Física Atômica e Molecular

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FIS01213: Física Atômica e Molecular — Semana 01

Jason A.C. Gallas


Instituto de Física da UFRGS, 91501-970 Porto Alegre, RS
http://www.if.ufrgs.br/∼jgallas

Resumo e Motivação
Início: Revisão sucinta de noções elementares de física atômica e molecular.

Sumário

1 Generalidades sobre átomos 3


1.1 A importância da física atômica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.2 Espectroscopia atômica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.3 Unidades de energia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
1.4 Escalas típicas de energia em átomos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
1.41 Estrutura grossa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
1.42 Estrutura fina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.43 Estrutura hiperfina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.5 Efeitos de Campos externos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.6 Modelo de Bohr . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.7 Sobre a necessidade de termos uma Mecânica Quântica . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
1.8 O spin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

O objetivo fundamental de qualquer curso de Física Atômica e Molecular é fornecer um en-


tendimento razoável sobre a estrutura dos átomos e como eles se combinam para formar as substân-
cias “macroscópicas” encontradas na Natureza. É usual iniciar-se tal aprendizado estudando-se as pro-
priedades do átomo mais elementar, o átomo de hidrogênio.
O átomo de hidrogênio é o átomo mais elementar na Natureza mas, como ficará claro logo, nem
por isto é um átomo trivial de se entender. O lado bom deste átomo simples é que, por conter apenas um
elétron e um próton que interagem no campo central da força eletromagnética, ele permite uma série de
simplificações matemáticas no seu tratamento.
De um modo geral, temporalmente podemos separar o estudo dos átomos e moléculas em duas
fases distintas, antes e depois da invenção dos Masers e Lasers, invenção esta que ocorreu entre o final
dos anos 1950 e o começo dos 1960. Assim, grosso modo, temos
Fase pré-laser da física atômica: final dos 1800 até ∼1970
Fase pós-laser da física atômica: de ∼1970 até o presente
Este divisão justifica-se pelas propriedades especiais do Laser, principalmente sua intensidade e coerên-
cia, que abrem uma ampla perspectiva para a investigação e aplicação das estruturas atômicas e molecu-
lares. Isto ficará transparente ao longo do curso. É claro que antes de 1970 já existiam lasers, mas eles
ainda eram primitivos demais para aplicações mais interessantes.
Sumário (Sumário)

Uma revisão lúcida, detalhada e com referências aos trabalhos originais da fase “heróica” pré-1970
pode ser encontrada na bela coletânea de G.W. Series1 , The Spectrum of Atomic Hydrogen, Advances,
publicada em 1988. O impacto do Laser e as grandes novidades em Física Atômica e Molecular são
narradas no cativante livro de J. Rigden2 , Hydrogen, the Essential Element, publicado em 2002.
O átomo de hidrogênio sempre foi e continua a ser uma fonte inesgotável para se estudar física
e obter resultados surpreendentes. Um indício disto é facilmente obtido contando-se quantos Prêmio
Nobel já foram atribuidos a pessoas que dedicaram-se a estudar as propriedades do átomo de hidrogênio
(veja o livre de Rigden). Faça uma lista e descubra quando e a quem foi atribuido o mais recente Nobel
na área de física atômica e molecular.

Leituras recomendadas
Christopher J. Foot, Atomic Physics, (Oxford University Press, Oxford, 2008).
Na parte final, este livro contém excelente material explicando Doppler-free laser spectrocopy, Laser
cooling and trapping, magnetic trapping and Bose-Einstein condensation, atom interferometry, ion traps,
e quantum computing. Existe na internet, para baixar.
H. Friedrich, Theoretische Atomphysik (Springer, Berlin, 1990).
W. Demtröder, Atoms, Molecules and Photons, § 3.4
H. Haken and H.C. Wolf, The Physics of Atoms and Quanta, capítulo 8,
A. Beiser, Concepts of Modern Physics, capítulo 4.
R. Eisberg and R. Resnick, Quantum Physics, capítulo 4.
V. Kondratyev, The Structure of Atoms and Molecules, (MIR, Moscou, 1967), caps. 3 e 4.
Veja ainda a Internet; localize os websites dos principais grupos trabalhando no assunto ...

1
G.W. Series, editor, The Spectrum of Atomic Hydrogen, Advances, (World Scientific, Singapore, 1988).
2
J. Rigden, Hydrogen, the Essential Element, (Harvard University Press, Harvard, 2002).

FIS 01213 Física Atômica e Molecular – IF-UFRGS, 6 de Março de 2012, às 8:18 2/11
(1 Generalidades sobre átomos)

1 Generalidades sobre átomos


O objetivo deste capítulo é rever algumas idéias e fatos gerais, a título de recapitulação sucinta de
coisas conhecidas (pré-requisitos).

1.1 A importância da física atômica


Física Atômica é a disciplina que tem por objetivo descrever e estudar a constituição interna elementar
dos átomos, isto é, das partículas que os gregos antigos acreditavam compor toda matéria. Esta disciplina
tem longa história e contínua a ser um tópico atual e fascinante da física pois, apesar dos imensos avanços,
não estamos nem perto de ter uma teoria “final” sobre a composição elementar básica das partículas
constituintes da matéria. A física atômica deu origem à Mecânica Quântica e, desde sempre, constitui-se
num dos seus principais campos de teste, sendo, portanto, uma área de pesquisas e contribuições originais
tanto teóricas quanto tecnológicas. Muitos ramos da ciência dependem fortemente dos conhecimentos
da física atômica. Por exemplo:
• Física: Astrofísica, física de plasmas, física atmosférica, física do estado sólido, físico-química,
física das radiações, etc.
• Outras ciências: Química (análise, taxas de reação), biologia (estrutura molecular, fisiologia),
ciência dos materiais, pesquisas em energia, estudos da fusão nuclear, etc.
• Aplicações: Lasers, tecnologia de raios-X, ressonância nuclear magnética (NMR), detecção de
poluição, aplicações médicas (bisturis lasers, tomógrafos, NMR, etc), etc.

1.2 Espectroscopia atômica

Figura 1: Transições de absorção (esquerda) e emissão (direita) de um


fóton com energia hν.

A maior parte do conhecimento sobre átomos é adquirido estudando-se o modo como a luz inter-
age com a matéria, em particular medindo-se o espectro atômico. Assim, a óptica sempre teve um papel
fundamental no desenvolvimento da física atômica. A precisão extrema com que as linhas do espectro
óptico podem ser medidas faz com que a física atômica seja um dos ramos onde se consegue maior
precisão nas medidas. Por exemplo, como veremos em mais e mais detalhes ao longo do curso, as fre-
qüências das linhas espectrais do átomo de hidrogênio foram medidas com uma precisão extremamente
elevada, permitindo testar fenômenos pequenos porém importantes, que não são usualmente observados.
A base da espectroscopia atômica é a medida da energia do fóton absorvido ou emitido quando
um elétron “pula” de um nível quântico para outro, como mostrado na Fig. 1. Tais pulos constituem as
chamadas transições radiativas. A frequencia ν do fóton (e, portanto, seu comprimento de onda, λ) é
determinado pela diferença de energia dos dois níveis envolvidos na transição, de acordo com a fórmula
familiar:
hc
hν = = E2 − E1 , (1)
λ
onde E1 e E2 representam as energias dos estados inferior e superior do átomo, respectivamente.
Espectroscopistas medem o comprimento de onda do fóton e, assim, podem deduzir as diferenças
de energia. As energias absolutas são determinadas fixando-se o valor para um dos níveis (normalmente
o estado fundamental) através de outros métodos, por exemplo, medindo-se um potencial de ionização.

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1.3 Unidades de energia (1 Generalidades sobre átomos)

1.3 Unidades de energia


Energias atômicas são usualmente medidas em elétron-volts (eV), pois nesta escala as energias são
tipicamente da ordem uns poucos eV. A energia correspondente a 1 eV é a energia adquirida por um
elétron quando acelerado por uma diferença de potencial de 1 Volt. Portanto, 1 eV = 1.6 × 10−19 J.
Energias atômicas são também frequentemente expressas em números de onda (cm−1 ). O número
de onda ν̄ de um fóton com energia E é o recíproco do comprimento de onda, medido em cm−1 . Tal
número de onda é definido da seguinte maneira:
1 ν E
ν̄ = = = . (2)
λ (em cm) c hc
Note que nesta fórmula o comprimento de onda λ é medido em cm. Portanto, 1 eV = (e/hc) cm−1 =
8066 cm−1 . Compare estas unidades de energia olhando o espectro mostrado na Fig. 4 mais adiante (na
página 9).
Números de onda são particularmente convenientes para medidas em espectroscopia atômica. Isto
porque eles permitem prescindir-se da introdução de constantes fundamentais no cálculo do compri-
mento de onda. Portanto, o comprimento de onda da radiação emitida numa transição entre dois níveis é
simplesmente dado por:
1
= ν̄2 − ν̄1 , (3)
λ
onde ν̄1 e ν̄2 são as energias dos níveis 1 e 2 em cm−1 , e λ é medido em cm.

Figura 2: Hierarquia das linhas espectrais atômicas observadas com


resolução espectral crescente, de cima para baixo.

1.4 Escalas típicas de energia em átomos


Em física atômica é tradição ordenar-se as interações que ocorrem dentro do átomo numa hierarquia
de três classes (níveis), de acordo com o esquema ilustrado esquematicamente na Fig. 2 e resumido na
Tabela 1. As três classes emergem naturalmente e são determinadas pelos detalhes novos que vão apare-
cendo a medida que se aumenta a resolução com que as linhas espectrais são observas no laboratório.
Em ordem crescente de resolução, as estruturas observadas são as seguintes.

1.41 Estrutura grossa


O primeiro nível da hierarquia é chamada de estrutura grossa, e resulta das interações mais intensas
envolvendo elétrons no átomo, a saber:
• a energia cinética dos elétrons e suas órbitas em torno do núcleo
• o potencial eletrostático atrativo entre núcleo e elétrons
• o potencial eletrostático repulsivo entre os diferentes elétrons num átomo multieletrônico.
A grandeza destas interações dá origem a energias que caem na faixa entre 1 e 10 eV, e um
pouco mais para cima. Elas determinam portanto se um fóton emitido cai nas regiões espectrais do
infravermelho, visível, ultravioleta ou raios-X e, mais especificamente, se fóton é violeta, azul, verde,
amarelo, laranja ou vermelho, no caso de transições no visível.

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1.4 Escalas típicas de energia em átomos (1 Generalidades sobre átomos)

Escala de energia Energia (eV) Energia (cm−1 ) Efeitos contribuintes

Estrutura grossa 1 – 10 104 – 105 atração elétron núcleo


repulsão elétron-elétron
energia cinética do elétron

Estrutura fina 0.001 – 0.01 10 – 100 interação spin-órbita


correções relativísticas

Estrutura hiperfina 10−6 – 10−5 0.01 – 0.1 interações nucleares

Tabela 1: Escalas aproximadas de energia para as diferentes interações que ocorrem dentro dum átomo.

1.42 Estrutura fina


Uma inspeção mais de perto das linhas espectrais dos átomos revela que seguidamente elas aparecem
como multipletos, i.e. como um feixe de linhas, muito perto umas das outras. Por exemplo, a forte linha
amarela do sódio que é usada nas lâmpadas de rua é na verdade um dublete: existem duas linhas com
comprimentos de onda muito perto um do outro: 589.0 nm e 589.6 nm. Tal fato nos diz que existem
interações menos intensas acontecendo no átomo, além dos efeitos de estrutura grossa. As interações da
estrutura grossa determinam que a linha de emissão seja amarela, mas efeitos de estrutura fina provocam
um desdobramento das linhas num dublete. No caso da linha amarela do sódio, o desdobramento de
energia devido à estrutura fina é 2.1 × 10−3 eV ou 17 cm−1 .
A estrutura fina origina-se da interação spin-órbita, um efeito relativístico. Em certos aspectos,
elétrons em órbita em torno do núcleo são equivalentes a pequenos “circuitos de corrente”, que dão
origem ao magnetismo atômico. A magnitude do momento de dipolo magnético do elétron é tipica-
mente da ordem do magneton de Bohr
e~
µB = = 9.27 × 10−24 J/T. (4)
2me
Os dipolos atômicos geram fortes campos magnéticos dentro do átomo, e o spin do elétron pode então
interagir com este campo interno. Tal interação produz pequenos deslocamentos na energia, que pode
ser determinada medindo-se a estrutura fina no espectro. Deste modo podemos aprender sobre a maneira
como o spin e o movimento orbital do átom acoplam-se um com o outro. Em teorias mais avançadas
do átomo (por exemplo, na teoria de Dirac), torna-se claro que a interação spin-órbita é na verdade um
efeito relativístico.

1.43 Estrutura hiperfina


Uma inspeção ainda mais de perto das linhas espectrais, com um espectrômetro de resolução muito alta,
revela que as linhas de estrutura fina são elas próprias compostas de mais multipletos. As interações que
causam estes multipletos são chamadas de interações hiperfinas.
As interações hiperfinas são causadas pelas interações entre os elétrons e o núcleo. O núcleo
tem um pequeno momento de dipolo magnético de magnitude ∼ µB /2000, devido ao spin nuclear. Tal
spin pode interagir com o campo magnético devido ao movimento orbital do elétron, de modo análogo

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1.5 Efeitos de Campos externos (1 Generalidades sobre átomos)

ao acoplamento spin-órbita. Esta interação dá origem a deslocamentos das energias atômicas para o
vermelho (red shifts), da ordem de 2000 vezes menor que os deslocamentos devidos à estrutura fina. A
bem-conhecida linha de 21 cm da radio astronomia é causada por transições entre os níveis hiperfinos do
hidrogênio atômico. A energia fotônica neste caso é 6 × 10−6 eV, ou 0.05 cm−1 .

1.5 Efeitos de Campos externos


Informação adicional sobre o funcionamento interno dos átomos pode ser obtida estudando-se os efeitos
de campos magnéticos e elétricos externos (Veja a Tabela 2). Estes efeitos serão considerados mais
adiante neste curso.
O desdobramento das linhas espectrais atômicas é chamado de efeito Zeeman quando um campo
magnético fraco é aplicado ao átomo. Quando a intensidade é muito grande, um tipo diferente de efeito
é observado chamado efeito Paschen-Back. Entretanto, para a maioria dos átomos, a intensidade do
campo necessário para observar a transição do efeito Zeeman para o efeito Paschen-Back está fora do
alcance dos ímãs de laboratório, de modo que somente o efeito Zeeman é comumentemente observado.
“Muito grande” refere-se aos campos normalmente encontrados em Laboratórios não especializados.
Hoje em dia, tal denominação costuma ser reservada para tratar o efeito Zeeman quadrático, cujo
Hamiltoniano é não-separável em três equações diferenciais unidimensionais. Estudaremos isto mais
adiante, noutro capítulo.
No caso dos campos elétricos, os limites de campo fraco e forte não são normalmente distinguidos,
sendo ambos fenômenos chamados de efeito Stark, que foi quem primeiro a estudar o efeito de campos
elétricos em linhas atômicas espectrais, ao medir o desdobramento das linhas de Balmer do hidrogênio
num campo elétrico, em 1913, estudo que lhe valeu o prêmio Nobel.

Campo aplicado Intensidade do campo Nome do efeito

Magnético fraca Zeeman


forte (em 1920) Paschen-Back
muito forte (em 1980) Zeeman quadrático

Elétrico todas Stark

Tabela 2: Nomes e intensidades relativas dos efeitos devidos a campos externos aplicados em átomos.

1.6 Modelo de Bohr


Em 1911 Rutherford descobriu que o átomo não era um “pudim de passas” mas que continha um núcleo e
uma coroa eletrônica. Tal descoberta conduziu à idéia de que os átomos consistiam de elétrons movendo-
se em órbitas clássicas, nos quais as forças centrais eram atrações Coulombiana dirigidas ao núcleo de
carga positiva, conforme o esquema mostrado na Fig. 3. O problema desta idéia é que elétrons andando
em órbitas sofrem continuamente uma aceleração. E cargas aceleradas emitem radiação, radiação de
frenamento (Bremsstrahlung, em alemão), e, portanto, em tal modelo de átomo os elétrons deveriam
estar emitindo radiação constantemente. Tal radiação iria então reduzindo a energia inicial dos elétrons,
de modo a faze-los espiralar em direção ao núcleo, analogamente ao que ocorre com um satélite artificial
velho orbitando a terra, que perde energia e acaba por cair nela.

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1.6 Modelo de Bohr (1 Generalidades sobre átomos)

Figura 3: O modelo de Bohr do átomo considera os áto-


mos como estando numa órbita em torno do núcleo. A
força central é a atração Coulombiana. O momento angu-
lar do elétron é quantizado em múltiplos inteiros de ~ [não
p
em termos the `(` + 1)~ como é o correto].

O enigma da estabilidade dos elétrons orbitais foi resolvido em 1913 por Bohr, através de um
novo modelo atômico. Os elementos-chave introduzidos por ele para explicar a estabilidade atômica
observada eram os seguintes:
• O momentum angular L do elétron é quantizado em unidades de ~ (~ = h/2π):

L = n ~, (5)

onde n é um número inteiro. Aqui, h é a constante que havia sido introduzida por Planck em 1899
como uma “hipótese puramente formal” no tratamento da radiação do corpo negro.
• As órbitas atômicas são estáveis, e radiação (luz) é emitida ou absorvida apenas quando o elétron
“pula” duma órbita para outra.
Quando Bohr fez estas hipóteses em 1913, não havia justificativa para elas, a não ser o fato que
elas eram espetacularmente bem sucedidas ao predizer os níveis de energia do átomo de hidrogênio. Em
retrospecto, com os conhecimento da Mecânica Quântica, sabemos agora porque as hipóteses funcionam.
A primeira hipótese corresponde a afirmar que a órbita deve conter um número fixo de compri-
mentos de onda de de Broglie. Para uma órbita circular, isto pode ser escrito como:

h h
2π r = inteiro × λdeBroglie = n × =n× , (6)
p me v
que pode ser rearranjada de modo a fornecer

h
L ≡ me vr = n × . (7)

A segunda hipótese é uma conseqüência do fato que a equação de Schrödinger conduz a soluções inde-
pendentes do tempo (estados próprios).
Na teoria de Bohr, a derivação dos níveis de energia quantizados é feita do seguinte modo. Con-
sidere um elétron de massa me e carga −e orbitando um núcleo de massa mN e carga +Ze. A força
central centrípeta que mantém a estabilidade do sistema numa órbita circular é a força Coulombiana:

mv 2 Ze2
F = = , (8)
r 4π0 r2
onde, como é usual para sistemas de dois corpos, a massa m que entra nesta expressão é a massa
reduzida do átomo, definida como sendo a média harmônica das duas massas:
1 1 1
= + . (9)
m me mN

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1.6 Modelo de Bohr (1 Generalidades sobre átomos)

As Eqs. (7) e (8) permitem mostrar facilmente que tanto o raio do átomo quanto a velocidade
orbital são grandezas quantizadas:

n2 me Z
rn = a0 e vn = α c, (10)
Z m n
nas quais as duas constante fundamentais que aparecem são

0 h2
o raio de Bohr : a0 ≡ , (11)
πme e2
e2
e a constante de estrutura fina : α≡ . (12)
20 hc

As expressões acima implicam ainda que a energia é quantizada. Isto pode ser visto facilmente
considerando-se a energia total que, como sempre, é dada pela soma das energias cinética e potencial:

Ze2  Ze2 2 mZ 2 e4
En = 21 mv 2 − = 12 mv 2 − mv 2 = − 12 m = − 2 2 2. (13)
4π0 r 20 hn 80 h n
Esta expressão pode ser escrita mais condensadamente na forma:
R0
En = − (14)
n2
onde R0 é a constante de Rydberg efetiva para o sistema dada por
m 
R0 = Z 2 R∞ (15)
me
e R∞ é a energia de Rydberg:
me e4
R∞ = . (16)
820 h2
A energia de Rydberg é uma constante fundamental e tem um valor de 2.18 × 10−18 J, equivalente a 13.6
eV ou, ainda, a 109 737 cm−1 . Isto mostra que a energia “grossa” dos estados atômicos no hidrogênio é
da ordem de 1 − 10 eV, ou 104 − 105 cm−1 em números de onda. Note que, modernamente, não se fala
mais em “constante de Rydberg”, mas sim em “energia de Rydberg”.
Para o átomo de hidrogênio a massa reduzida vale
mp
m = me × = 0.9995 me , (17)
me + mp
onde mp é a massa do próton no núcleo, o que fornece para a constante efetiva de Rydberg do hidrogênio
o valor
RH = 0.9995 R∞ . (18)
A espectroscopia atômica é muito precisa: fatores numa faixa de 0.05% do valor acima podem ser facil-
mente medidos. Para outros sistemas de duas partículas, tais como o positrônio, (um elétron orbitando
em torno de um pósitron), o efeito da massa reduzida é bem maior, pois neste caso m = me /2. Como
sempre, se em vez de estar no vácuo o átomo estiver num meio com constante dielétrica m (como, por
exemplo, num sólido cristalino), basta trocarmos 0 por m 0 nas fórmulas acima para que elas continuem
válidas.
As constantes fundamentais que aparecem no modelo de Bohr estão relacionadas entre si do
seguinte modo
~ 1 ~2 1
a0 = e R∞ = , (19)
me c α 2me a20

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1.6 Modelo de Bohr (1 Generalidades sobre átomos)

Quantidade Símbolo Definição Valor numérico

2.18 × 10−18 J
Energia de Rydberg R∞ me e4 13.6 eV
820 h2
109 737 cm−1

Raio de Bohr a0 0 h2 5.29 × 10−11 m


πme e2

Constante de estrutura fina α e2 1/137.036


20 hc

Tabela 3: Constantes fundamentais que aparecem no modelo de Bohr do átomo de hidrogênio.

Figura 4: Os níveis de energia


do átomo de hidrogênio em eV e
cm−1 . Transições das camadas n2 =
2, 3, 4, · · · para a camada n1 = 1 for-
mando a série de Lyman de linhas es-
pectrais. As séries de linhas formadas
por transições para outras camadas são:
Balmer (n1 = 2), Paschen (n1 = 3),
Brackett (n1 = 4) e Pfund (n1 =
5) (as duas últimas não marcadas na
figura). Conforme a fórmula de Ry-
dberg, Eq. (20), dentro de cada série
as linhas são anotadas por letras gre-
gas, por exemplo, Lα entre n2 = 2 e
n1 = 1, Hβ entre n2 = 4 e n1 = 2,
etc.

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1.7 Sobre a necessidade de termos uma Mecânica Quântica (1 Generalidades sobre átomos)

onde ~ ≡ h/(2π). As definições e valores destas quantidades estão dadas na Tabela 3.


As energias dos fótons emitidos na transição entre os níveis quantizados do hidrogênio podem ser
deduzidas da Eq. (14):
 
1 1
hν = RH n21
− n22
, (fórmula de Rydberg, 1880) (20)

onde n1 e n2 são os números quânticos dos dois estados envolvidos. Na absorção, partimos do estado
fundamental, para o qual n1 = 1. Na emissão, podemos ter qualquer combinação que envolva n1 < n2 .
Algumas das séries de linhas espectrais tem nomes especiais, homenageando as pessoas que as descobri-
ram e estudaram por primeiro. As linhas de emissão terminando em n1 = 1 são ditas pertencerem à série
de Lyman (1914), todas linhas no ultravioleta. As linhas que terminam em n1 = 2 pertencem à série
de Balmer (1885), quatro delas no visível, n1 = 3 à série de Paschen (1908), toda ela no infravermelho,
n1 = 4 à série de Brackett (1922), n1 = 5 à série de Pfund (1924). n1 = 6 à série de Humphreys (1953).
As demais não tem nome. Algumas destas séries estão representadas na Fig. 4.

1.7 Sobre a necessidade de termos uma Mecânica Quântica


Cálculos simples mostram-nos de que modo o modelo de Bohr não é completamente consistente com a
teoria a qual deu origem, a Mecânica Quântica. Por exemplo, no modelo de Bohr o momentum linear do
elétron é dado por:
 αZ  n~
p = mv = = . (21)
n rn
Entretanto, sabemos duma das relações de incerteza de Heisenberg que ao valor exato do momentum
está associada uma incerteza. Se a incerteza na posição do elétron for da ordem do raio rn da órbita,
teremos:
~ ~
∆p ∼ ∼ . (22)
∆x rn
Comparando-se as Eqs. (21) e (22) vemos que

|p| ∼ n∆p. (23)

Isto nos mostra que a magnitude de p é indefinida, exceto quando n for grande.

Figura 5: O experimento de Stern-Gerlach (1922), que levou à descoberta


do spin. Um feixe de átomos com L = 0 (i.e. com momentum angular
orbital zero e, portanto, com zero momento de dipolo magnético) é de-
fletido de dois modos discretos ao passar através dum campo magnético
não-uniforme. A força nos átomos origina-se da interação entre o campo e
o momento magnético intrínseco devido ao spin do elétron.

Esta discrepância entre os dois modelos, Bohr e quântico, não é surpreendente pois o modelo de
Bohr é uma mistura de idéias clássicas e quânticas e, portanto, é de se esperar que seja auto consistente a
medida que nos aproximarmos do limite clássico (i.e. para valores grandes de n). Para valores pequenos
de n, o modelo de Bohr falha quando levamos em conta a natureza quântica do elétron.

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1.8 O spin (1 Generalidades sobre átomos)

1.8 O spin
O spin do elétron e suas conseqüências serão discutidas mais adiante no Curso. Neste ponto, desejamos
apenas rever uns fatos básicos.
O spin é uma propriedade puramente quântica, que não possui equivalente clássico. O experimento
de Stern-Gerlach (1922), repreentado esquematicamente na Fig. 5, mostrou que átomos sem nenhum
momentum angular orbital possuiam um momentum angular3 , de origem então desconhecida. Por falta
de um nome melhor, este momentum angular foi chamado de “spin”. Paul Dirac conseguiu demonstrar a
existência do spin ao introduzir em 1928 a equação relativística, que hoje leva o seu nome, para descrever
a situação toda.
O fato de existirem duas componentes no experimento de Stern-Gerlach levou à conclusão de que
a componente z do spin pode assumir apenas dois valores. Portanto, atribuimos dois números quânticos
de spin ao elétron, a saber s e ms , onde s = 1/2 e ms = ±1/2. A magnitude do momentum angular de
spin é dada por p
S = s(s + 1) ~ (24)
e a componente do spin ao longo do eixo z é dada por

Sz = ms ~. (25)

O fato do elétron possuir um valor de spin semi-inteiro torna-o o que se chama de férmion. Férmions
obedecem o princípio de exclusão de Pauli. Partículas com valores inteiros de spin (por exemplo,
partículas α) não obedecem o princípio de exclusão de Pauli. Tal princípio diz que apenas um elétron
pode ocupar um estado quântico qualquer (i.e. cada estado pode no máximo conter apenas um elétron).
Este fato tem conseqüências importantes para explicar a organização descoberta empiricamente para a
Tabela Periódica dos Elementos, como veremos mais adiante.

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pL é igual a n~ e, como n ≥ 1, L não pode ser zero. Entretanto, sabemos
No modelo de Bohr, o momentum angular orbital
da Mecânica Quântica, o valor de L é na verdade `(` + 1) ~, onde ` é o número quântico orbital. Como ` pode assumir
valores 0 ≤ ` ≤ (n − 1), alguns átomos podem de fato ter L = 0. O momento de dipolo magnético dum átomo é diretamente
proporcional ao seu momentum angular. Assim sendo, um átomo com L = 0 não deveria ser defletido ao passar através dum
campo magnético não-uniforme, e não seria possível entender o experimento se não atribuissemos um efeito novo de spin
intrínseco ao elétron.

FIS 01213 Física Atômica e Molecular – IF-UFRGS, 6 de Março de 2012, às 8:18 11/11

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