through the activity of sense-making which may show
their limited application for rendering the foreign intelligible?
Questions like these led Collingwood to formulate his ideas
about history as a form of self-knowledge.

The most basic premise of Collingwood’s idea of history


as self-knowledge is the contention that the human condition
necessarily involves the inheritance of historically-constructed
ideas, practices and institutions from previous generations.
History is an integral part of human experience itself
(COLLINGWOOD 1993, p. 158). Crucially, the starting point
for anyone within this human condition is not one in which
the meaning of inherited ideas, practices and institutions,

94 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 82-112 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1501
Jonas Ahlskog

including their essential relations of power, will be transparent


to the individual subject. In Collingwoodian terms, we enter
the human world without knowing the ways in which the past
is already included in the present. Hence, for Collingwood,
the historical subject does not first understand herself and
her own time, and then other subjects and times. Rather, our
understanding of the present and the past is uncovered in the
same movement of thought.

According to Collingwood, history is crucial for the reflective


self-understanding of the subject. The reason is that historical
research offers the possibility of understanding other ways of
thought and life, or in Hegel’s terms the ‘categories’ of others,
and it is only in the light of such historical contrasts that we
gain access to a deeper understanding of the characteristics of
categories and ways of thinking peculiar to our own time and
place. It is also within the same movement of historical thought
that we discern to what extent our own ideas and practices derive
from earlier epochs. The historian, so to speak, disentangles
the past from the present in which it was already embedded
(COLLINGWOOD 1926, p. 150). Historical understanding is thus
effective at both ends: our self-understanding is created in the
moment that the subject understands the historical object as
an Other. This means that the starting point for Collingwood is
non-Cartesian: human beings do not start from a transparent
self-understanding, but understand themselves only through
activities directed towards other people. In other words,
self-understanding is not a thing, but rather a relation that
presupposes the contrasts created by historical understanding.

The rest of this essay is dedicated to exploring the existential


relevance of historical understanding from the perspective of
Collingwood’s philosophy of history. By exploring Collingwood’s
idea of history, I hope to provide an alternative, but a necessarily
somewhat tentative account of the relation between existential
concerns for reflective self-understanding and the sense-
making process in historical research. The purpose of this
account is to serve as a thought-provoking alternative to the

95 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 82-112 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1501
History as Self-Knowledge

contemporary theories that leave little or no room for personal


dimensions within historical ways of understanding the past,
i.e. the historical past. However, the existential relevance of
historical understanding is an integral part of Collingwood’s
general idea of history and his comprehensive vision concerning
the proper subject matter and practice of historical research.
Naturally, it will not be possible to defend Collingwood’s entire
idea of history within the confines of this essay. Within the
realms of the possible is, instead, to show that questions
about the existential relevance of historical research connects
necessarily with perhaps the grandest question of all in this
field – what is history?

The historical past of thought


Contrary to much classical work in hermeneutics, Collinwood
is rather optimistic about the possibility of understanding 1 - For a detailed assess-
ment of the difference be-
otherness in history.1 Collingwood claims that understanding tween Collingwood, Ricoeur
otherness is, in principle, always possible. So, why this and Gadamer on this issue,
see (KOBAYASHI & MA-
optimism? Collingwood’s ideas about the subject matter of RION 2011).
history provides the answer. According to Collingwood, the
historical past is accessible to our understanding because
the subject matter of the historical past is human “thought”.
Now, Collingwood’s concept of thought has a much broader
meaning than our ordinary understanding of that term. The
best contemporary comparison would probably be the concept
of historical sense recently developed by Jeffrey Andrew Barash
in his book Collective Memory and the Historical Past (2016).
The key point, for Collingwood, is that we can think of the
human world as different forms of embodiment of thoughts in
a wide sense. The pertinence of this idea shows itself in a very
wide range of examples.

For instance, actions embody thoughts, and if we want to


understand action in the past, then we must think through the
reasons and epistemic premises for the action from the agent’s
perspective. Events also embody thoughts, and if we want
to understand the general character of an event in the past,

96 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 82-112 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1501
Jonas Ahlskog

then we must also reconstruct the contemporary significance


of the event for the agents themselves. Equally, artifacts also
embody thoughts, and if we want to understand an artifact –
say Hadrian’s wall running through England, which Collingwood
examined for thousands of hours through archaeological field
work – then we must reconstruct the purpose that this artifact
served for contemporary agents. In other words, human
phenomena have a constitutive relationship to “thought”, and
this is expressed by Collingwood through an allusion to F. W. J.
Schelling. Collingwood writes:

Nature consists of things distributed in space, whose intelligibility


consists merely in the way in which they are distributed, or in
the regular and determinate relations between them. History
consists of the thoughts and actions of minds, which are not only
intelligible but intelligent, intelligible to themselves, not merely
to something other than themselves […] because they contain
in themselves both sides of the knowledge-relation, they are
subject as well as object. (COLLINGWOOD 1993, p. 112).

Crucially, Collingwood is here making a distinction between


the constitutive features of two different kinds of objects of
understanding: (i) phenomena explicable from an outside
perspective and (ii) phenomena that are already forms of
intelligence and embody an understanding of themselves as
part of their very identity. The latter phenomena include not
only the narrow domains of individual human action but also
collective social phenomena at large. Unlike planetary motions
or the atoms of nuclear physics, human practices and institutions
–such as the family, property, science, art, philosophy etc –
enter the world with a conception of themselves as part of their
very constitution.

According to Collingwood, collective human phenomena are


as closely tied to thoughts as individual action is. For example,
the practices and institutions of ‘trade’, ‘money’ or ‘family’ are
what they are in virtue of the concepts and forms of thoughts
shared by the participants. The practice of ‘trade’ involves

97 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 82-112 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1501
History as Self-Knowledge

understanding the specific relations of buyer and seller, the


use of money involves thoughts about the relation between
price and value, and the sense of the notion of a ‘family’ is
not separable from particular, and historically specific, ideas
about relations of responsibility between parent and child. The
shared nature of the relevant concepts contained in human
institutions and practices are themselves constituted by the
agreement in responses and reactions in the interaction among
the agents involved. Thus, human practices and institutions
contain an internal understanding without which they would
not be the kind of human phenomena that they are. This
internal understanding is often not explicit to the participants
themselves, and historians can go beyond it in reflective
interpretations of the phenomena in question, but any study that
completely abandons the participant’s internal understanding
would simultaneously abandon the phenomena and turn into
a study of something else.2 In Collingwood’s language, this is 2 - The most well-known
and penetrating discussion
to say that ‘mind’ is an irreducible element in every part of of these issues is to be fou-
the subject matter of history, from actions to institutions and nd in Peter Winch’s work
which is, in this respect,
cultural practices. a direct continuation of
Collingwood’s philosophy
The elaboration above should clarify the meaning in of history.

Collingwood’s famous claim, that all history is the history of


thought. However, that claim will naturally lead to another
question: what does it mean to understand thought? On
Collingwood’s account, such understanding is only possible by
re-thinking past thoughts for oneself: “one can only apprehend
a thought by thinking it, and apprehend a past thought by
re-thinking it.” (COLLINGWOOD 1999, p. 223). As the quote
implies, Collingwood does not assume that there is any peculiar
problem in understanding past thought in contrast to present
thought. Collingwood writes:

If it is by historical thinking that we re-think and so rediscover


the thought of Hammurabi or Solon, it is in the same way that
we discover the thought of a friend who writes us a letter, or a
stranger who crosses the street. (COLLINGWOOD 1993, p. 219).

98 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 82-112 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1501
Jonas Ahlskog

Collingwood puts great emphasis on the idea that we must


re-think the very same thought of the agent and not merely
something similar, our re-thought thought cannot simply be a
good copy. This might sound very contradictory: for is not my
thought always embedded in my own historical condition, i.e.
tied to a specific context of other thoughts and emotions, even
if I may do my utmost to reconstruct the historical world of
thoughts in which the original thought belongs. Furthermore,
can it really be the very same thought if I am the one thinking
it? For unless I literally become someone else, then it seems
that our thoughts must at least be numerically distinct. I cannot
become Hammurabi merely through mind power, so to speak.

Still, these very objections are addressed by Collingwood


as examples of a misunderstanding of the question at issue.
To clarify his argument, Collingwood distinguishes between
the immediacy of thought and thought in mediation. In its
immediacy, thought is individual and idiosyncratic; it occurs
3 - For discussions and
“at a certain time, and in a certain context of other acts of refutations of the usual cri-
thought, emotions, sensations, and so forth.” (COLLINGWOOD tique, see (D’ORO 2000; SA-
ARI 1984; VAN DER DUS-
1993, p. 297). Thought in this sense cannot be re-enacted, SEN 2016).
but Collingwood also argues: “an act of thought, in addition
to actually happening, is capable of sustaining itself and being
revived or repeated without loss of its identity.” (COLLINGWOOD
1993, p. 300). This aspect of thought is its propositional
content, which is what Collingwood calls thought in mediation,
and viewed under this aspect thought is not confined within
time. The mediacy of past thought can, therefore, be re-thought
without loss of identity in the mind of the historian.

Unsurprisingly, this is the most controversial part of


Collingwood’s concept of understanding thought.3 However, I do
think there is a rather simple way of explaining the basic point
Collingwood wants to express. Collingwood’s basic claim is that
historical research has the possibility to uncover conceptual
relations in the past without at the same time altering these
relations merely by understanding them. For instance, using
Collingwood’s example, which was very typical for his time:

99 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 82-112 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1501
History as Self-Knowledge

Caesar’s crossing of the Rubicon (COLLINGWOOD 1993, p.


213). What did the crossing mean? Well, the basic thought
embodied in the event is that the Crossing the Rubicon with
troops constituted an infringement of Republican law in the
days of Caesar. This thought is accessible to us in virtue of
our ability to understand what Roman republican law involved.
There is a conceptual relation between ‘crossing the Rubicon
with troops’ and ‘violating republican law’ that it is possible for
us to understand in the same sense as contemporary witnesses
did.

If one thinks Collingwood’s example of Caesar is hopelessly


dated, then consider Russia’s seizing of three Ukrainian vessels
in the Kerch Strait on November 25th 2018.4 The Ukrainian and
the UN condemned Russia’s attack as a violation of Ukranian
waters. It is possible that this event will be interpreted, by
future historians, as the cause of a third world conflict. But
that the seizing of the boats on Ukrainian territorial waters
constitutes a violation of an agreement is not the kind of
4 - I owe this example to
consideration that needs to await the verdict of time and Giuseppina D’Oro.
retrospective interpretation. For it is entailed by the terms
of the Russian-Ukrainian treaty that the seizing of the boats
constitutes an act of aggression. This is a conceptual claim
that is true come what may and cannot be empirically verified
or falsified by the future course of events. Collingwood’s claim
is that re-thinking such conceptual relations is possible from
whatever time and place we now happen to occupy, and that
when historians engage in such rethinking they also come to
understand the conceptual relations – or “thought” – in the
same sense that contemporary agents did. For Collingwood,
understanding conceptual relations from the perspective of
historical agents is to uncover the historical past.

Still, what if the critic now objects: rethinking cannot


apprehend the conceptual relations of the target actions or
events as they always were for the agents, for the objects
of understanding are inevitably transformed by the historian’s
own categories and ways of thinking. Collingwood would partly

100 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 82-112 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1501
Jonas Ahlskog

agree with this objection and he stresses that rethinking is


a critical reflection from the historian’s own position in time.
Collingwood also acknowledges that this critical aspect means
that “to re-enact [conceptual relations or ‘thought’ in] the
past in the present is to re-enact it in a context which gives
it a new quality.” (COLLINGWOOD 1993, p. 447). However,
Collingwood still claims that apprehending conceptual relations
through re-thinking is not merely the creation of meaning
through the historian’s own categories, but a process that
apprehends qualities belonging to the conceptual relations or
thoughts themselves. Why? Why not simply say that historical
understanding is an endlessly creative process in which
whatever meaning we ‘discover’ is merely the product of our
own concepts and standards of intelligibility. Well, sometimes
this is indeed the case, for instance in ‘Whig History’, but the
important question is whether there is even the logical possibility
of apprehending conceptual relations as they appeared for
the agents themselves. Collingwood’s argument for this is
a negative one: he does not offer proof for the existence of
such a possibility. Instead, Collingwood invites us to imagine
what denying that possibility would involve for the prospect of
interpersonal communication in general.

Denying the possibility of having the same thoughts as others


will get us, according to Collingwood, into severe problems
about the very possibility of understanding the speech and
action of other people at a very basic level. Because to deny
that our thoughts can be the same implies the supposition that
even the content of thought is always only a function of its
context. Such a denial would, for example, also mean that we
cannot really argue or discuss with each other at all. For what
would I “agree with” or “oppose” if the thought that you are
expressing in a discussion is always actually different from my
understanding of what you are saying? After all, your thought
is a mere product of your own particular context, and your
context can never be mine as long as I am not you. Alas, we
are doomed by the contextuality of thought to forever talk past
each other. This is the reason why Collingwood claimed that

101 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 82-112 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1501
History as Self-Knowledge

the possibility of having identical thoughts could be denied only


at the cost of solipsism. (COLLINGWOOD 1993, p. 288-289).

According to Collingwood, the identity of thought is a


logical demand for the very possibility of understanding human
actions and events. If our re-thought thought is not the same
but different, then this means that we have not succeed in
identifying what kind of human phenomenon we are dealing
with. For think about how we understand movements and
behavior as expressions of action. One action is, by definition,
differentiated from another on the basis of the thought it
embodies, so it is simply nonsense to claim that I understand
what someone is doing or saying without also understanding
what thoughts they are expressing. For example: how do we
differentiate in lecture halls between a person who wants to
pose a question and the person who is pointing at a broken light
bulb, if we can never have access to the same thoughts that
their movements embody? Differently put: without rethinking 5 - Those that doubt the
critical potential of such his-
the same thought, we will not able to discriminate between torical questions should, for
actions. Such discrimination and rethinking is, of course, example, read Jason Tebbe’s
(2016) short piece on ”Twen-
something that we constantly do both in our everyday lives ty-First Century Victorians”.
and in historical research. A testimony to its success is the
fact that we do not have constant and insoluble problems with
understanding what other people say and do.

Historical understanding as work on oneself


What does all of this mean for the idea of history as self-
knowledge? Well, it means, for Collingwood, that reflective self-
knowledge from history will only be possible if re-enactment is
possible. For it is only by rethinking the thought embodied in
past actions, institutions and traditions, that we will be able
to investigate whether the ideals of previous epochs are still
with us. Are the morals or the family ideals of the Victorians’
still shaping our present ways of being together with other
people?5 Nothing but re-enactive understanding will possibly
tell us the answer. For it is only through re-enactment that we
will be able to identify the “thought” or historical sense of past

102 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 82-112 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1501
Jonas Ahlskog

human phenomena, which is the identity of the historical past.


In addition, every question about whether ways of thinking in
the past are still part of our self-understanding today, must
presuppose that we can identify what kind of thoughts we
are dealing with. Otherwise, we would not even be able to
discriminate between the kinds of concepts and ways of thinking
that we consider foreign and those that we consider integral to
our own time and place.

This idea comes with clear practical consequences. By


rethinking past thought we will be able to discover the ways
in which the past lives on, and only by this discovery can our
lives, as Collingwood solemnly puts it: be “raised to a higher
potential.” (COLLINGWOOD 2013, p. 106). This is Collingwood’s
way of saying that the historical past that historical research
articulates is necessary for living a responsible life. The past
is included in the present and this entails that our entire form
of life – all of our distinct ways of acting, thinking, reacting,
behaving and so forth – are already products of a historical
process. Human beings do not merely have a history, they are
their history. However, engaging with historical research is, of
course, no guarantee that we are discovering the living past
and not merely perpetuating our own prejudices.

Jacques Austerlitz studies in the history of architecture


display the ever-present possibility of self-deception. This
was evident to Austerlitz himself when he confessed that: “if
some dangerous piece of information came my way despite
all my precautions, as it inevitably did, I was clearly capable
of closing my eyes and ears to it, of simply forgetting it
like any other unpleasantness.” (SEBALD 2011, p. 141).
This tells us, in philosophical terms, that the relation between
historical understanding and self-knowledge is necessary, but
not sufficient. To engage in an historical investigation does
not automatically entail that one is challenging one’s own
self-understanding. On the contrary, as Austerlitz himself
later observes, his research into the history of architecture
functioned as kind of surrogate, a compensatory memory,

103 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 82-112 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1501
History as Self-Knowledge

for the knowledge that he was hiding from himself. We may


deceive ourselves in historical research as much as in any form
of human activity.

However, one thing is certain: it is only by doing history, in


the Collingwoodian sense of that term, that there is even the
possibility of becoming aware of how we are conditioned and
moved by the past. This necessity stems from the fact that it is
only through a conscientious historical investigation that one is
given as much as the opportunity to analyze the ways in which
our past conditions the self-knowledge we think that we have.
Collingwood, therefore, rightly stresses that his idea of history
is a form of self-knowledge. As Collingwood writes:

If what the historian knows is past thoughts, and if he knows them


by re-thinking them himself, it follows that the knowledge he
achieves by historical inquiry is not knowledge of his situation as
opposed to knowledge of himself, it is knowledge of his situation
which is at the same time knowledge of himself. In re-thinking
what somebody else thought, he thinks it himself. In knowing
that somebody else thought it, he knows that he himself is able
to think it. And finding out what he is able to do is finding out
what kind of man he is. (COLLINGWOOD 2013, p. 114-115).

In this quote, Collingwood offers a picture of historical


understanding as work on oneself about what one can render
intelligible. From this perspective, it is not difficult to see
that historical understanding will be indispensable for anyone
who cares to have an honest and responsible understanding
of themselves. In contrast, many forms of knowledge do not
have a necessary relation to our self-understanding – I may
live responsibly and honestly without, say, knowledge about
physics, mechanics or biology. This is not the case with inquiries
relating to self-knowledge, because without self-knowledge
I will never know if my ideas about, say, the ‘true’ and the
‘good’ are mere products of my own fears, pettiness or selfish
interests. Similarly, without historical understanding I will never
know whether I am living responsibly or merely following habits
of thought and action inherited from previous generations.

104 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 82-112 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1501
Jonas Ahlskog

Discovering the living past through the re-enactment of past


thought is, therefore, a precondition for anything worthy of the
name of self-knowledge. In relation to these issues, Collingwood
speaks of his idea of history as standing “in the closest possible
relation to practical life.” (COLLINGWOOD 2013, p. 106).

It should also be clear that Collingwood neither wants,


nor can, develop a method for solving problems of historical
understanding. Re-enactment is not a universal method
for discovering the past as it always was. The reason is, of
course, that re-enactment within historical understanding,
similar to interpersonal understanding in general, is a process
in which the individual subject tries out whether they can
indeed rethink, and thereby discover, the thoughts that other
human phenomena embody. In other words, the sense-making
processes of historical research are inherently personal. Given
that the individual subject itself features as an integral part of
the process, there can naturally be no general methodological
solutions for untangling seemingly incomprehensible human
phenomena. On the other hand, our failures to understand will
equally provide material for analysis: for what we after self-
scrutiny still consider incomprehensible will show us as much
about where we stand as cases in which understanding runs
smoothly.

History is, therefore, as Collingwood famously


claimed, “the only way in which man can know himself.”
(COLLINGWOOD 2005, p. 180). The reason should now be
clear: one can only achieve a reflective self-understanding
through contrasts with the forms of otherness created through
historical research. As my discussion has shown, Collingwood
thought that it is, in principle, always possible to discover
otherness in the realm of meaning. Yet, we may often shun
away from doing so, which Austerlitz also did for most of his
life, due to the fact that discovering otherness may tell us things
about ourselves that we do not want to know. But it is still only
this realization, about the interconnectedness of reflective self-
understanding and the discovery of otherness in history, that

105 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 82-112 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1501
History as Self-Knowledge

will, according to Collingwood, put us in “a position to obey


the oracular precept ‘know thyself’, and to reap the benefits
that only such obedience could confer.” (COLLINGWOOD 2013,
p. 116).

Still, even if we grant that history is existentially relevant


as a form of self-knowledge, then this does not mean that
we have reached a stable resting place for the subject. Quite
the contrary, the examined life of historical research involves
the subject in a spiral towards depths without ever touching
unmovable ground. This was also how the story of Austerlitz
ends. Sebald writes:

When we took leave of each other outside the railway station,


Austerlitz gave me an envelope which he had with him and which
contained the photograph from the theatrical archives in Prague,
as a memento, he said, for he told me that he was now about to
go to Paris to search for traces of his father’s last movements,
and to transport himself back to the time when he too had lived
there, in one way feeling liberated from the false pretences of his
English life, but in another oppressed by the vague sense that he
did not belong in this city either, or indeed anywhere else in the
world. (SEBALD 2011, p. 253-254).

The most important pointer of this quote is that the self-


knowledge of history tells the subject not who they always were.
Instead, the process of research is one in which the subject is
constantly made and re-made in relation to the questions that
they pose and the results that they achieve. This gives more
currency to Hayden White’s well-known dictum that historical
knowledge is a form of “maker’s knowledge”, as he calls it.
White writes:

Historical knowledge, in short, is human self-knowledge and


especially knowledge of how human beings make themselves
through knowing themselves and come to know themselves in
the process of making themselves. (WHITE 2010, p. 266).

106 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 82-112 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1501
Jonas Ahlskog

I agree, but this claim cannot stand by itself. For as I


showed in this essay, history can only be coherently imagined
as a form of self-knowledge if we also allow for an essentially
Collingwoodian idea of historical understanding, and this idea
is centrally premised on the (logical) possibility of rethinking
conceptual relations in the past as they appeared from the
agent’s perspective. In other words, historical understanding
and self-understanding are two sides of a coin, so there is no
way of having one without the other. Nonetheless, the issue
of history and self-knowledge points towards underexplored
similarities between White and Collingwood that would deserve
further attention. In contrast with the recent turn towards
‘experience’ and ‘presence’, both Collingwood and White claim
that history can only be understood within and not beyond
human realms of meaning.

Conclusion
In this essay, I have explored the personal dimension of
the historical past from two different perspectives. Firstly,
I addressed questions about whether there is a personal
dimension to the historical past from the perspective of the
individual. This a question about the personal that highlights
the existential and ethical relevance of understanding the past
by the methods of history. I articulated the personal dimension
of history by revisiting the problematic of the historical past in
Sebald’s Austerlitz. The purpose of this literary illustration was
showing that, for Jacques Austerlitz, the distinction between
practical and the historical past collapsed in his efforts to
understand the history of 20th century European architecture.
This entanglement was explained by the potential overlap
between practice and history from the perspective of the
individual subject: one may explore historically exactly that
which connects directly with what one represses in one’s
practical image of the past. This entanglement is, as I argued,
an important existential aspect of Austerlitz that both Runia and
White neglect in their respective interpretations of that book.

107 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 82-112 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1501
History as Self-Knowledge

However, I argued that the entanglement between historical


and practical past, from the perspective of the individual, is
not necessary but contingent upon the interests and situations
of particular, historically placed or displaced subjects. In other
words, from the perspective of the individual, the historical
past is only contingently personal.

Secondly, the essay explored conceptual connections


between the idea of a historical past and the pursuit of human
self-knowledge. In this part of the essay, I was interested
in conceptual relations between historical understanding on
the one hand, and the possibility of self-understanding for
historically-situated subjects on the other. In contrast with
the first part of the essay, these sections address not merely
contingent, empirical overlaps between the personal and the
historical past, but logical questions about whether there is
a personal dimension included in the very idea of historical
understanding. For answering this question about conceptual
relations, I revisited Collingwood’s idea of history as self-
knowledge through a detailed elaboration of the ways in which
Collingwood’s idea connects with a comprehensive view
about the nature of historical research. The presentation of
Collingwood’s view aimed to offer an account of the ways in
which even the most basic efforts to render actions and events
intelligible in historical research involves a personal dimension.
However, I showed that Collingwood’s view presupposes the
logical possibility of rethinking conceptual relations in the past
without at the same time altering them. I offered a brief defense
of Collingwood by showing the consequences of denying the
possibility of such rethinking for the possibility of interpersonal
communication. The aim of the latter part of the essay was not
to demonstrate that Collingwood’s view is right, but to elucidate
the conceptual connection between historical understanding
and reflective self-understanding.

What is the connection between the two parts of the essay?


The most significant connection is one about the delineation
of different kinds of possibilities of personal relevance for

108 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 82-112 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1501
Jonas Ahlskog

the historical past. The first part of the essay shows that the
potential for the historical past to inform an individual person’s
self-understanding, and thereby have personal relevance, is
dependent on the will. This is not a matter of simple choice,
but a question about resoluteness in the face of uncomfortable
historical subject matters. Thus, it is a matter for the will in the
sense that one must struggle against one’s own inclinations
to avoid historical investigations that are in conflict with one’s
present self-image – this inclination defeated Jacques Austerlitz.
In the second part of the essay, the delineation of possibilities
for personal relevance went beyond issues pertaining to the
will in order to articulate the sense in which there is, so to
speak, an existential dimension built into the very idea of
understanding the past historically, i.e. the historical past. This
conceptual dimension was articulated by an assessment of how
historical understanding offers a self-reflective understanding
of the contemporary categories and standards of intelligibility
of the historian.

The central conclusion of my conceptual discussion is one


about the ways in which the idea of history as self-knowledge,
and thereby as a certain kind of personal relevance, is dependent
on the possibility of re-enactment, which Collingwood saw as
the core of the idea of a historical past. If re-enactment of
the “thought” or sense of historical actions and events was
impossible, then there can be no historical contrasts against
which historically-situated subjects can achieve a critical
and reflective self-understanding. However, I also showed
that the very idea of re-enactment relates to Collingwood’s
comprehensive views about the proper subject matter of
historical research. In this respect, the essay shows that the
personal dimension of the historical past is not an isolated
issue, but connects inevitably with one’s general account of the
nature of history and the conditions of possibility for historical
understanding. Thus, the essay tells the reader not what kind
of conception of history they should choose, but articulates
the kinds of existential relevance that the different views of
history can possibly have. If historical understanding consists

109 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 82-112 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1501
History as Self-Knowledge

merely of arbitrary projections of our present categories on


the blank screen of an unknown past, then history can only be
existentially relevant as a peculiar psychological phenomenon.
However, if historical understanding has the possibility of
discovering otherness in the past, as Collingwood thought,
then the historical past will be existentially relevant for anyone
who cares to have an honest and reflective self-understanding.

REFERENCE

ANKERSMIT, F. R. Sublime Historical Experience.


Stanford: Stanford University Press, 2005.

BARASH, Jeffrey Andrew. Collective Memory & the


Historical Past. Chicago & London: The University of
Chicago Press, 2016.

COLLINGWOOD, R. G. Some Perplexities about Time: With


an Attempted Solution. Proceedings of the Aristotelian
Society, v. 26, p. 135-150, 1926.

COLLINGWOOD, R. G. The Idea of History. Edited by Jan


Van Der Dussen. Oxford: Oxford University Press, 1993.

COLLINGWOOD, R. G. The Principles of History and


Other Writings in Philosophy of History, Edited by
W. H. Dray and W. J. van der Dussen. Oxford: Oxford
University Press, 1999.

COLLINGWOOD, R. G. The Philosophy of Enchantment:


Studies in Folktale, Cultural Criticism, and Anthropology.
Edited by D. Boucher, W. James & P. Smallwood. Oxford:
Oxford University Press, 2005.

COLLINGWOOD, R. G. An Autobiography and Other


Writings. Edited by D. Boucher and T. Smith. Oxford:
Oxford University Press, 2013.

110 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 82-112 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1501
Jonas Ahlskog

D’ORO, Giuseppina. Collingwood on the Re-enactment


and Identity of Thought. Journal of the History of
Philosophy, v. 38, n.1, p. 87-101, 2000.

HEGEL, G. W. F. Introduction to The Philosophy of


History: with selections from The Philosophy of Right.
Translated by Leo Rauch. Indianapolis & Cambridge:
Hackett Publishing Company, 1998.

KOBAYASHI, Chinatsu; MARION, Mathieu. Gadamer and


Collingwood on Temporal Distance and Understanding.
History and Theory, v. 50, n. 4. p. 81–103, 2011.

OAKESHOTT, Michael. Experience and Its Modes.


Cambridge: Cambridge University Press, 1933.

OAKESHOTT, Michael. On History and Other Essays.


Oxford: Basil Blackwell, 1983.

OAKESHOTT, Michael. Rationalism in Politics and Other


Essays. Indianapolis, IN: Liberty Fund, 1991.

RUNIA, Eelco. Moved by the Past: Discontinuity and


Historical Mutation. New York: Columbia University Press,
2014.

SAARI, Heikki. Re-enactment: A Study in R. G.


Collingwood’s Philosophy of History. Åbo: Åbo Akademi
University, 1984.

SEBALD, W.G. Austerlitz. Translated by Anthea Bell. New


York: Modern Library, 2011.

TEBBE, Jason. Twenty-First Century Victorians. Jacobin,


31 Oct 2016. Available at: https://www.jacobinmag.
com/2016/10/victorian-values-fitness-organic-wealth-
parenthood/. Accessed: 9 Dec 2019.

VAN DER DUSSEN, Jan. Studies on Collingwood, History


and Civilization. Cham: Springer, 2016.

111 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 82-112 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1501
History as Self-Knowledge

WHITE, Hayden. Northrop Frye’s Place in Contemporary


Cultural Studies. In: DORAN, Robert (ed.). The Fiction
of Narrative: Essays on History, Literature, and Theory,
1957–2007. Baltimore: Johns Hopkins University Press,
2010, p. 263–272.

WHITE, HAYDEN. The Practical Past. Evanston, IL:


Northwestern University Press, 2014.

WINCH, Peter. Ethics and Action. London: Routledge,


1972.

ACKNOWLEDGMENT AND INFORMATION

Jonas Ahlskog
jonahlsk@abo.fi
Åbo Akademi University
Finland

Portuguese title and abstract translated by Guilherme


Bianchi.

RECEIVED IN: 18/JUNE/2019 | APPROVED IN: 29/OUT./2019

112 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 82-112 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1501
HISTÓRIA DA Ouro Preto / MG - Brasil

HISTORIOGRAFIA

Emotions in Historiography: The Case of the Early


Twentieth-Century Finnish Community of Historians
Emoções na historiografia: o caso da comunidade finlandesa
de historiadores do início do século XX

Marja Jalava
https://orcid.org/0000-0002-3685-8506

ABSTRACT

This article focuses on the emotional dimensions of


academic historical work within the early twentieth- RESUMO
century Finnish community of historians. Its starting point
is the inextricable intertwining of reason and emotion – Este artigo se enfoca nas dimensões emocionais do

a premise that is today accepted across disciplines. As trabalho histórico acadêmico dentro da comunidade

the cognitive and the affective are interdependent in the de historiadores finlandeses do início do século XX.

production of knowledge, the formation of judgements Seu ponto de partida é o entrelaçamento inextricável

and the making of meaning, emotions lie at the core of entre razão e emoção - uma premissa hoje aceita em

historians’ scholarly practices and the construction of the várias disciplinas. Como o cognitivo e o afetivo são

scholarly self. By discovering four main types of feeling- interdependentes na produção do conhecimento, na

thinking processes that are common in historical work, formação de julgamentos e na criação de significado,

the article argues that emotions not only make history as emoções estão no cerne das práticas acadêmicas

personal, but also make it meaningful in the first place. dos historiadores e na construção do eu acadêmico.

On the theoretical level, the analysis leans on the insights Ao apontar para quatro tipos principais de processos

of Maurice Merleau-Ponty, makes use of readings of de pensar e sentir, feeling-thinking processes, que são

Mark Johnson’s and James M. Jasper’s work and exploits comuns no trabalho histórico, o artigo argumenta que

the concept of the relational self of the historians Mary as emoções não apenas tornam a história algo pessoal,

Fulbrook and Ulinka Rublack. mas também a tornam significativa em primeiro lugar.
No nível teórico, a análise se apoia nas ideias de Maurice
Merleau-Ponty; faz uso das leituras dos trabalhos de
Mark Johnson e James M. Jasper; e explora o conceito de
“eu relacional” dos historiadores Mary Fulbrook e Ulinka
Rublack.

KEYWORDS
Historiography; Historians; Nationalism

PALAVRAS-CHAVE
Historiografia; Historiadores; Nacionalismo

113 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 113-143 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1515
Marja Jalava

Introduction
Science studies has acknowledged for a relatively long
time that science is an activity in which the whole person of
the scientist participates. Far from being walking dictionaries
who simply understand paradigms, theories and concepts
cognitively, scientists are embodied creatures of the flesh
who ‘feel their way’ through the world. Thus, even the most
abstract conceptual meanings arise from scientists’ visceral,
purposive engagement with the world, a fact which places
emotions at the heart of their capacity to conceptualise,
reason and imagine (e.g. DASTON 1995; BARBALET 2002).
While not claiming that science is ultimately a form of
emotionally grounded belief, this does posit that even a high
degree of emotional control nevertheless allows of a certain
practice-specific emotional style learned as a part of scientific
training (see also BODDICE 2018, p. 85–87). As the historian of
science Paul WHITE (2009a, p. 796; 2009b, p. 826) suggests,
we can conceive objectivity to be a form of engagement in
which a series of practices serves to discipline, display and
transmute emotions in different ways in order to construct the
modern scientific self.

On the other hand, historians of historiography (including


both historical inquiry and history writing) still tend to avoid
entering the uncertain ground of emotions in the study of
their ‘craft’. Even research that explicitly focuses on historians’
scholarly personae, standards and epistemic values bypasses
the role of emotions (e.g. PAUL 2011; 2014), thereby revealing
a rather intellectualised approach to historiography. This should
not be a surprise: after all, ever since the establishment of history
as a modern academic discipline, there has been a remarkably
enduring demand among professional historians to purge
themselves of any external loyalties and swear their primary
allegiance to ‘the objective historical truth’, which the historian
Peter NOVICK (1998, p. 2) defines as ‘the founding myth’ of the
historians’ disciplinary community. This horror of ‘irrationalism’
has relied on a stark opposition between reason and emotion.

114 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 113-143 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1515
Emotions in Historiography

Previous research (e.g. NOVICK 1998, p. 40–46; SMITH


1998, Ch. 4–5; BENTLEY 2013, p. 11–12, 19–20; PLAMPER
2015, p. 290–292) has explained this deep-rooted dualism
by the fact that the professionalisation and academisation of
historical scholarship took place in the nineteenth century in
a deliberate reaction against romantic history writing carried
out by gentleman scholars, female amateurs and historical
novelists. In order to overcome unprofessional, supposedly
feminine, sentiment and to become a proper ‘science’, the
pioneers of the modern discipline of history centred around the
source-critical study (Quellenkritik) of primary sources, which
worked to depersonalise and even ‘extinguish,’ the self of the
professional (male) historian.

Despite its various formulations, functions and purposes


in different professional contexts, detached empiricism
and objectivism have arguably remained dominant
epistemological undercurrents in academic historiography
(NOVICK 1998, p. 2–3; RAPHAEL 2013, p. 31). Consequently,
notwithstanding bourgeoning research on the history of emotions,
the emotional landscape of modern historical scholarship
remains a largely unexplored area. The few publications on
the subject have focused on nineteenth-century historiography
(e.g. SMITH 1998; SAXER 2008; BAÁR 2010; MÜLLER 2010)
or the self-reflection of the historian’s own emotions in
archival work (e.g. FARGE 1989; DEVER, NEWMAN & VICKERY
2009; ROBINSON 2010), often in relation to exceptionally
disturbing phenomena like the Holocaust (e.g. LACAPRA 2001;
SHORE 2014). The lack of reflection on emotions in
historical work in general still sustains the depersonalised
and hyperrational understanding of historical scholarship. It
reproduces the pervasive (but incorrect) dualism of the Western
way of thinking, which separates rationality from emotions, the
social from the individual, culture from nature, mind from body,
and so on (e.g. CALHOUN 2001, p. 48–53).

In this article, I focus on the emotional dimensions of


academic historical work within the early twentieth-century

115 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 113-143 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1515
Marja Jalava

Finnish community of historians. My starting point is the


inextricable intertwining of reason and emotion – a premise
that is today generally accepted across disciplines (see, e.g.,
JOHNSON 2007; WHITE 2009a; FELDMAN BARRET 2017).
As the cognitive and the affective are interdependent in the
production of knowledge, the formation of judgements and
the making of meaning, emotions obviously lie at the core of
both the scholarly practices and the personae of historians.
Emotions not only make history personal, they also make
it meaningful in the first place. As the sociologist James M.
JASPER (2018, p. 166) suggests, objects, actions, persons,
artefacts and phenomena ‘mean’ something to us because of
how they make us feel. Thus, I analyse the ways in which
historians’ emotional processes have been intertwined into
their scholarly activities and practices and how their emotions
have been shaped and changed in relation both to the scholarly
community and to a broader historical context. I pay special
attention to the role of emotions in the construction of scholarly
masculine selfhood. The academic historical community has
recruited most of its members from males of the educated
middle class so that as late as the 1980s women represented
just over 17 per cent of the total number of academic historians
in Europe (O’DOWN 2012, p. 353). Therefore, it is essential
to approach modern historical scholarship as an affective
gendered practice (see also BODDICE 2018, p. 95).

As my empirical source material, I use letters that a


Finnish PhD student of history wrote between May 1909 and
September 1918 to his senior colleague, Gunnar Suolahti, who
at that time was already an established historian and, from
1918 onwards, a professor of Finnish History. These letters are
a part of Gunnar Suolahti’s Letter Collection (File 37), which is
kept in the Suolahti Family Archives in the National Archives
of Finland, Helsinki. The letters contain sensitive information
about the PhD student’s mental problems, so I here use only
the initials of his first and family names, A.T., in order to protect
his privacy and personal integrity. As it is the case with most
archived letters (see STANLEY 2004, p. 202, 210–211), those

116 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 113-143 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1515
Emotions in Historiography

that I study in this article represent only one side of a reciprocal


process of correspondence. In other words, a crucial feature of
these letters is their turn-taking and reciprocity – they are a
communication and an exchange between two persons, not
a monologue. However, what is extant after about a hundred
years is only one side’s perspective on this interrelationship,
which originally shaped both parties.

Nevertheless, these one-sided components of the


correspondence still allow us to study the relational construction
of selfhood and the emotional processes involved in the making
of historiography that had an influence on both the personal and
the collective. In this respect, it is also worth emphasising that
in my previous studies I have explored the writings, published
and unpublished, of dozens of academic historians both in
Finland and abroad (see, e.g., JALAVA 2014; 2017; 2019),
and thus my interpretations and generalisations are informed
by significantly more general reading and relevant knowledge
than just a collection of A.T.’s extant letters. For scholarly
purposes, however, what makes A.T.’s letters so rewarding
an object of study is the fact that he was a relatively recent
arrival in academia. Therefore, he articulated certain tacit
rules and practices of feeling more outspokenly than his senior
colleagues, for whom the depersonalised and highly controlled
emotional style cherished by professional male historians had
already become an habitual emotional disposition (see also
BLOCH 2002, p. 120–122; BURKITT 2002, p. 163–164).

In the following, I first discuss briefly the theoretical and


methodological underpinnings of my approach, focusing on
the concepts of emotion, feeling and the relational self. I base
my interpretation on the philosophical insights of Maurice
MERLEAU-PONTY (1996 [1945]), drawing on readings of the
philosopher Mark JOHNSON (2007) and the sociologist James
M. JASPER (2018) and exploiting the concept of the relational
self of the historians Mary FULBROOK and Ulinka RUBLACK
(2010). Generally, when referring to theory in this article, I
use it in a heuristic sense in order to expand the conceptual

117 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 113-143 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1515
Marja Jalava

framework of what can become an object of analysis in the


history of historiography (cf. RECKWITZ 2012, p. 243). I present
my analysis in two sections, beginning with the intertwining
of emotions in the scholarly community of early twentieth-
century Finnish historians with a broader historical context
and continuing by examining emotional processes that were
characteristic of historical scholarship. Finally, I close with a
summary of my main findings.

Shaping Emotions and the Self in Letters


Until recently, academic discussion on emotions has,
broadly speaking, revolved around two poles: universalism/
biological reductionism and social constructivism. The former
has assumed that emotions have a uniform and non-cultural
core in the biological body. By contrast, the latter has argued
that people from different cultures and historical periods have
radically different emotions because the human self and its
relation to society are constructed by cultural discourses, which
are not given and are, therefore, endlessly malleable (REDDY
2001, p. 94–111; PLAMPER 2015, p. 98–102). Consequently,
historical research has been stuck between the supposedly
authentic, inner ‘true feelings’ and the culturally constructed
outer representations that it is assumed are never able to capture
the ineffable, felt emotional experience. In psychohistory, which
preceded the current history of emotions, the emphasis was on
an allegedly universal psyche with its ahistorical drives and
internal dynamics. Most contemporary historians of emotions,
on the other hand, have been keen to insist that we can only
study the outer displays and representations that humans
have given to their emotions in the past. However, this implies
a version of social constructionism that threatens to lose
touch with the bodily dimension of emotions (PLAMPER 2015,
p. 49–59; BODDICE 2018, p. 29–32; JASPER 2018, p. 11).

To open up a new horizon in the history of emotions, it


is essential to break down the emotion/reason dualism, along
with its attendant representationalist theory of mind, which

118 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 113-143 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1515
Emotions in Historiography

presupposes an ontological and epistemological gap between


body and mind as well as between percepts and concepts
(JOHNSON 2007, p. 87). Leaning on the insights of Maurice
Merleau-Ponty’s phenomenology, I thus take as my starting
point a body-based intersubjectivity that is constitutive
of our being-in-the-world. According to MERLEAU-PONTY
(1996 [1945], p. 347–348, 360–362), human subjectivity
is always embodied and inhabits a particular location. This
means that all our thoughts, feelings and actions take place
in and through our bodies, which, in turn, constantly engage
with other mindful bodies as well as with our physical and
social contexts and environments (see also BURKITT 2002,
p. 152–153; JOHNSON 2007, p. 51; JASPER 2018, p. 21–24).
From this perspective, it is possible to recognise the many
forms of ‘feeling-thinking’ on the continuum linking them, from
the most abstract ideas to the most gut-level reactions, as well
as a variety of nonconscious processes, such as biochemical
changes, which all reflect a constant flow of signals flowing
through our bodies (JASPER 2018, p. 19–21).

As JASPER (2018, p. 3–5) points out, in addition to the


emotion/reason dualism, a problem in the study of emotions
is the homogenisation of the general term ‘emotion.’ To
begin with, it is useful to distinguish the term ‘affect’ from
‘emotion’ and ‘feeling.’ The former can be understood in
a broader sense as something that affects or is affected,
whereas emotions and feelings are a sub-category of affects,
referring to those feeling-thinking processes of which we are
or can become conscious (FOX & ALLDRED 2017, p. 119–120).
In standard English usage, ‘feeling’ is closer to the bodily
symptoms and ‘emotion’ closer to the verbal label, but in
practice, these distinctions are often blurred (JASPER 2018,
p. 25–26). For the purposes of empirical analysis, JASPER
(2018, p. 4–5) has developed a simple typology of five types
of feelings and emotions. It includes reflex emotions (quick
responses to our immediate environment, such as anger,
surprise and shock); urges (strong bodily impulses, such as
lust, hunger and substance addiction); moods (energising

119 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 113-143 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1515
Marja Jalava

or de-energising feelings that lack a direct object); affective


commitments (relatively long-time attachments or aversions
to other people, ideas, objects and places); and, finally, moral
emotions (approval and disapproval of our own and others’
actions).

Just as feelings and emotions cannot be explained only


in terms of discourse, neither can they be reduced to the
biological body. Although the categories, concepts and words
that we use to label our emotions and feelings are just a
part of feeling-thinking processes, they are, to cite JASPER
(2018, p. 20–21, 28), ‘singularly important because they don’t
just help us make sense of our perceptions and experiences:
they help to create them’. In other words, our interpretations and
categorisations are an essential part of how emotions happen
(see also FELDMAN BARRETT 2017, p. 86, 104). This conception
is parallel to the historian William REDDY’s (2001, p. 96–111)
well-known and widely used idea of ‘emotives’. It suggests that
the words denoting emotions and other expressions of them
have an impact on what they are supposed to refer to so that
they actually make emotions available to be experienced and
are inherent part of an experience, not something that we use
afterwards to explain what we have experienced.

The hypothesis of the embodied mind offers a methodological


way to read textual sources for traces of observable, socially
situated, embodied affective processes. It shows how emotions
and thoughts are entangled so that changes in concepts
and emotion words simultaneously arise from and affect the
material reality through bodily practices. In other words,
the categories, concepts and emotion words emerge from
and together with the material world and the social relations
around us so that ideas and cultural understandings do not
precede, but are rather helped into becoming and enabled by
the world (BOIVIN 2008, p. 46–47). Thus, it can be argued
that the interpretations that past historians have given to their
emotions in their correspondence allow us not only to study
the modification of the rules, norms, expectations, words and

120 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 113-143 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1515
Emotions in Historiography

concepts of cultural feeling that shaped their experiences, but


also to record actual ways of, and changes in, feeling (see also
SCHEER 2012, p. 212–214, 220).

That is not to say that A.T.’s letters to his senior colleague


were transparent windows into his emotional experiences. It
is important to acknowledge that the letter writer’s written
emotions have been partly defined by social expectations,
power relations and the conventions of letter writing. Since A.T.
often expresses his emotions days or weeks after the actual
experience, his letters are, to some extent, strategic pieces
that were crafted for a particular addressee for certain purposes
(see also ROPER 2010, p. 294). Similar to any other form of
historical inquiry into human actions, a study of the available
source material always mediates the mindful human bodies of
the past. As long as sources exist, however, first-person and
third-person accounts of affective practices, interpreted using
the due source criticism and historical contextualisation, can
arguably be taken as valid documents of past emotions and
feelings (SCHEER 2012, p. 217–218).

As the constant flow of our feeling-thinking processes is


comprised of varying compositions of conceptions, memories,
chemistry, muscle twitches, perceptions, and so on, we can
also understand the ‘self’ as a processual, sequential construct
that, like other feeling-thinking processes, is made from these
same elements (JASPER 2018, p. 24). In this respect, a useful
theoretical tool is the concept of the ‘relational self,’ introduced
by the historians Mary FULBROOK and Ulinka RUBLACK
(2010, p. 267–271; see also BURKITT 2002). Instead of
presuming that there has to be a ‘doer behind the deed’, they
turn the focus on the ways in which agency is itself historically
constructed, coloured and modified as a part of body-based
intersubjectivity. From this perspective, private letters and
other ‘ego documents’ can be studied for the light they shed on
persons whose selfhood and identities are shaped in relation
to the changing networks of interpersonal relations, with
the letter writer’s ‘self’ at the intersection of different sets of

121 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 113-143 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1515
Marja Jalava

often ambivalent identifications, expectations and flows. In


other words, subjectivity can be theorised as emerging from
connections and being relationally grounded, not as a consistent
ego whose supposedly ‘authentic’ inner experiences are more
or less masked in the cultural representations.

Thus, I approach the letters of the Finnish PhD student A.T. as


one of the multiple loci in which the construction of his selfhood
was emerging. In this respect, the concept of the relational self
comes theoretically close to the philosopher Judith BUTLER’s
(1999) idea of performativity, in which a person’s identity is
understood as a signifying practice based on repetition and the
possibility of a variation of that repetition. Ultimately, this idea,
too, utilises the insights of Merleau-Ponty. He called this kind of
processual selfhood ‘sedimentation’ (sédimentation), a personal
history built up through embodied habits and practices, in which
a person’s former actions generate preferences and durable
dispositions for his or her future actions, thus contributing to a
certain personal style of being-in-the-world (MERLEAU-PONTY
1996 [1945], p. 441–442, 453–456). In connection with A.T.’s
letters, Merleau-Ponty’s phenomenology also allows us to
approach the formation of scholarly masculinities as a stylistic
differentiation in the ways of being-in-the-world of male
historians. The issue at stake is the corporeal style of acting
and doing certain things, including emotions and feelings,
which traces affective gendered practices in historiographical
work back to body-based intersubjectivity.

Emotional Commitment to the Nationalist Band of


Brothers
The correspondence between the PhD student A.T.
(1887–1959) and the historian Gunnar Suolahti (1876–
1933) started in the spring of 1909. At that time, A.T. was a
22-year-old, newly wed Master of Arts, who had just begun his
doctoral studies in Finnish history at the Imperial Alexander
University of Finland (from 1918 onwards, the University of
Helsinki). Gunnar Suolahti, for his part, had defended his

122 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 113-143 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1515
Emotions in Historiography

PhD thesis in Finnish History in 1901, and in 1909, at the


age of 33 years, he was considered one of the most gifted
young historians of his generation. In May 1909, when A.T.
sent his first extant letter to Suolahti, the latter was doing
archival research at the Royal Library of Sweden in Stockholm.
Based on this letter (A.T. to G.S., May 2, 1909), it is obvious
that they already knew each other relatively well. Not only
were they both specialists in the national history of Finland, but
they also shared a common nationalist worldview and a sense
of belonging to a larger group of like-minded younger male
academics, whom A.T. described in his letter as ‘the cream of
the crop’ (parhaimmisto).

In the sociology of group formation and symbolic politics,


this kind of affective commitment to a group and its ideology
has been regarded as providing a relatively enduring personal
and collective orientation to the social and physical world
(JASPER 2018, p. 102, 117). The intertwining of emotions vis-à-
vis the scholarly community with broader nationalist sentiment
also constituted the basic framework of A.T.’s cognitions about
the past, the present and the future. In the case of all-male
groups, the term ‘band of brothers’ has been used to describe
such an attachment to a group. The term was originally used to
refer to soldiers, but it has also been applied to many political,
scholarly and intellectual groups (see PARKER & HACKETT
2012). Indeed, A.T. himself explicitly depicted the common
intellectual and scholarly activities of his and Suolahti’s in-group
using metaphors of combat (e.g. A.T. to G.S., 20 March 1910),
reflecting his intense emotional investment in their common
cause. It seems that Suolahti had actually been the first to
introduce some of these bellicose metaphors in his lost letters
to A.T., so the notions of ‘struggle’, ‘fight’ and ‘combat’ were
obviously widely shared by this band of brothers of younger
scholars.

In the case of this group, the common cause uniting


them was the cultural and linguistic Finnicisation of Finland.
Finland had been an integral part of the Kingdom of Sweden

123 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 113-143 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1515
Marja Jalava

for centuries prior to 1809, when it passed into Russian hands.


Consequently, Swedish continued to be used as the dominant
language in Finland for administrative, scholarly and literary
purposes until the late nineteenth century, and it was still at
the beginning of the twentieth century the mother tongue of
the upper classes. By contrast, Finnish was the language of
the common people, who comprised approximately 85 per
cent of the population in 1900. Hence, linguistic nationalism
had become in Finland closely interwoven with the ‘social
question,’ that is, the issue of social inequality, which had been
highlighted by popular mobilisation and the emerging working-
class movement. Although A.T. and Suolahti, like most Finnish
academic historians, were fluent in both Finnish and Swedish,
in the tense atmosphere of early twentieth-century Finland,
they considered it their overriding nationalist duty to advance
the scholarly use of Finnish in academia. As they both stood
on the conservative side of the political spectrum, they tended
to ethnicise social conflicts as the conflict between the Finnish-
speaking Finns and the Swedish-speaking, Swedish-orientated
elite, whom they considered to be non-nationals. Thus, in
order to promote national integration on a higher level, they
constantly stressed the importance of national Finnish culture
and the national ‘common good’ above sectional interests
(JALAVA 2017).

With regard to his identification with the shared interests of


the Finnish-speaking majority, A.T. experienced and expressed
a number of intense emotions in his letters to Suolahti. For
instance, he described Suolahti, himself and their like-minded
colleagues as ‘soldiers on the side of the Finnish people,’ whose
mission, ever since their childhood, had been the noble cause
of Finnishness (A.T. to G.S., 20 March 1910; for Suolahti’s
nationalist conceptions, see JALAVA 2014, p. 45–46, 52;
JALAVA 2017). This sense of group affiliation included various
strategies of boundary making, in which cognitive, emotional
and moral strands were inseparably woven together (see also
JASPER 2018, p. 105, 107). As A.T. put it,

124 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 113-143 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1515
Emotions in Historiography

So often have I spent time pondering what you [Suolahti] once


said about the satisfaction that one gets from the idea of unity
with the Finnish common people . . . Indeed, the Finnish peasant
was to be the emblem of our work! . . . In this respect, you are
an exception among so many of our compatriots (A.T. to G.S.,
May 2, 1909).

In creating an in-group (Fennoman scholars) vis-à-


vis an out-group (Swedish-speakers, cosmopolitan liberals
and otherwise shallow and morally deficient academics)
and positioning himself on the positive side of this paired
opposition, he was simultaneously careful in his formulations
to express emotions of admiration and respect for Suolahti
and other senior male members of the Finnish-speaking
intellectual circles in which he moved. As he was eleven years
younger than Suolahti, he presented himself as a humble
devotee of his senior colleague, a novice who had so much
to learn from his ‘dear older brother’ Gunnar (see, e.g., A.T.
to G.S., 15 March 1910 and 20 March 1910). The salutation
of ‘Dear brother’ (hyvä veli) at the beginning of a personal
letter was at the time an established convention, but nationalists
also deliberately borrowed their rhetorical frames from the
language of kinship. The use of family metaphors resonated
emotionally with, and lent itself to, building the shared collective
identity of the band of brothers (see also BEREZIN 2002,
p. 42).

However, in the spirit of the Gospel of Matthew, A.T.


ultimately seemed to follow the strategy that those who
humble themselves shall be exalted. By criticising the
upper classes for being prim, materialistic and dishonest,
and by praising the peasant sympathies that Suolahti
and his acquaintances nourished, A.T. positioned
himself at the core of the tiny intellectual elite of
Fennoman male scholars. In his eyes, only they cherished
purely idealistic moral values and truly advanced the progress
of Finland as a nation (A.T. to G.S., 4 August 1910 and 22
November 1911). Furthermore, he presented himself as a
true connoisseur of Suolahti’s oeuvre, an exceptional person

125 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 113-143 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1515
Marja Jalava

who, unlike the public at large, profoundly understood


Suolahti’s ideas and historiographical principles (A.T. to G.S.,
20 December 1909).

National attachment and the ‘we-ness’ of this nationalist


brotherhood strongly influenced A.T.’s choice of his PhD
dissertation subject: the philosophical ideas of Adolf Iwar
Arwidsson (1791–1858), who was an early-nineteenth-
century pioneer of the Finnish nationalist movement. Since
the professionalisation and institutionalisation of history
as a modern academic discipline took place in an intimate
relationship with nationalisation, nation building obviously
had a profound impact on historians’ choice of themes, basic
concepts, explanatory theories and the construction of grand
narratives. Developing the idea that a geographical and
supposedly natural area with its people made up the nation
and its history, they held that any type of history other than
national history, whether it focused on one’s own or some
other national unit, was almost a logical impossibility (see,
e.g., SIMENSEN 2000, p. 90; BERGER 2015). Another common
historiographical trend all over Europe at that time was a focus
on the ‘great men’ of the nation – and, in the case of a young
nation like Finland, the invention of such national heroes of
the past. Many historians considered a biographical approach
to be particularly suitable for nationalist educational purposes.
It offered a way to study one person’s ideas and values as a
manifestation of the imagined collective identity of the people,
and it simultaneously enabled the people to identify with this
‘great man’ on both the cognitive and the emotional levels
(VERGA 2012, p. 91–92; JALAVA 2019, p. 177–178).

However, the status of A.T.’s object of study, A.I. Arwidsson,


at the beginning of the twentieth century in Finland was
ambivalent: on the one hand, he was considered to be a
national ‘great man’, but on the other he was also a contested
emotional symbol attached to A.T.’s in-group of Fennoman
scholars. By the last decades of the nineteenth century, the
Finnish nationalist movement had firmly established itself, but

126 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 113-143 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1515
Emotions in Historiography

it had simultaneously also split into rival fractions. In academia,


Gunnar Suolahti was a key figure in this rivalry, standing for
the fraction of the ‘Old Finns,’ who despite being culturally
conservative and demanding Finnish monolingualism, in order
to advance national unity actually supported more radical
social reforms than the liberal-minded ‘Young Finns’. In 1905,
Suolahti had successfully campaigned for the post of curator of
the Tavastia Nation (Hämäläis-Osakunta, a Fennoman regional
corporation of students at the university), in which he had
considerable influence over students’ opinions. According to
A.T.’s letters, A.T. and Suolahti had initially become acquainted
with each other in this student corporation, which A.T. had
entered as a first-year undergraduate (A.T. to G.S., 15 March
1910). In this politically tense situation, there was an urge
to reflect the history of the Finnish nationalist movement
and interpret its ‘great men’ in such a way that their legacy
matched with the convictions of one’s own in-group. As
Suolahti’s younger brother Eino, an ardent nationalist, voiced
his assessment of the situation, ‘a proper Fennoman [Finnish
ethno-linguistic nationalist] group is required in Helsinki in
order to land a punch on people’s noses every now and then’
(Eino Suolahti to G.S., 12 March 1908).

To sum up, the interweaving of nation building and


nationalism into scholarly choices and valuations highlights the
importance of the nation-state as an emotionalised political
community, which, in its turn, created an emotional attachment
to the in-group of young nationalist-minded historians within
the History Department of the university. This contributed
to a certain personal and collectively shared style of being-
in-the-world so that A.T.’s band of brothers did not simply
display characteristic emotions but had characteristic ways of
relating these emotions to each other and of relating them to
cognition and perception. From this perspective, an emotional
style can be seen as a result of the individual’s involvement in
embodied social relationships, not as something interior to the
individual (CALHOUN 2001, p. 53). In A.T.’s case, it produced
shared emotions of belonging, loyalty and trust, and, in turn,

127 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 113-143 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1515
Marja Jalava

also defined what others had a right to expect of him (see


also BEREZIN 2002, p. 48). These emotions and expectations
constituted a huge motivational power for A.T., a source of
pride that gave meaning to his historical work as well as to his
life in a more general sense (e.g. A.T. to G.S., 2 May 1909),
but they could also arouse feelings of anxiety, shame and
disappointment. As we shall soon see, this is what happened to
A.T. after his PhD project turned out to be both a professional
and a personal fiasco.

Emotional Processes in Historical Scholarship


In addition to nationalist musing and masculine in-group
formation, a recurrent topic in A.T.’s letters to Suolahti was
naturally his on-going PhD project. Since A.T.’s official PhD
supervisor, Professor J. R. Danielson-Kalmari, was constantly
overburdened with his own scholarly and political activities, in
practice A.T. had adopted Suolahti as his unofficial supervisor
and mentor, on whom he relied for advice on both on his
scholarly and existential problems (e.g. A.T. to G.S., 2 May
1909 and 17 November 1909).

In his letters, A.T. expressed a crucial issue relating to


historians’ emotions that many historians have recognised but
rarely analysed at any length in the methodological textbooks
of historical research (see, e.g., MYHRE 2009, p. 132; SHORE
2014, p. 204–206; BODDICE 2018, p. 124–131): namely,
A.T.’s letters raised the question of the historian’s personal
relationship with his or her research topic, in which there
may appear strong emotions of liking or disliking, as well as
moral approval or disapproval of, an historical actor, whom the
historian, in a sense, comes to know by reading diaries, private
correspondence and other relevant sources. At the same time,
these letters cast light on the emotional motives that lead
historians to choose a certain topic in the first place. While
A.T. articulated these issues exceptionally frankly because
he was a recent arrival in academia and, therefore, still in
the process of learning the appropriate feeling rules of the

128 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 113-143 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1515
Emotions in Historiography

historical community (cf. BLOCH 2002, p. 120–122), the same


emotional processes also concern more senior and established
historians. To cite the historian Jan Eivind MYHRE (2009, p.
132): ‘When historians get close to their protagonists, emotions
inevitably appear.’

As is often the case during the research process, A.T.


expressed mixed emotions about his PhD subject in his letters.
On the one hand, he described the appeal of historical work,
the pleasures and thrills that he experienced while reading the
archival records and finding new information about the topic.
He was also excited by German Idealism and Romanticism,
above all the writings of J.G. Fichte and F.W.S. Schelling,
who had had a major influence on the Finnish nationalist A.I.
Arwidsson’s thinking. In fact, it seems that something in these
German philosophers resonated with him to the extent that it
partly explained his investment in studying the past at all (on a
general level, see ROBINSON 2010, p. 510). Through them, he
felt that he was coming close to ‘the truth about life’ in general
(A.T. to G.S., 18 May 1909).

On the other hand, his PhD subject seriously troubled him.


For instance, he compared the protagonist of his PhD thesis,
A.I. Arwidsson, with a more famous ideological father figure of
the nationalist movement in Finland, J.V. Snellman. The result
was that he found Arwidsson to be an ‘intellectual lightweight’.
Concomitantly, he developed an antipathy for Arwidsson: ‘There
are certain unsympathetic features in Arwidsson’s character . .
. I am repulsed by his Romantic conceitedness,’ he complained
to Suolahti (A.T. to G.S., 2 May 1909).

Although it is not my intention to argue for psychohistory as


such, I find the psychodynamic concept of transference useful
for understanding this matter. The historian’s relationship
to his or her research subjects resembles a transference
relationship in the sense that the historian transposes his or
her emotions, mental images, attitudes, and thoughts onto
historical figures, events, and phenomena. This transference
is arguably unavoidable, for the historian has to understand

129 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 113-143 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1515
Marja Jalava

why the historical actors experienced the world and acted in


a certain way, and these interpretations are partly based on
his or her own being-in-the-world. Neuroscientific research
has explained such a transference by neural ‘mirrors’ in the
brain that make empathy possible, but it also posits that
the reading of others’ emotions is nevertheless mediated
through the self (BODDICE 2018, p. 125). To some extent, the
historian can thus use his or her emotions as heuristic tools
in the research process in order to understand the emotional
experiences of the other. The transference, however, may
also transform the research subject into the historian’s self-
object, that is, into his or her ‘textual self-extension’, more
or less shaped by his or her own personality (IHANUS 2012,
p. 141–144, 170–173). In other words, while it is both possible
and necessary to reconstruct the past emotional world in historical
research, there is no reason to assume that our emotional
responses are similar to those of historical actors (BODDICE
2018, p. 126–127).

When we take into account the empiricist undercurrent


of modern historiography, together with its stark opposition
of reason and emotion, it is no surprise that A.T.’s doctoral
training did not include the ability to critically reflect on his own
emotional responses to historical actors and sources. While A.T.
was shaping his identity and selfhood in relation to his network
of interpersonal relations, he simultaneously looked at himself
through the mirror formed by his research subject and the main
protagonist of his PhD thesis, A.I. Arwidsson. The self-image
that he saw in this mirror did not entirely please him. Indeed,
the looming mediocrity of his principal choice of subject, the
ridiculously self-centred and bombastic Arwidsson, implied by
association that perhaps he, too, was not a heavyweight in
historical scholarship himself. In the hierarchy of academic
historiography, certain topics were (and still are) ranked
higher than others. For instance, in the German-dominated
History Departments of fin-de-siècle Europe, political history
with its study of military leaders, diplomatic sources and
international relations was commonly considered a more

130 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 113-143 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1515
Emotions in Historiography

essential and manly subject than the history of art and literature
(CHICKERING 1993, p. 87–89). By choosing the ‘wrong’ topic,
a young PhD student could effectively marginalise him- or
herself even before a single sentence of the doctoral thesis
was written. As A.T. was a male PhD student, he also faced
the danger of emasculating himself with an ‘inappropriate’
choice of a ‘soft’ subject. Hence, while wrestling with his PhD
project, A.T. expressed serious doubts about his ability to ‘ever
proceed to the fruition state (siirtyä hedelmöimis-stadiumiin)
[…] and to become a virile breadwinner of the family’
(A.T. to G.S., 15 March 1910). In compensation, however, he
considered Fichte, Schelling and other German ‘intellectual
giants’ to be more rewarding masculine self-objects. ‘These
great system builders are extraordinary men of force . . . I
am strongly attracted to Neo-Idealism,’ he wrote to Suolahti
(A.T. to G.S., 18 May 1909; see also 2 May 1909).

The irony of A.T.’s PhD project is that these German


intellectual giants eventually came to be his downfall. During
the academic year of 1909–10, he participated in Professor Karl
Lamprecht’s famous Seminar, held in the Institut für Kultur-
und Universalgeschichte at the University of Leipzig, in order
to broaden his methodological skills and deepen his knowledge
of German Idealism. This seminar had been suggested to
him by Suolahti, who himself was Lamprecht’s former PhD
student and was inspired by Lamprechtian Kulturgeschichte
(A.T. to G.S., 23 October 1909 and 17 November 1909; JALAVA
2014). In Leipzig, away from Finland, to which he held strong
affective loyalties, and also away from his wife, who clearly
served him as a source of ontological security, A.T. suffered
from homesickness and an increasingly negative mood that
exacerbated his pessimism. ‘As soon as I arrived here [Leipzig],
my nerves went on the warpath: there have been a couple of
very hard days,’ he wrote to Suolahti (A.T. to G.S., 17 November
1909). Simultaneously, his immersion in German philosophy
grew out of all proportion, and soon he experienced a mental
collapse. The diagnosis was an ‘advanced neurasthenia,’ a
diagnosis that had become popular in the latter part of the

131 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 113-143 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1515
Marja Jalava

nineteenth century to explain such symptoms as weakness,


distress, insomnia and depression, particularly in the case of
male professionals who had lost their ability to work but did not
exhibit any apparent somatic defects. In German academia,
the best-known neurasthenia patient of the time was probably
the sociologist Max Weber, who had received his diagnosis in
1898 after a nervous breakdown (A.T. to G.S., 15 March 1910;
for neurasthenia as a ‘fashionable’ fin-de-siècle diagnosis, see
e.g. JOHANNISSON 1994, p. 141–144; PIETIKÄINEN 2013,
p. 129–136).

As A.T. was unable to continue his PhD project in Leipzig


because of his advanced neurasthenia, he decided to return to
Finland in the spring of 1910. His failure to pursue what senior
historians had recognised as a promising academic career
created in him a sense of shame about who he was. ‘My inner
loss is colossal; as far as my PhD work is concerned, I have
actually wasted my entire study trip, and I feel deep moral
degradation,’ he agonised. Simultaneously, he felt ashamed of
this anxiety, for he assumed that Suolahti and other senior
historians had certainly gone through even greater setbacks
than the one that he was facing. Although he confessed to
Suolahti that he was sceptical about the future of his PhD
project, the strong affective loyalties associated with Finland
and the nationalist band of brothers still gave him hope in
his desperate situation: ‘As a legacy of the good old student
corporation days, I don’t have gloomy thoughts about patriotic
work back home,’ he consoled himself (A.T. to G.S., 15 March
1910).

Once again, Suolahti helped his junior colleague by


arranging a post for him on the editorial staff of the periodical
Aika (‘Time’), which he had founded in 1908 to promote
Fennoman cultural endeavours. Fairly soon, however, A.T. found
himself in a new stressful situation. A crucial issue was that his
fellow editors did not unanimously endorse his admiration for
Finnish peasant culture as being the core element in nationalist
cultural politics (A.T. to G.S., 4 August 1910). In the course of

132 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 113-143 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1515
Emotions in Historiography

the next few years, he therefore started to distance himself


from the intellectual circle of Aika. Simultaneously, he also
gave up the hope of ever continuing his PhD project. As his
emotional commitment to the band of brothers of younger
Fennoman scholars waned, his moral commitment to the
nationalist cause evaporated, too. Instead, Christianity now
started to occupy his thoughts, and he criticised his former
nationalist friends for being materialistic and dishonest ‘fakes’
(A.T. to G.S., 22 November 1911).

To end his academic via dolorosa, A.T. finally accepted a


permanent teaching post at the Finnish-speaking secondary
school in the small town of Porvoo on the south coast of
Finland. There he started to recover his energy and good mood
by leading the local temperance movement and publishing
popular books on religious issues (A.T. to G.S., 22 November
1911 and 26 August 1914). To some extent, A.T.’s withdrawal
from historical research and the scholarly community for
religious reasons can be considered an attempt to save his
face before an apparent professional and personal failure.
At the same time, however, it manifests the emotional
investment that commonly accompanies academic work, as
well as the way in which scholars invest themselves in, and
achieve their subjectivity and identity through, body-based
intersubjectivity and an affective attachment to the scholarly
community, research work and institutions (see also CALHOUN
2001, p. 53–54; JASPER 2018). When A.T.’s attachment to the
community of Fennoman historians turned into aversion, he
also lost his personal interest in history. As a kind of epilogue,
it can be mentioned that one of the first female PhD students of
history in Finland, Liisa Castrén, who had started her doctoral
studies under the guidance of Suolahti in the late 1920s, finally
defended a long-awaited PhD thesis on A.I. Arwidsson in 1944
(KAARNINEN 2005, p. 306).

133 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 113-143 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1515
Marja Jalava

Conclusion
I started my article with the claim that the emotional
investment that accompanies historians’ labour is an under-
researched, if not even a deliberately dismissed topic.
Despite the fact that the interest in emotions has recently
grown in historical research, historians have usually been
content to study other people’s emotions, but not those
connected with their own craft. Since there is no cognition
without emotion, however, we have to take emotions into
account in order to understand the production of knowledge,
the formation of judgements and the making of meaning in
historical scholarship, for otherwise we do not know what
ultimately makes historians tick.

In the particular case that I have discussed in this article,


the early twentieth-century Finnish community of academic
historians, the nation state was an emotionalised political
community, which, in its turn, created an emotional attachment
to the in-group of young nationalist-minded historians within
the History Department of the Imperial Alexander University.
From this perspective, for instance, the currently much criticised
orientation of methodological nationalism – that is, historians’
tendency to treat national societies or nation-states with their
contemporary borders as ‘natural’ units of analysis – is not just
a cognitive ‘error’ that can be solved by revising the practices
of research and archival investigation, but rather has to be
considered a part of the everyday status quo in which historians
have had, and arguably still have, a huge emotional investment.
The interweaving of nation-building and nationalism into the
formation, choices and evaluations of the scholarly community
gave rise not only to strong emotions of belonging, loyalty and
trust but also to high expectations, anxiety and the fear of
losing face. The political struggle between and within different
fractions of Finnish society motivated historians to address
certain topics in their research, but, simultaneously, a particular
research subject could also turn into the historian’s self-object,
which was partly shaped by the his or her personality. In this

134 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 113-143 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1515
Emotions in Historiography

respect, the importance of the gender dimension is worth


emphasising, for particularly the male historian’s masculine
identity and manly self-esteem were intermingled with the
choice of a ‘hard enough’ research topic and the concomitant
respect from his male colleagues.

Broadly speaking, in my analysis, I found four main types of


feeling-thinking processes that can be generalised with regard
to historical work in general. First, the historical community
is not a self-regulating coterie with its own standards, values,
and struggles. Rather, the boundaries between the historical
community and society at large are porous and overlapping,
and factors such as geopolitical conditions, the leeway allowed
by particular domestic policies and the consequent differences
in local emotional cultures affect the making of historiography.
Moreover, historians are often torn between contradictory
affective loyalties to the different communities to which they
simultaneously belong, such as the scholarly community, a
political party, a national community or a church (see also
JALAVA 2017). This also holds for the interrelationship between
historians and their readership, but since the main protagonist
of my article, the Ph.D. student A.T., did not manage to complete
his thesis, my source material unfortunately did not allow me
to study the reception of his work.

That said, second, the historical community is a coterie of its


own in the sense that anyone who wishes to make an academic
career in history needs friendly colleagues and supporters in
order to build a scholarly network and obtain scholarships,
posts, and other relevant positions of trust that qualify him
or her academically. To apply the sociologist Jack BARBALET’s
(2002, p. 134) analysis of science to historical scholarship, before
it is anything else, historical research is a form of activity, and in
particular the actions of, and interactions between, historians.
As was the case with the PhD student A.T., whose letters I have
used as source material in this article, membership of an in-
group of historians is of decisive importance in the sense that it
produces shared emotions that constitute a huge motivational

135 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 113-143 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1515
Marja Jalava

impetus in historical work. The emotional attachment to the


scholarly community includes such energising feelings as a
sense of self-confidence and security, although it also arouses
feelings of anxiety, shame and disappointment if one cannot
meet the community’s expectations and standards. As the early
twentieth-century community of academic historians was, in
practice, an all-male association, the danger of emasculating
oneself constantly lurked in the background.

Third, emotions affect historians’ professional research


activities, for example in their choice of subject, basic concepts
and explanatory theories, as well as in their interpretation of
sources and the construction of narratives. Referring to both the
psychoanalytic concept of transference and the neuroscientific
idea of neural ‘mirrors’, I argued that the historian’s
understanding of why the historical actors experienced the
world and acted in a certain way is partly based on his or her
own being-in-the-world. While this personalised relationship
to historical actors is unavoidable, the partial transformation
of A.T.’s research subject into his self-object and textual self-
extension serves as a warning that historians should not
assume that their emotional responses are similar to those of
historical actors.

Fourth, emotions turned out to be of great importance


in the historical research process as such. These emotions
include the pleasures, thrills and excitement that the historian
experiences while reading archival records and finding new
information about his or her subject. Simultaneously, this
category of emotions also includes more mundane or negative
emotions, such as boredom amidst piles of paper, anxiety
caused by the apparent immensity of the relevant research
material, and frustration at the slow progress of the research
process. On a more general level, emotions also partly explain
historians’ investment in studying the past at all. Ultimately,
since the issue at stake is the meaning of their own lives, an
historical phenomenon ‘means’ something to them because of
how it makes them feel.

136 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 113-143 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1515
Emotions in Historiography

That is not to say that the enduring empiricist and


objectivist epistemological undercurrent of modern academic
historiography should be replaced by the celebration of a
‘progressively affective’ historiography (cf. FITZPATRICK 2010,
p. 186–188; GAMMERL 2012, p. 169–170). Even less do I suggest
that historians should give up their striving for impartiality and
the idea that historiography involves truth claims based on
evidence. The question is not whether emotions and history as
an academic discipline are compatible. Rather, as emotions are
always entangled in the making of historiography, a part of the
historian’s craft should be to critically reflect on how emotions
affect the production of historical knowledge and the reception
of his or her narratives.

REFERENCE

BAÁR, Monika. Historians and Nationalism. East-


Central Europe in the Nineteenth Century. Oxford: Oxford
University Press, 2010.

BARBALET, Jack. Science and Emotions. In: BARBALET,


Jack (org.). Emotions and Sociology. Oxford & Malden,
MA: Blackwell Publishing & The Sociological Review, 2002.
p. 132–150.

BENTLEY, Michael. The Turn Towards ‘Science’: Historians


Delivering Untheorized Truth. In: PARTNER, Nancy; Foot,
Sara (orgs.). The SAGE Handbook of Historical Theory.
London: Sage, 2013. p. 10–22.

BEREZIN, Mabel. Secure States: Towards a Political


Sociology of Emotion. In: BARBALET, Jack (org.). Emotions
and Sociology. Oxford & Malden, MA: Blackwell Publishing
& The Sociological Review, 2002. p. 33–52.

BERGER, Stefan. The Past as History: National


Identity and Historical Consciousness in Modern Europe.
Basingstoke: Palgrave McMillan, 2015.

137 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 113-143 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1515
Marja Jalava

BLOCH, Charlotte. Managing the Emotions of Competition


and Recognition in Academia. In: BARBALET, Jack (org.).
Emotions and Sociology. Oxford & Malden, MA: Blackwell
Publishing & The Sociological Review, 2002. p. 113–131.

BODDICE, Rob. The History of Emotions. Manchester:


Manchester University Press, 2018.

BOIVIN, Nicole. Material Cultures, Material Minds.


The Impact of Things on Human Thought, Society, and
Evolution. New York, Cambridge University Press, 2008.

BURKITT, Ian. Complex Emotions: Relations, Feelings


and Images in Emotional Experience. In: BARBALET, Jack
(org.). Emotions and Sociology. Oxford & Malden, MA:
Blackwell Publishing & The Sociological Review, 2002.
p. 151–167.

BUTLER, Judith. Gender Trouble. Feminism and the


Subversion of Identity. New York: Routledge, 1999.

CALHOUN, Craig. Putting Emotions in Their Place. In:


GOODWIN, Jeff; JASPER, James M.; POLLETTA, Francesca
(orgs.). Passionate Politics. Emotions and Social
Movements. Chicago: The University of Chicago Press,
2001. p. 45–57.

CHICKERING, Roger. Karl Lamprecht. A German Academic


Life (1856–1915). New Jersey: Humanities Press, 1993.

DASTON, Lorraine. The Moral Economy of Science. Osiris,


v. 10, Constructing Knowledge in the History of Science,
p. 2–24, 1995.

DEVER, Maryanne; NEWMAN, Sally; VICKERY, Ann. The


Intimate Archive: Journeys through Private Papers.
Canberra: National Library of Australia, 2009.

FARGE, Arlette. Le goût de l’archive. Paris: Seuil, 1989.

138 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 113-143 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1515
Emotions in Historiography

FELDMAN BARRETT, Lisa. How Emotions Are Made:


The Secret Life of the Brain. New York: Houghton Mifflin
Harcourt, 2017.

FITZPATRICK, Sheila. Getting Personal: On Subjectivity


in Historical Practice. In: JOBS, Sebastian; LÜDTKE, Alf
(orgs.). Unsettling History. Archiving and Narrating in
Historiography. Frankfurt and New York: Campus Verlag,
2010. p. 183–197.

FOX, Nick J.; ALLRED, Pam. Sociology and the New


Materialism. Theory, Research, Action. London: SAGE
Publishing, 2017.

FULBROOK, Mary; RUBLACK, Ulinka. In Relation: The


‘Social Self’ and Ego-Documents. German History, v. 28,
n. 3, p. 263–272, 2010.

GAMMERL, Benno. Emotional Styles – Concepts and


Challenges. Rethinking History, v. 16, n. 2, p. 161–175,
june, 2012.

IHANUS, Juhani. Historialliset vääryydet ja psyykkiset


oikaisut. In: LÖFSTRÖM, Jan (org.). Voiko historiaa
hyvittää? Historiallisten vääryyksien korjaaminen
ja anteeksiantaminen. Helsinki: Gaudeamus, 2012.
p. 136–173.

JALAVA, Marja. Latecomers and Forerunners: Temporality,


Historicity, and Modernity in Early Twentieth-Century
Finnish Historiography. In: MISHKOVA, Diana; TRENCSÉNYI,
Balázs; JALAVA, Marja (orgs.). ‘Regimes of Historicity’
in Southeastern and Northern Europe, 1890–1945.
Discourses of Identity and Temporality. Basingstoke:
Palgrave Macmillan, 2014. p. 43–61.

139 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 113-143 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1515
Marja Jalava

JALAVA, Marja. National, International or Transnational?


Works and Networks of the Early Nordic Historians of Society.
In: HAAPALA, Pertti; JALAVA, Marja; LARSSON, Simon
(orgs.). Making Nordic Historiography. Connections,
Tensions & Methodology, 1850–1970. New York & Oxford:
Berghahn Books, 2017. p. 100–128.

JALAVA, Marja. Kansallisen menneisyyden todistaminen.


In: KARONEN, Petri (org.). Tiede ja yhteiskunta.
Suomen Historiallinen Seura ja historiantutkimus. Helsinki:
Suomalaisen Kirjallisuuden Seura, 2019. p. 161–215.

JASPER, James M. The Emotions of Protest. Chicago &


London: The University of Chicago Press, 2018.

JOHANNISSON, Karin. Den mörka kontinenten. Kvinnan,


medicin och fin-de-siècle. Stockholm: Norstedts Förlag,
1994.

JOHNSON, Mark. The Meaning of the Body. Aesthetics of


Human Understanding. Chicago & London: The University
of Chicago Press, 2007.

KAARNINEN, Mervi. Pitkä tie professoriksi. Historian


naistohtorit 1940–1970. In: KATAINEN, Elina; KINNUNEN,
Tiina; PACKALÉN, EVA; TUOMAALA, Saara (orgs.). Oma
pöytä. Naiset historiankirjoittajina Suomessa. Helsinki:
SKS, 2005. p. 303–324.

MERLEAU-PONTY, Maurice. Phenomenology of


Perception. Translated by Colin Smith. London: Routledge,
1996 [1945].

MYHRE, Jan Eivind. Mange veier til historien. Om


historiefagets og historikernes historie. Oslo: Unipub AS &
Tid og Tanke, 2009.

140 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 113-143 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1515
Emotions in Historiography

MÜLLER, Philipp. Ranke in the Lobby of the Archive:


Metaphors and Conditions of Historical Research. In: JOBS,
Sebastian; LÜDTKE, Alf (orgs.). Unsettling History.
Archiving and Narrating in Historiography. Frankfurt and
New York: Campus Verlag, 2010. p. 109–125.

NOVICK, Peter. That Noble Dream. The ‘Objectivity


Question’ and the American Historical Profession. New
York: Cambridge University Press, 1998.

LACAPRA, Dominick. Writing History, Writing Trauma.


Baltimore & London: The Johns Hopkins University Press,
2001.

O’DOWN, Mary. Popular Writers: Women Historians, the


Academic Community and National History Writing. In:
PORCIANI, Ilaria; TOLLEBECK, Jo (orgs.). Setting the
Standards. Institutions, Networks and Communities of
National Historiography. Basingstoke: Palgrave Macmillan,
2012. p. 351–371.

PARKER, John N.; HACKETT, Edward J. Hot Spots and Hot


Moments in Scientific Collaborations and Social Movements.
American Sociological Review, v. 77, n. 1, p. 21–44,
2012.

PAUL, Herman. Performing History: How Historical


Scholarship Is Shaped by Epistemic Virtues. History and
Theory, v. 50, n. 1, p. 1–19, feb., 2011.

PAUL, Herman. What Is a Scholarly Persona? Ten Theses


on Virtues, Skills, and Desires. History and Theory,
v. 53, n. 3, p. 348–371, oct., 2014.

PIETIKÄINEN, Petteri. Hulluuden historia. Helsinki:


Gaudeamus, 2013.

PLAMPER, Jan. The History of Emotions. An Introduction.


Translated by Keith Tribe. Oxford: Oxford University Press,
2015.

141 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 113-143 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1515
Marja Jalava

RAPHAEL, Lutz. The Implications of Empiricism for History.


In: PARTNER, Nancy; Foot, Sara (orgs.). The SAGE
Handbook of Historical Theory. London: Sage, 2013.
p. 23–40.

RECKWITZ, Andreas. Affective Spaces: A Praxeological


Outlook. Rethinking History, v. 16, n. 2, p. 241–258,
june, 2012.

REDDY, William M. The Navigation of Feeling. A


Framework for the History of Emotions. Cambridge:
Cambridge University Press, 2001.

ROBINSON, Emily. Touching the Void: Affective History


and the Impossible. Rethinking History, v. 14, n. 4,
p. 503–520, dec., 2010.

ROPER, Lyndal. ‘To his Most Learned and Dearest Friend’:


Reading Luther’s Letters. German History, v. 28, n. 3,
p. 283–295, 2010.

SAXER, Daniela. Geschichte im Gefühl: Gefühlsarbeit und


wissenschaftlicher Geltungsanspruch in der historischen
Forschung des späten 19. Jahrhundert. In: JENSEN, Uffa;
MORAT, Daniel (orgs.). Rationalisierungen des Gefühls:
Zum Verhältnis von Wissenschaft und Emotionen 1880–
1930. Munich: Fink, 2008. p. 79–98.

SCHEER, Monique. Are Emotions a Kind of Practice (and


Is That What Makes Them Have a History)? A Bourdieuian
Approach to Understanding Emotion. History and Theory,
v. 51, n. 2, p. 193–220, may, 2012.

SHORE, Marci. Can We See Ideas?: On Evocation,


Experience, and Empathy. In: MCMAHON, Darrin M.;
MOYN, Samuel (orgs.). Rethinking Modern European
Intellectual History. Oxford: Oxford University Press,
2014. p. 193–211.

142 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 113-143 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1515
Emotions in Historiography

SIMENSEN, Jarle. National and Transnational History:


The National Determinant in Norwegian Historiography.
In: MEYER, Frank; MYHRE, Jan Eivind (orgs.). Nordic
Historiography in the 20th Century. Tid og Tanke n. 5.
Oslo: University of Oslo, 2000. p. 90–112.

SMITH, Bonnie G. The Gender of History. Men, Women,


and Historical Practice. Cambridge, MA: Harvard University
Press, 1998.

STANLEY, Liz. The Epistolarium: On Theorizing Letters


and Correspondences. Auto/Biography, v. 12, n. 3,
p. 201–235, December 2004.

VERGA, Marcello. The Dictionary Is Dead, Long Live the


Dictionary! Biographical Collections in National Contexts.
In: PORCIANI, Ilaria; TOLLEBEEK, Jo (orgs.). Setting the
Standards. Institutions, Networks and Communities of
National Historiography. Basingstoke: Palgrave Macmillan,
2012. p. 89–104.

WHITE, Paul. Introduction. Isis, v. 100, n. 4, p. 792–797,


dec., 2009a.

WHITE, Paul. Darwin’s Emotions: The Scientific Self and


the Sentiment of Objectivity. Isis, v. 100, n. 4, p. 811–826,
dec., 2009b.

ACKNOWLEDGMENT AND INFORMATION

Marja Jalava
marja.jalava@utu.fi
School of History, Culture and Arts Studies, University of Turku
Turku
Finland

Portuguese title and abstract translated by Guilherme


Bianchi.
RECEIVED IN: 03/AUG./2019 | APPROVED IN: 03/DEC./2019

143 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 113-143 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1515
HISTÓRIA DA Ouro Preto / MG - Brasil

HISTORIOGRAFIA

O mundo não é dos espertos: história pública,


passados sensíveis, injustiças históricas

Public History, Sensitive Pasts, and Historical Injustices

Keila Grinberg
https://orcid.org/0000-0003-4942-2485

RESUMO

Este artigo é um exercício de narrativa historiográfica


pessoal. Parto de minha trajetória como pesquisadora ABSTRACT
da escravidão e historiadora pública para explorar as
conexões entre a historiografia contemporânea da This article is an exercise in personal historiographical

escravidão, as memórias de descendentes de africa- narrative. Based on my trajectory as a scholar on

nos escravizados e as memórias de imigrantes judeus slavery and as a public historian, this study seeks to

sobre o antissemitismo europeu do século XX. A explore the connec-tions between the contemporary

partir do conceito de trauma cultural, a questão deste historiography of slavery, the memories of enslaved

texto é: como lidar, pessoal e profissionalmente, com Africans’ descendants, and the Jewish immigrants’

os passados sensíveis - traumáticos - brasileiros? memories about the European 20th century anti-

Argumento que, a partir de minha vivência profissional, Semitism. Established on the concept of cultural

desenvolvi uma sensibilização não só em relação às trauma, the question ad-dressed in this article is:

injustiças históricas do nosso tempo, mas também how to deal, personally and professionally, with the

àquelas relativas à minha história pessoal. E concluo Brazilian sensitive (and traumatic) pasts? I argue that,

que, se este tema vem sendo enfrentado, ainda que based on my professional experience, I have developed

timidamente, pela sociedade brasileira, ele não pode ser an awareness, not only of the historical injustices of

ignorado pelos historiadores profissionais, justamente our time, but also of those relating to their personal

aqueles que, por dever de ofício, se dedicam a refletir history. And the conclusion is that, if this issue is faced

sobre as conexões entre passado e presente. even moderately by the Brazilian society, it cannot be
ignored by professional historians, precisely by those
who, because of their professional duties, dedicate
them-selves to reflect on the connections between past
and present.

PALAVRAS-CHAVE
Escravidão; História Pública; Judaísmo

KEYWORDS
Slavery; Public History; Judaism

145 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
Keila Grinberg

1. Pessach
De todas as festas judaicas, Pessach desde criança é a
minha favorita. Na escola, na hagadá, o livro que lemos na
ocasião, os hebreus apareciam curvados, carregando imensos
tijolos usados para construir as pirâmides. Na página seguinte,
seguiam em fila deserto afora atrás de Moises, até chegarem
na Terra Prometida, terra do leite e do mel, onde todos podiam,
dayeinu! (basta!, em hebraico) comer pão à vontade. Muito
tempo depois, já na faculdade, aprendi que, entre a construção
das pirâmides e a escravização dos hebreus, havia um hiato de
uns mil e quinhentos anos. Interpelei minha antiga professora,
mas ela respondeu que a verdade pouco importava, se as
crianças guardassem a mensagem.

Na casa dos meus avós maternos, não faltavam mensagens


de Pessach para guardar. Era animado o nosso seder, o jantar
que dá início à semana de privações para lembrarmos dos
nossos antepassados escravizados no Egito. Ao fundo de uma
mesa enorme, nós, as crianças, esperávamos a hora de cantar
as músicas de praxe. Sentado na cabeceira do outro extremo
da mesa, meu avô comandava a noite, alternando a reza com
séries de tapas na mesa. Nessas horas, minha avó fazia um
ar sério e dava uma piscadela pra gente, antes de voltar à
conversa com quem estivesse ao lado. A balbúrdia só era
interrompida pelo sininho que avisava às empregadas a hora
de servir o jantar. Depois da ceia, faltando ainda uma hora de
reza e cantoria, todos disputávamos um lugar em um dos sofás
do salão arranjado especialmente para a ocasião. Um deles
hoje mora na minha casa. É o menos confortável de todos, mas
não escondo o sorriso sempre que me esparramo ali.

Eu levei o sofá, mas o afikoman, em compensação, nunca


consegui. O afikoman é um pedaço da matzá (pão sem fermento,
feito de farinha e água) escondido pelos donos da casa antes
do jantar. Reza a tradição que, depois do jantar, o seder só
continua depois que uma das crianças da casa acha o embrulho
e o dá ao responsável pela reza em troca de um presente ou

146 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
O mundo não é dos espertos

algumas moedas. Ao acabarmos de comer, saíamos loucas


pela casa atrás do guardanapo branco. Dos nove netos, quem
quase sempre achava o afikoman era uma das minhas primas.
Levei um tempão para descobrir que ela começava a procurá-
lo assim que chegávamos, algumas horas mais cedo. Quando
a busca começava, ela já o tinha encontrado há muito tempo.

Todos os anos era a mesma história: ao me dar conta do


truque, reclamava com a minha avó. Era injustiça, a prima tinha
começado a procurar antes de todo mundo. E ouvia de volta
o alerta resignada: – Minha querida, o mundo é dos espertos!
Eu adorava minha avó e achava que devia haver alguma
ligação entre a esperteza dos judeus e a fuga da escravidão. A
conquista da liberdade depois de quarenta anos vagando pelo
Sinai só podia mesmo ser coisa para espertos.

Não foram poucos os que associaram Pessach à reflexão


sobre os nossos dilemas contemporâneos, individuais e
coletivos. Durante a ditadura militar, Carlos Heitor Cony fez
sucesso com o livro Pessach, a travessia; a hagadah Um seder
para nossos dias, de Moacyr Scliar, é adaptada aos montes
(CONY 2007; SCLIAR 1988). Nos dias de hoje, a simbologia de
Pessach virou metáfora para livro de autoajuda nenhum botar
defeito. Minha timeline no facebook fica cheia de mensagens
libertadoras. Eu curto todas. Que tenhamos coragem de cruzar
nossos desertos internos e nos libertar dos fantasmas que
nos escravizam. Que possamos livrar o mundo do jugo dos
poderosos. Que os nossos antepassados nos inspirem a lutar
contra a fome, a miséria, o antissemitismo, o capitalismo, o
comunismo, a ditadura, a mídia e a corrupção.

Metáforas à parte, o que gosto de comemorar em Pessach é


mais o fato do que a interpretação. Para mim, os descendentes
dos hebreus escravizados no Egito não éramos nós, crianças
judias quase todas brancas, que estudávamos em uma escola
judaica privada, mas aquelas quase todas negras, quase
nenhuma de classe média, que estudavam na escola pública
ao lado. E que, se mulheres fossem, grandes eram as chances
de acabar servindo as mesas das casas de classe média como

147 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
Keila Grinberg

a da minha avó. Até mesmo na noite de Pessach, a festa da


liberdade. Acho que comecei a me interessar pelo estudo da
escravidão no Brasil por estar ainda impressionada com os
contos de Pessach que ouvi na infância, não importa que falsos,
e porque a liberdade que eu via no fim do século XX me parecia
incompreensível.

E também porque, criança, eu sentia que havia qualquer


coisa de errada naquele muro que separava, e ainda separa, as
duas escolas e os universos de seus alunos. Que nem aquela
história de o mundo ser dos espertos. No fundo, no fundo, era
uma baita de uma injustiça.

2. Historiografia contemporânea e a escravidão


brasileira
Este artigo é um exercício de narrativa historiográfica
pessoal. Parto de minha trajetória como pesquisadora da
escravidão e historiadora pública, para explorar as conexões
entre a historiografia contemporânea da escravidão e as
memórias de descendentes de africanos escravizados e de
imigrantes judeus sobre o antissemitismo europeu do século
XX. A partir do conceito de trauma cultural, a questão deste
texto é: como lidar, pessoal e profissionalmente, com os
passados sensíveis – traumáticos – brasileiros? Argumento
que, a partir de minha vivência profissional, desenvolvi uma
sensibilização não só em relação às injustiças históricas do
nosso tempo, mas também àquelas relativas à minha história
pessoal. E concluo que, se esse tema vem sendo enfrentado,
ainda que timidamente, pela sociedade brasileira, ele não pode
ser ignorado pelos historiadores profissionais, justamente
aqueles que, por dever de ofício, se dedicam a refletir sobre as
conexões entre passado e presente.

“A escravidão permanecerá por muito tempo como a


característica nacional do Brasil.” (NABUCO 1900). Esta
frase do abolicionista Joaquim Nabuco não poderia ser mais
verdadeira. Ela atravessou o século XX e adentrou o XXI

148 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
O mundo não é dos espertos

cantada por Caetano Veloso (VELOSO 2000). É indiscutível que


as marcas da escravidão, em vigor no Brasil durante cerca de
350 anos, permanecem vivas na sociedade brasileira. Talvez
por isso, poucos temas tenham recebido tanta atenção dos
historiadores brasileiros, envolvidos ativamente na defesa dos
direitos dos descendentes de africanos escravizados no Brasil.
Não sou exceção.

De fato, a escravidão brasileira é muito mais do que um tema


de estudo: espinha dorsal da sociedade colonial e oitocentista,
é praticamente impossível estudar a história do Brasil sem se
abordar, em algum momento, a existência do regime de trabalho
escravo no país. As relações sociais constituídas a partir da
escravidão vêm sendo abordadas sob múltiplas perspectivas:
políticas, econômicas, culturais, macro e micro-históricas; e a
partir de variados temas e objetos, tais como fugas, revoltas
e formação de quilombos; religião e irmandades; condições
de vida e trabalho; atuação em guerras; família e compadrio;
comércio, tráfico atlântico e tráfico interno; criminalidade, direito
e justiça; alforria e demais formas de consecução da liberdade;
cultura material; relação entre senhores e escravos; saúde e
doenças; escravização de indígenas; sua relação com africanos
e seus descendentes; as plantations e a produção açucareira e
cafeeira; padrões de posses de escravos; demografia escrava;
cor e questões raciais; escravidão urbana; fronteira e relações
internacionais; africanos, seus descendentes e a vida cotidiana;
abolicionismo e abolição; libertos, cidadania e pós-abolição;
memória, patrimônio e história pública. Isto sem falar nos
estudos comparativos, nas relações entre Brasil e o continente
africano, e entre o país e seus vizinhos sul-americanos.

Tal diversidade e amplitude de produção têm história.


A história da historiografia sobre a escravidão no Brasil
é, ela própria, quase um campo à parte, cuja formação
remonta pelo menos às décadas de 1930 e 1940, quando
teve início o intenso debate intelectual transnacional sobre
a escravidão nas Américas (FREIRE 1933; TANNENBAUM
1947; WILLIAMS 1944; FERNANDES; BASTIDE 1955).

149 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
Keila Grinberg

Embora de suma importância para o acompanhamento da


produção brasileira sobre a escravidão, o percurso historiográfico
percorrido desde então não cabe nos propósitos deste texto
(HEBRARD 2012; MARQUESE; SALLES 2016; KLEIN 2012, p. 95-
121; SLENES 2010, p. 111-133; KLEIN; REIS 2011, p. 181-211).
Mas as origens historiográficas das discussões contemporâneas
sobre a escravidão talvez possam ser demarcadas a partir
da década de 1960, período em que os historiadores sociais
passaram a se aproximar da antropologia, principalmente a
geertziana (GEERTZ 1978). Também datam dessa época os
estudos sobre a Europa seiscentista e setecentista escritos por
historiadores marxistas britânicos, que cunharam a expressão
“história vista de baixo”, com grande impacto no Brasil dos anos
1980, quando foram traduzidos e publicados aqui. O mesmo
pode-se dizer da obra de Michel Foucault, cujo livro Vigiar e
Punir foi traduzido para o português em 1977 (HOBSBAWM
1981; HILL 1987; THOMPSON 1987b; FOUCAULT 1977).

No âmbito dos debates teóricos e metodológicos e das


discussões políticas brasileiras da década de 1980, em pleno
processo brasileiro de redemocratização, o interesse em ler
e analisar documentos como processos judiciais, inventários,
testamentos, a partir dos quais se podia vislumbrar a agência
de indivíduos até então historicamente silenciados cresceu na
mesma medida em que movimentos sociais ganhavam espaço na
cena política nacional, justamente porque tinham a expectativa
de flagrar homens e mulheres, principalmente trabalhadores,
“agindo e descrevendo relações cotidianas fora do espaço
do movimento operário, do lugar da fala política articulada”
(CHALHOUB 2001, p. VII). Por trabalhadores, aqui, entendia-
se não só os trabalhadores livres, estudados principalmente no
período da Primeira República (1889-1930), mas também os
escravizados, objeto de análise de historiadores como Sidney
Chalhoub, Maria Helena Machado, Hebe Mattos e Silvia Lara,
interessados nas relações de amizade, parentesco, vizinhança
e sobrevivência vislumbrados nesses documentos (MACHADO
1988; 1994; CHALHOUB 1990; MATTOS 1995; LARA 1988).
Esses novos estudos dialogaram diretamente com as obras

150 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
O mundo não é dos espertos

de Carlo Ginzburg, Natalie Davis e E. P. Thompson, também


traduzidos ao longo dos anos 1980. (GINZBURG 1987; DAVIS
1987; THOMPSON 1987a).

A expectativa desses historiadores é que, lidando com tais


fontes, principalmente aquelas produzidas em tribunais, elas
possibilitariam o aprofundamento de análises sobre o cotidiano
das relações entre senhores e escravos, suas relações com
homens e mulheres livres e libertos, seus valores e formas
de conduta. Entre as então novas fontes, destacaram-se os
estudos sobre as ações judiciais de liberdade, processos civis em
que indivíduos supostamente escravizados processavam seus
pretensos senhores por mantê-los ilegalmente em cativeiro.
Essas as ações de liberdade, para além de se constituírem
uma janela para o Oitocentos, também foram utilizadas para
investigar a atitude desses escravos, que recorreram à justiça
e ao Estado para lutar por prerrogativas que defendiam ser
seus direitos.

Ao escrever o trabalho posteriormente publicado com o


título de Liberata: a lei da ambiguidade, busquei entender
como, para essas pessoas escravizadas que acessavam a
Justiça, o Estado era encarado como o detentor do poder
de fazer valer direitos que consideravam possuir, como o de
receber a liberdade prometida às vezes apenas verbalmente
por um senhor (GRINBERG 1994). Uma das conclusões a que
cheguei à época dizia respeito ao papel desempenhado pelo
Estado, através de seus tribunais de justiça, na obtenção da
alforria por parte de escravos. As ações de liberdade permitiam,
assim, vislumbrar a tensão entre a permanência das relações
escravistas no século XIX e o processo de modernização do
Estado brasileiro: por um lado, elas eram a expressão da luta
por direitos civis realizada por escravos e seus descendentes,
que, através da justiça, tornavam públicas suas demandas,
e explicitavam a necessidade de regulamentação jurídica das
relações privadas. De certa forma, suas ações contribuíram
para a expansão da esfera pública, por solicitarem a atuação
do Estado. Por outro lado, elas também demonstravam o

151 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
Keila Grinberg

quão fortes ainda eram, nessa mesma sociedade, os laços de


dependência entre senhores e escravos, e os receios do poder
público – via advogados e juízes – em enfrentar diretamente
tal questão.

Minha trajetória como pesquisadora da escravidão brasileira


é basicamente uma tentativa de aprofundar essa questão inicial:
os paradoxos da modernização liberal escravista brasileira no
século XIX, envolvendo, por um lado, sua estruturação jurídica,
judicial e política; e, por outro, a manutenção e a expansão da
escravidão. Nesse quadro, dois pontos me são especialmente
caros: no plano da política nacional e internacional, a crescente
impossibilidade de expandir o regime escravista brasileiro
(leia-se manter aberto o comércio atlântico de escravos) e,
ao mesmo tempo, estruturar um Estado fundamentalmente
moderno, ainda que escravista – o que inclui, evidentemente, a
constituição de instituições fundadas na ordem e na legalidade.
Ante a impossibilidade de fazer ambos, a opção foi a da
construção da ilegalidade escravista, de início com a conivência
com o tráfico atlântico de escravos e, depois, com a manutenção
da escravização dos que entraram ilegalmente entre 1831 e
meados da década de 1850 (MAMIGONIAN 2017). O segundo
ponto, que para os efeitos deste texto é mais importante, diz
respeito à maneira como os contemporâneos, em especial os
africanos e seus descendentes, vivenciaram esse processo
histórico. Nesse caso, a experiência histórica dos indivíduos e
suas diferentes formas de lidar com os demais setores sociais
e o processo de estruturação do Estado, em todos os planos,
me é particularmente instigante.

Sem querer entrar diretamente na discussão algo falaciosa


da oposição entre a subjetividade das experiências individuais
e a objetividade das forças históricas (COSTA 2014; MARQUESE
2008, p. 67-81), julgo relevante, tal como o fazem Natalie
Davis, Francesca Trivelatto e Roquinaldo Ferreira, enfatizar a
importância da compreensão da multiplicidade da experiência
humana e suas conexões com os processos históricos mais
amplos (DAVIS 2011; TRIVELATTO 2011; FERREIRA 2013,

152 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
O mundo não é dos espertos

p. 679-695). Para além das ações específicas de indivíduos,


me interessa a maneira como lidaram e desafiaram os
constrangimentos históricos mais amplos a que estavam e
estamos submetidos.

Talvez uma das mais pertinentes contribuições


contemporâneas da história social no Brasil à reflexão mais
ampla sobre a escravidão seja a conexão com o presente;
ou melhor, a forma como vários historiadores passaram a se
envolver ativamente na defesa dos direitos dos descendentes
de africanos que foram escravizados no Brasil. A vitalidade do
olhar contemporâneo sobre a escravidão não vem se dando por
acaso. Em 2001, o tráfico atlântico de africanos escravizados
para as Américas foi classificado pela Organização das Nações
Unidas como um crime contra a humanidade. A Conferência
de Durban, realizada no mesmo ano, foi central na definição
do conceito de reparação aplicado ao passado escravista.
No Brasil, aliás, desde a Constituição de 1988, começaram
a ser reconhecidos direitos reivindicados por décadas pelo
movimento negro, abrindo caminho para demandas como o
desenvolvimento de uma política nacional de ação afirmativa e
a inclusão da história da África e da cultura afro-brasileira como
componente curricular obrigatório na Educação Básica do país.
Conectados aos movimentos sociais, trabalhos sobre a memória
da escravidão e do tráfico ilegal de africanos escravizados
vêm sendo fundamentais para a argumentação em torno do
direito à reparação, principalmente a partir da possibilidade de
titulação coletiva de terras das comunidades remanescentes de
quilombos e do movimento em prol do reconhecimento como
patrimônio imaterial brasileiro das manifestações culturais
fundadas na herança escravista (MATTOS; RIOS 2005; ABREU;
MATTOS 2012).

De certa forma, desde o início do processo de


redemocratização, em 1985, a sociedade e o Estado brasileiros
começavam a reconhecer a legitimidade da busca por direitos
encampada pelo movimento negro por tanto tempo. Os ativistas
desempenharam um papel fundamental na regulamentação

153 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
Keila Grinberg

da igualdade racial e na proteção das expressões das culturas


populares afrodescendentes e indígenas na Constituição de
1988, e abriram caminho para outras reivindicações, como
a defesa da inclusão da história da África e da cultura afro-
brasileira como componentes curriculares obrigatórios na
Educação Básica do país, o que ocorreu através da lei 10.639
de 2003, e de uma política nacional de ação afirmativa. Não é
à toa que, ao discursar em defesa das cotas no Supremo
Tribunal Federal brasileiro em 2010, o historiador Luiz Felipe
de Alencastro nomeou a conivência do Estado brasileiro
com a ilegalidade do tráfico de escravos no século XIX de
“pecado original da sociedade e da ordem jurídica brasileira”
(ALENCASTRO 2010).

Como Alencastro, vários historiadores da escravidão


brasileira hoje se dedicam a contribuir para superar esse “pecado
original” envolvendo-se em uma nova forma de ativismo
político: aquela que encontra, na História, a fundamentação
da ação política contemporânea, demonstrando a conexão
entre os acontecimentos do passado e as lutas por direitos na
contemporaneidade.

3. História pública e memória da escravidão


Quem admite que gosta de novela talvez se lembre de A
Força de um Desejo, novela das seis que passou na TV Globo
em 1999. Ambientada na segunda metade do século XIX no
Vale do Paraíba e baseada em três romances de Taunay, a
novela não entusiasmou muito – mas era do Gilberto Braga,
então dava para assistir. Eu me postava todos os dias à mesma
hora à frente da televisão – e brincava comigo mesma, dizendo
que ver novela sobre escravidão era trabalho (TAUNAY 1871;
2003; 2017). A novela não era bem sobre escravidão. Era
sobre os conflitos da casa grande, alguns íntimos, outros nem
tanto, onde moravam uns abolicionistas brancos, se bobear
até formados em Direito, que libertavam todos os escravos no
último capítulo. Final feliz. Eu escrevia uma tese sobre direito
e escravidão no mesmo século XIX, cuja discussão central

154 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
O mundo não é dos espertos

tangenciava o tema do abolicionismo, e achava que a novela


não tinha nada a ver com meu trabalho. No fundo, eu achava
graça em quem levava a sério a narrativa histórica tal qual
contada na telinha. História mesmo era a do meu doutorado.

Fui formada em uma geração que desprezava o conhecimento


construído fora da universidade. Em plena expansão do sistema
de pós-graduação no país, mesmo aqueles que gostavam de
escola como eu não levavam muito a sério quem preferia se
dedicar a outros campos da profissão. Ridicularizávamos o
filme Carlota Joaquina, que debochava do gordinho D. João
VI e reproduzia a versão mais conservadora que há sobre a
vinda da Corte portuguesa para o Brasil. A crítica não perdoou,
os historiadores condenaram, mas a verdade é que o filme
foi assistido por mais de um milhão de espectadores (ANCINE
2017). Há que se perguntar quem riu de quem.

Carlota Joaquina estreou nas telas justamente quando


eu debutava em sala de aula. Logo entendi que ou sucumbia
à velha reclamação do desinteresse dos nossos alunos ou
interagia com as versões da história que eles conheciam — o
termo “consciência histórica” ainda não estava na moda entre
os professores (RUSEN 2007; CERRI 2011). Decidi interagir,
não apenas com eles, mas com um público que, contrariando
o senso comum, parecia bastante interessado em saber mais
História. Afinal, se existe uma disputa pela construção de uma
consciência histórica do Brasil, nós, historiadores profissionais,
estamos perdendo.

Foi assim que, para além da atividade acadêmica


propriamente dita, topei os desafios de encarar, ainda que
timidamente, a dimensão pública da profissão. Por conta da
minha atuação como professora da Educação Básica e autora de
livros de divulgação (ALMEIDA; GRINBERG; GRINBERG 2005;
ALMEIDA; GRINBERG; GRINBERG 2007), não me considerava
exatamente uma neófita no campo que veio a ser denominado
História Pública – que, em linhas gerais, pode ser definido como
a atuação de historiadores e o uso do método histórico fora da
universidade (KELLEY 1978, p. 16-28); ou como a maneira

155 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
Keila Grinberg

de o historiador profissional “engajar diferentes públicos não


especialistas com o conhecimento histórico, de forma crítica,
participativa e emancipatória, utilizando para isso os mais
diversos recursos tecnológicos e metodológicos”, na feliz
definição de Bruno Leal (CARVALHO 2017) – quando, em 2013,
propus a Hebe Mattos e Martha Abreu que transformássemos
o Inventário dos Lugares de Memória do Tráfico Atlântico de
Escravos e da História dos Africanos Escravizados no Brasil,
que, com Milton Guran, elas haviam acabado de finalizar, em
um banco de dados digital (ABREU; MATTOS; GURAN 2013). A
ideia inicial era disponibilizar as informações sobre os lugares
de memória já incluídos no inventário, acrescidos de verbetes
sobre o patrimônio imaterial do estado do Rio de Janeiro, tais
como rodas de capoeira e grupos de jongo, localizando-os em
um grande mapa digital do Brasil. 1 - O material pro-
duzido no âmbito do
projeto está disponí-
O projeto, posteriormente batizado de Passados Presentes: vel no site Passados
memória da escravidão no Brasil, acabou sendo transformado Presentes: memória
da escravidão no Bra-
em um projeto de turismo de memória realizado em parceria sil: www.passados-
com as comunidades jongueiras de Pinheiral e quilombolas de presentes.com.br.
Os quatro aplicativos
Bracuí (Angra dos Reis) e de São José (Valença). Para incentivar para celular também
a visitação pública, construímos memoriais a céu aberto e estão disponíveis para
download gratuito
desenvolvemos quatro aplicativos para celular com roteiros na Google Play e na
turísticos, incluindo também a Pequena África, região na zona Apple Store.

portuária do Rio de Janeiro recentemente reconhecida pela


UNESCO como Patrimônio da Humanidade, que compreende
o cais do Valongo, o quilombo da Pedra do Sal e o cemitério
dos pretos novos.1 O projeto acabou ganhando dimensões
que à época jamais podíamos imaginar: em 2015, Pinheiral
recebeu o título de “capital do jongo” e a antiga sede da
Fazenda do Pinheiro foi transformada no Parque das Ruínas
da Fazenda São José do Pinheiro; no ano seguinte, por conta
de representações históricas equivocadas, fomos chamadas a
colaborar na reorganização de visitas turísticas em fazendas do
Vale do Paraíba (OLLIVEIRA 2016; ABREU 2017). Há muito o
que falar sobre o Passados Presentes. Aqui, procurarei me ater
à reflexão sobre as questões suscitadas a partir do projeto.

156 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
O mundo não é dos espertos

Há pouco mais de vinte anos, em sua obra-prima Silencing


the Past, Michel Rolph-Trouillot se perguntava por que, dado que
não se poderia afirmar que “o impacto da escravidão (…) tenha
sido mais forte nos Estados Unidos do que no Brasil e no Caribe,”
“tanto a relevância simbólica da escravidão como trauma e
a relevância analítica da escravidão como explicação sócio-
histórica são muito mais preponderantes nos Estados Unidos do
que no Caribe.” Para ele, “a experiência dos afrodescendentes
fora dos Estados Unidos desafia a correlação direta entre os
traumas do passado e a relevância histórica” (TROUILLOT 1995,
p. 17-18). Não sei se as perguntas de Trouillot chegaram a ser
pertinentes para se pensar a escravidão e sua memória no
Brasil. Elas certamente estão informadas pela força do debate
sobre ação afirmativa e reparação racial nos Estados Unidos,
e talvez estejam influenciadas por uma certa mistificação
das relações raciais ao sul do Equador. Talvez. Mas o fato é
que, independente da acuidade da percepção de Trouillot em
1995, as respostas a tais perguntas seriam substancialmente
diferentes, se fossem formuladas hoje em dia. E isso se dá
porque, mesmo que ainda de forma acanhada, é indiscutível
a existência, no Brasil de hoje, de um movimento público de
confrontação do passado que passa fundamentalmente pelo
reconhecimento da existência do racismo no presente.

De maneira diferente de há vinte anos, hoje ninguém


questiona que, assim como os norte-americanos, nós, no
Brasil, também lidamos com uma ferida aberta, gerada pela
tragédia do passado escravista. Uma ferida que traz culpa,
ressentimento e raiva. Mas que, assim como finalmente vem
sendo encarada pela sociedade em geral, não pode mais ser
ignorada pela comunidade acadêmica. Assim, de diferentes
lugares e perspectivas, estamos lidando com a mesma questão
essencial: como lidar com o passado traumático, que conecta as
antigas sociedades escravistas das Américas? Com um passado
traumático mediado não apenas pela cultura contemporânea
mas continuamente reencenado no mundo do turismo, do
entretenimento, das artes, mas também (e principalmente) na
cotidiana experiência do racismo e da desigualdade?

157 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
Keila Grinberg

Para seguir adiante, é inevitável enfrentar as tensões entre


o conhecimento criado na universidade, validado por métodos
reconhecidos como científicos pela comunidade acadêmica;
aquele construído pelas comunidades tradicionais, baseadas
em memórias, elas próprias recriadas ao longo do tempo,
e por artistas e demais profissionais do mundo das artes e
do entretenimento. Mesmo que entrelaçados em um espaço
público comum, no qual são construídas diferentes visões sobre
o passado escravista, esses campos trabalham com distintas
formas de validação do conhecimento e é preciso reconhecer a
tensão entre eles: de um lado, as reivindicações de autenticidade,
objetividade, realidade do conhecimento histórico tido como
científico; de outro, o processo de memorialização, tanto as
memórias traumáticas quando as criadas pela dramatização,
pelas narrativas ficcionais, pelas representações artísticas
(CROWNSHAW 2014; HUYSSEN 1995).

É um terreno pantanoso, o que pisamos. Como podemos


construir uma visão historicamente correta da escravidão que
seja, ao mesmo tempo, sensível e complexa, que abarque as
ambiguidades comuns a todos os seres humanos, mas que seja
ao mesmo tempo respeitosa? Como interpretar as diferentes
formas de reação do público? É correto visitar lugares de tragédia
e genocídio como turistas? Como distinguimos projetos de visita
educativa da pura e simples exploração? Como desenvolver
uma parceria saudável entre o patrimônio cultural da diáspora
africana e o turismo cultural e de memória? (MILES 2015;
PINHO 2015, p. 218-237; MONTERO 2017). E o que faremos
não apenas com as estátuas de antigos heróis que estamos
derrubando, mas com as antigas fazendas escravistas? Devem
ser transformadas em santuários, devem ser destruídas?

O que deve ser lembrado e o que deve ser esquecido em


museus e monumentos, novos e antigos (WILLIAMS 2007; DOSS
2012; RICE 2013)? Se é verdade que o turismo diz respeito à
criação de uma “harmonia transcultural”, seu objetivo final é
prover uma experiência histórica catártica (HAVISER 2005)?
Estamos presenciando um processo de espetacularização

158 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
O mundo não é dos espertos

da escravidão no cinema, no teatro, na televisão? Quem se


beneficia dele? É correto desenvolver games sobre o tema da
escravidão (MUKHERJEE 2016; KERRI 2017; DESATOFF 2017;
ROMERO 2011)? Quais são as fronteiras entre a disseminação do
conhecimento e o estímulo ao consumismo cultural? Questões
como essas só reforçam a frase de Nabuco: a escravidão
permaneceu, durante todo este tempo, a característica nacional
do Brasil. Mesmo passados 130 anos de sua abolição, ela
continua deixando marcas profundas na sociedade brasileira.

É claro que esta não é uma discussão acadêmica tradicional.


São perguntas sem resposta. Mas elas não só configuram uma
agenda pública e acadêmica de preocupações que espero seguir
no futuro próximo, mas também uma maneira de olhar para o
passado que não tem mais como ser desconectada do presente.
Embora seja essa a esperança de boa parte dos historiadores
públicos, é difícil dizer se nosso trabalho terá algum impacto
na agenda política contemporânea. O oposto, no entanto, me
parece garantido: a convivência com os movimentos sociais
e a premência das demandas contemporâneas vêm deixando
marcas inegáveis na produção intelectual dos historiadores
públicos da escravidão, engajados em escrever uma história
que tenha sentido para além dos domínios da universidade.

4. Imigração, antissemitismo e trauma cultural


Dos meus quatro avós, três eram imigrantes. Minha avó
materna, a única brasileira, descendia de uma família de judeus
marroquinos imigrados para o Pará em meados do século XIX.
Meus avós paternos, vindos da Bessarábia (então Romênia,
depois Rússia, depois União Soviética, de novo Romênia, hoje
Moldávia), chegaram ao Brasil em momentos diferentes da
década de 1910. E meu avô materno saiu da Alemanha em
1936. Viveram muito, todos. Eu já estudava História quando o
primeiro deles faleceu, beirando os 90 anos de idade.

Durante meus anos de formação, com frequência me


perguntavam se eu não iria me especializar em algum tema

159 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
Keila Grinberg

relativo à história dos judeus. Eu sempre respondia que não, que


não queria me dedicar a uma narrativa que me parecia muito
autocentrada, como se toda a história judaica fosse, no fundo,
sobre minha família. Só que a minha suposta falta de interesse
não convencia ninguém. Olhando retrospectivamente, acho
interessante que o pouco de original que escrevi sobre o assunto
diga respeito à presença dos judeus no Brasil (GRINBERG
2005, p. 199-218). E que, do meu passado imigrante, o que
mais tenha me instigado seja o marroquino, justamente aquele
sem conexões diretas com o antissemitismo; talvez a presença
de sete gerações no país tenha apagado qualquer possível
referência dolorosa ao passado no Marrocos.

Sigo por este caminho porque foi só depois do Passados


Presentes e das discussões contemporâneas sobre racismo,
reparação e privilégio que comecei a refletir de maneira mais
sistemática sobre o meu próprio passado familiar, as maneiras
como eu o vivenciei e seus efeitos em minhas escolhas
profissionais. Recentemente, me dei conta de que não sabia
nada, ou quase nada, sobre a infância e a juventude dos meus
três avós antes de saírem da Europa. Minha avó Eva veio de
Yedinitz com seus pais; meu avô Luiz nasceu em Britchon, e
de lá saiu com um primo, deixando a família toda para trás. O
que foi feito de suas famílias, seus avós, tios, primos, amigos?
Não sei.

Conheço bastante a chegada de meu avô alemão na


Bahia, em 1936, para onde um de seus irmãos mais velhos já
havia imigrado no fim dos anos 1920. Sei que foi trabalhar na
fábrica alemã de tabaco de Cachoeira, virou caixeiro viajante,
conheceu minha avó em Belém, vieram parar no Rio. Sei de sua
infância em uma cidadezinha na fronteira entre a Alemanha e
a França. Mas só tenho informações genéricas sobre os anos
que antecederam a sua saída, logo após a promulgação das
leis de Nuremberg (1935). Felizmente, foi antes da “Noite
dos Cristais”, a Kristallncht, quando sinagogas, casas e lojas
de judeus foram atacadas em toda a Alemanha; mas, em
novembro de 1938, seus pais ainda estavam lá – meu bisavô

160 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
O mundo não é dos espertos

chegou a ser levado por um tempo para Dachau, de onde só


saíram em setembro de 1939. O que aconteceu com seus tios
e primos? Conseguiram fugir da Alemanha a tempo? Teriam ido
parar em Auschwitz?

O mais incrível é que não sei de nada porque nunca perguntei.


Eu dava aulas de história judaica, lia sobre o antissemitismo
russo e o Holocausto, mas nunca fiz nem uma pergunta para os
meus avós. Quando decidiram imigrar, como se prepararam, o
que sentiram, o que pensaram, o que trouxeram. Meu interesse
nas experiências individuais frente aos constrangimentos de
cada época não se aplicou aos meus avós.

Uma das leituras mais impactantes que fiz recentemente


foi a do livro Cultural Trauma: slavery and the formation
of African American identity, do sociólogo Ron Eyerman
(2002). O conceito de trauma cultural refere-se aos efeitos 2 - O conceito de
trauma cultural foi
causados por um evento traumático do passado na memória desenvolvido por Je-
coletiva de um grupo específico, que marca suas memórias ffrey Alexander, Neil
Smelser, Ron Eyer-
ao longo do tempo e define, de maneira indelével, sua man, Bernard Giesen
identidade coletiva (ALEXANDER 2004, p. 1-30).2 Baseado e Piotr Sztompka em
1998 e 1999, em um
na literatura sobre a memória contemporânea do Holocausto grupo liderado pelos
(BAUMAN 1998; YOUNG 1993; JACOBS 2016), Eyerman dois primeiros.

argumenta não ser a vivência pessoal da escravidão, mas sua


reencenação cotidiana, na forma do racismo, o que explica a
existência do trauma cultural no caso dos Estados Unidos, por
ele estudado. Daí que os negros americanos – assim como os
brasileiros, mesmo não sendo necessariamente descendentes
de escravos, ao sofrerem cotidianamente as consequências do
nosso passado escravista, são traumatizados por um passado
que não viveram.

Crescendo no Rio de Janeiro dos anos 1970 e 1980, tinha


a impressão de que os relatos sobre o Holocausto pertenciam
a um passado bem longínquo, mais distantes que a própria
escravidão brasileira. Talvez porque eles não viessem
acompanhados da experiência do antissemitismo a avivá-lo,
a transformá-lo em trauma a ser passado para as gerações
seguintes. Os traumas dos meus avós ficaram com eles. Nós

161 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
Keila Grinberg

ficamos com as histórias de sobrevivência, da imigração para


o Brasil, do Pessach, da libertação da escravidão no Egito. Em
tal contexto, não é à toa que eu tenha me voltado justamente
para o estudo do passado escravista brasileiro.

Mas não é só de memórias e silêncios que se dá a


conexão entre os passados sensíveis do antissemitismo e da
escravidão (THOMAS 1993; GRIN 2017). Super representados
na universidade em comparação ao diminuto tamanho da
população, vários intelectuais judeus se dedicaram a estudar,
no Brasil, o tema das relações raciais (RATTNER 1977;
SORJ 1997; GRUN 1999; GRIN 2008; 2010).3 No entanto,
paradoxalmente, quando a questão da ação afirmativa começou
a ser discutida em seu viés racial, muitos de nós fomos,
no mínimo, hesitantes em aderir à proposta de introduzir a
categoria da raça como critério de distinção entre as pessoas
— ainda que fosse uma discriminação positiva. Por que tantos
de nós tivemos tanta dificuldade em lidar com a ressignificação 3 - Quem inicialmen-
do conceito de raça no contexto brasileiro? As respostas a essa te formulou a questão
da conexão entre ju-
pergunta não me parecem simples e constituem, elas próprias, deus e o tema das re-
uma agenda interessante de reflexão. Por um lado, o trauma lações raciais foi Mo-
nica Grin.
cultural judaico e a recusa em aceitar a existência de qualquer
raça que não seja a humana; por outro, as dificuldades em
lidar com uma situação histórica de racialização que não nos
atinge.

Mas há mais. Nos pouco mais de setenta anos que se


sucederam ao Holocausto, a postura judaica progressista
era a do universalismo, ou seja, da defesa da análise do
fenômeno em sua dimensão humana: como um crime contra
a Humanidade. Intelectuais como Hannah Arendt esforçaram-
se para negar as interpretações excludentes, particularistas e,
muitas vezes, sionistas da tragédia do Holocausto (ARENDT
1989; 1999; STONE 2004; ROSENBAUM 2009; HELED 2009).
A melhor expressão pública dessa discussão foi a disputa de
narrativas empreendida pelos museus/memoriais dedicados
ao Holocausto: o Yad Vashem, em Jerusalém, cuja exposição
permanente foi recentemente reformada, e o Smithsonian

162 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
O mundo não é dos espertos

Museu do Holocausto, nos Estados Unidos (HANSEN-


GLUCKLICH 2014; GOLDBERG 2012; LA CAPRA 1998, caps. 1
e 6). Nessa linha, era e é muito importante que os estudiosos
do assunto não fossem apenas judeus e que, principalmente,
o antissemitismo e o Holocausto não fossem tidos como um
assunto particular judaico; para eles, ao lugar de fala judaico
deveriam se somar muitos outros, porque só a compreensão
ampla do fenômeno possibilitaria que isso nunca mais voltasse
a acontecer.

Ao mesmo tempo, sub-representados no mundo acadêmico,


principalmente se comparados à sua proporção na população
brasileira, vem crescendo entre intelectuais negros a defesa da
especificidade do estudo da escravidão e das relações raciais
no Brasil. Entre a reivindicação da singularidade e a defesa da
universalidade, como nos posicionamos? Concordamos com as
especificidades da produção do conhecimento nos diferentes
contextos? Aceitamos as diferenças provocadas pelos diversos
4 - Agradeço a Pedro
lugares de fala? Existe um lugar de fala específico dos intelectuais Caldas por me cha-
judeus brasileiros, todos brancos, que se dedicam a analisar mar a atenção para o
conceito de distância
a escravidão e as relações raciais brasileiras? Estamos sendo histórica.
suficientemente sensíveis às reivindicações da legitimidade do
lugar de fala negro?

Foi ouvindo as memórias e as falas das lideranças jongueiras


e quilombolas Marilda de Souza, Maria de Fatima da Silveira
(Fatinha) e Antonio Nascimento Fernandes (Toninho Canecão)
que passei a me interessar mais pelo antissemitismo que
não sofri. Curiosamente, foram eles que fizeram com que a
distância histórica que eu mantinha em relação ao meu próprio
passado não só diminuísse, mas que o tema do antissemitismo
se tornasse mais concreto e relevante para mim (HOLLANDER
2011; BEVIR 2011).4 Os quilombolas reinventam, no melhor
sentido do termo, a tradição de seus antepassados através
da dança, da música, da religião. Quando entrei na roda do
quilombo de São José pela primeira vez, de tanto ouvir o
Toninho pedindo permissão aos seus antepassados, me peguei
saudando os meus. Desde então, li as memórias da minha

163 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
Keila Grinberg

prima alemã Alice Goldstein, cujo núcleo familiar permaneceu


na Alemanha até o início da Segunda Guerra e, seguindo
uma sinalização muito semelhante à do Passados Presentes,
percorri o roteiro “Sentiers de Mémoire”, trilhas da memória,
do maquis Ventoux, no sul da França, até chegar ao lugar onde
meu tio-avô Alfred Epstein, que havia aderido à Resistência
Francesa, foi assassinado em 1944 (GOLDBERG 2008; SAINT-
MARC 2015; POULIN 2017). Ainda não fui a Dachau nem a
Auschwitz. Continuo sabendo quase nada sobre a vida europeia
dos meus avós paternos. Mas criei uma sensibilidade que antes
me parecia forçada. Se o conceito de trauma cultural não
se aplica a judeus dos trópicos como eu, hoje certamente
compreendo melhor que as ausências, as histórias não contadas,
encontraram, em outro tema, espaço fértil para crescer em
minha formação. 5 - A bibliografia so-
bre o assunto é am-
pla, e não cabe ex-
Não é exagero dizer que a vivência do Passados Presentes plorá-la com detalhes
me ajudou a ressignificar o exercício do meu próprio aqui. No entanto, é
importante frisar que
judaísmo. Refletindo sobre os traumas do passado, sobre o boa parte desta dis-
que conhecemos e o que nunca vamos saber, pude entender cussão está funda-
da na obra de Frantz
que, desde aquelas noites quentes dos jantares de Pessach, o Fanon (2008). Para
que me interessa mais profundamente no estudo da História exemplos recentes,
ver SCHUCMAN 2014,
são as injustiças históricas e a maneira como os diferentes MULLER; e CARDOSO
indivíduos, principalmente aqueles em situação de 2017.

vulnerabilidade, lidam com os constrangimentos de cada tempo


(THOMPSON 2002; BROWN 2006; BERG; SCHAEFER 2009;
RUSHDY 2015).

5. O mundo não é dos espertos


A primeira versão deste texto terminava aqui. Mas,
pensando melhor, entendi por que o final não me satisfazia.
Muitos ativistas negros vêm chamando a atenção para a
necessidade de os brancos encararem de frente a própria
branquitude, e nisso estão cobertos de razão.5 Mesmo
ganhando força ultimamente, o debate sobre o mal-estar em
relação ao passado escravista e o desconforto dos brancos
em relação aos próprios privilégios ainda está engatinhando.

164 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
O mundo não é dos espertos

Não é uma discussão fácil. Até porque tem como contraponto


a construção de uma certa memória imigrante que valoriza
o trabalho árduo, o sacrifício e a poupança tidos como
imprescindíveis para a ascensão social (SEYFERTH 1996).

A questão é que, voltando à minha memória de infância,


para combater a esperteza reinante em nossa sociedade é
preciso mais do que reclamar com os adultos. Crescendo no Rio
de Janeiro em uma família de classe média, eu não sabia, mas
era muito mais branca do que judia. Comecei a perceber isso
no fim dos anos 1980, pela primeira vez estudando em uma
instituição pública – ainda que a universidade fosse bem mais
branca do que é hoje, era incomparavelmente mais diversa
do que a escola judaica que eu havia frequentado até então.
No fundo, a trajetória intelectual e acadêmica que narro neste
texto não é tributária apenas da minha formação universitária,
mas fundamentalmente dos anos que a precederam. Estudei
música e pratiquei todos os esportes que quis; quando ingressei
na universidade, já havia completado os cursos básicos de
inglês e francês e havia visitado a Europa, os Estados Unidos e
Israel. O resto veio depois.

É impossível terminar este texto sem reconhecer que, se o


passado não temos como modificar, o mínimo a fazer é trabalhar
para que ele passe de uma vez. Ou quem sabe tudo isso talvez
não possa ser melhor resumido na recusa, intelectual e prática,
de que o mundo seja mesmo dos espertos, como insistia a
minha avó. O mundo não é dos espertos. Não pode ser.

REFERÊNCIAS

ABREU, Martha. #FazendaSemRacismo. Conversa de


Historiadoras, 10 de maio de 2017. Disponível em: https://
bit.ly/2YXY9yx. Acesso em: 15 jun. 2018.

165 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
Keila Grinberg

ABREU, Martha; MATTOS, Hebe. Passados Presentes.


Caixa de 4 DVDs. Niterói: Eduff, 2012. Disponível em:
http://www.labhoi.uff.br/passadospresentes/. Acesso em:
7 jun. 2018.

ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Parecer sobre a Arguição


de Descumprimento de Preceito Fundamental, ADPF/186,
apresentada ao Supremo Tribunal Federal em 4 de março
de 2010. Fundação Perseu Abramo, 2010. Disponível
em: https://bit.ly/2Kn4S1b. Acesso em: 18 jun. 2018.

ALEXANDER, Jeffrey et alii. Cultural Trauma and


Collective Identity. Berkeley: University of California
Press, 2004.

ALMEIDA, Anita; GRINBERG, Keila; GRINBERG, Lucia.


Para Conhecer Machado de Assis. Rio de Janeiro, Jorge
Zahar, 2005.

ALMEIDA, Anita; GRINBERG, Keila; GRINBERG, Lucia. Para


Conhecer Chica da Silva. Rio de Janeiro, Jorge Zahar,
2007.

ANCINE. Listagem de Filmes Brasileiros com mais de


500.000 Espectadores (1970 a 2017). ANCINE. Rio de
Janeiro, 2017. Disponível em: https://bit.ly/2Mp5aXQ.
Acesso em: 20 jun. 2018.

ARENDT, Hannah. Heichmann em Jerusalém: um relato


sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das
Letras, 1999.

ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo:


antissemitismo, imperialismo, totalitarismo. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Holocausto. Rio de


Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

166 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
O mundo não é dos espertos

BERG, Manfred; SCHAEFER, Bernard. Historical Justice


in International Perspective: how societies are trying
to right the wrongs of the past. Cambridge: Cambridge
University Press, 2009.

BEVIR, Mark. Why historical distance is not a problem.


History and Theory, Theme Issue 50, p. 24-37, 2011.

BROWN UNIVERSITY, Confronting Historical Injustices:


comparative perspectives. Slavery and Justice.
Providence: Brown University, 2006.

CARVALHO, Bruno Leal Pastor de. História Pública: uma


breve bibliografia comentada. Café História - história
feita com cliques, 6 de novembro de 2017. Disponível
em: https://www.cafehistoria.com.br/historia-publica-
biblio/.. Acesso em: 9 set. 2019.

CERRI, Luiz Fernando. Ensino de História e Consciência


Histórica. Rio de Janeiro: FGV, 2011.

CHALHOUB, Sidney. Trabalho, Lar e Botequim. Campinas:


Editora da Unicamp, 2001.

CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade: uma história


das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo:
Cia. das Letras, 1990.

CONY, Carlos Heitor. Pessach, a travessia. Rio de Janeiro:


Alfaguara, 2007, 6a ed. (1967).

COSTA, Emilia Viotti da. A dialética invertida: 1960-1990.


In: COSTA, Emilia Viotti da. A dialética invertida e
outros ensaios. São Paulo: Editora da Unesp, 2014.

CROWNSHAW, Richard. History and Memorialization. In:


BERGER, Stefan; NIVEN, William John (orgs.). Writing
the History of Memory. London: Bloomsbury Academic,
2014.

167 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
Keila Grinberg

DAVIS, Natalie Zemon. Decentering History: Local Stories


and Cultural Crossings in a Global World. History and
Theory, v. 50, n. 2, p. 188-202, 2011.

DAVIS, Natalie Zemon. O retorno de Martin Guerre. São


Paulo: Paz e Terra, 1987.

DESATOFF, Sam. How board games handle slavery.


Waypoint, 14 de março de 2017. Disponível em: https://
bit.ly/2WhnMgR. Acesso em: 31 mai. 2019.

DOSS, Erika. Memorial Mania: public feeling in America.


Chicago: University of Chicago Press, 2012.

EYERMAN, Ron. Cultural Trauma: Slavery and the


Formation of African American Identity. Cambridge:
Cambridge University Press, 2002.

FANON, Franz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador:


Edufba, 2008.

FERNANDES, Florestan; BASTIDE, Roger. Relações


raciais entre negros e brancos em São Paulo. São
Paulo: UNESCO/Anhembi, 1955.

FERREIRA, Roquinaldo. Biografia como História Social:


o Clã Ferreira Gomes e os Mundos da Escravização no
Atlântico Sul. Varia História, v. 29, n. 51, p. 679-695,
2013.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1977.

FREIRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. Rio de Janeiro:


Maia e Schmidt, 1933.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de


Janeiro, Zahar, 1978 (1973).

168 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
O mundo não é dos espertos

GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e


as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São
Paulo: Companhia das Letras, 1987.

GOLDBERG, Alice Dreifuss. Ordinay People, Turbulent


Times. Bloomington: AuthorHouse, 2008.

GOLDBERG, Amos. The ‘Jewish narrative’ in the Yad


Vashem global Holocaust museum. Journal of Genocide
Research, v. 14, n. 2, p. 187-213, 2012.

GRIN, Monica. Jews, Blacks, and the Ambiguities of


Brazilian Multiculturalism. In: LEWERANT, Judit; RAFAEL,
Eli Ben; RAIN, Raanin. (orgs.). Jewish Identities in
an Era of Globalization and Multiculturalism: Latin
America in Comparative Perspective. Leiden and Boston:
Brill Publishers, 2008.

GRIN, Monica. Raça: debate público no Brasil. Rio de


Janeiro: Mauad, 2010.

GRIN, Monica. Blacks, Jews, and the Paradoxes of the


Struggle against Racial Prejudice in Contemporary Brazil.
In: BEJARANO, Margalit; HAREL Yaron Harel; TOPEL,
Marta; YOSIFON, Margalit (orgs.). Jews and Jewish
Identities in Latin America: historical, cultural and
literary perspectives. Brighton, Academic Studies Press,
2017.

GRINBERG, Keila. Judeus, judaísmo e cidadania no Brasil


Imperial. In: GRINBERG, Keila. Os judeus no Brasil:
inquisição, imigração, identidade. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2005.

GRINBERG, Keila. Liberata: a lei da ambiguidade: as


ações de liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro
no século XIX. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994.

169 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
Keila Grinberg

GRUN, Roberto. Construindo um lugar ao sol: os judeus do


Brasil. In: FAUSTO, Boris Fausto (org.). Fazer a América:
a imigração em massa para a América Latina. São Paulo:
Edusp, 1999.

HANSEN-GLUCKLICH, Jennifer. Holocaust Memory


Reframed: Museums and the Challenges of Representation.
New Brunswick: Rutgers University Press, 2014.

HAVISER, Jay B. Slaveryland. A new genre of African


heritage abuse. Public Archaeology, v. 4, p. 27-34, 2005.
Disponível em: https://doi.org/10.1179/pua.2005.4.1.27.
Acesso em: 31 de maio de 2019.

HEBRARD, Jean. L’esclavage au Brésil: le débat


historiographique et ses racines. In: HEBRARD, Jean (org.).
Brésil, quatre siècles d’esclavage: nouvelles questions,
nouvelles recherches. Paris: Editions Karthala, 2012.

HELED, Galia Glasner. Responsive Holocaust Memory –


Integrating the Particular and the Universal. Teaching the
Holocaust, v. 8, n. 1, 2009. Disponível em: https://bit.
ly/2wviHCn. Acesso em: 31 mai. 2019.

HILL, Christopher. O mundo de ponta-cabeça: idéias


radicais durante a Revolução Inglesa de 1640. São Paulo:
Companhia das Letras, 1987.

HOBSBAWM, Eric. Os trabalhadores: estudos sobre a


história do operariado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.

HOLLANDER, Jaap Den; PAUL, Herman; PETERS, Rik.


Introduction: the metaphor of historical distance. History
and Theory, Theme Issue 50, p. 1-10, 2011.

HUYSSEN, Andreas. Twilight Memories: Marking Time in


a Culture of Amnesia. New York: Routledge, 1995.

JACOBS, Janet. The Holocaust across Generations.


New York: New York University Press, 2016.

170 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
O mundo não é dos espertos

KELLEY, Robert. Public History: It’s Origins, Nature and


Prospects. The Public Historian, v. 1, n. 1, p. 16-28,
1978.

KERRI, Amanda. How historical games integrate or ignore


slavery. Rock Paper Shot Gun, 17 de janeiro de 2017.
Disponível em: https://bit.ly/2W2NXTv. Acesso em: 31
mai. 2019.

KLEIN, Herbert S. A experiência afro-americana numa


perspectiva comparada: a situação do debate sobre a
escravidão nas Américas. Afro-Ásia, v. 45, p. 95-121,
2012.

KLEIN, Herbert S; REIS, João José. Slavery in Brazil.


In: MOYA, José (org.). The Oxford Handbook of Latin
American History. Oxford: Oxford University Press, 2011.

LA CAPRA, Dominick. History and Memory after


Auschwitz. Ithaca: Cornell University Press, 1998.

LARA, Silvia. Campos da Violência: escravos e senhores


na capitania do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1988.

MACHADO, Maria Helena. Crime e Escravidão. São Paulo:


Brasiliense, 1988.

MACHADO, Maria Helena. O Plano e o Pânico: os


movimentos sociais na década da abolição. São Paulo:
Edusp, 1994.

MAMIGONIAN, Beatriz. Africanos livres: a abolição do


tráfico de escravos no Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras, 2017.

171 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
Keila Grinberg

MARQUESE, Rafael. Estrutura e agência na historiografia


da escravidão: a obra de Emília Viotti da Costa. In: LUCA,
Tania de; FERREIRA, Antonio Celso; BEZERRA, Holien
Gonçalves (orgs.). O historiador e seu tempo. São Paulo:
Editora Unesp, 2008.

MARQUESE, Rafael; SALLES, Ricardo (orgs.). Escravidão


e Capitalismo Histórico no século XIX: Brasil, Cuba e
Estados Unidos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.

MATTOS, Hebe. Das Cores do Silêncio: os significados


da liberdade no sudeste escravista – Brasil século XIX. Rio
de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995.

MATTOS, Hebe; ABREU, Martha; GURAN, Milton (orgs.).


Inventário dos Lugares de Memória do Tráfico
Atlântico de Escravos e da História dos Africanos
Escravizados no Brasil. Niterói: LABHOI/UFF, 2013.

MATTOS, Hebe; RIOS, Ana Lugão. Memórias do


Cativeiro: família, trabalho e cidadania no pós-abolição.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

MILES, Tyia. Tales from the Haunted South: Dark


Tourism and Memories of Slavery from the Civil War Era.
Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2015.

MONTERO, Carla Maria Guerrón. To Preserve is to Resist:


Threading Black Cultural Heritage from within in Quilombo
Tourism. Souls: a critical jornal of black politics, culture
and society, v. 19, n. 1, p. 75-90, 2017.

MUKHERJEE, Souvik. Video Games and Slavery.


Transactions of the Digital Games Research
Association, v. 2, n. 3, p. 243-260, 2016.

MULLER, Tania; CARDOSO, Lourenço (orgs.). Branquitude:


estudos sobre a identidade branca no Brasil. Rio de Janeiro:
Appris, 2017.

172 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
O mundo não é dos espertos

NABUCO, Joaquim. Minha Formação. Rio de Janeiro:


Garnier, 1900.

OLLIVEIRA, Cecilia. Turistas podem ser escravocratas


por um dia em fazenda ‘sem racismo’. The Intercept
Brasil, 6 de dezembro de 2016. Disponível em: https://bit.
ly/2gM7DKt. Acesso em: 31 mai. 2019.

PINHO, Patricia de Santana. ‘The Way We Were’: African


American Roots Tourism in Bahia and the Temporal Mapping
of Heritage. Carnets du Lahic, v. 11, p. 218- 237, 2015.

POULIN, Michel. Maubec-Coustellet, La guerre 1939-


1945, témoignages. Maubec: Association Maubec
Autrefois, 2017.

RATTNER, Henrique. Tradição e mudança: a comunidade


judaica em São Paulo. São Paulo: Ática, 1977.

RICE, Alan. Creating Memorials, Building Identities: the


politics of memory in the Black Atlantic. In: KEAN, Hilda;
MARTIN, Paul Martin (orgs). The Public History Reader.
London: Routledge, 2013.

ROMERO, Brenda. Jogar para compreender. TED: ideas


worth spreading. Novembro de 2011. Disponível em:
https://bit.ly/2WBGHCr. Acesso em: 31 mai. 2019.

ROSENBAUM, Alan (org.). Is the Holocaust Unique?


Perspectives on Comparative Genocide. New York:
Westview Press, 2009.

RUSEN, Jörn. História Viva: teoria da história: formas e


funções do conhecimento histórico. Brasília: Editora UnB,
2007.

RUSHDY, Ashraf. A guilted age: apologies for the past.


Philadelphia: Temple University Press, 2015.

173 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
Keila Grinberg

SAINT-MARC, Jean. Massacres, trahisons et sabotages:


l’histoire méconnue du maquis du Ventoux. France Bleu, 7
de maio de 2015. Disponível em: https://bit.ly/2WBOdgL.
Acesso em: 20 abr. 2018.

SCHUCMAN, Lia V. Entre o encardido, o branco e o


branquíssimo: branquitude, hierarquia e poder na cidade
de São Paulo. São Paulo: Annablume, 2014.

SCLIAR, Moacyr. Um seder para nossos dias. São Paulo:


Shalom, 1988.

SEYFERTH, Giralda. Construindo a Nação: Hierarquias


Raciais e o Papel do Racismo na Política de Imigração e
Colonização. In: MAIO, Marcos Chor; SANTOS, Ricardo
Ventura (orgs.). Raça, Ciência e Sociedade. Rio de
Janeiro: Fiocruz/CCBB, 1996.

SLENES, Robert W. Slenes. Brazil. In: PAQUETTE, Robert;


SMITH, Mark (orgs.). The Oxford Handbook of Slavery
in the Americas. Oxford: Oxford University Press, 2010.

SORJ, Bila. Identidades judaicas no Brasil


contemporâneo. Rio de Janeiro: Imago, 1997.

STONE, Dan (org.). The Historiography of the Holocaust.


Londres: Palgrave Macmillan, 2004.

TANNENBAUM, Frank. Slave and Citizen. New York:


Beacon Press, 1947.

TAUNAY, Alfredo D’Escragnolle. A Mocidade de Trajano.


Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1871. 2 vols.

TAUNAY, Alfredo D’Escragnolle. A Retirada da Laguna.


Rio de Janeiro: Martin Claret, 2003 (1871).

TAUNAY, Alfredo D’Escragnolle. Inocência. Rio de Janeiro:


Record, 2017 (1872).

174 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
O mundo não é dos espertos

THOMAS, Laurence M. Vessels of Evil: American Slavery


and the Holocaust. Philadelphia: Temple University Press,
1993.

THOMPSON, E. P. A Formação da Classe Operária


Inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987a.

THOMPSON, E. P. Senhores e Caçadores: a origem da lei


negra. São Paulo: Paz e Terra, 1987b.

THOMPSON, Janna. Taking Responsibility for the Past:


Reparation and Historical Injustice. Cambridge: Polity,
2002.

TRIVELATTO, Francesca. Is there a future for italian


microhistory in the age of global history. California
Italian Studies, v. 2, n. 1, 2011. Disponível em: https://
bit.ly/2HMxlvj. Acesso em: 31 mai. 2019.

TROUILLOT, Michel Ralph. Silencing the Past: Power and


the Production of History. Boston: Beacon Press, 1995.

VELOSO, Caetano. Noites do Norte. New York: Nonesuch


Records, 2000 (CD).

WILLIAMS, Eric. Capitalism and Slavery. Chapel Hill:


University of North Carolina Press, 1944.

WILLIAMS, Paul. Memorial Museums: the global rush to


commemorate atrocities. Oxford: Berg, 2007.

YOUNG, James. The texture of memory: Holocaust


memorials and meaning. New Haven: Yale University Press,
1993.

175 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
Keila Grinberg

AGRADECIMENTOS E INFORMAÇÕES

Keila Grinberg
keila.grinberg@gmail.com
Professora Titular do Departamento de História
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
Brasil

Esta pesquisa contou com apoios do CNPq e da FAPERJ


e faz parte das atividades do projeto ECHOES (financiado
pelo European Union’s Horizon 2020) - com o financiamento
número 770248.

RECEBIDO EM: 1º/JUN./2019 | APROVADO EM: 23/SET./2019

176 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 145-176 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1491
HISTÓRIA DA Ouro Preto / MG - Brasil

HISTORIOGRAFIA

Ortega y Gasset’s reception through political


contingences. A historiographical study in Spanish
intellectual history
A recepção de Ortega y Gasset através de contingências
políticas. Um estudo historiográfico da história intelectual
espanhola
Paolo Scotton
https://orcid.org/0000-0002-3553-8076

ABSTRACT

This article aims at analysing a particular case within


Spanish historiography: how the writings, speeches and RESUMO
public activities of one of the greatest intellectuals of
this country, the philosopher José Ortega y Gasset, were O presente artigo tem como objetivo analisar um

perceived, discussed and studied by Spanish historians caso particular da historiografia espanhola: como os

and scholars from the beginning of his exile onwards. escritos, discursos e atividades públicas de um dos

Its goal is exclusively that of exhibiting, through a single maiores intelectuais do país, o filósofo José Ortega y

but very significant case, the strong interdependence Gasset, foram percebidos, discutidos e estudados por

between historiographical activity and socio-political historiadores e estudiosos espanhóis do início do exílio

environment, between historiographical interpretations desse pensador em diante. O objetivo é exclusivamente

and political credos, both in the course and because of exibir, através de um caso único, mas muito significativo,

the long and pervasive influence of Franco’s dictatorship a forte interdependência entre a atividade historiográfica

in Spain. e o ambiente sociopolítico, entre as interpretações


historiográficas e os credos políticos, tanto no decorrer
como por causa da longa e difundida influência da
ditadura de Franco na Espanha.

KEYWORDS
20th century historiography; Political history;
Intellectual history
PALAVRAS-CHAVE
Historiografía do Século XX; História política; História
intelectual

177 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
Paolo Scotton

This article aims at analysing a particular case within


Spanish historiography: how the writings, speeches and public
activities of one of the greatest intellectuals of this country,
José Ortega y Gasset, were perceived, discussed and studied
by Spanish historians and scholars from the beginning of his
exile (1936) onwards. In this way, the article will focus on two
different aspects. On the one hand, the direct reactions of
academicians and writers during the period in which Ortega
was still alive, but somehow “silent”, consequently being a sort
of passive spectator of a fierce and not always scientifically
critical diatribe over his works and public figure - from 1936
to 1955 -; on the other hand, the posthumous historical and
philosophical studies devoted to the author’s activities during
Franco’s regime from the end of the fifties up to the democratic
transition and the beginning of the XXI century.
1 - Indeed, histo-
Before entering into the details of this story, we must point rians: “viviendo en el
presente perpetuo de
out that this article does not aim to constitute an exhaustive una dictadura, hicie-
review of the vast existing literature on the works and public ron de la virtud moral
de la prudencia una
activities of Ortega y Gasset. Rather, its goal is exclusively that of categoría de compor-
exhibiting, through a single but very significant case, the strong tamiento intelectual
y un principio de res-
interdependence between historiographical activity and socio- ponsabilidad profesio-
political environment, between historiographical interpretations nal”. (PEIRÓ MARTÍN
2013, p. 14).
and political credos, both in the course and because of the long
and pervasive influence of Franco’s dictatorship in Spain. As it is
known, this political reality determined a radical change in the
way of conceiving and practising history among professional
scholars, making historians more prone to prudence than
truth.1 Franco’s regime and its policies directly influenced how
the historiographical work was conceived and practiced during
those years. Not only because of the censorship imposed to
scholars in the academia, but also because of changes in the
way of choosing the topics at stake, in the way of recruiting new
scholars and researchers, in the struggle for compliance and,
lastly, in the creation of different factions within intellectuals
- and historians - affiliated to the regime. In this context, the
study of Ortega’s reception in Spain constitutes a paradigmatic
case in the intellectual history of this country, due to the leading

178 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
Ortega y Gasset’s reception through political contingences

role played by his works in forging a new philosophical canon


within the Spanish academia, both during and after his life
(MORENO PESTAÑA 2013).

The choice of 1936 as the starting point of this article should,


therefore, be patently, even if briefly, justified. As it is known,
1936 represented a turning point not only for the personal life
of Ortega y Gasset (MÄRTENS 2008, p. 171-186; MÁRQUEZ
PADORNO 2009), but more generally for the history of Spain,
characterised by the extremely cruel civil war and the following
dictatorship of Francisco Franco, which lasted for almost four
decades. The choice of this particular individual case, at the
same time, is motivated by the fact that Ortega not only was
a leading intellectual, but he was also constantly engaged in
political activities that, a fortiori, contributed to determining a
strong reaction both in favour and against him.

1. Ortega as a political figure


Indeed, during his entire long career as a philosopher and
public intellectual, José Ortega y Gasset was always strictly
involved and engaged in the political struggles of his country.
He was not only a passive spectator and commentator of the
events, but at the same time, he actively tried to intervene
within the political sphere (CACHO VIU 2000; LASAGA MEDINA
2003; BLANCO ALFONSO 2009a; 2009b; 2010a; 2010b).
However, his factual presence in the Parliament was indeed
very brief and episodic, in particular during the II Republic,
through the Agrupación al Servicio de la República, in 1931.
It is probably due to this very close relationship with the political
environment in which he lived that even after death he continued
to represent a term of comparison and discussion among
historians and public opinion as well. Certainly, he constantly
overcame the mere academism, directly influencing the social
environment in which he lived through his philosophy. For this
reason, as Juan Padilla writes: “La historia de la recepción de
Ortega no empieza con su muerte; empieza cuando comienza
a dibujarse su figura pública” (PADILLA 2007, p. 26).

179 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
Paolo Scotton

The Metaphysics professor of the University of Madrid was


involved in several political projects which he tried to coherently
combine with his intellectual activities, profoundly persuaded
that “el que no se ocupa de política es un hombre immoral; pero
el que sólo se ocupa de política y todo lo ve políticamente, se un
majadero” (ORTEGA Y GASSET 2004, v. I, p. 554). Even before
the very beginning of his career as a professor in 1910, he had
collaborated with several liberal newspapers and journals, such
as Faro or El imparcial. His claims about the necessity of social
and liberal reform of Spain were notoriously put into action
during his very youth, for example, through the development
of the Liga de Educación Política Española2 (1913), of which he
was the official spokesperson. He played a leading role in this
association when, in March 1914, in the Teatro de la Comedia,
he pronounced a conference titled Vieja y Nueva Política that 2 - Among the asso-
ciation’s members:
became the public manifesto of the association. Until his exile,
Manuel Azaña, Fer-
Ortega continuously tried to influence politics and public opinion, nando de los Ríos,
Manuel García Mo-
through all possible cultural means, such as the creation of
rente, Constancio
liberal-oriented journals such as España (1915), El Sol (1917); Bernardo de Quirós,
Pablo de Azcárate,
or by the establishment of editorial projects such as Revista
Américo Castro, An-
de Occidente (1923) and others. As Zamora Bonilla wrote, in tonio Machado, Luis
García Bilbao, Loren-
these texts Ortega’s aim was that of: “obligar al ciudadano
zo Luzuriaga, Ramiro
a participar en la vida pública entregando al mayor número de Maeztu, Pedro Sa-
linas, Ramón Pérez de
de ciudadanos la toma de decisiones sobre los problemas
Ayala.
que les afectaban” (ZAMORA BONILLA 2002, p. 252). For
this reason, Ortega’s main objective was that of realising his
unceasing wish to modernise Spain, bringing the country up
to the social, spiritual and material conditions of all the others
European nations, in particular through an educational reform
(LΌPEZ DE LA VIEJA 1997; LÓPEZ CAMBRONERO 2003;
RABI 2012; SCOTTON 2014).

Ortega’s cultural and political interventions, together


with the ones of an entire generation of highly educated
members of the bourgeoisie, were the response to the material
changes occurring in the Spanish society, characterised by an
increasing rationalisation and bureaucratisation of the new
political elite (COSTA DELGADO 2015). Also, for this reason,

180 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
Ortega y Gasset’s reception through political contingences

Ortega’s purpose of modernisation, during his own life,


constantly overlapped, willingly or not, with the political
slogans of different extremisms, with which it was somehow
improperly confused. This is, for instance, the case of the
concept of selected minority, a term Ortega coined in his
famous Invertebrate Spain (1921). This term has frequently
been interpreted as the expression of a sort of authoritative
and conservative political thought (ACHIRI 2012), even
though the main purpose of the philosopher was rather to
promote the cultural renovation of the country through an
engaged and thoughtful citizenship (MAJFUD 2006). Indeed,
Ortega himself was perfectly aware of his peculiar and
complicated status of independent thinker in an extremely
politicised environment:“‘Derechas’ e ‘izquierdas’, las dos
Iglesias, me excomulgan, cada cual desde su mano” (OC, v.
III, p. 802).

Moreover, also right-oriented politicians, such as José


Antonio Primo de Rivera, and the Frente Español (ELORZA
2002, p. 207-213), instrumentally used his remark about
the necessity of constructing a New State, a thesis Ortega
strongly defended in particular during the 1930s, as a source
of ideological legitimacy. In one of Primo de Rivera’s public
discourses, published in Haz in December 1935, the falangist
politician declared that the duty of the Falange would have
been that of “vertebrar España” (PRIMO DE RIVERA 1959,
p. 748), and of constructing a new idea of National party. He did
so by clearly adopting, in an instrumental way, a very typical
Orteguian language (FONCK 1996).

In an unpublished article written for El Sol in October


1923, “Política de estos días” (OC, v. VII, pp. 803-806), Ortega
defended his right to intervene as a free and independent
intellectual within the public debate. He condemned the
tendency of the new political front of using his very words as
slogans, depriving them of their authentic meaning and any
philosophical essence. He insisted on defending the need of
reforming the Spanish political scenario, but he thought that to

181 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
Paolo Scotton

do this, a new bourgeoisie would need to be forged, an upper-


middle-class able to rationally participate in politics (FONCK
2010).

Some years later, Ortega directly had the opportunity of


taking part in a political project: he led a group of intellectuals
that, in 1931, gave birth to the Agrupación al Servicio de
la República. Ortega broke the barrier between politics and
academia, being persuaded that doing this was necessary for
the political reform he always envisaged. His goal was giving
his theoretical contribution to the definition of the new politics
of the nascent Republic. To gain the support of his colleagues
and the public opinion, he coined enthusiastic expressions,
which would be very popular among the right and conservative
parties in the following years: for instance, the expressions of
national party and New State. The new republican constitution
was approved at the beginning of December 1931. Soon after
its establishment, Ortega partially criticised it, conceiving the
possibility of creating a new republican party separated from the
ASR, and proposing a “rectification” of the Republic by fostering
the construction of a National Republican Party for promoting
educative, institutional and administrative reforms. His ideas
were strongly criticised, and Ortega was accused of endorsing
conservative positions (DEL VILLAR 2003). As a consequence,
he started to lose his influence within the parliament, and he
soon resigned from his role within the ASR.

After this period of intense participation within Spanish


politics, during the civil war, Ortega made very few political
declarations in his writings and very rare speeches. One
of the most significant cases in which Ortega seemed to
directly intervene in the public debate was the short article
entitled “On Pacifism”, published in 1938 in the British journal
The Nineteenth Century and After. In this text he accused of
patent ignorance and unjustified interventionism those foreign
countries and political groups that decided to intervene in
the Spanish war, in particular in relation to the international
interventionism of the U.N., exhibiting the wish of Western

182 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
Ortega y Gasset’s reception through political contingences

countries to impose a social order external to the one that


Spain had to establish on its own. As it has been argued, the
aim of Ortega during the civil war consisted in trying to open
the way to political dialogue between opposite fronts. Even
when this dialogue appeared to be blatantly impossible, he
tried to do so in an indirect and veiled fashion (MARTÍN 2014),
but this somehow ambiguous position concerning the Spanish
question during the years of the civil war and the following
dictatorship of Francisco Franco, caused him more harm than
good. Moreover, he did not clarify his position in the following
years, refusing to directly enter into the political debate,
preferring a physical and intellectual exile (LASAGA MEDINA
2012). Ortega’s seeming silence (FOURMONT-GIUSTINIANI
2007) was vividly disapproved by some of his disciples, among
them the philosopher Maria Zambrano (ZAMBRANO 2011)
who, as Ortega left his homeland, strongly criticised the total
absence of a neat and public condemnation of the regime by her
master. Besides, among the Spanish republicans in the exile,
the general sentiment towards the return in Spain of Ortega in
1947 was always particularly negative (LAÍN ENTRALGO 1970,
p. 350-360). However, Ortega’s silence during that period
played a performative function since, as Ferguson put it:

Silence can serve as resistance to any institution that requires


verbal participation (as do virtually all). On a macroscopic political
scale, states often require such participation and subsequently
employ a variety of means to compel it. The state-sponsored
requirement to take an oath is a particularly overt form of
obligatory speech (FERGUSON 2002, p. 8).

So, directly and indirectly, Ortega always played a significant


role in the Spanish cultural and academic debate. Accordingly,
the purpose of the following pages is that of understanding
how scholars under different political regimes read the works
of the philosopher, and to what extent changing political and
ideological circumstances determined how they interpreted
them.

183 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
Paolo Scotton

2. The silent life of Ortega y Gasset


Prima facie, Ortega’s self-imposed exile during the last
years of his life determined an almost complete dismissing of
his works within the Spanish culture. A lack of consideration
sporadically interrupted exclusively by strong ideologically
oriented attacks (MEDIN 2014). The civil war and the following
establishment of Franco’s regime gave birth, at least until the
end of World War II, to the attempt of deconstructing all the
cultural pillars of the previous political regime, both within
academia and in society. This fact has been defined as the first
hora cero of Spanish historiography: in the name of a forced
acquaintance to the regime, the new cultural establishment
imposed a backlash against all the relevant progress carried
about by the historical profession in the first three decades of
the XX century (PEIRÓ MARTÍN 2013, p. 22-29). In this context,
the political power imposed its control over the universities,
appointing several historians affiliated to the Falange, and
giving rise to a “asalto a las cátedras” (RODRÍGUEZ LÓPEZ
2002; BLASCO GIL, MANCEBO 2010). This caused a radical
change in the way in which scholars and future professors were
recruited: the selection criteria “quedaron en gran medida
supeditados a las recomendaciones, afinidades ideológicas y
presiones de las camarillas del Nuevo Estado” (PEIRÓ MARTÍN
2013, p. 52).

Consequently, history became a vehicle of propaganda, and


a way of establishing a common ideology through academia.
Obviously, the intellectual canon also had to be dogmatically
adjusted to render the history of Spain coherent with the social
and cultural development imposed by the regime, condemning
all those experiences in contrast with it (GRACIA 1996). In this
context, Ortega’s reception did not represent an exception even
if, during his exile in Portugal, his major works continued to
appear in the Obras Completas edited by Revista de Occidente
(apart from the more politically oriented works, published
after Franco’s death during the 1980s). In any case, Ortega’s
legacy was so relevant that it was impossible to simply remove

184 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
Ortega y Gasset’s reception through political contingences

it from the cultural scenario. Two opposing possibilities were


given: annihilating him, by countering his ideas; or integrating
his system of thought within the regime, by manipulating it.
Thus, to a more rigorous analysis, Ortega continued to play
an important function within the Spanish intellectual debate.
At least since he constituted the direct target of the attacks,
both personally and intellectually driven, of those intellectuals
who would have contributed to shaping the cultural ideology
of the New State, in particular, the ones belonging to catholic
associations.

The national Catholicism was in fact very well established in


the official culture of the “New Spain”, ruling some fundamental
institutions such as the Consejo Superior de Investigaciones
Científicas (CSIC), Arbor its official journal, (PRADES PLAZA
2007), and other relevant publications, such as Razón y Fe,
linked to the Jesuit group. Ortega’s works were generally
represented as dangerous elements for the Spanish wellbeing
by these institutions. This is not surprising, given the fact
that the philosopher always considered himself as a-Catholic,
a moderate position incompatible with the strong political
extremisms of those years. Therefore, all his writings started
to be strongly contrasted with massive propaganda.

To respond to these attacks, some of Ortega’s disciples, in


particular, Marías, Garagorri, Rodríguez Huéscar, and others,
gave birth to what has been defined as the “escolástica
orteguiana”. However, this group had a very limited impact
and support in comparison to the official establishment. Thus,
Ortega could count on very few supporters within the Spanish
borders. The majority of his admirers had been exiled or had
very little influence within Spanish academia and its main
culture. It is not a case that the most relevant and interesting
advancements in Ortega’s philosophy during those years
may be found precisely in some exiled republicans, such as
Lorenzo Luzuriaga, in Argentina (SCOTTON 2016), Manuel
Granell in Venezuela (SCOTTON 2018), or José Gaos, in Mexico
(MEDIN 1994). In fact, for these authors, the exile not only

185 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
Paolo Scotton

constituted the occasion for forging their theories by originally


adapting Ortega’s philosophy to their interests, but also for
thinking about his heritage from a personal and existential
point of view. The case of Gaos is paradigmatic. As Medin
(2005, p. 100) put it: “Las dudas y el temblor de Gaos frente a
su maestro reflejan sin lugar a dudas (…) mucho de lo que era
el intramundo de los exiliados, su tragedia, su desilusión, su ‘lo
que seguían siendo’, españoles en el exilio”.

Within the Spanish borders, the situation was fairly different,


being Ortega constantly under attack. The political aim of
these criticisms was that of officially banning Ortega’s works,
and including them in the Index, thus rendering impossible
to publish and sell his books (PADILLA 2007). Regarding the
contents of these criticisms, Ortega was frequently accused of 3 - “Frente a Ortega
being a superficial intellectual, unable to develop a coherent y Gasset no caben
actitudes mezquinas.
and autonomous doctrine. An atheist without any interest and Lo que representa es
concern for metaphysical problems. One of the leading figures demasiado para opo-
nerle, como algunos
among the critics of this catholic group was the Jesuit Joaquín ingenuamente pre-
Iriarte who, together with other authors such as José Sánchez tendieron, la conju-
ración del silencio, o
Villaseñor and Juan Ruiz Gironella, vividly attacked the main para rastrear contra-
ideas of Ortega, frequently without even critically assessing his dicciones en la su-
prema consecuencia
thought, in a series of articles published in Razón y Fe. de su pensamien-
to”. (BOFILL 1946,
The theses purported in these writings had a relevant p. 225).

influence within the catholic propaganda against Ortega


during the 1940s, becoming widely accepted among the
advocates of the culture of New Spain (BOLADO OCHOA 2011).
Therefore, Ortega started to be considered as an opponent
of the New State.3 To Iriarte, Ortega was the symbol of the
atheist philosopher, without any faith or authentic belief
(IRIARTE 1943, p. 117). According to him, accepting the
philosophy of history theorised by Ortega in his books — such
as the Prologo a la Historia de la Filosofía de Émile Bréhier —,
would have given birth to a dangerous relativism, incompatible
with a Christian dogmatism. According to the clergyman,
Ortega’s theory risked to corrupting the new generations of
students, and for this reason, it had to be countered:

186 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
Ortega y Gasset’s reception through political contingences

Los ánimos juveniles que lo oigan, pues es considerable el


ascendente que en ellos ejerce el pensador (…) se van a imaginar
que, mientras sigan creyentes, fieles a la fe de los padres, no
han de quedar consagrados como filósofos. Y querrán comprar la
aspirada aureola a precio de una apostasía, que será triste por lo
que deja y triste por lo que da (IRIARTE 1943, p. 117).

Indeed, the philosophy of history developed by Ortega


during those years should have appeared quite subversive for a
member of the new intellectual establishment. In fact, Ortega’s
theory of history rests on the basic assumption according to
which no human action is driven by an external or universal
principle. On the contrary, they have their own justification
in the concrete lives of single individuals and groups. Thus,
Ortega explicitly rejected any pre-established metaphysical
order, advocating for the complete responsibility of human
beings in the construction of the social world.

In fact, contrary to Ortega’s anthropology, according


to which each human being is personally responsible for
the construction of an always-undetermined future, a new
metaphysical vision of the world was emerging within the
regime. This was testified by Juan Zaragüeta, a philosopher
and priest who was appointed as the substitute of Ortega y
Gasset as professor of Metaphysics at the Central University
of Madrid. The pedagogy purported by this priest was radically
different from the one presented by Ortega. In Zaragüeta’s
book, Pedagogía Fundamental (1943), it is possible to find the
basic ideology of the educative model that the New State was
trying to implement. The university traced by Zaragüeta differed
from the one conceived by Ortega at least in respect to three
main aspects: a) the prominence of religion over philosophy as
the peak of a humanistic education; b) the methodology to be
adopted, that is the memorisation of general principles rather
than their questioning; c) the role of the intellectual both within
the university and in society, understood as a representative
of the political power rather than a skeptical and critical voice.
Therefore, a new religious outlook was taking power within
the society and the university, whereas Ortega was considered

187 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
Paolo Scotton

as a Freemason who was impeding the progress of the “Gran


Cruzada española” (HERRERA ORIA 1941, p. 196).

Therefore, it is not surprising that, when Ortega decided


to go back to Madrid, founding with his disciple Julian Marías
the Instituto de Humanidades (1948-1950), his return was
immediately and generally attacked by the catholic propaganda
that interpreted it as a nostalgic attempt of restoring a liberal
and atheist regime. However, the Institute caused relevant
disputes within the very regime, since two opposite views were
confronting each other, and Ortega indirectly played a role in
this controversy. On the one hand, the director of Escorial and
Cuadernos Hispanoamericanos, Laín Entralgo; on the other,
the director of Arbor, the review of CSIC, Calvo Serer. In his
España como problema (1948), Laín Entralgo used Ortega as an
example of a positive way of conceiving the role of intellectuals
in society: people who promote political and social reforms,
indispensable for the benefit of the nation, by calling for the
help of a selected minority: “La minoría entusiasta y eficaz;
he ahí el primer objetivo de la operación transformadora de
Ortega. El periódico, la revista, el libro, la conferencia serán
los instrumentos inmediatos de este germinal equipo salvador”
(LAÍN ENTRALGO 1948, p. 102). Laín Entralgo conceived
Ortega as the theorist of the construction of the hegemonic
thought, through the idea of a leading minority able to run the
country. Accordingly, he proposed himself and his circle as the
most suitable people who could have been responsible for this
intellectual and political mission. On the contrary, in his España
sin problema (1949), Calvo Serer, spokesman of the Asociación
Católica Nacional de Propagandistas, accused Laín Entralgo of
bringing back to the public debate and cultural scenario many of
those intellectuals incompatible with its ideology, among them
Ortega, that the regime had repeatedly tried to annihilate since
its very foundation.

Indeed, Ortega’s Institute of Humanities — an intellectual


project internationally admired (HELMAN 1951) — was
interpreted as a significant danger for the principles at the basis

188 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
Ortega y Gasset’s reception through political contingences

of the new Nation. Consequently, all the activities of the group


orbiting around Arbor during those years were characterised
by a forceful anti-Orteguianism (DÍAZ HERNÁNDEZ 2008).
Thus, the Institute of Humanity acquired great significance
within the Spanish cultural scenario, far beyond Ortega’s
intentions and goals.

Joaquín Iriarte was again one of those who spent more


energy to disqualify Ortega’s Institute, for instance in his book,
published in 1949, entitled La ruta mental de Ortega. Crítica
de su filosofía. The main aim of the book was significantly that
of destroying the philosopher rather than critically assessing
his works. In doing this, Iriarte was supported by another
important member of the CSIC and member of the Opus Dei,
Juan Sáiz Barberá, who in 1950 published “Ortega y Gasset
ante la crítica. El idealismo en El Espectador de Ortega y
Gasset”. During that period, Julian Marías seemed to be the
only defender of his master in Spain, but his book “Ortega y
tres antípodas”, published in the same year of Sáiz Barberá
strong attack, constituted a marginal episode to rescue the
philosopher from such strong and biased criticisms.

The situation during the 1950s appears to be slightly


different: the aptitude towards Ortega started to be not as
monolithic as before, and within the established scholars,
two different factions emerged: those belonging to the
Opus Dei, strongly in contrast with the philosopher, and some
other falangist intellectuals who, being Orteguian catholic,
started to advocate for a possible compatibility between
Ortega’s ideas and Catholicism, finding significant traces
of spirituality and religiosity in his philosophy. This was the
only way through which it would have been feasible to rescue
Ortega from his critics within the Spanish borders, rendering
possible the reading of his texts, and avoiding the censorship
(MEDIN 2005, p. 176).

The celebrations for Ortega’s 70th birthday, in 1953,


offered a clear representation of this contraposition among
orthodox intellectuals and part of the falangist movement. The

189 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
Paolo Scotton

date significantly coincided with the promulgation of a decree


by the Minister of Education Ruiz-Giménez, which opened
up to the scholars of 1936 the possibility of entering into
the academia, if they had not been engaged in the previous
republican government, or had not been in contrast to Franco’s
regime. Interestingly enough, Ruiz Giménez claimed to be a
disciple of Ortega. Even before being appointed as a minister,
he admitted that the philosopher had significantly influenced
his own ideas and ways of thinking. In a letter to the secretary
of the Institute of Humanities in 1948, and later in an interview
with one of Ortega’s son, José, in 1951, he affirmed:

Yo creo – y aunque muchos, como tú sabes, me lo critiquen no


me importa – que es un deber para la Nación que tu padre hable 4 - Archivo Fundación
en la Universidad. Que hable a las nuevas generaciones que no José Ortega y Gasse-
le han oído. Tu padre es una fuerza que nos ha influido a todos, t-Gregorio Marañon,
PB.374 42. I am very
por distantes que en algunos puntos puedan muchos estar de grateful to the staff of
él.4 the Foundation for ha-
ving kindly provided
me this document.

During these celebrations, in 1953, Julián Marías and 5 - El estado de la


Paulino Garagorri organised a course on the philosopher, titled cuestión. Problemas
y posibilidades en la
“El Estado de la cuestión” which took place in Madrid between segunda mitad de
March and May 1953. The organisers clearly showed their vision nuestro siglo, in Ar-
chivo Ortega y Gasset
in the proceeding of those seminars: C-31/ 53, p. 7.

Nosotros lo vemos (Ortega) como una promesa, como un


pensador “de la segunda mitad del siglo XX”. Queremos utilizarlo
ávida y generosamente; si es posible, ir más allá de él: para un
filósofo, ningún homenaje mejor que demostrar – andando: con
él y por caminos que ha señalado y tal vez no recorrido – su
fecundidad.5

However, these tiny signs of revitalisation within the


institutions and the academia were countered by massive
propaganda against the philosopher. Both through mass media
and scientific journals. For instance, the Jesuit Eustaquio
Guerrero, wrote in the ABC that Ortega could have been
incorporated to the new intellectual canon only:

190 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
Ortega y Gasset’s reception through political contingences

Guardando la jerarquía de valores, reconociendo que el hombre


sabio, literato, pensador, poeta, pero carente de fe católica
‘ceteris paribus’ debe ocupar en la estimación de una España
católica un lugar inferior y en modo alguno debe encomendarse,
y menos sin reserva, al caudillaje intelectual de una juventud
que aspira a una perfecta cultura católica, porque anhela como
ideal una vida católica (GUERRERO 1953, p. 3).

Meanwhile, Vicente Marrero published in Arbor a note on


the celebrations carried out in Madrid in which he continued
to purport the thesis of Iriarte and the Jesuit group in order
to discredit the works of the philosopher,6 causing the reaction
of the Orteguian disciples who officially protested with a letter
directed to the Minister of Education, then published in Arbor
during the same year.

Thus, a debate took place about the possibility of including 6 - Ortega represen-
ted “el esfuerzo en-
Ortega within the canon of the accepted writers and intellectual caminado a descris-
figures of Spain. A debate that, in 1955, when Ortega died, tianizar España más
inteligente, más siste-
seemed to involve also the Minister Ruiz-Giménez. On the 20th mático y brillante que
of October 1955, two days after Ortega’s death, Ruiz-Giménez se ha visto en nuestra
patria desde la apari-
published in El Sol and El Magisterio Español the necrology ción de la Institución
of the philosopher, calling for a “tregua respectosa”. However, Libre de Enseñanza”.
(MARRERO 1953, p.
de facto, on that occasion Ruiz-Giménez made at least three 109)
very important hermeneutical moves which seem to have had
significant political consequences: a) he sustained the thesis of
the personal, political, and religious errors of Ortega y Gasset; b)
he underlined the dependence of his overall thinking on National
and Christian premises, making him a prophet and therefore an
unwilling defender of Franco’s National-Catholicism; c) lastly,
he traced a continuity from Ortega’s teachings up to the catholic
scholars and academicians appointed during the regime.

Thus, it is possible to note an explicit attempt made by


the establishment to include Ortega y Gasset among the most
representative Spanish authors (ÁLVAREZ COBELAS 2004,
p. 70-73), using him as a source of political legitimacy for
the regime. But this position hold by Ruiz-Giménez was
neither common nor popular among established intellectuals.

191 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
Paolo Scotton

Indeed, in the immediate months after Ortega’s death a violent


campaign against him spread in Spain through newspapers
and magazines: articles and books appeared, some of them
patently opposed to the philosopher (IRIARTE 1956), others,
on the contrary, less ideologically influenced, but still unable
to produce a critical and reasoned balance of the activity of
Ortega. This is the case of the monographic edition of Revista
de Filosofía, published at the beginning of 1957. In spite of the
wish to show a critical, respectful and authentic discussion of
the activities and writings of Ortega, the uncertain knowledge of
his writings and speeches, due to the silences and prejudices of
the previous years, caused very poor and partial assessments
of his works (BOLADO OCHOA 2011).

Interestingly, Ortega’s death also constituted the stimulus


for the first patent student opposition to Franco’s regime. The
so-called Generation 1956 manifested its disappointment in
February 1956, by identifying in Ortega y Gasset the master
they could not have had and that, according to them, might
have contributed to opposing liberal and democratic values to
the strong dictatorship imposed by Franco (ABELLÁN 2000;
LIZCANO 2006).

3. Ortega after Ortega


By the end of the 1950s, the strong anti-Orteguian campaign
had not ended yet, even though some tenuous signs of changes
and divisions within the regime relevantly took place also in
those years. A notable contribution to this campaign was made
in particular by the publishing of the book of the Dominican
Santiago Ramírez, in 1958, entitled “La filosofía de Ortega y
Gasset”. This book reinforced and systematised the main theses
of the Jesuits, offering a sort of official guidebook to the main
criticisms against the philosopher. Ramírez was responding to
the interests of that part of the Spanish religious establishment
that was trying to render Ortega a pariah in the academia. In
his book, he directly countered the overall philosophical outlook
of the Madrilenian philosopher, affirming that: “La metafísica

192 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
Ortega y Gasset’s reception through political contingences

de Ortega seria la filosofía de los eternamente despistados


y descontentos. Filosofía de tarados y anormales. Eso no es
metafísica, sino un vulgar humanismo morboso” (RAMÍREZ
1958, p. 351).

Indeed, Ramírez was a very powerful and representative


figure: it had been chosen to substitute Ortega as professor
of Metaphysics at the Central University, but he renounced,
thus permitting to Zaragüeta to do it (MORENO PESTAÑA
2013, p. 82). He was a very well-known scholar of Thomas
Aquinas, and this is particularly interesting for understanding
his prominence within the cultural establishment during those
years. In fact, as far as the philosophical research is concerned
— but a similar point could be raised in regard to the study of
History — during the 1950s up to the 1970s, the main pillars
of Spanish academia were the diffusion and defence of the
Aristotelian and Scholastic tradition which, during all those
years, represented the official philosophical orthodoxy, also
thanks to its religious connotations. Significantly, Ramírez’s
book, as Bolado writes, “es una aproximación inquisitorial a
la filosofía de Ortega y Gasset, que busca calificarla desde el
punto de vista de la pureza de la fe, según la teología y filosofía
aristotélico-escolástica” (BOLADO OCHOA 2011, p. 161).

Not surprisingly, this book was very well received, and in


the following years Ortega was largely treated according to two
different points of view: either being subjected to devastating
criticisms to his general philosophical account, as far as it was
seen as incompatible with the structure of the religious system
of value of the establishment; or being simply neglected and
left apart from the national intellectual pantheon.

An exception to the first of these ways of dealing with his


thought is offered by the book by José Luis Aranguren, “La ética
de Ortega” (1958), which tried to counter the very thesis of
Ramírez by exhibiting the possibility of a peaceful coexistence
between Ortega’s philosophy and Christian principles. The
historian José Antonio Maravall made a similar attempt
when, in 1959, he published “Ortega en nuestra situación”.

193 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
Paolo Scotton

In Maravall’s book, it is possible to notice the absence of


relevant philosophical considerations, and, on the contrary, the
continuous defense of Ortega as an author who could have
been adapted to a Catholic mindset:

Para los católicos, que cruzan sobre el planeta pensando que su


vida es posibilidad y es encargo de llegar a hacerse hijos de Dios,
el contacto con la filosofía de Ortega fue y seguirá siendo una
luminosa ayuda para aclararse su propio destino. Esa filosofía
de la vocación y del destino es en Ortega una filosofía de la
trascendencia (MARAVALL 1959, p. 46).

The works of Julian Marías and Francisco Romero represent


a second exception to the general abandonment of Ortega’s
philosophy. They tended to show a very different picture of
the influence and importance of Ortega within Spanish culture.
For instance, Francisco Romero published in 1960 a book
entitled “Ortega y Gasset y el problema de la jefatura
espiritual” (significantly published in Buenos Aires) where
he argued that Ortega played in Spain a fundamental role in
determining its spiritual heritage. He defined him as a jefe
espiritual, defining this figure as “una función social, no una
tarea que pueda ser cumplida en la soledad” (ROMERO 1960).
However, this, as well as the very important contributions by
Marías, constituted very marginal attempts to integrate Ortega
within the Spanish culture. Marías, in particular, wrote in 1960
a very significant book — “Ortega Circunstancia y vocación”
— that constituted the first attempt to systematise the entire
Ortega’s philosophy, presenting it under a unifying theoretical
framework. He did so since, as he wrote in the prologue to the
first edition of the book: “Ortega ocupa un puesto único por
su cualidad y condición en la historia de España y en general,
de los pueblos de lengua española”. However, “Es un hecho
que la filosofía de Ortega, y en general su obra intelectual, es
poseída hoy adecuadamente solo por muy contadas personas,
y desde luego no consta públicamente de manera suficiente”
(MARÍAS 1984, p. 24-26).

194 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
Ortega y Gasset’s reception through political contingences

The beginning of the 1960s marked a new change in the


reception of Ortega’s thought, in particular thanks to a new
generational turnover within the academia, and within other
means of cultural diffusion that were difficult for the regime
to directly control. The years between 1955 and 1960 were
characterised by a vast increasing of the number and quality of
editors, and by a more vital intellectual scenario (MATEOS LÓPEZ
2008). It started to emerge also a stronger antifranquismo
which, however, from 1963 onward (GINARD FÉRON 2008),
was vehemently contrasted and repressed by the Tribunal de
Orden Público.

This variegated panorama offered the possibility of a


relevant innovation both in historical and philosophical trends.
Concerning this second aspect, the significant importance of
foreign philosophies, such as Structuralism and Marxism, opened 7 - This new trend
a new radical phase of liberal and heterodox intellectual activity countered the previ-
ous hegemonic tra-
in which the works of Ortega could have been reintegrated dition of the 1950s
not in the name of their pureness and traditionalism, but in when “el lenguaje
liberal acerca de la
the name of their appeal to modernity.7 The new Revista de organización polÍtica
Occidente became the main vehicle of the renewed liberal del Estado había sido
triturado por la retó-
approach to philosophy and, therefore, to Ortega’s heritage. rica fascista y nacio-
Nevertheless, among the liberal intellectual circles Ortega was nalcatólica”. GINARD
FÉRON 2008, p. 226.
surely respected and seen as an important source, but at the
same time his texts were only very partially known, due to their
limited circulation. This partial knowledge characterised this
first new rediscovery of Ortega’s legacy, marked by a tendency
of dismissing his own writings, in unwilling accordance with
the Jesuits’ theses. This fact, at the same time, implied a wish
of overcoming his own philosophy during the first part of the
1980s, even if that very philosophy was still not well known.
As Rodríguez Huéscar critically wrote during those years: “Para
ser de verdad heterodoxo, lo primero que hace falta es ser
doxo, es decir, haber digerido y asimilado la doctrina de la que
se disiente” (RODRÍGUEZ HUÉSCAR 1985, p. 28).

To briefly summarise, from 1965 up to the end of Franco’s


dictatorship, Ortega surely did not represent one of the main

195 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
Paolo Scotton

reference points of Spanish culture. In fact, on the one hand


he was largely condemned and ostracised by the official
propaganda. On the other, he was no longer fashionable for
an emerging generation of scholars looking for new cultural
references outside of Spain. Nevertheless, among his direct
or indirect disciples, he continued to be vividly defended
through an unceasing editorial effort. This strenuous defence
was marked by a not always critical assessment of the works
of the master, and by a large dismissing of his own texts. It
was in particular from the middle of the 1970s that a group of
Orteguian scholars called for a radical change, characterised
by a critical perspective on the author in the light of the most
recent international development of philosophical trends
(FERRATER MORA 1974). However, despite the incredible
efforts of this small group of independent scholars, until the
democratic transition, the works of Ortega did not find the right
conditions to become part of the Spanish intellectual tradition.
Moreover, even the most well documented works, such as the
one of Gonzalo Redondo (1970), would very rarely consider the
life and works of Ortega y Gasset after 1936, reducing their
analyses to the period that preceded the civil war. A way to
testify that Ortega’s legacy could not coexist with the regime,
being exclusively relegated to a dead past. Indeed, Ortega
and the liberal tradition, which had indeed to be invented by
the new emerging self-proclaimed elite, would have particular
benefitted of the change represented by a progressive swift
towards a democratic outlook:

En fin, la idea de la “prosecución de la corriente historiográfica


liberal” hizo fortuna en el seno de la comunidad de historiadores
españoles desde mediados de los años setenta. Por un lado, lo
hizo en tanto condición necesaria de la segunda hora cero de la
profesión y, acto seguido, en cuanto efecto derivado del intento
de legitimación del tardío, y muy rápido a la vez, proceso de
refundación/normalización disciplinar del contemporaneísmo
español (PEIRÓ MARTÍN 2013, p. 246).

196 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
Ortega y Gasset’s reception through political contingences

4. Ortega’s revival
The huge literature that currently exists on the philosophy
and life of Ortega y Gasset has reached its current amplitude
in particular thanks to an increasing number of studies on
the author published from 1983 onwards. The centenary
from his birth, surrounded by a completely renewed political
scenario, marked the beginning of a new and critical way of
considering the relevance of the philosopher in the Spanish
context, both in a historical and philosophical sense. In
fact, until the democratic transition, Ortega had played
only a marginal role compared to other intellectuals of
his age. For this reason, during the previous period both
for the public opinion and for the majority of academicians
the “dioses intelectuales fueron otros” (LLEDÓ 1985).
A particularly important moment in this new rediscovery of
Ortega’s philosophy is 1983, probably “el año [que] pasará 8 - Ley Orgánica
a la historia de la cultura hispánica como el ‘año de Ortega y 11/1983, 25 agosto,
de Reforma Universi-
Gasset’” (AYALA 1986). That year, at the same time, coincided taria, in «Boletín Ofi-
with the very important University reform purported by José cial del Estado, n. 209,
1 September 1983,
María Maravall, which imposed a significant turnover within the p. 24034-24042.
academia, opening the way to a generation of young historians
and scholars8. Remarkably, Ortega was, between 1975 and
1985, the most edited author in Spain, both concerning the
publishing of his books and studies on his philosophy and life
(BOLADO OCHOA 2005).

In addition, the Fundación Ortega y Gasset, founded in


1978 by Soledad Ortega Spottorno, reached an increasing
importance within the academia. The new political situation
marked a new trend for the Spanish historiography, which
directly and positively influenced also the Orteguian studies. In
the words of Peiró Martín:

Después de 1979 la historiografía española no fue la misma. Y


no lo fue porque un grupo de investigadores abrieron caminos
reales para su desarrollo, precisamente, por haber establecido la
conciencia y el imperativo ético para el historiador de escribir en

197 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
Paolo Scotton

libertad, de aceptar la pluralidad de las voces en el estudio del


pasado y perder miedo al presente (PEIRÓ MARTÍN 2013, p. 81).

From the end of the 1970s and the beginning of the 1980s,
and in particular thanks to the celebration of the centenary from
his birth, Ortega’s works began also to spread more relevantly
among other European countries. During the 1990s, the study
of Ortega was favoured by a very fruitful environment, which,
thanks to the birth of associations such as the Asociación de
Hispanismo Filosófico, and the Centro de Estudio Orteguianos,
with his related journal Revista de Estudios Orteguianos
(2000-now), guaranteed the premises for an in-depth study of
the philosopher.

Contrary to the previous moments of Spanish history, this


new revival was characterised by a significant philosophical
and historical criticism, avoiding previous partisanships.
Nevertheless, the scenario in which this revival took place,
and the interests at stake, partially impeded its complete
neutrality and scientific nature: to get Ortega accepted it was
necessary to draw a line of continuity between his thinking
and the new democratic political scenario in the name of his
liberal philosophy. This peculiar account was largely similar to
the overall trend within Spanish historiography in which:

Reflexiones sobre la historia de la disciplina les llevaran a


reconstruir un canon histórico de la historiografía española
políticamente presentable, sobre todo en el terreno de lo
contemporáneo, argumentando acerca de la mejor tradición
liberal y considerándose, por extensión, los herederos legítimos
de su legado (PEIRÓ MARTÍN 2013, p. 240).

As a consequence, the last period of Ortega’s life, politically


ambiguous and complicated, was simply cancelled or very rarely
included within the narration of his life, so to avoid possible
misunderstandings. Ironically enough, this aspect constitutes
a peculiar feature of continuity between the Orteguian
historiography during and after Franco’s regime. In fact, even

198 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
Ortega y Gasset’s reception through political contingences

if it would be both a historical and theoretical mistake to


consider Ortega as an authoritarian or anti-democratic thinker
(CEREZO GALÁN 1984; SAN MARTÍN 1994 AND 1998; PAREDES
MARTÍN 1994), the last decades of his life were simply not
considered by the majority of the scholars. In this way, they
were trying to render his overall philosophical account more
systematic and coherent with his personal choices. His mere
coexistence with the regime rendered him a possible target
for criticisms and reproaches, without remembering that, as
proven in this article, Ortega had been violently attacked by
the majority of the scholars who were part of the dictatorship’s
establishment.

As a consequence, only recently some general books about


his life have started to consider the last period of his life (ZAMORA
BONILLA 2002; 2013; GRACIA 2014). Moreover, some studies
have also tried to analyse those years in order to deconstruct
some historiographical myths, questioning the very nature of
Ortega’s liberalism (MORÁN 1998) and of that of his disciples
(JULIÁ 2004; 2009). Interesting lights have been shed on
the years of his physical and intellectual exile, calling into
question the existence of a real separation from the politics
and culture of his own country also during that period
(FOURMONT-GIUSTINIANI 2009; 2014; FERREIRA 2014;
CAMPOMAR 2016).

Thus, it is possible to affirm that Ortega’s reception has


always been strictly intertwined with the political history of
his country, both during and after his life. From the 1920s, in
particular, in case of relevant political change, his philosophy
started to be interpreted with different purposes by opposing
fronts. This phenomenon exacerbated during the 1930s,
with the difficulties of conciliating the former leader of the
Agrupación a Servicio de la República with the ideology of the
right movements, contributing to his progressive decline within
the Spanish intellectual pantheon. On the other hand, during
those same years, Ortega’s ambiguous relationship with his
own past, and sometimes also with the present of his nation,

199 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
Paolo Scotton

caused a rejection also among left minded intellectuals. For


this reason, with the establishment of the New State, Ortega
could count on very little support, his ideas were ostracised and
his works suffered from frequent and unfair censorships and
criticisms. Ortega’s ideas only sporadically entered in the cultural
and political discourse, being instrumentally manipulated by
conflicting political groups struggling for the hegemony within
the regime. Contrary to what happened in South America, the
few disciples that remained in Spain were unable to develop a
critical reading of his works, which risked to be banned. The
most frequent readings provided within the Spanish borders
were attempts of rendering Ortega compatible with the new
ideology, in particular with the principles of Catholicism. This
situation only changed starting from the 1970s, with the
slow modernisation of Franco’s regime. In those years, new
readings and interpretations of his works and life emerged,
and with the democratic transition, Ortega returned to play
a very important role in another instrumental attempt: that
of building a conceptual framework and tradition for the new
Spanish liberal democracy.

Thus, the history of Ortega’s reception continues to be


very closely linked to the political history of his homeland,
and with the history of Spanish historiography, representing
a very interest case study to understand the development of
this discipline in the country along with its continuous political
changes.

REFERENCE

ABELLÁN, José Luis. Ortega y Gasset y los orígenes de


la transición democrática. Madrid: Espasa Calpe, 2000.

ACHIRI, Norddin. Filosofía y política en Ortega y Gasset.


Candil, v. 12, p. 273-286, 2012.

200 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
Ortega y Gasset’s reception through political contingences

ÁLVAREZ COBELAS, José. Envenenados de cuerpo y


alma: La oposición universitaria al franquismo en Madrid
(1939-1970). Madrid: Siglo XXI, 2004.

ARANGUREN, José Luis. La ética de Ortega. Madrid:


Taurus, 1958.

AYALA, Jorge. Un centenario de debate. ¿Qué ha aportado


a la filosofía española la celebración del centenario de
Ortega y Gasset?. Diálogo Filosófico, 4, p. 53-84, 1986.

BLASCO GIL, Yolanda; MANCEBO, María Fernanda.


Oposiciones y concursos a cátedras de Historia
en la Universidad de Franco (1939-1950). Valencia:
Publicacions de la Universitat de València, 2010.

BLANCO ALFONSO, Ignacio. El aristócrata en la plazuela.


Cuarta parte: 1923-1930. Revista de Estudios
Orteguianos, v. 21, p. 59-116, 2010a.

BLANCO ALFONSO, Ignacio. El aristócrata en la plazuela.


Tercera parte: 1916-1922. Revista de Estudios
Orteguianos, v. 20, p. 43-100, 2010b.

BLANCO ALFONSO, Ignacio. El aristócrata en la plazuela.


Segunda parte: 1911-1915. Revista de Estudios
Orteguianos, v. 19, p. 57-116, 2009a.

BLANCO ALFONSO, Ignacio. El aristócrata en la plazuela.


Primera parte: 1902-1910. Revista de Estudios
Orteguianos, v. 18, p. 79-125, 2009b.

BOFILL, JAUME. Ortega y Gasset, en el Ateneo. Cristiandad,


n. 53, 1946.

BOLADO OCHOA, Geraldo. La Renovación institucional de


la filosofía em España después de Ortega. Circunstancia,
v. 3, n. 6, 2005.

201 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
Paolo Scotton

BOLADO OCHOA, Geraldo. Notas sobre la polémica


recepción de Ortega en la España nacional-católica (1939-
1961). Boletín de estudios de filosofía y cultura
Mindán Manero, v. 6, p. 129-173, 2011.

CACHO VIU, Vicente. Los intelectuales y la política:


Perfil público de Ortega y Gasset. Madrid: Biblioteca Nueva,
2000.

CALVO SERER, R. España sin problema. Madrid: Rialp,


1949.

CAMPOMAR, Marta. Ortega y Gasset. Luces y sombras


del exilio argentino. Madrid: Biblioteca Nueva, 2016.

CEREZO GALÁN, Pedro. Experimentos de nueva España. In:


LÓPEZ DE LA VIEJA, María Teresa. Política y sociedad en
José Ortega y Gasset: En torno a Vieja y Nueva política.
Barcelona: Anthropos, 1997.

COSTA DELGADO, Jorge. El ethos universitario en los


filósofos de la generación del 14. Isegoría, v. 52, p. 245-
265, 2015.

DEL VILLAR, Arturo. Ortega rectificador de la República.


Cuadernos Republicanos, v. 52, p. 13-30, 2003.

DÍAZ HERNÁNDEZ, Onésimo. Rafael Calvo Serer y el


grupo Arbor. Valencia: Universitat de València, 2008.

ELORZA, Antonio. La razón y la sombra: Una lectura


política de Ortega y Gasset. Barcelona: Anagrama, 2002.

FERGUSON, Kennan. Silence. A politics. Contemporary


Political Theory, v. 1, p. 1-17, 2002.

FERRATER MORA, José. Cambio de marcha en filosofía.


Madrid: Alianza, 1974.

202 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
Ortega y Gasset’s reception through political contingences

FERREIRA, Patricio. Nótulas sobre a recepção da filosofía


de Ortega y Gasset em Portugal e no espaço luso-brasileiro.
In: ALMEIDA AMOEDO, Margarita, A vida como projecto.
Na senda de José Ortega y Gasset. Evora: Universidade de
Évora, 2014.

FONCK, Béatrice. Ortega y el poder bajo la dictadura de


Primo de Rivera a la luz de los inéditos del tomo VII de las
Obras Completas. Revista de Estudios Orteguianos, v.
20, p. 7-19, 2010.

FONCK, Béatrice. Ortega y Gasset, la presse et le pouvoir


sous la dictature de Primo de Rivera. In: Aubert Paul,
Desvois, Jean-Michel. Presse et pouvoir en Espagne
1868-1975. Bourdeaux: Maison de Pays Ibérique, 1996.

FOURMONT-GIUSTINIANI, Eve. 1946. Las conferencias de


Lisboa y Madrid. Revista de Estudios Orteguianos, n.
14-15, p. 43-92, 2007.

FOURMONT-GIUSTINIANI, Eve. El exilio de 1936 y la


tercera España. Ortega y Gasset y los blancos de París,
entre franquismo y liberalismo. Circunstancia, v. VII, n.
19, 2009.

FOURMONT-GIUSTINIANI, Eve, L’École de Madrid et son


devenir après la Guerre Civile. Cahiers de civilisation
espagnole contemporaine, v. 12, p. 1-17, 2014.
Disponible on: https://journals.openedition.org/ccec/5078.
Access on: 6 sept. 2019

GINARD FÉRON, David, Historiografía española reciente


sobre la oposición antifranquista y el exilo (1937-1977).
Iberoamericana, v. VIII, n. 30, p. 199-210, 2008.

GRACIA, Jordi. Estado y Cultura. Toulouse: Presses


Universitaires du Mirail, 1996.

GRACIA, Jordi. José Ortega y Gasset. Madrid: Taurus,


2014.

203 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
Paolo Scotton

GUERRERO, Eustaquio. El verdadero estado de la cuestión.


ABC, 3 Junio, p. 3, 1953.

HELMAN, Edith. On humanizing Education. Ortega’s


Institute of Humanities. Hispania, v. 34, n. 1, p. 47-50,
1951.

HERRERA ORIA, Enrique. Historia de la Educación


Española. Madrid: Veritas, 1941.

IRIARTE, Joaquín. Ortega en su vivir y pensar. Madrid:


Razón y Fe, 1956.

IRIARTE, Joaquín. La ruta mental de Ortega y Gasset.


Madrid: Razón y Fé, 1949.

IRIARTE, Joaquín. La novísima visión de la filosofía de


Ortega y Gasset. Madrid: Razón y Fé, 1943.

JULIÁ DIAZ, Santos. Cartas a los directores. The Colorado


Review of Hispanic Studies, v. 7, p. 241-250, 2009.

JULIÁ DIAZ, Santos. La “Falange lineral” o de còmo la


memoria inventa el pasado. In: Fernandez Prieto, Ciela.
Autobiografía en España: Un balance: Acta del congreso
internacional celebrado en la Facultad de Filosofìa y Letras
de Córdoba del 25 al 27 de octubre 2001. Madrid: Visor
Libros, 2004.

LAÍN ENTRALGO, Pedro. Descargo de Conciencia.


Barcelona: Barral, 1970.

LAÍN ENTRALGO, Pedro. España como problema. Madrid:


Seminario de Problemas Hispanoamericanos, 1948.

LASAGA MEDINA, José. José Ortega y Gasset (1883-


1955): Vida y filosofia. Madrid: Biblioteca Nueva, 2003.

204 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
Ortega y Gasset’s reception through political contingences

LASAGA MEDINA, José. Sobre el silencio de Ortega: El


silencio del hombre y el silencio del intelectual. Cuadernos
Hispanoamericanos, n. 746-747, p. 33-56, 2012.

LIZCANO, Pablo. La generación del 56: La Universidad


contra Franco. Madrid: Saber y Comunicación, 2006.

LÓPEZ CAMBRONERO, Marcel. Cultura, ciencia y


Universidad: los análisis y propuesta de José Ortega y
Gasset. Daimon. Revista de Filosofía, v. 30, p. 123-130,
2003.

LLEDÓ, Emilio. Ortega: la vida y las palabras. Revista de


Occidente, n. 48-49, p. 55-76, 1985.

MAJFUD, Jorge. Ortega y Gasset: Crisis y restauración


de la Modernidad. Araucaria. Revista Iberoamericana de
filosofía, política y humanidades, v. 16, p. 55-79, 2006.

MARAVALL, Antonio. Ortega en nuestra situación.


Madrid: Cuadernos Taurus, 1959.

MARÍAS, Julián. Circunstancia y vocación. Vol. 1.


Madrid: Revista de Occidente, 1960.

MARÍAS, Julián. Ortega. Circunstancia y vocación. Madrid:


Alianza, 1984.

MÁRQUEZ PADORNO, Margarita. José Ortega y Gasset.


Los años más tristes, (1936-1955). Madrid: Faes, 2009.

MARRERO SUÁREZ, Vicente. En torno a un juicio sobre


Ortega y Gasset. Madrid: Arbor, 1953.

MÄRTENS, Gesine. Correspondencia: Entre José Ortega


y Gasset y Helene Weyl. Madrid: Biblioteca Nueva, 2008.

MARTÍN, Francisco Javier. Il ponte della traduzione e la


guerra del contesto. Lingue e linguaggi, v. 11, p. 143-
155, 2014.

205 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
Paolo Scotton

MATEOS LÓPEZ, Abdón La España de los cincuenta.


Madrid: Eneida, 2008.

MEDIN, Tzvi. El cristal y sus reflexiones: Nueve


intérpretes españoles de Ortega y Gasset. Madrid:
Biblioteca Nueva, 2005.

MEDIN, Tzvi. Entre la veneración y el olvido: La


recepción de Ortega y Gasset en España, v. I (1908-1936).
Madrid: Biblioteca Nueva, 2014.

MEDIN, Tzvi, Ortega y Gasset en la cultura


hispanoamericana. Ciudad de México: Fondo de Cultura
Económica, 1994.

MORÁN, Gregorio, El maestro en el Erial: Ortega y


Gasset y la cultura del Franquismo. Barcelona: Tusquets,
1998.

MORENO PESTAÑA, José Luis. La norma de la filosofía:


La configuración del patrón filosófico español tras la guerra
civil. Madrid: Biblioteca Nueva, 2013.

ORTEGA Y GASSET, José. Obras Completas. Madrid:


Taurus, 2004.

PADILLA, Juan, Ortega y Gasset en continuidad. Sobre


la Escuela de Madrid. Madrid: Biblioteca Nueva, 2007.

PEIRÓ MARTÍN, Ignacio, Historiadores en España:


Historia de la Historia y memoria de la profesión. Zaragoza:
Prensas de la Universidad de Zaragoza, 2013.

PRADES PLAZA, Sara. Escribir la historia para definir la


nación. La historia de España en Arbor, 1944-1956. Ayer,
v. 66, n. 2, p. 177-200, 2007.

PRIMO DE RIVERA, José Antonio. Obras Completas.


Madrid: Delegación Nacional de la Sección Femenina de
F.E.T, 1959.

206 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
Ortega y Gasset’s reception through political contingences

RABI, Lior. The democratic challenge designed for the


Spanish intellectuals in the political thought of José Ortega
y Gasset, History of European Ideas, v. 28, n. 2, p. 266-
287, 2012.

RAMÍREZ, Santiago. La filosofía de Ortega y Gasset.


Barcelona: Herder, 1958.

REDONDO, Gonzalo. Las empresas políticas de José


Ortega y Gasset. Madrid: Rialp, 1970.

RODRÍGUEZ HUÉSCAR, Antonio. ¿Diálogo con Ortega?, El


País, 16/11/1985. Disponible on: https://bit.ly/2r96uV4.
Access on: 6 sept. 2019.

RODRÍGUEZ LÓPEZ, Carolina. La Universidad de Madrid


en el primer franquismo: ruptura y continuidad (1939-
1951). Madrid: Dykinson, 2002.

ROMERO, Francisco. Ortega y Gasset y el problema de


la jefatura spiritual y otros ensayos. Buenos Aires:
Losada, 1960.

RUIZ-GIMÉNEZ, Joaquín. ¡Descanse en Paz!, El Magisterio


Español, 20/10/1955, p. 803.

SÁIZ BARBERÁ, Juan. Ortega y Gasset ante la crítica: El


idealismo en “El espectador” de Ortega y Gasset. Madrid:
Ediciones Iberoamericanas, 1950.

SCOTTON, Paolo. La formación del ser humano. Sobre el


humanismo de Manuel Granell. Res Publica: Revista de
historia de las ideas políticas, v. 21, n. 3, p. 497-516, 2018.

SCOTTON, Paolo. Lorenzo Luzuriaga y el reto de la


educación global. Res Pública: Revista de historia de las
ideas políticas, v. 19, n. 1, p. 99-129, 2016.

207 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
Paolo Scotton

SCOTTON, Paolo. Educazione alla vita politica. Individuo e


società nel pensiero di José Ortega y Gasset, a partire dalle
Meditaciones del Quijote (1914). History of Education
and Children’s Literature, v, 9, n. 2, p. 603-621, 2014.

ZAMBRANO, María. Escritos sobre Ortega. Madrid:


Editorial Trotta, 2011.

ZAMORA BONILLA, Javier (ed.). Guía Comares a Ortega


y Gasset. Granada: Comares, 2013.

ZAMORA BONILLA, Javier, Ortega y Gasset. Barcelona:


Plaza & Janés, 2002.

ZARAGÜETA, Juan. Pedagogía fundamental. Madrid:


Labor, 1943.

ACKNOWLEDGMENT AND INFORMATION

Paolo Scotton
paolo.scot1@gmail.com
Universidad Pública de Navarra
Pamplona
España

This article is an offshoot of the research carried in the


thesis The making of philosophy: Ortega y Gasset and the
Spanish academia.

Portuguese abstract translated by Guilherme Bianchi.

RECEIVED IN: 02/FEB./2019 | APPROVED IN: 03/SET./2019

208 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 177-208 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1449
HISTÓRIA DA Ouro Preto / MG - Brasil

HISTORIOGRAFIA

A história de uma história: terrorismo extraterrestre a


favor do governo, Brasil 1968

A history of a history: extraterrestrial terrorism in favor of the


government, Brazil 1968

Daniel Faria
https://orcid.org/0000-0002-7925-1536

RESUMO

Resumo: Este artigo tem como tema os documentos,


relatórios militares e noticiários sobre um grupo terrorista ABSTRACT
liderado pelo ufólogo Aladino Félix, responsável por
vários atentados no ano de 1968. Há fortes indícios The subject of this article are official documents, military

de que esse grupo era conhecido e até contava com reports and media news about a terrorist group led by the

apoio de altas autoridades do governo. Isso tendo em ufologist Aladino Felix, responsible for several attacks in

vista as pressões internas à Ditadura Militar, visando ao 1968. Indications are strong that this group was known

“fechamento” do regime – que desaguaria na decretação by high authorities from the government and even

do AI-5. A questão central, aqui, é sobre as relações counted with their support. This happened when internal

entre terror, terrorismo e política. Com implicações pressures of the Military Dictatorship Government tried

nos temas da racionalidade, dos afetos, dos desejos e to reinforce its authoritarianism, leading to the decree of

das desrazões na vida política. Dado o aspecto insólito the AI 5 law. The focus here is on the relationship between

do caso estudado, optou-se por uma forma narrativa terror, terrorism and politics and on its implications for

heterodoxa, em que a autoria do historiador do artigo é the rationality, affections and desires on the political life.

dividida em distintas vozes narrativas: a do historicista, Given the unusual aspect of the case studied, we chose

a do niilista e a do bestializado. A estratégia narrativa a heterodox narrative form. In this article, the historian’s

deste texto é inspirada no filme O Bandido da Luz authorship is divided into three distinct narrative voices:

Vermelha, de Rogério Sganzerla. the voice of the historicist, the voice of the nihilist, and
the voice of the astonished. This narrative strategy is
inspired by the film The Red Light Bandit, by Rogério
Sganzerla.

PALAVRAS-CHAVE
Ditadura militar; Idéias políticas; Narrativa
historiográfica
KEYWORDS
Military dictatorship; Political ideas; Historical narrative

209 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
Daniel Faria

“Qualquer semelhança com fatos reais ou irreais,


pessoas vivas, mortas ou imaginárias, é mera coincidência”
O Bandido da Luz Vermelha, filme de Rogério Sganzerla

“Êta planetinha metido a besta”


Sem essa, Aranha, filme de Rogério Sganzerla

ROTEIRO DE LEITURA
Dadas as escolhas narrativas deste texto, estas notas
iniciais são necessárias, uma vez que essas escolhas refletem
a procura por uma escrita que apresente uma pluralidade
de interpretações possíveis, diferentes, ainda que não
contraditórias entre si, da história do grupo de Aladino Félix;
a rigor uma discussão sobre dispositivos do terror durante a
Ditadura Militar e mesmo, mais amplamente, as relações entre
Estado e violência, também a que a filosofia política moderna
chamaria de “ilegítima”.

O caso de Aladino Félix tem aspectos um tanto quanto


delirantes, quase psicodélicos - mais para uma bad trip de ácido
lisérgico, ao mesmo tempo em que toca em aspectos centrais
da história da Ditadura Militar, dadas as conexões entre Aladino
e setores estratégicos do governo, ou seja, temos um caso,
à primeira vista, extravagante -um grupo terrorista liderado
por um ufólogo-, mas situado em jogos políticos decisivos,
sobretudo em torno da decretação do Ato Institucional 5
(AI-5) em dezembro de 1968, quando o governo ditatorial
ampliou o alcance de seus poderes excepcionais. Essa trama
sugere a possibilidade de uma escrita historiográfica que
abarque linguagens políticas diversas das pressupostas por
ideias acerca da racionalidade do poder e da “normalidade
liberal”, uma vez que desvela aspectos despótico-paranoicos
dos dispositivos estatais (FARIA 2015). Essas ideias em torno
de uma “normalidade liberal”, como o mostra, entre outros,
Nicolas Guilhot (GUILHOT 2005), têm presença marcante na
literatura internacional sobre “transições democráticas”. Essa
literatura se baseia na tese de que as ditaduras são uma

210 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
A história de uma história

espécie de passado irracional, superado a partir de intervenções


reformadoras guiadas por especialistas competentes, capazes
de conduzir uma sociedade ao seu destino civilizatório: uma
democracia controlada por mecanismos de representação,
pautada pela minimização dos conflitos e pelo respeito aos
direitos humanos.

Embora o tema também pudesse ser abordado por uma


narrativa mais usual, optei por uma configuração narrativa
que me pareceu mais condizente com a explicitação do
estado de perplexidade em que o caso de Aladino nos
coloca. Isso não apenas por uma questão estética, inclusive
porque não há como separar a estética de um texto de suas
táticas de inteligibilidade; mais precisamente, a questão
é sobre os limites colocados para uma narrativa histórica
pautada em modelos cristalizados de verossimilhança e o
enfrentamento da própria lógica de um poder ditatorial que
mascara o seu absurdo em simulacros verossímeis, que
dissimula a exceção pela proliferação de leis, a ditadura pelo
aparente funcionamento “normal” das instituições, a violência
pela sensatez do poder que atinge “apenas” os inimigos internos
da nação (CARDOSO 1997). Fiz isso sem abrir mão do cuidado
com as fontes, a pesquisa e a relação com a historiografia.
Nesse aspecto específico, esse trabalho segue linhas bem
tradicionais.

A escolha narrativa tem duas diretrizes principais.


A primeira, dividir o texto em diferentes narradores. Saí, assim,
do consagrado “modo objetivo” da historiografia profissional
(JABLONKA 2016). Basicamente, um modo de exposição em
que o narrador coincide com o autor, mas não no sentido de
um sujeito singular com suas dores e desejos, e sim no de uma
subjetividade, por assim dizer, unificada institucionalmente
pela metodologia. Um narrador que vê o passado como um
todo e o explica aos seus leitores. Deixando, portanto, pouco
espaço para a dúvida, o inacabado e mesmo o inapropriável pelo
discurso historiográfico. A alternativa proposta por Jablonka é a
de um modo narrativo reflexivo, em que o historiador explicite

211 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
Daniel Faria

o processo de investigação, suas lacunas, suas perplexidades


e, eventualmente, suas motivações mais subjetivas. No texto
aqui apresentado, optei pela multiplicação dos eus narrativos.
Aqui cada uma das vozes narrativas é a de um historiador
em potencial que reconheço, não sem certo desencanto, em
mim mesmo. O Narrador Historicista, o Acadêmico Niilista e
o Bestializado são vozes para diferentes táticas de estudos
possíveis sobre o caso de Aladino Félix.

Admito que há uma certa ironia nesses nomes, beirando


o caricatural, mas, de forma alguma, essa ironia pretende ser
desqualificadora: em certo sentido eu sou e acredito nesse
narrador historicista; sou e vivo nesse espaço acadêmico em
que o niilismo é composto pelo excesso de citações submetidas
a uma lógica pós-histórica de modas que se sucedem. O
narrador historicista também é aquele que mais se deixa
contaminar pelo arquivo: procurei deixar isso implícito na
escrita (sobretudo no uso de adjetivos) – além de uma certa
perplexidade, porque cada documento sobre o caso conta
uma história diferente. E isso não por mero acidente ou pela
variedade natural das fontes, e sim porque o caso é cercado
dos mistérios criados pelas políticas de silenciamento e segredo
em relação à memória e aos arquivos da ditadura. O niilista
acumula conceitos, todos potencialmente iluminadores, mas
não necessariamente coerentes ou mesmo compatíveis entre
si. Por fim, não sou aqui o bestializado naquele sentido do livro
de José Murilo de Carvalho, como se fosse traço sociológico
de uma suposta incapacidade brasileira para a cidadania, mas
me sinto bestializado no sentido mais imediato da expressão
do documento (mal) usado no livro Os bestializados: assisto a
tudo perplexo e só consigo expressar esse espanto inquieto,
assustado e sem uma explicação global coerente para a
história ou estratégia de saída. Nesse sentido bem particular,
eu sim, e talvez o leitor também, assisto a tudo bestializado.
Um leitor acadêmico, provavelmente, privilegiará as vozes do
historicista e do niilista, mas não são elas que fazem a diferença
neste texto. O fundamental aqui é a eclosão do bestializado,
justamente a voz que não teria lugar num contexto acadêmico,

212 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
A história de uma história

blasé, irônico e pretensamente sofisticado. Não fosse pela voz


do bestializado, este texto não precisaria da estratégia narrativa
adotada.

Essa opção por vozes distintas por certo dá ao texto aquele


aspecto caricatural, quase como um roteiro cinematográfico
em que personagens exagerados, estilizados, alternam-se,
de modo esquemático. Porém, o texto é assim não com o
intuito de definir o que é um historicista ou um niilista, não
há aqui essa pretensão teórica. Trata-se apenas de máscaras
possíveis e estranhas para uma historiografia perplexa. Daí a
segunda diretriz, que remete à quarta voz presente no texto:
a de falas do filme O Bandido da Luz Vermelha, dirigido por
Rogério Sganzerla, lançado em 1968. O filme é baseado num
personagem real, o assaltante João Acácio Pereira da Costa,
e trata, de maneira fragmentária e grotesca, de sua trajetória
no mundo do crime, explorando aspectos sensacionalistas
da cobertura midiática sobre o bandido. Ao longo da trama,
o bandido da luz vermelha tem seus passos registrados por
telejornais, revistas e encontra pelo caminho personagens
também caricaturais, como policiais violentos e políticos
corruptos. A montagem do filme é marcada pela combinação de
diferentes registros, passando pelo melodrama, por filmes de
ação e pela simulação de reportagens, compondo uma espécie
de repertório de estilos midiáticos e estéticos do período. Há,
ali, um aspecto proposital de inacabamento e explicitação dos
artifícios da produção do filme – tudo confluindo para uma
visão estilizada sobre a violência urbana, o sensacionalismo, o
pânico social e as fronteiras tênues entre crime e lei, bandidos
e policiais, num quadro de miséria social, uma “estética do
lixo” que vale como uma alegoria da história e da sociedade
contemporânea (XAVIER 2014).

As frases citadas, tirei do roteiro do filme (SGANZERLA


2008), Mas, mais que isso, tentei pegar um pouco do clima
do filme, que mistura a violência policial, truques de políticos
picaretas, “submundos” do crime, exaltação à violência, num
viés tragicômico. O filme me ofereceu aquilo que não encontrei

213 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
Daniel Faria

na historiografia acadêmica: uma estratégia formal que também


funciona como interpretação, produção de inteligibilidade,
para o caso Aladino Félix e, evidentemente tudo que ele evoca
sobre 1968, como marco contracultural e, paradoxalmente, de
intensificação dos poderes ditatoriais em meio ao terror político.
Optei por cenas intercaladas, em que o historiador vai à sala de
cinema à procura de elucidação das tramas do político.

Rogério Sganzerla escreveu um Manifesto em 1968, durante


as filmagens de O Bandido da Luz Vermelha. Reproduzo aqui
algumas passagens por as considerar elucidativas para o teor
desse meu texto:

O Bandido da Luz Vermelha persegue, ele, a polícia enquanto os


tiras fazem reflexões metafísicas, meditando sobre a solidão e
a incomunicabilidade. Quando um personagem não pode fazer
nada, ele avacalha.

Porque o que eu queria mesmo era fazer um filme mágico e


cafajeste, cujos personagens fossem sublimes e boçais, onde
a estupidez – acima de tudo – revelasse as leis secretas da
alma e do corpo subdesenvolvido. Quis fazer um painel sobre
a sociedade delirante, ameaçada por um criminoso solitário.
(SGANZERLA 2008, p. 15).

Sobre o caso de Aladino, existem alguns trabalhos de


referência. O primeiro, e mais importante para o meu texto,
é a dissertação de Cláudio Suenaga (SUENAGA 1999). O
trabalho de Suenaga não trata, exclusivamente, do caso de
Aladino. A dissertação é mais voltada para a ufologia e para os
OVNIS como mito contemporâneo. Há extensas reproduções
de documentos, textos de jornais e de livros de Aladino, além
de o pesquisador ter entrevistado alguns membros do grupo
envolvido nos atentados, bem como o filho do Aladino, Raul
Félix. Não compartilho aqui da linha de discussão desse autor
sobre a questão da ufologia, mas sua dissertação, com certeza,
é referência fundamental para quem quiser conhecer melhor o
caso de Aladino Félix.

214 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
A história de uma história

Quando eu terminava de escrever este texto, saiu uma


reportagem sobre o caso de Aladino, baseado em documentação
do Superior Tribunal Militar (QUADROS 2018). A matéria é menos
centrada na questão da ufologia e mais no tema da relação do
terrorismo de direita com a ditadura militar e a decretação do AI-5.
A matéria é excelente, apesar de se apresentar aos leitores como
se fosse um furo de reportagem. Uma simples pesquisa teria
revelado ao autor da reportagem a existência da dissertação
de Suenaga que, ao seu modo, apresenta de modo convincente
essa mesma tese: a de que o grupo de Aladino tinha vínculos
com setores do governo, que suas ações não foram autônomas e
que elas visavam à criação de pretextos para o “endurecimento”
do regime; uma pesquisa na hemeroteca da Biblioteca Nacional
também teria revelado ao autor da reportagem que essa
mesma tese já era apresentada, com outros fundamentos,
pelo periódico Movimento, em matéria da edição de 04 a 10
de dezembro de 1978, que tratava mais especificamente de
Erasmo Dias, então Secretário de Segurança Pública de São
Paulo e denunciado por atuar junto a grupos terroristas de
extrema-direita. Ali casos como esse, o de Aladino, e o caso
Para-sar, plano de atentados e execuções denunciado em 1968,
em que o responsável era o brigadeiro João Paulo Burnier, eram
comparados ao incêndio do Reichstag. Segundo a matéria,
Aladino Félix era “um estranho indivíduo conhecido por falar
em discos voadores e interpretar profecias de Nostradamus”
e que teria assumido a autoria de vários atentados, em 1968,
dizendo estar sob ordem do general Jayme Portella, chefe do
Gabinete Militar do presidente Costa e Silva, conhecido por ser
um dos mais árduos defensores do endurecimento do regime,
o que viria no final daquele mesmo ano, 1968. No item “Os
embalos terroristas de Sábado Dinotos” (Sábado Dinotos era
um dos pseudônimos de Aladino) Movimento afirmava que
Aladino Félix nasceu em Piquete, São Paulo, e que teria sido
operário de uma fábrica de explosivos do Exército nessa cidade
(informação que não vi em nenhum outro lugar).

Por fim, observe-se que havia militares que também se


preocupavam com o fenômeno dos objetos voadores não

215 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
Daniel Faria

identificados, não necessariamente por acreditarem que se


tratasse de discos voadores tripulados por extraterrestres.
Esses objetos aparentemente se multiplicaram no pós-
guerra e suas aparições têm fortes vínculos com a questão
da tecnologia militar, não somente em seus aspectos técnicos,
mas também as ansiedades, o pânico e os traumas decorrentes
da militarização do espaço aéreo, bem como a lógica política
da Guerra Fria (SCHRAMM 2016). No pós-guerra, houve uma
intensa mobilização do imaginário político em torno desses
objetos voadores, ora sob esse prisma das tecnologias militares,
ora mediante a tese de que os objetos eram tripulados por seres
extraterrenos. Nesses seres, por sua vez, eram projetados
anseios e medos catastróficos, tingidos pelos climas asfixiantes
do anticomunismo e da hecatombe atômica (SANTOS 2015).

Abertura
São Paulo, século XX, lá embaixo está o prédio da delegacia
do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS); seu
telhado sujo e carcomido contrasta com a imponência vista
do chão pelos simples transeuntes. Observando-se assim, de
cima, não entendemos como esse prédio, por si só, impõe tanto
respeito, medo mesmo. Quando passam em frente, as pessoas
ficam em silêncio, param de rir, tomam ares de seriedade,
como se alguém mal-intencionado as estivesse observando
meticulosamente, são obrigadas a mudar de calçada, indo ao
outro lado da rua. Descendo mais um pouco, chegamos à altura
das amplas janelas. Pelo vidro, vemos delegados e policiais
conversarem animadamente, andando de um lado para outro,
orgulhosamente exibindo seus revólveres na cintura. Um
homem, numa sala fechada, atulhada de pesados arquivos de
madeira escura, senta-se à máquina de escrever e olha para
a janela, para o céu, em aparente devaneio. Nós entramos
pela janela e percorremos os corredores do prédio. Ele parece
um daqueles prédios de escritórios comuns, em que pese a
arquitetura triunfal da fachada. Mas num canto, algumas salas
se destacam das outras, pelas portas pesadas, pelos cadeados

216 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
A história de uma história

e pelas correntes de metal. Numa das celas, com o corpo


marcado de queimaduras, socos e pontapés, deitado numa
cama muito apertada e suja, outro terráqueo parece tentar
dormir.

Sim, é ele mesmo, o homem que ia explodir o planeta,


o unificador das 12 Tribos de Israel, o enviado de Júpiter e
vingador de Vênus. Agora, ele espera numa cela. Espera o
quê? Eles viriam em seu socorro? Eles, quem? Os militares?
Os alienígenas? Quem, afinal de contas, é esse terráqueo? Que
país é este? Num momento histórico terrível, um verdadeiro
faroeste intergalático de outro mundo.

O narrador historicista, ou o sofredor do mal-de-


arquivo: Dezoito de dezembro de 1968, o delegado de 1 - “Roteiro de in-
quérito CAMPO PSI-
polícia do Departamento de Ordem Política e Social de São
COSOCIAL — Anexo,
Paulo, Benedito Sidney de Alcântara, fundador da loja esta Agência remete
exemplar de um Ro-
maçônica de Aguaí-SP nos idos de 1954, portanto um homem
teiro de Inquérito,
iniciado nos mistérios orientalistas do culto à razão e nos elaborado pelo DOPS/
SP, sobre o grupo ter-
prazeres do pertencimento de uma seita de autoproclamados
rorista liderado por
notáveis, concluía seu relatório sobre o inquérito movido contra Aladino Felix, vulgo
Sábado Dinoto”. ASP
o “grupo terrorista liderado por Aladino Félix, vulgo Sábado
ACE 6976 81. Arquivo
Dinotos.”1 Nacional, Fundo SNI.

Escrito em meio a arquivos que continham milhares de


fichas sobre subversivos, ao lado de celas em que presos
lidavam com suas feridas e conjecturavam sobre o amanhã,
num prédio cujo complexo de onipotência se concretizava em
suas estruturas de ferro e em que as janelas amplas apenas
permitiam que o calor abafado vindo da rua atingisse de modo
ainda mais inclemente aquelas figuras, que mais pareciam
fantasmas saídos de um conto policial. O relatório, nem por
isso deixou de lado as artes literárias e os devaneios líricos e
metafísicos, que a lida com o crime tantas vezes proporciona a
seres brutos e impressionáveis. Delegados de polícia, coronéis,
generais, homens da lei, forjados no utilitarismo do terror e da
violência, nem por isso deixam de se admirar com a solidão das
estrelas e a vigência da lei e da ordem em escalas cósmicas,

217 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
Daniel Faria

frente ao coração insondável dos terráqueos, sobretudo os


subversivos.

Ungido com o nome santo de Benedito, o delegado iniciava


seu opúsculo (não era alta literatura, mas o que esperar de um
relatório escrito numa quarta-feira ensolarada, dias depois de
ser anunciado pelas televisões de todo o país que o terrorismo
obrigara os governantes a concederem a si mesmos poderes
extraordinários?), com considerações históricas sobre o terrível
ano de 1968:

Conquanto seja finalidade precípua do presente relatório expor


tudo quanto foi possível investigar e apurar, no que tange ao
impatriótico movimento terrorista quo vem preocupando todos
que desejam um Brasil engrandecido o ordeiro (...)
3 - “Frente a Ortega
y Gasset no caben
actitudes mezquinas.
Lo que representa es
demasiado para opo-
O Narrador Historicista, ou o sofredor do mal- nerle, como algunos
ingenuamente pre-
de-arquivo: (...) “necessário se torna, embora seja do tendieron, la conju-
conhecimento geral, se trace o quadro histórico que nos trouxe, ración del silencio, o
para rastrear contra-
como consequência, reações sangrentas que, a todo custo, nos
dicciones en la su-
empenhamos em debelar.” Sem revelar em seu relatório de que prema consecuencia
de su pensamiento”.
reações sangrentas se tratava, e quem eram os responsáveis
(BOFILL, 1946, p.
por essas mesmas reações, o delegado prosseguia: depois de 225).
vitoriosa a “Revolução de Março do 1964”, o governo adotara
“medidas saneadoras”, colocando o país “no verdadeiro caminho
da ordem e da democracia”, aplicando sanções contra aqueles
que pretendiam transformar o Brasil em mais um “satélite de
Moscou”, corruptos e subversivos, insatisfeitos com a derrota
de seus planos maléficos procuraram então, por todos os meios,
realizar sua revanche.

Na leitura do delegado, esse quadro histórico ensejara


a emergência de duas forças, a direita e a esquerda, essa
procurando, por todos os meios, levar a Nação para o regime
comunista; aquela pretendendo que se adotassem medidas
drásticas e radicais para derrotar os comunistas. Como
criaturas dessas forças, alertava o delegado Benedito, “têm

218 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
A história de uma história

surgido autores audazes, que instituiriam no País um clima


do terror”. Daí a extensa lista de atentados: roubos de armas,
assaltos, bombas; ao todo 30 investidas, entre dezembro de
1967 e agosto de 1968.

O grupo liderado por Aladino estaria entre aquelas forças


indóceis da direita, sendo responsável por atentados como
o da bomba lançada nas proximidades do Quartel General
do II Exército a 15 de abril de 1968; a explosão de bomba
na noite de 15 de maio de 1968 na Bolsa de Valores;
a detonação de explosivos nas “dependências sanitárias” do
prédio onde funcionava o Departamento de Alistamento das
Forças Públicas de São Paulo; bem como um assalto ao Banco
Mercantil a 01 de agosto de 1968. No caso do assalto, escrevia
o delegado, ficara patente a responsabilidade intelectual do
soldado da Força Pública, Jessé Cândido do Moraes, braço-
direito de Aladino Félix, e a participação direta dos terráqueos
“Ica”, “Corisco” e “Baixinho”, “todos maconheiros e conhecidos
malandros.”

Quem é este terráqueo que se assina com o peculiar


pseudônimo de Sábado Dinotos? Perguntava o relatório. Em
um de seus livros, anotava o reflexivo delegado da ordem
social e política, sob as ondas de calor abafadas pela frente
fria que se avizinhava, Aladino asseverava que os chamados
Discos Voadores que atormentaram a humanidade nas
décadas seguintes às guerras mundiais vinham de Júpiter,
planeta habitado por uma raça superior, cuja missão era livrar
a humanidade da maldição em que ela recaíra desde os tempos
bíblicos - salvação que, para Aladino, se daria por meio de uma
hecatombe redentora.

Somente os puros sobreviverão à catástrofe, escrevia


o delegado, sentindo a tentação de recair em devaneios
metafísicos que o desviariam de seu dever de defensor da
ordem. Os demais povos perecerão nas chamas, “por serem
impuros e em virtude de originarem de Vênus, Marte, Saturno
e outros planetas considerados de categoria inferior.” Devido a
esses contatos mais que especiais, Aladino Félix soube de planos

219 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
Daniel Faria

secretos de conspiradores revanchistas contra o “movimento


de 1964”, advertindo imediatamente seus conhecidos no
exército, como o terráqueo e general da reserva do exército
Paulo Trajano da Silva. Este, por sua vez, informara outros
militares, chegando à diretoria da Polícia Federal, na pessoa
do terráqueo Florimar Campello e à chefia do II Exército,
na figura do coronel Edgar Barreto Bernardes, e mesmo ao
Gabinete Militar da Presidência da República, órgão de extrema
relevância, uma vez que abarcava a Secretaria do Conselho
de Segurança Nacional, a cargo do general Jayme Portella –
conspirador sensacional, braço-direito do ditador, no cargo-
simulacro de Presidente Costa e Silva. Como numa verdadeira
transmissão de alarmes telepáticos, um braço-direito passara
a informação para outro braço-direito, levando o pânico a todo
o governo – pelo menos de acordo com o relatório do delegado.
A senha para a explosão da rebelião revanchista seria dada
por Carlos Lacerda, um dos maiores instigadores do golpe
de 1964, então em conflito com o Governo devido às suas
pretensões pessoais - Lacerda queria ser, ele mesmo, o ditador
e acabou sendo colocado em segundo plano pelos militares-,
em discurso em janeiro de 1968, razão pela qual as Forças
Armadas se colocaram em prontidão, realizando manobras que,
dias depois, a imprensa cínica tratou com deboche, taxando-
as de ostentações ridículas e paranoicas do poder. Depois
disso, Aladino decidira partir para ações mais audazes, com
o objetivo de implementar o clima de terror, defendido pelos
grupos radicais defensores da ordem que acreditavam que o
governo precisava ser mais duro, implacável e ditatorial.

O delegado, e maçom, Benedito Sidney de Alcântara,


postulou em seu relatório questões do mais alto grau de
especulação mental. Sobre Aladino,

seria ele uma mescla de gênio e louco, um visionário, um místico,


um paranoico, um mitômano, um profeta, ou então… nada mais
que um CHARLATÃO? Somente um exame psiquiátrico poderia
revelar essa personalidade de tão estranhas qualificações.

220 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
A história de uma história

Os seguidores de Aladino, qual a razão do fascínio que


sentiam por seu líder, “os elementos de seu grupo, mesmo
depois de presos, não aceitam a hipótese de Dinotos ser um
débil mental.”

Face ao conteúdo do relatório elaborado por Dinotos conclui-se


ser ele um visionário, com fértil poder imaginativo, baseando-
se raras vezes em informações procedentes, outras expedindo
conceitos duvidosos, mas às vezes externando situações
reconhecidamente existentes, conseguindo impressionar
qualquer pessoa que se disponha a ouvi-lo. O cabedal de
conhecimentos que tem acerca de vários assuntos, principalmente
os atinentes às esferas reservadas, tornava-o um homem de
certo valor – pelas informações que possuía e fornecia. Com
essas qualificações conseguira penetrar em alguns setores
2 - Roteiro de inqué-
reservados da administração do país, já que passara a ser rito CAMPO PSICO-
considerado elemento útil, e verdade é, que colaborara com as SOCIAL — Anexo,
causas da Revolução de 31 de Março.” Para seus seguidores, era esta Agência remete
o próprio “Salvador da Pátria” e o assunto sobre discos voadores exemplar de um Ro-
teiro de Inquérito,
era a “isca dourada” que ele usava para angariar adeptos. Pelos elaborado pelo DOPS/
oficiais era ouvido, mas considerado pessoa com “ideia fixa SP, sobre o grupo ter-
sobre subversão, atentados e conspirações”, o que explicaria rorista liderado por
os documentos em sua posse, dados por oficiais do Exército e Aladino Felix, vulgo
Sábado Dinoto”. ASP
que agora ele usava para implicá-los como cúmplices e mesmo ACE 6976 81. Arquivo
autores intelectuais de seus “atos sinistros”. 2 Nacional, Fundo SNI.

3 - ACE_ACE_SEC_
121265_70_001(01). Ar-
quivo Nacional, Fundo SNI.
O historiador na sala de cinema. O Bandido da Luz
Vermelha: Depois de uma cena em que o Bandido da Luz
Vermelha assassina impiedosamente uma vítima indefesa, um
noticiário luminoso expõe uma chamada sensacional sobre o
criminoso: “O Monstro Mascarado, o Zorro dos Pobres”.

O narrador historicista ou o sofredor do mal-de-


arquivo: Em documento do Serviço Nacional de Informações
(SNI), o órgão que central da espionagem em nome da
Segurança Nacional, agência de São Paulo, datado de 03 de
março de 1970, constam prontuários de 19 cidadãos, entre
eles, Aladino Félix.3 A 13 de setembro de 1968, o misterioso

221 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
Daniel Faria

terráqueo, depondo na 9a Vara Criminal, declarou que ele,


suspeito de ter mandado explodir uma bomba em frente ao
DOPS e duas outras nos foros de Santana e da Lapa, estava a
serviço da Casa Militar da Presidência da República, mandante
direta desses atos. Essas afirmações seriam repetidas pelo
vidente ao longo daqueles meses. Ao Jornal do Brasil, segundo
consta no prontuário, teria sido passada a informação de que
Aladino dizia que a causa de sua prisão tinha sido a recusa
de colocar bombas em unidades da Marinha e da Aeronáutica
– a recusa seria motivada por uma espécie de pudor, porque
ele considerava essas explosões em particular como ações
temerárias e violentas.

Jayme Portella de Mello, por sua vez, não era terráqueo


menos enigmático do que Aladino. A respeitabilidade da farda
de general e o fato de Jayme Portella nunca ter relatado um
contato com extraterrestres vindos de Júpiter, fazem dele
uma daquelas figuras adequadas à sensatez (de quem?). As
aparências enganam mesmo os pesquisadores mais atentos.
Poucos anos depois desses acontecimentos de 1968, ele
escreveria um livro para justificar a si mesmo, ao governo Costa
Silva, à “revolução de 1964” e ao AI 5 como medida necessária
para salvaguardar a todos os três (PORTELLA 1979). A escrita
detalhista do livro parece ser composta por excertos de um
homem-máquina, um general metódico e constantemente
preocupado com as artimanhas da conspiração. Em meio a
mudanças caóticas de tema, sem ênfase num assunto ou outro,
ou mesmo foco narrativo, o general falando de si mesmo na
primeira e na terceira e mesmo na quarta pessoa, com registros
obsessivos – mas nem por isso sem mentiras ou omissões,
pelo contrário.

Seria Jayme Portella um maníaco da informação e


contrainformação, mentindo a si mesmo, ao público e
sobretudo àquele a quem dizia servir, quando o conduzia
ardilosamente aos seus próprios fins, ninguém menos que
o ditador Costa e Silva? Falando de si mesmo em terceira
pessoa, aqui tratando das disputas internas do governo em

222 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
A história de uma história

torno da questão do “endurecimento” do regime, Portella dizia


que o Secretário Geral do Conselho de Segurança Nacional
apresentou ao Presidente um relatório, com base nas apurações
de todo o sistema nacional de informações, mostrando que o
plano de agitação tinha muita profundidade e recebia apoio
externo.

Donde que, “a certa altura, o Secretário Geral do Conselho


de Segurança Nacional, já sugeria ao Presidente a decretação
do Estado de Sítio”, isso em reunião a 04 de julho de 1968.
(PORTELLA 1979, p. 566)

O Acadêmico Niilista, perdido entre tantas citações:


Em entrevista realizada pouco depois dos atentados de 11
de setembro de 2001, Jacques Derrida (BORRADORI 2003)
indicava uma necessária, e mesmo urgente, reflexão sobre
o campo conceitual do terrorismo. Afinal, onde está a linha
divisória entre conceitos como guerra, política e terrorismo?
O que, por outro lado, diferenciaria o “terror” do pânico, da
angústia, do medo? Isso, considerando que a própria filosofia
política moderna instaura esses afetos e sentimentos como
fundadores do exercício do poder legítimo. Nesse sentido, a
propagação de imagens e termos associados ao terrorismo não
seria, ela também, uma reafirmação do poder soberano por
meio daquilo que Derrida nomeia como poder “tecnoeconômico
da mídia”? Ou seja: os atentados nomeados como terrorismo
não se alimentam do próprio mecanismo político e midiático
que, aparentemente, denunciam o horror? De modo que
o terrorismo “legitima” o outro terror, considerado legítimo,
porque em nome do Estado? A vulnerabilidade de nossos corpos
diante de máquinas que movem forças diante das quais nos
apequenamos não é o que faz de nós uma população cativa
entre dois ou mais terrores que supostamente se excluem?
A lógica dessa proliferação do terror é lida por Derrida no
sentido de uma espécie de “perversão autoimune” do poder.
No caso dos atentados aos Estados Unidos, os “terroristas”, em
sua maioria, foram treinados e organizados durante a guerra

223 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
Daniel Faria

do Afeganistão, quando os Estados Unidos alimentaram uma


jihad norte-americana contra o “Império do Mal” soviético. A
própria declaração de guerra contra o “terrorismo” alimenta o
terror que se quer combater, numa lógica suicida. Aladino Félix
poderia, assim, ser pensado como um desses eventos em que
o Estado entra num circuito suicida, autoimune.

O historiador na sala de cinema. O Bandido da Luz


Vermelha: Na tela do cinema, mais títulos simulando um
noticiário luminoso, dessa vez anunciando a natureza daquele
filme, como uma advertência ao espectador: “Os personagens
não pertencem ao mundo, mas ao Terceiro Mundo”.

O Bestializado: Sim, eles nos amam. Eles se compadecem


de nossa miséria. Eles se perguntam: até quando? Mesmo
4 - ACE_ACE_SEC_
quando estão com os olhos roxos de vinho, eles nos reservam 121265_70_001(01).
um pensamento (“carmesi, cor que a gente tanto preza”, eles Documento do SNI,
agência de São Paulo,
recitam em nossa memória). O mundo assusta. A vida é cruel. datado de 03 de mar-
A cidade é inóspita. Nossos sonhos, insólitos. Mas podemos ço de 1970. Arquivo
Nacional, Fundo SNI.
dormir seguros, ao menos quanto a isso. Eles se importam. É
preciso que todos saibam: eles se preocupam com nossa má
sorte.

O Narrador Historicista, ou o sofredor do mal-


de-arquivo: Historiadores perdidos entre os incontáveis
documentos do Serviço Nacional de Informações, o “monstro”
que o “bruxo” general Golbery criou em 1964, retornemos
aos “Prontuários de 19 cidadãos, entre eles, Aladino Félix”.4
Nesse prontuário, uma nota, datada de 23 de dezembro de
1968, afirmava que Aladino tinha sido solto “por equívoco”,
saindo da Casa de Detenção, onde estivera preso, por ordem
de um desavisado juiz de direito. Fuga da prisão mais fácil do
que essa, só a do renomado cabo Anselmo, o agente infiltrado
por meio de simulacros em organizações da luta armada da
esquerda.

224 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
A história de uma história

Em outra nota do Jornal do Brasil, a 30 de agosto de 1968,


constava que o inquérito da Força Pública de São Paulo sobre
a bomba explodida em seu Quartel General “misteriosamente
desapareceu”. Do mesmo jornal, o prontuário reproduzia a
matéria intitulada “Conclusão policial não convence”, de 01 de
setembro de 1968; ali, sem se citarem nomes, dizia-se que
“setores do governo do estado” não estavam satisfeitos com
a atribuição ao “ilusionista” Aladino do papel de “cérebro dos
atentados e assaltos em S Paulo”, tendo em vista a explicação
dada pelo próprio vidente de que o objetivo das ações era
forçar uma intervenção federal em São Paulo e o consequente
“endurecimento” do regime. A tese da liderança de Aladino Félix
seria, na visão “dessas autoridades” cujos nomes a matéria
preferia não revelar, uma saída fácil, porque tudo sugeria a
participação de pessoas com responsabilidades maiores:

O comentário de que a responsabilidade do místico Sábado


Dinotos é o mais conveniente às pessoas que pretendem colocar
uma pedra sobre o assunto, parte da suposição de que ele, mais 5 - AC ACE 28088
que um homem com ideias escatológicas ou ideológicas, é um 070. Arquivo Nacio-
nal, Fundo SNI.
paranoico. A colocação de seu nome em evidência o enquadra,
segundo o raciocínio daqueles informantes, como uma peça
cômoda para que se deite um manto de silêncio e mistério
sobre o assunto. Os setores insatisfeitos com os resultados das
investigações ponderam que – estranhamente – não se fez,
ou se foi feito não se deu conhecimento do resultado, nenhum
exame do equilíbrio mental do principal personagem dos atos
terroristas. Para esses setores, um homem que diz ter viajado
ao planeta Vênus, conversado com marcianos, atravessado
paredes, e recebido de anjos a chave da língua universal é, afinal
para ser visto com certas reservas.

Aladino Félix, depois de solto por “equívoco”, em dezembro


de 1968, foi capturado e preso novamente. Em sentença
do Conselho de Justiça da 2a Auditoria da 2a Região Militar,
encaminhada ao Serviço Nacional de Informações a 17 de
abril de 1970,5 considerava-se que o relatório do DOPS-SP
era mal fundamentado, uma vez que as provas elencadas se
resumiam a confissões de Aladino e membros do seu grupo.

225 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
Daniel Faria

Confissões, por sinal, isso a sentença não diz, conseguidas


mediante torturas. O único crime comprovado teria sido um
furto de armas da Força Pública de São Paulo. Levada pela
emergência e pela pressa, a autoridade policial paulista teria
se precipitado, quando capturou Aladino e seu grupo, ao alegar
que tinha desmantelado a “gang do terrorismo”.

Acrescentou a defesa que fatos antes atribuídos a Aladino Félix


e seu grupo são hoje, pela mesma Polícia, atribuídos aos grupos
comunistas em perigosa militância subversiva, de cuja existência
não se pode, hoje em dia, ter a menor dúvida. O próprio Aladino
Félix, interrogado pelo Conselho, afirma que todos os atos de
terrorismo que lhe foram atribuídos e aos seus companheiros,
foram praticados pela Ala Marighela. O valor lógico dessa
argumentação é irrecusável.

Mesmo assim, Aladino, na qualidade de mentor do grupo


e líder ao ato terrorista do furto de armas, era condenado
a 5 anos de reclusão. De acordo com as fontes disponíveis,
depois de dezembro de 1968 seguiu-se um longo silêncio sobre
a história de Aladino Félix nos jornais. Apenas notas curtas
referentes a condenações e sentenças. Assim, no Jornal do
Brasil, a 14 de janeiro de 1973, noticiava-se que o advogado
de defesa Juarez Oncillon Aires de Andrade interpusera recurso
contra decisão do Superior Tribunal Militar, que reduzira a pena
de Aladino a 8 meses de prisão, por ser ele considerado, depois
de laudo psiquiátrico, semi-imputável, fronteiriço. De acordo
com o advogado, Aladino recusava essa conclusão do processo
porque se considerava um homem de gênio, de “quociente
de inteligência” acima da média de todos os outros cidadãos
e, por isso, incompreendido pelos terráqueos, especialmente
os terráqueos do território brasileiro. Por outro lado, seguia a
notícia:

A Procuradoria-Geral da Justiça Militar, em parecer já emitido,


afirma que ‘os frágeis e incongruentes argumentos da defesa não
fazem sentido.’ Depois de aludir ao que chamou de ‘processo da
loucura’, a chefia do Ministério Público Militar declara que ‘Aladino

226 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
A história de uma história

Félix, o Sábado Dinotos, gênio iluminado, reunificador das 12


tribos de Israel, e Messias redivivo, como ele mesmo faz questão
de se denominar, arrastou de cambulhada, em suas fantasias,
soldados da Força Pública do Estado de São Paulo, induzindo-os
a praticar a subtração de armas daquela corporação para uma
reação hipotética ao golpe que se tramava contra o governo
Costa e Silva. Até mesmo um general do Exército caiu no logro
de Aladino, mostrando a força de sua persuasão doentia.

“Lunáticos seguidores – os infelizes soldados da Força Pública


de São Paulo”. Observe-se que a atribuição de doença mental a
Aladino estendia-se a um poder doentio de conseguir adeptos
e iludir as pessoas. Seria o poder persuasivo um sintoma da
doença? Ou a doença um sintoma do poder persuasivo? Sim,
porque, de acordo com a sentença, homens racionais e sãos,
de certa forma, foram adoecidos pelo fascínio do vidente. Esses
pobres defensores da ordem e mesmo o general, e o próprio
diretor da polícia federal, portanto, também se tornavam, de
certa forma, semi-imputáveis. Sob efeito do encantamento pela
figura de Aladino Félix, o próprio general Paulo Trajano da Silva
tinha sido levado à conivência com os atentados terroristas,
sendo, por sua vez, por agir em boa fé e defesa da pátria,
não apenas semi-imputável, mas também inimputável! Não
eram injustificadas as inquietações metafísicas do delegado
do DOPS: entre os poderes extraordinários de Aladino Félix e
os poderes extraordinários do Ato Institucional n.º 5, há mais
coisas do que sonha nossa vã historiografia!

O bestializado: Não há bombas limpas, diz a poesia. Já os


inquéritos e relatórios sobre Aladino Félix parecem procurar
justamente isso: a hipótese de que se tratava de bombas
limpas.

O historiador na sala de cinema. O Bandido da Luz


Vermelha: Vemos o bandido numa cena de perseguição, um
tanto insólita, uma vez que ele vai num táxi seguido por carros
policiais. O narrador, simulando uma voz grave de apresentador

227 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
Daniel Faria

de telejornais, diz ao fundo: “Ninguém sabe quantos assaltos,


roubos, incêndios e atentados ao pudor ele já praticou. Com
22 anos e 22 mortes ele, o Bandido Mascarado, foi condenado
a 167 anos 8 meses e 2 dias de reclusão – além de multa de
15 contos, mas se for levado novamente aos tribunais poderá
pegar 480. Só se safará dos seus crimes, se conseguir provar
que é louco”.

O Narrador Historicista, ou o sofredor do mal-de-


arquivo: Nas páginas dos jornais de 1968, outros enigmas e
arcanos do poder eram comentados por jornalistas em estado de
choque, dando origem às mais variadas especulações, cósmicas,
terrenas, cínicas e sórdidas. O Brigadeiro João Paulo Burnier,
o militar aeronauta responsável pela criação do CISA, serviço
de espionagem da Aeronáutica, era acusado publicamente pelo
capitão Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho de, em reunião
a junho de 1968, tentar fazer dos paraquedistas uma força
especializada em assassinatos políticos, além de apresentar um
plano de atentados terroristas de grande escala, um verdadeiro
banho de sangue tingindo de vermelho o território nacional,
que seriam atribuídos às esquerdas. A ideia de Burnier era a de
que esses atentados terroristas revelariam ao público distraído
a verdadeira face dos comunistas. “Antes que os comunistas
comecem seu reinado de terror, eu mesmo o faço, alertando o
governo e pegando os comunistas de surpresa”, é o que Burnier
teria dito a um historiador, se ele tivesse o dom da onisciência
ou ao menos poderes telepáticos.

O historiador na sala de cinema. O Bandido da Luz


Vermelha: Num assalto a uma mansão, o Bandido encontra
uma farda militar dentro de um armário e diz em off: “Com
essa farda da Aeronáutica dá pra passar mais de cinco milhões
em cheque, só em Belo Horizonte…”

228 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
A história de uma história

O Acadêmico Niilista, perdido entre tantas citações:


Para pensar sobre a questão terror/terrorismo no Brasil da
ditadura militar, vale a pena uma leitura no livro de José A.
Argolo, Kátia Ribeiro e Luiz Alberto M. Fortunato (ARGOLO;
RIBEIRO; FORTUNATO 1996). Isso, tanto pelas virtudes da
pesquisa, quanto pelos problemas que as opções narrativas
centrais do livro trazem à tona, a começar pelo nome de Grupo
Secreto, assim mesmo, em maiúscula, dado pelos autores ao
grupo de civis e militares responsáveis por alguns atentados, ao
longo do período da ditadura militar, sobretudo nos momentos
antecedentes ao AI-5 e o final da década de 1970 começo dos
anos 1980.

A tese de outro autor, Flávio Deckes (DECKES 1985) é


a de que os atentados praticamente desapareceram entre
1968 e 1977 porque as ações dos grupos terroristas foram
institucionalizadas em torno da estrutura do DOI-CODI a
organização que uniu, a partir de 1970, polícias e forças militares
no combate mais direto às organizações de luta armada e/ou
de resistência clandestina ao regime, operando à margem da
hierarquia militar tradicional. De modo muito semelhante ao
grupo de Aladino, esse grupo “secreto” era composto por civis
e militares de baixa patente, tendo contato com oficiais, como
o coronel Freddie Perdigão e o general Ferdinando de Carvalho.
Deu-se também a dinâmica de investigações superficiais e
impunidade.

De acordo com os autores, a estrutura do “grupo” se


baseava na teoria dos círculos concêntricos: setores distintos,
vinculados um só eixo ideológico; no anel externo, os que
não participavam das incursões violentas, como o caso do
coronel Mendonça, codinome Camões, que provia armas e
peças sobressalentes, ex-diretor do depósito de munições
do exército, em Paracambi; no segundo anel, aqueles que
participavam das discussões políticas, mas não sabiam dados
concretos sobre as ações. Teóricos como Pedro Maciel Braga,
general Camilo Borges de Castro, generais reformados Gérson
de Pina e Ferdinando de Carvalho, e o anel interior era dos

229 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
Daniel Faria

“iniciados”, Pierre Richell, Hilário Corrales, Alberto Fortunato,


Freddie Perdigão, Alexander Murillo Fernandes e outros. A
imagem dos círculos concêntricos pode ser interessante, mas
não a ideia, contradita pela própria estrutura desses “círculos”,
de que havia algo como um Grupo Secreto, fechado em si
mesmo. Isso porque, nos diferentes patamares, esses círculos
parecem se abrir para relações complementares, tensas, com
instituições e agentes governamentais.

Esses personagens e situações fazem parte da história da


ditadura num sentido não meramente acidental: eles mobilizam
ideias, conceitos, discursos recorrentes no período, da Ditadura
e da Guerra Fria: operam seus dispositivos não com materiais
exteriores àqueles estudados pela historiografia (como
comunidade de informações, operações de contrainsurreição
etc) – são instrumentalizados pelo Estado, ao mesmo tempo
em que o instrumentalizam para seus próprios fins. Daí também
a relação tensa, conflituosa, implícita nos termos comuns em
documentos sobre o caso de Aladino: de que se tratava de um
paradoxal terrorismo a favor do governo.

Aladino Félix, por sua vez, parece ter realizado alguns gestos
simples, mas de grandes consequências. Se a ficção científica,
os filmes de invasão alienígena, faziam parte dos mecanismos
da chamada Guerra Fria Cultural (CANCELLI 2017) e do aparato
tecnomidiático do terror, Aladino parece apenas ter tomado essas
ficções ao pé da letra. Isso, além de se considerar, ele mesmo,
o ator principal – novamente, ao pé da letra, as advertências
da propaganda governamental diziam que o alvo principal da
Guerra Fria eram as subjetividades, os sentimentos, as mentes
de cada um. Gestos que podemos chamar de paranoicos, sem
dúvida, mas feitos com a mesma matéria-prima da chamada
normalidade imposta ditatorialmente.

A questão que fica é: em que ponto “começa” a corrosão


do aparato de repressão. Isso parece pressupor que existe
uma repressão racional, comedida, sistemática e, em outra
parte, grupos que se movem pelo caminho do terror e que,
em alguns momentos, “saem do controle”. Pensar assim pode

230 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
A história de uma história

ser tranquilizador, mas não explica a disseminação de práticas


semelhantes. É preciso lembrar aqui que a exceção é a regra. Mas ao
mesmo tempo, seria um erro pensar que um controle central
comandava tudo. Que os agentes da violência, os heróis do combate
à subversão, pudessem mesclar motivos “oficiais” e outros motivos
em suas ações, desde ganhos financeiros a contatos com discos
voadores. É preciso lembrar ainda que a própria “legitimidade”
do governo derivava da tomada golpista do poder.

O historiador na sala de cinema. O Bandido da Luz


Vermelha: Novamente, a voz de apresentador de telejornal,
com seus acentos caricaturais e avacalhados, assume um tom
meditativo: “Quem era este marginal lendário, o mais famoso
bandido nacional dos últimos anos? Um espantoso tarado
sexual, um simples provocador, um gozador? Ou, então, seria
um anormal, um mágico sem lei, um monstro apenas?”

O Narrador Historicista, ou o sofredor do mal-de-


arquivo: No Jornal do Brasil, a 20 de setembro de 1968, 1º
Caderno, página 13, uma nota informava que um laudo a cargo
do Instituto Médico Legal confirmava a denúncia de que houve
torturas contra 3 dos 9 suspeitos de atos terroristas do grupo
de Sábado Dinotos, entre eles o próprio Aladino. Havia lesões
em seu corpo, resultado de choques, socos, pontapés e de
tortura no pau-de-arara. Um inquérito seria instaurado e a
Corregedoria exigiria explicações sobre o ocorrido, a começar
pelo delegado do Departamento Estadual de Investigações
Criminais, Ernesto Milton Dias. Claudio Suenaga (SUENAGA
1999, p. 286) reproduz trechos da denúncia publicada pela
Folha de São Paulo, a 14 de setembro de 1968: “Membros da
quadrilha do terrorismo voltam a dizer que foram torturados”.
Aladino Félix declarou:

Os policiais do DEIC, delegados e investigadores são doentes


mentais, tarados, bestiais, ladrões, torturadores e assassinos.
Fui levado para uma sala pelo delegado Ernesto Milton Dias.

231 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
Daniel Faria

Fui despido e surrado. Até dentes me arrebentaram. Aí, veio o


suplício nas mãos. Meus dedos foram torcidos e sovados com
uma peça de madeira, até que ficaram inchados. Em seguida,
fui posto no pau-de-arara. Primeiramente ligaram dois cabos de
bateria em meus pés e durante muito tempo fiquei sob aqueles
choques tremendos. Nem sei quanto tempo, porque cerca de
meia hora após iniciarem os choques, desmaiei. Acordei depois
que me tiraram do suplício, entre 10h30min e meia e 11
horas. Introduziram um fio na minha uretra e outro no ânus,
e fecharam a corrente ao máximo da amperagem. O aparelho
que controla a amperagem ou a voltagem tem a semelhança
de um pequeno piano, com cinco botões. Os dois últimos são
vermelhos, indicando perigo de vida. Em mim, foi ligado ao
máximo durante cerca de 15 a 20 minutos. Antes, desferiram
um chute nos meus testículos. Perdi a consciência. Quando
me voltou a razão, introduziram um fio em cada um dos meus
ouvidos. Diziam que, depois daquilo eu morreria, ficaria cego ou
louco, pois as minhas células cerebrais não resistiriam. À noite,
voltei a ser supliciado. Amarraram um fio no meu dedinho do
pé direito, enrolado com um pano molhado, para aumentar a
corrente. O outro fio foi enrolado ao meu membro viril. Carga 6 - ASP ACE 6976
ao máximo! Gritou um dos torturadores. Meu membro viril, sob 81. Ministério da
o efeito da corrente, chegou a queimar no lugar onde o fio foi Guerra. II Exército.
QG. EMG 2a Seção.
enrolado. Perdi a consciência outra vez. Então, para ver se eu Difusão CIE e SNI. Ar-
estava morto, um dos torturadores acendeu um isqueiro de gás quivo Nacional, Fundo
e queimou o meu ânus. Muitos foram os torturadores, não sei os SNI.
nomes de todos. Tomaram parte o delegado Ernesto Milton Dias
e outros delegados, os investigadores Salvio, José, Gaúcho, etc.,
o soldado Lázaro da FP, um capitão do Exército, cujo nome não
sei e um coronel da FP.

O Narrador Historicista, ou o sofredor do mal-de-


arquivo: No já citado relatório do DOPS/SP, o delegado 6

Benedito Sidney de Alcântara comentava a atuação do general


Paulo Trajano da Silva nessa trama (o general, ao que tudo
indica, não foi figura destacada no contexto político da Ditadura
Militar, mas serviu, nesse caso, de emissário, elo entre Aladino
Félix e militares com grande força dentro do governo, como
o general Jayme Portella). Aladino e Paulo Trajano eram
próximos e mesmo amigos de muitos anos. Numa conversa,
o vidente teria revelado ao general o plano conspiratório da

232 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
A história de uma história

contrarrevolução dos revanchistas liderados pelo ardiloso


Carlos Lacerda, no início de 1968. Seguindo sugestão do
general, Aladino escreveu um relatório, entregue ao Diretor
Geral da Polícia Federal, o terráqueo Florimar Campello. A
peça literária do DOPS reproduz um interrogatório com Paulo
Trajano da Silva, em que o general afirmava que, de fato, as
autoridades do governo tinham acreditado na existência do
plano de eclosão de uma conspiração nacional, a ser efetivada
quando de discurso de Lacerda; daí as movimentações de tropas
militares a 27 de janeiro de 1968 que causaram estranheza à
imprensa, como se se tratasse de movimentos inquietantes
de objetos não identificados no céu do Brasil. A Polícia Federal
de São Paulo fornecera, ainda segundo Paulo Trajano da Silva,
informação de que o terráqueo sob pseudônimo de Dinotos fora
um “colaborador da revolução do março de 1964”. Dizia mais,
o general: que ele ouvira de Dinotos sobre o furto de armas
da Força Pública e que isso tinha sido antes do dia previsto
para tal contrarrevolução revanchista, a 25 ou 27 de janeiro.
Negava, porém, que dera apoio ou o que seria mais grave,
que tinha inspirado as ações do grupo liderado por Aladino, ou
ainda que era uma ponte de contatos imediatos de quarto grau
entre Aladino Félix e altas autoridades do governo, bem como
negava ter garantido impunidade ao grupo, dizendo que os
livraria das investigações, mesmo que suas impressões digitais
estivessem marcadas nos estilhaços de bombas e nos cenários
dos atentados. Porém, escrevia o perplexo e lírico Benedito,
acareações entre os outros acusados e o general confirmavam
que eles falavam a verdade, uma vez que eles persistiram com
sua versão, mesmo diante de alguém de posição mais alta na
hierarquia militar.

Qual era a versão do grupo de Aladino? Que o general Paulo


Trajano da Silva era uma ponte entre o grupo e o governo. Mais
ainda, que os atentados promovidos pelo grupo não tinham
sido idealizados pelo próprio Aladino e sim por essas pessoas
ocultas dentro do próprio governo. Paulo Trajano era, portanto,
apenas um garoto de recados a serviço de forças maiores,
secretas, insondáveis. Que o objetivo dessas forças ocultas

233 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
Daniel Faria

era instaurar um clima de terror que tornasse inevitável o


fechamento do regime. E que eles se viam como soldados e
defensores da “Revolução de 64” e que, portanto, longe de
serem inimigos do governo, estavam a seu serviço. O próprio
governo do Brasil era, portanto, a força oculta que manipulava
a tudo e a todos, visando a nada menos que, por meio de um
sensacional autogolpe, conceder mais poder a si mesmo, o que
se concretizaria em dezembro de 1968, com a decretação do
AI-5!

O Acadêmico Niilista, perdido entre tantas citações:


O historiador Michael Mcclintock escreveu um extenso
trabalho sobre as estratégias, as táticas e os manuais de
contrainsurreição, luta armada, guerra contrarrevolucionária e
contraguerrilhas que tanto marcaram a Guerra Fria na América
Latina (MCCLINTOCK 1992). Desse livro, destacam-se pontos
que parecem iluminar, ainda que com uma luz vermelha,
aspectos importantes da lógica do terror como instrumento de
controle social e mesmo como forma específica de desenho
institucional. Aquilo a que no Brasil chamamos de Ditadura
Militar pode ser pensado como um modelo de Estado, o
Estado contrainsurrecional experimentado na Guatemala, na
Argentina, e também no Vietnã e em outros países ao redor
do planeta Terra. Em primeiro lugar, nos manuais militares da
Guerra Fria, havia toda uma teorização sobre o terror como
governamentalidade. O pressuposto desses manuais era o
de que os grupos de luta armada, as guerrilhas, conseguiam
apoio de uma população por meio de políticas de terror, e que,
portanto, esse método deveria ser imitado pela contraguerrilha,
no sentido de que um terror difuso garantiria o consentimento
por parte da população (MCCLINTOCK 1992, p. 54). Segundo
Mcclintock, uma das fontes de inspiração para esses manuais
eram explicitamente reconhecidos como tais, os métodos da
Wehrmacht e da SS na terrorização da população e sobretudo
a cooptação de membros da resistência (MCCLINTOCK 1992,
p. 59). O principal pressuposto derivado dessa experiência
alemã era o de que a população somente apoiava os partisans

234 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
A história de uma história

sob coação, colocando-se sempre em primeiro plano a questão


da campanha por meio do terror, ou seja; o decisivo era
saber quem tinha a iniciativa do terror. Paul Linebarger, um
dos mais importantes teóricos do Exército dos Estados Unidos
sobre a guerra psicológica, propunha que as experiências
das guerras religiosas do passado fossem retomadas pelos
estudiosos e estrategistas, devido ao fato de que a Guerra Fria
seria, antes de tudo, questão de ideologia. Nesse horizonte,
emergia o problema estratégico de como converter fiéis de um
“credo inimigo”, de como combater heréticos, os “elementos
subversivos” do pós-guerra. A guerra psicológica seria uma
espécie de gestão da fé, das convicções. (MCCLINTOCK 1992,
p. 278-279).

O historiador na sala de cinema. O Bandido da


Luz Vermelha: O Bandido se dirige aos espectadores do
filme: “Vocês se lembrarão de mim como o mais perfeito dos
bandidos encapuçados. Fui campeão de tiro ao alvo em Cuiabá
e invencível pistoleiro profissional em Mato Grosso: com várias
mortes.”

O Bestializado: Aladino Félix devia mesmo ser doido. Mas


sabia fabricar bombas. Alguns tratavam Aladino como um
vigarista. Mas ele parece pouco pragmático para ser um
vigarista. Seria um vigarista messiânico? Paulo Trajano diz que
era a favor de fechar o governo. Que Aladino tinha ajudado, de
alguma forma, em 1964. Mas não tem nada sobre esse período
de Aladino, entre 1964 e 1967. Ele já aparece “pronto” em
1968 pra levar seus contatos com discos voadores à conclusão
do terrorismo a favor do governo. Aliás, ele era a favor do
governo. Mas, e o governo? Estava a seu favor? O Bolívar
Lamounier e os especialistas em democracia dizem que o lance
é a estabilidade. O conflito, mas sempre dentro de regras. O
governo, os partidos, as instituições, são importantes porque
são como os tabuleiros que regulam essas regras. Até porque,
se a cada dia as regras do jogo mudassem, qual seria o nome

235 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
Daniel Faria

do jogo? Mas esse caso aí do Aladino me deixa um pouco


grilado. Será que além da estabilidade, os governos também
precisam das crises? Será que a paz é só um sintoma do medo
de tomar porrada?

O historiador na sala de cinema. O Bandido da Luz


Vermelha: J. B. da Silva, personagem caricatural do político
corrupto, oferece aos espectadores um dístico: “Em política o
verdadeiro santo é o que chicoteia e mata o povo pelo bem do
povo”.

O Narrador Historicista, ou o sofredor do mal-de-


arquivo: “Numa noite de 1959”, nos conta Suenaga, “surgiu
inesperadamente um fato que mudaria definitivamente o curso
da vida de Aladino. Nas centúrias de Nostradamus que já
vinha traduzindo e interpretando, pensou ter encontrado uma
referência à sua pessoa.” (SUENAGA 1999, p. 220). O resultado
disso foi a publicação do livro As centúrias de Nostradamus,
traduzidas do original por Sábado Dinotos, publicadas em
1965. Aladino divulgava seus escritos na cidade de São Paulo,
e fazia reuniões com seus seguidores e palestras abertas ao
público, em sua sala no Edifício Martinelli. Desde 1959 fazia
algumas aparições públicas, dando inclusive entrevistas em
programas da TV sobre seus temas prediletos: messianismo,
profecias e discos voadores. Soldados e oficiais da Força Pública
e alguns militares faziam parte desse círculo de leitores e
frequentadores das palestras de Aladino. A política fazia parte
dos temas discutidos – mais precisamente, as profecias, os
discos voadores, o messianismo faziam parte desse tema mais
amplo: a política.

Quanto às profecias de Nostradamus, o que nos interessa


aqui é o método de tradução de Aladino Félix. Esse método,
em que pese seu aspecto delirante, não diferia tanto assim dos
métodos de investigação e produção de informações dos agentes
de governo sobre a conspiração comunista internacional,

236 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
A história de uma história

presente em todos os aspectos da vida brasileira. Aladino


se valia de comparações históricas, derivações semânticas,
semelhanças fonéticas, sempre à procura das forças ocultas
escondidas na superfície das coisas. No caso, as profecias de
Nostradamus. Por se tratar das profecias, a tradução também
implicava uma filosofia da história que versava sobre o lugar
do planeta Terra no sistema solar, o lugar do Brasil no planeta
Terra, o lugar de 1964 no Brasil e o lugar do próprio Aladino
Félix nesse drama de proporções cósmicas, em que os destinos
da civilização eram decididos.

A preocupação de Nostradamus foi indicar o lugar, a época e as


circunstâncias em que o Grande Rei surgiria. Com esse propósito
em mente, desceu às minúcias, chegando a indicar o seu nome,
os membros da sua família, sua profissão, suas condições sociais,
seus amigos e inimigos, suas virtudes e seus defeitos. Para ele, o
Grande Rei seria brasileiro, paulista, escritor, de origem humilde,
humilhado pelos homens de sua época. (DINOTOS 1965, p. 3).

A tradução das centúrias é extremamente intrincada. Vão


aqui apenas algumas indicações da metodologia de tradução
de Aladino Félix. O verso “Faulx à l’estang ioinct, vers le
Sagittaire” é traduzido por “Faulx com o martelo junto, do lado
do Sagitário”. Ora, dizia Aladino, faulx era a forma provençal
do latim falx, foice; estang era martelo, trabalho de ferreiro;
na Bíblia, estava indicado que Sagitário era a Itália. Portanto,
a profecia era evidente: a foice e o martelo dirigira uma
vigorosa campanha contra Roma (DINOTOS 1965, p. 15-16).
Outro exemplo: o verso “la garde estrange trahira Forteresse”
foi traduzido por “a guarda estranha trairá a Fortaleza.” Nos
comentários, Aladino aduzia que

Fortaleza é palavra usada em duplo sentido. Pode ser fortaleza,


no sentido lato, ou uma pessoa com esse nome. Talvez alguém
que se chame Castelo. Ele manda prender o Rei, porém, a
guarda é substituída por pessoas que pertencem ao partido do
Rei, enganando a guarda que sai. O Rei desfruta de confiança e
proteção junto de pessoas de alta categoria. (DINOTOS 1965,
p. 48).

237 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
Daniel Faria

O Rei, no caso, era mesmo ele, Aladino, e não Castelo.


Há nas traduções de Aladino um fascínio pela catástrofe,
pelo genocídio, pela morte instantânea e apocalíptica. De
si mesmo, equiparando-se ao outro “mestre reconhecido
pela humanidade”, Aladino escrevia que: “um foi pacífico,
isto é, Jesus. O outro, chamado Sábado ou Sétimo, seria o
sanguinário, que teria o seu poder aumentado e faria a terra
desenvolver-se.” (DINOTOS 1965, p. 65). Percebe-se que
Aladino encontrava muitas referências à política brasileira
nas profecias de Nostradamus. Do verso “L’un de plus grands
fuyera aux Espaignes”, Aladino deduzia que esse “grande que
se refugiará nas Espanhas”, só podeira ser o Fuehrer, revelado
pela consonância com o fueyra. Seria, portanto, possível que
Hitler estivesse escondido na América do Sul, “sob beneplácito
de certos países com tendências nazistas conhecidas.”
(DINOTOS 1965, p. 84). Um “ítalo-argentino”, colaborador de
Perón, conhecido de Aladino Félix, garantiu ao autor que “Hitler
fora seu vizinho na Patagônia. Hitler raspara o bigode, e usava
uma peruca. Estaria vivendo na zona rural.” (DINOTOS 1965,
p. 155).

O historiador na sala de cinema. O Bandido da Luz


Vermelha: As vozes de um telejornal sensacionalista anunciam
que: “Atenção Senhoras e Senhores: os estranhos objetos em
forma de bolas luminosas continuam sobrevoando os céus de
todo o Brasil, polarizando a atenção, sendo vistos nos mais
longínquos recantos – Manaus, Recife, Porto Alegre, Natal,
Paranácapicuiba e Ribeirão Preto. As autoridades continuam
em estado de choque.”

O Narrador Historicista ou o sofredor do mal-de-


arquivo: Tão intrincada quanto a tradução de Nostradamus,
é a política projetada no sistema solar pelos livros de Aladino
Félix, ora sob pseudônimo de Dino Kraspedon, ora Sábado
Dinotos. A dissertação de Claudio Suenaga, já citada, fornece
descrições detalhadas, com extensas reproduções de textos do

238 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
A história de uma história

próprio Aladino e é a leitura recomendada para quem quiser


conhecer melhor os detalhes do sistema político-planetário de
Aladino. Em linhas bem gerais, Aladino tinha a ideia de que
a história terrestre era reflexo de conflitos interplanetários.
Júpiter e Vênus eram as forças contrastantes. Júpiter, o
planeta da raça superior, falante do hebraico. Vênus, a planeta
infernal; e Marte, a tendência vermelha, comunista. Aladino,
em suas palavras, era o contato direto das forças jupiterianas
no planeta. A isso ele somava uma leitura bem singular da
Bíblia, como relato das agruras raciais das tribos de Israel, em
meio a discos voadores.

No livro publicado em 1967 sob o pseudônimo de Sábado


Dinotos, A antiguidade dos discos voadores, Aladino escrevia
que, depois de 1945, os discos voadores voltaram a aparecer
com frequência. O que se passava era uma luta, em escala
interplanetária, pelo “domínio universal”, sendo esse um
“imperativo da Natureza”, tendência de domínio registrada até
entre os animais. (DINOTOS 1967, p. 65-66).

O historiador na sala de cinema. O Bandido da Luz


Vermelha: Ouvimos uma voz feminina, com entoação de
transmissão radiofônica, dizer sobre o Bandido: “Um bárbaro
minhas ouvintes... Só pode ser um bárbaro porque a ciência
não prevê tantos requintes de selvageria e perversidade... Um
bárbaro ou (tempo) então um tarado. Nem os guerrilheiros de
Belo Horizonte meu Deus, nem Brizola e Jango Goulart foram
tão longe…”

O Bestializado: Ele passa garboso e saciado, um capuz


diáfano, perceptível na sequência de triângulos iridescentes
que se desdobram sobre sua cabeça, como um poente em céu
poluído. Ele vai acompanhado pelo séquito mais lamentável
de animais nojentos ou detestáveis, como a coruja, o urubu
e o gavião, as três crias do azul terrível. À sua passagem, as
pessoas não conseguem se conter e riem desbragadamente,

239 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
Daniel Faria

até as lágrimas. A euforia é estranha, um lance de possessão


demoníaca, comentam os jovens nas igrejas, entre risos cada
vez mais descontrolados. Mas a sensação de que seus músculos
faciais estão sendo manipulados por dentro e, sei lá, algo como
uma mão invisível nos força a rir sem motivo, conduz a uma
sensação oposta: a desgraça. Suicídios se seguem, como as
ondas que emanaram do capuz luminoso.

O historiador na sala de cinema. O Bandido da Luz


Vermelha: Ao som de um bolero, cansado de sua vida de
crimes, o Bandido se suicida, de modo espetacular, eletrocutando
a si mesmo. Seu cadáver é encontrado por policiais. Final feliz?
As vozes do telejornal sensacionalista anunciam que: “Sim
naquela tarde os misteriosos discos voadores aproximavam-
se do centro de São Paulo vindos do leste para o poder. Os
invasores, aqueles mesmos objetos não identificados de forma
circular e de cor amarelada, os invasores vieram para riscar
o país do mapa… Os discos voadores atacam... É o Brasil em
pânico... Sem nada a fazer... Só um milagre, meus senhores,
só um milagre pode nos salvar do extermínio total…”

Considerações Finais
Os temas deste artigo são: as relações entre violência
e normalidade simulada; terror e legitimidade política;
pânico social, teorias paranoicas da Guerra Fria e suas
instrumentalizações pela Ditadura Militar. Nenhuma das vozes
que compõem este texto tem uma posição de superioridade
hierárquica frente às outras, exceto pelo dado de que o filme
O Bandido da Luz Vermelha foi adotado como matriz estética –
considerando-se que estética e interpretação se complementam,
ou, mais ainda, que forma é exegese, o que não redunda num
esteticismo vazio, a não ser que se considerasse que uma
narrativa objetiva seria isenta de estética, constituindo-se
como pura intelecção. Relembro, também, que a voz menos
privilegiada por um leitor acadêmico, a do bestializado, é

240 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
A história de uma história

justamente a que tornou necessária a estratégia narrativa


adotada. Historicistas e niilistas são bem-vindos na chamada
academia, bestializados não.

Não se trata, também, de um experimentalismo com


pretensões de transgressão. A aposta, aqui, é, pelo contrário,
a de que uma exploração na forma narrativa pode ampliar o
alcance hermenêutico da escrita historiográfica. Evidentemente,
nada impedia que esse texto fosse escrito segundo as
regras do cânone – a não ser que muitas das questões aqui
levantadas não caberiam nessas regras. De resto, recorde-
se, com o conhecido poema de Álvaro de Campos (Fernando
Pessoa), “Lisbon Revisited”, que não existem conclusões, “a
única conclusão é morrer”, e que as pretensas conquistas da
metafísica, da teologia, da ciência e da moral não são conclusão
alguma. Que sejamos técnicos, mas isso apenas dentro da
técnica. Fora disso...

REFERÊNCIAS

ARGOLO, José A.; RIBEIRO, Kátia; FORTUNATO, Luiz Alberto


M. A direita explosiva no Brasil. A história do Grupo
Secreto que aterrorizou o País com suas ações, atentados
e conspirações. Rio de Janeiro: Mauad, 1996.

BORRADORI, Giovanna. La filosofia en una época de


terror. Diálogos con Jurgen Habermas e Jacques Derrida.
Madrid: Santillana Ediciones Generales, 2003.

CANCELLI, Elizabeh. O Brasil na Guerra Fria Cultural.


São Paulo: Intermeios/USP-PPGHS, 2017.

CARDOSO, Irene. O arbítrio transfigurado em lei e a


tortura política. In: FREIRE, Alípio; ALMADA, Izaías;
GRANVILLE PONCE, J. A (Orgs.). Tiradentes, um presídio
da ditadura. Memórias de presos políticos. São Paulo:
Scipione, 1997, p. 471-483.

241 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
Daniel Faria

DECKES, Flávio. Radiografia do terrorismo no Brasil.


66/80. São Paulo: Ícone, 1985.

DINOTOS, Sábado. A antiguidade dos discos voadores.


São Paulo: Edição do autor, 1967.

DINOTOS, Sábado. As centúrias de Nostradamus. São


Paulo: Edição do autor, 1965.

FARIA, Daniel. Sob o signo da suspeita. As loucuras do


poder ditatorial. Antíteses, v. 8, n. 15 esp., p. 221-240,
nov. 2015.

GUILHOT, Nicolas. The democracuy makers. Human


rights and the politics of global order. New York: Columbia
Univeristy Press, 2005.

JABLONKA, Ivan. La historia es una literatura


contemporanea. Manifiesto por las ciencias sociales.
Buenos Aires: Fondo de cultura economica, 2016.

MCCLINTOCK, Michael. Instruments of statecraft. U.


S. Guerrilla Warfare, Counter-Insurgency, and Counter-
terrorism, 1940-1990. New York; Pantheon Books, 1992.

PORTELLA, General Jayme. A revolução e o governo


Costa e Silva. Rio de Janeiro: Guavira Editores, 1979.

QUADROS, Vasconcelos. Atentados de direita


fomentaram AI-5. Disponível em: https://apublica.
org/2018/10/atentados-de-direita-fomentaram-ai-5/.
Acesso em: 1º nov. 2019.

SANTOS, Rodolpho Gauthier Cardoso dos. A invenção


dos discos voadores. Guerra Fria, imprensa e ciência no
Brasil (1947-1958). São Paulo: Alameda, 2015.

242 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
A história de uma história

SCHRAMM, João Francisco. A Força Aérea Brasileira


e a investigação acerca de objetos aéreos não
identificados (1969-1986): segredos, tecnologias e
guerras não convencionais. 2016. Dissertação (Mestrado
em História) - Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade de Brasília, Brasília, 2016.

SGANZERLA, Rogério. O Bandido da Luz Vermelha


Argumento e roteiro de Rogério Sganzerla. São Paulo:
Imprensa Oficial, 2008.

SUENAGA, Cláudio. A Dialética Do Real e do Imaginário:


Uma Proposta de Interpretação do Fenômeno OVNI. 1999.
Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual
Paulista, Assis, 1999.

XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento.


Cinema Novo. Tropicalismo. Cinema Marginal. São Paulo:
Cosac Naify, 2014.

AGRADECIMENTOS E INFORMAÇÕES

Daniel Faria
krmazov@hotmail.com
Universidade de Brasília
Brasília
Distrito Federal
Brasil

RECEBIDO EM: 02/ABR./2019 | APROVADO EM: 17/JUL./2019

243 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 209-243 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1472
HISTÓRIA DA Ouro Preto / MG - Brasil

HISTORIOGRAFIA

Crise da modernidade em perspectiva histórica: da


experiência empobrecida à expectativa decrescente
do novo tempo
Crisis of modernity in historical perspective: from impoverished
experience to decreasing expectation of the new time

Yuri Martins Fontes


https://orcid.org/0000-0003-0895-8961

RESUMO

Neste artigo, analisa-se em perspectiva crítica a


evolução da crise que acompanha a modernidade ABSTRACT
desde sua consolidação, problema estrutural,
resultante de lógica irracional incapaz de superar This article analyzes in critical perspective the evolution
contradições internas; para tanto, articulam-se as of the condition of crisis that accompanies modernity
contribuições de três pensadores que, em seu tempo, since its consolidation – a structural problem, resulting
enfrentaram essa questão sob prismas convergentes. from irrational logic, incapable of overcoming internal
Investigando-se aspectos históricos e filosóficos contradictions; therefore, it articulates the contributions
da crise moderna que se faz presente, parte-se da of three thinkers who, in their time, faced the question
interpretação de W. Benjamin sobre o definhamento
under converging angles. Investigating the historical
da experiência nos tempos modernos, quando a
and philosophical aspects of the modern crisis, which
informação (saber empobrecido) substitui a narrativa
is present, this study starts with W. Benjamin’s
(outrora instrumento de reflexão); ainda neste início,
trata-se de como essa ideia foi depois desenvolvida interpretation of the loss of experience in modern
por R. Koselleck, que a relaciona à ideologia times, when information (impoverished knowledge)
burguesa do progresso técnico, com sua inflada replaces narrative (once an instrument of reflection);
expectativa. Em seguida, volta-se ao contemporâneo, still at the beginning, this article examines how this
expondo a atualização que P. Arantes, em diálogo idea was later developed by R. Koselleck, who relates
com ambos, oferece deste fenômeno na época pós- this concept to the bourgeois ideology of technical
globalização: período da crise do novo tempo, em progress, with its inflated expectation. Then the focus
que as expectativas quanto a um efetivo progresso turns to the contemporary times, exposing the update
social decrescem. that P. Arantes (in dialogue with both) offers of this
phenomenon in the post-globalization era: the period
of the crisis of the new time, in which expectations for
an effective social progress decrease.

PALAVRAS-CHAVE
Crise; Experiência; Expectativa

KEYWORDS
Crisis; Experience; Expectation

244 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 244-267 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1474
Yuri Martins Fontes

Passados quase cem anos, marcados por violentas guerras


e calamidades humanitárias, desde as primeiras reflexões que,
do âmbito da concepção crítica da história, anteciparam-se em
denunciar a crise da civilização moderna capitalista, novamente
a “crise da modernidade” ganha protagonismo nos debates das
Ciências Históricas e da Filosofia. Como importantes chaves
para esse questionamento estão o declínio da experiência
humana e a ascensão e queda das expectativas, fenômenos
que caracterizam a era moderna e que se articulam com a
restrita noção técnica ou instrumental adquirida pelo conceito
de progresso nos últimos séculos.

A diferença que atualmente emerge para a reflexão


contemporânea é a de que, já há algumas décadas, a crise
do capitalismo se explicita com mais constância e mostra-
se agravada em diversos aspectos. Desde uma perspectiva
socioeconômica – e de acordo com diversos enfoques
analíticos hodiernos –, a crise já não pode mais ser entendida
apenas como um problema conjuntural, mas, sobretudo,
apresenta sintomas de uma ampla crise das estruturas ou dos
fundamentos que regulam o metabolismo social, cuja resolução
já não pode ser buscada internamente ao sistema gerido pelo
capital. Portanto, para se compreender tal questão em sua
complexidade, discutem-se neste trabalho alguns aspectos
históricos e filosóficos da evolução da modernidade e da crise
que a acompanha, atentando à necessidade de uma abordagem
que compreenda o problema em sua dimensão ampliada.

Inicia-se investigando o processo de declínio da experiência,


fenômeno característico dos tempos modernos, e que se
relaciona com a desorientação de um modelo de progresso
restrito ao mero avanço técnico – temática que Walter Benjamin
é um dos pioneiros a analisar, em seu profundo ensaio “O
narrador”, escrito na desilusão do período entre-guerras.

Este tema será, a partir de meados do século XX, examinado


em detalhes por Reinhart Koselleck – um contundente crítico
da modernidade, cujas conclusões corroboram e ampliam
aquelas do marxista alemão nos anos 1930. Conforme

245 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 244-267 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1474
Crise da modernidade em perspectiva histórica

percebe Koselleck, há estreitos vínculos entre a empobrecida


“experiência histórica” e o inflado “horizonte de expectativas”
da modernidade; de acordo com suas constatações, a
sociedade moderna é marcada desde sua origem por um
estado de “crise permanente”, sintoma que ele atribui ao
movimento no qual a burguesia europeia em ascensão
desprezou os saberes das tradições, afirmando sua particular
“filosofia do progresso” como sendo universal, e fazendo com
que tal perspectiva – iluminista e etnocêntrica –, com seu
modelo ideológico de “desenvolvimento técnico”, se expandisse
enquanto “mundial”.

Em seu segundo momento, este trabalho articula os conceitos


anteriormente apresentados com a questão contemporânea,
pondo seu foco no contexto atual da crise da modernidade
– que se aprofunda com a globalização neoliberal. Abordam-
se, assim, os diálogos que o revigorado pensamento crítico
desenvolvido por Paulo Eduardo Arantes trava com a teoria
da história de Benjamin e com a história dos conceitos de
Koselleck, dentre outras impactantes correntes questionadoras
da modernidade, como a crítica do valor, com vistas a compor
seu conceito de “crise do novo tempo”; em suma: um período
de desesperança, de “expectativas decrescentes”, em que o
sistema desnuda seu lado violento, explicitando a condição
estagnada de suas estruturas e a impotência da sociedade –
capitalista – em oferecer soluções efetivas para os problemas
humanos mais básicos.

A perspectiva de análise aqui proposta origina-se da


percepção de que, no atual contexto histórico, a crise
moderno-capitalista não pode mais ser reduzida tão somente
a um desequilíbrio que se repete ciclicamente, mas, segundo
variados analistas do tema, o que vemos hoje são sintomas
de agravamento da crise sistêmica – um problema portanto
interno, oriundo da própria lógica estrutural do sistema
capitalista, de sua configuração produtiva caótica, sem
planejamento ou orientação racional. Pautado por uma noção
ideológica de “progresso”, que reduz o desenvolvimento a

246 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 244-267 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1474
Yuri Martins Fontes

seu valor instrumental,1 o sistema hegemônico capitalista se


mostra impotente diante de problemas humanos cruciais, como
o desemprego crônico (que cresce com a automação) e a cada
vez mais preocupante crise ambiental, aspectos estruturais da
crise que, conforme afirmam diversos pensadores, agrava-se e
pode estar a conduzir a sociedade para um estágio de colapso.

Converge no pensamento dos três autores a ideia de que


a modernidade capitalista consiste em uma abrangente e
duradoura crise, iniciada em seus primórdios quando começa
a promover o desprezo das experiências tradicionais e põe
toda sua fé apenas na frágil promessa de progresso futuro; um
estreito progressismo que, em seu aspecto nuclear, relativo
ao desenvolvimento propriamente “humano” da sociedade,
não se realizou nem dá mostras de que seja capaz de rumar
1 - Das várias críticas
no sentido de sólido bem-estar social. Assim, essa ideia geral à ideologia moderna
acerca da permanência da crise sistêmica é, no início deste de progresso (reduzi-
da ao aprimoramen-
novo século, atualizada por Arantes, que explica por que a to técnico), vale se
sociedade moderna, carente de experiências – de saberes remeter a Adorno e
Horkheimer, com seu
advindos do passado –, passa agora também a perder sua conceito de “razão
crença no progresso vindouro, tornando-se cada vez mais instrumental” (racio-
nalidade operacional
desesperançada, niilista, violenta; tal fenômeno se aprofunda voltada à domina-
e torna mais nítido após o agravamento das consequências ção); vide “Dialética
do esclarecimento”
globais da crise estrutural do capitalismo, cujo emblemático (1944).
clímax se dá em 2008 com a explosão da crise econômica
mundial, face dessa ampla crise inerente à estrutura lógica do
sistema.

Prelúdio da crise moderna: do declínio da


experiência de Benjamin, à crença no progresso
técnico de Koselleck
Severo crítico do modelo moderno de progresso, que
considera ideológico – sem um sentido evolutivo efetivamente
social, Walter Benjamin é um dos primeiros teóricos críticos a
perceber que o declínio da experiência é um fator central de tal
desorientação. Em seu breve, mas denso ensaio “O Narrador”,
de 1936, expõe sua análise de como a “experiência” humana,

247 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 244-267 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1474
Crise da modernidade em perspectiva histórica

esse fundamento da “sabedoria” – aqui entendida como o


“conhecimento” em perspectiva mais ampla, vem “definhando”,
declinando manifestamente desde a Primeira Grande Guerra.

Trata-se do cume de um processo de empobrecimento que


se inicia junto com os tempos modernos, em um período no
qual a arte de narrar começa a perder protagonismo social;
fenômeno que ganha corpo na passagem do século XVIII para
o XIX, quando a burguesia firma seu poder, tendo, para tanto,
a ascendente imprensa como um dos seus mais importantes
instrumentos. Em detrimento da narrativa, com seu
“ensinamento moral”, é a superficial “informação” que emerge
como nova forma hegemônica de comunicação humana.

Na sociedade ocidental moderna, pondera Benjamin,


com a consolidação da imprensa, a arte de narrar, a arte de
transmitir a “sabedoria” – o saber, que é o “lado épico da
verdade” – perde sua centralidade na formação humana.
Com tal declínio da experiência, inaugura-se, pois, a “crise”
dos saberes da modernidade. Paulatinamente, a informação
objetiva, com reduzidas frestas que permitam a indagação,
assume a condição de cerne do ensinamento. O “saber” é assim
cada vez mais restrito aos diversos conhecimentos técnicos
– conhecimentos compartimentados em especializações que
não logram abarcar uma compreensão total das necessidades
humanas, que obnubilam um necessário saber panorâmico que
auxilie o homem a construir adequadamente sua história. As
ciências, em seu curso desesperado e irrefletido, já não dão
conta de conceber o todo humano, não conseguindo, portanto,
estabelecer diretrizes de fato “humanas” que sirvam como guia
para um desenvolvimento de viés social (BENJAMIN 1994, p.
197-203).

A noção reduzida de desenvolvimento como “progresso


técnico”, característica dos tempos modernos, é pautada pela
supremacia de uma razão instrumental que visa submeter a
natureza e também o próprio homem, segundo um modelo que
viria a se mostrar nefasto, tanto ética e culturalmente, quanto
em aspectos econômico-estruturais.

248 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 244-267 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1474
Yuri Martins Fontes

Esse processo fica explícito com as carnificinas consumadas


pelo “progresso”, durante o que Hobsbawm (1995) chamou
de “era da catástrofe”, época autodestrutiva e quase sem
nenhuma trégua que foi o “breve século XX”; ou ainda com
as crises do trabalho e socioambiental, as quais se agravaram
vertiginosamente nas últimas décadas, legando à exclusão
social imensos contingentes humanos e aproximando o planeta
de um provável ponto de não-retorno.

A arte de narrar definha na modernidade, diz Benjamin, e


isto é tanto mais notável, conforme se consolida a imprensa
de massas, instrumento fundamental para o fortalecimento do
capitalismo. O conhecimento perde, então, sua perspectiva mais
ampla, deixando de ter um real protagonismo na educação do
homem; toma seu lugar uma “informação” compartimentada,
fragmentada, pobre de valores e que não suscita reflexões
aprofundadas. A “explicação”, uma característica desse novo
conhecimento que se efetiva mediante o saber “fechado”
promovido pela “informação”, não permite a “interpretação” –
e aí radica o declínio da experiência contemporânea: não mais
se interpreta, não mais se experimenta algo com profundidade,
mas apenas absorvemos o conhecimento mínimo que nos é
“explicado”, que nos é oferecido pronto e acabado, não se
incentivando a meditação criadora (BENJAMIN 1994, p. 200-
203 e 209).

Ademais, a própria “essência da informação”, mais


interessada em obter audiência, de que em resolver os problemas
humanos efetivos, desvia a atenção da sociedade daquilo que
deveria ser pauta de reflexão e debate, segundo uma irracional
desproporção de ênfases. “Claramente” – pondera o pensador
marxista – “o saber que vem de longe encontra hoje menos
ouvintes que a informação sobre acontecimentos próximos”,
de modo que, citando a síntese despudorada do diretor de
grande jornal francês: “o incêndio num sótão do Quartier Latin
é mais importante que uma revolução em Madri”. E note-se
que o “longe” aqui se refere tanto ao “longe espacial das terras
estranhas”, como ao “longe temporal contido na tradição”.

249 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 244-267 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1474
Crise da modernidade em perspectiva histórica

Constituímos, dessa maneira, uma sociedade privada da


faculdade de intercambiar experiências, incapaz de recorrer
ao saber que nos oferece a história; uma sociedade alienada
do grande acervo humano vivido – o que inclui “a própria
experiência”, mas também “em grande parte a experiência
alheia” (BENJAMIN 1994, p. 202-203 e 220-221).

O conhecimento hegemônico em nossa sociedade é,


portanto, fechado à riqueza de outros saberes possíveis
– possíveis, para além e apesar do restrito cientificismo
eurocêntrico moderno.

Por um outro viés analítico, mas com conclusões convergentes


e complementares, também Reinhart Koselleck percebe a
modernidade como um tempo de “censura” da “experiência
histórica”, da experiência fundada na tradição.2 De acordo com
a interpretação do historiador alemão, tal restrição se torna 2 - Sobre a censura
ideológica da experi-
viável em nome de um prometido “horizonte de expectativas”, ência ocorrida no pro-
o qual, desde o século XVIII, com a Revolução Francesa e o cesso eurocêntrico de
construção da moder-
surgimento da ideia de “progresso”, cresceu desmesuradamente, nidade, vale verificar
ao menos até antes da radicalização conservadora neoliberal o trabalho dos pen-
sadores críticos des-
do fim do século XX, como se quer mostrar. Com as conquistas coloniais, em especial
propiciadas pelas Grandes Navegações, a promoverem com Aníbal Quijano e Enri-
que Dussel.
saberes e recursos naturais a Revolução Científica, na passagem
do século XVI ao XVII e, em seguida, com o desenvolvimento e
propagação das ideias iluministas, o mundo é levado, segundo
Koselleck, à experiência moderna fundante da Revolução
Francesa; era o primórdio de um novo tempo histórico, no qual
o olhar é posto no futuro e os saberes da tradição, desprezados.
Citando imagem de Tocqueville, o historiador alemão sintetiza
o advento deste “novo tempo”: “Desde que o passado deixou
de lançar luz sobre o futuro, o espírito humano erra nas trevas”
(KOSELLECK 2006, p. 47-48).

Trata-se de um tempo em que cresce drasticamente a


diferença entre o “espaço de experiência” e o “horizonte de
expectativa”, parâmetros chave para se compreender um
“tempo histórico”, de forma que a modernidade já nasce sob
o signo deste desequilíbrio. Koselleck, através de seu potente

250 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 244-267 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1474
Yuri Martins Fontes

instrumental historiográfico dito “história dos conceitos” (atento


à historicidade das terminologias), percebe que a emergência
dos “tempos modernos” tem por características o olhar ansioso
para o futuro, e o desprezo pelo passado.

É a época em que o termo germânico plural Historie


(“histórias”), deixa de se referir às diversas e não entrelaçadas
narrativas particulares, para se tornar a maiúscula “História”,
em alemão geschichte, a “história em si”, termo de significado
“singular coletivo” que faz referência a uma cadeia unificada
de acontecimentos. A partir de então, passa-se a conceber a
realidade como um todo enquanto histórica (KOSELLECK 2006,
p. 236 ss). Isso se dá, decerto, segundo o prisma hegemônico
eurocêntrico, que impõe a história europeia como sendo uma
suposta marcha única e universal da humanidade: o discurso
do vencedor.

Emergindo com as “tempestades” da Revolução Francesa,


ruptura que Koselleck entende como “revolucionária”, se
consolidará com a industrialização, em um processo delineado
segundo os propósitos e as concepções do Ocidente. Ao
explodir o espaço da experiência das tradições, dissociando
passado e futuro, tal movimento acaba por promover a crença
de que o homem dispunha de poder para decifrar sua “futura
direção” histórica. Tal perspectiva “progressista”, ademais de
uma “maneira ideológica” de se enxergar o futuro, é um novo
modo de se conceber a experimentação do cotidiano, cujo efeito
deletério é fazer com que a história perca o lugar de destaque
que ocupara desde a Antiguidade, enquanto transmissora dos
saberes tradicionais – “historia magistra vitae”, na expressão
de Cícero, que concebe a história como a grande escola
“mestra da vida”. “Não se pode mais esperar conselho a partir
do passado, mas sim apenas de um futuro que está por se
constituir” (KOSELLECK 2006, p. 80-82 e 58), afirma Koselleck
sobre a modernidade que se ergue.

Passa-se, então, a olhar com ansiedade para o futuro e


querer planejá-lo, segundo o mito iluminista de “progresso”,
um modelo ideológico de “desenvolvimento técnico” que,

251 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 244-267 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1474
Crise da modernidade em perspectiva histórica

mediante o instrumental das ciências naturais e suas técnicas,


volta-se ao domínio da natureza, à revelia do “progresso moral
e político”, cujo “retardamento” com o tempo será constatado
– como bem observa o historiador. Essa noção instrumental de
progresso funciona como o substrato empírico da concepção
ideológica eurocêntrica de “história absoluta”, consistindo
portanto em uma maneira restritiva e parcial de se pensar o
futuro (KOSELLECK 2006, p. 320-321, 123 e 81).

Enquanto foram poucas as experiências históricas modernas,


foi tanto maior a expectativa – e é essa “assimetria” que
Koselleck (2006, p. 326-327) considera como uma “fórmula”
para designar a “estrutura temporal” da modernidade. Contudo,
na medida em que os projetos políticos modernos se tornam
realidade, surgem também as frustrações para com essas
novas experiências oferecidas pela história, o que desgasta
as expectativas, tornando-as mais “cautelosas”, ainda que
também mais “abertas” a novas concepções.

Note-se, porém, que essa sua interpretação foi realizada


já há algumas décadas, abrangendo o período da modernidade
que vai até o final dos decepcionantes “anos dourados” do
capitalismo, na passagem da década de 1960 à de 1970, de
modo que, com as mais recentes e graves crises do capitalismo
globalizado, também as expectativas viriam a declinar, bem
como ocorrera com as experiências, inaugurando novos tempos
de desesperança, em que as engrenagens do sistema passam
a cobrar da população que trabalha seus mínimos direitos
sociais duramente conquistados e suas perspectivas de um
futuro melhor.

Tal fenômeno denota que a modernidade, não obstante


o espetáculo montado em torno da evolução da ciência e
tecnologia, foi incapaz de evoluir efetivamente no sentido de
um bem-estar social – de um progresso efetivamente humano,
e, ainda, mostra que sua tendência “lógica”, à medida do
avanço da crise civilizacional de face “estrutural”, é a de piorar
as condições de sobrevivência para as cada vez mais amplas
classes exploradas.

252 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 244-267 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1474
Yuri Martins Fontes

Mas observemos antes como o mito ideológico do


progresso moderno se relaciona com a crise permanente da
modernidade. Desde uma atual perspectiva histórica, pode-se
hoje observar que, no turbilhão do progresso tecnocientificista,
distante dos exemplos para a vida, antes legados pelas
tradições, a modernidade daria espaço para se agravarem,
no século XX, fatos hediondos como a carnificina da Primeira
Guerra e a barbárie nazista – movimento ideológico derrotado
militarmente, mas ainda com forte influência na sociedade
moderna –, além de provocar uma crise ambiental, hoje
3 - Ver a respeito da
cientificamente incontestável, e a perda de uma imensa fortuna
desestruturação so-
de outros saberes. A degradação da experiência histórica, cial e sua relação com
a fome: CASTRO, Jo-
empobrecida pelo afastamento dos saberes tradicionais e
sué de. Geopolíti-
fundada em um modelo mecânico e ideológico de progresso, ca da Fome [1951];
MARIÁTEGUI, José
pode também ser observada nos seguintes fenômenos, que
Carlos. Siete ensayos
marcam negativamente os tempos modernos e vêm ganhando de interpretación de
la realidad peruana
visibilidade no âmbito da tradição crítica – como é o caso
[1928]; NAÇÕES UNI-
de ecossocialistas, críticos descoloniais e críticos do valor, DAS. Fatos sobre ali-
mentação. ONU Bra-
dentre outras correntes contemporâneas: desestruturação de
sil, 2012.
diversas sociedades anteriormente sustentáveis; ampliação
4 - Sobre a ideologia
da fome a imensos contingentes populacionais, marcado por
conservadora con-
aumento não só absoluto, mas relativo; poluição de rios, solos tida no discurso de
valorização do “com-
e, portanto, dos alimentos gerados nessa situação3; falta de
petitivo”, da “com-
parâmetros éticos sólidos, conformismo disseminado como petência”, ou seja,
da “guerra de todos
valor para as massas, a partir de discurso autoindulgente das
contra todos”, vide:
classes dominantes; ou o alastramento de ideologias irracionais, CHAUÍ, Marilena.
Ideologia da com-
o fenômeno da fascistização social, releitura da brutalidade
petência. São Pau-
arcaica, com valores de competição pautados pela força física, lo: Autêntica/ Perseu
Abramo, 2014.
econômica ou intelectual do indivíduo.4

Diante desses graves sintomas da modernidade e a eles


intrinsecamente conectada, a inflada “utopia histórico-filosófica”
(KOSELLECK 2006, p. 130), fundada no mito moderno do
“progresso”, desempenharia a função de amainar os conflitos
sociais. Marco do dogma sociocultural – que se abre em 1789
com sua desmesurada aposta no futuro, e é renovado após
1945 com o advento do Estado do bem-estar social welfare
state, mito moderno que serve para amparar abstratamente os

253 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 244-267 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1474
Crise da modernidade em perspectiva histórica

excluídos, mediante promessa de dias menos amargos, o que


desvia as atenções do cerne do problema e acaba por agravar
a situação de crise generalizada, estrutural e ética de que ora
tratamos.

Sobre essa característica dos tempos modernos como época


marcada pela crise, Koselleck (1999, p. 9-13,), em sua tese
doutoral dos anos 1950 (Crítica e Crise), já afirmara que, de
acordo com um “ponto de vista histórico”, a atual crise mundial
deve ser vista como resultado da própria “história europeia”,
uma história regional que se expandiu ideologicamente como
sendo uma “história mundial” e cumpriu-se nela, ao exportar
seu processo conflitivo continuado, fazendo com que o mundo
como um todo ingressasse em sua “crise permanente” –
condição que é a própria essência da modernidade, com seu
modelo de progresso reduzido ao âmbito técnico-científico,
o qual obstaculiza a evolução social. Esse problema tem seu
marco no século XVIII, quando a sociedade burguesa europeia,
que se desenvolvia, renega o mundo antigo, calando não
só suas próprias tradições, mas também quaisquer outros
saberes não europeus, excetuando-se aqueles conhecimentos
de cunho técnico-prático de que se apropriaria para seu
usufruto mercantil. Com a grande revolução de fins do século
XVIII havendo desafiado a “sabedoria histórica” – a partir de
que a história a ser compreendida como “inteira e única” –,
também o futuro começa a ser concebido como sendo um e
somente um. Assim, a burguesia europeia passaria a reclamar
como universal sua particular “filosofia do progresso”, um
pensamento portanto etnocêntrico, unificado pelo “centro
europeu” – novo centro para onde se desloca o protagonismo
econômico. Em nome dessa suposta “unidade” humana, a
burguesia submeteria o resto do mundo a um estado de crise
social e política continuada, que se desdobraria em aspectos
éticos e estruturais: os tempos modernos.

Fruto das utópicas Luzes, essa filosofia da história, portanto,


além de se colocar como fundamento intelectual para justificar
a ascensão burguesa, também inaugura a crise permanente

254 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 244-267 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1474
Yuri Martins Fontes

do mundo moderno, ao enfrentar o Estado absolutista e


abrir passo para a Revolução Francesa, início de uma época
de perenes conflitos sociopolíticos. Essa crise, porém, seria
minimizada, segundo a ideia de que, sendo um processo “moral”,
teria um “fim previsível e inexorável”, ou seja, a própria vitória
burguesa.

Com relação a esse conceito de crise permanente, observe-


se que, em Koselleck, ele é visto de um ângulo historiográfico
e sociopolítico; já desde a perspectiva da tradição crítica, como
se mostrará a seguir, à questão da duradoura permanência
da crise, acrescenta-se ainda o fator econômico estrutural,
inerente e inter-relacionado com o aspecto social e político;
isso, contudo, não pressupõe que a crise lógica capitalista tenha
por fim necessário o colapso total do sistema, pois que não se
5 - Vide a ressalva de
trata de um processo meramente econômico ou automático, Paul Mattick (Crisis y
mas, antes, de um ato político popular.5 teoría de la crisis,
1974), que concebe a
crise permanente não
Outro ponto chave notado por Koselleck é que, ao enfrentar como um fim “auto-
o Antigo Regime segundo um dualista discurso de bem e mal, mático” e identifica
o colapso do sistema
a “vontade burguesa continua a ocultar sua agressividade”. com a ação política,
A história se tornara agora um campo aberto, sujeita a mas como algo não
facilmente “superá-
confrontos: “Assim, o caminho do futuro não era mais, somente, vel” dentro dos atuais
o do progresso infinito, mas continha a questão aberta de parâmetros.

uma decisão política” (KOSELLECK 1999, p.148-150, 160 e


137-140; 2006, p. 132). Tal questão, contudo, se verificaria
irresoluta dentro dos limites capitalistas, dada a estagnação de
suas estruturas, como se exporá.

Cabe ainda observar que Koselleck, apesar de sua justificada


compreensão negativa da modernidade, entende que nela
se situa, em meio a seus tantos aspectos problemáticos, um
marco positivo de abertura ao pensamento crítico – que se
estruturaria com Marx e Engels –, pois no mesmo processo de
ruptura, que acabaria por consolidar as restritas e restritivas
filosofias lineares do progresso, nas quais se sustenta a “crise
permanente”, deu-se, outrossim, o início da “elaboração crítica
do passado”, ou a “formação da escola histórica”, fenômeno
que permitiria ao homem compreender a história como um

255 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 244-267 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1474
Crise da modernidade em perspectiva histórica

processo não mais sujeito a determinações naturais, mas


dialeticamente desencadeado por ações humanas concretas
(KOSELLECK 2006, p. 319).

Este movimento teórico da história – como explica o autor


– terá um ponto culminante com exposição da concepção
materialista da história de Engels e Marx, em A ideologia
alemã, obra de 1846 (mas só publicada no século XX), na
qual os dois autores, ao criticarem “toda concepção de história
que até hoje existiu”, superam com “vantagem decisiva” as
teorias “unilateralmente isoladas” de até então, ou seja: a
ideia voluntarista de que a história é feita livremente pelos
homens, e a ideia apassivante que põe a estrutura histórica
acima da capacidade de intervenção humana. Efetivamente,
de acordo com o marxismo, “os homens fazem sua própria
história”, ainda que “não elejam as circunstâncias” nas quais
estão lançados (KOSELLECK 2004, p. 141 ss).6
6 - Em sua argumen-
tação, Koselleck cita,
de Marx, além de A
Novo tempo da crise: o esgotamento das sagrada família,
também O Dezoito
esperanças Brumário.

No breve percurso temporal que cobre o último quarto do


século XX e o início do XXI, as expectativas mais “cautelosas”,
já mencionadas por Koselleck nos anos 1970 e que são fruto
dos desgastes da experiência moderna até meados do século
passado, acabariam por declinar violentamente. Esse novo
espírito histórico – distópico – advém do fim do aquecimento
econômico artificial, antes impulsionado pela reconstrução
europeia e pela competição ideológica do pós-Segunda
Guerra, processo que resulta na desesperança que acomete
o contemporâneo: um sintoma do aprofundamento da crise
estrutural do sistema.

Paulo Arantes, em O novo tempo do mundo (2014), por


meio de argumentação crítica que dialoga com Benjamin e
outras correntes do âmbito da concepção dialética da história
e que guarda afinidades com conceitos centrais de Koselleck,
estende as análises acerca das “experiências” humanas e,

256 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 244-267 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1474
Yuri Martins Fontes

especialmente, das “expectativas” na modernidade, atualizando-


as para nossos tempos de “perpétua emergência”, período em
que se agiganta a ansiedade por um futuro que, embora não
experimentado, passa a impressão de que já chegou.

Com a derrota soviética na Guerra Fria e o decorrente


desmantelamento do welfare state keynesiano no centro
sistêmico ocidental – analisa o pensador brasileiro –, o
“horizonte do mundo encolhera vertiginosamente”, dando lugar
a um “novo tempo” menos paciente e mais cético: uma era de
“expectativas decrescentes”, na qual os riscos de catástrofes e
a insegurança socioeconômica passam a ser o padrão universal,
inclusive nos países centrais do capitalismo, que até então
desfrutavam de alguma proteção social (ARANTES 2014, p. 55
e 46).

Trata-se de um processo que remonta a meados dos anos


7 - No tocante ao caso
1960, quando as elites periféricas, aliadas aos superfortalecidos brasileiro, vide sobre
Estados Unidos do pós-Guerra, logram minar as principais o tema da perspectiva
periférica, a polêmica
revoluções modernizadoras de suas nações, promovendo de Caio Prado Júnior
diversos golpes militares na América, cujo caso no Brasil de com o PCB: As Teses
e a Revolução Brasi-
1964 – golpe que adquiriria nuances fascistas e deixaria legado leira, de 1960.
estrutural – é um dos primeiros e mais impactantes reveses.

Prenunciada na periferia, onde costumam ser mais claras


as evidências, a crise do novo tempo logo alcançaria os
centros do sistema, colocando em xeque as anteriores grandes
expectativas, as quais então agonizariam desde a “Grande
Recusa” ou “Derrota” de 1968, até tombar com a “Queda do
Muro” de Berlim, obrigando o movimento socialista a ter de se
repensar em profundidade. Sobre esse lugar “periférico” de
observação privilegiada e antecipada, vale aqui mencionar que,
conforme observa Florestan Fernandes (1994-1995, Mariátegui,
marxista oriundo da periferia global e contemporâneo de
Benjamin, foi um dos primeiros pensadores da tradição crítica
a atentar ao fato de que, desde a perspectiva “eurocêntrica”,
a realidade de “barbárie” do modelo de progresso capitalista é
sempre subestimada.7 Aliás, cabe ressaltar também que Marx
logra transcender seu inicial eurocentrismo justamente ao

257 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 244-267 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1474
Crise da modernidade em perspectiva histórica

perceber esse fato no processo de colonização indiano, quando


a Inglaterra passa a promover atrocidades em um grau até
então impensável na realidade de industrialização dos países
centrais; analisando dialeticamente as contradições presentes
no movimento da história, o pensador, com humildade, retrata-
se de suas posições etnocêntricas anteriores, ao se dar conta
que o capitalismo estava efetivamente piorando a situação
humana na Índia, que já era bem ruim (MARTINS FONTES
2017).

Deflagrada de modo generalizado, a crise do novo tempo


faz com que novamente se tornem evidentes as contradições do
sistema. Assim, a ideia de progresso, construída há quase dois
séculos, como marco cultural da economia-mundo capitalista,
ou “geocultura” (no conceito desenvolvido por Immanuel
Wallerstein), passa a declinar. Usando-se dessa concepção,
Arantes (2014, p. 33 ss) afirma que a “fé geocultural” no
mito do progresso moderno, este outrora onipresente legado
8 - Sobre o conceito
iluminista, em resposta ao Absolutismo, utopia que desde o de “geocultura”, ver
delicado período de reconstrução do pós-Segunda Guerra vinha a obra de Wallerstein:
Geopolítica y geo-
sendo a “estrela guia” do novo impulso modernizador, mostra- cultura, de 1991.
se agora como uma “quimera em queda livre”.8

Aqui, contudo, não nos esqueçamos que, se a crise crônica


da modernidade teve um breve período de “trégua” social
no pós-Segunda Guerra, tal trégua teve alcances duvidosos
e ambíguos no sentido de uma evolução humana duradoura
que pudesse ser contabilizada positivamente à combalida
modernidade, pois que, ao lado do breve respiro por reformas
da periferia global, até meados dos anos 1960, e do bem-
estar social restrito ao diminuto centro do capitalismo (paz
que duraria algumas décadas a mais), deu-se a corrida por
armamentos nucleares –tecnologia moderna avançada que
poria nas mãos de alguns poucos indivíduos a capacidade de
destruição completa da espécie humana. Inclusive, em sentido
mais estrito, a trégua na periferia do capitalismo, como bem
observa o pensador uspiano, só se daria a rigor entre 1945
e 1947, quando os primeiros golpes contra as esquerdas já

258 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 244-267 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1474
Yuri Martins Fontes

explodem na América; no Brasil, neste ano de 1947, o Partido


Comunista do Brasil (PCB) é posto na ilegalidade – o Tribunal
Superior Eleitoral cancela seu registro, alegando que o partido
era instrumento da intervenção soviética no país. Apesar de
efêmera, essa trégua de poucos anos iludiria o “imaginário
progressista” com a ideia de que, em se havendo derrotado
o nazifascismo, reabria-se a perspectiva de transformações
reais – naquele período que foi, apesar de Hiroshima, tido por
muitos como o “verdadeiro marco zero de uma nova civilização”
(ARANTES; MARTINS FONTES 2017, p. 175 ss).

Esse erro faria os socialistas pagarem um brutal preço


político, ao se ofuscarem com a falsa fisionomia pacificada
capitalista, dando campo para as vindouras “ditaduras
exterministas” dos militares – “catástrofes inaugurais” que
destruiriam as esperanças reformistas periféricas a partir dos
anos 1960 (ARANTES 2014, p. 224-229).

Mas de volta ao centro sistêmico global, o capitalismo, tendo


experimentado um longo e intermitente período de crise aberta
– que vai de 1914 até 1945, passando pela Quebra de 1929 –,
desde meados do século XX, tomava fôlego e se redesenhava
segundo o consenso keynesiano-fordista (que mesclou o bem-
estar, promotor de alguma coesão social, com a “loucura
racional” do trabalho na sociedade totalmente administrada, de
que trata Adorno): uma “saída de emergência” que, no entanto,
ia contra a “natureza” espaçosa do capital, limitando-o a uma
próspera “máquina econômica” sujeita a “contraprestações
sociais”. Mas sendo uma trégua emergencial, o capital logo se
desvencilharia de suas restrições tecnocráticas. Tal processo
já se agitava nas crises de legitimidade do sistema na década
de 1960, cujo ano de 1968 foi um clímax de alcance mundial,
quando amplos setores da sociedade, inclusive no centro
global, dão-se conta de que o tal “progresso” novamente se
estagnara em sua face social: o novo capitalismo, um devaneio
do pós-Guerra, já não cumpria suas promessas no tocante ao
bem-estar humano. Em 1971, a potência estadunidense dá um
golpe em acordos internacionais e rompe a conversibilidade

259 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 244-267 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1474
Crise da modernidade em perspectiva histórica

dólar-ouro, impondo-se como uma espécie de banco central do


mundo, passo para que gradualmente promovesse a violência da
financeirização, a qual não é propriamente uma causa, mas um
paliativo que adia a manifestação concreta da crise estrutural,
o que desembocaria na crise econômica mundial de 2008, a
primeira começada no coração do sistema desde 1929. Duas
décadas depois, a União Soviética, já não podendo suportar
aquele esquema de guerra econômica – em que se misturavam
contraditoriamente uma feroz concorrência comercial externa,
frente às nações capitalistas e segundo suas regras do jogo,
com proteções sociais internas –, viria a se desintegrar,
fazendo com que a humanidade se afundasse em um período
de unipolaridade neoliberal estadunidense nos anos 1990, no
qual a insegurança e a barbárie foram constantes, gerando o
atual e indefinido “estado de alerta” (ARANTES 2014, p. 88, 9 - Após a década
291, 211 e 135; MÉSZÁROS 2010 [1994], p. 27 ss, e 695 ss).9 neoliberal, o centro
capitalista encontra
forte resistência an-
Sob outro ângulo, anteriormente Arantes já mostrara, ti-hegemônica (ainda
em Zero à esquerda (2004, p. 37 e 51-59), como a questão que não anticapitalis-
ta) de organizações
da barbárie se colocou com protagonismo no mundo interestatais de na-
contemporâneo, transcendendo suas fronteiras da periferia ções semiperiféricas,
o que molda um novo
global, rumo ao centro do capitalismo – em um processo panorama geopolíti-
de “periferização” do núcleo orgânico do sistema, o que ele co, ainda recente para
ser estimado.
chama também de “fratura brasileira do mundo”. A sociedade
contemporânea, regida por uma “vanguarda mercantil” com
prevalência absoluta da “razão econômica”, é marcada por
uma falta de “nexo moral”; o ilusório desenvolvimentismo, a
partir do progresso técnico, acentua a exclusão social, abrindo,
assim, uma “fratura do mundo” de caráter social, cultural,
territorial-urbano. Em uma política de produção sistemática de
desigualdades, ainda que já estejam dadas as condições técnicas
para a superação da sociedade da escassez, no neoliberalismo
os direitos humanos foram e vêm sendo desgastados; gesto
violento que responde à progressiva supressão de empregos
resultante do processo de automação industrial, em especial
a partir do advento da microeletrônica, hiperdimensionando,
por conseguinte, o exército industrial de reserva e legando à
miséria imensos contingentes populacionais. Tal situação de

260 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 244-267 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1474
Yuri Martins Fontes

crise, como mostrado, já atinge há décadas até mesmo os


países europeus ocidentais, povos que, diferentemente do
caso brasileiro e do latino-americano, desde meados do século
passado haviam conseguido erguer um razoável Estado de
bem-estar social – que agora se precariza aceleradamente.

Com o avançar da globalização financeira, torna-


se emblemático o caso da estrutura social dos Estados
Unidos, também afetada pela contrarrevolução neoliberal
implementada por Ronald Reagan, em que a classe média se
“desaburguesou”, enquanto os operários se “reproletarizavam”,
desnudando, inclusive no centro do sistema, a falácia do
progresso instrumental. Houve aí, conforme analisa Paulo
Arantes (2004, p. 31-34), uma “brasilianização da sociedade”,
que pode ser constatada na divisão étnica de classes, em
que o topo é maiormente branco-europeu, enquanto a base
da pirâmide é composta por negros, indígenas e mestiços. 10 - Ou seja, uma
Inclusive, a rigidez social é tal, que se pode perceber aí até sociedade em que a
desigualdade racial,
mesmo um “sistema informal de castas”, pois que uma vez injustiça fundada na
nascido pobre, não se deixará jamais essa posição social, falaciosa noção de
“raças”, é um dos ele-
obviamente em se falando de atividades dentro de parâmetros mentos estruturado-
tanto legais como éticos. Uma outra e perigosa característica res das relações so-
ciais.
desta “brasilianização” social – a qual cabe à tradição crítica
atentar – está na “dimensão horizontal da guerra de classes”,
o que leva ao contraditório quadro em que a polarização social
acaba por favorecer o poder dominador da oligarquia branca.
Enquanto numa sociedade menos desigual, a tendência da atual
concentração de riqueza e poder seria uma ebulição social,
todavia, o que vem ocorrendo é que as elites encontram frente
a si uma sociedade rachada, dividida mediante um racismo
estrutural,10 ainda que imersa em uma cultura comum. Dessa
maneira, o “ressentimento” dos trabalhadores causado pela
decadência econômica dirige suas energias antes contra outros
grupos da própria base popular, do que a rebeliões contra
os de cima – em um processo que, diante da realidade da
migração internacional (forçada pelas guerras imperialistas),
vem promovendo uma acelerada fascistização da sociedade,
especialmente nas nações centrais. Assim, no centro ou na

261 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 244-267 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1474
Crise da modernidade em perspectiva histórica

periferia, o que se vê é uma sociedade partida, em que a


agônica maioria é comprimida entre uma massa de excluídos
sem esperanças e uma classe superior, que “recusa quaisquer
obrigações cívicas” – composta pela plutocracia tomadora
de decisões, e por seus mediadores, os super-remunerados
funcionários de nível superior, manipuladores dos meandros
tecnocráticos, formados em determinadas instituições de elite,
que têm por função a execução, o mais discreta e eficientemente
possível, das decisões de seus patrões; por sua vez, a esses
chefes, é interessante conceder poderes políticos a essa
camada de intermediários, de forma a se prosseguir com o
“fingimento” de que a política institucional pode ser um espaço
para reais transformações sociais. O reflexo mais desumano
desse cenário pode ser visto na explosão sem precedentes do
“encarceramento em massa” daqueles seres desnecessários
11 - Sobre a fascis-
e incômodos ao capital, que ocorre paralelamente à “evasão”
tização dos centros
urbana das “elites emparedadas em comunas fechadas”, ou sistêmicos no “novo
tempo”, veja-se a
seja, na autossegregação que se observa em condomínios,
força que a extrema-
vilas luxuosas e bairros privados destinados à oligarquia, em -direita angariou nas
últimas décadas; e
que se restringe ainda mais as experiências humanas.11
o fascismo social in-
crustado no cotidiano:
No entanto, as esperanças de superação da crise parecem intolerância, racismo,
xenofobia, carência
anestesiadas. Segundo Arantes, a intrincada configuração de alteridade e direi-
da nova ordem mundial relegou os homens a uma posição tos humanos, etc.
contemplativa: meros observadores a quem não se permite
nada. Ante as grandes catástrofes provocadas pelo progresso
instrumental desordenado, mesmo que ainda hegemonicamente
vendidas como calamidades naturais, o homem se sente
impotente, angustiado, sem esperanças. Promove-se, assim,
a despolitização: uma sociedade de apenas espectadores
(ARANTES 2007, p. 28 ss).

As reflexões do pensador brasileiro transcorrem como um


vasto diálogo com diversos representantes de uma revigorada
teoria crítica dialética, que emergiu no atual cenário quase-
limite de crise estrutural do capitalismo, crise sistêmica que,
conforme analisa Javier Amadeo (2007, p. 78 ss e 91), veio
a se impor como uma “condição negativa” que impulsionou

262 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 244-267 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1474
Yuri Martins Fontes

a “renovação” do marxismo, oferecendo-lhe não apenas


novos elementos, que constituem uma “justificativa histórica”
excepcionalmente palpável, como ainda a ocasião para uma
“autocrítica radical” da própria tradição crítica de maneira
geral.12

Em seus pertinentes ensaios aqui abordados, Arantes


corrobora e atualiza, através de novos dados e argumentações,
algumas das mais destacadas críticas da modernidade realizadas
no período anterior ao agravamento do processo de globalização.
É o caso tanto da já apresentada análise de Koselleck, como
12 - Deste movimento
dos estudos de Moishe Postone, desde a dimensão filosófica e de “renovação” (quar-
econômica da teoria do valor-trabalho, autores com os quais a to final do séc. XX),
citam-se os seguintes
interpretação do filósofo guarda interessante proximidade. nomes levantados por
Amadeo: I. Mészá-
Como se pôde observar, de acordo com concepção da ros, E. Hobsbawm, S.
Amin, A. G. Frank, A.
história de Arantes, a modernidade capitalista é, grosso modo, Quijano, Th. dos San-
um sistema em perene situação conflitiva, em permanente tos, I. Wallerstein, D.
Losurdo, M. O’Connor
crise, assim como também o entende Koselleck. Por outro e Bellamy Foster, en-
lado, sua crítica, sensível aos graves retrocessos sociais que tre outros.

atingem a sociedade global a partir da crise econômica de 2008, 13 - Ambas as pers-


parte da constatação desse estado contínuo de crise, para pectivas têm aborda-
gem da crise com ên-
confirmar a interpretação de Postone acerca do que denomina fase no processo de
“modernidade per se”. criação do valor, de-
fendendo uma análise
centrada nas catego-
Para este historiador, a modernidade é um sistema rias básicas da crítica
da economia política
ensimesmado, per se, que, apesar de extremo progresso de Marx, tais como o
técnico, é incapaz de evoluir em suas estruturas produtivas; valor, o trabalho.
isso tem por consequência que, a cada crise, venha a se
reestabelecer sua face violenta e alheia a qualquer efetivo
desenvolvimento social (POSTONE 2006, p. 5-14). É importante
aqui pontuar que, apesar das reconhecidas proximidades entre
a interpretação da crise de Postone e aquela dos chamados
críticos do valor,13 o canadense, contudo, põe sua ênfase em
que, no capitalismo, as relações sociais se apresentam sob
uma aparência de objetividade, de modo fetichizado; já na
mencionada corrente crítica consolidada em torno da revista
Krisis, a qual tem Robert Kurz por expoente, o foco da questão
é que, com o desenvolvimento do processo produtivo, o sistema

263 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 244-267 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1474
Crise da modernidade em perspectiva histórica

prescinde crescentemente do trabalho humano, a substância


criadora do valor, fenômeno que consistiria em um limite
interno do sistema, ainda que tal limite não seja absoluto, não
implicando necessariamente em colapso, senão mediante a
ação revolucionária.14

Paulo Arantes (2014, p. 31, 44 e 177), no mesmo sentido


de Moishe Postone, desde uma perspectiva da filosofia política
afirma que o “movimento ascensional” da modernidade
“não conduz a um futuro qualitativamente diferente”: as
transformações tecnológicas não melhoram a condição de vida
humana; pelo contrário, a pioram, dado que agravam a situação
crônica de desemprego estrutural. Com efeito, este limitado
“progresso” serve sobretudo para reforçar a estrutura vigente.
Tal situação se configura tanto através do controle social, que
se extrema na política do século XX enquanto um “estado de
14 - Sobre as dife-
exceção” transformado em “regra”, como já o notara Benjamin renças dessas duas
em suas Teses sobre a História; como também mediante o linhas interpretativas,
ver: MAISO; MAURA.
extermínio direto e indireto do ser humano, em eventos em Crítica de la economía
grande medida programados, como a fome e as guerras, política, más allá del
marxismo tradicional:
inclusive as “urbanas”, como se vê nas intervenções militares Moishe Postone e Ro-
em favelas. Trata-se, em suma, de um sistema que caminha bert Kurz. Isegoría,
n. 50, 2014.
sem sair do lugar, mantendo-se restrito ao “sempre igual da
acumulação como fim em si mesmo”.

Considerações finais
A crise em que o homem contemporâneo está imerso
é, portanto, inerente à lógica capitalista, ao seu modelo de
progresso tecnicista e eurocêntrico, o qual despreza os
saberes da experiência, centrando-se apenas em seu próprio
e ensimesmado processo de crescente controle do homem e
da natureza; uma crise que tanto mais se agrava, quanto mais
tratam de dissimulá-la as elites dominantes, braços e cérebros
do poderoso “mercado”, que é ávido por luxos, mas também se
dedica com afinco à competição, alçada como o grande valor
humano, em um mecanismo gerador de imenso desperdício
vital e de recursos naturais finitos.

264 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 244-267 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1474
Yuri Martins Fontes

Com isso, o sistema gerido pelo capital criou a maior


massa de excluídos e famintos da história, cujo marco é a crise
dos preços dos alimentos de 2007/2008, momento em que
se mostram nítidos os resultados da aplicação da austeridade
neoliberal aos trabalhadores da cidade e do campo). Tal crise,
também dita “alimentar”, fruto da crise da experiência, da
permanência conflitiva, mas que se entrelaça intimamente à
permanente crise “estrutural” do sistema produtivo, teve por
consequência que se gravasse na trajetória humana, segundo
relatório das Nações Unidas (2009), o contundente recorde 15 - Sobre as tramas
de um bilhão de famintos, fenômeno que resulta em razoável por adiar os efeitos da
crise, veja-se a recen-
medida da financeirização neoliberal da agricultura, vista como te proposta de con-
um ótimo novo negócio para se adiar a crise estrutural, à revelia gressista brasileiro
prevendo o pagamen-
das culturas tradicionais, que historicamente promoveram a to de trabalhadores
subsistência de amplas massas agrícolas.15 com casa e comida,
ou as “contrarrefor-
mas” trabalhista e
Tal cenário se mostra tanto mais absurdo, em uma previdenciária, que
conjuntura na qual a sociedade já alcançou um nível de apontam para déca-
das de retrocesso so-
produtividade suficiente para resolver os problemas materiais cial.
básicos de toda a população planetária – tal como a produção
16 - Acerca da real
de alimentos, hoje maior que a demanda (NAÇÕES UNIDAS possibilidade de hoje
2016).16 se solucionarem pro-
blemas materiais bá-
sicos, como a habita-
No entanto, embora as “bases técnicas” para a “superação ção, saúde e educação
da pré-história da humanidade” estejam finalmente pública, ou a reforma
agrária e incentivo ao
dadas, pondera Paulo Arantes (2014, p. 222), esse “limiar pequeno produtor ru-
emancipatório” brilha ainda sob um “atoleiro sem fim”. O “reino ral, a documentação
é abundante e há vá-
da liberdade” de Marx já está “enfim à vista”, porém, as rédeas rios relatórios da ONU
da modernidade capitalista, que agoniza, mas não morre, nos a respeito.

dirigem paradoxalmente a “morrer na praia da mais crassa


necessidade material”.

Aqui portanto um panorama de como a duradoura “crise


da modernidade”, que é, desde seu princípio, a imagem da
própria civilização ocidental capitalista, avançaria por sobre
qualquer mínima pretensão de reforma social, esvaziando a
utopia moderna.

265 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 244-267 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1474
Crise da modernidade em perspectiva histórica

REFERÊNCIAS

AMADEO, Javier. Mapeando o marxismo. In: BORÓN;


AMADEO; GONZÁLEZ (orgs). A teoria marxista hoje. S.
Paulo/B. Aires: Clacso; Expressão Popular, 2007.

ARANTES, Paulo. Extinção. São Paulo: Boitempo, 2007.

ARANTES, Paulo. O novo tempo do mundo. São Paulo:


Boitempo, 2014.

ARANTES, Paulo. Zero à esquerda. São Paulo: Conrad,


2004.

ARANTES, Paulo; MARTINS FONTES, Yuri. A teoria crítica


de Paulo Arantes (entrevista). Revista Mouro, n.11, jan.
2017.

BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas (vol. I). São Paulo:


Brasiliense, 1994.

FERNANDES, Florestan. Significado atual de J. C. Mariátegui.


Coleção Princípios, num. 35, 1994-1995.

HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos. São Paulo:


Companhia das Letras, 1995.

KOSELLECK, Reinhart. Crítica e crise: um estudo acerca


da patogênese do mundo burguês. Rio de Janeiro: Eduerj
/ Contraponto, 1999 [1954].

KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado. Rio de Janeiro:


Contraponto; PUC-RJ, 2006 [1979].

KOSELLECK, Reinhart. Historia, historia. Madri: Minima


Trotta, 2004.

266 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 244-267 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1474
Yuri Martins Fontes

MARTINS FONTES, Yuri. Marx na América: a práxis de


Caio Prado e Mariátegui. São Paulo: Alameda; Fapesp,
2017.

MÉSZÁROS, István. Más allá del capital. La Paz:


Vicepresidencia de Bolivia, 2010 [1994].

NAÇÕES UNIDAS. Adopting a territorial approach to food


security and nutrition policy. Paris: FAO-ONU, 2016.

NAÇÕES UNIDAS. Número de famintos ultrapassa 1 bilhão,


diz FAO. ONU News, 19/06/2009. Disponível em: encurtador.
com.br/fsY29. Acesso em: 15 jun. 2017.

POSTONE, Moishe. Tiempo, trabajo y dominación social.


Madri: Marcial Pons, 2006 [1993].

AGRADECIMENTOS E INFORMAÇÕES

Yuri Martins Fontes


yurimfl@usp.br
Universidade de São Paulo
São Paulo
São Paulo
Brasil

Este artigo é resultado de pesquisa continuada sobre


a relação entre a crise da modernidade e os saberes
originários, desenvolvida em dois trabalhos pós-doutorais:
Ética e Filosofia Política/ Programa de Pós-Doutoramento do
Departamento de Filosofia/ FFLCH-USP (2017); e História,
Cultura e Trabalho/ Programa de Estudos Pós-Graduados
em História/PUC-SP (2018) – com financiamento PNPG/
CAPES.

RECEBIDO EM: 05/ABR./2019 | APROVADO EM: 31/AGO./2019

267 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 244-267 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1474
HISTÓRIA DA Ouro Preto / MG - Brasil

HISTORIOGRAFIA

Entre azagaias, carroças e espingardas: a escrita do


passado sul-africano em George McCall Theal
(1837-1919)
Between assegais, ox-wagons, and rifles: the writing of South
African past in George McCall Theal

Evander Ruthieri da Silva


http://orcid.org/0000-0002-5988-3739

RESUMO

Apesar da fragmentação territorial que marcava a


África do Sul na segunda metade do século XIX, esse ABSTRACT
período foi demarcado por significativas publicações
que intencionavam fornecer coesão e unidade Despite the territorial fragmentation that marked South

especialmente em tratados histórico-geográficos. Africa in the second half of the nineteenth century,

O artigo versa a respeito da escrita do passado sul- this period was marked by a significant increase in

africano do historiador George McCall Theal, com publications intended to provide a particular sense of

ênfase nas suas interpretações dos deslocamentos cohesion and unity, especially in historical-geographical

étnicos gerados a partir do Great Trek (1835-1846), treaties. This article deals with the writing of the South

período de migrações internas dos bôeres rumo ao African past by the historian George McCall Theal,

interior do subcontinente, e do mfecane (c.1815-1835), with emphasis on his interpretations of the ethnic

termo associado ao expansionismo militar dos zulus displacements and the conflicts generated from the

na mesma região. A ênfase incide sobre as obras The Great Trek (1835-1846) - a period of internal Boer

History of the Emigrant Boers in South Africa (1888) migrations towards the interior of the subcontinent - and

e Progress of South Africa in the Century (1901). from the Mfecane (c.1815-1835) - term associated with

Publicadas em um período de intensas animosidades the Zulus’ military expansionism in the same region.

interétnicas ao sul da África, visavam fornecer uma The emphasis lies on The History of the Emigrant Boers

versão coesiva do passado sul-africano, culpando os in South Africa (1888) and on the Progress of South

zulus pelo esvaziamento populacional nas décadas de Africa in the Century (1901). They were published in

1820-1830 e legitimando as aspirações coloniais ao uso a period of deep interethnic animosities in southern

e posse de terras. Africa, and aimed to provide a cohesion version of the


South African past, blaming the Zulus for the population
reduction from 1820-1830, thus legitimizing the colonial
aspirations for land use and occupation.

PALAVRAS-CHAVE
África; História da historiografia; Historiografia do
século XIX
KEYWORDS
Africa; History of historiography; 19th century
historiography

268 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Evander Ruthieri da Silva

George McCall Theal nasceu na província de New Brunswick,


no Canadá, em abril de 1837. Dificuldades financeiras levaram-
no a deixar o Canadá na juventude e partir com seu tio, um
capitão da marinha canadense, inicialmente para os Estados
Unidos, depois para a Serra Leoa e, no início da década de
1870, para o território sul-africano, onde se estabeleceu como
professor e jornalista nas regiões fronteiriças da Colônia do
Cabo. Naquele mesmo período, publicou o Compendium of South
African History and Geography (1873), obra que demarcou
suas incursões iniciais ao campo da História associadas
às suas atividades docentes junto ao Lovedale Missionary
Institution, missão religiosa e instituição educacional em que
atuou como professor durante cinco anos. No momento em
que McCall Theal migrou para a região, o território sul-africano
encontrava-se dividido entre as Colônias britânicas do Cabo e
de Natal, os protetorados e territórios nativos, e as repúblicas
bôeres do Transvaal (Zuid-Afrikaansche Republiek, República
Sul-Africana) e do Estado Livre de Orange (Oranje-Vrystaat).
Os conflitos interétnicos ocasionados na região, bem como o
acirramento de disputas econômicas derivadas das descobertas
de jazidas auríferas e diamantíferas nas décadas de 1870
e 1880, atraíram o interesse por territórios que, até aquele
momento, apresentavam-se como postos remotos de limitada
atenção sob o ponto de vista das políticas de colonização em
vigência no Império Britânico.

A trajetória intelectual e os percursos biográficos de George


McCall Theal estavam entrelaçados a um momento em que os
planos de uma comunidade nacional sul-africana começavam
a ser gestados, tanto entre as elites locais quanto do ponto de
vista da administração colonial. O período foi marcado pelas
propostas de constituição de uma confederação na África do Sul,
promovidas pelo então Secretário de Estado das Colônias, Lord
Carnarvon, o qual, baseando-se no modelo confederacionista
implementado no Canadá, em 1867, pretendia manter a
autoridade britânica no território sul-africano, considerado
a partir daquele momento, até mesmo pela expansão da
mineração diamantífera e ampliação das atividades portuárias,

269 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Entre azagaias, carroças e espingardas

como uma área de estratégica e vital importância. A estrutura


política pretendida por Carnarvon visava unir as colônias e os
territórios britânicos e bôeres, de modo a criar uma confederação
sul-africana inserida dentro do Império Britânico. A proposta
integrava-se aos debates parlamentares na metrópole que
passavam a atribuir uma importância maior à política externa
e à manutenção do Império, em detrimento de proposições de
reformas sociais internas, mas foi recebida com resistência,
em especial pelas elites políticas na Colônia do Cabo, as quais,
acreditavam, arcariam com os custos do projeto (JENKINS
1996, p. 116-118). Os dirigentes locais haviam garantido o
status de autogoverno em 1872, consideravam tais iniciativas
como uma revogação de seus direitos e, além disso, viam o
liberalismo do Cabo como incompatível com o conservadorismo
político das repúblicas bôeres (WESSELING 2008, p. 298).
A materialização do projeto confederacionista iniciou-se em
maio de 1877, com a anexação do Transvaal por Theophilus
Shepstone, episódio malfadado que levou à guerra entre bôeres
e britânicos entre 1880 e 1881, cujo resultado – a devolução
territorial aos bôeres – fraturou os projetos confederacionistas
de uma África do Sul unificada naquele momento.

No período, a expressão “questão sul-africana” era utilizada


para designar um contexto marcado por instabilidades nas
fronteiras das colônias britânicas na região, derivadas, sob
muitos aspectos, das resistências das populações africanas
diante da expansão colonial e das demandas pelo controle de
terras e mão-de-obra local. Tome-se, a título de exemplos,
as revoltas dos Griquas e dos Mpondos na Griqualândia, em
fevereiro de 1878 e, por volta da mesma época, de Tswanas,
Koranas e Khoi-Khoi na região de Kuruman, ao norte da Colônia
do Cabo, e dos Bapedi no Transvaal (SCHREUDER 1980,
p. 66-67). Não obstante, o contexto imediatamente posterior
à devolução do Transvaal marcou um impulso renovado
de expansionismo por parte dos bôeres. Liderados pelo
presidente Paul Kruger, os bôeres do Transvaal utilizaram-se
da instabilidade e do clima de guerra civil estabelecido entre os
zulus após a destituição de seu último soberano independente,

270 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Evander Ruthieri da Silva

Cetshwayo, durante a guerra anglo-zulu de 1879, para garantir


a posse de terras; soma-se ainda o estabelecimento das
repúblicas bôeres de Stellaland e Goschen, em 1882, que visava
dificultar as rotas comerciais britânicas rumo ao norte através
da Bechuanalândia, e da Nieuwe Republiek (Nova República)
em 1884, em território previamente ocupado pelos zulus. Em
oposição à crescente influência imperialista britânica na região,
sobretudo após a descoberta das áreas de mineração, Kruger
enfatizava o republicanismo bôer, ancorado em leituras do
passado que destacavam, em termos que ligavam religiosidade
e política, as sagas e o martírio dos voortrekkers, bôeres que
emigraram para o interior do subcontinente durante a gestão
do Governador Benjamin D’Urban na década de 1830. Os
migrantes eram retratados nessas narrativas como um ‘povo
escolhido’ que deixou a Colônia do Cabo para escapar das
“injustiças e opressões (...) sofridas nas mãos dos britânicos”
(GILIOMEE 2011, p. 264) e, após vencer elementos de ordem
natural e as resistências dos africanos, fundou o Transvaal,
o Estado Livre de Orange e a República de Natália, anexada
como Colônia de Natal pelos britânicos em 1843.

A despeito da fragmentação territorial no subcontinente, o


período em questão foi demarcado por um aumento significativo
de publicações que intencionavam fornecer certo senso de
coesão e unidade, especialmente por meio de tratados histórico-
geográficos, relatos de viajantes e romances históricos. Tais
narrativas associavam-se ao que Saul Dubow caracterizou
como a emergência do sul-africanismo na segunda metade do
século XIX, sentimento de pertencimento político e nacional
que, apesar das divisões geopolíticas, almejava a integração
das populações brancas a partir da ideia de uma África do Sul
simbolicamente unificada pela via de identificações étnicas
carregadas de paradigmas de exclusão. Em linhas gerais,
o sul-africanismo assumiu a expressão da elite branca de
uma sociedade colonial em desenvolvimento econômico e,
portanto, visava marginalizar ou negar os direitos políticos às
populações negras. O foco primário do sul-africanismo, visto
mais como uma crença do que como um sistema ideológico

271 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Entre azagaias, carroças e espingardas

aperfeiçoado, era baseado no relacionamento de um território


nacional em formação com o Império Britânico, bem como no
aprimoramento das relações entre bôeres e britânicos. Nesse
sentido, assumia uma dimensão transnacional, encarnada em
valores como razão, progresso e civilização e, por tal motivo, o
conhecimento científico e tecnológico, as instituições de saberes
históricos e geográficos, passaram a ser valorizados como
elementos estruturantes da nação sul-africana e definidores
de sua identidade nacional (DUBOW 2006, p. VI).

O esfacelamento das propostas políticas de confederação


sul-africana no final da década de 1870, a emergência do
movimento nacionalista afrikaner na Colônia do Cabo e a
devolução do Transvaal aos bôeres em 1881 emolduraram
transformações ideológicas em parte da escrita do passado na
África do Sul finissecular. Esse movimento relacionava-se com
o fortalecimento dos discursos sul-africanistas mobilizados por
setores da elite colonial branca no subcontinente, muitos dos
quais visavam constituir uma identidade nacional fortemente
coesiva, passível de unir britânicos e bôeres, e simultaneamente
excluir ou subjugar as populações negras africanas como
elemento constituinte das utopias políticas de uma África
do Sul unificada. Esse senso de coesão racial fez uso de
elementos da memória pátria para promover um sentimento
de pertencimento entre os seus articulistas, elemento presente
em parte significativa dos discursos sobre a formação nacional
no século XIX. No caso sul-africano, a questão envolveu
investimentos simbólicos e afetivos em produções culturais
que, com frequência, reinterpretavam, apropriavam ou
obliteravam elementos do passado, selecionavam episódios e
personagens representativos, de modo a promover “tentativas
mais ou menos conscientes de definir e de reforçar sentimentos
de pertencimento e fronteiras sociais entre coletividades de
tamanhos diferentes” (POLLAK 1989, p. 9).

Durante parte significativa do século XIX, as incursões à


escrita do passado sul-africano transcorriam, majoritariamente,
por iniciativa de intelectuais com vínculos a instituições

272 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Evander Ruthieri da Silva

de caráter histórico-geográfico ou ligados às elites locais,


sobretudo na Colônia do Cabo. Tome-se, a título de exemplo,
a obra History of the Colony of the Cape of Good Hope (1869),
um compêndio de história política que visava registrar uma
“narrativa do progresso civilizatório” (WILMOT; CHASE 1869,
p. 1) da África do Sul, simultaneamente inscrevendo o passado
sul-africano na sucessão de impérios coloniais. Isso porque,
ainda que respeitando as particularidades locais, a ideia que
persiste, sobretudo na primeira parte da obra, incide em
enquadrar o território sul-africano em uma intrincada trama
de impérios ultramarinos – português, holandês e britânico,
personificados em suas elites dirigentes e nas ações políticas
realizadas ao longo do período colonial. Um de seus autores,
John Centlivres Chase, foi membro atuante da South African
Literary Society, instituição de caráter científico fundada por
um coletivo de intelectuais em 1824, cuja revista ,South African
Quarterly Journal, reservava amplo espaço a investigações
geográficas e geológicas em um momento de definição das
fronteiras geopolíticas dos territórios sul-africanos. A rede que
ligava a produção escrita a instituições científicas igualmente
se estende a Alfred Whaley Cole, Roderick Noble e John Noble,
fundadores do periódico Cape Monthly Magazine e professores
da South African College, instituição educacional e universitária
fundada em 1833. A revista, que se converteu em espaço
de divulgação científica e interlocução intelectual, delegava
atenção especial aos debates históricos e antropológicos a
respeito da ocupação territorial na região, buscando quadros
explicativos às configurações geopolíticas da África do Sul na
contemporaneidade, a partir da seleção cuidadosa de episódios
históricos para compor mitos fundacionais (DUBOW 2006).

Esse movimento de incursão ao passado recente dos


territórios sul-africanos também ocorreu no lado bôer da
questão. O nacionalismo afrikaner ganhou força cultural e política
entre as décadas de 1880-1890, integrado por remanescentes
das dispersas comunidades bôeres que, liderados por setores
da política e da intelectualidade, visavam produzir um sistema
de figurações culturais capaz de resistir à crescente influência

273 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Entre azagaias, carroças e espingardas

britânica na região. A formação do movimento estava interligada


à valorização de elementos culturais e linguísticos e, sobretudo,
após a reconquista da independência do Transvaal na guerra
de 1880-1881, à emergência de um sentimento de “missão
nacional” entre os colonos bôeres. Em 1875, Stephanus du
Toit, um clérigo da Igreja Holandesa Reformada, ao lado de
outros intelectuais, fundou uma sociedade denominada Die
Genootskap Van Regte Afrikaners, Irmandade dos Verdadeiros
Afrikaners, dedicada à valorização do uso do afrikaans,
associação considerada como uma das bases fundacionais do
movimento nacionalista. Por meio de suas narrativas histórico-
geográficas, du Toit visava fornecer uma visão alternativa
àquela promovida por intelectuais no lado anglo-africano da
questão. Em 1877, publicou Die Geskiedenis van Ons Land in
die Taal van Ons Volk, a “história de nossa terra na língua
1 - O neologismo
de nosso povo”, considerado como o primeiro tratado histórico
mfecane foi introdu-
sob o prisma de observação afrikaner. Em sua óptica, du Toit zido pelo historia-
dor Eric Walker em
interpretava os bôeres como um povo distinto, que, embora
1928, a respeito dos
disperso pelas colônias britânicas e repúblicas independentes, debates em torno do
conceito de mfecane
estava cingido por um destino comum, atribuído pela vontade
na historiografia sul-
divina, a saber, governar a África meridional e civilizar as -africana e dos usos
políticos do passado,
chamadas “raças inferiores” (MEREDITH 2008).
ver: GUMP 1998; CO-
BBING 1988; ETHE-
Nas incursões iniciais da historiografia sul-africana ao longo RINGTON 2011.
do Oitocentos, dois episódios do passado recente assumiram
lugar de destaque: o mfecane e o Great Trek, localizados
temporalmente nas três primeiras décadas daquele século. O
termo mfecane, comumente traduzido como “esmagamento”,
foi um neologismo cunhado pela historiografia no século
XX1, para designar uma série de transformações históricas e
migrações populacionais transcorridas na África do Sul do início
do século XIX. A historiografia colonial sul-africana, embasada
em preceitos racialistas, construiu uma interpretação que
enfatizava a violência emanada do centro de poder zulu, e em
especial de seu monarca, Shaka kaSenzangakhona, entre as
décadas de 1820 e 1830. Na perspectiva desses historiadores,
o expansionismo militar dos Zulus teria rompido um equilíbrio
anterior e provocado ondas sucessivas de guerras, mortes e

274 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Evander Ruthieri da Silva

deslocamentos populacionais (RICHNER 2005; SANTOS 2017,


p. 23). Nas últimas décadas do Oitocentos, o Great Trek
,“Grande Jornada”, isto é, o movimento migratório de bôeres
insatisfeitos com a esfera de influência política britânica que
deixaram a Colônia do Cabo em comboios formados por carroças
puxadas por bois e marcharam ao interior sul-africano em
meados da década de 1830, foi interpretado, em especial pelo
emergente movimento afrikaner, como um mito de fundação
de uma nação branca, envolto em graus de martírio e heroísmo
(ETHERINGTON 2011). Nos discursos históricos produzidos
no período, os dois episódios tornam-se complementares, e
suas interpretações atrelavam-se a muitas das ansiedades que
perpassavam a elite colonial nas décadas de 1870 e 1880:
de um lado, o acirramento das tensões com os s, mormente
na chamada guerra anglo-zulu; e, de outro, os atritos com os
bôeres que culminaram nos conflitos pós-1880 e na devolução
do Transvaal no ano seguinte.

A seleção desses episódios como mitos edificantes da história


nacional evidencia os usos políticos do passado, na medida
em que tais narrativas histórico-geográficas visavam constituir
paradigmas de inclusão e exclusão em uma sociedade colonial
perpassada por significativas transformações de cunho político.
George McCall Theal, dos lugares sociais em que ocupou ao
longo de sua trajetória intelectual, não estava alheio a tais
discussões e, por meio de sua obra, contribuiu para sedimentar
determinadas visões a respeito do que se considerava como o
expansionismo militar dos zulus e a saga dos migrantes bôeres
no Great Trek, e, no ínterim, forneceu subsídios metodológicos
e conceituais para a constituição de um modelo de escrita do
passado colonial sul-africano em língua inglesa.

“Determinação para ser imparcial”: debates


letrados e questões de método
Além das diversas instituições históricas e culturais
previamente mencionadas, bem como a rede de interlocução
formada por impressos periódicos e tratados históricos, o

275 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Entre azagaias, carroças e espingardas

processo de constituição de interpretações da temporalidade


sul-africana recebeu imprescindível contribuição do primeiro
arquivista da Colônia do Cabo, Hendrik Carel Vos Leibrandt, e
do historiador George McCall Theal, foco de análise do artigo,
com ênfase nas suas representações da dispersão zulu e das
migrações bôeres. Embora fornecessem visões contraditórias
do passado sul-africano, ambos visavam suplantar as distinções
entre bôeres e britânicos para compor uma história em longa
duração da cooperação e solidariedade entre populações
brancas, incluindo holandeses, alemães, huguenotes franceses e
britânicos. Nessas e noutras narrativas, figuras representativas
de períodos históricos eram eleitas como heróis ou mártires, ao
exemplo do governador holandês Simon van der Stell (1639-
1712), responsável pela administração do Cabo no final do
século XVII, o qual foi considerado por muitos intelectuais do
período como um antecedente histórico da identidade colonial
branca que visavam promover. Além disso, a assertiva de George
McCall Theal a respeito da migração recente de populações
negras para o território sul-africano, movimento temporalmente
localizado por ele no final do século XVI, igualmente almejava
legitimar a perniciosa ideia racialista da África do Sul como
uma nação branca, ao implicar que os africanos não possuíam
mais direitos a terras do que os europeus e seus descendentes
– sejam eles bôeres ou britânicos (FOSTER 2008, p. 41-43).

A partir da década de 1880, McCall Theal produziu sua


monumental History of South Africa, obra em múltiplos volumes
que intencionava fornecer interpretações do impacto cumulativo
das populações europeias no sudoeste da África. Na sua escrita
da história da África do Sul, Theal representou a experiência
colonial nos termos de uma emergente “nova sociedade”
pautada em um processo civilizacional protagonizado pelas
populações brancas no território sul-africano. E, embora não
negligencie a presença de africanos nos processos de dispersão
étnica e ocupação territorial da África do Sul, até mesma por sua
utilização de relatos orais, notadamente em Kaffir Folk-Lore,
publicado em 1882, sua história é frequentemente vista sob
uma perspectiva teleológica que a aparta do passado branco.

276 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Evander Ruthieri da Silva

A despeito das pretensões objetivas em produzir uma narrativa


científica, sua escrita encontra-se profundamente entrelaçada
a posicionamentos pessoais a respeito do domínio de outros
territórios e das interações culturais no âmbito do colonialismo
(SCHREUDER 1986, p. 95). Afinal, a prática histórica no século
XIX estava indubitavelmente articulada a lugares de produção
socioeconômicos, políticos e culturais, portanto, perpassada
pela experiência social e por configurações identitárias
(CERTEAU 2002, p. 71-72).

A perspectiva ideológica professa por McCall Theal


deslindava-se em uma visão de mundo que Deryck Schreuder
descreveu em termos de um “nacionalismo colonial”,
posicionamento político que ganha força no seu projeto de
escrita do passado sul-africano a partir de meados da década de
1880, momento em que o historiador aproxima-se do Afrikaner
Bond, organização política de caráter anti-imperialista criada
com o afã de fortalecer os interesses econômicos, culturais e
políticos dos afrikaners. Até então, em especial no seu panfleto
propagandístico destinado a atrair colonos ao Cabo (South Africa
as it is 1871) e no Compendium, McCall Theal apresentava uma
visão empática às culturas e costumes africanos, edulcorada por
uma rasa preocupação com os direitos nativos no processo de
colonização, mas que, simultaneamente, evocava as vantagens
da sua cristianização. Dessa forma, a título de exemplo,
McCall Theal apresenta os bôeres em seu Compendium como
um grupo étnico de espírito seminômade, “decididamente
livres de vícios proeminentes”, porém, suas perspectivas com
relação às populações negras não “consideravam como um
pecado desrespeitar os direitos nativos, quando estes direitos
interferiam na prosperidade do homem branco”. De modo
similar, o historiador, ao mencionar o tratado assinado entre
Portugal e o Transvaal, o qual estendeu os limites da República
Sul-Africana sobre os territórios Bapedi, afirma que o “naquele
tratado, os direitos nativos foram simplesmente ignorados por
ambas as potências envolvidas” (THEAL 1878, p. 166-231).
Por sua proximidade com o missionarismo de Lovedale, McCall
Theal inclui os nativos africanos entre os seus possíveis leitores

277 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Entre azagaias, carroças e espingardas

e afirma, no prefácio da segunda edição, a necessidade de


registrar “tudo na história do seu povo – mesmo as grafias dos
nomes de seus antigos chefes” (THEAL 1878, p. VI).

Uma série de fatores políticos e pessoais fraturou sua


lealdade ao imperialismo britânico e ao humanitarianismo de
Lovedale, que inclui a inserção no serviço civil no Departamento
de Finanças, e posteriormente no Departamento de Assuntos
Nativos, sua aproximação com a elite colonial branca no
Cabo (nominalmente do Afrikaner Bond), bem como o
descontentamento, partilhado por muitos bôeres, com as
tentativas britânicas de constituir uma confederação sul-
africana. A visão particular em torno de uma identidade local
formulada pelo historiador a partir desse momento centralizava
uma comunidade colonial branca, convergia na defesa pela
administração autônoma dos territórios sul-africanos como uma
estratégia política privilegiada e amparava sua legitimidade na
ideia de uma unidade cultural partilhada pelos colonizadores
e de seu lugar em um amplo sistema imperial. Em suma, o
historiador “criou uma History que oferecia uma força coesiva,
legitimadora e intelectual na evolução de uma mitologia da
nacionalidade colonial branca” (SCHREUDER 1986, p. 96), uma
espécie de utopia racial, versão apaziguadora do passado, em
contraste com o acirramento das hostilidades entre bôeres
e britânicos em meados da década de 1880, os quais eram
gerados, na sua perspectiva, pelas ambições do imperialismo
britânico.

Na interpretação de George McCall Theal a respeito dos


processos de ocupação territorial e das práticas políticas
coloniais, os colonizadores europeus assumiam um papel
heroico na constituição da nação e, por isso, seus ideais de
unidade cultural visavam abarcar tanto britânicos quanto
bôeres na conformação de uma classe dirigente. Por extensão,
sua produção histórica assume uma dimensão fundamental na
constituição de uma cultura histórica da elite colonial branca,
devido à “sua capacidade de ligar sua visão conceitualizante, e
altamente evocativa, de uma nova sociedade colonial branca”

278 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Evander Ruthieri da Silva

(SCHREUDER 1986, p. 96), somada à inspiração rankeana de


produzir uma narrativa histórica a partir de operações de pesquisa
envoltas em áurea de objetividade e cientificidade. Tal efeito
era promovido não apenas no embasamento a uma extensa
pesquisa de fôlego em documentos e acervos concernentes
aos séculos recentes da história política sul-africana, mas
também pela precisão em coletar e expor datas e eventos com
a mínima intervenção ou interpretação do intelectual. Esses
elementos demonstram o modo como Theal aproximava-se de
tendências mais amplas da escrita da história no período, em
especial de historiadores alemães, britânicos e franceses, cuja
fundamentação metódica-documental visava afastar-se de
outras práticas da cultura histórica, sobretudo dos cronistas, para
ser “empiricamente pertinente, argumentativamente plausível
e demonstrativamente convincente” (MARTINS 2010, p. 10).
Assim, além de ancorar-se numa pressuposta objetividade de
sua narrativa – afinal, afirma em diversos momentos ser “guiado
pelo princípio que a verdade deve ser contada a despeito da
nacionalidade ou partido [político]” (THEAL 1894, p. VII) –
Theal utilizava dados antropométricos, evidências geológicas e
vastos aportes documentais, enfatizando, mormente em seus
prefácios e introduções, os procedimentos de autenticidade,
veracidade e coleta da documentação, elementos em comum
com as práticas de outros historiadores europeus do período,
sobretudo ligados à Escola Histórica Alemã (BARROS 2013,
p. 978-979).

Sua condição enquanto outsider era, com certa frequência,


base primária da áurea de objetividade que o historiador visava
produzir em suas narrativas. Afinal, por ser canadense, julgava
estar apto a produzir uma versão imparcial do passado sul-
africano, ou, como anuncia no prefácio a The History of the
Emigrant Boers in South Africa:

Determinação para ser estritamente imparcial, liberdade dos


preconceitos que podem involuntariamente afetar aquela
determinação, são igualmente necessários. Eu acredito possuir
tais qualificações, e de qualquer forma tenho feito o máximo

279 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Entre azagaias, carroças e espingardas

esforço naquela direção. Não tenho interesses a servir com


nenhum partido em especial, e estou em termos amigáveis com
todos. Embora resida na África do Sul por mais de um quarto
de século, sou um canadense por nascimento, o descendente
de uma família que se alinhou ao rei durante a época da
Revolução Americana, e após isso exilou-se de Nova York para
New Brunswick [Canadá] com outros Royalistas. Os primeiros
anos de minha vida após a infância foram passados nos Estados
Unidos e em Serra Leoa. Portanto, nenhum vínculo de sangue
e nem preconceitos adquiridos na juventude são barreiras
para que possa formar um julgamento imparcial dos eventos
que ocorreram na África do Sul há uma geração (THEAL 1888,
p. VIII-IX).

A tradição arquivística, se cotejada ao cerne da produção


intelectual e da trajetória de George McCall Theal, pode ser
vislumbrada na produção de uma série de trinta e seis volumes
intitulada Records of the Cape Colony 1793-1831, no qual o
historiador sul-africano compilou e transcreveu documentos
concernentes à administração da Colônia do Cabo no período
de transição à esfera de influência ultramarina britânica. Por
extensão, Theal ainda publicou outras séries de documentos,
tais como os nove volumes da Records of South-Eastern Africa,
entre 1898 e 1903, e, a serviço do governo recentemente
estabelecido na União Sul-Africana, os Documents Relating
to the Kaffir War of 1835, publicado em 1912. A vasta
documentação compilada por Theal nesses volumes derivava
da tradição europeia na arquivística, mas também de um
interesse ávido pela oralidade, em particular na incorporação
das culturas africanas. A utilização de testemunhos orais
torna-se significativa para a produção de interpretações sobre
as transformações históricas na África do Sul do início do
século, fenômeno observado por McCall Theal como resultado
do expansionismo zulu e da incorporação de suas estratégias
e sistemas militares por outros grupos africanos, ao exemplo
dos Ngwane, cuja aniquilação era justificada pelo historiador
como medida defensiva para o Cabo (RICHNER 2005, p. 130).

O uso de fontes orais nas práticas históricas concernentes ao


mfecane aponta para as “complexas relações” entre as narrativas

280 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Evander Ruthieri da Silva

africanas e os discursos coloniais, em especial nos “processos


de representação nos quais se engajam” (NDLOVU 2017,
p. 8). Afinal, embora muitos relatos referentes às estratégias
militares dos zulus no período tenham sido publicados por
viajantes ou missionários europeus, as trajetórias de suas
lideranças foram transmitidas oralmente pelos izimbongi,
categorizados por Sisifo Ndlovu como “intelectuais públicos”
responsáveis pela ressignificação e continuidade da memória
coletiva entre os zulus. Os épicos disseminados oralmente
pelos izimbongi integravam a “organização comunal” dos zulus,
e era um elemento constituindo das “suas próprias formas
de projetar e interpretar as suas realidades e experiências”
(NDLOVU 2017, p. 5). Por isso, a incorporação da oralidade
africana nas primeiras obras de McCall Theal aponta para
as interações culturais no embate colonial em termos de
apropriação, isto é, de narrativas africanas sendo ressignificadas
para acomodar os interesses coloniais, sobretudo no que
compete à apropriação de terras e controle de mão-de-obra
africana.

Em seu History of South Africa, publicado entre as


décadas de 1880 e 1910, George McCall Theal visou retratar
a história do veld e das relações interétnicas que levaram à
constituição do território sul-africano moderno. O ponto de
partida fundamenta-se na migração de etnias africanas na
região, particularmente os grupos San e Khoikhoi, bem como
o impacto causado pelas levas imigratórias dos Nguni e os
Sotho. Além desses temas, Theal dedicou volumes à chegada
dos primeiros portugueses no subcontinente sul-africano e à
crescente concentração de holandeses, alemães e huguenotes
franceses na região a partir do século XVII. Os volumes finais
de sua coletânea privilegiavam a presença crescente e a força
política dos britânicos no território sul-africano, tomando a
década de 1890 como contexto de encerramento de sua obra.
Nesses últimos tomos, escritos e publicados após a constituição
do estado nacional sul-africano (União Sul-Africana 1910), a
guerra entre bôeres e britânicos ocupa um lugar significativo
e um alerta acerca dos efeitos de conflitos entre brancos, bem

281 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Entre azagaias, carroças e espingardas

como das consequências perniciosas da excessiva interferência


do imperialismo britânico. O historiador verte seus olhos ao
passado na intencionalidade de pavimentar uma ideia de África
do Sul branca, sustentada pelo trabalho nativo e na constituição
de reservas tribais administradas por uma elite formada a partir
da aproximação entre britânicos e bôeres (SCHREUDER 1986,
p. 97-98).

A trajetória de George McCall Theal no campo da historiografia


sul-africana do século XIX ainda se torna emblemática dos
embates que cercam as “lutas de representações” (CHARTIER
1990, p. 17) em torno de um passado comum, convertido
em objeto de disputa por distintos posicionamentos políticos.
O episódio em questão, a saber, a designação de Hendrik
Leibbrandt para o cargo de arquivista oficial da Colônia
do Cabo em 1881, evidencia as disputas entre diferentes
vertentes da produção escrita e da cultura histórica na África
do Sul ao fin-de-siècle, contrapondo, de um lado, o círculo de
intelectuais razoavelmente alinhavados ao lado imperialista
da questão; e, de outro, um grupo “settler”, no qual McCall
Theal integrava-se, e que enfatizava os interesses do colonato
e das elites locais. É possível que esses atritos, sintomáticos
dos embates e disputas geradas no campo da intelectualidade,
já apresentassem precedentes no início da década anterior,
já que a Cape Monthly, em agosto de 1873, publicou uma
crítica pontiaguda ao Compendium of South African History
and Geography de Theal. O artigo direciona seus comentários
mais ásperos ao excesso de violência atribuído por Theal
aos governadores coloniais, em especial no que se refere ao
tratamento de nativos:

talvez houvesse casos excepcionais de tratamento cruel destes


nativos, cujas disposições selvagens eram suficientes para
provocar; mas como um todo, e em clara comparação com
outros assentamentos mesmo em tempos posteriores, o colono
do Cabo era distinto, tal qual ele ainda é, por consideração no
que diz respeito ao seu volk” (A NEW BOOK 1873, p. 127-128).

282 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Evander Ruthieri da Silva

Pouco mais de uma década depois, a indicação de Leibbrandt


representou um golpe significativo para McCall Theal, o qual
compreendia que, por seus méritos profissionais e produção
intelectual, a função naturalmente lhe pertencia (MERRINGTON
2012, p. 200).

As controvérsias entre essas duas vertentes já haviam se


deslindado a partir das interpretações díspares fornecidas em
torno da figura do governador holandês Willem Adriaan van der
Stell, afastado do cargo em 1707 após acusações de corrupção
referentes à concessão de monopólio sobre a comercialização
de carne e vinho. Na perspectiva de Leibbrandt, as intenções
de Van der Stel, vistas como tirânicas e opressivas pelo lado
bôer do embate, visavam ao desenvolvimento da agricultura
na colônia do Cabo, e não necessariamente implicavam na
delimitação dos direitos dos colonos. Sua defesa por Van der
Stell fica evidente na seleção dos documentos que integram
a obra Precis of the archives of the Cape of Good Hope, em
especial no volume dedicado às argumentações do governador
durante as acusações:

o governador responde que rapidamente mostrará (...) que foi


injustamente, falsamente, maliciosamente acusado (...), que
lhe causa ampla tristeza e mágoa, após ter sido líder de uma
cidade bem governada e amplamente civilizada, e partilhar de
um governo justo e adequado (LEIBBRANDT 1896, p. 428).

McCall Theal, em seu Compendium, já indicara van der Stell


como um indivíduo “apaixonado, tirânico e cobiçoso de riquezas”,
o qual enriquecera às custas dos “burghers” e, municiado de
uma “fúria sem limites”, estabelecera “um reino de terror” na
Colônia do Cabo (THEAL 1878, p. 94-95). Como resultado, os
simpatizantes do Afrikaner Bond alinharam-se à interpretação
de George McCall Theal, enquanto que aqueles favoráveis à
modernização, intervenção estatal e desenvolvimento político
das relações com o Império Britânico, forneceram apoio à
visão de Leibbrandt. Nesse ínterim, o primeiro ministro do
cabo, Sir Gordon Sprigg negou o acesso de Theal aos arquivos

283 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Entre azagaias, carroças e espingardas

na Cidade do Cabo, sob a alegação de que a administração


colonial opunha-se à sua ocupação parcial como historiador,
demandando-lhe dedicação integral ao cargo de funcionário
civil (MERRINGTON 2005, p. 201).

Como afirma Peter Merrington, a designação de Leibbrandt


gerou controvérsias, já que diversos membros do comitê
organizado no ano precedente com a função de selecionar
o Bibliotecário Parlamentar e Arquivista Colonial, haviam
previamente apontado McCall Theal para a função. Seu principal
articulista havia sido Jan Hendrik Hofmeyr, membro do Afrikaner
Bond e editor de seu periódico principal, Het Volksblad, o qual
fez uso dos editoriais para a defesa do historiador ao cargo.
De modo semelhante, Saul Solomon, editor do Cape Argus e
membro do parlamento do Cabo, havia apoiado a designação
de Theal. O primeiro ministro do Cabo ignorou a indicação
do comitê e manteve Leibbrandt na função, em parte por ter
previamente garantido ao arquivista o encargo de catalogar
e coletar fontes e arquivos da cidade de Graaff-Reinet, no
Cabo Oriental, região de importância histórica nas lutas
pelas demarcações de fronteiras do território sul-africano. A
controvérsia entre Theal e Leibbrandt estava igualmente imersa
em outras particularidades retóricas e políticas: a tonalidade
das narrativas do passado sul-africano de McCall Theal era
muito mais empática à causa do separatismo bôer; enquanto
Leibbrandt alinhavava-se ao lado do imperialismo britânico,
ao exemplo de seu cunhado, o supramencionado historiador
John Noble, e de Douglas Fairbridge, membro da Assembléia
Legislativa do Cabo (MERRINGTON 2005, p. 201).

“Guerras de extermínio”: o mfecane e o Great Trek


No que diz respeito à formação nacional do território sul-
africano em seu período mais recente, duas chaves de leitura
recebem relevância na obra de George McCall Theal: o Great
Trek, em especial no volume dedicado às migrações internas
dos bôeres na África do Sul, particularmente sintomático de
sua empatia à causa bôer, e o mfecane, ao produzir uma

284 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Evander Ruthieri da Silva

narrativa hegemônica, geograficamente coesa, racialmente


informada e fortemente zulucêntrica, sobretudo em seu
Progress of South Africa in the Century (1901). Esses processos
históricos, caracterizados pela dispersão étnica rumo ao
interior dos territórios coloniais, eram vistos pelo historiador
sul-africano como intrinsecamente interligados e, ao defender
o protagonismo bôer na história política colonial em oposição
às práticas vistas como bárbaras e tiranas da monarquia
zulu, proporcionava um relato do passado que atendia às
expectativas de muitos membros da elite branca colonial
na África do Sul. Tais sujeitos formavam, presumivelmente,
a comunidade de leitores imaginada por McCall Theal,
independentemente de sua identificação étnica, já que, como
relembra no prefácio de Progress, o historiador almeja produzir
“as verdades indisputáveis sobre a história sul-africana, e cada
indivíduo poderá colorir estas verdades para adequar às suas
inclinações, seja em favor dos ingleses, holandeses ou bantos”.
E, apesar de declarar-se ansioso pela “extensão e solidificação
do Império”, Theal adverte seus leitores a respeito do fato de
que não “permitira aquele sentimento prejudicar meu trabalho”
(THEAL 1901, p. VI).

Até a década de 1870, as principais narrativas que


tratavam dos movimentos migratórios de africanos entre os
anos de 1810-1830 concentravam-se em áreas geográficas ou
grupos étnicos específicos, produzindo, de modo reiterado, um
discurso que enfatizava a multiplicidade de atores históricos
envolvidos na história da África do Sul das primeiras décadas
do século. Em linhas gerais, alguns autores, ao exemplo de
missionários e viajantes, destacavam a emergência do reino
zulu, a formação da Zululândia e o esvaziamento populacional
da região de Natal, posteriormente ocupada pelos vootrekkers;
as incursões militares dos tlôkwa e mais tarde dos ndebele,
as quais teriam produzido um vazio populacional além das
fronteiras da Colônia do Cabo; a travessia dos ngwane,
de Natal para o Transkei, pela região do Transgariep, onde
teriam sido derrotados por um exército colonial; e, por fim,
narrativas sobre os fingo, oriundos de Natal, escravizados

285 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Entre azagaias, carroças e espingardas

pelos gcaleka e libertados pelo governador D’Urban. No


período de publicação das obras de Theal, a questão zulu e sua
incorporação problemática à sociedade colonial sul-africana
voltava ao debate, nominalmente pelos conflitos gerados pela
resistência dos zulus liderados pelo rei Cetshwayo em fins dos
anos de 1870, o que ajuda a explicar sua ênfase zulucêntrica
(RICHNER 2005).

Afinal, a partir daquele momento, a historiografia colonial


passou a promover uma visão unificada desse contexto, que
culpabilizava os zulus pelos deslocamentos populacionais ou pelo
suposto extermínio étnico que teria causado um esvaziamento
no interior do subcontinente sul-africano entre as décadas de
1810 e 1830; o processo, posteriormente designado de mfecane,
era intimamente associado à formação do estado Zulu, visto
como epicentro das transformações históricas (RICHNER 2005,
p.182-183). Segundo Norman Etherington, tais narrativas
também eram debitárias à oralidade africana, ao exemplo dos
basothos, governados por Moshweshwe (1786-1870), os quais,
conscientes das discussões a respeito da ocupação e uso das
terras, esforçaram-se para promover suas próprias histórias,
muitas das quais coligidas por missionários, para legitimar
suas demandas em um período no qual a influência política
das lideranças locais era medida pela posse de terras, e não
mais apenas por rebanhos de gado. George McCall Theal, ao
apropriar-se dessas narrativas africanas, em geral centradas
na região do rio Caledon, transformou as demandas de líderes
africanos em uma justificativa generalizada para a ocupação
das terras por britânicos e bôeres, já que, nessa perspectiva,
elas teriam sido esvaziadas pela onda de violência provocada
pelos zulus (ETHERINGTON 2011, p.333-337).

Ao tratar sobre as guerras zulus em seu Compendium, Theal


concentrou-se sumariamente nas regiões costeiras do Cabo
Oriental, na Colônia de Natal e na Zululândia, promovendo uma
interpretação dos processos de migração do início do século
como resultantes da ação expansionista dos zulus, bem como da
adoção de suas estratégias militares por outros grupos étnicos.

286 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Evander Ruthieri da Silva

O historiador adotou uma forma de periodização tripartite


predominante no período, sugerida na primeira metade dos
anos de 1870 por Theophilus Shepstone, secretário de assuntos
nativos na Colônia de Natal: um período inicial, anterior à
década de 1810, marcado pela ausência de conflitos, idealizado
como um momento edênico de relativa harmonia entre as
populações africanas; uma segunda fase, entre 1812 e 1820,
caracterizada por “um grande redemoinho de confusão, guerra
e massacre” (THEAL 1878, p. 82), promovido pela evasão de
diversas lideranças militares africanas que fugiam das forças
zulus em direção ao sul; e um período posterior, em que a
ação colonial britânica almejava suplantar a fase de violência e
genocídio étnico por meio da cristianização e da intensificação
do processo civilizatório (RICHNER 2005, p. 130).

Nesta óptica, o que se observa é uma visão que enfatiza


certo efeito dominó, na medida em que o monarca zulu, Shaka,
era responsabilizado pela “trajetória de sanguinolência” que
teria, eventualmente, promovido a migração de diversos grupos
populacionais, “alguns fugitivos selvagens, inconsequentes,
buscando apenas ficar para além do controle dos bandos de
Tshaka [sic]”, outros “furiosos por terem perdido suas posses e
determinados a infligir em outros as misérias que eles mesmos
passavam” (THEAL 1878, p. 82). Na escrita do passado sul-
africano empreendida por McCall Theal, as forças motrizes
do expansionismo zulu nas três primeiras décadas do século
perpassam, indubitavelmente, pelas marcas do racialismo
como elemento estruturante dos sentidos explicativos
elaborados pelo historiador: a violência descomedida, o desejo
de provocar “massacres e roubos” é atribuído por ele ao
simples “desejo de sangue humano e uma resolução por viver
e reinar sozinhos” (THEAL 1878, p. 83). A convergência entre
o determinismo biológico e preceitos evolucionistas tornaram-
se predominantes no pensamento social e histórico de vários
intelectuais no último quartel do século, de modo a ecoar, na
produção de Theal e de muitos de seus contemporâneos, em
um ideário de superioridade racial europeia em detrimento do
barbarismo e selvageria associado às “raças nativas”.

287 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Entre azagaias, carroças e espingardas

Além disso, persiste nas narrativas formuladas por George


McCall Theal um aspecto que o conecta a diversas produções
de caráter histórico gestadas na segunda metade do século
XIX: a crença de que a individualidade representada pelas
lideranças político-militares – os “grandes homens” – seria
capaz de irradiar elementos de compreensão para toda a
tessitura social e cultural na qual se encontravam inseridos,
ideia apresentada originalmente por Thomas Carlyle na década
de 1840 (LORIGA 2011, p. 53-61). Daí a ênfase constante,
sobretudo no Compendium, em torno das trajetórias de Shaka
e seus sucessores imediatos, Dingane e Mpande. Não há nele
a intenção de transformá-los em heróis: Dingane é descrito
como um governante “sem qualquer talento, um mero copista”,
cujo temperamento refletia em seus exércitos ao demandarem
“novas vítimas”; Mpande, seu irmão e sucessor, é visto pelo
historiador como “um homem sem nenhuma genialidade”, cujo
reinado demarcou o declínio do expansionismo militar iniciado
por Shaka, mesmo que sem a perda de “sua ferocidade”
(THEAL 1878, p. 197). Como se vê, o discurso racialista, em
articulação à crença na individualidade representativa, visa
apresentar os zulus como movidos pela violência descomedida
e desmotivada – ou ainda destituídos de sua própria agência,
como meros “copistas” sem “genialidade”.

Publicado em 1901 em volume único, Progress of South


Africa in the Century pode ser visto como uma sumarização da
magnum opus de George McCall Theal, History of South Africa,
apresentando de modo conciso os principais argumentos da sua
obra enciclopédica. A julgar pelo título, amplamente sugestivo
das utopias de civilização e progresso que perpassam a
produção deste historiador, persiste uma concepção de tempo
linear e progressivo, indicado pela divisão interna do texto: se
os primeiros capítulos são dedicados aos “antigos habitantes
da África do Sul”, isto é, “bushmen”, “hottentots” e “bantos”,
o desfecho de Progress assinala que “o grande progresso dos
últimos anos se deve a uma quantidade maior de comunidades
europeias sendo livres para conduzir seus próprios assuntos da
sua própria forma” (THEAL 1901, p. 506). Por tudo o que se viu

288 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Evander Ruthieri da Silva

acerca da trajetória de McCall Theal, não surpreende o fato de


que, ao tratar sobre sua contemporaneidade demarcada pela
segunda guerra sul-africana, travada entre bôeres e britânicos
entre 1899 e 1902, o imperialismo britânico, se movido por
“paixão e derramamento de sangue”, não é visto como uma
força coesiva, mas sim como causa imediata para uma “grande
onda de barbarismo”, responsável por “intensos sentimentos
de hostilidade e ódio entre povos que precisam continuar a
viver juntos no mesmo solo”, isto é, “ingleses e holandeses,
tão intimamente ligados por sangue e caráter” (THEAL 1901,
p. 502).

O período correspondente às décadas de 1810 e 1830 é


tratado no capítulo destinado a lidar com a “guerra zulu de
extermínio”, e demarca um retorno de McCall Theal à ideia da
individualidade representativa, pois o reino zulu é personificado
nas ações e trajetória de Shaka, comparado, na abertura do
texto, aos massacres promovidos pelo imperador romano
Júlio César na Gália, embora “aquele número foi grandemente
ultrapassado pela carnificina causada direta ou indiretamente
por Tshaka na África do Sul” (THEAL 1901, p. 169). Além de
descrever a trajetória de Shaka, e sua ascensão ao poder entre
os zulus devido a atos de bravura e crueldade, o período é
descrito pelo historiador a partir da retórica do “mito das terras
vazias” (MCCLINTOCK 2010), isto é, o expansionismo zulu nas
primeiras décadas do século teria causado um vazio populacional
que facilitou a ocupação posterior da região pelos colonos
bôeres. A dispersão populacional provocada por Shaka era
interpretada por McCall Theal como um dos males necessários
para sua concepção de progresso no subcontinente, já que “se
o terrível exterminador nunca tivesse existido indubitavelmente
teríamos progresso na África do Sul, mas não seria aquele tipo
de progresso que ocorreu, não existiriam o Estado Livre de
Orange, a República do Transvaal ou a Colônia Rodésia, como
existem atualmente” (THEAL 1901, p. 170). A ideia de um
violento efeito dominó causado pelo reino zulu recebe ênfase
no capítulo:

289 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Entre azagaias, carroças e espingardas

Os próximos a fugir foram a grande tribo dos Amangwane, os


pequenos tigres, que plenamente justificavam seu nome pela
conduta que mantinham. Deixando seu antigo lar nas margens
do Umzinyati, eles atacaram primeiro os Hlubis, que dispersaram,
e então atravessaram a [cordilheira de] Drakensberg e
atacaram o povo que ocupava a região norte do que hoje é
a Basutolândia e a parte oriental do Estado Livre de Orange.
Estes, incapazes de resistir ao choque da horda de Matiwane,
que tinham parcialmente adotado as armas zulus, fugiram por
sua vez, e sob a liderança de uma mulher chamada Ma Xtatisi
atravessaram o rio Vaal e dirigiram-se ao noroeste. A região
diante deles era densamente habitada, mas as populações não
eram suficientemente inteligentes para se unir a tempo de um
perigo em comum. Uma região foi assim destruída, seu gado e
grãos devorados, e então a horda assassina movia-se para ao
próxima (THEAL 1901, p. 174).

A historiografia recente tem demonstrado que esses


movimentos migratórios não estavam necessariamente ligados
a “guerras de extermínio” provocadas internamente pelo
expansionismo Zulu, mas demarcavam a emergência de novas
lideranças africanas e a formação de reinos independentes, muitos
dos quais baseados em formas mais antigas de organização
sócio-política. Julian Cobbing questionou a interpretação
zulucêntrica da mfecane, apontando ao fato de que as
transformações nas sociedades africanas do início do século XIX
também ocorreram em reação defensiva contra o avanço
europeu na região, ao exemplo dos comerciantes portugueses
de escravos na região da baía Delagoa, a captura de nativos
xhosa pelos colonos do Cabo Ocidental ou as incursões de
griquas e koras na região do Transgariep, responsáveis por
comercializar escravos sotho-tswanas na colônia do Cabo
(COBBING 1988). A partir dos escritos de McCall Theal,
essa rede intrincada e complexa de processos históricos
foi convertida em uma série de eventos desencadeados
teleologicamente: populações deslocadas pelo avanço zulu, ao
exemplo dos ngwane (“amangwane”), teriam incorporado suas
táticas militares, provocando subsequentes ondas de terror e
extermínio.

290 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Evander Ruthieri da Silva

Dentre os sobreviventes da “guerra de extermínio”


promovida pelas azagaias de Shaka, McCall Theal ainda relata
a proliferação de práticas de canibalismo. As narrativas de
canibalismo integravam muitos dos relatos de missionários e
viajantes que descreveram as regiões de Natal, do Transvaal
e do vale Caledon durante a primeira metade do século XIX,
e, a despeito das hipóteses contraditórias a respeito de sua
veracidade, faziam parte do imaginário de muitos europeus a
respeito do interior da África do Sul. As práticas de canibalismo e
escravidão, com certa frequência inter-relacionadas (RICHNER
2005, p. 193-194), integravam a imaginação literária e as
ficções científicas da África como um “continente negro”,
particularmente intensificada nas últimas décadas do século
com a proliferação de relatos de viajantes e antropólogos, e
com o acirramento da corrida colonial. Por um lado, os relatos
de antropofagia reforçavam preceitos evolucionistas que
observavam em seus praticantes os estágios mais inferiores
da evolução humana, ofereciam uma legitimação política, de
base pseudocientífica, para justificar o domínio das terras
ultramarinas por europeus vistos como civilizados e de modo
simultâneo legitimavam o extermínio étnico das “raças menos
desenvolvidas” (BRANTLINGER 1985, p. 185-186). Por outro,
demonstram o modo como tais discursos dotados de uma
áurea de cientificidade eram constituídos a partir de elementos
presentes nos romances góticos e na literatura aventuresca,
ao cingirem cenários de violência interétnica e declínio racial,
especialmente na obra de George McCall Theal, povoada por um
simultâneo entusiasmo com o futuro político da África do Sul e
preocupações de âmbito racial, sobretudo com a miscigenação,
vista como uma ameaça ao progresso colonial.

O deslocamento populacional e o genocídio atribuído por


Theal ao expansionismo zulu teriam facilitado, por sua vez,
a emigração dos bôeres para o interior do subcontinente na
década de 1830. Porém, o historiador sul-africano aponta
um importante antecedente, sintomático das resistências dos
colonos diante da crescente influência política britânica: a
rebelião de Slachter’s Nek em 1815, ocasionada após a morte

291 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Entre azagaias, carroças e espingardas

do fazendeiro bôer Frederik Bezuindenhout, executado por


soldados britânicos da Colônia do Cabo ao ser acusado de maus
tratos contra seus escravos de origem khoi. Na óptica de McCall
Theal, um dos líderes da rebelião, Jan Bezuidenhout, é descrito
como um fazendeiro iletrado, porém dotado de um “código de
honra (...), que continha pelo menos um dos princípios comuns
às mentes mais nobres em todos os setores de sua raça: morrer,
ao invés de fazer algo degradante”. Além disso, sua esposa é
delineada por Theal como uma evidência da racialidade elevada
dos bôeres, afinal tratava-se de “uma verdadeira mulher
do interior sul-africano”, a qual demonstrava que “o sangue
batavo não havia degenerado pela mudança do clima”. Para
Theal, o imperativo ético e político do historiador era relembrar
esses episódios da resistência bôer, legitimá-los como parte
do passado colonial e salvaguardá-los para sua geração, pois
as prisões e execuções dos membros do movimento deixavam
claro “a natureza impiedosa da autoridade inglesa”, e conclui,
ao afirmar que a punição não passava de um “grave erro
político” (THEAL 1901, p. 118-120).

Convém ainda destacar que, em Progress, McCall Theal


utiliza do termo “afrikander” para descrever os colonos do
início do século, expressão que passa a ser de uso comum
apenas nas décadas de 1870-1880, como parte das novas
configurações de identificação política constituídas na África
do Sul do período; o anacronismo, aqui, deixa inegáveis os
vínculos entre as ações justificadas dos bôeres no passado e de
seus descendentes em tempos de “derramamento de sangue”
na busca pela liberdade política e religiosa longe da opressão
imperial britânica. Ao recuperar o episódio de Slachter’s Nek,
representa seus articulistas como mártires injustiçados diante
das novas legislações concernentes ao trabalho servil africano
estabelecidos pelo governo colonial no Cabo e a mobilização de
tropas compostas por Khoi-Khoi (GILIOMEE 2011, p. 84-85). Em
favor de suas utopias de pureza racial, McCall Theal ignora o fato
de que diversos dos homens envolvidos na revolta viviam com
esposas africanas; que uma de suas lideranças, Cornelis Faber,
tentou realizar uma aliança político-militar com os ngqika; e

292 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Evander Ruthieri da Silva

que, de um modo geral, os fazendeiros bem estabelecidos pouco


se interessaram pelo movimento, composto, majoritariamente,
por rufiões iletrados das fronteiras, destituídos de terras
próprias e com rebanhos limitados. Até mesmo a opção pelo
uso do termo “afrikander”, e não mais “boer”, evidencia não
apenas o peso político atribuído à designação, especialmente
após a formação do Afrikander Bond em 1881, mas também os
vínculos entre colonos brancos e proprietários de terras, já que
alguns setores do Bond compreendiam que o partido estava
fundamentado “em vínculos comunais de forma a excluir não
brancos” (GILIAMEE 2011, p. 289).

Mais do que uma análise detalhada da saga dos


vootrekkers, History of the Emigrant Boers in South Africa
fornece pistas importantes a respeito do método histórico
mobilizado por George McCall Theal. No prefácio, o historiador
destaca a ausência de estudos a respeito das migrações
bôeres e do estabelecimento das repúblicas do Transvaal e do
Estado Livre, além de enfatizar suas “incomuns capacidades
para coletar informações orais”, tanto de testemunhas
europeias quanto africanas envolvidas nos processos
históricos privilegiados. Além disso, atesta ao caráter
arquivístico-documental de seu trabalho, com ênfase na
documentação coletada nos Arquivos Coloniais do Cabo e nos
Arquivos Holandeses; na sua perspectiva, a documentação
cingida possuía “o maior valor histórico”, suplantando,
inclusive os bluebooks produzidos pelo governo britânico,
os quais, concluía, estariam inflamados por sentimentos
tendenciosos. A tradição arquivística torna-se um corolário da
objetividade do historiador, na medida em que “após ler,
comparar e digerir [os documentos], o único trabalho em
escrever a história da emigração era aquele de guiar a pena”.
A seleção documental pressupõe igualmente a exclusão
de uma gama de fontes que McCall Theal considera como
demasiadamente parciais, “como aqueles devotados a
controvérsias teológicas, poesia, ficção e ciências especiais”
(THEAL 1888, p. V-VIII).

293 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Entre azagaias, carroças e espingardas

No capítulo dedicado ao Great Trek, o autor categoriza a


migração de milhares de bôeres rumo ao interior do subcontinente
como uma ânsia por escapar “do que viam como uma opressão
intolerável”, promovendo “um evento singular na história
da colonização moderna” (THEAL 1888, p. 59). O episódio
possibilita ao historiador elaborar largamente a respeito das
discussões raciais concernentes aos bôeres, aproximando-os
dos anglo-saxônicos, pois afirma que os bôeres na África do Sul
são “homens de nossa própria raça, daquela vigorosa vertente
teutônica holandesa que ocupou a Inglaterra e a Escócia” a qual,
a despeito dos processos históricos de dispersão geográfica,
conservou “de modo imutável” a “corrente contumaz”. A
miscigenação entre britânicos e bôeres é vista como uma
evidência das relações harmônicas e cordiais cultivadas pelos
colonos da região antes do Great Trek, fraturadas, no início do
século XIX, por uma complexidade multicausal: segundo McCall
Theal, a “comparação de numerosos documentos escritos
em diferentes épocas, por diferentes pessoas” possibilita
vislumbrar um quadro explicativo das razões que levaram os
colonos bôeres a deixarem a Colônia do Cabo. Em primeiro
lugar, o governo britânico é acusado por sua incapacidade
de fornecer proteção em amparo aos colonos, bem como de
favorecer as populações nativas em disputas por terras. Em
segundo, os missionários da London Society, acusados de abuso
de autoridade e de “advogar esquemas diretamente hostis ao
progresso da civilização e a manutenção da ordem”, o que
demonstra o afastamento de McCall Theal do missionarismo,
nota expressiva de seus primeiros trabalhos. Por fim, a questão
nativa: a abolição do trabalho servil nas colônias britânicas e a
concessão de “perfeita igualdade política” aos nativos, embora
Theal destaque a escassez de documentos concernentes a esse
fator (THEAL 1888, p. 59-65).

Uma das questões sobre as quais McCall Theal se detém


em sua análise dos fluxos migratórios rumo ao interior do
subcontinente diz respeito ao seu estatuto jurídico, bem como
o reconhecimento dos direitos políticos dos colonos bôeres e
a legitimação de sua autonomia com relação às instituições

294 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Evander Ruthieri da Silva

britânicas. O historiador atentava-se ao fato de que “os


primeiros emigrantes constantemente defendiam que deixaram
a Colônia para se livrarem não da lei, mas da ausência de
lei [lawlessness]”, e, neste mesmo movimento, “defendiam
ter deixado de serem cidadãos britânicos” (THEAL 1888, p.
70). A alegação da autonomia política dos bôeres, justificado
por seu anseio por uma sociedade distinta da lawlessness
representada pela autoridade britânica, ressoava de modo
empático ao separatismo bôer da década de 1880, ao observar
em seus antecedentes um movimento legítimo, movido por
insatisfações que se intensificam no período em questão. Na
configuração do mito de origem nacional delineado em sua
obra, o historiador mapeia não apenas chaves de leitura para
a gestão dos ressentimentos entre britânicos e bôeres, mas
também uma via de justificação das lutas pela independência
e da existência legítima das suas repúblicas. De modo distinto
das ações do governo britânico nas décadas de 1830-1840,
que inicialmente recusa-se a reconhecer a autonomia política
bôer, o reconhecimento da independência do Transvaal pela
Convenção de Londres, em 1884, é laureada posteriormente
por McCall Theal como um “ato de liberalidade por parte
do governo”, e “não há motivos pelos quais os sentimentos
mais amistosos não possam ser renovados por parte daquele
pequeno estado” [o Transvaal] (THEAL 1901, p. 438).

Mais do que a busca por terras ou riquezas, o Great Trek é


apresentado nessas narrativas, em especial se cotejadas com
as outras demandas de bôeres e seus descendentes, como
uma constante busca por liberdade irrestrita, pela premissa
de uma “terra prometida”. A trajetória dos voortrekkers era
apresentada por McCall Theal como uma saga de lutas contra
forças da natureza, escassez de recursos e mantimentos, e
constantes ataques dos matabele (ndebele), liderados por
Moselekatse (Mzilikazi) e posteriormente dos zulus, governados
na época por Dingane, meio-irmão de Shaka. Na óptica do
historiador canadense, a legitimidade das reivindicações bôeres
por terras se baseava tanto nas suas conquistas militares
contra os nativos quanto no argumento do esvaziamento de

295 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Entre azagaias, carroças e espingardas

terras provocado pelas guerras zulus: ao avançarem sobre as


margens do rio Caledon, os voortrekkers “não encontraram
pessoas naquela vizinhança exceto bosquímanos, e ninguém
teve objeções à ocupação das terras” (THEAL 1888, p.56).
“Exceto bosquímanos”: estava claro para McCall Theal
naquele momento que, por pertencerem a “raças inferiores”
e devidamente desumanizados, a presença africana naquelas
regiões tornava-se efêmera com a chegada de populações
brancas. O que antes era visto como um movimento migratório
dentre tantos outros, adquiria ares de singularidade e, tanto nas
obras de McCall Theal quanto em outros textos de historiadores
afrikaners, transformava-se na “Grande Jornada”.

Se Shaka torna-se uma individualidade representativa do


expansionismo zulu, do lado bôer da questão, McCall Theal faz
questão de selecionar heróis e mártires, com destaque para uma
das principais lideranças voortrekkers, Piet Retief, assassinado
com sua delegação de bôeres por Dingaan em 1838. A carta-
declaração de Retief, na qual expõe as principais insatisfações
e reivindicações dos emigrantes, é resgatada por McCall
Theal como um dos documentos que testemunha a origem da
identidade afrikaner e da própria África do Sul enquanto tal.
Além de remeter suas origens étnico-raciais à leva de imigrantes
huguenotes que deixaram a França no final do século XVII em
busca de liberdade religiosa, o historiador descreve Piet Retief
como um “homem de grande valor” que desafiou a autoridade
dos governadores do Cabo, e, ao aproximar-se dos colonos
bôeres da região, conquistou “sua confiança e estima”. O líder
vootrekker, que previamente ocupava um cargo militar, ainda
recebe destaque no momento em que, ao desafiar o sistema de
tratamento nativo estabelecido por Andries Stockenstrom em
dezembro de 1836, o qual reconhecia a autoridade e soberania
dos chefes das tribos xhosa alocados para além de Fish River
e estendia a eles a responsabilidade da manutenção da ordem
entre seus súditos. Segundo McCall Theal, Piet Retief, por sua
oposição, foi “oficialmente retirado da lista de comandantes
de campo” (THEAL 1888, p. 81); com uma dose moderada de
imaginação histórica, pode-se especular que talvez o canadense

296 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Evander Ruthieri da Silva

encontrasse nele alguém que, tal qual o próprio historiador,


havia sido deliberadamente excluído de encargos oficiais por
suas afiliações políticas.

Nesse sentido, um último elemento ressalta das narrativas


de McCall Theal acerca das migrações dos bôeres na década
de 1830: seu antagonismo quanto à administração colonial
e as supostas medidas discriminatórias tomadas pelo Cabo.
Segundo Norman Etherington, até então, a responsabilidade
pelas migrações não era atribuída à administração do
governador D’Urban, o qual possuía relativa admiração pelos
bôeres, e um jornal anglófono contemporâneo aos fatos
expressava suas esperanças de que “esta migração pode ser
a maior benção já vivenciada nesta parte da África do Sul”
(ETHERINGTON 2011, p. 340). Até mesmo em outros tratados
histórico-geográficos, ao exemplo do supramencionado History
de Alexander Wilmot e John Chase, os voortrekkers são
descritos em termos amenos, como “fazendeiros prósperos e
inteligentes” (WILMOT; CHASE 1869, p. 343), e as insatisfações
dos bôeres são atribuídas a questões ligadas aos ataques de
africanos às suas propriedades. Em History of the emigrant
Boers, Theal responsabiliza diretamente o “Governo Imperial”
por sua incapacidade em proteger os habitantes do Cabo contra
ataques, pela sua parcialidade ao “favorecer os selvagens” e
pela “forma injusta” com a qual a escravidão foi abolida (THEAL
1888, p. 62). Dessa forma, o historiador canadense reforçava
a hipótese da opressão britânica, identificada como resultante
de seu imperialismo, e simultaneamente demonstrando uma
visão empática com os bôeres.

A escrita da história de George McCall Theal deixou


reverberações inegáveis nas leituras do passado sul-africano
delineados pelos projetos políticos anglo-bôeres no final do século
XIX. No que diz respeito aos deslocamentos étnicos de africanos
nas primeiras décadas, o historiador canadense erradicado na
África do Sul propôs uma narrativa geograficamente coesa,
que culpabilizava os zulus, uma força política inegável no final
da década de 1870 e ameaça aos projetos expansionistas,

297 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Entre azagaias, carroças e espingardas

como responsáveis pelo genocídio e dispersão étnica que


teria ocasionado um esvaziamento territorial, posteriormente
ocupado pelos bôeres. Por esse motivo, a intencionalidade de
McCall Theal visava legitimar a dispersão dos colonos bôeres na
década de 1830 como uma saga em busca pela liberdade, para
longe da presença britânica, cujo imperialismo, em especial
se associado à intervenção militar no processo de anexação
territorial, era caracterizado pelo historiador como violento e
conflituoso. Em um momento no qual a ideia de uma África
do Sul unificava estava sendo gestada, o projeto de escrita do
passado de McCall Theal partia de pressupostos racialistas, ao
enfatizar a legitimidade política de uma comunidade colonial
de ascendência europeia e, afastando-se de seu contato inicial
com o missionarismo e o humanitarianismo, visava negar o
acesso a terras e a direitos políticos aos africanos negros.

REFERÊNCIAS

A NEW BOOK ON THE CAPE. The Cape Monthly Magazine,


v. 7, p. 127-128, 1873.

BARROS, José D’Assunção. Ranke: Considerações sobre


sua obra e modelo historiográfico. Revista Diálogos, v. 17,
n. 3, p. 977-1005, 2013. DOI 10.4025/dialogos.v17i3.774.
Disponível em: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/
Dialogos/article/view/35976/. Acesso em: 25 jul. 2019.

BRANTLINGER, Patrick. Victorians and Africans: The


Genealogy of the Myth of the Dark Continent. Critical
Inquiry, v. 12, n. 1, p. 166-203, 1985. DOI: 10.1086/448326.
Disponível em: https://www.journals.uchicago.edu/
doi/10.1086/448326?mobileUi=0&. Acesso em: 17 mai.
2017.

CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro:


Forense Universitária, 2002.

298 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Evander Ruthieri da Silva

CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e


representações. Tradução Maria Manuela Galhardo. Rio de
Janeiro: Bertrand, 1990.

COBBING, Julian. The Mfecane as Alibi: Thoughts on


Dithakong and Mbolompo, Journal of African History, v.
29, p. 487-519, 1988. DOI: 10.1017/S0021853700030590.
Disponível em: https://www.cambridge.org/core/journals/
journal-of-african-histor y/ar ticle/mfecane-as-alibi-
thoughts-on-dithakong-and-mbolompo1/342F2627DC6748
BA17D732C83A6326FA. Acesso em: 25 jul. 2019.

DUBOW, Saul. A Commonwealth of Knowledge:


Science, Sensibility and White South Africa (1820-2000).
Oxford: Oxford University Press, 2006.

ETHERINGTON, Norman. The Greak Treks: the


transformation of Southern Africa (1815-1854). Londres:
Longman, 2011.

FOSTER, Jeremy. Washed with Sun: Landscape and the


Making of White South Africa. Pittsburgh: University of
Pittsburg Press, 2008.

GILIOMEE, Hermann. The Afrikaners: Biography of a


People. Londres: Hurst, 2011.

GUMP, James. Origins of the Zulu Kingdom. The Historian,


v. 50, n. 4, p. 521-534, 1988. DOI: 10.1111/j.1540-
6563.1988.tb00757.x. Disponível em: https://onlinelibrary.
wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1540-6563.1988.tb00757.x.
Acesso em: 23 jul. 2019

JENKINS, T. A. Disraeli and Victorian Conservatism.


Londres: Macmillan, 1996.

LEIBBRANDT, H. C. V. Précis of the archives of the Cape


of Good Hope. Cape Town: W. A. Richards & Sons, 1896.

299 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Entre azagaias, carroças e espingardas

LORIGA, Sabina. O pequeno x: da biografia à história.


Belo Horizonte: Autêntica, 2011.

MARTINS, Estevão de Rezende. A história pensada:


teoria e método na historiografia europeia do século XIX.
São Paulo: Contexto, 2010.

MCCLINTOCK, Anne. Couro imperial: raça, gênero e


sexualidade no embate colonial. Campinas: Unicamp, 2010.

MEREDITH, Martin. Diamond’s, Gold and War: the


British, the Boers and the Making of South Africa. Nova
York: Public Affairs, 2008.

MERRINGTON, Peter. Nothing new under the Sun: anatomy


of a literary historical polemic in Colonial Cape Town,
circa 1880-1910. In: DELMAS, Adrien; PENN, Nigel (orgs.).
Written Culture in a Colonial Context: Africa and the
Americas, 1500-1900. Leiden: Brill, 2012.

NDLOVU, Sifiso Mxolisi. African Perspectives of King


Dingane Kasenzangakhona. New York: Palgrave
Macmillan, 2017.

POLLAK, Michel. Memória, esquecimento, silêncio.


Estudos Históricos, v. 2, n.3, p.3-15, 1989. Disponível
em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/
article/view/2278. Acesso em: 20 jan. 2017.

RICHNER, Jürg Emil. The historiographical development


of the concept mfecane and the writing of early
Southern African history (1820-1920). Dissertação
(Mestrado em História). Departamento de História, Rhodes
University, Grahamstown, 2005.

300 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Evander Ruthieri da Silva

SANTOS, Gabriela Aparecida. Lança presa ao chão:


guerreiros, redes de poder e a construção de Gaza
(travessias entre a África do Sul, Moçambique, Suazilândia
e Zimbábue, século XIX). Tese (Doutorado em História).
Programa de Pós-Graduação em História, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2017.

SCHREUDER, Deryck. The Imperial Historian as Colonial


Nationalist: George McCall Theal and the Making of South
African History. In: MARTEL, Gordon (org.). Studies in
British Imperial History. Nova York: Palgrave Macmillan,
1986.

SCHREUDER, Deryck M. The Scramble for Southern


Africa, 1877-1895: the politics of partition reappraised.
Cambridge: Cambridge University Press, 1980.

THEAL, George McCall. Compendium of South African


History and Geography. Alice, South Africa: Lovedale
Missionary Institution, 1878.

THEAL, George McCall. Kaffir Folk-Lore: A Selection


from the Traditional Tales Current Among the People Living
on the Eastern Border of the Cape Colony. Londrs: Swan
Sonnenschein, Le Bas & Lowrey, 1886.

THEAL, George McCall. Progress of South Africa in the


Century. Londres: Linscott, 1901.

THEAL, George McCall. The History of the Emigrant


Boers in South Africa, or, the wanderings and wars
of the emigrant farmers from their leaving the Cape
Colony to the acknowledgment of their independence
by Great Britain. Londres: Swan Sonnenschein, Lowrey
& Co., 1888.

THEAL, George McCall. The Story of Nations: South


Africa. Londres: T. Fisher Unwin, 1894.

301 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
Entre azagaias, carroças e espingardas

WESSELING, H. L. Dividir para dominar: a partilha da


África, 1880-1914. Rio de Janeiro: UFRJ, 2008.

WILMOT, Alexander; CHASE, John Centlivres. History of


the colony of the Cape of Good Hope. Cape Town: J.C.
Juta, 1869.

AGRADECIMENTOS E INFORMAÇÕES

Evander Ruthieri da Silva


evander.ruthieri@gmail.com
Doutorando no Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal do Paraná
Curitiba
Paraná
Brasil

O presente trabalho foi realizado com apoio da


Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior – Brasil (CAPES).

RECEBIDO EM: 16/ABR./2019 | APROVADO EM: 11/SET./2019

302 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 268-302 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1477
HISTÓRIA DA Ouro Preto / MG - Brasil

HISTORIOGRAFIA

A Filosofia da História em Oliveira Martins: itinerário


das primeiras perspetivas dialéticas até uma posterior
valorização do inconsciente
The Philosophy of History in Oliveira Martins: an itinerary from
the first dialectical perspectives to a subsequent valorization of
the unconscious
Bruno Filipe Laranjeira Gonçalves
https://orcid.org/0000-0001-8906-4235

RESUMO

Nos escritos de Oliveira Martins, um dos grandes


pensadores históricos portugueses do século XIX, ABSTRACT
a filosofia da história é uma temática recorrente.
Metodologicamente próximo da vertente de história da In the writings of Oliveira Martins − one of the

cultura e movimentos intelectuais, este estudo aborda o greatest Portuguese historical thinkers of the 19th

entrecruzar das redefinições do conceito de filosofia da century − the philosophy of history is a frequent

história no seu pensamento. Depois de uma introdução topic. Methodologically close to the perspectives of

biográfica sobre o autor e o surgimento da problemática history of culture and intellectual movements, this

da filosofia da história, passamos para os primeiros study addresses the intertwining redefinitions of the

escritos de Martins sobre socialismo, seguindo-se a philosophy of history concept in Martins’ thinking. After

polémica em torno da caracterização da Idade Média. an introduction with biographical remarks on him and

Essas primeiras teorizações estão imbuídas de uma with the problematic of the philosophy of history, this

visão dialética, marcadamente hegeliana, contudo a article goes through his first writings on socialism,

sua actividade política e renovadas leituras dão lugar a followed by a controversy around the characterization

novas conceções, que valorizam o papel do inconsciente of the Middle Ages. These early theories considerably

no desenvolvimento histórico. Essas transformações embed Hegelian dialectical views. However, his

desembocam num posterior trabalho de sistematização. political activity and renewed readings give way to

O escopo desses escritos introduziu uma perspetiva new conceptions, valuing the role of the unconscious

dialectica e uma noção de inconsciente na historiografia in the historical process. These transformations pave

e teoria da história portuguesas. the way for a later systematization work. The scope
of these writings introduced a dialectical perspective
and accounted for the unconscious in the Portuguese
historiography and in the theory of history.

PALAVRAS-CHAVE
Teoria da História; História dos conceitos; História
Cultural
KEYWORDS
Theory of history; History of concepts; Cultural history

303 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
Bruno Filipe Laranjeira Gonçalves

Delimitação do tema e esboço biográfico de


Oliveira Martins
A importância das conceções teóricas de Oliveira Martins
acerca da história, nos debates historiográficos em Portugal,
subjaz desde logo pela grande expressão que Oliveira Martins
teve na cultura histórica portuguesa, no final do século XIX
e grande parte do século XX. Pretende-se, nesse sentido,
demonstrar como as suas interlocuções, com diferentes
perspetivas teóricas e filosofias da história, impulsionaram
uma consciência histórica renovada no seio da sociedade
portuguesa do seu tempo. Esses diálogos refletem mudanças
de conceção, particularmente no seu refinamento conceptual
acerca da filosofia da história e o que dela deveríamos extrair.

No estudo da compreensão e lugar desse conceito no


pensamento de Oliveira Martins procurar-se-á, em primeiro lugar,
ater aos seus textos fontais, bem como os intercâmbios, por
vezes polémicos, que estabelece com os seus contemporâneos.
Não descurando um entrosamento, quando adequado, com
investigações de outros analistas da sua obra. As linhas de
evolução do assunto aqui examinado apontam para algumas
transformações, nas quais, em lugar de uma primeira leitura
dialética da filosofia da história, surge maior atenção ao fator
do inconsciente nos desdobramentos históricos. Procurar-
se-á, então, delinear algumas das causas possíveis, como
seja envolvimentos políticos, relação com outros intelectuais e
novas leituras que levarão Martins a repensadas e reformuladas
elaborações.

Ao rumo desse pensar sucedem os meandros de uma


vida bastante preenchida, se não mesmo atribulada, que irá
caracterizar o seu percurso. Escritor polígrafo, prolífico em
vários géneros literários que vão desde o romance até textos de
doutrina política, passando pelas áreas do jornalismo, economia,
ciência sociais entre outras. Serão, no entanto, sobretudo os
seus livros de história que terão maior projeção, como é possível
comprovar pelas sucessivas reedições de História de Portugal

304 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
A Filosofia da História em Oliveira Martins

ou ainda Portugal Contemporâneo. António Sérgio, ensaísta de


grande relevo no panorama cultural português do século XX,
profundamente marcado por Oliveira Martins, defende essa
tese (SÉRGIO 1981, p. 15).

Não devem, contudo, ser menorizados os seus escritos


doutrinais e teóricos pois, além do já mencionado António
Sérgio, outros intelectuais de destaque se poderiam incluir no
mesmo rol de reflexões com estreita relação a Oliveira Martins.
Contando-se entre eles: Fidelino Figueiredo, importante
homem da cultura que deixou indelével marca no ensino
universitário brasileiro; Vitorino Magalhães Godinho, um dos
grandes expoentes da historiografia portuguesa além das
fronteiras nacionais; e até mesmo registos mais conservadores
têm Oliveira Martins como fonte inspiradora, como é exemplo
António Sardinha, destacado ideólogo do integralismo lusitano.
De facto, encontramos, no escritor oitocentista, diferentes
registos susceptíveis de apropriação por parte de correntes
político-ideológicas divergentes.

A vida repleta de percalços começa logo na juventude


quando, por motivo da morte do pai, se vê obrigado a trabalhar
com apenas 13 anos de idade, deixando pelo caminho o liceu
(MARTINS 1926 [1893], p. 236-237). Vendo-se impossibilitado
de prosseguir os seus estudos de forma clássica, ganhou por
outro lado uma maior abertura, não se prendendo a nenhuma
escola, o que lhe outorgou outras conceções e horizontes teóricos
fruto do espírito autodidata da sua educação. As suas relações
com muitos dos estudantes de Coimbra, particularmente
Antero de Quental, dar-lhe-ão, no entanto, essa ligação em
segunda mão ao que se ensinava e aos tópicos debatidos no
seio universitário português. Aliás, antes de ter contacto direto
com essa geração coimbrense, sobretudo com os estudantes
de direito, já Oliveira Martins se encontrava a par das polémicas
ali existentes, visto este ser um tema recorrente na tertúlia da
farmácia Ultramarina, organizada em Lisboa por Sousa Martins,
na qual o escritor era assíduo membro juntamente com vários
jovens intelectuais da época (MARTINS 1986, p. 41-44).

305 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
Bruno Filipe Laranjeira Gonçalves

Essa ligação ao mundo universitário mantém-se muito


para além desses primeiros anos de juventude, como podemos
observar quando ele próprio se envolve em uma interessante
polémica com Júlio de Vilhena, a qual se adentrará mais à frente.
As fontes que estão na génese do seu pensar são, portanto,
múltiplas e variadas, pelo que no seguimento desses estudos,
colabora em revistas e jornais em que transparece esse seu
interesse por questões teórico-filosóficas, em particular ligadas
a narrativas históricas, as quais sempre procurou ligar à vida
prática.

A tão protelada questão social, associada ao trabalho


assalariado das modernas sociedades capitalistas, viveu-o
Martins muito de perto quando por volta de 1870 administra as
minas de chumbo de Santa Eufémia na Andaluzia (FERNÁNDEZ
2008). Essa preocupação com as classes trabalhadoras e os
problemas gerados pelas suas reivindicações vão marcar toda 1 - Veja-se para a te-
mática da decadência
a sua obra deste período, numa visão que subsumia várias na geração de 70 (PI-
perspetivas, mas que na generalidade, ao estilo de Proudhon, RES 1992).
dilui divisões e procurou a confluência de interesses entre 2 - Veja-se por exem-
classes. Essa fase, com fortes marcas da filosofia hegeliana, plo sobre a temática
do caciquismo (AL-
estende-se pela década de 1870, quando elabora dois livros MEIDA 1991; VIDI-
acerca do socialismo (em 1872 e 1873). GAL 1988).

Ainda nesses anos o seu interesse pela compressão dos


processos históricos, numa tentativa de racionalização dos
seus desenvolvimentos, está bem patenteado, sobretudo
quando este se ocupa da relação conceptual entre progresso e
decadência.1 É de referir que tudo isso sucede quando Oliveira
Martins se envolve mais consequentemente na política através
do partido socialista. No entanto, os limites dessa atividade
política, num sistema eleitoral inquinado por dependências e
redes de compadrio, tornam-se por demais evidentes.2

Após essa experiência fracassada, acompanhada da


conjuntura internacional desfavorável, com as derrotas do
socialismo em França e a situação preocupante em Espanha
(CATROGA 1981, p. 351 e 430), Oliveira Martins envereda
pelo caminho de uma maior adequação à realidade presente,

306 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
A Filosofia da História em Oliveira Martins

uma vez que o exercício do poder é fundamental para a


realização das reformas que pretende. Por isso, mais tarde, o
autoritarismo Prussiano e as suas enormes conceções sociais
de cariz reformista, de certa forma, cativá-lo-ão, o que não se
desliga de um pessimismo que se vai enraizando.

Essa transformação que já se vislumbra nos finais da década


de 1870 só viria a termo na década seguinte. No plano político
assistimos à sua adesão ao partido progressista, formando o
grupo Vida Nova no interior do mesmo, e a uma experiência
parlamentar e governativa (FIGUEIREDO 1930, p. 38-40). Em
termos teóricos assistimos à aproximação a uma noção de
inconsciente com forte papel no desenvolvimento histórico, em
que, provavelmente pela mão de Antero de Quental (QUENTAL
2009 [v. III 1887], p. 98), as leituras de Schopenhauer e
sobretudo Hartmann, que por esta altura escreve o livro Filosofia
do Inconsciente (1869), terão levado a nessa tendência. Isso
sucede aquando de um crescendo generalizado do realismo,
de tonalidades predominantemente pessimistas, pelo que é
interessante assinalar essa confluência com o pensamento da
época.

A sua frustração com o regime parlamentar e outras


desilusões políticas, conjuntamente com a valorização do
inconsciente segundo leituras que foi fazendo, encaminham-
no para direções mais pessimistas. Aliado a esse problema e
em certo sentido antecedendo-o, Martins começa, no início
da década de 1880, a contestar determinadas concepções
da filosofia da história que antes o fascinavam, alterando
por conseguinte o posicionamento e valor que atribui a esses
ensinamentos. Ainda que o nosso autor tenha um entendimento
próprio da filosofia da história, a variabilidade de como esse
conceito foi apropriado na modernidade acompanha em todo
o caso Oliveira Martins. Isso leva-nos à patogénese de um
conceito muito contestado, mas que tem no seu âmago uma
intenção clara: o trabalho de pensar a história.

307 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
Bruno Filipe Laranjeira Gonçalves

A problemática da Filosofia da História, génese e


desenvolvimento do conceito
Os delineamentos para um pensar filosófico sobre a
História encontrar-se-ão, certamente, por toda a história do
pensamento. No entanto, as conceções históricas que, a dado
momento, vão dar lugar ao conceito de filosofia da história
resultam de profundas transformações nas formas de vida em
sociedade e de uma correspondente reconfiguração das relações
humanas. Essas conceções, que simultaneamente vêm a surgir,
produzem elas próprias um efeito sobre todas as fases dessas
transformações, tanto pela formação de novos conceitos, como
pela apropriação e ressignificação de conceitos existentes. O
uso do termo filosofia da história tem na sua génese, como
a história parece indicar, uma profunda ligação às formas de
pensar que surgem com o iluminismo (KOSELLECK 1976, p.
105-157). Devemos, contudo, ter em conta a chamada de
atenção, por parte de alguns autores, para a anterioridade da
problemática referente a questões históricas do foro teórico,
seja pela procura de compreensão, interpretação ou por
outras perspetivas análogas dos desdobramentos reflexivos
respetivos à história. É por isso até possível descortinar uma
certa continuidade ou síntese, por exemplo entre a história mais
pragmática de tradição grega e a escatologia cristã, sendo,
segundo Löwith, a filosofia da história moderna essencialmente
uma versão secularizada dos princípios desta última (LÖWITH
1949, p. 19). O pensamento histórico abstrato está associado
a sociedades mais complexas, mas a experiência do tempo é
uma condição humana ligada à memória e ao vivido, o que não
implica necessariamente um registo escrito para poder pensar
essa experiência (HARTOG 2013 [2003], p. 43-49), pelo que
podemos identificar um espaço de memória, que por um lado
antecede por outro coincide, mas que é sobretudo correlativo
à história (ASSMANN 1999, p. 130-133).

Ainda assim, no referente ao conceito aqui em estudo,


principalmente no seu uso moderno, encontramos uma
clara conexão com o desenvolvimento de conceitos como

308 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
A Filosofia da História em Oliveira Martins

história universal, civilização, progresso ou ainda outros que


indiretamente vão influir na definição dos conteúdos da filosofia
da história como no caso de método, razão ou ciência. No
estudo da existência de algo somos muitas vezes levados para
aos traços de uma pré-existência, às origens e antecedentes.
Embora essa direção não deva estar vedada, uma tendência
para fixar significados deve ter em atenção, antes de mais,
a dinâmica dos processos. Por isso, ainda que encontremos
antecedentes para o conceito de filosofia da história,
na qual, por exemplo, a teodiceia ocupa lugar de destaque,
não devemos esquecer que a história da filosofia da história, ou
pelo menos a sua definição em termos conceptuais, começa na
envolvência cultural que levou Voltaire a primeiramente usar
esse conceito num sentido mais abrangente, aproximando-o
do significado que veio a adquirir (FLINT 1893, p. 294-295;
ROLDÁN 1997, p. 51-55).

Voltaire emprega o termo no seu ensaio sobre os bons


costumes, primeiramente apenas como título de um capítulo.
A expressão não é praticamente utilizada em outro lugar no
texto além do título, que foi objeto de sucessivas alterações
e sua última versão conhecida intitula-se apenas introdução
(VOLTAIRE 1990 [1756], p. 841). Apesar de tudo ficamos
a saber, num outro texto publicado em 1773, com o título
Fragmentos sobre História Geral, que, no capítulo introdutório
desse seu ensaio, em termos genéricos, a filosofia da história aí
se remeteria precisamente a iluminar a evolução e manifestação
da natureza humana societária, especialmente os movimentos
que levam à uniam ou divisão das sociedades (VOLTAIRE 1879
[1773], p. 254-255). De facto esse parece ser o seu objetivo,
ao procurar, através de um exame sobretudo de civilizações
passadas, deslindar linhas de uma racionalidade partilhada
na história da humanidade, trazendo para o domínio da razão
os mitos, superstições e boatos históricos que até então se
arvoravam em um certo simulacro religioso, e essa ideia define
o título escolhido. A História é para Voltaire precisamente as
sucessões, mudanças, os movimentos e revoluções que dão
lugar, na posição relativa de cada momento, a avanços de um

309 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
Bruno Filipe Laranjeira Gonçalves

ponto de vista histórico. Essa reflexão inclui especificidades de


determinados povos, o que nos leva a crer que o contacto dos
europeus com outras regiões do globo foi um forte impulso às
reflexões de natureza histórico-filosófica dessa época. Nesse
âmbito, transparece já também a ideia de síntese cultural que
aparecerá mais claramente nas filosofias da história do século
XIX.

O mais interessante desses escritos será porventura a


tendência de Voltaire para os paradoxos, numa visão filosófica
que busca os contrários, pondo em relação continuidades e
descontinuidades com o intuito de superação do que obscurece
e separa. Constituindo-se essa característica em elemento de
progressividade no seu pensamento. É exemplo disso a ideia de
que o homem solitário no estado natural é uma invenção dos
escritores. Ele acredita, pelo contrário, que viver em sociedade
é na realidade mais próximo do estado natural do homem que
esses escritores falam. Ao qual se pode juntar a observação
de que os povos selvagens apresentam muitas vezes uma
maior noção de honra do que sociedades ditas civilizadas, que
tanto cultuam esse valor (VOLTAIRE 1990 [1756], p. 22-24).
Contudo, o discurso é dominado pelos preceitos iluministas, ou
preconceitos de certo modo, como por exemplo no que respeita
a religião e os sentimentos do homem e de uma universalidade
que tem por referência os europeus, ou ainda a noção de um
progresso linear que desatende a multiplicidade em favor da
unidade.

Esse último aspeto relativo ao uno e ao múltiplo vai ser


precisamente o ponto de partida para um dos primeiros
escritos de Herder sobre o assunto, que retomando o conceito
de filosofia da história, como vimos anteriormente posto
em voga por Voltaire, escreve no ano de 1774 em jeito de
crítica Também uma Filosofia da História para a Formação
da Humanidade. São muitas as farpas aí lançadas sobre os
ideais dos filósofos iluministas; no entanto, o tópico que
recorrentemente surge esboçado é o da valorização da relativa
individualidade de cada tempo histórico, ou em certo sentido

310 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
A Filosofia da História em Oliveira Martins

de cada povo, em detrimento, segundo ele, de uma unidade


abstrata que mede todo o resto de acordo com os princípios
da época dos iluministas. Essa é uma unidade inventada, visto
que a uma unidade real cabe reconhecer que “na era em que
se vive, ninguém está só: constrói sobre o que o precedeu,
e o que o precedeu mais não é, mais não quer ser do que
fundamento do futuro” (HERDER 1995 [1774], p. 45). Muitos
outros tópicos de discussão ganham os seus contornos neste
escrito de Herder, como a crítica da noção de progresso, de
fins e meios, da relação entre razão e ações e sentimentos
humanos, só para referir os primordiais. Sendo que uma deriva
teológica dessa crítica da filosofia da história de então se torna
evidente nas últimas páginas.

É sobretudo esse tom iminentemente crítico que vai


marcar o discurso filosófico na Alemanha e por extensão o da
filosofia da história nos seus desenvolvimentos naquele país.
Kant e a sua História Universal de contornos cosmopolitas e
depois Hegel e a sua marcha do espírito no mundo vão ser
dois pontos altos. Por todo o século XIX a matriz franco-alemã
vai ter grande peso em ambos os lados da fronteira, numa
relação contraditória de intercâmbios e conflitos. Temos por
exemplo por um lado desdobramentos políticos na Alemanha
que encontravam suporte na França, onde o interesse pelo
movimento socialista é manifesto, sobretudo entre os jovens
hegelianos (BUSCH 2007, PINKARD 2007), bem como a
organização das classes trabalhadoras e a revolução de 1848
encontram essa precedência aquém-Reno. Por outro lado
verificam-se incursões metafísicas ao estilo germânico por parte
de intelectuais de peso francófonos como Cousin, Proudhon ou
ainda Leroux.

O tema aqui proposto tem filiação, não única, mas pelo


menos mais marcante, no iluminismo bem como na filosofia
clássica alemã, por isso pareceu indicado começar por assinalar,
muito resumidamente, alguns dos seus momentos e figuras
percursoras. Apresentando introdutoriamente dessa forma,
precisamente no caso de Oliveira Martins, a interseção França-

311 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
Bruno Filipe Laranjeira Gonçalves

Alemanha como o principal vértice de uma transmissão cultural


que lhe aviva o interesse pela filosofia da história. É bem
patente, por exemplo, a marca de Hegel e do idealismo alemão
nos primeiros escritos do autor de Teoria do Socialismo, seja
por leituras recolhidas a partir de textos do filósofo alemão, seja
por via da leitura de textos de outros autores que indiretamente
exprimem ideias de origem germânica, como Proudhon ou
Comte. A formação de Oliveira Martins dá-se no contexto do
que veio a germinar nesses decénios, onde a cultura francesa e
alemã, essa última em muitos sentidos mediada pela primeira,
vão servir de alicerces para o desenvolvimento intelectual
de toda uma geração (MAURÍCIO 2005; CATROGA 1981). O
germanismo dessa geração é por demais evidente, mormente
naqueles que estudaram em Coimbra como Antero de Quental
ou Eça de Queiroz (QUENTAL 2009 [1887], p. 92-95; QUEIROZ
1988 [1912]; MACHADO 1999, p. 239-245).

Para melhor nos podermos adentrar na matéria, caberia


também lançar a seguinte pergunta: a que se refere o conceito
de filosofia da história a que aqui se alude? Essa pergunta não
tem por objetivo procurar para a filosofia da história, enquanto
tópico que se pretende abordar, uma definição liminar ou
definitiva, mas sim focar determinados aspetos característicos
de algo que na realidade se vai definindo no decurso deste
texto. Para a filosofia da história ter os seus fundamentos
próprios, foi necessária mais do que uma utilização da filosofia
no contexto da história. Deu-se, portanto, um entrecruzar das
duas em algo novo, no qual não apenas os filósofos ou as visões
filosóficas da história tinham um discernimento teórico, antes
significou que a filosofia da história vem a ser ponto de partida
para um novo olhar acerca da História, das relações temporais,
do desenvolvimento humano ou ainda da causalidade histórica.

Esse carácter da filosofia da história leva a repensar o


relacionamento que se tinha com a própria realidade histórica,
individualizando-a enquanto abordagem histórica, em vez de
ser mero apêndice da filosofia. Neste particular, Hegel é talvez
o mais conhecido exemplo dessa nova abordagem, que não

312 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
A Filosofia da História em Oliveira Martins

descarta a inclusão da investigação histórica tradicionalmente


baseada em documentos e outros dados empíricos, ao nível mais
elementar dos fatos, mas que não a torna condição necessária
para a prática da filosofia da história. Hegel considera que a
filosofia da história é na sua base o ato de pensar a História, e
como tal, tomar o que na escrita da História foi já desenvolvido
e passá-lo pelos diferentes níveis da consciência humana é
uma tarefa mais apropriada, dir-se-ia até mais importante,
da filosofia da história (HEGEL 2015 [1837], p. 19-29). Assim
sendo, tanto o filósofo como o historiador, ou até o homem
de cultura em sentido geral, podem pensar a história, sem
esquecer um devido embasamento positivo. Com efeito, ainda
que à filosofia corresponda esse exercício pensante que reflete
sobre si próprio, a filosofia da história é o olhar que colapsa
os planos do pensar e do acontecer histórico e procura a sua
real ligação. No entanto, por ter lugar fundamentalmente no
elemento do pensar, a sua natureza é iminentemente teórica.

Primeiras teorizações de Oliveira Martins em torno


do socialismo
Procurou-se aqui problematizar o conceito de filosofia da
história porque, em Oliveira Martins, a abordagem próxima
da filosofia da história é complexa, apesar de penetrar várias
dimensões do seu pensamento, até porque Oliveira Martins
muitas vezes recusa a ideia de que as suas obras pretendem
expressar uma filosofia da história. A título elucidativo
sobrevém a contestação de Antero de Quental a determinadas
ideias na Teoria do Socialismo, advertindo o autor que essas
se deviam à filosofia da história ali contida. Oliveira Martins
distancia-se dessa leitura, contudo é bem patente que esse
tópico sempre está presente no horizonte. Oliveira Martins,
na resposta a Antero de Quental, não nega que elementos
histórico-filosóficos estejam nessa sua obra, o que ele recusa
é que uma filosofia da história seja o ponto central ou o intuito
desse escrito. Nas palavras dele, o livro aspira a ser um livro
de História, não pretende formular leis de filosofia da história.

313 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
Bruno Filipe Laranjeira Gonçalves

Ainda mais à frente esclarece que pretende ser um livro de


ciência social e política (MARTINS 1974 [1872], p. 24 e 26).
Se analisarmos a totalidade do percurso de Oliveira Martins,
em várias obras a temática surge, no entanto, quase sempre
dessa mesma forma carente de maiores afloramentos, em que
a filosofia da história perpassa muitas das ideias expressas,
mas nunca se torna tópico dominante ou de aprofundamento
explícito. Ainda que disperso, podemos encontrar o tema mais
espraiado, além de nesta obra, na polémica que mantém
com Vilhena, no Helenismo e a Civilização Cristã e finalmente
também em parte das obras da sua Biblioteca das Ciências
Sociais, como resultado da preparação e estudos que realiza
na decorrência desse projeto.

O interesse pela teorização da natureza do processo


histórico, apesar de já se vislumbrar nas primeiras obras, é
perentório em Teoria do Socialismo. Oliveira Martins percorre
uma série de intelectuais com o objetivo de demonstrar as
bases teóricas desse movimento político. A abordagem
descortina desenvolvimentos históricos que se encaminham
para uma determinada lógica de progressão, aproximando-o
por consequência da filosofia da história. No entanto, como
referimos anteriormente, a abordagem é generalista. Ainda
assim o escritor detém-se em alguns pontos, como por exemplo
na consciência como elemento central para a descoberta dessa
nova abordagem histórica da filosofia da história, que teve
desenvolução cabal nos intelectuais alemães, sobretudo em
Hegel (MARTINS 1974 [1872], p. 79-81). Ocupa-se depois de
elementos ligados à economia e à política entre os britânicos
e franceses, procurando uma ligação entre princípios morais
e materiais (MARTINS 1974 [1872], p. 286). A questão moral
é para ele sempre muito relevante para o desenvolvimento
histórico, existindo mesmo a necessidade de precedência
moral para avanços materiais ou económicos (MARTINS 1974
[1872], p.186). Este texto de Oliveira Martins tem subjacente
uma filosofia da história com tonalidades otimistas, e uma
ideia de progresso muito forte. A esse respeito, referindo-se
especificamente à filosofia da história, defende a determinada

314 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
A Filosofia da História em Oliveira Martins

altura que: “É por este lado que a Idade Média confirma até certo
ponto a filosofia da história de Michelet para quem os reccorsi
de Vico se transformam numa série de círculos concêntricos
sucedendo-se sempre e alargando em periferia.” (MARTINS
1974 [1872], p. 195).

Contudo, em virtude do estilo do autor, assim como também


em parte de uma predisposição típica da época, não faltaria
quem o acusasse hoje de algumas notórias simplificações.
Particularmente em vista de tiradas como a de que, se o
império romano se prolongasse por mais algum tempo, a
Idade Média não teria existido (MARTINS 1974 [1872], p. 198).
Isso deve-se ao facto de ele considerar, de um ponto de vista
histórico, a idade média como apenas um retrocesso relativo,
pois vê ao mesmo tempo nela um avanço em extensão da
liberdade. Isso era algo que já se vinha definindo no mundo
romano, ou seja ele admite em certa medida um retrocesso,
mas para não contrariar nesta altura a sua ideia de um
alargamento continuado, apesar de retrocessos aqui e ali,
introduz algumas ressalvas que irá mais tarde melhor explicar.
Esse assunto está na base da polémica na qual, como mais
à frente veremos, se vai envolver no que diz respeito à
caracterização desta época.

Por referência a elementos materiais do real com o


objetivo de fundamentar um sentido na progressão histórica,
poderíamos, por comparação, traçar alguns paralelos entre o
pensamento de Oliveira Martins e outras filosofias da história
de extração materialista como no caso de, por exemplo, Karl
Marx. O seu interesse pela filosofia hegeliana, em particular
as dimensões relacionais que a dialética do professor
berlinense coloca em evidência, aproxima-o do materialismo
dialético e, por conseguinte, do materialismo histórico.
Porém é de assinalar que a dimensão ética da relação entre
o material e o espiritual tem, na estrutura do seu pensar,
já nessa altura, um peso sobredeterminante. Além de
que a base dialética germânica se estende, para além de
Hegel, a outras figuras do idealismo alemão, afastando-o da

315 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
Bruno Filipe Laranjeira Gonçalves

tendência realista que encontramos em Hegel,


independentemente de todo o idealismo do filósofo alemão
(HALLENSLEBEN 1959, p. 196).

A filosofia da história de Marx tem o pressuposto fundamental


da luta de classes como motor do processo histórico (MARX
1976 [1848], p. 482). As relações sociais e especificamente
as relações de produção são efetivamente um dos elementos
mais determinantes das possibilidades de desenvolvimento
histórico a dado momento. Contanto que a teoria da história
marxiana não se esgota nessas premissas, pois a sua complexa
teoria social acomoda uma forte noção de superestruturas
ideológicas e outras preocupações culturais, que dialeticamente
se relacionam com a materialidade positivamente dada, se
meramente assim a entendermos, o que não deveria ser o
caso, já que para Marx existe uma permanente interação entre
diversas estruturas do real, sem que a materialidade nisso se
apague. É por outro lado evidente que Oliveira Martins coloca a
enfase no campo da consciência, por exemplo, na reforma das
mentalidades.

Desde cedo vários analistas da obra de Oliveira Martins


são categóricos em afirmar que o posicionamento marxista
não coincide com o do nosso autor (MARTINS 1944, p. 43-44;
HALLENSLEBEN 1959, p. 169; SANTOS SILVA 1978, p. 12 e
p. 89-94). Daí a afirmar que existe uma total desconformidade
entre os dois, simplificando o pensamento de Marx, ao
considerar a dimensão superestrutural e as manifestações
espirituais ou ideais somente como um epifenómeno (SARAIVA
1995, p. 94), parece ser também de possível contestação
em termos comparativos. A filosofia da história Martiniana
aponta identicamente, por esta altura de princípios da década
de 1870, tal como em Marx para o triunfo do socialismo num
horizonte futuro, e os avanços técnico-científicos seriam para
isso fundamentais, assim como a progressão histórica se liga
a contradições sociais historicamente situadas. Essa posição
mantém-se até bem mais tarde, pois na sua obra História
da República Romana a análise é marcadamente sociológica,

316 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
A Filosofia da História em Oliveira Martins

sobretudo no referente aos conflitos entre os diferentes


agrupamentos políticos e sociais (MARTINS 1965 [1885],
p. 77-126).

Em termos ontológicos, o seu posicionamento filosófico de


igual forma não seria o oposto da proposta marxista, havendo
quem classifique a sua ontologia histórica de ideo-realista
(MAURÍCIO 2005, p. 230), pois de facto a esse respeito o seu
pensamento está longe de ser solipsista ou adepto de que as
ideias por si governam o mundo. O real positivado teria sempre
de fornecer os seus préstimos a qualquer teoria, por isso não
seria descabido afirmar, como alguns analistas da sua obra
observam, que o seu posicionamento filosófico seja mesmo
marcadamente realista (CATROGA 1981, p. 136-138). O próprio
Oliveira Martins mostra essa “afinidade” pelo que chama de
realismo metafísico (MARTINS 1955b, p. 224). Podemos, por
isso, concluir que, apesar das diferenças substanciais entre os
dois pensadores, essa primeira fase do socialismo de Oliveira
Martins, esperançosa no futuro, é apoiada por uma filosofia
da história que tem por base igualmente uma visão dialética
da história, embebecida todavia daquela sua espiritualidade
metafísica fundante de uma ética.

O fundo otimista leva-o no ponto mais alto da teorização,


ou seja quando esta se torna ciência, a traçar leis de
desenvolvimento da humanidade onde o princípio da igualdade,
sem descurar a liberdade, seria uma das conclusões das várias
ciências, como a económica, política ou mesmo a ciência do
ideal a que o socialismo aspira. Sendo que, curiosamente,
Oliveira Martins vai ver mais tarde a filosofia da história como
uma espécie de diretriz que emana do espírito. A diferença é
que aqui, na perspetiva do socialismo, o tom era mais decidido,
visto que a evolução em determinada direção era fatal, apesar
das contrariedades que no caminho se poderiam encontrar.
A preferência pela evolução em detrimento da revolução vai
ser, contudo, sempre uma atenuante moderada que valoriza a
história e certas tradições, apoiada em pressupostos ontológicos
que transparecem sucintamente nas teses introdutórias

317 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
Bruno Filipe Laranjeira Gonçalves

de um dos capítulos (MARTINS 1974 [1872], p. 101). Mas


quanto à existência de uma precedência racional ou mental
da filosofia da história relativamente à História em sentido
positivo, assim como temos uma precedência moral sobre a
materialidade: será que ela existe? Talvez nestes primeiros
escritos, esse pensamento mais se coadunasse com Oliveira
Martins. Contudo, o inconsciente e o furtuito vão mais tarde
ganhar maior preponderância, pois, apesar de as dimensões
do inconsciente, já nesta altura, não serem desatendidas
pelo autor, elas encontram-se, no entanto, num mais distante
segundo plano.

Polémica em relação à caracterização da Idade


Média
É porém em 1873, com as críticas expressas num capítulo 3 - Veja-se o livro que
do livro de Júlio de Vilhena As Raças Históricas da Península reúne os textos desta
contenda, prefaciado
Ibérica e a sua Influência no Direito Português, que estala e anotado por Fran-
a polémica em torno da temática da filosofia da história em cisco d’Assis d’Olivei-
ra Martins (QUENTAL;
Oliveira Martins. O autor critica nesse livro as interpretações MARTINS; VILHENA
histórico-teóricas que por outros eram feitas da Idade Média. 1925 [1873]).
Para Vilhena eram quase que apagados nove séculos das
etapas de desenvolvimento da humanidade, deixando um
enorme buraco nessa série de progressos. Oliveira Martins vai
ser, no contexto de Portugal, o alvo de Vilhena, referindo no
seu livro também nesse sentido a impugnação que Antero de
Quental tinha feito à filosofia da história expressa em Teoria do
Socialismo, o que resumidamente para Vilhena corresponde à
consideração da idade média “como um retrocesso na história
do progresso humano” (VILHENA 1873, p. 102).

A resposta de Oliveira Martins não se fez esperar. À


publicação da réplica no Jornal O Comércio, seguem-se
muitas outras trocas de argumentos que serão publicadas no
mesmo jornal3. Martins começa por declarar que a teoria do
retrocesso (Antero de Quental fala antes de uma crise), não é
velha nem nova, como Vilhena pretendia, nem são velhos os
intelectuais que a defendem. Existem argumentos para ambos

318 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
A Filosofia da História em Oliveira Martins

os lados e em diferentes tempos. O autor socialista pretende,


portanto, elucidar sim os pontos de sustentação da sua tese,
demonstrando que muitos dos ditos avanços na liberdade e o
republicanismo não advêm do cristianismo como um todo, mas
sim de uma tendência greco-romana que nele encontramos. A
tendência orientalista-bárbara do cristianismo é para Oliveira
Martins, com maior ou menor razão, vista negativamente no
interior do cristianismo, considerando que está na origem do
que veio dar lugar ao período conhecido como Idade Média.
Esse retrocesso relativo é exemplificado no caso da família, na
noção de pecado original, no direito e mesmo a evolução da
escravatura para a servidão não foi completamente um avanço,
pois nesse novo estado de coisas muitos homens, antes livres,
desceram à condição de servos, apesar de os escravos terem
melhorado a sua condição. Em suma, quanto ao feudalismo,
como novo sistema socioeconómico característico desta época,
Martins diz-nos:

não considero se o feudalismo andou bem ou andou mal, só


lamento que a civilização, depois de chegar a um período
humano, tivesse, para entrar num ciclo novo e mais vasto, de
voltar de novo ao período inicial, que tem como um de seus
caracteres certo modo de ser social a que se chama feudalismo
na Europa, e no Oriente se chamou patriarcalismo (QUENTAL,
MARTINS, VILHENA 1925 [1873], p. 74).

A categoria da mediação é essencial para compreender o


pensamento teórico de Oliveira Martins acerca deste problema.
Não por acaso numa carta a Júlio Vilhena, este nos diz que “na
vida não me importam absolutamente nada mais do que meia
dúzia de ideias em que eu entendo que consiste o segredo
da evolução da humanidade” (QUENTAL, MARTINS, VILHENA
1925 [1873], p. 186). No plano da filosofia da história, caberia,
então, distinguir a dimensão universal e a dimensão local, visto
que a temporalidade na sua multiplicidade contém movimentos
assincrónicos gradativos; e na história o interesse universal
nem sempre está a par com o local. O mundo romano é caso
paradigmático nessa aceção, pois Oliveira Martins considera

319 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
Bruno Filipe Laranjeira Gonçalves

muito hegelianamente que a dado momento, apesar do alto


grau de aperfeiçoamento que o império atingiu em várias áreas
e que o superiorizava comparativamente ao que se lhe seguiu,
não mais acompanhava o interesse universal.

Na sua resposta, Vilhena toca precisamente nesse ponto da


temporalidade histórica, pretendendo dar-lhe no entanto uma
maior unidade ou se o quisermos uniformidade:

No meu livro não nego, nem podia negar sob pena de extraviar
os meus estudos históricos, os benefícios da Reforma e da
Revolução. Defendo, porém, a grande acção da igreja, sob um
ponto de vista, e do elemento romano, sob outro ponto, nas
instituições mediáveis, e considero a reforma protestante, a
revolução francesa e a filosofia alemã como conclusões lógicas
da idade-média na religião, na política e na metafísica (VILHENA
1925 (1873), p. 109).

Oliveira Martins vai, naturalmente, contestar essa ideia


e pôr a tónica na ideia de um dinâmico alargamento, com
avanços aqui e recuos ali, característico de uma dialética serial
que se esforça por ilustrar através da imagem de um círculo de
círculos que se amplifica. Evocando Hegel e Vico como dois dos
teóricos na base desta lei do progresso.

A lei do progresso evolutivo, fatal, como Hegel a formulou é


a grande e incontestável verdade racional; nela cabem todos
os acontecimentos; se quisermos, porém, com a imaginação
torcer todos os factos dentro dessa lei, saímos da natureza,
onde não há linhas rectas, para cair no campo das fórmulas mais
ou menos estéreis. Se o Sr. Dr. Vilhena necessita por força de
uma representação imaginativa, para conceber assim a evolução
progressiva, combine as riccorsi de Vico com a lei de Hegel; em
vez de uma linha recta, suponha uma série infinita de círculos
concêntricos; cada um de eles, cada uma das civilizações
que nascem, crescem e caem, repete a anterior, alargando-a,
amplificando-a (QUENTAL, MARTINS, VILHENA 1925 [1873],
p.133-134).

320 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
A Filosofia da História em Oliveira Martins

Se há pouco se procurou uma relação entre Marx e Oliveira


Martins no que toca às suas conceções históricas, seria
também interessante ver agora a sua relação com Comte, uma
vez que é, inclusive, mencionado no contexto desta polémica
sobre a caracterização da Idade Média (QUENTAL, MARTINS,
VILHENA 1925 [1873], p. 65 e p. 96-98). Encontramos nele,
por exemplo, semelhanças com a sobejamente conhecida lei
dos três estados, na qual a humanidade passou primeiramente
por uma fase teológica, seguindo-se o domínio da metafísica,
para finalmente chegarmos à idade da ciência ou fase positiva
(COMTE 1995 [1844], p. 39-79). Oliveira Martins considera que
a época conducente à modernidade, correspondendo mais ou
menos ao estádio metafísico da teoria Comteana, foi necessária
para o surgimento da ciência moderna no século XIX (MARTINS
1974 [1872], p. 249) O pensamento de Comte era, desde pelo
menos 1869, já conhecido de Oliveira Martins, pois expõe o seu
sistema dos três estados em Do Princípio Federativo e a sua
Aplicação à Península Hispânica [1869] (MARTINS 1960, p. 21).
4 - Para uma leitura
No entanto, por essa mesma altura confessa igualmente numa similar sobre proximi-
dade veja Jorge Sea-
crónica literária que “Do pouco que eu conheço da doutrina de
bra (SEABRA 1999, p.
Comte encontro nele grandes atracções mas grandes repulsões 221-222).
também.” (MARTINS 1960 [1870], p. 64). Não seria por isso
de estranhar a inspiração em Comte, ou até afinidade, quando
nessa crónica nos diz que a tendência para a classificação e
sistematização no pensador francês era algo que o fascinava.4

A falta de princípios espirituais ou morais no positivismo,


com a sua empobrecida metafisica, foram alvo da sua crítica
(MARTINS 1955b, p. 223-224). Comte é, porém, de certo
modo isentado desse defeito, pois reconhece o valor religioso
do seu sistema, o qual, na perspetiva de Martins, fora contudo
esquecido pelos seus seguidores em favor de fórmulas (MARTINS
1985 [1878], p. 24-25). Na ausência dessa espiritualidade
que o autor oitocentista procurava (HALLENSLEBEN 1959,
p. 139), encontrou por outro lado em Comte um atenuante
aos extremos do misticismo e da dialética hegeliana obscura
(CATROGA 1981, p. 417). A marca da sociologia e antropologia
a partir da década de 1880 é notória, assim como os seus

321 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
Bruno Filipe Laranjeira Gonçalves

intuitos sistematizadores se fundamentam precisamente nos


direcionamentos que a sociologia, tomando Comte nesse
contexto em alta estima, imprimiu ao movimento científico
moderno.

Oliveira Martins, no decorrer da troca de argumentos com


Vilhena, parece aperceber-se ele próprio da necessidade de
maior fundamentação das suas próprias conceções. Numa
das réplicas declara, por exemplo, que Vilhena continua a não
entender a sua ideia filosófica de mediação histórica (MARTINS
1926 [1873], p. 133), mas ele próprio, ao longo do debate tem
dúvidas se conseguiu explicar as suas ideias da melhor forma
(MARTINS 1926 [1873], p. 77). Por isso se justifica que, na
troca de correspondência e nos estudos que realiza por essa
altura, assim como fruto da próximidade a Antero, comece a
falar de outras forças latentes na processualidade histórica que
mediavam a sua progressão.
5 - Veja-se ainda
acerca disto a carta
Esta polémica que tem a filosofia da história como plano de pertencente ao espó-
fundo ecoa pela geração de 1870. São exemplo disso a troca de lio Oliveira Martins da
BNP (a cota após re-
correspondência entre Oliveira Martins e Antero de Quental, bem organização do espó-
como uma longa carta dirigida a Jaime Batalha Reis por volta lio é E20/285).

de 1874 onde o historiador se alonga na temática da filosofia da


história, acrescentando importantes novos dados que apontam
para uma maior relevância na análise teórica das dimensões do
inconsciente (GONÇALVES 2016, p. 139-145).5 Essa discussão
veio, com certeza, contribuir para o avolumar de obras que irão
questionar o sentido da história, procurar escalonar e classificar
acontecimentos, teorizar acerca das civilizações. Nesse
contexto surge toda uma panóplia de desenvolvimentos ligados
à temática da filosofia da história que produzem resultados de
diversa ordem, entre os quais se contam Frederico Laranjo e
os seus estudos sobre o socialismo, ou Afonso Costa e o seu
livro Três Mundos, entre outros. Essa contenda com Vilhena
terá os seus efeitos em Oliveira Martins, ao pôr em evidência
que uma demarcação metafísica-ontológica, por referência à
sua tendência naturalista-científica, não estava ainda clara.
A metafísica, ao dar préstimos à filosofia da história

322 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
A Filosofia da História em Oliveira Martins

emprega-lhe uma dinâmica de autossuficiência e finalização,


discernindo-se uma veia determinista que se ancora na
racionalidade, motivo pelo qual Martins, contrariando-a,
vem, a determinada altura, explicar filosoficamente a
dinâmica dos processos históricos pela noção do inconsciente.
É nessa conjuntura que as interpretações e o lugar das
ciências e dos saberes vão sofrer alterações nos anos que
se seguirão, bem como o interesse pela relação entre a
Grécia e a Idade Média perdura por toda a década de 1870,
resultando em aprofundamentos teóricos acerca do acontecer
histórico.6

Para essa viragem, terá contribuído, com certeza, a leitura


de Eduard von Hartmann, e por consequência Schopenhauer,
que muito por influência de Antero de Quental, por essa altura, 6 - Vejam-se as pu-
provavelmente o ocupavam. Na troca de correspondência blicações em periódi-
cos nesta altura por
com Oliveira Martins o filósofo do inconsciente é menção parte de Oliveira Mar-
recorrente (QUENTAL 2009 [1876] v. I, p. 499 e p. 502-503), tins como no caso da
Revista Ocidental, ou
coincidindo com uma crise interior que o poeta atravessa. ainda as várias car-
Joaquim de Carvalho considera por isso que a impressão tas a Jaime Batalha
Reis, reconhecendo
que Hartmann causou no espírito de Antero foi profunda a “questão Vilhena-
(CARVALHO 1992 [1934], p. 400-431). Essa presença do -Antero” estando na
base de ditos apro-
pensador germânico teve o seu peso igualmente em Oliveira fundamentos (BNP
Martins, já que, como vimos, na sua ontologia histórica E20/288).

o inconsciente passa a ter ampla valência. De facto isso


confirma-se nas várias menções a Hartmann logo em 1875
a soarem no seu ensaio Os Poetas da Escola Nova (MARTINS
1955b p. 132, p. 140 e 173), mas só em 1878 no opúsculo
As Eleições, depois da tradução ao francês em 1877 da
Philosophie des Unbewußten, que Martins terá então
provavelmente lido, encontramos uma longa citação de
Hartmann (MARTINS 1957 [1878] v. I, p. 293-294). Esse
influxo permanece noutras crónicas e ensaios do autor
(MARTINS 1955b, p. 244 e p. 378), no entanto será nas suas
obras de antropologia histórica e nos seus estudos da história
das religiões e mitos em que essas preocupações se farão mais
notar (MARTINS 1955a v. I, p.242 e p. 289-290), (MARTINS
1954 [1881], p. 43-44 e p. 145-146). É numa dessas obras

323 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
Bruno Filipe Laranjeira Gonçalves

que Martins vai considerar Hartmann e Schopenhauer como os


expoentes das “modernas filosofias” (MARTINS 1954 [1881],
p. 70).

Philo-helenismo, novas concepções e o progressivo


esforço de maior sistematização
A vocação helenista levará o nosso autor, no seguimento
dos estudos que cumulativamente vinha realizando, a escrever
O Helenismo e a Civilização Cristã em 1878. É nessa obra que
ressalta para além da necessária tomada de consciência do
espírito e do seu ideal de liberdade, segundo as leis que o
regem (capazes de descortinar uma finalidade na história), a
existência de uma outra fundamental relação com o inconsciente.
Se, em a Teoria do Socialismo, o homem é o criador da
sua própria consciência e as forças inconscientes a ele se
subordinam, aqui o tom vai ser outro. A consciência, muito pelo
contrário, dificilmente chegaria a alcançar essa plenitude, até
porque a ciência histórica vive desse permanente intercâmbio
entre a consciência e o inconsciente (MARTINS 1985 [1878],
p. 5).

Os sobreavisos aos abusos da metafísica são mais


que muitos, apontando várias debilidades da filosofia da
história ao querer traçar leis nos fenómenos positivos da
história, denotando por essa altura uma tendência para a
separação ou uma mais marcada estruturação entre áreas
do saber como a ciência, a arte ou a filosofia. O fortuito e a
subjetividade no acontecer histórico efetivo são para Oliveira
Martins tão numerosos que apesar de encontrarmos leis na
História, não é possível descobrir nela uma finalidade ou
lei última. Só a filosofia da história, ao entrar em palco, a
poderia dar. No entanto, em considerações posteriores, não
estaríamos mais no domínio da ciência, ainda que neste texto
a História em termos positivos coexistia com a filosofia da
história, regendo o seu desenrolar, mas não coincidiria. Nesta
obra helenista ainda nos fala da História como ciência, não
obstante, de um tipo diferente do das ciências tradicionais.

324 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
A Filosofia da História em Oliveira Martins

Podendo, por isso, ser considerada um primeiro momento de


uma fase de transição da teoria sobre a história em Oliveira
Martins.

O cariz político de orientação socialista e democrática das


primeiras obras começa, por volta dos anos 1880, a sofrer
viragens de tonalidade mais conservadora e sobretudo mais
cética no que tange as classes trabalhadoras. O historiador liga
as franjas mais radicas do movimento socialista a um comunismo
primitivo que nos faria descer a uma idade das trevas, fazendo
paralelos entre diversas formas de organização económica
anteriores e as ambições políticas de determinados grupos na
atualidade (os eventos da Comuna de Paris, para com a qual
Oliveira Martins tem muitas reticências, terão contribuído para
responsabilizar os socialistas). As suas próprias conceções, no
entanto, não se inclinam para o liberalismo de tipo antiestatista.
Pelo contrário, Oliveira Martins considera que um liberalismo
modelado pelo estado seria a forma ideal de organização
económica. Identifica-se, por isso, com o chamado socialismo
catedrático e o reformismo social na Prússia. As críticas ao
autoritarismo bismarckiano passam para um reconhecimento
da validade dessas situações, as quais na prática poderiam
ser benéficas, apesar de, na teoria, serem casos excecionais,
como o cesarismo. A maior centralidade da classe trabalhadora
na tomada de decisões e organização política passa a fazer
menos sentido. Poderemos encontrar talvez também aqui as
causas de uma progressiva mudança em algumas conceções
teóricas (MARTINS 1959, p. 27-28), e de um esforço da sua
organização e classificação, que como vimos já se vislumbram
em O Helenismo e a Civilização Cristã.

É contudo entre 1880 e 1881 no texto Da Natureza e do


Lugar das Ciências Sociais, publicado em O Instituto, que
verdadeiramente se encontra o trabalho de sistematização
dos saberes e de compreensão do lugar de alguns conceitos
fundamentais a eles associados. Correspondendo a um segundo
momento no seguimento da tendência que já encontrávamos
no livro sobre a Grécia e o Cristianismo. Dessa feita, a tendência

325 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
Bruno Filipe Laranjeira Gonçalves

científico-naturalista de Oliveira Martins tem forte embasamento


na teoria do acaso de Cournot, complementando-se à metafísica
subsidiada por Hartmann. A filosofia da história, e de modo
mais abrangente a teorização histórica, vão nessa constelação
ter a sua existência e características próprias, no âmbito desse
intuito classificador.

Oliveira Martins divide o saber em três formas fundamentais,


que são a teórica, histórica e técnica. Esses saberes só podem
pela abstração ser isolados um do outro, pois, por exemplo, a
medicina tem um cariz prático, ou seja técnico, e como tal é
visto por Oliveira Martins mais como uma arte. Contudo, sem
a teoria, ou o que corresponderia à ciência propriamente dita,
e o auxílio da fisiologia por exemplo, não seria possível a mais
correta prática dessa arte. O mesmo sucede à História, que deixa
aqui de ser denominada ciência e passa fundamentalmente
a identificar-se mais como uma arte. Existe então uma linha
definidora entre ciência e arte que se descobre na tendência
mais teórica ou mais prática de cada saber. Apesar do valor
da classificação das ciências e dos saberes, encontramos uma
dependência entre eles e nisso louva os positivistas, que em seu
entender, nos seus propósitos de sistematização e objetividade,
se esforçavam por fundamentar a ciência, ao trazer o saber para
o domínio positivo (MARTINS 1955b, p. 322). Embora ao jeito de
Hegel, e contra os positivistas, ele defenda que a classificação
obedece ao apuramento de noções do espírito, posto que a
natureza é uma lógica que se revela como expressão abstrata
e definição absoluta das coisas (MARTINS 1955b, p. 321).
Adotando, como tal, uma visão dialética do desenvolvimento
das ciências, dado que a natureza das coisas explica-se pela
história, pela descendência, não pela atualidade presente ou
remota. Aquilo que é, é o que se gerou (ou foi gerado) e não o
que está constituído (MARTINS 1955b, p. 323).

Ele identifica ainda uma tendência moderna para a ciência


dominar as outras formas do saber, partilhando com a filosofia
esse vício em comum (MARTINS 1955b, p. 324 e p. 330). A
designação de ciência para a História e Política não é, portanto,

326 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
A Filosofia da História em Oliveira Martins

quanto a ele, adequada, apesar de essas áreas do saber se


basearem nela para as suas indagações, pois, apesar de elas
terem uma componente teórica (científica), são iminentemente
práticas e como tal são tendencialmente artes. Nessa
sistematização, a sociologia, segundo visionada por Comte,
absorveria então a política e a história, formando algo que
sobrevém à ciência, pois excede os domínios próprios desse saber.
Nesse sentido, ainda que logicamente falsa como ciência, nas
suas classificações a filosofia da história seria uma subdivisão
lógica que devém do que então se chama de ciência social
(Sociologia) (MARTINS 1955b, p. 328). Determinadas áreas
do saber não podem ser chamadas de ciências ou artes, mas
sim de princípios coordenadores, que fazem, em certo sentido,
a ponte entre a teoria e a prática (MARTINS 1955b, p. 325).
A filosofia, como árvore mãe desse princípio de coordenação,
encerra para Oliveira Martins essa capacidade unificadora.
O espaço ocupado pela ciência enquadra-se naquilo que
corresponde à teoria, mas a teoria requer a racionalidade
como princípio basilar, por isso a filosofia da história tem na
teoria da história, ou seja os princípios pelos quais se constitui
a história como domínio do saber, lugar de destaque. Contudo,
a teoria e a racionalidade não são a última palavra, uma vez
que, como Oliveira Martins afirma, a teoria jamais corresponde
à realidade, porque é um ente da razão (MARTINS 1955b, p.
334).

Este texto acerca Da Natureza e do Lugar das Ciências


Sociais, no seguimento do que começa por surgir em O
Helenismo e a Civilização Cristã, representou uma viragem nas
considerações acerca da filosofia da história, procurando se
distanciar de visões, quanto a ele, excessivamente totalizantes.
Ele entende que essas pecavam com as suas simplificações,
sendo que a própria ciência fica desde logo em sobreaviso. As
Tábuas de Cronologia e Geografia Histórica (1884) refletem
precisamente esse tom mais cético, advindo talvez dos reveses
e das (re)orientações políticas anteriormente mencionadas, em
relação à filosofia da história, quando escreve que:

327 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
Bruno Filipe Laranjeira Gonçalves

Procedendo de outra forma, usando da adivinhação metafísica,


e impondo a sua descoberta à realidade, a filosofia da história,
(discutível sempre como filosofia) não cai porém sob o domínio
desta crítica: poderia desconhecer as histórias não só de muitos,
senão de todos os povos, e nem por isso seria menos verdadeira
– daquele grau e daquela espécie de verdade compatível com a
especulação de tal natureza. (MARTINS 1884, p. VIII)

O lugar da filosofia da história no pensamento de Oliveira


Martins vai-se, portanto, adaptar aos constrangimentos reais,
bem como aos desenvolvimentos e enriquecimentos teóricos
através da leitura de novos autores ou uma maior valorização
de alguns deles.

Maturação de algumas mudanças de conceção e


a Biblioteca das Ciências Sociais
As leituras que procurem uma filosofia da história na
obra do historiador rapidamente se aperceberão que, em
Oliveira Martins, o tópico não é somente algo de existente
nas suas reflexões acerca da História, como por exemplo
na teoria literária ou na antropologia. Mais do que uma
filosofia da história de Oliveira Martins, encontramos um
perscrutar alargado a outros autores e uma atitude pensante
sobre o sentido da história, ou o que mais acertadamente
corresponderia, remetendo-nos ao título deste texto, de
forma mais abrangente ao tópico da Filosofia da História em
Oliveira Martins. Por outras palavras, o que se apresenta em
vários passos da sua obra é uma tematização da filosofia da
história, no qual as suas múltiplas variações e horizontes de
possibilidade correspondem a tentativas de compreenssão do
desenvolvimento histórico, dos seus tempos, fases e processos.
Isso implicou, naturalmente, uma leitura crítica, no entanto
dialogante, com diversos autores, não tendo a ambição de
ser uma proposta com rasgos de algo inédito, apesar de
encontrarmos uma filosofia da história em desenvolvimento no
conjunto das suas obras. O estudo que Oliveira Martins realiza,
no intuito de aprofundar os seus conhecimentos da moderna

328 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
A Filosofia da História em Oliveira Martins

filosofia da história, e depois a forma como isso transparece


nas ditas obras, serão, porventura, os traços mais marcantes
de Oliveira Martins como historiador.

Um dos objetivos da sua Biblioteca das Ciências Sociais


era precisamente divulgar à generalidade do público português
os avanços científicos na área das ciências humanas, como
por exemplo a ascendente sociologia. No plano dessa sua
biblioteca estaria a publicação de um estudo sobre a filosofia
da história, segundo nos relata Diniz de Ayala (MARTINS 1944,
p. 62). Essa obra não chegou a ser publicada, no entanto, é por
demais evidente que esse estudo fez parte do seu percurso,
como fica bem patente em algumas das obras da Biblioteca
das Ciências Sociais, como no caso de As Raças Humanas e a
Civilização Primitiva, em que ficamos a saber que:

O sistema das relações entre o homem, como indivíduo social,


e o mundo, como seu habitat, deu lugar à criação de um ramo
dos conhecimentos que se denominou Filosofia da História. Nos
tempos modernos, quando os processos dedutivos ou lógicos do
pensamento antigo se combinaram com o messianismo cristão,
a filosofia da história apareceu pela primeira vez esboçada no
célebre livro de Salviano, De gubernatione Dei, inspirado na ideia
de Providência formulada por Santo Agostinho. O governo do
mundo era uma obra divina, e a sucessão das idades obedecia
a ordens providenciais. Esta doutrina teve em Bossuet o seu
último representante. Depois a renovação filosófica do século
XVIII, correspondendo ao resfriamento da fé cristã e ao crescente
predomínio do espírito científico, apresentou na filosofia da
história as duas famílias de pensadores em que se dividiam as
escolas. Do idealismo místico do italiano Vico, chegamos, na
primeira metade do século actual, ao idealismo panteísta de
Herder e à lógica transcendente do hegelianismo. Por outro lado,
o sensualismo ia renovar as doutrinas da Antiguidade greco-
romana, e Montesquieu com o seu Esprit des lois, Voltaire com
o Essai sur les moeurs, tentavam assentar abstractamente as
leis da filosofia da história, à maneira do que outrora o fizera
Aristóteles. (MARTINS 1955a, p. 40-41).

Semelhantemente nas Taboas de Cronologia, em que


anteriormente vimos expressas as suas reticências no que diz

329 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
Bruno Filipe Laranjeira Gonçalves

respeito à filosofia da história, encontramos ao longo do texto


numerosos sinais desse mesmo estudo, não obstante o foco
dessa obra estar virado para o que Oliveira Martins chamou
de ciência da civilização ou ainda história da civilização. Existe
uma certa equivalência entre essa ciência, sobretudo a sua
parte histórica, e a filosofia da história (MARTINS 1960, p.
141-142), ainda que, na sua recensão aos Ensaios de Filosofia
da História de Silva Cordeiro nesse ano de 1882, as venha
chamar de correlativas, alertando para que não devessem ser
confundidas (MARTINS 1955b, p. 236-237). Esta chamada
ciência da civilização difere, segundo Oliveira Martins, da
filosofia da história no sentido em que não estaria supostamente
presa a uma história ideal, que se perdia na abstração ao
querer explicar as leis do desenvolvimento histórico por via de
princípios metafísicos que, no seu entender, regem a filosofia da
história para a qual tipicamente a essência dos fenómenos e dos
fatos seria guiada por o que ele considera ser uma adivinhação
metafísica. A ciência da civilização incluiria o furtuito como
parte integrante desse desenvolvimento histórico, enquanto a
filosofia da história seria o reino da necessidade e das leis que
imperfeitamente iam regendo a história, e para as quais as
civilizações eram como magneticamente atraídas, sem que, no
entanto, existisse uma coincidência absoluta.

A leitura acerca da filosofia da história expressa na recensão


ao livro de Silva Cordeiro parece ser uma tentativa de unir o
acaso e a providência, que não é teologicamente concebida,
mas antes alicerçada na razão. Ele combate as filosofias da
história integradoras do acaso, tipicamente característico da
natureza fenomenal, dado que, dessa forma, na sua opinião,
elas iriam cair no materialismo puro do struggle for life
(MARTINS 1955a, p. 281). Portanto, o que ele pretende não
é negar o essencialismo providencial, mas antes colocá-lo
de uma outra forma e, à maneira de Hegel, vê-lo como uma
tendência do espírito que se manifesta no mundo (contudo,
para Oliveira Martins, não o domina por completo), ou seja,
um essencialismo ética e racionalmente fundamentado. Essa
procura de união do aquém com o além pode, por isso, ser

330 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
A Filosofia da História em Oliveira Martins

metaforicamente esboçada como um vagão com destinação,


mas sem destino final. Pelo que é de supor que as flutuações
momentâneas teriam, nessa conceção, influência nesse
destino último, em razão do qual, por essa altura, ele critica
a ideia de que as contrariedades fossem somente percalços
e de que o destino estivesse pré-definido (MARTINS 1955a,
p. 238). A filosofia da história estudaria, portanto, essa
destinação histórica, tendo em atenção o seu lugar próprio e
a natureza das suas conceções, que para ele a afastava do
domínio positivo, dimensão que agora nesta nova conceção
ganha mais peso: caso contrário correríamos o risco dos
saberes se sobreporem criando deturpações, como no referido
caso do materialismo.

Conclusão
A filosofia da história nunca se tornou ponto central em
qualquer dos trabalhos de Oliveira Martins. Como vimos,
projetou um trabalho dessa natureza que não se chegou a
materializar, pelo que esteve sempre no plano de fundo de
várias obras. Desde muito cedo a influência da filosofia
da história se faz sentir em toda a teorização histórica,
em que Hegel, Vico, Michelet, e a certa altura Hartmann e
Cournot vão ser os teóricos que mais influenciam as suas
conceções sobre filosofia da história. As primeiramente
conceções estavam próximas de teorias histórico-dialéticas
de extração hegeliana, todavia, com a procura de uma visão
histórica mais estruturada e enriquecida do que considera
ser uma metafísica moderna (Hartmann, Schopenhauer),
assistimos a uma viragem e, consequentemente, alguma
desconfiança em relação a essas abordagens é, então,
notória. Fruto também de um maior desencantamento
político, enquanto antes se vislumbravam avanços na história
da humanidade e na sua organização social, ou pelo menos
a possibilidade de eles se realizarem, brotam agora algumas
reticências e tendências mais conservadoras. Por essa
altura surge uma reflexão acerca da função do inconsciente

331 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
Bruno Filipe Laranjeira Gonçalves

no acontecer histórico, o que assinala também a sua


proximidade a filosofias de cariz pessimista e a base para uma
ideia de benevolência aristocrática (OLIVEIRA MARTINS 1926
[1893?], p. 247).

O valor que deposita na filosofia da história altera-se e,


como consequência, em determinada altura, procura uma
mais integral estruturação dos saberes num esforço de
sistematização. Esses matizes são evidentes no percurso do
historiador-filósofo, como Fidelino Figueiredo o chamou, assim
como nele o é a complexidade de multiperspectivas que o
autor sempre procurou na sua forma de pensar a História.
É sem embargo notório, como o título deste texto procurou
transparecer, que a filosofia da história foi um motivo recorrente
nas reflexões e nos escritos do nosso autor.

Que marcas deixaram a filosofia da história nas obras


propriamente históricas, como por exemplo Portugal
Contemporâneo? Ou em que sentido se projeta a tendência
teórica de Oliveira Martins entre outros intelectuais, que, por
exemplo, no século XX, de teoria da história se ocupam? Essas
são algumas perguntas que têm igualmente suscitado interesse
na atualidade (MATOS 2008, p. 195-214). Procurou-se aqui,
contudo, focar um pouco mais a filosofia da história como tópico
em Oliveira Martins, em vez dos aspetos correntes de uma sua
manifestação. Essa é uma via interessante e com espaço por
explorar e onde neste texto se focaram apenas alguns pontos.
Esperou-se, por isso, poder ter contribuído para responder a
perguntas como as seguintes: O que é a filosofia da história em
Oliveira Martins e de que formas se reveste? Como evolui esse
pensamento e como ele vai ser discutido entre os seus pares?
Ou de como diferentes teorias se relacionam na sua teoria da
história? Por todo o seu trabalho nessa área, o autor oitocentista
é um caso paradigmático da introdução de conceções históricas
modernas na historiografia e teoria da história portuguesas,
ao mesmo passo que a conceptualização da filosofia da
história, característica da teorização histórica ocidental da
época, desempenha nesse processo um papel determinante.

332 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
A Filosofia da História em Oliveira Martins

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Pedro Tavares de. Eleições e caciquismo no


Portugal oitocentista (1868-1890). Lisboa: Difel, 1991.

ASSMANN, Aleida. Erinnerungsräume: formen und


wandlungen des kulturellen gedächtnisses. München: C.H
Beck, 1999.

BUSCH, Hans-Christoph Schmidt am. Eduard Gans und


die Rezeption des Saint-Simonismus im Horizont der
Hegelschen Sozialphilosophie. In: WASZEK, Norbert (org.).
Hegelianismus und saint-simonismus. Paderborn:
Mentis Verlag, 2007.

CARVALHO, Joaquim de. Antero de Quental e a Filosofia


de Eduardo de Hartmann. Obra Completa, v. I, Lisboa :
Fundação Calouste Gulbenkian, 1992.

CATROGA, Fernando. O Problema Político em Antero de


Quental – um Confronto com Oliveira Martins. Revista de
História das Ideias, Coimbra, v. 3, p. 341-520, 1981.

COMTE, Auguste. Discours sur l’esprit positif. Introdução


e notas de A. Petit. Paris: Vrin, 1995 (1844).

FERNÁNDEZ, Eloy Clemente. J. P. d’Oliveira Martins


nas minas de Santa Eufémia (1870-1874). Revista Ler
História, n. 54, 2008. Disponível em: https://journals.
openedition.org/lerhistoria/2400. Acesso em: 10 set. 2019.

FIGUEIREDO, Fidelino de. História d’um vencido da


vida. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1930.

FLINT, Robert. History of philosophy of history.


Edinburgh and London: William Blackwood and Sons, 1893.

333 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
Bruno Filipe Laranjeira Gonçalves

GONÇALVES, Bruno. The reception of hegel in portugal:


the case of Oliveira Martins. Dissertação de mestrado,
História. Programa de Historiografia e Teoria da História
da Universidade de Lisboa. Lisboa, 2016.

HALLENSLEBEN, Ekkehard. J. P. de Oliveira Martins und


der sozialismus in der generation von 1865“. Tese
de doutorado (Filologia Românica). Universidade de Köln.
Köln, 1959.

HARTOG, François. Regimes de Historicidade:


Presentismo e Experiências do Tempo. Traduzido por
Andréa Souza Menezes, Bruna Beffart, Camila Rocha de
Moraes, Maria Cristina de Alencar Silva, Maria Helena
Martins. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.

HEGEL, G.W.F. Werke: Vorlesungen über die Philosophie


der Geschichte, v. 12. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2015
[1837].

HERDER, J. G. Também uma filosofia da história para


a formação da humanidade. Tradução, notas e posfácio
de José M. Justo. Lisboa: Edições Antígona, 1995 [1774].

KOSELLECK, Reinhart. Kritik und krise. Eine Studie zur


Pathogenese der bürgerlichen Welt. Frankfurt am Main:
Suhrkamp, 1976.

LÖWITH, Karl. Meaning in history. Chicago: The University


of Chicago Press, 1949.

MACHADO, Álvaro Manuel. A crítica literária em Oliveira


Martins: Paixão e Ciência ou o Germanismo afrancesado.
Revista da Universidade de Coimbra, Coimbra, v. 18,
p. 239-245, 1999.

MARTINS, F. A. Oliveira. O Socialismo na monarquia:


Oliveira Martins e a «Vida Nova». Lisboa: Parceria António
Maria Pereira, 1944.

334 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
A Filosofia da História em Oliveira Martins

MARTINS, Guilhereme d´Oliveira. Oliveira Martins: Uma


Biografia. Prefácio de Eduardo Lourenço e colaboração
de Maria Manuela de Oliveira Martins. Lisboa: Imprensa
Nacional-Casa da Moeda, 1986.

MARTINS, Joaquim Pedro Oliveira. As raças e a civilização


primitiva, v. I-II. Lisboa : Guimarães & Cª Editores, 1955a.

MARTINS, Joaquim Pedro Oliveira. Correspondência.


Prefaciada e anotada por Francisco D’Assis Oliveira Martins.
Lisboa: António Maria Pereira livraria, 1926.

MARTINS, Joaquim Pedro Oliveira. Elementos de


antropologia. Lisboa: Guimarães Editores, 1954 [1881].

MARTINS, Joaquim Pedro Oliveira. História da republica


romana. V. I, 6º edição. Lisboa: Guimarães Editores, 1965
[1885].

MARTINS, Joaquim Pedro Oliveira. Jornal. Lisboa:


Guimarães Editores, 1960.

MARTINS, Joaquim Pedro Oliveira. Literatura e filosofia.


Lisboa: Guimarães Editores, 1955b.

MARTINS, Joaquim Pedro Oliveira. o helenismo e a


civilização cristã. Prefácio do Dr. José Marinho. Lisboa:
Guimarães Editores, 1985 [1878].

MARTINS, Joaquim Pedro Oliveira. Política e história, v.


I-II. Lisboa: Guimarães Editores, 1957.

MARTINS, Joaquim Pedro Oliveira. A Província, v. IV.


Lisboa: Guimarães Editores, 1959.

MARTINS, Joaquim Pedro Oliveira. Tábuas de cronologia


e geografia histórica. Lisboa: Livraria de António Maria
Pereira, 1884.

335 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
Bruno Filipe Laranjeira Gonçalves

MARTINS, Joaquim Pedro Oliveira. Teoria do socialismo.


Prefácio do Dr. António Sérgio. Lisboa: Guimarães & Co.
Editores, 1974 [1872].

MARX, KARL; ENGELS, Friedrich. Marx and Engels


collected works, v. 6. London: Lawrence & Wishart, 1976.

MATOS, Sérgio Campos. Consciência Histórica e


Nacionalismo (Portugal – Séculos XIX e XX). Lisboa:
Livros Horizonte, 2008.

MAURÍCIO, Carlos. A invenção de Oliveira Martins:


Política, Historiografia e Identidade Nacional no Portugal
Contemporâneo (1867-1960). Lisboa: Imprensa Nacional-
Casa da Moeda, 2005.

PINKARD, Terry. Eduard Gans, Heinrich Heine und Hegels


Philosophie der Geschichte. In: WASZEK, Norbert (org.).
Hegelianismus und Saint-Simonismus. Paderborn:
Mentis Verlag, 2007.

PIRES, António Machado. A ideia de decadência na


geração de 70. 2º edição. Lisboa: Vega, 1992.

QUEIROZ, Eça de. Prosas barbaras. Mem Martins:


Europa-América, 1988 [1912].

QUENTAL, Antero de; MARTINS, Joaquim Pedro Oliveira;


VILHENA, Júlio de. A edade-média na história da
civilização. Prefaciado e anotado por Francisco d’Assis
d’Oliveira Martins. Lisboa: Parceria António Maria Pereira
Livraria Editora, 1925 [1873].

QUENTAL, Antero de. Cartas. Leitura, organização,


prefácio e notas de Ana Maria Almeida Martins. V. 1-3.
Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2009.

ROLDÁN, Concha. Entre Cassandra y Clio: una História


de la Filosofia de la História. Madrid: Akal S. A., 1997.

336 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
A Filosofia da História em Oliveira Martins

SANTOS SILVA, Augusto. Oliveira Martins e o Socialismo.


Lisboa: Afrontamento, 1978.

SARAIVA, António José. A tertúlia ocidental - Estudos


sobre Antero de Quental, Oliveira Martins, Eça de Queiroz
e outros. Lisboa: Gradiva, 1995.

SEABRA, Jorge. Oliveira Martins raça e história. Máthesis,


1999, n. 8, p.217-270.

SÉRGIO, António. Ensaios. Tomo V. 2º edição. Lisboa:


Livraria Sá da Costa, 1981.

VIDIGAL, Luis, Cidadania, caciquismo e poder: Portugal,


1890-1916. Lisboa : Livros Horizonte, 1988.

VILHENA, Júlio de. As raças históricas da Península


Ibérica e a sua influência no direito português.
Coimbra: Impresa da Universidade, 1873.

VOLTAIRE. Essai sur les mœurs. Tome I. Paris: Classiques


Garnier, 1990 [1756].

VOLTAIRE. Œuvres complètes. Tome 29. Paris: Garnier


Frères Libraires Editeurs, 1879.

AGRADECIMENTOS E INFORMAÇÕES

Bruno Filipe Laranjeira Gonçalves


bruno.gonc.lx@gmail.com
Centro de História da Universidade de Lisboa
Institut für Philosophie da Universidade de Jena
Portugal

RECEBIDO EM: 25/ABR./2019 | APROVADO EM: 17/OUT./2019

337 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 303-337 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1482
HISTÓRIA DA Ouro Preto / MG - Brasil

HISTORIOGRAFIA

Pensamento Social Brasileiro em perspectiva: história,


teoria e crítica

Brazilian Social Thought and Historical Studies: a critical


perspective

Thiago Lenine Tito Tolentino


https://orcid.org/0000-0002-1257-9609

RESUMO

O presente artigo pretende realizar uma reflexão crítica


e historiográfica acerca do termo “pensamento social ABSTRACT
brasileiro”. Neste sentido, retomaremos seus processos
e mudanças de significados e usos, assim como sua This article intends to make a critical and historiographical

incorporação pelo campo das ciências sociais brasileiras. reflection about the term “Brazilian social thought”. We

Assim, recompomos as variantes do pensamento social will resume its processes and changes in meanings and

brasileiro na história intelectual brasileira, apontando uses, as well as its incorporation into the field of Brazilian

alguns de seus usos e mobilizações na imprensa e, Social Sciences. Thus, we recompute the variants of the

posteriormente, a sua consolidação acadêmica e term in the country’s intellectual history, pointing out

universitária, a fim de atestarmos sua pertinência some of its uses and mobilizations in the press and,

conceitual. Ao final do artigo, propomos uma revisão subsequently, its consolidation in the academic and

crítica acerca de tal perspectiva frente a algumas university contexts, to attest to its conceptual relevance.

questões teóricas contemporâneas a partir do conceito At the end of the article, we propose a critical review

de cultura intelectual. about this perspective in sight of some contemporary


theoretical questions that derive from the concept of
intellectual culture.

PALAVRAS-CHAVE
Teoria da história; História intelectual; História da
historiografia
KEYWORDS
Theory of history; Intellectual history; History of
historiography

338 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Thiago Lenine Tito Tolentino

O que é pensamento social brasileiro (PSB)? Esta é uma


daquelas perguntas simples cuja resposta não pode ser dada
em poucas palavras. Se tomarmos o PSB como um conceito,
poderíamos, seguindo Reinhart Koselleck (2006), retomar suas
significações diacrônicas, a fim de chegarmos à história de
suas apreciações e mobilizações. Porém, a categoria carece de
definições precisas desde as primeiras utilizações na cultura
intelectual brasileira e apenas nas últimas décadas conseguimos
mapear avaliações nesse sentido.

Segundo Blumenberg, conceitos precisariam ter “clareza


bastante para estabelecer diferenças quanto a todo o concreto
que deva ser submetido a sua classificação” (BLUMENBERG
2013, p. 47). Todo conceito guardaria, porém, um grau de
generalidade, sem cair, entretanto, na incongruência. Conceitos
também operariam como ferramentas. Haveria um pragmatismo
na mobilização de conceitos que apenas por capacidade de
adaptação, “no curso do trabalho”, seriam válidos como meios
cognitivos privilegiados. Nesse sentido, afirmava Kant: “Os
juristas ainda procuram uma definição para seu conceito de
direito” (KANT apud BLUMENBERG 2013, p. 95). Também a
filosofia guardaria certa imprecisão: “A solidez da matemática
se baseia em definições, axiomas, demonstrações. Contentar-
me-ei em mostrar que nenhum destes elementos, no sentido
em que o matemático os toma, pode ser realizado nem imitado
pela filosofia...” (KANT apud BLUMENBERG 2013, p. 96).

Assim, certa indeterminação é inevitável na operacionalidade


dos conceitos, de modo que a clareza pretendida terá de
vir a partir do acompanhamento do “curso do trabalho” e aí
poderemos saber se o PSB é um conceito e, o que mais importa,
se é ferramenta eficaz no tratamento das questões levantadas
pelos estudos históricos e culturais contemporâneos.

339 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Pensamento Social Brasileiro em perspectiva

O Pensamento Social Brasileiro na imprensa

Devemo-nos habituar a que o conceito não é evidente por si


mesmo. Dizer “isto é um elefante” pressupõe a pergunta “que
é isso?”. A pergunta se funda no fato de que não é evidente
haver visto aquilo que é e o que significa, o que aí sempre
se encontra, que se possa supor ou aguardar (BLUMENBERG
2013, p. 71).

É uma constatação da história cultural brasileira que a


imprensa cumpriu, entre meados do século XIX e meados do
XX, papel fundamental na formulação de saberes diversos,
divulgação de produções simbólicas, promoção de debates,
nos eventos políticos, culturais e sociais, nas mobilizações
religiosas, assim como foi fonte de emprego ou de rendimentos
para profissionais de diferentes áreas (SODRÉ 1966; MICELI
1977; OLIVEIRA 1990; MOREL 2005; TEIXEIRA 2001; VELLOSO
2015). Como afirmara sinteticamente Oswald de Andrade em
seu Manifesto da Poesia Pau-Brasil, também ele publicado
em páginas de jornal: “No jornal anda todo o presente”
(ANDRADE 1924, p. 2).

A expressão “pensamento social” aparece já nos anos


1830 na imprensa brasileira. Na primeira ocorrência por nós
encontrada, o termo foi mobilizado pelo político, escritor
e tipógrafo Felipe Alberto Patroni Martins Maciel Parente.
Nesse período incipiente da imprensa no país, os jornais
seriam, em geral, “órgãos políticos por excelência – tribunas
doutrinárias”, tornando-se a “expressão de uma personalidade,
refletindo-lhes as ideias, os sentimentos, o feitio moral”
(SOUSA 1936, p. 53). No lançamento do jornal O Correio do
Imperador ou o Direito de Propriedade, Patroni definia seus
projetos na tumultuada realidade política da Regência:

Encetamos uma nova carreira, a carreira mais brilhante, que


até agora se tem trilhado na Política do Brasil! [...] Os egoístas,
inimigos do Brasil, inimigos da Monarquia Constitucional e da
nossa augusta santa Religião Católica, certamente que hão de

340 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Thiago Lenine Tito Tolentino

levantar gritos altos e descompassados [...]. Nós só queremos


que se dê seu a seu dono: ora isto é justamente que se chama
direito de propriedade. Por conseguinte, o nosso justo meio, isto
é, o direito de propriedade, cada um no que é seu, o Senhor D
Pedro II no seu trono constitucional [...]. (PATRONI 1836a, p.
1).

Patroni, admirador dos irmãos Antônio Carlos, José Bonifácio


e Martim Francisco de Andrada, tratara de uma nova maneira
de se distribuir benesses ou “recompensas” concedidas pelo
Estado:

Um fato bem simples que deu origem à composição do Código


de Recompensas. Seu autor tinha ouvido dizer que os Srs.
Andradas [...] conferiam os empregos e condecorações aos
homens beneméritos, sem que lhes fosse necessário pedir ou
adular, isto é, sem patronato [...]. Este fato foi um raio de luz,
refletindo de um cristal ao pino do meio dia: o Douto Patroni não
pôde encarar com ele; e sua alma subindo logo ao mais elevado
pensamento social - o direito de propriedade – saiu o Código das
Recompensas [...] (PATRONI 1836b, p. 3-4).

Assim, o “pensamento social” era vinculado à questão da


propriedade privada, da defesa da religião católica e do direito
adquirido em meio à sociedade imperial.

Em 1883, o jornal O Libertador – órgão da sociedade cearense


libertadora, ao celebrar o fim da escravidão em Mossoró, no
Rio Grande do Norte, falava que “o Sertão vem neste momento
fazer visitas ao mar” e que “três mil pessoas carregando a
bandeira nacional e as bandeiras abolicionistas, vitoriavam a
igualdade humana!”. Seria uma “noite civilizadora”, na qual “o
pensamento social fraternizava-se nas choças e nos palacetes”
(MOSSORÓ 1883, p. 2). O “pensamento social” atingiria o
principal problema do Império: a escravidão, mobilizando uma
“solução” conciliatória entre as “choças” e os “palacetes”.

A maior recorrência da noção pensamento social na


passagem do século XIX para o XX é a articulação entre

341 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Pensamento Social Brasileiro em perspectiva

princípios católicos e maneiras de se conter os conflitos entre


trabalhadores e proprietários. Tal perspectiva encontra-se nos
escritos do padre Júlio Maria, figura central no processo de
rearticulação da Igreja Católica no interior da República (FREYRE
1974; 1962; ROMANO 1979; RODRIGUES 1981; ARDUINI
2011; PAULA; RODRIGUES, 2012). Inspirado pelas encíclicas
do Papa Leão XIII, J. Maria defendia que aí se manifestava o
“mesmo sentimento do Cristo Jesus” e que a “fome física da
multidão não era mais sagrada para o Messias do que é hoje
para o seu Vigário a fome de direito, de justiça e de verdade
que oprime o povo” (MARIA 1898, p. 1).

A República conhecerá uma expansão do uso do termo


“social” em vários campos, inclusive no pensamento socialista
(GOMES 2005). Falava-se, então, em “romance social” ou
numa “poesia de ação” que tratariam de questões relacionadas
à pobreza das cidades, ao analfabetismo, à emergência do
anarquismo e do socialismo, de modo que um poeta como
Olavo Bilac aceitava ser visto como um “apóstolo-socialista”
(BILAC apud RIO 2006, p. 18). A “questão social” tomava as
páginas dos jornais com noticiários sobre greves, ações de
anarquistas, conflitos entre trabalhadores e patrões, misérias
no campo e nas cidades (NAXARA 1991; HARDMAN 2002).
A palavra “social” parecia conter um teor “explosivo”, num
contexto em que a expressão “luta de classes” circulava de
maneira ampla na imprensa, ainda que para ser criticada pelo
“pensamento social católico” ou para denunciar o seu maior
teórico, conforme pregação do arcebispo do Rio de Janeiro,
Sebastião Leme, no primeiro número da coluna “Ação Católica”
no Brasil, publicada em jornal de circulação nacional:

O fator econômico adquiriu tal prevalência, nos nossos dias, que


até parece ter mudado a fisionomia de todos os outros valores,
dando aparências de verdade à ideologia do autor do Kapital.
[...] O materialismo histórico de Marx abriu a falência, após
a dolorosa experiência da Rússia. Onde encontrar a solução
da incógnita inquietadora? No retorno à moral do Evangelho,
única capaz de despertar nas consciências, o sentimento de
solidariedade humana, hoje em dia obliterado, única capaz de

342 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Thiago Lenine Tito Tolentino

levar à inteligência do proprietário a convicção da função social


da riqueza (LEME 1927, p. 11).

É na década de 1930 que a expressão pensamento


social ganha o complemento “brasileiro”. Não há, porém, ao
que parece, uma obra que defina tal PSB como um conceito
àquela altura. É segundo o seu uso que podemos perceber
as modificações que o termo “brasileiro” trouxe ao campo
semântico do pensamento social. Notamos um primeiro emprego
em anúncio de palestras promovidas pelo Centro Oswald
Spengler, no Rio de Janeiro: “Prosseguindo a apresentação das
várias correntes do pensamento social brasileiro, dominantes
da dinâmica da entrosagem social; realiza [...] mais uma
sessão extraordinária [...] o Centro Oswaldo Spengler”
(UMA CONFERÊNCIA 1933, p. 8).

O centro foi fundado em 1933 (SKOLAUDE 2016, p. 24) e


tinha como presidente Aben-Athar Netto (UMA CONFERÊNCIA
1934, p. 11). Netto era da Ação Integralista Brasileira
(AIB) e, no ano de 1937, desencadeara uma dissidência na
AIB, lamentando que “o velho sentido reacionário” teria
permanecido “a serviço de um indivíduo audacioso e sorrateiro:
Plínio Salgado” (DECLARAÇÕES 1937, p. 3). Não há muitas
informações acerca do Centro. Ele revela, porém, a recepção
da obra do alemão Oswald Spengler no Brasil, que ocorrera
já no início dos anos 1920 e continuara pela década seguinte.
Em 1923, João Ribeiro lia o autor de “O Declínio do Ocidente”
(1918-1922) como um diagnóstico de fins dos tempos:

Lançando as bases da morfologia histórica e estudando a


analogia das várias culturas, Spengler anuncia-nos a – “Queda
do Ocidente” – a morte da civilização atual [...]. É realmente
um quadro lúgubre o das perspectivas que nos cabem no século
presente. (RIBEIRO 1923, p. 1).

Outros autores apropriaram-se do pensamento de Spengler


como referência teórica para a confecção de suas obras, como
Tristão de Athayde (TOLENTINO 2016); Mário de Andrade

343 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Pensamento Social Brasileiro em perspectiva

(BERRIEL 1987); Gilberto Freyre (FREYRE 2003) e Sérgio


Buarque de Holanda (MATA 2016).

A conferência anunciada pelo Centro teria como


palestrante o crítico literário Agripino Grieco que trataria da
“grande vida” e da “grande obra” de Vicente Licínio Cardoso
(UMA CONFERÊNCIA 1933, p. 8). Assim, num momento de
nacionalismo exacerbado, não faltando tinturas integralistas,
o recém-cunhado termo PSB era representando pelo nome de
Licínio Cardoso, autor de importantes obras acerca da realidade
nacional, com destaque para o livro coletivo por ele organizado
em 1924, “À margem da história da República”, que contou com
Oliveira Vianna, Gilberto Amado, Tristão de Athayde, Ronald de
Carvalho, Pontes de Miranda, Carneiro Leão, Jonathas Serrano,
dentre outros (CARDOSO 1990).

A historiografia brasileira afirma a emergência nos anos


1930 de um nacionalismo que, mais do que contundente, como
já o era na Primeira República (OLIVEIRA 1990; LUCA 1999;
DUTRA 2005), torna-se política deliberada de Estado (GOMES;
OLIVEIRA, VELLOSO 1982; BOMENY 2001). Destacam-se,
ainda, novos rumos dos empreendimentos de produção do
saber, englobando aí a criação de Universidades, a promoção
de políticas editoriais de largo alcance (DUTRA 2006; FRANZINI
2006), as modificações na imaginação literária e ficcional
(BUENO 2006) etc. No anúncio da palestra, eram convidados
os nomes do PSB “dominantes da entrosagem social”, ou seja,
aqueles que, seguindo Spengler, poderiam definir a morfologia
da sociedade brasileira. Gilberto Amado, Múcio Leão, Renato
Almeida e Arthur Ramos estiveram entre os conferencistas do
Centro.

O PSB que aparece nas formulações do Centro Oswald


Spengler, apesar de não ser um conceito claro, traz em si o
trabalho de organização dos saberes. Destaca-se aí a seleção de
perspectivas intelectuais identificáveis com o olhar do cientista
social, num compromisso com a “objetividade” e com o saber
“científico” que se tornam recorrentes nos anos 1930. Há outro
ponto importante: o “social”, que era termo “explosivo” na

344 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Thiago Lenine Tito Tolentino

cultura intelectual brasileira, passou, com a fórmula PSB, a se


identificar com o saber especializado, com alguma coisa entre
sociologia, história, ciência política e cultura.

Nos anos 1940, a livraria José Olympio divulgava a “Coleção


Documentos Brasileiros”, cujo primeiro volume foi “Raízes
do Brasil” (1936). Àquela altura, sua direção havia passado
das mãos de Gilberto Freyre para a coordenação de Octávio
Tarquínio de Sousa. A livraria destacava que a coleção:

[...] representa alguma coisa de muito forte na cultura brasileira


contemporânea. Sua orientação, a bem dizer, é uniforme.
Rigoroso critério de seleção de autores e livros, presa a um
espírito louvável de nacionalização, a manter o rumo que vem
mantendo, poderá mesmo ocupar um capítulo na história do
moderno Pensamento Social Brasileiro (LIVROS 1944, p. 3).

O “moderno pensamento social brasileiro” é associado aos


nomes de Cassiano Ricardo, na obra “Marcha para o Oeste”,
José Carlos de Macedo Soares, no livro “Fronteiras do Brasil
no Regime Colonial”, e Gilberto Freyre, com “Casa Grande e
Senzala”. Assim, vemos o PSB articulado com o que a notícia
nomeava “grandes estudos de sociologia nacional” (LIVROS
1944, p. 3). Vinculado a tais “estudos”, o PSB é mobilizado em
diferentes regiões do Brasil e torna-se termo relativo à formação
de algum cânone acerca da compreensão do “homem brasileiro”
e dos “problemas nacionais” (CHIARELLO 1949, p. 3). Não há,
porém, um consenso acerca de tais nomes canônicos, podendo
abrigar figuras como Alberto Torres, Farias Brito e Euclides da
Cunha. A obra deste último, “Os Sertões”, seria a “bíblia do
pensamento social brasileiro” (CHIARELLO 1949, p. 3).

Nos anos 1960, o PSB consolida-se como campo de


saberes acerca da realidade nacional em diferentes âmbitos.
Em editorial do Jornal do Brasil, que tinha Alberto Dines como
editor-chefe, afirmava-se que “quem recapitula o Pensamento
Social Brasileiro das últimas duas décadas percebe que
há muitos nacionalismos” (NACIONALISMOS 1967, p. 6).

345 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Pensamento Social Brasileiro em perspectiva

Com referências ao então recém-extinto ISEB (Instituto


Superior de Estudos Sociais) e sua tese desenvolvimentista, o
editorial enumerava a existência de três nacionalismos à época:
de fins, de meios e o emocional. O primeiro seria “moderado”,
não importando se o desenvolvimento viria com “capitais
brasileiros ou alienígenas”, ao passo que o segundo seria
“esquerdista”, avaliando que o “capital estrangeiro representa
o mal absoluto” (NACIONALISMOS 1967, p. 6). A realidade,
porém, manteria o predomínio de um “nacionalismo emocional”
que se basearia no “vago temor dos capitais estrangeiros e na
crença de uma conspiração internacional contra o Brasil” e,
sendo “antidesenvolvimentista”, constituía o “paradoxo de ser
um nacionalismo antinacionalista” (NACIONALISMOS 1967, p.
6). O PSB agregava, então, o horizonte desenvolvimentista que
se tornara um eixo para os diagnósticos nacionais.

Nos anos 1970, temos a repercussão dos debates


universitários, inclusive denunciando-se sua precariedade:

A reflexão teórica no campo da Sociologia do Brasil é uma atividade


que não encontra ainda os incentivos básicos que lhe garantam
a continuidade e o progresso. As tradições do pensamento
social brasileiro, o tipo de estrutura do sistema universitário, os
caracteres negativos do ambiente intelectual e as expectativas
societárias relativas às ciências humanas não alcançaram o ponto
de maturação condizente com o estabelecimento dos requisitos
essenciais à produção científica em geral (SOCIOLOGIA 1972,
p. 32).

Aí, o PSB já estava vinculado à universidade, relacionado


à sociologia e com figuras de destaque, como se depreende
da notícia sobre o lançamento da obra “Revolução Burguesa
no Brasil”: “Florestan Fernandes, ex-professor de Sociologia
da Universidade de São Paulo [...] é uma das maiores figuras
do Pensamento Social Brasileiro e de prestígio para além de
nossas fronteiras” (A REVOLUÇÃO 1978, p. 75).

O PSB era associado à formação de cientistas sociais, como


revelam as entrevistas com as “brasilianistas” Lígia Sigaud,

346 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Thiago Lenine Tito Tolentino

Lúcia Lippi Oliveira, Aspásia Camargo, Maria Vitória de Mesquita


Benevides, Amélia Cohn e Maria Hermínia Tavares de Almeida.
Na ocasião, Aspásia é apresentada como “formada em ciências
sociais e com pós-graduação em Pensamento Social Brasileiro”
(BUNTENMULLER; LYRA 1976, p. 88).

Na imprensa, transparecem alguns efeitos do “controle”


universitário do PSB, conforme análise de Antonio Celso de
Souza e Silva a respeito da obra “Ordem burguesa e liberalismo
brasileiro”, de Wanderley Guilherme dos Santos. Na ocasião,
destaca-se que um recorte temporal que remontaria ao século
XVI não contaria com mais de uma centena de nomes, de modo
que, se elencados a partir de 1940, restaria ao “patrimônio do
Pensamento Social Brasileiro nada mais que 50 autores, os
quais boa parte vítima da miopia provocada por distorções de
interpretação científica” (SOUZA E SILVA 1979, p. 41). No mesmo
sentido, o PSB tem seus cânones definidos reiteradamente:
“‘Casa Grande e Senzala’ [...] ‘Retrato do Brasil’ [...] ‘Raízes
do Brasil’ [...] e ‘Formação do Brasil Contemporâneo’ [...]
estruturam o fundamento do Pensamento Social Brasileiro [...]”
(OBERG 1988, p. 51). Disputa-se, ainda, a orientação do PSB:

[...] foi de inspiração marxista, ortodoxa ou não, boa parte do


melhor Pensamento Social Brasileiro dos últimos 50 anos: basta
lembrar Caio Prado Júnior, Nelson Wenerck Sodré e Fernando
Novaes na historiografia; Florestan Fernandes, Octávio Ianni,
Fernando H Cardoso e Francisco Weffort, na sociologia e na teoria
política; Celso Furtado e Francisco de Oliveira, na economia;
José Artur Gianotti, Marilena Chauí e Leandro Konder, na
filosofia; Antônio Cândido e Roberto Schwarz, na crítica literária
(COUTINHO 1989, p. 47).

No âmbito cultural mais largo, o PSB era mobilizado em


sentidos e contextos variados. Denunciava-se o descaso com o
acervo de Oliveira Viana, destacando os dez mil livros de sua
biblioteca em Niterói, que seria “bastante representativo para
o Pensamento Social Brasileiro e universal” (LAPA 1978, p 15).
Nos trânsitos internacionais, Francisco Weffort anunciava a
possível publicação em Cuba do livro “Casa Grande & Senzala”:

347 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Pensamento Social Brasileiro em perspectiva

“Preocupado com a renovação do pensamento social brasileiro,


foi-me necessário, porém, começar mais atrás, com alguns
dos nossos grandes livros de sociologia e política dos anos 20
e 30” (CUBA 1980, p. 9). Freyre, por sua vez, agradecendo
as palavras de Raymundo Faoro no Seminário de Tropicologia
da Fundação Joaquim Nabuco, reconhecia no autor de “Os
donos do poder”, que “tanto enriqueceu o pensamento social
brasileiro”, uma das “mais completas expressões de pensador,
além de político, social” (FREYRE 1984, p. 11) no Brasil. Já o
cineasta Nelson Pereira dos Santos comentava que seu filme
“Tenda dos Milagres” pretendia “discutir a realidade social
através da História e fala da formação do próprio pensamento
social brasileiro” (SANTOS apud SHILD 1987, p. 37). Por fim,
lamentava-se a falta de “autorreferência teórica nas ciências
sociais”, de modo que o PSB não seria tão brasileiro assim:

Nossos pensadores e pesquisadores encontram-se


definitivamente convertidos à teorização dependente. A imensa
maioria é adepta da neutralidade metodológica e axiológica, na
linha cientificista tributária de Durkheim, de Weber, de Parsons,
conforme o projeto mapeado por Comte. Na contracorrente
socialista e freudo-marxista, a crítica encontra-se emaranhada
nas dúvidas tematizadas por Gramsci, pelos frankfurtianos, por
Lacan, Althusser, Foucault e os neo-kantianos em geral. Tanto no
polo positivista quanto no polo dito revolucionário, o Pensamento
Social Brasileiro é um pensamento definitivamente dependente,
tributário (VIEIRA 1987, 51).

Da história das ideias ao pensamento social


brasileiro
Djacir de Menezes escrevia na antologia “Brasil no
pensamento brasileiro” (1956), que tal título era o mais
adequado ao volume, pois traria textos que formariam
a “consciência nacional” (MENEZES 1998, p. 15). A obra
reuniria autores que não teriam feito o “transplante mecânico
de concepções estranhas”, que seriam “brasileiramente
preocupados com os nossos problemas”, que “pensaram como

348 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Thiago Lenine Tito Tolentino

intelectuais legítimos [...] buscando interpretar para agir” e que


eram atuais: “Em nenhuma época se sente mais necessidade
de estudar o passado do que nestes dias de incerteza, ante a
decomposição dos estilos tradicionais do pensamento, cujos
valores estão sob o fogo da crítica prestes a transmudar-se nos
golpes de força” (MENEZES 1998, p. 21). O livro não possui
marcos disciplinares precisos, sendo os parâmetros de seleção
estipulados por juízos sobre a “consciência nacional”. Ele
traz, como muitos que lhes seguirão, a formação de cânones,
contando nomes como Frei Vicente de Salvador, José Bonifácio,
Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr,
João Ribeiro, Miguel Reale, Farias Brito, Alceu Amoroso Lima,
dentre muitos outros, elencando, ainda, José de Alencar, Graça
Aranha e Lima Barreto,1 ressaltando-se o “critério didático e
sociológico” defendido pelo autor (MENEZES 1998, p. 15).
1 - Não são selecio-
A “Antologia do Pensamento Social e Político brasileiro” nadas obras “ficcio-
(1968), de Luís Washington Vita, possui similaridades com nais”, mas “Eleições
e seleção negativa”,
a obra de Menezes, ambos os autores membros do Instituto de Alencar; “O pessi-
Brasileiro de Filosofia (IBF), fundado em 1949 por Miguel mismo do brasileiro”,
de Graça Aranha e
Reale. A organização do volume foi feita por encomenda do “Rezas e orações”, de
Departamento de Assuntos Culturais da União Pan-Americana, Lima Barreto. Cf. ME-
NEZES 1998, p. 441.
com sede em Washington, que já havia lançado uma “Antología
del pensamento social y politico de América Latina” (1964). Vita
esclarece que a “história das ideias” já seria uma “categoria
na qual poderia considerar-se qualquer tema relacionado
com a filosofia, o pensamento social e político, e as ideias
de qualquer classe”, de modo que o “pensamento social e
político” é tomado “num sentido largo” que abarcaria as “ideias
sobre a organização dos poderes políticos ou sobre relações
sociais” (VITA 1968, p. 10). Ele lamenta o fato de “cortar
autores relevantes” como Gilberto Freyre, Joaquim Nabuco
e Rui Barbosa. Abordando desde o “pensamento colonial”
até produções recentes à época, destaca-se o vocabulário
filosófico dos recortes temáticos: saber de salvação, saber de
ilustração, ecletismo, krausismo, neotomismo, reacionarismo
numinoso, Escola de Recife, Heterodoxia positivista, sentido da
nacionalidade, pervivência cientificista, dimensão filosófica do

349 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Pensamento Social Brasileiro em perspectiva

modernismo e correntes cruzadas. A Antologia reunia nomes


de Manoel da Nóbrega a Hélio Jaguaribe, mas também Mário e
Oswald de Andrade (VITA 1968, p. 11).

A noção PSB é produto do século XX, de modo que a


expressão era desconhecida pelos membros da geração de
1870 e apenas será mobilizada como organizadora do passado
intelectual e científico do país a partir dos anos 1960. Em seu
estudo sobre a “Escola de Recife”2, Vamireh Chacon analisaria,
seguindo as palavras de Sílvio Romero, o “desenvolvimento
espiritual do país” (ROMERO apud CHACON 1969, p. 17), com
destaque à “influência intelectual” da “Escola” que culminaria
2 - Sobre análise da
no Código Civil de 1916, redigido por Clovis Beviláqua. “Escola de Recife”
Ele faria uma “história das ideias” (CHACON 1969, p. 23) como “tradição inven-
tada”, ver: ALONSO
e seu objetivo seria afirmar a “prioridade nordestina no 2002, p. 134-135.
pensamento brasileiro”, elencando autores como Capistrano
3 - Exceções a se
de Abreu, Araripe Júnior, Sílvio Romero, Tobias Barreto e destacar são os “Es-
Aníbal Falcão, dentre muitos outros, tomados a partir dos tudos Sociais e Literá-
rios” (1882), de Ciro
núcleos de Fortaleza e Recife. Nomes que conformariam o de Azevedo; o texto
“maior movimento de ideias na América Latina” e representariam “Questões sociais – A
imigração na Améri-
uma “contribuição global à evolução nacional” (CHACON 1969, ca do Sul” (1882), de
p. 186). Alberto Sales; “Cenas
da vida amazônica –
ensaio social” (1887),
No levantamento efetuado por Angela Alonso sobre os de José Veríssimo, e
principais artigos, livros, manifestos, circulares eleitorais, “Taxonomia Social”
(1897) de Fausto Car-
memórias e opúsculos produzidos pela chamada geração de doso (ALONSO 2002,
1870, notamos a ausência do termo “social”3 nos títulos de tais p. 347-363).

publicações (ALONSO 2002, p. 347-363). Porém, o tema da


“representação social” ganhou espaço entre intelectuais do fim
do século XIX, na conjunção entre os saberes etnográficos e
historiográficos, a fim de se construir a “verdade” da sociedade
brasileira e a constituição (problemática) da soberania popular
(TURIN 2009, p. 179). Isso numa época em que o “povo” era
tomado, ora segundo um conceito “abstrato” e político que
era bastante restritivo; ora segundo os saberes científicos
sociológicos e históricos mais amplos, que o definiam por “raça”,
“língua”, “costumes”, “meio físico” e “influências estrangeiras”,
mas “fora do domínio político” (PEREIRA 2011, p. 264).

350 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Thiago Lenine Tito Tolentino

“O Brasil social é que deve atrair todos os esforços de seus


pensadores” (ROMERO apud PEREIRA 2011, p. 246), afirmava
Sílvio Romero, se dizendo farto das discussões políticas. Ao
apreciar as origens da sociologia, Norbert Elias chama a atenção
para sua relação com a intensidade dos “conflitos sociais” nos
contextos posteriores à revolução industrial, de modo que
“houve uma tendência crescente para que se conduzissem as
lutas sociais não tanto em nome de determinadas pessoas,
mas antes em nome de certos princípios impessoais e de certas
crenças” (ELIAS 1999, p. 66). Tais “princípios impessoais”
seriam os reguladores da “sociedade” tomada agora como
um objeto de conhecimento autônomo, a sociologia, tal como
formulado por Augusto Comte. Acerca da “representação
social”, considera Elias Paltí: “A noção de representação social
é, em definitivo, inseparável de um saber, de uma ciência do
social; pressupõe uma determinada sociologia” (PALTÍ apud
TURIN 2009, p. 179).

Assim, o termo “social” é associado a um novo objeto


científico, à “sociedade” que, não obstante, nasceria dos
próprios conflitos pós-industriais, notadamente em torno da
divisão do trabalho, tema, aliás, privilegiado por Émile Durkheim
(GIDDENS 1976, p. 723), mas que não se restringiria a ele, a
exemplo dos estudos sociais oitocentistas brasileiros. Como já
dissemos, a “questão social”, entendida como conflitos entre
capital e trabalho, era tema recorrente na cultura intelectual
brasileira da Primeira República e “combinava-se com a questão
nacional” (HARDMAN 2002, p. 55). José Veríssimo a considerava
a “herança” do século: “teve a economia política a utilidade
de manter desperta a atenção para o grande problema da
chamada questão social, cuja solução o século XIX lega a seus
sucessores” (VERÍSSIMO apud HARDMAN 2002, p. 332). Talvez
por isso, Gilberto Freyre, em seus esforços de consolidação da
sociologia como disciplina científica entre nós, tanto em seus
cursos na Universidade do Distrito Federal (UDF), quanto na
obra “Sociologia: uma introdução aos seus princípios” (1945),
reiterava a necessidade de se dissociar sociologia de socialismo
(MEUCCI 2006, p. 189).

351 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Pensamento Social Brasileiro em perspectiva

Freyre tratou da distinção entre “social e sociológico”,


explicando que “o social compreende todas as relações,
atividades e produtos que se referem à associação entre seres
humanos; ao passo que o sociológico diz respeito, tão somente,
aos processos de socialização” (MEUCCI 2006, p. 190).
Abordando o mesmo tema, mas de maneira distinta, Donald
Pierson, no mesmo ano, defendia, em “Teoria e Pesquisa em
Sociologia” (1945), que o objeto da sociologia seria o “grupo
social, sua origem, estabilidade e subsequente desintegração”
(PIERSON apud MEUCCI 2006, p. 190). Tal distinção de
perspectivas passará a representar posicionamentos de
instituições diferentes, em que Pierson se associava à Escola
de Sociologia e Política (1933) da Universidade de São Paulo,
criada com auxílio de missões estrangeiras (MASSI 1998), e
Freyre, que fundara o Instituto, posteriormente, Fundação
Joaquim Nabuco (1949). Autores uspianos, como Octavio Ianni
e Florestan Fernandes, fizeram duras restrições aos trabalhos
de Freyre. Ianni pôs a sociologia do pernambucano entre aspas,
considerando-a uma “concepção particularista” (MEUCCI
2006, p. 259), e Fernandes o acusava de cometer “virtuosismo
sociológico” e prolongar “discussões periféricas” (MEUCCI
2006, p. 276). Freyre respondia considerando, dentre outras
coisas, que “os cientistas que escrevem mal têm horror aos
que escrevem bem: tratam-nos de resto, considerando-os com
o mais soberano desprezo, ‘literatos’” (FREYRE apud MEUCCI
2006, p. 263) e lembrava seu reconhecimento no exterior,
especialmente na França, onde sua produção era qualificada
como uma antropologia ou sociologia existencial (MEUCCI
2006, p. 273). Interessa-nos nesse debate que tais críticas a
Freyre o classificavam em meio ao que se passou a nomear
“ensaísmo”, que seria uma manifestação “pré-científica” das
disciplinas das ciências sociais (MEUCCI 2006, p. 243).

Entramos, então, no processo de consolidação do ensino


superior e da pós-graduação do ensino e pesquisa em ciências
sociais no Brasil, com a criação da Universidade de São Paulo
-USP (1933); da UDF (1935-1939); do IBF (1949); da Fundação
Joaquim Nabuco (1949), do ISEB (1955-1964); da pós-

352 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Thiago Lenine Tito Tolentino

graduação em ciências sociais da Universidade Federal da Bahia


(UFBA – 1962); do Centro de Estudos Sociais da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (1963); da pós-graduação em
sociologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE –
1967); do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro
(IUPERJ-1969); do Centro de Pesquisa e Documentação de
História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas
(CPDOC-FGV, 1973); da pós-graduação em sociologia do
desenvolvimento da Universidade Federal do Ceará (UFC –
1976), dentre outros (BARREIRA; CÔRTES; LIMA 2018, p. 83-
85).

A criação da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-


Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS) teria papel decisivo
na consolidação do campo disciplinar:

Com a criação da ANPOCS, em 1977, e, em parte, estimulados


pela nova Associação, emergiram outros programas de pós-
graduação na área de sociologia: o Mestrado em Desenvolvimento
e Agricultura (CPDA), da Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro, inaugurado também no ano de 1977; o Mestrado em
Sociologia, com área de concentração em sociologia rural, em
Campina Grande, à época pertencente à Universidade Federal
da Paraíba (UFPB), fundado em 1977; o curso de mestrado
em ciências sociais da UFSC, implantado em 1978; o curso de
mestrado em sociologia da Universidade Federal da Paraíba,
criado em 1979, da Universidade Estadual Júlio Mesquita Filho
(UNESP), Araraquara, em 1980, e da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), em 1981; e o curso de mestrado em
ciências sociais da UFRJ, aberto em 1983. (BARREIRA; CÔRTES;
LIMA 2018, p. 85-86).

É a partir desse contexto de institucionalização das ciências


sociais no Brasil que deveremos abordar os movimentos
seguintes acerca do PSB.

353 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Pensamento Social Brasileiro em perspectiva

Pensamento Social Brasileiro sob controle: caminhos


e roteiros
No livro de W G dos Santos, “Roteiro do Pensamento
Político-Social Brasileiro (1870-1965)”, podemos notar o
empreendimento de se constituir uma história e uma tradição
das ciências sociais no Brasil. Retrospectivamente, toma-se a
obra do professor da USP, Fernando de Azevedo, “A Cultura
Brasileira – Introdução ao estudo da cultura no Brasil” (1943),
como marco primordial desse tipo publicação em seu duplo
sentido: tanto como produto de um pensador social brasileiro
vinculado à universidade, quanto uma história dessa mesma
área do saber. Azevedo, entretanto, se utilizou do conceito
“cultura”, e não PSB.

Três vertentes são enumeradas no “Roteiro” de W G dos


Santos: a institucional, a sociológica e a ideológica. A primeira
diria respeito à criação das instituições superiores dedicadas
às ciências sociais no país, faculdades, institutos, cursos de
pós-graduação etc. que formalmente inaugurariam a profissão
de cientista social nos anos 1930. Às instituições somam-se
os pressupostos epistemológicos referentes ao advento das
“técnicas modernas de investigação social – os estudos de
campo por amostragem, o questionário, a entrevista” (SANTOS
2002, p. 30). Essa vertente deve ser destacada, pois ela
delimita um corte hierárquico entre produções “pré-científicas”
e “científicas” na história da investigação social no país.

A segunda vertente, sociológica, remete à necessidade de


se analisar a estrutura social e econômica que condicionaria
a própria emergência das instituições de ciências sociais,
assim como as preocupações, as questões, os paradigmas, as
hipóteses e as variações nos conteúdos dos investigadores.
Consequentemente, seria possível, em última análise, “deduzir
os atributos ou dimensões do pensamento social dos atributos
e dimensões do processo social” (SANTOS 2002, p. 31). A
terceira vertente, ideológica, se desenvolveria na análise
dos textos associados ao PSB, de modo a caracterizar seus

354 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Thiago Lenine Tito Tolentino

conceitos, pressupostos metodológicos, perspectivas e sentido


geral (SANTOS 2002, p. 36). O autor termina por delimitar
marcos originários do PSB, ainda que seu trabalho recue para
além do período mencionado:

Entre 1930 e 1939 produzem-se no Brasil as mais argutas


análises sobre o processo político nacional, elaboram-se as
principais hipóteses sobre a formação e funcionamento do
sistema social, e articula-se o conjunto de questões que, em
verdade, permanecerão até hoje como o núcleo fundamental
embora não exaustivo de problemas a serem resolvidos teórica
e praticamente (SANTOS 2002, p. 44).

Apresentadas as três vertentes, não há uma definição


sobre o que seria o PSB. Porém, já podemos considerar que os
integrantes de tal tradição seriam autores que contribuíram com
as ciências sociais no Brasil ou a prefiguraram, constituindo-se em
cientistas e pré-cientistas que procuraram e procuram explicar
o país. Percebemos que o termo PSB passa a ser associado a
textos qualificados como de reflexão social, investigação social,
análise social e imaginação política e social, que parecem refletir
certa precariedade na conceituação. Inclusive porque o marco
institucional não garante a identidade do PSB, de modo que
o trabalho de Santos adota o recorte temporal entre os anos
1870 e 1965, mas não titubeia em considerar que os nomes aí
reunidos poderiam ir de José Bonifácio de Andrada a Fernando
Henrique Cardoso (SANTOS 2002, p. 15).

Em sua “Pequena Bibliografia Crítica do Pensamento Social


Brasileiro”, Ronaldo Aguiar segue os passos de Santos e se
diz influenciado pela obra de Otto Maia Carpeaux, “Pequena
bibliografia crítica da literatura brasileira”. Interessante
lembrar que a “literatura brasileira” foi expressão controversa
e submetida a polêmicas quanto a sua definição, e mesmo
existência, já no século XIX e, no século XX, conheceu
variadas posições críticas a seu respeito em autores como
Antônio Cândido, Afrânio Coutinho, Haroldo de Campos, Luiz
Costa Lima, Silviano Santiago e outros (SANTIAGO 2015).

355 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Pensamento Social Brasileiro em perspectiva

Quanto ao PSB, Aguiar, a fim de recompor os “autores mais


representativos das diferentes épocas dos estudos sociais e
políticos no Brasil”, não admite o marco antes e depois dos
anos 1930, considerando-o um “indesculpável reducionismo”
e elenca nomes que vão de Frei Vicente do Salvador até
Fernando Henrique Cardoso (AGUIAR 2000, p. 53) e avalia
que uma história do PSB está “ainda por ser escrita”
(AGUIAR 2000, p. 14)

No livro organizado por Lilia Schwarcz e André Botelho,


“Um enigma chamado Brasil – 29 intérpretes e um país”
(2009), são elencados nomes que vão do Visconde do
Uruguai até Roberto Schwarz e Fernando Henrique Cardoso.
Reconhecemos nas três obras, assim, o esforço de produção
de um cânone do chamado PSB com especial destaque à
consolidação de nomes vinculados à sociologia paulistana.
Ao mesmo tempo, nessa última obra, destaca-se a inserção
do termo “intérpretes” para qualificar tais autores canônicos.
Tal modificação é importante, uma vez que, como vimos, o PSB
foi vinculado à emergência das ciências sociais no país e que,
nessa condição, se distinguiriam de outras visões do Brasil
pelo seu caráter explicativo, científico e metodologicamente
controlado.

O PSB tem sido objeto de reflexões teóricas contundentes.


A própria obra de W. G. dos Santos já representava uma
crítica às perspectivas de Florestan Fernandes, com pitadas
de rivalidades entre Rio de Janeiro e São Paulo (RODRIGUES
2017). Em “Linhagens do pensamento político brasileiro”, Gildo
Marçal Brandão retoma a institucionalização das ciências sociais
no país, a diversificação das áreas de pesquisa e o intercâmbio
entre o chamado PSB e o “pensamento político brasileiro”,
ressaltando tratar-se de uma área de fronteira, entre a ciência
e a política (BRANDÃO 2005, p. 232). Brandão propõe uma
abordagem diferenciada da tradição do pensamento social
e político brasileiro, sem, no entanto, alterar o seu cânone,
procurando, antes, reconfigurá-lo a partir de “famílias
intelectuais” e “formas de pensamento” que o caracterizariam,

356 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Thiago Lenine Tito Tolentino

exemplificados a partir de conceitos como “idealismo orgânico”


e “idealismo constitucional” de Oliveira Vianna, “marxismo de
matriz comunista” e outros (BRANDÃO 2005, p. 236-237). Seu
foco, então, se voltaria aos “principais textos e conceitos que
materializariam tais formas de pensar” (BRANDÃO 2005, p. 237)
em autores como Tavares Bastos, Raymundo Faoro, Oliveira
Vianna, Visconde do Uruguai e Rui Barbosa, reforçando sua
imersão em um contexto histórico e linguístico, no que segue
os passos de Quentin Skinner, a fim de perceber continuidades
e rupturas em tais linhagens:

[...] reconhecer que a história das ideias, das ideologias e das


teorias políticas é, em grande parte, um vasto cemitério, de tal
maneira que a constituição de “famílias intelectuais” e formas de
pensar é mais um resultado do que um pressuposto – padrões que
se constituem ao longo de reiteradas tentativas, empreendidas
aos trancos e barrancos por sujeitos e grupos sociais distintos,
de responder aos dilemas postos pelo desenvolvimento social
(BRANDÃO 2005, p. 251).

Christian Lynch, em “Por que pensamento e não teoria? A


imaginação político-social brasileira e o fantasma da questão
periférica”, também trata da expansão do campo em instituições
como a ANPOCS, a Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS)
e a Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP). Lynch
aborda a atuação de W. G. dos Santos, que teria superado
tanto a tradição do “hegelianismo filosófico” do ISEB, quanto o
“positivismo científico” associado à sociologia uspiana (LYNCH
2013, p. 728). O autor destaca o “batismo” que Santos teria
realizado ao agregar o termo “político” ao pensamento social e
a definição estrita do campo que aí foi efetuada:

Ao excluir deliberadamente da pesquisa “as obras estritamente


históricas, antropológicas, psicológicas, econômicas,
metodológicas e escolásticas”, Wanderley organizou o campo de
estudos do pensamento político-social brasileiro no âmbito das
ciências sociais (LYNCH 2013, p. 728).

357 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Pensamento Social Brasileiro em perspectiva

A preocupação de Lynch gira em torno das categorias de


pensamento político-social brasileiro, pensamento brasileiro e
pensamento político brasileiro, perguntando-se sobre o porquê
de tais denominações e da ausência de uma teoria ou filosofia
política brasileira (LYNCH 2013, p. 730).

O autor argumenta que se trata de uma consciência periférica


que enxerga o universalismo das concepções elaboradas nos
“países centrais” como dignas dos nomes “teoria” e “filosofia”,
ao passo que, no contexto nacional, caberia a nomenclatura
de “pensamento”. Para comprovar tal tese, ele retoma textos
de Sérgio Buarque de Holanda, Alberto Torres, Florestan
Fernandes, Joaquim Nabuco, Oliveira Lima, Sílvio Romero,
Miguel Reale, Roberto Schwarz e outros. Tal situação, porém,
não seria um quadro estático, mas encontraria modificações,
tanto na valorização da tradição do “pensamento político-social
brasileiro”, quanto nas críticas ao eurocentrismo e insuficiências
dos modelos universalistas (LYNCH 2013, p. 732-775). Lynch 4 - Tal apreciação
conjectura possibilidades para o pensamento político periférico: é recorrente. Vide:
Menezes 1998; Vita
“será possível [...] sugerir um método alternativo de estudá- 1968; Faoro 1987;
lo, apto a suprimir a distinção qualitativa entre ‘teoria política’ Brandão 2005.

(‘universal’ – cêntrico – superior) e ‘pensamento político’ (‘local’


– periférico – inferior)” (LYNCH 2013, p. 760).

Em “Cartografia do pensamento político brasileiro: conceito,


história e abordagens” (2016), Lynch retorna ao tema, não para
solucionar a questão mencionada, mas para pontuar aspectos
do “pensamento político brasileiro”, como os sentidos a ele
atribuídos, sua variada caracterização e nomeação disciplinar
em diferentes instituições de ensino superior e seu caráter
“periférico” (LYNCH 2016, p. 75). Ele caracteriza o “estilo
periférico” do pensamento político brasileiro que guardaria:
menor grau de generalização e maior sentido prático4 das
reflexões políticas; maior centralidade da retórica, da oratória
e do argumento de autoridade; tendência dos autores a se
apresentarem como pioneiros da modernidade cêntrica; maior
diluição das posições extremadas; orientação acentuadamente
prospectiva da política; abundância de “projetos nacionais”

358 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Thiago Lenine Tito Tolentino

dependentes da aclimatação de modelos cêntricos


(LYNCH 2016, p. 84-86). Lynch elenca as perspectivas teóricas
dos trabalhos nos dias atuais (mannheimianos, lukacsianos e
gramscianos) em diferentes instituições brasileiras, daí o artigo
se configurar como uma “cartografia”. O autor ressalta a relação
com a história dos intelectuais e dos conceitos, mas lamenta
o “complexo de inferioridade” que persistira no campo, assim
como o seu “eurocentrismo” (LYNCH 2016, p. 113).

Conclusão: do PSB à cultura intelectual


Vimos, ao longo desse texto, como o pensamento
social foi mobilizado nas primeiras décadas do século XIX,
conformando-se, no século XX, como PSB segundo parâmetros
epistemológicos, institucionais, disciplinares e científicos,
inclusive com a adição do termo “brasileiro” e, depois, “político”
à sua denominação. Nesse processo, esvaziou-se o potencial
“explosivo” do termo “social” relacionando-o antes à sociologia
universitária, do que ao debate público mais amplo, ao mesmo
tempo em que se criou um “caminho” para os estudos acerca
da cultura brasileira, primeiramente com uma tradição de pré-
cientistas e cientistas sociais e, mais recentemente, a partir
dos “intérpretes” do país. O PSB consolidou uma espécie de
“controle do imaginário”, parafraseando a expressão de Luiz
Costa Lima, no campo das interpretações do país.

A adoção do termo “intérpretes” é sintoma do


reconhecimento de certa falência das explicações totalizantes
que tiveram voga no século XX (DOSSE 2004, p. 283-311).
A interpretação pretende menos explicar um objeto do que
compreendê-lo, retomando a oposição cara a Wilhelm Dilthey
acerca das distinções epistemológicas entre as ciências naturais
e as ciências humanas (REIS 2018). Trata-se, portanto, de uma
perspectiva menos rígida e mais aberta à hermenêutica do
que ao cálculo. Considerar o PSB como viés privilegiado para
a história das interpretações do Brasil é situar em segundo
plano toda produção literária, ficcional, artística, jornalística e
institucional no Brasil como incapaz de produzir tais sínteses.

359 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Pensamento Social Brasileiro em perspectiva

Afinal de contas, como mostramos ao longo deste texto, o PSB


não é a literatura, não são as artes plásticas, nem os teóricos
das cidades, os cronistas, chargistas, os propagandistas da
moda, publicitários etc., de modo que um considerável número
de agentes não pode ser enquadrado sob o termo.

Com o passar do tempo, o PSB parece se tornar uma


espécie de espelho temporal dos cientistas sociais que buscam
obras e constroem cânones que conferem identidade ao seu
métier de maneira genérica, num duplo sentido: tanto como
gênero de escrita segundo um modelo científico-racional de
explicação de uma realidade, quanto, num sentido mais geral,
abrigando produções que podem variar entre o ensaio, o artigo,
a crítica, a monografia, a tese acadêmica etc. não havendo
espaço, porém, para produções que escapem a tais formas
discursivas, como a literatura, a canção, as artes plásticas etc.
Por isso, um Frei Vicente de Salvador pode compor tal cânone e
uma figura como Machado de Assis, não. Não se trata de mera
seleção de nomes, mas da epistemologia que asseguraria a
determinados tipos de discurso um caráter explicativo científico
ou pré-científico que lhes afiançaria a entrada em tal tradição
privilegiada.

A adoção da ideia de “intérpretes”, porém, nos convida


a refletir acerca de tal lugar do PSB enquanto categoria de
organização do saber acerca do Brasil. Afinal, a intepretação
procura ser pertinente, sem pretender a univocidade, à
totalidade e à necessidade. Neste sentido, podemos considerar
sinteticamente:

A interpretação permite uma abertura, uma fissura entre o


objeto e o intérprete que jamais esgotaria a peça musical, esta
estaria sempre ali para novas interpretações. Uma interpretação
é uma leitura, uma possibilidade de entendimento, e há muito
vem sendo teorizada pelos debates historiográficos que, cada
vez mais, abandonam os rigores de uma história social de cunho
sociológico em função de uma história cultural aberta não só a
novos objetos, mas à verificação de seu caráter epistemológico
complexo, para não dizer frágil mesmo, não temendo, inclusive,
as suas relações com o mundo ficcional. Assim, a realidade

360 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Thiago Lenine Tito Tolentino

brasileira tornar-se-ia essa peça musical passível de diferentes


interpretações, podendo mesmo tornar-se, em alguns casos,
irreconhecível. Ora, acontece que interpretar o Brasil não é nem
nunca foi privilégio de nenhum segmento (TOLENTINO 2018,
p. 19-20).

No dossiê sobre PSB publicado na revista Lua Nova e


organizado por Schwarcz e Botelho, em 2011, encontraremos
algumas perspectivas conceituais acerca do tema. A publicação
reunia nomes como Renato Lessa, Elide Rugai Bastos, Sérgio
Miceli, Ricardo Benzaquen Araújo e Luiz Werneck Viana dentre
outros nomes que compunham o Grupo de Trabalho de PSB
da ANPOCS, criado em 1981. Aí encontramos a definição de
Sérgio Miceli:

A chamada área de pensamento social preservou esse título


histórico, que tem muito mais a ver com certa prática intelectual
de interpretar o país em chave macro, embora a maioria de
seus atuais praticantes decerto se encaixe melhor em alguma
das sociologias atuantes nesses universos de prática social:
sociologia dos intelectuais, história social da arte, sociologia
da literatura. Atraindo cientistas sociais de variada procedência
disciplinar – história, sociologia, antropologia etc. – as práticas
de investigação e de interpretação foram impelidas a dialogar
com vertentes diversas da teoria sociológica contemporânea,
desde Weber, Gramsci, Durkheim, passando por Raymond
Williams, Pierre Bourdieu, Erving Goffman, até as monografias
incontornáveis de Ringer, Christophe Charle, Stefan Collini, entre
outros (MICELI apud BOTELHO; SCHWARCZ 2011, p. 143).

Na definição sucinta, temos no PSB a ideia de um “título


histórico” vinculado a uma série de disciplinas sociais a ele
ligadas.

Assim, haveria pensadores sociais “históricos”, que


interpretariam o país em “chave macro”, e cientistas
sociais atuais que praticariam alguma das disciplinas
mencionadas. Restaria a dúvida sobre o que é “interpretar
o país em chave macro”. A epígrafe do livro “Enigma
chamado Brasil” traz a clássica sentença de Tom Jobim:

361 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Pensamento Social Brasileiro em perspectiva

“O Brasil não é para principiantes”. A obra de Jobim é uma


interpretação macro do Brasil? Seria ele um membro do PSB? Tais
questionamentos poderiam se desdobrar acerca dos inovadores
trabalhos de Esther Hamburger sobre PSB e teledramaturgia.
Ao abordar obras de Dias Gomes, Lauro César Muniz e Walter
Durst, a autora explora de maneira bastante contundente a
maneira como tais produções reúnem uma gama rica e variada
de elementos que, na realização audiovisual, mobilizam
temáticas da indústria cultural, denúncias sociais, reprodução
e crítica de estereótipos nacionais, narrativas em torno das
identidades brasileiras, relações complexas entre campos da
esquerda e da direita política no país, trânsitos entre gêneros
musicais e artísticos sintetizados em uma narrativa singular
(HAMBURGER 2011, p. 79-107). A questão, porém, retorna:
seriam tais tele-dramaturgos integrantes do PSB?

E na função de “espelho” dos pesquisadores que trabalham


no interior de tal campo disciplinar, a criação do PSB acaba
por ser apreciada como dotada de certo caráter demiúrgico
e totalizante. Assim, Jessé de Souza pode afirmar que Freyre
“procurou e conseguiu criar um sentimento de identidade
nacional brasileiro que permitisse algum ‘orgulho nacional’ como
fonte de solidariedade interna” (SOUZA 2017, p. 21). O grifo é
nosso. Note-se que se atribui a um sociólogo a capacidade de
“criar” uma comunidade imaginada, um sentimento nacional
compartilhado, que reconheceria em seu país um caráter único,
dentre todos outros países do mundo. Seria isso possível? Ainda
que se conferisse tal caráter inaugural à obra de Freyre, não
teria tal “imaginário nacional” de ser “traduzido” e, portanto,
apropriado e ressignificado por uma rede de instituições,
agentes culturais, intelectuais, professores, artistas,
publicitários, canções, produções impressas, audiovisuais
etc., além dos próprios “brasileiros”? Mesmo a apreciação
acadêmica dos escritos de Freyre era bastante controversa,
para dizer o mínimo, conforme aludimos anteriormente. Jessé
parece dar continuidade à sentença de Darcy Ribeiro, para
quem sem a obra “Casa Grande e Senzala nós brasileiros
não seríamos hoje o que somos” (CUBA 1980, p. 9).

362 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Thiago Lenine Tito Tolentino

Trata-se aí de uma “tradução” com fins publicitários, a frase


original de Darcy era mais modesta, feita para o prólogo da
edição venezuelana do livro: “Creo que podríamos prescindir
de cualquiera de nuestros ensayos y novelas, aún cuando fuese
lo mejor que hayamos escrito. Pero no pasaríamos sin CG y
S sin ser diferentes” (RIBEIRO 1985, p. X). Christian Lynch
afirma, por seu turno, que a “percepção periférica das elites
ibero-americanas se refletiu num sentimento de inferioridade
a respeito de seus produtos culturais” (LYNCH 2013, p.
739). Será que tal juízo poderia ser aplicado às apreciações
de Tom Jobim ou do recém-falecido Joao Gilberto acerca de
suas “produções culturais”, ou ainda do conjunto dos artistas,
chargistas, escritores e cineastas brasileiros? Tal “deslize”
que vai do PSB à produção cultural do país (e mesmo de um
continente inteiro) revela o grau de “controle do imaginário”
que tal perspectiva acabou imprimindo nas visadas acerca da
história cultural brasileira.

Por sua força no interior das ciências sociais, o campo do PSB


privilegiou certas explicações, hoje vistas como interpretações
do país, segundo um cânone de viés sociológico. Ao tratar dos
trabalhos de intelectuais humoristas na Primeira República,
Monica Velloso fazia alusão ao vigor de modelos explicativos
baseados na seriedade:

Um dos argumentos reincidentes nesse discurso é a vinculação


imediata e crua do humor com os fatos cotidianos. Daí as
categorias de superficial, ligeiro e menor que lhe são atribuídas.
É como se existisse um saber superior pairando sobre a realidade
acidentada do cotidiano, capaz de ordenar os fatos dando-lhes
lógica e sentido, e é em função dessa ideia que se opera a cisão
entre conhecimento e realidade. Delimita-se um repertório de
temas, fatos e procedimentos considerados científicos e sérios;
do outro lado ficam os temas estigmatizados como menores,
sem importância e, sobretudo, banais (VELLOSO 2015, p. 135).

Não há dúvida que o PSB, na constituição de seu cânone,


abraçou tal perspectiva de uma “ideologia da seriedade”. Em
prefácio à obra de Gilberto Vasconcelos, “A ideologia curupira –

363 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Pensamento Social Brasileiro em perspectiva

análise do discurso integralista”, Florestan Fernandes dizia não


concordar com a “moda” de se estudar o integralismo, nem
mesmo seria necessário preocupar-se em combatê-lo. Pois, “o
que nos coube, na ‘virada fascista’ da história recente, merece
mais a novela picaresca que a investigação sociológica séria”
(FERNANDES 1979, p. 11).

Poderíamos ratificar tais palavras hoje? Parece-nos mais


necessário não só estudar tais discursos e suas variações ao
longo do tempo, como, principalmente, apreciar trajetórias
como a do médico e humorista Madeira de Freitas (Mendes
Fradique) que se torna fascista nos anos 1920 e integralista na
década de 1930 (LUSTOSA 1993). Ele escrevera uma “História
do Brasil Pelo Método Confuso” (1920) que recebera seguidas
edições à época. Era, sem dúvida, um intérprete do Brasil, mas
seria um membro do PSB?

Tais questões nos convidam para uma reavaliação da história


intelectual no Brasil que precisaria, a nosso ver, para uma
maior compreensão dos processos de produção, circulação e
recepção dos bens simbólicos no país, expandir seus horizontes
teóricos, a fim de apreciar a dinâmica de construção de sentidos
e significados sobre as mais variadas questões na sociedade
brasileira e em distintos segmentos e classes sociais. O próprio
conceito de intelectual, raramente questionado pelos autores
do PSB, precisa ser interrogado, a fim de não reproduzirmos
ideias que antes carecem de reflexão, debate e argumentação,
do que de reiterações autoevidentes. O PSB não se ajusta à
maioria da produção dos intérpretes do Brasil, de modo que
sua manutenção parece nos fazer optar entre Roberto Schwarz
ou Machado de Assis.

Há algum tempo, abrimos mão de tal perspectiva, a


fim de teorizarmos acerca da emergência de uma “cultura
intelectual brasileira”, caracterizada antes por uma condição
da dinâmica da produção, circulação e recepção de materiais
simbólicos diversos no interior da sociedade brasileira, do que
por algum aspecto canônico, realista, científico, epistemológico
ou formalista. A cultura intelectual, que nomeamos ao longo

364 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Thiago Lenine Tito Tolentino

deste texto sem a definirmos, se associa, primordialmente,


ao desenvolvimento dos meios de comunicação, da circulação
de saberes por meios midiáticos (livros, jornais, revistas e
impressões em geral, audiovisuais, produção fonográfica,
radiofônica, televisiva, internet etc.), acionando agentes e
grupos dos mais diversos métiers e múltiplas instituições
profissionais, científicas, pedagógicas, artísticas e culturais que
se multiplicam a partir da modernidade.

Walter Benjamin sinalizou para tal processo na modernidade


a partir da caracterização da “informação jornalística” distinta
das maneiras tradicionais da narração. A impessoalidade da
primeira contrapõe-se à vivência das últimas, então em vias
de desaparecer (BENJAMIN 1975, p. 40). Acerca do mundo
contemporâneo, Jeffrey Barrash destaca a acentuação de
tal processo na configuração da memória coletiva, indicando
como a “reprodução em massa modificou a nossa maneira
de perceber as imagens” (BARRASH 2016, p. 19). Em seus
estudos sobre o nacional-socialismo, George L Mosse fala
de uma “conquista das sensibilidades” mediada por políticas
públicas que investiram pesado nos meios de comunicação
de massa (MOSSE 1994, p. 51). Assim, parece claro que a
proliferação dos diversos meios de comunicação de pequeno,
médio e grande porte, conjuntamente com outras instituições
e agências, cumprem papel essencial na configuração da
cultura. A própria dinâmica da circulação de edições, agentes,
impressos, traduções e comercialização das obras dos “países
cêntricos” e sua recepção no PSB faz parte de tal processo
geral de formação de cânones (CASANOVA 2008).

Se o conceito de “cultura”, apesar da profusão de


significações (CUCHE 1999), não provoca grandes reticências
acerca de seu uso, o mesmo não ocorre com o termo intelectual.
Falta-nos espaço para uma reflexão mais contundente. Porém,
podemos realizar alguns apontamentos teóricos. Destacamos,
a princípio, o caráter distinto de tal termo, quando mobilizado
em línguas diferentes, de modo que, enquanto a história
intelectual em língua inglesa tende a praticar uma história das

365 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Pensamento Social Brasileiro em perspectiva

ideias revista pelas filosofias e teorias da linguagem (SKINNER


2000; POCOCK 2001; CARVALHO 2000), a história intelectual
de língua latina e alemã, marcada pelos estudos de sociologia
intelectual, procura caracterizar a emergência de um agente
histórico específico, a constituição de um campo social, a análise
de trajetórias, redes, climas, grupos, mediações culturais,
instituições culturais e políticas, e também o trabalho com
ideias e representações em geral (MANNHEIM 1976; BOURDIEU
1996; MICELI 1977; ORY; SIRINELLI 2011; GRAMSCI 1982;
ALTAMIRANO 2005; GOMES, HANSEN 2016).

A pergunta sobre o intelectual hoje permite explorar as


variações de suas apreciações, assim como certo desconforto
que tal definição parece provocar. Se, por um lado, não é difícil
identificar uma tradição normativa que retoma o ethos do
agente engajado em causas coletivas e “universais”, tal qual
monumentalizada na ação de Émile Zola no affaire Dreyfus
(1898); por outro lado, o século XX assistiu às redefinições
do “papel” de tal agente, olhando com desconfiança sua
capacidade de “dizer a verdade ao poder”, como queriam os
“dreyfusards” (NOIRIEL 2010, p. 77). Conclama-se, antes, que
tais personagens intelectuais se voltem ao trabalho “específico”,
reconhecendo que eles são, “ao mesmo tempo, o objeto e o
instrumento na ordem do saber, da ‘verdade’, da ‘consciência’
do discurso” (FOUCAULT apud GOMES; MARGATO 2004, p. 9).
Tais considerações também já estariam em crise: “A figura do
intelectual especializado, como a encarnaram Michel Foucault
e Pierre Bourdieu, já se tornou caduca. Hoje é ainda mais
atomizada, especialistas que falam como especialistas e não
mais problematizam nada” (NOIRIEL 2010, p. 259). No Brasil,
a obra coletiva “O papel do intelectual hoje” (2004) retrata,
dentre outros aspectos, o ciclo de professores universitários
que, escrevendo para “próprios pares, não se cansam de
lamentar o pequeno número de leitores, a debilidade cultural
do contexto que os cerca” (FIGUEIREDO 2004, p. 147).

Assim, ao passo que nomes como Edward Said se veem


como agentes dotados de “independência intelectual”,

366 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Thiago Lenine Tito Tolentino

atuando como uma espécie de “amador”, evitando vincular-


se profissionalmente a qualquer instituição e engajando-se
nas causas que apoiam (SAID 2005, p. 91) – uma espécie
de intelectual liberal favorecido por seus próprios esforços;
a história intelectual compreende uma série de agentes,
escritores, artistas e profissionais cuja atuação pública, muitas
vezes, se restringe à publicação de suas obras. Além disso, tal
história abriga uma gama de figuras que, explicitamente, se
declaravam anti-intelectuais, como Maurice Barrès, Bertrand
Russel e Nelson Rodrigues, complexificando, ainda mais, a
definição do intelectual.

Quando falamos em “cultura intelectual” exploramos tais


imprecisões e indefinições. Ao relembrarmos o evento quase
mítico do “batismo do intelectual”5, podemos pontuar que Zola
5 - Sobre o termo in-
escrevera um protesto no jornal Aurore littéraire, artistique, tellectuel, Christophe
sociale contra os procedimentos adotados no julgamento do Charle nota sua utili-
zação já em 1830 por
capitão judeu Alfred Dreyfus. Tal “protesto” (“protesation”) Saint-Simon, porém,
chamava-se, originalmente, “Carta ao senhor Félix Faure com significado diver-
so; e, em 1879, por
presidente da República”. Porém, o editor do periódico, o Maupassant. A refe-
político e jornalista Georges Clemenceau, mudou o título, rência mais precisa,
por sua significação
criando o “J’accuse” que acabou tornando-se um “manifesto” numa acepção coleti-
e um marco da história intelectual (ORY; SIRINELLI 2011, va, seria em Léon Bloy
em 1886. (CHARLE
p. 7). O termo, ademais, ganhou publicidade na reação daqueles 1990, p. 56.)
que denunciavam tal ação, especialmente Maurice Barrès, que,
numa crítica publicada no Le Journal, periódico bem maior que
o Aurore, ao analisar aqueles que apoiavam Zola, viu “uma
maioria de simplórios, seguida por estrangeiros e, enfim, alguns
bons franceses” (BARRÈS apud ORY; SIRINELLI 2011, p. 8-9).
Assim, o “intelectual clássico” não dispensava a atuação em um
meio de divulgação amplo, associada a uma “jogada” midiática
editorial e a uma polêmica pública. É justamente a partir do
afastamento de determinados agentes da cena midiática,
como jornais, televisão e rádio, que se passa a falar em uma
destituição dos intelectuais (ZARKA 2010).

Na perspectiva da “cultura intelectual”, percebemos o


intelectual também como uma função em um “lugar” construído

367 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Pensamento Social Brasileiro em perspectiva

historicamente, ou seja, marcado por relações de poder,


interesses, estratégias e controle, e acionado por artistas,
escritores, políticos, leitores etc. nos meios de produção de
bens simbólicos diversos, a saber: livros, jornais, revistas,
televisão, rádio, audiovisual, internet, publicidade etc., assim
como associado a instituições, associações, partidos, coletivos
e grupos, e não apenas com a identificação de um ethos, o
pertencimento à determinada linhagem de pensamento ou
característica formal de sua produção. Podemos, assim, tanto
falar de uma ação intelectual de leitores que enviavam cartas
às seções de “a pedidos” dos jornais, questionando o fim do
ensino laico na Primeira República no Brasil (TOLENTINO 2016,
p. 585-586), quanto construir criticamente uma avaliação
sobre a atuação de intelectuais profissionais que, atualmente,
produzem materiais virtuais decisivos nas disputas eleitorais das
principais democracias do mundo, construindo interpretações,
avaliações, visões de mundo e juízos sintéticos em torno das
realidades nacionais. Ambas compõem a cultura intelectual que
é uma perspectiva para a abordagem dos processos culturais e
políticos do mundo moderno e contemporâneo.

REFERÊNCIAS

A REVOLUÇÃO burguesa no Brasil e o capitalismo


dependente. Diário de Pernambuco, Recife, 16 abr.
1978, p. 75.

AGUIAR, Ronaldo C. Pequena bibliografia crítica do


pensamento social brasileiro. São Paulo: Paralelo 15,
2000.

ALONSO, Angela. Ideias em movimento. São Paulo: Paz


e Terra, 2002.

ALTAMIRANO, Carlos. Para um programa de historia


intelectual. Buenos Aires: Siglo XXI, 2005.

368 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Thiago Lenine Tito Tolentino

ANDRADE, Oswald de. Manifesto da poesia pau-brasil.


Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 18 mar. 1924, p. 5.

ARDUINI, Guilherme R. De Júlio Maria à Ação Católica:


contribuições para a história do laicato católico brasileiro.
In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – ANPUH, XXVI,
2011, São Paulo. Anais... Disponível em: https://bit.
ly/2XvwC6t. Acesso em: 9 mar. 2019.

BARRASH, Jeffrey A. Virtual experience, collective memory,


and the configuration of the public sphere through the mass
media. The example of Ex-Yugoslavia. Configurações,
n.17, p. 11-29, 2016. Disponível em: https://journals.
openedition.org/configuracoes/3280. Acesso em: 31 out.
2019.

BARREIRA, Irlys; CÔRTES, Soraya; LIMA, Jacob C. A


sociologia fora do eixo: diversidades regionais e o campo
da pós-graduação no Brasil. Revista Brasileira de
Sociologia, v. 6, n. 13, p. 76-103, mai.-ago. 2018. Disponível
em: http://www.sbsociologia.com.br/rbsociologia/index.
php/rbs/article/view/377. Acesso em: 31 out. 2019.

BENJAMIN, Walter. A modernidade e os modernos. Rio


de Janeiro: Tempo Brasileiro: 1975.

BERRIEL, Carlos E O. Dimensões de Macunaíma: Filosofia,


gênero e época. 1987. 201 f. Dissertação (mestrado).
Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual
de Campinas. Campinas/SP.

BLUMENBERG, Hans. Teoria da não conceitualidade.


Belo Horizonte: UFMG, 2013.

BOMENY, Helena (org). Constelação Capanema. Rio de


Janeiro: FGV, 2001.

369 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Pensamento Social Brasileiro em perspectiva

BOTELHO, André; SCHWARCZ, Lilia M. Simpósio: cinco


questões sobre o pensamento social brasileiro. Lua
Nova, São Paulo, v. 82, p. 139-159, 2011. Disponível
em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0102-64452011000100007. Acesso em: 31
out. 2019.

BOTELHO, André; SCHWARCZ, Lilia M. Um enigma


chamado Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 2009.

BOURDIEU, Pierre. As regras da arte. São Paulo: Cia das


Letras, 1996.

BRANDÃO, Gildo M. Linhagens do pensamento político


brasileiro. DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de
Janeiro, v. 48, n. 2, p. 231-269, 2005. Disponível em: http://
www.scielo.br/pdf/dados/v48n2/a01v48n2.pdf. Acesso em:
31 out. 2019.

BUENO, Luís. Uma História do Romance de 30. São


Paulo: EdUSP; Campinas: Editora Unicamp, 2006.

BUNTENMULLER, Alberto; LYRA, Christina. As brasilianistas,


Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 11 abr. 1976, p. 86-88.

CARDOSO, Vicente L (Org). À Margem da História da


República. Recife: FUNDAJ, 1990.

CARVALHO, José M de. História intelectual o Brasil: a


retórica como chave e leitura. Topoi, Rio de Janeiro, n.. 1,
p. 123-152, jan.-dez. 2000.

CASANOVA, Pascale. La République mondiale des


Lettres. Paris: Éditions du Seuil, 2008.

CHACON, Vamireh. Da Escola de Recife ao Código Civil.


Artur Orlando e sua geração. Rio de Janeiro: Organização
Simões, 1969.

370 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Thiago Lenine Tito Tolentino

CHARLE, Christophe. Naissance des “intellectuels”.


1880-1900. Paris: Les Éditions de Minuit, 1990.

CHIARELLO, Natal. Pensadores brasileiros. O pioneiro,


Caxias do Sul, 10 set. 1949, p. 3.

COUTINHO, Carlos N. Luzes e sombras. Jornal do Brasil,


Rio de Janeiro, 18 fev. 1989, p. 47-48.

Cuba quer lançar edição de Casa-Grande e Senzala. Diário


de Pernambuco, Recife, 9 mar. 1980, p. 9.

CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais.


Bauru: EDUSC, 1999.

DECLARAÇÕES do chefe do movimento dissidente do


integralismo ao “Diário da Noite”. Diário de Pernambuco,
Recife, 16 abr. 1937, p. 3.

DOSSE, François. História e ciências sociais. Bauru:


EDUSC, 2004.

DUTRA, Eliana de F. A nação nos livros: a biblioteca ideal


na Coleção Brasiliana. In: DUTRA, Eliana de F; MOLLIER,
Jean-Yves (ORG). Política, Nação e Edição. São Paulo:
Annablume, 2006.

DUTRA, Eliana de F. Rebeldes e literário da República:


história e identidade nacional no Almanaque Brasileiro
Garnier (1903-1914). Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2005.

ELIAS, Norbert. Introdução à Sociologia. Lisboa:


Edições 70, 1999.

FAORO, Raymundo. Existe um pensamento político


brasileiro? Estudos Avançados, v. 1, n. 1, p. 9-58, 1987.

FERNANDES, Florestan. Prefácio. VASCONCELOS, Gilberto.


Ideologia curupira. São Paulo: Brasiliense, 1979.

371 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Pensamento Social Brasileiro em perspectiva

FIGUEIREDO, Vera L F. Exílios e diásporas. In: GOMES,


Renato Cordeiro; MARGATO, Izabel. O papel do intelectual
hoje. Belo Horizonte: UFMG, 2004. p. 133-148.

FRANZINI, Fábio. À Sombra das Palmeiras: a


Coleção Documentos Brasileiros e as transformações da
historiografia nacional (1936-1959). 2006. 220 f. Tese.
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Departamento
de História Social. Universidade de São Paulo, 2006.

FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. Recife:


Global, 2003.

FREYRE, Gilberto. Meu caro Faoro. Diário de Pernambuco,


22 jan. 1984, p. 11.

FREYRE, Gilberto. Ordem e progresso. Vol I. Rio de


Janeiro: José Olympio; Brasília: INL, 1974.

FREYRE, Gilberto. Ordem e progresso. Vol II. Rio de


Janeiro: José Olympio, 1962.

GIDDENS, Anthony. Classical Social Theory and the Origins


of Modern Sociology. American Journal of Sociology, v.
81, n. 4, p. 703-729, jan. 1976. Disponível em https://www.
jstor.org/stable/2777595?seq=1. Acesso em: 31 out. 2019.

GOMES, Ângela de Castro. A invenção do trabalhismo.


Rio de Janeiro: FGV, 2005.

GOMES, Ângela M de C; OLIVEIRA, Lúcia L; VELLOSO,


Mônica P. Estado Novo. Ideologia e Poder. Rio de Janeiro:
FGV, 1982.

GOMES, Angela de Castro; HANSEN, Patrícia Santos


(orgs.). Intelectuais mediadores. Práticas culturais e
ação política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.

GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da


cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982.

372 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Thiago Lenine Tito Tolentino

HAMBURGER, Esther. Telenovelas e interpretações do


Brasil. Lua Nova, São Paulo, v. 82, p. 87-107, 2011.
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ln/n82/a04n82.
pdf. Acesso em: 31 out. 2019.

HARDMAN, Francisco F. Nem pátria, nem patrão:


memória operária, cultura e literatura. São Paulo: Editora
UNESP, 2002.

KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado. Rio de Janeiro:


Ed PUC Rio, 2006.

LAPA, Ronaldo. Apodrece em Niterói a memória social do


país até 1950. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 17 nov.
1978, p. 15.

LEME, Dom Sebastião. Ação Católica. O Jornal – (Terceira


Seção), Rio de Janeiro, 20 nov. 1927, p. 11.

LIVROS Novos do Dia. A Manhã, Rio de Janeiro, 18 ago.


1944, p. 3.

LUCA, Tania Regina de. A Revista do Brasil: Um


diagnóstico para a (N)ação. São Paulo: Unesp, 1999.

LUSTOSA, Isabel. Brasil pelo método confuso: humor e


boemia em Mendes Fradique. Rio de Janeiro: Bertrand do
Brasil, 1993.

LYNCH, Christian E C, Cartografia do pensamento político


brasileiro: conceito, história, abordagens. Revista
Brasileira de Ciência Política, Brasília, n;19, p. 75-119,
jan. – abr. 2016. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/
rbcpol/n19/2178-4884-rbcpol-19-00075.pdf. Acesso em:
31 out. 2019.

373 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Pensamento Social Brasileiro em perspectiva

LYNCH, Christian E C, Por que Pensamento e não teoria?


A imaginação político-social brasileira e o fantasma da
condição periférica (1880-1970). DADOS – Revista de
Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 56, n. 4, p. 727-
767, 2013. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0011-52582013000400001.
Acesso em: 31 out. 2019.

MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. Rio de Janeiro:


Zahar, 1976.

MARIA, Júlio. A igreja e o povo. Gazeta de Notícias, Rio


de Janeiro, de abr. 1898, p. 1.

MASSI, Fernanda. Franceses e norte-americanos nas


ciências sociais brasileiras. 1930-1960. In: MICELI, Sérgio
(org.). História das ciências sociais no Brasil. Volume
1. São Paulo: Vértice: IDESP, 1998, p. 410-460.

MATA, Sérgio da. Tentativas de desmitologia: a revolução


conservadora em Raízes do Brasil. Revista Brasileira de
História, São Paulo, v. 36, n. 74, p. 63-87, 2016. Disponível
em: http://www.scielo.br/pdf/rbh/v36n73/1806-9347-rbh-
2016v36n73-005.pdf. Acesso em: 31 out. 2019.

MENEZES, Djacir de (Org). O Brasil no pensamento


brasileiro. Brasília: Senado Federal, 1998.

MEUCCI, Simone. Gilberto Freyre e a sociologia


no Brasil: da sistematização à constituição do campo
científico. Tese. Programa de Doutorado em Sociologia do
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade
Estadual de Campinas, Campinas, 2006, 319 f.

MICELI, Sérgio. Poder, sexo e letras na República


Velha. São Paulo: Perspectiva, 1977.

MOREL, Marco. As transformações dos espaços


públicos: imprensa, atores e sociabilidades na cidade
imperial. 1820-1840. São Paulo: Hucitec, 2005.

374 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Thiago Lenine Tito Tolentino

MOSSE, George L. Souvenir de la guerre dans l’identité


culturelle du national-socialisme, Vingtième siècle, no
14, janvier-mars, 1994, 51-59.

MOSSORÓ Livre. Libertador – Diário da Tarde – Órgão


da Sociedade Cearense Libertadora, Fortaleza, 22 out.
1883, p. 2.

NACIONALISMOS. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 9 e 10


jul. 1967, p. 6.

NAXARA, Maria R C. Estrangeiro em sua própria terra.


Representações do trabalhador nacional (1870-1920).
1991. Dissertação. Departamento de História do Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual
de Campinas, Campinas, 1991.

NOIRIEL, Gérard. Dire la vérité au pouvoir: les


intellectuels em question. Paris: Agone, 2010.

OBERG, Eduardo. Senhor de Engenho. Jornal do Brasil,


Rio de Janeiro, 6 fev. 1988, p. 51.

OLIVEIRA, Lúcia L. A Questão Nacional na Primeira


República. São Paulo: Brasiliense, 1990.

ORY, Pascal; SIRINELLI, Jean F. Les intellectuels en


France. Paris: Perrin, 2011.

POCOCK, John G A. Historia intellectual: un estado del


arte. Prismas – Revista de historia intelectual, no 5, 2001,
pp. 145-173.

PATRONI. O código das recompensas. Correio do


Imperador ou O direito de Propriedade, Rio de Janeiro,
25 jan. 1836b, p. 3-4.

PATRONI. Prospecto. Correio do Imperador ou o Direito


de propriedade, Rio de Janeiro, 15 nov. 1836a, p. 1-2.

375 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Pensamento Social Brasileiro em perspectiva

PAULA, Christiane J de; RODRIGUES, Cândido M.


Intelectuais e militância católica no Brasil. Cuiabá:
EdUFMT, 2012.

PEREIRA, Luísa R. O povo na história do Brasil.


Linguagem e historicidade no debate político (1750-1870).
Tese. Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2011.

REIS, José C. Dilthey e a autonomia das ciências


histórico-sociais. Londrina: EDUEL, 2018.

RIBEIRO, Darcy. Prólogo. In: FREYRE, Gilberto. Casa-


Grande y Senzala. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1985,
p. IX-XLI.

RIBEIRO, João. Notas avulsas, O spenglerismo. O Jornal,


Rio de Janeiro, 15 set. 1923, p. 1.

RIO, João do. O momento literário. Curitiba: Criar, 2006.

RODRIGUES, Anna M M. A Igreja na República. Brasília:


UNB, 1981.

RODRIGUES, Lidiane S, Rivalidades científicas e


metropolitanas: São Paulo e Rio de Janeiro, Sociologia e
Ciência Política. Urbana: urban affairs and public policy, v.
18, p. 71-95, 2017.

ROMANO, Roberto. Brasil: Igreja contra Estado (Crítica ao


populismo católico). São Paulo: Kairós, 1979.

SAID, Edward. Representações do intelectual. São


Paulo: Cia das Letras, 2005.

SANTIAGO, Silviano. A literatura brasileira precisa


superar o paradigma da formação e entrar no da
inserção. 2015. Disponível em: https://bit.ly/2xMgkMl.
Acesso em: 17 ago. 2019

376 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Thiago Lenine Tito Tolentino

SANTOS, Wanderley G. Roteiro bibliográfico do


pensamento político-social brasileiro 1870-1965.
Belo Horizonte: UFMG, 2002.

SHILD, Susana. Nelson por Nelson. Jornal do Brasil, Rio


de Janeiro, 22 jun. 1987, p. 37.

SKINNER, Quentin. Significado y comprensión en la historia


de las ideas. Prismas – revista de historia intelectual,
n. 4, p. 149-191, 2000.

SKOLAUDE, Mateus S. Raça e nação em disputa: Instituto


Luso-Brasileiro de Alta Cultura, 1ª Exposição Colonial
Portuguesa e o 1º Congresso Afro-Brasileiro (1934-1937).
2016. Tese. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2016.

SOCIOLOGIA aplicada. Diário de Pernambuco, Recife,


19 out. 1972, p. 32.

SODRÉ, Nelson W. História da imprensa no Brasil. Rio


de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.

SOUZA, Jessé. A elite do atraso. Da escravidão à lava


jato. Rio de Janeiro: Leya, 2017.

SOUSA, Octávio T de. Evaristo da Veiga. Rio de Janeiro:


Cia Editora Nacional, 1936.

SOUZA E SILVA, Antonio C de. Liberalismo à brasileiro.


Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 26 mai. 1979, p. 41.

TEIXEIRA, Luiz G S. O traço como texto. Rio de Janeiro:


Edições Casa de Rui Barbosa, 2001.

TOLENTINO, Thiago L T. Do ceticismo aos extremos:


cultura intelectual brasileira nos escritos de Tristão de
Athayde (1916-1928). 2016. Tese. Departamento de
História, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2016.

377 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Pensamento Social Brasileiro em perspectiva

TOLENTINO, Thiago L T. Pensamento Social Brasileiro


hoje: história e crítica. In: MARTINS, Maro Lara (Org).
Intelectuais, cultura e democracia. São Paulo: Perse,
2018. p. 11-40.

TURIN, Rodrigo. Tempos cruzados: escrita etnográfico


e tempo histórico no Brasil oitocentista. 2009. Tese de
doutorado. Programa de Pós-Graduação em história da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2009.

UMA CONFERÊNCIA de Agripino Grieco. Diário de


Notícias, Rio de Janeiro, 17 set. 1933, p. 8.

UMA CONFERÊNCIA do sr. Gilberto Amado sobre Nietzsche.


Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 15 dez. 1934, p. 11.

VELLOSO, Monica P. Modernismo no Rio de Janeiro.


Petrópolis: KBR, 2015.

VIEIRA, Amir. Brazil, where are you? Jornal do Brasil, Rio


de Janeiro, 11 jul. 1987, p. 51.

VITA, Luís Washington. Antologia do pensamento social


e político no Brasil. São Paulo: Editorial Grijalbo Ltda.,
1968.

ZARKA, Yves C. La destitution des intellectuels. Paris:


Presses Universitaires de France, 2010.

378 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
Thiago Lenine Tito Tolentino

AGRADECIMENTOS E INFORMAÇÕES

Thiago Lenine Tito Tolentino


thiago_lenine@yahoo.com.br
Universidade Federal de Uberlândia
Uberlândia
Minas Gerais
Brasil

Agradeço à CAPES pela bolsa de Pós-Doutorado (PNPD)


que financiou esse trabalho junto ao Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade Federal de Sergipe
(UFS).

RECEBIDO EM: 02/MAIO/2019 | APROVADO EM: 22/JUL./2019

379 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 338-379 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1483
HISTÓRIA DA Ouro Preto / MG - Brasil

HISTORIOGRAFIA

Método utópico, viagem científica: como descobrir


uma ciência utópica do social?

Utopian method, scientific journey: how to discover a utopian


science of the social?

Henrique Estrada Rodrigues


https://orcid.org/0000-0001-8611-0398

RESUMO

O artigo analisa a relação entre utopia e ciência, no


início do século XIX, à luz da historicidade da ciência ABSTRACT
social então nascente. Seu foco principal se dirige
aos primeiros escritos de Saint-Simon, Robert Owen This article analyzes the relationship between utopia

e Charles Fourier, que escreveram suas principais and science in the light of the historicity of nascent

obras nas três primeiras décadas do XIX. A hipótese social sciences in the early nineteenth century.

de leitura é a de que, com esses autores, é possível The focus of this study is directed to the first writings

apreender a singular instituição de uma ciência utópica of Saint-Simon, Robert Owen, and Charles Fourier, who

do social que articula pesquisa empírica e imaginação wrote his major works in the first three decades of the

dos possíveis. A conclusão a que se chega é que uma nineteenth. The main hypothesis of this article is that it

ciência utópica dos fatos sociais pode ser o nome is possible to understand, based on these authors, the

de uma lógica da descoberta científica que articula singular institution of a utopian social science, which

experimentação teórica à descoberta de novas rotas connects the empirical research and the imagination

para as configurações políticas. of possible ones. The conclusion is that the utopian
science of social facts may be the name of a logic of
scientific discovery, which articulates the theoretical
experimentation with the discovery of new routes to
political configurations.

PALAVRAS-CHAVE
Ciências sociais; Ciência; Utopia

KEYWORDS
Social sciences; Science; Utopia

380 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 380-409 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1484
Henrique Estrada Rodrigues

Não havia nenhuma felicidade


a esperar de todas as luzes adquiridas;
era preciso procurar o bem social
em alguma nova ciência,
e abrir novas rotas ao gênio político.
(Charles Fourier em 1808)

Uma ciência utópica do social?


A pergunta que circunscreve as balizas e os termos do
que este texto analisa é a seguinte: seria possível pensarmos
as condições de possibilidade de uma “ciência utópica” dos
fenômenos sociais? Essa pergunta não diz respeito a uma
ideia de ciência sobre as utopias, ou seja, de uma forma
de conhecimento que assuma a utopia como “objeto”.
Isso já está bem consolidado no interior de diferentes
modalidades de conhecimento que compreendem esse dado
à luz de sua historicidade. Desde meados do século XIX, essa
perspectiva ganha corpo, notadamente, em autores como
Marx e Engels, já no Manifesto Comunista [2010] de 1848;
Durkheim, em O socialismo [2016], compilação de cursos
ministrados entre 1895-96; ou com o menos conhecido
Pierre Leroux, cuja “Carta ao Doutor Deville” [2000], de
1858, expõe uma introdução à história do socialismo.
Malgrado diferentes ambições teóricas e metodológicas,
sobressai, nesses autores, uma fina interpretação sobre as
interlocuções entre ciência e utopia na aurora do socialismo
e das ciências sociais, notadamente em autores como Charles
Fourier (1772-1837), Robert Owen (1771-1858) ou
Saint-Simon (1760-1825), que escreveram o principal
de suas obras nas três primeiras décadas do século XIX.
Essa perspectiva historicista, embora com diferentes
modulações, ainda reverbera nas ciências humanas.
Que se recorde, a título de exemplo, abordagens diferenciadas
como a sociologia histórica dos tipos-ideias em Ideologia e
Utopia (1986), de Mannheim, o capítulo sobre a “utopia” na
história dos conceitos de Koselleck, publicado no Brasil em

381 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 380-409 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1484
Método utópico, viagem científica

Estratos do tempo (2014) ou o capítulo de Hobsbawm (1980)


sobre a utopia pré-marxiana na história do marxismo por ele
projetada.

Este texto também se movimenta no campo da historicidade


dos conceitos de ciência e utopia, embora module sua questão
a partir de um ponto de vista bem específico: quando se diz,
aqui, uma ciência utópica dos fenômenos sociais – e quando se
evocam, tenuamente, ecos kantianos sobre suas “condições de
possibilidade”, pretende-se abordar a utopia não como objeto
de conhecimento de diferentes modalidades historiográficas
ou sociológicas, mas como forma de inteligibilidade do mundo
passível de se reconciliar com uma modalidade de conhecimento
fundado sobre a verificação experimental. Em outros termos,
pode-se refazer a pergunta inicial do texto desta maneira: a
análise positiva ou científica de fatos sociais e a antecipação
imaginativa ou utópica daquilo que ainda não foi objeto de
cognição seriam inconciliáveis? Uma razão teoricamente
orientada e uma imaginação utopicamente constituída seriam
faculdades excludentes? O que significaria, nessa segunda
década do século XXI, repensar a historicidade de uma intenção
para o utópico no seio do próprio conhecimento científico? O que
significa pensar as condições de possibilidade de uma ciência
que conheceria coisas para as quais não existiriam experiências
ou dados empíricos adequados? Poderia ser chamada de ciência
essa singular forma de conhecimento?

Talvez essas questões soem um pouco absurdas num


contexto em que as utopias parecem rebaixadas em suas
pretensões imaginativas sobre outros mundos possíveis; em
que o conhecimento científico ainda preserva seu veto às
pretensões de uma imaginação não subsumida às categorias
do entendimento, veto que relega a faculdade de pensar por
imagens e de configurar sentidos para além de verificações
empíricas ao campo da filosofia, da ficção ou a recurso
instrumental, às vezes apenas ornamental, na configuração
de narrativas científicas. Ciência e utopia dizem respeito, de
fato, a uma dicotomia aparentemente irreconciliável enquanto

382 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 380-409 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1484
Henrique Estrada Rodrigues

modalidades de conhecimento ou de interpretação do mundo.


E, não poucas vezes, quando se buscou problematizar essa
dicotomia, a tentativa nem sempre foi bem recebida.

O filósofo Martin Buber (2005), por exemplo, ousou propor


isso, em 1928, num simpósio de delegados socialistas animados
pela versão ortodoxa do materialismo histórico, que havia
qualificado a utopia como quimera pré-científica, socialistas
científicos irmanados, curiosamente, com a ortodoxia positivista
de Comte e de seus discípulos, cujo ideário também havia
proscrito as utopias como forma possível de pensamento e de
conhecimento da realidade. Disse Buber (2005, p. 16-17) nesse
encontro: “Não se deve rotular de utópico aquilo em que ainda
não pusemos nossa força à prova”. Continua o autor: “Isso não
me impediu de ser alvo de uma observação crítica por parte
do presidente [do simpósio] que, simplesmente, classificou-
me entre os utopistas, encerrando, com isso, o assunto”. Não
foi a primeira vez, nem seria a última, em que chamar alguém
de utopista seria apenas uma maneira polida de encerrar o
assunto.

Para não encerrar o assunto sobre essa questão, este


texto propõe, então, abordar esse problema por um caminho
específico. Trata-se de examinar o momento histórico em que
o encontro entre imaginação utópica e conhecimento científico
foi não apenas pensado como exercitado com pleno vigor,
em que não apenas uma ciência social nascente se revestiu
de intenções utópicas, como também ambições científicas se
revestiram com a imaginação de outros mundos possíveis.
Mas, se esse exame poderia nos levar longe na história – afinal
utopia e ciência têm importância decisiva desde, ao menos,
a Nova Atlântida de Francis Bacon, este texto dará um salto
no tempo, para quase 300 anos depois da publicação dessa
obra específica. Como sugerido anteriormente, foi no início do
século XIX que um singular encontro entre uma nova ciência
positiva dos fenômenos sociais e a imaginação utópica de uma
alteridade radical foi pensado e, de certo modo, realizado por
autores como Saint-Simon, Charles Fourier e Robert Owen.

383 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 380-409 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1484
Método utópico, viagem científica

Esses três autores publicaram suas primeiras obras


realmente importantes num curto espaço de 11 anos: em
1802, sai a Carta de Genebra de Saint-Simon; em 1808, Fourier
publica o livro Teoria dos quatro movimentos; em 1814, Owen
finaliza o opúsculo Nova visão da sociedade, publicado dois
anos depois.1 Essas obras constituem o centro de análise deste
texto. Com elas, talvez seja possível apreender não apenas as
razões de uma veia utópica na ciência social nascente como
também o viés imaginativamente científico de novas utopias
sociais. Quando pouco, uma abordagem atenta à historicidade
tanto das ciências sociais nascentes como das utopias permite
que se perceba, nos próprios critérios de cientificidade do início
do XIX, intencionalidades utópicas.

Seria essa, porém, uma história de coisas mortas? Ou


ainda é possível, com esses autores, reabrir a questão sobre 1 - Optou-se, neste
texto, em citar os tí-
as condições de possibilidade de uma ciência imaginativa dos tulos das obras em
fenômenos sociais? Faria sentido, ainda hoje, articular projeto português, mesmo
quando consultadas
de conhecimento com um excedente utópico? Se essas questões apenas em francês ou
soam um pouco anacrônicas, talvez se possa minimizar esse inglês, com o intuito
de facilitar a inteligi-
sentimento à luz de outras, retomadas, ainda que em novo bilidade, sem sobre-
contexto, do verbete “ciência”, escrito por Antoine Picon (2002, carregar o texto com
informação, o título
p. 207) para o Dicionário das utopias. Afinal, realmente faria original, que consta
sentido, lembra Picon, separar a ciência moderna do campo da na bibliografia.
ação transformadora? Transformar a vida e a sociedade não
está na base das modernas ciências exatas e naturais, que
de diferentes modos pretendem contribuir para o progresso
da sociedade? E esse princípio ativo também não percorre
ciências humanas como a economia, a geografia, a sociologia
e, por que não, a própria história? Diante dessas questões,
seria assim tão anacrônico perguntar, ainda hoje, pela veia
utópica de enunciados científicos?

Este texto retoma essas questões, não para respondê-las


de maneira inequívoca, nem mesmo como pano de fundo para
uma pretensiosa rearticulação normativa entre ciência social e
imaginário utópico. Porém, mesmo concentrado naquele início
do XIX, quando uma particular articulação entre ciência e

384 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 380-409 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1484
Henrique Estrada Rodrigues

utopia se desenhou nas obras de Saint-Simon, Owen e Fourier,


não se quer, aqui, fazer apenas uma história de coisas mortas.
Se o espírito que anima este texto é o de compreender, na
aurora das ciências sociais, as motivações e pressupostos de
um viés utópico em enunciados científicos, é porque sua não
compreensão pôde deixar a ciência social nascente prisioneira de
enunciados ou tecnologias sociais verdadeiramente distópicos.
Esse dilema esteve presente em autores como Saint-Simon,
Owen e Fourier, mas estaria circunscrito, apenas, àquele início
do XIX?

Socialismo, utopias e ciência


Saint-Simon, Owen e Fourier são clássicos de um curioso
cânone, constituído, notadamente, a partir do forte impacto
e difusão que o Manifesto Comunista teve desde 1848.
Mais conhecidos do que propriamente lidos, tudo se passa
como se o Manifesto e, mais tarde, o opúsculo de Engels
Do socialismo utópico ao socialismo científico (1ª edição de
1880) configurassem, para tal cânone, um resumo adequado
que tornasse prescindível a leitura dos originais. De resto,
ao menos dois eixos interpretativos, presentes nesses dois
textos, passaram a definir boa parte da recepção daqueles três
clássicos do início do XIX, e não necessariamente no interior da
literatura marxiana.

O primeiro eixo reconhece Saint-Simon, Owen e Fourier


como “predecessores”. Autores revolucionários, segundo a
descrição de Marx e Engels (2010, p. 67), suas obras não
teriam rompido as condicionantes que a própria época lhes
impunha. Embora inovassem na percepção e interpretação
de uma nova força histórica com perspectiva universal – a
indústria moderna e sua capacidade de transformar vínculos
societários e formas de vida tradicionais –, um industrialismo
ainda incipiente e conflitos de classe ainda não inteiramente
constituídos limitaram a identificação e a compreensão de
outra força histórica universal: o proletariado moderno como
nova força revolucionária, como ator para a instauração de

385 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 380-409 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1484
Método utópico, viagem científica

um novo Estado ou de uma nova sociedade. Suas teorias,


enraizadas nos fatos políticos e econômicos da época, ainda se
ligavam a ideias pré-existentes, notadamente ao materialismo
dos enciclopedistas franceses em seus ensejos de justificar o
“império da razão”. Nesse sentido, faltava apenas que homens
novos revelassem o caminho a seguir, e esses homens, resume
Engels (1981, p. 63) no opúsculo de 1880, “surgiram nos
primeiros anos do século XIX.”

Suas práticas e teorias, continua o autor, embora


predecessoras do socialismo, ainda refletiam o estado incipiente
da produção capitalista, ou seja, eram incapazes de apreender
conflitos entre as classes geradas pela própria indústria moderna,
entre a nova força produtiva e as novas relações sociais de
produção. Se os três autores eram dotados de intuições geniais
– por exemplo, a intuição de um novo conceito de classe social
por Saint-Simon, que repensa vínculos societários não pelo
conceito tradicional de ordens hierárquicas, mas pelo papel
que os indivíduos cumprem na esteira da produção industrial –,
enfim, embora dotados de “germes geniais de ideias” (ENGELS
1981, p. 65), buscavam implementá-las pela propaganda e
pelo exemplo, como na experiência cooperativa de Owen na
indústria têxtil de New Lanark, cuja direção assumiu em 1800.
Por isso, “esses sistemas sociais nasciam condenados a mover-
se no reino das utopias; quanto mais detalhados e minuciosos
fossem, mais tinham que degenerar-se em puras fantasias”
(ENGELS 1981, p. 65).

Enquanto o primeiro eixo de interpretação dos três autores


diz respeito, pois, ao reconhecimento de “predecessores” (do
socialismo, mas também se pode acrescentar: da própria
ciência sociológica, especialmente Saint-Simon, segundo
Durkheim em Do socialismo), o segundo eixo, em boa medida
complementar, diz respeito à inclusão desse cânone nos quadros
dos utopistas (como também ocorre no livro de Durkheim). O
mais importante desse segundo eixo, porém, é que a inclusão
dos três autores na tradição utópica e a crítica daí decorrente
são feitas no opúsculo de Engels do ponto de vista da elaboração

386 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 380-409 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1484
Henrique Estrada Rodrigues

do materialismo histórico e do próprio socialismo como ciência


(também Durkheim os analisará, com destaque para Saint-
Simon, do ponto de vista da cientificidade da sociologia): “a
concepção materialista da história e a revelação do segredo da
produção capitalista através da mais-valia – nós as devemos a
Karl Marx. Graças a elas, o materialismo converte-se em uma
ciência, que só nos resta desenvolver em todos os seus detalhes
e concatenações” (ENGELS 1981, p. 94). Conhecer as leis da
produção moderna e da sociedade de classes para controlar e
intervir em seu curso, assim como o cientista natural conhece
as leis da natureza para controlar e refazer seus processos, tal
é o propósito de Engels nesse final do XIX. Qualificar uma obra
de utópica é sua estratégia para retirá-la do campo científico.
É uma irredutível diferença entre utopia e ciência que estava
sendo, pois, constituída.

Um excesso humanamente utópico


Se o opúsculo de Engels é testemunho inequívoco da
constituição de uma diferença entre ciência e utopia, e é esse o
ponto de vista que orienta seu recurso neste texto, a operação
que separa esses campos a partir da crítica aos “predecessores”
não foi algo isolado no processo de constituição das ciências
humanas ou sociais ao longo do XIX (como testemunha a obra
durkheimiana). Mais ainda, essa operação, na segunda metade
do XIX, em boa medida refez polêmicas ocorridas no interior
mesmo dos “socialistas utópicos”. Pierre Mercklé (2001, p. 142-
168), em sua tese de doutorado intitulada Socialismo, utopia
ou ciência?, chama atenção para um opúsculo de Charles
Fourier (de 1831) no qual ele próprio critica Saint-Simon e
Owen como utopistas, ou seja, como incapazes de pensarem
um novo sistema social adequado à natureza do homem. Antes
de percorrer o argumento e a conceituação de Fourier, interessa
perceber, de início, que sua inclusão no cânone dos utopistas
por autores como Engels ou Durkheim foi feita à sua revelia,
uma vez que ele próprio também opera uma nítida dicotomia
entre utopia e ciência com o intuito de justificar sua obra no

387 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 380-409 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1484
Método utópico, viagem científica

interior de uma nova ciência da sociedade. Como visto antes


no episódio relativo ao filósofo Martin Buber, num contexto de
disputas sobre os critérios mais legítimos de cientificidade,
utopista é sempre o outro.

O título do texto de Fourier não faz concessões: “Armadilhas


e charlatanismo de suas seitas: Saint-Simon e Owen, que
prometem a associação e o progresso”. A epígrafe, retirada
dos Evangelhos, talvez faça justiça a Engels quando reconhece
em Fourier um dos grandes ironistas do XIX: “são cegos
que conduzem cegos” (1831, p. 06). E o primeiro parágrafo
já enuncia o tom de imprecação que se repetirá ao longo do
texto: “O espírito da associação, o progresso da associação!!!
tal é hoje em dia o refrão de todos os sofistas. (...) Com o que
se ocupa o mundo dos sábios, se ele negligencia toda pesquisa
sobre a mais importante das ciências?” (FOURIER 1831,
p. 07). Carentes dos protocolos de uma ciência experimental,
ambos não saberiam fazer uma associação. Prova disso seriam
tanto o fracasso da experimentação prática de Owen, entre
1824-29, nos Estados Unidos (a colônia de New Harmony, em
Indiana, que pretendeu constituir como exemplo associativo),
como o charlatanismo profético de Saint-Simon, a começar
pela Carta de um habitante de Genebra, investida por um tom
de revelação (“na noite anterior eu ouvi estas palavras...”)
carente de demonstração. Dotada de um saber sobre como
as coisas são feitas, a ciência deve se distinguir das “utopias
filantrópicas” (FOURIER 1831, p. 14), mais próximas de seitas
destituídas de saber objetivo e dos meios de execução para
associar os homens.

Qual um novo Colombo (FOURIER 1831, p. 14), Fourier


pretende se emancipar das cadeias da tradição e engajar seus
leitores em rotas diferentes e desconhecidas, ou seja, no rumo
de uma ciência ainda inexplorada: uma ciência social como
verdadeira arte da associação para um novo mundo, o qual
consolidava a moderna indústria como força histórica nova e
universal. Entretanto, não deixa de ser sugestivo que sua crítica
às utopias mobilize um personagem – Colombo – que, desde a

388 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 380-409 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1484
Henrique Estrada Rodrigues

obra fundadora de Thomas More, constitui um topos clássico,


como imagem pletora de sentidos do imaginário utópico: o da
viagem rumo a um novo mundo. Ou talvez a sugestão desse
topos tenha vindo da obra Astronomia nova (de 1609), de
Johannes Kepler, um dos autores mais admirados por Fourier.
Na aurora de uma nova interpretação do movimento celeste
segundo parâmetros mecanicistas, Kepler pede desculpas a seu
leitor por seguir o mesmo exemplo de Colombo ou de outros
navegantes portugueses, pois perder-se de rumos conhecidos
seria condição – Kepler fala: “método” – de novas descobertas
(KEPLER apud ROSSI 2001, p. 27).

Algo sinuoso parece estar presente nesses jogos de


identificação em meio à descoberta de novos rumos para o
conhecimento e de disputas sobre afirmações concorrentes de
cientificidade, disputas que, como visto com Engels e apenas
sugestivamente com Durkheim, se estenderiam pela segunda
metade do XIX para determinar a inclusão deste ou daquele no
campo das utopias – logo, sua exclusão do campo científico.
Nesse sentido, talvez se possa seguir os caminhos daquele
diagnóstico de Engels, bem como o do próprio Fourier sobre
Saint-Simon e Owen, como certeiros, embora desfazendo os
propósitos primeiros de ambos. Se critérios de cientificidade
têm sua própria história, a ideia de Engels de que utopistas
como Fourier, Saint-Simon e Owen, ou apenas os dois últimos
para Fourier, constituiriam, na melhor das hipóteses, a infância
do pensamento científico, deve ser abordada não como
diagnóstico inequívoco sobre as delimitações entre o que pode
ser conhecido e o que pode ser apenas imaginado, mas como
testemunhos de um campo agonístico sobre as correlações
entre ciência e de utopia (MERCKLÉ 2001, p. 168).

De resto, pode-se indagar: a leitura a contrapelo dos


pressupostos teleológicos desse campo de disputas não
permitiria reconhecer a presença de um excedente utópico
em enunciados científicos ou, quando pouco, nos próprios
enunciados de fundação sobre um novo continente para as
ciências? É como se a crítica de Fourier a Saint-Simon e Owen,

389 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 380-409 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1484
Método utópico, viagem científica

e mesmo a de Engels aos três, fosse, ela própria, investida da


força de enunciação de um novo continente para o conhecimento
moderno que, porém, não apaga a presença desse excedente
como sua própria condição de possibilidade. Assim, mais do que
separar inequivocamente os campos da ciência e da utopia, a
leitura daquele opúsculo de 1831 não permitiria perceber uma
tessitura utópica percorrendo a ciência social nascente? E o que
ainda poderia ser encontrado se, antes de se ler esse tecido
apenas como a infância do verdadeiro pensamento científico,
reconhecêssemos uma forma de saber sobre os fatos sociais
que, elaborada sobre as experiências das revoluções francesa
e industrial, mereceria o nome de ciência “se” (e não “apesar
de”) dotada de um excesso humanamente utópico?

Conhecer e imaginar novos elos sociais


Transformar a natureza e mudar o homem, enquanto
ambições presentes no exercício das modernas ciências
experimentais, permitiram articular uma intenção para o utópico
no ato de fundação de um novo saber sobre os fenômenos sociais.
No início do XIX, a ciência social nascente trouxe aspirações
potencialmente distópicas em seus sonhos de reorganizar a
vida societária. Porém, a descoberta da sociedade, vale dizer,
de elos sociais cuja potência seria capaz de submeter a própria
economia e o Estado também fora fundamento, como lembra
Polanyi (1980, capítulos 9-10) em A grande transformação, de
um ideal de cientificidade receptivo à imaginação de modos de
ser e existir para os quais as categorias da tradição não seriam
mais adequadas. Saídos das revoluções francesa e industrial,
Saint-Simon, Owen e Fourier rejeitam uma sociedade de tipo
tradicional (uma concepção orgânica e hierárquica de ordens)
e passam a investigar o que poderia constituir uma nova arte
da associação humana para além da imutabilidade da divisão
entre dominantes e dominados (ABENSOUR 2000, p. 14).
Esses autores diriam: trata-se agora de investigar as leis da
atração passional entre os homens como fundamento das
potências da sociedade, leis analogicamente semelhantes às

390 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 380-409 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1484
Henrique Estrada Rodrigues

da atração gravitacional da astronomia moderna, que jogou por


terra a concepção de corpos em movimento segundo lugares
naturalmente hierárquicos – por exemplo: entre corpos nobres
ou celestes, mais próximos de Deus, e corpos baixos e terrenos,
afastados da perfeição divina (ROSSI 2001, p. 248).

Em outros termos, Saint-Simon, Owen e Fourier operam


com um princípio analógico entre mundo natural e mundo
moral, uma verdadeira ciência das analogias, que apenas uma
leitura anacrônica e teleológica sobre a ciência, alheia a sua
compreensão como fenômeno social dotado de historicidade,
conforme lembra Pierre Mercklé (2001, p. 168), descartaria
como critério de cientificidade próprio à primeira metade do
século XIX e condição de possibilidade para um novo saber
sobre a sociedade. O princípio analógico fora uma técnica de
racionalização do pensamento, “uma maneira de dizer que
o mundo social é inteligível tanto quanto, porque da mesma
maneira, o mundo físico” (MERCKLÉ 2001, p. 236). De
resto, essa técnica pertencera à própria aurora da moderna
revolução científica, lembra Paolo Rossi (2001), quando analisa
a “filosofia mecânica” em O nascimento da ciência moderna
na Europa. Mesmo Newton recorrera a metáforas e analogias
para compreender fenômenos ainda não observáveis, como o
calor, o magnetismo etc., à luz dos fenômenos observáveis,
como a astronomia planetária e a mecânica terrestre. Passar
do observável ao não observável: “é tarefa da imaginação
conceber esse segundo dado como semelhante de alguma
forma ao primeiro. A ciência obriga os homens a imaginar”
(ROSSI 2001, p. 241).

Conhecer e imaginar as potencialidades humanas para


uma vida melhor: não é isso que estaria em jogo naquele
início do XIX, quando todos os dados, todas as possibilidades
sobre um “novo mundo científico” em gestação ainda estavam
sendo lançados, ou seja, em que as configurações daquilo que,
mais tarde, iria se consolidar em diferentes modalidades de
ciências altamente especializadas - as humanas ou sociais,
como a sociologia, a história, a antropologia, a economia

391 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 380-409 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1484
Método utópico, viagem científica

política etc. e as novas ciências naturais como a biologia, a


geologia histórica etc., ainda eram potencialidades abertas,
caminhos que se multiplicavam nas mais diferentes formas de
experimentações e interlocuções? Os autores aqui nomeados
estão justamente nessa encruzilhada, quando adentram pela
atividade científica num mundo em plena ebulição, ou seja,
sob o impacto de uma revolução francesa, que ainda não
encerrara todas as suas consequências, e sob a ebulição de uma
sociedade industrial nascente, que revirava as configurações
econômicas e sociais da Europa. Formulada em meio às
tensões de um nascente sistema industrial, de reconfigurações
políticas e econômicas que inventavam novas formas de
exploração ou servidão ao mesmo tempo em que descobriam
novas energias produtivas e emancipatórias, a ciência utópica
de Saint-Simon, Fourier e Owen, a despeito de diferenças
específicas, pretendia emular essa realidade. Eles não queriam
outra coisa para a nova ciência em gestação que não fosse
catalisar essa força transformadora para reordenar todas
as formas do conhecimento humano, intervir na realidade e
construir um mundo melhor.

Walter Benjamin (1989), no livro das Passagens, se


interessou pelos aspectos e personagens excêntricos do XIX
francês. Ele bem percebera o que estava em jogo, quando nota
o aspecto utópico dessa ciência dos fenômenos sociais, que,
então, buscava fundar seus pressupostos sobre esse mundo em
ebulição. O desenraizamento seria constitutivo da experiência
de vida da primeira geração dos novos trabalhadores fabris
e dos indivíduos que fizeram a prova da revolução francesa
e de suas consequências. Cortados da tradição histórica,
de modos ancestrais de reprodução da vida e de ordenação
política ou comunitária, essa geração seria formada por amplo
contingente de pessoas receptivas a novas concepções de
mundo, caracterizado por um “Estado novo, uma economia
nova, uma moral nova”, que correspondesse à novidade da
situação em que se encontravam (MICHELS apud BENJAMIN
1989, p. 641; W 4A, 2).

392 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 380-409 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1484
Henrique Estrada Rodrigues

Saint-Simon, Fourier e Owen, é certo, foram críticos


dos destinos tanto da revolução francesa, notadamente do
jacobinismo, que outorgara ao Estado a tarefa de organizar a
vida em comum, como da nova era industrial, que multiplicava
a pobreza na mesma medida em que novas forças produtivas
revolucionavam o mundo da produção. Porém, também
reconheceram na energia passional de homens receptivos
ao novo uma capacidade inédita de constituir elos sociais
que pudessem sujeitar, a potencialidades emancipatórias,
o despotismo político e a miséria econômica. Os utopistas,
especialmente Charles Fourier, como lembrava Walter Benjamin,
seriam verdadeiros dialéticos, críticos das revoluções modernas
não para negá-las, mas para realizar suas virtualidades: a
emancipação da servidão política e da miséria econômica.

Era, pois, à edificação de uma nova ciência da sociedade,


fundada na descoberta de elos sociais afeitos à energia
passional dos homens, que os três autores teriam depositado
suas energias teórica e prática. Talvez por isso Benjamin (1989,
p. 647; W 8, 1) abordasse um autor como Fourier, mas talvez
se possa dizer o mesmo de Saint-Simon e Owen, nos quadros
do “materialismo antropológico”. Afeitos ao mecanicismo
moderno e ao materialismo filosófico dos enciclopedistas,
esses autores teriam articulado a ciência dos fatos sociais e
a imaginação dos possíveis através da energia passional de
homens desenraizados. Seria pela via da multiplicidade das
paixões humanas, e não pelo seu controle ou sacrifício, que se
poderia repensar, em meio a modos comunitários destruídos
pelo capitalismo industrial nascente, elos novos para os quais a
tradição não forneceria modelos ou experiências inteiramente
adequadas. É nesse sentido que a ciência social então nascente
– ou o materialismo antropológico de que fala Benjamin –
poderia ser pensada como uma ciência utópica dos elos sociais,
crítica e descritiva do tempo presente para, nele, desvelar as
energias emancipatórias. Havia um elã prometeico na ciência
social nascente. E ele não teria se separado, inteiramente, do
horizonte de universalidade do moderno materialismo filosófico.

393 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 380-409 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1484
Método utópico, viagem científica

Uma nova ciência para a nova era industrial


Mas isso tudo não fez de todos eles autores de sistemas
fechados de pensamento. Owen começa sua reflexão social a
partir da experimentação prática na indústria têxtil de New
Lanark, na Escócia, que assume em 1800. Essa empresa foi
o primeiro laboratório de sua utopia. E a compreensão prática
da indústria como nova força histórica é o fundamento de uma
teoria da associação esboçada em A nova visão da sociedade,
seu primeiro opúsculo de importância. Mas sua obra posterior
também preserva as marcas dessa experimentação inicial. Se
ela presta tributos ao materialismo filosófico e ao utilitarismo
moderno de Jeremy Benthan (ABENSOUR 2016, p. 111-
137), também é orientada e reformulada à luz de aventuras
práticas cujo feito mais notável, após New Lanark, fora a
construção daquela comunidade utópica nos Estados Unidos,
a “New Harmony”. Nova visão da sociedade, nova harmonia:
por meio de obras e de exemplo práticos, da experiência e da
demonstração, algo novo deveria nascer (POLANYI 1980, p.
121-136).

Saint-Simon também reconhece no “industrialismo” uma


nova força criativa da sociedade, cuja observação, segundo
os métodos das ciências naturais, é o chão de uma “fisiologia
social” que encontrará em Auguste Comte seu discípulo mais
notório (BENOIT 1999, capítulo 1). Mas a obra saint-simoniana
também preserva as marcas da experimentação, lembra
Régnier (2002, p. 203-207). Entre um tratado sistemático
nunca inteiramente realizado e uma profusão de “Cartas”,
“Apontamentos”, “Memórias” e “Opúsculos”, ele redesenha a
“ciência do homem” via conceitos inovadores como o de “classe
social”, capaz de indicar os novos lugares ocupados pelos
indivíduos nas novas relações sociais de produção da indústria
moderna. Como já visto, esse conceito ganhou desdobramentos
específicos tanto na literatura positivista como na marxista,
sendo uma das razões de seu reconhecimento, por Engels e
Durkheim, como “precursor”.

394 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 380-409 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1484
Henrique Estrada Rodrigues

Fourier, por fim, também não deixa de reconhecer na força


industrial nascente um dos principais elãs para se pensar e
desenvolver uma teoria sobre a atração passional entre os
homens. Esse Colombo de um novo continente para as ciências
do homem também pretendera ser um Newton do mundo
moral, capaz de estender para o campo das relações humanas
a lei da atração das ciências naturais. Foi assim que esposou
o sonho – também presente em Owen e em Saint-Simon –
de reordenar o mundo social a partir de uma combinação das
paixões. Sua compreensão da natureza polimorfa, ou melhor,
plástica das paixões também é fonte de uma compreensão
do humano tocado por um excedente nunca inteiramente
estabilizado. Razão pela qual buscou fundar sua ciência social
à distância absoluta de postulados tradicionais sobre ordens
sociais fixas e hierárquicas. Em outros termos, sua Teoria
dos quatro movimentos efetua uma conjunção da dimensão
epistemológica com a política (ABENSOUR 2000, p. 07-22),
por onde se insinua a intenção para o utópico como ciência
dos elos sociais “entre” os homens e “com” os homens, e não
“sobre”.

Mas, se um sistema fechado de pensamento é difícil de


identificar na trajetória dos três autores, Miguel Abensour, que
se interessou pela intensa floração utópica do século XIX, tem
razão em destacar, nos marcos da desejada cientificidade, um
projeto de ordenação do mundo exposto a novas empresas
de dominação. O próprio Fourier anotara esse risco naquele
opúsculo de 1831. Sua crítica a Saint-Simon e Owen, de certo
modo, antecipa a crítica de Marx e Engels, no Manifesto de 1848,
aos discípulos que transformam a obra crítica e as intuições
geniais dos fundadores em seitas reacionárias: “se em muitos
aspectos os fundadores desses sistemas foram revolucionários,
as seitas formadas por seus discípulos constituem sempre
seitas reacionárias” (MARX e ENGELS, 2010: 67). Investidas de
sentimento religioso, esses discípulos e mesmo o próprio Owen
em New Lanark (ABENSOUR 2016, p. 115-131) converteram
a promessa de emancipação em seu contrário, a saber, em
projetos societários dogmáticos e hierárquicos.

395 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 380-409 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1484
Método utópico, viagem científica

Porém, a singularidade dos autores aqui abordados é que


os pontos de fuga de uma história da dominação se constituem
não às margens, como sugere Abensour, mas no interior
mesmo das disputas em torno dos critérios de cientificidade
da ciência social nascente. Em outras palavras, ainda que este
artigo tenha uma grande dívida com a diversificada obra de
Abensour sobre as utopias, que é atenta às regressões do
pensamento utópico quando submetido à vontade organizadora
das ciências, busca-se reconhecer, aqui, pontos de fuga desse
traço regressivo nas próprias contradições da ciência social
nascente.2 Essa, de resto, é a hipótese da já citada tese de Pierre
Mercklé , embora este artigo também se afaste do excessivo
zelo que impede Mercklé de analisar o excedente utópico no
ideal de cientificidade de Charles Fourier, que não se filiara,
abertamente, à tradição dos utopistas. Entre Abensour e Mercklé, 2 - Sobre M. Aben-
cabe reconhecer, pois, como Fourier, Owen e Saint- sour, especialmente
quando destaca, na
Simon investiram a reflexão teórica e a pesquisa científica esteira de Pierre Le-
com uma força de enunciação e mesmo de revelação roux e Claude Lefort,
saídas das regressões
profética, como se uma ciência utópica dos fenômenos do pensamento utópi-
sociais não devesse se afastar das aspirações pelo infinito, co via conjunção en-
tre utopia e moderna
pelo desconhecido e pelo indizível (PICON 2001, p. 105). revolução democráti-
Se um sentimento religioso esteve na base da conversão, em ca, ver sua coletânea
Le procès des maîtres
seita, da ciência social nascente, a crítica ao dogmatismo, rêveurs (2000).
presente no interior mesmo dos debates entre os fundadores de
uma ciência social utópica, como testemunha aquele opúsculo
de Fourier de 1831, é notável por sua feição, pode-se dizer,
dialética. Tratava-se, já em Fourier, de criticar o sentimento de
seita, não para negar os impulsos religiosos de sua base, mas
para alterar a possível rota sectária da força de enunciação da
nova ciência social.

Ciência, política e sentimento religioso


Ainda que não analise intenções utopicamente
emancipatórias no ideal de cientificidade da ciência social
em constituição, Abensour (2013), em “A utopia socialista:
uma nova aliança da política e da religião”, investiga a

396 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 380-409 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1484
Henrique Estrada Rodrigues

tensão dialética do sentimento religioso ali presente. Por


religião, lembra o autor (2013, p. 99-102), não se deve
compreender, entre os fundadores, um sistema de dogmas
fadado à empresa da dominação, mas uma espécie de energia
passional capaz de engajar os homens no mundo e de
fazer com que seres finitos pensem o infinito, seres criados
continuem a tarefa da criação. De fato, uma ciência utópica
dos fenômenos sociais, embora fundada sobre experiências
práticas e sobre um ideal de cientificidade que pretende estender
o modelo newtoniano para a investigação dos elos sociais,
articula os trabalhos da reflexão e da escrita a uma
vontade de dizer o indizível, de pensar o impensado e de
fazer o improvável. E isso se nota mesmo em Owen,
que iniciou seu trabalho de reflexão à luz de sua
experimentação prática na indústria têxtil de New Lanark e,
especialmente, sob o impacto do aumento da degradação e
da miséria concomitante ao aumento do rendimento e ao
aperfeiçoamento das novas forças produtivas da moderna
indústria.

“De onde vêm os pobres”? Essa questão fora central numa


Grã-Bretanha que via a miséria se multiplicar na mesma época
em que atingia sua grandeza econômica (Polanyi 1980, p.
113). Owen, afirma Polanyi (1980, p. 135), teria recusado a
leitura cristã que fixava o caráter do indivíduo e seu destino em
sua própria responsabilidade moral, negando as influências da
sociedade. Em outras palavras, suas experimentações práticas
a partir de 1800 em New Lanark levaram-no não apenas a
um projeto de transformação da sociedade com os novos
poderes da indústria, como também a um novo pensamento
sobre a origem social das motivações humanas (POLANYI
1980, p. 135), uma vez que a elaboração de uma “ciência das
circunstâncias” é o que estava em jogo. Atenta às condições
práticas de formação dos hábitos e modos de vida, essa ciência,
delineada a partir de A nova visão da sociedade, assume a
estatura de profecia sobre uma nova era. Mas profecia, afirma
Abensour (2016, p. 111-114), num duplo sentido: o anúncio
de um novo poder, o da indústria moderna, exercendo-se sobre

397 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 380-409 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1484
Método utópico, viagem científica

os homens; e a descoberta das potencialidades emancipatórias


de uma economia passional e cooperativa gestada pela própria
sociedade industrial.

Já Saint-Simon, que em sua juventude esteve em


regimentos que participaram da revolução americana,
adentra a cena pública francesa nem tanto a partir de
experimentações práticas, como em Owen, ou através de um
livro com ambições sistemáticas, como a Teoria dos quatro
movimentos de Fourier, mas pela enunciação profética do que
deveria ser a ciência de seu tempo. Essa ciência, embora já
seguisse o sugestivo modelo newtoniano – apoiar-se em fatos
empíricos para só então generalizar e estabelecer leis por
indução , ainda carecia de fundamentação teórica apropriada.
Assim, o autor buscara sobrepor a essa carência do
modelo newtoniano uma “concepção de ética científica
que acentua nem tanto as virtudes prudentes da vida
acadêmica, mas uma amplitude de visão e de bravura
necessárias para descoberta” (PICON 2001, p. 112).
Seu modelo era uma concepção de ciência fundada sobre as
exigências de uma audácia teórica que não se satisfazia em
raciocinar apenas sobre fatos – como seu discípulo Auguste
Comte faria, na sequência, sob o modelo das ciências biológicas
(PICON 2001, p. 111-113).

A audácia de Saint-Simon era tentar remodelar a


educação científica e técnica na França de seu tempo sob
o primado da força ativa e criativa da indústria nascente,
capaz, talvez, de recriar o mundo à luz da energia
produtora de abundância material – para todos. E foi assim
que reinvestiu seu propósito pedagógico com a força religiosa
de uma anunciação, ou melhor, de uma energia passional que
faria o homem da ciência

suportar sem pena as fadigas do estudo e da profunda meditação,


que dá a constância necessária para se ilustrar nas ciências e
nas artes. Com o homem de gênio o interesse pessoal é bem
potente, mas o amor pela humanidade é também capaz de lhe
fazer criar prodígios. Que bela ocupação a de trabalhar pelo

398 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 380-409 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1484
Henrique Estrada Rodrigues

bem da humanidade. Que meta augusta! O homem não teria


um meio de se reaproximar da Divindade? Nessa direção ele
encontra nele mesmo potências que o consolarão das penas que
ele provará! (SAINT-SIMON 1802, p. 08-09).

Fourier, por sua vez, teria criticado os revolucionários


franceses não pela destruição dos ídolos religiosos – “repito:
não é com moderação que se fazem grandes coisas” (FOURIER
2009, p. 311) , mas por não conseguirem fundar uma religião
civil que realmente engajasse os cidadãos na paixão pelo
infinito e pelo indizível. Sua preocupação era não deixar um
sentimento religioso, inequívoco aos homens, presa fácil de uma
energia restauradora da tradição organicamente hierárquica do
pensamento católico e de seus reinvestimentos mitológicos,
como, por exemplo, o da restauração monárquica. Para Fourier,
“tudo depende da qualidade, da intensidade de energia e da
força que se apodera da religião” (ABENSOUR 2013, p. 101). Sua
audácia teórica, em busca de um novo universo utopicamente
científico – ou cientificamente utópico – não se afasta, pois, do
pensamento religioso de seus contemporâneos, como se nota
na Teoria dos quatro movimentos.

De fato, formulada em meio às tensões de um nascente


sistema industrial, que inventava novas formas de exploração ao
mesmo tempo em que descobria novas energias emancipatórias,
a ciência utópica de Fourier, revestida de uma crítica radical
aos seus contemporâneos, também investe sua intenção para
o utópico da energia passional da enunciação de uma boa-
nova. Certamente, a identificação desses pontos não faria da
obra de Fourier a síntese apropriada de tudo o que estava
em jogo naquele início do século XIX – ou do pouco que este
texto discutiu até agora. Mas, em meio ao percurso feito aqui,
destacar a Teoria dos quatro movimentos talvez seja um bom
caminho para se adentrar, de maneira mais concentrada, pelos
dilemas e potencialidades da aqui nomeada ciência utópica dos
fenômenos sociais.

399 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 380-409 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1484
Método utópico, viagem científica

À distância absoluta do objetivo e do imparcial


A Teoria dos quatro movimentos é um livro desconcertante,
seja pela sua forma pouco linear, seja pela articulação entre
fatos empíricos e imaginação dos possíveis, seja ainda pela
multiplicação dos seus temas – da crítica ao casamento à crítica
à civilização industrial, passando por observações astronômicas
e gastronômicas, sugestões para um novo mundo amoroso e
projetos de vida associativa emancipada de três servidões: ao
altar (aos dogmas religiosos), ao trono (aos dogmas políticos),
ao sistema industrial (ao tédio no trabalho). Sua obra foi a
tal ponto heterodoxa que mesmo seus discípulos esconderam
manuscritos radicais, a exemplo de O novo mundo amoroso,
redescoberto apenas nos anos 1960 e publicado, pela primeira
vez, em 1967. Sem lugar quando adentra a cena literária em
1808, sua obra terminou, porém, ocupando espaços decisivos
na história da emancipação moderna, da história do socialismo
crítico-utópico às lutas pela emancipação das mulheres (RIOT-
SARCEY 1998), da crítica ao progresso feita por W. Benjamin
(1993) à teoria da imaginação dos surrealistas (BRETON 1995;
NADEAU 1964).

A audácia teórica de Fourier começa ao nomear aquilo


que está sendo interpretado, neste texto, como uma ciência
utopicamente orientada: um saber ético nascido da sociabilidade
real, algo para o qual séculos de filosofias e ciências não teriam
avançado em quase nada (FOURIER 2009 [1808], p. 119-
120). Os primeiros parágrafos de seu “Discurso Preliminar”
são enfáticos: as violências e as regressões políticas e sociais
oriundas da revolução francesa, bem como a fome e a miséria
de amplas camadas da população criadas em meio à abundância
promovida pela revolução industrial haviam dissipado todas as
ilusões das ciências políticas e morais da tradição:

Eu estava encorajado pelos numerosos indícios de distração da


razão, e sobretudo pelo aspecto de flagelo que afligia a sociedade:
a indigência, a privação do trabalho, os sucessos das trapaças,
as piratarias marítimas, o monopólio comercial, a escravidão,

400 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 380-409 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1484
Henrique Estrada Rodrigues

enfim, tantos infortúnios dos quais eu cesso a enumeração e


que deram lugar à dúvida se a indústria civilizada não seria uma
calamidade inventada por Deus para punir o gênero humano
(Fourier 2009 [1808], p. 120).

Era preciso dar lugar à dúvida. Fourier, pois, enuncia sua


primeira “regra do método”: a “dúvida absoluta” (2009 [1808],
p. 121), a qual, porém, opera num outro registro que a dúvida
de Descartes, pois “não são as incertezas e contradições do
pensamento que a determinam, mas a infelicidade da ordem
social”, lembra Simone-Debout (1998, p. 162) em A utopia de
Charles Fourier. Na Teoria dos quatro movimentos, a “dúvida
absoluta” é inseparável do mundo das paixões e da experiência.
Continuemos com o “Discurso Preliminar”:

as ilusões foram dissipadas (...). Desde então deve-se entrever


que não havia nenhuma felicidade a esperar de todas as luzes
adquiridas; que era necessário procurar o bem social em uma
nova ciência, e de abrir novas rotas para o gênio político; pois
era evidente que nem os filósofos nem seus rivais sabiam
remediar as misérias sociais, e que sob os dogmas de uns e
de outros veríamos perpetuar os flagelos os mais vergonhosos,
entre outros, a indigência. Tal foi a primeira consideração que
me fez suspeitar da existência de uma ciência social ainda
desconhecida, e que me incitou a tentar descobri-la (FOURIER
2009 [1808], p. 120).

Descobrir uma nova ciência social à revelia de todas as


ciências então conhecidas: Fourier enuncia aqui, de modo
ceticamente orientado, sua segunda regra do método. Essa regra
é a da ‘distância absoluta” (l´écart absolu), que, desdobrando
aquela primeira “regra do método” – ou seriam a dúvida e a
distância apenas duas formulações de um mesmo princípio?
–, compõe o substrato de sua singular articulação entre a
descoberta de uma nova ciência – a ciência social – e a utopia.
A “distância absoluta” não se confunde com o antigo princípio
da imparcialidade, segundo o qual caberia recordar ou registrar
os feitos de gregos (ou romanos) e bárbaros do ponto de vista
de um estrangeiro de todas as pátrias (LUCIANO 2009), nem

401 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 380-409 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1484
Método utópico, viagem científica

antecipa o ideal positivista de objetividade científica, segundo


o qual o observador dos fenômenos sociais adotaria uma
atitude de distância, ao seguir o curso dos eventos revelados
pelas evidências documentais (ARENDT 2003, p. 78-79).
Fourier articula a “distância” aos topoi do “desvio” (de rotas
conhecidas) e da “descoberta” (de um Novo mundo amoroso,
de uma Nova sociedade industrial, para citar o título de escritos
que se seguiram ao livro de 1808).

De resto, relembre-se: “desvio”, “descoberta” e “distância”


são termos presentes na topologia das utopias, do modo
humanamente utópico de figurar, na aventura pelo mundo, as
inquirições do real, desde o livro fundador do imaginário utópico,
a Utopia de Thomas More (1993), que já se inscrevera sob o
selo da transgressão dos limites. Foi um navegante luso que, na
narrativa de More, descobrira, nos arredores do Novo Mundo,
Outro Mundo, descoberta narrativamente modelada como um
problema de enfrentamento com o desconhecido. Também já
foi visto aqui como esse topos ajudou a modelar as próprias
regras do método de Kepler, cuja Nova astronomia pretendera
fazer pelos astros o que a aventura exemplar de Colombo e
dos navegantes portugueses fizera pela Terra: perder o rumo
para descobrir rotas científicas até então inimagináveis. Entre
método utópico e viagem científica, Fourier também modela sua
teoria das ciências sociais como um problema de descoberta
cuja bússola seria a “distância absoluta”: “Eu presumo – diz
o autor (2009 [1808], p.122) – que o melhor meio de chegar
a descobertas úteis é se afastar, em todos os sentidos, das
rotas seguidas pelas ciências incertas”. Talvez, assim, a ciência
social pudesse abordar problemas ainda não discutidos e evitar
os interesses do trono (inovações administrativas) e do altar
(inovações sacerdotais). Nenhuma relação alguma com a
administração e o sacerdócio, reitera o “Discurso Preliminar”
(2009 [1808], p. 120-121). Uma ciência social que, à distância
absoluta dos caminhos já percorridos, não se descobrisse
imaginativamente utópica, talvez nem mesmo merecesse o
nome de ciência.

402 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 380-409 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1484
Henrique Estrada Rodrigues

Por uma teoria excêntrica do social


Talvez o que se fez nesses últimos parágrafos, ater-se ao
“Discurso Preliminar” da Teoria dos quatro movimentos, de
Fourier, seja bem pouco e certamente o é diante de uma obra
que, como apresentada anteriormente neste texto, espalha-
se por múltiplas direções. Não se abordou neste texto sua
teoria dos “quatro movimentos”, nem mesmo se descreveu a
complexa teoria das paixões de Fourier, fundamentos daquele
“materialismo antropológico” de que falava Walter Benjamin.
Em outro momento, esse mesmo filósofo, atento à leitura
fourierista sobre a multiplicidade das paixões humanas e sobre
a articulação entre trabalho e prazer, chega mesmo a falar, nas
Passagens, em “materialismo hedonista” (BENJAMIN 1993, p.
642; W 5, 2).

De todo modo, não gostaria de encerrar este texto sem


lembrar, ao menos, intérpretes como Michael Löwy (2018) e
Leandro Konder (1998). Atentos à atração passional e à ciência
analógica, ambos retornaram às próprias “passagens” entre
Fourier e Benjamin como condição possível para ciências “mais
ousadas e mais criativas ao enfrentar o desafio permanente
da autocrítica, da revisão dos saberes tidos como adquiridos”
(KONDER 1998, p. 69). Ou talvez fosse o caso de lembrarmos
autores como Olgária Matos (1993) e, mais uma vez, Miguel
Abensour (2016), quando consideraram o desafio de fazer da
utopia o caminho para se imaginar um mundo melhor, embora
o fizessem num horizonte de espera sem prévia determinação
do futuro. À razão que quer controlar o curso da história, às
utopias que, à direita ou à esquerda, se converteram em novas
tópicas do controle e do poder, os dois autores antepõem,
pela via das Passagens benjaminianas, a noção de “imagem
dialética”, ou seja, a articulação da evidência racional do curso
da história (a dialética hegeliana e marxista) à insegurança do
mundo das imagens (MATOS 1993, p. 68).

Nesse sentido específico, o traço mais ousado e criativo


da imagem dialética seria o de liberar o imaginário utópico

403 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 380-409 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1484
Método utópico, viagem científica

do teleológico e do “utopismo”, ou melhor, da busca por


prognósticos, científicos ou não, que, à revelia da própria
etimologia da palavra utopia (ou-topos / não lugar), fazem do
“lugar” – o futuro ideal, o paraíso, a nação, a raça, o lugar
de fala particularizante – novas tópicas do poder. Liberto do
utopismo, talvez seja possível, então, reconsiderar a relação
entre ciência, utopia e tempo num horizonte presentista, se
se compreender por esse termo aquilo que François Hartog
(2013) designa como um regime de historicidade atravessado
pela crise de um esquema temporal orientado para o futuro.3
3 - Em outro contex-
Mas talvez seja melhor dizer: é possível reconsiderar a utopia to, preocupado com
os efeitos do presen-
segundo o conceito benjaminiano de um “tempo saturado de
tismo nas utopias e,
agoras” (BENJAMIN 1987, p. 229) – ou tempo da “agoridade”, sobretudo, nas dis-
topias como uma es-
para ecoar a sugestiva tradução do poeta Haroldo de Campos
pécie de topos mar-
(1997, p. 269) para a expressão contida na tese 14 de “Sobre cado pela “fusão de
diferentes tempora-
o conceito de história”.4 Afinal, a articulação entre utopia e
lidades”, ver o livro
agoridade, sob o selo da imagem dialética, implica imaginar Distopia, literatura e
história (BENTIVOL-
um futuro que, sem saber ao certo qual seria, termina por
GIO; CUNHA; BRITO
instaurar, aqui e agora, a experiência da hesitação. 2017, p. 8-10).

4 - Ver, a respeito, o
Aos conceitos do entendimento que desejam conhecer quais conceito de “pós-u-
senhores de um mundo desencantado, toda essa constelação tópico” em Haroldo
de Campos (CAMPOS
benjaminiana antepõe, pois, a aventura do conhecimento como 1997; RODRIGUES
uma experiência hesitante. De resto, a distância (ou dúvida) 2017, p. 75-76), con-
ceito que não indica
absoluta de Fourier, tal como relida pelas Passagens, já não fim das utopias, mas
corresponderia, precisamente, a essa espécie de hesitação a tarefa de se repen-
sar potencialidades
pensante? Quando pouco, do ponto de vista dessa hesitação, utópicas num tempo
as ciências do início do XIX, plurais e contraditórias, parecem saturado de “agoras”,
sem determinação do
abrigar o passado perdido, em estado de crisálida, de uma futuro.
fecunda experimentação utópica. Por que não pensar, pois,
que sua redescoberta poderia ser a condição de possibilidade
para experimentar uma nova ciência do social, tão excêntrica
quanto mais distante de saberes autocentrados?

Uma ciência social utópica? Em Saint-Simon e em Owen,


malgrado diferenças específicas, ela teria a força de uma
enunciação religiosa, embora esse profetismo laico não
buscasse enunciar, simplesmente, um dogma de fé, mas

404 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 380-409 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1484
Henrique Estrada Rodrigues

preservar a insensatez de uma energia passional que articulasse


invenção teórica, verificação empírica e amor à humanidade.
Já em Fourier, a ciência teria a força de um ceticismo teórico e
prático, embora seu ceticismo, antes mesmo de desmobilizá-lo,
o tenha predisposto a, na dúvida, pensar o ainda não pensado
e a imaginar coisas absolutamente impossíveis ou excêntricas
– coisas tão excêntricas como a ideia de que as mulheres
teriam os mesmos direitos que os homens, a partir da qual
critica o casamento como fonte de servidão ao chefe da casa,
ou a absurda hipótese de que a miséria e as hierarquias sociais
não eram destino inelutável. Em boa medida, todas essas
ideias foram desqualificadas como impossíveis, logo, utópicas
naquele início do século XIX por todos aqueles que, como os
delegados socialistas do encontro com Martin Buber, queriam
logo encerrar o assunto.

Haveria, de resto, toda uma análise a ser feita sobre o


qualificativo pejorativo de “utopista”. Usado, no século XIX,
como contraponto à “ciência”, esse qualificativo também se
espalhou no seio da reação ora da aristocracia decadente
que perdia privilégios tradicionais, ora de uma burguesia
arrivista que aspirava monopolizar as riquezas da nova
sociedade industrial (ABENSOUR 2000, p. 24-29). Utopistas
eram aqueles que imaginavam elos sociais não hierárquicos
ou uma ordem industrial reconciliada com uma economia do
prazer. Mas eu me encaminho para o fim deste texto sugerindo
apenas isto: uma ciência utópica dos fatos sociais poderia ser
a designação excêntrica de uma lógica da descoberta científica
que, articulada à experimentação teórica, contesta a timidez
de quem acredita impossível descobrir e conceitualizar novas
rotas para as configurações societárias, rotas não inteligíveis
pelos conceitos da tradição ou por formas de vida tradicionais.
Para este texto, trata-se, ao menos, de sugerir que a esperança
por uma ciência com destinação humana redescubra seus tipos
mais excêntricos, tipos como Fourier, cuja utopia foi a de pensar,
religiosamente, à distância absoluta de conceitos apropriáveis,
seja pelos interesses do trono e do altar, seja pelas paixões
egoístas de aristocratas decadentes e burgueses arrivistas.

405 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 380-409 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1484
Método utópico, viagem científica

REFERÊNCIAS

ABENSOUR, M. Le procès des maîtres rêveurs suivi de


Pierre Leroux et l´utopie. Paris: Editions Sulliver, 2000.

ABENSOUR, M. “L´utopie socialiste: une nouvelle aliance de


la politique et de la religion. In: ABENSOUR, M. Utopiques
II: l´ homme est un animal utopique. Paris: Sens & Tonka,
2013.

ABENSOUR, M. “Excursus. Lire Owen”. In: ABENSOUR,


M. Utopiques IV: l´histoire de l´utopie et le destin de sa
critique. Paris: Sens & Tonka, 2016.

ABENSOUR, M. “Os dois caminhos da conversão utópica: a


epoché e a imagem dialética. In: NOVAES, Adauto (org.).
Mutações: o novo espírito utópico. São Paulo: Ed. Sesc,
2016.

ARENDT, H. O conceito de história – antigo e moderno.


In: ARENDT, H. Entre o passado e o futuro. São Paulo:
Perspectiva, 2003.

BENJAMIN, W. Paris, capitale du XIXe siècle: le livre


des passages. Paris: Cerf, 1989.

BENJAMIN, W. Sobre o conceito de história. Obras


escolhidas volume 1. São Paulo: Brasiliense, 1987.

BRETON, A. Ode a Charles Fourier. Paris: Fata Morgana,


1995.

BENOIT, L. Sociologia comteana. São Paulo: Discurso


Editorial, 1999.

BENTIVOGLIO; CUNHA; BRITO (orgs). Distopia, literatura


e história. Vitória: Milfontes, 2017.

406 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 380-409 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1484
Henrique Estrada Rodrigues

BUBER, M. O socialismo utópico. 2ª edição. São Paulo:


Perspectiva, 2005.

CAMPOS, Haroldo de. Poesia e modernidade: da morte do


verso à constelação. O poema pós-utópico. In: CAMPOS,
Haroldo de. O arco-íris branco. Rio de Janeiro: Imago,
1997.

DEBOUT, S. L´utopie de Charles Fourier. Paris: Les


Presses du Réel, 1998.

DURKHEIM, Émile. O socialismo. São Paulo: EDIPRO,


2016.

ENGELS, F. Do socialismo utópico ao socialismo


científico. 4ª edição. São Paulo: Global Editora, 1981.

FOURIER, C. Théorie des quatre mouvements. Paris:


Les Presses du Réel, 2009.

FOURIER, C. Pièges et charlatanisme des deux sectes,


Saint-Simon et Owen, qui promettent l´association
et le progrès. Paris: Imprimerie de Lachevandier,
1831. Disponível em: https://catalogue.bnf.fr/ark:/12148/
cb30454497c. Acesso em: 10 mar. 2019.

HARTOG, François. Régimes d´ historicité: présentisme


et expériences du temps. Paris: Seuil, 2013.

HOBSBAWM, E. J. “Marx, Engels e o socialismo pré-


marxiano”. In: HOBSBAWM (et. al.). História do
marxismo. Volume 1. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.

KOSELLECK, R. “A temporalização da utopia”. In:


KOSELLECK, R. Estratos do tempo: estudos sobre
história. Rio de Janeiro: Contraponto; Ed. PUC-Rio, 2014.

KONDER, Leandr. Fourier, o socialismo do prazer. Rio


de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.

407 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 380-409 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1484
Método utópico, viagem científica

LEROUX, P. “Lettre au Docteur Deville”. In: ABENSOUR,


Miguel. Le procès des maîtres rêveurs suivi de Pierre
Leroux et l´utopie. Paris: Editions Sulliver, 2000.

LÖWY, Michael. A estrela da manhã: surrealismo e


marxismo. 2ª edição. São Paulo: Boitempo, 2018.

LUCIANO DE SAMÓSATA. Como se deve escrever a


história. Tradução e estudo crítico de Jacyntho Lins
Brandão. Belo Horizonte: Tessitura, 2009.

MARX; ENGELS. Manifesto comunista. São Paulo:


Boitempo, 2010.

MATOS, Olgária. O iluminismo visionário: Benjamin


leitor de Descartes e Kant. São Paulo: Brasiliense, 1993.

MANNHEIM, K. Ideologia e utopia. 4ª ed. Rio de Janeiro:


Guanabara, 1986.

MERCKLÉ, P. Le socialisme, l´utopie ou la science? Tese


de doutorado. Université Lyon 2: Faculté D´Anthropologie
et de Sociologie, 2001. Disponível em: http://theses.univ-
lyon2.fr/documents/lyon2/2001/merckle_p#p=0&a=top.
Acesso em: 10 mar. 2019.

MORE, Thomas. Utopia. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

NADEAU, M. Histoire du surréalisme suivi de


documents surréalistes. Paris: Ed. du Seuil, 1964.

OWEN, R. A new view of society. Disponível em: http://


la.utexas.edu/users/hcleaver/368/368OwenNewViewtable.
pdf. Acesso em: 10 dez. 2019.

PICON, A. La science saint-simonienne, entre romantisme


et technocratisme? In: RIOT-SARCEY (org.). L´utopie en
question. Paris: Press Universitaire de Vincennes, 2001.

408 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 380-409 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1484
Henrique Estrada Rodrigues

PICON, A. Science. In: RIOT-SARCEY; BOUCHET; PICON


(orgs). Dictionnaire des utopies. Paris: Larousse, 2002.

POLANYI, K. A grande transformação: as origens da


nossa época. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1980.

RÉGNIER, Ph. Saint-Simon. In: RIOT-SARCEY; BOUCHET;


PICON (orgs). Dictionnaire des utopies. Paris: Larousse,
2002.

RIOT-SARCEY, M. Le réel de l´utopie: essai sur le politique


au XIXe siècle. Paris: Bibliothèque Aubin Michel, 1998.

RODRIGUES, Henrique Estrada. A utopia do mínimo que


resta: o lance dos lances do velho Haroldo. Viso: cadernos
de estética aplicada, n. 21, julho/dezembro de 2017.
Disponível em: http://revistaviso.com.br/pdf/Viso_21_
HenriqueEstrada.pdf. Acesso em: 5 maio 2019.

ROSSI, P. O nascimento da ciência moderna na


Europa. Bauru: EDUSC, 2001.

SAINT-SIMON. Lettres d´un habitant de Génève a ses


contemporains. 1802. Disponível em: https://catalogue.
bnf.fr/ark:/12148/cb40059872r. Acesso em: 10 mar. 2019.

AGRADECIMENTOS E INFORMAÇÕES

Henrique Estrada Rodrigues


henriqueestrada@hotmail.com
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
Brasil

RECEBIDO EM: 6/MAIO/2019 | APROVADO EM: 20/AGO./2019

409 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019, p. 380-409 - DOI 10.15848/hh.v12i31.1484
410 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019 - ISSN 1983-9928
Normas de Publicação

1) As colaborações poderão ser feitas sob as


seguintes formas

1.1. Artigo inédito e original (entre 28.000 e 70.000


caracteres com espaço, incluindo as notas e as referências
bibliográficas).

1.2. Artigos de debate historiográfico que resenhem


criticamente publicações recentes pertinentes aos temas
relacionados com as áreas de conhecimento que configuram o
escopo da publicação. (entre 28.000 e 70.000 caracteres com
espaço, incluindo as notas e as referências bibliográficas). Os
artigos de debates devem ter título, seguido pela referência
bibliográfica completa da obra.

1.3. Resenhas de livros devem ser enviadas para a HH


Magazine - http://hhmagazine.com.br.

2) Informações sobre a submissão

2.1. A História da Historiografia: International


Journal of Theory and History of Historiography não
cobra taxa de submissão, assim como também não cobra taxa
de processamento de artigo (APC).

2.2. Os arquivos enviados deverão estar em formato *.doc


ou *.docx, ou seja, compatíveis com Word.

2.3. Todos os trabalhos submetidos à revista são analisados


por software anti-plágio - Política contra o plágio.

3) Normas de apresentação dos textos

3.1 Os artigos devem conter, no início, resumo (de 700 a


1.050 caracteres com espaço) e três palavras-chave, ambos
seguidos de traduções para língua inglesa. Caso o texto original

411 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019 - ISSN 1983-9928
Normas de Publicação

seja em inglês, o artigo deverá ter um resumo em português


ou espanhol.

3.2. Recomenda-se que os autores dividam os artigos


em seções, que devem consistir em títulos explicativos, em
negrito e com maiúscula apenas no início (ou, se nele houver,
substantivo próprio). Em hipótese alguma será aceita a divisão
de seções por algarismo.

3.3. Serão aceitos artigos de debate historiográfico que


resenhem criticamente publicações que tenham sido publicados,
no máximo, há três anos ou então títulos há muito esgotados e
com reedição recente.

3.4. A contribuição deve ser original e inédita, não estar sendo


avaliada por outra publicação e não ter indicação de autoria. Caso
o texto da submissão seja derivado de tese e/ou dissertação, o
autor deverá indicar essa informação no campo ‘Comentários ao
Editor’. Além disto, espera-se que o trabalho traga um avanço
substancial com relação ao que já foi apresentado na tese ou
dissertação, especial, mas não unicamente, em suas conclusões.
Os autores devem excluir todas as informações do arquivo que
possam identificá-los como tal.

3.5. Quando houver financiamento da pesquisa, o autor


deve indicar, em nota de rodapé ligada ao título da contribuição,
a instituição financiadora. E no campo específico no momento
da submissão.

3.6. Os artigos passarão por uma pré-seleção do Conselho


Editorial que avaliará sua pertinência com relação à temática
do periódico. Uma vez aprovados na pré-seleção, serão
encaminhados para pareceristas.

3.7. Todos os artigos, inclusive os submetidos para publicação


em dossiê, serão analisados por, pelo menos, dois membros do
Conselho Consultivo ou assessores ad hoc, que podem, mediante
consideração da temática abordada, seu tratamento, clareza da
redação e concordância com as normas da revista, recusar a

412 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019 - ISSN 1983-9928
Normas de Publicação

publicação ou sugerir modificações. Além disso, informamos que


poderão ocorrer mais de uma rodada de avaliação. Os pareceres
têm caráter sigiloso. Ao Conselho Editorial fica reservado o
direito de publicar ou não os textos enviados de acordo com a
pertinência em relação à programação dos temas da revista.

3.8. As palavras-chave devem ser retiradas do banco de


palavras-chave elaborado pelos editores da revista – Banco de
palavras-chave.

3.9. As colaborações devem ser enviadas em Times New


Roman, corpo 12, espaçamento 1,5 e com margens de 3 cm. As
citações com mais de três linhas devem ser recuadas da margem
esquerda (1,5 cm), sem aspas, em corpo 11 e espaçamento
simples.

3.10. Todos os textos deverão ser apresentados após


revisão ortográfica e gramatical. A revista publica contribuições
em português, espanhol e inglês.

3.11. Desde o seu terceiro número a revista História da


Historiografia adotou a nova ortografia estabelecida no Novo
Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Recomenda-se
aos colaboradores a adoção da nova ortografia nos materiais
enviados para avaliação e publicação na revista.

3.12. As notas de rodapé devem ser apenas de caráter


estritamente explicativo, com o tamanho máximo de 260
caracteres com espaço. No geral, recomenda-se a não utilização
de notas e incorporação da informação, da melhor maneira
possível, no corpo do texto.

3.13. As referências devem vir em corpo de texto tendo o


seguinte formato: (ABREU 2005, p. 36). Os links vinculados às
notas devem ser reduzidos com “encurtadores de links”.

3.14. A referência a textos clássicos também deve ser feita


no corpo do texto, com indicações do nome do autor, da primeira
palavra do título da obra (em itálico) e da seção e/ou as linhas

413 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019 - ISSN 1983-9928
Normas de Publicação

citadas, tal como nos seguintes exemplos: Aristóteles, Poética


VII; Tucídides, História IV, 49. A referência completa à obra
citada deve aparecer ao final do texto, na lista da bibliografia
utilizada.

3.15. Somente devem ser listadas referências utilizadas no


texto. E a partir de maio de 2019, as submissões deverão ser
apresentadas utilizando a ABNT NBR 6023:2018.

4) Informações sobre a submissão

4.1. Livro

Estrutura:

SOBRENOME, Nome. Título da obra em negrito: subtítulo


sem negrito. Tradução de Nome do tradutor. Cidade: Editora,
Ano.

SOBRENOME, Nome. Título da obra em negrito: subtítulo


sem negrito. Tradução de Nome do tradutor. Cidade: Editora,
Ano. DOI XXXX. Disponível em: URL do site. Acesso em: Dia
mês (abreviado) ano.

Exemplos:

KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à


semântica dos tempos históricos. Tradução de Wilma Patrícia
Maas; Carlos Almeida Pereira. Rio de Janeiro: Contraponto;
Editora PUC-Rio, 2006.

RIGNEY, Ann. The Rhetoric of Historical Representation:


three narrative histories of the Frenh Revolution. Cambridge:
Cambridge University Press, 1991. DOI 10.1017/
CBO9780511549946. Disponível em: http://ebooks.cambridge.
org/ref/id/CBO9780511549946. Acesso em: 19 jul. 2012.

414 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019 - ISSN 1983-9928
Normas de Publicação

4.2. Livro eletrônico (tipo e-book)

Estrutura:

SOBRENOME, Nome. Título da obra em negrito: subtítulo sem


negrito. Cidade: Editora, Ano. E-book. DOI XXXX. Disponível
em: URL do site. Acesso em: Dia mês (abreviado) ano.

Exemplo:

BAVARESCO, Agemir; BARBOSA, Evandro; ETCHEVERRY, Katia


Martin (org.). Projetos de filosofia. Porto Alegre: EDIPUCRS,
2011. E-book. Disponível em: http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/
projetosdefilosofia.pdf. Acesso em: 21 ago. 2011.

4.3. Capítulo de livro

Estrutura:

SOBRENOME, Nome (orgs.). Título do capítulo. In:


SOBRENOME2, Nome2 (orgs.). Título da obra em negrito:
subtítulo sem negrito. Cidade: Editora, Ano.

SOBRENOME, Nome (orgs.). Título do capítulo. In: SOBRENOME,


Nome. Título da obra em negrito: subtítulo sem negrito.
Cidade: Editora, Ano.

Exemplos:

LÖWY, Michael. Carga explosiva: o surrealismo como movimento


romântico revolucionário. In: GUINSBURG, J; LEIRNER, Sheila
(orgs.). O surrealismo. São Paulo: Perspectiva, 2008.

RICOEUR, Paul. Fase Documental: a Memória Arquivada. In:


RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento.
Tradução de Alain François. Campinas: Editora da Unicamp,
2007. p. 155–192.

415 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019 - ISSN 1983-9928
Normas de Publicação

4.4. Coletânea

Estrutura:

SOBRENOME, Nome (orgs.). Título da obra em negrito:


subtítulo sem negrito. Cidade: Editora, Ano.

Exemplo:

CARDOSO, Ciro Flamarion; MALERBA, Jurandir (orgs.).


Representações: contribuições a um debate transdisciplinar.
Campinas: Papirus, 2000.

4.5. Artigo de periódico

Estrutura:

SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Nome do periódico:


subtítulo sem negrito, v. X, n. Y, p. pp-pp, Ano.

Exemplo:

RIGOLOT, François. The Renaissance Crisis of Exemplarity.


Journal of the History of Ideas, v. 59, n. 4, p. 557-563,
1998.

4.6. Artigo de periódico on-line

Estrutura:

SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Nome do periódico:


subtítulo sem negrito, v. X, n. Y, p. pp-pp, Ano. Disponível em:
URL do site. Acesso em: Dia mês (abreviado) ano.

SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Nome do periódico:


subtítulo sem negrito, v. X, n. Y, p. pp-pp, Ano. DOI XXXX.
Disponível em: URL do site. Acesso em: Dia mês (abreviado)
ano.

416 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019 - ISSN 1983-9928
Normas de Publicação

Exemplo:

ASDAL, Kristin; JORDHEIM, Helge.Texts on the Move: Textuality


and Historicity Revisited. History and Theory, v. 57, n. 1, p.
56-74, 2018. DOI 10.1111/hith.12046. Disponível em: https://
onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/hith.12046. Acesso
em: 9 abr. 2019.

4.7. Texto disponível na internet

Estrutura:

SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Nome do Site, dia, mês


(abreviado), Ano. Disponível em: URL do site. Acesso em: Dia
mês (abreviado) ano.

Exemplo:

BENTIVOGLIO, Julio. “Precisamos falar sobre o currículo de


História”. Café História, 15, maio, 2017. Disponível em:
https://www.cafehistoria.com.br/curriculo-de-historia/.
Acesso em: 18 abr. 2018.

4.8. Artigo publicado em anais eletrônico

Estrutura:

SOBRENOME, Nome. Título do trabalho. In: NOME DO EVENTO


(EM MAIÚSCULO), número do evento, ano, cidade. Anais [...].
Cidade: Editora, ano, p. pp-pp.

SOBRENOME, Nome. Título do trabalho. In: NOME DO EVENTO


(EM MAIÚSCULO), número do evento, ano, cidade. Anais [...].
Cidade: Editora, ano, p. pp-pp. DOI XXXX. Disponível em: URL
do site. Acesso em: Dia mês (abreviado) ano.

Exemplo:

ARAÚJO, Rodrigo Cardoso Soares de. O polêmico Corsário,


um pasquim da Corte Imperial (1880-1883). In: SEMINÁRIO
DIMENSÕES DA POLÍTICA NA HISTÓRIA: ESTADO, NAÇÃO,

417 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019 - ISSN 1983-9928
Normas de Publicação

IMPÉRIO, I, 2007, Juiz de Fora. Anais [...]. Juiz de Fora: Clio


Edições, 2007, p. 500-501.

4.9. Tese acadêmica

Estrutura:

SOBRENOME, Nome. Título da tese em negrito: subtítulo sem


negrito. Ano. Tese/Dissertação (Grau em Área do programa) -
Nome do Programa, Universidade, Cidade, Ano.

SOBRENOME, Nome. Título da tese em negrito: subtítulo sem


negrito. Ano. Tese/Dissertação (Grau em Área do programa) -
Nome do Programa, Universidade, Cidade, Ano. Disponível em:
URL do site. Acesso em: Dia mês (abreviado) ano.

Exemplo:

RIBEIRO, Tatiana O. A apódexis herodotiana: um modo de


dizer o passado. 2009. Tese (Doutorado em Letras Clássicas) -
Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.

4.10. Artigo de Jornal

Estrutura:

SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Nome do Jornal, dia


mês (abreviado) Ano. Caderno p. pp-pp.

SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Nome do Jornal, dia


mês (abreviado) Ano. Caderno p. pp-pp. Disponível em: URL
do site. Acesso em: Dia mês (abreviado) ano.

Exemplos:

GLEISER, Marcelo. Newton, Einstein e Deus. Folha de S.Paulo,


13 jun. 2010. Ilustrada, p. A23.

RODRIGUES, Artur. Obra de ficção cria “liminar” e vira


alvo de investigação da PF. Folha.com.br, São Paulo, 11

418 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019 - ISSN 1983-9928
Normas de Publicação

set. 2015. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/


cotidiano/2015/09/1680327-obra-de-ficcao-cria-liminar-e-
vira-alvo-de-investigacao-da-pf.shtml. Acesso em: 11 set.
2015.

4.11. Observações sobre a apresentação das referências:

4.11.1. O In, utilizado na apresentação de capítulos de


livros, é em itálico;

4.11.2. Sempre que utilizar uma referência consultada on-


line, deve-se inserir a URL na parte ‘Disponível em:’ e ‘Acesso
em:’, e caso o documento possua DOI, esta informação deve
ser inserida;

4.11.3. URL de artigos de jornais e textos da internet


devem ser encurtadas, recomenda-se o encurtador https://
bitly.com;

4.11.4. A ABNT NBR 6023:2018 não utiliza mais “______.“


e omite o nome de um autor, o nome deve ser repetido.

4.11.5. Não deve ser utilizado aspas (simples ou duplas)


em títulos de lívros, capítulos ou artigos a menos que o título
tenha, efetivamente, este símbolo.

4.11.6. Caso o tipo de documento que você queria citar


não esteja listado acima, pedimos que consulte a ABNT NBR
6023:2018, caso a dúvida persistir, entre em contato com a
secretaria da revista historiadahistoriografia@hotmail.com.

419 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019 - ISSN 1983-9928
420 História da Historiografia, n. 26, jan-abri, ano 2018, ISSN 1983-9928
PARECERISTAS
DE 2019
REFEREES OF 2019

421 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019 - ISSN 1983-9928
HISTÓRIA DA Ouro Preto / MG

HISTORIOGRAFIA

Pareceristas de 2019

Adrianna Cristina Lopes Setemy


(Pontifícia Universidade Católica do Paraná . Paraná . Brasil)
Alessandra Soares Santos
(Universidade Federal de Minas Gerais . Minas Gerais . Brasil)
Alex Emmanuel Ratto
(Instituto de Investigaciones Socio-históricas Regionales de Rosario . Argentina)
Alexander Martin Fidora Riera
(Universitat Autònoma de Barcelona . Espanha)
Alexandre Avelar
(Universidade Federal de Uberlândia . Minas Gerais . Brasil)
Alfredo Matta
(Universidade do Estado da Bahia . Bahia . Brasil)
Aline Magalhães
(Universidade Federal de Minas Gerais . Minas Gerais . Brasil)
Álvaro Faleiros
(Universidade de São Paulo . São Paulo . Brasil)
Amon Pinho
(Universidade Federal de Uberlândia . Minas Gerais . Brasil)
Ana Mónica Lopes
(Universidade Federal de Ouro Preto . Minas Gerais . Brasil)
Ana Carolina Barbosa Pereira
(Universidade Federal da Bahia . Bahia . Brasil)
Ana Leticia Adami
(Universidade de São Paulo . São Paulo . Brasil)
Ana Rosa Cloclet Silva
(Pontifícia Universidade Católica de Campinas . São Paulo . Brasil)
André Araújo
(Universidade de Brasília . Brasília . Brasil)
André da Silva Ramos
(Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri . Minas Gerais . Brasil)
Andrea Werkema
(Universidade do Estado do Rio de Janeiro . Rio de Janeiro . Brasil)
Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva
(Universidade Federal do Rio de Janeiro . Rio de Janeiro . Brasil)

422 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019 - ISSN 1983-9928
Pareceristas de 2019

Arthur Alfaix Assis


(Universidade de Brasília . Brasília . Brasil)
Arthur Lima de Avila
(Universidade Federal do Rio Grande do Sul . Rio Grande do Sul . Brasil)
Augusto Bruno de Carvalho Dias Leite
(Universidade Federal do Espírito Santo . Espírito Santo . Brasil)
Beverley Southgate
(University of Hertfordshire . Reino Unido)
Bruno Tadeu Salles
(Universidade Federal de Ouro Preto . Minas Gerais . Brasil)
Carla Brandalise
(Universidade Federal do Rio Grande do Sul . Rio Grande do Sul . Brasil)
Carlos Zeron
(Universidade de São Paulo . São Paulo . Brasil)
Carlos Machado
(University of St Andrews . Reino Unido)
Carlos Henrique Armani
(Universidade Federal de Santa Maria . Rio Grande do Sul . Brasil
Cesar Augusto Barcellos Guazzelli
(Universidade Federal do Rio Grande do Sul . Rio Grande do Sul . Brasil)
Christian Lynch
(Universidade do Estado do Rio de Janeiro . Rio de Janeiro . Brasil)
Cibele Barbosa
(Fundação Joaquim Nabuco . Pernambuco . Brasil
Cristiano Alencar Arrais
(Universidade Federal de Goiás . Goiás . Brasil)
Daniel Faria
(Universidade de Brasília . Brasília . Brasil)
Daniel Protásio
(Universidade de Lisboa . Portugal)
Daniel Pinha Silva
(Universidade do Estado do Rio de Janeiro . Rio de Janeiro . Brasil)
Daniel Medel Barragán
(Universidade Iberoamericana . México)
Daniel Oscar Brauer
(Universidad de Buenos Aires . Argentina)

423 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019 - ISSN 1983-9928
Pareceristas de 2019

Daniela Kern
(Universidade Federal do Rio Grande do Sul . Rio Grande do Sul . Brasil)
Dilton Santos Maynard
(Universidade Federal de Sergipe . Sergipe . Brasil)
Diogo da Silva Roiz
(Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul . Mato Grosso do Sul . Brasil)
Durval Muniz de Albuquerque Jr
(Universidade Federal do Rio Grande do Norte . Rio Grande do Norte . Brasil)
Eduardo Neumann
(Universidade Federal do Rio Grande do Sul . Rio Grande do Sul . Brasil)
Eduardo Henrique Barbosa de Vasconcelos
(Universidade Estadual de Goiás . Goiás . Brasil)
Eliana Dutra
(Universidade Federal de Minas Gerais . Minas Gerais . Brasil)
Esteban Lythgoe
(Universidad de Buenos Aires . Argentina)
Eugenia Gay
(Universidad Nacional de Quilmes . Argentina)
Evandro Santos
(Universidade Federal do Rio Grande do Norte . Rio Grande do Norte . Brasil)
Evelia María Del Socorro Trejo Estrada
(Universidad Nacional Autónoma de México . México)
Fabio Wasserman
(Universidad de Buenos Aires . Argentina)
Fábio Franzini
(Universidade Federal de São Paulo . São Paulo . Brasil)
Fábio Augusto Morales
(Universidade Federal de Santa Catarina . Santa Catarina . Brasil)
Facundo Nahuel Martín
(Universidad de Buenos Aires . Argentina)
Fátima Regina Fernandes
(Universidade Federal do Paraná . Paraná . Brasil
Felipe Charbel
(Universidade Federal do Rio de Janeiro . Rio de Janeiro . Brasil)
Francine Iegelski
(Universidade Federal Fluminense . Rio de Janeiro . Brasil)

424 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019 - ISSN 1983-9928
Pareceristas de 2019

Gisele Iecker de Almeida


(Ghent University . Bélgica)
Giselle Martins Venancio
(Universidade Federal Fluminense . Rio de Janeiro . Brasil)
Helena Rosenblatt
(The City University of New York . Estados Unidos da América)
Helene Weldt-Basson
(University of North Dakota . Estados Unido da América)
Henrique Estrada Rodrigues
(Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro . Rio de Janeiro . Brasil)
Henrique Pinheiro Costa Gaio
(Universidade do Estado do Rio de Janeiro . Rio de Janeiro . Brasil)
Hernán Comastri
(Universidad de Buenos Aires . Argentina)
Igor Salomão Teixeira
(Universidade Federal do Rio Grande do Sul . Rio Grande do Sul . Brasil)
Isabel Cristina Leite
(Universidade Federal do Rio de Janeiro . Rio de Janeiro . Brasil)
Jaime Estevão Reis
(Universidade Estadual de Maringá . Paraná . Brasil)
João Rodolfo Munhoz Ohara
(Universidade Federal do Rio de Janeiro . Rio de Janeiro . Brasil)
João Paulo Garrido Pimenta
(Universidade de São Paulo . São Paulo . Brasil)
Johnni Langer
(Universidade Federal da Paraíba . Paraíba . Brasil
Jonas Vargas
(Universidade Federal de Pelotas . Rio Grande do Sul . Brasil)
José Guadalupe Gandarilla Salgado
(Universidad Nacional Autónoma de México . México)
Juan Andrés Bresciano
(Universidad de la República . Uruguai)
Julio Bentivoglio
(Universidade Federal do Espírito Santo . Espírito Santo . Brasil)
Jurandir Malerba
(Universidade Federal do Rio Grande do Sul . Rio Grande do Sul . Brasil)

425 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019 - ISSN 1983-9928
Pareceristas de 2019

Jussara Rodrigues da Silva

Karina Anhezini
(Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho . São Paulo . Brasil)
Leandro Duarte Rust
(Universidade de Brasília . Brasília . Brasil)
Lidiane Soares Rodrigues
(Universidade Federal de São Carlos . São Paulo . Brasil
Luciana de Freitas Calado
(Universidade Federal da Paraíba . Paraíba . Brasil
Luciano Magela Roza
(Universidade Federal de Ouro Preto . Minas Gerais . Brasil)
Luiz César de Sá Júnior
(Universidade de Brasília . Brasília . Brasil)
Luiz Carlos Bento
(Universidade Federal de Mato Grosso do Sul . Mato Grosso do Sul . Brasil
Luiz Alberto Grijó
(Universidade Federal do Rio Grande do Sul . Rio Grande do Sul . Brasil)
Luiza Larangeira da Silva Mello
(Universidade Federal do Rio de Janeiro . Rio de Janeiro . Brasil)
Lukas Grzybowski
(Universidade Estadual de Londrina . Paraná . Brasil
Marcelo Santos de Abreu
(Universidade Federal de Ouro Preto . Minas Gerais . Brasil)
Marcelo de Mello Rangel
(Universidade Federal de Ouro Preto . Minas Gerais . Brasil)
Marcelo Candido da Silva
(Universidade de São Paulo . São Paulo . Brasil)
María Gabriela Micheletti
(Universidad Católica Argentina . Argentina)
Maria Berna Ramos Flores
(Universidade Federal de Santa Catarina . Santa Catarina . Brasil)
Maria da Gloria de Oliveira
(Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro . Rio de Janeiro . Brasil)
Maria Eugenia Gay
(Universidad de Buenos Aires . Argentina)

426 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019 - ISSN 1983-9928
Pareceristas de 2019

Maria Eugênia Bertarelli


(Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro . Rio de Janeiro . Brasil)
María Inés Mudrovcic
(Universidad Nacional del Comahue . Argentina)
Mariana Thompson Flores
(Universidade Federal de Santa Maria . Rio Grande do Sul . Brasil
Marília de Azambuja Ribeiro
(Universidade Federal de Pernambuco . Pernambuco . Brasil)
Marina Araujo
(Universidade do Estado de Santa Catarina . Santa Catarina . Brasil)
Mário Jorge
(Universidade Federal Fluminense . Rio de Janeiro . Brasil)
Marlon Salomon
(Universidade Federal de Goiás . Goiás . Brasil)
Martha Rodriguez
(Universidad de Buenos Aires . Argentina)
Martin Wiklund
(Stockholm University . Suécia)
Martín Bergel
(Universidad Nacional de Quilmes . Argentina)
Mateus Henrique Faria Pereira
(Universidade Federal de Ouro Preto . Minas Gerais . Brasil)
Moreno Laborda Pacheco
(Universidade Federal da Bahia . Bahia . Brasil)
Naiara Santos Damas Ribeiro
(Universidade Federal de Juiz de Fora . Minas Gerais . Brasil)
Oliver Holmes
(Wesleyan University . Estados Unidos da América)
Pablo Sanchez Leon
(Universidade Nova de Lisboa . Portugal)
Panayotis Tournikiotis
(National Technical University of Athens . Grécia)
Paulo Iumaiti
(Universidade de São Paulo . São Paulo . Brasil)
Paulo Moreira
(University of Oklahoma . Estados Unidos da América)

427 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019 - ISSN 1983-9928
Pareceristas de 2019

Paulo Pachá
(Universidade Federal do Rio de Janeiro . Rio de Janeiro . Brasil)
Pedro Spinola Pereira Caldas
(Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro . Rio de Janeiro . Brasil)
Pedro Meira Monteiro
(Princeton University . Estados Unidos da América)
Priscila Dorella
(Universidade Federal de Viçosa . Minas Gerais . Brasil)
Rafael Faraco Benthien
(Universidade Federal do Paraná . Paraná . Brasil
Rafael Pereira da Silva
(Universidade de Brasília . Brasília . Brasil)
Raphael Guilherme de Carvalho
(Universidade de São Paulo . São Paulo . Brasil)
Renata Dal Sasso Freitas
(Universidade Federal do Pampa . Rio Grande do Sul . Brasil)
Renato Silva
(Universidade Federal de São Paulo . São Paulo . Brasil)
Ricardo Pimenta
(Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia . Brasília . Brasil)
Richard Rodger
(University of Edinburgh . Reino Unido)
Roberto Vecchi
(Università di Bologna . Itália)
Rodnei Nascimento
(Universidade Federal de São Paulo . São Paulo . Brasil)
Rodolfo Pais Nunes Lopes
(Universidade de Brasília . Brasília . Brasil)
Rodrigo Turin
(Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro . Rio de Janeiro . Brasil)
Rodrigo Patto Sá Motta
(Universidade Federal de Minas Gerais . Minas Gerais . Brasil)
Rodrigo Perez Oliveira
(Universidade Federal da Bahia . Bahia . Brasil)
Rodrigo Diaz
(Universidad Nacional Autónoma de México . México)

428 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019 - ISSN 1983-9928
Pareceristas de 2019

Santiago Barreiro
(Instituto Multidisciplinario de Historia y Ciencias Humanas - CONICET . Argentina)
Sérgio da Mata
(Universidade Federal de Ouro Preto . Minas Gerais . Brasil)
Stefan Berger
(Ruhr University Bochum . Alemanha)
Susani Silveira Lemos Franca
(Universidade Estadual Paulista . São Paulo . Brasil)
Temístocles Cezar
(Universidade Federal do Rio Grande do Sul . Rio Grande do Sul . Brasil)
Thiago Lima Nicodemo
(Universidade Estadual de Campinas . São Paulo . Brasil)
Thiago Granja Belieiro
(Universidade do Oeste Paulista . São Paulo . Brasil)
Thiago Prates
(Universidade Federal de Minas Gerais . Minas Gerais . Brasil)
Tiago Gil
(Universidade de Brasília . Brasília . Brasil)
Flávio Valentin de Oliveira
(Secretaria de Estado de Educação do Pará . Pará . Brasil)
Wagner Geminiano dos Santos
(Redes Municipais de São José da Coroa Grande e Água Preta . Pernambuco .
Brasil)
Wilma Peres Costa
(Universidade Estadual de Campinas . São Paulo . Brasil)

429 Hist. Historiogr. v. 12, n. 31, set.-dez., ano 2019 - ISSN 1983-9928

Você também pode gostar