Dossie Matizes Africanas Na Musicalidade Brasileira
Dossie Matizes Africanas Na Musicalidade Brasileira
Dossie Matizes Africanas Na Musicalidade Brasileira
ISSN:1983-3709
Editor Geral:
Marcello Messina – Universidade Federal da Paraíba
Editores
Eurides de Souza dos Santos – Universidade Federal da Paraíba
Valério Fiel da Costa – Universidade Federal da Paraíba
Nina Graeff – Universidade Federal da Paraíba
Comitê Editorial
Wlisses James de Farias Silva – Universidade Federal do Acre
Carlos Sandroni – Universidade Federal de Pernambuco
Albérgio Claudino Diniz Soarez – Universidade Federal da Paraíba
Rainer Câmara Patriota – Universidade Federal da Paraíba
Organização
Nina Graeff e Eurides de Souza Santos
Diagramação
Nina Graeff
Dossiê
Matizes Africanos
na Música Brasileira
Sumário
Notas negras, pautas brancas: abertura do dossiê Matizes Africanos na
Música Brasileira 1
Nina Graeff
Dossiê
1
Musicista e Professora Visitante do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal
da Paraíba (PPGM-UFPB). Doutora em Antropologia da Educação e em “Interart Studies” pela Freie
Universität Berlin.
1
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Para abrir este dossiê, peço agô a Exu; peço a bênção aos mais velhos; peço licença
às pretas velhas e aos pretos velhos, a todas as entidades que me permitiram fazê-lo2.
Para abrir este dossiê, invoco outras entidades, outras cosmovisões, outras línguas,
linguagens, sonoridades e subjetividades, além daquelas legitimadas e autorizadas na
academia.
Abre-se à minha tez a palma de minha mão, que se move lenta em silêncio, não
para que eu identifique suas linhas, classifique seus dedos, ou meça a idade que a ruga
revela. Abre-se, branca, para lembrar que agora digita porque outrora dobrava, junto a
palmas negras, ritmos em roda.
2
Agradeço à minha colega Profa. Dra. Eurides de Souza Santos pela parceria na organização deste
dossiê.
3
“Através de sua história, a música popular brasileira demonstrou uma extraordinária capacidade
de trabalhar conjuntamente com correntes e influências de fora. ... Ela tem demonstrado também
uma abrangente capacidade de transformar o estrangeiro em brasileiro” (MENEZES BASTOS, 2014.
p. 32).
4
Paul Gilroy (20011993) reconheceu há três décadas a contribuição ímpar que as “extraordinárias
conquistas musicais do Atlântico Negro” (p. 13) podem aportar para a história da diáspora africana
e para o surgimento de “culturas planetárias mais fluidas e menos fixas” (p. 28). Vale mencionar
também o trabalho do norte americano Samuel A. Floyd sobre o “poder da música negra” (1995) e
suas transformações nos Estados Unidos (2017)
5
MAPAYA coloca que “é notável que, desta forma, mmino wa setšo (música de origem) e algumas
outras práticas culturais sobreviveram aos ataques do colonialismo, imperialismo, apartheid e
2
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
modernidade em seu sentido amplo. Onde o contato com forças externas é inevitável, engajam-se
processos de aculturação e enculturação para manter as sensibilidades africanas” (2018:114, trad.
minha). Original: “it is remarkable that in this way, mmino wa setšo (music of origin) and some other
cultural practices have survived the onslaughts of colonialism, imperialism, apartheid and
modernity in its broad sense. Where contact with external forces is unavoidable, acculturation and
enculturation processes are engaged to maintain African sensibilities.”
6
Ver sobretudo a crítica à história eurocêntrica e extrativista da etnomusicologia em MAPAYA (2018)
e em MAPAYA e MUGOVHANI (2018, tradução neste volume, 2020).
7
O título alude também à obra clássica de Frantz Fanon Pele Negra, Máscaras Brancas, de 1952
(FANON, 2020).
8
A lei nº 10.639, que se trata de uma modificação da lei nº 9.394 de 1996 que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, foi modificada em 2008 pela lei nº 11.645 para incluir
também as temáticas indígenas.
9
Ver, por exemplo, “Origens Africanas do Brasil Contemporâneo”, de Kabengele MUNANGA (2009).
10
Ver, por exemplo, Noguera, 2012; Machado, 2014; Oliveira, 2016.
11
Um exemplo é a coletânea de textos “Músicas Africanas e Indígenas no Brasil”, organizada por
TuGNY e QUEIROZ (2006).
12
Ver as críticas de AGAWU (1992; 2003a; 2003b), MAPAYA (2018) e MAPAYA e MUGHOVANI (2018;
2020) para paralelos com a musicologia sobre África.
13 Em 2018, foi lançado o dossiê “A Música na Diáspora Africana da América Latina” da Revista Orfeu,
com escopo diferente do presente, assim como o dossiê da Revista África(s) “Música e Pensamento
Africano”, com artigos de autores africanos em inglês.
14 Em outubro de 2020, foi lançado o dossiê “Música Enquanto Prática Decolonial” da Revista PROD.
15
É importante salientar que tais procedimentos são ainda mais graves em outras instâncias
relacionadas à música, como nos inúmeros casos de praticantes de tradições afro-brasileiras que
abandonam suas práticas ao se converterem a religiões neopentecostais.
3
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Matizes Africanos
É comum falar de “herança” ou “influências” africanas, árabes, indígenas
na música, não apenas no Brasil. Ambas incorrem no erro de considerar tais
linguagens como meras decorações de uma “música normal”, isto é, de uma
norma eurocêntrica que define o que é e o que não é Música – com M maiúsculo e
sem predicados. Ninguém discorre sobre “influências europeias” na música ou na
arte, pois estas, em uma matemática simples, parecem dadas: O Brasil foi
colonizado por portugueses e outros europeus; fala português e ensina línguas
estrangeiras europeias; emprega instrumentos e métodos de ensino de origem
europeia em seus conservatórios e orquestras de formato europeu, assim como
livros de “história do mundo” e “da música” limitados à realidade do hemisfério
Norte. Nessa lógica, a música do Brasil nada mais faria senão reproduzir o legado
musical europeu, somado de meras “influências” de outras regiões culturais,
deixadas por “heranças” de um passado remoto. Desconsidera-se, inclusive,
fluxos de trocas musicais contemporâneos.
Ademais, os conceitos de herança e de influências africanas implicam uma
visão essencialista tanto da música brasileira – como se fosse possível definir que
algumas de suas expressões têm influências, enquanto outras não –, quanto da
música de África, seguindo o que o filósofo beninense Paulin Houtondji chama de
unanimismo: “mito que faz pensar que, nas sociedades 'primitivas', ou seja, na
verdade, nas sociedades não ocidentais, todos estão de acordo entre si”
(HOUTONDJI apud AJARI, 2018). A música do continente africano, assim como a
brasileira, parece ter uma essência homogênea e cristalizada, embora mesmo na
África de hoje não haja “uma fórmula simples para determinar o resultado líquido
das influências musicais ocidentais e africanas, pois existem afinidades e
diferenças”16 (AGAWU, 2003a, p. 8, trad. nossa). Independente de quando, de qual
etnia ou parte do vasto continente tenham vindo africanos para o Brasil, aquilo
que é feito por negros não é reconhecido como característico da “música normal”,
sendo automaticamente considerado como de influência africana, e denominado
como “afro-brasileiro”. Por que não se refere a outros tipos de música como “euro-
brasileiros”? A bossa nova é brasileira, afro-brasileira ou euro-brasileira?
Unidos, milhões de pessoas de herança africana crescem
acreditando que a África é uma realidade marginal na civilização
humana quando, de fato, África é o continente onde os seres
humanos ergueram-se pela primeira vez e onde os seres humanos
primeiro nomearam Deus. As implicações para tal reorientação são
16
“There is no simple formula for determining the net result of Western and African musical
influences, because there are affinities as well as differences”.
4
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
17
Não é coincidência a perpetuação do preconceito por trás de “metáforas negras” (PAIVA, 1998),
atribuindo à cor preta e à palavra “negro” o mal, o perigo, a morte, a cor de luto e à branca o bem,
os anjos, a bandeira de paz, etc. (ver também neste dossiê SILAMBO, 2020) Trata-se de crenças
racistas incorporadas desde a infância; desde antes da conscientização sobre diferenças de cor, de
cor de pele, e de desigualdades sociais e raciais. https://sedh.es.gov.br/Not%C3%ADcia/novembro-
negro-conheca-algumas-expressoes-racistas-e-seus-significados
5
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
18
Verso da música “Béradêro” de Chico César.
19
Mais do que expor minha experiência, esse relato é um convite à reflexão de outros acadêmicos
que dedicam seus estudos a culturas de matriz africana.
20
A primeira disciplina de quatro sobre o tema. Na minha graduação em música na Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, só havia três disciplinas tematizando a música no Brasil (e ao mesmo
tempo a música não europeia), das quais uma obrigatória, “Música Brasileira I” e duas eletivas
“Música Brasileira II” e “Música Ameríndia”. O currículo de graduação da Universidade Federal da
Paraíba atual oferece apenas duas disciplinas obrigatórias de “história da música brasileira” nos
dois últimos períodos do curso de quatro anos. Queiroz (2017; 2020) investiga há anos os currículos
de música das universidades brasileiras neste sentido.
21
Mais recentemente, Kubik também publicou dois volumes sobre as extensões africanas no jazz
norte-americano (2017), e as extensões do jazz norte-americano na música africana (2019).
6
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
22
Por exemplo, GÜNTHER, 1969; KOETTING, 1970; LOCKE, 1982; KUBIK, 1983.
23
Dança e ritmo para o orixá Oxóssi.
24
O prefixo etno vem da palavra grega “ethnos”, que significa “povo”, “nação”, “tribo” (com
costumes, língua, religião), mas empregada desde o Renascimento para se referir a outros povos
que não o próprio, e considerados povos bárbaros, não cristãos, pagãos (MENEZES BASTOS, 1995).
Portanto, “etnomusicologia” seria a musicologia sobre o outro, sobre povos estrangeiros, o que no
Brasil poderia significar a música clássica europeia, por exemplo, e não a brasileira.
25
Como um dos primeiros expoentes dessa conjuntura, pode-se citar o missionário britânico Arthur
M. Jones (1889-1980) e sua obra Studies in African Music (1959), baseada em seu trabalho
missionário em Zambia (atual Rep. Democrática do Congo). Vale mencionar também o autor
britânico John Blacking (1928-1990) e suas pesquisas com o povo venda da África do Sul (Blacking,
1967), cujo legado incontestável na etnomusicologia é questionado por MAPAYA (2018). A fundação
da revista “Journal of African Music” em 1966 pelo musicólogo norte-americano Hugh Tracey
representa igualmente um marco histórico nesse sentido. Ver crítica aprofundada ao colonialismo
da etnomusicologia em relação à África neste dossiê (MAPAYA e MUGOVHANI, 2020).
7
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
26
Ver sobretudo os debates em torno da “crise de representação” da antropologia, que têm no livro
“Writing Culture” (CLIFFORD e MARCUS, 1986) seu principal expoente.
27
Uma vertente crescente de musicólogos africanos rejeita o uso do termo “etnomusicologia”,
substituindo-o por “musicologia africana” (Kidula 2006; MAPAYA, 2016).
28
Paralelamente à primeira contribuição de Gerhard Kubik sobre o tema (1979). Pode-se argumentar
que o primeiro trabalho musicológico sobre o tema seja o de Oneyda Alvarenga (1946), “A influência
africana na música brasileira”, que analisa instrumentos, notas de campo e gravações de cantigas
kétu do Candomblé coletadas por Camargo Guarnieri na Bahia.
8
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
29
Um exemplo recentemente investigado dentro dessa perspectiva crítica (Calonga 2020a; 2020b)
se refere às gravações mais antigas de que se tem notícia de cantigas do Candomblé, datadas de
1938 na Bahia e arquivadas no Berliner Phonogramm Archiv da Alemanha, sem oferecer mais
informações sobre sua proveniência.
9
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
30
Dois trabalhos musicológicos recentes de autores que contribuem com este dossiê buscam a
aproximação entre afrocentricidade, pan-africanismo e o estudo da música no Brasil (FREIRE, 2020;
ROSA, 2020).
31
“Normativity is a field of power, a set of relations that can be thought of as a network of norms,
that forms the possibilities for and limits of action”.
32
A harmonia é a dimensão da teoria musical com maior “poder colonizador” segundo AGAWU
(1992; 2003a). Ver também o vídeo “Music Theory and White Supremacy” de Adam Neely, que
viralizou nas redes desde sua publicação em 07/09/2020, demonstrando de maneira didática e
crítica como o entendimento do que constitui a teoria musical fundamenta-se, ainda hoje, no “estilo
harmônica de músicos europeus do século XIX”, isto é, nos princípios e valores da harmonia
funcional. https://youtu.be/Kr3quGh7pJA
33
Após Ewell ter criticado em uma apresentação plenária do Society for Music Theory, entre outros,
o fato da teoria musical perpetuar proposições do judeu-alemão assumidamente racista Heinrich
Schenker (daí o nome do método de “análise schenkeriana”), a revista acadêmica The Journal of
Schenkerian Studies publicou o dossiê “Symposium on Philip EWELL’s 2019 SMT Plenary Paper”, sem
convidar o autor a participar da discussão composta por 15 textos, entre os quais um manifesto
anônimo, rechaçando suas acusações através de argumentos racistas. Estes foram condenados pelo
comitê executivo da Society for Music Theory.
https://societymusictheory.org/announcement/executive-board-response-journal-schenkerian-
studies-vol-12-2020-07
34
Em agosto de 2020, Philip EWELL proferiu virtualmente na Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO)
uma palestra sobre o tema, com tradução alternada em português: https://youtu.be/9_9hx1EsheI
10
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
35
Ver https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2020/08/26/em-movimento-inedito-orquestras-e-
maestros-debatem-apagamento-de-negros.htm.
36
Ver o Webinar transmitido em outubro “Racismo estrutural e acadêmico na música: o que deve e
o que não deve ser dito?” https://youtu.be/MEB9hXnqy_U e a “Série Racismo e Música - Racismo na
Educação Musical com o Prof. Luan Sodré” https://youtu.be/m7sFt1BxOUs
37
A importância do compositor, rapper e empreendedor Emicida ter sido um dos poucos rappers
negros da periferia a se apresentar no Theatro Municipal de São Paulo e a lotar a plateia assim como
a frente ao Theatro com um público da periferia em 2019 é tamanha. O processo colaborativo de
criação e montagem do show foi documentado no filme “Amarelo, é tudo pra ontem”, lançado em
dezembro deste ano. O filme, aliás, é uma das poucas produções de grande porte e alcance
internacional a retratar a história negra da música brasileira, e talvez a primeira a fazê-lo de maneira
didática e a partir da visão de artistas negros. https://brasil.elpais.com/brasil/2020-12-11/emicida-
nossos-livros-de-historia-sao-os-discos.html
38
Em sentido contrário, ver por exemplo o projeto de promoção, difusão e multiplicação da arte e
cultura produzidas nas periferias do interior paulista “Margem Cultural”.
http://margemcultural.org
11
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
39
O relato da experiência de Luiz Carlos da Costa Justino foi publicado na Revista Piauí.
https://piaui.folha.uol.com.br/materia/qual-faccao-vagabundo/
40
https://www.conjur.com.br/dl/soltura-musico-niteroi.pdf
41
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2020/01/fui-preso-a-toa-foi-uma-
covardia-diz-funkeiro-dj-rennan-da-penha.shtml
42
Em sua palestra online “Por que minha música não entra no repertório?” (2020), Ivan Vilela faz
esse questionamento sob o ponto de vista latino-americano, perguntando, por exemplo, quem já
leu algum autor paraguaio. Link: https://youtu.be/3yzg0wSaFeI
43
A autora relata como, estudando psicologia em sua terra natal, Portugal, só veio a ter
conhecimento da obra clássica “Pele Negra, Máscaras Brancas”, do filósofo e psiquiatra martinicano
12
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
“espaços brancos são mantidos brancos, que por sua vez tornam a branquitude a
norma nacional. A norma e a normalidade, que perigosamente indicam quem pode
representar a verdadeira existência humana. Só uma política de cotas é que pode
tornar o ausente existente” (KILOMBA, 2020, p. 14-15).
Outros podem até mesmo desconhecer o contexto de origem de autores que
tenha lido, ignorando que, por exemplo, clássicos da literatura brasileira como
Machado de Assis e Cruz e Souza eram negros. De uma maneira ou de outra, todas
as razões confluem para um mesmo problema: a discriminação de todas as formas
alheias à “norma mítica” constituída geralmente pelo “branco, magro, macho,
jovem, heterossexual, cristão e financeiramente seguro” (cf. LORDE, apud
AKOTIRENE, 2019), oriundo de um país europeu ou norte-americano, ou com
legitimação social outorgada por uma instituição acadêmica reconhecida
internacionalmente.
Mesmo no Brasil, quem se encontra no nível mais inferiorizado e oprimido
dessa escala hierárquica de discriminação difundida mundialmente pelo “mito da
modernidade” (DUSSEL, 2005), é a população negra:
Um país como o Brasil, com enorme dificuldade em admitir que é
racista, mas construído com o sangue e o suor do povo negro
durante os quase quatro séculos de escravização, segue imerso
numa história de violência, genocídio e submissão que mantém
esse grupo até hoje em lugares sociais de marginalidade. Aqui,
abordar tais questões é praticamente um tabu” (WILLIAM, 2019, p.
72).
Mais que isso, em um ano que o debate antirracista se tornou pauta
nacional e internacional44, percebe-se claramente o incômodo de brancos que não
se consideram racistas causado pelo debate, pelas reivindicações e pelo aumento
da representatividade negra na televisão, nos anúncios publicitários, nas
discussões políticas e intelectuais. Nitidamente, a presença das pessoas e dos
temas que foram sempre relegados a posições de inferioridade, subalternidade e
invisibilidade, em vez de ser vista como um trunfo na busca de uma sociedade
mais justa e igualitária, é percebida como uma ameaça.
O medo branco de ouvir o que poderia ser revelado pelo sujeito
negro pode ser articulado com a noção de repressão de Sigmund
Freud, uma vez que a “essência da repressão ... encontra-se
Frantz Fanon, através de uma professora de graduação, de maneira quase secreta, nos anos 1990.
A obra de 1952 foi proibida em Portugal logo após sua tradução no final dos anos 1960, censura
mantida até hoje.
44
O movimento Black Lives Matter causou mobilização internacional após o assassinato nos Estados
Unidos do ex-segurança negro George Floyd, asfixiado até a morte por um policial branco em 25 de
maio. Quase paralelamente, ocorreram no Brasil dois casos de comoção nacional: em 19 de maio,
João Pedro, estudante negro de 14 anos, foi assassinado por policiais dentro da própria casa durante
uma ação policial no Rio de Janeiro; em 2 de junho, o menino negro de 5 anos Miguel Otávio Santana
da Silva caiu do 9º andar de um prédio de luxo em Recife após ter sido deixado sozinho no elevador
pela patroa branca de sua mãe, empregada doméstica que passeava com o cachorro da patroa. Outro
assassinato brutal de repercussão nacional aconteceu no dia 20 de novembro, Dia da Consciência
Negra, com a notícia do assassinato do negro João Alberto Silveira Freitas, espancado e asfixiado
até a morte por dois seguranças brancos auxiliados por outros quatro funcionários da rede de
supermercados Carrefour. Percebe-se que aquilo que é chamado de “naturalização do racismo”
(ALMEIDA, 2019) significa também a naturalização de um genocídio cotidiano no Brasil, onde a cada
23 minutos um jovem negro é assassinado. https://vidasnegras.nacoesunidas.org
13
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
45
No Brasil a principal polêmica, com repercussões até hoje, surgiu em 2017, com o caso de uma
menina branca, que tinha câncer, repreendida por uma menina negra no ônibus por estar usando
um turbante típico da cultura afro, símbolo de ancestralidade e resistência negras. Enquanto a mídia
e o público em geral defenderam a menina branca, as reivindicações negras não foram devidamente
14
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
ouvidas. Para uma problematização do racismo por trás tanto do caso quanto de suas repercussões,
bem como de outras polêmicas de apropriação cultural, ver WILLIAM, 2020.
https://www.theguardian.com/fashion/2017/may/16/chanels-2000-boomerang-criticised-for-
humiliating-indigenous-australian-culture Outra polêmica de abrangência internacional ocorreu no
mesmo ano, com as acusações da grife francesa multimilionária Chanel de humilhação e
apropriação cultural por vender por 2 mil dólares um bumerangue, ferramenta de sobrevivência
histórica de aborígenes australianos.
https://www.theguardian.com/fashion/2017/may/16/chanels-2000-boomerang-criticised-for-
humiliating-indigenous-australian-culture
46
Além do aumento da presença de pessoas não brancas não academia, o projeto e hoje extensa
rede inter-universitária Encontro de Saberes (CARVALHO e FLOREZ, 2014; VIANNA, 2020) contribuiu
há uma década para a inserção e reconhecimento acadêmico de mestres da cultural popular, líderes
indígenas e quilombolas e de religiões de matriz africana através da oferta do ensino de seus
saberes dentro da universidade e do título de Notório Saber, que possibilita a devida remuneração
de sua docência (CARVALHO, 2016).
47
Curiosamente, tal desconforto pedagógico se tornou um exercício constante em minha trajetória
docente recente, de uma maneira quase irônica. Em uma disciplina sobre o Candomblé em Berlim
ministrada na Alemanha, um dos estudantes era filho consanguíneo de uma mãe de santo brasileira.
Em outra disciplina sobre matizes africanos na música brasileira, ministrada no Brasil, um dos
estudantes era músico africano. Em outra intitulada etnomusicologia, dois alunos eram professores
de etnomusicologia.
15
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
48
Ver os diversos casos de personalidades negras da história brasileira retratadas como brancas,
como no caso da compositora negra Chiquinha Gonzaga, retratada por uma atriz branca em uma
série da Rede Globo. https://cearacriolo.com.br/novo/de-machado-de-assis-a-chiquinha-gonzaga-
conheca-personalidades-negras-retratadas-como-brancas/
16
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Para além da escuta das vozes, aprendi ao longo de sete anos no Candomblé
que brancos privilegiados como eu não devem agir como porta-vozes de negros e
de culturas marginalizadas. Fazê-lo é mais uma forma sofisticada de
silenciamento (SPIVAK, 1988; TORRES e SOUZA, 2020). Entretanto, podem agir
como aliados em suas lutas, na luta antirracista, assim como na luta contra toda
e qualquer forma de injustiça e discriminação, atuando como microfones:
ferramentas na amplificação das reivindicações e da potência inata de vozes
longamente abafadas e silenciadas de formas das mais violentas às mais
sofisticadas pelo racismo. Quanto mais espaços de discussão como este dossiê
forem abertos para vozes e visões marginalizadas, mais conheceremos o Brasil;
mais conheceremos as músicas que tocamos, escutamos, dançamos e
pesquisamos. Mais conheceremos a nós mesmos.
Superioridade? Inferioridade?
Por que simplesmente não tentar sensibilizar o outro, sentir o outro, revelar-me outro?
Não conquistei minha liberdade justamente para edificar o mundo do Ti?
Ao fim deste trabalho, gostaríamos que as pessoas sintam, como nós, a dimensão
aberta da consciência.
Minha última prece:
Ô meu corpo, faça sempre de mim um homem que questiona!
Frantz Fanon (2020 1952, p.242)
49
Convidamos também à produção de material artístico em formato digital, mas para este volume
os autores optaram pela produção textual.
17
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
50
Cada vez mais lives têm sido utilizadas como material de pesquisa e ensino durante pandemia,
provando-se fontes muitas vezes mais enriquecedoras, atualizadas e inteligíveis que textos
acadêmicos e demais materiais de arquivo. Ver por exemplo os canais de YouTube “Yorubantu -
Epistemologias Yorùbá e Bantu nos estudos literários, linguísticos e culturais" da UFBA
(https://www.youtube.com/channel/UCjAcsIUVyBBaSNnBFWjPuiw) e “Pensar Africanamente”
(https://www.youtube.com/c/pensarafricanamente).
51
Pedir licença/permissão, em iorubá.
52
Para trilhar este caminho, abrimos mão da práxis de separar artigos científicos de outras formas
de escrita.
53
Vale lembrar que a região africana antigamente denominada de Zaire conquistou sua
independência da Bélgica muito recentemente, em 1960. Tal conquista, no entanto, gerou diversos
outros conflitos e guerras civis, culminando no que ficou conhecido de “Guerra Mundial Africana”,
ocorrida entre 1998 e 2003.
18
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Demonstra como seus músicos lidaram com vinte e um anos de repressão política
do governo nacional liderado pelo ruandês Joseph Kabila. Através da análise de
letras de vários gêneros de música popular, o autor demonstra como os artistas,
evitando abordar uma diversidade de temas por medo de represália, ficaram
improdutivos durante o período que denomina, por isso, de “esterilidade
artística”. Reitera, assim, uma das convicções fundamentais da etnomusicologia
de John Blacking e Alan P. Merriam, que a “música é o espelho do contexto cultural
de seu compositor” (p. 33, trad. minha)
No artigo Xigubu: um “microscópio” para entender músicas e lutas de
matizes africanos, o músico e musicólogo moçambicano residente no nordeste
brasileiro Micas Silambo explorou ao máximo o convite para apresentar uma
perspectiva africana para se pensar a estudar as músicas de matizes africanos no
Brasil. O Xigubu – termo que identifica ao mesmo tempo uma prática coreográfica,
dramática e musical e um instrumento – não é meramente uma tradição sobre a
qual o autor se embasa para tecer suas observações musicológicas. O Xigubu
performa a própria resistência à colonização portuguesa. O autor edifica um texto
denso e fluido a partir de “seus calos nos pés proporcionados pela prática da
dança, bem como das conexões de memórias coletivas que ajudam a lidar com
erros e acertos da vida do Xigubu” (p. 46). Combina seus calos à sua afiada
consciência crítica e a conhecimentos posteriormente adquiridos no
conservatório e universidade em Maputo, assim como em suas experiências
transculturais como músico e pós-graduando no Rio Grande do Norte e na Paraíba.
A tradução do texto Musicologia comum Africana: uma epistemologia
musical de perspectiva Africana dos músicos e musicólogos sul-africanos
Madimabe Mapaya e Ndwamato Mugovhani foi realizada por José Balbino de
Santana Júnior para a revista, com o intuito tornar acessível ao público brasileiro
e lusófono o contexto e os fundamentos de uma musicologia de perspectiva
africana, de modo a abrir caminhos para se pensar epistemologias musicais
brasileiras. O artigo, capítulo de um livro, é didático em demonstrar a importância
de se empregar epistemologias e conceitos africanos na construção de uma
Musicologia Comum Africana, emancipada de epistemologias eurocêntricas, mas,
sobretudo, de reconhecer e dar o devido espaço ao poder do acadêmico africano
em fazê-lo, que, diferente da maioria dos etnomusicólogos ocidentais, são
geralmente músicos proficientes e profundos conhecedores das práticas
pesquisadas (p. XX).
Com intuito similar de tecer uma malha para cruzamentos musicológicos
africanos-brasileiros, foi realizada a entrevista exclusiva Towards a true African-
Brazilian musicology: Interview with Meki Nzewi com o músico e musicólogo
nigeriano Meki Nzewi, por Kamai Freire e Nina Graeff. Com ela, buscamos
introduzir ao público brasileiro diversos conceitos centrais de seu profundo e
profícuo trabalho acadêmico (assim como musical e pedagógico) que nos parecem
frutíferos para o desenvolvimento de uma musicologia “africana-brasileira”.
Respondendo a perguntas elaboradas nesse sentido, Nzewi discorre acerca de
epistemologias e estruturas músico-coreográficas africanas inextricavelmente
ligadas a questões comunitárias, espirituais, de saúde corporal e mental e
“humanizadoras” africanas. Uma “mente verdadeiramente africana” (true African
19
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
20
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
54
Note-se que a decisão de engajar estudantes da UFPB (os doutorandos Micas Silambo e José Balbino
de Santana Júnior e o mestrando Zé Silva) foi também uma iniciativa de tornar a produção acadêmica
mais colaborativa, diversa e com abertura de oportunidades de participação, aprendizagem e
reconhecimento dos saberes de educandos.
21
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
cultivam com seus saberes ancestrais o solo americano: sua terra, frutos, águas,
seres vivos e encantados. Saberes que logram se erguer e encantar mesmo os dias
mais sombrios de uma pandemia e de uma longa história de opressão, através de
suas palavras, gestos, sabores, abraços, danças e sons de infinitos matizes.
Referências bibliográficas
AGAWU, V. Kofi. Representing African Music. Critical Enquiry, vol. 18, n. 2,
1992, p. 245–66.
_______________. Representing African Music: Postcolonial Notes, Queries,
Positions. Routledge: Nova Iorque e Londres, 2003a.
_______________. Contesting Difference: A Critique of Africanist
Ethnomusicology. In: Middleton, Richard; Herbert, Trevor; Clayton, Martin (Org.)
The Cultural Study of Music: A Critical Introduction. Nova Iorque: Routledge,
2003b. 227-237.
_______________. To cite or not to cite? Confronting the legacy of (European)
writing on African music. Fontes Artis Musicae, vol. 54, n. 3, p. 254.262, Jul.-Set.
2007.
_______________. The African Imagination in Music. Nova Iorque: Oxford
University Press, 2016.
AJARI, Norman. Nascida do desastre: Crítica da etnofilosofia, pensamento
social e africanidade. Ensaios Filosóficos, v. XVIII, dez. 2018, p. 8-24.
AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen,
2019. Acesso: 16 de dezembro de 2020.
ALMEIDA, Silvio L. Racismo Estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Editora
Jandaíra, 2019.
ALVARENGA, Oneyda. A influência negra na música brasileira. Boletín
Latino-Americano de Música, v. 5, n. 6, abr. 1946, p. 346-407.
ASANTE, Molefi. Afrocentricidade como Crítica do Paradigma Hegemônico
Ocidental: Introdução a uma Ideia. Ensaios Filosóficos, vol. XIV, dez. 2016, p. 6-
18. Trad.: Renato NOGUERA, Marcelo J. D. Moraes e Aline Carmo. Disponível em:
http://ensaiosfilosoficos.com.br/Artigos/Artigo14/02_ASANTE_Ensaios_Filosofic
os_Volume_XIV.pdf Acesso: 16 de dezembro de 2020.
ASANTE, Molefi. K. Afrocentricity: The theory of social change. Buffalo,
NY: Amulefi, 1980.
BERNARDINO-COSTA, Joaze; Grosfoguel, Ramón. Decolonialidade e
perspectiva negra. Revista Sociedade e Estado, vol. 31, n.1, p.15-24, abr. 2016.
55
Versos da canção “Iodo”.
22
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
23
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Sc4pSk6bBaW79vRFPJbLFMF1tXsr79t4iSorWnm_OU3lpJ9EnWGcd20 Acesso: 16 de
dezembro de 2020.
FANON, Frantz. Pele Negra, Máscaras Brancas. Trad. de Sebastião
Nascimento. São Paulo: Ubu Editora, 2020 [1952].
FLOYD, Samuel A. The Power of Black Music. New York: Oxford Univ. Press.
1995.
______________. The Transformation of Black Music. The Rhythms, the
Songs and the Ships of the African Diaspora. New York: Oxford Univ. Press.
2017.
FREIRE, Kamai. Intangible Cultural Heritage and Transatlantic Connections:
Panafricanism and African Revolution in Brazilian Music. Dissertação de
mestrado. Instituto de Musicologia da Hochschule für Musik Franz Liszt
Weimar/Friedrich-Schiller Universität Jena, Weimar, 2020.
GILROY, Paul. O Atlântico Negro. Modernidade e dupla consciência.
Tradução de Cid Knipel Moreira. São Paulo, Rio de Janeiro: Editora 34. 2001.
GOLDMAN, Marcio. Contradiscursos Afroindígenas sobre Mistura,
Sincretismo e Mestiçagem Estudos Etnográficos. R@U Revista de Antropologia da
UFScar, V. 9, n. 2, julho/dezembro, 2017.
GRAEFF, Nina. Fundamentos rítmicos africanos para a pesquisa da música
afro-brasileira: o exemplo do Samba de Roda. Música e Cultura 9, p. 1–23,
2014.
__________. Os ritmos da roda. Tradição e transformação no samba de
roda. Salvador: EDUFBA, 2015. Disponível em:
https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/20351/1/Os-ritmos-da-roda_RI.pdf
Acesso: 16 de dezembro de 2020.
__________. Oxum’s mirror. Embodying Candomblé Transculturally. Tese
(Doutorado). Antropologia da Educação, departamento de Educacão e Psicologia,
Freie Universität Berlin, Berlim, 2016.
__________. Singing by and with heart: embodying Candomblé’s sensuous
knowledge through songs and dances in Berlin. Revista Orfeu vol.3, n. 2, 2018,
p. 44-71.
GÜNTHER, Helmut. Grundphänomene und Grundbegriffe des
afrikanischen und afro- amerikanischen Tanzes. Graz: Universal Edition, 1969.
HAMPATÉ BÂ, Amadou. A tradição viva. In: KI-ZERBO, Joseph (Org.).
História geral da África I: Metodologia e pré-história da África. Brasília:
UNESCO, 2010, p. 167-212.
JAKOBSEN, Janet. Queer is? Queer does? Normativity and the Problem of
Resistance. GLQ, vol. 4 n. 4, jan. 1998, p. 511-536.
JONES, Arthur N. Studies in African Music. 2 volumes. Londres: Oxford
Univ. Press, 1959.
KIDULA, Jean Ngoya. Ethnomusicology, the music canon, and African Music:
Positions, tensions, and resolutions in the African academy. Africa Today, vol.
52, n. 3, p. 99-113, 2006.
KILOMBA, Grada. Memórias da plantação. Episódios de racismo
cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Editora Cobogó, 2019.
24
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
25
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
26
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
27
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
28
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Nei Lopes1
1
Compositor de música popular e autor do Dicionário da História Social do Samba, com Luiz
Antonio Simas, da Enciclopédia da Diáspora Africana, além de outros livros tematizando as culturas
africanas e da Diáspora nas Américas. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, é doutor honoris-
causa pelas universidades Federal Rural do Rio de Janeiro, UFRRJ (2012), e Federal do Rio Grande
do Sul, UFRGS (2017).
2
Geraldo da Cunha, Dicionário etimológico. Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 1982.
3
Enciclopédia da música brasileira: 2ª ed.: São Paulo: Publifolha; 1998.
4
Idem: 1ª ed.:São Paulo: Art Editora: 1977: p. 1063
29
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
30
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Referências bibliográficas
31
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Kazadi wa Mukuna1
The scrutiny of lyrics from various genres and styles of popular music in
Africa reveals the level of attention and affection composers have given to their
art as they capture in their lyrics or artifacts the essence of the social, economic
and political climate in the daily life of their community. In the realm of music,
these concerns are demonstrated by the high level of artistic productivity of their
works in terms of form and content. Perusing my own contribution in this rubric
in the popular music of Democratic Republic of Congo reveals that in times of
peaceful atmosphere, composers of popular music continue with their
productivity regardless of their political or religious affiliation. This urges one to
concur with the statement that music reflects the reality of where it was
composed, or simply, that music is the mirror of the cultural context of its
composer.
The eighteen years that I have elected to call “The Period of Sterility”, is a
period during which, due to the reign of terror systematically implanted by the
Rwandese Hippolyte Kanambe Kazembere, aka Joseph Kabila Kabange, Raïs,
China-Rambo, and his regime, there was a decrease in the production of popular
music. Furthermore, I argue that during the same period, all infrastructures,
social, educational, health-related, etc. in the country were abandoned to petrify.
It can be asserted that the country and all its infrastructures were doomed to
1
Kazadi wa Mukuna is a native of the Democratic Republic of the Congo (Zaire), Professor of
Ethnomusicology and Director of the African Ensemble at the Hugh A. Glauser School of Music of
the Kent State University in Kent, Ohio, USA. He has taught at various universities in Brazil, in DR
of the Congo (Zaire) and the USA. Among his books are Characteristic Criteria in the Vocal Music of
the Luba-Shankadi Children (1972); African Songs for American Elementary Schools (1980);
Contribuição Bantu na Música Popular Brasileira: Perspectivas Etnomusicológicas; and
Interdisciplinary Study of the Ox and the Slave (Bumba-meu-Boi): A Satirical Music Drama in Brazil
(2003).
32
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
destruction, and the population was deeply ignored and abandoned by the
leadership in a climate of fear. This era will be baptized in 2020 by President
Tshisekedi of “Republic of the Untouchables” 2 . In the field of urban music,
specifically, composers became fearful of reprisals by the government, and
shifted as the focus of their source of inspiration the ethnic traditional rhythms
and dances. For a better understanding of this assertion, this article begins with
a gradual description of the history of artistic productions of the popular music
of DRC during the decades preceding the target period of sterility.
Background
Elsewhere, I outlined contextually the evolutionary continuum of the urban
music in the Democratic Republic of the Congo (DRC) from its socio-economic,
demonstrating its genesis in the urban center of Kinshasa, and defining not only
the urban context from which the music drew its signification, but also
demonstrating the collaboration of musicians from neighboring nations in the
definition process (MUKUNA, 1993). I have also revealed phenomena that affected
the content of urban musical expression during the three decades of Mobutu
Seseko’s tenure as President of the Second Republic – Zaire (1965-1997; MUKUNA,
1999). Specifically, in the article in which I discussed the first decade, I
highlighted the negative effect brought about by the ramification of downfall of
political and economic infrastructures on the social life of the country and
pointed out the salvation documentation recorded in the bulk of lyrics of songs
written during the entire period. One thing was made clear by the above
contextual analysis scrutiny of musical productivity. In spite of their political
affiliation with the government, composers remained productive documenting
the situation of the country in the lyrics of their songs laden with sentiment of
the quest for salvation from the miseries which permeated all facets of life, in the
capital cities and rural areas alike. Georges Nzongola-Ntalaja brilliantly outlines
the contextual history of the transition from Zaire to the DRC in his article “From
Zaire to the Democratic Republic of the Congo,” (NZONGOLA-NTALAJA, 1998a) in
which he points out some of the ramifications for the downfall of Mobutu’s regime
in the economy and social of the country.
According to Nzongola, Mobutu ruled the country as its new king, as the
rightful owner of the country and its abundant resources. Continuing with his
assessment of Mobutu’s presidency, Nzongola asserts that the demise of Mobutu
was directly related to the 1994 genocide in Rwanda that was also one of the
defining moments of the shacky political situation in the Great Lakes region
(NZONGOLA-NTALAJA, 1998a, p. 7). Finally, as Nzongola argues, the downfall of
President Mobutu in 1997 was coupled with the failure to respect the sovereignty
of the DRC by the liberating forces from Rwanda and Uganda. This failure gave
rise to the Third Republic – the Democratic Republic of the Congo that lasted until
the elections of November 2018.
2
President Felix Tshisekedi Tshilombo address to the nation.
33
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Unlike the first decade (1975-85) of the Second Republic, which was
characterized by Mobutu’s political activities and those of his regime as
characterized by Nzongola above, the second and third decades were stigmatized
further by the decadence of the political infrastructure. These conditions sent a
series of negative waves of desperation that gradually culminated into the
denouement of President Mobutu’s thirty-two-year regime (May 20, 1965 through
May 17, 1997). Nzongola writes, “Millions of people became destitute and fallen
into a deplorable state of physical want, while many others were struggling to
preserve themselves and their dependents from such a cruel fate” (NZONGOLA-
NTALAJA, 1998a, p. 15) To make matters worse, a rebellion started in Katanga
province came to be known as the “Yugoslavisation of Zaire”. This insecurity to
divide people and to implicate their followers in the act of ethnic cleansing was
exploited politically leaving some of the country’s regions in a state of fear.
Thousand died in the ensuing violence and in the dangerous trek of nearly a
million people to Eastern and Western Kasai (id., p. 16) The presidential elections
of 2018 theoretically ended the Kanambe regime and gave rise to the present
regime, under President Felix Antoine Tshilombo Tshisekedi, from the Socialist
political party Union pour la Democracie et le Progres Social (UDPS). With the
slogan of “Peuple d’Abord” (People First) as the driving force of change, the new
regime encountered challenges in each and every aspect of the country's
lawlesness infested with corruption. The new regime had to work hard to establish
the respect for the law and put an end to the “Republic of the Untouchables”.
A Period of Desperation
The last two decades of Mobutu’s reign were a period of great hardship
during which miseries were rampant and prominent in all aspects of social life.
This was also a period of desperation, when the country and its population were
caught in the midst of the political and economic power struggle, without relief.
For the majority of the people in rural areas as well as in urban circles, the
metropolitan centers, the quality of life declined drastically, creating a climate of
uncertainty and insecurity (NZONGOLA-NTALAJA, 1998a, p. 16). This environment
was ideal for a large number of demagogues and self-proclaimed preachers to
recruit vulnerable masses of followers in order to gain or retain power (ibid.). This
was a period when the population turned to the higher providence seeking
deliverance from the suffering. In spite of all this, musically, composers
continued to be productive documenting the prevailing conditions in the lyrics of
their songs even by making use of metaphors in order to camouflage the intended
message (cf. MUKUNA, 1999).
This prevailing chaotic situation was well reflected in the lyrics of songs
composed during the last two decades of Mobutu’s reign. In theater, comedians
also found ways of helping the population cope with the effects of the deplorable
condition, utilizing metaphorical mockery language. The population’s desperate
hope that was already engulfed in miseries became the driving force of inspiration
for both comedians and musicians, who wrote the plays and composed the songs
of motivation that invited the population to concentrate their energy where they
34
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
3
As I roamed through the streets of Kinshasa in 1994, the number of prayer meeting places, most
of which were private homes, struck me.
4
A passage from “Mabele” by Lutumba Ndomanueno ‘Simaro’.
5
Listen to Koffi Olomide 1995.
35
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Perhaps the theme of miseries in the urban music of the last decade [1985-
1995] of the Second Republic reached its apogee with the song entitled
“Golgotha”, interpreted by the female singer Tshala Mwana 6. In this song the
composer not only underlines the level of desperation provoked by miseries, but
he seems to discourage from calling on God for deliverance. The composer’s
message is a negative one. While the population feels forgotten, abandoned and
betrayed by their God to whom they have been praying for deliverance from their
miseries, they cannot see the long-awaited results. This feeling of ultimate
desperation is cast within the frame of the Luba traditional proverb called
nsumwinu to dramatize its message of miseries and abandonment:
The most dramatic verse of this song is the reply the population received
from a voice saying that they should not count too much on God who abandoned
His own son Jesus to die on the cross on Golgotha.
Gradually, as the end of his regime was drawing near, Mobutu regime
introduced two of the most remarkable laws which the regime will be overtly
challenged by the population, with impunity. These laws were relative to the use
of Christian names and to the dress code. Although the latter law prohibited men
to wear neck ties and females to wear dresses in public, this law was either
challenged or flatly ignored without fear for reprisal from the government. This
laisse alle will be short lived with the implantation of the new regime. This
assertion is corroborated by the gradual censorship of the song written shortly
before the arrival of the Rwandese army. To better comprehend what is being
argued in this article, there is a need for a brief history of the capital city of
Kinshasa.
6
Listen to Sonodisc CDS- 63707.
36
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Kinshasa
In spite of the frequent name changes for the same geographic space that
served as the site for the Independent State of Congo, during the Berlin
Conference (1884-1885) and became the capital city of the country (COMHAIRE-
SYLVAIN, 1950, p. 11), the name of Kinshasa was officially reinstated at the
country’s independence in 1960 and maintained to the present day. Since its
inception, the city of Kinshasa has served as source of various inspiration to
musicians who sang boasting different aspects of Kinshasa, a city that completed
its first century on December 1, 1981. It is affectionately called in short as Kin
and its population is known as Kinois. It is also proudly called as “Kin Malebo”,
for its geographic proximity to the Stanley Pool also known as Malebo Pool, the
name probably derived from the palm tree species of the borassus family that
dominated the landscape; “Kin la Belle” (Kinshasa the Beautiful), “Mpoto Moyindo”
(Black Europe), for example, are names that address its physical beauty and the
joie de vivre that were once identified with the city; but the name “Lipopo” was
given to Kinshasa for the unique lifestyle full of challenges and surprises it
presents to its population.
Each of these names or expressions denotes explicit meaning to one
generation and conjures up specific memories of affinity to other generations.
This assertion is sustained by a collection of compositions written by different
composers describing an aspect of the city of Kinshasa. Compositions ranged
from “Potopoto Mboka Monene” (ca. 1960) by the mbira player from Brazzaville
Antoine Mundanda to “Kinshasa” composed by the Congolese singer Jean-Bedel
Mpiana (ca. 2008). The theme of “Kinshasa” was also composed by the
Cameroonian musician Francis Bebey (1929-2001).
Whereas in his composition Mundanda compares Kinshasa with Potopoto,
a popular city in Congo Brazzaville, and marvels at the beauty and the joie de
vivre of Kinshasa, Jb Mpiana (b. Jean-Bedel MPIANA 1967) sings of the deplorable
state in which the city of Kinshasa had been reduced about half a century later
during the new regime. Perhaps the best summation of songs boasting about what
the city of Kinshasa meant as a true metropolitan area to the continent of Africa
is “Kinshasa”, composed by the Cameroonian musician Francis Bebey (1929-2001)
after his short visit to the city. He writes in one of the song verses, “If I would
have to choose where to be born again, I would choose Kinshasa…” In a more
recent composition, Jean-Bedel Mpiana (b. 1967) describes the present deplorable
state of the city by reminding his listeners of the glorious phases Kinshasa was
known for, going from being called Kin la Belle (Kinshasa the Beautiful) to
becoming known today as Kin la Poubelle (Kinshasa the Trash Can).
Although the city of Kinshasa began to lose its beauty long before the end
of the second decade of Mobutu’s regime, the situation gradually worsened in
parallel with other aspects of social infrastructure (MUKUNA, 1980; NZONGOLA-
NTALAJA, 1998b). Because of the descriptive nature of this song, “Kinshasa” was
shortly censored by the regime and prohibited even to be broadcast on the radio
throughout the country. Jb Mpiana described Kinshasa with these terms:
37
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
This composition and others about aspects of the city of Kinshasa began to
flourish from the genesis period of the Congolese rumba (1939-1963) prior to the
declaration of the country’s independence in 1960. Several other composers
contributed to this list with perspectives of what they held dear about the city of
Kinshasa or what they lament about what the city of Kinshasa has become over
the years. For the most part, the bulk of these songs not only boasted of the
beauty, but also warned the population about the danger of falling victim to the
hidden challenges beneath the city’s beauty and joie-de-vivre.
Further observation of the repertoire composed during the Republic of
Untouchables reveals yet another practice identified by the effect of a different
kind of miseries affecting directly or indirectly local musicians. Among the Luba
people of the Democratic Republic of the Congo the practice of publicly
singing/reciting an individual’s name, his/her deeds and accomplishments,
his/her family lineage, and all with which he/she constitutes a cosmos; all that
bring meaning/significance to his/her life, is commonly known as ‘ku tendelela’.
Often, in the traditional context, these are dignitaries and powerful people who
have made valuable contributions to the community. When the name of an ill-
behaved person in the community is called in a song, it is not to praise, but is
rather a sort of social control aimed at exposing that person. Among the Luba
ethnic group, parents address Nyimbu ya Kusansula (Songs of Praises) to their
children (MUKUNA, 1980). This practice should not be confused with that called
‘ku sengelela’ in which the objective is to appease, to calm, to cajole. Neither of
these practices is unique to the Luba nor to the Democratic Republic of the Congo,
they can certainly also be found throughout Africa.
In any communal gathering, music-event or event-music, for example, it is
common for the performer to mention the name of an individual in his song or to
play his instrument directly in front of someone in attendance. In essence, this is
a form of publicly recognizing the individual or simply recognizing his/her
presence at the gathering. One response the attending individual can give to
recognize such a gesture is to express his/her thanks monetarily. Another
acceptable response is for the individual to dance, especially when an instrument
player performs directly in front of the individual. In the urban music of the
Democratic Republic of the Congo this practice was carried out in club concerts
and in studios, often as a way of thanking the individual for his/her patronage,
i.e., attending the band’s concerts, making donations, or simply becoming a friend
of the band. It is also an occasion for the band to give free publicity to a
corporation which has been supportive.
38
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
39
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Bopanu Babongo Jimmy’s career was becoming popular, sharing stages with
popular bands, television appearances, and possible recording contracts, but
soon his popularity became short lived in the Republic of Untouchables where the
powerful made unilateral decisions that affected people’s lives. Also known by
his stage name of “En tout cas”, Bopanu’s fame was terminated by a local
government official who alleged that Jimmy’s genre of songs was offensive to the
population and promoted tribalism. The popularity of Bopanu’s song is measured
by the refrain passage being quoted in “Ambiance Eyenga” by Zaiko Langa Langa
and Jossart Nyoka Longo.
Eee yaya Eh
Kozanga mosala Pasi, Jobless condition is hard
Tata ya bana aleyi biloko ya mbanda The Old man ate his rival’s food
Na tongo otikaki 500 francs You left 500 francs in the morning
Na pokwa oleyi soso In the evening you want to eat chicken
Motu ya ngana opasoli The gentleman
Opasoli parabrise na ye Whose wind-shill you destroyed
Ye motu abakisa ka He is the one that increases the money
Otuna ata te? You don’t even ask?
40
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
regain their courage and use direct language in their songs to denounce this evil
practice that was introduced in the country by the invading Rwandese. This
subject matter is best denounced in 2019 by Jossart Nyoka Longo in “System ya
Benda” and in “Sielumoka Ngwasuma”, interpreted by the Zaiko Langa Langa. In
“Sielumoka Ngwasuma” the composer is warning those concerned to stop these
bad practices:
Aza te NONE!
Tokobina awa We are dancing here
Oyo akofinga moninga Is there insult for the other?
Aza te NONE!
Eza te NONE!
Summation
In summation, during the period of sterility, musicians became
nonproductive. Afraid of reprisals from the government, and to keep their band
employed, most band leaders resorted to their ethnic background for inspiration
or simply interpreted traditional folklore on modern musical instruments. In this
category there is the obvious traditional Mongo influence in the melody, rhythm
in the song “Eloko Oyo” by Fally Ipupa and the performed movements of the
dance. Another obvious example is in the rhythm and dance of the song “Zenga
Luketu” by Noel Ngiama Makanda (b. 1965), aka Werrason that exhibit the
characteristics of music and dance from the Kikwit region. These songs not only
avoid addressing overtly any social, political, or economic issues, for fear of
reprisal, and sustain our original hypothesis that musicians become less
productive under fear.
Bibliographic References
COMHAIRE-SYLVAIN, Suzanne. Food, Leisure among the African Youth of
Leopoldville, Belgium Congo. Rondebosh: University of Cape Town, 1950.
DIATTA, Nsamba Olangi; ONAKAYEMBE, Fuamba. Le sort des musicians
Zairois, la raison d’une certaine mentalite et d’une certaine mode de vie. Elima
170 (24 March): 2-5, 1986.
EWENS, Graeme. Congo Colossus: The Life and Legacy of Franco and O.K.
Jazz. London: Buku Press, 1994.
MALANGI, Lonoh. Vingt ans de musique engagée. Lokole: revue Zairoise
de promotion culturelle (special number), p. 45-49, 1985.
41
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Kazadi wa MUKUNA. The Evolution of Urban Music during the 2nd and
3rd Decades (1975-1985) of the Second Republic – Zaire. Journal of African
Music, vol. 7, n. 4, p. 73-87, 1999.
____________________. The Changing Role of the Guitar in the Urban Music of
Zaire. The World of Music, vol. 36, n. 2, p. 62-72, 1994.
____________________. L’evolution de la musique urbaine au Zaire
durant les dix premieres annees (1965-1975) de la Seconde Republique.
L’Aquarium, vol. 11, n. 12 (Printemps), p. 65-71, 1993.
____________________. “Structure of Bantu Praise Songs in Zaire.”
Michigan Music Educators 18, p. 7-8, April 1980.
NZEWI, Meki. n.d. Theoretical Content and Creative Continuum in
African Music: The 1994 Culture-Exponent Definitions, unpublished
manuscript.
NZONGOLA-NTALAJA, Georges. From Zaire to the Democratic Republic of
the Congo. Current African Issue, n. 20, 1998a.
_______________________________. From Zaire to the Democratic Republic of
the Congo. Uppsala: Nordiska Afrikainstitutet, 1998b.
Discography
n.d. “Golgotha,” in Tshala Mwana. Paris: Sonodisc CD-63707.
Nyoka Longo, Jossart.
https://www.youtube.com/watch?v=sRRk427v6C0 – Accessed December 2, 2020.
42
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
1
Doutorando do Programa de Pós-Graduacão em Música da Universidade Federal da Paraíba. Natural
de Maputo, Moçambique. Licenciado em Música na Universidade Eduardo Mondlane em 2012 com
enfâse em Piano erudito e Guitar jazz. Mestre em música na Universidade Federal do Rio Grande do
Norte em 2018 na Área de Processo e Dimensões de Formação em Música. Atua em vários níveis de
ensino privado e público de Moçambique, incluindo ensino primário (EPC Cassimatis, EPC de
Chigubuta, Willow International School-Maputo), técnico profissional (Instituo de Formação de
Professor de Chibututuíne) e no ensino superior (Universidade Eduardo Mondlane).
yanikmicas@gmail.com
43
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Introdução
Existem muitas produções teórico-acadêmicas que pensam as práticas
musicais africanas a partir do novo mundo2, mas pouca produção em diálogo com
essas experiências na sua origem africana. O artigo reflete sobre música com
matizes africanos para ampliar formas de escuta e leitura do novo mundo. O
estudo das práticas culturais com matizes africanos constitui um caminho
profícuo para analisar formas simbólicas que os africanos e seus descendentes
criaram em diversas partes do mundo. A dança, canção, instrumento, festa, ritual,
ginga, tal como a gravura, conto, pintura, língua. etc. são traços culturais que
denotam modos, crenças e costumes de viver das sociedades africanas
constituindo-se como um elo de “reverberação de saberes” (SANTANA, 2019).
Dum-ku-taka-taka-taka taka-taka. Este padrão do tambor personifica o
ritmo do Xigubu 3 (Figura 1). Ele se retrograda, permuta, complementa,
intertextualiza, justapõe, sobrepõe, interpenetra, aumenta e diminui um ritmo
que desde cedo se energizou direta ou indiretamente em meu corpo de forma
significativa como uma prática cultural indissociável que une música, dança,
drama, luta e vida.
2 Qualquer país que, não sendo do continente africano, pratica a música com matizes/características
africanas.
3 Antes da sua leitura prefira assistir o vídeo deste link do Xigubu com Hodi Maputo Afro Swing.
https://youtu.be/P3-MN51q6l8
4 Um dos distritos localizados no sudeste de Maputo, capital de Moçambique, país localizado no
sudeste da África.
5 Localizada em eSwatini, país do sul da África. Moçambique limita-se a sudoeste com eSwatini e
África de Sul.
44
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Música de Mbira, uma prática musical tradicional africana muito difundida na região abaixo do Rio
Zambeze. O Rio Zambeze nasce na Zâmbia e flui pelo leste de Angola, ao longo da fronteira nordeste
da Namíbia e da fronteira norte do Botswana, depois pela fronteira entre a Zâmbia e o Zimbabwe
para Moçambique, onde atravessa o país para esvaziar no Oceano Índico.
45
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
8
https://www.researchgate.net/figure/Figura-08-Mapa-da-divisao-politica-atual-de-Africa-Fonte-
IBGE-2004_fig5_304498778
46
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
atracaram os seus navios nas ilhas de Cabo Verde em 1460 e, dez anos depois, em
São Tomé e Príncipe. Sua rota continuou: em 1482, chegaram no território
angolano, e, finalmente, entre 1497 e 1499 desembarcaram em Moçambique
mediante as suas “aventuras marítimas” conhecidas por “descobertas” das novas
terras (IALÁ, 2020), como se essas terras fossem novos passos improvisados no
Xigubu e que antes ninguém os exibisse em sua performance.
Em Xigubu consideramos que novos passos ou ritmos da dança foram
descobertos quando antes estes não tenham sido executados ou improvisados por
nenhum grupo. Afinal, o que os portugueses descobriram mesmo nas terras da
África se lá já viviam pessoas há séculos? Volto com o Manuel Ialá (2020) que me
responde: “a teoria da descoberta, à luz da interpretação, ou seja, pelo conceitual
deste vocábulo, significaria achar o que não tinha sido achado/descoberto”. Ele
continua, “a verdade é que, essas terras foram descobertas pelos navegadores
europeus, visto que, nunca haviam chegados nesses territórios, ou melhor,
estavam chegando e descobrindo essas terras pela primeira vez, enquanto faziam
viagens, logo, essa descoberta seria “interna” – para eles [e seus interesses
devastadores]”.
Em síntese, os grupos de Xigubu na sua luta apresentam uma variedade de
passos de dança, repertório, vestuário, colares e formações instrumentais que
incluem um conjunto de tambores de vários tamanhos. Sem pretensão
hierárquica, analisarei cinco aspectos a partir dos quais apresentarei
características da música africana: tambor, música, dança, processos de
transmissão e a natureza das relações que se obtêm entre eles (performance).
Importa salientar que ao longo do texto usarei algumas expressões
provenientes de duas variantes da língua xiTsonga - o xiRhonga e xiChangana -
comumente faladas na zona Sul de Moçambique, sendo xiChangana recorrente na
província de Gaza e xiRhonga em Maputo, a Capital de Moçambique. Aqui estou
também defendendo que a reconstrução dos modos de produção de
conhecimento precisa dar espaço às línguas africanas como seu principal veículo
de engajamento entre comunidades culturais e acadêmicas.
Instrumento musical Xigubu
A canção, dança e vida africanas são intrinsecamente ligadas aos
instrumentos musicais tradicionais. Estes desempenham funções que circulam
em vários domínios, seja o social, espiritual, mágico ou religioso. O tambor está
presente no cotidiano das comunidades, sendo tocado para anunciar a
concentração de guerreiros para a batalha ou uma grande calamidade como a
morte do chefe, inundações, queimadas, entre outras situações (JUNOD, 1996, p.
383). O principal tambor desta prática cultural também se chama Xigubu:
47
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
A minha vivência junto a mestres desta prática mostra que o termo Xigubu
está relacionado ao tamanho maior desse instrumento comparativamente aos
outros tambores do mesmo grupo de classificação9. A memória oral nesta prática
evidencia que este nome esteja vinculado ao som intenso e abrangente (longo
alcance) que este tambor é capaz de produzir ao ser executado individual ou
colectivamente, o que geraria seu nome onomatopaico. A expressão gubu-gubu-
gubu representa o som produzido por esse dispositivo musical, o tambor Xi-gubu,
e nas duas variantes linguísticas apresentadas na introdução, o morfema “Xi” é
usado para marcar a classe dos objetos onde os instrumentos musicais fazem
parte, daí o nome Xigubu.
O Xigubu é fabricado, em geral, por meio de um tambor metálico e pele de
animais como vaca, cabrito, gazela, entre outros. O tamanho da pele do animal às
vezes é proporcional ao tambor que se pretende fabricar, ou seja, a pele de vaca
seria para um tambor maior e de cabrito para um menor, por exemplo.
Por outro lado, os africanos sacrificam os animais para a sua sobrevivência
ritualística, alimentar e costumeira. Assim, os animais são importantes nas
cerimônias de cura de doenças, tanto como um meio de gratificar ao ancião ou
médico tradicional pela cura quanto como um recurso usado para a própria cura
ou alívio da enfermidade, doença ou sintoma do paciente, após o seu diagnóstico.
Nesse último ponto diria que o animal serve como um tipo de higiênico por
exemplo para feridas ou mesmo como um produto “farmacológico”. Obviamente,
a carne serve como um alimento rico em proteínas e outros nutrientes
importantes para o corpo humano. Ademais, a pele dos animais exerce várias
funções: em diversos contextos africanos ela pode ser usada como tapete, esteira,
“pano” de mesa, cortina ou vestuário, funcionando como um elemento
indispensável na vida corriqueira e sobretudo para a ginga do corpo humano
africano. Essas formas de uso sustentável da pele são relevantes, pois se elas não
9
Por exemplo a Ligoma, Likuti, Vinganga ou Singanga, Neya ou Neha, Ntoji ou Ntonha (tambores da
danca Mapiko); Bazuca, Ngajiza, Apústia, ou Costa, Duássi ou Luássi (tambores da dança Tufo);
Ngoma, Ngulula (tambores da dança Xigubu), Intxomana (usado em Xingomana e outras danças).
Estes tambores podem ser usados permutavelmente em diferentes outras danças bem como em
rituais religiosos.
48
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
existissem a pele seria jogada fora, aumentando o lixo e o mau cheiro que timbra
as cidades moçambicanas.
Voltando para o meu objeto, é crucial destacar que, após esfolar o animal,
os fabricantes de Xigubu iniciam o processo de confecção com a limpeza da pele.
Mergulha-se a pele na água limpa, que fica submersa cerca de dois a três dias para
deixá-la maleável e facilitar o seu processamento. Durante o processo da
maleabilização da pele, os fabricantes preparam a parte metálica ou de madeira
do tambor para, em seguida, combiná-la com a pele. Passado o tempo de espera
que essa técnica requer, a pele é retirada da água e, ainda molhada, estendida no
chão, devendo ser cortada alguns centímetros a mais de acordo com o diâmetro
do tambor.
Ao cortar o tambor metálico em pedaços, é preciso respeitar os vincos já
existentes no tambor, que fica aberto nas duas extremidades. Em seguida, põe-se
uma parte do tambor em cima da pele para estimar o tamanho da pele a ser
cortada. Sobre a pele já retalhada e limpa são feitos pequenos orifícios nas
extremidades e cobrem-se os dois lados do tambor. Estica-se ao máximo a pele,
introduzindo fios nos pequenos orifícios feitos em suas extremidades com a
finalidade de fixá-la, formando um zigue-zague entre as duas peles (LOPES; TIANE;
CHAMBE; 2009, p. 39-40).
O tambor Xigubu é um instrumento bi-membranofone10, tendo suas duas
extremidades revestidas por uma pele. Ele acompanha a prática homônima do
Xigubu junto a outros dois tambores uni-membranofones, ou seja, revestidos
apenas na parte superior por uma pele, por exemplo os tambores Ngoma (Figura
4) e Ngulula (Figura 5) como mostram as fotos de Lopes, Tiane; e Chambe (2009,
p. 36).
Figura 4: Ngoma. Fonte: Lopes; Tiane; Figura 5: Ngulula Fonte: Lopes; Tiane;
Chambe (2009, p. 32). Chambe (2009, p. 36).
49
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
50
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
interior do tambor que ninguém deveria descobrir. Alguns relatos apontam uma
situação em que meteram o crânio de um chefe inimigo morto em batalha (JUNOD,
1996).
Em todo caso, é preciso reconhecer que o tambor dessa prática musical
carrega dentro de si a alma do animal sacrificado, uma alma que atrai ou encanta
o coração. Assim, quando os instrumentistas executam-no, reconhecem que estão
tocando (não simplesmente batendo o tambor), mas sentindo e cuidando da alma
de um outro animal que os ajuda na criação de uma experiência de encantamento
e mobilização da liberdade de cada participante. Isto se manifesta também nas
interconexões rítmicas que os praticantes do “tambor” aplicam cuidadosamente
como técnicas de sua composição e arranjo: permutação, aumentação,
diminuição, transposição, inversão, retrógrado, mudança e complemento
rítmicos, agregado de alturas, substituição de ataque por silêncio e vice-versa,
justaposição, sobreposição, interpenetração, hibridação, etc.
Os diferentes executantes dos tambores podem executar o padrão rítmico
(Dum-ku-taka-taka-taka taka-taka) ou uma parte dele em diferentes momentos ou
espaços da prática do Xigubu (música), gerando um jogo de permutação do padrão
rítmico ou de uma parte dele. Ao permutar as diferentes partículas do padrão,
cria-se um produto sonoro que resulta em uma sobreposição rítmica, sendo cada
partícula independente e interpenetrante nas outras. Nesse processo os
instrumentistas podem alongar ou encurtar as durações dos trechos rítmicos total
ou parcialmente, lidando com ferramentas de aumentação e diminuição rítmica.
Existem outras formas de ativação do padrão rítmico que podem ser feitas
ou ouvidas ao longo do cruzamento de diferentes tambores, por exemplo: Dum-
kutata-taka-taka-taka taka-taka. Esta adição de figuras sonoras mais rápidas (tata
em negrito, por exemplo) gera um complemento rítmico “interessante” na
composição e improvisação do padrão básico do Xigubu. Esta técnica também
permite a substituição dos silêncios por ataques, integrando outras configurações
tímbricas no mesmo ou diferente tambor.
É comum que no padrão rítmico principal o instrumentista possa preferir
não acentuar ou percutir um determinado ataque para produzir variações
tímbricas (Dum-ku-taka-taka-taka taka-taka) ou substitui o ataque pelo silêncio
(Dum-(-) -taka-taka-taka (--------), respectivamente. É importante também realçar
que em geral os executantes de Xigubu são também praticantes de outras danças
como Makwayela, Ngalanga, Tufo, Mapiko, Zore, Timbila, Mutimba, Xingomana,
Xingombela, Nyau, Makhwayi, Marrabenta, Mandowa, Kateko, Ndokodo, Mutute,
Mutxongoio, Mafuwe, Ndjole, Nyambaro, Chiwere, etc. Devido a essa polivalência
é comum que o(s) executante(s) crie(m) uma fusão propositada entre o Xigubu e
outras danças. Ao colocar ou executar os padrões rítmicos de diferentes danças
lado a lado, uma depois da outra, produz-se a justaposição; mas estes padrões
também podem ser executados simultaneamente, ou melhor, de forma
horizontalmente sobreposta uma da outra. Ao longo da performance, então,
atinge-se um espaço, momento ou uma síntese transitória-ambígua,
aparentemente improvisada, que resulta num padrão rítmico híbrido. É
importante realçar que estas danças são oriundas de diversos grupos
51
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
2 Makonde, Yao, Makhuwa, Nyanja, Nsenga, Shona, Tsonga, Chope e Bitonga, Chuwabo, Sena e
Nyungwe, entre outros.
3 O mestre David Jorge Tembe é praticante e instrutor de danças e instrumentos musicais
tradicionais de Moçambique. Venho consolidando as práticas tradicionais por meio das suas
experiências desde que o conheci em 2005. O mestre Tembe toca Mbila, Ngoma, Xigubu (bombo),
Lipiko, Ntoji bombo, Ngulula, Djembe, Mbila, Xikhitsi, etc. e pratica as danças Xigubu, Xiwoda,
Ngalanga, Xingomana, Semba, Niketxe, Nganda, Muthimba, Nseripwiti, wádjaba, Limbondo,
Makwayela, Makhwayi, Nhlama, Nkhozati, Xisayizana, Mapiko, Khuwana, Xiparatwana, Nyau, Wutsi,
Mutxongoyo e outras. É membro da Companhia Municipal de Canto e Dança do distrito da Matola,
situado na província de Maputo. Também faz parte do corpo docente da Escola de Comunicação e
Artes da Universidade Eduardo Mondlane.
52
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Dança Xigubu
A dança é parte integrante do Xigubu. Ela consiste na dispersão ou no
alinhamento de um determinado número de homens e mulheres em uma ou mais
filas conforme a necessidade do ataque do inimigo. Os dançarinos do Xigubu são
sujeitos devidamente equipados “ou ornamentados” com objetos vegetais, de
fibras e peles de animais nos braços e nas pernas. A maioria dos executantes desta
dança se apresenta descalça e vestida de saiotes confeccionados com pele de
animais, podendo por vezes usar um vestuário baseado em linhas de fibra.
O feitio das suas roupas de pele evoca tanto o costume do vestuário
africano quanto o passado colonial e de exploração dos escravos capturados em
“condição de mercadoria, comprados e vendidos como animais de tração para
servir nas plantações, mineração, criação de gados, nos serviços domésticos e de
ganho, em países como Brasil, Cuba, Estados Unidos, Haiti, México e outros [...]”
(FILHO; NASCIMENTO, 2018, p. 95) favorecendo o crescimento da indústria e
economia europeia, ao mesmo tempo que resulta(va) em tripla perda para
escravos: “perda de um lar, perda de direitos sobre seu corpo e perda de status
político” (MBEMBE, 2016, p. 131).
Os praticantes da dança Xigubu também se apresentam com colares de
sementes nos braços e nas pernas, além dos signos pintados em sua pele imitando
performaticamente pessoas maltratadas com chicotadas da escravidão. Mapaya e
Mugovhani (2019, p. 38-39) concordam por meio de Masasabi (2007, p. 8) que “as
danças africanas encontram seu apelo visual em parte na escolha de trajes,
maquiagem e pintura corporal, juntamente com outros artefatos que
complementam os trajes” 4 . Nesse sentido, a performance da prática cultural
prospera por meio do uso de adereços específicos significativos consoante a
intenção dos participantes.
Os colares de sementes, ou melhor, Mafahlawa (Figura 6), são idiofones ou
chocalhos de sacudimento que não só adornam o corpo dos executantes, como
também protegem o corpo contra o ataque do inimigo. O instrumento Mafahlawa
produz um fundo musical contínuo que não apresenta um início ou final
claramente pré-definido. Mafahlawa é feito à base de frutos silvestres de
pequenas plantas entrelaçadas em fibra vegetal. Os frutos presos, naturalmente
na fibra, são arrancados da planta e posteriormente secos sem retirar as sementes
que estão no seu interior (LOPES; TIANE; CHAMBE; 2009, p. 22). Quanto mais seco
estiver este instrumento, mais agudo o som que produz.
4“African dances find their visual appeal partly in the choice of costumes, makeup and body
painting together with other artefacts complementing costumes” (MASASABI, 2007, p. 8; MAPAYA;
MUGOVHANI, 2018, p. 38-39).
53
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
54
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Xigubu não é concebida como uma harmonização vertical dos hinos do ocidente.
O entrelaçamento nessa prática coexiste de motivos rítmicos e melódicos
cooperativos concebidos horizontalmente, não simplesmente um movimento
múltiplo confuso de partes. São partes interdependentes que para manter o
conjunto unido devem ser seguradas com firmeza, flexibilidade e
comprometimento por cada participante. Trata-se, sim, de vários ritmos que
cooperam mentalmente para a formação, não apenas de cruzamentos rítmicos, e
sim de uma estrutura cooperativa mega-rítmica do Xigubu.
Voltando para os Mafahlawas, é importante realçar que às vezes eles são
substituídos por um vestuário rasgado ou em forma de fios de fibras e vice-versa
que são amarrados nos braços e nas pernas. Esta vestimenta produz um
movimento espacial meio sincronizado que tampouco exibe um início ou final
pré-estabelecido, nem uma acentuação de gestos em um padrão pré-definido
capaz de ser reduzido precisamente em uma representação gráfica.
Assim, o movimento ora sincronizado ora não sincronizado do Xigubu
representa a resistência do povo moçambicano contra a opressão colonial
comandada por Portugal. De fato, o Xigubu é uma dança guerreira, sendo que os
signos de luta são observados nos rostos firmes e pujantes dos praticantes, bem
como nos gestos corporais que os homens e mulheres gesticulam para atacar o
colono. Os executantes do Xigubu observam uns aos outros e todos se tornam
referência de inspiração ou aprendizagem mútua empreendida na dinâmica de
troca de saberes, gestos e táticas. A eficiência dessa dança depende de um bom
contato visual-gestual, ou melhor, uma boa coordenação rítmica, corporal, e vocal
até mesmo de uma postura favorável na “forma de segurar a baqueta e
movimentar o corpo” (SANTANA, 2019, p. 13).
Os/As dançarinos/as de Xigubu se fazem acompanhados/as de
instrumentos de defesa, ou seja, eles ou elas seguram na mão esquerda um
instrumento designado Xitlangu ou escudo e vão aproximando ligeiramente para
o inimigo e agachando para não dar espaço de o “colono” atacar. Para atacar,
abater e imobilizar o inimigo eles seguram um instrumento denominado Thlarhi
(flecha ou azagaia) na mão direita. Thlarhi é um instrumento que, junto à flecha,
foi e é muito usado pelos africanos na caça de animais selvagens para a sua
sobrevivência.
No contexto de Xigubu este dispositivo representa um dos instrumentos
que os africanos usam para garantir o seu direito à vida face às armas nucleares,
bombas atômicas, balas de fogo e gases lacrimogêneos que atormentam a sua
liberdade e paz, assumindo que isso ainda existe em Cabo Delgado. Afinal os
sujeitos desta parcela do norte de Moçambique, desde 2017, dormem sem saber
se vão acordar respirando; se a sua comunidade vai ser atacada ou não, ou se um
membro da sua família será linchado, morto ou raptado. Chamo aqui a jornalista
e escritora israelita Amira Hass (1996) por mediação do filósofo e historiador
camaronês Joseph Achille Mbembe para mostrar que esse terror é uma
característica que define tanto os Estados escravistas quanto os regimes coloniais
tardo-modernos ausentes de liberdade.
Viver sob a ocupação tardo-moderna é experimentar uma condição
permanente de “estar na dor”: estruturas fortificadas, postos
militares e bloqueios de estradas em todo lugar; construções que
55
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Música de Xigubu
Várias canções acompanham os instrumentos e dança Xigubu. Tomarei
como exemplo a canção Mayeza (Figura 7), a mais executada entre os diferentes
grupos dessa prática e com uma diversidade de versões. Ressalto que a unidade
56
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
57
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
58
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
nem sempre termina com a parte vocal, mas ela é encaminhada flexivelmente num
clímax rítmico dos tambores e do movimento do corpo, e em muitas vezes da
audiência que continua exercendo sua euforia do canto, palmas e assobios mesmo
quando o grupo específico em performance entende ter finalizado uma
determinada peça.
Evidentemente, a música de Xigubu, pensada com as outras partes
reverberantes da dança, tambores ou ouvintes, não apresenta um fim ou início
previamente estabelecido. Portanto, o gráfico ou esqueleto fotográfico notado
acima representa muito limitadamente o Xigubu e serve adequadamente para
problematizar tanto essa pesquisa como outras que escolhem seguir esse
caminho. Vejamos por exemplo que assumi uma análise da harmonia a partir da
tonalidade de Sol. Isto é um paradoxo, pois por um lado, esse trecho (frases
melódicas) não ilustra o princípio e o fim da música Mayeza, parâmetros
importantes para a definição da tonalidade; e por outro, os executantes não têm
preocupações tonal e de afinação à moda ocidental.
As frases melódicas, seja pergunta ou resposta, são em geral cantadas pelos
dançarinos/as, por isso tendem a ser curtas; para dar fôlego da sua coordenação
com os movimentos energéticos exercidos na prática. Pior é que, mesmo que
sejam tão curtas assim, os racistas, eurocêntricos e opressores da humanidade
não as escutam, pois querem seguir destruindo o modo de pensar dos indígenas
africanos, americanos e por aí vai. Em geral, a direção do canto,
predominantemente de frases descendentes, acontece quando os dançarinos
exercem movimentos mais simples e leves.
Observe que a pergunta é mais curta (até mais ou menos 1 compasso na
canção Mayeza) para facilitar a sua execução em solo, enquanto a resposta
apresenta maior extensão, pressupondo que tem várias pessoas colaborando para
a sua execução de forma coletiva; se um erra, o outro acerta. Nesse exercício, a
pergunta e resposta podem ser dialogadas por um período longo com uma
repetição aparentemente monótona da mesma frase curta emitida pelo líder da
dança nessa ocasião e respondida pelos outros corpos numa relação rítmica
complexa intercalada com a riqueza rítmica proporcionada pela alma dos
tambores.
De fato, a repetição da linha melódica vocal quase nunca foi ou não é a
mesma, por várias razões, destaco algumas: 1) na música de Xigubu não há
nenhuma preocupação de manter a mesma afinação ou centro tonal (hegemônico);
2) as melodias se transpõem conforme os corpos dos dançarinos/as vão
aquecendo e arrefecendo com o seu movimento sincronizado na luta; as frases
vocais também vão modulando à medida que os tambores vão perdendo sua
tensão aguda ao ser tocados energicamente; e finalmente, 3) as melodias vão se
tecendo ritmicamente em direção à criatividade que os instrumentistas exercem
para ativar a liberdade da variação dentro do padrão rítmico de Xigubu,
procurando alternativas para resistir ou mesmo estancar de uma vez por todas a
opressão que, nós os africanos, vivemos há cerca de seis séculos, mais de
seiscentos anos.
O Xigubu é uma verdadeira arte de composição contemporânea que nós os
Africanos temos vivido mesmo antes do que é historicamente conhecido como
período de música contemporânea. A era contemporânea historicamente teve os
59
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
60
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
61
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
62
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
9“each player has creative contribution to make, offering suggestions which may or may not be
incorporated into the music” (SMALL; WALSER, 1996, p. 42).
63
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Performance do Xigubu
A performance do Xigubu envolve o cotidiano, a dança, a encenação
histórica, a música e o tambor. Os ensaios, dependendo das condições
comunitárias, são públicos ou privados. No caso de um ensaio público, as pessoas
que assistem podem comentar a sua percepção em relação à performance e muitas
vezes colocam suas sugestões. A apresentação acontece nas festas de
estabelecimento de chefes comunitários ou em atividades mais formais: nas
cerimônias de abertura de bebidas tradicionais (Xikanyi), em datas festivas e
comemorativas, e nas cerimônias de Kuphahla relacionadas ao pedido de chuva
rogando aos antepassados para a sua regularidade.
Na cerimônia Kuphahla, seja em Moçambique, África de Sul ou eSwatini, o
Xigubu acompanha a evocação dos antepassados, despertando os espíritos dos
ancestrais para que possam se comunicar com os vivos. Tal cerimônia
é dirigida pelo líder comunitário e, na ocasião, é sacrificada uma
cabeça de boi, acompanhada por algumas bebidas tradicionais.
Para além desta, existe a cerimónia da colheita, liphusibele, que tem
a finalidade de agradecer aos ancestrais pela produção conseguida
[numa determinada] época (LOPES; TIANE; CHAMBE; 2009, p. 12).
10“In any society, the way in which music is taught and transmitted is an integral part of the musical
culture” (NETTL, 2002, p. 30).
64
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
65
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
66
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
11 “Thebody and all its part are not uniform, yet they remain efficacious in their integration and
functionality”.
67
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
repetição, assim, não se torna monótona. Estes detalhes podem ser uma
acentuação específica do ritmo, uma maneira de pegar a baqueta mais confortável
e funcional, uma movimentação corporal que auxilia na compreensão do ritmo, o
encaixe e conjugação entre as levadas no conjunto etc. (SANTANA, 2019, p. 11-
12);
6) Uma organização espiral: a repetição e variação do som e o movimento
são relacionadas por meio de um padrão rítmico fundamental que se distingue
das estruturas sonoras e motoras improvisadas; as produções rítmicas, melódicas
contemporâneas (tonais, atonais, modais) se tecem flexivelmente não definindo
claramente ou linearmente a velocidade e o lugar específico do início ou
finalização das obras; A performance no seu todo dependerá do primeiro e do
último a sair da cerimônia considerando que isso faz parte integrante da prática
cultural;
7) Baseia-se no caráter responsorial: os participantes dividem a peça
musical em duas frases, padrão de chamada e resposta envolvendo um solista e
um coro onde a resposta do coro, seja imitativa da linha solo ou não. No Mayeza
as respostas não são imitativas, tendendo a ser complexas e executadas por um
maior número dos participantes de forma uníssona dentro da sua tessitura vocal;
8) Tem um caráter mega-rítmico: o cruzamento e entrelaçamento mental e
prático de múltiplos ritmos contrapontuais que se relacionam simultaneamente
nos tambores, pés, chocalhos e o canto geram um tecido musical único de
organização das durações de valores sonoros e do silêncio audíveis. Os
participantes estão filosoficamente conscientes de que, apesar de serem
autônomos na sua produção específica, eles estão tocando, cantando e dançando
juntos, usando diferentes padrões rítmicos, melódicos e gestuais
simultaneamente sendo que cada participante precisa segurar sua parte de forma
interdependente para manter o funcionamento integrado do conjunto;
9) Apresenta frases curtas e “simples”: os trechos musicais africanos
tendem a ser curtos e simples para facilitar a sua memorização cultural,
permitindo que os praticantes cante-os combinadamente com outras atividades
como por exemplo a dança e a execução instrumental;
10) Entrada ou ataque equidistante (IDAMOYIBO, 2006): cada instrumento,
incluindo a voz e os pés pode entrar ou atacar em pontos estratégicos de entrada
no ciclo temático do conjunto da performance delineando ataques “sistemáticos
equilibrados” com movimentos da coletividade;
11) Faz parte do cotidiano africano: o gesto e som exaltam os problemas ou
situações comuns das comunidades locais desenvolvendo formas para lidar com
a vida; os gestos e os materiais usados na dança Xigubu revelam uma forma de
preparação para guerra, comemoração de vitória e junto à sua música transmitem
valores sociais para o bom funcionamento e convivência social;
12) Incorporada consciente e inconscientemente: os esquemas sonoros e
movimentos corporais que se operam no sujeito da performance ocorrem
inicialmente de maneira aparentemente inconsciente na rua, em casa do vizinho,
no campo do cultivo, nas brincadeiras sem que a pessoa se dê conta da sua
transformação e depois eles se intensificam e se acomodam no praticante quando
este se integra ativamente num determinado grupo;
68
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
69
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
70
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
eles seguem empreendendo enormes esforços para juntar ao presente essas rotas
fragmentadas e suas genealogias não ditas pelo considerado sábio.
Todos esses aspectos são importantes na definição de uma música com
matizes africanos. Quem sabe? Pode ser que o conjunto de elementos
estruturados (sonoros e não sonoros) que direcionam socialmente, culturalmente,
espiritualmente e humanamente a nossa vida seja originalmente africano! Existem
muitas pessoas que, apesar de nunca terem pisado na África, podem ter ossos,
carne e uma ancestralidade africana graças ao processo de escravatura,
globalização e colonização. Nesse processo, os escravos carregam consigo suas
tradições musicais para um novo espaço e tempo definidos pela guerrilha
europeia que comanda o mundo gerando rupturas e transformações significativas
nas esferas política, econômica, social e cultural.
A conferência de Berlim (1885) foi um marco importante para essas
transformações. Os europeus tomaram a África como seu continente,
despedaçando-o a seu belo prazer de comercialização dos escravos e exploração
do homem africano para trabalhar nas plantações de café, tabaco, cana-de-açúcar,
entre outras. Tais atuações fizeram com que pessoas de todo o mundo
começassem a redefinir suas identidades pessoais e culturais dentro dos limites
de países africanos desenhados por um serrote europeu bem afiado. Em um
desses dias, os africanos dormiram em territórios com nomes dos seus reinos ou
impérios, mas, em um dia seguinte, acordaram com seus familiares, amigos,
estilos, gêneros, danças, comidas em um outro espaço que só podia/pode ser
acessado por meio de um passaporte. Sempre foi uma tendência do ocidente, é
claro, criar separação para facilitar o seu processo de entretenimento e
trancamento das mentes africanas, e assim, poder explorar melhores os recursos
do continente “negro”, o diabolizado.
A música está sempre lá, se adequando aos novos contextos em forma de
refúgio das dores das chicotadas. Os africanos sempre relatam essas situações de
exploração como uma matéria-prima para a composição das suas práticas
musicais. Eles usam a música como se fosse uma espécie de restituição imaginária
e crítica da catástrofe opressiva. Assim, a música se torna uma espinha dorsal
duplamente usada para a descrição da história cultural e como um processo de
negociação da subordinação racial a que África sempre viveu.
O Brasil não é ausente dessa realidade, afinal os escravos também
chegavam e eram comercializados nesta parcela do mundo. O Brasil tem, de
alguma medida, ossos, carne e Makumba africana. Assumamos isso de uma vez
por todas, pois o Brasil, principalmente o menosprezado, canta, dança, toca
Swings com matizes africanos em um novo contexto que mistura costumes,
valores e singularidades especificamente atualizados/as. Eduardo David de
Oliveira me parece caminhar nessa linha ao afirmar que:
De nossa cultura material à nossa riqueza simbólica, nós,
afrodescendentes, reintroduzimos a África perdida no solo
brasileiro, seja através de uma recriação idílica, epistêmica,
política, artística e até mesmo econômica. Mantivemos suas línguas
não mais faladas no território de origem. Não são línguas arcaicas
para tornarem-se línguas míticas. Assim, elas, ao contrário das
línguas arcaicas, não deixaram de se atualizar. Pelo contrário, elas
atualizaram-se no seu próprio hall linguístico interno, quando
71
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Considerações finais
As experiências das práticas culturais africanas podem informar a
construção do Ubuntu. O seu dinamismo ideal corresponde literalmente a boa
interação das partes que compõem o todo e desta forma o seu virtuosismo resulta
da sociabilidade dos corpos que se conectam em performance. O Xigubu funciona
melhor se cada parte do conjunto estabelecer exclusivamente imperativos
concretos e práticos do seu próprio auto-interesse, porém a satisfação
performática é obtida no todo. Assim, a estrutura do corpo humano de Xigubu é
definida pela troca de papéis nas ações e partes que compõem esta prática
cultural, partes estas que parecem invisíveis dentro de todo conjunto. De facto, o
Xigubu parece um microscópio, um instrumento que possibilita uma leitura de
partículas minúsculas dentro de uma estrutura mais ampla da sociedade.
72
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
12Good rhythmic execution in singing and on the drum instigates dancing, and good dancing
increasingly energises singing, and so goes the spiral regeneration until the highest point of
spiritual elevation is reached (MAPAYA; MUGOVHAN, I2019, p. 34).
73
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Eu sou carvão!
E tu acendes-me, Patrão
Para te servir eternamente como força motriz
Mas eternamente não
Patrão!
Eu sou carvão!
E tenho que arder, sim
E queimar tudo com a força da minha combustão.
Eu sou carvão!
Tenho que arder na exploração
13 Traços característicos da sua língua, música, dança, vestuário, ginga, comida, sabedoria, hábitos,
etc.
74
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
XIGUBO
Para Clande Coufon
75
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Referências Bibliográficas
ABRAHAMS, Roger D. The theoretical boundaries of performance. In:
HERDON, Marcia; BRUNYATE, Roger (Ed.). Form in performance, hard-core
ethnography. Nova York: McGrawHill, 1975. p. 18-27.
AGAWU, Victor Kofi. The Rhythmic Structure of West African Music. The
Journal of Musicology, Vol. 5, No. 3. 1987, pp. 400-418. Disponível em:
https://jm.ucpress.edu/content/ucpmusic/5/3/400.full-text.pdf. Acesso em: 13
Fev. 2020.
APEL, Willi (ed.) Harvard Dictionary of Music. 2a Edição. London:
Heinemann Educational books Ltd. 1970.
AROM, Simha. African polyphony and polyrhythm: Musical structure and
methodology. Cambridge: Cambridge University Press.1991.
ASANTE, Molefi Kete. Afrocentricidade: notas sobre uma posição
disciplinar. In: NASCIMENTO, Elisa L. (org.). Afrocentricidade: uma abordagem
epistemológica inovadora. SP: Selo Negro, 2009.
AYALA, Maria Ignez Novais; AYALA, Marcos (organizadores). Cocos: alegria
e devoção. Crato: Edson Soares Martins Ed., 2015.
BÉHAGUE, Gerard. Performance practice: ethnomusicological
perspectives. Westport: Greenwood Press, 1984.
CRAVEIRINHA, José. XIGUBO. Maputo: ALCANCE EDITORES. 1ª edição,
2008.
EZE, Michael Onyebuchi. What is African Communitarianism? Against
Consensus as a regulative ideal. Afr. J. Philos. 2008, 27(4). Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/299155101. Acesso em: 25 Jul 2020.
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Renato da SILVEIRA
(tradução). - Salvador: EDUFBA, 2008.
FILHO, Silvio de Almeida Carvalho; NASCIMENTO, Santos Washington.
(orgs.) Intelectuais das Áfricas. Campinas, SP: Pontes Editores, 2018.
GATIEN, Greg. Categories and Music Transmission. In (EDs.) BOWMAN,
Wayne; LINES, David. Action, Criticism, and Theory for Music Education. 2009
Oct;8(2): 94-119. Disponivel em:
http://act.maydaygroup.org/articles/Gatien8_2.pdf. Acesso em: 21 Set 2020
GEERTZ, Clifford. The interpretation of cultures. New York, USA: Basic
Books, 1973.
GILROY, Paul. O Atlântico negro: modernidade e dupla consciência.
Tradução de Cid Knipel Moreira. São Paulo: Ed. 34; Rio de janeiro: Universidade
Cândido Mendes, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2001.
GRAEFF, Nina. Singing by and with heart: embodying Candomblé’s
sensuous knowledge through songs and dances in Berlin. ORFEU, v.3, n.2, Dez
2018, p. 44-71.
HALL, Stuart. Da diáspora: Identidades e mediações culturais / Stuart Hall;
Organização Liv Sovik; Tradução Adelaine La Guardia Resende ... let all. - Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2003.
HORNBOSTEL, Erich Morirz von; SACHS, Curt. A classification of musical
instruments. Galpin Society Journal 14: 3-29. [1914] 1961.
76
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
77
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
78
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Apresentação
Eu era apenas um garoto pequeno, magrelo, de olhos arregalados. Aquele
homem negro, alto, com seu semblante tranquilo segurava uma guitarra de corpo
desgastado e se aproximava de mim. Não senti medo, mas curiosidade, e, ao chegar
à minha frente, ele me olhou, e estendendo sua mão para me dar o instrumento
me disse: "Tome. Ande por onde quiser, fale sobre o quiser, se-ja vo-cê."
Traduzi este texto de Madimabe Geoff Mapaya e Ndwamato George
Mugovhani ainda no primeiro semestre do curso de Doutorado em Etnomusicologia
na Universidade Federal da Paraíba. Até aquele momento, muito conteúdo já havia
me tocado de maneira especial; a Etnomusicologia tinha sido para mim ao mesmo
tempo uma grande descoberta e um delicioso encontro com muita coisa que já
havia feito na vida profissional e, sobretudo, um caminho cheio de bifurcações,
uma encruzilhada de múltiplas entradas e saídas. Uma chance real de movimento.
Curiosa essa nossa presença na academia, e quando penso numa "nossa presença"
penso nos corpos e mentes que a própria estrutura institucional racista, que
também alicerça o sistema capitalista, faz questão de afastar de espaços como este.
Este também tem se tornado um espaço de encontro para nós. Entre nós. Temos
formado nós de uma rede interplanetária onde muitas vezes nos conectamos a
pessoas e temas, histórias e formas de contar histórias que apontam não só a
chance de uma transformação individual, mas um movimento bruto e sistêmico de
1
Texto original “Ordinary African Musicology: An Africa-sensed Music Epistemology”. Capítulo 2 do
livro: John Blacking and Contemporary African Musicology: reflections, reviews, analyses and
prospects, org. de Mapaya, Madimabe G. e Mughovani, Ndwamato G. Cidade do Cabo: Centre for
Advanced Studies of African Societies, 2018. Agradecemos aos autores pela gentil permissão a
tradução para o português.
2
Madimabe Geoff Mapaya é professor e chefe do departamento de música da University of Venda,
África do Sul. É autor do livro Music of Bahananwa e músico com diversos álbuns gravados.
3
Ndwamato George Mugovhani é professor emérito da University of Tshuane com doutorado pela
University of Venda, ambas na África do Sul.
4
José Balbino de Santana Júnior é produtor multimídia, entusiasta das novas mídias e das
tecnologias livres. Mestre em Cultura e Sociedade pelo Pós Cult - UFBA e doutorando do Programa
de Pós Graduação em Música da UFPB. Desenvolve investigações e práticas que mixam temas como
música eletrônica, cultura popular, inovação e contra-hegemonia.
79
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
80
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
vez na vida num sonho, mas nunca esqueci. Ele me faz acreditar que o próprio
sonho é (des)caminho para o conhecimento.
Introdução
Partindo da perspectiva do praticante, o estudo da música Africana parece
desalinhado dos empreendimentos da música indígena africana 5 . Como
consequência, as produções correspondentes (geralmente apresentadas por
estudiosos como teorias e/ou filosofias sobre este fenômeno) são voltadas para
si mesmas, e, na pior das hipóteses, discutíveis.
Além disso, no contexto do desenvolvimento Africano, essas teorias
parecem muito pouco relevantes quando consideramos o avanço dos estudos na
música africana. Este capítulo é baseado em um estudo que examinou as
peculiaridades do fenômeno da música indígena africana, especialmente seus
construtos, abstrações e filosofias. Para ser mais preciso, o estudo pretendeu
evidenciar as inadequações das metodologias (etno-) musicológicas canonizadas.
Para tal, utilizou-se a observação participante, incluindo entrevistas, para
recolher dados sobre música indígena africana. Foi dada atenção particular a
ideações e vozes de praticantesindígenas. Resultados preliminares mostram a
existência de formas africanas de concepção, compreensão e comunicação do
conhecimento sobre música indígena africana. Por esta razão, é prudente a
proposta de uma musicologia baseada numa perspectiva Africana, capaz de
aproveitar o melhor dos dois mundos: estudos escolares, de um lado, e
epistemologias populares africanas de outro.
Agawu (1992) registra que desenvolvimentos musicológicos no ano de 1947
na África do Sul e a inauguração da Sociedade de Etnomusicologia nos Estados
Unidos em 1955 despertaram o interesse acadêmico para o estudo da música
indígena africana. Antes disso, esta música era apenas um aparato para se
compreender a cultura e religiosidade da África (MAPAYA, 2013). Antes de meados
do século XX, a música era estudada por outras razões que não as musicológicas,
se tornando objeto de interesses sociológicos, etnológicos e/ou antropológicos.
Mas o que é a música indígena africana?
O conceito de “música indígena africana" refere-se a um conjunto de
práticas constituídas regionalmente, costumeiramente, culturalmente e
etnicamente, cujo centro se baseia no estoicismo de detentores do saber que
mantêm sua integridade filosófica, espiritual e intelectual. Em resumo,
praticantes da cultura são os verdadeiros guardiões de muitos desses gêneros de
conhecimentoindígena.
5
Nota do Tradutor: a palavra “indigenous” foi traduzida por “indígena”, apesar de seu emprego no
Brasil referir-se sobretudo aos povos originários da América. Optou-se por manter o termo cognato,
em vez de traduzi-lo pela palavra mais neutra “nativo”, pois na musicologia africana a distinção é
relevante: tanto um músico popular nascido em alguma capital do continente africano quanto outro
de origem tradicional são “nativos africanos”; porém apenas o segundo é indígena, mantendo uma
relação originária com sua terra e ancestralidade.
81
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
82
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
permanece sendo música. E como música, assim como toda música, merece um
tratamento musicológico. Música indígena africana deveria ser sujeito de análise
e de todos os outros modos de investigação musicológica, desde que não
comprometam sua natureza viva. Afinal de contas, 'música é música' (Babbitt,
1958; Chua, 1999; Cook, 2000). Nos contentemos com o fato de que a ideia de
uma musicologia indígena africana traz à tona o que podem ser considerados
adjetivos estereotipados, como indígena e africano. Se é bom ou ruim invocar
esses adjetivos na discussão dessas músicas é irrelevante para o nosso argumento
corrente.
Bachlund (2012) argumenta que musicologia é conduzida em palavras e não
em música. Portanto, linguagem é o meio da musicologia e ambas linguagem e
música são ligadas à cultura (NEDERGAARD-LARSEN, 1993). Pensar e falar de
‘música africana’ ou ‘música europeia’ é, por assim dizer, uma indulgência
acadêmica. A natureza performativa da música é muitas vezes convenientemente
deixada de fora do discurso, eliminando assim o praticante. Tal exercício se presta
ao estabelecimento de territórios acadêmicos nos quais um tipo de jogo de poder
político entre acadêmicos e praticantes é justificado. Acreditamos que a
musicologia preocupada com os gêneros da música indígena africana deveria, por
uma questão de função, buscar alguma articulação com a ontologia, doxa e
epistemologia africanas. Deslocá-la de tal orientação inevitavelmente relega o
estudo da música africana às desagradáveis e funestas armadilhas da
etnomusicologia; já partir de tal premissa cria uma brecha para escritores que não
possuem necessariamente uma base sólida de graduação na disciplina
musicologia e/ou o benefício de uma experiência performativa adequada para
adentrar o campo de estudo da música africana.
Embora possa haver argumentos apoiando a entrada via porta dos fundos
nos estudos de música africana, tal abordagem tende a ser antitética por sugerir
que o estudo da música africana não garante uma abordagem científica. Meros
registradores de encontros culturais, antropólogos, etnólogos, sociólogos e
planejadores de currículos podem escrever sobre o assunto e atribuir a si o status
de especialistas. Ao longo da história, isso tem sido a raiz de muitos problemas
que atormentam o estudo da música indígena africana. Foi somente quando
musicólogos como o Reverendo A. M. Jones e Percival Kirby adentraram o campo
que vimos emergirem conteúdos e fatos musicológicos substantivos no estudo da
música. A chegada do musicólogo foi, portanto, um marco na história da música
indígena africana. Esses avanços musicológicos são notáveis, e igualmente
notável é perceber que eles ainda estavam fora do alcance dos praticantes das
culturas. Havia uma disjunção entre a linguagem e a maneira de "musicologizar"
a música africana e as ideações e abstrações dos praticantes culturais. É por esta
razão que musicólogos africanos modernos encontram espaço para contestar
certas teorias e/ou percepções musicológicas.
Outro problema é que a musicologia, considerada a 'ciência' mais antiga
pelos primeiros estudiosos (HARAP, 1937; SCHWEIGER, 1940), não ficou imune
aos desafios que cercaram outras disciplinas na era pós-colonial. Como parte do
projeto nacionalista do século XIX, musicólogos se viam como filologistas
musicais. Estudiosos como Helm (1976) parecem ter crescido com olhar mais
crítico à musicologia. Eles a enxergam como um exercício musical alheio à
83
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
6
N.T.: “Cultural experts” foi traduzido por “especialistas da cultura” por falta de termo mais
adequado para indicar uma autoridade de conhecimento cultural. Entretanto, deve-se ignorar a ideia
de conhecimento especializado implicada aí, pois trata-se, ao contrário, de sábios detentores de
saberes amplos e de diversas naturezas.
84
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
7
N.T.: “ético” (etic), no sentido da divisão antropológica “êmico-ético”, isto é, de fora da cultura.
85
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
86
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
8
N.T.: “scholars in knowledge-dependent states” parece se referir a estudiosos ainda não
emancipados na produção de conhecimento acadêmico através do título de doutor.
87
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
88
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
realidade. A maior parte das ideias africanistas sobre a África, incluindo suas
ações e orientações acadêmicas, parecem se ajustar às formas de nível macro do
colonialismo.
De maneira similar, a maior parte dos estudiosos africano-americanos
invocam a África quando o objetivo final é melhorar a condição africano-
americana. A invocação da África é geralmente um esforço para reivindicar ou
contestar espaço sociopolítico dentro do meio acadêmico norte-americano. Para
tanto, Kemet, Kwanzaa e outras inovações são, de acordo com Osuji (2012) e
Mapaya (2013b), efetivamente imaginadas, recuperadas e/ou fabricadas. Mas, dito
isto, seria tolice negar que, de alguma forma, a África tenha se beneficiado dos
estudiosos diaspóricos. Um dos benefícios é a liberdade trazida por pioneiros
acadêmicos afro-americanos como W.E.B. Du Bois, e mais tarde o paradigma da
Afrocentricidade (ASANTE, 1987; 1988) propagado por estudiosos como Asante,
Karenga e Reviere. O paradigma Afrocêntrico propõe a manutenção da chamada
visão de mundo africana em seu centro.
Por outro lado, estudiosos Africanos, a maioria dos quais, senão todos,
foram educados em tradições ou modos de escolarização ocidentais,
involuntariamente promovem os objetivos dos colonizadores acadêmicos na
busca por aceitação ou legitimação acadêmica. Shih (2010) identifica o mecanismo
de aceitação de artigos em conferências internacionais e publicação em
periódicos como uma forma de desviar vozes dissidentes das plataformas
acadêmicas. De todo modo, o que é a academia sem a participação em
conferências e a disseminação de conhecimento através dos periódicos? Como o
pensamento acadêmico original pode ver a luz do dia se esses canais-chave são
inacessíveis? A "submissão voluntária eventual" é, de acordo com Shih (2010, p.
44), inevitável. Como se recebessem algum tipo de apadrinhamento, os estudiosos
Africanos têm que continuar acariciando o ego dos estudiosos europeus, a maioria
dos quais desfrutam de status de veteranos e de orientadores dentro de
universidades. Só assim, e enquanto os estudiosos africanos são leais a esses
prescritos acadêmicos, esses patronos (estudiosos do tipo euro-americano)
cuidam dos interesses deste tipo de estudante (SHIH, 2010). Por mais
generalizante que pareça, evidências desse tipo de flagelo são abundantes.
Dessa forma, esses três agentes continuam a perpetuar a mesma velha
agenda colonial de roubo da tradição africana em nome da academia e da
pesquisa. O produto resultante, disfarçado com camuflagem acadêmica, ainda
deixa as comunidades africanas em seu estado historicamente induzido de
miséria à la "comércio de diamantes de sangue" de Serra Leoa em 2010, onde o
ocidente lucra generosamente enquanto países africanos sangram até a morte. Em
meio a todos os atos de pilhagem e epistemicídio disfarçados, há, é claro,
pequenas recompensas para o colaborador, nesse caso, o politicamente ingênuo
acadêmico africano. E assim, o colonialismo acadêmico afeta os acadêmicos
africanos em dois níveis. Felizmente, o nível macro está começando a ser
abordado a partir de vários ângulos por estudiosos que propagam paradigmas,
metodologias e teorias pós-coloniais. Ampliar o segundo nível é crucial, uma vez
que convida acadêmicos individuais a realizar uma autocrítica em relação ao seu
lugar e papel dentro do nexo da academia e das epistemologias culturais
Africanas. Dito isto, deveríamos perguntar: pode o estudo da música indígena
89
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
9
N.T.: Ver explicação em português da filosofia e estrutura do Ciclo Temático de Conjunto
neste dossiê (NZEWI, 2020).
90
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
91
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
92
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
93
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
94
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Conclusão
Neste capítulo, discutimos questões relacionadas à linguagem a partir de
perspectivas etnomusicológicas e musicológicas. Fundamentar estes argumentos
foi uma afirmação de que a musicologia africana pode se beneficiar das bases
filosóficas da linguagem comum. Usando o exemplo da música indígena africana,
nós ilustramos o fato de que, para que as epistemologias africanas possam ser
adequadamente recuperadas, uma revisão dos modos atuais de formulação do
conhecimento dentro dos ditos campos de estudo consagrados não é suficiente.
Em contraste com muitos estudiosos africanos, nós reivindicamos a
reconfiguração ou, na melhor das hipóteses, a reconstrução desses modos de
produção de conhecimento em benefício tanto das comunidades culturais quanto
da academia. Especificamente, estamos defendendo um tipo de musicologia que
tenha nas línguas africanas seu principal meio de envolvimento entre acadêmicos
e praticantes indígenas africanos. Esse fator da linguagem está fadado a se tornar
um modo discursivo aceitável dentro da academia, especialmente quando
epistemologias africanas estão sob investigação.
Referências Bibliográficas
AGAWU, V.K. Representing Africa. Critical Enquiry. 18(2):245–66, 1992.
____________. Embracing the Non-West. Intégral, vol. 14, n. 15 (2000/2001),
p. 63-66.
Available at: http://www.Jstor.Org/Stable/40214079 . [Acesso em 18 de
maio de 2010].
AKPABOT, S.E. 1976. Fugitive Notes on Notation and Terminology in African
Music. Black Perspective in Music, vol. 4, n. 1, 1976, p. 39-45.
ALATAS, S.F. Academic Dependency and the Global Division of Labour in
the Social Sciences. Current Sociology, vol. 51, n. 6, 2003 p. 599-613.
ASANTE, M.K. The Afrocentric Idea. Philadelphia, PA: Temple University
Press, 1988.
_____________. Afrocentricity. Trenton, NJ: African World Press,1988.
_____________. More Thoughts on the Africanists’ Agenda. Journal of
Opinion, vol. 23, n. 1, 1995, p. 11–12.
ASSOCIATION OF NIGERIAN MUSICOLOGISTS. n.d. Association of Nigerian
Musicologists. Disponível em http://www.Nigerianmusicologists.Org/. [Acesso
em 6 de junho 2013].
ATAL, Y. The Call for Indigenisation: A South Asian Response. Indigeneity
and universality in social science, vol. 33, n. 1, 2004, p. 99-113.
AVOSEH, M.B. Proverbs as Theoretical Frameworks for Lifelong Learning in
Indigenous African Education. Adult Education Quarterly, vol. 63, n. 3, 2013, p.
236–50.
BABBITT, M. Who Cares if you Listen? High Fidelity, vol. 8, n. 2, p. 38–40,
1958.
95
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
96
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
97
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
98
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Introduction
Meki Emeka Nzewi can be considered one of the pioneers of an "African
Musicology" that overcomes the limitations of Africanist approaches. An Africa-
sensed Musicology is more than a quest; it is a positioning of legitimization of
African epistemologies and methodologies for understanding and defining the
music practices of the African continent. At the same time, it is a form of combating
colonialist procedures that marked the development of ethnomusicology or, in its
early days, Comparative Musicology (Vergleichende Musikwissenschaft), based
largely on exogenous and distanced analyses of African music, undertaken mostly
from the point of view of European and North American white researchers (NKETIA,
1962; 1974; AGAWU, 1992; 2003; MAPAYA 2018; MAPAYA and MUGHOVANI, 2018,
2018; GRAEFF, 2020).
Born in Igbo (Nigeria) in 1938, Meki Nzewi is professor of African Music
(theory and practice) at the University of Pretoria (South Africa) and Program
Director of the Centre for Indigenous Instrumental Music and African Dance
Practices (CIIMDA). As a composer, cultural arts educator, theorist and music arts
philosopher, creative writer, music dramatist, performer and choreographer, he
has written and directed a series of musical theater works with a repertoire of
multicultural compositions for various genres (symphony, opera, musicals,
ensembles, voices/solo instruments, etc.). As an “African Mother Drummer”3, he
initiated the Modern African Classic Drum with compositions written in solo, duo
and ensemble. He has published numerous books and articles (see selection in the
da Paraíba, com Doutorado em Antropologia e Educação pela Freie Universität Berlin (Alemanha).
ufpb@ninagraeff.com
3
As Nzewi explains in the interview, the constitution of a typical African music ensemble resembles
the family roles of community life: “the mother instrument performs the distinguished role of the
mother as the director of family living. It is the director of ensemble purpose and musical sense. It
is, of course, the most creatively active member of an ensemble. The mother instrumentalist
marshals the musical and extra-musical actions that transpire in context-based musical arts
performances” (NZEWI, 2009, p. 63).
99
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
bibliographic references) and was the First President of the Pan African Society for
Education in Music Arts (PASMEA).
In his texts, Nzewi speaks of a "true African mind", which we have
paraphrased for the title of the interview, seeking to apply the philosophy behind
this concept to the music of African hues of Brazil and to propose the beginning of
a joint quest for a "true” African-Brazilian musicology.
Interview
Kamai Freire and Nina Graeff: Brazilian Music, with its prominently African
origins or influences in most of its diverse genres, became popular all over the
world. Nevertheless, Brazilian musicology and music teaching is grounded on
conservatorial and, hence, colonial music practices and theories, lacking
methodological and theoretical frameworks to analyze and to teach music under
perspectives more attuned to its own musical arts, epistemologies and memory.
Your work offers remarkable contributions to the development of an African
Musicology that listens and gives voice to its own modes of experiencing and
theorizing upon “musical arts”, which, to use your words, “derive from a multiplay
of human, cultural and environmental sensitizations” (Nzewi, 2020). Therefore, we
see your work as a potential model for the development of an “African-Brazilian
Musicology”; as a lens through which scholars can investigate Brazilian musical
arts in much more comprehensive ways, while decolonizing their practices of
analyzing, teaching and making sense of music. Considering this, we have
formulated the following questions. As we study the social changes in African
musical arts, both in the continent as in the Diaspora, we often notice ruptures and
hindering on an individual’s path to maintain - or to retrieve - a “true African
mind”. In your personal understanding, what is a true African mind and how does
it manifest itself in terms of modes of thinking and making music?
4
Nzewi intentionally employs the term Musical Arts in the singular form for considering „the
original conceptualization, logic and expression of the musical arts as a creative and proactive unity
of sonic, choreographic, mythically/ mystically dramatic and material components. [...] The sonic
component invariably structured creative-performative expressions in the other components, hence
musical arts is a generic, singular term that implicates the scientific underpinnings. The arguments
tendered here are anchored on cognitive study of the underlying philosophy, theory and humanity
principles of creativity that mark African indigenous knowledge paradigms” (NZEWI 2017, p. 63).
100
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
KM & NG: Following the idea of the “true African mind”, how can scholars
investigate music from an African perspective, proposing theories and
methodologies grounded on wider - if not totally different - ways of experiencing
music, as to overcome Eurocentric parameters embedded in their musical and
musicological training?
5
“The soft science of the musical arts, unlike the tangible and material (hard) sciences, is an intan-
gible force that produces tangible outcomes in practical performance sites. The effects and affects
are perceived in both spiritual and tangible dimensions. Most modern technological inventions as
well as the crass promotion of entertainment mentality disable sublime mental disposition. The
result is evident in the prevalent extreme self-centeredness (individualism), villainy, and obsessive
materialism (economania) overwhelming humanity globally, in the conduct of societal affairs and
inter-human/ group relationships” (NZEWI, 2017, p. 63).
101
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
spiritual solace. Analyzing an event music entails determining how the structural
and presentational configurations command and interpret essential contextual
activities. An observer or analyst would then keep track of how the performers
and audience are sonically enabled by specific structural/formal constructs to
execute transpiring event actions, in context. There could be periods of action lull
in the musical arts marshalling of sequences in terms of the progression of
known/expected event scenario of activities. Hence event music is text: it
sonically narrates event progress, and evokes reactive outcomes that are
verbalized or demonstrated. Analysis or appreciation then starts from pre-
knowledge about the why of the musical arts creation, and focuses on how, as
well as what about, an event context inspires musical creation and progression.
A music event, on the other hand, is essentially a sonic entity designed to
manage mind (human and sometimes animal) and relax the body. It thus also
peripherally entails functional outcome such as when it offers the recipients
mental solace, induces sleep (through consistent internal circling of a structural
gestalt - as a soft science of mind entrapment and seclusion, much misunderstood
and misrepresented in exogenous literature about African music as mere
repetition). Music event could also be extra-ordinarily functional when it serves
as an attention template and conduit for social media communications such as
minstrelsy rendition of critical messages etc. In these music event or event music
instances analytical discernment will entail identifying the significance of
thematic configurations (tonal, rhythmic or melorhythmic 6 constructs) of the
expressive musical texture and idioms, which generate/evoke/infuse/activate the
desired mental or physical responses or moods that are witnessed. Hence there
are proactive idioms and themes. All these actually musicological and contextual
texts/details are calculated and conformed in African theory-in-practice
principles. Hence, for example, in Africa: music could be the dance one hears; and
dance, the music one sees, and which commands focusing choreographic and
appreciatory analysis of dance music for example, on the rhythm of dance layer
of the dance music ensemble texture. The humanity imperatives of sharing (sonic
space and thematic gestalts), which mark indigenous musicological vocabulary
should also be discerned for Africa-sensed analysis.
A true African musical mind (in education and research sites) should
eschew the flashy floating theory that marks Western intellectual mindset and
procedure, and dispose itself to perceiving the profound, humanity-focused
theory-in-practice philosophy that marks indigenous African musical arts
creativity, constructs experiencing and interactions. This seriously queries the
cultural-human sense of contemporary education that has remained hegemonic
in philosophy, methodology and content (consuming published literature on a
proposed field research topic before experiencing field practice of the topic title
limits perceiving the subject/object of research attention directly from the
authoritative knowledge owners/experts/creators/practitioners or performing
the knowledge live). Theorizing before experiencing existing knowledge
6
Nzewi, as a great exponent of the theory and practice on talking drums, applies the term
melorhythm for referring to “an African indigenous concept and practice”, which “is a line of
musical statement constructed with successive units of sound in different as well as repeated levels
of tone” (NZEWI, 2007, p. 3).
102
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
prejudices the mind. The African educational philosophy is that the most
effective way of attaining enduring knowledge in body and mind is through
practical experiencing. Through consistent practical engagement particular parts
of the body become automatically eloquent in replicating sonic-choreographic
expressions. Systematic practice derives from rationalized theoretical principles;
and whatever creation has replicable procedure and shape is theory framed,
whether or not verbalized/written. Musical arts education in indigenous Africa
commands practical procedure, which starts from infancy when a child carried by
a performing adult gains empathic performative sensitization through the
performing carrier. As infants begin to walk, they join children’s groups who
create autonomous performances. Children in African culture traditions engage
in independent creative productions, some of which compare with adult
productions in terms of genius and performative expertise. African children do
not blatantly imitate adults as much as they could be sensitized by adult models.
There are cases of child prodigies who perform competently alongside adult
experts in specialized adult musical arts groups. Otherwise, musical arts
productions in African cultures are normally organized along age and gender
categories. Schools in contemporary Africa need to strategize independent
knowledge creations and performances as basis for verbal lecture explorations.
103
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
following communal living roles of family members (bearing in mind that the
basic structure in the formation of a community is the nuclear family) comprising:
Mother, Father, Siblings, Baby (the only inchoate individuality) and Extended
Family roles. These have been transferred to music family-texturing for
constituting a musical identity recognizable as a piece:
104
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
105
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
7
On the matter of difference within sameness in African-Brazilian musical traditions see Graeff
(2019) Candomblé; and Csermak (2020) on Samba de Roda.
106
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
107
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
possibilities of a known musical theme and/or format the exercise becomes what
is regarded as mere improvisation
KM & NG: Percussion ensembles and rhythmic diversity play a major role in
numerous music traditions spread all over the Brazilian territory. However, the few
theories on African principles of rhythmic organization being recently translated
and disseminated in the country were mostly developed by European and North
American researchers. Could you please explain some of your main theoretical
approaches to the rhythmic principles underlying the “African Classical Ensemble”
(NZEWI and NZEWI, 2009)? Which elements are essential for their understanding,
but have been ignored in exogenous conceptualizations?
108
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
essence) suitable as a surrogate human voice; hence talking drum: The typical
drum (wooden or membrane) signals as well as transmits spoken language and
lyrical communications (drum-singing). It as well sparks sonically induced
choreographic imagery, such as the shock rhythm idiom, on two tone levels,
which induces functional body bumps that bounce heart health. The talking
drums invariably feature as mother instrument in ensemble textures.
A primary African philosophy of life, which informs African music arts
experiencing, is the spirit of sharing. Musical structures are often such that make
provisions for performers or performer and audience to engage in spontaneous
sonic or sonic/speech dialogue. Sharing in musicking prompts consciousness of
the other person in ordinary human interactions and community actions. In
African classical ensemble music, the participants often interact individualities
of themes (other-conscious thematic collaborations)8. Relationships in thematic
structuring often coerce responsive interactions characterizing a music piece or
generates exuberant audience reactions to a music type.
MN: In history, Africans were abducted from their homelands and forcibly
relocated in strange human and cosmic environments where they were subjected
to unredeemed forced labor and other grossly dehumanizing inflictions.
Sustained mass mental shocks and psychical trauma afflictions were inevitable.
Being true Africans, they desperately evoked their reliable indigenous mind-
health panacea to counterforce the mental-emotional stresses. Practicing their
cultural musical arts, with innovative situational adaptations, enabled them to
stay alive and accommodate the horrendous conditions. Of course, they were
already culturally enculturated adults before their enforced dislocation. They had
to fabricate instrumental accompaniments from whatever was manageable. Their
robust health conditions despite the arduous, inhumane inflictions no doubt
confounded and baffled their inflictors. The penetrative African musical arts
force inevitably fascinated the hosts who started to adapt and emulate the
engrossing structural features of the enigmatic but captivating music-for-life. In
the course of adopting/adapting the fundamentally motive African sensitizations,
8
“A performer in an indigenous African ensemble plays a recognizable theme on an
instrument or voice. We refer to such a distinctive theme as a layer that fulfils a structural
role in the conformation of an ensemble texture. Performers then interact with their
respective themes in a spirit of play to produce a purposeful musical arts product. The
spirit of play that marks an ensemble demands recognizing fellow participants as
sensitive humans, as well as valuing everybody’s individual contribution, irrespective of
size or role” (NZEWI & NZEWI, 2009, p. 5).
109
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
jazz emerged in North America, while salsa, tango etc. emerged in Latin America.
The genres resulting from these innovative intercultural creations crystalized
with environmentally substituted and modelled instrumentations as well as
theoretical and choreographic modifications. The exotic creations were context-
liberated, but fronted dance and spirituality engrossing receptions, induced by
the retained mind-transporting structural stimulators – the Phrasing Referent and
the Pulse-idioms, which subsisted as pointers to African creative legacy.
Contemporary modernist adaptations of African music instruments and
idioms within and outside the continent often divest the soft science base. African
tradition researched extra musical potencies of environmental materials, which
are preferred for constructing indigenous African musical instruments. Health
rationalization account for choice of nature materials, and animal skin. Such soft
(humanity) science specifications for the materials preferred for African
indigenous music instruments constructions (treatment of materials, technology,
and shapes) plus performance techniques, and structural configurations warrant
cognitive attention in Africa-sensed researching for contemporary continuum in
modern global milieu. For instance, the cast iron preferred for constructing
indigenous bells corrects iron deficiency and boosts human body iron, whereas
modern instruments constructed with random mineral products like aluminum,
copper, synthetic skin etc. impair body health. It is instructive to note that in
indigenous Africa, congenital madness9 was assuaged and managed by cast iron
bell musicking science. The health benefits, particularly mind wellness, of African
indigenous musical arts rationalizations from instruments technology to
functional musicological constructs could be advanced into modernity. A
pressing example is tackling the stiff states of mind, which inflict the
sophistication-acting modern-privileged humans whose deleterious consciences
fecund and unleash the escalation of anti-human policies and harmful inventions
and technology products destructing mankind globally. It is impaired mind
wellness that indulges gross inhumane dispositions, economania inventions and
deleterious actions.
Indigenous African music philosophy and soft science logic prioritized
mass public health. For instance, the musical arts was the attitudinizing force
foremost in managing, effecting and mending diplomatic relationships in
indigenous Africa. Music has continued to service modern diplomatic maneuvers,
although peripherally, in contemporary diplomatic gestures globally. The
challenge for humanity oriented modern music experts, with the collaboration of
governance authorities, is to identify and advance the capacity of African musical
arts prototypes as adroit diplomatic agency, into modern global milieu.
In education sites the theory-in-practice principles and idioms, which
imbue other-humanity conscience and fellow-humanity disposition in life-
dealings need to be globally deployed from early school age.
Adult musical arts play-shopping gatherings can be strategized to eliminate
stress for policy makers and bureaucrats, business moguls and leaders of
industry as well as stiff-minded workers generally. A typical African drum was
9
The use of both terms might be considered problematic, since “madness” is a generalized and
negatively charged term commonly used to denote a wide range of disorders that can be of
psychiatric, neurological or simply emotional and social order.
110
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
MN: To start with, as stated above, the average indigenous technology drum
plays in tune and harmony with any Western instrument or ensemble combination
of instruments. Although a membrane drum has a fundamental pitch, the
construction emits raw harmonics, which camouflages the pitch essence, and
gives it a neutral tone. Hence it sounds in consonance with the key or pitch of any
other instruments including the human voice performing alongside it. The
methodological indoctrination perpetrated by hegemonic Western music
mentality and Western classicism ideology internationally, has prejudiced the
perception of the special classical connotation of indigenous musical arts
intellection and creations. But, of course, attitude primes and prejudices
perception (aural, visual, and taste).
There is strong consciousness for aesthetic blending in indigenous African
music. Unlike the Eurocentric notions of the aesthetic, the primary African rating
of the aesthetics has functional determinations. For instance, intentional raw
harmonics has already been discussed as producing health-administering sonic
111
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
emissions. The ions penetrate the human body through body pores to infuse mind
and body wellness once the materials for the constructing of drums are health-
researched nature resources, skin or wood. Synthetic, pure metallic, and
precision-technology materials used for constructing modern industry replicas of
African music instruments fall short of this health factoring genius. Sonic and
language aesthetics in indigenous Africa command deep rationalizations to
fathom. Raw harmonics as well as raw lingual expressions such as superlative
negatives (often used to discuss aesthetic affect) generate positive outcomes or
are instructive lingual expressions. In drum music, hidden pitches, which mark
the science of raw harmonics, have already been stressed to make it possible for
the membrane drum to play in tune with other instruments irrespective of key
and modulations. In speech, superlative negatives such as “the sonic beauty
closed the ear” convey top grade “pleasurable” music aesthetic.
In Indigenous Africa, musical arts practices do evoke strong consciousness
for the aesthetic. Unlike the hegemonic notion of contemplative aesthetics, Africa
cherishes functional aesthetic more – how effectually a musical arts performance
has accomplished the humanity and societal purposes warranting its creation and
exhibition, and accords psycho-physiological pleasantness. The robust aesthetic
language can be metaphorical in assessing the qualitative merits of a musical arts
experience. For event music the verbal assessment expression given above
implies: ‘the outstanding effectiveness generated in accomplishing the intended
humanity purpose is deafening (exemplary)’. Aesthetic verbalization excites
double think, and obviates developing farcical life orientation.
KM & NG: Similarly, just as African languages were completely lost, severely
weakened or partially absorbed into colonial languages in their diasporic
countries, scholars investigating African-Brazilian music often consider that the
inextricability between language and music typical of African musical arts has
been either lost or reduced in the Diaspora. How would you explain and exemplify
such inextricability within vocal and instrumental music in Africa, as to help
researchers in the Diaspora to fathom the extent and nature of losses and
transformations in African musical heritage?
112
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
MN: Ruptures and devastation of true African mind and musical arts force
in the life imaginations of the contemporary Africans as well as modernist African
societal systems have already occurred and are continuing to wreak governance
havoc and relationship breakdowns. Contemporary music-making in Africa today
has become farcical, devoid of prestigious African virtues and integrity, totally
commoditized and scarcely humanning. The dementalizing forces of
colonization, modern religion and Northern education paradigms have effectively
devastated and contradicted devout cultural mentality, devout spirituality, and
sublime life orientation. The on-going borrowed modern African societal systems
scarcely inspire or aspire for the regeneration of humanning, African knowledge
prototypes. Modern Africa is awash with culturally amorphous political
leaderships coupled with wayward modernist life orientations, systems practices
and technological blitz. The average enlightened African now brandishes low
regard for veritable indigenous knowledge heritage. Modernist lifestyles, as
witnessed in contemporary Africa from early home upbringing to adult socializing
experiences and exogenous life imaginations as well as exogenous socio-
economic practices, have either distorted or erased cultural mental integrity. The
humanity sensitization and fellow-human sensibility previously inspired and
overseen by functional musical arts have become subverted or falsified. The
prevailing fashionable modernist upbringing and borrowed life imaginations
besetting Africans, from political and elite societal leadership levels down to
deprivileged commoners, resist and intimidate any efforts to restore cultural
integrity and humanity instincts, sensitivities and sensibilities. The worst
113
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Bibliographic References
AGAWU, Kofi. Representing African music: Postcolonial notes, queries,
positions. Routledge, 2003.
_____________. “Representing African Music”. In: Critical Inquiry, v. 18, n.
2, p. 245-266, 1992.
CSERMAK, Caio. Reinventar a roda: a circulação do samba entre sujeitos,
eventos e repertórios em Cachoeira, BA. Ph.D. Thesis. Departamento de
Antropologia Social da Universidade de São Paulo. 2020.
GRAEFF, Nina. A web of orixás: Technology and the transmission of
Candomblé songs in Bahia and Berlin. EntreRios, v. 2, n. 2, p. 71-91, 2019.
______________. Notas negras, pautas brancas: abertura do dossiê Matizes
Africanos na Música Brasileira. Revista Claves, vol. 9, n. 14, p.1-29.
MAPAYA, Madimabe G. Dipsticking the Study of Indigenous African Music
from the John Blacking Era into the 21st Century In: MAPAYA, Madimabe G.;
MUGOVHANI, Ndwamato G. (Org.). John Blacking and Contemporary African
Musicology: reflections, reviews, analyses and prospects. Cidade do Cabo:
Centre for Advanced Studies of African Societies, 2018. 113–128.
MAPAYA, Madimabe G.; MUGOVHANI, Ndwamato G. Ordinary African
Musicology: An Africa-sensed Music Epistemology. In: MAPAYA, Madimabe G.;
MUGOVHANI, Ndwamato G. (Org.). John Blacking and Contemporary African
Musicology: reflections, reviews, analyses and prospects. Cidade do Cabo:
Centre for Advanced Studies of African Societies, 2018. 25-42.
______________________________________________________. Musicologia Comum
Africana: Uma Epistemologia Musical de Perspectiva Africana. Revista Claves,
vol. 9, n. 14, p. 81-100, 2020.
114
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
115
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Apresentação
Meki Emeka Nzewi pode ser considerado um dos pioneiros de uma
“Musicologia Africana” que supera as limitações de abordagens africanistas. Trata-
se de, mais que uma busca, um posicionamento de legitimação de epistemologias
e metodologias africanas para definições da música praticada no continente. Ao
mesmo tempo, é uma forma de combate a procedimentos colonialistas que marcam
o desenvolvimento da Etnomusicologia ou, em seus primórdios, Musicologia
Comparativa (Vergleichende Musikwissenschaft), baseado em grande parte em
análises de música africana exógenas e distanciadas, operadas sob o ponto de vista
de pesquisadores brancos europeus e norte-americanos (NKETIA, 1962; 1974;
AGAWU, 1992; 2003; MAPAYA, 2018; MAPAYA e MUGHOVANI, 20185; GRAEFF, 2020).
Nascido em Igbo (Nigéria) em 1938, Nzewi é professor de teoria e prática da
Música Africana da Universidade de Pretória (África do Sul) e diretor de programa
do Centro de Música Instrumental Indígena e Práticas de Dança da África (CIIMDA).
Como compositor, educador de artes culturais, teórico e filósofo de artes musicais,
escritor criativo, músico-dramaturgo, performer e coreógrafo, escreveu e dirigiu
uma série de obras de teatro musical com repertório de composições multiculturais
para vários gêneros (sinfonia, ópera, musicais, conjuntos, vozes/instrumentos solo,
etc.). Como “percussionista-mãe” 6 (African Mother Drummer), iniciou o Tambor
1
As questões da entrevista foram enviadas por e-mail em julho de 2020, e as respostas de Meki
Nzewi chegaram em 15 de setembro de 2020. Apesar de não se ver na posição de escrever sobre
música na diáspora Africana, o autor considerou “estimulantes” e “interessantes” as perguntas
relacionando seus conceitos à realidade da música africana-brasileira.
2
Entrevista original neste mesmo dossiê (NZEWI, 2020a).
3
Músico e pesquisador, mestre em Estudos Transculturais da Música pelo Instituto de Musicologia
Weimar-Jena (Alemanha). kamaifreire@gmail.com
4
Musicista e professora visitante do Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal
da Paraíba, com Doutorado em Antropologia e Educação pela Freie Universität Berlin (Alemanha).
ufpb@ninagraeff.com
5
Ver tradução do artigo apresentação neste volume (MAPAYA e MUGHOVANI, 2020).
6
Como Nzewi explica na entrevista, o Conjunto Musical Africano é constituído de forma semelhante
aos papeis familiares da vida comunitária: “o instrumento-mãe desempenha o distinto papel da mãe
como diretora da vida familiar. É o diretor dos propósitos do conjunto e do sentido musical. É,
116
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Entrevista
Kamai Freire e Nina Graeff: A música brasileira, com notáveis origens ou matizes
africanos na maioria de seus diversos gêneros, tornou-se popular em todo o mundo.
No entanto, a musicologia e o ensino de música no Brasil baseiam-se em práticas e
teorias conservatoriais – e, portanto, coloniais –, carentes de estruturas
metodológicas e teóricas para analisar e ensinar música sob perspectivas mais
sintonizadas com suas próprias artes musicais, epistemologias e memória. O seu
trabalho, Professor Nzewi, oferece contribuições notáveis para o desenvolvimento
de uma Musicologia Africana que escuta e dá voz a seus próprios modos de
experienciar e teorizar as “artes musicais”, que, usando suas palavras, “derivam
de um jogo múltiplo de sensibilizações humanas, culturais e ambientais” (Nzewi,
2020b). Portanto, vemos o seu trabalho como um potencial modelo para o
desenvolvimento de uma “musicologia africana-brasileira”; como uma lente para
se investigar as artes musicais brasileiras de forma muito mais abrangente,
buscando descolonizar práticas analíticas e didáticas, e a própria compreensão e
percepção musicais. Com isso em mente, formulamos as perguntas que seguem. Ao
estudarmos as mudanças sociais nas artes musicais africanas, tanto no continente
como na Diáspora, muitas vezes percebemos rupturas e obstáculos no caminho do
indivíduo que tenta manter - ou recuperar - sua “mente africana verdadeira”. No
seu entendimento, o que é a mente africana verdadeira e como ela se manifesta
nos modos de pensar e fazer música?
117
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
de outros componentes, daí que artes musicais é um termo genérico, singular, que implica
fundamentos científicos. Os argumentos aqui apresentados estão ancorados no estudo cognitivo da
filosofia, da teoria e dos princípios humanos subjacentes à criatividade que marcam os paradigmas
do conhecimento indígena africano” (NZEWI 2017:63). Entretanto, optamos pelo uso do termo no
plural com o objetivo de facilitar a leitura.
9
N.T.: Nzewi, assim como muitos autores de língua inglesa, utiliza com frequência o termo “societal”
que se diferencia do termo “social”. Aqui traduzimos ora como “societal” ora como “social” para
não perder a nuance conceitual do texto original, pela qual o “societal” se refere à estrutura, ao
funcionamento, à teleonomia da sociedade e suas partes, enquanto “social” refere-se mais à
interação entre indivíduos e grupos.
10
N.T.: Em um artigo recente, Nzewi oferece a seguinte distinção entre seu conceito de “ciência mole
humanizadora” das artes musicais africanas e a “ciência dura” moderna ocidental (visão que inclui
filosofias e modos de vida): “A ciência mole das artes musicais, ao contrário das ciências tangíveis
e materiais (duras), é uma força intangível que produz resultados tangíveis em locais de
performance prática. Seus efeitos e efeitos são percebidos tanto na dimensão espiritual quanto na
tangível. A maioria das invenções tecnológicas modernas, bem como a promoção grosseira da
mentalidade de entretenimento, incapacitam uma disposição mental sublime. O resultado é
evidente na predominância do egocentrismo extremo (individualismo), vilania e materialismo
obsessivo (economania) que sobrecarrega a humanidade globalmente na condução dos assuntos
sociais e nas relações inter-humanas/grupais” (NZEWI, 2017, p. 63). Devido ao tom pejorativo e
hierarquizante do termo “ciência mole” perante “ciência dura”, optamos por traduzir seu conceito
como “ciência humana”.
118
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
11
N.T.: “Africa-sensed” - termo empregado também por Mapaya & Mugovhani (2014), sendo
traduzido por “de perspectiva africana” na tradução do artigo neste mesmo volume (Mapaya &
Mugovhani, 2020). “Sensed” é termo polissêmico que denota ao mesmo tempo “percebido”,
“sentido” e “compreendido”, ao passo que “Africa-sensed” no artigo mencionado busca distinguir
uma sensibilidade africana endógena de percepções exógenas no estudo da música africana.
119
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
12
N.T.: Nzewi escreve minstrelsy rendition of critical messages, sendo esse “espetáculo de
menestrel” referente a cantores ou poetas-cantores em geral.
13
Nzewi, como um dos grandes expoentes da teoria e prática dos tambores falantes (talking drums)
emprega o termo melorritmo para se referir a “um conceito e prática indígena africano” que “é uma
linha de depoimento musical construída com unidades sucessivas de som em níveis de altura
sonora diferentes e repetidos” (NZEWI, 2007, p. 3).
120
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
14
N.T.: “unique individuality within bounded communality”.
121
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
122
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
15
N.T.: Nzewi escreve discretionally (à discrição do musicista), que optamos por traduzir como
“arbitrariamente” para não dar a entender uma das possíveis semânticas da palavra
“discretamente”, pois as variações musicais em questão não são “inteiramente livres e aleatórias”,
de forma alguma (como se poderia pensar pela acepção tirana e inconsequente do adjetivo
“arbitrário”), mas tampouco são “rijas e microscópicas” (como se poderia pensar pela acepção
tímida e acuada do adjetivo “discreto”). Ou seja, cada instrumentista pode variar “à vontade” dentro
das possibilidades prescritas pela coesão musical compactuada/cultivada/transmitida/recriada
pelos musicistas. Para evitar a acepção negativa da palavra “arbitrário”, tendo em vista que a todo
momento Nzewi enfatiza o caráter temático da variação (pois toda variação se dá dentro das
possibilidades do tema), poderíamos traduzir como “livremente”, contando que o leitor vai atentar
para tal “liberdade dentro do tema”.
123
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
frente; se, por outro lado, o coro parar de soar, o solo iria se debater, sem base,
sem uma plataforma. O mesmo acontece com a expressão de vozes solo na vida
comunitária. Esta filosofia performativa de humanidade ancora-se na filosofia da
vida cultural africana, na qual o indivíduo nunca é mais importante do que a
comunidade/grupo.
A construção melódica na música africana é deliberadamente concisa,
geralmente dentro de uma oitava. A filosofia de inclusão-de-todos que marca a
imaginação criativa requer que a extensão de uma construção melódica esteja
dentro da capacidade vocal que permita a participação de qualquer cidadão. Por
outro lado, há casos em que indivíduos capazes atingem uma tessitura vocal de
três oitavas, quando especialmente necessário no lilting – vocalise melismático
africano –, por exemplo. Outra razão para construções melódicas de curta
extensão é assegurar uma articulação clara das palavras de um texto melódico. A
linguagem melódica não vocal em instrumentos melódicos como a flauta talhada
não tem restrições de extensão melódica.
A harmonia na África indígena é racionalizada em eixo horizontal. Um
enunciado melódico é harmonizado por outras unidades holísticas
complementares, e não nota por nota. Qualquer resultado harmônico vertical
subjacente, embora incidental, é culturalmente normativo. A resolução harmônica
horizontal em bloco é enfatizada para fornecer concordância cultural unilinear. A
relação harmônica ao longo do eixo linear fornece equivalências independentes
concordantes de dado tema em andamento. O princípio harmônico indígena
africano é, portanto, linear (não um cálculo vertical) e uma voz harmonizadora
(humana ou instrumental) é uma declaração sonora independente, uma camada
melódica autônoma complementando determinada melodia, mas com a
consciência da sensibilidade cultural normativa de concordância vertical que
normalmente é enculturada. Para um determinado tema ou melodia pode haver
mais de uma voz harmônica complementar cantando junto; e cada voz
complementar, vocal ou instrumental, é uma versão independente única de um
modelo que deve estar em consonância com a norma cultural de concordância
vertical e harmônica. O princípio da concordância cultural marca a gramática
sonora de qualquer grupo cultural africano.
A África tem duas categorias de dança: nas danças de Mistura Livre [Free
Medley] cada dançarino interpreta de forma única os afetos coreográficos dos
estímulos musicais do CTC; nas danças de Formação Estilizada [Stylized
Formation] todos os dançarinos participantes são ensaiados para corresponder ao
texto coreográfico (muitas vezes enunciado sonoramente pelo instrumento de
ritmo-de-dança do conjunto musical). Cada dançarino pode então expressar
individualidade de nuances gestuais únicas dentro dos enunciados coreográficos
uniformes.
A África não se satisfaz com um mero jogo de máscaras; este é antes
manifestação de espíritos em uma criação de teatro total, que encena
manifestações realistas ou fantásticas de imagens sobrenaturais que, por sua vez,
dramatizam lições práticas e instrutivas. Manifestação de Espíritos é então o
típico drama africano funcional no qual atores supranormais são dotados de
expressões físicas surpreendentes enquanto visitantes extraordinários de reinos
espirituais sobrenaturais, que se manifestam para interagir com uma comunidade
124
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
KF & NG: Com isto em mente, vemos uma grande aplicabilidade do seu conceito de
Composição-Performance na música brasileira. Em grande medida, as tradições
africanas-brasileiras não se baseiam em composições fixadas em uma forma, mas
em conhecimentos coletivos compartilhados intergeracionalmente e reinventados
em contextos específicos de performance – muitas vezes até mesmo através da
intervenção de espíritos e ancestrais em sonhos e estados de transe. Você poderia
explicar o conceito de Composição Performance e como ele se relaciona com a
improvisação? Inclui a possibilidade de intervenção espiritual nos processos de
composição?
16N.T.: Sobre questões das diferenças dentro do “mesmo” em tradições musicais africanas-
brasileiras ver Graeff (2019), no caso do Candomblé, e Csermak (2020) no caso do samba de roda.
125
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
126
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
17
N.T.: Nzewi usa os termos matemáticos integer (número inteiro, não fracionável) e, em seguida,
integrals (integrais, funções atribuídas a números de maneira a definir volume, área, deslocamento
e outros conceitos de cálculo).
18
N.T.: Nzewi escreve “to emit more than one level of functional mellow rhythmic sonicism (pitch-
modulated rhythmicity)”, aludindo sonoramente a “melorhythmic”, porém enfatizando o sentido de
mellow - sutil, suave, doce, macio. Portanto, pode-se inferir que seu conceito de melorrítmica vale-
se em parte do radical da palavra “melodia”, mas vale-se também do radical da palavra mellow,
tratando-se na verdade de duas palavras, semanticamente correlatas, em certa medida em contextos
mais recentes (melódico, meloso, mel, doce, suave), apesar de possivelmente não estarem
etimologicamente relacionadas.
127
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
19
“Um performer de um conjunto indígena africano toca um tema reconhecível em um instrumento
ou voz. Referimo-nos a um tema tão distinto como uma camada que cumpre um papel estrutural na
constituição de uma textura de conjunto. Os performers, então, interagem com seus respectivos
temas num espírito jocoso para produzir um produto de arte musical. O espírito jocoso que marca
um conjunto exige o reconhecimento dos colegas participantes como humanos sensíveis, bem como
a valorização da contribuição individual de todos, independentemente de tamanho ou papel”
(NZEWI e NZEWI, 2009, p. 5).
128
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
20
O uso dos termos [congenital madness] pode ser considerado problemático, já que "loucura" é um
termo generalizado e de cunho negativo, empregado comumente para denotar uma ampla gama de
distúrbios que podem ser de ordem psiquiátrica, neurológica ou simplesmente emocional e social.
129
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
21 N.T.: Nzewi escreve originalmente “which imbue other-humanity conscience and fellow-humanity
disposition in life-dealings”; um postulado de difícil tradução, mas de fácil compreensão.
22 N.T.: Nzewi escreveu adult musical arts play-shopping gatherings, referindo-se a algo similar a
130
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
131
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
132
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
133
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Referências Bibliográficas
AGAWU, Kofi. Representing African music: Postcolonial notes, queries,
positions. Routledge, 2003.
_____________. “Representing African Music”. In: Critical Inquiry, v. 18, n.
2, p. 245-266, 1992.
ASANTE, Molefi Kete. Afrocentricity, the theory of social change. African
American Images, 2003.
CARMICHAEL, Stokely. Stokely Speaks: From Black Power to Pan-
Africanism. 2007 ed., Chicago, Chicago Review Press, 1971.
CSERMAK, Caio. Reinventar a roda: a circulação do samba entre sujeitos,
eventos e repertórios em Cachoeira, BA. Ph.D. Thesis. Departamento de
Antropologia Social da Universidade de São Paulo. 2020.
GRAEFF, Nina. A web of orixás: Technology and the transmission of
Candomblé songs in Bahia and Berlin. EntreRios, v. 2, n. 2, p. 71-91, 2019.
______________. Notas negras, pautas brancas: abertura do dossiê Matizes
Africanos na Música Brasileira. Revista Claves, vol. 9, n. 14, p.1-28, 2020.
MAPAYA, Madimabe G. Dipsticking the Study of Indigenous African Music
from the John Blacking Era into the 21st Century In: MAPAYA, Madimabe G.;
MUGOVHANI, Ndwamato G. (Org.). John Blacking and Contemporary African
Musicology: reflections, reviews, analyses and prospects. Cidade do Cabo:
Centre for Advanced Studies of African Societies, 2018. 113–128.
MAPAYA, Madimabe G.; MUGOVHANI, Ndwamato G. Ordinary African
Musicology: An Africa-sensed Music Epistemology. In: MAPAYA, Madimabe G.;
MUGOVHANI, Ndwamato G. (Org.). John Blacking and Contemporary African
Musicology: reflections, reviews, analyses and prospects. Cidade do Cabo:
Centre for Advanced Studies of African Societies, 2018. 25-42.
______________________________________________________. Musicologia Comum
Africana: Uma Epistemologia Musical de Perspectiva Africana. Revista Claves,
vol. 9, n. 14, p. 81-100, 2020.
NKETIA, JH Kwabena. The problem of meaning in African
music. Ethnomusicology, Vol. 6, No. 1 (Jan., 1962), p. 1-7, 1962.
_________________________. The music of Africa. New York: WW Norton,
1974.
NZEWI, Meki; NZEWI, Odyke. African classical ensemble music. Cape
Town: African Minds, 2009.
NZEWI, Meki. Melo-rhythmic essence and hot rhythm in Nigerian folk music.
The Black Perspective in Music, 1974, pp. 23-28.
____________. Musical practice and creativity: An African traditional
perspective. IWALE-WA-Haus, University of Bayreuth, 1991.
____________. African music: theoretical content and creative continuum:
the culture-exponent’s definitions. Inst. für Didaktik Populärer Musik, 1997.
134
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
135
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Redefining womanhood:
combating gender discrimination
in contemporary Yorùbá and
Afro-Brazilian popular music
Ruth Anike Omidire1
Jumoke Ajuwon2
1
Omidire Anike Ruth is an African feminist, who teaches Portuguese Language, Brazilian Literature
and Gender Studies at the Obafemi Awolowo University, Ile-Ife (Osun, Nigeria), where she concluded
her Ph.D on Afro-Brazilian Feminism, ancestral African knowledge and Literary Studies in 2018.
Between 2003 and 2006, she undertook a Post Graduate Specialization Course in Gender and
Education (Especialização em Gênero e Ensino) at the Núcleo de Estudos Interdisciplinários da
Mulher, Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brazil. She is the author of Awero you a Woman
(2014), a short novel that explores Gender issues in Yorùbá culture and she has published many
related articles in Portuguese and English languages in reputable journals in Nigeria and abroad.
anikeade2002@gmail.com
2
Jumoke Ajuwon teaches Yoruba language and culture at the Obafemi Awolowo University, Ile-Ife
(Osun, Nigeria), where she concluded her Ph.D on Great Men and Women in Yorùbá History. She has
published various articles in National and International journals. juminiran@yahoo.com
136
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Introduction
Music is one of the artistic expressions that are common to every human
culture, although the language, content, rhythm, and forms may vary from one
culture and society to another. Africans and African descendant peoples all over
the world are known for their cultural music as a reflection of their traditional
practices and values. This, some argue, was born out of their different socio-
cultural and political-religious experiences over the centuries. Consequently, it
has been proved that even the devastating experiences of enslavement, forced
exile and colonization that have been the lot of Africans on the continent and
elsewhere in the modern age can be said to have also enriched their musical
repertoire:
The English A. M. Jones proposed that Indonesians settlers in
certain areas of East, Central and West Africa during early centuries
AD could have introduced xylophones and certain tonal-harmonic
systems (equipentatonic, equiheptatonic, and pelog scales) into
Africa. Etnohistorians, on other hand, have tended to accentuate
the importance of coastal navigation (implying the travelling of
hired or forced African labour on European ships) as an agent of
cultural contact between such areas as Mozambique, Angola and
Congo, and the West African coast3.
This is true both in the case of Africans who remained on the continent as
well as the descendants of the enslaved Africans who today constitute a
significant population of the Americas.
Generally, all society uses music to express human feelings and cultural
beliefs while at the same time educating and entertaining the listening public. The
particularly rich variety of musical genres among Africans and African
3
Donald Keith Robotham & Gerhard Kubik, “African Music” www.britannica.com>art>African...
Accessed on 29th December, 2020.
137
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
descendants has been thoroughly discussed and debated in very profound ways
by eminent scholars. Thus, it is not in the purview of the present paper to revisit
them here. However, our interest here as literary and feminist scholars is to look
at the content of some of these musical expressions as they relate to the
construction of identity, especially, the identity of women and their status in the
society. Specifically, we want to see how music in Africa and the African Diaspora
has been used and continue to be used to define the place of women in the society.
A universal truism today is that every song is a poem, although not every
poem is a song. This can be explained by the literary features that are common to
both music and poetry. One major feature shared by both is repetition. Like
poetry, every song is endowed with the power of repetition, a tool generally
employed to fix an idea in the minds of people. Needless to say that this
predilection for repetition cannot be said to be an innocent act, this is due to the
fact that, the artist or the poet will always choose to repeat a line, word, or idea
that essentially represents the nucleus of his conviction or the message he
intends to pass in the song. In other words, it is the ideological message of the
song or the poem that will be drummed into the ears of the listeners through
repetition. The result is, therefore, the naturalization of such an idea, irrespective
of whether the idea is a positive or negative one. In the case of references to
women, through this tool of repetition, certain images of women, both the
dignifying as well as the stereotyped images, have become naturalized via music
to the entire listening public. For example, over the years, many negative,
degrading and/or offensive images of women have become so naturalized
through the so-called popular music4 that no one, not even most of the women
themselves, seem to care about the harm such music do and continue to do to the
collective female psyche and dignity. In this respect, expressions and slangs like
“figure eight”, “lepa shandy”, made popular by Nigerian juju musicians like Sir
Shina Peters in the 1990s, and “nêga maluca, solteira, tarada”, (freely translatable
as “black woman, single lady, sexual pervert) or “periguete”, (promiscuous lady)
etc. rendered popular by Brazilian singers and Carnival bands readily come to
mind. It requires a sensitive mind to discern the dangers of such a powerful tool
as the repetition of this kind of expressions in popular music.
Fortunately, from time to time, some songwriters and singers have emerged
to take up the challenge of deconstructing such naturalized negative images of
women by consciously choosing to abandon the stereotyped images of women as
sexual objects, emotional wrecks, and passive subject in their music. Two of such
artists in the contemporary Yoruba and Afro-Brazilian musical scenes are Shola
Allynson and Mariene de Castro. The objective of this paper is therefore to see
how both songwriters and artists have achieved this necessary deconstruction in
their selected songs in which each singer tries to define womanhood from a non-
stereotyped perspective.
It is not just a coincidence that the two female singers/songwriters, though
from different continents, produced a song of the same theme in their respective
4
Ifeoma Vivian Dunu & Gregory Obinna Ugbo, ‘Women in Nigerian popular Music Empowered or
Debased?” Global Journal of Arts and Social Sciences Vol. 3, No. 5 pp. 35-52, May 2015. European
Center for Research Training and Deveopment, UK. www.eajournals.org Accessed on 28th December,
2020.
138
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
languages, i.e., Yorùbá and Portuguese, at about the same period. Not only that,
the two seem to also have agreed telepathically perhaps to compose and interpret
a song with the same title in their respective languages. While Shola Allynson calls
her own track simply “Obinrin” (woman), Mariene de Castro sings a track called
“Mulher”5 (woman). It is apparent that the intent of the two artists is not just to
entertain but, more importantly, to celebrate womanhood traditional values and
to highlight their African heritage.
5
The song was composed by the Bahian composer Gerônimo.
6
The name Kúmólú literally means, “death has snatched away the hero of this household”.
139
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
idea of seeing a woman reduced to the status of a second citizen. A woman will
serve her father as a girl child, and later in life, she is expected to be submissive
to her husband in marriage. Although every woman is conscious of her biological
functions, these should not be the only parameters to judge the woman’s capacity
and potentials. Many Feminists are of the opinion that women need professional
formations to be relevant within the public sphere because, wherever such
formation is lacking, women tend to suffer from discrimination and domination.
In the case of the Afro-Brazilian woman, we see that her domination started
during the period of slavery when many enslaved Africans were forcefully taken
to Brazil to be used for hard, unpaid labour. The enslaved woman had to bear a
double burden under such a regime because, apart from being forced to work
without any remuneration, she was also made to satisfy the sexual lust of the
white masters who never thought anything wrong about raping her anytime
anywhere. The double trauma of Slavery relegated Afro-Brazilian woman to a state
of permanent powerlessness. In addition, due to the long history of illiteracy and
racial discrimination, she lacks the basic structures to better her lot even long
after the end of Slavery. As a result, the Afro-Brazilian woman still suffers today
from the stereotyped images that were created around her as can be seen in
contemporary Literature, Music, Telenovelas (Brazilian Soap Operas), etc. In these
artistic expressions, she is often projected as an ignorant woman and a sex object
who is all too happy to serve as a side dish either as a housemaid or a lascivious
woman willing to negotiate social ascension only with her body. This is the
classical image that is projected through characters like Gabriela in Jorge Amado’s
Gabriela, Cravo e Canela, or the Rita Baiana of Alúsio Azevedo’s O Cortiço to
mention just those two7.
7
BENNETT, Eliana Guerreiro Ramos, 1999; FUNCK, Susana Boméo, 2003; SOUZA, Florentina et al,
2006; OMIDIRE Anike, 2012; DALCASTAGNÈ, 2011.
8
Anthonia Soyingbe, “Eji Owuro has turned my life around-Shola Obaniyi”. An interview conducted
by Anthonia Soyingbe to mark Shola Allyson – Obaniyi’s footprint in Yorùbá popular music.
www.independentnig.com/.../eji.owuro; www.nigerianvoice.com/.../why.i.dont Accessed on 22nd
July, 2019.
140
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
is also expected to be a good child to her parents and neighbours, a good wife to
her husband and a good mother to her biological and non-biological children.
The track “Obìrin ni mí” is a song of four stanzas with a refrain that
celebrates her beauty as a Yorùbá woman by listing what she considers as her
natural obligations as an agent of procreation, and the attributes that endow her
body as a Yorùbá woman, “ewa atorun wa… wura iyebiye…segi…oyin…adun
aye…” 9 . All these contribute to how a Yorùbá woman’s body and beauty are
perceived which is diametrically opposed to the image imposed by the Western
media. As we can see, the song sets out to point out the attributes, functions and
values of womanhood as conceived within the Yorùbá culture, condemning
emphatically all and every acts of gender discrimination and female
disempowerment through the language of valorization. In the first and second
stanzas, she uses imagery to define a Yorùbá woman:
Obìrin ni mí Mopélola, Obìrin ni mí ma rìn maa soge, ma rín gbèrè
bí eni ègbé n dùn maa tún sapá genge…Owó èrò ni mo bá wá, itura
ni mo jé f’áyé. Lát’orí mi dèékan esè Adésewà gan ní mí…. Mo ní
ewà látòrun, ení mó mí mo mí pé. Olá mi kò lá kàwé. Èmi wúrà
iyebiye. Èmi n’ iyùn, Èmi sègi. Èmi n’iyùn, èmi l’oyin…10
These graphic self-descriptions using various figures of speech to celebrate
the natural beauty and biological grace of a Yorùbá woman are an exhibition of
“self -” acceptance which is the first step to any feminist consideration in a male-
dominated world. The American psychologist William James (1842-1910)
describes this form of affirmation of oneself as self-concept, explaining that
the concept of self serves four important functions: self-
knowledge, whereby we formulate and organize what we know
about ourselves; self-control, whereby we make plans and execute
decisions; self-presentation, whereby we try to put our best foot
forward to others, self-justification whereby we try to put our best
foot forward to ourselves11 (JAMES apud ELLIOT et al., 2007, p. 150-
151).
In this track, Shola Allynson has succeeded in celebrating herself as a
Yorùbá woman and at the same time exemplifying her traditional functions within
her society. In Africa, a girl child is seen as a prospective mother right from her
childhood. This anticipated status reflects in the kind of socialization that a girl
child receives during childhood. Today by marriage, a Yorùbá woman, like most
African women loses her father’s name. This however is a fallout from
colonization because, traditionally, the Yorùbá woman enjoyed the independence
of owning her own property and still maintaining her position in her parent’s
lineage. Oyèwúmí, (2009) maintains that such independence has been erased by
the modern civil marriage.
9
“Heavenly endowed beauty…precious silver…royal beads…honey…costly sweet”(transl. by
authors).
10
I am a woman, A complete woman (Complete in wealth and values). I am a woman, my stepping
is adorned with style and elegance. I walk with poise feminine gait and pride…My beauty is directly
from heaven, my creator did a perfect job. My wealth is incomparable. I am a priceless gold. I am
the costly coral beads, I am the treasured pearls. I am the coral beads, I am the sweetest honey…
11
“Self-awareness is the act of thinking about ourselves” while “independent view of the self is a
way of defining oneself in terms of own internal thoughts, feelings, and actions and not in terms of
the thoughts, feelings, and actions of other people.” (ELLIOT et al., 2007, p. 150-151).
141
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
However, one can still argue that among the contemporary Yorùbá women,
most surprisingly, the uneducated ones have been serving as good examples of
how to preserve their independence in spite of the total submission to the wills
and caprices of the male spouse that modern marriage preaches. Thus, many are
the Yorùbá women who today run their personal business and are highly
successful materially. The bottom-line for the Yorùbá feminist is for the woman
in her material independence not to abdicate her roles as a mother. To that end,
Shola Allynson decided to itemize the mother’s roles in her song as that of a
protector, teacher, guardian etc., in an effort to show that every Yorùbá woman
performs many important roles that are classified as maternity roles towards
societal development. In fact, Shola Allynson takes her self-assertion a step
further by declaring her indispensability to the survival of the human race
through her agency as mother and nurturer, thus bringing to bear the intimate
and elaborate process involved in the Yorùbá parenting:
Láìsí èmi ìbísí ìrèsí kò sì o. Mo máse ìsèdà se nípa ìbísí ìrèsí. Àpò
inú mi ni omo n gbé. Inú mi ló gb’omo. Mo d’èjè lómo lórí. Omú
àyà mi l’ó n mu. Èyìn mi l’orun tí n dùn. Olùtójú ré ní mí. Olùbí,
olùtó, olójà, olùkó, olóbè, olókà. À je sanra à je dàgbà12.
Furthermore, by affirming that the mother is the pillar of a child, “Bí’yá
kúro leyin omo. Ìyà nlá gb’ómo sánlè…” (Without a mother’s assistance, the child
will experience hardship…) She evokes the Yorùbá religious belief that considers
the mother as the first Òrìsà (deity) to any child. In this respect, the mother is the
primordial àsèse or òrun to any child she has conceived, suckled, nurtured, etc.
The child must not make her angry or sad at any moment or for any reason
whatsoever, because, the Yorùbás believe that anytime the mother is not happy
with the child, such a child will experience inexplicable misfortunes.13 Abósèdé
George asserts this cogent position the mother occupies by affirming that “The
Yorùbá places a significant emphasis on procreation as a condition for social
adulthood, community membership, the possibility of immortality, and other
valued aspects of social life” (GEORGE, 2016, p. 59-60).
Nevertheless, the fact remains that all responsibilities accorded to a woman
in this song are located within the private sphere. In short, it is still a form of
promoting the domination of the female gender through biological functions. One
cannot help but problematize Allynson’s criticism of any woman that refuses to
comply with the motherhood specifications approved by the patriarchal society
while she emphasizes that the woman’s duty is to ensure that her children and
wards are properly trained and nurtured, frowning on any woman who decided to
‘usurp’ the role of a man in the family setting by using the metaphor of the gèlè
(female headgear) and fìlà (male hat): “È wo obìrin tó gbé gèlè sílè tó lo wa fìlà
12
“Without me there is no continuity of procreation. I fulfill the creator’s mandate on procreation.
Only my womb can carry children. Every child is formed in my womb. I bleed blood to ease his
passage. I breast feed him. He has sound sleep on my back. I am his devoted nurturer. I am his
mother, nurturer, comforter, teacher, cook. I provide him healthy food for wholesome growth.”
13
That is why, whenever a Yorùbá individual is experiencing a series of misfortunes, he or she
would be advised to appease the orí (inner head) of her mother, i.e., bo orí ìyá e which is an elaborate
ritual that aims at getting the mother to ‘smile’ at such a child so that things may turn around for
the better.
142
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
mórí. Isé onísé ló jé. Ibi a rán ni làá kojú sí”14. Indeed, it is more than obvious that
Allynson has really internalized the ideological discourse of female domination
common to most traditional societies where women are advised to be submissive
and keep to their assigned social space in order to have peace in the homes and
guarantee for themselves a happy old age, “Ká le láyò tó pò. Ká dúró nipò iyì.
T’Elédà fi wá sí. È bá jé ká tójú ayé lára oko, lára omo. Ìfòkànbalè ojó alé gangan
ló se kókó”15.
To Shola Allynson the best attitude of any woman is to focus on sustaining
family stability and avoid venturing into some aspects that are considered as
“man’s world”, the public sphere. To a certain extent, these biological functions
highlighted by Shola Allynson above cannot be overlooked, as confirmed by
Opefeyintimi, “it is the women that have the power to conceal life in their wombs
and this gives them some kind of upper hand over men…”. (ÒPÉFÈYÍTÌMÍ, 2009 p.
165). Nonetheless, it is important to avoid the ideology of viewing women only
through the lens of maternity and domestic life, as this will only serve to further
deny the empowerment of women in other spheres of human endeavor.
It is important to also mention that the singer celebrates the patriarchal
ideology of female domination by calling a woman a helpmate of her husband and
not his equal as modern feminism preaches “…Èmi ni olùrànlówó oko, èmi ni...”,
(I am my husband’s helper). Shola Allynson appears to be affirming the position
of subordination for a woman as found in the Holy Bible, Ephesians 5: 22, “Wives
submit to your husbands, as to the Lord”. Apparently, this is an interference of
her Christian values in which a woman is seen as a subordinate to a man. Such
anti-feminist ideas could fuel the patriarchal ideology that confines a woman to
the domestic space. Apparently, the image she is promoting here does not
represent (even) she her(self) as a musician, because she is a woman in a male
dominated profession, her affirmation shows her innate perception of self that
transcends into her artistic acts. However, while responding to a question on her
carrier, Shola Allynson’s response can easily be read in the light of contemporary
feminist discourse as a confirmation that she is yet to be liberated from the
submissive bondage of patriarchy: “… But being a “star” does not define who I
am. I am a woman who knows who she is in creation, what she’s made to do and
set boundaries for herself which she is always conscious of”16.
The facts remain that the global world has evolved beyond this deformed
idea of relegating a woman to a second-class position. A woman today is perceived
as a multi-task being and if given the opportunity she will perform well in any
given sector. In the world of politics today, we see many examples of capable
women like former President Dilma Rousseff, Helen Johnson-Sirleaf of Liberia,
Chancellor Angela Merkel of Germany, former Presidential candidate Hilary
14
“Look at the woman who dropped the head tie for a cap. She is in a wrong position. We should
focus on how to accomplish our mission on Earth” (transl. by authors).
15
“Standing in the honorable position in which the creator has placed us. Let us mother the world
through our husband and children. Peace at old age is crucial” (transl. by authors).
16
Ibid, Anthonia Soyingbe, “Eji Owuro has turned my life around-Shola Obaniyi”. An interview
conducted by Anthonia Soyingbe to mark Shola Allyson – Obaniyi’s footprint in Yorùbá popular
music. www.independentnig.com/.../eji.owuro; www.nigerianvoice.com/.../why.i.dont Accessed on
22nd July, 2019.
143
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
17
“I am not to be trodden upon. I am not to be trodden upon. I am a woman. We are not inferior
persons. We are not inferior persons. We the women. From my head to toes I am the epitome of
beauty” (transl. by authors).
18
Òbésèré is a popular Fuji musician, who won many fans to his erotic music in the ’90s.
19
King Sunny Ade is the star of the Jùjú music in Nigeria, his outstanding music came to life from
the ‘60s and he continues to impress his fans with his electric dancing steps even in his old age.
20
Naira Marley is a popular Hip-hop musician in Nigeria. His music is often characterized with erotic
words he uses to describe women and the promotion of social vices, an example of this is his song
title, “Opotoyi” 2019 www.azlyrics.com>nairamar... Accessed on 20th December, 2020.
144
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
21
Samba de roda has existed at least since the 19 th century. It is recognized through the circular
dance. It is danced with a lot of humour and body gestures.
http://www.infoescola.com/musica/samba-de-roda/ Accessed on 20th Oct. 2020.
22
Mariene de Castro, “Biografia”. www.marienedecastro.com.br/biografia.php Accessed on 23rd
July, 2019.
145
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
of classical songs based on the myths of the Orixás – Oxum, Iansã, Iemanjá, Ogum,
Ossain, Oxossi, Xangô, etc.
Mariene has a mark of an African traditional artist who usually performs
bare footed on stage. To her this is a form of reverence and homage to her African
ancestors. Some of her albums are Abre Caminho (2005)23 (make way), in which
the track “Mulher”, (Woman) appears. Others are Santo de Casa (2010), Tabaroinha
(2012), Ser de Luz (2013) and Colheita (2014). This last album, Colheita, has a
track, “Ponto de Nanã”, dedicated to the Yorùbá nation.
Mariene de Castro initiates a new representation of the Afro-Brazilian
woman in the artistic world different from the historical images of “puta” and
“vagabunda” (whore) “ama de leite” (wet nurse) and “mulata de bunda” - (big ass
mulatress) that characterized and often still characterize many Brazilian songs,
media and literary texts. As an Afro-Brazilian singer from a state with one of
outside Africa and where the word “Axé” symbolizes the energy from Africa, she
cannot but project herself and other Afro-Brazilian women from an afro-centric
perspective. It is thus not surprising that the track “Mulher” celebrates the
spiritual attributes of an Afro-Brazilian woman as against the derogatory image
she is often accorded in the media.
The first segment of this song addresses the concept of spirituality of the
Afro-Brazilian woman, a reflection of her African heritage derived from the
Candomblé, just like the musician herself affirms in an exclusive interview
conducted by Natalia da Luz: “Eu sou uma pessoa espiritualizada. Ela caminha,
sai de casa, chega ao teatro comigo… A música é uma forma de se conectar com
o sagrado”24. In the course of many centuries of servitude and subordination, the
spirituality exhibited by Mariene de Castro has performed a major function in
building the self-esteem of every Afro-Brazilian subject in general, not just the
women.
The spiritual power here in the song, “Mulher”, is compared to that of a
wind; we all know that no one can curtail the wind, it blows where it wishes to.
This same spiritual power as possessed by the goddess Oyá is here conceived as
a form of resistance to black oppression in Brazil. Over the centuries, the
oppression by various government laws and social policies did not only
marginalize the Afro-Brazilian population, but also marginalized and often
condemned their cultural manifestations like Candomblé, Capoeira, Samba, etc.
A situation that was symbolically overcome through the strong female spiritual
will of notable Afro-Brazilian Candomblé priestesses such as Mãe Aninha Obá Biyi,
Mãe Senhora Oxum Muiwá, Mãe Menininha do Gantois, and a host of other Mães-
de-santo25. Mariene de Castro declares further that at times, when she is on stage,
there are some ritualistic effects that accompany her songs, for example,
23
Mariene de Castro, “Música de Axé.” www.dicionariomph.com.br/mariene-de.castro/ Accessed
on 23rd July 2019.
24
“I am a spiritual person, my spirituality walks with me, when I leave the house it comes to the
theatre with me… music is a way of connecting myself to the sacred” (transl. by authors). Natalia
da Luz, “Mariene de Castro”. Por Dentro da África http://www.pordentrodaafrica.com Accessed on
4th April 2017.
25
Another example is Mãe Stella of Ilé Axé Opo Afonjá in Salvador (1925 – 2018), who was recognized
for spiritual functions in her “Terreiro” and for her intellectual contribution in preserving the
African ancestral knowledge, her intellectual productions won her a seat among the Bahia Academy
of Letters (Academia de Letras da Bahia) in 2003. (FREITAS, 2016 p.63).
146
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
sometimes in a show in Rio de Janeiro, she declares that “Quando eu canto ‘Ponto
de Nanã’, há um momento ritualístico porque também tem o ouro, que há muito
tempo faz parte de meu show. Ele simboliza Oxum” 26.
It is obvious that the singer is proud of her African heritage and this has
led to the values she attributed to herself as an Afro-Brazilian woman, which she
describes in the chorus of the track, “Mulher”, “Eu sou, você também é mulher”,
(I am a woman, so are you). She emphatically confirms the communion that exists
between her and her African ancestrality: “A herança africana está presente
quando eu canto. A minha ancestralidade fala por mim”27.
This concept of ancestral heritage that marked the musical profession of
Mariene de Castro is seen through her figurative analysis of her invisible innate
feeling in connection with the image of Òrìsà Oyá (and the wind), as shown in
“Mulher”: “Meu corpo não tem forma alguma. Não posso ver, não posso falar. Só
sei que empurro algumas coisas... E essas coisas... Ah! Se eu pudesse ver. O céu,
o seu corpo e o mar. O meu sentimento é maior”28. The representation of these
ancestral values, which continues from one generation to the other, has been a
reflection of the efforts of the Iyalorixás. The Afro-Brazilian cultural preservation
testifies to the centralization of the Candomblé religion as a fundamental nucleus
to the communitarian socio-historical preservation of the ancestral African
knowledge in Brazil. (OMIDIRE, Anike, 2018, p.117). Henrique Cunha Júnior
comments, “A ancestralidade é a nossa via de identidade histórica. Sem ela não
compreendemos o que somos e nem seremos o que queremos ser”29 (JÚNIOR apud
OLIVEIRA, 2007, p. 264). Thus, the conservation of the history of the black race
in Brazil over many centuries and the usage of such to fight against racial and
gender inequalities deserve revalorization.
Furthermore, Mariene de Castro transports into her song the maternity role
of the Afro-Brazilian woman as a mother as opposed to the imposed role inherited
from male-dominated enslaved patriarchy that only conceived of her as a sex
object and a wet nurse responsible for breastfeeding the children of the white
master during slavery. In one of many debates on the position of an Afro-Brazilian
in the society, especially the women, Conceição Evaristo pointed out the racist
fictional construction of an Afro-Brazilian woman in literature, “Na literatura
brasileira, nossas mulheres negras não são mães. No máximo, a mãe preta, que
cuida da prole alheia” 30 . In the same manner, she frowns at the perpetual
naturalization of stereotyped image of an Afro-Brazilian woman, “A personagem
26
“When I sing “Ponto de Nanã”, there is a ritualistic moment because I have a piece of gold on my
stage which has become part of my show for a long time. It symbolizes the Osun deity” (transl. by
authors). Natalia da Luz, “Mariene de Castro”. Por Dentro da África,
http://www.pordentrodaafrica.com Accessed on 4th April, 2017.
27
“My African heritage is always present when I sing. My ancestors speak through me” (transl. by
authors). Natalia da Luz, “Mariene de Castro”. Por Dentro da África,
http://www.pordentrodaafrica.com Accessed: 4th April, 2017.
28
“My body does not have any specific form. I cannot see. I cannot speak. I only know that I do push
some things around. And these things... Ah! If I could see. The sky, your body and the sea. My
feeling is greater” (transl. by authors).
29
“The ancestral is our way of historical identity. Without it, we cannot understand who we are and
cannot be what we wish to become” (transl. by authors).
30
“In Brazilian Literature, our black women are not mothers. At most they could be a black mother
who cares for the children of strangers” (transl. by authors). Conceição Evaristo,
informe@quilombhoje.com.br. Accessed on 29th April 2012, Omidire Anike, 2014 p. 78.
147
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
negra feminina é negada a imagem de mulher-mãe, perfil que aparece tantas vezes
desenhado para as mulheres brancas em geral”31 (EVARISTO, 2009, p. 23).
The contemporary Afro-Brazilian woman is gaining more opportunities in
the public space, but she has been denied for long the image of a “Mother” in
many literary productions, appearing as a mother only in some Afro-Brazilian
texts like that of Conceição Evaristo. We now see that an Afro-Brazilian woman
who has always served as an erotic product for many literary productions
produced by white Brazilians is now projected in the song as a “Mulher.” This is
a counter discourse which affirms the wholeness and spiritual attributes of the
Afro-Brazilian woman, “Mulher carrega o mar na barriga, mulher carrega o oceano
também, mulher eu sou você, também é mulher” 32. The metaphor of pregnancy
represented here as carrying the ocean in the womb links the image of an Afro-
Brazilian woman not only to maternity but to the Òrisà Osun (Oxum), the goddess
of fertility, the mother of all. As expressed in the work of Conceição Evaristo,
Olhos D’Água, (2014), the courage and maternal love of a black woman is
immense, she is capable of laughing while her heart bleeds and suffers in abject
poverty, “Um dia, brincando de pentear boneca (...), A mãe boneca e nós rimos e
rimos de nosso engano. A mãe riu tanto, das lágrimas escorrerem”33 (EVARISTO,
2014, P. 16). This image of deep resistance is very important in re-writing the
reality and experience of an Afro-Brazilian woman in literature, music and in the
society in general.
In addition, this valorized image of an Afro-Brazilian woman is a
commendable result of efforts and resistance of the Iyalorixás like Mãe Aninha
Obabíyì, Mãe Menininha, Mãe Stella de Oxóssi and many Afro-Brazilian militants.
This effort could be seen in the life and acts of Mãe Menininha one of the leaders
of the Candomblé in Brazil. She was the Iyalorixá that succeeded Mãe Pulqueira
and during her lifetime, she defended the preservation of the ancestral African
knowledge and the Afro-Brazilian religion. Vinicius de Moraes and Maria Bethânia
celebrated her success and fame in Brazil in songs and prose (OMIDIRE, Anike,
2004). The manifestation of the Iyalorixás and the novel image of the black
Brazilian woman in the song, “Mulher” confirms the theory of Escrevivência, a
process of (re)writing the experience of Afro-Brazilians, showing the ethnic and
cultural values, the strength, the sacrifice, struggle, dreams, aspiration, beauty as
a constant fight to stabilize their survival. Conceição Evaristo called this, “um
lugar social e étnico, o lugar de dupla face”34 (EVARISTO apud OMIDIRE, 2018).
Above all, it is a general believe that what women lose in the physical world,
the public sphere, they gain it in the spiritual realm, a special don given to all
women by their creator. The metaphysical exposition of ancestral African
knowledge of an Afro-Brazilian woman by Mariene de Castro has become a
complement to the representation of black people in Brazil. Nevertheless, a lot is
31
“The black woman character is denied of an image “woman-mother”, a figure that appears often
and designed for white Brazilian woman in general” (transl. by author).
32
“The woman carries the sea in the belly, the woman carries the ocean as well, I am a woman, and
so are you” (transl. by authors).
33
“One day while playing with weaving a doll’s hair (...) we and the doll’s mother, all laugh and
laugh of our error. The mother laughed so much that her eyes were filled with tears” (transl. by
authors).
34
“A social and ethnic space, a space of double consciousness” (transl. by authors).
148
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Conclusion
In the course of this essay, we have attempted to establish the feminist
argument that womanhood can be seen and discussed in diverse perspectives.
While Shola Allynson emphasizes and even legitimizes some stereotypes and
ideals of the African woman at the risk of being considered reactionary by
contemporary feminist groups, due to her apparent apology of maternity, female
submission, etc., Mariene de Castro can be said to have emphasized spirituality
as the strength of the contemporary Afro-Brazilian woman. It is glaring that both
female artists demonstrate in their songs their expertise and limitations in
relation to what should be the values of womanhood and responsibilities of a
woman as stated in the traditional society; this is in a way their contribution to
the general debate on gender equality. However, as earlier stated, a social
criticism of the daily oppression and domination of women is expected to feature
in their songs.
It will be advantageous to all if the natural values of maternity, mothering,
beauty, spiritual power etc. which are celebrated in the two songs are channeled
towards the social, economic and political emancipation of women. It is important
to state that the spiritual dimension of the good fortunes of children being closely
connected to and controlled by their spiritual relationship with their mothers as
expressed by Shola Allynson in her track, is within what T. M. Ilesanmi (2013),
describes as the ultimate natural power of the Yorùbá women. Mariene de Castro
35
“People are surprised because they believe this only occur in the neighbourhood. But the violence
against woman is happening in the family sphere. The aggressor and the victim do not have a
determined social class” (transl. by authors). www.renap@grupos.com.br “Violência contra a
mulher” Accessed on 4th Sept. 2004
36
“Every 15 minutes a woman is beaten in São Paulo and in every 12 minutes she is threatened”
(transl. by authors).
149
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Bibliographic References
ADELEYE-FAYEMI, Bisi. Speaking for myself: Perspectives on Social, Political
and Feminist Activism. Ibadan: Amandla Consulting, 2014.
ALVES, Ivia. Imagens da Mulher na Literatura, na Modernidade e
Contemporaneidade. In: Ferreira, Sílvia L. and NASCIMENTO, Enilda R. (Org.)
Imagens da mulher na cultura contemporânea. Salvador, NEIM-UFBA, 2002, p.
85-98.
BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. Rio de Janeiro, Brazil. Editora Nova
Fronteira, 1980.
BENNETT, Eliana G. R. Gabriela, Cravo e Canela: Jorge Amado and The Myth
of the Sexual Mulata in Brazil. In: The African Diaspora, African Origins and New
World Identities. Ed. Isidore Okpeweho, Carole Boyce Davies & Ali A. Mazrui.
U.S.A, Indiana University Press, 1999.
CARNEIRO, Sueli. A Mulher Negra na Sociedade Brasileira-Papel Movimento
Feminista na Luta Anti Racista. In: MUNANGA, Kabengele (Org.) História do Negro
no Brasil, O Negro na Sociedade Brasileira: Resistência, Participação,
Contribuição. Brasília: Fundação Cultural Palmares – MinC, CNPq, 2004.
CASTRO, Zilia Osório de. Notas de abertura, (2000). In: ALMEIDA, Moiza
Fernandez (Org.). A Inscrição do feminino e dos afetos na emoção e na razão
da poesia escrita por mulheres. A Mulher na Literatura e outras artes -
Comunicações apresentadas no l Congresso de Cultura Lusófona Contemporânea.
Instituto Politécnico de Portalegre, 2013.
CUNHA, Helena Parente Cunha. A Mulher Partida: A Busca do Verdadeiro
Rosto na Miragem dos Espelhos. In: SHARPE, Peggy. (org). Entre resistir e
identificar-se: para uma teoria da prática da narrativa brasileira de autoria
feminina. Florianópolis: Ed. Mulheres: Goiânia: Editora da UFG, p. 107-137, 1997.
DALCASTAGNÈ, Regina. Literatura Brasileira Contemporânea: Um
território contestado. São Paulo, Editora Horizonte, 2011.
DUARTE, Eduardo de Assis, FONSECA, Maria Nazareth Soares (Org.).
Literatura e Afrodescendência no Brasil: Antologia Crítica. Volume 4 - História,
teoria, polêmica. Belo Horizonte: UFMG, 2011 [2014].
ELLIOT, Aronso; Wilson, Tim; Akert, Robin. Social Psychology. 7th Edition,
Global Edition. Boston: Pearson, 2007.
EVARISTO, Conceição. "Gênero e etnia: uma Escrevivência de dupla face".
In: Mulheres no mundo, etnia, marginalidade e diáspora. João Pessoa: Ideia,
2005.
____________________. Escrevivências da afro-brasilidade: história e
memória. Releitura, n. 23, 2008.
150
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
151
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Internet References
CASTRO, Mariene de. “Música de Axé.”
www.dicionariomph.com.br/mariene-de.castro/... Accessed on 23rd July,
2019.
_______________. “Biografia”. www.marienedecastro.com.br/biografia.php
Accessed on 23rd July, 2019
DUNU Ifeoma Vivian & UGBO Gregory Obinna, ‘Women in Nigerian popular
Music Empowered or Debased?” Global Journal of Arts and Social Sciences Vol. 3,
No. 5 pp. 35-52, May 2015. European Center for Research Training and
Deveopment, UK. www.eajournals.org Accessed on 28th December, 2020.
FRANCIS, Juliana. “Shina Peters’s revelation:My life as Obey’s houseboy.
The Daily Sun. Accessed 11th Feb., 2009.
ROBOTHAM Donald Keith & KUBIK Gerhard, “African Music”
www.britannica.com>art>African... Accessed on 20th December, 2020.
MARLEY, Naira, “Opotoyi” 2019 www.azlyrics.com>nairamar... Accessed on
29th July, 2020.
SANTANA, Ana Lucia. “Música Samba de Roda - Música Brasileira -
InfoEscola http://www.infoescola.com/musica/samba-de-roda/ Accessed on 20th
Oct. 2016.
SOYINGBE, Anthonia. “Eji Owuro has turned my life around-Shola Obaniyi”.
An interview conducted by Anthonia Soyingbe to mark Shola Allyson – Obaniyi’s
foot print in Yorùbá popular music. www.independentnig.com/.../eji.owuro;
www.nigerianvoice.com/.../why.i.dont Accessed on 22nd July, 2019
THIELMANN, Pia. The Dynamic of African Feminism: Defining and
classifying African Feminist Literature, (Review). www.muse.jhu.edu Accessed on
12th January, 2016;
African Feminism. www.encyclopedia.jrank.org Accessed on 12th Jan. 2016
Natalia da Luz, “Mariene de Castro”. Por Dentro da Àfrica,
http://www.pordentrodaafrica.com Accessed on 4th April, 2017.
Discography
Mariene de Castro. “Abre Caminho”. 2005
Shola Allynson, “Ire”. 2007.
152
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Tambor sonhado
Justamente, em contexto de uma pandemia a resultar, em larga medida, da
grande clivagem cartesiano-baconiana de uma modernidade euro-ocidental a
colocar, de uma vez por todas, pessoas de um lado e natureza do outro, é que me
chega ao corpo a presença sonhada do tambor. Chega-me essa presença porque
tambor, enquanto entidade negra em comunidade, é, a um só tempo, pessoa e
natureza; acontecência e buraco; artifício e substrato orgânico. O tambor que
“senta no batuque da minha terra”, conforme enuncia a visitada poética do
moçambicano José Craveirinha, é força encantatória de regulação. E ainda no
pluriverso bantu, a propósito, se bem que desde outras terras que não as
moçambicanas, Batsîkama (2019, p.486), a partir de Angola (da sua região norte,
especificamente), lembra que sika, em língua kikongo, é tanto “tocar” (donde sika
ngoma é “tocar batuque”) quanto “ditar as normas, as leis”. Tocar — e
1
Professor do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Prof. Milton Santos (UFBA), músico, poeta
e tradutor. santanatigana@gmail.com
153
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
154
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
2
Segundo o poeta e semioticista angolano Abreu Paxe, um mukongo com quem conversei
exaustivamente, haveria, numa das mais de dez variantes do kikongo, uma sutil diferença
terminológica entre o sistema experimentado por dentro (kimpa) e o sistema observado de fora (fu).
155
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
156
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
3
Grifo da autora.
157
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Velho atabaque
madeira de lei
couro de animais
mãos negras lhe batem
e o seu choro é música
e com sua música
dançam os homens
inspirados de luxúria
e procriação
Velho atabaque
gerador de humanidade...
(Trindade, 2008)
4
Tal performance pode ser vista no canal do artista no YouTube.
158
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Sonho tamborilado
159
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
L
três tambores negros
semeiam no corpo
do vento um grito
de guerra e de paz
que incomeça
pela evocação do Mar
ancestral e se expande
em meio às dobras do L
(de Luta e de Liberdade)
que infinda
o nome sagrado
daquela a quem Iansã
Referências bibliográficas
ALEIXO, Ricardo. L. Revista de la Universidad de México, n. 864, set. 2020.
Disponível em: https://www.revistadelauniversidad.mx/articles/f6499a4f-f6d9-44ad-a8a1-
0d116556e05d/tres-tambores-negros-y-parafrasis-de-nicolas-guillen. Acesso em: 14 set.
2020.
160
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
161
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
162
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
3
A noção polarizada entre corpo e mente, oriunda do dualismo cartesiano vai se estender ao longo
da história da ciência, assim como teorias que tanto insistiam no determinismo biológico quanto
outras correntes que viam a humanidade apenas pelo viés social. Marcel Mauss, com seu texto "As
técnicas corporais" (1974 [1950]), foi de grande importância para a ruptura dessas noções.
4
A pandemia do novo coronavírus, além de matar e trazer a memória da ferocidade das doenças
infecciosas que abalaram a humanidade ao longo dos séculos, evidenciou, entre outros aspectos, a
fragilidade, despreparo, insuficiência de atenção e por vezes, arrogância, dos Estados Nação. No
Brasil especificamente, testemunhamos um Estado que reveza entre negar e ignorar a pandemia,
abandonando a população à sua própria sorte e agravando a situação de desigualdade brutal que o
país vivencia. As políticas de privatizações, de destruição da educação e saúde pública, bem como
o aumento vertiginoso das posturas racistas, homofóbicas, misóginas, transfóbicas e toda sorte de
expressões de ódio pelo outro, são sinais de um período que evidencia o gosto humano pela
banalização do mal e pelo exterminador do diferente. Ao mesmo tempo vemos fortalecer diversos
movimentos de luta por direitos no campo dos ativismos sociais e políticos que respondem, na
medida do possível neste estado de confinamento e certa apatia de setores da sociedade civil, às
brutalidades destes tempos.
163
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
164
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
A marcha e o ritmo
Compreender a marcha humana prevê compreender ritmo – na própria
mecânica da marcha, nesse movimento que diferenciou, assim como a linguagem,
o homo sapiens das outras espécies, há uma noção elementar de ritmo ligada a
perda e recuperação de equilíbrio enquanto andamos. Estudos da chamada
cinesiologia indicam que a marcha acontece a partir de uma consciência de um
ritmo – isso nos faz seguir adiante na sequência de perder e recuperar o equilíbrio
enquanto andamos. Essa noção de ritmo se relaciona potencialmente com uma
escuta interna, um ritmo de dentro do corpo que, se por um lado tem a ver com
pulsações orgânicas, também está relacionado com uma consciência da força da
gravidade e do jogo que executamos com ela. É preciso perceber esse ritmo
interno, bem como os espaços e proposições rítmicas que ele anuncia. Há,
portanto, uma capacidade geradora e catalizadora do ritmo, que o torna condutor
de relações e criatividades.
165
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Germaine Acogny
Coreógrafa e artista da cena nascida no Benin e emigrada para o Senegal em
tenra idade, Germaine Acogny é referência ativa e fundante das danças africanas.
Produz um pensamento consolidado em dança a partir da síntese entre danças da
África do Oeste, sobretudo das regiões do Senegal e do Benin, dança clássica e
dança moderna europeia. Sua atuação como diretora artística do Mudra Afrique,
Escola Pan-Africana de artes criada durante o governo de Leopold Sedar Senghor
5
O poema “Me gritaron negra” foi escrito em 1978.
6
Para uma abordagem aprofundada sobre a obra de Victoria Santa Cruz ver Almeida (2017).
166
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Referências Bibliográficas
ACOGNY, Germaine. Danse Africaine. Francfort, Weingarten, 1994.
ALMEIDA, Danielle Alves de. Me Gritaron Negra: influencias y aportes de la
vida y obra de Victoria Santa Cruz en el proceso de construcción de identidad
negra en Perú y América Latina. Dissertação de Maestría em Ciências da Educação,
Departamento de Educación y Humanidades de la Universidad de Monterrey. San
Pedro Garza García, N.L., México, 2017.
LEITE, Fábio. Valores civilizatórios em sociedades negro-africanas. África:
Revista do Centro de Estudos Africanos da USP, São Paulo, v. 18-19, n. 1, p. 103-
118, 1995-1996.
167
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
168
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
1
Músico, compositor e poeta. Mestre e Doutor em Etnomusicologia/Musicologia pela UFRGS.
Apresentador do programa RWTuca no canal de YouTube Radio Web Tuca. Artigo baseado no
capítulo 9 da tese de doutorado (ROSA, 2020). pedroacosta26@hotmail.com
169
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Oliveira Silveira
Oliveira Silveira nasceu em Rosário do Sul, no sexto subdistrito de Touro
Passo, em 16 de agosto de 1941, sendo criado na Serra do Caverá. Filho de
Felisberto Martins Silveira, branco, brasileiro, filho de pais uruguaios; e Anair
Ferreira da Silveira, negra, pai e mãe negros gaúchos (BOEIRA, 2013, p.15).
Publicou em vida os livros: Germinou, 1968; Banzo, Saudade Negra, 1970; Pêlo
Escuro, 1977; Roteiro dos Tantãs, 1981; Anotações à Margem, 1994; Orixás, 1995;
Bandone do Caverá, 2009; entre outros. Obras que contam através de poesias e
poemas a história negra no Rio Grande do Sul. Graduou-se em letras, foi poeta,
ensaísta, ativista do movimento negro. O que lhe traz importância fundamental
neste trabalho, Oliveira Silveira foi músico-poeta negro e levava, assim como
tantos poetas da negritude, o griotismo (MARCOUX, 2012), entendendo a sua
poesia como espaço de memória, alimentado pela música, pela sônica e pela
história negra da África e da diáspora2.
Mas o que de tão grandioso tem na obra desse autor para ele se tornar
referência internacional da diáspora Negra e proposta para aulas de artes, em
especial, de música? É uma questão que apresento neste artigo, chamando atenção
de professores(as) da rede pública e privada de educação para a importância de
trabalhar a obra desse autor, em especial sua produção musical, como parte
2
Há um site organizado por Sátira Machado, Naiara Silveira entre outras pessoas ligadas à militância
negra e acadêmica que reúne informações importantes sobre a vida e obra de Oliveira Silveira.
Disponível em: <https://www.oliveirasilveira.com.br/ >. Acesso em 30 de maio 2020.
3
Sopapo Poético. Disponível em:< https://abre.ai/bWKo >. Acesso em 22/12/2020.
170
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
4
Por relações de nexus eu quero dizer as relações que são mantidas entre a música e qualquer coisa
que esteja integralmente ou epifenomenalmente ligada a ela. Assim, pode-se examinar o nexus entre
música e comportamento institucionalizado, entre música e funções institucionais, ou entre música
e diferentes domínios da atividade humana, tais como culto religioso, atividades políticas e
econômicas, e assim por diante (NKETIA, 1990, p.87). Do original: “By nexus relationships I mean
the relationships that are maintained between music and anything that is integrally or
epiphenomenally linked to it. Thus, one can examine the nexus between music and institutionalized
behavior, between music and institutional functions, or between music and different domains of
human activity, such as religious worship, political and economic activities, and so on” (NKETIA,
1990, p.87).
5
SOPAPO POÉTICO. Disponível em: http://sopapopoetico.blogspot.com/. Acesso em
22/12/2020.
171
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
6
Vladimir Rodrigues é músico-poeta e formado em direito; foi amigo de Oliveira Silveira, e
participou da fundação do Sopapo Poético, em 2012.
7
Programa radiofônico realizado entre os anos de 2017-2019 na Rádio da Universidade UFRGS,
estação de rádio universitária mais antiga do país.
172
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
As performances poético-musicais
Em novembro de 2017 acompanhei e assisti à primeira apresentação do
Sopapo Poético na feira do Livro de Porto Alegre, com a leitura dramática do
Poema Sobre Palmares, em homenagem a Oliveira Silveira. Percebia naquele
momento a música como uma ferramenta importante de ligação com os poemas
do Oliveira Silveira. As entrevistas que se seguiram em novembro com Naiara
Silveira, filha de Oliveira, confirmaram isso. Naquele Sarau, assisti a cantora
Kyzzy Barcelos cantar o trecho do Poema Sobre Palmares, de Oliveira Silveira,
musicado por Vladimir Rodrigues, que diz:
Refrão 1 (verso 1)
Moleque, pescava e caçava nos matos
E riachos de palmares
Moleque brincava livre
Na liberdade alerta de palmares
Refrão 2 (verso 2)
Molecada, brincava e era gente
Molecada brincava e era gente
(verso 3)
Poema se fez forte nos contornos
pra proteger esses rebentos (Vladimir)
8
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=1XSt3XBfN_g
173
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
(verso 4)
Palmares se fez graça e colorido
para ver florir essa infância (Jorge Froes)
(verso 5)
A serra se fez mais alta (Fátima Farias)
para proteger esse destino
(verso 6)
A terra se fez verde e orvalhada (Professora Marieta)
para nutrir essa esperança
Refrão 3 (verso 7)
E se dançava porque os livres têm direito a dançar
e se cantava, porque os livres têm prazer em cantar
Refrão 4 (verso 8)
Folga negro folga, branco não vem cá
e se vier, pau há de levar
Folga negro folga, branco não vem cá
e se vier, pau há de levar
174
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
INSTRUMENTAÇÃO
10s Introdução - violão, cavaco, pandeiro
11s Entra a voz de Kyzzy Barcelos, pandeiro, cavaco e violão Verso (1)
22s Coro Palmarino - cavaco, pandeiro e violão
33s Coro Palmarino - Cavaco, pandeiro e violão. Verso 2
46s Voz Vladimir, violão e cavaco. Verso 3
51s Voz Jorge Froes- violão e cavaco Verso 4
57s Voz de Fátima Farias- violão e cavaco Verso 5
1:01 Voz professora Marieta- violão e cavaco Verso 6
1:07 Coro Palmarino – Violão, Cavaco e pandeiro Verso 7
1:30 Coro Palmarino- Tamborim, cavaco, pandeiro e violão Verso 8
Tabela 1: Instrumentação
9
Jorge Froes foi amigo de Oliveira Silveira, é professor de literatura e escritor.
175
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
10
Jessé Oliveira é diretor do grupo de Teatro Caixa e foi diretor da Casa de Cultura Mário Quintana,
um local de prestígio na cidade de Porto Alegre, frequentado pela classe artística.
11
Nilo Feijó foi compositor de sambas, marchas e liderança negra de Porto Alegre, sendo presidente
da Associação Satélite Prontidão, uma das associações negras mais antigas do Rio Grande do Sul,
criada no pós-abolição. Faleceu em 2016, aos 82 anos. Era um participante ativo do Sarau Negro
Sopapo Poético.
176
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
me embrenho no mato
dos pelos do corpo
nado no rio longo do sangue
voo nas asas negra da alma
regrido na floresta dos séculos
encontro meus irmãos
Quilombo (coral)14
costa africana
caçada humana
angola e congo
Quilombo (coral)
tumba, tumbeiro,
navio negreiro
12
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=OihwCGVqf7k acesso em 20 de maio de 2020.
13
O coral do CECUNE é parte do Centro Ecumênico de Cultura Negra e foi criado no final dos anos
de 1980 com lideranças do movimento negro de Porto Alegre. A ideia central era congregar pessoas
negras de diferentes posições ideológicas com o intuito de auxiliar à produção e a valorização do
patrimônio cultural africano e brasileiro. Muitos daqueles que fizeram parte do CECUNE constituíam
quem já dispunha de uma trajetória na luta política negra, influenciados também pelo trabalho de
Oliveira Silveira e pelo processo de democratização do país que se consolidava em nível nacional.
14
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=x_DPofFQR7g acesso em 20 de maio de 2020.
177
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
canseira e tomba
Quilombo (coral)
venta no porto
marca no corpo
carga no lombo
Quilombo (coral)
roda moenda
lavra fazenda
cava no fundo
Quilombo (Coral)
tuzi, nytumba,
relho na bumba
ferros e troncos
Quilombo (Coral)
Quilombo
(Oliveira Silveira)
178
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
para educação brasileira é mais uma vez adiada; mesmo assim, Palmares é o
exemplo, a coletividade, é o guia que orienta a luta política negra, seja em qual
parte do Brasil estivermos, ou nas Américas, no mundo, pois, como Beatriz
Nascimento coloca, a “terra é meu quilombo”.
Palmares não é só um
São milhares
(Oliveira Silveira)15
15
Disponível https://www.youtube.com/watch?v=XjPGGnr228c acesso em 20 de maio de 2020.
179
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Considerações
O(a) professor(a) de artes e música tem uma ótima ferramenta nas mãos
para desenvolver a consciência racial dos seus alunos, a partir da poesia, da
música e da luta política negra discutidas neste artigo. Podem aproveitar o legado
de Oliveira Silveira como uma maneira de dar continuidade dentro do espaço
escolar à luta política cultural negra, oportunizando aos jovens do ensino médio,
em especial aos negros e negras, conhecerem a própria história através da obra
de Oliveira Silveira, a partir de seus poemas musicados pelo Sarau Negro Sopapo
Poético.
O trabalho de Oliveira Silveira e o audiobook produzido pelo Sopapo Poético
traz-nos à importância do imaginar, musicar e politizar através da arte, em um
momento que as utopias estão sendo destruídas em nome de projetos
imediatistas do mundo.
A produção musical do audiobook realizada pelo coletivo sopapeiro,
baseado no livro Poema Sobre Palmares, de autoria de Oliveira Silveira, foi feita
em homenagem ao poeta pelos dez anos de sua morte. É importante lembrar que
16
Do original: In spite of the amount of research conducted on musicking in Africa, many
stereotypes and untruths exist that affect our understanding of and approach to the study of
musical style. This study reveals several. One, the belief that West Africa only consists of drum
orchestras, is an obvious untruth. While drumming is prominent in this area of the continent, other
performance traditions are equally important. Therefore, both examining traditions in geographical
regions not normally investigated and looking beyond the stereotypes are vital if we are truly
committed to appreciating the complex realities of African music.
180
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Referências Bibliográficas
ASANTE, Molefi Kete. Afrocentricidade: a teoria da mudança social. Ed.
Afrocentricty International, Philadelphia, 2014.
BOEIRA, Eloísa Elena Prates. Pelo Escuro: a poesia afrobrasileira de
Oliveira Silveira. 2013. 124 f. Dissertação (Mestrado). Curso de Literatura
Comparada, Programa de Pós- Graduação em Estudos da Linguagem, Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2013.
DJEDJE, Jacqueline Cogdell. Fiddling in West Africa: touching the spirit in
fulbe, hausa, and dagbamba cultures. Bloomington: Indiana University Press,
2008, 352 p.
EVARISTO, Conceição. Literatura negra: uma poética de nossa afro-
brasilidade. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 13, n. 25, p. 17-31, 2º sem, 2009.
FONTOURA, Pâmela Amaro. Sarar-Sopapar-Aquilombar: o sarau como
experiência educativa da comunidade negra em Porto Alegre. 2019, 104 f.
Dissertação (Mestrado em Educação)- Programa de Pós-Graduação em Educação,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2019.
RATTS, Alex; RIOS, Flávia. Eu sou Atlântida: sobre a trajetória de Beatriz
do Nascimento. São Paulo, SP. Imprensa Oficial e Instituto Kwanza. 2006
MARTINS, Leda Maria. Performance da oralitura: corpo, lugar da
memória. Leda Martins. Língua e Literatura: Limites e Fronteiras, n28, jun, 2003.
MARCOUX, Jean-Philippe. Jazz-Griots: music as history in the 1960s
african-American Poem. Lexington Books, New York, 2012.
MOORE, Carlos. Racismo e Sociedade: Novas bases epistemológicas para
entender o racismo. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2007.
NASCIMENTO, Abdias. O Quilombismo. Petrópolis: Vozes, 1980.
NKETIA, J. H. Kwabena. Contextual Strategies of Inquiry and
Systematization. Ethnomusicology, v. 34. n.1, winter, p. 75-97, 1990.
PEREIRA, André Luís. O Pensamento Social e Político na obra de Abdias
do Nascimento. 2011. Dissertação (Mestrado) Mestrado em Sociologia,
Universidade Federal da do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.
RODRIGUES, Vladimir. Grupo Afroentes. 20 set. 2017. Entrevista cedida a
Pedro Fernando Acosta da Rosa. Músicas do Mundo: Etnomusicologia na Rádio
da Universidade AM 1080, Porto Alegre. Disponível em: < https://abre.ai/bWKe >.
Acesso em: 30 abril. 2020.
ROSA, Pedro Fernando Acosta da. Sopapo Poético e Etnomusicologia
Negra: agência, performance, musicalidade e protagonismo negro em Porto
Alegre. 340 f. 2020. Tese (Doutorado)- Programa de Pós- Graduação em Música,
Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2020.
SILVEIRA, Oliveira. Germinou: Porto Alegre: Edição do autor, 1962.
181
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
182
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
(Contra)discursos da mistura e a
relação afroindígena no maracatu
da Zona da Mata Norte de
Pernambuco
Noshua Amoras de Morais e Silva1
noshua.amoras@gmail.com
1
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional (PPGAS-
UFRJ). Bacharel em antropologia pela Universidade de Brasília, onde desenvolveu pesquisa com
maracatu da Zona da Mata de Pernambuco, resultando na monografia de conclusão de curso
“Manobras e evoluções: etnografia dos movimentos do Maracatu Leão de Ouro de Condado (PE)”
que ganhou o V Prêmio Martin Novion de Melhor Dissertação de Graduação. Tem mestrado em
Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional,
UFRJ, onde deu continuidade à pesquisa sobre o maracatu em Pernambuco, com a dissertação
intitulada “Composições e metamorfoses no maracatu da Zona da Mata de Pernambuco”.
183
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
2
Essa diferenciação acaba associando a relação religiosa do maracatu de baque solto como oposto
simétrico do de Recife. Assim, enquanto este estaria atrelado a bases religiosas bem definidas em
casas de candomblé, aquele teria uma relação difusa com uma expressão religiosa considerada,
nesses argumentos, como “sincrética” (jurema, catolicismo popular). Já mostrei (Amoras 2018) que
o baque solto não se estrutura a partir de um domínio religioso definido, mas sim que seus
praticantes têm relações específicas e complexas com forças diversas, e eventualmente encontradas
em religiões de matriz africana. Isso não pode ser lido, portanto, como análogo ao pertencimento
religioso do baque virado.
3
Não pretendo, com isso, reduzir as categorias nativas a meras versões locais ou contextualizadas
184
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
comparação deve ser conduzido sem reificar certas dualidades. Nesse sentido,
vale explicitar que aqui trato do maracatu encontrado na Zona da Mata Norte de
Pernambuco4. Assim, não realizo nem um exercício comparativo entre o maracatu
de baque virado e o de baque solto, tampouco um ensaio crítico – e ainda que o
texto faça referência às produções bibliográficas do tema, espera-se com isso
ressaltar os modos de pensamento contrastantes entre a bibliografia e os
folgazões.
As reflexões contidas neste artigo surgem de minha interlocução com os
folgazões do Maracatu Leão de Ouro de Condado (PE) 5 , grupo pertencente a
Severino Alexandre, e do qual participa uma extensa rede de folgazões
relacionados por parentesco, compadrio e vizinhança. Minha hipótese é que o
maracatu da Zona da Mata não é uma versão derivada de um gênero mais geral -
maracatu - nem uma versão híbrida do baque virado, e deriva das considerações
dos folgazões ao pensarem sua brincadeira em termos de uma composição entre
“índios e negros que se juntaram”.
Entendo, pois, o maracatu como uma brincadeira do amplo complexo de
outras da Mata Norte do estado, como o caboclinho, mamulengo, cavalo marim,
coco, ciranda. Esta é uma brincadeira do tempo dos engenhos e que, conforme
lembram os folgazões, passou a ser chamada de maracatu em um período
relativamente recente, ainda que imemorável, marcando transformações no modo
de brincar, bem como a substituição da antiga alcunha mulungu. Junto a isso, é
de se notar que os folgazões dispensam grandes tematizações sobre uma possível
origem comum de sua brincadeira com o maracatu da capital, os quais são muito
eventualmente mencionados como “maracatu de bombo”6.
que só fariam sentido em uma análise do maracatu. Pelo contrário, proponho que contribuam para
repensarmos os próprios conceitos e categorias de pensamento das disciplinas acadêmicas.
Tomarei os enunciados dos folgazões que acionam uma noção de mistura. O intuito é apresentar
uma proposta teórica para abordar a mistura dessa vez ancorada em uma etnografia, destacando
que, ao conceberem a mistura de maneira específica, está em jogo também um modo mais amplo e
cuidadoso de composição de experiências tais quais as apresentadas aqui.
4
Majoritariamente, o maracatu de baque solto é o termo marcado nos escritos acadêmicos, o que,
por consequência convoca um sentido “dado”, “original”, às agremiações carnavalescas recifenses
do baque virado. A proposta desse artigo é fazer um exercício ligeiramente contra intuitivo e incitar
que nosso pensamento vá na mesma direção dos folgazões com os quais convivi, para quem
maracatu imediatamente evoca a imagem da brincadeira da Mata Norte. Assim, o maracatu -
brincadeira da Mata Norte- é o termo não marcado desse texto - o que o farei apenas eventualmente
para melhor compreensão do argumento. Seu homônimo na capital, quando presente no artigo, será
grafado como maracatu de baque virado ou nação.
5
Esta interlocução compreendeu um período de campo que somou cerca de oito meses em 2014,
além de retornos pontuais entre os anos 2015, 2016 e 2017, dando origem à minha monografia de
graduação (AMORAS, 2015) e dissertação de mestrado (AMORAS, 2018).
6
Além disso, dizem que esses maracatus “usam macumba mesmo” e são “xangozeiros” (expressão
recorrente para se referir aos praticantes de religião de matriz africana). Ainda sobre esse tema,
devo dizer que falo da experiência dos grupos do contexto da Mata Norte. Os grupos que migraram
ou foram criados no Recife certamente têm outras relações com o baque virado. Além disso, não é
que aproximações e comparações entre os maracatus de baque solto e de baque virado não devam
ser feitas, pois existem transversalidades entre eles que poderiam render leituras interessantes. O
perigo é presumir a existência de uma continuidade, em geral histórica, mas também sociológica,
entre as brincadeiras. Se pensarmos em alguma matriz comum ou correspondências entre
diferentes brincadeiras, para então fazer algum tipo de trabalho comparativo, parece mais
proveitoso levar em conta, ao menos inicialmente, as referências daquelas da Zona da Mata Norte
que, em certo nível, compartilham de um mesmo fundo de relações. Nesse sentido, o cavalo marim,
o coco, a ciranda e o cabocolinho são algumas das brincadeiras que partilham com o maracatu tanto
folgazões quanto uma cosmologia mais geral. E talvez, mais do que marcar semelhanças entre elas
185
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
e o maracatu, deve-se pensá-las tal como os folgazões, que as usam como marcadores de diferenças
ao comentarem que um colega está batendo o terno (tocando os instrumentos) muito lentamente:
“está achando que isso é ciranda?”; ou mesmo quando um folgazão está sambando de maneira
estranha, ao que se comenta: “isso aqui não é cavalo marim”
7
Este esforço teórico se insere em um projeto de pesquisa coletivo mais amplo intitulado “Relações
Afroindígenas: Teorias Etnográficas da Mistura, do Sincretismo e da Mestiçagem”, coordenado por
Marcio Goldman (PPGAS/MN/UFRJ), e que trata de contextos etnográficos diversos nos quais a
questão da mistura se coloca.
186
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
187
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
188
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Da degeneração ao hibridismo
Essas obras heterogêneas, que podemos chamar de folcloristas por
economia do texto, não estão circunscritas a um período de tempo, mas refletem
uma forma de abordagem encontrada em estudos atuais sobre o tema . É
importante salientar que nem todos os trabalhos elencados acima se propõem
etnográficos8. De toda forma, inspiraram e definiram significativamente como o
maracatu vem sendo pensado até hoje. A visão do maracatu como degeneração
e/ou filiação do baque virado foi de certa maneira descartada. Entretanto, a
relação de derivação entre as duas manifestações continua presente nos estudos
sobre o baque solto e, se deixou de existir como um possível marco histórico,
permanece como marco analítico, ou ao menos como o único recurso discursivo
disponível aparente para falar sobre a brincadeira9.
Christopher Estrada (2015) tem como uma de suas principais questões a
ausência de análises específicas sobre o maracatu na literatura folclorista e
antropológica brasileira. Para o autor, essa invisibilidade teria durado até mais ou
8
Katarina Real, apesar de antropóloga, não conduzia uma etnografia propriamente dita com um
grupo ou coletivo específico do maracatu da Mata Norte. Seu foco recaía sobre outros fenômenos,
como o carnaval da cidade, e ela tinha relações mais próximas com demais agremiações - o que
rendeu registros interessantes em demais nível de apreensão. Para maiores detalhes da trajetória
da antropóloga na vida cultural do Recife, ver o trabalho de Kubrusly (2007).
9
Há um pequeno conjunto de trabalhos sobre o maracatu entre dissertações e artigos. Optei por
destacar as duas teses de doutorado citadas aqui por considerá-las mais exemplares no debate da
mistura.
189
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
menos a década de 90, a partir da qual, segundo ele, o maracatu passou a ser um
símbolo identitário e ao mesmo tempo um objeto de estudo. Na perspectiva de
Estrada, a “descoberta” do maracatu reflete mudanças nos conceitos e nas
atitudes sobre mistura e hibridismo no pensamento social brasileiro (ESTRADA,
2015, p. 97). Até então, havia um forte “discurso de continuidade africana” que
não permitia “o reconhecimento do maracatu rural como forma de expressão
cultural legítima no século XX”, “marginalizando outras variedades de expressão
e identidade cultural que não se encaixavam claramente em sua moldura” (E
STRADA, 2015, p. 102-103)10.
Sua segunda suposição para essa invisibilidade é que o maracatu, tal como
se apresenta hoje, não existiria no tempo dos engenhos da Mata Norte, nem no
período em que as primeiras pesquisas folclóricas foram realizadas. A
configuração atual da brincadeira seria resultante do amálgama das diversas
práticas da região que teriam se misturado, produzindo uma brincadeira singular,
por isso sua constituição híbrida. A proposta de Estrada é, então, deslocar os
interesses de pesquisa das origens comuns dos autores folcloristas para o que
chama de processos de “criolização” e “hibridização”, respondendo às
abordagens que, segundo ele, priorizariam expressões de pureza.
Laure Garrabé (2010; 2011; 2012), na mesma direção de Estrada, identifica
uma abordagem no pensamento social brasileiro que concebe o maracatu de
baque solto como surgido do baque virado. A autora percebe que, na tentativa de
estabelecer uma construção teórica de uma ideia de brasilidade e identidade
nacional para o país, se teria preconizado as expressões e os elementos afro-
brasileiros como constitutivos dessa brasilidade, em detrimento de expressões
indígenas ou mestiças.
Nessa esteira, Garrabé percebe um modelo no qual o maracatu de baque
virado estaria no “polo afro” por excelência, carregando características de “antigo,
tradicional, urbano, negro e religioso” (GARRABÉ, 2010, p. 107). O baque solto,
por sua vez, apresentaria as características opostas de “recente, rural, mestiço e
mágico-religioso” (GARRABÉ, 2010, p. 107), tendo sido, por isso, relegado à
impureza e degeneração, fosse musicalmente, ou mesmo por sua proveniência
rural e camponesa, e classificado como “estilizado”, “pobre”, “simples”,
“fetichista”, “dessacralizado” (GARRABÉ, 2010, p. 115), o que o colocaria em
desvantagem em termos de legitimação cultural em relação ao baque virado.
Com o objetivo de negar a abordagem baseada na ideia de degeneração tão
recorrente nos estudos sobre a brincadeira, Laure Garrabé toma como ponto de
partida essas características simetricamente opostas do baque solto em relação
ao baque virado. Em um sentido muito similar ao de Estrada, ela pretende
demonstrar que o primeiro não é hierarquicamente inferior ao segundo,
afirmando sua constituição híbrida, que não se encaixaria no que chama de
divisões binárias e polarizadas da antropologia:
Os elementos que nos apoiam para formular tal hipótese são que o
maracatu não emergiu de uma identidade coletiva já pré-formada
por códigos e imaginários identificando uma microcultura, mas
pela coletivização de indivíduos que são defensores de pequenas
propriedades para se reunirem em torno de formas, experiências e
10
As citações de Estrada e Garrabé foram todas traduzidas por mim.
190
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
11
Cabe ressaltar um ponto importante: Ivaldo França Lima, que pesquisa o maracatu de baque
virado, chama atenção para o fato de que os pesquisadores replicam um “velho chavão” que carece
de uma abordagem contemporânea, reproduzindo o argumento de “’reminiscências das festas de
coroação dos reis e rainhas do congo’ para explicar a origem do maracatu” (LIMA; GUILLÉN, 2007,
p. 10).
191
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
A relação afroindígena
Conforme afirmei, a noção de mistura remete a outras na antropologia,
como miscigenação, sincretismo, aculturação e hibridismo. Essas, por sua vez,
aparecem em diversos momentos nos trabalhos sobre maracatu, demonstrando
suas ressonâncias em diferentes planos da brincadeira. Apesar da marcante
diferença de posicionamento, percebemos que a noção de mistura, tanto nos
192
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
193
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
12
Conversas pessoais com Derivan Silva e Severino Alexandre, 2014, Condado, Pernambuco.
194
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
195
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
196
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
13
Talvez aqui esteja mais um nível de complexidade das elaborações nativas: a existência de uma
narrativa de uma aliança entre negros e índios e suas propagações que dizem respeito ao maracatu
não exclui nem contradiz que eles identifiquem racialmente a si próprios e os outros como brancos
(alvos) e negros (morenos, da raça, pretos, moreninhos).
14
Conversa pessoal com Derivan Silva, 2014, Condado, Pernambuco.
197
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Referências
ALCURE, Adriana Schneider. “A Zona da Mata é rica de cana e brincadeira”
uma etnografia do mamulengo. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação
em Sociologia e Antropologia/ UFRJ, 2007.
AMORAS, Noshua. Manobras e evoluções: etnografia dos movimentos do
Maracatu Leão de Ouro de Condado (PE). Monografia de Graduação/Departamento
de Antropologia/UnB, 2015.
198
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
199
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
200
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Figura 1: Mestra Ana cantando o coco “Meu camaleão” no Jacumã Jazz Festival, 2018.
Foto: Thercles Silva.
1
Zé Silva (José Hilton Adalberto da Silva Filho) é bisneto de Mestra Felina e neto de Mestra Ana
Maria, mestras de coco de roda no sertão do Ceará e da Paraíba, respectivamente. Seu avô materno
era cigano, seus tios cantavam coco de roda e aboiavam, e sua mãe é dançadeira de coco de roda.
Atualmente integra o Grupo de Estudos Coco Acauã e o Coco de Roda e Ciranda do Mestre Zé Cutia
(Jacumã). Graduado no curso de Licenciatura em História (UFPB) e mestrando em Música, cultura e
Performance (UFPB). A transcrição foi feita em parceria com Gabriela Castro, graduanda em história,
bolsista do projeto Saberes em Roda da UFPB e integrante do Grupos de Estudos Coco Acauã.
hiltonad11@gmail.com
201
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Introdução
Mestra Ana do Coco, nascida no Quilombo Ipiranga (Conde-PB) em
15/12/1962, é líder quilombola, poetisa, geógrafa, atriz e escritora. Filha de
Mestra Dona Lenita e neta de Mestre Zé Pequeno. Aos 18 anos se interessou pela
tradição do coco de roda, ajudando sua mãe a cantar coco e ensinando outras
crianças do quilombo. Seu coco é o de umbigada, um estilo de coco de roda com
influências dos povos bantos e dos povos indígenas. A mestra apresenta e promove
palestras, cursos e oficinas para os moradores do quilombo, dando visibilidade à
comunidade através da Festa do Coco.
Com o Prêmio de Cultura Viva (MINC), recebido em 2010, Mestra Ana e seu
grupo Coco de Roda Novo Quilombo construíram o pavilhão da hoje célebre Festa
do Coco. Desde então, realizam todo último sábado de cada mês, no Quilombo
Ipiranga, a festa que recebe mais de 500 visitantes mensalmente2. Segundo Mestra
Ana, a hoje famosa Festa do Coco tornou a comunidade reconhecida como o berço
da Cultura do Coco. A festa é um grande incentivo não só para manter viva a
brincadeira na comunidade, mas também, para que outros grupos tradicionais
possam mostrar suas tradições 3 . Recentemente, o grupo Coco de Roda Novo
Quilombo teve que sair do antigo pavilhão localizado em terras da família de
Mestra Ana. Por disputas pessoais e por preconceito, alguns familiares não
quiseram que a festa continuasse nas terras da família. Porém, está em fase de
2
A realização da festa só foi interrompida em março de 2020
3
Já se apresentaram mais de 100 atrações de todo o Brasil no antigo pavilhão do Novo Quilombo.
202
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
203
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
4
Regime de cambão é um “sistema muito antigo, mas ainda vigente, através do qual proprietários
nordestinos da zona canavieira pagam seus trabalhadores rurais com simples vales, ao invés de
moeda corrente. Tais vales eram aceitos nos barracões dos engenhos e das usinas, obrigando os
trabalhadores a somente poderem utilizar seu valor nestes barracões” (BARBALHO, 1984, p. 404).
5
O texto que segue foi transcrito e editado a partir do vídeo da aula remota de Mestra Ana, realizada
no dia 26/06/2020, dentro da disciplina ministrada pelo Prof. Chico Santana, “Metodologia de
Ensino de Música III”, no Departamento de Educação Musical da Universidade Federal da Paraíba, e
como parte do projeto Saberes em Roda da UFPB.
204
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
a criança na maternidade que ela podia voltar para casa. Então ela optou por não
dar criança e voltou para casa e meu avô a expulsou de casa. Ela começou a viver
como andarilha na casa de um, na casa de outro e eu fui crescendo. Depois de 5
anos de idade, eles, meus avós, resolveram pedir a minha mãe para me criar. Ela
vivia em condições precárias, já tinha mais dois filhos de um outro casamento.
Fui morar com meus avós, e passei de uma vida bem precária para uma vida bem
melhor. Minha avó era professora e meu avô era agricultor, mas plantava e tinha
uma condição de vida melhor. Eu me dediquei o tempo todo aos estudos. Então,
aos onze anos, quando terminei o primário, meu tio me levou para estudar no Rio
de Janeiro.
6
Mestra Ana nos ensinou (Grupo de Estudos Coco Acauã) um coco que era cantado por outra grande
referência na luta por terras na Paraíba: Elizabeth Teixeira. A mãe da Mestra Ana, Mestra Lenita,
acompanhava as lutas por terras em Sapé, na Fazenda Antas, onde cantavam esse Coco.
O coco era: “E olha o coco, estabilo, bilo, bilo, ô lelê.../ E olha o coco estabilo, bilo, bá. / Minha
senhora, por que chora esse menino? / Chora de barriga cheia com vontade de mamar / Minha
senhora, por que chora esse menino? / Chora de barriga cheia com vontade de apanhar... / E o olha
o coco, estabilo...”
Elizabeth Teixeira cantava esse coco com seus filhos quando a polícia batia à porta de sua casa
ameaçando invadi-la. A história de Elizabeth já é bastante conhecida por sua luta pelo direito à terra
através das ligas camponesas e pelo clássico filme “Cabra Marcado Pra Morrer”, do diretor Eduardo
Coutinho, que conta toda história de luta e resistência dessa heroína paraibana.
205
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
semana, era 5x2: cinco dias para o dono e dois dias pra família. Com esses dias
de trabalho eles iam pagando o valor da propriedade e também pagavam de várias
outras formas: com dinheiro, com produto agrícola, com farinha e uma série de
coisas que eles produziam no quilombo. Então, todos eles aqui têm o título de
posse da terra que antigamente era um título comum para todos. Um padre
Franciscano, que eu não lembro do nome dele agora, veio para cá trabalhar aqui
na Freguesia e ele levou esse título de posse que minha avó dizia que tinha o
símbolo da coroa real de Dom Pedro e levou para desmembrar e trazer os
documentos individuais e esse Padre sumiu com esse documento. Quando veio o
projeto das casas pelo governo Lula, houve a necessidade de que cada um tivesse
o seu título de posse. E aí a INTERPA7 entrou no caso e fez esse título individual.
No nosso caso aqui foi operação inversa, porque hoje a gente precisa desse título
comum para que o quilombo seja certificado, mas a gente percebe que as pessoas
não querem mais que o título volte a ser comum, preferem que fique como
individual. Então, no nosso caso, a operação foi feita inversa, mas nós todos
temos o título de posse da terra e nunca houve conflito aqui. Agora nossa terra
era imensamente grande, mas foram grilando, grilando, grilando e hoje a gente
tem menos da metade do que era o quilombo.
7
Instituto de Terras e Planejamento Agrícola do Estado da Paraíba.
6
Mestre Luiz de França é conhecido nos quilombos do Ipiranga e Guruji como “O Professor”.
Ensinou coco de roda e ciranda a várias pessoas. Existem alguns cocos que exaltam sua memória,
importância e resguardam seu legado através da oralidade. Alguns cocos em homenagem ao Mestre
Luiz de França:
1) Pergunta: Professor Luís de França / Quem me dera você ver / Aqui tem quem lhe imite / Mas
não tem como você
Resposta: Vocês ajeitem o bombo / E não parem de brincar / Quando eu não existir / Botem outro
em meu lugar
2) Pergunta: Vem cá Luiz / Ô que saudade vem cá
Resposta: Tu não pode brincar coco / Vem ao menos me ensinar
3) Pergunta: Luiz de França / Se você tá me escutando / Seu Zabumba tá tocando / Pinheiro quem
consertou
Resposta: O som é bom / Do bombo que eu preparei / Esse zabumba eu deixei / Meu filho foi quem
herdou.
(Esse coco foi tirado por Marcus de França, filho do Mestre Luiz de França).
206
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
207
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
tocar. Mas são sons incríveis que a gente fica tudo fascinado quando escuta. Eu
mesma, começo no dia da festa do coco, às 5 horas da manhã, indo pra feira
comprar as coisas, pra fazer as comidas. Quando dá 5 horas da tarde eu já estou
quase não aguentando, e digo que não vou aguentar essa festa. Minhas pernas não
aguentam estou cansada. E quando o bombo começa a tocar, eu não sei pra onde
vai o cansaço, mas eu vou até 5 da manhã do outro dia. Deve ter muita magia
nesses instrumentos. É a caixa, bombo e o ganzá. O bombo e a caixa, bem
artesanais, que eram feitos pelos mestres antigos. Mestre Cícero de Várzea Nova,
Seu Jorge de Forte Velho e hoje a gente já tem pessoas que se dedicam totalmente
a isso. Um atelier que faz em série, às vezes do mesmo jeito. Antigamente não,
cada bombo era peça única.
208
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
lembro que a primeira vez que a gente foi brincar a gente já tinha essas roupas,
que eram essa blusa com as saias e os homens a calça e a blusa. O povo da
comunidade ficava olhando, mas ninguém entrava e a gente sabia que ali tinham
mestres, que cantava, tirava coco e tocava... Mas ninguém entrou para dançar e
eu perguntava para eles “porque vocês não entram”? E eles diziam: não a gente
não tem farda. Então, eu disse: pessoal a gente tá fazendo errado, a gente tem que
brincar sem a roupa do corpo. E aí, começamos a brincar sem as roupas, só com
as saias das mulheres e os homens com qualquer roupa e o pessoal começaram a
entrar na roda. Tanto os mais velhos, como os jovens entravam e começavam a
brincar. E aí a gente viu que a roupa estava inibindo eles. A festa foi crescendo,
foi aparecendo grupos de cultura pra querer se apresentar com a gente e hoje
acho que já passaram mais de 100 grupos por essa festa. O interessante é que o
nosso quilombo era uma coisa tão escondidinha que ninguém sabia onde era o
Ipiranga. Quando perguntavam a gente de onde somos, respondíamos que éramos
do Guruji, e aí ficou “Coco do Guruji”. Só que a maioria dos componentes era do
Ipiranga. Depois da festa do coco na comunidade, o Ipiranga passou a ser mais
conhecido do que o Guruji. Então, a festa trouxe esse reconhecimento do Ipiranga
como quilombo e como um lugar de cultura.
209
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
9
As danças indígenas já utilizavam a roda como forma da organização seja nas suas brincadeiras
ou nos rituais religiosos, porém não era característica dos brasileiros a utilização da umbigada e de
pessoas dançando no meio das rodas (Cascudo, 1965, p. 132). Dentro do Coco de Roda indígena do
litoral norte da Paraíba, essa afirmação de Câmara Cascudo faz sentido. Nas minhas experiências
com os grupos da Aldeia Laranjeira e Aldeia Cumaru (Ambos do município de Baía da Traição) e o
Coco de Roda da Barra de Camaratuba (localizado fora do terras indígenas, porém com integrantes
que moram nas aldeias ou são descendentes dos povos potiguaras), percebi que eles seguem um
mesmo padrão de dança, mas sem um par/casal no meio da roda para realizar a umbigada. Por
210
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
muito contato com os outros grupos de coco, por exemplo, sei que tem um lá na
aldeia São Francisco, o Cumaru, que é totalmente indígena. Mas eu acredito que
faz mais de 20 anos que eu vi esse grupo dançar, e eu lembro da forma como eles
dançam. Então eu não tenho muito essa aproximação com grupos de coco
indígena, aí não sei nem te dizer essa diferença basicamente; por exemplo, isso
eu estou falando na Paraíba, viu? Pode ser que os outros estados tenham mais.
Não sei, mas na Paraíba a maioria dos cocos são africanizados, um povo negro, eu
digo pela visibilidade, mas pela visibilidade é mais população negra.
exemplo, no Coco da Barra de Camaratuba, uma única pessoa vai para o centro da roda, dança e,
logo após, chama outra para entrar, e assim por diante. Em alguns registros das Missões de
Pesquisas Folclóricas de 1938, que filmaram o coco de roda na Baía da Traição, é possível perceber
que esse padrão, hoje feito pelo coco de roda da Barra de Bamaratuba, é tradicional e que, além
disso, o zabumbeiro e o tocador de gaita (flauta indígena) também dançavam no meio da roda em
determinado momento da brincadeira. O Mestre Miguel do Coco de Roda Potiguara Flor de Laranjeira
afirmou recentemente, durante live do Saberes em Roda com o grupo, que a umbigada é questão de
querer fazer ou não dentro do que ele aprendeu e vivenciou. Sendo assim, podemos entender que
a umbigada não influencia tanto na brincadeira dos cocos indígenas do litoral norte paraibano.
Diferentemente dos cocos de roda mais africanos que encontramos no litoral sul e em outras regiões
do estado em que a umbigada é parte essencial dentro da roda do coco.
10
O Coco de Roda na Paraíba é disseminado por todas as regiões do estado. Cada grupo, mestra ou
mestre tem suas próprias características e especificidades seja no canto, toque ou na dança.
211
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
incrível que eu nem sonhava que existia, mas tem uma variedade grande, viu! O
jeito de dançar e o toque são bem aparecidos, mas o jeito de dançar, por exemplo,
o coco de Queimadas, gente, aquilo é incrível. Tem uma influência grande de
Pernambuco, o coco de Mauguio, eu acho que é isso como eles chamam; e um
instrumento só, eles tocam só o bombo. Eu achei incrível também, ele canta com
o microfone na mão e toca com uma mão só. Achei aquilo incrível e o jeito que
eles dançam totalmente diferente do nosso. Então, tem uma variedade de coco
grande na Paraíba, né! Mas eu acredito que o coco de umbigada, ele tem mais
grupo que dançam desse jeito, como Cabedelo, ele é incrível! O Coco de Barra de
Camaratuba, que eles entram de um em um na roda, não tem aquela disputa dos
dois na roda. O Coco de Jacumã, eles dançam virando um para o outro. Então,
cada um tem seu jeito de ser, de manejo, como dizia minha Mãe: Cada coco tem
seu manejo. E a gente ver que tem o coco da roxa, o coco praiêro, coco de cacete,
coco de umbigada. Então, tem uma variedade grande aqui na Paraíba.
A gente está nessa disciplina de metodologia de ensino da música, então,
acho que uma das coisas que é mais interessante pensar, pra quem for professor
de música no futuro, é pensar em como se aprende e como se ensina o coco que
é diferente daqui da universidade que vai ler pra aprender.
11
Integrantes do Grupo de Estudos Coco Acauã.
212
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
“Coco de recado”
Coco de recado a gente tem alguns, por exemplo, a minha mãe estava na
festa do coco, muita gente bebendo, muita gente dançando; muita gente
antigamente não era como hoje que a gente compra o lanche do povo e bota no
lugar reservado e vai mandando as pessoas virem. Geralmente os componentes
do grupo queriam lanches, então, cada um leva um prato, um leva caranguejo,
outro levava a galinha de capoeira, outro leva inhame e macaxeira, e bolacha, e
12
Tiragem é a forma como se puxa um coco de roda ou uma ciranda, isso inclui a pergunta e a sofra
(melodia da voz).
213
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
café, suco e cachaça... o dono da Bodega dava cachaça e fazia comida que dava
para o grupo lanchar e as pessoas de fora, aí o grupo também que a gente
convidou para brincar. Tinha determinados momentos que a minha mãe cantava
um determinado coco que eu sabia o que ela queria dizer. Tinha um coco que ela
cantava que era do Quilombo do Ipiranga: No quilombo do Ipiranga mangueira
não bota mais/ mode a largata dandoca que sua fome é demais/ Eu vou chamar
Jurandir para comprar formicida/ para matar a dandoca ô que largata atrevida.
E aí eu já me ligava, quando eu olhava para mesa do lanche estava o povo em cima
comendo tudo e eu ia para lá dizer “pessoal, esse lanche aqui é do grupo que tá
se apresentando”. Ela mandava aquele recado para mim e o outro era um de dizer
assim “bota barro na parede/ quero ver cair o pó/ aqui de dentro dessa sala/
quanto mais sério melhor” aí eu já ficava ligada, era um alguém querendo brigar,
era um bêbado caindo por cima do povo era algum rapaz com alguma mulher e aí
eu já ia, tirava o bêbado no meio das pessoas e lá vai... então é um recado né?
“Qua ti lê lê/ Qua Qua/Cheguei agora/Um pé na meia/Outro de fora” então ele
quis dizer que estava desconfiado com alguma coisa que estava acontecendo ali.
E esse coco a gente acreditava que eram os escravos mandando recado de um para
o outro sem que o senhor de engenho entendesse o que eles estavam dizendo,
né? E eles riam e achando que ele estava brincando, simplesmente cantando,
sendo que ele estava mandando recado de um para o outro.
Cocos de alvorada
Eram cantados de manhã; a minha mãe quando queria acabar a festa ela
tirava:
o sol saiu
eu vou varrer a sala
quero ver a cara
de quem arrasta mala
Esse coco é mesmo que jogar água fria no povo, vai tudo saindo de fininho
e aí tem os cocos que animam e tem os cocos que desanimam. Alvorada é uma
prática do povo do Mestre Zé Cutia que era o que eles faziam de madrugada,
quando o dia já ia amanhecendo iam pro rio tomar banho e tocar ciranda a noite
toda e as pessoas botando as comidas na janela e as bebidas, reforçando de novo
e bebendo, e comendo, e ele tomava banho e voltava a dançar um bocado.
Ciranda
O coco de roda e a ciranda praticamente andam juntos, só que a gente aqui
não gosta muito não, a gente canta quando alguém contrata o grupo e diz assim
pra tocar, mas o negócio da gente é coco mesmo. Ciranda é mais coisa de praia,
então se você chegar lá em Zé Cutia (mestre de Jacumã), eles gostam mais de
ciranda.
214
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
13
O Grupo de Estudos Coco Acauã, um coletivo formado para o fomento das culturas tradicionais
paraibanas é o responsável pelo Encontro de Coco de Roda e Ciranda da Paraíba, em parceria com
o Coco Novo Quilombo, e por diversas ações de incentivo ao coco de roda, ciranda e mazurca na
Paraíba. Recentemente, conseguiram aprovar, o dia municipal do coco de roda e ciranda em João
Pessoa, junto à Vereadora Sandra Marrocos, e o registro do coco de roda e ciranda como patrimônios
imateriais em João Pessoa, em conjunto com o vereador Zezinho do Botafogo – marcos históricos
para um estado tão negligente com a sua cultura negra, indígena e cigana. Através das mídias sociais
da @FolguedosParaibanos e do canal de YouTube “Cultura Paraibana”, o grupo de estudos divulga
na internet a produção da cultura popular tradicional feita no território paraibano.
215
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
14
Os redação e promulgação de leis e inventários municipais e estaduais para o registro e
salvaguarda do Coco de Roda patrimônio imaterial na Paraíba estavam em trâmite em junho de
2020.
216
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
não se tornasse um prejuízo; e que eu pudesse dar uma ajuda a cada um dos meus
mestres para eles trocarem a noite inteira; que eu pudesse dar uma roupa nova a
cada seis meses; que pudesse comprar instrumentos novos; mas isso não
acontece porque a gente não tem ainda esse reconhecimento financeiro, até esse
momento não. Eu acho que faz uns dois anos ou mais que a gente não compra
roupa para o grupo, então não existe isso. Então é isso, é muita dificuldade fazer
cultura, não é brincadeira; e as pessoas ainda acham que os mestres ganham
muito dinheiro, que os mestres recebem por tudo que faz. E tá vindo agora essas
leis que estão aí né, esse auxílio da cultura; eu estou agoniada com isso porque
eu acho que o bolo já tá sendo rasgado, sem a massa nem ter ido pro forno e é
muita coisa, muita discussão. Mas aí vem uma deputada com esse papel
realmente de ser madrinha desses grupos de transformar esse dia – Dia Municipal
do Coco de Roda – como Estela15 quer fazer aqui no município. Eu acho que isso é
muito importante pra gente, pra criar força, criar fôlego, ser mais visibilizado. As
gestões têm esse dever de ter esses grupos, como grupos que fazem a alegria do
Povo. E aí, a gente vê que ainda estão muito distantes da gente. Eu estou fazendo
hoje a função que é da gestão, Prefeitura, de Governo do Estado, Secretaria de
Cultura... sabe? quem tá fazendo são os mestres nessas comunidades e a gente
sabe o quanto a gente rala pra fazer isso e pra não deixar a cultura morrer; a gente
vive com a corda no pescoço todos os dias pra fazer com que essa cultura esteja
aí gritando; todos os dias uma situação bem precária mesmo, vulnerável e descaso
mesmo do poder público.
15
Estela Bezerra, deputada estadual da Paraíba.
217
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709
Dossiê Matizes Africanos na Música Brasileira
Figura 7: Mestra Ana de punho erguido durante uma festa de coco, 2015. Foto: Milena
Medeiros.
Referências Bibliográficas
BARBALHO, Nelson. Dicionário do açúcar. Recife: Fundação Joaquim
Nabuco: Ed. Massangana, 1984.
CASCUDO, Luís da C. Made in Africa. São Paulo: Global Editora, 2001.
218
Revista Claves vol. 9 n. 14 (2020.2) ISSN: 1983-3709