ANTIFUNDACIONALISMO

Fazer download em doc, pdf ou txt
Fazer download em doc, pdf ou txt
Você está na página 1de 3

ANTIFUNDACIONALISMO

Teoria céptica sobre a impossibilidade de fundar o conhecimento a partir de bases


sólidas e de criar critérios de acesso à verdade. Em teoria, a linguagem não nos
pode dar acesso à verdade nem encerra a verdade; em consequência, a filosofia
perde o seu sentido original, sendo substituída pela retórica, transformando-se
numa disciplina que visa sobretudo a persuasão ou o exercício de uma dada forma
de poder sobre os outros. Quer dizer, para um antifundacionalista a verdade
apenas existe nas coisas pronunciadas e não nos factos em si. Por outras palavras,
o conhecimento só existe porque o criámos. Por isso temos que ser convencidos de
que aquilo que é pronunciado é verdadeiro. Se este mecanismo retórico for eficaz,
um cientista pode, por exemplo, convencer-nos de que as hipóteses que defende
para um dado facto são verdadeiras e, portanto, aceitáveis. Mas, a rigor, ninguém
fica em situação de domínio sobre os outros porque não é possível existir um
reconhecimento mútuo do que seja a verdade.
Os sofistas foram os primeiros antifundacionalistas. O seu cepticismo
levava-os a argumentar que não existe uma verdade universal, válida para todos,
mas tão somente opiniões que variam de indivíduo para indivíduo. O termo é,
contudo, de aplicação e generalização mais recente, tendo sido inicialmente
sugerido por Richard Rorty, em Philosophy and the Mirror of Nature (1979), onde
se questiona o valor e a natureza da verdade que a filosofia dos últimos séculos nos
tem querido impor. A epistemologia procurou desde Platão impor-nos a ideia de
que existem certas verdades que são fundadas pelas suas causas e não pelos
argumentos que se apresentam para conhecer essa verdade. Por isso, recomenda-
se que a epistemologia seja substituída pela hermenêutica, que Rorty considera "an
expression of hope that the cultural space left by the demise of epistemology will
not be filled — that our culture should become one in which the demand for
constraint and confrontation is no longer felt" (Philosophy, 1979, p.315). A partir
daqui, o antifundacionalismo é discutido como uma das faces do pragmatismo
filosófico, correlação que está presente na obra colectiva Pragmatism in Law and
Society (1991), editada por Michael Brint e William Weaver. A mensagem principal
do pragmatismo filosófico é idêntica à tese antifundacionalista da falência da
certeza que se obtém com a transcendentalização das nossas crenças como única
forma de as justificar. Não sendo uma negação explícita da metafísica, o
antifundacionalismo integra uma crítica a todas as crenças na imutabilidade do
conhecimento: não há teses sempiternas, não há juízos incontestáveis, não há
conhecimento indiferente ao contexto em que é produzido.
         A atitude antifundacionalista alargou-se a outras áreas e, graças às
intervenções de Stanley Fish em particular, o tema chegou à teoria literária e aos
estudos culturais. A ideia de uma postura (mais do que uma teoria)
antifundacionalista pode, no entanto, ser facilmente identificada em várias teses
pós-estruturalistas, nomeadamente na questão central da ab-rogação da ideia de
interpretação correcta de um texto literário: quando os teóricos da fase pós-
estruturalista declaram que não há mais interpretações correctas, porque o que
importa é procurar dialecticamente o sentido de um texto, nunca o deixando fixar-
se ou canonizar-se, não estão a fazer outra coisa que não seja tomar o partido
antifundacionalista. Por isso Stanley Fish nos diz que muitos são aqueles que
podem reclamar ter defendido teses antifundacionalistas: "[T]he anti-fundationalist
argument (...) has been made in a variety of ways and in a variety of disciplines: in
philosophy by Richard Rorty, Hilary Putnam, W. V. Quine; in anthropology by
Clifford Geerz and Victor Turner; in history by Hayden White; in sociology by the
entire tradition of the sociology of knowledge and more recently by the
ethnomethodologists; in hermeneutics by Heidegger, Gadamer, and Derrida; in the
general sciences of man by Foucault; in the history of science by Thomas Kuhn; in
the history of art by Michael Fried; in legal theory by Philip Bobbit and Sanford
Levinson; in literary theory by Barbara Hernstein Smith, Walter Michaels, Steven
Knapp, John Fekete, Jonathan Culler, Terry Eagleton, Frank Lentricchia, Jane
Tompkins, Stanley Fish, and on and on." ("Anti-Foudationalism, Theory Hope, and
the Teaching of Composition", in Doing What Comes Naturally, Duke University
Press, Durham, 1989, p.345). Antes, Fish sintetiza a diferença entre o
fundacionalismo e o antifundacionalismo: "By foundationalism I mean any attempt
to ground inquiry and communication in something more firm and stable than mere
belief or unexamined pratice. The foundationalist strategy is first to identify that
ground and then so to order our activities that they become anchored to it and are
thereby rendered objective and principled". Fish propõe a seguinte alternativa:
"[a]nti-foundationalism teaches that questions of fact, truth, correctness, validity,
and clarity can neither be posed nor answered in reference to some
extracontextual, ahistorical, nonsituational reality, or rule, or law, or value." (ibid.,
pp.342-344).
         Uma das críticas mais evidentes que se podem fazer a qualquer filosofia
antifundacionalista consiste em perguntar retoricamente quem é que hoje, de boa
fé, acredita que uma doutrina literária seja imutável ou que uma tese sobre
literatura seja incontestável. Desta forma, é redundante ou inconsequente ser-se
antifundacionalista (ou mesmo anti-essencialista) só para marcar uma posição
teórica. Enquanto o caso da literatura for diferente do caso das religiões
fundamentalistas, por exemplo, aceitamos hoje como um dado adquirido que o
fenómeno literário deve estar sujeito a constante revisão e nunca deve apresentar
os seus pressupostos como leis. Se for um dado consensual que em literatura não
há leis, mas apenas problemas, ou seja, não há fundações que não possam ser
reconstruídas e desconstruídas, então o antifundacionalismo passa a ser por
definição uma das condições necessárias da hermenêutica literária. É também
redundante, por esta razão, a crítica à teoria que Fish faz ("Consequences", in
Doing What Comes Naturally, p.319), como se a teoria fosse por si só o mal. Se é
verdade que muitos académicos ainda pensam que a teoria serve para governar a
prática literária (a sua prática literária pelo menos), não é menos verdade que não
é à teoria que devemos pedir responsabilidades pelo uso que dela se faz. O
fundacionalismo resulta, de facto, de certas práticas totalitárias, que se deixam
condicionar por modas literárias, por ideologias revolucionárias, por sistemas
datados. Não é preciso ser antifundacionalista para condenar tal atitude. Consciente
desta evidência, Ronald Dworkin tem sido um dos mais mordazes críticos do
pragmatismo antifundacionalista, que "use scare-quotes and italics like confetti:
They say that the bad philosophers think not just that things really exist but that
they 'really' or really exist, as if the quotes or italics change the sense of what is
said. Metaphor is their heavy artillery, however. They say that the bad think that
reality or meaning or law is 'out there'; or that the world, or texts, or facts 'reach
out' and 'dictate' their own interpretation; or that law is 'a brooding omnipresence
in the sky'.These metaphors are meant to suggest, as it were, that the bad
philosophers are claiming a new, different, metaphysically special kind of reality,
reality beyond the ordinary, a new, supernatural, philosophical discourse. But it is
only the pragmatists who, in fact, ever talk that way. They invented their enemy or,
rather, tried to invent him." ("Pragmatism, Right Answers, and True Banality", in
Pragmatism in Law and Society, p.364). Esta crítica serve também à desconstrução
de Derrida, que entra na categoria de antifundacionalista enquanto sistema de
invalidação de qualquer conhecimento absoluto (os absolutos apenas nos são dados
de forma ficcional, defende Derrida). Perante um texto, não há uma única
interpretação que possa ser mais verdadeira do que as outras: o que há, defende a
perspectiva antifundacionalista da desconstrução, é múltiplas interpretações,
sujeitas à instabilidade constante das relações significante/significado.
 
DESCONSTRUÇÃO; DETERMINAÇÃO/ INDETERMINAÇÃO; ESSENCALISMO;
HERMENÊUTICA; HERMENÊUTICA DA SUSPEITA; NEOPRAGMATISMO; PÓS-
MODERNISMO; PÓS-ESTRUTURALISMO
 
Bib.: Brint, Michael; Weaver, William G.; Garmon, Meredith "What Difference Does
Anti-Foundationalism Make to Political Theory?", New Literary History, 26, 2
(1995);Horace L. Failamb: Critical Conditions: Postmodernity and the Question of
Foundations (1994); Michael Bernard-Donals e Richard R. Glejzer (eds.): Rhetoric
in na Antifoudantional World: Language, Culture, and Pedagogy (1998; John
Michael Fritzman: "The Consequences of Antifoundationalism: The Intersections of
Dialectic and Rhetoric", Tese de Doutoramento, Universidade de Purdue, 1992;
John Patrick Diggins: The Promise of Pragmatism: Modernism and the Crisis of
Knowledge and Authority (1995); Richard Rorty: Philosophy and the Mirror of
Nature (1979); id.: The Consequences of Pragmatism (1982); id.: Contingency,
Irony, Solidarity (1989); Stanley Fish: Doing Whay Comes Naturally (1989).
 
Carlos Ceia

Você também pode gostar