Juventude Criminalidade e Segurança Pública
Juventude Criminalidade e Segurança Pública
Juventude Criminalidade e Segurança Pública
INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 4
2
6.3 A ideologia da segurança e as medidas repressivas de contraponto ao
ECA 35
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................... 45
3
INTRODUÇÃO
Prezado aluno,
Bons estudos!
4
1 JUVENTUDE E CRIMINALIDADE
Deste modo, pode-se afirmar que a gênese desse problema social pode estar na
família, pois crianças têm em casa um mau exemplo de pais, parentes que terminam por
influenciar diretamente a formação do caráter desses indivíduos em pleno
desenvolvimento. Esse acontecimento reforça a ideia de que as distorções psicológicas
da família surgem como mola propulsora para o surgimento de jovens criminosos.
5
Acresce-se a isso, outro fator que parece ser determinante para sedimentar essa
situação, a miséria social, a precária condição econômica das famílias brasileiras,
realidade esta que pode facilitar a entrada de crianças e adolescentes no mundo do
crime, iniciando, muitas vezes, pelas drogas e chegando também ao crime violento.
Oliveira chama atenção para o abandono social e moral das crianças como sendo dois
fatores geradores de jovens delinquentes porque
Fonte: www.diariodocentrodomundo.com.br
6
agentes sociais (pais, responsáveis, sociedade, Estado) e o direito de proteção integral,
resguardado às crianças e adolescentes pelo Estatuto.
Por esse motivo, Adorno, Bodini e Lima (Adorno et al,1998, apud Lima, 2018, p. 1)
salientam que o ECA, por vezes, é alvo de muitas críticas por ser visto, primordialmente
como uma cartilha que reúne em seu bojo várias medidas de proteção e controle social,
mas, ao mesmo tempo, se mostra tão ineficaz para solucionar muitos dos problemas que
envolvem os tutelados por este estatuto, as crianças e os adolescentes. Esses autores
são da opinião de que o ECA não pune seriamente os jovens infratores, já que as medidas
socioeducativas são brandas ao extremo, permitindo que menores criminosos estejam à
solta por sua condição de menoridade.
Por outro olhar, Melo Barros, ao explicar a letra da lei, quanto à medida
socioeducativa de internação, esclarece que as medidas privativas de liberdade guardam
uma relação com o princípio basilar do ECA, o da proteção integral da pessoa em
desenvolvimento, e que “mesmo sendo privativa de liberdade [a internação] tem como
objetivo ressocializar o adolescente” (Barros, 2008, apud Lima, 2018, p. 2). Talvez por
isso, se explique a superficialidade com que são tratados os adolescentes que cometem
algum ato tipificado na lei como crime ou contravenção e o que dirá das crianças nas
mesmas condições de infratoras, a quem apenas é atribuído medidas de proteção.
Em uma ou outra posição com relação ao ECA, o fato é que a inserção de crianças
e adolescentes no mundo do crime está cada vez mais aumentando. Pesquisas mostram
que o aumento da taxa de assassinatos desde os anos 80 é explicada, quase em sua
totalidade, pela entrada dos adolescentes no crime.
Nesse diapasão, surpreende reconhecer quão diversas são causas que levam os
jovens ao crime logo cedo, dentre elas citamos:
Influências psicológicas e sociais;
Influências da família, econômicas e da educação doméstica;
Influências dos grupos constituídos nas escolas ou nas comunidades com o
mesmo escopo: formação de gangues e quadrilhas, etc.
Em meio a essas constatações, faz-se mister estabelecer parâmetros de
organização para combater essa emergente realidade que assombra todos os brasileiros.
O ECA tem, em sua essência, o princípio de proteção das crianças e dos adolescentes.
Pela letra legal já está tudo organizado. Resta então, a atitude conjunta dos agentes já
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mencionados, isto é, os pais, os responsáveis, a sociedade e o Estado. É obrigação de
todos esses sujeitos protegerem os jovens dos males do mundo.
Como forma de apresentar alguns caminhos possíveis para minimizar essa
situação, os autores Adorni, Bodini e Lima (Adorno et al,1998, apud Lima, 2018, p. 2)
assinalam pontos que devem ser considerados para solucionar o caso, como a
implementação de planos de ação governamentais que insiram jovens em programas
sociais de voluntariados; possibilitar acessos de crianças e jovens à uma educação de
boa qualidade, com profissionais preparados e qualificados para receber esses sujeitos
já marcados pela vida criminosa; apresentação à sociedade de políticas públicas que
envolvam não apenas os próprios jovens, mas suas famílias, organizando uma
conjuntura social ampla, alcançando todos os enlaces pessoais dos jovens, dentre
outros.
Em todas essas possibilidades de atuação contra a criminalidade dos jovens, uma
ação merece destaque e que foi bem relatada por Melo Barros (2002:114), quando diz
que verificamos que na sociedade atual, as pessoas, em sua maioria, mesmo cientes do
dever de se empenharem para combater a delinquência e outros crimes, se escusam em
prestar a sua parcela de colaboração com os órgãos de repressão ao crime. Omissão
decorrente do medo, da indiferença ou do comodismo das pessoas. Assim, para se
conseguir algo de positivo no combate à criminalidade, é necessário que todas as
pessoas trabalhem nesse sentido, com perseverança e coragem, para poderem eliminar
o medo, a indiferença e o comodismo, no combate ao problema de prevenção à
delinquência, em especial a juvenil, que se constitui na mais prejudicial.
“A delinquência pode ser a resultante de uma construção social cuja raiz está na
própria violência familiar e social” (Levisky, 2000, apud Miranda, 2010, p. 15). Neste
sentido, o que pode explicar a concentração de tão altos índices de violência entre os
jovens? Quais seriam as razões e características que os predispõem, nesta fase da vida,
à violência? É o que se discorrerá a seguir.
A adolescência representa uma etapa do desenvolvimento humano marcada por
transformações biológicas, psicológicas e sociais, localizada entre a infância e a fase
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adulta. Pode ser definida a partir de diversas perspectivas ou correntes teóricas, variando
nas diferentes culturas e organizações sociais.
O termo adolescente, etimologicamente, vem do latim adolescere que significa
crescer, brotar, fazer-se grande, admitindo diferenças no momento de “despertar” para
esta fase da vida entre pessoas de diferentes raças, culturas e gerações. Para o
ordenamento jurídico brasileiro, este período é delimitando temporalmente,
considerando-se adolescente a pessoa entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade,
conforme estabelecido no art. 2º do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente.
Muitas vezes os termos “adolescência” e “juventude” são tidos como sinônimos ou
entendidos como fases que se sobrepõem. No Minidicionário da Língua Portuguesa,
Bueno define o adolescente como “aquele que está na adolescência, jovem” (Bueno,
2010, apud Miranda, 2010, p. 15). A OMS – Organização Mundial da Saúde – define
adolescente como o indivíduo que se encontra entre os 10 (dez) e 20 (vinte) anos de
idade. Já a ONU – Organização da Nações Unidas – define juventude como a fase entre
15 (quinze) e 24 (vinte e quatro) anos de idade – sendo que deixa em aberto a
possibilidade de diferentes nações definirem o termo de outra maneira.
Do ponto de vista da psicologia do desenvolvimento, o começo da adolescência é
claramente marcado pelo início de transformações físicas e biológicas no corpo, que
caracterizam a puberdade e geram o amadurecimento sexual. Por outro lado, o fim da
adolescência se define sobretudo pela maturidade social, que abrange, entre outras
coisas, a entrada no mercado de trabalho e a adoção do papel social de adulto (Silva et
al., 2009, apud Miranda, 2010, p. 16).
A adolescência não é uma fase homogênea, pelo contrário, é uma fase dinâmica.
“Diferentes adolescências se configuram a partir de diferentes relações que os sujeitos
desse ciclo de vida estabelecem com a família, a escola, o trabalho, a cultura, o esporte
e o lazer, com o próprio corpo, entre tantas outras esferas da vida” (Rocha, 2003, apud
Miranda, 2010, p. 16).
Enquanto tenta se acostumar com as mudanças corporais, o adolescente corta os
laços com a infância. Essa ruptura é fundamental para que se torne um ser único, em
busca de sua autonomia. Assim, busca estabelecer uma nova identidade (adulta).
Apoiado nas suas relações com a família e o meio social, reformula os conceitos que
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possui a respeito de si mesmo, abandonando a autoimagem infantil para projetar-se no
futuro de sua vida adulta. (Aberastury & Knobel, 1992, apud Miranda, 2010, p. 16).
Assim sendo, é nesta fase, que além das intensas transformações físicas e
psicológicas, existe uma maior permeabilidade às influências do meio quando o indivíduo
começa a tornar-se independente dos pais e a explorar situações variadas com as quais
pode ainda não saber lidar muito bem.
Fonte: i45.servimg.com
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3 VIOLAÇÕES DE DIREITOS E SUAS IMPLICAÇÕES SOCIAIS NA JUVENTUDE
A realidade atual, cada vez mais global e sem limites, reflete uma sociedade que
se encontra em constante transformação dos parâmetros que regem hábitos, normas e
valores repletos de contradições, mostrando-se por vezes cruel, injusta e desigual em
oportunidades.
Expostos a esta sociedade marcada por diversos tipos de violência em que os
direitos são violados – precariedade do sistema de saúde e educacional, falhas na
segurança pública, relações perversas entre cidadãos e as instituições públicas,
atrocidades cometidas por órgãos governamentais e seus representantes tendo como
pano de fundo os interesses próprios ou de minorias – os jovens incorporaram este
elemento como modelo identificatório, como padrão de conduta, e forma de
autoafirmação dentro da sociedade.
A literatura sobre violência estabelece uma forte ligação entre a violência sofrida e
praticada por jovens e a condição de vulnerabilidade social em que se encontram. Para
Abramovay et al., a vulnerabilidade pode ser entendida como o resultado negativo da
relação entre a disponibilidade de recursos materiais ou simbólicos dos indivíduos ou
grupos e o acesso à estrutura de oportunidades sociais, econômicas, culturais que
provêm do Estado, do mercado e da sociedade. Esse resultado se traduz em debilidades
ou desvantagens para o desempenho e mobilidade social desses indivíduos (Abramovay
et al., 2002 apud Miranda, 2010, p. 17).
Vale ressaltar que a vulnerabilidade assim compreendida traduz a situação em que
o conjunto de características, recursos e habilidades inerentes a um dado grupo social
se revela insuficiente, inadequado ou difícil para lidar com o sistema de oportunidades
oferecido pela sociedade, de forma a ascender a maiores níveis de bem-estar ou diminuir
probabilidades de deteriorização das condições de vida de determinados sujeitos
(Abramovay et al., 2002 apud Miranda, 2010, p. 17).
A partir de dados estatísticos coletados por organismos internacionais na América
Latina e analisados pela UNESCO, pode-se concluir que o acesso negado aos jovens a
bens e direitos básicos como saúde, educação, trabalho, cultura e lazer restringe a
capacidade de formação, uso e reprodução dos recursos materiais e simbólicos; torna-
se fonte de vulnerabilidade, contribuindo para a precária integração dos jovens às
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estruturas de oportunidades. Nesse sentido, a abordagem da vulnerabilidade social se
presta à compreensão da situação de jovens, especialmente os de baixa renda, e de sua
relação com a violência.
De acordo com Levisky “o problema da classe social, das desigualdades
econômicas e da total ausência de cidadania para os pobres responde pela forma como
estes são violentados na sociedade e, dentre eles, muitos reagem com respostas
violentas” (Levisky, 2000, apud Miranda, 2010, p. 18). Os jovens, por sua vez, são frutos
de dinâmicas sociais pautadas por desigualdades de oportunidades, segregações,
ausência de formação ética e cultural em valores de solidariedade e de cultura de paz e
do distanciamento dos modelos que vinculam esforços a êxitos.
Fonte: acritica.uol.com.br
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Apesar da violência não estar limitada a estratos sociais, econômicos, raciais ou
geográficos, levantamentos estatísticos demonstram que ela atinge com maior
intensidade a grupos específicos, como por exemplo, jovens do sexo masculino. Uma
das explicações desta incidência estaria associada à questão da vulnerabilidade social.
Retomando as palavras sobre violência e crime proferidas pelo Prof. Evaristo de Morais
durante o Fórum Nacional de Violência promovido pela Academia Nacional de Medicina
em 1986 nos leva a refletir: “Toda estrutura social se coloca por meio de dois pilares: as
metas a serem alcançadas e os instrumentos legítimos para alcançá-las.” Este
instrumento legítimo é o trabalho.
Fonte: falandoserio.info
Num país onde as condições de acesso a tal bem são tão desiguais, ou até mesmo
subtraídas de determinada parcela da população, assistimos a busca de soluções através
da violência e do crime. Os jovens sofrem os efeitos do déficit entre o sistema educacional
e as novas imposições do mercado de trabalho. Fato este que promove a baixa
autoestima e ausência de perspectivas de futuro os compelindo a lidar com as
consequências de uma inserção precária neste mercado ou a se deparar com o
desemprego. As dificuldades econômicas advindas como resultados deste processo
geram um clima de instabilidade que pressiona jovens e, algumas vezes, crianças a
buscarem formas de contribuir na subsistência da família, acarretando uma inserção
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prematura no mercado de trabalho (informal, na maioria das vezes) ou busca de outras
formas de ganho financeiro.
Abramovay (2000, apud Miranda, 2010, p. 19) considera novas configurações que
singularizam um cenário que potencializaria violências nos centros urbanos como:
1) aumento do acesso às armas;
2) a juvenilização da criminalidade;
3) a maior visibilidade e também a reação da violência policial, em especial contra
jovens em bairros periféricos;
4) a ampliação do mercado das drogas e o poder de fogo do crime organizado,
principalmente do narcotráfico, em diversos centros urbanos;
5) a cultura individualista e por consumo – individualismo de massa – que derivaria
em expectativas não satisfeitas potencializando violências.
A combinação destes fatores tem colocado os jovens à margem da participação
democrática. Em decorrência disso, muitos ficam relegados às influências advindas da
convivência nas ruas com outros que sofrem das mesmas carências quando não são
atraídos pelo mundo do crime e das drogas, inclusive por símbolos e práticas autoritárias
de imposição de poder. De acordo com Levisky “o adolescente, cujo destino é a busca
de ideais e de figuras ideais para identificar-se, se depara com a violência e o poder e
também os usa” (Levisky, 2000, apud Miranda, 2010, p. 20).
A violência juvenil, nesse contexto, tem emergido sob diversas lógicas. Se por um
lado, tem representado uma forma de os jovens romperem com a invisibilidade e
mostrarem-se capazes de influir nos processos sociais, por outro a ausência de um
Estado atuante e preocupado com o bem-estar e qualidade de vida da população é
substituído por formas de governabilidade negativa, como o tráfico de drogas. Segundo
Levisky, os adolescentes por suas características biopsicossociais, tendem,
naturalmente, a partir para a ação, com maior tendência a descarregar seus impulsos
agressivos e sexuais diretamente. Através de vias de expressão rápidas buscam a
satisfação imediata de seus desejos, sem passar pelos critérios de avaliação,
simbolização e linguagem, frequentemente pensando depois da ação ter sido realizada
(Levisky, 2000, apud Miranda, 2010, p. 20).
Zaluar destaca que apesar da enorme desigualdade existente no país, são poucos
os jovens que se enveredam pela carreira criminosa. Isso exige que tenham um
14
atendimento especial que considere o contexto social mais próximo de suas ações, tendo
eles maior ou menor controle sobre estas. Deste modo, torna-se complexa a análise dos
contextos sociais mais amplos e mais locais para entendermos os motivos pelos quais,
cada vez um número maior de jovens (de todos os estratos sociais) comete crimes, o que
nem sempre significa a adoção de uma carreira criminosa, e por que alguns deles passam
a exercer um poder paramilitar nas comunidades onde as instituições responsáveis pela
implementação da lei estão ausentes, ou são ineficientes ou tornaram-se coniventes com
a criminalidade (Zaluar, 2007 apud Miranda, 2010, p. 20).
A vulnerabilidade social a qual estão expostos homens jovens e pobres resulta de
um sistema escolar ineficaz, da ausência de capacitação profissional e da insuficiência
dos postos de trabalho. Tais fatores aproxima-os das “soluções” ofertadas pelo crime-
negócio. Além disso, boa parte das famílias encontram-se despreparadas ou são
“incapazes de lidar com os conflitos surgidos na vida urbana mais multifacetada e
imprevisível” (Zaluar, 2007 apud Miranda, 2010, p. 21).
Ainda segundo a autora, as armas trazem proteção e num país onde o dinheiro é
capaz de garantir a impunidade, jovens imersos nesta estratégia de sobrevivência,
logicamente, são impulsionados a cometerem cada vez mais crimes a fim de obter
dinheiro e armas. Assim, conseguem o respeito da quadrilha e usufruem da sua proteção,
já que estas fornecem segurança suplementar a seus integrantes. O sentimento de
masculinidade é concebido nas relações de exibição de força, poder, dinheiro e armas
de fogo, expressos especialmente na capacidade e disposição em destruir o adversário
(Zaluar, 2007 apud Miranda, 2010, p. 21).
Deste modo, adolescentes e jovens encontram nas turmas, gangues ou
organizações criminosas uma forma de amenizar os efeitos da exclusão social, muitas
vezes, pondo fim à invisibilidade social a qual são submetidos. Além de desenvolverem
uma identidade individual e grupal são beneficiados pela proteção, reconhecimento,
dinheiro e prestígio oferecidos por tais organizações.
15
4 TEORIAS SOCIOLÓGICAS DA CRIMINALIDADE E VIOLÊNCIA
Fonte: ci.i.uol.com.br
16
(Wilson, J. Q. 1985); Escolha Racional (Wilson, 1985); Controle Social (Hirschi, 1969) e
o Labelling Approach ou Rotulagem - Interacionismo Simbólico e Construtivismo Social.
Desta forma, podemos agrupar as diferentes abordagens sociológicas sobre o
crime em dois grandes programas de pesquisa: teorias macroestruturais ou
estruturalistas e teorias microestruturais ou individualistas. As teorias que se agrupam no
programa de pesquisa macroestrutural buscam analisar fatores que explicam a diferença
entre taxas de criminalidade de diferentes localidades, populações ou grupos. Por outro
lado, teorias que se enquadram dentro da linha adotada pelo segundo programa de
pesquisa (teorias individuais), procuram responder à questão de por que, ainda que
inseridos no mesmo contexto sócio-econômico-ambiental, alguns indivíduos cometem
crimes e outros não.
As teorias individualistas (teoria da “Associação Diferencial - Aprendizado Social”,
teoria do “Controle Social” e a teoria do “Autocontrole”) partem do pressuposto
fundamental de que a explicação para a prática de crimes deve ser conduzida pela
análise de fatores cognitivos, psicossociais, motivacionais e interpessoais que interferem
na conformação do comportamento individual. Ainda que haja variações entre as teorias
individualistas quanto ao poder explicativo (alcance e limites) entre fatores psicossociais,
interpessoais e relacionais para explicar a manifestação de comportamento desviante, há
uma perspectiva que perpassa as diversas abordagens: a crença fundamental de que as
causas do crime devem ser investigadas nas estruturas simbólicas que permeiam as
relações dos indivíduos entre si e com a estrutura social. Dentro desse programa de
pesquisa das teorias individualistas, vamos analisar a seguir a teoria do “Controle Social”.
17
controle oferece a essa pergunta é a de que o crime ocorre quando os indivíduos não se
encontram devidamente controlados, seja por instâncias estruturais ou psicossociais,
externas ou internas, sociais ou individuais (Akers, 2000 apud Miranda, 2010, p. 25).
Assim, a Teoria do Controle Social foi formulada pelo sociólogo americano Travis
Hirschi em 1969. Na proposição teórica mais específica da Teoria do Controle Social o
argumento central é que o crime ocorre quando os laços sociais que os indivíduos
mantêm com a sociedade se encontram enfraquecidos ou mesmo rompidos.
Consequentemente, o que explicaria a maior ou menor manifestação de comportamentos
delinquentes seriam as variações apresentadas pela condição desses tipos de controle
e não as variações motivacionais (Akers, 2000 apud Miranda, 2010, p. 25). O foco de
análise da Teoria dos Laços Sociais, portanto, é direcionado para os mecanismos de
controle social que atuam sobre o comportamento dos indivíduos.
Para entender a criminalidade, o autor enfocou no papel dos laços sociais para
fins da determinação do comportamento desviante. A proposição geral desta teoria é de
que quanto mais fortes forem os laços entre um indivíduo e seus familiares, escola, igreja,
clube, colegas de profissão, etc., maior a probabilidade de seu comportamento ser
controlado ou direcionado a um comportamento conformista, convencional. Dentro dessa
perspectiva, o comportamento delinquente seria resultante da quebra ou
enfraquecimento dos laços sociais do indivíduo.
Assim, são quatro os elementos principais que constituem os laços sociais:
1. Afeição (attachment to others);
2. Compromisso (commitment);
3. Envolvimento (involvement);
4. Crença (belief).
A afeição representa a ligação e a consideração em relação a outras pessoas. Na
medida em que há uma identificação e admiração com pessoas importantes para o
convívio, sejam eles pais, irmãos, tios, avós, professores ou líderes religiosos, existe uma
preocupação com a opinião e expectativas destes. Desta forma, qualquer atitude que
possa abalar ou desapontar esta (s) pessoa (s) gera desconforto ou constrangimento
para o indivíduo. Ao contrário, quando esta ligação ou afeição está enfraquecida ou até
mesmo não existe, o sentimento de constrangimento diante da violação das normas é
18
menor, aumentando assim a probabilidade da adoção ou manutenção do comportamento
desviante.
O compromisso diz respeito ao grau com que os indivíduos se identificam e se
comprometem com valores convencionais. Através da participação em atividades
escolares, trabalho, grupos sociais ou religiosos, o indivíduo mantém um comportamento
convencional, desenvolvendo uma reputação positiva. O envolvimento em atividades
criminosas prejudicaria o seu investimento, colocando em risco benefícios que foram
alcançados durante uma vida (relação custo-benefício). Assim, o custo da perda de um
investimento conformista funcionaria preventivamente para a ocorrência de
comportamentos desviantes.
O envolvimento está relacionado ao grau de participação e envolvimento em
atividades sociais convencionais. O engajamento em atividades convencionais como
escola, trabalho, cursos, esporte, artes, absorve o indivíduo impedindo-lhe ou
contribuindo para que se mantenha afastado das atividades delituosas.
A crença significa a convicção do indivíduo em valores convencionais. Quanto
maior for à crença de uma pessoa nas normas convencionais, maior será o seu
conformismo e obediência, evitando que cometa atos que violem as leis e regras
estabelecidas socialmente.
A teoria propõe que, através da mensuração dessas quatro dimensões, é possível
dimensionar a intensidade dos laços sociais mantidos entre indivíduo e sociedade e,
consequentemente, aferir a propensão que as pessoas têm de se envolver em
comportamento delinquente. Quanto mais intensa for à manifestação dessas quatro
dimensões nas relações que os indivíduos mantêm com as instituições sociais (família,
pais, amigos, escolas, professores, igrejas, etc.), mais intensos serão os laços sociais e
menores serão as chances de manifestação de comportamento delinquente (Akers, 2000
apud Miranda, 2010, p. 26).
As investigações sobre a evidência empírica da Teoria do Controle Social são
conduzidas em três frentes institucionais:
(1) laços dos indivíduos com religião,
(2) laços dos indivíduos com a família e
(3) laços dos indivíduos com a escola.
19
Dentro da análise sobre as relações entre indivíduos e instituições sociais,
pesquisadores se encarregam de mensurar a intensidade dos laços estabelecidos entre
uma instância e outra, através das quatro dimensões observadas anteriormente (Akers,
2000 apud Miranda, 2010, p. 26).
Fonte: media.ceert.org.br
21
desencadear o compromisso do adolescente e a crença nos valores e conhecimentos
praticados por aquele grupo ou pertencente à determinada atividade.
Baseado nos pressupostos propostos por Hirschi através da Teoria do Controle
Social, a vinculação social de crianças e adolescentes pode neutralizar o potencial delitivo
por meio da adoção de condutas conformistas. Ao contrário, quando fracassam tais
mecanismos de controle, há um processo de desenvolvimento de uma identidade não
conformista que se traduz em comportamentos desviantes e no aumento da criminalidade
juvenil (Molina, 2007 apud Miranda, 2010, p. 28).
5 A "DELINQUÊNCIA JUVENIL"
Fonte: www.pucrs.br
22
elementos, integrantes do conceito analítico do delito - tipicidade, antijuridicidade e
culpabilidade -, não se configura a hipótese de prática delituosa.
No caso, o cerne da questão gira em torno da culpabilidade, que constitui o
elemento subjetivo do delito, isto é, o nexo moral que liga o agente ao fato criminoso que
lhe é imputado.
Na linha desse raciocínio, a culpabilidade pressupõe a imputabilidade, ou seja, a
capacidade moral atribuída ao homem, pelo fato que lhe é imputado - imputatio facti -,
como sua obra e a forma dessa imputação - dolo ou culpa -, imputatio juris, isto é, a
atribuição de um fato a um indivíduo para fazê-lo sofrer as consequências e torná-lo
responsável por isso. Em outras palavras, o imputável é o penalmente responsável; o
inimputável é o irresponsável.
Em geral, os Códigos Penais não definem a imputabilidade, mas estabelecem as
condições de inimputabilidade, ou seja, as dirimentes, como é o caso de nosso Código
Penal de 1940, em cujos artigos 22 a 24 adotou o chamado critério biopsicológico
normativo, segundo o qual o agente é isento de pena ou esta é reduzida, em
determinadas circunstâncias, que o próprio Código prevê.
Nos casos concretos, isto é, quando houver dúvida sobre a integridade mental do
agente, este será submetido a exame médico-legal, de natureza psiquiátrica, na forma
prevista pelo artigo 149, do Código de Processo Penal de 1941.
Adotou o legislador de nosso Código Penal de 1940 o princípio da chamada
responsabilidade moral, que se baseia na consciência e vontade do agente,
responsabilidade essa sobre a qual a pena deve atuar, para a realização de sua finalidade
inerente à sua natureza aflitiva, expiatória, retributiva e também tendente a plasmar uma
nova consciência no delinquente.
Segundo Nélson Hungria, o Código Penal de 1940, não dá uma definição positiva
da responsabilidade, sob o ponto de vista jurídico-penal, limitando-se a declarar os casos
em que esta se considera excluída, assim se expressando:
23
acordo com esse entendimento. Pode, então, definir-se a responsabilidade como
a existência dos pressupostos psíquicos pelos quais alguém é chamado a
responder penalmente pelo crime que praticou. Segundo um critério tradicional,
que o Código rejeitou, haveria que distinguir entre responsabilidade e
imputabilidade, significando esta a capacidade de direito penal ou abstrata
condição psíquica da punibilidade, enquanto aquela designaria a obrigação de
responder penalmente in concreto ou de sofrer a pena por um fato determinado,
pressupostos da imputabilidade. A distinção é bizantina e inútil. Responsabilidade
e imputabilidade representam conceitos que de tal modo se entrosam, que são
equivalentes, podendo, com idêntico sentido, ser consideradas in abstrato ou in
concreto, a priori ou a posteriori. Na terminologia jurídica, ambos os vocábulos
podem ser indiferentemente empregados, para exprimir tanto a capacidade penal
in generis, quanto à obrigação de responder penalmente pelo fato concreto, pois
uma e outra são aspectos da mesma noção (Nélson Hungria, 2016 apud Silva,
2017, p. 34).
Fonte: extra.globo.com
Como se sabe, segundo a sistemática adotada pelo nosso Código Penal de 1940,
a responsabilidade só deixa de existir quando inteiramente suprimida no agente, ao
tempo da ação ou omissão, a capacidade de entendimento ético-jurídico ou a capacidade
24
de adequada determinação da vontade ou de autogoverno. Tal supressão, porém, está
indeclinavelmente condicionada a certas causas biológicas, como "doença mental", e
"desenvolvimento mental incompleto ou retardado".
Foi, assim, adotado o método chamado misto ou biopsicológico, devendo notar-
se, entretanto, que o Código faz uma exceção a essa regra quando trata dos menores de
18 anos, pois, nesta hipótese a causa biológica (imaturidade) basta, por si só,
irrestritamente, sem qualquer indagação psicológica, para excluir a responsabilidade
penal, como sustenta Nélson Hungria (Nélson Hungria, 2016 apud Silva, 2017, p. 35).
Art. 2° - Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos
de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este
Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.
25
Cabe lembrar que a adolescência é o período de vida caracterizado por amplas e
profundas modificações psicossomáticas, em que se completa o desenvolvimento
morfológico-funcional do ser humano.
Durante essa fase da existência humana, definem-se os caracteres sexuais
secundários, avivam-se os processos intelectuais, a sensibilidade, e toda uma nova
problemática, de ordem biopsicológica, sociocultural e político-econômica, situação essa
que repercute na esfera jurídica, daí por exemplo o fato de que aos dezoito anos
completos o indivíduo está sujeito à convocação para efeito de prestação do serviço
militar, direito de voto e ser votado (arts. 14, § 1°, I, e 143, da Constituição de 1988).
Fonte: publisher-publish.s3.eu-central-1.amazonaws.com
26
a) a delinquência juvenil compreende os comportamentos antissociais praticados
por menores e que sejam tipificados nas leis penais;
b) a delinquência juvenil não deve ser encarada sob uma perspectiva meramente
jurídica, devendo incluir também os comportamentos anormais, irregulares ou
indesejáveis;
c) a delinquência juvenil abrange, além do que foi assinalado nas teorias
anteriores, aqueles menores que, por força de certas circunstâncias ou condutas,
necessitam de reeducação, cuidado, proteção.
Das três posições acima, a mais aceita é a primeira.
Salienta ainda César Barros Leal que, por ocasião do Segundo Congresso das
Nações Unidas sobre Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente, realizado em
Londres, em 1960, foi aprovada recomendação no sentido de que o significado da
expressão delinquência juvenil deve restringir-se o mais possível às infrações do Direito
Penal (Leal, 1983, apud Silva, 2017, p. 36).
Em muitos países confunde-se delinquência juvenil com inadaptação, cujo
conceito não apenas compreende menores autores de infrações penais, como também
retardados, neuróticos, desequilibrados, abandonados, órfãos, vagabundos etc. (Leal,
1983, apud Silva, 2017, p. 36).
Aliás, o. Segundo Seminário dos Estados Árabes sobre Prevenção e Tratamento
do Delinquente, realizado sob os auspícios das Nações Unidas, em Copenhague, em
1959, já havia concluído que os termos delinquência e inadaptação não são equivalentes,
pois, os dois problemas são diversos, eis que a delinquência de menores abrange
somente os atos que, praticados por adultos, seriam considerados delitos.
Por sua vez, o Seminário Latino-Americano sobre Prevenção do Delito e
Tratamento do Delinquente, realizado no Rio de Janeiro, em 1953, embora concluísse
que a expressão delinquência juvenil "era tecnicamente inadequada" ("por não reunir os
elementos essenciais do conceito doutrinário do delito"), reconheceu, contudo, que pela
inexistência de expressões substitutivas apropriadas, poderia continuar a ser utilizada.
27
5.6 Casas dos desvios de comportamento da criança e do adolescente. As
associações em bandos para fins criminosos
28
5.7 Fatores criminógenos que atuam sobre a criança e o adolescente
29
6 ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI E AS CONCEPÇÕES
IDEOLÓGICAS
Fonte: s2.glbimg.com
30
consumir, é preciso que se obtenha um determinado poder aquisitivo para se inserir como
um cidadão consumidor. Porém, o ínfimo – ou até inexistente – salário da população
subalterna restringe seu poder de compra, excluindo-a do seleto grupo de cidadãos
consumidores.
O consumismo constitui-se como um dos motores de reprodução do capitalismo,
visto que as mercadorias produzidas precisam ser vendidas para a manutenção do ciclo
reprodutivo do capital e expansão de seus superlucros. Para isso, há exorbitantes
campanhas de mídia com o intuito de persuadir a população ao consumismo. Nesse
contexto, a sociedade consumista, cindida entre os que podem consumir e os destituídos
de poder aquisitivo para o consumo devido às condições de vulnerabilidade social,
aumenta e expõe o hiato existente na estrutura social pelos cidadãos consumidores e os
indivíduos sem cidadania.
Esses fatores, somados às deficiências dos serviços públicos e ao retrocesso de
direitos, põem em evidência os privilégios da classe dominante, detentora de poder
aquisitivo tanto para o consumo das mercadorias do mercado convencional, como para
consumir os serviços que não são ofertados de forma eficiente pelas instituições públicas.
Aos sujeitos da classe dominada restam-lhes o infortúnio e a conformação das suas
condições de vida degradantes, pois os que possuem algum rendimento, mal conseguem
ultrapassar os limites da subsistência, quiçá satisfazer seus desejos e renderem-se à
sedução dos mercados.
Nessa perspectiva, a criminalidade não deve ser concebida como produto do mau
funcionamento da sociedade ou de fatores externos a mesma. Nas palavras de Costa, a
criminalidade “é o próprio produto inevitável da sociedade de consumidores”. Afirma
ainda que: “O padrão estabelecido de consumo é o fim a ser alcançado, como uma tarefa
individual, para a qual não existem regras específicas regulamentadas. Assim, os fins
justificam os meios e ampliam-se o espaço para a criminalidade crescente” (Costa, 2005,
apud Lucena, 2016, p. 4). A tendência é o crescimento da criminalidade, uma vez que
esta é produzida e reproduzida pela dinâmica do sistema capitalista que gera a
necessidade do consumo sem proporcionar as condições de sua efetivação para a
maioria da população expropriada de poder aquisitivo.
Portanto, essa propensão referida, também recai sobre as crianças e adolescentes
que se aventuram nas ilusórias facilidades no mundo de crime, em busca de satisfazer
31
suas necessidades e inserirem-se como cidadãos consumidores. Este fator é concebido
como um dos determinantes da inserção desses sujeitos na “criminalidade”. Nessa linha
de raciocínio, a ordem do capital engendra as desigualdades entre as classes excluindo
dos benefícios socioeconômicos a população subalterna que terá que “se virar” para se
tornar um cidadão-consumidor. Trata-se de um sistema que gera suas próprias crises e,
consequentemente, suscita as revoltas num “salve-se quem puder”, sob pena de
sucumbir, mais precisamente, um modelo de ordenamento social que gera a desordem
expressa nas inúmeras refrações da questão social, dentre estas, a violência e a
criminalidade.
Nesse sentido, é válido expor também como um dos determinantes da inserção
de adolescentes na “criminalidade” – intrinsecamente ligado a apologia do consumo – as
condições subumanas de existência da infância e juventude que impactam, de forma
nefasta, o desenvolvimento pleno desses sujeitos. As situações de violência e violações
de direitos expropriam tanto a sua cidadania e dignidade, como também qualquer
expectativa de melhoria de vida. Destituídos de projeto de futuro, restam-lhes a
reprodução imediata da vida cotidiana que os impelem a buscar, por seus próprios meios,
alternativas de sobrevivência não encontradas nas instituições adjacentes, como a
família, a comunidade, e o Estado, porém, disponibilizadas nas ilusórias facilidades do
“mundo do crime”. Segundo Rosa, “para estes, o projeto de vida parte da necessidade,
ou da carência de oportunidades, restando-lhes a inserção social no imediato, ou seja,
trabalhando, roubando, pedindo, brincando” (Rosa, 2001, apud Lucena, 2016, p. 4).
Portanto, seguindo essa linha de raciocínio, esses sujeitos se inserem na
“criminalidade” com o intuito de obter tanto os produtos para a mera sobrevivência, como
também os atrativos objetos de consumo do mercado. Com isso, logo são associados à
violência como os principais responsáveis por sua produção e reprodução. Dessa forma,
são tidos como o mal da sociedade, como protagonistas da intensificação da violência.
Todavia, a associação desses sujeitos à violência não encontra respaldo na
realidade, pois sua produção/ reprodução é engendrada pela dinâmica do sistema
capitalista. Soma-se a isso, a violência advinda de outras esferas da sociedade como a
família, as instituições e o Estado, que, de forma recorrente, recai sobre as crianças e
adolescentes:
32
O crime é a face mais descarada da violência. Acaba se constituindo numa
cortina de fumaças, desviando a atenção da opinião pública de suas
determinações. Por exemplo, uma criança ou adolescente trabalhando como
cortador de cana na zona rural não é visto como objeto de violência, afinal, é
melhor trabalhar do que assaltar! O trabalho precoce das crianças é apenas uma
face da “naturalização da violência” neste complexo tecido social (Rosa, 2001,
apud Lucena, 2016, p. 4).
Fonte: jornalf8.net
33
6.2 De vítimas a vitimizadores: a invisibilidade da escassa cidadania e a
visibilidade da violência
34
sobrevivem da desordem, das escórias do sistema, e, quando tentam romper com essas
condições de violências, transgredindo as normas, passam do estado de “invisibilidade
perversa” para o de “visibilidade perversa” como metáforas da violência. Esse quadro
corrobora para a ampliação das medidas repressoras do Estado à infância e juventude
e, consequentemente, para a intensificação da violação de direitos deste segmento, visto
que as situações de violências de que são vítimas, são banalizadas, naturalizadas pelo
Estado e pela sociedade (Sales, 2007 apud Lucena, 2016, p. 5).
Há, portanto, uma nítida tendência de superdimensionamento dos crimes
praticados pela juventude numa clara inversão de prioridades, tornando irrelevante o
problema da escassez de cidadania destes sujeitos, como também a proteção e garantia
de seus direitos.
35
É pertinente expor que há majoritariamente a implementação de medidas
repressivas por parte do Estado embasadas pela ideologia da segurança e paz social.
Conforme expresso por Costa, “ganha espaço o discurso justificador do uso da violência
por parte do Estado, como forma de garantir a segurança da população” (Costa, 2005,
apud Lucena, 2016, p. 5). Apesar de a violência ser engendrada pela dinâmica do sistema
capitalista, a responsabilização recai sobre a população oprimida, alvo das penalizações
do Estado que culpabiliza o indivíduo taxando-o de anormal por não conseguir viver
harmoniosamente na sociedade, ameaçando, constantemente, à ordem social
estabelecida.
Fonte: s3.amazonaws.com/lucasdorioverde.portaldacidade.com
36
sociedade isenta de conflitos, na qual os criminosos são identificados como o mal que
precisa ser combatido, intimidado por meio de uma política criminal ostensiva e
intolerante” (Costa, 2005, apud Lucena, 2016, p. 6).
Cabe explicitar, ainda, a propagação da ideia de que, ao culpabilizar esses sujeitos
pelo aumento da violência e criminalidade, a redução da idade penal constituiria como
solução eficaz ao problema da segurança pública. Nas palavras de Saraiva, “alguns
setores dão tanta ênfase a esta proposta que induzem a opinião pública a crer que seria
a solução mágica na problemática da segurança pública, capaz de devolver a paz tão
almejada por todos” (Saraiva, 2008 apud Lucena, 2016, p. 6).
Desse modo, estamos diante de representações ideológicas sobre a segurança
pública segundo a qual esta não propiciaria aos sujeitos da classe subalterna seu pleno
usufruto. Isso porque as ideias propagadas resultariam em mais repressão e isolamento
deste segmento da sociedade. Ou seja, acarretariam uma limpeza social para reprimir e
controlar/dominar a população desordenada que, além de não solucionar o referido
problema, oculta a realidade, deixando intactas as raízes da violência, numa clara
consonância com os interesses dos dominantes para manter o poder e a dominação
sobre os oprimidos. De acordo com a afirmação de Chauí, “a ideologia ao representar as
ideias da classe dominante como universais, cumpre sua tarefa de ocultar a exploração
dos dominantes sobre os dominados” (Chauí, 2008 apud Lucena, 2016, p. 6).
Nessa perspectiva, há uma inversão da realidade que, através das concepções
ideológicas, oculta os determinantes da violência e naturaliza as desigualdades como,
por exemplo, a associação dos adolescentes às violências. Parafraseando Sales,
“adolescentes infratores são como metáforas da violência” numa falsa relação entre
população pauperizada e “classe perigosa” de onde provêm os maus elementos
constituindo-se, assim, na criminalização da pobreza como uma cortina de fumaças,
desviando a atenção da opinião pública das inúmeras facetas da violência e suas
determinações (Sales, 2007 apud Lucena, 2016, p. 6).
O quadro de soluções apresentado para o combate à “criminalidade” juvenil
consubstancia-se, sobretudo, com práticas repressivas a despeito do caráter
socioeducativo da legislação infantojuvenil. Com isso, torna-se clara a pretensão do
Estado de controle social e manutenção da ordem em detrimento da implementação de
37
políticas públicas universais de acesso aos bens de consumo para a coletividade
deixando, assim, sob controle a população desordenada. Segundo Costa,
38
Desta forma, os grupos que acolheram esses adolescentes vão impondo suas
próprias “regras”: leis da rua, estas que devem ser seguidas pelos novos integrantes, e
que por muitas vezes extrapolam o limite aceito pela sociedade e suas normas jurídicas.
Assim, o confronto de “normas”, sejam elas postas pelo Estado ou pela “rua”, faz
com que esses adolescentes fiquem como “marionetes” nas mãos do poder estatal, que
não zelou por sua proteção, porém, se julga competente para criar/aplicar medidas de
ressocialização.
O que pode-se perceber é que a mesma instituição que prende, através do poder
simbólico é aquela que tenta ressocializar através de medidas socioeducativas, na
tentativa frustrada de “proteger” o que se tenta esconder, fazendo assim a manutenção
da violência silenciosa. Segundo Josiane Veronese, o Estado se omite frente aos direitos
desses adolescentes:
O Estado por meio de seu poder simbólico faz a construção social de uma cultua
que precisa de manutenção para que todos sejam captados (cultura do controle de
Garland). É desta maneira que a violência começa a ter forma, impondo legitimamente e
de maneira agressiva a cultura dominante.
A interiorização desta cultura faz da violência, aparentemente não visível aos
olhos, uma violência que aliena, já que o próprio oprimido não se sente na posição de
estar sendo violentado, como acontece com os adolescentes em conflito com a lei, já que
a situação que se perpetua ao lindo da história se torna algo inevitável no futuro.
O poder do Estado age silenciosamente, porém, atinge muitos “menores”, uma vez
que cria leis ou projetos de lei que promovem “inconscientemente” disparidades. Um
exemplo disso é quando se cria medidas socioeducativas, como a de internação em
unidades que não possuem infraestrutura adequada para receber esses jovens.
Além disso, essas unidades são marcadas pela violência, principalmente por parte
de agentes que atuam de maneira diversa a de (re)educar, mas sim de estabelecer o
medo dentro dos centros de cumprimento de medidas. Não existe ressocialização, mas
39
sim uma maquiagem de problemas sociais graves, que derivam de outros mais basilares,
como a falta de educação pública de qualidade desde a alfabetização.
A violência junto com o poder estatal faz com que esses jovens saiam da atual e
precária realidade em que vivem, para ingressar nos sistemas socioeducativos que
aprisionam e fazem a manutenção das desigualdades, perpetuando a violação de direitos
e garantias dispostas no ECA. Desta maneira, o Estado mantem o discurso da cultura
dominante, naturalizando desigualdade que justificariam o abandono estatal desses
“menores”.
Fonte: campoformosonews.com.br
Dentro de um atual contexto político, no que tange aos “menores”, existe uma
preocupação com a questão da segurança pública, onde o controle penal se destaca a
cada dia no exercício do poder do Estado. Essa nova gestão marcada pela redução de
políticas públicas de inclusão e de ressocialização são tendências dessa nova fase
moderna.
De tal modo, o que se percebe é uma atividade estatal penal que a cada dia se
torna mais autoritária, reforçando características de um Estado capitalista, onde: “O
40
remédio penal é utilizado pelas instâncias de poder político como resposta para quase
todos os tipos de conflitos e problemas sociais” (Azevedo, 2005, apud Souza, 2017, p.
9).
Desta maneira, a ressocialização de adolescentes não se sustenta em função do
ambiente em que estão inseridos, ou seja, não existe reeducação, mas sim punição
legitimadas pela violência, esta exercida por agentes instituídos de poderes do estado
(polícia, juízes, Ministério Público), ou até mesmo pela sociedade, que prefere condenar
esses “menores” e de maneira individualista descartá-lo da sociedade. Segundo Garland,
Desta maneira, o estado brasileiro revela seu caráter unicamente punitivo sem
reeducar, porém. Isto advém de uma importante característica de nosso país: a falta de
tradição democrática, que tem como consequência uma obsessão securitária pautada na
dilatação do sistema de socioeducação.
Esses sistemas por muitas vezes selecionam o perfil de quem vai ingressar, e no
sistema socioeducativo acontece um reflexo do perfil achado no sistema penitenciário,
geralmente composto por integrantes do sexo masculino, de classes mais pobres da
população, sem o ensino fundamental completo e na faixa etária entre 12 e 17 anos de
idade.
O sistema socioeducativo brasileiro estigmatizava esses “menores”, o que faz
desses centros um local de difusão da criminalidade, e não de revitalização dos valores
perdidos. Desta maneira analisou Garland:
41
Para Garland, o crime é um fenômeno essencial para se entender os processos
de formação da sociedade moderna, e que também chama a atenção por ser um evento
peculiar, que coloca em teste todas as normas implementadas pelo sistema, bem como
todas as mudanças sociais que permitiram uma aceitação da nova cultura do controle,
principalmente em países com altas taxas de criminalidade como o Brasil.
Fonte: s2.glbimg.com
Uma sociologia da punição, por sua vez, baseada numa perspectiva mais
complexa, que enfatiza sobretudo a dimensão cultural das instituições penais,
poderia assim contribuir para uma crítica teórica e prática da racionalidade penal
do mundo contemporâneo.
Desta maneira, é possível fazer uma ponte sobre as tendências de Garland e atual
situação dos jovens em conflito com a lei no Brasil, já que o cenário atual demonstra
diversas características apontadas pelo autor, desde questões sobre o aumento do
ingresso no sistema socioeducativo, até a alta incidência de aplicação de medidas mais
42
graves como as de internação, isso sem contar com toda dificuldade do sistema judiciário
de lidar com o processo democrático em que o país passou nas últimas décadas.
Portanto, a negação da violência inerentes as práticas de um poder simbólico, bem
como uma sociedade permissiva às práticas que agem em revelia a lei, apontam
importante contribuição deste sociólogo em estudo, onde podemos questionar a
legitimação a impunidade das intenções de poder para com a situação dos adolescentes
em conflito com a lei.
Conclui-se que para combater esse tipo de violência, é possível traçar alguns
pontos essenciais para mudar essa realidade, como:
Trabalho contínuo de políticas públicas atuantes na área de educação dentro e
fora dos sistemas socioeducativos;
Estudo prévio das medidas socioeducativas a serem aplicadas pelo Estado/juiz;
Cursos de capacitação para agentes do estado atuantes nos sistemas de
ressocialização.
Criação de leis efetivas que atendam a real necessidade desses adolescentes;
Reintrodução de direitos através de investimento para uma reformulação do
sistema socioeducativo.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADORNO, Sérgio; BORDINI, Eliana B. T.; LIMA, Renato Sérgio de. O adolescente e as
mudanças na criminalidade urbana. São Paulo Perspectiva. [online]. 1999, vol.13, n.4,
pp. 62-74. ISSN 0102-8839. Disponível em www.scielo.org, acesso em 28/08/10.
44
violência: consequências da realidade brasileira. Org. David Léo Levisky. São Paulo:
Casa do Psicólogo, 2000.
MOLINA, Antonio García Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. 5ª.Ed.revista e
atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
BIBLIOGRAFIA
45
SANCHES, Helen Crystine Corrêa; VERONESE, Josiane Rosa Petry. Justiça da
Criança e do Adolescente - da Vara de Menores À Vara da Infância e Juventude. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2016.
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