Cristologia Pré-Nicena 2021

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Cristologia pré-nicena

Relembrando...
No primeiro bimestre, a Cristologia teve por foco a leitura e a análise da doutrina sobre
Cristo a partir dos textos neotestamentários, fazendo um apanhado da Cristologia dos
principais autores do NT (até aqui, os interlocutores dos cristãos são, basicamente, os
judeus):
A cristologia paulina (Mediterrâneo) – os escritos paulinos registram o primórdio da
fé em Cristo. São os textos mais antigos e que possuem relação com tradições joaninas e
lucanas. A Cristologia de Paulo é fundamentada na kenosis do Verbo. O mesmo
esvaziamento de si que Cristo operou para a salvação deve ser imitado pelo que recebe
o nome de cristão. (uma nova mentalidade que traz a insignificância de ser rico ou
pobre/ judeu ou grego/ homem ou mulher, pois o que vale é ser um novo Cristo para
todos)
A cristologia lucana (Ásia Menor) – ainda que dependente de Paulo, possui um
linguajar mais teologicamente refinado. Desenvolve uma cristologia narrativa, de modo
que o Jesus apresentado é crido com desdobramentos comunitários. O valor da carne de
Cristo respinga na sua relação com os mais pobres (cf. O rico e Lázaro; o Bom
Samaritano; o apego de Judas pelo dinheiro; os “ais” destinados aos ricos; o reino de
Deus é dos pobres). (milagres1)
A cristologia mateana (Palestina): intimamente ligada ao que se acreditava na
Palestina sob o episcopado de Tiago, o irmão do Senhor. Há a proposta de usar dos
recursos literários em voga no NT para interpretar o significado de cada uma dessas
bem-aventuranças: o quiasmo, que consiste na ligação entre os conceitos de modo
concêntrico, até que se chegue a um termo que não necessita de explicação. (milagres)
a. Pobres em espírito; VII. Não roubar
b. Mansos; VIII. Não dar falso testemunho
c. Aflitos; IX. Não desejar nada dos outros
d. Fome e sede de justiça; (mulher, propriedades, etc)
e. Misericordiosos;
f. Puros de coração;
g. Promotores da paz;
h. Perseguidos por causa da
justiça;
i. Perseguidos por causa de
Cristo.
I. Não ter outros deuses
II. Não falar em nome de Deus em vão
III. Reservar/proteger/guardar o sábado
IV. Honrar os pais
V. Não matar
VI. Não adulterar

1
Milagre > requer fé; Sinais > suscitam a fé.
A cristologia marcana (Roma): através de milagres analisados, chegou-se a uma
Cristologia baixa, ou seja, de um Cristo que vê o mundo a partir da Terra. É uma
Teologia ligada ao Apóstolo Pedro, de um autor que nunca pisou a Palestina. Em cada
milagre narrado, uma transgressão divina é revelada. (milagres)
A cristologia joanina (Samaria – Siro-fenícia): o texto de João é tido como uma
Cristologia Alta. Isso significa que é uma Cristologia mística, ou seja, que tenta
apresentar a ponto de vista a partir da eternidade. Na tradição oriental, por exemplo,
João é chamado de Teólogo. No Hino ao Verbo, viu-se o Logos pré-existente; o Logos
no mundo; o Logos na humanidade; o Logos na comunidade, num tipo de afunilamento.
(sinais)

Deve-se entender que o que se chama de Cristologia “baixa”, trata-se de uma


Cristologia horizontal, ou seja, que lhe impulsiona a relacionar-se com o mundo.
Cristologia “alta”, por sua vez, é aquela que tenta ser vertical, direcionando o leitor a
uma união espiritual, ontológica com Deus. “Alto” e “baixo” não tem a ver com a
qualidade da teologia presente nos textos, mas ao direcionamento que provocam nos
leitores.
Cristologia e Trindade pré-nicena (II e III)
Com a mudança de interlocutores (o mundo greco-romano), surge a mudança da
ratio sobre a fé. A seguinte parte do curso tenta apresentar, ainda que de modo suscinto,
a reflexão cristológica a partir dos textos patrísticos. Há uma cultura teológica que nasce
a partir dos questionamentos sobre a fé cristã. Do diálogo com novos interlocutores, a
comunidade se vê na posição de ter que responder a quem não faz parte da Igreja. Os
temas a seguir vão apresentar como que os Padres leram as passagens bíblicas e delas
contribuíram para a reflexão teológica sobre Cristo e a Trindade. (o surgimento de uma
reflexão sobre Trindade imanente – a Trindade em si mesma, em sua vida interna – e a
partir da Trindade Econômica2 - aquela percebida e revelada em Cristo).
Introdução
Quando tratamos de pensadores patrísticos que escreveram antes de Niceia, devemos
considerar três elementos, no que diz respeito à metodologia:
a) Homogeneidade: devemos tentar uma abordagem que considere a
reflexão com pressupostos comuns a todas as Igrejas. Nesse período, um
autor não é mais “evoluído” que outro por uma questão cumulativa de
conceitos. Quem viveu em 110dC não é inferior em teologia em relação
ao que viveu em 258dC. Autores dos séculos seguintes (IV e V) podem
nos ajudar a compreender melhor trechos dos Padres do século II – e, se
os autores forem neoplatônicos, a leitura de pensadores como Proclo,
Plotino e Jâmblico pode ajudar na interpretação;
b) Não adotar uma leitura cronológica, ainda que se pegarmos por temas,
fique algo aparentemente repetitivo.
c) É obrigatório que nos adaptemos à mentalidade dos antigos.

I. Deus só (Deus solus)


Nos textos patrísticos, a expressão “Deus só” é entendida como Deus a partir do
eterno, da eternidade, ou seja, Deus em si mesmo. A reflexão cristológica dos primeiros
séculos só faz sentido se analisada junto com a reflexão trinitária.
a) Premissa 1: a mesma fé no caminho entre EXEGESE e DOUTRINA dentro de
um sistema articulado (que aparece primeiro entre os GNÓSTICOS)

b) Premissa 2: Axioma de Rahner (Imanente  Econômica)

2
Conceitos foram elaborados por Karl Rahner.
 A Trindade imanente corresponde a Trindade em si mesma, nas relações
intratrinitárias (Pai – Filho e Espírito Santo; Filho – Pai e Espírito Santo;
Espírito Santo – Pai e Filho); esta relação é totalmente transcendente, ou
seja, não se pode chegar no conhecimento, a não ser pela REVELAÇÃO.
 A Trindade econômica (economia em grego significa projeto,
planejamento) tem a ver com a Trindade em relação ao projeto salvífico
manifestado em Cristo (Cristo = UNGIDO por ALGUÉM QUE UNGE
com ALGO CAPAZ DE UNTAR).
a. A ordem do conhecimento a partir de Deus (o nome)
b. A ordem do ser: relação direta, necessária, gratuita e independente

II. Leitura dos textos


Os gnósticos (Cf. suas anotações das aulas de PATROLOGIA) forma os que
primeiro sistematizaram, ainda que ao seu modo, uma relação entre a exegese bíblica e a
doutrina recebida dos apóstolos (dogma), ainda que Clemente, Inácio, Justino, Hermas
entre outros tenham elaborado uma teologia sólida sobre Cristo. Os textos favoritos dos
gnósticos são de Paulo (de Lc por tabela) e de João, que são os mais voltados ao
paganismo. Assim, os gnósticos se tornam os primeiros interlocutores do cristianismo
depois dos judeus. Se antes precisava convencer judeus sobre a “messianidade” de
Jesus, agora é necessário responder aos pagãos marcados pela cultura grega, sobretudo a
filosofia. O interlocutor coloca problemas que nunca antes se havia pensado.
Consequentemente, o vocabulário e a terminologia adotadas vão, por força da
interlocução, pagar tributo à necessidade de se fazer entender a um mundo novo.
A primeira afirmação “dogmática” que os cristãos dão para responder aos
gnósticos, que afirmavam a existência de dois princípios, é de que o Deus solus
– ou seja, único princípio – é Deus onipotente – que não está presente na
Bíblia (Atenção aos trechos: Tb 13,4 e Ez 10,5, até porque a Escritura não se
preocupa com as problemáticas gnósticas): “Creio em Deus Pai todo-poderoso,
criador do céu e da terra, das coisas visíveis e invisíveis” = esse é o conceito de
onipotência contra o deus gnóstico. Consequentemente, a onipotência só faz
sentido quando contraposta ao conceito de um Deus idealizado pelos gnósticos,
que viam um Deus bom (do NT) em contraposição a um Deus mau (do AT).
Aquele que ungiu a Cristo é o mesmo que é testemunhado desde o AT. A ideia
gnóstica não é um problema de simples erro conceitual: é contrária
integralmente ao Deus revelado por Jesus de Nazaré. (Cf. Irineu de Lion; Justino
de Roma; Inácio de Antioquia).

Pegamos os apócrifos porque eles, ainda que indiretamente, nos dão testemunho
de elementos da Tradição.

a. Analisando uma leitura do Apócrifo de João, há um convite feito pelo


Ressuscitado (gnóstico) para que o Apóstolo João seja capaz de olhar para
aquilo que os sentidos não são capazes de perceber. Um convite para um
olhar transcendente, pois sem esse olhar, não se pode ver o que há dentro de
Jesus. Embora esteja errado no conteúdo da afirmação, o gnóstico desafia os
cristãos a responderem ao apelo de olhar Jesus por dentro. Para o autor – um
gnóstico – Jesus é, dentro de si, Pai (abh), Mãe (ruah – feminina) e Filho
(bar), três em um. Isso não bate com a Tradição, embora não haja uma
terminologia teológica técnica que seja capaz de responder a isso. Os
gnósticos (como os cristãos) afirmam que o Pré-existente não possui
dependência ou vínculo com o tempo. Antes do tempo3. O tempo foi criado
por outras instâncias que dependiam dele.
b. Lendo um trecho de Irineu de Lion, observamos que a tríade também é
constatada entre os discípulos de Valentino, um heresiarca do segundo
século. O gnosticismo possui a característica de pegar elementos da Tradição
e dar explicações que não são tratadas em comunidade. O trecho escolhido
corrobora para a ideia de que há um só Deus, mas que se dá a entender como
três pessoas, ou três entidades eternas, existentes antes do tempo. A
doutrina de Ário é uma resposta ao sistema gnóstico. Cristo, que é criatura
para ele, é um ser que foi criado pelo Pai, mas antes do tempo. O tempo foi
criado por meio dele e, a partir daí, todas as criaturas que estão submetidas
ao tempo.
c. O sistema gnóstico levanta uma explicação para a relação entre Deus Solus
e o tempo. Para a Tradição: Deus (Trindade) não pode ser entendido dentro
do tempo, pois o tempo é uma criatura, e por isso não pode encerrá-lo. A
pergunta “De onde Deus vem?” só faz sentido para quem interroga dentro do
tempo e do espaço, pois possui em si a noção de presente, passado e futuro.
Se Deus criou o tempo, ele não tem presente, nem passado nem futuro.
Assim, a pergunta perde o sentido, pois o tempo passa a ser visto como
realmente é: uma criatura como todas as outras.
d. Em “A Autólico”, de Teófilo de Antioquia, temos a proposta cristã e
interpretação do que significaria a tal “geração” divina. A palavra “geração”
não pode ser atribuída a Deus pois ele é incriado, perfeito em si mesmo. Não
faz sentido dizer que há qualquer geração em Deus. Este trecho é escolhido
para mostrar que a ausência de um vocabulário técnico e teológico faz com
que os autores tenham que dar respostas de acordo com a limitação da
linguagem cotidiana. Há a necessidade, portanto, de reservar algumas
palavras para uso teológico; Teófilo demonstra que há uma relação entre o
Pai e o Filho, mas que ela não pode ser confundida com a relação de geração
entre pais e filhos. Não é uma relação de dependência. NB. Em Antioquia, a
CARNE possui valor teológico, por isso, todo o cuidado é pouco ao usar
uma terminologia ainda não reservada à Cristologia. A palavra “gerar”, uma
vez reservada para a Cristologia, destaca a relação de compartilhamento de
essência, não de dependência para existir. O foco está na relação entre os
dois, não na materialidade da palavra gerar.
O debate de Teófilo é sobre a criação ex nihilo. O mundo, necessariamente,
tem que ter um começo no tempo. Ele não é eterno, pois eternidade é algo
reservado à perfeição. É um debate epistemológico, antes de ser teológico. O
3
Χρονός é diferente de καιρός, sendo o primeiro o tempo cronológico, nas sequência temporal; o
segundo, por sua vez, é o tempo oportuno. Popularmente, καιρός é tido como um termo ligado
exclusivamente a Deus, mas a palavra καιρός está ligada ao momento em que algo deve ocorrer
oportunamente, não só no campo religioso, mas em qualquer área da vida.
mundo não pode ser eterno por uma questão racional, porque não é perfeito
(basta dar uma olhada!). O mundo está sujeito à corrupção. Tudo que está
sob o tempo, é corruptível. Deus não é corruptível, por isso, não faz sentido
dizer que o Verbo é gerado, segundo Teófilo. Ele renega essa terminologia,
pois está mais ligada às criaturas do que ao Criador. O nome que depois de
Niceia vai se dar para essa relação de consubstancialidade é GERAÇÃO.
e. Hipólito, em Contra Noeto, desenvolve um raciocínio sobre o Deus Solus:
Deus, antes de qualquer criação, não era privado de companhia, pois estava,
como diz a Escritura, com o Logos e com a Sabedoria4. Esse texto dá
testemunho de que a comunidade cristã enxerga no Logos e na Sabedoria o
Filho e o Espírito, que coexistem, de algum modo, numa relação que não
conhece o tempo. A Trindade não é inventada; a Trindade é encontrada na
Criação a partir do que testemunha a Escritura. O mundo é fruto do diálogo
das Três Pessoas da Trindade. Deus Solus é o Pai, o Logos e a Sabedoria.
Segundo Hipólito, o mundo é criado porque os três conversaram. É possível
perceber o desdobramento dessa afirmação? O diálogo das Pessoas da
Trindade é elemento constitutivo do universo. O DIÁLOGO está no DNA da
Criação.

Considerações finais
Os termos aqui discutidos revelam o que está por trás de cada item do CREDO
no que toca ao Filho. Embora sejam textos do Credo niceno-constantinopolitano, são
extraídos do pensamento dos Padres antigos, de uma literatura por todos conhecida. A
reflexão teológica não inicia com a elaboração de um vocabulário técnico, mas é
testemunhada pelos Padres pré-nicenos e que aparecem nos Credos posteriores a Niceia:
Creio em um só Deus Pai onipotente, criador do céu e da terra, das todas as coisas
visíveis e invisíveis; creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus,
nascido do Pai antes de todos os séculos, Deus (feito) de Deus, luz (feita) da luz, Deus
verdadeiro (feito) de Deus verdadeiro, gerado, (=) não criado, (=)consubstancial ao
Pai. Por Ele, todas as coisas foram feitas...

Cenas dos próximos capítulos


III. Cristologia do século IV (Niceia e Constantinopla)
IV. Cristologia do século V-VI (Éfeso e Calcedônia)

4
Assim como quem quer crescer em conhecimento do mundo deve se apoiar na filosofia, quem quiser
crescer no conhecimento de Deus deve se apoiar naquilo que Ele deu a conhecer pela Sagrada Escritura.

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