Anais - 6inter - 1ed
Anais - 6inter - 1ed
Anais - 6inter - 1ed
FICHA TÉCNICA
1) Entidade Promotora:
Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará
7) Arte:
Samuel Tomé Menezes
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
Universidade Federal do Ceará – 27 a 30 de outubro de 2009
ÍNDICE
Apresentação 03
Programação Geral 04
Trabalhos Completos 48
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
Universidade Federal do Ceará – 27 a 30 de outubro de 2009
APRESENTAÇÃO
3 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
Universidade Federal do Ceará – 27 a 30 de outubro de 2009
PROGRAMAÇÃO
27.10
17h – Credenciamento
18h – Abertura e Conferência “A imaginação dialética” – Prof. Dr. André Luiz Lima
Bueno (UFRJ)
20h – Apresentação cultural: Coral da UFC
28.10
08h – Minicursos
01 – Literatura e Identidade Cultural: relações Brasil-Portugal – Prof.ª Dr.ª Ana Márcia
Siqueira
02 – A Literatura Contemporânea – Prof. Dr. Cid Ottoni Bylaardt
03 – José de Alencar e Machado de Assis: o problema do Ser e da contingência – Prof.
Dr. Marcelo Peloggio
10h30 – Comunicações
29.10
08h –Minicursos
01 – Literatura e Identidade Cultural: relações Brasil-Portugal – Prof.ª Dr.ª Ana Márcia
Siqueira
02 – A Literatura Contemporânea – Prof. Dr. Cid Ottoni Bylaardt
03 – José de Alencar e Machado de Assis: o problema do Ser e da contingência – Prof.
Dr. Marcelo Peloggio
4 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
Universidade Federal do Ceará – 27 a 30 de outubro de 2009
14h – Comunicações
30.10
08h – Minicursos
01 – Literatura e Identidade Cultural: relações Brasil-Portugal – Prof.ª Dr.ª Ana Márcia
Siqueira
02 – A Literatura Contemporânea – Prof. Dr. Cid Ottoni Bylaardt
03 – José de Alencar e Machado de Assis: o problema do Ser e da contingência – Prof.
Dr. Marcelo Peloggio
10h30 – Comunicações
5 ISSN: 2179-4154
RESUMOS DOS TRABALHOS COMPLETOS
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
Universidade Federal do Ceará – 27 a 30 de outubro de 2009
Este artigo analisa o percurso de algumas personagens do livro de estréia do autor João
Antônio, a coletânea de contos Malagueta, Perus e Bacanaço, reunida em volume e
publicada em 1963. O autor é conhecido por retratar o cotidiano dos marginalizados nas
suas práticas na luta pela sobrevivência e os relaciona intrinsecamente ao espaço urbano
em que se movimentam, daí se concluir que João Antônio é um observador dos
processos de transformação da sociedade brasileira nos centros urbanos. A presente
análise se centra naqueles que o próprio autor considera os personagens mais apagados,
apagados, invisíveis quase, não nas suas narrativas, mas na realidade de onde o autor
tirou sua inspiração direta, tendo deixado claro, muitas vezes, em relatos, que viveu na
pele a experiência cinzenta dessas personagens reais: trata-se do operário honesto
morador de subúrbio ao qual não é dado acumular riquezas nem nutrir maiores
esperanças no futuro, aquele para quem o maior prêmio concedido é a aprovação social
de sua vida medíocre; o tipo de personagem, enfim, que chega a se questionar sobre a
real utilidade do seu trabalho e chega a se sentir tentado a aderir às práticas da
malandragem, socialmente reprovadas, mas tão mais plenas enquanto experiência.
1
Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará.
2
Doutora em Letras pela Universidade Federal Fluminense. Professora do Programa de Pós-Graduação
em Letras da Universidade Federal do Ceará.
7 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
Universidade Federal do Ceará – 27 a 30 de outubro de 2009
3
Graduanda do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará.
4
Graduanda do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará.
5
Professora do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará.
8 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
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9 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
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Nosso trabalho tem como objetivos analisar a crônica de Rachel de Queiroz mostrando
como a autora constrói sua narrativa utilizando o tema cidade e cotidiano com seus
personagens; e mostrar como o jornalismo e a literatura estão intrincados na produção
cronística, brasileira e moderna. Seja Rachel romancista bissexta, jornalista ou
ficcionista, o fato é que ela adquiriu extraordinária popularidade como cronista ao
mesmo tempo em que outros grandes escritores como Carlos Drummond de Andrade e
Rubem Braga faziam nome nas páginas do jornal. Pela qualidade de sua crônicas e a
constância de sua produção, Rachel adquiriu, nessa época, uma persona literária de
cronista. Quando se fala da obra Rachel de Queiroz lembra-se quase automaticamente
do sertão, principal tema presente em sua obra. Entretanto, em sessenta anos de
produção cronística, a escritora deixou algo mais que mergulhos nessa geografia
pessoal. Outro tema recorrente em suas crônicas é o cotidiano nas cidades, mais
especificamente no Rio de Janeiro.
6
Graduanda em Jornalismo da Universidade Federal do Ceará.
10 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
Universidade Federal do Ceará – 27 a 30 de outubro de 2009
7
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará.
8
Professor do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará.
11 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
Universidade Federal do Ceará – 27 a 30 de outubro de 2009
9
Mestre em Letras – Literatura Brasileira pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade
Federal do Ceará.
10
Professor do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará.
12 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
Universidade Federal do Ceará – 27 a 30 de outubro de 2009
A concepção do riso como princípio do Mal data da Alta Idade Média. Partindo dessa
premissa indicadora de um caráter diabólico do riso, observamos a remanescência dessa
concepção, oriunda do medievo, na obra As pelejas de Ojuara, de Nei Leandro de
Castro. O Diabo, entidade ligada à doutrina cristã, na obra, recebe inúmeros nomes,
dentre eles o de Exu. Sendo assim, este estudo visa a constatar a presença do riso
diabólico ligado a Exu que foi transformado no Diabo “cristão” devido ao sincretismo
religioso em que se deu a adaptação da religião africana no Brasil com a criação da
Umbanda. A semelhança entre Exu e o Diabo se dá através de características
encontradas em ambos. Eles perturbam a ordem da natureza, são farsantes e
enganadores, porém são também enganados, protagonizando aventuras obscenas, das
quais muitas vezes saem humilhados. Sendo assim, o Diabo, por intermédio do riso,
perde sua natureza aterrorizadora. Concluímos previamente ser possível a
remanescência de substratos mentais das culturas africana e portuguesa na construção
da brasileira, no que diz respeito ao caráter diabólico do riso. A presente comunicação
reforça a importância de se desenvolverem pesquisas sobre a cultura e literatura
africanas e suas contribuições para a formação das nossas de modo a podermos entender
a origem de ambas em conexão com um período de rica produção literária e cultural, a
Idade Média.
11
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará e bolsista
CAPES-Reuni.
12
Crítica, ensaísta, doutora pela PUC-RJ e professora adjunta do Depto. de Literatura e do Programa de
Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará.
13 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
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A questão ambiental, muito discutida nos dias de hoje, foi também a preocupação de
diversos escritores brasileiros durante anos. É importante que grandes autores abordem
a problemática da preservação do meio-ambiente em suas obras, de forma que o leitor
volte seu pensamento para a causa preservacionista. Ideias, como a da preservação da
natureza, despertam os leitores não somente para a causa ecológica, mas também para o
sentimento do belo. Assim fez José Martiniano de Alencar, a empenhar-se na defesa do
verde brasileiro, expondo de forma clara sua posição em relação à preservação da
natureza pelo homem civilizado. Alencar apontou a necessidade da preservação do
meio-ambiente em diversas obras. Este trabalho tem por objetivo, portanto, apresentar,
sob uma nova perspectiva, a valorização da natureza na obra de José de Alencar. Propõe
analisar a crítica do autor cearense, que se pode chamar ecológica, no que concerne à
relação homem-natureza. Isto é, enfatiza sua visão negativa do processo civilizatório,
que anuncia as novas tecnologias (os meios de transporte, a indústria), e estas em forte
contraste com os elementos naturais que caracterizam, física e psicologicamente,
algumas de suas personagens e que são instrumentos importantíssimos para a
construção da identidade nacional.
13
Graduanda em Letras da Universidade Federal do Ceará.
14
Professor do Programa de Pós-Graduação do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará.
14 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
Universidade Federal do Ceará – 27 a 30 de outubro de 2009
15
Mestre em História e Culturas na Universidade Estadual do Ceará -UECE. Membro do Instituto da
Memória do Povo Cearense - IMOPEC.
15 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
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O Realismo foi a escola literária que se opôs ao Romantismo e que preconizava uma
maior veracidade na descrição dos fatos e costumes de sua época. Conforme afirmativa
de Antônio Cândido e José Aderaldo Castello na obra Presença da Literatura Brasileira
– História e antologia, sob vários aspectos, o romance romântico está repleto de
realismo, uma vez que a nossa ficção romântica sempre foi atenta à descrição da vida
social e os escritores visavam informar para o leitor o que era observado na sociedade -
as pessoas, a linguagem, a arte, os espetáculos, a moda, a dança, os ideais, o ambiente e
os sentimentos. Assim sendo, a obra de José Martiniano de Alencar, em particular os
romances urbanos, retratam detalhadamente a nossa burguesia, constituindo um
verdadeiro documentário da vida brasileira no período do Segundo Reinado, como
pode ser observado nos romances Senhora, Lucíola, e no drama intitulado As asas de
um anjo. Essas obras Alencarinos são, portanto, repositórios dos costumes da sociedade
fluminense que frequentou o autor de A Viuvinha no século XIX e que soube, de
maneira exemplar, fixar nas páginas de suas obras. Desse modo, a presente pesquisa tem
por objetivo comprovar através dos romances urbanos de Alencar a recorrência da
estética realista e como o autor cearense reproduz para a ficção o mundo real que
observava.
16
Graduanda do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará.
17
Professor do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará.
16 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
Universidade Federal do Ceará – 27 a 30 de outubro de 2009
Esta pesquisa analisa a diferença entre a palavra literária e a palavra cotidiana nos
trabalhos teóricos de Maurice Blanchot. O nosso objetivo centrou-se na investigação
dos limites entre essas duas formas de linguagem: se os limites apenas divergiam ou se
havia algum ponto de convergência entre eles. Para tanto, como base metodológica,
lemos os livros teóricos de Blanchot e alguns textos ficcionais para fazermos uma
pesquisa mais aprofundada e dinâmica. Nos resultados, observamos que Blanchot, ao
comentar o seu pensamento sobre literatura, compõe o que seria a linguagem própria do
mundo ficcional e, por oposição, o que seria a linguagem do mundo corrente. O
discurso pertencente ao mundo cotidiano teria como característica a organicidade do
mundo a partir do diálogo e da morte, bem como a institucionalização da palavra como
receptáculo de verdade e de poder. Já o discurso literário comungaria com a sugestão e
com a indefinição por ter como base a ambiguidade. Desse modo, a palavra literária é
destituída de poder e de verdade, exatamente, por não ter um fim, um objetivo definido.
No entanto, há, de acordo com os escritos blanchotianos, uma ponto de convergência: o
silêncio intrínseco a essas duas formas de linguagem, uma vez que tanto a palavra
literária quanto a palavra cotidiana não possuem referentes próprios, destacando-se a
arbitrariedade do signo. Conclui-se, portanto, que a diferença básica entre essas duas
linguagens consiste no espaço onde estão alocadas: no cotidiano, tentam sustentar um
saber; no espaço literário, ganham a irresponsabilidade da indefinição.
18
Mestre em Literatura Comparada pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal
do Ceará.
19
Professor do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará.
17 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
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20
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará.
21
Professor do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará.
18 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
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Fernanda Lima22
Profª Drª Odalice de Castro e Silva (Orientadora)23
22
Graduanda do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará.
23
Professora do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará.
19 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
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24
Universidade Federal do Ceará.
20 ISSN: 2179-4154
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25
Graduando em Letras pela FECLESC/UECE
26
Professor Adjunto do Departamento de Letras Estrangeiras da UFC
21 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
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27
Aluno do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará.
28
Professor do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará.
22 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
Universidade Federal do Ceará – 27 a 30 de outubro de 2009
João Cabral é conhecido como um poeta racional, que expurgou de sua obra todo o
lirismo da tradição poética brasileira que lhe legaram seus antecessores. Um poeta que
se quis preso à objetividade, optou por uma linguagem de não-dissimulação, partindo
sempre das condições externas do “problema”. Preza pela vigilância e a lucidez da
eterna criação, da intelectualização em vez da espontaneidade.Vendo nesses pontos uma
semelhança entre este poeta e o que chamo de espírito científico, faço uma breve análise
da poética cabralina, bem como do que seria esse espírito científico e arrisco uma
aproximação entre ambos. Nesse percurso, esboço uma caracterização sobre a ciência
com vistas a mostrar, com a aproximação de João Cabral como exemplo, a situação
histórico-cultural localizada desta, que se apresenta como uma alternativa
epistemológica, a qual conseguiu em João Cabral de Melo Neto um adepto de sua
positividade. Mas se esta mesma ciência busca ser a única produtora de verdades sobre
o mundo, a poesia em questão faz-se exemplo do pleno exercício da diferença, que
existe na certeza de fazer algo com um lugar a ocupar sem, apesar de preferências,
deslegitimar a prática alheia. Assim, uma poesia, mesmo com suas pretensões
objetivistas e tendo caracteres caros à ciência, não se confunde em momento algum com
esta, e nem mesmo o quer, justamente por usar o jogo de linguagem poético fabricando-
se abertamente poesia.
29
Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Ceará.
30
Professor titular do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará.
23 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
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31
Aluno da Pós-Graduação do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará/ Mestrado em
Literatura Comparada.
32
Professor do Programa de Pós-Graduação do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará.
24 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
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33
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará.
34
Professore do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará.
25 ISSN: 2179-4154
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35
Mestranda em Literatura Comparada do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade
Federal do Ceará.
36
Professora do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará.
26 ISSN: 2179-4154
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Universidade Estadual do Ceará.
27 ISSN: 2179-4154
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A leitura é uma fonte de prazer, de informação e de aprendizado sobre tudo que nos
rodeia. Quem ler se conecta com o mundo e passa a se relacionar melhor com as
pessoas que estão a sua volta. Por isso, estimular a leitura se torna indispensável em
qualquer condição de vida, principalmente num caso de isolamento social. As crianças
hospedadas na Casa do Menino Jesus são exemplos desses casos. Devido necessidades
de tratamento médico, elas deixam suas residências no interior do Estado e se instalam
na capital. Com isso, se tornam indivíduos afastados do ambiente escolar e de suas
comunidades. Essa pesquisa pretende analisar qual o meio mais eficiente de manter
essas crianças conectadas com o mundo e como a arte poderia motivá-las a gostar de ler.
Para tanto, utilizamos os pressupostos teóricos sobre educação, leitura, artes e
lingüística, de grandes estudiosos da área, tais como Kleiman (1998), Koch (2003) e
Tolstoi (1900). O estudo foi realizado através de uma metodologia quantitativa e
qualitativa, com o método hipotético-dedutivo. Primeiramente levantamos dados e
traçamos um perfil leitor das crianças. A grande maioria delas declarou não gostar de
ler. Isso é uma forte evidência da falta de hábito e entretenimento através da leitura. Em
seguida aplicamos atividades artísticas e projetos interativos. No decorrer do estudo,
pudemos observar que existem atividades e métodos eficientes para motivar o gosto
pela leitura. Os resultados colhidos evidenciam que muito ainda precisa ser feito para
que essas crianças possam um dia se considerar leitores proficientes e autônomos.
38
FIC.
39
Doutoranda UFC.
28 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
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O presente trabalho tem como objetivo discutir a leitura literária de um ponto de vista
ideológico. A linguagem é produto das interações sociais e junto a ela se encontram a
escrita e a leitura que compõem o sistema comunicativo entre os seres humanos. Para
isso, buscamos refletir sobre a relação da Literatura com o meio social, que atualmente,
se encontra restrita ao estudo sistemático das escolas e que leva, principalmente, os
jovens a encararem a leitura literária como uma obrigatoriedade, contribuindo para uma
rejeição das obras antes mesmo de conhecê-las. Porém, a leitura literária ultrapassa o
simples ato de ler, pois, ela nos leva, por diversas vezes, ao desconhecido e nos torna
aptos para compreender a realidade do outro. Nossa intenção é conscientizar os alunos
sobre a importância da prática da leitura literária e também chamar a atenção dos
professores de Literatura para o ensinamento desta de maneira diferenciada.
40
Graduanda do curso de Letras da Universidade Federal do Ceará – 3° semestre.
41
Universidade de Coimbra.
29 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
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O DESMORONAMENTO DA LITERATURA
42
Graduanda do curso de Letras da Universidade Federal do Ceará.
43
Prof. Dr. da Universidade Federal do Ceará e Orientador do trabalho.
30 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
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44
Graduada em Letras – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN.
31 ISSN: 2179-4154
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45
Graduanda do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará.
46
Professora do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará.
32 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
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47
Graduanda do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará
48
Prof. Dra. Adjunta do departamento de Letras Vernáculas da UFC
33 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
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49
Graduanda em Letras pela Universidade Federal do Ceará.
50
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará.
34 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
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51
Graduanda do curso de Letras da UFCG. Especializanda em Língua, Lingüística e Literatura pela FIP –
Faculdades Integradas de Patos.
52
Mestre em Literatura Brasileira pela UFPB e Professor do curso de Letras da UFCG.
35 ISSN: 2179-4154
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53
Mestre em Educação - UFC, Especialista em Psicopedagogia-UFC, Graduada em Letras -UECE.
Doutoranda em Lingüística-UFC. O presente trabalho contou com o apoio CAPES-FUNCAP.
54
Graduada em Psicologia - Université Paris VIII, Mestre em Educação - Université Paris V- Doutora em
Educação - Université Paris V. Pós doutorado - Institut National de la Recherche Pédagogique- Paris.
Professora de Psicologia da Educação- UFC
36 ISSN: 2179-4154
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55
Bacharelanda em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Ceará – UECE.
56
Bacharelanda em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Ceará – UECE.
57
Mestre em Literatura comparada pela Universidade de Dijon na França e Professora do Curso de Letras
da Universidade Estadual do Ceará – UECE.
37 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
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58
Aluno da Universidade Federal do Ceará. Graduação em andamento no curso Letras
Literatura/Português.
59
Aluna da Universidade Federal do Ceará. Graduação em andamento no curso Letras
Literatura/Português
60
Doutor em Letras pela Universidade Federal Fluminense, Brasil (2006). Atuação em Literatura
Comparada. Professor Adjunto da Universidade Federal do Ceará, Brasil.
38 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
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61
Aluna do Mestrado em Letras do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do
Ceará.
62
Doutora pela PUC-RJ e Professora adjunta do Depto. de Literatura e do Programa de Pós-Graduação
em Letras da Universidade Federal do Ceará.
39 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
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Este artigo apresenta uma análise acerca da legitimação do poder exercido pela
personagem Senhora, do livro Dôra, Doralina, da escritora Rachel de Queiroz. A
narrativa se passa em três décadas – dos anos 1930 aos anos 1950 – e conta a estória da
personagem Dôra, Doralina que busca se libertar das rédeas da mãe; primeiramente,
através do casamento e, depois da morte do marido, ingressando em uma companhia de
teatro. No livro, mãe e filha se opõem e, assim, entram constantemente em atrito.
Tomando como objeto de análise essa relação, nos detivemos especialmente na figura
materna, Senhora. Senhora é viúva e, desde a morte do marido, arca com os cuidados
com a filha e assume o comando da fazenda. Teoricamente ancorada em Max Weber,
buscamos entender como se dava o exercício de mando desta personagem sobre sua
filha, Dôra; seu genro, Laurindo e os funcionários da fazenda. Referido autor, com sua
teoria dos tipos de dominação nos possibilitou uma maior compreensão sobre como e
porque o mando exercido por Senhora era aceito, ou seja, legitimado. Além de Weber,
utilizamos dois outros autores, Gilberto Freyre e June Hanter. Estes nos forneceram
uma perspectiva histórica, sobre como se davam as relações de gênero durante todo o
século XX. Foi a partir da leitura desses autores que embasamos a análise dos discursos
das personagens, procurando aplicar a teoria weberiana ao universo relacional estudado.
63
Universidade Federal do Ceará – UFC.
64
Doutora em Sociologia, professora da Universidade Federal do Ceará – UFC.
40 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
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A partir do livro Doze nós numa corda (1997), de Herberto Helder, propomos algumas
reflexões sobre o processo de tradução como reescritura, dessacralizando a
proeminência do discurso primeiro sobre o traduzido, mais especificamente no caso da
poesia. Consideramos ainda especular em que medida o autor cria sua tradição e como
essas relações implicam diretamente na sua criação poética. Esta leitura leva em conta a
visão de André Lefevere, principalmente no livro Tradução, reescrita e manipulação da
fama literária (2007). Entretanto não se esmiúça em torno da posição ideológica ao qual
o processo de reescritura geralmente é relacionado. Privilegiamos, portanto, a
reescritura que joga com o discurso sacralizado, que se apropria do texto do outro
recriando em meio ao processo tradutório. Para tais considerações, baseamo-nos,
sobretudo, no pensamento de Maurice Blanchot, e ainda em Foucault, Deleuze e
Compagnon. A relação entre a dessacralização do discurso, a reescritura e o cânone,
assim como a construção da poética particular de Helder a partir de suas afinidades
eletivas, nortearão nossa discussão.
65
Aluno do Mestrado em Letras do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do
Ceará.
66
Professor Adjunto II do Departamento de Literatura da Universidade Federal do Ceará e orientador da
pesquisa.
41 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
Universidade Federal do Ceará – 27 a 30 de outubro de 2009
67
Estudante de Letras pela Universidade Federal do Ceará; membro do grupo de estudos José de Alencar
– UFC.
68
Professor Doutor em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense; Professor Adjunto
de Literatura Brasileira na Universidade Federal do Ceará (UFC); coordenador do grupo de estudos José
de Alencar – UFC.
42 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
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69
Doutoranda em Literatura Comparada/UFRN.
70
Professor do Programa de Pós-Graduação em Letras/UFC.
71
Professor do Departamento de Letras/UFRN.
43 ISSN: 2179-4154
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72
UFPI/UFC/CAPES.
44 ISSN: 2179-4154
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Introdução: Para João Guimarães Rosa, o sertão é figurado como espaço que
surpreende aquele que o adentra. A novela “Buriti” (1956) narra a estória da fazenda
Buriti Bom e dos personagens que a habitam ou por lá transitam, bem como as
mudanças que eles sofrem a partir de relações intersubjetivas que estabelecem. Essas
relações se desenvolvem sobre dois eixos: o profano – relações eróticas – e o sagrado –
relações com o transcendental. Chefe Zequiel é uma das figuras mais misteriosas desta
novela, desempenhando o papel de guardião de mistérios que ele próprio não
compreende. Habita um monjolo, vive da cultura de subsistência e é acossado por
pavores noturnos, pois acredita que alguém irá assassiná-lo durante a madrugada.
Objetivos: Identificar aspectos da memória da noite – sons e mitos – mediante a análise
da linguagem de Chefe Zequiel. Articular a linguagem dessa personagem ao enredo da
obra. Metodologia: Leitura crítico-reflexiva da narrativa “Buriti” e seleção dos
principais temas que surgem nessa novela. Resultados finais: A linguagem de Chefe
Zequiel, à primeira leitura, parece desconexa, mas é resultado de um amálgama cultural
que forja um discurso delirante constituído por sons que encenam o nascimento da
noite. Conclusão: Em “Buriti”, a memória da noite converte-se em linguagem e
apresenta duas faces: os sons que remetem para os mitos e os mitos reconstruídos que,
articulados à língua, encenam o drama da linguagem e a fuga do referente.
73
Mestre em Letras – Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC)
45 ISSN: 2179-4154
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Universidade Federal do Ceará – 27 a 30 de outubro de 2009
74
Graduando do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará.
75
Graduando do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará.
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Professor do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará.
46 ISSN: 2179-4154
VI Encontro Interdisciplinar de Estudos Literários
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Camões, célebre autor do Classicismo, muito contribuiu para o cenário literário europeu
com Os Lusíadas e sua extensa produção lírica, composta de odes, canções, sextinas,
églogas, elegias, sonetos. Nestes últimos trabalhou diferentes temáticas. Tomaremos
para análise a que vislumbra o amor de natureza platônica e irrealizável, destinado com
devoção suprema a uma Senhora inatingível. Defendemos que tais traços revelam
resíduos do serviço amoroso à moda trovadoresca, materializador da coyta d’amour e
de diversas regras do código do amor cortês, recebido da Provença pelos portugueses.
Sendo assim, o presente trabalho objetiva, valendo-se dos princípios da Teoria da
Residualidade, identificar como vêm a lume no soneto de Camões “Quando, senhora,
quis Amor que amasse”, os resíduos e os substratos mentais característicos desse tipo
de serviço amoroso cultivado no medievo. E, para tanto, propomos sua análise temática
e lexical. Dessa forma, procuramos enfatizar a presença viva de um modo de amar do
medievo, tornado resíduo e cristalizado nesse soneto do poeta quinhentista.
77
Graduanda em Letras pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Bolsista de monitoria da disciplina
Literatura Portuguesa III e membro do grupo de pesquisa Estudos de Residualidade Literária e Cultural.
78
Professor Associado II do Departamento de Literatura da Universidade Federal do Ceará - UFC.
47 ISSN: 2179-4154
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Raduan Nassar publicou, em 1975, seu primeiro romance, intitulado Lavoura Arcaica.
Como o título sugere, a obra trata de uma família que possui moral e costumes
medievais. Símbolos e parábolas bíblicas também são bastante presentes no livro, assim
como as subversões dos mesmos. Pretendemos, no presente trabalho, apresentar
algumas quebras e inversões de símbolos bíblicos encontrados no romance citado, assim
como realizar considerações sobre a construção de imagens e metáforas através de
André, personagem principal. Tentaremos também refletir sobre a concepção de palavra
e de linguagem através da fala do narrador-personagem e do seu pai. Em Lavoura
Arcaica, a palavra e a linguagem possuem um sentido fortemente ligado ao contexto
bíblico. No discurso do pai de André (que poderia ser entendido também como o pai da
palavra), bem organizado e articulado, elas são apresentadas como fontes inegáveis de
verdade e certeza. Elas são a solução para todos os conflitos, e precisamos ficar atentos
a elas, pois a palavra, segundo ele, liberta. A partir da construção do discurso do pai,
que é fundamentado na bíblia, André, o filho pródigo, irá transgredir toda a fala de seu
patriarca, a partir de sua fala não-linear, desconexa e confusa, mostrando ao leitor como
a palavra é traiçoeira, dissimulada, morta e cheia de ausências. A partir das teorias de
Maurice Blanchot e de Eni Puccinelli Orlandi, buscamos refletir sobre as duas
concepções de palavra e linguagem presentes na fala dos dois personagens.
79
Graduanda do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará.
80
Professor do Programa de Pós-Graduação do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará.
48 ISSN: 2179-4154
TRABALHOS COMPLETOS
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tentam a todo instante, e como podem, vencer o atavismo, as forças deterministas que os
prenderiam onde estão – perceba-se isso no comentário de Rodrigo Lacerda (2009),
segundo o qual boa parte das personagens de João Antônio existiram na vida real, com
os seus mesmos apelidos, e presentemente são muito mais personagens da ficção do que
pessoas que viveram em carne e osso, mas de alguma forma continuam, presentes e
incômodas, graças a seus pares inventados. Os mais conhecidos, os bandidos e
marginais – Paulinho Perna Torta, Joãozinho Babilônia e o narrador do conto-título – e
os pequenos marginais, como as personagens Malagueta, Perus e Bacanaço, lutam mais
diretamente para sobreviver ou até para se vingar da sociedade de que os produziu (em
João Antônio as personagens que se encontram na franca condição de bandidos nunca
se encontram nessa mesma condição por decisão deliberada, mas sim por força de
circunstância totalmente fora do seu controle).
Mas não se pode esquecer da importância, na obra do autor, daquele outro tipo
de personagem, ainda mais invisível, o trabalhador comum sem perspectiva.
O livro de estréia de João Antônio, sobre o qual se concentra essa análise, é a
coletânea de contos Malagueta, Perus e Bacanaço, de 1963. A coletânea é dividida em
sessões, como o autor faria, também, nos livros posteriores. As sessões são: Contos
gerais, Caserna e Sinuca. Os três primeiros contos da primeira sessão remetem a uma
constante situação de insatisfação com a vida das personagens-narradoras. Segundo
Vima Lia Martin (2008, p. 73):
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REFERÊNCIAS
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Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de mestre em
literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
PUC-RS, 2007.
AGUIAR, Flávio. Evocação de João Antônio ou do purgatório ao inferno. In:
CHIAPPINI, Ligia; DIMAS, Antonio; ZILLY, Berthold. (Org.) Brasil, país do
passado? São Paulo: Edusp/Boitempo, 2000, p. 145-155.
CANDIDO, Antonio. Dialética da malandragem. In: _____. O discurso e a cidade. 3.
ed. São Paulo/Rio de Janeiro: Duas Cidades/Ouro sobre Azul, 2004. p. 17-46.
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CHIAPPINI, Ligia. O Brasil de João Antônio e a sinuca dos pingentes. In: CHIAPPINI,
Ligia; DIMAS, Antonio; ZILLY, Berthold. (Org.) Brasil, país do passado? São Paulo:
Edusp/Boitempo, 2000, p.156-172.
FERREIRA, João Antônio, Filho. Merdunchos. In: ______. Casa de loucos. 4. ed. Rio
de Janeiro: Rocco, 1994, p. 65-72.
______. Leão-de-chácara. 5. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
______. Malagueta, perus e bacanaço. 4. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
______. Malagueta, perus e bacanaço / Malhação do Judas Carioca. São Paulo: Clube
do Livro, 1987.
LACERDA, Rodrigo. O primeiro amor de João Antônio. In: FERREIRA, João Antônio,
Filho. Malagueta, Perus e Bacanaço. 4. ed. Encarte. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
MARTIN, Vima Lia. Literatura e marginalidade – um estudo sobre João Antônio e
Luandino Vieira. São Paulo: FAPESP/Alameda, 2008.
ORNELAS, Clara Ávila. O conto na obra de João Antônio: uma poética da exclusão.
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Literatura Brasileira do
Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo: USP, 2004.
SCHWARZ, Roberto. Pressupostos, salvo engano, de Dialética da malandragem. In:
_____. Que horas são? – ensaios. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p.
129-156.
ZILLY, Berthold. João Antônio e a desconstrução da malandragem. In: CHIAPPINI,
Ligia; DIMAS, Antonio; ZILLY, Berthold. (Org.) Brasil, país do passado? São Paulo:
Edusp/Boitempo, 2000, p. 173-194.
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Introdução
1
Graduanda do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará.
2
Graduanda do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará.
3
Professora do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará.
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Jornal, que servirá de base para alcançarmos o nosso objetivo neste trabalho; qual seja
estabelecer pontos comparativos entre a linguagem do poema e a linguagem jornalística.
Construindo relações
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Apresentando o método
Expondo as relações
4
Jornal publicado em: ano XXVIII, número 9895, circulado no dia 30/08/2009.
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Conclusão
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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As semelhanças entre essas histórias vão além da destruição dos grupos pelo
comando dos poderosos, que se constituíam a cada dia sob o descrédito perante a maior
parte da população pobre e invisível. As circunstâncias fizeram com que milhares de
pessoas se orientassem em torno da liderança desses homens, fidedignamente,
determinando a transformação deles em messias mitificados pela memória popular e em
momentos execrados por ela: um acusado de fanático e monarquista e o outro de
posseiro indevido das terras do sítio Caldeirão de Santa Cruz do Deserto; além de
aliciador, praticante de “comunismo primitivo” e ateu. Diferenciaram-se dos demais
líderes de sua época e ascenderam sob os desígnios da fé.
Interessa-nos, aqui, comparar as produções de folhetos referentes aos
fenômenos, atribuindo-lhes, também, aspectos documental e histórico; considerar a
perspectiva abordada nos versos do trovador, e sua orientação ao ilustrar as narrativas.
É pertinente o questionamento de como são retratadas as memórias que cercam
Conselheiro e o Beato, assim como suas comunidades geradoras e os seus seguidores:
jagunços, mulheres, crianças, velhos, inválidos, retirantes; a maioria atormentada pela
aspereza da terra, através do versar do poeta popular. Convém expor que a referida
pesquisa, bem como a sistematização dos resultados da problemática proposta ainda
estão em início.
Sugerimos que ao realizarmos a leitura desses versos, poderemos perceber como
se procedeu a metamorfose desses referidos homens em mitos na literatura de cordel:
“O sertanejo simples transmudava-se penetrando-o, no fanático desetencroso e bruto.
Absorvia-o a psicose coletiva.” (CUNHA, 1993, p.144) Preocupa-nos saber como foram
idealizados através dos tempos1, como se instauraram no imaginário popular, burlando
os limites entre o real e o fictício. “Não é a verdade das narrativas que está posta em
discussão, mas a constituição de valores, símbolos e mitos.” (CORDEIRO, 2004, p.30)
Pensemos então no mito do libertador: Conselheiro, um Sebastianista, assim
concebido sem o saber, e o Beato, seguidor ideal de Padre Cícero. Temos, por analogia,
a imagem de Dom Sebastião, rei de Portugal, expansionista e desbravador, perdido em
batalha na África (muitos esperam seu regresso, para que lhes tragam providência)
associado ao Conselheiro; e Padre Cícero, protetor dos miseráveis e injustiçados,
cercado pela ideologia de ter sido um empreendedor (em sua busca, milhares de
1
Tempo este referente ao período dos fenômenos envolvidos até hodiernamente.
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U que reis de formosura/ como é São Sebastião/ foi chamado pelo mundo/
Visita vem fazer/ Rei D. Sebastião/ Coitadinho daquele pobre que estiver na
lei do cão (...) Indo pª Cidade/ se corro alcançar/ de tanta lapidadão/ de lá se
vae arrancar/ zinco e cobre e Dinheiro/ tudo está arrecolhido/para tentar
tomar conta/ do Rio de Janeiro/ no tal fallimos nós/ por ser letra de
portuguez/ Vir Antonio Conselheiro/ no Céo emtodo lugar.(CALASANS,
1984, 12-13)
2
ABCs recolhidos por Euclides da Cunha na época da campanha de Canudos, em sua Terceira
Expedição.
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Outro elemento importante para nós diz respeito ao silêncio e foi observado em
trabalhos como o de Kunz (2001), no qual comprova ser ampla a aparição no cordel, de
algumas personalidades que marcaram a história brasileira em detrimento de outras,
com similar importância:
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O que já não se repete com o Caldeirão, pouco cantado em sua época pela lira
popular e que não teve a seu favor um livro vingador, para lhe representar; salvo
algumas publicações mais recentes, como Caldeirão: um estudo histórico sobre o Beato
José Lourenço e suas comunidades, de Lopes (1991).
Poderíamos especular que existem “lacunas” na historiografia do cordel que
merecem ser preenchidas, no que concerne aos fatos supramencionados. Teria sido,
portanto, somente a dificuldade em se denunciar fenômenos, cujas memórias envolvam
diretamente conflitos com o poder instituído que resultou nesse silêncio? Ou a
autocensura e o conservadorismo de alguns poetas populares?
No episódio do Caldeirão, apontamos ainda a possibilidade de ter havido
rejeição por parte do povo não envolvido diretamente no fenômeno, e aí, incluímos
também o poeta popular. Em que medida temia a repressão da igreja, a perseguição do
governo e das elites, uma vez que já tinham os exemplos do que foi o massacre em
Canudos e Pedra Bonita, além da perseguição de que foi vítima o Padre Cícero?
Embora as adversidades, é fato que esta Literatura é também, verdadeiramente,
promotora do social; como nos confirma Menezes em estudos, que nos servem de
elucidação:
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REFERÊNCIAS
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Volume II. Fortaleza: Tupynanquim Editora, 2001.
CALASANS, José. Canudos na Literatura de Cordel. São Paulo: Editora Ática, 1984.
______. Cartografia de Canudos. Salvador: Secretaria da Cultura e Turismo, Conselho
Estadual de Cultura / EGBA, 1997.
CORDEIRO, Domingos Sávio Almeida. Um Beato Líder: Narrativas memoráveis do
Caldeirão. Fortaleza: UFC, 2004.
CUNHA, Euclides da. Os Sertões. 9. ed. São Paulo: Editora Cultrix, 1993.
FRANÇA, Antônio Queiróz de, e RINARÉ, Rouxinol do. Antonio Conselheiro e a
Guerra de Canudos. Volume III. 3. ed. Fortaleza: Tupynanquim Editora, 2006.
GALVÃO, Walnice Nogueira. No calor da hora. A guerra de Canudos nos jornais- 4ª
expedição. 2. ed. São Paulo: Ática, 1997.
GUTIÉRREZ, Angela. Os sertões: gênese e apocalipse. Fortaleza: XIX Jornada de
Estudos Lingüísticos do Nordeste-GELNE promovida pelo Centro de Humanidades da
UFC, 2002.
LOPES, Régis. Caldeirão: um estudo histórico sobre o beato José Lourenço e suas
comunidades. 1. ed. Fortaleza: Editora da Universidade Estadual do Ceará, 1991.
KUNZ, Martine. Cordel: A voz do verso. Fortaleza: Museu do Ceará / Secretaria de
Cultura e Desporto do Ceará, 2001.
MENEZES, Eduardo Diatahy B. de. A Historiografia tradicional de Canudos. In:
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, Ano 165, No 422,
jan./mar. 2004: 33-57.
______; ARRUDA, João (org). Canudos : As falas e os olhares. Fortaleza: Edições
UFC, 1995, pp. 41-53.
SEVCENKO, Nicolau. “Prefácio da edição brasileira.” In: Dicionário de Mitos
Literários. 2. ed. Trad. Carlos Sussekind et alli. BRUNEL, Pierre (Org). Rio de Janeiro:
José Olympio, 1998.
TAVARES Júnior, Luíz. O mito na Literatura de Cordel. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1980.
3
É digno de nota mencionar que a imprensa só chega ao Brasil em 1808. Antes disso, principalmente
para o povo, os cancioneiros/repentistas eram fundamentais para disseminar informações, ainda assim,
quando essa popularizou-se, continuou “refém” do poder do Estado.
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1
Graduanda em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará.
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Mas que “cousa” é essa, a crônica, que não permite ao seu próprio escritor uma
autodefinição, se jornalista – mais ligado aos fatos reais e à informação atual – ou
ficcionista – em essência o recriador da realidade?
A crônica é um gênero ambíguo, anfíbio desde a origem. A crônica, tal qual
conhecemos no Brasil, nasce no meio jornalístico. Recebe o sopro de vida quando é
publicada em jornais e revistas, vida esta que pode perdurar nas páginas de um livro.
Daí a distinção que alguns estudiosos fazem entre crônica literária e crônica jornalística.
Ápio Campos assevera que “a crônica nasceu no jornal e para o jornal” (CAMPOS apud
MOISÉS, 1979, p.247). Essa afirmação corresponde apenas à gênese da crônica e não
diz respeito ao que acontece com ela após sua publicação. Massaud Moisés (1967)
assinala o caráter de fênix da crônica, a renascer das próprias cinzas, todos os dias,
como a matéria jornalística: “A crônica vive precisamente da existência fugaz do jornal
ou do periódico: lida com uma notícia ou artigo, logo é posta de lado, outras se lhe
seguem no fio dos dias; nenhuma nutre veleidades de perdurar” (MOISÉS, 1967,
p.107).
Entretanto, nascer no jornal não significa morrer com ele no dia seguinte,
conforme as considerações de Alceu Amoroso Lima sobre o que é efêmero: “Efêmero é
tudo o que, literatura ou não, é escrito ou falado sem poder de penetração na realidade
interior ou externa, visível ou invisível. Há literatura que fica e literatura que passa”
(LIMA, 1990, p.37). E, se Literatura, como aponta Lima (1990), é o meio de expressão
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da palavra escrita em que há uma ênfase, onde reside a beleza; ou ainda, se é a arte da
palavra capaz de provocar no leitor o sentimento estético, como afirma Afrânio
Coutinho (1987), a crônica da qual falamos está prenhe destes significados.
Portanto, a crônica dita literária, que pensamos ser a verdadeira expressão do
gênero – outros textos publicados no espaço da crônica que não se configuram como
literários em essência não são crônicas, na acepção moderna – possui em sua estrutura
características do Jornalismo e Literatura diluídas e espelhadas, oscilando entre o relato
impessoal de um acontecimento da atualidade e a recriação do cotidiano. Daí Massaud
Moisés afirmar que “o cronista pretende-se não o repórter, mas o poeta ou o ficcionista
do cotidiano, pretende desentranhar do acontecimento sua porção imanente de fantasia”
(MOISÉS, 1967, p.104).
Quem publica em jornais ou revistas deve ter em mente o fato de que seu texto
pode ser lido e esquecido no mesmo dia de sua publicação ou, que nem mesmo chegue a
ser lido. Daí Antonio Candido assegurar que o intuito do cronista “não é dos que
escrevem do alto da montanha, mas do simples rés-do-chão” (CANDIDO, 1992, p. 14).
Seria a crônica um gênero menor por conta disso?
Primeiro, se crônica é também Literatura, não se pode dizer que ela seja um
gênero menor, porque não existe essa noção de maior ou menor em relação à qualidade
não existe (COUTINHO, 1987, p.746). Segundo, toda a leveza de estilo do texto de
quem escreve para o “consumo imediato” não implica em pobreza nem literária, nem de
conteúdo. Como pontuamos, o intuito do cronista talvez nem seja de ser o grande
literato, mas através de seus textos, ele pensa em voz alta sua filosofia de vida, contando
histórias e recriando belamente a realidade. E fazendo Literatura marcada pelo meio
onde reside, o jornal:
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Era o bonde Engenho de Dentro, ali na Praça Quinze. Vinha cheio, mas como
diz, empurrando sempre encaixa. O que provou ser otimismo, porque talvez
encaixasse metade ou um quarto de pessoa magra, e a alentada senhora que
se guindou ao alto estribo e enfrentou a plataforma traseira junto com um
bombeiro e outros amáveis soldados, dela talvez coubesse um oitavo. Assim
mesmo, e isso prova bem a favor da elasticidade dos corpos gordos, ela
conseguiu se insinuar, ou antes, encaixar (QUEIROZ, 1953).
Mais adiante, no mesmo tom humorístico que chega a ser caricatural, outros
personagens são descritos no texto: uma baiana vendedora de doces, a menina de “olho
enviesado” que a acompanha, a moça que segura vários pacotes, um sujeito com bigode
à Stalin “que tinha cara de dirigente do Ministério do Trabalho”, o soldado, o
motorneiro, o condutor entre outros, todos “se apertando” no veículo lotado, a fim de
chegarem a seus destinos. A maneira como a narrativa do trajeto é conduzida e a
pluralidade de personagens pode levar à interpretação do texto como uma metonímia da
cidade do Rio de Janeiro. O Rio estaria naquele bonde, em seu cotidiano, como sugere
Rachel nas linhas finais da crônica:
(...)só um coração de ferro tem coragem de deixar este Rio, assim mesmo
apertado, superlotado, sem comida, sem transporte, sem luz e sem água.
Como disse um paraíba que vinha junto com o soldado: — Qual, se no céu
faltasse água ou luz, por isso os anjos haveriam de se largar de lá? Céu é céu,
de qualquer jeito... (QUEIROZ, 1953).
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REFERÊNCIAS
CANDIDO, Antonio et alli. A Crônica: o gênero, sua fixação e suas transformações no
Brasil. Campinas, SP: Editora da UNICAMP; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui
Barbosa, 1992.
COUTINHO, Afrânio. Crítica e teoria literária. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1987.
FRANCESCHI, Antônio F. de (org.). Rachel de Queiroz. Vol. 4. Cadernos de Literatura
Brasileira. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 1997.
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. Tradução de Carlos Nelson Coutinho e
Leandro Konder. 4.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
LIMA, Alceu Amoroso. O jornalismo como gênero literário. 20.ed. São Paulo: Edusp,
1990.
MOISÉS, Massaud. A criação literária: Prosa. 9. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1979.
QUEIROZ, Rachel. O brasileiro perplexo. Rio de Janeiro: Ed. do Autor, 1964.
QUEIROZ, Rachel. O caçador de tatu: 57 crônicas escolhidas. 2. ed. São Paulo:
Siciliano, 1994.
QUEIROZ, Rachel. A donzela e Moura Torta: 45 crônicas escolhidas. 2. ed. São Paulo:
Siciliano, 1994.
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Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará.
2
Professor do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará.
3
Grifo nosso.
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Dar a cada um dos antigos edifícios da cidade a sua crônica, fazendo-os viver
no futuro senão pela sua beleza material, ao menos pelas tradições que
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Essa necessidade de justificar ou, até mesmo, explicar o que escreveu, afasta-se
do mito do Orfeu blanchotiano, uma vez que, para Blanchot, Orfeu/escritor arriscou-se
ao olhar para Eurídice/escrita, sucumbindo juntamente com ela; posto que ele não
sobreviveria sem ela ou ela sem ele. Isto é, o escritor comprometido com a escrita
literária, sem amarras que o prendam a fatores extraliterários, sempre está em risco; no
risco de perder-se completamente com a obra que escreve, no processo de sua escritura,
não podendo mais ser um homem real, e sim um ser literário. Por conseguinte, essa
prática do escritor que, escrevendo, se doa completamente à escrita, sem pensar nas
consequências, não pode ser considerada a mesma prática de escrita de José de Alencar.
Para Maurice Blanchot, o olhar do artista sobre sua obra é o “olhar de Orfeu” que não
consegue superar sua necessidade de entregar-se completamente à escrita. Com o autor
de As minas de prata ocorre o oposto. A “função” de sua obra não é jamais esquecida.
Ele não se volta para trás para não correr o risco de por tudo a perder. Mas não deixa de
ser o Orfeu que busca sua Eurídice na poesia de sua escrita.
Comparado ao mito da sereia de Ulisses, José de Alencar é ambíguo. Nem pode
ser considerado o Ulisses que tenta burlar o chamado da arte/sereia, nem o escritor que
se nega ao chamado social para entregar-se somente à arte. Sua produção de romances
históricos tem um caráter social, na medida em que tem por objetivo formar o leitor
nacional, despertar nele o interesse pelas coisas da pátria, mas tudo é feito com a mais
refinada arte. Ele se entrega à necessidade de escrever sem deixar de lado a ideologia. E,
dessa forma, ele se realiza, como escritor, em sua obra. Quando trabalha com a história
nacional dos séculos XVI e XVII, buscando fazer do índio o nosso cavaleiro medieval,
o autor de O guarani está realizando um plano. Porém, ao revestir sua prosa com a mais
pura poesia, deixa entrever o quão forte é o seu desejo de escrever, ainda que para
atingir um objetivo. A respeito de seu papel de historiador, ele diz:
As obras mais importantes da nossa história não são lidas por todos, já pela
sua raridade, já porque não estão ao alcance das pequenas fortunas; por isso
escrevendo para uma folha diária, para o povo, e não para os eruditos entendo
que a minha obrigação é vulgarizar aquilo que devemos às investigações de
4
Grifo nosso.
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Alencar escreve para um leitor específico. Conhecendo bem o seu público, ele
também conhece suas limitações. Sua finalidade era clara: fazer com que o leitor criasse
raízes brasileiras, identificando-se com a história nacional, através da literatura, ainda
que trabalhando com a “micro-história” do país, método intencional que servia para
aproximar os fatos históricos do homem comum, leitor de seus romances. Logo
percebendo que uma epopéia, retrato de um mundo perfeito e acabado, não mais se
encaixaria em seu objetivo, parte para o romance histórico e justifica-se: “Ora, escrever
um poema que devia alongar-se, para correr o risco de não ser entendido, e quando
entendido não apreciado, era para desanimar o mais robusto talento, quanto mais a
minha mediocridade” (ALENCAR, 1958, p.307). Assim sendo, Alencar pretende guiar
até mesmo o processo de formação do leitor como co-escritor de sua obra, escrevendo o
que ele supõe que será apreciado e entendido de forma clara, o que está mais em acordo
com a realidade brasileira de sua época.
Além da preocupação com a recepção da obra pelo público, o autor ainda
externa uma preocupação com a crítica literária, mais uma vez contrapondo-se a
Blanchot, quando este afirma que “o escritor dá mais importância ao sentido que sua
obra tem somente para ele” (BLANCHOT, 1997, p. 298). Porém, podemos apontar uma
semelhança entre o pensamento dos dois autores sobre o posicionamento do escritor
frente à recepção da obra pelos críticos. Segundo Alencar,
Quem mais ganha com esses rigores sou eu. Se provêm do bom gosto e da
cultura literária, são lições judiciosas, que se recebem, e mais tarde
aproveitam. Se nascem da inveja, do despeito, do desejo de celebrizar-se, ou
de qualquer outro lodo interior, onde se gere essa praga, ainda assim tem
serventia: revelam ao autor o apreço do público, pelo desprezo a que são
lançadas essas alicantinas (ALENCAR, 1959, p.701).
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nesse dom da sorte sua própria obra, o trabalho do seu espírito em acordo
providencial com seu tempo? (BLANCHOT, 1997, p. 288-9).
As “circunstâncias” citadas pelo autor estão ligadas à crítica literária, bem como
a fatores extra-literários. E o comentário traz um toque de ironia ao colocar “abandono”
e “fadiga” – relacionados a empenho e trabalho – na mesma frase que “nascido por
acaso”. Além da ironia, pode-se observar a presença de uma das bases do pensamento
blanchotiano: de acordo com o teórico, a obra literária não é um trabalho manual, no
qual o escritor tem que trabalhar com a língua, escolhendo os melhores adjetivos, como
faz José de Alencar; a proposta de Blanchot alia-se à questão da inspiração e da escrita
ininterrupta, uma vez que o escritor, ao se entregar ao Canto das Sereias, que também é
o chamado da escrita, é tomado por um demônio interior que o lança no processo de
escrever; e o que ele inicia numa obra nunca terá fim, podendo reaparecer em várias
outras obras. E esse processo ininterrupto, por vezes cansa o próprio escritor, levando-o
a uma condição de cansaço e de vigília – estado entre o adormecido e o acordado. Nesse
estado dormente é que o escritor libera-se completamente de todas as amarras e passa a
escutar com mais força as “vozes internas” que passam a dominar sua escritura.
Ainda sobre a crítica – ou sobre os críticos – Blanchot alerta para a contradição
do escritor que se vê preso, “imobilizado em uma dessas formas” – os vários momentos
do escritor, desde o processo de escrita até o momento em que ele é negado pela própria
obra já realizada –, “posto em questão sobre um desses aspectos, ele só pode se
reconhecer sempre outro” (BLANCHOT, 1997, p. 301). Também por isso não há em
Blanchot a necessidade de se entender a literatura pelo mundo real, a literatura deve ser
vista por ela mesma, por sua arquitetura discursiva. Essa fluidez em desviar-se não
somente da crítica, mas de tudo que estiver exterior ao processo de escrita,
principalmente, no que diz respeito ao mundo real, aparece em Alencar como um ataque
direto ao próprio crítico: “Os críticos, deixa-me prevenir-te, são uma casta de gente, que
tem a seu cargo desdizer de tudo neste mundo” (ALENCAR, 1959, p. 692). E ele fala
com propriedade pois foi rejeitado e ignorado pela crítica em vários momentos.
Diante dessas observações, já podemos procurar identificar José de Alencar nas
“regras do escritor” (BLANCHOT, 1997, p. 301) que Maurice Blanchot escreveu,
baseado nas oposições que o escritor enfrenta durante seu processo de escrita e que
formam seus “momentos”: Alencar conhecia as palavras e não poderia ficar sem
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escrever, mas escrevia sempre “para dizer alguma coisa”, desejando o reconhecimento
de sua obra pelos outros, tentando “apagar o leitor”, na medida em que queria traçar-lhe
o caminho de leitura. Escrevia pela verdade e escrevia a verdade. Escrevia para agir.
Escrevia e agia. Ao mesmo tempo em que acorrentou a liberdade à palavra, permitiu-lhe
tornar-se a própria palavra.
A partir do uso da palavra, Alencar promove o afastamento do leitor de sua
realidade para inseri-lo no imaginário da realidade histórica brasileira, em toda a sua
grandiosidade, ainda em conformidade com seu projeto de nacionalização da literatura.
Usando a verossimilhança para alcançar a verdade íntima do ser humano, ele soube unir
seu programa de criar uma obra nacional com seu talento e inspiração para escrever,
examinando e revirando a própria língua para adequá-la à realidade que se lhe
apresentava à época. Tal qual o próprio escritor blanchotiano, que sabe o poder da
palavra que “dá o que significa, mas primeiro o suprime” (BLANCHOT, 1997, p. 310).
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de Janeiro: Editora José Aguilar, 1959.
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Editora José Aguilar, 1958.
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a posteridade. 2. ed. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 1981.
______. Pós-escrito. In: ______. Diva. Obra completa. Rio de Janeiro: Editora José
Aguilar, 1959.
BLANCHOT, Maurice. A leitura de Kafka. In: ______. A parte do fogo. Tradução de
Ana Maria Scherer. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
______. A literatura e o direito à morte. In: ______. A parte do fogo. Tradução de Ana
Maria Scherer. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
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Blanchot afirma, então, que a negação presente na obra literária não é uma
negação transformadora do real, pois essa negação não possui como intuito contestar, ir
contra a realidade. A obra tudo nega por não se inserir no real, por não habitar a
realidade e, quando essa negação global acontece, há a criação de outro mundo – o
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Em seu livro Arranjos para assobio, Manoel de Barros expressa a busca por esse
aspecto da palavra, por esse momento que antecede a própria significação, momento de
doença, como pode ser observado no poema a seguir:
Há, nesse texto, uma quebra da razão, da lógica habitual. O leitor que se arriscar
na formação de imagens esbarrará na difícil barreira da compreensão, pois o próprio
sentido está corrompido, parece mesmo que o autor não quer ser compreendido (no
sentido usual da palavra). A razão e nem mesmo a imagem são privilegiadas nesse
texto, aqui, percebe-se o destaque das palavras. Há um trabalho quase artesanal em que
cada vocábulo é experimentado de modo a tentar extravasar o obstáculo da significação
reta, unilateral. Reina a plurissignificação, a ambiguidade, pois, como diz Blanchot
(1997, p.326), “a literatura é a linguagem que se faz ambiguidade”.
Quando se depara com um verso como “Em seu couro a manhã é sanguínea”,
automaticamente, a mente do leitor se esforça na tentativa de apreender o sentido, faz
ligações entre o couro e a pele do sapo, procura estabelecer relações entre manhã e
sangue, ou mesmo entre o couro e o aspecto matinal, já que o pronome “seu” não
delimita bem a quem faz referência. Mas o poema parece fugir do esquema dialético,
negar qualquer compreensão, qualquer estabelecimento de uma idéia, de um
encadeamento lógico entre as palavras, e, assim, parece requisitar a presença daquilo
que antecede a palavra, isto é, a presença da própria coisa. Como afirma Blanchot:
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pedregulho em seu parti pris de coisa, não o homem, mas este, e neste, o que
o homem rejeita para dizê-lo, o que é fundamento da palavra e que a palavra
exclui para falar, o abismo, o Lázaro do túmulo, e não o Lázaro devolvido ao
dia, aquele que já tem mau cheiro, que é o Mal, o Lázaro perdido, e não o
Lázaro salvo e ressuscitado (BLANCHOT, 1997, p. 315).
Então, a reunião desses elementos, dessas palavras, não cria uma representação,
não sugere uma coisa que remeta a outra; há, na verdade, o nascimento de um novo
objeto – da palavra-objeto, da frase-objeto. Pois, como diz Sartre (1993, P.16), “(...)
quando o poeta junta vários desses microcosmos, dá-se com ele o mesmo que se dá com
os pintores quando juntam cores sobre a tela; dir-se-ia que ele compõe uma frase, mas é
só aparência; ele cria um objeto.” Assim, quando Barros reúne esses microcosmos –
palavras poéticas, segundo Sartre – que em sua maioria não pertencem àquilo que é
esperado dentro do universo literário, e da maneira como os reúne, ele não cria
simplesmente um período, uma oração, mas dá vida a esses vocábulos, aproximando-os
ao máximo de seu estado objetal.
É dessa tentativa de separação entre a ideia e a palavra em si, como coisa que ela
é, entre o significante e o significado, dessa busca em tomar o signo tal como ele é
(entenda-se: sem que se remeta a outra coisa) que surge o inesperado, pois, como
propõe Barthes:
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REFERÊNCIAS
BLANCHOT, Maurice. A parte do fogo. Tradução: Ana Maria Scherer. Rio de Janeiro:
Rocco, 1997.
BARROS, Manoel de. Arranjos para assobio. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 2007.
BARTHES, Roland. O grau zero da escrita. Tradução: Mario Laranjeira. 2. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2004.
SARTRE, Jean-Paul. Que é a Literatura? Tradução: Carlos Felipe Moisés. 2. ed. São
Paulo: Ática, 1993.
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Mestranda do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará e bolsista
CAPES-Reuni.
2
Crítica, ensaísta, doutora pela PUC-RJ e professora adjunta do Depto. de Literatura e do Programa de
Pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará.
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Exu é o deus africano responsável por receber e repassar as oferendas aos outros
deuses, o mensageiro, e também é o deus da fertilidade, representado em seus altares
por objetos fálicos. Sua ligação com Lúcifer foi a priori identificada por nós pelo caráter
trickster, comum a ambos. Ao ler as histórias narradas pela Mitologia Africana,
conhecemos um Exu transformador da natureza. Ele aparece como o criador do mundo
terreno, o Ayê, ao mesmo tempo se torna transgressor. Modifica o lugar do sol e da lua,
desafia os deuses, é protagonista de aventuras obscenas, das quais sai muitas vezes
humilhado. O malicioso Exu é enganado e logo arranja sua vingança. O bem-feitor
também é o mal-feitor. Sendo assim, esse caráter que contraria as regras de conduta
aceitas foi que levou o deus mensageiro a alçada de Diabo na transmutação da religião
africana para alguns cultos de religiões afro-brasileiras.
Segundo Pierre Verger, Exu
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Jacques Le Goff em seu livro Uma longa Idade Média, trata, no capítulo “Jesus
riu?”, sobre essa natureza diabólica do riso. O questionamento feito no início do
capítulo nos serve de ponto de partida para compreender como o riso é relacionado a
Lúcifer.
Na Alta Idade Média, período de maior condenação do riso, questionava-se sua
natureza, pois na Bíblia Sagrada não existe registro de que Jesus riu alguma vez. Essa
premissa reforça o caráter diabólico do riso. Segundo Le Goff (2008), “Se o riso é
próprio do homem, é próprio do homem decaído e pecador: o próprio riso é um pecado”
(LE GOFF, 2008, p. 287).
Já percebemos no início da Idade Média, como registra Le Goff (2008), que o
riso é relacionado ao corpo, dando uma importância essencial à boca e às orelhas. As
partes do corpo citadas serviriam umas para filtrar as provocações do riso feitas por
Satanás, as orelhas, e outra para prendê-las, mantendo a boca fechada para não rir.
Porém, nos deteremos neste estudo ao período do século IV ao século X, Alta Idade
Média, em que o riso já assumiu um status diabólico, sendo considerado como pecado,
como nos mostra Minois (2003) ao citar Qumran: “aquele que ri tola e ruidosamente
será punido durante trinta dias” (QUMRAM apud MINOIS, 2003, p.125).
Ao analisarmos a obra de Nei Leandro de Castro, As pelejas que Ojuara, de
acordo com a Teoria da Residualidade, de autoria do Prof. Dr. Roberto Pontes, em que
“Na cultura e na literatura nada é original, tudo é remanescente, logo, tudo é residual”.
(PONTES, 2006, p. 3), constatamos a permanência de substratos mentais oriundos do
medievo nesta obra contemporânea. O riso provocado e promovido pelo Diabo é
recorrente em toda a obra. No entanto, para a presente comunicação destacamos um
trecho da obra, capítulos três e quatro da terceira parte, em que o herói Ojuara tem seu
primeiro confronto com o ente diabólico, denominado pelo preto velho de Exu. O negro
alforriado conta a Ojuara que sonhou com uma mulher linda e branca, parecida com a
Princesa Isabel. Ela, em sonho, lhe mostrou como chegar a um tesouro debaixo de uma
jaqueira, dando instruções em números e rezas, porém o velho não sabia contar nem
rezar. Durante um sonho pediu ajuda a Exu, que prontamente o atendeu, mostrando-lhe
o caminho, porém já exigiu sua oferenda e sentenciou a vingança. A ambição do velho
foi mais forte e ele não cumpre sua parte no trato. Sendo assim, Exu vem à procura do
velho.
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Mas também não foi brincadeira. Às vezes, o murro do papa-figo tinha força
da munheca do finado Zé Tabacão [...] Outras vezes ele ficava só pulando, se
desviando de Ojuara, fazendo careta e soltando uns peidos que pareciam
trovões com cheiro de xibiu de porca. (CASTRO, 2006, p. 240)
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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nagô. Petrópolis: Vozes, 1983.
BENISTE, José. Mitos yorubás: o outro lado do conhecimento. RJ: Bertrand Brasil,
2008.
BÍBLIA SAGRADA. São Paulo: Edições Paulinas, 1982.
CARNEIRO, Édison. Candomblés da Bahia. Rio de Janeiro: Editorial Andes, 1954.
CASCUDO, L. da Câmara. Made in África. São Paulo: Global editora, 2002.
CASTRO, Nei Leandro de. As pelejas de Ojuara: o homem que desafiou o diabo. 4ªed.
São Paulo: Arx, 2006.
ECO, Umberto. História da feiúra. Record, 2007.
FRANCHINI, A. S. SEGANFREDO, C. As melhores histórias da mitologia africana.
Porto Alegre: Artes e ofícios, 2008.
LE GOFF, Jacques. Uma longa idade média. RJ: Civilização Brasileira, 2008.
MARTINS, Adilson. Lendas de Exu. Rio de Janeiro: Pallas, 2005.
MARTINS, Elizabeth Dias. Quem ri de quem em Romagem de Agravados. In: Atas do
III Encontro Internacional de Estudos Medievais, 2001. Rio de Janeiro: ABREM/
Editora Ágora da Ilha.
MINOIS, G. História do riso e do escárnio. São Paulo: Unesp, 2003.
NOGUEIRA, Carlos R. F. O Diabo no imaginário cristão. São Paulo: Ática, 1986.
PONTES, Roberto. O viés afrobrasiluso e as literaturas africanas de Língua
portuguesa. Conferência proferida no II Encontro de professores africanos de língua
portuguesa. SP, USP, 2003.
PRANDI, Reginaldo. Exú, de mensageiro a diabo – sincretismo católico e demonização
do orixá Exú. In: Revista USP. São Paulo, 2001.
TRINDADE, Liana (org.). A cólera e o sagrado: pesquisas franco-brasileiras. São
Paulo: Terceira Margem, 2006.
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Iremos tratar, neste artigo, da preocupação freqüente que teve José de Alencar em
alertar seus leitores para a degradação do meio ambiente.
No autor de O guarani, existe, com efeito, uma preocupação de educar o homem
para o belo, e, com ela, de se valorizar a natureza. É que Alencar se coloca em posição
firme contra os aspectos negativos da “modernidade”, que intervinha no país de forma
abrupta, com suas locomotivas e outras transformações técnicas – era, então, o
“progresso”. Assim, o caráter extemporâneo alencarino vai se tornando mais evidente à
medida que o autor faz críticas a uma sociedade que aceita a modernização, engessando
seu pensamento no “novo”, sem conjecturar as conseqüências negativas, principalmente
para o mundo natural.
As obras alencarinas são marcadas por assuntos que correspondem tanto ao
espaço geográfico quanto ao desenvolvimento histórico. No que diz respeito ao
primeiro, pode-se destacar O sertanejo (1875), que retrata o sertão nordestino; Iracema
(1865), a descrever o litoral cearense; O gaúcho (1870), que apresenta os campos do
Rio Grande do Sul; Til (1872), que faz ver a zona rural, tendo como cenário o interior
paulista; O Tronco do ipê (1871), abrangendo a zona da mata fluminense; e, nos
romances urbanos, tais como Senhora (1875), Lucíola (1862) e Diva (1864), há o
retrato da sociedade burguesa do Segundo Reinado. Quanto a nossa evolução histórica,
destacam-se Iracema e O guarani (1857), que constituem uma pintura da fase de
formação da nacionalidade brasileira, bem como As minas de prata (1865-6) e Guerra
dos mascates (1873-4).
Pode-se dizer que José de Alencar teve seu trajeto literário iniciado ao publicar,
em 1857, O guarani; pois que, nesta obra, busca enfatizar as belezas naturais do Brasil,
mostrando ao leitor o mundo tupiniquim: descreve, pois, a diversidade de nossa fauna e
flora. A obra procura exaltar, portanto, o ambiente pátrio, abrindo passagem para o
1
Graduanda em Letras da Universidade Federal do Ceará.
2
Professor do Programa de Pós-Graduação do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará.
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3
ALENCAR, José de. O guarani. São Paulo: EDIGRAF, n/d, p. 7.
4
Ibidem, p. 28.
5
Ibid., p. 29.
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6
ALENCAR, José de. Cartas sobre A confederação dos Tamoios. In: ____. Obra completa. Rio de
Janeiro: José Aguilar, 1960, p. 865. v. IV.
7
ALENCAR, José de. Sonhos d’ouro. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1998, p. 4.
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O autor torna saliente o fato de que o homem não possui o direito de agredir a
natureza, e que o primeiro não possui, também, em hipótese alguma, autoridade sobre a
mesma, já que essa haveria saído das “mãos de Deus”. Alencar como que transforma
seu discurso num grito de alerta – tenta “abrir os olhos” dos leitores para um problema
de ordem fundamentalmente ecológica: “A natureza veste-se com as roupagens da arte e
da civilização; e a natureza é como a Vênus Afrodite, que saiu nua dos seios das ondas,
e que as Graças não se animaram a vestir; a natureza saiu nua das mãos de Deus, e as
mãos dos homens não podem tocá-la sem ofendê-la”9.
Alencar tem por carro-chefe de sua poesia a natureza brasileira, e lamenta o fato
de os homens “civilizados” a tratarem de forma tão cruel e abrupta. Os índios, por sua
vez, mostram-se em perfeita harmonia com a vida natural; e não têm conhecimento das
normas de convivência urbana, ditas civilizadas; todavia, o homem que acompanha o
“progresso” parece fazer pouco caso das belezas naturais, que seria símbolo, até mesmo,
de sua origem: a própria floresta, e, nela, seus antepassados indígenas e a criação do
mundo pela mão de Deus.
Portanto, o homem “civilizado” é aquele que tem seus olhos voltados, única e
exclusivamente, para o “progresso”, quer dizer, para o seu efeito prático. O progresso é
um dado concreto; e, em nenhum momento, Alencar se insurge contra o processo de
industrialização, mas contra o vir a ser deste processo. É necessário que tenhamos em
mente a posição de Alencar, o qual não desconhece a importância das inovações
técnicas; muito pelo contrário. O pensamento alencarino tem, aqui e ali, caráter
extemporâneo; isto é, um pensamento coerente, e que, ao contrário do de outros
escritores e políticos da época, não se encontrava engessado. Suas obras foram
ferrenhamente criticadas, e seu pensamento taxado como inconveniente e peculiar
8
ALENCAR, José de. Cartas sobre A confederação dos Tamoios. Op. cit., p. 865.
9
Ibidem.
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Vazios são os homens por meio dos quais a civilização envereda-se pelo caminho
contrário do que supostamente deveria ser. Não há sincronia entre a razão humana e o
avanço industrial, pois que este vai carcomendo o verde de nossas matas:
10
Ibid., p.865.
11
ALENCAR, José de. Os filhos de Tupã. In: ____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1960,
p. 565. v. IV.
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REFERÊNCIAS
ALENCAR, José de. Cartas sobre A confederação dos Tamoios. In: ______. Obra
completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1960, v. IV.
______. Como e por que sou romancista. Campinas: Pontes, 1990.
______. Diva. São Paulo: Ática, 2005.
______. O Guarani. São Paulo: EDIGRAF, n/d.
______. Os filhos de Tupã. In: ______. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar,
1960. v. IV.
______. Sonhos d’ouro. 2. ed. São Paulo: Ática, 1998.
12
Ibidem, p. 564.
13
Ibidem.
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Mestre em História e Culturas na Universidade Estadual do Ceará -UECE. Membro do Instituto da
Memória do Povo Cearense - IMOPEC.
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dos vivos. Desse modo, seus funerais não eram permeados de lágrimas, pois como já
revelava Cascudo não se deveria chorar pelas almas dos anjos. Logo, não havia forte
sufrágio para as mortes dos inocentes.
Nesse sentido, os versos entoados por cantadores e registrados pelo folclorista
Juvenal Galeno, em Lendas e Canções Populares, evidenciam essa concepção:
- Enfeitado de bonita,
O anjo pro céu subiu,
Um adeus dizendo ao mundo,
Quando a morrer se sorriu!
Por isso agora o louvamos
Nesta tão bela função,
Enquanto na igreja o sino,
Toca o bom sacristão.
REFERÊNCIAS
1
Mestre em Literatura Comparada pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal
do Ceará.
2
Professor do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará.
arbitrariedade do signo: “Mas nada de mais estranho para a árvore do que a palavra
árvore, tal como a utiliza, não obstante, a linguagem cotidiana.” (BLANCHOT, 1987, p.
33).
Na outra margem, longe da linguagem bruta, estaria, segundo Blanchot, a
palavra essencial, a palavra literária, que não mantém ligação direta com qualquer
referente do mundo não-literário, visto que a literatura é detentora de um mundo
próprio, o contramundo literário, em que as imagens, as possíveis verdades e as
conjecturas que sublimamos ao ler uma obra de arte nascem no próprio terreno literário
e dele não podem escapar para se tornarem símbolo de saber. Não podemos auferir de
nossa interpretação da obra literária uma verdade indubitável, e sim perceber que essa
interpretação faz parte de muitas outras que se originam no espaço da literatura. A fala
essencial “é sempre alusiva, sugestiva, evocativa” (BLANCHOT, 1987, p. 32). E por ter
essas características, a linguagem literária é destituída de aplicabilidade, de uso e de
poder, uma vez que a ambiguidade, a errância e a fragmentação irrompem das
profundezas do texto literário, tomando-o por completo. Não existe, se refletirmos bem,
nada que garanta uma certeza para o que está sendo dito no discurso literário, até
mesmo pelo terreno instável em que se encontra alocado, o terreno das
impossibilidades, de acordo com Blanchot: a impossibilidade da morte e a
impossibilidade de manter um objetivo seguro. Lógico que não podemos negar que há
algo sendo apresentado no discurso literário; todavia, não devemos cunhar a nossa
interpretação como a única verídica e inalienável. E não podemos negar, também, que o
texto literário nos incomoda e, por vezes, nos assusta.
As palavras, no contexto literário, ganham novos semas, novas possibilidades de
choque, causando, muitas vezes, o estranhamento no leitor, pois a palavra que para ele
refere-se a um determinado significado no mundo organizacional, no terreno literário
refere-se a uma outra pluralidade de significados. Tomemos como base a palavra ético
do relato de Lucius, personagem da narrativa “Rútilos Nada”, do livro Rútilos, de Hilda
Hilst, para exemplificarmos o que até agora foi comentado: “e não é ético. / ético? que
criterioso e maduro para os teus 20 anos, ético é descobrir-se inteiro livre como me
sinto agora. minha filha se pudesse compreender, compreenderia” (HILST, 2003, p. 91).
O significado de ético para a nossa sociedade refere-se ao homem que se mantém sóbrio
em suas ações, aquele que não pensa somente em si, mas no bem geral; ou, numa outra
Pelo contrário, leitor das primeiras páginas de uma narrativa, e qualquer que
seja a boa vontade realista do autor, não sou apenas infinitamente ignorante
de tudo o que acontece no mundo que me mostram, mas também essa
ignorância faz parte da natureza desse mundo, desde o momento em que,
como objeto da narrativa, ele se apresenta como um mundo irreal, com o qual
entro em contato pela leitura e não por meu poder de viver. (BLANCHOT,
1987, p. 77-8)
Na existência diária, ler e ouvir supõe que a linguagem, longe de nos dar a
plenitude das coisas nas quais vivemos, seja cortada delas, pois se trata de
uma linguagem de sinais, cuja natureza não é ser preenchida com aquilo a
que ela visa, mas ser esvaziada, nem nos dar o que ela quer que alcancemos,
mas nos torná-lo inútil substituindo-o, e assim afastar de nós as coisas
tomando seu lugar e tomar o lugar das coisas não preenchendo-se com elas,
mas abstendo-se delas. [...] Tudo então é nulidade. E, todavia, a compreensão
não para de se realizar, parecendo mesmo atingir um ponto de perfeição.
Haverá algo mais rico do que esse extremo despojamento? (BLANCHOT,
1997, p. 78)
Nem bem satisfeitos com a primeira morte, nós agimos cruelmente por uma
segunda vez. No diálogo, quando matamos o referente, logo depois, matamos a palavra
para que dela surja o significado puro daquele que morreu. Nessa segunda morte, a
palavra, acometida pela surpresa, morre e o suposto significado puro do referente que
dela se espera, em vez de revalidar e de não tornar tão injusta a morte daquela que o
acolheu, perde-se e morre juntamente com a palavra. Nós nunca alcançaremos o
significado puro, podemos ter apenas inferências, interpretações, que no mundo corrente
ganham caráter de normalidade, e não de surpresa ou de preocupação. Numa conversa,
matamos o referente, “Na palavra, morre o que dá vida à palavra; a palavra é a vida
dessa morte” (BLANCHOT, 1997, p. 314); matamos as palavras e o suposto significado
puro, “A palavra não basta para a verdade que ela contém.” (BLANCHOT, 1997, p.
314), soçobrando somente as inferências derredor da morte desses elementos. Mas tais
mortes são necessárias ao movimento diário dos homens, visto que “Somente a morte
me permite agarrar o que quero alcançar”, e “sem a morte, tudo desmoronaria no
absurdo e no nada” (BLANCHOT, 1997, p. 312). O locutor e o interlocutor nunca
realmente sabem o que dizem e, exasperadamente, tentam ser entendidos e se fazer de
entendidos. Em uma conversa de surdos e mudos, “a linguagem de sinais”, os homens,
no espaço cotidiano, pensam que se comunicam, haja vista que a linguagem usual lhes
REFERÊNCIAS
1
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará.
2
Professor do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará.
do que não está no mundo, do irreal e da ficção, da linguagem que não representa, mas
que sempre sugere e evoca. Diferente de qualquer imposição e clareza que pretende a
linguagem usual, ela é apenas uma alusão. “Por si mesma, ela é imponente, ela impõe-
se, mas nada impõe” (BLANCHOT, 1987, p.33).
Ainda segundo Blanchot, no capítulo O lado de fora, a noite, de O espaço
literário (1987), esse estado da linguagem pode nos remeter à escuridão da noite, mas
não a noite que pertence ao dia, como o seu complemento, o seu momento de repouso
que angaria forças para a jornada de atividades seguinte. Essa outra noite que intitula é o
momento em que o sonho começa e todas as aparições possíveis também se mostram.
“(...) o invisível é então o que não se pode deixar de ver, o incessante que se faz ver”
(BLANCHOT, 1987, p.163). É o momento em que a ficção começa, que a linguagem
usual, que podemos chamar também do dia, e que encontra a morte, dá lugar à noite da
noite, ao momento em que só há incertezas e deslizes, e essa morte, essa finalidade, não
chega, não é encontrada, posto que não é da ordem humana.
Em Hiato, as paisagens belas e luminosas atravessadas pelos vaqueiros Nhácio e
Põe-Põe, acompanhados pelo narrador, parecem dar uma suposta certeza ao relato da
harmonia entre os inúmeros elementos que encontram. “Rompia-se por dentro de ervas
erguidas um raso de vale – ao ruído e refecho, cru, de desregra de folhagens – vindo-nos
os esfregados vegetais ao cuspe da boca. Iam os cavalos a mais – o céu sol, massas de
luz, nuvens drapuxadas, orvalho perla a pérola” (ROSA, 2001, p.102). E tal certeza era
equivalente a uma sensação de conforto, em um caminho de “tantas vias e retas”
(ROSA, 2001, p.102), em que a “manhã era indiscutível” (ROSA, 2001, p.102). Esse
suposto dizer convicto e repleto de luz evoca sempre a anteriormente citada linguagem
do dia. Embora a própria narrativa nos advirta o tempo inteiro, pela própria linguagem
concentrada, que todo o espaço inscrito seja inteiramente de uma ordem inumana, falha
e imprecisa, a dita fala em estado bruto é sugerida e evocada aqui como a trilha
escolhida previamente a seguir, o caminho que parece reto, sem desvios, da disposição
ao trabalho, da certeza de uma manhã útil, louvada pela fala das personagens. O que
parece prevalecer são as imutabilidades, as rotinas das atividades, a linguagem que
pretende ser dia.
Porém as certezas já oscilam pelo próprio ar, que “estava não estava. Ou nem
há-de detalhar-se o imprevisível” (ROSA, 2001, p.103), numa ameaça breve que logo
apresenta o touro enorme e escuro que surge por detrás de uma densa e fechada mata,
aos olhos espantados dos vaqueiros, aos relinchos dos cavalos: “Touro mor que nenhuns
outros, e impossível, nuca e tronco, chifres feito foices, o bojo, arcabouço, desmesura de
esqueleto, total desforma” (ROSA, 2001, p.103). A aparição induz a um abalo, quando a
noite, instante em que nada mais é visível, atinge o seu estado de outra e traz o
momento em que “’tudo desapareceu’, aparece” (BLANCHOT, 1987, p.163). É esse o
instante da fenda, de seu hiato, da falha que se encontra na linguagem que finge ser
clara, mas é esse erro, revelando a incapacidade de seu uso. O próprio touro, sendo da
ordem da noite, do obscuro, do inalcançável, apresenta o discurso ambíguo e repleto de
significados a que a língua se abre. Diferente da linguagem do dia, que busca o
entendimento, a fala que se comunica sem que haja ruído algum, o que surge é uma fala
fragmentada, que mais parece afastar e desentender. “Era enorme e nada” (ROSA, 2001,
p.103) o animal, ao carregar o excesso da palavra que trabalha incessante, em sua
ausência de dizer.
Acompanhado dos outros dois vaqueiros, o narrador relembra os instantes em
que viu o touro, em um relato que parece vacilar diante do acontecido, ao dar pistas da
ficção, da aparição do invisível: “Ordem de mistérios sem contorno em mistérios sem
conteúdo. O que o azul nem é do céu: é de além dele” (ROSA, 2001, p.104). Ele então
remete à presença do universo literário, trazendo suspeita à exatidão do que diz: “Tudo
era possível e não acontecido” (ROSA, 2001, p.104). Embora cada uma das
personagens procure salientar que o negro e imponente bicho era apenas um inofensivo
“marruás manso” (ROSA, 2001, p.105), todo o anterior estado de certezas que se
regozijavam em si dá vazão à oscilação e à dúvida. Das incertezas, é Nhácio quem
desconfia de sua serventia para o trabalho de vaqueiro, da sua idade, numa tristeza que
desafia o anterior estado em que seguia os caminhos retos e claros. Por outro lado, Põe-
Põe recorda o assassinato do pai, e quer descobrir se foi mesmo vingado. Indecisos e
temerosos, agem como se ainda fossem observados pelo animal. Segundo Blanchot, o
encontro com essa linguagem instável na escritura é o inevitável.
em que se passaria da noite para a outra noite, nenhum limite onde parar e
voltar atrás. (BLANCHOT, 1987, p.170)
REFERÊNCIAS
Fernanda Lima1
Odalice de Castro e Silva (Orientadora)2
INTRODUÇÃO
Tendo em vista a escassez de pesquisas acerca dos primeiros romances de
Machado de Assis, elegemos Ressurreição (1872) como cerne do nosso trabalho. Para
nossa pesquisa, consideramos os conceitos de “erudito” como “aquele que sabe muito,
tem muita erudição” (FERREIRA, 1986, p.679), e “popular” como “próprio do povo,
(...) agradável ao povo, que tem simpatias dele” (FERREIRA, 1986, p.1365).
A princípio, discordamos de Lúcia Miguel Pereira quando esta diz que “do real
talento do narrador, seus primeiros livros nada valem.” (PEREIRA, 1949, p.102). Não
podemos desmerecer a Primeira Fase Machadiana donde se teceu aquele que viria a ser
a referência literária que hoje conhecemos.
OBJETIVOS
Nosso trabalho objetiva analisar - através do discurso literário em Ressurreição -
por quais trajetos Machado de Assis migra do erudito ao popular e em que momentos a
confluência entre ambos ocorre, considerando-se a construção das personagens e suas
falas, o contexto em que as falas são proferidas, e de que maneira esses aspectos que
permeiam o erudito e o popular, e vice-versa, resultam em crítica social latente e
evidente.
METODOLOGIA
Utilizamos o método analítico-descritivo, onde fizemos análises críticas,
fichamentos e análises comparativas com base em material bibliográfico específico;
tentamos vislumbrar o contexto brasileiro vigente na época em que a obra foi publicada;
e, por fim, tivemos a orientação da Prof. Dra. Odalice de Castro e Silva (Universidade
Federal do Ceará) que muito nos auxiliou ao longo dessa trajetória percorrida.
1
Graduanda do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará.
2
Professora do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará.
RESULTADOS PARCIAIS
Decidimos observar em Ressurreição alguns de seus personagens sob outro
prisma que vai além do óbvio. Exatamente porque Machado “não quis fazer romance de
costumes”, mas tentou “o esboço de uma situação e contraste de dois caracteres”
(ASSIS, 1872, 1ª edição), não acreditamos que os personagens que em nossa pesquisa
serão dissecados funcionem apenas como “três ou quatro tipos femininos” e como
“homens ainda mais estereotipados” como cita Lúcia Miguel (PEREIRA, 1949, p.103).
Nossa pesquisa se baseou na hipótese de que os personagens criados por Machado de
Assis em Ressurreição traziam consigo notáveis traços de críticas à própria sociedade
que o lia. A seguir, notemos de que possíveis maneiras a crítica social em Ressurreição
faz-se presente por meio de Dr. Félix, Viana, Lívia e Moreirinha, personagens que até
tentam ser eruditos – ou de fato são eruditos - mas que, no íntimo, são genuinamente
populares.
Inicialmente temos Dr. Félix, o protagonista, que é descrito como um
(...) rapaz vadio e desambicioso, cuja vida tinha sido uma singular mistura de
elegia e melodrama; passara os primeiros anos da mocidade a suspirar por
coisas fugitivas (...) e caiu-lhe nas mãos uma inesperada herança, que o
levantou da pobreza. (...) Félix conhecera o trabalho no tempo em que
precisava dele para viver; mas desde que alcançou os meios de não pensar
Duas faces tinha o seu espírito, e conquanto formassem um só rosto, eram
todavia diversas entre si, uma natural e espontânea, outra calculada e
sistemática.” (ASSIS, 1872, p.5-6)
Moreirinha entre senhoras. Era ele galanteador por índole e por sistema;
tinha, além disso (coisa importante) a plena convicção de que sua conversa
era preferida pelas damas. Ninguém melhor que ele sabia lisongear o amor-
próprio feminino; ninguém prestava com mais alma esses leves serviços de
sociedade, que constituem muita vez tôda a reputação de um homem.
(ASSIS, 1872, p.21)
restringira a ser “gazeta (...) dos mil episódios da vida de certa classe.” (ASSIS, 1872,
p.82).
CONCLUSÃO
Lúcia Miguel Pereira afirma que em Ressurreição “é interessante notar como foi
rápido o desenvolvimento do espírito crítico de Machado de Assis e tardio o
desabrochar de seu poder criador” (PEREIRA, 1949, p.105). Segundo a concepção da
pesquisadora, as personagens não foram bem construídas porque Machado de Assis “no
princípio da vida, (...) teve muita fantasia e nenhuma imaginação” (PEREIRA, 1949,
p.103). Essa perspectiva, na opinião da estudiosa, era proveniente de uma escritura
calcada no “preconceito, já observado, de descrever gente de uma sociedade que só
mais tarde veio a frequentar.” (PEREIRA, 1949, p.105). Entretanto, a presente pesquisa
vislumbrou demonstrar outra perspectiva sobre a obra em estudo: Ressurreição pode ter
sido escrita com base na fantasia e na imaginação de Machado de Assis, mas o maior
nome da Literatura Brasileira – como exímio observador que sempre foi – ressaltou
críticas sociais ao longo do discurso literário de seu primeiro romance por meio dos
personagens e suas falas, não apenas validando-os com o papel de imbricadores de
aspectos eruditos com aspectos populares, mas conferindo-lhes representar o estereótipo
de uma burguesia que precisava ser criticamente questionada nos seus modos, valores e
costumes.
Se no tempo em que Ressurreição foi publicada, Machado de Assis ainda não
frequentava a corte e esse, para alguns, viria a ser o diferencial que não atestaria
verossimilhança na história contada em seu primeiro romance, agregar-se à elite seria
apenas questão de tempo, fato que para Machado apenas fomentou maiores motivos
para evidenciar, cada vez mais explícitas em suas obras, críticas à sociedade que tantas
vezes refutava. Ressurreição, mesmo sendo o primeiro romance machadiano, tem sim
seu valor - embora nem todos percebam pérolas mesmo quando se tem uma ostra aberta
em mãos.
REFERÊNCIAS
AGUIAR, Luiz Antonio. Almanaque Machado de Assis – Vida, obra, curiosidades e
bruxarias literárias. Rio de Janeiro – São Paulo: Editora Record, 2008.
Ai palavras, ai palavras,
Que estranha potência, a vossa!...
Todo o sentido da vida
Principia à vossa porta...
Reis, impérios, povos, tempos,
Pelo vosso impulso rodam.
(Cecília Meireles)
Introdução
Na obra poética de Cecília Meireles, é possível observar que a autora dedica
uma especial atenção à linguagem, não apenas numa perspectiva lingüística,
propriamente dita, mas também a partir de uma consciência que, semelhante ao que
observamos na Teogonia, de Hesíodo, focaliza uma compreensão primitiva e mítica do
sentido da palavra. Tal compreensão é própria dos tempos primordiais, recorrente na
antiguidade, cuja presença ainda se manifesta, em seus resquícios, na cultura de nossos
dias, em determinadas circunstâncias.
A verdade é que toda a poesia de Cecília Meireles carrega a marca dessa
profunda preocupação da autora com a linguagem. Vários poemas, dispersos em livros
diferentes, entre eles, Mar Absoluto e Outros Poemas, Viagem e O Estudante Empírico,
para citar somente alguns, são uma demonstração dessa verdade. E as palavras, a
linguagem, aparecem como tema nesse universo poético, sob os mais diversos aspectos.
Dentre esses, porém, o que mais interessa a este trabalho é analisar o aspecto pelo qual a
linguagem é vista em seu carácter mítico e, consequentemente, místico, ou mágico, uma
vez que tem por objetivo analisar como e até que ponto podemos traçar semelhanças
entre as obras de Hesíodo e Cecília Meireles. Pois há um ponto em comum entre as
duas: o poder da palavra, da linguagem, que aparece como tema especial e, ao mesmo
tempo, se apresenta como força, poder, capaz e ser recebida como uma verdadeira
experiência. O que implica uma compreensão um pouco mais complexa daquilo que a
1
Universidade Federal do Ceará.
palavra significa, ultrapassando seus níveis, estando muito além de uma simples
referência às coisas.
De Cecília Meireles, o que aqui mais interessa é um poema do livro O Estudante
Empírico, intitilado: Todas as Coisas têm Nome. Disponho-me a analisar apenas este
poema, uma vez que sua obra é muito ampla, o que torna difícil a análise de outros no
momento. De Hesíodo, embora sejam utilizadas outras partes da Teogonia, o que mais
interessa é o proêmio às musas, parte introdutória que serve para desencadear todo o
resto do poema.
Todas as coisas têm nome./ (Têm nome todas as coisas?)/ Todos os verbos
são atos./ (São atos todos os verbos?)/ Com a gramática e o dicionário/
Faremos nossos exercícios./ Mas quando lermos em voz alta o que
escrevemos/ Não saberão se era prosa ou verso, /E perguntarão o que se há de
fazer com esses escritos:/ Porque existe um som de voz/ E um eco – e um
horizonte de pedra/ E uma floresta de rumores e água/ Que modificam os
nomes e os verbos/ E tudo não é somente léxico e sintaxe./ Assim tenho visto
(MEIRELES, 2005, p.5).
Observamos que nos primeiros versos há uma preocupação com a relação entre
os nomes e as coisas. A autora afirma e em seguida questiona, num tom filosófico, a
necessidade de haver um nome para cada coisa. Também um ato para cada verbo, uma
vez que os verbos são atos. Mas até então não notamos uma distinção entre a linguagem
oral e a escrita. Tanto, que se faz menção à gramática e ao dicionário como
instrumentos de auxílio à elaboração de exercícios.
Depois temos uma distinção entre dois aspectos da linguagem, a saber, o oral e o
escrito. No poema, o primeiro prevalece diante do segundo, pois a partir do momento
em que a escrita é lida em voz alta não se sabe se é prosa ou verso, nem o que se deve
fazer com esses escritos. “Se era prosa ou verso” é uma questão de pouca importância
diante da leitura “em voz alta”, da pronúncia. Assim como de pouco interesse é o
destino dos escritos. Isso demonstra a importância dada ao poder da oralidade que,
superior, prevalece sobre a escrita.
que significa que as palavras são substância, havendo, portanto, uma identidade entre as
palavras e as coisas.
Cecília Meireles categoriza as palavras em nomes e verbos, correspondentes a
coisas e a ações, respectivamente. Ambos ocupam uma posição suprema no mundo da
palavra, uma vez que são potências, das quais surgem os seres e os acontecimentos. É o
que afirma Cassirer, quando fala da existência de um vínculo originário entre a
consciência lingüística e a mítico-religiosa, pois:
recebe um papel de primeira importância em sua poesia, pois é constituído por arquivos
lendários dessa sociedade.
A poesia é usada como instrumento de resgate do passado desse grupo social
que não possui escrita. Toda a visão de mundo deste grupo, assim como a consciência
que ele tem de sua própria história, é conservada e transmitida pelo poeta. Assim sendo,
nessa cultura oral, os povos reconhecem a grande força da palavra, que só diminui com
a adoção do alfabeto. Reconhecem que a palavra possui uma carga de força que é capaz
de apresentar os seres que são nomeados, presentificando-os, a partir do momento em
que se tornam audíveis. Pois o poeta, bem como aqueles que o escutam, pelo poder da
palavra, pela voz do canto, segundo Jaa Torrano (2007, p. 16), podem “transcender suas
fronteiras geográficas e temporais... e entrar em contato e contemplar figuras, fatos e
mundos que pelo poder do canto se tornam audíveis , visíveis e presentes”.
A capacidade de presentificar os seres, revelá-los, torna-se explícita pelas
próprias musas, quando a Hesíodo dizem, nos versos 27 e 28: “Sabemos muitas
mentiras dizer símeis aos fatos/ e sabemos, se queremos, dar a ouvir revelações”. As
musas se auto-apresentam como reveladoras de mentiras e de verdades. São elas
portadoras do esquecimento ou da revelação. Impõem um ou outro como e quando o
querem. Podem revelar verdades, os seres e os fatos, presentificá-los, ou podem deixá-
los ocultos, no esquecimento. Tal presentificação acontece pelo viés da palavra, que faz
surgir o ser, a própria realidade que este possui.
É por isso que ao lermos a linhagem dos deuses primordiais na Teogonia, versos
116-153, compreendemos o fato de Hesíodo se negar a nomear, no verso 148, os “três
filhos enormes, violentos, não nomeáveis”, nascidos da Terra e do Céu. É verdade que
Hesíodo depois nomeia essas criaturas: Coto, Briareu e Giges. Embora sejam seres
apavorantes, são nomeados, assim como também o são outras divindades terríveis
quando a necessidade a isso obriga. Neste caso, Hesíodo está compondo uma teogonia,
está nomeando os deuses, falando de suas origens. Precisa, portanto, catalogá-los todos.
Mas, antes de nomear esses seres cuja presença é para ele indesejável, o poeta afirma
que eles são “não nomeáveis”. É como se ele dissesse que seus nomes não devessem ser
pronunciados em qualquer ocasião, por aqueles que ouvem o poema. Nomear seria o
mesmo que invocar a presença do ser nomeado. Isso explica o fato de as Erínias,
Conclusão
Diante do que foi exposto neste trabalho acerca das duas obras, O Estudante
Empírico e Teogonia, podemos concluir que ambas direcionam uma atenção especial à
compreensão do sentido da palavra. Referem-se à linguagem, não no seu sentido
ideacional, apresentam-na, antes, como portadora do ser, pois é através dos nomes e dos
verbos que surgem o ser e o acontecer.
Em Hesíodo, há a representação de uma consciência estritamente mítico-
religiosa da palavra, como a bem compreendia o homem arcaico. A linguagem é
experienciada e o poeta testemunha a presença de seres sagrados que são nomeados pelo
canto. Vive a experiência da mais suprema realidade, durante a qual se preocupa
profundamente com o modo como ele deve usar as palavras. Ele sabe que as palavras
tem o poder de presentificar os deuses, desejáveis ou indesejáveis.
Em Cecília Meireles, não notamos uma referência direta e específica ao divino.
Por isso, a força da palavra ganha um sentido mais abrangente. Além do mais, assim
como em Hesíodo, a importância e o poder da oralidade prevalecem diante da escrita.
Isso se torna tão evidente em Cecília Meireles que, mesmo o eu-lírico, o estudante
empírico, estando situado em um tempo em que vigora a gramática e o dicionário, é a
força da oralidade, da palavra acompanhada por um “som” e por um “eco”, que
sobrevive. Além do mais, Cecília Meireles coloca a linguagem como um fenômeno que
é experienciado pelo eu-lírico. O estudante empírico vive a força da palavra. E o que ele
sabe sobre tal força, sua consciência, é por ter visto. É resultado do que ele vive ao ouvir
o som.
Ambos os autores acreditam no poder das palavras. Estas, quando faladas e
principalmente quando cantadas, apresentam sua potência, desencadeando uma série de
seres e de acontecimentos que só podem ser compreendidos se pensarmos pela
perspectiva de uma consciência primitiva da palavra. Isto é, se conseguirmos ouvir essa
voz cujo sentido funciona como princípio da vida e do mundo e ainda perpassa, em
nossos dias, em diferentes níveis de superstição, a consciência de indivíduos e de
sociedades.
REFERÊNCIAS
Introdução
Virginia Woolf foi sem dúvida uma das maiores escritoras da literatura inglesa
tanto pela sua técnica intimista, seu fluxo de consciência e o modo como a mesma
tratava o tempo em suas narrativas quanto pelo caráter vanguardista e temático no que
diz respeito àquilo que a literatura e os trabalhos de arte deviam se ater.
Dentre essas várias temáticas, apresentam-se os efeitos da guerra, os avanços
tecnológicos da sociedade britânica e as vidas íntimas dos seres humanos. Este artigo
focaliza a temática feminista presente nos textos de Woolf e, mais especificamente, no
romance Orlando – A Biography (1928) juntamente com as suas respectivas traduções
para o Brasil, primeiramente, Orlando (1948), traduzido pela “poeta” Cecília Meireles e
Orlando (1994), traduzido por Laura Alves.
Como prevê o conceito de reescrita, o nosso trabalho analisa além do texto em
si, todo o contexto social e histórico que envolveu o processo de produção e de edição
dessas traduções. Logo, a nossa visão de tradução também não se atém apenas ao texto
como produto. Acreditamos que o foco deve ser dado muito mais ao processo em que o
texto se cria que nele próprio, saindo “da unidade operacional da palavra para a macro-
estrutura da História e da Cultura...” (VIEIRA, 1996, p. 105), fugindo da idéia de
perceber a tradução como texto fidedigno a um “original”.
Tal trabalho se confirma num momento em que é crescente o número de
refrações de Woolf para diversos meios semióticos no Brasil, o que pode gerar o
aparecimento de uma ou diversas identidades da autora na literatura nacional.
Tradução e reescritura
Apropriamo-nos de duas teorias distintas, mas que compartilham da mesma
visão sobre o fenômeno tradução: de que a ela não é um simples fenômeno linguístico,
1
Graduando em Letras pela FECLESC/UECE.
2
Professor Doutor Adjunto do Departamento de Letras Estrangeiras da UFC.
Orlando e feminismo
Uma das fontes mais fundamentadora da possível existência de um discurso
feminista em Orlando foi a da própria autora em seu diário de 1929, que encontramos
em um artigo de Silvia Maria Guerra Anastácio (2006) por ocasião de uma discussão
sobre A Room of One’s Own e Orlando. Nesse relato, a autora teme sobre a publicação
de Orlando e afirma o seguinte: “serei também atacada de feminista & vão insinuar um
toque de homossexualismo...” (WOOLF apud ANASTÁCIO, 2006, p. 41). Apesar do
receio de ser bem sucedido em sua recepção, o livro fora lançado e, muito pelo
contrário, fora bem recebido pelo público da época.
A primeira fase feminista de Woolf, envolvendo a escrita do romance que fora
para ela “a mere child’s play”3 (WOOLF apud PAWLOWSKI, 2003, v) expressava o
desejo de Woolf por “diversão”. Na visão de Marder (1975, p. 36): “Ela olhava avante,
para um tempo em que a vida se tornaria ordenada e harmoniosa, quando os homens e
mulheres triunfariam finalmente, compartilhando sua sabedoria”. Era um feminismo
3
“uma simples brincadeira de criança” (tradução do autor).
Percebemos que, nesse pequeno trecho, textualmente, eles não se diferem muito.
O mais importante aqui é frisar que a “dúvida” do sexo dos personagens se instaura
desde o primeiro momento da leitura e o leitor é levado a uma posição de estranhamento.
Outro ponto nesse sentido é que o texto é um misto de vários gêneros literários:
“Fantasia, novela, biografia, poema, história – todos estes termos podem ser aplicados
ao livro, mas nenhum o descreve adequadamente” (MARDER, 1975, p. 110). Como que
se fosse de forma propositada, a autora constrói um livro no qual um dos temas é a
transmutação sexual e o próprio livro também contem a transmutação e a mistura de
gêneros de escrita. Citamos aqui uma das poesias de Orlando:
Aqui, ainda rapaz, Orlando após ter assistido a uma peça e ter se emocionado,
pronuncia essas palavras. É importante apontar que o eclipse nem é solar, ou lunar, mas
de ambos, expressando o desejo de Orlando pela união dos opostos. Interessante notar
que a tradução de Meireles não é em forma de poesia e o texto traduzido é apresentado
como nota de rodapé, diferente da de Alves que o traduz dentro do próprio texto, sem
referenciar o texto de partida. Esse recurso gera um efeito de “estranhamento” no
público leitor de Meireles, levando o texto a ficar mais estrangeirizado.
Em resenhas e comentários sobre as traduções do romance de Woolf,
encontramos informações importantes para o entendimento do impacto desses textos
nos sistemas receptores: no livro de Laurence Hallewell, O livro no Brasil (2005), o
autor fala que, na década de 30/40, a editora Globo começava a se estabilizar no
mercado editorial brasileiro e havia também uma crise financeira que deixou os livros
franceses a preços exorbitantes para o público leitor no país. A inserção de textos de
língua inglesa foi a saída para a estabilização desse mercado. O surgimento de uma
nova editora no mercado e um “novo” mercado exigiam dos editores um investimento
maior em conseguir a confiança do público leitor brasileiro para essa nova literatura,
confiando a autores, tais como Mário Quintana, Érico Veríssimo e (neste caso) Cecília
Meireles o trabalho de assinar essas traduções.
A tradução de Cecília Meireles, assim, na década de 40, insere-se nessa
renovação da literatura traduzida para o Brasil. Tal tradução saía um tanto “desfocada”
do tópico feminista e libertador de Woolf, até porque as grandes revoluções feministas
só aconteceriam nos anos 60.
Contextualizando a tradução de Laura Alves nos anos 90, percebemos que houve
nessa época uma constante reeditoração e revisão dos textos de Woolf, especialmente
aqui no Brasil, como por exemplo: a peça homônima de Bia Lessa, Orlando (1991),
além de traduções de outros livros de Woolf que antecederam Orlando, como As Ondas
em 1980 por Lya Luft, em especial Um teto todo seu em 1985 por Vera Ribeiro em que
a temática feminista e outras ideologias de Woolf foram primeiramente apresentadas
para a então chegada de uma nova tradução de Orlando em 1994.
E, assim, nessa revisão dos trabalhos de Woolf, em especial os considerados
feministas, ou que abordassem em si a temática de sexo e gênero, o romance Orlando é
novamente traduzido revendo Woolf como uma revolucionária não só na literatura, mas
também na luta de gênero e de sexualidade.
Kelly Tetterton (1995) apontou em um artigo que analisava as capas de Orlando,
intitulado Virginia Woolf’s Orlando: the book as a critic, que as diferentes ênfases que
cada edição dava à história dependiam da época e do público a ser direcionado na
Europa. Por exemplo, no momento em que livro foi publicado, a autora afirma que: “(It)
was often first read by its contemporary audience as a gossipy portrait of Vita Sackville-
West; (…)”4 (TETTERTON, 1995, p. 05). Esse fato mostra que, para a época de Woolf,
o livro foi entendido como uma biografia não oficial de Victoria Sackville-West.
Conclusão
Concluímos, portanto, nessa breve análise do romance Orlando e suas traduções,
que, no tocante ao feminismo e a androginia, tais temáticas são assim vistas, pelo menos
4
“foi a priori lido pelo seu público contemporâneo como um retrato
escandaloso de Vita Sackville-West; (...)” (tradução do autor).
em tradução, não como elemento óbvio que necessariamente está sempre presente na
recepção do público leitor de todas as épocas e lugares que o livro é apresentado, mas
trata-se de uma imagem criada nos sistemas de chegada. No caso da recepção aqui no
Brasil, o livro que tem tanta “liberdade” temática pôde ser traduzido por duas diferentes
pessoas em diferentes épocas gerando, logo, diferentes ideias e pensamentos sobre a
autora. O de Meireles como revolucionário na literatura; e o de Alves também como
revolucionário nas temáticas femininas.
REFERÊNCIAS
ANASTÁCIO, Silvia Maria Guerra. A criação de Orlando e sua adaptação fílmica.
Salvador: Edufba, 2006.
HALLEWELL, Laurence. O Livro no Brasil. São Paulo: Edusp, 2005.
LEFEVERE, A. Translation, rewriting & the manipulation of literary fame. London
and New York: Routledge, 1992.
MARDER, Herbert. Feminismo e Arte: um estudo sobre Virginia Woolf. Tradução de
Fernando Cabral. Belo Horizonte: Interlivros, 1975.
PAWLOWSKI, Merry M. Introduction. In: WOOLF, Virginia. Orlando – A Biography.
London: Wordsworth, 2003.
TETTERTON, Kelly. Virginia Woolf’s Orlando: The Book as Critic. A paper
presented to The Fifth Annual Virginia Woolf Conference at Otterbein College, June
18, 1995. Disponível em: http://www.tetterton.net/orlando/orlando95_talk.html.
Acessado em: 16/01/2009.
VENUTI, Lawrence. Os escândalos da tradução: por uma ética da diferença. Tradução
de Laureano Pelegrino, Lucinéia Marcelino Villela, Marileide Dias Esquerda e Valéria
Biondo. São Paulo- Bauru: EDUSC, 2002.
VIEIRA, Else Ribeiro Pires (Org.) Teorizando e contextualizando a tradução. In: André
Lefevere: A teoria das refrações e da tradução como reescritura. Curso de Pós-
Graduação em Estudos Lingüísticos da FALE/UFMG, 1996.
WOOLF, Virginia. Orlando – A biography. London: Grafton Books, 1986.
______. Um teto todo seu. Tradução de Vera Ribeiro. São Paulo: Nova Fronteira, 1991.
______. Orlando. Tradução de Laura Alves. Rio de Janeiro: Ediouro, 1994.
______. Orlando. Tradução de Cecília Meireles. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003.
1
Aluno do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará.
2
Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará.
elemento verificável: “foi sempre assim escuro, deu sempre essa impressão de túmulo”3;
“Não queiram mal ao arquiteto que a construiu por ter feito um corredor tão cavernoso”
(p. 117) e “vegetação arcaica e fontes artificiais” (p. 118). Por ser a casa um elemento
mentiroso, fantasioso, o discurso do ancião não pede uma adesão por parte daqueles que
o escutam, o que o aproxima da linguagem literária proposta por Blanchot, ao comentar
os romances de tese, aqueles romances que desejam pactuar com a verdade:
“Infelizmente, a obra de ficção nada tem a ver com honestidade: ela trapaceia e só existe
trapaceando. Ela tem parte, em todo leitor, com a mentira, o equívoco, um eterno
movimento de engodo e de esconde-esconde.” (BLANCHOT, 1997, p. 187)
No conto de Noll, o leitor é convidado a adentrar a insólita casa pelo olhar do
seu proprietário, como mais um participante do grupo no qual está inserido o narrador
personagem: “Do grupo que admirava a casa eu era o único jornalista.” (p. 119), que
logo após a visita, expõe o seu ponto de vista sob a perspectiva do olhar crítico que tem
um compromisso com a veracidade dos fatos narrados, desacreditando o relato ouvido:
“A fala do velho é monótona, doente.” (p. 119). O relato do velho era aberto a
admiradores, a quem se interessava pelo fascínio que a insólita casa e sua história
exerciam, não pedindo, assim, uma aceitação daqueles que o ouviam. A narrativa não se
deslocava aos ouvintes, era por eles visitada, não se direcionava a um destino específico
e nem direcionava uma intenção única. Movimento contrário ao do jornalista, que
intentava elaborar uma narrativa com objetividade e destino certo: “Desliguei o
gravador e me afastei um pouco dos demais, atingido por um desejo de percorrer a casa
sozinho, mergulhar completamente na sua solidão para poder descrevê-la com mais
dramaticidade para os meus leitores.” (p. 119)
A escrita intencional e dirigida a um objetivo específico, intentada pelo
jornalista no conto, distancia-se do movimento observado por Blanchot na composição
do texto literário. No capítulo “O canto das sereias”, de O livro por vir, o filósofo
interpreta literariamente o mito grego das Sereias, seres metade animal metade mulher,
que atraia os navegadores com seu canto, provocando sua morte, para devorá-los em
seguida. Blanchot enfatiza a imperfeição do canto das sereias, que não satisfazia
completamente os navegantes, apenas dava-lhes a entender onde o canto realmente tinha
começo, conduzindo-os aonde o cantar começava de fato, não passando, assim, de um
3
NOLL, 2008, p. 117. A partir daqui, as referências à narrativa “A construção da mentira” serão
indicadas apenas com o número da página entre parênteses.
canto ainda por vir. Portanto, o canto era a navegação, a distância, e a revelação da
possibilidade de percorrer essa distância, de fazer do canto o movimento em direção ao
canto. Mas, apesar do caminho dado pelo canto, os navegantes ou se precipitavam em
um ponto aquém do canto ou o ultrapassavam, pois desejavam traçar racionalmente o
caminho, não se deixando cair no abismo do canto.
O fracasso dos navegantes se dava pelo planejamento da navegação, pela sua
intenção deliberada de atingir um ponto certo. Para chegar ao local desconhecido do
canto era preciso se deixar levar pelo canto, se entregar a ele sem precauções ou
planejamentos. Deixar-se levar pelo canto, entregar-se a ele sem restrições, é o
movimento visto por Blanchot para a composição literária. E chegar ao ponto do canto e
nele deixar-se perder é escutar o chamado inumano desse canto, momento onde a
narrativa, nas suas palavras, “torna-se a riqueza e a amplitude de uma exploração, que
ora abarca a imensidão navegante, ora se limita a um quadradinho de espaço no
tombadilho, ora desce às profundezas do navio onde nunca se soube o que é a esperança
do mar.” (BLANCHOT, 2005, p. 6).
A navegação do jornalista no conto de Noll, dessa forma, é guiada e estabelecida
por uma intenção e objetivo certos, retratar para os leitores uma história intrigante,
porém crível. A história de uma casa que inflige longevidade e eternidade é do caráter
do irracional, deixar-se levar por tal relato seria deixar-se entregar ao inumano, a uma
navegação descomprometida, seria a audição e a entrega ao canto das sereias ao qual
alude Blanchot, que aponta uma só direção, a do desconhecido: “A palavra de ordem
que se impõe aos navegantes é esta: que seja excluída toda alusão a um objetivo e a um
destino.” (BLANCHOT, 2005, p. 6).
O jornalista despreza a história do velho por seu caráter fantasioso, já que
intentava um material de conteúdo crível para reportar, mas, na sua última busca na casa
pela matéria desejada, revela anseios semelhantes àqueles por ele desprezados: “Me
enfurnei pelo soturno corredor imaginando encontrar uma porta e um aposento
misterioso, desses que li em velhos romances ingleses, mas os meus passos pelo
corredor foram em vão” (p. 119). Demonstra, assim, um paradoxo na atitude, já que
despreza o relato do morador da casa por seu caráter extraordinário, definido por ele
como literário, mas busca o mistério só encontrado na ficção dos romances ingleses
REFERÊNCIAS
BLANCHOT, Maurice. A parte do fogo. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
______. O espaço literário. Rio de Janeiro: Rocco, 1987.
______. O livro por vir. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
NOLL, João Gilberto. O cego e a dançarina. Rio de Janeiro: Record, 2008.
... [quer] despertar o seu interesse [do leitor] para uma leitura que, na
verdade, não é fácil nem simples, nem pode iludir com a musicalidade que
1
Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Ceará.
2
Professor Doutor titular do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará.
preferência pela símile à metáfora. Um bom exemplo disso é o poema O Cão Sem
Plumas, sobre o curso do rio Capibaribe. O título dá margem a que se pense tratar de
uma metáfora, mas logo na segunda parte deixa bem claro o que seja esse cão: “Como o
rio/ aqueles homens/ são como cães sem plumas/ (um cão sem plumas/ é mais/ que um
cão saqueado;/ é mais/ que um cão assassinado.// [ ...] É quando a alguma coisa/ roem
tão fundo/ até o que não tem).// O rio sabia/ daqueles homens sem plumas”.
Por conta dessa aproximação da palavra à realidade, de sua afinidade com o
construtivismo dos cubistas, que procuravam na pintura “o equivalente plástico da
realidade”, João Cabral é considerado um precursor do Concretismo (OLIVEIRA apud
MELO NETO, 2003).
O uso da razão e a necessidade do reconhecimento inter-subjetivo fizeram com
que muitos de seus poemas partissem de objetos, refugando o explicitamente
confessional e fazendo da imagem o núcleo do poema. De Quaderna a Serial, parece
consolidar-se sua idéia de uso das formas que iriam marcar o resto de sua poesia; os
livros posteriores têm inovações, variações, mas o essencial parece já estar presente
nessa época (SECCHIN, 1985).
Quando uma vez reunidos na Itália, na casa de Vinicius de Moraes, muitos
artistas tocavam e cantavam, e João Cabral estava lá. Então, a uma certa altura,
terminada uma das canções de amor de Vinicius, João fala, do outro lado da sala: ô,
Vinicius, o coração é sua única víscera? O mesmo Vinicius certa vez comentou que na
poesia de João Cabral não havia a problemática do amor, ao que ele teria respondido
que usar uma atitude subjetiva, falando de algo pessoal, seria ir de encontro à
objetividade que defendia no poema, o que, no entanto, não o impediu de fazer poemas
para a figura feminina objetivada, chegando até a dedicar um de seus últimos livros,
Sevilha Andando, a sua segunda esposa, Marly.
Aparentemente livre da problemática sobre o “estar-no-mundo”, João Cabral
consegue perceber o homem do Nordeste, os cassacos do eito, os retirantes severinos, a
gente dos alagados. Sem qualquer sentimentalismo, o autor faz desse homem uma
matéria de seu poema. Da seca que o assola, da luz, da pedra, João não cria um tipo
ideal, à Euclides da Cunha com seu quasímodo-hercúleo, mas continua fazendo uso de
sua razão, com uma poesia clara, que, se não fala subjetivamente de si, também não o
fará acerca dos outros. Dessa forma, o que consegue João Cabral é uma vasta etnografia
dos engenhos e cidades por onde morou e passou, das figuras que conheceu, não só de
Pernambuco, mas também da Andaluzia, que são, como o próprio autor diz, as duas
coisas que conseguiram (des)feri-lo até a poesia. Em A Escola das Facas, Morte e Vida
Severina e em O Rio e O Cão Sem Plumas, ambos sobre o Capibaribe, está um
compêndio pernambucano de grande valor etnográfico; e em tantos outros poemas que
falam dos cemitérios do Agreste, de duelo de foice, alpendres e etc.
Antes de A Escola das Facas, publica Museu de Tudo, um livro singular por não
ter um tema comum ligando todos os poemas, o que era uma exigência íntima do autor:
escrever livros sobre algo, em vez de escrever poemas e depois reuni-los
arbitrariamente. É também marca de sua atitude racional de construção poética dar-se a
entender claramente pelo leitor, mas exige deste sua atuação intelectual, sua leitura
como um exercício ou ocupação. Indo contra a característica de ser uma obra
construída, Museu de Tudo assim é feito justamente porque João Cabral chega ao
paroxismo de seu rigor, quando então se permite escrever um livro sem uma estrutura
prévia, reunindo poemas soltos e com diversas linguagens.
jogo poético, o que continua fazendo é poesia, com uma nova dimensão agora, mas
ainda poesia; isso porque foi a linguagem desta última a utilizada e não a da ciência.
Tal como Vinicius disse não haver a problemática do amor em João Cabral, sua
obra é bastante identificada com a ausência – imitação da forma, poética do silêncio,
poesia com coisas, poesia do menos, construção às avessas... – a ponto de uma sua
biografia crítica, escrita a partir de entrevistas com o próprio João, ter o título de O
Homem Sem Alma (CASTELLO, 2006). Para o ambiente poético em que viveu, essa era
a impressão deixada por sua poesia e, identificado com sua poesia, ele assim o queria.
Para um homem que preza pela objetividade e que se vê incapaz do vago, sua alma
talvez não seja o que ele mais vê.
REFERÊNCIAS
CASTELLO, José. O Homem Sem Alma & Diário de Tudo. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2006.
GRANGER, Gilles-Gaston. A Ciência e as Ciências. São Paulo: UNESP, 1994.
MELO NETO, João Cabral. Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003.
MORIN, Edgar. O Método IV: as idéias. Porto Alegre: Sulinas, 2005.
SECCHIN, Antônio Carlos. João Cabral: a poesia do menos. São Paulo: Duas Cidades,
1985.
Huston Dantas1
Roberto Pontes2
Carlos Fuentes (1928) é um escritor mexicano que publicou seu primeiro livro
ainda no ano de 19543, tendo, ao longo de mais de cinquenta anos de carreira,
acumulado vasta fortuna crítica em torno de sua obra. Por isso mesmo, a princípio,
pareceu-nos temerário produzir um trabalho acerca de Aura (1962) que não fosse
considerado simples repetição sem valor do que já comentaram os críticos especialistas
em literatura latino-americana.
Contudo, abordaremos neste trabalho uma perspectiva elaborada e sistematizada
nas freqüentes reuniões do Grupo de estudos de residualidade literária e cultural.
Usaremos um axioma criado pelo Professor Roberto Pontes, coordenador do
referido grupo, para tentar resumir, sem discorrer longamente sobre a Teoria da
Residualidade, o que seria a ferramenta metodológica que norteia nosso trabalho, o
resíduo: “na Cultura e na Literatura nada é original, tudo é remanescente, logo tudo é
residual” (PONTES, no prelo), sendo que, “a residualidade se caracteriza por aquilo
que resta, que remanesce de um tempo em outro, podendo significar a presença de
atitudes mentais arraigadas no passado próximo ou distante” (MARTINS, 2000).
Gostaríamos, dito isto, de situar o leitor acerca da nossa perspectiva analítica de Aura,
novela de Carlos Fuentes.
O leitor atento, conhecedor das teorias do “pós-moderno”, poderia facilmente
enquadrar – e aqui o verbo é forte diante das dificuldades de conceituar a prosa hodierna
– Aura como uma novela da ficção contemporânea, recorrendo a caracterizações
evidentes, e recorrentes, em obras de autores contemporâneos.
Uma característica que enquadraria Aura como uma novela da ficção
contemporânea é a fragmentação das personagens no enredo, onde as mesmas acabam
confundindo-se umas com as outras, sendo difícil isolá-las dando-lhes personalidades
1
Mestrando do Programa de pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará, Mestrado em
Literatura Comparada.
2
Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação e, Letras da Universidade Federal do Ceará.
3 O livro de contos Los dias enmascarados.
A realidade alterada que “deixou de ser ‘um mundo explicado’, exige adaptações
estéticas capazes de incorporar o estado de fluxo e insegurança dentro da própria
estrutura da obra” (ROSENFELD, 2006, p.86). Como afirmamos anteriormente,
formalmente Aura possui características mesmo da prosa contemporânea. Contudo,
vários aspectos do enredo parecem querer levar as personagens a um refúgio seguro,
longe da agitação e celeridade do mundo moderno: à época glamourosa do General
Llorente
Um “refúgio seguro” parece ser o local onde os personagens acabam por desejar
regressar, por ser o tempo do amor, da juventude, da glória. O advento da modernidade,
dado o capitalismo em sua fase imperialista, teria posto um fim às ocasiões de amores e
continuidades. As referências a ervas utilizadas em práticas de magia e consagradas a
deuses e deusas da mitologia ligados ao telúrico, ao rural (Ceres, Circe), sugerem um
modo do homem vencer o tempo e poder retornar a uma época de vigor e solidez
(juventude), relembrando práticas rituais e mágicas perdidas no tempo, e que são
resgatadas por Consuelo na novela. A questão do duplo tão referida também na
mitologia4 e na literatura mundial, também seriam imagens residuais (arquetípicas)
presentes na novela de Carlos Fuentes: Aura/ Consuelo; Felipe/General Llorente.
As hipóteses analíticas levantadas neste ensaio são apenas isso: hipóteses.
Aparentemente não se pode ter nenhuma certeza sobre as coisas neste tempo “pós-
moderno”, no qual “os prognósticos, catastróficos ou redencionistas, a respeito do
futuro foram substituídos por decretos sobre o fim disto ou daquilo” (JAMENSON,
2007, p.14) – como a morte do autor, fim da Literatura, etc. (BLANCHOT, 2005).
Entretanto, nosso objetivo com esta comunicação, é referir que, Aura, apesar de manter
aspectos da forma contemporânea de feitura de romances e novelas, não possui, a nosso
ver, uma das características, “um sintoma singularmente privilegiado”, da prosa
contemporânea: o da perda da historicidade.
Aura é uma narrativa que compõe um grande projeto memorialístico de Carlos
Fuentes intitulado La Edad del Tiempo, onde o autor busca recontar a história mexicana
de forma não oficial, mas ficcional, mesclando fatos e personagens históricos com
ficção. A novela é colocada pelo autor em um ciclo intitulado El mal del tiempo. Cabe a
observação que Fuentes acrescentou obras e outros ciclos ao longo dos anos ao seu
projeto memorialístico, contudo Aura foi uma das primeiras obras deste projeto5.
Em Aura, Fuentes faz referências ao fato histórico da ocupação do México pelos
franceses durante a Segunda invasão francesa (1862), que depôs o governo republicano
de Benito Juárez e instaurou o Império por iniciativa de Napoleão III, e sob os auspícios
de outras potências européias como Espanha e Reino Unido.
Representantes da elite mexicana, contrários ao presidente Benito Juárez,
juntamente com representantes das monarquias européias decidem entregar o trono do
México a Maximiliano de Habsburgo. O General Llorente, cujas memórias Felipe
Montero deve preparar para serem publicadas, era oficial do exército imperial. Não
parece ser coincidência que Fuentes tenha lançado Aura no ano de 1962, no centenário
da investida francesa em terras mexicanas.
Pesa no conjunto da obra e na vida do cidadão Carlos Fuentes, os
aproximadamente três mil anos de história e cultura mesoamericana. História e cultura
também caras a outros artistas como Diego Rivera, Frida Kahlo, David Siqueiros e José
Orozco, apenas para citar alguns coetâneos de Fuentes. È constante a temática da
história e as reflexões acerca da sociedade mexicana nas obras dos artistas mexicanos
do século XX, e pelo menos em Fuentes, em seus romances e na sua obra ensaística,
podemos encontrar
7 Visão do Paraíso é o nome do livro de Sérgio Buarque de Holanda que discute a mentalidade dos
“descobridores” no tempo das grandes navegações.
8 Jung descobrira que além do consciente e inconsciente pessoais, já estudados por Freud, existiria uma
zona ou faixa psíquica onde estariam as figuras, símbolos e conteúdos arquetípicos de caráter universal,
frequentemente expressos em temas mitológicos.
9 Sigla em inglês para o Tratado de livre comércio da América do Norte, cujos signatários, Estados
unidos, Canadá e México, acordam a livre circulação de mercadorias entre os países do bloco, mas não de
pessoas.
Você lê esse anúncio: uma oferta assim não é feita todos os dias. Lê e relê o
anúncio. Parece dirigido a você, a ninguém mais. Distraído, deixa cair a cinza
do cigarro dentro da xícara de chá que estava bebendo neste café sujo e
barato. Torna a ler... (FUENTES, 2001, p. 7).
10 Do francês: já vivido.
REFERÊNCIAS
1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará.
2
Doutora em Letras pela Universidade Federal Fluminense. Professora do Programa de Pós-Graduação
em Letras da Universidade Federal do Ceará.
posições e o pensamento de Lima Barreto; pobre, mulato e boêmio, não teria muitas
chances de se projetar no meio oficial composto por intelectuais já patenteados e
consagrados pela “boa sociedade”, como era o caso, por exemplo, de um Coelho Neto.
Hoje é possível vermos Lima Barreto sendo apontado pela crítica como um dos
maiores romancistas brasileiros dos primeiros anos do século XX, em cuja obra
observamos o uso de uma linguagem coloquial, com conteúdo predominantemente
social e de caráter crítico, no que diz respeito a um período de transição por que passava
o Brasil rumo à Modernidade.
Por causa do caráter despojado de sua escrita e devido à sua narrativa deslocada
das normas cultas, o escritor carioca tornou-se alvo de duras críticas; além disso, foi
encarado como um artista que inseriu em sua ficção elementos retirados de sua vida
pessoal, sobretudo nas Recordações do Escrivão Isaías Caminha, romance publicado
em 1909, por uma editora lisboeta, uma vez que as grandes casas publicadoras que
existiam no Brasil se recusaram a fazê-lo. Lima Barreto é um dos mais importantes
escritores brasileiros do começo do século XX. Suas narrativas se caracterizam, entre
outras peculiaridades, por combinar elementos de gêneros diversos (romances, contos,
novelas, crônicas, crítica literária e teatro), linguagem coloquial, ironia e a
representação da sociedade e dos homens num período conturbado da história do Brasil.
Sendo um observador desse momento histórico e consciente dos problemas da jovem
República, desenvolveu uma literatura militante e objetiva, relacionada aos aspectos
sociais. Afinal, como observa Antonio Candido:
Nenhum dos outros [escritores] soube como êle penetrar o sentido profundo
dos acontecimentos que se desenrolavam aos olhos de todos. Nenhum dos
outros foi capaz de perceber a importância histórica da Revolução Russa de
1917, e nenhum deles pode rivalizar com Lima Barreto no que se refere ao
instinto seguro da sua visão relativamente aos problemas políticos e sociais
do após-guerra. (PEREIRA, 1963, p. 38)
Ainda sobre as questões que envolvem a política e seu verdadeiro papel e função
na sociedade brasileira, sua descrença e decepção levam à composição de uma escrita
irônica e ao mesmo tempo séria, de caráter notadamente debochado e direto, onde
levanta a bandeira de um regime maximalista, como forma de resolver as mazelas da
nação. É o que diz em “Palavras de um simples”, publicado no Hoje, em 20/07/1922:
própria, fazendo frente ao cânone, mas sem se comprometer com as vanguardas; parece
que o autor procura fugir de todo e qualquer enquadramento; a estrutura de seus
romances vai além do esperado. Podemos constatar nas Recordações do escrivão Isaías
Caminha algo peculiar que nos permite eleger Lima Barreto como um escritor que
supera o estilo memorialista e pessoal. Em seu romance de estréia, em “Breve Notícia”
(espécie de nota esclarecedora que antecede o texto ficcional propriamente dito), o autor
se insere na realidade ficcional, a fim de convencer o leitor da existência de Isaías, não
como personagem de ficção, mas como personagem real. No entanto, esse jogo entre
ficção e realidade se apresenta como artifício que foge aos padrões ficcionais da
produção literária da época, já que Isaías Caminha é, na verdade, uma criação do autor,
como se verifica trecho abaixo:
Quando comecei a publicar, na Floreal, uma pequena revista que editei, pelos
fins de 1907, as Recordações de meu amigo, Isaías Caminha, escrivão da
Coletoria Federal de Caxambi, Estado do espírito Santo, publiquei-as com
um pequeno prefácio do autor. Mais tarde, graças ao encorajamento que
mereceu a modesta obra do escrivão, tratei de publicá-la em volume
(BARRETO, 1956, p.39, v. I).
Reforçando essa idéia, Lima Barreto, de forma insistente, ainda insere nessa
“Breve Notícia”, palavras de próprio punho de Isaías Caminha, constantes do prefácio
de suas memórias, retirado diretamente do manuscrito entregue ao escritor carioca,
nesse caso também uma ficção.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Francisco de Assis. A vida de Lima Barreto. 9. ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 2003.
BARRETO, Lima. Feiras e Mafuás. São Paulo: Brasiliense, 1956, v. X.
______. Impressões de leitura. São Paulo: Brasiliense, 1956, v. XIII.
______. Marginália. São Paulo: Brasiliense, 1956, v. XII.
______. Numa e a ninfa. São Paulo: Brasiliense, 1956, v. III.
______. Recordações do escrivão Isaías Caminha. São Paulo: Brasiliense, 1956, v.I.
CANDIDO, Antonio. Os olhos, a barca e o espelho. In: ______. A educação pela noite.
5. ed. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2006.
PEREIRA, Astrogildo. Posições políticas de Lima Barreto. In: ______. Crítica impura.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963.
PRADO, Antonio Arnioni. O crítico e a crise. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
A casa grande
1
Mestranda em Literatura Comparada do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal
do Ceará.
2
Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará.
Escadas
Escadas de caracol
Sempre
memória do poeta sugere, então, manter-se resguardada nos seus porões ou propõe-se
ainda representar a fundação de sua casa, ou seja, o elemento seguro, firme e primordial
que traz estabilidade ao percurso poético. Nesse sentido, Mario Quintana repercute o
pensamento do filósofo francês Gaston Bachelard, que, em A Terra e os devaneios do
repouso, trata do que ele chama casa onírica que corresponde à casa de intimidade
absoluta, centro de nossas primeiras impressões, que tem seu eixo fixado pela vida
dinâmica recíproca do sótão e do porão. Assim, segundo o filósofo:
não há verdadeira casa onírica que não se organize em altura; com seu porão
enterrado, o térreo da vida comum, o andar de cima onde se dorme e o sótão
junto ao telhado. Tal casa tem tudo o que é necessário para simbolizar os
medos profundos, a trivialidade da vida comum, ao rés-do-chão, e as
sublimações. (BACHELARD, 1990, p. 86.)
Arquitetura funcional
REFERÊNCIAS
BACHELARD, Gaston. A Poética do espaço. 2. ed. Tradução Antonio de Pádua
Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
______. A terra e os devaneios do repouso: ensaio sobre as imagens da intimidade.
Tradução Paulo Neves da Silva. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
QUINTANA, Mário. Apontamentos de história sobrenatural. São Paulo: Globo, 2005.
______. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005.
A tradução intersemiótica
Há uma grande quantidade de obras literárias que são traduzidas diretamente
para a televisão e para o cinema. Assim, ao levar uma obra literária para o cinema,
deve-se considerar não só as características presentes na própria obra literária, mas
1
Universidade Estadual do Ceará.
A obra adaptada
Outro ponto interessante quanto à adaptação é que o filme soube manter a ordem
cronológica presente no romance, obedecendo o tempo e o modo como os fatos foram
narrados. Inicia do “fim”, com a morte do marido de Fermina, Juvenal Urbino, e o
reapareciamento de Florentino Ariza em sua vida. Depois, faz um flashback para relatar
como iniciou o encontro dos protagonistas e tudo o que se passou com eles até voltar
para essa mesma cena e, assim, finalizar a história.
Não se pode esquecer também do tema que leva o título da obra na literatura e
no cinema: o cólera. Foi uma doença que marcou o período onde a história se passa, em
Cartagena, Colômbia, no final do século XIX e início do século XX, e estava fortemente
ligada ao contexto social dos persongens. Foi motivo de muitas mortes e um dos fatores
que refletiu na vida dos personagens, provocando mudanças, encontros e desencontros
dos protagonistas durante a trama. Um tema interessante que necessita de um
aprofundamento maior num estudo posterior.
Um aspecto interessante, de acordo com Ismail Xavier, é que o filme pode tanto
optar por:
A motivação para o estudo da obra literária El amor en los tiempos del cólera
(1985) se deve a que a adaptação de um texto ao cinema normalmente apresenta visões
muito pessoais do diretor, linguagem diferente, influência das tecnologias, o que passa a
um leigo como distorsão de sentido ou “infidelidade à obra de partida”, de modo que
nosso objetivo é verificar até que ponto há submissão ao texto original e como se notam
as interpretações livres do diretor e do roteirista ao traduzir a história de amor de
Florentino Ariza e Fermina Daza.
Considerações finais
REFERÊNCIAS
BRITO, João Batista de. Literatura no cinema. São Paulo, Ed. Unimarco, 2006.
JAKOBSON, Roman. Linguística e Comunicação. São Paulo, Ed. Cultrix, 1973.
MÁRQUEZ, Gabriel García. El amor en los tiempos del cólera. Barcelona, Editora
Debolsillo, 1985.
______. O amor nos tempos do cólera. Mike Newell. Fox Films, EUA, 2007.
XAVIER, Ismael. In: ______. Literatura, cinema e televisão: Do texto ao filme: a
trama, a cena e a construção do olhar do cinema. São Paulo, Ed. Senac São Paulo–
Instituto Itaú Cultural, 2003.
INTRODUÇÃO
A educação é primordial na vida de qualquer indivíduo. Sem ela, o homem seria apenas
mais um alienado social, sujeito a toda e qualquer submissão ideológica ou física. Segundo
muitos pedagogos, não existe maneira melhor de se educar do que através a leitura. A prática da
leitura sempre esteve presente na nossa vida, desde o momento em que começamos a “perceber
e compreender” o mundo a nossa volta. São muitas as razões para a leitura ser considerada umas
das principais atividades de comunicação com o mundo. Cada leitor tem a sua maneira de
perceber e de atribuir significado ao que lê. Essa particularização da leitura é que estimula, por
meio de um processo artístico, emoções e vivências diferentes no leitor permitindo-lhe o
conhecimento de si mesmo, o reconhecimento do outro e a descoberta do mundo. A
comunicação só é possível quando se tem o conhecimento e a necessidades de trocar
informações. Partindo dessa premissa, podemos concluir que a leitura se torna indispensável na
vida de todos os indivíduos.
Como referencial teórico, a pesquisa partiu dos estudos realizados no âmbito da teoria
lingüística e educacional, por autores como: Koch (2003) que determina o aspecto de atividade
atribuído à linguagem como sendo uma atividade geral, inerente a todo ser humano; Ângela
Kleiman (2001), que focaliza, em seus trabalhos, a leitura como um processo psicológico em
que o leitor utiliza diversas estratégias, baseadas no seu conhecimento lingüístico, sociocultural
e enciclopédico, para construir um significado; e, finalmente, Paulo Freire (1986) com alguns
conceitos e teorias a respeito da importância social da leitura;
Esses autores teorizaram sobre a importância e a relevância de um incentivo à leitura na
nossa sociedade. Apontaram que o texto é criado à medida que é lido, e que ele não passa de um
retalho de significados que juntos podem transmitir uma mensagem. Mostraram também a
necessidade veemente de um método que facilite o acesso à leitura através de uma linguagem
mais facilitada e uma motivação diferenciada.
Outra fonte de pesquisa e inspiração veio a partir da leitura do livro “O que é Arte?”,
escrito por Leon Tolstoi (2002). Segundo o autor, a atividade da arte é baseada no fato de que o
1
FIC.
2
Doutoranda UFC.
homem, através dos sentidos (audição, visão, tato, paladar, olfato), é capaz de experimentar os
mesmos sentimentos daquele que os expressa, ou seja, ela é considerada, no mínimo, um forte
instrumento de comunicação entre os indivíduos.
Por fim, na tentativa de se compreender como essa arte poderia ser transformada, ou até
mesmo direcionada, na busca por um incentivo à leitura e à educação junto às crianças,
buscamos apoio nas teorias de lingüística, comunicação e arte-educação, para fundamentar os
argumentos aqui utilizados e tentar confirmar a hipótese anteriormente formulada.
Todos esses estudos confirmaram a importância da leitura que já havíamos citado no
começo do projeto. Segundo Paulo Freire, 1986, p. 73 e 74, ler é um processo no qual a ação
leitora se confunde com o fato de se estar no mundo, biologicamente e socialmente, falando. Ou
seja, o ato de ler é um processo de relacionamento com a realidade em que estamos inseridos,
sendo assim imprescindível o aprendizado e a motivação para que o indivíduo adquira a
“inteligência de mundo” e assim possa desenvolver seus valores e princípios.
Tomando esse conceito como realidade presente no nosso dia a dia, podemos dizer que
a arte é um instrumento importante na construção de uma “inteligência de mundo”,
principalmente para as crianças, que ainda estão desenvolvendo sua capacidade de refletir sobre
a realidade. A visão de mundo de uma criança e o meio social em que está inserida pode
desenvolver, com a ajuda da arte, um maior interesse no seu relacionamento com a educação e a
leitura.
OBJETIVOS
Os objetivos principais dessa pesquisa é observar e analisar o perfil leitor das Crianças
hospedadas na Casa do Menino Jesus e a partir disso avaliar se a arte pode ou não servir de
incentivo a leitura.
METODOLOGIA
Na primeira etapa da pesquisa, podemos dizer que o método científico empregado foi a
teoria da investigação. Nesse estudo foi utilizado, como método de abordagem, o hipotético-
dedutivo em “que se inicia pela percepção de uma lacuna nos conhecimentos acerca da qual
formula hipóteses e, pelo processo de inferência dedutiva, testa a predição da ocorrência de
fenômenos abrangidos pela hipótese” (LAKATOS; MARCONI, 2000, p. 106).
Escolhemos, então, a pesquisa aplicada, pois se caracteriza “por seu interesse prático,
isto é, que os resultados sejam aplicados ou utilizados, imediatamente, na solução de problemas
que ocorrem na realidade.” (LAKATOS; MARCONI, 2000, p. 19). Além dessa classificação,
podemos também dizer que o nosso estudo foi descritivo, delineando o que é; descrevendo,
RESULTADOS
Primeiramente, pensávamos que a realidade da Instituição impossibilitaria o
aprofundamento das análises e aplicações de atividades devido à grande rotatividade e
inconstância da presença das crianças. Além do mais, achávamos que a grande variação de
idades encontradas seria um desafio para a adaptação das atividades artísticas aos níveis de
incentivo e motivação necessários para cada faixa etária. Agora, pensamos diferente. A não
homogeneidade etária e a rotatividade ampliam o nosso universo de pesquisa, de acordo com o
mencionado na metodologia.
Foram realizadas, no primeiro momento, quatorze visitas à Casa do Menino Jesus.
Geralmente, elas ocorriam toda quinta-feira no período de 13h00min as 17h00min, contando
com o tempo em que as voluntárias se reuniam para preparar o material das ‘aulas’.
Participaram das atividades realizadas com arte, em média, doze crianças em dias e situações
diferentes.
Das doze crianças participantes, dez foram entrevistadas, nas cinco primeiras visitas.
Três delas disseram que gostavam de ler, principalmente revistinha e livros que tivessem
figuras. E dos dez, um número significativo, sete crianças, afirmaram não gostar de ler,
enfatizando a preferência pela brincadeira: “Prefiro brincar!”, afirmaram.
Esses dados tornam evidente um problema que o nosso sistema de ensino, melhor
dizendo, a nossa sociedade em geral enfrenta diante da desmotivação leitora dos indivíduos.
Desde a infância, a criança é induzida a acreditar que a leitura é uma obrigação escolar e não
uma atividade prazerosa que estimula a imaginação e a criatividade tanto quanto qualquer
brincadeira. De acordo com Kleiman, 1998, p. 16, a atividade árida e tortuosa de decifração de
palavras que é chamada de leitura, em sala de aula, não tem nada a ver com a atividade
prazerosa descrita e proposta por muitos pedagogos e estudiosos, e que, de fato, não é leitura,
por mais que esteja legitimada pela tradição escolar. A tarefa de ler, para a maioria das crianças,
é difícil demais, justamente porque para elas, os textos não possuem nenhum sentido, a não ser
o de uma soma de palavras. Após o primeiro impacto, observamos que seria necessário uma
resignificação da leitura para os sujeitos da pesquisa.
A partir da quinta visita, começamos a criar situações que os colocassem em contato
direto com a leitura para atingir o objetivo principal de qualquer brincadeira desejada, por
exemplo, quando alguma criança queria jogar um jogo de tabuleiro nós a estimulávamos a ler as
instruções para que a partir da interpretação do que estava escrito nós pudéssemos compreender
como se jogar. Além disso, realizamos atividades teatrais (interpretar uma historinha lida),
atividades musicais (fazendo paródias com o assunto que eles mais gostavam de ler), oficinas de
desenhos (trabalhando a imaginação através da criação dos personagens das historias) e a
contação de histórias através de um CD de historinhas infantis, intitulado “Conte um Conto”,
criado e produzido pelos alunos da FIC, coordenados pela aluna bolsista Larissa Bezerra e
supervisionados pelas Professoras Letícia Adriana e Rosane Nunes. Esses tipos de atividades
demonstraram, com o passar do tempo, a importância da leitura em todas as atividades que elas
realizavam no dia a dia. Desde pedir uma informação na rua, até ler uma bula de remédio. À
medida que entendiam a importância da leitura, nas relações sociais e interacionais que elas
mantinham com os outros, passaram a enxergar esse processo construtivo com outros olhos.
Na última entrevista, realizada na 14ª visita, fizemos uma avaliação do desempenho das
atividades motivadoras - através de entrevistas semi-estruturadas e anotações em protocolos - e
constatamos que duas crianças mudaram de opinião e passaram a totalizar cinco sujeitos que
diziam gostar de ler. As outras cinco permaneceram com a idéia de que ler não passa de um
‘dever chato’. Aparentemente esses dados podem parecer pouco expressivos, mas quando
pensamos em percentuais, sabemos que o universo de cinqüenta por cento de pessoas dizendo
que gostam de ler é significativo no contexto brasileiro.
Após traçar o perfil leitor de algumas crianças da Casa do Menino Jesus, aplicamos o
passo seguinte do projeto, a produção de um segundo CD de historinhas infantis feito pelas
próprias crianças, intitulado “Conte um Conto II”. Continuamos com as visitas semanais as
quintas e começamos a desenvolver e estimular a criação de desenhos e histórias para compor o
novo CD. A idéia era que, por ser uma atividade artística diferente, eles teriam que criar
histórias novas, ir ao estúdio gravar as narrações, ouvir suas vozes gravadas num CD,
representar vários personagens, e isso de alguma forma iria estimulá-los a lerem para buscar
inspiração. Encontramos uma biblioteca muito diversificada na Casa do Menino Jesus, que ia de
livros clássicos infantis à revistinhas de quadrinhos atuais.
Na época das gravações foram convidadas sete crianças para irem até o estúdio e
representassem duas historinhas escolhidas por elas. Apenas três puderam, as outras não
compareceram devido à impossibilidades médicas. Essas três crianças escolheram duas histórias
clássicas ‘A Bela Adormecida’ e ‘Rapunzel’ para representar. Elas se empenharam ao máximo
para ler as historinhas, decorar as falas e ensaiar os personagens. Para compreender os
personagens elas tinham que ler o livro todo e decorar apenas as suas falas, porém os ensaios
eram tão empolgantes que elas acabavam decorando toda a história. Diante disso, observamos
que elas começaram a encarar a leitura de uma forma mais divertida e lúdica, amenizando até os
sintomas emocionais da doença. Elas conseguiam entrar na história e se sentir como os
personagens esquecendo, mesmo que por momentos, as “dores” físicas.
Uma delas chegou a relatar a seguinte frase: “Tia, eu me sinto tão bem. Me sinto igual a
qualquer outra criança”. Essa frase ficou marcada de uma maneira especial por que mostra o
quanto ainda existe a exclusão social dessas crianças e como um projeto como esse pode fazer a
diferença na vida de um pequeno indivíduo em fase de desenvolvimento social.
De uma forma descontraída, esse trabalho conseguiu modificar a visão de leitura dessas três e
mostrar como a leitura é importante e necessária no dia a dia delas. Essas crianças estavam entre
as cinco primeiras que diziam não gostar de ler e mudaram de opinião. Elas foram
acompanhadas durante cerca de oito meses pela pesquisadora e, levando em consideração as
dificuldades de permanência dos pequenos hospedes da Casa do Menino Jesus, consideramos
que foi uma vitória conseguir resignificar a leitura na vida dessas crianças.
CONCLUSÃO
As conclusões que chegamos é que os informantes, participantes como sujeitos deste
projeto, evidenciaram que ler é uma atividade importante não só para a aquisição de
conhecimento, mas para o desenvolvimento do ser humano como indivíduo construtor das suas
relações com as outras pessoas e com o mundo.
Os resultados obtidos são bastante satisfatórios, apesar dos imprevistos e das dificuldades.
Tentamos mostrar, através de dados concretos, que a arte pode sim ser um instrumento de
incentivo a leitura, desde que tenha como principal objetivo resignificar e reforçar sua
importância, mostrando que ela é um instrumento indispensável de informação e estímulo à
criatividade e a imaginação.
REFERÊNCIAS
KLEIMAN, Ângela. Oficina de Leitura: teoria e prática. 6. ed. Campinas, São Paulo: Pontes
Editora da Unicamp, 1998.
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. O texto e a construção dos sentidos. 7. ed. São Paulo:
Contexto, 2003.
LAKATOS, Eva Maria, MARCONI, Maria de Andrade. Metodologia Científica. 3. ed. São
Paulo: Atlas, 2000.
TOLSTOI, Leon. O que é Arte? Tradução: Bete Torii. São Paulo: Ediouro,2002. (Clássicos
Ilustrados).
O DESMORONAMENTO DA LITERATURA
1
Graduanda do curso de Letras da Universidade Federal do Ceará.
2
Prof. Dr. da Universidade Federal do Ceará.
realmente, a literatura não necessita de datas certas, nem de modelos a serem seguidos,
pois ela sobrevive ao tempo. A cada leitura ela se renova, independente de ter início,
meio e fim. Ela é infinita, atemporal.
Em seguida, o anão fala sobre as semelhanças e as divergências entre ele e os
outros anões que são alegres: “Sou feio mas sou de pedra e do tamanho de um anão de
verdade com aquela roupeta meio idiota das ilustrações das histórias tradicionais, a
carapuça. (...) A diferença é que os anões decorativos são risonhos e eu sou um anão
sério”. (Telles, 1998, p. 145). A literatura convive, faz algum tempo, com uma cultura
de massa voltada para o entretenimento do leitor. E a literatura é “séria”, questionadora,
instigante. Essa literatura séria, tomando como base os pensamentos do anão, trata do
humano, das inquietações e dos medos do homem. No conto, o anão consegue ver a
vida além do seu tempo, fazendo indagações sobre o futuro. Ele consegue enxergar o
que há de mais profundo, íntimo no homem: a personalidade:
Quais desses pequeninos modelados pela vulgaridade dos pais vão chegar à
plenitude de seres honestos? Verdadeiros? Não quero ser um anão puritano,
afinal, não estou pedindo heróis, não estou pedindo santos mas dentre esses
machos e fêmeas, quais deles serão ao menos limpos? (Telles, 1998, p. 146).
Essa passagem do texto nos chama atenção, também, para um elemento muito
importante para que a literatura continue existindo, assim também, como para a sua
destruição: o leitor. O leitor da cultura de massa tem uma “queda” por uma linguagem
que seja mais fácil, por uma linguagem que não necessite de muito esforço para ser
compreendida. E a literatura “séria” chama o leitor para pensar sobre a realidade através
de uma linguagem mais elaborada, trabalhada: “Tirante o Professor (bom e bobo) pude
ver (por dentro) a sedutora Hortênsia que desde o começo desconfiou de mim, Não
parece um anão filosofante? Prefiro os inocentes, ela disse”. (Telles, 1998, p. 146).
No conto, Hortênsia troca o professor pelo jovem corretor de imóveis. Parece
representar o leitor que, nessa batalha cultural, troca o velho pelo novo, contribuindo
com o desmoronamento da literatura canônica, tornando-se cúmplice daqueles que
fazem da cultura, da literatura, algo vendável: “Depois de tão longa temporada com um
músico velho, só um corretor tão jovem quanto voraz, foram cúmplices no crime.”
(Telles, 1998, p. 149).
Nesse sentido, parece haver uma defasagem da literatura causada pela invasão
dessa cultura de massa, já que o leitor (consumidor) prefere essa leitura mais fácil,
menos filosofante. A partir daí, surge uma problemática que envolve o conceito de
literatura. Se tomarmos o pensamento de Valéry como base, teremos que, já que o leitor
é responsável por valorizar uma obra por intermédio da leitura e, se o leitor atual prefere
a literatura que é considerada como estando à margem do que é canônico, temos que a
literatura não tem um conceito fixo, sendo, assim, um processo dinâmico. É nesse
processo que parece estar havendo uma perda de valores no julgamento do leitor. Por
isso, ele ser tão importante nessa querela sobre o que é ou não é literatura. No conto,
Lygia parece sugerir, através da descrição do anão em processo de degradação, essa
destruição de valores:
Fui feito de uma pedra bastante resistente mas há um limite, meu nariz está
carcomido e carcomidas as pontas destes dedos que seguram o meu pequeno
cachimbo. E me pergunto agora, se eu fosse um anão de carne e osso não
estaria (nesta altura) com estas mesmas gretas? (Telles, 1998, p. 147).
Nessa última parte do trecho anterior, o anão faz uma indagação muito
importante, pois se a literatura está em defasagem, o homem também está? O homem
enquanto ser social também se encontra exposto aos fenômenos do mundo, e a literatura
parece ser um reflexo disso. Perrone, sobre esse ponto, a literatura como função, faz um
comentário sobre a representação social da literatura, falando, também, dessa mudança
de valores que vem acontecendo: “Atualmente, a literatura parece contentar-se com
Pela porta (porta?) deste caramanchão em ruínas vejo a casa que está sendo
demolida, resta pouco dessa antiga casa. Quando ainda estava inteira havia
em torno uma espécie de auréola, não eram as pessoas mas era a casa que
tinha essa auréola mais intensa nas tardes de céu azul.(...) Esse suave halo
também surpreendi (às vezes) em redor da cabeça do Professor mas isso foi
nos primeiros tempos, quando ele ainda tinha forças para vir compor no seu
violoncelo, ele compunha aqui ao meu lado. (Telles, 1998, p. 148).
A partir desse trecho poderíamos dizer que o escritor moderno foi desaparecendo
juntamente com a literatura. Aquele que tinha o sonho de transformar o mundo através
da linguagem foi ficando triste, sem desejo para criar. Desde o momento em que essa
cultura de massa surgiu com suas facilidades orais, desde que o leitor deixou de se
interessar, de se importar pelo que estava velho, um sonho foi interrompido: “O
Professor tocava seu violoncelo e sonhava até que interrompeu (ou continuou?) o sonho
debaixo da terra”. (Telles, 1998, p. 148). Valéry nos fala da importância da manutenção
dessa força criadora, embora esse poder seja tomado apenas como “ato de produção ou
de consumo”, pois:
Esse anão tem um furinho lá dentro do ouvido como as imagens dos deuses
chineses para ouvir melhor as preces. Não vai ouvir preces mas o meu
violoncelo, ele avisou ao me instalar no chão arenoso do caramanchão, entre
os tufos de samambaia. (Telles, 1998, p. 154).
A partir daí, apesar de ser uma pedra, percebemos que o anão parece ter uma
alma que seria, talvez, o lugar onde são guardadas memórias que o fazem ter esperança
de se perpetuar em outro corpo. Podemos considerar esse sentimento como sendo a
literatura que permanece com o passar do tempo, através da memória. E isso a faz altiva
por saber que será imortal:
É com arrogância que agora espero a morte? Não tenho medo, não tenho o
menor medo e essa é outra diferença entre o anão de pedra e o homem, a
carne é que sofre o temor e tremor mas meu corpo é insensível, sensível é
esta habitante que se chama alma. (...) Falei em alma, seria ela um simples
feixe de memórias? (...) Não sei, sei apenas que esta alma vai continuar não
mais neste corpo rachado mas em algum outro corpo que Deus vai me
destinar. Ele sabe. (Telles, 1998, p. 152).
busca a relativização dos valores, sem vínculo com entidades supremas. Maria Eneida
de Souza, em seu texto “O não-lugar da literatura”, defende que a posição elitista de
muitos críticos, quanto à diferenciação entre a alta e a baixa literatura, corre sempre o
risco de realizar uma classificação equivocada. Ela diz que, segundo Piglia, “as ficções
atuais situam-se além das fronteiras, nessa terra de ninguém (sem propriedades e sem
pátria) que é o lugar mesmo da literatura, mas que, ao mesmo tempo, localizam-se com
precisão em um espaço claramente definido”. (Souza, 1999, p. 113). No entanto,
verifica-se que, provavelmente, a autora do conto, através das súplicas do anão, queira
expressar o desejo de que a literatura se eternize, permaneça, assim, como o escorpião o
qual os deuses inscreveram no Zodíaco, apesar de ser tão odiado:
Dessa forma, podemos dizer que, numa leitura superficial do conto, o leitor pode
não assimilar o provável tema o qual pretensamente procuramos trabalhar. Um leitor
desavisado pode perceber apenas uma história comum de um homem que é assassinado
pela mulher com o intuito de ficar com a herança do mesmo, desejando usufrui-la com o
jovem amante. Mas, após todas as considerações acerca do tema trabalhado, poderíamos
comprovar, assim, que o conto retrata bem as características que a autora propõe
resgatar, como a linguagem rica de significados e bem trabalhada. A transgressão da
linguagem, que a autora faz tão bem, dando a um ser inanimado o foco narrativo,
sugerindo, através de tão bem feitas alegorias, essa problemática que vem ocasionando
o abandono da literatura canônica trocada pela a da cultura de massa. É como se fosse
um chamamento, alertando o leitor para ir de encontro à literatura, com o intuito de
eternizá-la na memória dos mesmos. E o escritor parece ser o meio de alcançar esse
objetivo. Portanto, é necessário que ele reaja, pois a literatura ainda vive dentro dos
corações daqueles que tem a vocação para exercer o domínio da linguagem.
REFERÊNCIAS
PERRONE-MOISÉS, Leyla. Modernidade em ruínas. In: ______. Altas literaturas. SP:
Companhia das Letras, 1998.
SOUZA, Maria Eneida de. O não-lugar da literatura. In: ______. Leituras do ciclo.
Andrade, Ana Luiza (org.). SC: Ed. Grifos, 1999.
TELLES, Lygia Fagundes. A noite escura e mais eu. 4. ed. – Rio de Janeiro: Rocco,
1998.
VALÉRY, Paul. Primeira aula do curso de poética. In: Variedades. São Paulo:
Iluminuras, 1999.
I - A prosa realista
O romance brasileiro do século XIX se deparou com a sociedade em fases de
transições políticas, sociais e econômicas (libertação dos escravos, lutas republicanas,
cafeicultura no momento auge de produção). E para descrever a realidade com seus
comportamentos de valores e moralidade ao meio. A literatura realista brasileira recria
uma leitura cientifica baseada nos moldes vigentes da época (positivismo,
determinismo, socialismo e psicologia). E com isso, sugeri uma critica efêmera ao
homem.
A escrita realista do século XIX toma como procedimento de composição
verbal, o advento das ciências positivistas em todo o mundo e sua propagação como
meio de explicar a relação do homem no seu fazer, pensar e agir.
Para o estudioso Alfredo Bosi “O escrito realista tomara a sério as suas
personagens e se sentirá no dever de descobrir-lhes a verdade, no sentido positivista de
dissecar os moveis de seu comportamento”. (2004, P.169.)
Com isto, a literatura brasileira com a prosa de ficção realista desenha
verbalmente a critica aos “bons costumes” do homem pós-romântico, e principalmente
as instituições sociais. O ensaio critico na obra “o alienista” (1881) de Machado de
Assis mostra de modo científico, comportamental e irônico como o homem é
conceituado na sociedade realista.
Para Móisses :
II – Quem é O alienista?
1
Graduada em Letras – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN.
III - A ciência
Dona Evarista, Falcão, Sr.Soares, O Boticário, Crispim Soares, Padre Lopes,
Mateus, Costa e outros são tecidos apartir de uma visão determinista e dominadora pelo
doutor de Itaguaí. “Homem de ciência, e só de ciência, nada o consternava fora da
Ciência”. ( O alienista,1997,p.07).
Nesse sentido, vemos o enredo do conto “O alienista” recriado o discurso da
concepção determinista, em que a população de Itaguaí não tem direito a escolha, pois
esses personagens são produtos do meio, ou seja, da ciência e do poder do
Dr.Bacamarte. Percebemos que os personagens são frutos desse alienismo. Isso porque,
estes são destituídos de liberdade total de decidir e influir nos acontecimentos em que
tomam parte, ou seja, a liberdade destes é condicionada a natureza do evento ou meio.
Para Gomes:
IV - Um caso
Um caso de Itaguaí entre tantos outros foi o do costa que foi recolhido à casa
verde sem nenhum motivo de demência. Um grande homem estimado pela sociedade
que herdara uma quantia significativa do tio. Com esse dinheiro de herança Costa deu
sucessivos empréstimos que durante 05 anos não apresentava renda financeira alguma.
“Ele foi passando da opulência à abastança, da abastança à mediana, da mediana
à pobreza, da pobreza à miséria, gradualmente. (Idem. p.10).
Por apresenta valores positivos em relação à vida e a circunstâncias, e acima de
tudo expor o “desapego” ao mundo materialista é visto como lunático na visão do
alienista. “Bacamarte aprovava esses sentimentos de estima e compaixão, mas
acrescentava que a ciência era a ciência, e que não podia deixar na rua um mentecapto”.
(idem. p.10).
Bacamarte exerce uma relação de domínio sobre a sociedade de Itaguaí e
Machado defende uma posição da ciência ao meio e as causas do homem. ”O alienista
disse-lhe confidencialmente que este digno homem não estava no perfeito equilíbrio das
faculdades mentais, à vista do modo como dissipara os cabedais que...” (Idem, p.11).
Esse domínio se dar exclusivamente por um modelo de sistema que vai contra os
interesses da população. O poder maior de uma ciência anarquista.
Para cozmam:
O alienista nunca chegará a uma definição exata. .Razão e loucura são descritas
não como método experimental finalizado, é isso que Machado coloca em evidência nas
ciências do alienista. Poder e comportamento nesse pequeno ensaio literário, denúncia
como à literatura realista do século XIX ressaltou mais as dúvidas do que a certeza.
“Mas deveras estariam eles doidos, e foram curados por mim, ou o que pareceu
cura não foi mais do que a descoberta do perfeito desequilíbrio do cérebro?” (O
alienista, 1997, p.34).
“Fechada a porta da casa verde, entregou – se ao estudo e a cura de si mesmo”.
(idem, p.35).A ciência terá como explicar o positivismo e o comportamento do
alienista? A visão machadiana esta paradoxal. Ex: Bacamarte liberta os pacientes e
interna a si mesmo no processo de autorreconstrução comportamental. Segundo
Cozman:
REFERÊNCIAS
ASSIS, Machado de. O alienista. São Paulo. Scipione. 1997.
BOSI, Alfredo. Machado de Assis: o enigma do olhar. São Paulo: Ática, 1999.
______. História concisa da literatura brasileira. São Paulo. Cultrix. 2003.
COZMAM, Camilo Fernández. O difícil oficio da sensatez. Espaço, retórica e
carnavalização em O alienista de Machado de Assis. Revista Rhêtorike.
CUNHA, Maria Clementina Pereira. Artigo; Hospício a céu aberto. In: A Revista de
História da Biblioteca nacional. Ano I.N° 2. 2005.
GOMES, Roberto. O alienista: loucura, poder e ciência. Tempo social; ver. Sociol.
USO, São Paulo. 1994.
GOMES. In: Revista Espaço Acadêmico .Nº. 72 maio /2007 ano VI.
Moisés, Massaud. A literatura brasileira através dos textos. São Paulo. Cultrix. 2000.
SOUZA, Jaime Luis cunha de. Racionalidade moderna, ciência e loucura-especulações
sobre o alienista de Machado de Assis, 2004.
1
Graduanda do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará
2
Prof. Dra. Adjunta do departamento de Letras Vernáculas da UFC
podemos constatar, a metalinguagem implícita no conto. Assim como foi feito com o
retrato, os leitores podem conferir diversas interpretações a um mesmo texto, a uma
mesma obra.
Uma prova da presença de múltiplas significações e de diferentes olhares postos
sobre a Literatura é o desentendimento entre Bio e Iô Wi, visto que, para este, “o cavalo,
de verdade, não era potentoso desse jeito, mas mixe, somente favorecido de indústrias
do retratista e do aspecto e existir da Moça” (ROSA, 1967, p.131).
Em frente a essa cena, podemos apontar, também, o fato de querermos trazer
para o nosso mundo muito do que a Literatura coloca em plano, visto que tentamos
alcançar o espaço de sedução, onde tudo é possível, criado pela arte. É devido a essa
característica da arte que Bio tanto se inquieta. Qual é mais perfeito: seu cavalo de
verdade ou o retratado na pintura? Qual possuía melhores qualidades? Assim, para
acabar com a dúvida, a única solução para Bio era destruir a arte, responsável pelo
engrandecimento, pela superação do real, ou seja, pela criação de algo ilusório: “abolir
aquele, destruído em os setecentos pedaços. Só depois sossegasse.” (ROSA,
1967,p.132). Vemos, dessa forma, o quanto de sofrimento essa figuração gera para ele.
Ao voltar do seu passeio, Bio encontra seu patrão “jururu-roxo” (ROSA, 1967,
p.132), a moça tinha ido embora e não voltaria mais, o noivado findou-se. “Bio se
coçava os dedos das mãos”, ou seja, pensava que iria ganhar o retrato, pois diz a crença
popular que quando o indivíduo coça a mão, é sinônimo de que ganhará um presente,
nesse caso, o retrato. Mas isso não aconteceu; apesar de a moça ter ido embora, Iô Wi
“carecia daquilo, para conferir saudades” (ROSA, 1967, p.132).
É interessante atentarmos para a parte em que a moça abandona Iô Wi,
deixando-o apenas com o retrato. Ao observarmos a seguinte passagem: “A moça não
podia de todo assim fugir. No viso daquela enfeitada arte, também alguma parte dela
parava presa, semelhante da alma, por sobejos e vivente parecença” percebemos a
imortalidade dada pela arte a alguns de seus personagens ou aos momentos da história
relatados por ela. A partir desse raciocínio, podemos concluir que, no conto, a Moça se
vai, mas sua foto, sua representação e um pouco dela fica gravado na imagem, assim
como a figura do cavalo.
Logo após esse acontecimento, somos informados de que Bio tivera um sonho
ruim com seu cavalo, e, ao entrar no estábulo para conferir a situação do animal,
Bio também gemeu, lavando com morna água salgada aqueles beiços, desfez
o arreganhamento, provou-lhe as juntas, pôs o cabresto, ele fazia um esforço
para obedecer. Bebia sem bastar, baldes de água com fubá e punhadinho de
sal. Mas mirava-o, agradecido, nos olhos as amizades da noite. Sofrimento e
sede... Isto se grava em retratos? (ROSA, 1967, p.133).
Notamos que o narrador põe em jogo não mais a imagem, ou seja, o material do
real e do ficcional, mas sim a essência, as emoções do mundo real, as quais não
poderiam ser expressas de forma tão verídica. Vemos, assim, uma relação do texto
literário com o que ele reproduz, pois, como diria Tolstói, “se descreves o mundo tal
qual é, não haverá em tuas palavras senão mentiras e nenhuma verdade” (TOLSTÓI
apud Rosa, 1967, p.160).
O desfecho do conto se dá com a decisão de levar o retrato para casa do Seo
Drães – “uma vivenda em apalaço” (ROSA, 1967, p.131) – ,visto que era o local ideal
para manter a glória da arte, preservando-a de sentimentos externos e mantendo-a
desinteressada, com a única função de ser, essencialmente, arte. Assim, o sentimento de
amor, de adoração que uniu os dois personagens principais do texto àquele quadro já
não iria interferir na significação dele, conservando apenas a sua magnitude.
Foi essa relação entre o real e o figurado que tentamos estabelecer neste
trabalho. Vale ressaltar que o que consideramos real é apenas uma metáfora, visto que
estamos trabalhando com um texto, o qual é, em si, uma representação. Assim, o conto
é uma representação do real que trata de outra uma representação, o retrato do cavalo e
da Moça.
Percebemos, dessa forma, como é bela a escrita de Rosa, como esse escritor traz
à tona discussões tão complexas em um texto prazeroso de ler e trabalhar, mas que, no
entanto, exige a atenção do leitor, como ele relata em carta a Harriet de Onis: “O leitor
tem que ser chocado, despertado de sua inércia mental, da preguiça e dos hábitos. Tem
de tomar a consciência viva do escrito, a todo momento. Tem quase de aprender novas
maneiras de sentir e de pensar”( ROSA apud MARTINS, 2001, p. 09).
É essa escrita, aparentemente nebulosa, que conduz a tantas pesquisas, dada a
riqueza do texto. Dessa forma, partindo desse mesmo conto, poderíamos abordar
REFERÊNCIAS
ROSA, João Guimarães. Tutaméia (Terceiras estórias). Rio de janeiro: José Olympio,
1967.
______. Primeiras estórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1964.
MARTINS, Nilce Sant’Anna. O léxico de Guimarães Rosa. São Paulo: Edusp, 2001.
JAKOBSON, Roman. Linguística e Comunicação. Trad. Izidoro Blikstein e José Paulo
Paes. São Paulo: Cultrix, 1974.
1
Graduanda em Letras pela Universidade Federal do Ceará.
2
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará.
perceber que essa mesma idéia permeia o discurso dos professores. Uma ideologia que
aos poucos vem sendo quebrada. A respeito desse assunto, Bagno (2002, p. 25) traz sua
reflexão:
Nesse sentido, a língua se reduz a fragmentos que por sua vez se perdem na
eloquência e formalismo dos que insistem em sacralizá-la. Em continuação, o que dizer
da literatura e das concepções acerca d’Ela, do seu uso e acessibilidade? Ao falar de
literatura, pode-se perceber que os caminhos a serem trilhados não são diferentes, pois
ela passou pelo mesmo processo de endeusamento que a linguagem, sendo elevada a um
nível alcançado pelos “cultos” que conseguiam compreendê-la. Esse ideal estético de
arte inacessível que permeou o curso da história do homem colaborou com o
distanciamento da literatura com a prática de ensino e, consequentemente, com sua
ruptura com o ensino de línguas, seja materna ou estrangeira. Em salas de aula,
atualmente, é possível destacar dois blocos fechados de estudo e análise: Língua e
Literatura. Hoje, estudante e professor ainda afirmam não entender nada de literatura
por acreditarem se tratar de algo acessível aos cultos, possível somente àqueles que
dominam a língua falada e escrita. As palavras de Pennac (2008, p.121), ao falar sobre
bibliotecas, leitores e livros nos levam a refletir sobre o papel que profissionais da área
estão desempenhando em sala, e como os estudantes têm limitado sua visão acerca
desse assunto que se arrastou há longo tempo de maneira bastante distorcida.
O aprendiz é parte central do processo e deve ser visto como agente de sua
própria aprendizagem e não como um objeto que se plasma de acordo com
as imposições dos métodos e do professor. Por ignorar o papel do aprendiz,
os vários métodos de ensino e modelo de aquisição geraram propostas e
explicações lineares sem levar em conta que o ser humano é sempre o signo
mediador de sua aprendizagem e que efeitos diferentes poderão surgir em
reação ao mesmo conjunto de variáveis.
Nessa perspectiva, o texto literário carrega um papel singular, pois ele é um dos
suportes que reflete a língua meta, trazendo os valores que o discurso pode assumir e
constante, ele desenvolverá sua capacidade leitora, bem como sua escrita e aumentará as
chances de alcançar êxito em situações comunicativas distintas. Conforme Mendonza
(2002:116):
REFERÊNCIAS
BAGNO, Marcos; GAGNÉ, Gillés; STUBBUS, Michael. Língua materna: letramento,
variação e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2002.
BAKHTIN, Michael. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Editora Hucitec,
1988.
BRUNO, Fátima et alli. Ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras: reflexão e
prática. São Carlos: Clara Luz, 2005.
CORACINI, M.J.F et alli. O jogo discursivo na aula de leitura: língua materna e língua
estrangeira. Campinas, SP: Pontes, 1999.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas.
São Paulo, SP: Martins Fontes, 1999.
KLEIMAN, Angela. Leitura: ensino e pesquisa. Campinas, SP: Pontes, 1989.
LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. SP: Editora Ática,
1997.
MENDOZA, Antonio. La utilización de materiales literarios en la enseñanza de lenguas
extranjeras. In: GUILLÉN C. (Ed.): Lenguas para abrir camino. Madrid: Ministerio de
Educación, Ciencia y Deporte, 2002.
MENDONZA, Antonio. El intertexto lector. La Mancha, Cuenca: Ediciones de la
Universidad de Castilla, 2001. Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes. Disponível em:
http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/12470624320125064621457/p000
0001.htm#I_12_.
NEVES, Maria. A vertente grega na gramática tradicional: uma visão do pensamento
grego sobre a linguagem. São Paulo: Editora UNESP, 2005.
PENNAC, Daniel. Como um romance. Porto Alegre, RS: L&PM, 2008.
ROCHA, Cláudia et alli. Ensinar e aprender língua estrangeira nas diferentes idades:
reflexões para professores e formadores. São Carlos: Editora Clara Luz, 2008.
SEDYCIAS, João et alli. O ensino de espanhol no Brasil: passado, presente, futuro. São
Paulo: Parábola Editorial, 2005.
1. Introdução
O presente trabalho faz uma análise de duas protagonistas de Rachel de Queiroz:
Conceição de O Quinze e Maria Augusta de As três Marias, mostrando assim os pontos
de convergência existentes nas personagens. Rachel de Queiroz mostra nas obras
estudadas uma mulher sertaneja que hora é moderna e decidida, e hora é confusa e
desentendida.
A escritora mostra, enfim, uma mulher sertaneja diferente daquela vista aos
olhos da sociedade da época e ainda vista nos dias atuais.
Em O Quinze temos Conceição, professora e leitora assídua que se mostra culta,
independente e só, que se vê dividida entre os problemas dos retirantes e entre o amor
de Vicente, amor que não se concretiza pelo fato dela ter um nível de conhecimento
mais alto que o dele. Em As três Marias temos Maria Augusta, que entre medos da
infância e conflitos da adolescência, narra toda sua história de vida; Guta acha o sertão,
seu lugar de origem, monótono, e sai desse lugar de origem em busca de sua identidade.
A análise mostra a sublimidade de duas mulheres que em pleno sertão
nordestino, onde a religiosidade e a sociedade são extremamente fortes, vivem como
desejam, e que apesar de tantos conflitos pessoais, quebram os conceitos impostos para
a mulher naquela época e ainda nos dias atuais.
1
Graduanda do curso de Letras da UFCG. Especializanda em Língua, Lingüística e Literatura pela FIP –
Faculdades Integradas de Patos.
2
Mestre em Literatura Brasileira pela UFPB e Professor do curso de Letras da UFCG.
Pegou o primeiro livro que a mão alcançou, [...] abriu à toa o volume [...]
Conceição folheou devagar, relendo trechos conhecidos [...] Largou-o, tomou
outros [...] E ao repô-los na mesa, lastimava-se: - Está muito pobre essa
estante! Já sei quase tudo decorado! (QUEIROZ, 2004, p. 12).
E entre o amor não irrealizado que sentia por seu primo Vicente, pois, Conceição
acreditava que não seria feliz ao lado de Vicente pelo fato do mesmo viver apenas para
a fazenda e ter um nível intelectual totalmente diferente do seu:
Conceição tinha vinte e dois anos e não falava em casar. As suas poucas
tentativas de namoro tinham-se ido embora com os dezoito anos [...] Chegara
até a se arriscar em leituras socialistas, e justamente dessas leituras é que lhe
saíam as piores das tais idéias, estranhas e absurdas à avó. (QUEIROZ, 2004,
p. 13 e 14).
Acostumada a viver por si, a viver isolada, criara para o seu uso de idéias e
preconceitos próprios, às vezes largos, às vezes ousados [...] (QUEIROZ,
2004, p. 14).
Na obra, Guta diz ter sua infância dividida entre duas fases: a época em que sua
mãe existia e a época em que sua mãe havia partido: “A minha infância, sempre a dividi
em duas fases: “o tempo de mamãe” e “depois”. (QUEIROZ, 2009, p. 50). Pois, para
ela, tudo em sua casa havia mudado, seu pai se casou novamente e teve outros filhos:
“Depois” tudo mudou lá em casa. Não para pior, todo o mundo dizia até que
para melhor. Havia agora ordem, equilíbrio, economia. A louça não se
quebrava tanto, eu vivia penteada e limpa no meu vestido de luto. Comecei a
ir à escola[...]
Papai casou depois de cinco meses de viúvo, com uma prima, creio que sua
namorada dos velhos tempos. (QUEIROZ, 2009, p. 52).
Depois de todos esses anos, ao terminar os estudos, Guta vai para a cidade e
conhece o mundo:
Porém, Guta, por estar tão presa e por sonhar com um mundo seu, se decepciona
com o que encontra e vê seu lar como um lugar monótono e melancólico:
Guta não suportava viver da forma em que todos queriam e que a sociedade
determinava:
Logo no dia seguinte de minha chegada, houve uma sessão solene, onde,
depois de breve prólogo, Madrinha explicou meus novos deveres de filha e
irmã mais velha, falou na colaboração que a família esperava de mim. E
como me horrorizavam, minha Nossa Senhora, as camas por fazer, as meias
por cerzir, as mesas a pôr e a tirar, as famosas semanas de cozinha que eu
deveria revezar com minha madrasta. (QUEIROZ, 2009, p. 80).
Guta também é a mulher no sertão diferente de todas as outras, que não quer
viver a vida lavando, passando, cuidado da casa e das crianças mal cheirosas. Guta não
suporta a submissão, os deveres que a minha deveria ter. É uma personagem que mesmo
perdida permanece inquieta a procura de uma felicidade. Uma esperança surge, quando
Guta vê no jornal o edital para um concurso de datilógrafo em Fortaleza. Guta agarra a
oportunidade e consegue a nomeação:
Onde estavam as maravilhosas coisas que o seu olhar prometia tanto? Onde
estava o homem longínquo do primeiro dia em que o vi, sentado
melancolicamente à sua cadeira de teatro, fumando e com tédio da vida?
Onde estavam as inebriantes palavras que eu esperava, os contos do mundo
dos sonhos, a divina embriaguez, abolindo a consciência de tudo, o amor
diferente, as carícias sem forma nem peso? (QUEIROZ, 2009, p. 133 e 134).
Mais que a dor física, ficou-me dessa primeira entrega uma sensação de
medo e secreta humilhação; aquele gozo, que ele tirava de mim, era tão-só
dele, tão separado de mim, diminuía-me tanto! Eu não ressentia nada do
misterioso prazer cuja aproximação o fizera arquejar como se sofresse, e
depois o deixara sonolento e quieto, atirado na areia, numa espécie de
inconsciência feliz, com o rosto encostado ao meu colo.
Eu estava lúcida, lúcida e magoada, e extraordinariamente triste e medrosa.
Queria que ele me consolasse, me abraçasse, me compensasse de tudo. Porém
Isaac, na sua sonolência, deixava-me estar sozinha, e parecia que minha
função terminara ali – pelo menos até que o seu desejo renascesse.
(QUEIROZ, 2009, p. 175 e 176).
Vemos que tanto Conceição quanto Guta são desiludidas com o sertão e com o
amor entre homem e mulher. Conceição não agüenta viver na miséria contida no sertão
sem intelectualidade, e Maria Augusta não suporta o que lhe é determinado no sertão.
Sendo assim, as duas personagens correm atrás de sua felicidade fora do sertão.
Já em relação ao amor, Conceição não se entrega a Vicente por causa do nível de
conhecimento, e Guta se entregou a Raul e a Isaac, porém, os dois a decepcionaram
profundamente, fazendo com que Guta não entendesse como o amor funcionava.
3. Conclusão
Chegamos à conclusão de que em Conceição de O Quinze e Maria Augusta de
As três Marias, Rachel de Queiroz nos apresenta duas personagens que apesar de
viverem rodeadas de uma religiosidade exagerada e de uma sociedade de espera forte
diante da mulher, lutaram para viver livres tanto dessa religião quanto dessa sociedade
que a faziam infelizes. Conceição e Maria Augusta representam as mulheres, que ainda
hoje, em pleno século XXI, ainda lutam contra a opressão de uma religião hipócrita e de
uma sociedade injusta.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. 43. ed. São Paulo: Cultrix,
2006.
MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira. 6. ed. São Paulo: Cultrix, 2001.
______; PAES, José Paulo (org). Pequeno dicionário de literatura brasileira. São
Paulo: Cultrix, 1969.
Queiroz, Rachel de. As três Marias. 25. ed. Rio de Janeiro: José Olímpio, 2009.
Queiroz, Rachel de. O Quinze. 75. ed. Rio de Janeiro: José Olímpio, 2004.
Introdução
Este trabalho tem como principal objetivo analisar, a partir de dados obtidos em
nossa dissertação (GONDIM, 2004), as estratégias de construção de sentidos, sobretudo
as repetições utilizadas pelos participantes, alunos do 5º ano de uma escola pública
municipal de Fortaleza. As atividades desenvolvidas com os alunos se configuraram sob
quatro momentos: a) 1ª Recontação de uma narrativa conhecida pela criança; b) leitura
individual da história completa; c) 2ª Recontação da história recém-lida; e, d) 3ª
Recontação da mesma história anteriormente lida e recontada pelo aluno, realizada em
média quatro meses depois da primeira atividade.
As estratégias de formulação de textos, foco deste artigo, requerem de seu
produtor a execução de atividades distintas, explícitas no uso da linguagem, cujas
manifestações surgem nas duas modalidades. No entanto, faremos uma análise das
repetições, expressas na materialidade lingüística dos recontos infantis produzidos pelos
sujeitos de nossa pesquisa.
1
Mestre em Educação - UFC, Especialista em Psicopedagogia-UFC, Graduada em Letras -UECE.
Doutoranda em Lingüística-UFC. O presente trabalho contou com o apoio CAPES-FUNCAP.
2
Graduada em Psicologia - Université Paris VIII, Mestre em Educação - Université
Paris V- Doutora em Educação - Université Paris V. Pós doutorado - Institut National
de la Recherche Pédagogique- Paris. Professora de Psicologia da Educação- UFC
exemplo, que a repetição também pode assumir um papel de ênfase, o choro da menina
sendo mencionado duas vezes pode nos indicar a intensidade do pesar sentido pela
Polegarzinha e transferido para a criança no momento da recontação.
Também, a repetição apareceu nos recontos para expressar uma continuidade
temporal, como nos mostra o exemplo extraído da 2ª Recontação de José, na história A
Bela Adormecida:
O9B3. aí... passou... passou mais um mês...aí eles tiveram... aí chamaram as três boas
fada... aí na hora que as... as fadas tava coizando... né?
A criança para nos mostrar a dinamicidade temporal dos acontecimentos da
narrativa, apresentou a repetição do verbo passar: passou passou mais um mês até que
tiveram a menina. Essa construção parece nos indicar que a criança visualiza o
desenrolar das ações acontecidas em um tempo. No entanto, a ficção e a realidade se
misturam, pois a criança não se atém a determinar um tempo real de gestação, no caso
nove meses, satisfeita em expressar que o tempo passou e a menina nasceu.
Outro aspecto da repetição, observada nos recontos, é concernente a utilização
dessa atividade estratégica para a recuperar alguma informação da história que, no
momento da narração oral, foi esquecida pela criança. Assim, o recontador repete a
palavra para resgatar um dado perdido em sua memória, assegurando a interação com o
seu interlocutor. Koch (2001, p.101) denomina essa estratégia como auto-repetição, pois
é produzida pelo falante devido a uma exigência de ordem cognitiva-interacional, tendo
como principal função ganhar tempo para o planejamento de sua fala. Observemos o
exemplo:
O7B2. ela pegou... ela pegou botou...fez um feitiço num grão de éh:: de um grão... um
grão... um grão...
Nesta ocorrência, a criança não lembrava que tipo de grão a bruxa utilizou para
fazer o feitiço, o grão mencionado no livro lido era o de cevada. Provavelmente, esse
termo não fazia parte do contexto da criança, por isso, embora ela tenha se esforçado
para lembrar, o que nos faz averiguar devido à repetição da palavra grão, ela não
conseguiu especificá-lo. Dessa atitude da criança, podemos inferir que o tipo grão -
cevada, ou não se deslocou para a memória de longo prazo no momento da leitura
porque a criança não conseguiu associá-lo a nenhum de seus conhecimentos prévios ou,
naquele momento da recontação, a criança não conseguiu recuperá-lo de sua memória.
fato que nos confere compreender o seu processo de produção sem correções prévias
para sua exposição.
Considerações finais
Em vista da análise desses fragmentos textuais, reconhecemos que as repetições
nos possibilitaram visualizar mais de perto os caminhos que levaram a compreensão e a
(re)produção das histórias pelas crianças que participaram de nossa pesquisa. Para dotar
o texto de sentido em relação ao tempo decorrido, à continuidade e a intensidade das
ações, os narradores utilizaram a estratégia da repetição, como um recurso lingüístico-
discursivo e cognitivo para construção dos sentidos que eles intencionavam produzir no
ouvinte.
Essas estratégias estudadas a partir das repetições foram possíveis pela presença
da literatura infantil nas atividades realizadas na escola, em especial, os contos que
trazem em sua essência a marca da oralidade e a arte de recontar, arte muitas vezes
destinadas apenas ao professor, fato que tem limitado a aprendizagem e a ênfase em
textos orais na escola.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
KOCH, I. G.V. O texto e a construção dos sentidos. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2001.
(Caminhos da Lingüística).
GONDIM, M.V.C. Conta outra vez...: O texto literário como suporte mediador do
desenvolvimento de narrativas orais. Dissertação. (Mestrado em Educação).
Universidade Federal do Ceará - UFC. 2004. 333f.
Introdução
A partir da década de 1930 inaugura-se no Brasil um novo estilo de pesquisa
científica: o ensaio sociológico. Nesses ensaios, em vez de analisar grandes
acontecimentos históricos (como as guerras de Canudos, do Paraguai, a Independência
do Brasil, entre outros) a novidade é estudar a formação da sociedade, da cultura
brasileira.
Utilizando-se da Antropologia, da História, da Geografia e da Sociologia
estudiosos como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior, por
exemplo, se tornaram clássicos da Sociologia brasileira e contribuíram profundamente
para os avanços dos estudos nessa área. “(...) O maior mérito de suas primeiras obras é
ter oferecido uma visão moderna da sociedade brasileira. Sempre apegados à pesquisa
histórica, eles nos legaram interpretação de nossa tradição, em imagens que cobrem a
formação do país desde as origens” (WEFFORT, 2006, pág. 279.)
Nessa perspectiva, de tentar entender a formação da sociedade brasileira,
usaremos como mote teórico o conceito de Personalismo de Sérgio Buarque de Holanda
a partir do personagem histórico que foi/é Antônio Conselheiro. Basearemos nossos
estudos no filme brasileiro “Guerra de Canudos”, de Sérgio Rezende.
1
Bacharelanda em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Ceará – UECE.
2
Bacharelanda em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Ceará – UECE.
3
Mestre em Literatura comparada pela Universidade de Dijon na França e Professora do Curso de Letras
da Universidade Estadual do Ceará – UECE.
Prova disso é que, se pararmos para analisar, nas nações ibéricas assim como no
Brasil a relação entre cultura da personalidade e legitimação do poder central
perceberemos que há uma anarquia das instituições e dos costumes, onde não se respeita
as autoridades ou mesmo a hierarquia. Pessoas personalistas resistem em obedecer – é
como se não aceitassem a hierarquia, o poder central, já que “bastam a si mesmas”.
Cabe lembrar, também, que Portugal, como um país marcadamente cristão,
viveu intensamente o período das Cruzadas4 - isso nos mostra como o personalismo
estava enraizado na metrópole. Participar das Cruzadas era privilégio de alguns e
conseguir provar esse caráter de independência do homem perante os outros era uma
virtude para os povos ibéricos. Fazer parte nessas expedições era uma oportunidade que
se tinha de provar seu merecimento, suas qualidades e virtudes, mesmo que, e
principalmente, não fosse nobre (de sangue).
No Brasil esse culto da personalidade chegou até nós através da colonização
portuguesa com auxílio da política de povoamento, a princípio, adotada: Capitanias
Hereditárias ou Sesmarias. As sesmarias eram grandes faixas de terras doadas pelo rei
de Portugal à pessoas (cidadãos portugueses chamados de donatários) que se
4
Expedições militares de cunho religioso contra os mulçumanos que tinham com objetivo tomar as
consideradas “Terras Santas” e pô-las sob domínio cristão.
encarregariam de produzir nelas. Por serem muito extensas essas propriedades ficavam
muito isoladas umas das outras, por isso era importante e/ou necessário que fossem
“auto-dependentes” – ou que buscassem isso.
Durante esse período (Colonial) não havia cidades. As relações sociais se davam
nas grandes propriedades rurais. A figura do senhor de engenho dominava e era
cultuada tanto na Casa Grande quanto na Senzala e as pessoas legitimavam essa
autoridade – começa aí, no Brasil, o enraizamento do culto a personalidade – todas as
decisões giravam em torno do senhor de engenho. Dessa maneira, as famílias assumiam
caráter de “Repúblicas”.
A partir daí, Conselheiro era entendido como uma ameaça que deveria ser
exterminada junto com sua cidadela. E após três tentativas frustradas, a quarta e última
expedição conseguiu, finalmente, destruir/eliminar do mapa brasileiro o que um dia foi
Canudos. Entretanto não conseguiu apagar da história do país a grande figura que foi
Antônio Conselheiro, muito menos a charqueada (como se refere Euclides da Cunha ao
massacre feito à Canudos) proferida a cidadela do beato. E assim, mas uma vez, “ficou
na história a definição célebre da ‘questão social’ como ‘questão de polícia’. As
reivindicações sociais diriam respeito à ordem pública cabendo ao governo tratar como
desordeiros os que ousassem apresentá-las como demandas ao Estado” (WEFFORT,
2006, p. 225).
Conclusão
Como dizia Sérgio Buarque de Holanda, o triunfo de uma idéia é o triunfo de um
personalismo sobre outro. Percebemos isso no caso acima estudado. Vemos, desse
modo, o personalismo de Conselheiro se sobrepondo à oligarquia sertaneja.
A intenção de Conselheiro não era uma mudança na estrutura social do nordeste,
era, antes de tudo, uma espécie de fuga de uma situação miserável na qual se achavam.
Ele não criticava o sistema republicano em si e como um todo; não propunha uma
modificação desse sistema; muito menos questionava o poder dos coronéis. Apenas não
concordava com algumas modificações que vieram junto com a “luz e o progresso da
República” – como, por exemplo, o pagamento de impostos, o casamento civil [fora da
igreja], entre outros. A grande idéia suscitada por ele era a de fundar uma comunidade
onde “pela vida limpa e piedosa e pelo sofrimento, os fiéis se preparassem para o Reino
de Deus” (CÁRCERES, 2007, p. 252-253).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CÁRCERES, Florival. História do Brasil. 1. ed. São Paulo: Editora Moderna, 1997.
CUNHA, Euclides da. Os Sertões. 1. ed. São Paulo: Editora Rideel, 2000.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 2004.
WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Editora Cultrix, 2000.
Introdução
José de Alencar foi o grande defensor de uma literatura legitimamente brasileira,
no âmbito lingüístico, na valorização da natureza e do índio. O autor defendia que nossa
literatura deveria basear-se na exuberância da natureza, na valorização do indígena e
buscar uma dicção mais brasileira. Esses pensamentos foram comuns a muitos teóricos
do século XIX, dentre eles Gonçalves de Magalhães, que até então era considerado
como o maior literato brasileiro por ter iniciado o nosso movimento romântico com
Suspiros Poéticos e Saudades, em 1836.
Em 1856 Gonçalves de Magalhães publica, patrocinado pelos cofres públicos e
em uma edição luxuosíssima, o poema épico A Confederação dos Tamoios, que
intencionava ser a epopeia nacional, um quadro do herói brasileiro e a identidade de
nosso povo.
Nesse período, o escritor cearense que estava como redator chefe do Diário do
Rio de Janeiro, iniciou a publicação de uma série de cartas em que explorava
exaustivamente A Confederação dos Tamoios. Essas cartas chegaram a um total de oito
e apontavam falhas que iam desde a cadência dos versos até a forma como o autor
descrevia a cor do Brasil.
Lendo as cartas, percebemos uma forte ligação entre as ideias nelas apresentadas
e os livros indianistas de José de Alencar: O Guarani (1857), Iracema (1865) e
Ubirajara (1874). O que nos leva a perceber a existência desta ligação? Que relação há
entre as cartas e os livros citados? O que o motivou a publicar tais cartas? Existem
resquícios das cartas nas obras indianistas alencarinas?
1
Graduando do curso Letras Literatura/Português da Universidade Federal do Ceará.
2
Graduanda do curso Letras Literatura/Português da Universidade Federal do Ceará.
3
Doutor em Letras pela Universidade Federal Fluminense, Brasil (2006). Atuação em Literatura
Comparada. Professor Adjunto da Universidade Federal do Ceará, Brasil.
Metodologia
Este trabalho trata de um estudo comparativo entre as obras indianistas de José
de Alencar e a crítica feita A Confederação dos Tamoios. Nossa pesquisa tem por
objetivo verificar se nas cartas existem elementos embrionários das obras indianistas,
partindo da ideia de que os problemas apontados por Alencar foram “solucionados” nas
suas obras.
Analisamos as principais ideias defendidas pelo autor nas Cartas sobre a
Confederação dos Tamoios, e em seguida demos início à leitura de Iracema, O Guarani
e Ubirajara, observando as influências das ideias contidas nas cartas sobre essas obras.
Confrontamos os principais pensamentos escritos por Alencar em suas cartas,
com passagens das suas obras indianistas e chegamos a conclusão que os pontos
observados por ele como falhas na obra de Gonçalves de Magalhães foram solucionadas
ao compor seus personagens: Iracema, Peri e Ubirajara.
Resultados e Discussão
Utilizando-se do pseudônimo Ig, referente a Iguaçu, heroína do poema de
Magalhães, Alencar, em sua primeira carta começa afirmando: “Não é um juízo crítico
que pretendo escrever sobre o poema do Sr. Magalhães, nem tenho habilitações, nem
tempo para o fazer com a calma e o estudo preciso” (ALENCAR, 1960,P.864). Mas o
que se observa no decorrer da leitura é uma crítica ferrenha, feita com muito
detalhamento e erudição. Isso nos leva a crer que as falhas apontadas seriam
solucionadas, a posteriori, nas obras indianistas do autor: O Guarani, Iracema e
Ubirajara, visto que elas apresentam um aprimoramento das ideias apresentadas. A
respeito disto afirmou Araripe Júnior: “As cartas sobre A Confederação dos Tamoios,
portanto, nenhum nome melhor teriam do que este: – plano da epopeia que José de
Alencar teria feito, se se colocasse no lugar de Magalhães” (JÚNIOR, 1980, p.148).
O autor de Iracema defendia que a literatura brasileira deveria ter por base não
só a valorização de um herói nacional – papel que deveria ser assumido pelo índio –,
mas também sua produção em língua portuguesa ao modo americano; ele não via em
Magalhães a melhor pintura de nossa terra e de nosso epônimo. Sobre de que maneira
Magalhães descreveu o índio, Alencar diz: “o autor não aproveitou a ideia mais bela da
pintura; o esboço histórico dessas raças extintas, a origem desses povos desconhecidos,
as tradições primitivas dos indígenas, davam por si só matérias a um grande poema”
(ALENCAR, 1960, p.865).
Quanto à metrificação dos versos d’A Confederação dos Tamoios, Alencar
afirma:
Cecília não pode reprimir um sorriso ouvindo esse silogismo rude, a que
linguagem singela e concisa do índio dava uma certa poesia e originalidade.
(ALENCAR, 2006, p.60)
O índio começou, na sua linguagem tão rica e poética, com a doce pronúncia
que parecia ter aprendido das auras da sua terra. (ALENCAR, 2006, p.109)
Álvaro fitou no índio um olhar admirado. Onde é que este selvagem sem
cultura aprendera a poesia simples, mas graciosa; onde bebera a delicadeza
da sensibilidade que dificilmente se encontra num coração gasto pelo atrito
da sociedade? (ALENCAR, 2006, p.137)
A nosso ver, o autor de O Guarani responde àqueles que não viam poesia na
linguagem indígena (VARNHAGEM, 1850). Essa linguagem poética, para ele,
provinha da natureza e para compreendê-la era necessário se desfazer do olhar do
homem civilizado.
O autor aponta como falha, em A Confederação dos Tamoios, a abertura do
poema, que considera indigna de uma epopéia. Baseia-se em Milton, Homero, Camões
e Tasso para nos afirmar que um poema épico deve abrir-se por um quadro majestoso,
por uma cena digna do elevado assunto de que vai tratar, diz ele: “não se entra em um
palácio real por uma portinhola travessa, mas por um pórtico grandioso” (ALENCAR,
1960, p.866). E sobre o assunto afirmará: “a poesia, tenho medo de dizê-lo, não está na
altura do assunto (...) a descrição do Brasil inspira-me mais entusiasmo do que o Brasil
da descrição” (ALENCAR, 1960, p.866).
Em O Guarani, estruturado epicamente, lemos o primeiro capítulo como se
olhássemos para um painel. A descrição do cenário realizada pelo escritor servirá de
palco para o restante do livro; o quadro descrito torna-se grandioso e realmente nos faz
visualizar uma pintura magistral, podendo ser imaginado a partir da rica e detalhada
descrição do ambiente que é dada pelo autor. Este afirma que tal pintura não é
encontrada na obra de Magalhães “É força dizer, meu amigo, que o Sr. Magalhães não
só não conseguiu pintar a ossa terra, como não soube aproveitar todas as belezas que lhe
ofereciam os costumes e tradições indígenas” (ALENCAR, 1960, p.866).
Alencar censura a ausência de uma descrição mais real da beleza das índias de A
Confederação dos Tamoios. Para ele, as ações e a aparência da heroína de um poema
indianista deveriam, no mínimo, estar voltadas para a valorização dessas mulheres.
Ao criar o tipo Iracema, o autor cearense teve a preocupação de não cair no erro
cometido pelo autor de Suspiros Poéticos e Saudades; em Iracema, observa-se o
detalhamento de todas as atitudes tomadas pela heroína. Encontramos na terceira carta o
que poderia vir a ser a personagem, na qual o autor faz a descrição da imagem da bela
índia, já tendo sido idealizada por ele, antes mesmo de ter escrito a obra. Tendo isto em
conta, comparemos a citação encontrada na terceira carta com a descrição de Iracema
encontrada no segundo capítulo da obra homônima, respectivamente:
É nítido como Alencar soube dar a seus personagens a verdadeira essência épica,
transmitindo valores nobres e fazendo com que ações magnânimas envolvessem os seus
heróis.
Magalhães pecou inclusive na escolha da estrutura usada para narrar as ações de
nosso povo, quando optou pelo uso da epopeia clássica. Alencar não via nesta forma a
melhor estrutura para se narrar a formação de nossa nacionalidade, pois compreendia
que a época exigia uma nova forma de expressão “A forma com que Homero cantou os
gregos não serve para cantar os índios” (ALENCAR, 1960, p.876/976).
Por possuir a convicção de que o uso da epopeia já estaria fora de contexto, via
ele, então, que, naquele momento, o romance seria a forma mais adequada por
apresentar maior flexibilidade na expressão. Sobre a estrutura que mais se adequaria,
Afrânio Coutinho disse sobre Magalhães: “ainda procurava escrever longos poemas
épicos, sob imediata inspiração do que então se fazia no velho continente; não tinha,
portanto, uma compreensão muito justa do problema brasileiro” (ALENCAR, 2002,
p.253). Havia em Alencar a preocupação de desvencilhar a literatura brasileira do estilo
clássico realizado pelos portugueses. Para Alencar “a expressão ardente e animada de
nossa literatura não casa com essa lenta e pausada inflexão da frase antiga”.
Conclusão
Alencar, sempre motivado a escrever uma literatura nacional, cantou o nosso
herói como nenhum outro. Preocupado em criar uma nova maneira de escrever, criou
um estilo peculiar, uma prosa poética. Portanto, José de Alencar, além de crítico,
escritor, teatrólogo, era, acima de tudo, um inovador. Possuindo sempre consciência do
que realizava, realizou umas das mais belas maneiras de escrita em nossa literatura.
Se compararmos o índio de Magalhães aos índios de Alencar, não será possível
concluir que Ubirajara e Peri são tudo que Aimbire não foi? Se nos apoiarmos nos
pensamentos clássicos de Homero, Tasso e Virgílio quanto à formação de um herói
épico, concluímos afirmando que Alencar segue à risca a composição de um herói
épico, o que torna seus personagens superiores aos de Magalhães.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
O mal já era uma questão amplamente discutida bem antes da Idade Média,
mas foi neste período que ganhou atenção redobrada, a partir da concepção cristã
ocidental. A Igreja cuidou de separar o joio do trigo definindo o que era bom e o que
não era segundo a vontade de Deus; dessa forma, deteve todo o poder e a autoridade
necessários para ditar as regras que deveriam ser seguidas pelos fiéis obedientes ao
princípio do Bem.
Aqueles que transgredissem quaisquer das normas eclesiais estariam se
insurgindo contra os mandamentos divinos e, portanto, cometendo pecado, conforme
definido o § 1849 do Catecismo da Igreja Católica: “uma falta contra a razão, a verdade,
a consciência reta”.
O Mal, então, passou a pecado, uma vez que “para o cristianismo o nome que
melhor identifica o mal é pecado” (AQUINO, p. xi).
O Quarto Concílio Lateranense, ocorrido em 1215, configurou-se como um dos
mais significativos acontecimentos eclesiásticos da Idade Média no que concerne ao
combate ao pecado. A partir de então, a heresia, um dos males a serem dizimados por
decisão do Concílio, seria combatida com duas penas, de acordo com a declaração de fé
ali publicada.
Com intuito de reforçar seus dogmas e combater toda e qualquer forma de
resistência contra a Igreja, esta instituiu, no século XII, a Tribunal do Santo Ofício
através do Papa Gregório IX. Entre as faltas mais duramente perseguidas pelos “fiscais”
da inquisição estava o sexo, responsável por desviar os fiéis do caminho que os
conduzia a Cristo. Vejamos:
O movimento contínuo da Igreja para aprimorar seu controle sobre o
casamento e eliminar as ligações sexuais irregulares, sua propensão a impor o celibato
clerical, o desenvolvimento de um corpo detalhado e coerente de leis da igreja sobre
assuntos sexuais, definindo e prescrevendo condutas pormenorizadamente, são fatores
como a impotência, vez ou outra, é causada por frieza natural, ou por alguma
outra falha natural, pergunta-se de que modo seria possível distinguir entre a
determinada por bruxaria e a de outra natureza. Hostiense dá a resposta em
sua Summa (embora esta não deva ser pregada publicamente): “Quando o
membro não fica ereto de forma alguma, e nunca é capaz de realizar o coito,
tem-se então o sinal de impotência natural; todavia, quando se excita e fica
ereto mas, mesmo assim, não consegue realizá-lo, tem-se então o sinal de
impotência por bruxaria.” (MALLEUS, 1991(?), p.137)
*Sobre os conceitos operacionais da Teoria da Residualidade, formulada por Roberto Pontes, conferir
Poesia Insubmissa Afrobrasilusa. Rio de Janeiro / Fortaleza: Oficina do Autor / Edições UFC, 1999.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AQUINO, Felipe. Os pecados e as virtudes capitais. São Paulo: Editora Cléofas, 2005.
AQUINO, São Tomás de. Sobre o Mal – Tomo I. Rio de Janeiro: Sétimo Selo, 2005.
BLACKBURN, Simon. Luxúria. São Paulo: Arx 2005. – Coleção Sete Pecados
Capitais.
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA – Edição Típica Vaticana. São Paulo: Edições
Loyola, 2000.
GESCHÉ, Adolphe. O Mal. São Paulo: Paulinas, 2003. (Coleção Deus para pensar, 1)
1. Introdução
Tomei como objeto de estudo o livro Dôra, Doralina, da escritora cearense
Rachel de Queiroz. Publicado pela primeira vez em 1975, a estória é contata pela
personagem Dôra, Doralina, que relata suas memórias, alternando a narração dos fatos
com suas próprias opiniões, idéias e sentimentos. A narrativa ocorre em dois espaços, a
fazenda Soledade, no interior do estado do Ceará e a cidade do Rio de Janeiro, tendo
como recorte temporal três décadas, as de trinta, quarenta e cinqüenta do século vinte.
Dôra, Doralina conta sua estória em duas esferas espaciais principais, marcadas,
cada uma, por um personagem. A estória se passa, então, ora na fazenda Soledade, em
que Dôra aparece sob os olhos da mãe, Senhora (mulher viúva, que administra sozinha
as propriedades da família, exercendo seu poder de mando sobre a filha; as cunhãs, o
genro e os empregados); ora na cidade do Rio de Janeiro, agora não mais submissa à
mãe, mas sim sob a vista grossa do marido, Asmodeu (apaixonado e ciumento, que a
proíbe de continuar atuando, fazendo com que Dôra se transforme em uma simplória
dona de casa).
Analiso, sobretudo, o exercício de mando da personagem Senhora. Como esse
poder era legitimado? Como se estabelecia essa relação de hierarquia entre Senhora, os
empregados e agregados e a filha, Dôra, Doralina? É a partir de uma visão weberiana de
poder que analiso como se dá o processo de legitimação do mando da personagem em
questão.
A pesquisa foi feita baseada em leituras bibliográficas e dentre os autores que
utilizamos para nortear nossa pesquisa, os mais importantes são: Max Weber com o
clássico Economia e Sociedade, Gilberto Freyre, com Sobrados e Mucambos e June
Hanter, em A emancipação do sexo feminino.
1
Universidade Federal do Ceará – UFC.
2
Doutora em Sociologia, professora da Universidade Federal do Ceará – UFC.
2. Quadro teórico
Segundo Weber, dominação é “a probabilidade de encontrar obediência para
ordens específicas (ou todas) dentro de determinado grupo de pessoas” (WEBER, 1994,
p.139). Para o autor, existem diversas formas de dominação, pois esta pode se basear
em diferentes tipos de submissão; as pessoas podem estar vinculadas à obediência ao
senhor, por costume, por afetividade ou por interesses materiais. Porém, esses fatores
não são suficientes para o exercício do mando, juntando-se a estes um outro elemento,
que é o que garante o exercício do poder, a legitimidade. É sob este aspecto que Weber
estuda a dominação.
Para o autor, há três tipos de dominação legítima: a racional, baseada em um
conjunto de regras estatuídas que devem ser obedecidas por quem estar ocupando o
poder; nesta, se obedece a uma ordem impessoal, vista a legalidade das decisões dos
superiores que estão sob a legitimidade das leis; a tradicional, baseada na crença da
verdade das tradições vigentes desde sempre; aqui, se obedece a pessoa do senhor,
devido aos hábitos já cristalizados pelo tempo e a carismática, baseada na simpatia, no
espírito heróico, na idéia de santidade, de bom caráter que se tem de quem domina;
aqui, é suposto um líder que, de alguma forma, consegue obter a confiança dos
dominados.
Ao se casar, Dôra voltou para a casa materna, agora com o marido. Os dois
passaram a viver na Soledade, sem pagar nada. Dôra tinha direito à parte da herança que
lhe cabia, o que, teoricamente, lhe possibilitaria o sentimento de proprietária da fazenda;
todavia, não era isso que acontecia:
Pra dizer tudo, naquela casa de Soledade nunca me senti propriamente uma
dona, mais como uma hóspede que não tinha ninguém por mim nem possuía
nada meu. Eram tudo as comadres de Senhora, as cunhas de Senhora, as
cabras de Senhora. A casa de Senhora, o gado de Senhora. Aliás, ninguém no
geral da fazenda nem mais dizia Senhora - só ‘a Dona’. ‘A Dona quer’, ‘a
Dona mandou’ (QUEIRÓZ, 1994, p.28).
[Laurindo] [e]ra o senhor macho naquela casa de mulheres, parecia até que os
ares mudavam. Se bem que ele não fosse o dono nem mandasse em nada e
pedisse tudo por favor (pois nem ele tinha ousadia de disputar o lugar de
Senhora), mas era o filho querido, o sinhozinho a quem todo mulherio os
fazia os gostos, correndo (QUEIRÓZ, 1994, p.49).
possibilitaria uma posição privilegiada em relação a Senhora, só fez com que as cunhãs
o adulassem; mas, em termos práticos de legitimidade de mando, não surtiu nenhum
efeito. Senhora era o homem da casa e isso ninguém conseguiria mudar, “Só havia um
homem, que era Senhora” (QUEIRÓZ, 1994, p.45).
Antônio Amador, braço direito de Senhora era o único que recebia pagamento,
devido também a um costume, qual seja: a cada quatro bezerros nascidos, um era dele.
Os outros empregados não recebiam nenhum salário fixo. As cunhãs que trabalhavam
na casa não tinham ordenado fixo, dormiam e se alimentavam na casa, à custa do
dinheiro de Senhora. Não há registro de um pagamento mensal pré-estabelecido entre as
partes. Amador, além de vaqueiro foi designado como uma espécie de administrador,
costume corriqueiro: o vaqueiro fazia sempre mais do que simplesmente tomar conta do
gado, como ilustra o seguinte trecho: “[m]as talvez o de admirar é que Amador não
tinha apenas medo dela; também lhe tinha amizade e fazia sem discutir tudo que ela
mandasse. E Senhora confiava nele, lhe queria bem, deixava Amador escolher as
bezerras da sorte [...]”(QUEIRÓZ, 1994, p.186).
Não existia também uma preocupação com a formação dos funcionários; não era
necessária nenhuma especialização para realizar o trabalho na fazenda; as cunhãs
cuidavam da casa, limpavam, cozinhavam, lavavam roupa, faziam alguma costura e isso
se aprendia no dia a dia, com a própria vida. Na dominação tradicional não existe esse
tipo de cuidado, uma vez que as funções desenvolvidas pelos funcionários também são
executadas devido a crença na tradição. Assim como existe a Sinhá que manda, também
existem as cunhãs que obedecem, realizando o trabalho designado pela primeira.
4. Considerações finais
Foi através da teoria weberiana que procuramos explicar de que maneira
Senhora conseguiu fazer valer sua autoridade não só sobre a filha, como também sobre
o genro e os funcionários da fazenda. Utilizando o conceito de dominação tradicional,
abarcamos a realidade apresentada no romance e analisamos os discursos das
personagens, observando uma aproximação entre a lógica apresentada no livro de
Rachel e a que regia organizações sociais existentes no sertão nordestino, conforme
indicado em outras fontes literárias. Se entendermos a literatura como processo
mimético, tendo em mente, claro, que o autor tem autonomia para criar sobre essa
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
QUEIRÓZ, Rachel de. Dora, Doralina. 9. ed. São Paulo: Siciliano, 1992.
SAINT-PIERRE, Héctor L. Max Weber: entre a paixão e a razão. Parte II, Do agir
metódico à decisão valorativa. 2. ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 1994.
Jorge Luis Borges, no conto “Pierre Menard, autor de Quixote”, do livro Ficções
(2007), oferece-nos grande oportunidade de refletir sobre a ideia de escrita e de
originalidade, além da figura do autor e do próprio leitor. Intentando escrever a obra de
Cervantes em pleno século XX, Menard
não queria compor outro Quixote – o que seria fácil – mas o Quixote.
Inútil acrescentar que nunca levou em conta uma transcriação
mecânica do original; não se propunha copiá-lo. Sua admirável
ambição era produzir páginas que coincidissem – palavra por palavra
e linha por linha – com as de Miguel de Cervantes. (2007, p. 38)
1
Por hora não cabe falar das possibilidades que a leitura de um texto literário oferece.
1 – Reescritura e tradução
Não são “escrituras”, como os textos sobre os quais escrevem são; são
“reescrituras”.2
2
Original: Translations, monographs, extracts in anthologies, and literary histories all have two features
in common: they refer to books other than themselves and they claim to represent these books. They have
no reason to exist on their own. They are not “writing” as the texts they write about are; they are
“rewriting”.
3
Importante dizer que, aqui, não será trabalhada a transposição de originais no processo tradutório
atrelada diretamente aos aspectos socioculturais, o que demandaria maior espaço para aprofundamento.
sua língua uma língua estrangeira que não preexiste. Fazer gritar, fazer gaguejar,
balbuciar, murmurar a língua nela mesma” (p. 149). As “«antropofagias» gramaticais”
de Helder sugerem esse mesmo poder de desconstrução e de busca de renovação da
linguagem, das maneiras de expressar o poético. Deleuze afirma ainda que “a literatura
apresenta já dois aspectos, na medida em que ela opera uma decomposição ou uma
destruição da língua materna, mas também opera a invenção de uma nova língua dentro
da língua, por criação de sintaxe” (p. 15-16), e complementa mais à frente: “Para
escrever talvez seja preciso que a língua materna seja odiosa, mas de tal modo que uma
criação sintática trace aí uma espécie de língua estrangeira, e que toda a linguagem
revele o seu exterior, para além de toda a sintaxe” (p. 16). As operações linguageiras
aplicadas por Helder não se restringem à sintaxe, mas ultrapassam e muito a embalagem
da língua, subvertendo os significados usuais, fazendo uma palavra ser muito mais o
que não é efetivamente.
Decorrente dessa tensão da linguagem é o estranhamento do poeta com a sua
própria língua materna. O que poderia causar maior conforto e segurança acaba por
desestabilizar toda a estrutura dos poemas e de sua poética em geral. Assim, é na busca
dessa nova língua, na irrupção de uma voz poética, que Herberto Helder, em um duplo
movimento complementar, destrói e constrói o seu caminho que, como ele mesmo
aponta, é essencialmente feito de questionamentos: “[...] conheço agora a existência de
uma pergunta inesgotável que se formula, se assim posso dizer, pela objectivação dos
arredores evasivos, das alusões, dos sinais remotos” (HELDER, 2001, p.191).
A “pergunta inesgotável” da qual Helder fala é consequência da “dupla falta”
que, no ensaio “A criação do texto literário”, do livro Flores da escrivaninha (1990),
Leyla Perrone-Moisés assinala: “A literatura nasce de uma dupla falta: uma falta sentida
no mundo, que se pretende suprir pela linguagem, ela própria sentida em seguida com
falta” (p. 103). A insatisfação diante do real é o que faz com que o escritor recaia na
ilusão de tentar mostrar o que falta ou de apontar o que deveria ser. Não podemos,
assim, confundir linguagem e vida, pois “a linguagem não pode substituir o mundo,
nem ao menos representá-lo fielmente. Pode apenas evocá-lo, aludir a ele através de um
pacto que implica a perda do real concreto” (p. 105).
Giorgio Agamben, no livro Estâncias (2007), relaciona essa condição da
linguagem com a “fratura original da presença”, e que somente através do “diabólico”
No poema de Poe, vemos a figura do anjo Israfel e seu canto místico que,
comparado ao canto do homem-poeta, encanta e emudece a todos que a ele tem acesso.
Lembremos do canto das sereias, que lança sobre os marinheiros um feitiço de ordem
desconhecida, seduzindo com seu terrível canto e levando-os a sucumbir.
Numa leitura focalizada na criação literária, vemos o canto do anjo que forma o
mundo, céus e terra, que parte de si, de seu corpo, fonte inesgotável da criação literária,
predominantemente orgânica, assim como para Helder o é o do poeta. Assim,
percebemos a confluência entre as duas poéticas, que, nesse caso, multiplicam-se: não
podemos considerar somente Edgar Allan Poe e Herberto Helder, mas também devemos
a Stéphane Mallarmé e a Antonin Artaud a leitura do conjunto. Este último
principalmente, pois Helder muda a primeira versão que Artaud fez, e não o faz a partir
do original de Poe. Percebemos, nessa atitude, mais uma vez, a dessacralização do
original frente as reescrituras empreendidas posteriormente. Helder poderia ter realizado
sua mudança a partir do original de Poe, mas as afinidades entre ele e Antonin Artaud,
tanto na criação quanto na recriação, levou-o a seguir por tal caminho.
Constatamos que, tanto para Artaud quanto para Helder, o processo de tradução
ou reescritura ou mudança em poesia, funde-se ao de criação, na medida em que ambos
não se predem em questões simplificadoras de igualdade, mas, essencialmente,
adentram nas diferenças entre os textos, na impossibilidade de apresentar o mesmo,
abandonando a ideia de imagem-cópia. Assim como na produção, tem-se na reescritura
um forte embate com o abismo da linguagem, a inevitabilidade em lidar com o estranho,
que não é nem a língua materna do tradutor, nem a do poema original, mas a língua
estrangeira da qual Deleuze afirma ser feita a poesia. Assim como Helder desconstroi
sua língua materna em prol de sua poética particular, ele o faz com os textos que de
tanto admirar empreende mudanças e os publica.
acontece com a reescritura. Além do texto fonte, que de alguma maneira deve servir ao
propósito, e sua utilização varia de tradutor para tradutor, de um posicionamento teórico
para outro, ou mesmo de um texto para outro, já que cada texto exige uma atitude
diferente no momento da tradução, cada texto suscita palavras, termos e formas
diferentes, mesclam-se ao ato as leituras pessoais e as escolhas de outra ordem de
subjetividade. Temos uma superposição de subjetividades e, portanto, não mais apenas
um texto. Leyla Perrone-Moisés diz que
REFERÊNCIAS
AGAMBEN, Giorgio. Estâncias. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2007.
BORGES, Jorge Luis. “Pierre Menard, autor de Quixote”. In: ______. Ficções. São
Paulo: Companhia das Letras, 2007.
BORGES, Jorge Luis; FERRARI, Osvaldo. Sobre a filosofia e outros diálogos. São
Paulo: Hedra, 2009.
CAMPOS, Haroldo de. “Da tradução como criação e como crítica”. In: ______.
Metalinguagem & outras metas. São Paulo: Perspectiva, 2006.
COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Belo
Horizonte: Ed. UFMG, 2001.
DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. Lisboa: Edições Século XXI, 2000.
HELDER, Herberto. Doze nós numa corda. Lisboa: Assírio & Alvim, 1997.
HELDER, Herberto. Entrevista. In: Inimigo Rumor, n. 11. Rio de Janeiro: 7letras, 2°
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LEFEVERE, André. Tradução, reescrita e manipulação da fama literária. Bauru, SP:
Edusc, 2007.
LEFEVERE, André. Translating literature: practice and theory in a comparative
literature context. New York: The Modern Language Association of America, 1994.
PERRONE-MOISÉS, Leyla. Flores da escrivaninha: ensaios. São Paulo: Companhia
das Letras, 1990.
1. Introdução
Neste trabalho nos preocupamos em mostrar um ambiente panteísta em Iracema.
A virgem tabajara é uma heroína mítica que está atrelada a uma atmosfera pura,
harmônica e que tudo que precisa busca na natureza.
No decorrer da leitura da obra percebemos que os índios Tabajaras possuem um
respeito pela natureza que o cercam. Como se cada elemento que constitui o espaço em
que vive fizessem parte de um todo, de um universo homogêneo. A obra possui uma
visão Panteísta, ou seja, a personificação de Deus na natureza. Os elementos são
descritos por Alencar em uma esfera, onde só existe uma substância ou natureza, um ser
único e absoluto.
Trabalharemos com a hipótese de que há uma cisão em duas partes: a Iracema
mítica, que vive em uma relação perfeita com a natureza, e a Iracema histórica, que aos
poucos perde a sua essência mítica e que serve de alegoria para contar a história do
Ceará.
2. Fundamentação teórica
Este trabalho tem como foco fazer uma analise em Iracema e descobrir a cisão
onde acontece a passagem da ambiência mítica para a ambiência histórica. Para chegar-
se a esta conclusão baseamos nossos estudos em duas idéias essenciais: panteísmo e
totalidade do ser.
1
Estudante de Letras pela Universidade Federal do Ceará; membro do grupo de estudos José de Alencar –
UFC.
2
Professor Doutor em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense; Professor Adjunto
de Literatura Brasileira na Universidade Federal do Ceará (UFC); coordenador do grupo de estudos José
de Alencar.
3. Metodologia
O desenvolvimento desta pesquisa, de caráter exploratório, deu-se a partir das
leituras de Teoria do Romance, de Georg Lukács em diálogo com o livro Iracema, de
José de Alencar, durante o período de abril a junho de 2009. Acrescenta-se a estas
leituras o conceito de panteísmo de Walter Brugger, muito importante para o
desenvolvimento deste artigo.
Foi feita a leitura desses teóricos e, logo após, fomos identificar no livro de
Alencar trechos que comprovassem a ideia de panteísmo de totalidade do ser.
4. Resultados e discussões
Trabalharemos com a hipótese de que há uma quebra na narrativa de Alencar. O
autor, no inicio da narrativa, trabalha com elementos inseridos em um espaço mítico;
mas acontece uma quebra na narrativa que faz com que Iracema, elemento principal do
espaço mítico, passe para uma ambiência histórica. Dentro desse contexto a personagem
vai servir como elemento alegórico para explicar a história do Ceará.
Quando Martim diz: “quebras comigo a flecha da paz?”, vemos uma simbologia
dessa cisão. Seria o acontecimento primordial que divide a narrativa: a Iracema mítica
vai dando espaço para a histórica. Nesse momento, Alencar demonstra muito bem o
primeiro contato do branco com o índio. Este vive em um mundo livre, independente,
sem nenhuma interferência. Mas o branco vai ser o responsável por mudar os costumes
do nativo. Iracema, como vimos, vivia em um mundo harmônico. Tinha estreita relação
com os seres da natureza, mas aos poucos a virgem dos lábios de mel vai perdendo esse
caráter mítico. Ao fazer a escolha de como quer viver, se entrega à paixão.
— Estrangeiro, Iracema não pode ser tua serva. É ela que guarda o segredo
da jurema e o mistério do sonho. Sua mão fabrica para o pajé a bebida de
Tupã (ALENCAR, 2005, p.101).
Iracema, depois que ofereceu aos guerreiros o licor de Tupã, saiu do bosque.
Não permitia o rito que ela assistisse ao sono dos guerreiros e ouvisse falar os
sonhos (ALENCAR, 2005, p.195).
Quando acontece a cisão, Iracema escolhe seguir Martim e desde então vai
perdendo o caráter mítico. No próximo trecho fica clara a submissão da índia ao
europeu
Ao longo da narrativa, a virgem de tupã se envolve cada vez mais e nutre uma
dependência pelo homem branco; um choque de culturas que a atrai e,
conseqüentemente, a distancia de suas raízes.
Alencar vai contando as ações da virgem enquanto tira-a do cenário mítico. A
jandaia, que no começo da narrativa era a sua mais fiel companheira e amiga, é deixada
de lado, simbolizando o afastamento de Iracema e seu desligamento com a natureza.
Agora podia viver com Iracema, e colher em seus lábios o beijo, que ali
viçava entre sorrisos, como o fruto na corola da flor. Podia amá-la, e sugar
desse amor o mel e o perfume, sem deixar veneno no seio da virgem.
O gozo era vida, pois o sentia mais vivo e intenso; o mal era sonho e ilusão,
que da virgem ele não possuía mais que a imagem (ALENCAR, 2005,
p.187).
Alencar continua a narração e, até então, a índia vive feliz com o branco. Não
lembra da sua tribo e não se arrepende de ter deixado a terra. O elo de ligação entre a
índia e Martim aumenta cada vez mais. Porém, Martim começa a ficar entediado com a
convivência com Iracema e lembra da virgem que deixou na Europa. Viver ali já não é o
suficiente, ele precisa voltar para a sua terra. Começa então a sair em jornadas com Poti
para ajudar os Pitiguaras a combater outra nação indígena, uma forma de refúgio,
deixando Iracema sozinha e grávida.
A triste esposa e mãe só abriu os olhos, ouvindo a voz amada. Com esforço
grande, pôde erguer o filho nos braços e apresentá-lo ao pai, que o olhava
extático em seu amor.
— Recebe o filho de teu sangue. Chegastes a tempo; meus seios ingratos já
não tinham alimento para dar-lhe! (ALENCAR, 2005, p.315).
É importante destacar que embora Iracema, nesta parte da narrativa, seja uma
alegoria para contar a história do Ceará e nela já não predomina a essência mítica, a
índia de Alencar ainda possui uma relação com a natureza. Está em territórios novos,
mas ela sabe como conseguir o que precisa. Porém, já não tem o mesmo equilíbrio que
tinha no início da narrativa, a esposa de Martim começa a ficar triste e sente a falta de
seu esposo.
5. Conclusão
Após a análise exposta neste trabalho, confirmamos que existe uma quebra na
narrativa. O cenário descrito por Alencar faz com que percebamos de forma clara esta
cisão. A virgem tabajara, no início do romance, é inserida num mundo mítico e de
acordo com o desenvolvimento dos fatos se desloca para um mundo histórico.
Este trabalho é muito importante, pois serve como ponto inicial para se
desenvolver um trabalho maior, ou até mesmo, outras pesquisas, baseadas nas ideias
metafísicas expostas aqui. O mundo alencarino é muito rico. Sempre haverá nas obras
de José de Alencar algo para se pesquisar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALENCAR, José de. Iracema: lenda do Ceará - 140 anos. Edição bilíngüe e reprodução
fac-similar do francês de 1928. Org. Ângela Gutierrez e Sânzio Azevedo. Fortaleza:
Editora UFC, 2005.
BRUGGER, Walter. Dicionário de Filosofia. 3. ed. São Paulo: Editora Pedagógica e
Universitária, 1977.
COUTINHO, Afrânio. Literatura no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Editorial Sul
Americana, 1969.
LUCÁKS, Georg. Teoria do Romance.São Paulo: Editora 34, 2000.
1
Doutoranda em Literatura Comparada/UFRN.
2
Professor do Programa de Pós-Graduação em Letras/UFC.
3
Professor do Departamento de Letras/UFRN.
4
A Teoria da Residualidade, no campo dos estudos literários, foi desenvolvida pelo pesquisador Roberto
Pontes (1999), segundo o qual “a residualidade é aquilo que remanesce de um tempo para outro, podendo
significar a presença de atitudes mentais arraigadas no passado próximo ou distante” (PONTES, R.,
2003, p. 88, Nota 3).
para deleite amoroso. Assim como a “Ilha dos Amores”, de Camões, é, alegoricamente,
a recompensa pelas lutas dos navegantes, Pasárgada é compensação de tudo o que
Bandeira não podia fazer por causa da doença. Os nautas repousam “Do trabalho que
encurta a breve idade” e o eu-lírico bandeiriano deita-se à beira-rio e “[manda] chamar a
mãe-d’água” que, na cultura popular, é a Yara, certamente, a mesma figura que os
nautas avistam “lá no meio / Das águas algũa ínsula divina / Ornada de esmaltado e
verde arreio”.
A quarta estrofe de “Vou-me embora pra Pasárgada”, verso 6, nos faz saber do
último resíduo literário encontrado n’Os Paraísos Artificiais (1851), de Charles
Baudelaire.5 A substância química, citada por Bandeira no poema, encontra consonância
com as drogas “Do vinho e do Haxixe”, referidas por Baudelaire. Essa equivalência
pode ser lida no seguinte comentário de Mário Pontes no artigo, que precede a obra do
autor francês:
5
Bandeira foi leitor d’Os Paraísos Artificiais, de Baudelaire, pois comenta a respeito desta em “Flauta de
Papel” (BANDEIRA, 1997. p. 135).
6
Bandeira também escreve a propósito do vinho em “Bacanal” (Carnaval) e registra outra droga no
poema “Não sei dançar” (Libertinagem).
longos anos. Mas encontrou na poesia braços acolhedores que o mantiveram altivo até
os 82 anos. Em Pasárgada, viveu “pelo sonho o que a vida madrasta não [lhe] quis dar”.
Bandeira admite que o nome Pasárgada suscitou-lhe uma “paisagem fabulosa”, como o
“L’Invitation au voyage”7 de Baudelaire. Esse “país de delícias” também guarda certa
aproximação com a obra Utopia, de Thomas Morus e com a obra República, de Platão.
Nesta, o filósofo grego idealiza uma cidade ideal, constituída por homens perfeitos, pois
exerciam bem as funções atribuídas pela polis. Porém, no campo do poético, tanto
Baudelaire quanto Bandeira, apenas idealizaram um lugar de delícias. Já, os escritos de
Thomas Morus e Platão projetaram um modelo político, com a pretensão de ser seguido
pelos políticos. Pasárgada não é propriamente uma utopia, pois nela temos o reino em
que Bandeira projetou sua energia criativa, desprendeu-se da poesia formal, deixou-o
livre para soltar a imaginação. A inventividade no seu jogo bandeiriano permitiu a
realização de um fazer amadurecido, longe de qualquer proibição, academicismo caduco
ou senso lógico. Não somente Pasárgada, mas toda a lírica de Libertinagem é
independente de formas rígidas, coincidindo, no plano semântico, com o tudo que é
permitido na ilustre cidade do poeta.
Em “O Pintor da Vida Moderna”, de Charles Baudelaire, encontramos maior
ressonância entre esses dois poetas. Leiamos suas palavras:
7
Em “O convite à viagem”, poema que integra a obra As Flores do Mal, de Baudelaire, há,
semelhantemente à Pasárgada, um lugar, vivido na fantasia do eu-lírico baudelaireano, de beleza, de
liberdade e de exuberância (BAUDELAIRE, 2002, p. 145).
O francês atribui à infância a força salvadora para quem está num período de
convalescença; já o brasileiro encontrou, na arte, pelo viés da infância, a força e o prazer
para a cura da doença. No poema “À Sombra das Araucárias”, de A Cinza das Horas,
admitiu ser a arte a “fada que transmuta / E transfigura o mau destino.” Não obstante,
encontra, na poética da infância, o testamento que o torna dono da Pasárgada, sua
“ilustre cidade”. O poeta admitiu a verdade de sua vida no âmbito poético e “só no chão
da poesia [pisou] com alguma segurança” (BANDEIRA, 1997, p. 346). Benjamim
Abdala explica:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABDALA Jr., Benjamim. Utopia e Memória Cultural: Literaturas e Línguas. In: Anais
do 2º Congresso da Abralic. V. I. Belo Horizonte, 1991, p. 551-561.
AGUIAR, Rosiane de S. Mariano. Das cinzas à Pasárgada: a infância como itinerário
na lírica bandeiriana. Dissertação (Mestrado em Literatura Brasileira). 139 f. Fortaleza:
Programa de Pós-Graduação em Letras da UFC, impresso, 2007.
BANDEIRA, Manuel. Estrela da Vida Inteira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986.
______. Seleta de Prosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
BAUDELAIRE, Charles. O Pintor da Vida Moderna. In: Poesia e Prosa. Rio de
Janeiro: Nova Aguilar, 2002, p. 851-881.
______. Os Paraísos Artificiais. In: Poesia e Prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,
2002, p. 351-366.
______. As Flores do Mal. In: Poesia e Prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002, p.
102-256.
BULFINCH, Thomas. O livro de Ouro da Mitologia: História de Deuses e Heróis. São
Paulo: Ediouro, 2001.
Introdução
Este trabalho contextualiza a Prosa Doutrinária na sócio-história em que se
desenvolve, quando da instauração da Dinastia de Avis e a constituição de uma nova
corte, de cuja instrução moral e técnico-científica dependia a sua aceitação pelas demais
cortes européias. O registro do conhecimento técnico-científico nas obras então
produzidas as torna excelentes fontes históricas, a exemplo do Livro da Cartuxa,
compilação de textos sobre os temas mais variados, como administração, astronomia,
economia, educação, engenharia, política, saúde e tradução, anotados por D. Duarte
entre os anos de 1423 e 1438.
O objetivo deste estudo é analisar o vocabulário de 25 capítulos do Livro da
Cartuxa que versam sobre Medicina, Farmácia e Nutrição, o qual registra o
conhecimento, nestas áreas, de que os portugueses quatrocentistas eram dotados.
Analisam-se aqui os vocábulos distribuídos por 04 campos semânticos: 1. doenças e
sintomas; 2. saúde; 3. tipos de medicamentos e 4. unidades de peso e medida.
A hipótese testada é a de que o vocabulário dos capítulos analisados testemunha
conhecimentos, práticas e crenças peculiares à ciência medieval, havendo, em cada
campo semântico, formas hoje caracterizadas como arcaísmos ou obsoletas. A
fundamentação teórica se pauta na Teoria dos Campos Semânticos, conforme proposta
por Trier (1931) e a metodologia empregada é constituição de campos semânticos
mediante análise semasiológica do vocabulário do corpus.
Concluiu-se pela corroboração da hipótese, dado que todos os campos
semânticos investigados registram vocábulos que já não mais se usam ou que sofreram
mudança semântica.
1
UFPI/UFC/CAPES.
Metodologia
Analisados os 97 capítulos do Livro da Cartuxa, selecionaram-se 24, um dos
quais desdobrado em 02 textos, perfazendo o total de 25 textos. Atribuímos a estes
capítulos tornados corpus de pesquisa uma nova numeração de 01 a 25. Dado alguns
textos estarem inseridos em capítulos mais extensos, com temática distinta da que ora
nos interessa, procedemos ao recorte dos mesmos. Mantiveram-se títulos ou partes de
títulos atribuídos pelo editor, para identificação do conteúdo dos textos.
Constituem o corpus deste estudo os textos abaixo relacionados, aqui
apresentados com a numeração que lhes atribuímos e o número do capítulo consoante a
edição diplomática de Alves Dias. Um asterisco (*) indica os textos que não tiveram o
seu título ou parte deste considerado na análise dos dados do corpus e o duplo asterisco
(**) indica não ter sido o texto considerado na íntegra. [01, 16] [Carta do Doutor Diogo
*, **
Afonso] (excerto 1) ; [02, 16] [Carta do Doutor Diogo afonso] (excerto 2) *, **; [03,
69] Este Regym(en)to deue ter o que filhar os pos do teixugo; [04, 70] Esta he reçepta d
agoa p(er)a dor d olhos; [05, 71] Reçepta de mezinha v(er)de p(er)a os olhos; [06, 72]
*,**
Regimento que fez o muy claro s(e)n(ho)r rey dom eduart(e) ; [07, 73] P(er)A as
tetas das molheres quando paryrem.; [08, 74] P(er)a restringuyr o fluxo do ue(n)tre; [09,
75] Contra as febres q(ue) no(n) uenha(m) e contra outras muytas dores de dentes; [10,
76] Esta mezinha he boa p(er)a a frieldade que esta no oso ou Ju(n)tura; [11, 77] Esta he
a reçeita das mezinhas q(ue) prestão p(er)a a corrença segundo os remedios que a fernão
da Sylua foro(m) feitos, Prymeiram(en)te no Começo da dita corrença; [12, 78]
Mezinha p(er)a quando cae(m) os mamilos; [13, 79] Mezinha p(er)a a corre(n)ça; [14,
81] Regime(n)to que o home(m) deue d(e) ter p(er)a auer em pouco tempo boa lena, e
he este o qual deu a el rey noso s(enh)or mosse(m) Joa(m) marsala e lhe dise que o
ouuera do seniscal de frança *; [15, 83] Poos do duque; [16, 84] Como se faze(m) as
pirolas comu(n)s; [17, 85] P(er) esta guisa se ha de tomar a herua p(er)a as maleytas;
[18, 86] Esta he a mezinha que se ha de dar p(er)a a pestenença; [19, 87] Mezinha p(er)a
giolho Jnçhado de gota ou ciatica; [20, 88] A maneira de que se faze(m) os pos do
teixugo; [21, 89] Reçepta contra pest(e); [22, 90] [Trouas] feita p(er) o doctor dioguo
afonso *, **
[23, 91] [Mezinha para febres terçãs] *,**; [24, 92] Mezinhas q(ue) rompe(m) apostemas
depois de maduras; [25, 95] [Mezinha p(er)a gota e maçam(en)to] *.
Apresentam-se neste estudo os vocábulos reunidos em cada campo semântico
proposto: 1.. doenças e sintomas; 2. tipos de cura e prevenção de doenças; 3. saúde; 4.
tipos de medicamentos e 5. unidades de peso e medida.
1. Doenças e sintomas
Ardor (22); çeso(m) (17); ciatica (19); corrença (11)/Corre(n)ça
(11)/corre(n)ça (13); dor (11, 18, 25); dor de dentes (09); dor d olhos (04, 05); febre
(01) e febres (09); febre terçãa (23); fluxo do ue(n)tre (08)); frieldade (10); gota (19,
25), Jnfirmjdade (22); leuaço(m) (22); maçame(n)to (25); [maleyta] maleytas
(17)/maleitas (17); pest(e) (21); pestença (01)/pestenença (01, 18, 22)/pestene(n)ça
(01)/pestele(n)ça (22); po(n)to (03); postema (24,25)/apostema (24); [puxo] puxos
(11); que(n)tura (06)/quentura (17, 22); trama (02, 03, 22); zimja (24).
Destacam-se, aqui, as formas corre(n)ça e fluxo do uentre para ‘diarréia’;
puxos para ‘cólicas’; frieldade para ‘reumatismo’; leuaço(m) e po(n)to para ‘caroço,
bubão da peste’; maçame(n)to para ‘hematoma’ e o arabismo zimja, ‘tipo de abscesso
mais profundo que o apostema’.
2. Saúde
Lena (14); saude (03).
Considerações finais
Considerando-se a hipótese investigada, de que o vocabulário analisado reflete
conhecimentos, práticas e crenças próprios da Medicina, Farmácia e Nutrição do
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES DIAS, J. J. (ed.). Livro dos conselhos de el-rei D. Duarte: livro da cartuxa.
Edição diplomática. Lisboa: Estampa, 1982.
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1972.
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FIGUEIREDO, F. História literária de Portugal: séculos XII-XX. Coimbra: Nobel,
1944.
LEHRER, A. Semantic fields and lexical structure. Amsterdam: North Holland, 1974.
MATTOSO, J.; SOUSA, A. A monarquia feudal (1096-1480) In: MATTOSO, J.
(coord.). História de Portugal. Lisboa: Estampa, [19--]. v. 2. p. 494-543.
OLIVEIRA MARQUES, A. H. de. Breve história de Portugal. 2. ed. Lisboa: Presença,
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SOARES AMORA, A. s. v. Leal conselheiro. In: PRADO COELHO, J. do (dir.).
Dicionário de literatura. 3. ed. Porto: Figueirinhas, 1973. v. 2.
ULLMANN, S. Semântica: uma introdução à ciência do significado. Trad. por J. A.
Osório Mateus. Lisboa: Gulbenkian, 1967.
[...] o Chefe plantava do que queria, o lucrozinho para si, e fechava sua roça
no lugar que ele mesmo escolhesse. Mas transportava consigo, cada manhã,
uns mantimentos, guardava latas e cabaças no ranchinho da roça, lá ele fazia
questão de cozinhar seu almoço. Com isso, perdia tempo. E, de agora, por
conta de abrir em claro as noites, de dia em vez de trabalhar ele vadiava,
1
Mestre em Letras – Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Ceará (UFC)
deitava para se dormir, bôas horas. O que entendia era do oficio dos
barulheiros do campo, quando que queremos ver visagens... (Rosa, 2001,
p.250)
[...] “Criatura humana, obedeça ao que vou lhe dizer. Não seja rebelde como
essa casa de rebeldes. Abra a boca e coma o que vou lhe falar.” Então notei
que certa mão se estendia para mim com um rolo de pergaminho. A mão
desenrolou o pergaminho diante de mim: estava escrito por dentro e por fora,
e o que nele estava escrito eram lamentações, gemidos e gritos de dor. (Ez 2,
8-10).
Javé coloca Ezequiel como uma sentinela: “Estou colocando você como
sentinela” (Ez 3,17), para advertir ao povo ignorante as intempéries que estariam por
vir. Engolindo um livro de lamentações, gemidos e gritos de dor, Ezequiel profetiza o
que comera, como simples criatura humana diante da potência de Deus. No Buriti Bom,
temos o chefe Zequiel, que também parece ter engolido um livro da sabedoria, mas,
atordoado, consome-se na noite profunda, no caos, veiculando uma linguagem que, à
sua comunidade, é pitoresca e curiosa.
O Chefe sente-se acossado pela fantasia de uma Inimiga que virá para
disseminar o sofrimento. Essa é a principal obsessão: a idéia de ser assassinado durante
a noite. A essa idéia fixa, agregam-se os múltiplos barulhos noturnos.
A novela “Buriti” é marcadamente sonora. As noites relatadas são povoadas de
silêncios, que dão origem a sinais: “À noite, o mato propõe uma porção de silêncios;
mas o campo responde e se povoa de sinais.” (Rosa, 2001, p.127). Os sons, então,
seriam as respostas do campo ao profundo silêncio que a noite encerra.
O sertão é figurado como espaço que surpreende aquele que o adentra: “Quando
se vem vindo sertão a dentro, a gente pensa que não vai encontrar coisa nenhuma.”
(idem, p.127). A gente pensa, mas, à medida que se vai adentrando, o sertão se revela
em seus silêncios e sons. O Chefe Zequiel capta esses sons: “Aziago, o Chefe Zequiel
espera um inimigo, que desconhece, escuta até aos fundos da noite, escuta as minhocas
dentro da terra. Assunta, o que tem de observar, para ele a noite é um estudo terrível.
[...] O que o Chefe devassou, assim, encheria livros.” (idem, p.127)
Os delírios de Zequiel são povoados por imagens assustadoras. As figuras
recorrentes são a coruja, o urutau, o sapo, a lua, a cobra-grande e os macaquinhos.
Câmara Cascudo, ao inventariar as superstições em torno da coruja, confirma o que é de
conhecimento do imaginário popular: a crença na má sorte que esse bicho traz. É
interessante a reiterada presença desse animal na maioria dos delírios do Chefe, o que
reforça o mau pressentimento que habita seus pesadelos. Sobre o sapo, Cascudo aponta
hermético que, para além da noite, encena o drama da linguagem daqueles que se
curvam sob o peso do transcendente e são considerados como loucos para a sociedade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BÍBLIA SAGRADA. O Livro de Ezequiel. Edição Pastoral. São Paulo: Paulus, 1990.
CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. 2v. Brasileira de Ouro:
Rio de Janeiro, 1960.
LIMA, Luís Costa. O buriti entre os homens ou O exílio da utopia. In:______. A
metamorfose do silêncio. Rio de Janeiro: Eldorado, 1974.
ROSA, João Guimarães. Buriti. In:_______. Noites do sertão. 9. ed. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2001.
1
Mestranda do Programa de Pós Graduação em Letras (mestrado em Literatura Comparada), da
Universidade Federal do Ceará.
2
Doutor em Literatura Comparada pela Universidade Federal de Minas Gerais e professor adjunto do
Departamento de Literatura da Universidade Federal do Ceará.
tipo de saber, não tem um fim. Esta, então, apresenta uma irrealidade, a qual nos
desvincula, de certo modo, de nossas vivências e nos prende apenas àquele universo,
“faz vacilar as bases históricas, culturais, psicológicas, do leitor, a consistência de seus
gostos, de seus valores e de suas lembranças, faz entrar em crise sua relação com a
linguagem.” (BARTHES, 1999, p.22).
Deparamo-nos, por essa razão, com a ausência de um saber, visto que nos
desligamos de um referente, pois só temos conhecimento deste mundo irreal no
momento da leitura. É somente ali que ele nos é revelado. Essa falta de referente causa,
assim, a falta de garantia de uma verdade inquestionável, não há como exigir da
literatura verdade ou mentira, até porque não há como conferir o valor do que ela diz.
Encontramo-nos diante de uma escrita feita de ausência, mas essa ausência não é o
vazio, pelo contrário, a própria escrita literária está nessa ausência de verdade absoluta,
possibilitando a ela “um espaço de dimensões múltiplas, onde se casam e se contestam
escrituras variadas, das quais nenhuma é original: o texto é um tecido de citações,
oriundas dos mil focos de cultura.” (BARTHES, 2004, p. 62)
Um exemplo dessa ausência a qual observamos é o personagem Bartleby, do
livro de Herman Melville Bartleby, o escriturário: uma história de Wall Street ( L&PM,
2003), o qual repete sempre a mesma frase quando lhe pedem algo: I would prefer no
to. Segundo a citação que Deleuze faz do escritor Philippe Jaworski, a frase de Bartlebly
é uma espécie de fórmula da literatura, pois ela não é “nem uma afirmação nem uma
negação. Bartleby não recusa, mas também não aceita, avança e recua neste movimento
avante, expõe-se um pouco numa ligeira retirada da palavra.” (DELEUZE, 2000, p. 99).
Dessa forma, entendemos esta escrita como desprovida de força de negar algo ou
de afirmar algo, já que ambas as atitudes estão relacionadas a uma forma de poder,
como alerta-nos Blanchot:
Rien de plus impressionant que cette surprise devant le silence de l’art, ce
malaise de l’amateur de paroles, de l’homme fidèle à l’honnêteté de la parole
vivante: qu’est-ce que cela qui a l’immutabilité des choses éternelles et qui
pourtant n’est qu’apparence, qui dit des choses vraies, mais derrière quoi il
n’y a que le vide, l’impossibilité de parler, de telle manière qu’ici le vrai n’a
rien pour le soutenir, apparaît sans fondement, est le scandale de ce qui
semble vrai, n’est qu’image et, par l’image et le semblent, attire la vérité dans
la profondeur où il n’y a ni vérité, ni sens, ni même erreur? (BLANCHOT,
2002, p. 54)
Ou seja, quanto mais a literatura tenta sustentar verdades, mais essas verdades se tornam
um peso que ela não consegue suportar. Vemos essa relação dentro do conto “O vôo da
madrugada” quando o narrador, sem saber o que era a mulher que viu dentro do avião,
que apareceu sem que ele soubesse de onde e sumiu do mesmo modo, começa a levantar
hipóteses: “Mas quem era ela: o inconcebível? Uma das mortas do acidente [...], pois
não disse ela que já estava entre ‘eles’?” (p. 23). O que elimina sua hipótese é o fato de
que o narrador vai a jornais, procura fotografia dos mortos e não encontra nenhum
registro sobre ela. Sua segunda dedução – “mas o que dizer, então, aos mais
desconfiados, entre os quais me julgo com direito de incluir-me? Que não passou tudo
de um sonho?” (pp. 23/24) – leva-nos a pensá-la com um teor mais realístico, visto que,
diante dos fatos apresentados pelo narrador, seria essa a possibilidade mais aceitável em
relação ao plano da realidade, já que o próximo questionamento a ser levantado é a
respeito da possibilidade de que aquela mulher seja uma alucinação, haja vista que ele
havia misturado comprimidos para dormir com vinho. Seria, então, uma alucinação
fruto do estágio intermediário entre a vigília e o sono ou mesmo “um fantasma – e de
carne e osso.” (p.25).
Mas por que há a aceitação desse estranhamento quando nos dizemos que algo
irreal só pode ser sonho? Por que só existe um pacto de aceitação dessa coisa irreal
dentro dos sonhos? Podemos notar nos contos a serem estudados uma narrativa que
sempre tem a noite como cenário. Em “O vôo da madrugada” o narrador encontra-se em
um vôo especial, que carrega os restos mortais de pessoas que sofreram um acidente
fatal e é lá que as coisas ditas absurdas se passam, no momento em que ele deveria estar
dormindo, mas acontece que, inevitavelmente, o passageiro quebra esse acordo com o
Dia e se torna alguém que encontra seu lugar na Noite. Ao estar em sua casa, o próprio
narrador nos confessa: “Abro então a janela, deixando que penetrem no quarto o ar puro
e a claridade. No entanto, nesta minha escrita, é e será sempre noite.” (p. 27).
No conto “A barca da noite”, temos a barca como o veículo pelo qual o rapaz
tenta encontrar, buscar o seu destino, busca que é incontestavelmente necessária, mas
inalcançável. Notamos, então, na contemporaneidade literária, um jogo paradoxal que
atenua a linha entre o que é onírico e o que faz parte da realidade: ora procura-se
debilitar o real, tratando-o como sonho, ora se quer elogiar o sonho, dando-lhe caráter
de real.
Através desses fatos das narrativas, parece-nos que o elemento da noite, aqui,
não significa a paz, mas sim a angústia, a busca constante, infinita, a que proporciona
delírios e desejos – que não são factualmente realizados, mas que são perseguidos
durante todo o enredo.
De acordo com Maurice Blanchot, há uma noite que é transformada pelo sono
em possibilidade, que é uma exigência para a sobriedade do dia. Deve-se dormir com o
objetivo de estar descansado para realizar as tarefas diurnas, pois “o sono é um ato de
fidelidade, de união. Confio-me aos grandes ritmos naturais, às leis, à estabilidade da
ordem.” (BLANCHOT, 1987, p. 267), estabilidade essa que é coordenada pelo Dia, já
que é através do sono da noite que se consegue aproveitá-lo, torná-lo útil.
A outra noite é a do mau dormidor, o qual “revolve-se na busca desse lugar
verdadeiro que ele sabe ser único e que somente nesse ponto o mundo renunciará a sua
imensidade errante. O sonâmbulo é-nos suspeito, sendo o homem que não encontra
repouso no sono.” (BLANCHOT, 1987, p. 267). Temos, assim, dentro dos contos de O
vôo da madrugada, personagens-sonâmbulas, que vivem a Noite, o que ela tem a
proporcionar, em sua profundidade. Essa é a essência da Noite, para Blanchot, é a que
possibilita o sonho, o qual é:
despertar do interminável, uma alusão, pelo menos, e como que um perigoso apelo, pela
resistência do que não pode ter fim, à neutralidade do que se passa atrás do começo. Daí
resulta que o sonho parece fazer surgir, em cada um, o ser dos primeiros tempos – e não
somente a criança, mas para além, para o mais longínquo, o mítico, o vazio e o vago do
anterior. (BLANCHOT, 1987, p.269)
Esse mundo é, então, a literatura, pois o sonho é “a realização do indubitável
dessa dúvida, é o que não pode “verdadeiramente” ser.” (1987, p. 269), é o lugar da
escrita perturbadora, para as personagens: “E, já que me dispus a escrever – talvez uma
das maiores maldições entre todas, por nunca alcançarmos verdadeiramente, pelas
palavras, a fusão que tanto almejamos –, me permitirei avançar um pouco mais para
dizer que sim, muitas vezes já pensara em buscar a morte.” (SANT’ANNA, p. 18). As
personagens, no entanto, não deixam de pensar que podem ter esse controle de realizar
seus sonhos através do que escrevem:
Nesta escrita, em que sinto em minha mão a leveza do “outro”, há, sobretudo,
um vôo da madrugada com seu carregamento de mortos e a passageira que
Segundo Blanchot, existe uma derrota nesta vitória, nesta verdade que rege a
história que nos é contada, pois há dentro dessa esperança uma mentira. Nessa
esperança, a qual “nos concede um além ilusório ou um futuro sem morte ou uma lógica
sem acaso, existe talvez a traição de uma esperança mais profunda, que a poesia (a
escrita) deve nos ensinar a reafirmar.” (BLANCHOT, 2001, p. 74). É através, então, da
escrita que as personagens obtêm esse domínio: fingem que realizam seus desejos, que
têm o controle sobre o que acontece, mas esse fingimento, essa “realidade”
proporcionada, é artifício da própria literatura, para que busquemos sua essência
incessantemente.
Essa é, então, a impossibilidade de morrer que a obra tem. Ela é sustentada por
essa ilusão, pois uma grande literatura sempre tem uma significância, cabe a nós,
porém, conjeturar o processo de tal significância, visto que seu terreno é ilusório, como
já constatamos, cheio de segredos e de símbolos. Ela “se dissipa quando desperta; morre
se vem à luz do dia” (BLANCHOT, 1997, p. 87).
Segundo Giorgio Agamben, citando Hegel, em seu livro A linguagem e a morte:
um seminário sobre o lugar da negatividade (UFMG, 2006), “Na sensação e na
imaginação, a consciência ainda não saiu à luz, é ainda imersa na sua noite.” (p. 64). Ou
seja, se entendemos a noite como um elemento provido de irrealidades, de
irracionalidades, posto que é o lugar da imaginação, a luz do dia parece-nos ser a razão.
É essa luz que não pode estar contida na escrita sem fim, sem finalidade, pois ela é
racional e sua racionalidade, sua claridade, causaria a morte da literatura, de sua
ambigüidade inata.
Nossa proposta é estudar a escrita de Sant’Anna pelo viés da fragmentação e dos
valores que encontramos dentro da literatura da contemporaneidade, tais como o
esvaziamento da história, como a própria linha de pesquisa que almejamos sugere, e o
preenchimento da literatura por ela mesma, haja vista que, segundo Blanchot, “a obra –
a obra de arte, a obra literária – não é acabada nem inacabada: ela é. O que ela nos diz é
exclusivamente isso: ela é – e nada mais. Fora disso, não é nada. Quem quer fazê-la
exprimir algo mais, nada encontra, descobre que ela nada exprime.” (BLANCHOT,
1987, p. 12).
REFERÊNCIAS
AGAMBEN, Giorgio. A linguagem e a morte: um seminário sobre o lugar da
negatividade. Belo Horizonte: UFMG, 2006.
BARTHES, Roland. O prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 1999.
BARTHES, Roland. O rumor da língua. São Paulo: Martins Fontes, 2004
BLANCHOT, Maurice. O espaço literário; tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro:
Rocco,1987.
______. A parte do fogo. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
______. A conversa infinita. São Paulo: Escuta, 2001.
______.“La bête de Lascaux”, in: Une voix venue d’ailleurs. Paris: Galimard, 2002.
DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. Lisboa: Século XXI, 2000.
FOUCAULT, Michel. Isto não é um cachimbo; tradução de Jorge Coli. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1988.
MELVILLE, Herman. Bartleby, o escriturário: uma história de Wall Street. Porto
Alegre: L&PM, 2003.
SANT’ANNA, Sérgio. O vôo da madrugada. São Paulo: Companhia das letras, 2003
Introdução
O pensamento central, e que gera toda a discussão deste ensaio, é propor uma
reflexão sobre o questionamento da representação da arte no conto “retrato de cavalo”,
de Guimarães Rosa, ou melhor, refletir sobre qual prisma as personagens fazem
referência à arte4, se a julgam numa óptica ligada aos princípios clássicos ou pós-
modernos; para isso iremos trabalhar com conceitos de arte de ambas as teorias.
Iniciaremos nossa leitura com o título do conto de Guimarães Rosa, “Retrato de
Cavalo”. Já pelo título podemos perceber que há, no mínimo, relação de arte com vida.
O retrato representa a arte no seu conceito mais clássico “possível”, como uma imitação
idealizada da vida; e o Cavalo representa a vida em si, o ser vivo. Já em nossa leitura
inicial, podemos destacar algumas passagens que nos dão pistas sobre o conceito de
representação da arte clássica, como propunha Aristóteles, em seu livro Arte Poética
(2005. p.21): “Parece, de modo geral, darem origem à poesia duas causas, ambas
naturais. Imitar é natural ao homem desde a infância”. Com essa afirmação, podemos
constatar que a poesia (arte) clássica vem da imitação do homem ou, pelo menos, da
tentativa do homem de imitar algo; geralmente a vida, o que nem sempre é possível.
Nesse tipo de literatura (clássica) há uma constante busca pelo equilíbrio; uma
literatura esteticamente bem feita, procurando sempre o embelezamento. Há uma
preocupação do autor com o ato de comunicar, passar uma idéia e para isso o artista se
impunha uma série de normas, isso era considerado de essencial função para “o fazer”
artístico, quando mais um autor seguisse as normas, mais ele era exaltado: “O artista era
julgado na medida em que estritamente dentro da norma realizava sua obra”.
1
Graduando do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará.
2
Graduando do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará.
3
Professor do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará.
4
Entenda como arte o retrato do cavalo
Parece haver duas causas, e ambas devida à nossa natureza, que deram
origem à poesia. A tendência para imitação é instintiva no homem, desde a
infância. Neste ponto distingui-se de todos os outros seres, por sua aptidão
muito desenvolvida para a imitação. Pela imitação adquire seus primeiros
conhecimentos, por ela todos experimentam prazer.(ARISTÓTELES, 1973,
p. 274)
do real (figurativismo) era o principal eixo da pintura até 1870, assim como de resto de
toda a arte, até o pós-guerra. Dali em diante, valoriza-se a entropia; “tudo vale”, e todos
os discursos são válidos. O resultado é que não há mais padrões limitados para
representar a realidade, resultando numa crise ética e estética.
A justificativa para essa mudança pode ser mais objetiva: com a História
apontando para a formação de uma sociedade global (nível macro), nenhuma das visões
de mundo preexistentes (nível micro) poderia ser descartada, sob pena de excluir
interessantes mercados consumidores do sistema-mundo capitalista. O pós-moderno,
assim, pelo seu caráter policultural, sua multiplicidade, sua hiperinformação, serve bem
à constituição de uma rede inclusiva de consumidores. E dentro disso está inserida a
dejeção dos referenciais de representação. É o distanciamento da arte como forma de
representação realista da realidade, nesse sentido é uma arte anti-realista, não mimética.
O método da desconstrução foi proposto por Jacques Derrida e adotado pelos
pós-modernistas. Segundo Paul de Man, um dos maiores divulgadores da desconstrução
como método de análise e seguidor de Derrida, o texto (e nós aplicamos essa teoria a
qualquer tipo de arte) tem uma significação aberta que possibilita constantes
modificações, em contraste com a concepção modernista de significados únicos e
fechados (Stern, 1996b). Desconstrução não quer dizer destruição. Desmontar, para
analisar e entender o real significado do significante, as entrelinhas e elementos
subjacentes ao discurso que, quase sempre, têm a voz do contador da história (Boje e
Dennehy, 1993; Foucault, 1998). A proposta de desconstrução elaborada por Stern
(1996a, 1996b) segue o leito de Derrida (1967), na qual é feita uma leitura aproximada
do texto e que, neste artigo, aplicamos a arte em geral.
Esses pontos e contrapontos acerca da arte é que nos leva a crer que há uma crise
na representação da arte: ela já não supriria todas as necessidades. A prova disso é que,
no retrato, o cavalo permanece imutável, imortal e eterno; nunca irá envelhecer, ficar
doente ou morrer. Já no mundo real, da vida, isso acontece; temos claramente essa idéia,
no seguinte trecho:
Bebia, sem bastar, baldes de água com fubá e punhadinho de sal. Mas
mirava-o, agradecido, nos olhos as amizades da noite. Sofrimento e sede...
Isto se grava em retratos? Nhô da Moura não tivera ocasião daquilo.(ROSA,
1976, p.192)
Como na metáfora que encontramos logo no início: “ao dono da faca é que
pertence a bainha”. Neste enunciado, podemos perceber um rompimento da vida com
arte, em que a vida, representada pela faca, separa-se da arte, representada pela bainha.
Porém, ambas têm uma ligação; ligação, essa, que deixa Bio tão confuso a ponto de ora
ele gostar do retrato, ora abominá-lo: “alvo no meio dos verdes que pastando--mesmo
quando assim, declinado entortado. Vistoso mais que no retrato, ou menos, ou tanto?”.
A arte representava tão bem a realidade que deixava Bio confuso a respeito de quem era
mais belo: o retrato ou cavalo; o que não acontecia com Iô Wi, que considerava o cavalo
inferior ao retrato. Dizia Iô Wi caçoadamente e por palavras travessas: “o cavalo, de
verdade, não era portentoso desse jeito, mas mixe, somente favorecido das indústrias de
retratistas e do aspecto e existir da moça”.
Ainda referente ao questionamento da vida pela arte ou a crise da representação
da arte, temos no panorama pós-moderno esse tipo de dúvida, não há hoje um padrão
para a arte, cada escritor, pintor, musico, tem seu próprio método de composição. Com
isso existe uma dificuldade enorme de elaborar um conceito fixo para o que seria arte
pós-moderna. Isso acarreta um tom de dúvida e mistério, no crítico, no leitor
(apreciador) e no próprio autor. “Isto se grava em retratos?” é justamente nessa dúvida
de Bio que podemos perceber e questionar, aqui, a representação da vida pela arte.
Considerações finais
Este trabalho, apesar de breve, teve como principal objetivo investigar alguns
traços da cultura e da arte clássicas, como também, pós-modernos que perpassam o
discurso de Guimarães Rosa, bem como a reflexão sobre a crise da representação da
arte, ao longo do seu conto “Retrato de cavalo”. Para isso, detivemo-nos em alguns
conceitos de Arte clássica e pós-moderna. Esses conceitos, como o de beleza, o de
verossimilhança e o de mimese podem ser facilmente percebidos na relação do
personagem Bio com o seu cavalo e com o retrato tirado deste sem a sua permissão.
Pudemos, comparando a representação artística ao objeto com o que se relaciona, obter
uma satisfação proporcional à semelhança da arte (retrato) com a realidade e pudemos
também admirar a forma e a beleza intrínseca da arte, resultante da maestria com que foi
concebida e executada. E percebemos que concomitante ao discurso clássico está o
discurso pós-moderno com que Guimarães Rosa trabalha paralelamente com maestria,
deixando-nos bem claro que a arte pós-moderna é perpassada por vários discursos,
várias visões de mundo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARISTÓTELES. Arte Poética. In: A poética clássica. 12. ed. São Paulo: Cultrix: 2005
______. Dos argumentos sofísticos. Trad. Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. In:
______. Coleção Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1973, vol. IV.
______. Retórica. Trad. Manuel Alexandre Júnior, Paulo Farmhouse Alberto, Abel do
Nascimento Pena. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1998c.
DERRIDA, Jaques. Pensar a desconstrução. Tradução de Adriana Maria Soares da
Cunha, Evandro Nascimento, Jesus Ribeiro Medeiros, Maria Clara Castellões de
Oliveira, Milene de Paula Borges e Nícia Adan Bonatti. São Paulo: Saraiva,1995.
LACOSTE, Jean. A filosofia da arte. Trad. Álvaro Cabral, Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editora,1997.
MOISÉS, Leyla Perrone. A Modernidade em ruínas. In: ______. Altas Literaturas. São
Paulo: Companhia das Letras, 1998.
______. Vira e mexe, nacionalismo: Paradoxos do nacionalismo literário. São Paulo:
Companhia das Letras, 2007.
NETO, João Cabral de Melo. Poesia e Composição – A inspiração e o trabalho de arte.
In: TELES, Gilberto de Mendonça. Vanguarda Européia e Modernismo Brasileiro. 18.
ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.
NUNES, Benedito. Introdução à filosofia da arte. Editora Àtica, 1989.
ROSA, João Guimarães. Retrato de Cavalo. In: ______. Tutaméia terceiras estórias. 4.
ed. Rio de Janeiro: J.Olympio, 1976.
Considerações iniciais
Tomar o viés épico, bem como o lírico, para estudo, quando nos referimos à
figura de Camões, significa debruçarmo-nos em uma vastidão profícua de material
instigante para análise. Assim, o presente trabalho, optando por não discutir a relevância
da produção lírica camoniana, vinda a lume postumamente, no ano de 1595, com a
edição das Rithmas (ou Rimas), apresentará alguns traços residuais e mentais do
medievo, no que concerne ao serviço amoroso trovadoresco, num soneto de Camões,
“Quando, Senhora, quis Amor que amasse”, a partir de sua análise textual e lexical.
Os termos residuais e mentais dizem respeito a dois dos princípios que
fundamentam a Teoria da Residualidade, interessada em demonstrar a remanescência
de traços, aspectos ou características marcantes de dada época e espaço, em outra
cultura, histórica e espacialmente distante da primeira. Assim, indicando existir uma
hibridação cultural entre os povos, propugnadora da materialidade efetiva de
mentalidades diversas e até certo ponto (aparentemente) contrastantes,
interinfluenciando-se, ao mesmo tempo em que estas (re)constroem-se, (re)criam-se e se
ressignificam numa cultura determinada.
1
Graduanda em Letras pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Bolsista de monitoria da disciplina
Literatura Portuguesa III e membro do grupo de pesquisa Estudos de Residualidade Literária e Cultural.
2
Professor Associado II do Departamento de Literatura da Universidade Federal do Ceará - UFC.
Por “residual” quero dizer alguma coisa diferente do “arcaico. [...] Qualquer
cultura inclui elementos disponíveis do seu passado, mas seu lugar no
processo cultural contemporâneo é profundamente variável. Eu chamaria de
“arcaico” aquilo que é totalmente reconhecido como um elemento do
passado, a ser observado, examinado, ou mesmo, ocasionalmente, a ser
“revivido” de maneira consciente, de uma forma deliberadamente
especializante. O que entendo pelo “residual” é muito diferente. O residual,
por definição, foi efetivamente formado no passado, mas ainda está ativo no
processo cultural, não só como um elemento do passado, mas como um
elemento efetivo do presente. Assim, certas experiências, significados e
valores que não se podem expressar ou verificar substancialmente, em termos
Considerações finais
Valendo-nos da Teoria da Residualidade, pudemos apreender no soneto
analisado, as marcas residuais do código de amor cortês e do sofrimento traduzidos na
coyta de amor. A mentalidade do cavaleiro medieval segue rigorosamente as regras do
código ético pregado ao defender a “cousa amada”, valorizando o respeito e culto à
dama, que não lhe corresponde ou ignora mesquinhamente os sentimentos. Também
algumas regras rígidas pressupostas por esse código de comportamento são fielmente
respeitadas, tais como a mesura e a senhal, por exemplo. Entretanto, o polo da renúncia
não foi priorizado, em contrapartida a excelência da mulher e seu desprezo passional.
Talvez isso traduza o liame existente entre a temática amorosa e o desconcerto do
mundo na lírica camoniana, como bem traduzem essas palavras de Cleonice
Berardinelli: “O tema central de sua poesia é [...] o amor, e amor infeliz. Por quê?
Porque ama e não é amado, ou porque a amada está ausente – mesmo quando próxima,
pois o ignora ou desdenha. No seu amor há desconcerto. Como em tudo.” (Berardinelli,
2000, p. 164).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1
Graduanda do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará.
2
Professor do Programa de Pós-Graduação do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará.
visão bíblica: “Disse Jesus aos judeus que haviam crido nele: ‘Se vocês permanecerem
firmes na minha palavra, verdadeiramente serão meus discípulos. E conhecerão a
verdade, e a verdade os libertará. ’” (Jo 8, 31-32). Segundo a bíblia, a palavra é a
verdade que liberta, e é um artefato seguro no qual poderemos nos firmar. Na concepção
bíblica (que é a mesma do pai do narrador-personagem), a linguagem é um instrumento
garantido e fiel.
André é a erva daninha no seio da família, é o elemento de desordem. Sua
concepção de palavra não poderia ser diferente. Sobre a palavra dominante do pai (que
não pertence a ele, pertence a um discurso cujo criador não foi ele), o filho discorre:
(...) cada palavra era uma folha seca e eu nessa carreira pisoteando as páginas
de muitos livros, colhendo entre gravetos este alimento ácido e virulento,
quantas mulheres, quantos varões, quantos ancestrais, quanta peste
acumulada, que caldo mais grosso neste fruto da família! (p. 88).
- (...) Para que as pessoas se entendam, é preciso que ponham ordem em suas
ideias. Palavra com palavra, meu filho.
- Toda ordem traz uma semente de desordem, a clareza, uma semente de
obscuridade, não é por outro motivo que falo como falo. (p. 158)
Na existência diária, ler e ouvir supõe que a linguagem, longe de nos dar a
plenitude das coisas nas quais vivemos, seja cortada delas, pois se trata de
uma linguagem de sinais, cuja natureza não é ser preenchida com aquilo a
que ela visa, mas ser esvaziada, nem nos dar o que ela quer que alcancemos,
mas nos torná-lo inútil substituindo-o, e assim afastar de nós as coisas
tomando seu lugar e tomar o lugar das coisas não preenchendo-se com elas,
mas abstendo-se delas. O valor, a dignidade das palavras do dia a dia é estar
o mais perto possível do nada. Invisíveis, não mostrando nada, sempre além
delas mesmas, sempre aquém das coisas, uma pura consciência as atravessa,
e tão discretamente que às vezes elas próprias faltam. (...) E, todavia, a
compreensão não para de se realizar, parecendo mesmo atingir um ponto de
perfeição. (p. 78)
Para Blanchot, a linguagem é vazia, e seu destino não é ser preenchida com seu
objetivo, mas ser esvaziada, não nos dando o que queremos, afastando-nos do que
buscamos, entretando, nos dá a ilusão de perfeição por conseguirmos nos comunicar no
cotidiano. A linguagem potencializa sua falha intrínseca na literatura. O pai de André
simboliza essa linguagem cotidiana, pretensamente organizada, útil e sem falhas, e, o
filho, a linguagem literária, cheia de desordem, obscuridade, imperfeições.
Ainda no diálogo entre pai e filho, temos as seguintes falas:
- Conversar é muito importante, meu filho, toda palavra, sim, é uma semente;
entre as coisas humanas que podem nos assombrar, vem a força do verbo em
primeiro lugar; precede o uso das mãos, está no fundamento de toda prática,
vinga, e se expande, e perpetua, desde que seja justo.
- Admito que se pense o contrário, mas ainda que eu vivesse dez vidas, os
resultados de um diálogo para mim seriam sempre frutos tardios, quando
colhidos. (p. 160)
Para o pai, toda palavra é uma semente, o verbo é uma coisa humana que possui
força e longevidade. Para André, é inútil tentar semear em um campo que pode jamais
dar frutos, por mais que se fale infinitamente (“ainda que eu vivesse dez vidas”). O pai
de André prioriza a semente ao invés do fruto, e, ao fim do diálogo, afirma que achava
que havia falado em vão: "Cheguei a pensar por um instante que eu tinha outrora
semeado em chão batido, em pedregulho, ou ainda num campo de espinhos." (p. 169). A
afirmação do pai nos faz lembrar de outra parábola bíblica do semeador.
O semeador (mensageiro) espalha a semente (mensagem) em vários tipos de
solos (pessoas), alguns solos são pedregosos, outros são cheios de espinhos, mas há o
solo fértil, no qual a semente dá boa colheita, ou seja, é “aquele que ouve a palavra e a
entende, e dá uma colheita de cem, sessenta e trinta por um” (Mt 13: 23).
André tem consciência de que as palavras são sementes, e afirma:
(...) foi o senhor mesmo que disse há pouco que toda palavra é uma semente:
traz vida, energia, pode trazer inclusive uma carga explosiva em seu bojo:
corremos graves riscos quando falamos. (p. 165-166)
- Misturo coisas quando falo, não desconheço esses desvios, são as palavras
que me empurram, mas estou lúcido, pai, sei onde me contradigo, piso quem
sabe em falso, pode até parecer que exorbito, e se há farelo nisso tudo, posso
assegurar, pai, que tem também aí muito grão inteiro. Mesmo confundindo,
nunca me perco, distingo pro meu uso os fios do que estou dizendo. (p. 163-
164)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS