Apostila Finanças Comportamentais
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Apostila Finanças Comportamentais
Finanças Comportamentais
Trata-se de uma ramificação das finanças modernas que defende serem os agentes decisórios
dotados de racionalidade limitada.
Esse novo ramo de estudo parte do princípio de que algumas variáveis econômicas
não podem ser descritas pelas condições de equilíbrio preconizadas pela teoria
moderna, uma vez que os agentes financeiros tomam decisões que muitas vezes são
incompatíveis com atitudes baseadas em expectativas racionais.
Esses estudos foram incorporados ao contexto das finanças nas últimas décadas, em decorrência
de fortes correções nos preços de ativos durante crises financeiras que não conseguiram ser
inteiramente explicadas pelo modelo moderno de finanças.
― Os preços das ações são racionais, isto é, refletem somente características utilitaristas
ou fundamentais, tais como risco, mas não características psicológicas e sentimentos.
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O foco das finanças modernas está voltado para os resultados do mercado, tais como preço, volume,
dividendos e assim por diante, relevando as causas que produzem estes resultados.
Nenhuma atenção é dada aos atores que atuam no mercado, como os investidores, gestores de
carteiras, entre outros.
Por sua vez, o foco das finanças comportamentais são justamente os atores
que tomam decisões constantemente, cujas consequências serão refletidas
justamente nos preços dos ativos.
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Com base em procedimentos que podem ser considerados rudimentares, em termos científicos,
Daniel Kahneman e Amos Tversky, pesquisadores que podem ser considerados os principais
precursores das Finanças Comportamentais, fizeram experimentos com alunos para tentar averiguar
se os conceitos das Finanças Modernas poderiam ser sempre verificados.
Conforme os resultados expressos em artigos científicos publicados nos anos 1970, os pesquisadores
notaram que os alunos-objetos dos experimentos aceleravam os processos decisórios, simplificando
a tomada de decisão. Ao invés de buscar mais informações para tomada de decisões em condições
de incerteza, como preconizado pelas finanças modernas, os alunos pesquisados se mostravam mais
aptos a concluir o processo decisório assim que acreditavam ter feito análises suficientes.
Segundo os pesquisadores, isso ocorreria porque as pessoas, para avaliarem probabilidades e prever
valores em processos decisórios, se baseiam em um número limitado de princípios heurísticos, ou
seja, regras de bolso, capazes de simplificar essa tarefa de avaliação e previsão. O problema é que,
ao se valer dessas heurísticas, fica-se sujeito a incorrer em erros severos e sistemáticos.
Eles enumeram três tipos de heurísticas que influenciam o processo de tomada de decisão:
Ancoragem, Representatividade e Disponibilidade.
Ancoragem
A heurística da Ancoragem refere-se à elevada relevância dada a uma informação inicial, geralmente
um valor, que pode ter sido sugerida pela formulação do problema ou pelo resultado
de uma computação parcial.
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Nesse sentido, esse valor é semelhante a uma âncora, mesmo quando essa informação não é
relevante à situação.
Os autores perceberam essa heurística a partir de um simples experimento. Foi solicitado aos
pesquisados estimarem várias porcentagens e, antes de responderem, os pesquisadores forneciam
números arbitrários.
Num dos exemplos, foram fornecidos números a partir de uma roleta e, em seguida, perguntado aos
pesquisados quanto países africanos pertenciam à ONU (Organização das Nações Unidas).
As estimativas médias das porcentagens foram de 25% para os grupos que receberam o número
arbitrário 10, e de 45% para os grupos que receberam o número arbitrário 65, indicando que os
números previamente fornecidos influenciaram as estimativas dos respondentes.
Outros exemplos típicos são de um investidor que venderá suas ações somente se o preço
ultrapassar determinado valor e de um analista ou gestor de ativos que foca a decisão de negociar
um ativo somente se atingir determinado preço, geralmente um preço-alvo.
Note que, nas duas situações, a informação prévia é considerada suficiente para que o decisor
encerra rapidamente o processo de tomada de decisão com base nessa informação.
Representatividade
Tversky e Kahneman verificaram essa heurística com uma pesquisa que fizeram, na
qual pediam aos respondentes que inferissem a profissão de determinado sujeito, a
partir de um breve relato de sua personalidade.
O relato afirmava ser esse sujeito tímido e reservado, disponível para ajudar, mas sem muito
interesse pelo convívio social.
Como resultado, os pesquisadores verificaram que a resposta mais frequente para profissão
do sujeito relatado era bibliotecário e, com isso, identificaram a presença da heurística da
representatividade.
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Outra conclusão a que os autores chegaram foi que as pessoas têm concepções errôneas sobre
o acaso, pois esperam que uma sequência de eventos gerados aleatoriamente represente as
características essenciais de determinado processo, mesmo se a sequência é curta.
Suas pesquisas indicaram que as pessoas esperam que os resultados sigam uma
sequência representativa de determinado evento, como se o acaso fosse visto
como um processo “autocorretor”, em que o desvio em uma direção induziria a
outro desvio, mas na direção oposta, como forma de ‘contrabalancear’ e restaurar
o equilíbrio.
Ou ainda um investidor que compre determinado ativo simplesmente porque o preço vem caindo
há alguns dias, acreditando numa tendência de mercado de que tal ativo recupere seu preço, como
ocorrido no passado.
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Disponibilidade
A disponibilidade remete à facilidade com que determinadas ideias, lembranças ou situações vêm à
mente e influenciam, dessa forma, o processo decisório.
Pode também estar associada à memória recente do decisor e que influencia de alguma forma seu
processo decisório.
Autores identificaram serem grandes grupos de eventos mais rápida e facilmente relembrados do
que classes de eventos menos frequentes.
Além disso, eventos com maior probabilidade de ocorrer são mais fáceis de serem imaginados do
que os menos prováveis, assim como conexões associativas entre eventos são fortalecidas quando
eventos ocorrem juntos.
Seus julgamentos seriam bastante influenciados pela facilidade com que ocorrências de eventos
podem ser lembradas ou resgatadas por livre associação: pela sua visibilidade, exposição e saliência.
Por exemplo, pode-se avaliar a probabilidade de uma dada especulação financeira falhar ou dar certo
em função de acontecimentos recentes com o investidor ou com pessoas de sua relação.
Um exemplo do efeito da disponibilidade foi a significativa queda da procura por passagens aéreas
nos Estados Unidos logo após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.
Porém, como houve maciça repercussão e divulgação dos ataques terroristas, que foram
caracterizados pelo uso de aviões, muitos passageiros passaram a optar, naquele momento, por um
transporte mais arriscado – o transporte terrestre.
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Framing
E uma das respostas defendidas por muitos pesquisadores para esse problema remete ao conceito
de enquadramento ou framing: a forma como as informações são apresentadas pode gerar
alterações de percepções e de julgamento.
Em outras palavras, seria como se fosse tomada determinada decisão frente a um cenário que, se
apresentado (enquadrado) de forma diferente, levaria a outra decisão.
Kahneman e Tversky, em artigo publicado em 1979, relataram o seguinte exemplo. Uma doença
infectou 600 pessoas e os decisores deveriam optar entre os programas A e B:
Programa B: haverá 1/3 de chance de que 600 pessoas serão salvas e 2/3 de chances de que
todos morrerão.
Foi então que eles enquadraram esses mesmos programas de formas diferentes, renomeando-os
para C e D:
Programa D: haverá 2/3 de chances de 600 pessoas morrerem e 1/3 de chances de todas se salvarem.
Nesse cenário, a maioria dos decisores optou pelo Programa D. Note que o problema é o mesmo,
mas foi formulado de maneiras diferentes. E isso nitidamente impactou o processo decisório, levando
a resultados diferentes.
Excesso de confiança
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Uma maneira de ilustrar isso é pedir aos investidores para preverem um intervalo de confiança para
o retorno esperado de uma ação. Os investidores tendem a estipular um intervalo muito estreito (que
definirá um leque muito estreito de possíveis retornos).
Ou seja, eles tendem a subestimar sistematicamente o risco (desvio padrão) dos retornos
das ações.
Note que o excesso de confiança pode levar a surpresas. Dado que os investidores continuamente
subestimam o leque de possíveis retornos, há uma probabilidade maior que a normal de um retorno
fora do intervalo de confiança (ou seja, uma surpresa).
O resultado é que esse investidor nem sempre consegue superar o benchmark apropriado e, quando
o faz, muitas vezes incorre em elevados custos de transação (pelo giro excessivo da carteira) que o
ganho líquido fica aquém da variação do benchmark.
Aversão à perda
Este conceito pode ser relacionado com o jogador que continua jogando os dados, na esperança de
recuperar suas perdas.
Note que há uma leve diferença entre aversão a perdas e ancoragem. Um investidor que não quer
assumir uma perda não venderá a ação enquanto o preço de compra não for superado.
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Para configurar a presença da ancoragem, o investidor deve, por exemplo, comprar a ação a
R$ 40 e não vendê-la antes de o papel atingir R$ 48, preço-alvo divulgado pelo analista de ações
que lhe assessora.
Se o papel atingir R$ 47 e ainda assim ele não vender, ficará ainda mais clara a presença da
ancoragem: não haverá perdas, com o investidor tomando a decisão única e exclusivamente com
base em um número previamente fornecido.
A aversão à perda pode levar ao comportamento de “sede de risco”. Um gestor de carteira, por
exemplo, pode ter tido perdas recentes.
Sabendo que ele deve reportar seus resultados no final do trimestre, e relutante em relatar as
perdas, ele começa a tomar posições progressivamente mais arriscadas, na esperança de, pelo
menos, empatar.
Alguns outros autores também detectaram o viés da aversão a perdas em seus estudos.
Por sua vez, muitos autores identificaram que investidores preferem vender rapidamente ações que
registram ganhos, como forma de realizar os lucros.
Os vieses Status Quo e Teoria da Perspectiva serão cobrados nos exames CFP e
CGA.
Status Quo
Outro comportamento viesado que aparece com certa frequência em estudos sobre Finanças
Comportamentais é o de status quo.
A partir dessa simplificação de julgamento, alguns decisores preferem manter a situação como se
encontra a efetuar qualquer mudança, mesmo que esse movimento implique maiores ganhos.
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Esse viés pode também estar relacionado à aversão a perdas e ao efeito disposição: ao invés de
vender ativos com desempenho desfavorável, o investidor pode preferir mantê-los, justamente para
não precisar assumir explicitamente a adoção de uma estratégia perdedora e, com essa inação,
estaria também se valendo do viés de status quo.
Teoria da perspectiva
A Teoria da Perspectiva (Prospect Theory) descreve como as pessoas estruturam e avaliam uma
decisão que envolva incerteza.
A aversão a perdas e um comportamento de busca de risco para não assumi-las podem ser
observada na função, que possui duas curvaturas bem diferentes.
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Eles têm satisfação ainda maior quando esse ganho é dobrado, no valor de
R$1.000. Porém, isso não quer dizer que tal satisfação chegue a ser duas
vezes maior.
2 A função é convexa para perdas, isto é, sentem-se mal quando perdem. Mas, se
perdem o dobro, a sensação de mal-estar será proporcionalmente maior àquela
correspondente a duas vezes a sensação de quando perderam metade.
A função é mais inclinada para perdas do que para ganhos. Essa assimetria
3 entre ganhos e perdas leva a reações mais acentuadas em relação às posições
perdedoras do que para ganhadoras.
Um aspecto adicional da Teoria da Perspectiva é que as pessoas separam cada investimento para
monitorar os ganhos e as perdas e reexaminar as posições periodicamente.
Essas contas separadas são chamadas de contabilidade mental, na qual o investidor pensa em suas
aplicações como se fossem compartimentos separados: “dinheiro de apostas” (ações), “poupança”
(renda fixa), etc., ou seja, uso de atributos superficiais.
Dificilmente é analisada a relação entre essas aplicações numa perspectiva integrada de risco
e retorno.
O resultado deste viés pode ser a existência de maior risco do que o necessário
pela inexistência ou falta de diversificação dos investimentos.
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Movimento de manada
O processo de tomada de decisão também pode ser simplificado se o decisor optar pela decisão que
demais estão optando.
Nesse sentido, pode-se preferir escolher conforme outras pessoas e, com isso, o processo decisório
seria simplificado.
Essa dinâmica revelou-se presente em alguns estudos, principalmente quando o decisor tem pouca
ou nenhuma informação a respeito do problema envolvido e, estando em um grupo no qual os
demais participantes decidem por determinada opção, esse decisor tende a seguir os demais.
Desconto hiperbólico
Além dos vieses e das heurísticas de julgamento, outros estudos que merecem destaque no campo
das Finanças Comportamentais referem-se aos trabalhos publicados sobre escolha intertemporal.
Giannetti (2005) refere-se a esse tema utilizando o termo troca intertemporal, que consiste na ação de
manipular de alguma forma a sequência dos eventos no tempo de modo a favorecer a realização de
um dado fim.
Conforme o autor, a troca intertemporal implica o intercâmbio entre um custo (aquilo que foi pago) e
um benefício (que foi recebido em determinada transação).
Além desse intercâmbio inerente a qualquer troca, toda troca intertemporal, não importa qual seja a
sua feição concreta, traz implícita a ocorrência de juros, segundo o autor.
Então, o juro estaria associado à quantia que se paga por antecipar um benefício ou a que se ganha
por postergar o recebimento desse benefício.
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Se for mais vantajoso ser prudente e esperar para consumir mais no futuro, certamente o decisor
optaria pela renúncia desse consumo no presente. Da mesma forma, se a decisão por antecipar o
consumo fosse mais interessante, é de esperar que essa seria a escolha feita.
Com isso, parece haver uma flexão pela valorização do presente, melhor representada,
segundo autor, por uma curva com o formato de uma hipérbole, resultando no chamado
desconto hiperbólico.
Isso se deve ao fato de as decisões envolverem uma combinação instável entre preferências
inconsistentes, contrariando os princípios da racionalidade e da Teoria da Utilidade Esperada, que
pregam preferências consistentes com a maximização da utilidade.
Dessa forma, haveria, por conta dessa dinâmica temporal, um enaltecimento do presente,
relacionado à disfunção da visão conhecida por miopia, levando o decisor a preferir o recebimento
dos benefícios na atualidade, mesmo que isso não implicasse a melhor decisão em termos de
utilidade esperada.
Por sua vez, o desconto hiperbólico pode agir de forma inversa, com o decisor sobrevalorizando o
futuro, num movimento que o autor associou à hipermetropia. Nesse caso, o processo decisório
estaria mais inclinado pela renúncia do consumo na atualidade para consumo no futuro.
Outro pesquisador do tema desconto hiperbólico foi George Ainslie (2005), que criticou
a racionalidade no processo decisório, acrescentando o termo subjetivo – desconto
hiperbólico subjetivo.
Segundo esse autor, processos que envolvam recompensas rápidas tendem a ser preferíveis àqueles
com benefícios superiores, mas com recebimentos mais lentos.
Analisando de forma mais profunda essa dinâmica representada por sua teoria do desconto
hiperbólico subjetivo, Ainslie (2005) defende que essas recompensas rápidas geram uma relação
de conflito no decisor, que resultaria num impulso em direção à opção por essa recompensa
imediata (mas que geralmente envolve benefícios inferiores), como forma de se desvencilhar
dessa situação desconfortável.
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Resumo
A seguir, as principais heurísticas e os comportamentos viesados mais importantes:
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