Contos Apontamentos - Sempre Uma Companhia e George
Contos Apontamentos - Sempre Uma Companhia e George
Contos Apontamentos - Sempre Uma Companhia e George
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Solidão e convivialidade.
O título «Sempre é uma companhia» remete para a companhia que a rádio
vinha trazer à população isolada, invadindo a taberna e as suas vidas, com
as notícias da II Guerra Mundial.
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pernas arqueadas», usa «chapeirão» e um «lenço vermelho atado
ao pescoço».
• Mulher de Batola – expedita, trabalhadora, incansável, é ela quem
abre a venda e atende os clientes, voltando depois para a lida da
casa; ela é «alta, grave, um rosto ossudo», dotada de um sossego
único, característica advinda da sua possibilidade de por e dispor
do governo da casa e do negócio.
• Rata – era mendigo e viajante, uma espécie de mensageiro. Quando
Batola o escutava a tarde inteira, parecia que também ele havia
viajado pelo mundo. Quando deixou de poder viajar, suicidou-se.
• Caixeiro-viajante – vendedor de aparelhos radiofónicos,
comerciante e amigo de vender.
• Os homens de Alcaria – figurinhas metaforicamente apresentadas
com gado e que vivem em casas «tresmalhadas»: «o rebanho que se
levanta com o dia, lavra, cava a terra, ceifa e recolhe vergado pelo
cansaço e pela noite. Mais nada que o abandono e a solidão.» Têm
falta de esperança numa vida velhor. Batola contrasta com estes,
pois pode preguiçar, bebe o melhor vinho da venda, tem um fio de
ouro no colete, mas é solidário com os aldeãos. Partilha com este, a
condição animalesca dos conterrâneos: “rumina” a revolta; os
suspiros saem-lhe “como um uivo de animal solitário”.
A intriga
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O espaço
O tempo
• Tempo histórico: anos 40 do século XX (referência à eletricidade e à
telefonia).
• Passagem do tempo condensada: “há trinta anos para cá”, “todas
as manhãzinhas”.
• Tempo sintetizado: da chegada do vendedor à partida do vendedor
e prazo de entrega do aparelho – um mês.
O narrador
• O narrador de terceira pessoa narra os acontecimentos, comenta,
conhece o passado e o mundo interior das personagens (presença:
não participante; ponto de vista: subjetivo; focalização:
omnisciente)
• O narrador centra a atenção do leitor no abandono e solidão
sentidos pelo protagonista.
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A atualidade
• Isolamento e falta de convivialidade.
• Relações entre homem e mulher.
• Vícios sociais: o alcoolismo, a violência doméstica.
• As inovações tecnológicas e alterações de hábitos sociais.
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Plural 12 ano, Raiz, 2018.
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Maria Judite de Carvalho «George»
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Numa viagem de comboio (metáfora da passagem e da mudança)
George confronta-se com Georgina, uma mulher velha que vive
muito confortavelmente; o dinheiro advém das vendas da pintura
de George; afirma que o único crime é a velhice, pois embora não
tenha marido nem filhos, ela tem-se a si própria, não tendo sido
vencida pelos estereótipos antigos de família;
Ser velho pode ser mau, mas ser jovem ou estar a meio caminho
também pode não ser assim tão entusiasmante;
A viagem e a errância são a metáfora da vida – um outro tema deste
conto.
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Renato Quintella de Oliveira, «George», a errância em busca de liberdade in
https://periodicos.fclar.unesp.br/itinerarios/article/download/9703/6390
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desdobramento do próprio sujeito que finge ser outro, ao projetar-se, agora no
futuro. À maneira de Fernando Pessoa, Maria Judite de Carvalho constrói um ser
disperso, sem unidade aparente. George aparece multifacetada e, tentando
compreender-se, trava um intenso diálogo (ou monólogo?) consigo própria. O
narrador apresenta ao leitor o que se passa no espaço interior de George: o
confronto incessante entre esses diferentes “eus”. Tentando compreender e
esquecer o que foi, George dialoga com Gi, jovem de 18 anos e ainda ingênua e
inexperiente em relação às decisões importantes da vida. Tentando visualizar seu
futuro, George dialoga com Georgina, senhora de quase 70 anos, já vivida,
experiente e fisicamente decrépita, que não é, contudo, quem George quer ser.
Nesta busca incessante e permanente, a personagem George procura uma
explicação que confira sentido à sua existência interior. Terá encontrado? Ou
julga ter encontrado pelo fato de ser bem sucedida, artística e financeiramente?
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dos seus amores” é um homem ou uma mulher: “[...] Vai morar com o último dos
seus amores.” (CARVALHO, 1995, p. 44). Além disso, o nome George não é um
nome próprio típico de Portugal. Uma família portuguesa tradicional não
nomearia um de seus membros por George, o que reafirma a negação de uma
identidade originária e o desejo de ser outro. Observa-se, assim, uma diluição de
fronteiras antes demarcadas, no que diz respeito às questões de gênero, à
temporalidade (passado, presente, futuro) e aos níveis do real e do imaginário,
presentes no espaço textual.