Essência Sobre A Forma - Falso Dilema

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 12

CONTROVÉRSIAS JURÍDICO-CONTÁBEIS – 4º volume

ESSÊNCIA SOBRE A FORMA: FALSO DILEMA

Edison Carlos Fernandes, advogado, doutor em Direito das Relações


Econômicas Internacionais pela PUC/SP, professor do Instituto Internacional
de Ciências Sociais – IICS e da Fundação Getúlio Vargas – FGV (Direito GV),
titular da Cadeira n° 29 da Academia Paulista de Letras Jurídicas – APLJ.

Introdução

“Se as informações tiverem que representar fielmente as transações e


outros eventos que pretendem representar é necessário que sejam contabilizadas
e apresentadas de acordo com sua essência e realidade econômica e não
simplesmente sua forma legal. A essência das transações ou outros eventos nem
sempre é consistente com o que aparenta com base na sua forma legal ou
planejada.”1 Dessa forma era definida a característica qualitativa da essência
sobre a forma no item 35 da Estrutura Conceitual para Elaboração e
Apresentação de Demonstrações Financeiras. Praticamente esse mesmo texto
fora reproduzido no item 35 do Pronunciamento Conceitual Básico – Estrutura
Conceitual para a Elaboração e Apresentação das Demonstrações Contábeis do
Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC2.

A referência expressa à essência sobre a forma foi retirada dos textos


normativos, não porque ela deixou de ser aplicada, mas muito ao contrário. No
prefácio da Revisão 1 Pronunciamento Conceitual Básico – Estrutura Conceitual
para a Elaboração e Apresentação das Demonstrações Contábeis do Comitê de
Pronunciamentos Contábeis – CPC (atual texto), assim é explicada a mudança:

1
International Accounting Standards Committee Foundation. Normas Internacionais de Relatório
Financeiro (IFRSs). Volume 1. Tradução do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil –
IBRACON, 2008.
2
Esse pronunciamento não tinha número, sendo identificado como CPC 00.
Direito contábil (fundamentos, conceito, fontes e relação com outros “ramos” do direito) Edison Carlos Fernandes

“A característica essência sobre a forma foi formalmente retirada da condição


de componente separado da representação fidedigna, por ser considerado isso
uma redundância. A representação pela forma legal que difira da substância
econômica não pode resultar em representação fidedigna, conforme citam as
Bases para Conclusões. Assim, essência sobre a forma continua, na realidade,
bandeira insubstituível nas normas do IASB.”

Como se vê, a essência sobre a forma é pilar nas normas contábeis, não
tendo necessidade, sequer, de ser explicitada. Trata-se de um princípio inerente a
todo e qualquer mandamento, diretriz ou orientação na seara da escrituração
contábil, não podendo ser afastada. Em posição contrária a tradição jurídica
brasileira, nesse caso específico, a supressão da referência expressa à essência
sobre a forma significa conferir a essa característica uma status mais elevado, de
fundamento de toda a contabilidade.

Ocorre que, uma análise mais detalhada da essência sobre a forma, no âmbito de
um viés juridicamente privilegiado, denuncia que o aparente conflito entre contabilidade
e direito é um falso dilema. Em outras palavras, não se sustenta a necessidade de
sobreposição da essência econômica (contábil) à forma jurídica. Como se pretende
demonstrar no presente texto, tanto a contabilidade quanto à formatação jurídica partem
(ou deveriam partir) da mesma realidade econômica.

1. Advertência

Já de saída, é imperioso advertir que a discussão sobre a essência sobre a


forma em nada, absolutamente nada, autoriza a utilização da chamada
interpretação econômica para fins de incidência tributária. As normas jurídico-
contábeis adotarem a essência sobre a forma como pilar, como princípio, como
fundamento intrínseco e indispensável, não faz coro aos argumentos, por
exemplo, de Amílcar de Araújo Falcão quando afirma:

“Em Direito Tributário, autoriza-se o intérprete, quando o contribuinte comete


um abuso de forma jurídica (“Missbrauch von Formen und

2
Direito contábil (fundamentos, conceito, fontes e relação com outros “ramos” do direito) Edison Carlos Fernandes

Gestaltungsmöglichkeiten des bürgerlichen Rechts”), a desenvolver


considerações econômicas para a interpretação da lei tributária e o
enquadramento do caso concreto em face do comando resultante não só da
literalidade do texto legislativo, mas também do seu espírito da mens ou ratio
legis.
Para que tal aconteça, é necessário que haja uma atipicidade da forma
jurídica adotada em relação ao fim, ao intento prático visado.
Vejamos. No mundo das relações econômicas, a cada intenção empírica,
ou intentio facti, corresponde uma intenção jurídica, ou intentio juris adequada,
que se exterioriza através de uma forma jurídica típica. Imagine-se que, para
levar a cabo essa mesma intentio facti, o contribuinte adote uma forma jurídica
completamente anormal ou atípica, embora não proibida pelo Direito Privado,
com o único objetivo de, através da manipulação da intentio juris, obter o não
pagamento, o menor pagamento ou o pagamento diferido no tempo de um
tributo (Steuervorteil, vantagem fiscal), isto é, adotou-se uma forma
economicamente inadequada com o único objetivo de provocar a evasão do
tributo (Steuerumgehung).”3

A essência sobre a forma, na contabilidade, não serve para desconsiderar


negócio jurídico para efeito tributário. Além disso, utilizando as palavras do
próprio Falcão, a intentio facti pode ser concretizada por diversas formas jurídicas,
dependendo dos riscos e das garantias que os contratantes pretendem assumir, em
consonância com a intentio juris. E é exatamente essa possibilidade variada de
concretização jurídica da realidade econômica que confirma a falsidade do dilema entre
essência e forma.

2. Contabilidade e forma jurídica seguem a relação econômica

Se a contabilidade segue a relação econômica (accountig follows economis), o


mesmo acontece com o direito, na determinação da roupagem jurídica a ser atribuída ao
negócio. Como tive a oportunidade de escrever4, o que se tem, em verdade, é que a
atividade econômica determina a caracterização jurídica e a escrituração contábil;

3
FALCÃO, Amílcar de Araújo. Fato gerado da obrigação tributária. 5ª edição. Rio de Janeiro: Forense,
1994, p. 32-33.
4
FERNANDES, Edison Carlos. Direito contábil. São Paulo: Dialética, 2013, p. 12-13.

3
Direito contábil (fundamentos, conceito, fontes e relação com outros “ramos” do direito) Edison Carlos Fernandes

porém, esta última também depende do crivo daquela caracterização jurídica.


Graficamente, essa afirmação pode ser assim demonstrada:

ATIVIDADE
ECONÔMICA

Relação jurídica Escrituração contábil

Consoante o ensinamento de Erymá Carneiro, as situações econômicas


objetivamente criadas pelas demonstrações financeiras, ou nelas refletidas e
sintetizadas, representam situações jurídicas subjetivas com referências aos resultados e
situações por ele apresentados5. Abrindo mão de um exemplo hipotético, o fluxo de
decisões (econômicas, jurídicas e contábeis) obedece, resumidamente, às seguintes
etapas:

1º. Define-se a atividade econômica a ser desenvolvida: fornecimento de veículo a


outrem.

2º. Estabelecem-se os benefícios e os riscos (responsabilidades) entre os atores


dessa atividade econômica, por meio de contrato formalizado ou não, se a lei
assim permitir: fornecedor entrega a propriedade do bem ao adquirente, que,
mediante o pagamento de um valor único, assume todos os benefícios
(utilização e frutos) e todos os riscos (combustível, seguro, obsolescência,
quebra, furto etc.) inerentes.

3º. Caracteriza-se a relação jurídica, com base em modelos expressa e


especificamente descritos na lei (positiva) ou não: considerada a atribuição das
responsabilidades, há o enquadramento no artigo 481 do Código Civil, que
disciplina a compra e venda.

5
CARNEIRO, Erymá. Aspectos jurídicos do balance. Rio de Janeiro: Gráfica Editôra Aurora, 1953, p.
205.

4
Direito contábil (fundamentos, conceito, fontes e relação com outros “ramos” do direito) Edison Carlos Fernandes

4º. Processa-se a escrituração contábil: reconhecimento de receita contra a entrada


de caixa (à vista) ou de crédito (a prazo) e reconhecimento do custo contra a
saída do bem desde o estoque.

Note-se que a alteração das responsabilidades dos atores da atividade econômica


implicaria a correspondente alteração do registro contábil. No caso de não ser
transferida a propriedade do bem, mas, tão somente, a sua detenção, mediante o
pagamento mensal, durante um período de tempo, ao invés do pagamento de um valor
único, a atividade econômica deixará de ser caracterizada como compra e venda para
ser reconhecida como aluguel. Da mesma forma, o registro contábil será diferente, não
se processando, por exemplo, a saída do bem dentre os ativos do fornecedor.

O que acontece, então, é que os riscos e os benefícios econômicos são


apropriados pela escrituração contábil, devendo ser adequadamente informados. Por
outro lado, esses mesmos riscos e benefícios são garantidos por critérios jurídicos, e
como tal descritos no instrumento de negociação (normalmente, um contrato). São,
portanto, disciplinas distintas, conquanto intimamente relacionadas.

3. Primazia da essência sobre a forma: falso dilema

A expressão essência sobre a forma estabelece uma relação de primazia, de


superioridade da primeira para com a segunda. De acordo com o Dicionário Houaiss,
sobre é uma preposição que “relaciona por subordinação (vocábulos, termos etc.) e
assinala de modo geral situação de superioridade em relação”6. Muito embora a
essência sobre a forma seja o espírito (o sopro) da elaboração das demonstrações
financeiras, não existe e não deve existir essa relação de subordinação, mas é, antes,
uma relação de coordenação7.

Ensinam Eliseu Martins e Alexsandro Broedel Lopes, em texto anterior à Lei n°


11.638, de 2007, e, portanto, de maneira prévia (e profética) com relação à adoção dos
International Financial Standards Reporting – IFRS como margo regulatório contábil

6
http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=sobre.
7
“Ato de conjugar, concatenar um conjunto de elementos, de atividades etc.”
(http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=coordenacao).

5
Direito contábil (fundamentos, conceito, fontes e relação com outros “ramos” do direito) Edison Carlos Fernandes

brasileiro (direito contábil) que o processo contábil é afetado em suas três etapas
(reconhecimento, mensuração e divulgação) pelo direito8:

“Inicialmente, o reconhecimento é influenciado pelo contraste entre a visão


econômica e jurídica da contabilidade. Em países de direito romano existe a
tendência de, por exemplo, somente ser permitido o reconhecimento de um
ativo quando a entidade tiver o controle legal sobre este. Nos países de direito
consuetudinário, a tradição está mais ligada à essência econômica da relação da
empresa com o ativo do que sua formalização legal. O leasing financeiro
fornece um bom exemplo dessa discussão. (...) A decisão de classificar o bem
arrendado como ativo no balanço da arrendatária reflete o predomínio da visão
econômica sobre a jurídica. É o predomínio da essência econômica sobre a
forma. O contrário ocorre no Brasil.”9

Não há como negar a distinção entre os países de common law e os países de


civil law, porém, não concordo que a questão seja de predomínio de visão econômica
sobre a jurídica ou vice-versa. No Brasil, de tradição romana, muitos direitos e muitas
obrigações estão expressamente previstas e antecipadas pela lei positiva (escrita),
muitas vezes codificada; no entanto, isso não quer dizer que a disciplina legal, bem
como a sua razão (ratio legis) não possa ser alterada. Prova disso é que a redação do
artigo 179, IV da Lei n° 6.404, de 197610, foi alterada pela Lei n° 11.638, de 2007,
implicando o registro contábil do bem objeto de leasing financeiro como ativo
imobilizado.

Isso não quer significar que o leasing financeiro passou a ter tratamento idêntico
pela contabilidade e pelo direito. Permanece a distinção de responsabilidades
(econômica e jurídica). Mais uma vez, valho-me de um texto que já escrevi para
explicar essa distinção11: de maneira comparada, as responsabilidades envolvidas no

8
MARTINS, Eliseu e LOPES, Alexsandro Broedel. Teoria da contabilidade – uma nova abordagem. São
Paulo: Editora Atlas. 2005, p. 53.
9
MARTINS e LOPES, obra citada, p. 53.
10
“Art. 179. As contas serão classificadas do seguinte modo:
(...)
IV – no ativo imobilizado: os direitos que tenham por objeto bens corpóreos destinados à manutenção das
atividades da companhia ou da empresa ou exercidos com essa finalidade, inclusive os decorrentes de
operações que transfiram à companhia os benefícios, riscos e controle desses bens.”
11
FERNANDES, obra citada, p. 75.

6
Direito contábil (fundamentos, conceito, fontes e relação com outros “ramos” do direito) Edison Carlos Fernandes

caso do leasing poderiam ser assim apresentadas, de forma a demonstrar a distinção


entre essência econômica e forma jurídica:

7
Vendedor Comprador Arrendador Arrendatário
Responsabilidades • Transfere a propriedade do bem. • Assume a propriedade do • Manutenção da • Pode usufruir o bem.
jurídicas
• Não pode mais usufruir o bem. bem. propriedade, como forma de • Assume todos os riscos do
• Deixa de assumir qualquer tipo • Assume todos os riscos e garantia do pagamento. bem.
de risco, como manutenção, benefícios do bem. • Direito ao recebimento do • Não é titular da
obsolescência etc. • Compromete-se a pagar o preço, composto pela propriedade.
• Recebe o preço do bem, à vista preço, à vista ou a prazo. amortização do bem e pela • Deve pagar pela aquisição
ou a prazo. • No caso de pagamento a taxa de juros. do bem e pelo valor do
• No caso de recebimento a prazo, normalmente, deve • Não pode usufruir o bem. dinheiro no tempo (juros).
prazo, normalmente, não tem o somente o valor das parcelas, Não assume os riscos do
bem, como manutenção,
bem como garantia de pagamento. sem dar o bem em garantia. obsolescência etc.
Responsabilidades • Fonte de receita “instantânea”, • Ocorre, da mesma forma, a • Atividade que se • Fruição do bem é fonte de
econômico-contábeis
decorrente da troca de ativos: bem troca de ativos: dinheiro, no caracteriza como fonte de receita (benefício).
por dinheiro. presente ou no futuro receita, tanto de venda como • Registra o respectivo ativo,
• Registra a saída do bem do seu (assunção de dívida), pelo financeira (juros). pois assume todos os riscos
ativo, usualmente, estoque. bem adquirido. • Não registra o respectivo do bem.
• Registra o ingresso do bem ativo, pois não assume os • Apropria despesa
no seu ativo. riscos e benefícios. financeira (juros) e
depreciação.
Direito contábil (fundamentos, conceito, fontes e relação com outros “ramos” do direito) Edison Carlos Fernandes

E seguem os professores:

“A mensuração é igualmente afetada pelo sistema legal. A antiga discussão


sobre a melhor forma de mensurar o valor dos ativos e um exemplo claro dessa
influência. Podemos observar que, em linhas gerais, mais recentemente, países
de direito romano tendem a valorizar o conceito de custo histórico para certos
ativos, enquanto países influenciados pelo direito consuetudinário tendem a
preferir o conceito de fair value. Para eles, o custo histórico possui maior
objetividade do que o conceito de fair value, o que é verificado por intermédio
de documentos comprobatórios, enquanto o fair value passa, necessariamente,
por algum tipo de estimativa. Naturalmente, a visão mais objetiva do custo
histórico se adapta mais facilmente aos países que adotam o regime de direito
romano, enquanto o fair value está mais próximo das características do direito
consuetudinário. De forma geral, nos países de direito consuetudinário tende a
predominar a essência sobre a forma no registro das transações.” 12

Novamente, a questão não está relacionada ao predomínio da essência sobre a


forma, mas de opção legislativa. Há diversos exemplos no direito brasileiro de opção
por um tipo de fair value, sendo ele, portanto, possível, desde que a lei assim o eleja
expressamente, sem contar as alterações trazidas pela Lei n° 11.638, de 2007. Desses
exemplos citam-se os dois a seguir:

a) Necessidade de avaliação, por peritos, de bens vertidos para a pessoa jurídica


como integralização de capital social (artigo 8° da Lei n° 6.404, de 1976);
b) Possibilidade de retorno do capital social, com retirada de bens, pelo seu valor
de mercado (artigo 22 da Lei n° 9.249, de 1996).

O cerne da relação essência e forma é identificado por Martins e Lopes na


sequência do trecho anteriormente reproduzido, conforme se lê:

“Em países de direito romano, a contabilidade é, normalmente, regulada pelo


governo. Leis, normas e decretos tendem a ser a base normativa para a prática

12
MARTINS e LOPES, obra citada, p. 53-54.

9
Direito contábil (fundamentos, conceito, fontes e relação com outros “ramos” do direito) Edison Carlos Fernandes

da contabilidade. Nesses casos, as normas contábeis tendem a privilegiar o


aspecto regulatório.”13

Tem-se, então, uma conclusão inevitável: a distinção entre a regulamentação


contábil em países de common law e em países de civil law (como o Brasil), não se
assenta na primazia da essência sobre a forma, mas, sim, na fonte das normas jurídico-
contábeis. Por esse motivo, é possível identificar em países de tradição romana o
chamado Direito Contábil, como estudo autônomo, sendo batizado por nomes diversos,
tais como: Direito do Balanço (Portugal), Derecho Mercantil Contable (Espanha) e
Droit Comptable (França)14; a mesma “disciplina” é identificada como Law and
Accounting em países que adotam o direito consuetudinário15. Dessa forma, havendo
mudança legislativa, foi possível a adoção do valor justo (fair value) no marco
regulatório contábil brasileiro, como é exemplo o artigo 183, § 1° da Lei n° 6.404, de
1976, com a redação dada pela Lei n° 11.941, de 2009, que define o que deve ser
considerado valor justo.

Finalmente, com relação ao terceiro aspecto do processo contábil, continuam


Martins e Lopes:

“A evidenciação é igualmente afetada pelo direito. Em países como o Brasil, a


evidenciação tende a ser pobre porque existe o entendimento geral de que as
notas explicativas não fornecem informações constantes do ‘núcleo duro’ da
contabilidade. Não basta informar. A contabilidade tem que refletir a
propriedade dos recursos pela empresa para que se possa avaliar claramente o
impacto de suas ações nos outros agentes econômicos. Em países que adotam
tradição jurídica diferente, a evidenciação tem papel central no processo
contábil. A prevalência do aspecto jurídica sobre a essência econômica tende a
reduzir a evidenciação. Os mercado de capitais são mais desenvolvidos em
países que adotam o regime consuetudinário (La porta et al., 1999), forçando
um nível maior de evidenciação.”16

13
MARTINS e LOPES, obra citada, p. 54.
14
Conferir FERNANDES, obra citada, p. 7.
15
http://www2.lse.ac.uk/study/graduate/taughtProgrammes2013/MScLawAndAccounting.aspx.
16
MARTINS e LOPES, obra citada, p. 54.

10
Direito contábil (fundamentos, conceito, fontes e relação com outros “ramos” do direito) Edison Carlos Fernandes

Uma retrospectiva histórica, ao menos no Brasil, aponta a reordenação


diametralmente oposta da causa e efeito: evidentemente, o desenvolvimento do mercado
de capitais exige maior disclosure, que, todavia, não tem profunda relação com a
tradição jurídica. No mercado brasileiro, especificamente, não houve preocupação sobre
a evidenciação das operações econômicas na contabilidade enquanto os agentes eram
poucos e pouco exigentes. Com o amadurecimento e o crescimento do mercado de
capitais no Brasil, cada vez mais se passou a exigir melhor qualidade na divulgação das
informações financeiras, conduzindo a uma alteração legislativa – note-se, porém, que a
disciplina jurídica das notas explicativas foi prevista desde o texto original da Lei n°
6.404, de 1976.

Conclusão

Para concluir, reitero minha posição expressada anteriormente17 que a atividade

econômica conduz à definição da relação jurídica e da escrituração contábil. Portanto, a

essência econômica sustenta tanto a forma jurídica quando o registro nas demonstrações

financeiras. Desconsiderar determinado contrato para efeitos contábeis não pode ter por

justificativa o fato de sua forma não se identificar com a atividade econômica, porque o

contrato em si terá sido elaborado de maneira errônea (ou de má-fé).

Tanto o contrato quanto o registro contábil decorrem da atividade econômica; no

entanto, pode acontecer de o contrato visar à garantia de determinada relação, enquanto

a contabilidade, de outra relação, ainda que concernentes à mesma atividade econômica.

Por “relação”, entenda-se a atribuição de responsabilidades. A primazia da substância

econômica sobre a forma jurídica significa, de maneira resumida, a constatação de que,

em uma mesma e única atividade econômica, as responsabilidades jurídicas podem não

se identificar com as reponsabilidades econômico-contábeis.

17
FERNANDES, obra citada, p. 71-72 e 79.

11
Direito contábil (fundamentos, conceito, fontes e relação com outros “ramos” do direito) Edison Carlos Fernandes

Em outras palavras: a atividade econômica é uma só, única, determinando, por

uma parte, a sua formalização jurídica (por meio de documento escrito ou não) e, por

outra, o seu registro nas demonstrações financeiras. Acontece que o fim econômico

motivador da mencionada atividade pode ser alcançado por meio de variadas formas

juridicamente previstas na legislação (ou não vedada expressamente em lei). O que

importa na decisão pela forma jurídica é o grau de responsabilidade assumido por cada

parte contratante.

12

Você também pode gostar