As Sete Palavras de Cristo Na Cruz São Roberto Belarmino
As Sete Palavras de Cristo Na Cruz São Roberto Belarmino
As Sete Palavras de Cristo Na Cruz São Roberto Belarmino
Salve Maria!
ÍNDICE
___________________________________________________________
Prefácio
Vão já correndo quatro anos desde que eu, preparando-me para
deixar este mundo, estou retirado do seu bulício, tendo abandonado
as coisas do século, porém não a meditação da Sagrada Escritura
nem deixando de escrever o que a este respeito me ocorre, porque,
se já não posso ser útil aos meus irmãos pela palavra ou por longos
escritos, ao menos não deixe de o ser por livrinhos de piedade.
Quando eu estava pensando a respeito do assunto que devia
escolher, e, que não só pudesse dispor-me para morrer cristãmente,
mas também servir ao meu próximo, para bem viver; ocorreu-me a
ideia da morte do Redentor, e daquele último sermão que, de sete
curtíssimas palavras, porém de poderosíssimos pensamentos, Ele
do alto da Cruz, como de um elevadíssimo púlpito pregou a todo o
gênero humano: pois naquele sermão ou naquelas sete palavras se
contém tudo aquilo de que o mesmo Senhor diz:
“Eis que subimos a Jerusalém. Tudo o que foi escrito pelos profetas
a respeito do Filho do Homem será cumprido” (Lc 18, 31)
O que eles predisseram a respeito de Cristo, reduz-se a quatro
artigos: Discursos ao povo; oração a seu Eterno Pai; seus
gravíssimos sofrimentos; e suas sublimes e admiráveis ações; e
tudo isto maravilhosamente se realizou na Sua vida, pois o Senhor
pregava frequentíssimamente no Templo, nas Sinagogas, nos
campos, nos desertos, nas casas particulares; finalmente, até de
uma barca as turbas que estavam na praia. As noites passavam
ordinariamente em oração a Deus; pois diz o Evangelista: e passou
toda a noite em oração a Deus (Lc 6 , 12). As suas ações
admiráveis em expulsar demônios, em curar enfermos, em
multiplicar pães, em serenar tempestades, lêem-se a cada passo
nos Evangelistas (Mt 8; Mc 4; Lc 6; Jo 6). Finalmente os malefícios,
com que lhe pagavam os benefícios, eram muitos; não só injúrias
verbais, porém também pedradas, e vontade de O precipitarem (Jo
8; Lc 4). Tudo isto, porém, se consumou sem a menor dúvida na
Cruz. De tal modo, pois, dela pregou que muito dali voltaram
arrependidos (Lc 23): não só se rasgaram corações humanos, mas
também pedras se partiram. De tal modo orou na Cruz, que
oferecendo com um grande brado e com lágrimas, preces e rogos
ao que O podia salvar da morte, foi atendido pela Sua reverencia,
como diz o Apóstolo aos Hebreus (Hb 5). Os tormentos que na Cruz
padeceu, são tão superiores aos sofrimentos das outras épocas da
Sua vida, que propriamente se pode dizer que, aqueles constituem a
Sua paixão. Nunca operou maiores prodígios do que, quando na
Cruz parecia estar no maior desamparo e sem poder algum, pois foi
então, que não só fez que aparecessem provas celestes da sua
Divindade (Mt 27) que os judeus Lhe tinham importunamente
exigido, mas também pouco depois deu disto a maior de todas,
quando depois de morto e sepultado, por Seu próprio poder
ressurgiu dos mortos, fazendo voltar o Seu corpo à vida e vida
imortal. Verdadeiramente, pois na Cruz se consumou tudo quanto os
Profetas escreveram do Filho do Homem.
Antes, porém que eu comece a escrever das palavras do Senhor
parece-me de utilidade dizer alguma coisa a respeito da Cruz, que
foi o púlpito daquele Pregador, o altar daquele Sacrificador, o
estádio daquele Combatente, e a oficina daquele Operador de
milagres. Quanto à estrutura da Cruz é opinião mais seguida dos
antigos, que era formada por três peças; uma ao alto, em que foi
estendido o corpo do Crucificado, outra atravessada, na qual foram
cravadas as mãos, e a terceira pregada na parte inferior daquela,
servindo como de apoio aos pés, que nela foram cravados. Assim o
dizem, os antiquíssimos Padres, São Justino e Santo Irineu (In dial.
cum Triphon. Lib. 15 advers. haeres. Valentin), que bem claramente,
mostram que ambos os pés estavam sobre um escabelo, e não um
sobre o outro. Daqui se segue que os cravos foram quatro, e não
três, como muitos cuidam, representando por isto Cristo crucificado
com um pé sobre o outro; porém à opinião destes é inteiramente
oposta, como muito bem se vê, a de Gregório Turonense (Láb. de
glor. Martyr., cap. 6) a qual é fundada em antigas pinturas:
“Vi em Paris, diz ele, na biblioteca do Rei antiquíssimos, livros dos
Evangelhos, manuscritos, repetidas pinturas do Crucificado, e
sempre com quatro cravos”
Que a haste da Cruz excedia algum tanto a travessa, dizem-no
Santo Agostinho e São Gregório Nazianzeno (Epist. 12. Serm. 1 de
Resur.); e isto mesmo se pode coligir do apóstolo, que, dizendo aos
Efésios (Ef 3): Para que possais compreender com todos os Santos,
qual seja a largura e o comprimento, a altura e a profundidade, bem
claramente descreve a figura da Cruz, que tem quatro extremidades;
largura na travessa, comprimento na haste, altura na parte da haste,
que excede a travessa, e profundidade na parte, que ficava oculta,
cravada na terra. Naquele patíbulo sofreu Nosso Senhor não por
casualidade, nem violentado; pois desde a mesma eternidade O
tinha escolhido, como diz Santo Agostinho (Epist. 120) fundado na
passagem dos Atos dos Apóstolos (At 2): A este, depois de vos ser
entregue pelo decretado conselho e presciência de Deus,
crucificando-o por mãos de iníquos, lhe tirastes a mesma vida: e por
isto mesmo Cristo no começo da Sua pregação disse a Nicodemos
(Jo 3):
“E Moisés no Deserto levantou a serpente; assim importa que seja
levantado o Filho do Homem para que todo o que crê nele, não
pereça, mas tenha a vida eterna”
E falando muitas vezes aos Apóstolos a respeito da sua Cruz, lhes
dizia, exortando-os (Mt 16):
Capítulo I
“Meu Pai, perdoa-lhes; pois não sabem o
que fazem”
Referências:
Capítulo II.
Referências:
(1) Cap. 13
(2) Tract. 35
Capítulo III.
“Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos tem ódio; e orai
pelos que vos perseguem, e caluniam” (Mt 5, 44)
Cristo, nosso Mestre, não se pareceu com os Escribas e Fariseus,
que, sentados na cadeira de Moisés, ensinavam o que não
praticavam (Mt 23); mas, sentado na cadeira da Santa Cruz,
praticou o que ensinava; pois amou os Seus inimigos e orou por
eles, dizendo:
“Meu Pai, perdoa-lhes; pois não sabem o que fazem”
A causa, por que também aos homens começa a ferver o sangue,
quando vêem as pessoas que alguma injúria lhes fizeram, é porque
não aprendeu a sujeitar à razão o ímpeto da parte mais fraca, em
que nós não diferimos dos brutos. Os que são espirituais e já sabem
dominar a rebelião do corpo, não se mostram coléricos com os seus
inimigos, mas compadecem-se deles e diligenciam por meio de
obséquios atraí-los à paz e concórdia.
“Como entraste aqui, não tendo vestido nupcial?” (Mt 22, 12)
Não ficará então, sem poderes articular nem uma só palavra, e não
ouvirás a sentença do Senhor:
Referências:
(1) Apud. Sur. die 7 Novembris.
Capítulo IV.
“Amém. Em verdade te digo: hoje estarás comigo no paraíso”.
Explica-se literalmente a segunda palavra
“Tu quiseste imitar os judeus nas suas blasfêmias; porém eles ainda
não tiveram lição, que os ensinasse a temerem o julgamento de
Deus; pois estão persuadidos que venceram, e exultam com a sua
vitória, vendo Cristo cravado na Cruz, e julgando-se por isto livre e
desassombrado; e tu que pelos crimes que cometestes, estás
suspenso de uma cruz, e perto do termo da vida, não temes a
Deus? Para que amontoas culpas sobre culpas?”
Depois, recebendo o prêmio daquela boa ação, e ajudado da graça
de Deus, confessa os seus pecados, e proclama a inocência de
Cristo, dizendo:
Referências:
Capítulo V.
Do Primeiro fruto da segunda palavra
“Todo aquele que deixar a sua casa, ou seus irmãos, ou suas irmãs,
ou seu pai, ou sua mãe, ou sua mulher, ou seus filhos, ou seus
bens, por causa do meu nome, receberá centuplicado, e possuirá a
vida eterna” (Mt 29)
São Jerônimo (1) e outros sagrados doutores explicam esta
passagem de modo que a significação daquelas palavras é a que
segue — Aquele, que nesta vida deixar por Cristo algum objeto
temporal, receberá remuneração duplicada, e ambas estas
incomparavelmente de maior valor, que a do objeto, que por Cristo
for deixado. Primeiramente receberá nesta vida o gosto espiritual,
ou o espiritual galardão centuplicadamente maior, e de mais preço
do que o do objeto que por Cristo deixar: de sorte que em bom
raciocínio antes quererá quem assim fizer, conservar-se na posse
daquele bem espiritual, do que trocá-lo por bem propriedades
rústicas ou urbanas, ou coisas semelhantes: além disto, como se
aquela paga ou remuneração fosse pequena, ou nenhuma, receberá
aquele feliz mercador no futuro século a vida eterna, ou o conjunto
de todos os bens. Tal é sem dúvida a liberalidade de Cristo, o maior
dos Reis para com aqueles, que deveras se resolveram a segui-lO.
E não são loucos, os que, abandonando Cristo, querem antes fazer-
se escravos das riquezas, da gula, e da luxúria? Dizem, porém os
que não sabem avaliar os tesouros com que Cristo remunera:
Referências:
Capítulo VI.
Do Segundo fruto da segunda palavra
Referências:
Capítulo VII.
Do terceiro fruto da segunda palavra
Um terceiro fruto se poderá colher da mesma palavra do Senhor,
advertindo-se, que três foram os Crucificados, no mesmo lugar e na
mesma hora; um inocente, Cristo, outro penitente, o bom ladrão; o
terceiro obstinado, o mau ladrão: ou, se antes quiserem assim, que
foram três os crucificados ao mesmo tempo; Cristo, sempre e
excelentemente santo; um ladrão, sempre e excessivamente mau;
outro ladrão mau numa época da sua vida, e santo na outra. Disto
podemos entender, que não há neste Mundo ninguém, que possa
viver sem cruz; e que baldados são os esforços dos que
confiam, que podem absolutamente escapar-se a ela; e, que
sensatos são os que aceitam a sua cruz da mão do Senhor, e,
que até o fim da vida a levam não só com paciência, mas até
com gosto. Que todos os bons tem a sua cruz, se entende das
palavras do Senhor: “Se alguém quer viver após de mim, negue-se
a si mesmo, tome a sua cruz, e siga-me” (Mt 16); e em outra
passagem: “O que não leva a sua cruz, e vem em meu seguimento,
não pode ser meu discípulo” (Lc 14). Isto mesmo claramente, o diz o
Apóstolo: “Todos os que querem viver piamente em Jesus Cristo,
padecerão perseguição” (2Tm 3), com o qual concordam os Santos
Padres, gregos e latinos, dos quais por brevidade só citarei dois,
Santo Agostinho no comentário dos salmos (1) diz:
“Esta vida de curta duração é tribulação: se não é tribulação não é
peregrinação: se, porém é peregrinação, ou pouco amas a pátria, ou
sem dúvida te vês em tribulação”
E em outra parte (2):
“Se julgas que ainda não sofres tribulações, ainda não começaste a
ser cristão”
São João Crisóstomo numa homilia aos Antioquenos (3) exprime-se
assim:
Que a cruz dos bons é de pequena duração, não admite dúvida; não
pode prolongar-se além da vida neste Mundo, pois, quando os
justos estão para morrer, já o espírito lhes está dizendo, que vão
descansar dos seus trabalhos, e que Deus lhes vai enxugar as suas
lágrimas (Ap 14; 21). Que esta vida é curtíssima apesar de parecer
dilatada, enquanto vai correndo, claramente o diz a divina Escritura:
“Convém, que Cristo sofra, e assim entre na Sua glória” (Lc 14)
Eque a cruz do Diabo é grau para descer aos eternos suplícios,
pois no dia do Juízo dirá o Senhor:
“Ide para o fogo eterno, que está preparado para o Diabo e para os
seus anjos” (Mt 25)
Por isso, os que são sensatos, não busquem descer da sua
cruz, se nela estão crucificados com Cristo: não façam, como
loucamente fez o mau ladrão, mas antes, seguindo o exemplo do
bom, gostosamente se apeguem ao lado de Cristo, e peçam a Deus
paciência, para poderem suportá-la, e não que Ele dela os livre;
pois, sofrendo juntamente com Cristo, com Ele também terão parte
na Sua glória, como diz o Apóstolo:
Referências:
Capítulo VIII.
“Eis aí a tua mãe, eis aí o teu filho”. Explica-se literalmente a terceira
palavra
Ocorre, porém neste lugar uma nova questão de sentido literal; pois
São João era um daqueles que tinham dito:
Referências:
Capítulo IX.
Do primeiro fruto da terceira palavra
Capítulo X.
Do segundo fruto da terceira palavra
Referências:
Capítulo XI.
Do terceiro fruto da terceira palavra
“Quem ama seu filho ou filha mais do que a mim, não é digno de
mim” (Mt 10)
Isto cumpriu com todo o rigor possível a Bem-aventurada Virgem;
pois estava junto da Cruz, sofrendo a maior dor com a maior
constância. Aquela dor era a prova do sumo amor a seu Filho,
pendente da Cruz; aquela constância asseverava a sua muito
submissa obediência a Deus: doía-se de que seu Filho inocente,
que afetuosissimamente amava, fosse atormentado de cruelíssimas
dores; mas nem por isso a elas obstaria por palavras ou por obras,
ainda que pudesse, porque sabia que Ele padecia aqueles martírios
por determinação e presciência de Deus Pai (At 2). O amor é a
medida da dor; por isso Maria sofria muito, vendo seu Filho em
tamanhos tormentos, porque O amava muito. E como não amaria
extremosamente seu Filho a Virgem Mãe, sabendo como ninguém
sabia que aquele Filho se avantajava em todos os predicados a
todos os filhos dos homens, e que lhe pertencia mais do que a suas
mães pertencem quaisquer outros filhos? Por dois motivos amam as
mulheres seus filhos, por os terem gerado; e por eles
sobressaírem em merecimento por alguma excelente qualidade;
pois não sendo assim, não faltam mães que ou pouco amor tenham
a seus filhos, e que até os aborreçam, ou por serem muito feios, ou
por serem maus, desobedientes e ingratos a seus pais.
Por ambos aqueles motivos a Virgem Mãe amava seu Filho mais do
que nenhuma outra mãe; primeiramente porque as outras mulheres
não geram os seus filhos, sem cooperação de marido, a Virgem
Bem-aventurada na geração do seu, não teve cooperador; pois
Virgem gerou, e Virgem pariu; e assim como Cristo Senhor na
geração divina teve Pai sem ter Mãe, do mesmo modo na geração
humana, teve Mãe sem ter Pai, e, ainda que com verdade se diga,
que Cristo foi concebido do Espírito Santo, com tudo o Esprito Santo
não é Paí de Cristo, mas o formador do corpo de Cristo; nem o
Espírito Santo formou da Sua própria substância o corpo de Cristo;
o que propriamente pertence ao pai; mas formou-O das puríssimas
entranhas da mesma Virgem. Em verdade, pois, a Virgem
Santíssima só de por si, e sem cooperação do pai, gerou seu Filho,
e por isso mesmo ela podia reclamá-lO, porque só a ela pertencia; e
assim mais O amava, do que outra alguma mãe amou seus filhos.
Quanto ao outro motivo, o Filho da nossa Virgem não só foi, e é o
mais formoso, que todos os filhos dos homens (Sl 44); mas até se
avantaja em todos os predicados aos homens e aos Anjos; e assim
a Virgem Bem-aventurada, que amou seu Filho, como nenhuma
outra mãe ama os seus, também sentiu mais que todos os seus
sofrimentos e morte, e é isto tão verdade, que São Bernardo num
sermão (1) não dúvida afirmar, que a angústia da Bem-aventurada
Virgem na paixão de seu Filho, se pode chamar martírio do coração,
segundo o que Simeão tinha profetizado: “E a tua mesma alma será
traspassada de uma espada de dor” (Lc 2), e, porque o martírio do
espírito parece ser mais doloroso do que o do corpo, Santo Anselmo
no seu livro das excelências da Virgem (2) diz, que a sua pena fôra
mais atormentadora do que de qualquer martírio corporal. Nosso
Senhor, quando orava no horto de Getsêmani, sofria sem dúvida o
tormento do espírito, meditando atentamente em todas as dores e
martírios, que havia de sofrer no dia seguinte, e, largando de certo
modo as rédeas à tristeza e ao pavor, em tal aflição se viu, que de
todo o corpo derramou suor de sangue; coisa, que não se lê que lhe
acontecesse nos tormentos de que Seu corpo foi vítima. Assim a
Virgem Santíssima sofreu indubitavelmente daquela espada de dor,
que lhe traspassou a alma, uma dor intensíssima e acerbíssimo
tormento; e, não obstante, porque preferia a honra e glória de Deus
aos martírios de seu Filho, estava junto da Cruz, cheia de
resignação e tranquila, vendo-O nas torturas do patíbulo.
Não caiu desfalecida, e quase morta, como alguns imaginam; não
arrancou o cabelo; não fez o pranto que as mulheres costumam
fazer, mas suportou com a firmeza com que devia a execução dos
decretos de Deus. Amava muito seu Filho; mas aquele amor era
subordinado à honra do Pai e à salvação do Mundo: e estas
duas circunstâncias eram também de mais peso para o Filho, do
que os tormentos que tinha de sofrer. Além disto a fé, em que a
Virgem nunca vacilou, de que seu Filho havia de ressuscitar no
terceiro dia, dava força à sua grande constância, para não
precisar de consolação de ninguém: pois sabia, que a morte de seu
Filho havia de ser como um sono curtíssimo, segundo dissera o
profeta:
“Não queremos irmãos, que vós ignoreis coisa alguma a cerca dos
que dormem, para que vos não entristeçais como os outros que não
tem esperança” (1Ts 4)
Menciona primeiramente a esperança, do que a fé, porque não se
refere a qualquer ressurreição, mas sim a feliz e gloriosa, que é a
vida eterna, como foi à ressurreição de Cristo: pois, quem
firmemente crê na ressurreição da carne, e tem a esperança de que
seu filho, arrebatado por morte prematura, há de ressuscitar
gloriosamente, não tem motivo nenhum para se, entristecer, mas
sim para se alegrar, pela certeza que tem da sua salvação.
Vou agora tratar dos deveres dos filhos para com seus pais;
deveres, que Cristo cumpriu sobejamente. Tem os filhos obrigação
de retribuírem a seus pais, como ensina o Apóstolo (2Tm 5), e
cumprem-na, se subministrarem o necessário a seus pais já velhos,
assim como seus pais lhes fizeram, quando eles, ainda pequenos,
não podiam granjear nem alimento nem vestido. Por isso, Cristo
vendo que sua Mãe ia entrando na idade, e que não tinha ninguém
que depois dele morrer, cuidasse dela, encarregou-a a São João,
para tratá-la como Mãe, dizendo à Virgem: Eis aí o teu filho, e ao
Discípulo: Eis aí tua Mãe. Cumpriu o Senhor perfeitamente para
com sua Mãe as obrigações de filho por muitos modos:
primeiramente nomeando, para ficar em lugar do filho de sua Mãe,
São João, que era da mesma idade de Cristo, ou antes, mais novo
um ano, e por este motivo, em muito boas condições para amparar
a Mãe do Senhor; em segundo lugar designando dentre os seus
doze discípulos, aquele que mais amava (Jo 13), e de quem sabia
que era correspondido; podendo assim confiar, que ele
desempenharia com pontualidade e desvelo o encargo de cuidar de
Sua mãe, além disto nomeou aquele que sabia que havia de chegar
à idade muito avançada, e que por isto lhe havia de sobreviver.
Finalmente não deixou Cristo de cumprir os Seus deveres para com
sua Mãe, posto que fosse obrigado a fazê-lo em ocasião tão pouco
própria, porque estava sofrendo tais dores em todo o corpo, e
recebendo tais injúrias dos Seus inimigos, e quase esgotando o
amargosíssimo cálice da morte, que parecia que não poderia prestar
atenção a mais nada, apesar, porém de tudo isto, o amor a sua Mãe
foi superior, e não se importando de Si, só tratou de lhe procurar
consolação e arrimo; e não se enganou na confiança, que pôs na
boa vontade e desvelo de São João, pois desde àquela hora ele se
encarregou da Virgem como de pessoa que lhe pertencesse (Jo 19).
O cuidado que Cristo teve de sua Mãe, com maior razão o devem
ter de seus pais os outros filhos; porque Cristo não lhe devia tanto
como os outros homens devem aos seus progenitores. Os outros
lhes devem tantas obrigações, que nunca lhas podem pagar; pois
lhes devem a vida, que não pode ser recompensada.
“Honra teus pais, para viver largo tempo sobre a terra” (Ex 20)
E pelo Eclesiástico o Espírito Santo acrescentou:
“Quem honrar seus pais, ter alegria em seus filhos, e será ouvido no
dia da sua oração” (Ecl 3)
Nem somente Deus prometeu prêmio aos filhos que honrarem seus
pais, também impôs pena a quem assim não fizer; pois diz o
Senhor:
Referências:
«O quem quer que sejas que conheces que no mar deste Mundo
mais flutuas entre tormentos e temporais, do que pisas terra firme,
não desvies os olhos do fulgor deste astro (de Maria, Estrela do
mar) se não queres ser engolido pelas ondas. Se soprarem os
ventos das tentações, se te vires nos escolhidos da tribulação olha
para a Estrela, chama por Maria. Se te vires batido das ondas da
soberba, da ambição, da maledicência, da inveja, volta-te para a
Estrela, chama por Maria. Se agitado pela perversidade de algum
crime, confundido pelo remorso, aterrado pela severidade do Juiz,
começares a ser devorado pelo inferno da tristeza e pelo abismo da
desesperação, lembra-te de Maria, nos perigos, nas aflições, nas
más circunstâncias, lembra-te de Maria, pede proteção a Maria,
seguindo-a, não te perdes no caminho, rogando-lhe o seu valimento,
não desesperas, tendo-a no pensamento, não erras»
No sermão da Natividade da Virgem Bem-aventurada, ou do
Aqueduto, diz:
«Vede, com que afetuosa devoção quis que honrássemos Maria,
Aquele que em Maria depositou complemento de todo o bem, para
por isso mesmo conhecermos, que, se alguma esperança tem, se
alguma graça recebeu, se a salvação conseguiu tudo dela nos
dimana»
E baixo:
Referências:
(1) Cap. 3.
(2) Cap. 6.
(3) Opusc. 8.
(4) Liv. 1 cap. 5.
(5) Cap. 9.
Capítulo XIII.
“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste”. Explica-se
literalmente a quarta palavra
“Acaso cuidas tu, que eu não posso rogar a meu Pai, e que ele me
não auxiliará com mais de doze legiões de Anjos?” (Mt 26)
Podia mesmo Cristo, como Deus, livrar o Seu corpo das dores dos
tormentos; por isso Ele diz:
Referências:
(1) Lib. 2.
(2) Lib. 9. cap. 6,
(3) Apolog. Oros. Lib. 7. cap. 4.
(4) Comment. in Mat.
Capítulo XIV.
Do primeiro fruto da quarta palavra
Capítulo XV.
Do segundo fruto da quarta palavra
Capítulo XVI.
Do terceiro fruto da quarta palavra
“Porque me abandonaste?”
O segundo motivo foi a multidão e grandeza das penas do
inferno, às quais o Filho de Deus, para que nós pudéssemos
conhecê-las, quis apagar com tão forte aguaceiro dos Seus
tormentos. A intensidade do fogo do inferno mostra-a o profeta
Isaías, dizendo que é absolutamente intolerável, pois se expressa
assim:
O quinto motivo foi o grande amor que o Filho tinha a seu Pai,
pois desejava que a redenção do mundo, e aniquilação do
pecado, ficasse copiosíssima e superabundantíssimamente
satisfeita à honra do Pai Eterno; e isto não podia realizar-se não
abandonando o Pai seu Filho, isto é, sem consentir que Ele sofresse
todos os tormentos que o Diabo pode excogitar e de que o homem
pode ser vítima.
Referências:
Capítulo XVII.
Do quarto fruto da quarta palavra
“Eu te conjuro pelo Deus vivo, que nos digas, se tu és Cristo, Filho
de Deus” (Mt 26)
E declarando-lhe o Senhor, que O era, ele rasgou as Suas
vestiduras, dizendo:
“É réu de morte”
Depois em presença de Pilatos, que desejava livrar o Senhor,
disseram os pontífices e ministros:
“Nós temos lei, e, segundo ela, deve morrer, porque se fez Filho de
Deus” (Jo 19)
Foi, pois esta, como fica dito, principalíssima causa por que o
Senhor foi condenado à morte, como tinha predito o profeta Daniel,
dizendo:
“Cristo será morto, e não tornará a ser o seu povo o povo que há de
negar” (Dn 9)
E foi este motivo, porque Deus na Paixão do Senhor envolveu o
mundo naquelas horrendas trevas, para mostrar com a maior
evidência, que erraram os pontífices, que errou o povo, que errou
Pilatos, que errou Herodes, e que o que estava pendente na Cruz,
era o Seu verdadeiro Filho, e o Messias prometido. Que Ele o era,
disse-o o Centurião em bem alta voz à vista dos sinais celestes:
“Porque me abandonaste?”
Pois Deus não desampara os bons, mas sim os maus. Todos os
orgulhosos tem muita cautela, para não dizerem coisa nenhuma da
qual, quem a ouvisse, pudesse suspeitar que eles mesmos
confessassem a sua indignidade; mas os humildes, os sofredores,
de quem Cristo foi o Rei, de boa vontade aproveitam qualquer
ocasião de mostrarem a sua humildade e paciência, com tanto que
não faltem à verdade. Quanta humildade, pois, quanta paciência,
não mostrou em sofrer isto, Aquele de quem e Apóstolo, diz:
Referências:
(1) Hom. 32, In Epist. ad Roman.
Capítulo IX.
“Tenho sede”. Explica-se literalmente a quinta palavra
Referências:
Capítulo XX.
Do primeiro fruto da quinta palavra
O Antigo Testamento explica-se a maior parte das vezes pelo Novo,
porém neste mistério da sede do Senhor as palavras do Salmo 68
podem ter-se como comentário do Evangelho; pois nele não se diz
claramente, se os que ofereceram vinagre ao Senhor, na Sua sede,
o fizeram por obséquio, se para mais O atormentarem; isto é, se por
amor, se por ódio. Nós com São Cirilo tomamos a má parte aquele
oferecimento do vinagre: são, porém, tão claras as palavras do
Salmo, que não carecem de explicação; e delas colheremos o
fruto de aprendermos de Cristo a termos a sede que devemos
ter: a sede da salvação. As palavras do profeta são as seguintes:
«Menos nos incomoda, diz São Bernardo falando dos Bispos (2), o
prejuízo de Cristo, do que o nosso. Todos os dias tratamos de
averiguar com toda a miudeza as despesas diárias, e ignoramos as
contínuas perdas do rebanho do Senhor»
Não cuide o prelado, que satisfaz à sua obrigação só por viver
piamente, e por fazer diligências em seguir, como particular, as
virtudes de Cristo, sem tornar piedosos também os seus
súditos, ou, melhor, seus filhos, e sem os guiar pelos vestígios
de Cristo para a vida eterna, por isso, se quer sofrer com Ele, com
Ele entristecer-se, e consolá-lO na sua mágoa, vigie assiduamente
sobre o seu rebanho, não desampare as suas ovelhinhas; dirija-as
com a palavra; e caminhe adiante delas como exemplo.
Referências:
Capítulo XXI.
Do segundo fruto da quinta palavra
Referências:
Capítulo XXII.
Do terceiro fruto da quinta palavra
Referências:
Capítulo XXIII.
Do quarto fruto da quinta palavra
Resta ainda um fruto, e docíssimo, para colher da palavra: Tenho
sede. Santo Agostinho, explanando o Salmo 68, diz, relativamente a
esta palavra, que ela mostrara não só o desejo de bebida corporal,
mas também o ardente desejo de Cristo pela conversão e salvação
dos Seus inimigos, nós, porém, pela ocasião que nos oferece a
explanação de Santo Agostinho, podemos subir mais alto e dizer
que a sede de Cristo era a sede da glória de Deus e da salvação
dos homens; e que a nossa deve ser da glória de Deus, da
honra de Cristo, da nossa salvação e da salvação do nosso
próximo. Que Cristo teve sede da glória de seu Pai e da salvação
das almas, não pode duvidar-se, pois isto o diz, clamando, todas as
Suas obras, todas as Suas pregações, todos os martírios que
sofreu, todos os Seus milagres. Devemos pensar de preferência a
tudo, para não sermos ingratos a tamanho benefício, sobre o modo
porque possamos de tal sorte inflamar-nos, que tenhamos
verdadeira sede da honra de Deus, que amou os homens até
sacrificar por eles o seu Unigênito (Jo 3); e termo-lO, juntamente e
do mesmo modo da glória de Cristo, que nos amou e Se entregou a
Si, mesmo por nós, oferenda e hóstia a Deus em perfume de
suavidade (Ef 5), e para também nos compadecermos dos nossos
irmãos de sorte que tenhamos ardentíssima sede da sua
salvação. O que, porém nos é, sobretudo necessário, é tratarmos da
nossa salvação tão sincera e resolutamente, que a sede dela nos
obrigue a pensarmos, a dizermos, a fazermos quanto couber em
nossas forças, e que para ela seja conducente, pois se nós não
tivermos sede nem da honra de Deus, nem da glória de Cristo, nem
da salvação do nosso próximo, nem por isso Deus ficará sem a
honra que Lhe é devida, nem Cristo será privado da Sua glória, nem
o nosso próximo deixará de conseguir a sua salvação; nós, porém
pereceremos para sempre se da nossa parte não tivermos a sede
que devemos ter. Não posso por isso deixar de me admirar, e muito,
de que sabendo nós quão ardente foi a sede que Cristo teve, de que
nos salvemos, e acreditando indubitavelmente que Ele é a
sabedoria de Deus, não nos resolvemos a imitar o Seu exemplo
numa coisa que nos é tão necessária, como nenhuma outra o é
mais, e não menos me admiro de que sendo tão grande a nossa
sede dos bens temporais, como se eles fossem os sempiternos, tão
negligentemente cuidemos da eterna salvação, que não só dela não
mostramos sede, mais nem mesmo é grande o desejo que dela
temos; como se ela fosse uma coisa momentânea e de pouca
importância. A isto se deve acrescentar a consideração de que os
bens temporais não são puros bens, mas misturados com muitos
males, e não obstante isto é solícita e desveladamente apetecidos,
e que a salvação eterna, sendo um bem estreme, é tão descurada,
tão frouxamente apetecida, como se não houvesse vantagem
nenhuma em consegui-la. Ilumina-me, Senhor, os olhos da minha
alma, para que eu possa chegar a conhecer a causa de tão
perniciosa ignorância.
O amor produz sem dúvida o desejo; e este, quando é veemente,
chama-se sede. Mas quem pode deixar de querer a própria
felicidade, principalmente a eterna, e em que não há senão bens,
sem mal nenhum? E se não pode deixar de ser amada coisa de
tamanho valor, porque não é ardentemente apetecida? Porque não
há dela uma sede intensa? Porque se não empregam todos os
meios para consegui-la? Talvez seja a razão disto não ser a
felicidade eterna objeto dos sentidos, e não podermos por isso
avaliá-la como avaliamos a saúde, por este motivo tem sede desta e
daquela um frio desejo. Mas se isto é assim, como é que Davi,
homem como os outros, tão ardente sede teve da vista de Deus, na
qual consiste a salvação eterna, que gritando, dizia:
Capítulo XXIV.
“Tudo está consumado”. Explica-se literalmente a sexta palavra
“Meu Pai, se é da tua vontade transfere de mim este cálice” (Lc 22)
E em outra parte:
“Não queres que eu beba o cálice que meu Pai me deu?” (Jo 18)
Deste cálice pois diz o Senhor, próximo à morte. Tudo está
consumado; pois esgotei até às fezes o cálice, nada mais resta
senão deixar esta vida e, abaixando a cabeça, rendeu o espírito.
Porém, porque nem o mesmo Senhor nem São João explicaram,
para não serem difusos, que era o que estava terminado, temos nós
ocasião de o aplicarmos racional e frutuosamente a muitos
mistérios. Primeiramente Santo Agostinho, no seu comentário a esta
passagem diz, que o Está tudo concluído se refere ao
cumprimento das profecias, que rezavam de Cristo.
“Sabendo, pois, que tudo estava cumprido, para se cumprir uma
palavra que ainda restava da Escritura, disse — Tenho sede — diz o
Evangelista“
E pouco depois:
“Eis aqui vamos para Jerusalém, e tudo quanto está escrito pelos
profetas a respeito do Filho do Homem será cumprida” (Lc 18)
Daquilo, pois, que restava, para ser tudo cumprido, diz agora: Tudo
está consumado; tudo o que se devia terminar e concluir, para se
mostrar, que os Profetas tinham dito a verdade.
Além disto, o Tudo está consumado significa, segundo São João
Crisóstomo, que com a morte de Cristo acabou o poder; que contra
Ele foi dado aos homens e aos demônios; do qual poder o mesmo
Cristo disse aos príncipes dos sacerdotes, aos magistrados do
templo, e aos anciões:
“Esta é a vossa hora, e o poder das trevas”
Por isso esta hora e todo este tempo, em que, por permissão de
Deus, os ímpios tiveram poder sobre Cristo, terminou, quando o
Senhor disse: Tudo está consumado, pois terminou então a
peregrinação do Filho, de Deus entre os homens, a qual foi
profetizada por Baruc nas seguintes palavras:
“Este é o nosso Deus, e não haverá outro que se lhe oponha. Este
descobriu todos os caminhos da sabedoria, e os ensinou a Jacó,
seu servo, e a Israel, seu escolhido, depois do que foi visto no
mundo, e habitou com os homens” (Br 23)
Juntamente com a peregrinação terminou também o estado da
vida mortal, durante o qual precisava comer, de beber, de dormir, e
estava sujeito ao cansaço, às injurias, à flagelação, aos ferimentos,
e à morte. Assim, quando o Senhor disse na Cruz: Tudo está
consumado, e, abaixando a cabeça, rendeu o espírito, concluiu-se a
Sua jornada, da qual Ele tinha dito:
“Saí de meu Pai, e vim ao mundo, de onde volto para meu Pai” (Jo
16)
Terminou- se a trabalhosa peregrinação, a cujo respeito Jeremias
tinha dito:
O altar foi a Cruz, que quanto mais desonrosa era, antes de nela
ser crucificado Cristo, tanto mais ilustre e enobrecida ficou depois, e
no último dia aparecerá no Céu mais brilhante que o sol, pois dela
entende a Igreja a passagem do Evangelho:
Há também outro motivo, abduzido por São Leão (4), e que nós
apresentamos pelas suas mesmas palavras:
Referências:
Isto, porém foi predito mesmo pelo Senhor, para não terem desculpa
os que, depois do cumprimento do que já se realizou, ainda tem
dúvida em acreditar que há de realizar-se o que as profecias dizem
que há de acontecer:
“Assim como foi nos dias de Noé, assim será também a vinda do
Filho do Homem; porque, assim como nos dias antes do dilúvio
estavam comendo e bebendo, casando-se, e dando-se em
casamento até o dia em que Noé entrou na Arca, e não o
entenderam enquanto não veio o dilúvio e os levou a todos; assim
será também a vinda do Filho do Homem. Velai, pois, porque não
sabeis a que hora há de vir o Filho do Homem, diz o Senhor” (Mt 24)
E o Apóstolo São Pedro:
Referências:
(1) In Psalm 76
Capítulo XXVI.
Do segundo fruto da sexta palavra
Capítulo XXVII.
Do terceiro fruto da sexta palavra
Capítulo XXVIII.
Do quarto fruto da sexta palavra
Referência:
Capítulo XXIX.
Do quinto fruto da sexta palavra
Capítulo XXX.
Do sexto fruto da sexta palavra
Resta o último fruto, que se deve colher com o maior proveito, da
perseverança de Cristo na Cruz, pois daquela palavra: Tudo está
consumado, entendemos que o Senhor concluiu a obra da sua
Paixão do princípio ao fim, de sorte que nada Lhe pudesse
faltar. «As obras de Deus são perfeitas» diz Moisés (Dt 33), e assim
como o Pai no sexto dia concluiu a obra da Criação, e descansou no
sétimo, assim também o Filho terminou no sexto a obra da
Redenção, e no sétimo descansou. Debalde clamavam os judeus,
em frente da Cruz:
“Se é Rei de Israel, desça da Cruz, e acreditamo-lo” (Mt 26)
Melhor diz São Bernardo (1):
Que foi o que fez que Cristo nela pendente tanta perseverança
tivesse até à morte, sem Se queixar? A primeira causa foi amor a
seu Pai:
“Não queres que eu beba o cálice que meu Pai me deu?” (Jo 18)
O amor de Cristo a seu Pai, é inteiramente indizível; e tal era
também o do Pai a seu Filho; e vendo que aquele cálice Lhe era
dado por um Pai, o melhor de todos, e amantíssimo, de sorte que
não podia suspeitar de modo nenhum, que Ele Lhe era dado para
um fim que não fosse ótimo, e gloriosíssimo para Si mesmo, que há
que admirar tê-lo Ele bebido da melhor vontade até à última gota?
Além disto, o Pai desposou seu Filho com a Igreja, esposa que não
tinha asseio, e tinha rugas; mas que Ele querendo cuidadosamente
lavá-la num banho quente do Seu sangue, facilmente tornaria
gloriosa, sem mácula nem ruga (Ef 5). Amou Cristo a esposa, que
seu Pai Lhe deu, e não Lhe foi custoso lavá-la no Seu sangue, para
torná-la formosa e gloriosa, pois se Jacó pelo amor que tinha a
Raquel, serviu sete anos Labão, pastoreando-lhe o seu gado,
sofrendo calmos e frios, e fugindo-lhe o sono dos olhos; e aqueles
anos, tantos, lho pareceram poucos dias pelo amor que ele tinha
(Gn 29); se, torno a dizer, por uma Raquel, Jacó se não enfadou
com sete anos de serviço, e ainda de outros sete, que admira que o
Filho de Deus quisesse aturar na Cruz três horas por amor da Igreja,
sua Esposa, que havia de ser Mãe de muitos mil santos, filhos de
Deus? Finalmente, Cristo quando estava para beber o cálice da
Paixão, não atendia só ao amor de seu Pai e da sua Esposa,
atendia também aquela elevadíssima glória, e grande e
interminável alegria, a que havia de subir pela escada do patíbulo
da Cruz, pois diz o Apóstolo:
“Não queres que eu beba o cálice que meu Pai me deu?” (Jo 18)
E com o Apóstolo:
“Em todas estas coisas saímos vencedores por aquele que nos
amou” (Rm 8)
Além disto, podem também e devem todos àqueles que só pecando
possam abandonar a sua cruz, considerar não tanto o trabalho
presente, quanto a futura recompensa, que sem dúvida nenhuma é
superior a todas as penalidades e sofrimentos desta vida, como diz
o Apóstolo:
“As penalidades desta vida não tem proporção com a glória vindoura
que em nós se há de manifestar” (Rm 8)
E em outra parte falando de Moisés:
Referências:
Prefácio
Vão já correndo quatro anos desde que eu, preparando-me para
deixar este mundo, estou retirado do seu bulício, tendo abandonado
as coisas do século, porém não a meditação da Sagrada Escritura
nem deixando de escrever o que a este respeito me ocorre, porque,
se já não posso ser útil aos meus irmãos pela palavra ou por longos
escritos, ao menos não deixe de o ser por livrinhos de piedade.
Quando eu estava pensando a respeito do assunto que devia
escolher, e, que não só pudesse dispor-me para morrer cristãmente,
mas também servir ao meu próximo, para bem viver; ocorreu-me a
ideia da morte do Redentor, e daquele último sermão que, de sete
curtíssimas palavras, porém de poderosíssimos pensamentos, Ele
do alto da Cruz, como de um elevadíssimo púlpito pregou a todo o
gênero humano: pois naquele sermão ou naquelas sete palavras se
contém tudo aquilo de que o mesmo Senhor diz:
“Eis que subimos a Jerusalém. Tudo o que foi escrito pelos profetas
a respeito do Filho do Homem será cumprido” (Lc 18, 31)
O que eles predisseram a respeito de Cristo, reduz-se a quatro
artigos: Discursos ao povo; oração a seu Eterno Pai; seus
gravíssimos sofrimentos; e suas sublimes e admiráveis ações; e
tudo isto maravilhosamente se realizou na Sua vida, pois o Senhor
pregava frequentíssimamente no Templo, nas Sinagogas, nos
campos, nos desertos, nas casas particulares; finalmente, até de
uma barca as turbas que estavam na praia. As noites passavam
ordinariamente em oração a Deus; pois diz o Evangelista: e passou
toda a noite em oração a Deus (Lc 6 , 12). As suas ações
admiráveis em expulsar demônios, em curar enfermos, em
multiplicar pães, em serenar tempestades, lêem-se a cada passo
nos Evangelistas (Mt 8; Mc 4; Lc 6; Jo 6). Finalmente os malefícios,
com que lhe pagavam os benefícios, eram muitos; não só injúrias
verbais, porém também pedradas, e vontade de O precipitarem (Jo
8; Lc 4). Tudo isto, porém, se consumou sem a menor dúvida na
Cruz. De tal modo, pois, dela pregou que muito dali voltaram
arrependidos (Lc 23): não só se rasgaram corações humanos, mas
também pedras se partiram. De tal modo orou na Cruz, que
oferecendo com um grande brado e com lágrimas, preces e rogos
ao que O podia salvar da morte, foi atendido pela Sua reverencia,
como diz o Apóstolo aos Hebreus (Hb 5). Os tormentos que na Cruz
padeceu, são tão superiores aos sofrimentos das outras épocas da
Sua vida, que propriamente se pode dizer que, aqueles constituem a
Sua paixão. Nunca operou maiores prodígios do que, quando na
Cruz parecia estar no maior desamparo e sem poder algum, pois foi
então, que não só fez que aparecessem provas celestes da sua
Divindade (Mt 27) que os judeus Lhe tinham importunamente
exigido, mas também pouco depois deu disto a maior de todas,
quando depois de morto e sepultado, por Seu próprio poder
ressurgiu dos mortos, fazendo voltar o Seu corpo à vida e vida
imortal. Verdadeiramente, pois na Cruz se consumou tudo quanto os
Profetas escreveram do Filho do Homem.
Antes, porém que eu comece a escrever das palavras do Senhor
parece-me de utilidade dizer alguma coisa a respeito da Cruz, que
foi o púlpito daquele Pregador, o altar daquele Sacrificador, o
estádio daquele Combatente, e a oficina daquele Operador de
milagres. Quanto à estrutura da Cruz é opinião mais seguida dos
antigos, que era formada por três peças; uma ao alto, em que foi
estendido o corpo do Crucificado, outra atravessada, na qual foram
cravadas as mãos, e a terceira pregada na parte inferior daquela,
servindo como de apoio aos pés, que nela foram cravados. Assim o
dizem, os antiquíssimos Padres, São Justino e Santo Irineu (In dial.
cum Triphon. Lib. 15 advers. haeres. Valentin), que bem claramente,
mostram que ambos os pés estavam sobre um escabelo, e não um
sobre o outro. Daqui se segue que os cravos foram quatro, e não
três, como muitos cuidam, representando por isto Cristo crucificado
com um pé sobre o outro; porém à opinião destes é inteiramente
oposta, como muito bem se vê, a de Gregório Turonense (Láb. de
glor. Martyr., cap. 6) a qual é fundada em antigas pinturas:
“Vi em Paris, diz ele, na biblioteca do Rei antiquíssimos, livros dos
Evangelhos, manuscritos, repetidas pinturas do Crucificado, e
sempre com quatro cravos”
Que a haste da Cruz excedia algum tanto a travessa, dizem-no
Santo Agostinho e São Gregório Nazianzeno (Epist. 12. Serm. 1 de
Resur.); e isto mesmo se pode coligir do apóstolo, que, dizendo aos
Efésios (Ef 3): Para que possais compreender com todos os Santos,
qual seja a largura e o comprimento, a altura e a profundidade, bem
claramente descreve a figura da Cruz, que tem quatro extremidades;
largura na travessa, comprimento na haste, altura na parte da haste,
que excede a travessa, e profundidade na parte, que ficava oculta,
cravada na terra. Naquele patíbulo sofreu Nosso Senhor não por
casualidade, nem violentado; pois desde a mesma eternidade O
tinha escolhido, como diz Santo Agostinho (Epist. 120) fundado na
passagem dos Atos dos Apóstolos (At 2): A este, depois de vos ser
entregue pelo decretado conselho e presciência de Deus,
crucificando-o por mãos de iníquos, lhe tirastes a mesma vida: e por
isto mesmo Cristo no começo da Sua pregação disse a Nicodemos
(Jo 3):
“E Moisés no Deserto levantou a serpente; assim importa que seja
levantado o Filho do Homem para que todo o que crê nele, não
pereça, mas tenha a vida eterna”
E falando muitas vezes aos Apóstolos a respeito da sua Cruz, lhes
dizia, exortando-os (Mt 16):