Dilemas e Desafios, Leonor Santos

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Dilemas e desafios da avaliação reguladora

Leonor Santos, DEFCUL, CIE, DIF, ProjectoAREA

Segundo Black (2005), a avaliação formativa tem constituído uma indústria


crescente nos últimos anos. O seu desenvolvimento tem-se expandido em duas
vertentes: a partir da investigação, com o intuito de compreender se as práticas de
avaliação formativa melhoram o desempenho dos alunos e, a partir da prática,
procurando perceber se os professores são capazes de transformar as ideias vindas da
investigação em práticas produtivas.
Neste sentido, este texto está organizado em três partes. A primeira, procura
contribuir para a construção de um enquadramento teórico relativo à avaliação
formativa. Para tal, discute os diferentes significados atribuídos à avaliação formativa
ao longo do tempo, desde que este conceito foi introduzido no campo das aprendizagens
até ao presente, relacionando-os com o que em cada momento se entende por ensinar e
aprender. Uma segunda parte discute diversas formas de concretização na prática da
avaliação formativa. Esta discussão está sustentada na investigação desenvolvida e
procura a partir dela enunciar questões emergentes. Por último, a terceira parte enuncia
questões de âmbito mais global para reflexão futura. De certa forma, poder-se-á afirmar
que a segunda parte deste texto segue a lógica seguida no seu todo.

A evolução do conceito de avaliação formativa

Numa revisão de literatura sobre práticas de avaliação formativa na sala de aula


realizada por Black & Wiliam (1998a), feita a partir da análise de 681 artigos e
capítulos publicados de estudos desenvolvidos entre 1988 a 1997, emerge que não
existe na literatura analisada um significado único e consensual de avaliação formativa.
Estes autores assumem assim que quando falam de avaliação formativa se referem a
todas as actividades desenvolvidas pelos professores e/ou pelos alunos que fornecem
informação a ser usada como feedback para modificar as actividades de ensino e de
aprendizagem.
Do mesmo modo, Abrecht (1991), reconhecendo que não existe uma teoria
unificadora sobre avaliação formativa, ao analisar diferentes definições apresentadas por

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diversos autores, identifica um conjunto de pontos convergentes que encontra nessas
definições, nomeadamente que a avaliação formativa:
- se dirige ao aluno,
- procura uma consciencialização por parte do aluno sobre a sua aprendizagem;
- é parte constitutiva da aprendizagem;
- procura uma adaptação a uma situação individual, devendo assim respeitar a
pluralidade e a diversidade;
- o seu enfoque é tanto sobre os resultados como sobre os processos;
- não se limita à observação, mas requer uma acção, uma intervenção sobre a
aprendizagem e/ou sobre o ensino;
- procura as razões que dão sentido às dificuldades ao contrário de as sancionar;
- se dirige também ao professor para ajudá-lo a orientar a sua prática lectiva.
Tomando com ponto de partida estas características globais da avaliação formativa,
procuraremos, em seguida, analisar de forma mais pormenorizada do que falamos
quando abordamos a avaliação formativa. Como acontece com outras dimensões da
avaliação, para procurar compreender de forma mais aprofundada o significado de
avaliação formativa é necessário ter um olhar mais amplo sobre o campo educativo,
tomando em linha de conta o que em cada momento se entende por ensinar e aprender
(Pinto & Santos, 2006a). A avaliação não constitui uma componente isolada e
dissociada de todo o processo educativo, mas acima de tudo ela é uma parte inseparável
de um complexo sistema onde o fim último do acto educativo é a aprendizagem.

A avaliação formativa
O termo “avaliação formativa” foi criado por Scriven num artigo, publicado em
1967, sobre a avaliação de meios de ensino (currículo, manuais, métodos, etc.) (Allal,
1986). Bloom recupera o termo e usa-o para identificar uma das modalidades de
avaliação na sua proposta pedagógica (Bloom, Hastings & Madaus, 1971), conhecida
como pedagogia por objectivos. Assente numa teoria de aprendizagem ainda marcada
pelo behaviorismo, cabe ao professor organizar a estrutura de ensino. A partir de uma
taxionomia de objectivos, que divide os objectivos em três domínios – cognitivo,
afectivo e psico-motor – os conteúdos programáticos devem ser organizados em
pequenas unidades temáticas de ensino, hierarquicamente organizadas do mais simples
para o mais complexo. O ponto de partida são os termos e factos, seguem-se-lhe ideias
mais abstractas, como os conceitos e princípios, concluindo-se com processos de

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aplicação e análise. Para além disso, cabe ainda ao professor desenvolver um bom nível
de motivação no aluno, condição necessária para que aconteça aprendizagem, e criar
condições favoráveis à aprendizagem de cada aluno.
Começa-se então a assumir que todo o aluno é capaz de aprender, isto é, de se
aproximar progressivamente da consecução dos objectivos predefinidos. O que
diferencia sobretudo os alunos entre si é o ritmo com que essa aproximação acontece. É,
neste contexto, que a avaliação formativa (e a avaliação diagnóstica, quando aquela
ocorre num momento prévio ao processo de ensino e aprendizagem) assume um papel
essencial e estratégico na melhoria da gestão do processo de ensino e aprendizagem. O
diagnóstico e a remediação são assim duas componentes fundamentais nesta ideia de
avaliação. O diagnóstico traduz a evidência resultante do balanço entre o estado real e o
desejado do aluno. A remediação decorre das decisões sobre o que fazer para alterar
uma situação de discrepância entre estes dois estados.
Sendo a pedagogia por objectivos ainda marcada por uma lógica comportamental, a
diferenciação pedagógica reduz-se sobretudo a dividir os alunos em dois grupos:
aqueles que necessitam de mais tempo e aqueles que já atingiram os objectivos. Aos
primeiros propõem-se estratégias de remediação, tais como mais tarefas do mesmo tipo,
ou mesmo a redução do ritmo de ensino ou uma sua simplificação. Aos segundos,
tarefas de aprofundamento. Por outras palavras, espera-se uma acção do professor
normalizada e desenvolvida após um primeiro período de ensino, isto é, pontual e
retroactiva (Allal, 1986). A avaliação formativa corresponde assim a uma “função
orientadora do professor, num sentido restrito” (Pinto & Santos, 2006a, p. 26).
Em síntese, poder-se-á dizer que no quadro da pedagogia por objectivos:
- ensinar significa gerir os tempos e os esforços;
- aprender significa aproximar-se dos objectivos;
- as experiências de aprendizagem organizam-se do mais simples para o mais
complexo;
- o professor é o perito e o decisor das estratégias a tomar;
- o aluno é o executor;
- a avaliação formativa procura a consecução de objectivos;
- a avaliação formativa é proactiva (caso da diagnóstica) ou retroactiva;
- a decisão resultante da avaliação formativa é normalizada e traduz-se por “dar
mais do mesmo”.

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A avaliação formadora
Adoptando uma perspectiva construtivista da aprendizagem, é atribuído ao
aprendente, ao aluno, um papel central. Não deixando de ser essencial o papel do
professor, este passa sobretudo a assumir a responsabilidade de construir e propor
contextos favoráveis e adequados de aprendizagem e de gerir e orientar o aluno no
desenvolvimento de tais contextos. Ao aluno, através de um contexto de interacção
social facilitador, espera-se que vá evoluindo e mudando de forma estável por sua
própria acção. Esta mudança não segue uma lógica linear do simples para o complexo,
mas antes faz-se através de situações desafiantes e intelectualmente exigentes, como
seja através da resolução de problemas, no seu sentido lato.
A avaliação formativa passa então a ser vista como um processo de
acompanhamento do ensino e aprendizagem. O seu objectivo é acima de tudo ajudar a
compreender o funcionamento cognitivo do aluno face a uma dada situação proposta.
Não é a correcção do resultado o seu foco de atenção, mas antes a interpretação que
procura a compreensão dos processos mentais dos alunos. É, aliás, nesta perspectiva que
o erro assume um valor de grande importância pois é através dele que podemos aceder
aos processos mentais do aluno, que podemos compreender como pensa e que relações
estão a ser estabelecidas num dado momento. Passamos, deste modo, a assumir uma
nova postura face ao erro: de uma função contabilística – quantos mais erros, maior a
sanção – passa a ser visto como uma fonte poderosa de informação, quer para o
professor, quer para o próprio aluno (Santos, 2002).
Esta recolha de informação não é, contudo, por si só suficiente para que aconteça
um acto de avaliação formadora. Deve seguir-se uma interpretação da informação
recolhida, da qual decorrerá uma intervenção de natureza reguladora. Esta acção
reguladora pode incidir sobre diversos objectos: sobre a clarificação entre os objectivos
de aprendizagem e as tarefas a utilizar; sobre a explicitação/negociação de critérios de
avaliação para uma eficaz apropriação por parte dos alunos; ou ainda sobre a
sistematização, interpretação e tomada de consciência dos erros cometidos na realização
de uma dada tarefa. Para qualquer um destes propósitos, a definição e a explicitação
e/ou a negociação de critérios de avaliação são essenciais. Falamos tanto nos critérios de
realização, como nos de sucesso (Nunziati, 1990). Segundo Bonniol e Vial (1997), o
trabalho metacognitivo desenvolvido a partir dos critérios é determinante de modo que
os alunos possam apropriar-se das ferramentas de avaliação dos professores e, dessa
forma, passem a dominar as operações de antecipação e de planeamento das acções a

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desenvolver para obter os produtos esperados. É imprescindível que haja um processo
de regulação efectivo por parte daquele que está a aprender.
Assim, a interacção entre professor e aluno, ao longo do processo de ensino e
aprendizagem, é indispensável. O objectivo primeiro é que o aluno vá progressivamente
interpretando e compreendendo cada vez melhor o que o professor espera dele. A
avaliação pode assim tornar-se um processo de diálogo entre actores que, partindo de
pontos de vista diferentes, é capaz, através da explicitação das suas divergências, de
construir entendimentos comuns e partilhados.
É de fazer notar que toda a aprendizagem comporta necessariamente dificuldades e
erros, porque é um processo de reestruturação de representações prévias. Contudo, para
que a aprendizagem aconteça e seja duradoura no tempo, nomeadamente através dos
erros cometidos, é essencial que estes sejam reconhecidos e compreendidos não só pelo
professor, mas fundamentalmente pelo aluno, cabendo a este último desejavelmente a
sua correcção. Assim, o fim último é que o protagonista da avaliação de cariz regulador
seja o aluno, sendo assim a auto-avaliação a forma privilegiada de avaliação. Esta forma
de regulação pedagógica, a auto-avaliação regulada, é um processo de metacognição
(Santos, 2002) e como tal, um meio de aprendizagem.
É exactamente para destacar a evolução do entendimento dado à avaliação
formativa que diversos autores, divergindo num ou noutro aspecto pontual ou dando
enfoque a especificidades diversas, optam por designá-la de outra forma. Este é, por
exemplo, o caso de Barlow (1992) que utiliza o termo “a comunicação avaliativa”; de
Black et al. (2003) de “avaliação para a aprendizagem”; de Fernandes (2005) que a
designa por “avaliação formativa alternativa”; de Jorro (1996) “avaliação-regulação”;
de Nunziati (1990) “avaliação formadora”; de Weiss (1994) de “interacção formativa”;
e ainda Allal (1986) e Pinto & Santos (2006b) de “avaliação reguladora”.
Em síntese, poder-se-á dizer que, decorrente da evolução sofrida no significado de
avaliação formativa, se podem identificar os seguintes aspectos como comuns aos
diferentes autores:
- ensinar significa facilitar, gerir e orientar;
- aprender significa mudar de forma estável por acção do próprio;
- as experiências de aprendizagem organizam-se do complexo para o complexo;
- o professor é interveniente e proponente;
- o aluno é interveniente;
- a avaliação formadora procura atingir uma aprendizagem proposta;

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- a avaliação formadora é essencialmente interactiva;
- a decisão resultante da avaliação formadora é diferenciada.

A negociação avaliativa
Jorro (2000) fala-nos ainda de um terceiro possível significado de avaliação
formativa, a que chama negociação ou apóstrofe avaliativa. Para esta autora, este
entendimento assenta num paradigma da compreensão. Este distingue-se dos anteriores
sobretudo no papel de intervenção do aluno. Para si, este papel passaria a entender o
aluno como co-autor do projecto de aprendizagem, cuja finalidade é a apropriação do
saber.
Marcada por um processo de reflexão que antecede a aprendizagem, a negociação
avaliativa contribui para o processo de aprendizagem porque leva ao questionamento
prévio de natureza metacognitiva. “Contrariamente à avaliação formativa orientada para
a apropriação de saberes, a negociação avaliativa reconhece que o aluno é portador de
significados, os quais lhe permitem entrar em relação com o mundo e aí cumprir com os
saberes escolares” (Jorro, 2000, p. 97). A reflexão consiste para o aluno no
questionamento dos seus esquemas de pensamento e das suas rotinas, na capacidade de
se distanciar das suas ideias para reconhecer o interesse e importância de uma nova
reconstrução.
Este entendimento valoriza ou destaca fortemente a auto-avaliação como processo a
desenvolver desde o primeiro momento de confrontação com uma situação de
aprendizagem. Cabe ao aluno através do questionamento perceber ou atribuir
significado, trabalhando para uma “apropriação–criação de sentido” (Jorro, 2000, p. 99).
É através deste questionamento que o aprendente, o aluno, se interroga sobre o ponto de
vista a partir do qual vai atribuir um significado. Por outras palavras, há um sentimento
consciente de procura de significado, não para ir de encontro ao do professor, mas sim,
em primeiro lugar, daquilo que para si tem sentido. Não existe um objectivo de
reprodução, mas sim o de assumir a confiança em si próprio para arriscar, para dizer o
que pensa e o que a sua reflexão propõe. Desenvolve, assim, uma atitude autónoma de
pensamento. Contudo, existe o respeito e o reconhecimento de regras e normas
preestabelecidas que serão atendidas através de um processo de negociação.
Esta perspectiva de como ocorre a aprendizagem requer do professor uma atitude
necessariamente de abertura e respeito por todas as opiniões que surjam ao longo do
processo, para além de ser também um consultor. Num processo de aprendizagem o

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caminho mais curto nem sempre é o mais adequado ao aluno. A procura de sentido
através do questionamento leva a que a compreensão anteceda a aplicação de qualquer
saber. Ao contrário de se privilegiar o pôr em uso os saberes escolares, o foco assenta
em que o aluno, através das questões que coloca a si próprio, atribua sentido ao que faz.
Em vez de se falar em critérios de realização, que visam saberes, passa-se a falar de
critérios de expressão, que se dirigem à mobilização e ao sentido dos significados
atribuídos pelo aluno. De critérios de sucesso, associados à adequação ou correcção de
um certo desempenho, passa-se a falar de critérios de pertinência, que permitem
perceber a relação entre as ideias, os pontos de vista e a sua conceitualização. Segundo
Jorro (2000), estes dois tipos de critérios são complementares. Enquanto os primeiros
tendem para a conceitualização, os segundos são de natureza problemática.
Em síntese, como afirma Jorro (2000), o que verdadeiramente distingue este
entendimento de negociação avaliativa do de avaliação formadora, anteriormente
apresentado, é de que naquela o que está em questão é o sentido (“le sens en question”),
enquanto nesta é a questão do sentido (“la question du sens”). Não se trata, contudo, de
duas formas contraditórias de encarar uma perspectiva de avaliação ao serviço da
aprendizagem, mas antes uma necessidade de clarificação do que está em jogo. “A
negociação avaliativa mobiliza o aluno sobre a sua relação com o mundo, e sobre a sua
relação com o saber, enquanto a avaliação formadora organiza a confrontação com o
objecto a adquirir” (Jorro, 2000, p. 105).
A concluir, poder-se-á dizer que no quadro da negociação avaliativa:
- ensinar significa facilitar, gerir e orientar;
- a reflexão antecede a aprendizagem e passa pela atribuição de sentidos, e
personalização;
- as experiências de aprendizagem organizam-se do complexo para o complexo;
- o professor é interveniente e proponente;
- o aluno é interveniente e proponente;
- a negociação avaliativa procura a compreensão;
- a negociação avaliativa é essencialmente interactiva.

Em síntese e da análise sobre a evolução do significado ou sentido que se tem vindo


a atribuir à avaliação formativa, aqui apresentada, podemos afirmar que esta nem
sempre foi vista do mesmo modo ao longo do tempo. Contudo, em todos os momentos
foi-lhe atribuída uma função pedagógica, que não se limita à observação, mas ao

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desencadear de uma intervenção pedagógica (regulação) sobre o ensino e/ou
aprendizagem, e destina-se a ajudar o aluno, e também o próprio professor, dando pistas
de retorno através de informações múltiplas.
Com o evoluir dos tempos, podemos também dizer que a avaliação formativa não
está circunscrita apenas aos momentos formais de avaliação durante o ano lectivo, mas
está cada vez mais presente no quotidiano da sala de aula, nos momentos das
actividades de aprendizagem e de reflexão sobre essas aprendizagens. Um outro aspecto
que merece especial destaque é a intencionalidade. É a intenção de compreensão e apoio
ao aluno que dá à avaliação uma natureza formativa. Contudo, ela só será
verdadeiramente formativa ou reguladora se, para além da intencionalidade, existirem
implicações para a aprendizagem. Caso contrário, podemos afirmar que ela tem apenas
a intenção de ser formativa, isto é trata-se de uma avaliação com intenção reguladora.

A avaliação reguladora na prática lectiva

No ponto anterior procurámos clarificar o significado de avaliação formativa.


Vejamos agora como este processo avaliativo pode ser concretizado na prática lectiva,
em particular no quotidiano do trabalho desenvolvido na sala de aula e que resultados
nos dão alguns estudos realizados. A estrutura que seguiremos tem por base a que tem
sido desenvolvida no âmbito do ProjectoAREA1.

Processos de avaliação reguladora Possíveis actividades


Questionamento professor turma
Questionamento oral Questionamento professor aluno
Questionamento aluno/aluno
Escrita avaliativa Feedback escrito a produções de alunos
Explicitação/negociação de critérios pelo
Auto-avaliação professor
Avaliação desenvolvida pelo próprio
Avaliação desenvolvida por pares
Quadro 1. Práticas de avaliação reguladora

As diversas formas possíveis de concretização de práticas reguladoras de avaliação


que passaremos a desenvolver são as indicadas no quadro 1., muito embora

1
Projecto financiado pela FCT, nº PTDC/CED/64970/2006. Para mais informações consulte
http://area.fc.ul.pt/

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consideremos que outras poderiam ser igualmente referenciadas. Contudo, não
poderemos falar de práticas de avaliação reguladora sem falar obrigatoriamente numa
destas.

Questionamento oral
A interacção professor e alunos na sala de aula é, sem sombra de dúvida, uma
prática muito comum, qualquer que seja o método de ensino seguido. Contudo, parece
mais difícil do que seria de esperar, ou não, que esta interacção tenha características de
uma avaliação efectivamente reguladora. Como afirma Stenmark, (1989) colocar a
pergunta certa é uma arte a ser cultivada por todos os educadores. Da mesma opinião é
Gipps (1999) ao afirmar que colocar questões no contexto da sala de aula poderá não ser
tão simples quanto pode parecer.
Ao falarmos numa interacção que possa ser designada de reguladora, isto é que seja
contributiva para a aprendizagem, estamos a pensar em toda a interacção que apresente
como características: (i) ser intencional; (ii) ser participada pelos diversos elementos
constituintes da comunidade; (iii) considerar o erro sem estatuto diferenciado, não se
destacando os que erram daqueles que acertam; (iv) privilegiar e respeitar diferentes
modos de pensar; (v) reconhecer a comunidade turma como campo legítimo de
validação ou correcção de raciocínios e processos, ou seja as diferentes interacções
permitidas e mesmo incentivadas pelo professor constituem contextos para o
desenvolvimento da auto e co-avaliação dos alunos.
Estamos conscientes de que a análise do discurso na sala de aula, muito em
particular aquela que assenta num paradigma sociolinguístico, é exigente na atribuição
de sentido a uma dada questão colocada, uma vez que para tal se possa fazer com
alguma profundidade e compreensão é necessário conhecerem-se o contexto onde ela
ocorre, as relações estabelecidas entre os diferentes actores envolvidos, as condições em
que foi formulada, etc… Contudo, apresentamos de seguida alguma evidência de que
dispomos que nos permite perceber como é complexa esta prática de avaliação no
quotidiano da sala de aula.
Um estudo desenvolvido por Rowe (1974, in Black et al., 2003), sobre o discurso
na sala de aula de ciências no ensino elementar, evidencia que o tempo médio de espera
do professor entre a formulação de uma questão e nova intervenção da sua parte é de 0,9
segundos. Na sequência deste estudo, o mesmo investigador procurou estudar os efeitos
decorrentes do aumento do tempo de espera, identificando os seguintes: as respostas

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tornaram-se mais longas; o insucesso nas respostas diminuiu; as respostas passaram a
revelar maior confiança por parte dos alunos; os alunos desafiaram e/ou contribuíram
para o aperfeiçoamento das respostas de colegas; passou a existir maior número de
respostas alternativas. Contudo, a mudança de práticas foi considerada, pelos
professores envolvidos, “dolorosa” e a existência de momentos mortos “antinatural”.
Um outro estudo desenvolvido por Stiggings et al. (1989, in Black & Wiliam,
1998a), que envolveu 32 professores de diversas disciplinas, do 2º ao 12º ano de
escolaridade, evidencia que em todos estes níveis de escolaridade, o questionamento era
na sua grande maioria constituído por perguntas directas. Por exemplo, nas aulas de
ciências, 65% das perguntas eram deste tipo, enquanto apenas 17% se dirigiam ao
raciocínio dedutivo ou inferencial. Note-se que, segundo Gipps (1999), perguntas
fechadas, nomeadamente perguntas específicas de diagnóstico, quando repetidas, podem
levar os alunos a mudar rapidamente de opinião, procurando a resposta correcta sem
serem acompanhadas de qualquer tipo mais elevado de raciocínio, mas antes através de
estratégias para descobrir a resposta esperada pelo professor. Parece existir a convicção,
por parte dos alunos, criada a partir da sua própria experiência escolar, de que se o
professor está a repetir a pergunta é porque não obteve ainda a resposta correcta. Há
assim que procurar outras respostas, mais por tentativa e erro, procurando adivinhar o
que está a pensar o professor, do que através do desenvolvimento de um raciocínio
adequado à situação. Já a colocação de perguntas abertas “poderá ser interpretada como
partilha de controlo e poder, e, até mesmo, daquilo que são considerados conhecimentos
aceitáveis e satisfatórios, com os alunos” (Gipps, 1999, p. 382).
Num projecto em curso sobre a avaliação formativa da responsabilidade do
Assessment Group do King’s College de Londres, o questionamento foi objecto de
atenção junto de dois professores de matemática e dois de ciências de cada uma das seis
escolas seleccionadas, abrangendo o 7º, 8º e 10º anos de escolaridade, durante o ano
lectivo de 1999/2000. Em particular, procurou-se atender às seguintes estratégias para o
questionamento: (i) dar tempo/saber esperar; (ii) envolver maior número de alunos na
discussão; (iii) aprender a lidar com respostas erradas. Neste trabalho, os professores
envolvidos reconheceram que a formulação de perguntas fechadas e directas tendiam a
desencadear respostas de nível superficial, com pouca possibilidade de levar o aluno a
desenvolver raciocínios. O trabalho em torno desta problemática tornou os professores
mais sensíveis a esta questão, e ajudou-os a mudar com maior confiança o seu modo de

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questionamento na sala de aula, muito embora este processo tenha levado cerca de um
ano (Black et al., 2003).
Embora não conheça em Portugal qualquer investigação que tenha por principal
objecto de estudo o questionamento na sala de aula, a minha experiência profissional ao
longo de vários anos aponta para uma realidade muito próxima das anteriormente
descritas. Habitualmente, numa disciplina a nível do mestrado sobre a avaliação das
aprendizagens que lecciono há cinco anos, por vezes, em diversas instituições do ensino
superior de diferentes zonas do país, costumo pedir aos alunos que observem e registem
episódios de sala de aula para posteriormente os analisarem numa perspectiva de
avaliação reguladora. O que é verdadeiramente surpreendente é que embora estes
episódios digam respeito a anos de escolaridade diversos, a disciplinas distintas e a
escolas localizadas em diferentes pontos do país, a sua tipologia é absolutamente
idêntica (ver, por ex., Pinto & Santos, 2006a; 2006b). A título ilustrativo, apresenta-se
de seguida um desses episódios, respeitante a uma aula de Matemática de revisão dos
conceitos de função e de proporcionalidade directa do 9º ano de escolaridade2.

[Enquanto fala, a professora desenha no quadro um diagrama, que representa uma


função, com um primeiro conjunto constituído pelos elementos 1, 2 e 3 e um
segundo constituído pelas letras A, B e C].
1. P: Estes elementos daqui [apontando para o primeiro conjunto] têm que
obrigatoriamente estar todos ligados unicamente ali [aponta para o segundo
conjunto], e pode ser assim…
2. D: Oh professora, então os da esquerda têm que estar ligados, mas os da direita
não precisam de ter correspondência?
3. P: Ok! É isso mesmo. Porquê? [Responde logo] Para a correspondência ser
função todos os que são daqui [aponta para o conjunto de partida] têm que ter
uma única ligação para ali [e aponta para o conjunto de chegada]; também não
pode ser isto [desenha outra seta e um dos elementos do 1º conjunto passa a ter
2 imagens], não podes ligar o 2 ao B e ao C, porque deixa de ser uma
correspondência unívoca.
[Três alunos falam ao mesmo tempo, questionando a professora]
4. A: Pois não s’tora? Porque assim …
5. B: Tem que ficar sempre um? [O aluno refere-se ao conjunto de chegada, e
pretende saber se, para que seja função, tem que sobrar um elemento no
conjunto chegada]
6. F: E do lado direito estão as imagens.
7. P: [A professora ignora o comentário da aluna e continua] Os que estão aqui,
[Aponta para o conjunto de chegada], e estão ligados…
8. A: São as imagens.

2
Este episódio foi recolhido por Evangelina Romano e Sílvia Semana no âmbito da disciplina de opção,
Avaliação das Aprendizagens, constituinte do plano curricular do Mestrado em Educação, especialidade
Didáctica da Matemática da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, no ano lectivo 2006/07.

Leonor Santos 11
9. P: [A professora continua o seu discurso sem ouvir o aluno]... são as imagens,
portanto há a imagem A e a imagem B.
10. C: Os que não estão ligados é como se não existissem.
11. P: É! Só pertencem ao conjunto de chegada, mais nada; para a função, nada.
[Remetendo para a ficha] Assim, se se designar por x um objecto qualquer do
domínio de uma função f, então a sua imagem representa-se por f(x) ou por y.
Normalmente os objectos representam-se por x e as imagens por f(x) ou por y.
Nós também fazemos…
12. B: E pode ser um ou outro, s’tora?
[A professora continua]
13. P: Como é que era? Descobrir objectos e descobrir imagens, como é que a
gente fazia? … Por exemplo, se eu tivesse isto assim [Escreve no quadro f(...) =
A], eu quero saber qual é o objecto que tem como imagem A.
14. C e D: [Em simultâneo] É o 1.
15. P: É o 1. Como é que eu fazia então, isto assim, [escreve no quadro f(2)=…], f
de 2 é igual ….
16. Vários alunos: A B.
17. P: E isto quer dizer o quê?
18. Vários alunos, em conjunto: O objecto 2 vai ter imagem B.
19. A: Oh s’tôra, então se os objectos estivessem ligados ao C, o C também era
imagem?
20. D: Pode ser ….
21. B: Então o objecto B tem duas imagens?
22. P: Domínio, objectos…, contradomínio, imagens. Eu quero que vocês façam o
resumo.
23. (…)
24. P: Está bem? Nós não falamos em objectos nem em imagens quando não é
função. É só uma correspondência. A alínea g, a alínea g não, o gráfico g é ou
não uma função?
25. A e D: [Em simultâneo] É.
26. B: É.
27. P: É. Porquê? [E a professora acrescenta] Cada…
28. A: Cada objecto…
29. P: [Interrompe] Agora tens que dizer, cada objecto…, e onde é que estão os
objectos aqui representados no gráfico?
30. B: Um objecto é o 1 e o outro objecto é o 2.
31. P: Qual é o dos objectos? Ou qual é o conjunto de partida quando estamos
num gráfico? É o h ou é o t?
32. Vários alunos: É o t.
33. P: Não, não! …
34. Vários alunos: [Reagem todos ao mesmo tempo] É o h.
35. P: …Porque…
36. A: O h é o conjunto de partida.
37. P: …. O h é o conjunto de partida, o x não é o que vai no eixo horizontal?
38. Vários alunos: É.
39. P: …O x não é também a variável independente? O eixo horizontal é onde está
o conjunto de partida.

Da análise deste extracto de sala de aula, é visível que a comunicação está


maioritariamente a cargo do professor; encontram-se poucos momentos de interacção
aluno-aluno (falas 19 a 21); muitas das intervenções dos alunos são ignoradas (por ex.
falas 6, 12 e 21); o papel do professor é pouco questionador, senda as questões quando

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surgem sobretudo do tipo fechado e directa (falas 13, 24 e 31) ou imediatamente
respondidas pelo próprio (falas 3, 29, 39) e raramente pede justificações (falas 17 e 27).
Do exposto emerge a complexidade e exigência inerente ao processo de
questionamento. Neste sentido, Gipps (1999) alerta-nos para as diferenças de natureza
cultural e social que podem estar presentes na sala de aula e que influenciam muito
possivelmente a forma como os alunos respondem ao professor. Para além deste campo,
esta autora acrescenta ainda concepções de âmbito epistemológico, psicológico e
pedagógico. Por exemplo, a forma como os alunos entendem uma pergunta, vista como
um meio de aprendizagem ou como forma de por em cheque a sua imagem perante os
outros, pode determinar a sua resposta. Do ponto de vista do professor, a formulação de
perguntas abertas, uma vez que permite mais do que uma resposta correcta, aumenta a
complexidade do ambiente de aprendizagem. Tal facto requer por parte do professor um
conhecimento profissional sustentado, dado que traz implicações para a gestão da sala
de aula, não é possível prever todo o tipo de respostas que vão surgir, aumenta a
necessidade de um conhecimento profundo sobre a área científica de ensino e um
conhecimento sobre os processos de aprendizagem e os alunos para permitir tornar
compreensível o que se está a passar na sala de aula (Moyer & Milewicz, 2002).
Em síntese, para que o questionamento constitua um contexto potencialmente
regulador deverá ser intencional por parte do professor; ser feito sem constrangimentos
de tempo, fazer parte de um processo de comunicação bilateral e formado
essencialmente por perguntas de tipo aberto (Black & Wiliam, 1998b; Fernandes, 2005;
Santos, 2004). A concluir este ponto não podemos deixar de reafirmar que o
questionamento para além de ser talvez a prática lectiva mais frequentemente realizada
na sala de aula, é uma das formas com grande potencialidade de se levar ao terreno uma
avaliação reguladora, uma vez que (i) acontece a par com as experiências de
aprendizagem, permitindo uma regulação no momento; (ii) recorre à forma mais
habitual de comunicação entre professor e alunos - a forma oral, e (iii) a sua
responsabilidade pode deslocar-se do professor para o aluno sem constrangimentos de
qualquer espécie, para além naturalmente do nível de desenvolvimento da capacidade
dos alunos para o fazerem. Apesar disso, a evidência apontada por diversos estudos
leva-nos a formular a seguinte questão: Que razões tão profundas podem explicar o
facto de encontrarmos tendências de comportamento tão semelhantes, no que respeita ao
questionamento que ocorre no quotidiano da sala de aula, pertencentes a países com

Leonor Santos 13
culturas diversas, com sistemas educativos distintos e mesmo com modelos de formação
de professores diferentes?

Escrita avaliativa
A escrita avaliativa ou feedback é uma outra forma possível de criar contextos de
aprendizagem que ajudem o aluno a ir desenvolvendo a sua capacidade de auto-
avaliação. Por outras palavras, a sua existência, quando adequada a este objectivo,
poderá constituir uma estratégia facilitadora para o aluno ser levado a tomar consciência
dos seus erros, e de os autocorrigir. Esta abordagem assenta no pressuposto que
contraria uma ideia muito frequente de que qualquer produção do aluno se faz logo à
primeira tentativa, sem se lhe dar a possibilidade de a melhorar.
É de notar que a forma de encarar as produções escolares como produções
definitivas é claramente contrária àquela que habitualmente se aceita em contextos
profissionais. Por exemplo, qualquer docente do ensino superior ao escrever um artigo
para publicação, não o propõe antes de o fazer passar pela apreciação crítica de alguns
dos seus pares, razão pela qual encontramos com alguma regularidade o agradecimento
público desse trabalho. Em muitos casos, esta segunda versão (a que resultou de
alterações sugeridas pelos “amigos críticos”) não é a definitiva, uma vez que depois de
sujeita a nova revisão, agora feita por revisores de onde se pretende publicar, pode ser
sujeita a novas alterações. Assim, poderemos dizer que no caso concreto deste exemplo,
desde a versão inicial do artigo até à sua publicação, existem, no mínimo três versões.
Pergunta-se então: por que é que o nível de exigência que se impõe às crianças que
estão em situação de formação, como todos certamente reconhecem, é maior do que
aquela que existe para os adultos, supostamente muito mais formados?
Falar de escrita avaliativa ou de feedback pressupõe em primeiro lugar clarificar
sobre o que se está a falar, isto é distinguir o feedback quanto à sua natureza. A revisão
de literatura realizada por Black & Wiliam (1998a), e já anteriormente referida, aponta
para diferentes categorias de feedback. Por exemplo, estes autores, referindo outra
revisão de literatura desenvolvida por Kluger e DeNisi, apontam como possíveis
categorias de feedback emergentes do modelo teórico decorrente dessa revisão, as
seguintes: o feedback dirigido a processos de metacognição, envolvendo o self; de
motivação, envolvendo a tarefa em causa; e de aprendizagem, envolvendo aspectos
particulares da tarefa. Quando o feedback se dirige preferencialmente ao indivíduo em

Leonor Santos 14
vez de à tarefa, o seu efeito é tendencialmente negativo, não favorecendo o
aperfeiçoamento da produção do aluno.
Também Gipps (1999) distingue dois tipos de feedback: o feedback avaliativo e o
descritivo. O primeiro traduz-se, sobretudo, num juízo de valor, com utilização implícita
ou explícita de normas. Dada a sua natureza, tem pouco efeitos de natureza reguladora.
O segundo incide na realização do aluno e na tarefa proposta. Esta autora subdivide
ainda o feedback descritivo em dois tipos: o feedback que especifica o progresso e
aquele que constrói o caminho a seguir. O primeiro é da responsabilidade única do
professor. É ele que detém o controle, o poder, e a autoridade para dizer ao aluno o
caminho que tem de seguir para melhorar a sua produção. O segundo tipo de feedback
descritivo desenvolve-se em colaboração com o aluno. Há, assim, uma partilha de poder
e de responsabilidades. Segundo esta autora, este último tipo de feedback encoraja uma
compreensão mais profunda sobre as tarefas, incita os alunos a avaliar e reflectir sobre o
que fizeram.
Na mesma linha de Gipps (1999), Jorro (2000) distingue dois tipos de escrita
avaliativa. A anotação como transmissão de informação, que se traduz por juízos de
valor ou por enunciados vagos, cujo contributo para a aprendizagem é reduzido, e a
anotação como diálogo que procura questionar, dar pistas e incentivar a reflexão por
parte do aluno (Veslin & Veslin, 1992).
Mas o que nos evidencia a investigação quanto à qualidade do feedback, por outras
palavras, quanto aos seus efeitos sobre a aprendizagem? Também neste campo, existe
muito investigação desenvolvida que nos permite desde já fazer uma primeira chamada
de atenção sobre que não é qualquer escrita avaliativa que garante uma acção de
natureza reguladora. Note-se que Wiliam (1999), a partir de uma revisão que realizou de
131 estudos, refere que em 40% deles, o feedback teve um impacto negativo sobre o
desempenho dos alunos. Mais concretamente, em dois estudos de cada cinco, dar
feedback levou a desempenhos piores do que se não tivesse sido dado nenhum.
Também um estudo desenvolvido no âmbito do Projecto AREA, com alunos do 7º ano
de escolaridade, em Matemática, evidencia que “o mesmo feedback escrito não serve da
mesma forma todos os alunos. É importante conhecer os alunos e dar um feedback
adequado ao perfil académico de cada um. Este estudo parece indicar que alunos com
desempenho médio a Matemática necessitam de um feedback mais descritivo e menos
simbólico” (Santos & Dias, 2006, p. 15). Evidência do mesmo tipo emerge de um
estudo desenvolvido em duas turmas de alunos do 8º ano de escolaridade em Físico-

Leonor Santos 15
Química: “Os comentários que são eficazes para uns podem não o ser para outros. Em
algumas situações fornecemos comentários iguais a produções muito semelhantes e
verificámos que uns alunos conseguiam melhorar a sua produção, mas outros não”
(Bruno, 2006, p. 200).
Segundo Turnstall e Gipps (1996, in Black & Wiliam, 1998a) o feedback que atende
sobretudo ao indivíduo em detrimento da tarefa, nomeadamente focando-se na sua auto-
estima e/ou auto-imagem, tende a não produzir efeitos positivos no desempenho do
aluno. Já anteriormente, num estudo realizado por Butler (1987, in Black & Wiliam,
1998a) foram estudados os efeitos de quatro formas de feedback – comentário,
classificação, elogio e nenhum comentário – sobre o desempenho na realização de uma
dada tarefa de 200 crianças israelitas, do 5º e 6º anos de escolaridade, com diferentes
níveis de aproveitamento. Apenas o grupo de alunos que receberam comentários à sua
primeira tarefa apresentaram uma melhoria estaticamente significativa no pós-teste. Os
outros três grupos não apresentaram diferenças significativas. Questionados após o final
deste trabalho, quer o grupo de alunos que recebeu classificação, quer o que foi
elogiado, apresentou maior nível de motivação. Os alunos deste segundo grupo foram
aqueles que apresentaram maior percepção sobre o sucesso, embora tenham tido menor
evolução do seu desempenho do que os que foram sujeitos a comentários. Pode assim
concluir-se que os alunos que são elogiados podem aumentar o seu interesse e atitude
face à tarefa, muito embora este tipo de feedback não apresente evidência de que
contribui para o aumento da aprendizagem.
Ainda no que respeita à forma do feedback, se a escrita avaliativa for telegráfica,
profética em relação à desgraça, ou culpabilizante, certamente que não terá grandes
efeitos no seu destinatário. Pelo contrário, se for incentivadora e mobilizadora de um
diálogo pode ser de grande utilidade enquanto instrumento de ajuda ao aluno. Segundo
Bruno (2006), a forma sintáctica, em particular a interrogativa, quer como estímulo para
a reflexão, quer para solicitar a melhoria da produção, facilita a compreensão, por parte
dos alunos, do conteúdo do feedback, isto é daquilo que o professor pretende que o
aluno faça. Para além disso, o recurso a uma linguagem acessível aos alunos, concreta,
contextualizada e directamente relacionada com a produção parecem ser igualmente
essenciais (Bruno, 2006). Para alunos com elevado desempenho, o assinalar o erro
através de uma simbologia parece ser suficiente para a sua compreensão. Já para alunos
com maiores dificuldades, o assinalar o erro acompanhado de uma pista explícita parece
ser necessário (Santos & Dias, 2006). Deste modo, o feedback pode contribuir para o

Leonor Santos 16
aperfeiçoamento do desempenho dos alunos, e como tal para a sua aprendizagem,
quando a escrita avaliativa é focada naquilo que é preciso ser feito para melhorar o
desempenho e, em particular, quando são dadas indicações mais detalhadas sobre como
proceder (Wiliam, 1999).
Há ainda que ter em conta a quantidade de informação a dar e o tempo adequado
para o fazer. Afirmar que quanto mais feedback, melhor, não é necessariamente
verdadeiro (Wiliam, 1999). Dever-se-á dosear a informação a dar, tanta quanto a
necessária para o aluno conseguir avançar, mas não aquela que dá a resposta,
inviabilizando uma situação potenciadora de aprendizagem. Dar a hipótese de ser o
aluno a identificar os erros, ser ele próprio a corrigi-lo e a chegar às respostas correctas
são estratégias que favorecem uma aprendizagem que perdure ao longo do tempo
(Nunziati, 1990; Jorro, 2000). Já em 1985, Elawar e Como (1985, in Black & Wiliam,
1998a) tinham desenvolvido um estudo com 500 alunos venezuelanos de três escolas e
os seus respectivos professores de Matemática, perfazendo um total de 18. Estes
professores foram formados para darem feedback focado em erros específicos com
pistas para a sua correcção em trabalhos de casa desta disciplina. Foi constituído um
grupo de controlo que não recebeu qualquer feedback. Este feedback conduziu a
melhores desempenhos dos alunos, reduziu a superioridade inicial dos rapazes em
relação às raparigas e ajudou a desenvolver uma atitude mais positiva face à
Matemática. Por outras palavras, o feedback é tendencialmente mais efectivo quando é
feito para estimular a correcção dos erros, através de uma abordagem que foque a
aprendizagem esperada com a tarefa (Black & Wiliam, 1998a).
O momento certo para dar feedback parece também ser um aspecto crucial. Diversos
estudos apontam que o feedback nunca deve surgir antes do aluno ter oportunidade para
pensar e trabalhar sobre uma dada tarefa (Wiliam, 1999). O efeito do feedback pode
assim ser reduzido quando os alunos têm acesso às respostas antes de lhes ser dado o
feedback.
Quais as situações que podem ser mais adequadas para se dar feedback aos alunos é
outra dimensão a ter em conta. Sabendo-se que esta tarefa é muito exigente para o
professor e consumidora de muito tempo (Leal, 1992; Menino & Santos, 2004), há que
escolher criteriosamente as situações de ensino e aprendizagem a comentar. Tais
situações estarão preferencialmente em desenvolvimento, para que o feedback possa ser
aos olhos dos alunos considerado útil, e ainda não sujeitas a qualquer tipo de
classificação, que dará ao aluno uma perspectiva já acabada e, como tal, onde não há

Leonor Santos 17
sentido para toda e qualquer reformulação. A este propósito, Wiliam (1999), fazendo
referência a um estudo desenvolvido por Butler (1998), que abarcou 132 alunos
israelitas com sete anos de idade, afirma que as tarefas que foram apenas classificadas
ou aquelas que foram classificadas e receberam feedback não apresentaram, numa
segunda aula, melhorias de desempenho. Apenas no grupo de alunos em que as tarefas
receberam só feedback, se verificou interesse por parte dos alunos, quer naqueles que
tiveram bom desempenho na primeira etapa, quer naqueles cujo primeiro desempenho
não foi tão bom, tendo este aumentado em média 30%. Tal evidência leva a afirmar que
se o professor for classificar uma produção está a perder o seu tempo ao fazer
comentários (Wiliam, 1999).
Em síntese, a escrita avaliativa ou feedback corresponderá a um processo de
regulação apenas quando é usado pelo aluno para melhorar a sua aprendizagem. Entre
os diferentes aspectos que poderão influenciar a natureza reguladora da escrita
avaliativa, destacamos entre as suas características as seguintes:
- ser clara, para que autonomamente possa ser compreendida pelo aluno;
- apontar pistas de acção futura, de forma que a partir dela o aluno saiba
como prosseguir;
- incentivar o aluno a reanalisar a sua resposta;
- não incluir a correcção do erro, no sentido de dar ao próprio a
possibilidade de ser ele mesmo a identificar o erro e a alterá-lo de forma
a permitir que aconteça uma aprendizagem mais duradoura ao longo do
tempo;
- identificar o que já está bem feito, no sentido não só de dar
autoconfiança como igualmente permitir que aquele saber seja
conscientemente reconhecido (Santos, 2003a, p. 19).

A concluir e de acordo com os primeiros resultados que temos vindo a obter no


Projecto AREA, igualmente confirmados por outros estudos desenvolvidos em Portugal
(Bruno, 2006; Menino, 2004; Varandas, 2000), não basta que os professores conheçam
os fundamentos e orientações teóricas de uma escrita avaliativa reguladora para que a
sua prática seja conforme essas mesmas orientações. Existe uma forte tendência, numa
primeira fase, para uma escrita fortemente marcada por juízos de valor, de cariz
simbólico, tendencialmente normativa e essencialmente afirmativa ao invés de
interrogativa e favorável à reflexão por parte do aluno. Será que este processo tem
necessariamente de passar por esta fase? Será que está associado a uma evolução lenta e
com avanços e recuos por parte dos professores? Quais as concepções dos professores
que maior peso têm neste processo? Qual o conhecimento profissional necessário para

Leonor Santos 18
esta prática do professor? Poderá a formação de professores, em particular a formação
inicial, colmatar este problema? Em caso afirmativo, de que modo?

Auto-avaliação
A auto-avaliação é uma regulação levada a cabo pelo próprio; ou seja, é o conjunto
de acções que são auto-dirigidas para modificar o estado actual dos acontecimentos
(Silva & Sá, 2003). A auto-avaliação é um “processo de metacognição, entendido como
um processo mental interno através do qual o próprio toma consciência dos diferentes
momentos e aspectos da sua actividade cognitiva” (Santos, 2002, p. 79). É um processo
interno ao sujeito que lhe permite regular os seus próprios pensamentos e aprendizagens
(Nunziati, 1990). Assim, falar de auto-avaliação implica considerarem-se duas fases.
Em primeiro lugar, o aluno deve ser capaz de confrontar o que fez com aquilo que se
esperava que fizesse. Em particular, se for caso disso, ter a percepção de que existe uma
diferença entre estas duas situações. Em segundo lugar, o aluno deve ser capaz de agir
de forma a reduzir ou eliminar essa diferença.
Ora para que a primeira etapa seja possível o aluno deve ser capaz de interpretar
tanto o que fez como aquilo que se esperava que fizesse. Por outras palavras, os alunos
devem saber o que é suficiente para corresponder a uma proposta e o que se entende por
justificação matemática aceitável (Yackel & Cobb, 1996). Esta comparação faz-se
recorrendo a um conjunto de critérios de avaliação que terão de ser comuns entre o
aluno e o professor.
Os critérios constituem um referente para a auto-avaliação e são uma das suas
condições necessárias (Hadji, 1994). Desempenham um papel fundamental, tanto no
processo de auto-avaliação, enquanto balanço, como na tomada de decisões para a acção
mediante essa avaliação. Um aspecto-chave de todo o processo de auto-regulação é “a
existência de um objectivo, padrão, critério ou valor de referência que pode servir de
bitola para avaliar a acção (…) e orientar os processos de regulação” (Sá, 2004, p. 67).
Contudo, os critérios por si só, não levam automaticamente a um desempenho mais
eficaz (Sá, 2004). O seu uso depende, em parte, do grau de aceitação e interiorização
dos objectivos, padrões ou critérios do indivíduo (Sá, 2004). Na organização da auto-
avaliação existem, portanto, duas fases importantes, uma de apropriação de critérios e
outra de organização do funcionamento da auto-avaliação (Nunziati, 1990). Os critérios
valorizados, ainda que explicitados, não têm necessariamente um significado igual para
todos aqueles a quem são apresentados (Pinto, 2002; Morgan, 2003), podendo as

Leonor Santos 19
respostas serem culturalmente determinadas, como foi evidenciado por Purdie & Hattie
(1996, in Black & Wiliam, 1998a) num estudo comparativo que desenvolveram com
alunos Japoneses e Australianos. A lógica de quem aprende e a lógica de uma dada
disciplina, ou a de quem a ensina, não são garantidamente à partida idênticas. Aliás,
segundo Nunziati (1990) estas são, usualmente, distintas.
Deste modo, a explicitação de critérios de avaliação acompanhada ou não da sua
negociação com os alunos é apenas uma primeira etapa na construção de um contexto
favorável para a apropriação por parte dos alunos desses mesmos critérios. É, contudo,
de fazer notar, que embora seja a primeira, ela apresenta algum grau de dificuldade,
porque nem sempre o professor tem plena consciência de quais são os seus próprios
critérios. Assim, há que muitas das vezes passar-se por uma etapa prévia de
consciencialização por parte do professor dos seus critérios de avaliação. Só depois
disso estará em condições de os apresentar aos alunos. A primeira etapa pode apresentar
dois formatos. Ou o professor apresenta e explica tão claramente quanto possível o
sentido dos critérios de avaliação que irá usar na apreciação da qualidade de uma dada
tarefa, ou predispõe-se a ouvir e atender à opinião dos seus alunos. Esta situação parece
ser mais promissora, uma vez que envolvendo os alunos desde logo, poderá ajudá-los a
assumirem um sentido de corresponsabilidade pelo processo que a seguir tomará lugar.
O recurso a exemplos ilustrativos de trabalhos realizados por outros alunos, de anos
anteriores e guardados pelo professor, poderá ser outra estratégia facilitadora para a
compreensão do que se está a discutir. A clarificação de uma ideia passa muitas vezes
pela sua concretização, através de um caso ilustrativo. Posteriormente, dar feedback aos
trabalhos produzidos numa primeira fase tendo em conta os critérios acordados é outra
oportunidade a não perder. Não se pense, contudo, que todos estes procedimentos
resolvem a dificuldade dos alunos em se apropriarem dos critérios de avaliação, isto é
professor e alunos usarem um referencial comum. É sim um processo que se inicia antes
da acção e se vai progressivamente construindo ao longo do tempo e a partir de diversas
experiências de aprendizagem.
Um estudo desenvolvido por Gomes (2006) no 7º ano de escolaridade, que teve
como principal objectivo compreender de que forma evolui a capacidade dos alunos se
auto-avaliarem quando se envolvem na resolução de problemas, em actividades de
investigação e na redacção de relatórios, num contexto de sala de aula onde existe um
investimento por parte do professor para facilitar a apropriação dos critérios de avaliação,
por parte dos discentes, evidencia a existência de padrões auto-impostos, que regulam a

Leonor Santos 20
actividade dos alunos, constituindo-se enquanto gestores de referência para a actividade
em curso e para o desenvolvimento de estratégias de verificação e de correcção. Com o
tempo, os alunos vão-se apercebendo das diferenças entre o que realmente consideram
nas suas concretizações e o que os critérios advogam. Para tal contribuíram sobretudo as
co-avaliações dentro do grupo, os feedbacks da professora, a confrontação efectuada na
sala de aula, as oportunidades de melhoramento dos relatórios e as próprias auto-
avaliações. No final da investigação, os alunos em estudo revelam maior acuidade no
registo de ideias relacionadas com a resolução global da tarefa, melhor organização dos
exemplos estudados e a sua diversificação, progresso na justificação das ideias,
realização de provas e o reconhecimento da sua ausência quando não as conseguiam
efectuar. O papel do investimento na apropriação de critérios continuada foi essencial
para a evolução dos alunos (Gomes, 2006).
Outro processo fortemente associado à auto-avaliação é a metacognição. Um estudo
de Paulo Dias, no âmbito do Projecto AREA, ainda em fase de desenvolvimento,
envolve alunos do 12º ano de Matemática B (Dias & Santos, no prelo). Com a
designação de “Reflectir antes de agir” procura-se desenvolver e estudar uma prática de
avaliação reguladora onde se pretende saber se a resposta do aluno a uma tarefa
matemática pode ser ajudada pela compreensão e antecipação da sua resolução. Na
implementação desta prática foi solicitado aos alunos para descreverem, por escrito, o
processo de resolução; realizarem a resolução da tarefa de acordo com a estratégia
descrita, pós feed-back; e confrontarem o previsto e o realizado. A recolha empírica de
dados evidencia desde já que existem diferenças entre a descrição das estratégias de
resolução e as respectivas resoluções. Na resolução não existem aspectos descritivos,
uma vez que estes já se encontram no reflectir antes de agir. As estratégias de resolução
descrita e a resolução encontram-se em conformidade e conduzem ao resultado correcto.
A exploração e os erros cometidos apenas são identificáveis na vertente oral, não sendo
escritos. A descrição das estratégias de resolução das tarefas propostas não mostra a
quantidade e a qualidade de trabalho evidenciados nas interacções orais entre os alunos
e registadas em áudio.
Segundo Wiliam et al. (2004), o trabalho de grupo propícia um ambiente favorável
para a auto-avaliação, nomeadamente no incentivo/apoio aos alunos. Assim, existe toda
a vantagem da auto-avaliação ser trabalhada em conjugação com a co-avaliação (Black
et al., 2002). Já as concepções dos alunos podem constituir um intrave à auto-avaliação.
Em todo este processo, “a sua interpretação em relação a teorias gerais sobre a

Leonor Santos 21
aprendizagem levanta problemas fundamentais” (Black & Wiliam, 1998a, p. 9). Alunos
que não desenvolvem de forma continuada trabalho de regulação e aperfeiçoamento dos
seus desempenhos, dificilmente tirarão bom partido de feedback formativo.
Num estudo desenvolvido por Schunk (1996, in Black & Wiliam, 1998a) é
evidenciado que se a auto-avaliação for combinada com critérios de avaliação a
persistência, a auto-eficácia e o desempenho dos alunos melhoram. Também, segundo
Santos e Gomes (2007), à medida que os alunos vão aprendendo a se auto-avaliarem,
assim o seu desempenho vai também melhorando. A apropriação de critérios de avaliação
juntamente com o desenvolvimento de uma capacidade crítica interrelacionam-se com
um melhor desempenho, quer da realização das tarefas e dos seus respectivos relatórios,
quer da capacidade de comunicar matematicamente. Esta relação não segue uma lógica
sequencial. A aprendizagem e a auto-avaliação regulada são dois processos que se
desenvolvem par a par.
O investimento na componente reguladora da avaliação implica mudanças
significativas na cultura de sala de aula tradicional (Santos, 2002). Em particular, tais
mudanças abrangem a intencionalidade e os sentidos atribuídos às práticas dos
professores, a forma como são desenvolvidos e utilizados os instrumentos de avaliação,
o ambiente de sala de aula e os novos papéis dos professores e dos alunos (Santos,
2003a; 2005). Contudo, como concluem Black e Wiliam (1998a), da revisão de
literatura sobre práticas de avaliação formativa na sala de aula que realizaram, “o foco
na auto-avaliação feita pelos alunos não é uma prática habitual, mesmo entre aqueles
professores que levam seriamente a avaliação” (p. 8). Esta preocupação na mudança de
práticas na sala de aula é referida por Wiliam et al. (2004) ao descreverem o seu
projecto. Segundo estes autores, a partilha dos objectivos das aulas foi trabalhada pela
grande maioria dos professores envolvidos no projecto. Esta partilha recorreu a uma
grande diversidade de técnicas (usando questões para os alunos responderem no final da
aula, explicitação dos objectivos no início da aula, apresentação por parte dos alunos de
uma síntese do que se fez e aprendeu). Para ajudar a clarificação de critérios em tarefas
exploratórias ou de investigação foram também usados trabalhos de anos anteriores.
Do exposto, e tal como foi visto em processos anteriores associados à avaliação
reguladora, é inquestionável a complexidade e exigência inerente ao desenvolvimento
da auto-avaliação, não só para os alunos, como também para o professor, enquanto
construtor de contextos facilitadores para o desenvolvimento de tal competência.
Algumas questões emergem do que ficou apresentado: Que implicações para a prática

Leonor Santos 22
lectiva determina um enfoque na auto-avaliação? Como ajudar os alunos a mudarem os
seus auto-padrões? Que práticas dos professores contribuem em particular para o
desenvolvimento desses mesmos auto-padrões? Práticas de co-avaliação podem ajudar a
desenvolver a auto-avaliação?

Conclusões

Quando falamos de avaliação formativa corre-se o risco de estarmos a atribuir


diferentes significados a um mesmo termo. Contudo, seja qualquer for o sentido que lhe
atribuirmos, há algo invariável. Trata-se de um processo que se move por um objectivo
pedagógico, isto é tem por fim último contribuir para as aprendizagens dos alunos.
Existe, contudo, um problema sério no que respeita à avaliação formativa. A
retórica em torno deste tema não é acompanhada pela prática dos professores. A nível
internacional e ainda a partir da revisão de literatura desenvolvida por Black e Wiliam
(1998a) pode afirmar-se que foi encontrada evidência que aponta para que:
- as práticas avaliativas na sala de aula em geral encorajam aprendizagens superficiais;
- a prática avaliava sobrevaloriza a classificação e subvaloriza a função reguladora da
aprendizagem;
- existe a tendência para usar uma abordagem mais normativa do que criterial, que
enfatiza mais a competição entre alunos do que o aperfeiçoamento individual de cada
aluno. Neste contexto, o feedback dirige-se sobretudo para o ensino dos alunos mais
fracos, mas de um modo que os faz perderem a auto-confiança e a motivação;
-em geral, a avaliação formativa não é bem compreendida pelos professores e tem uma
prática fraca;
- os professores consideram irrealistas práticas de avaliação formativa no actual sistema
educativo;
- existe uma relação muito ténue entre práticas de avaliação formativa e outros aspectos
da prática lectiva do professor bem como da forma como os professores encaram o seu
papel;
- a auto-avaliação não é em geral considerada nos programas de formação inicial de
professores, sendo este tema deixado para a formação ao longo da vida.
Mais recentemente, um dos mais importantes resultados apontados no projecto
desenvolvido pelo King’s College é de que melhorar a avaliação formativa não é linear.

Leonor Santos 23
Não existe um processo facilmente adaptável à prática existente que possa garantir
efeitos rápidos (Wiliam et al., 2004). Mas existe evidência de que se podem obter
ganhos para a aprendizagem dos alunos através de práticas formativas e que o ensino de
objectivos de elevado nível é compatível com o sucesso mesmo quando este é medido
através de instrumentos limitados tais como testes de avaliação externa (Black et al.,
2003). Para além disso, o alinhamento de diversos aspectos relacionados com uma
ênfase formativa na prática na sala de aula tem levado os professores envolvidos a
repensarem o seu papel enquanto professores (Black, 2005).
Também em Portugal existe já um corpo suficientemente amplo de estudos que nos
permitem afirmar que a avaliação formativa parece também estar um pouco arredada
das práticas quotidianas dos professores. Numa revisão de literatura levada a cabo por
Barreira & Pinto (2005), tendo por base 43 investigações sobre a avaliação das
aprendizagens dos alunos, publicadas entre 1990 e 2005, no que respeita à consistência
entre as concepções e as práticas dos professores são salientes três tendências: (i) há na
generalidade uma valorização conceptual da avaliação formativa, sem contudo por em
causa a avaliação sumativa; (ii) em termos das práticas avaliativas, parece haver um
desfasamento entre a cultura escolar assente em práticas de avaliação sumativa e aquilo
que os professores gostariam de fazer, praticar uma avaliação mais formativa; (iii) os
estudos que revelam uma maior convergência entre o que se pensa e o que se faz em
termos de avaliação formativa, mostram que esta convergência passa por processos de
transformação de práticas mais tradicionais em práticas mais formativas. Estes
resultados apontam para que, embora as concepções e as práticas se influenciem
mutuamente, esta relação não se estabelece de forma linear e simples. A adesão a novas
perspectivas de avaliação é mais fácil do que a sua consubstanciação em práticas
consistentes de avaliação formativa.
Numa outra revisão de literatura desenvolvida por Fernandes (2006), ainda sobre
investigação realizada em Portugal, baseada em 59 artigos publicados entre 1985 e
2005, este autor conclui que a avaliação formativa embora referida na grande maioria
destes estudos, é feita com pouca profundidade, partindo do pressuposto que a avaliação
formativa toma o mesmo significados para todas as pessoas.
No que respeita ao ensino e aprendizagem da Matemática, numa revisão de
literatura feita por Santos (2003b), assente em cinco estudos publicados entre 1992 e
2000, as principais dificuldades apontadas para o desenvolvimento de práticas de
avaliação formativa prendem-se com a sistematização de informação em situações mais

Leonor Santos 24
informais de avaliação; a sobrecarga de trabalho que a avaliação formativa acarreta
porque aumentam os momentos de avaliação; e uma desconfiança nos instrumentos não
tradicionais e nos processos informais de avaliação. Não é assim de estranhar que os
alunos associem à avaliação um carácter essencialmente sumativo, sendo as notas e os
testes elementos centrais no processo avaliativo (Santos & Pinto, 2003). Também o
facto das explicações para as dificuldades dos alunos incidirem em causas internas ao
próprio aluno e as ajudas para estes problemas serem feitas por outros professores ou
por outros técnicos, não gera uma visão positiva sobre os ganhos efectivos do uso de
outro tipo de avaliação (Pinto, 2002).
Assim, a concluir, deixamos um conjunto de questões que poderão contribuir para
uma agenda no futuro próximo para a investigação em Portugal no que respeita à
avaliação reguladora:
- O que explica um desfasamento entre os resultados da investigação e as práticas
dos professores? De que modo os resultados da investigação podem contribuir para o
ganho de confiança e convicção por parte dos professores?
- Será possível falar-se de um paradigma vigente na avaliação das aprendizagens?
- É possível desenvolver práticas avaliativas reguladoras sem mudanças reais na
prática lectiva?
- Até que ponto a cultura profissional dominante dificulta mudanças de práticas
lectivas? Estarão os professores a trabalhar demasiado sós? Devemos reforçar o trabalho
colaborativo? Se sim, como?
- Serão os projectos de investigação colaborativos entre investigadores e
professores a resposta mais adequada para uma real implementação de práticas
avaliativas reguladoras? Que outras estratégias de mudança poderão ser implementadas?

Referências
Abrecht, R. (1991). L’évaluation formative. Une analyse critique. Bruxelles: De Boeck
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