Delatores No Tempo Ditadura Militar

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e-issn 2175-1803

Delatores e práticas de delação no limiar da


Ditadura Militar do Brasil

. Angelo Priori
Doutor em História e Sociedade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho (UNESP). Professor do Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Maringá, PR - BRASIL
lattes.cnpq.br/9430424742681196
angelopriori@uem.br
orcid.org/0000-0002-9155-5428

. Leandro Brunelo
Doutor em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Maringá, PR - BRASIL
lattes.cnpq.br/1444034355199758
lbrunelo@uem.br
orcid.org/0000-0001-5613-4591

Para citar este artigo:


PRIORI, Angelo; BRUNELO, Leandro. Delatores e práticas de delação no limiar
da Ditadura Militar do Brasil. Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 13, n. 32,
e0201, jan./abr. 2021.
http://dx.doi.org/10.5965/2175180313322021e0201

Recebido: 23/05/2020
Aprovado: 08/02/2021
Tempo & Argumento, Florianópolis, v. 13, n. 32, e0201, jan./abr. 2021
Delatores e práticas de delação no limiar da Ditadura Militar do Brasil
Angelo Priori, Leandro Brunelo

Delatores e práticas de delação no limiar da Ditadura Militar


do Brasil
Resumo
O objetivo deste trabalho é analisar a atuação dos delatores voluntários e dos
informantes colaboracionistas durante a Ditadura Militar no Brasil (1964-1985).
Para isso, utilizamos as cartas e os bilhetes enviadas por cidadãos comuns aos
órgãos de segurança e para a polícia política, delatando militantes políticos,
vizinhos, colegas de trabalho e amigos. A documentação analisada encontra-se
no Fundo DOPS, arquivada no Departamento Estadual de Arquivo Público do
Paraná (DEAP). Constatamos que a prática da delação era bastante comum
durante a Ditadura Militar e que os delatores tiveram papel importante,
contribuindo com os órgãos de segurança do regime militar, no processo de
vigilância e de controle social da população brasileira.

Palavras-chave: Ditadura Militar. Polícia Política. Delação. Cidadãos Comuns.

Whistleblowers and whistleblowing practices during the


Brazilian Military Dictatorship
Abstract
The activities of voluntary whistleblowers and collaborating informants during the
Military Dictatorship in Brazil (1964-1985) are investigated. Letters and memos
sent by several common people to security departments and political police
informing on political adversaries, neighbors, co-workers and friends are
analyzed. The documents under investigation have been retrieved from the DOPS
archives at the State Department of the Public Archives of the State of Paraná
(DEAP). Whistleblowing was a very common practice during the Military Regime
and informants had an important role conniving with the regime´s security organs
within the vigilance and social control process of the Brazilian population.

Keywords: Military Dictatorship. Political Police. Whistleblowing. Common


Citizens.

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1. Introdução
No filme “O que é isso companheiro?”, de Bruno Barreto (1997), inspirado
no livro homônimo de Fernando Gabeira (2009), existem duas cenas que passam
quase desapercebidas pelos espectadores preocupados com o enredo
cinematográfico. Para relembrar, o filme (uma mescla de ficção e realidade) foi
lançado nos EUA, com o título de Four days in september, e narra o sequestro
do embaixador americano Charles Burke Elbrick, ocorrido no mês de setembro
de 1969, na cidade do Rio de Janeiro, organizado pelo Movimento Revolucionário
8 de Outubro (MR-8) e pela Aliança Libertadora Nacional (ALN), duas organizações
da resistência armada contra a Ditadura Militar no Brasil. O filme foi sucesso de
bilheteria e chegou a concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro naquele
ano. No Brasil, o filme ganhou grande repercussão, proporcionando acalorado
debate tanto entre a crítica especializada quanto entre a intelectualidade e a
esquerda, sobretudo a que tinha sobrevivido à forte repressão da ditadura.1

A primeira cena a que nos referimos é estrelada pela personagem da atriz


Fernanda Montenegro – “Margarida” (a partir do minuto 30:14”). Da janela de seu
apartamento, a personagem observa a movimentação na rua Marques esquina
com a rua Capistrano de Abreu, bairro de Botafogo, cidade do Rio de Janeiro,
local onde os militantes do MR-8 e da ALN prepararam a emboscada para a
captura do embaixador. Desconfiada, Margarida telefona aos órgãos de segurança
e informa ao interlocutor: “meu senhor, há três homens e uma mulher em um
carro, aqui na esquina da rua Capistrano de Abreu com a rua Marques, em atitude
suspeita”. Perguntada o que ela entendia como “atitude suspeita”, Margarida
responde: “estão lá a quase meia hora, parece que estão esperando alguém e
estão muito nervosos”. Naquele momento, a polícia não deu créditos à
informação. Consumado o sequestro, coube à cismada Margarida murmurar: “eu
sabia!”.

A outra cena ocorre logo depois (a partir do minuto 53:16”). Júlio (Caio
Junqueira), militante do MR-8, é encarregado pela direção de buscar comida para

1
Não vem ao caso e não é objetivo deste artigo delinear as críticas suscitadas tanto ao livro
quanto ao filme. Para isso, remetemos à coletânea organizada e publicada pela Fundação
Perseu Abramo, logo após o lançamento do filme (REIS FILHO et. al., 1997).

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os militantes e para o embaixador. Em uma padaria, encomenda oito galetos.


Questionado pelo dono do comércio se ele tinha dinheiro para comprar “tudo
isso”, Júlio, mostrando um maço de dinheiro, responde ironicamente: “senhor eu
tenho dinheiro para comprar 18, 20, 50 se eu quiser, mas eu só quero oito”.
Quando Júlio deixa o estabelecimento comercial, o padeiro de Santa Teresa
(personagem do ator Antônio Pedro) liga para a polícia, informando do ocorrido.
Dessa vez, os órgãos de segurança mandam investigar o caso.

Os exemplos acima de Margarida e do padeiro de Santa Teresa ilustram a


ação e a prática de alguns sujeitos que tiveram participação, às vezes importante,
às vezes nem tanto, em regimes autoritários e ditatoriais, entre eles a ditadura
militar no Brasil. Trata-se dos delatores e dos colaboradores, muitas vezes,
espontâneos, como parecem ser os casos de Margarida e do padeiro.

Para este estudo, buscamos exemplificar alguns casos que podem ser
úteis para a compreensão e a análise do papel dos informantes e dos delatores,
que trabalhavam como linha auxiliar dos órgãos de segurança no Brasil. No caso
do Brasil, encontramos muitas informações, dispersas, é verdade, sobre
delações, na documentação arquivada pelos órgãos de segurança.

Como não é possível, no espaço de um artigo, perscrutar toda essa


documentação, nos limitaremos aos bilhetes e as cartas recolhidos pela
Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS)2 do Estado do Paraná, nos primeiros
anos da ditadura militar (1964-1985). Vale destacar, que a prática de delação
acompanha a história do DOPS no Paraná (PRIORI, 2016; SILVA, R., 2017). Em
momentos históricos em que a situação política está mais conturbada, essas
práticas aumentavam significativamente. Pudemos verificar isso em alguns
momentos importantes, como durante o período do Estado Novo (MONTEIRO,
2007; PEREIRA, 2017), sobretudo nos anos em que o Brasil se envolveu na
Segunda Guerra Mundial, já que o Paraná é um Estado que recebeu ampla
imigração dos países do Eixo: Alemanha, Itália e Japão; nos anos que
antecederam ao golpe militar, durante o governo João Goulart e a atuação dos

2
DOPS é uma sigla usual para identificar a polícia política nos estados. Em alguns estados
chamava-se Departamento de Ordem Política e Social (logo, utiliza-se o DOPS), em outros,
Delegacia de Ordem Política e Social (logo, a DOPS). No Paraná era Delegacia. Porém, para efeito
deste artigo, utilizaremos a sigla DOPS no masculino, já que é o mais usual na historiografia.

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chamados Grupos dos Onze (PRADELA, 2019; REGGIANI, 2015), bastante


recorrente no Estado; e durante a ditadura militar (MAGALHÃES, 1997; 2009;
SILVA, R.,2017).

Nos arquivos da Delegacia de Ordem Política e Social do Paraná (DOPS-PR)


encontramos duas pastas sobre os informantes e os delatores. Uma chamada
Informantes (DEAP, Fundo DOPS, pasta 797.94) e outra Informantes EOEIG –
Escola de Oficiais Especialistas e Infantaria de Guarda (DEAP, Fundo DOPS, pasta
798.94). A primeira é formada por relatórios de agentes policiais, recortes de
jornais, cartas e bilhetes enviadas por diversas pessoas de diversas localidades
do Paraná, num alcance temporal que vai dos anos 1930 aos anos 1980. Já a
segunda, de menor dimensão documental, é composta por informes elaborados
durante a década de 1970, por um único informante, que morava em um hotel,
no bairro Batel, em Curitiba. Seus informes eram enviados, geralmente, para o
comandante da Base Aérea do Bacacheri, denunciando pessoas que
supostamente tinham vínculos com o Partido Comunista, mas também pessoas
e lugares com algum vínculo com o tráfico de drogas. E há, dispersas em muitas
pastas, bilhetes e cartas de pessoas que fizeram algum tipo de delação (como
exemplo citamos as pastas 799.94, 1143a.137 e 1782.213). Através desse conjunto
documental é possível verificar a atuação e a colaboração desses sujeitos
anônimos, que voluntária ou involuntariamente, tiveram um papel importante no
processo de vigilância e de repressão durante a Ditadura Militar.

2. Os delatores na historiografia brasileira


A proliferação de pesquisas nas últimas décadas ampliou
significativamente os estudos sobre a ditadura militar no Brasil. Há uma
historiografia bem diversa que perscrutou os episódios que levaram ao golpe, a
conjuntura social e econômica do período, o governo de João Goulart, a
montagem da estrutura legislativa da ditadura, o sistema de segurança e de
informações, as engrenagens da repressão, a espionagem, a censura, a tortura, o
exílio, as mortes e os desaparecimentos, bem como a resistência, tais como o
movimento estudantil, a luta armada e a luta pela anistia e pela
redemocratização.

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Tem se ampliado também os estudos regionais sobre a ditadura militar,


sobretudo com as pesquisas realizadas nos Programas de Pós-Graduação em
História. Evidentemente, ainda faltam alguns arquivos a serem mais vasculhados
e analisados pelos pesquisadores, sobretudo aqueles fundos documentais que
compõem o projeto “Memórias Reveladas” do Arquivo Nacional, os arquivos das
polícias política estaduais (os famosos DOPS/DEOPS) e os documentos
recolhidos pelas diversas comissões da verdade (nacional, estaduais, municipais,
universitárias) que se instalaram no país a partir de 2012. Novos olhares sobre
esses fundos documentais podem desvelar conhecimentos ainda não
ressaltados ou que precisam ser ampliados.

Entre os temas que julgamos que precisam ser mais estudados estão os
da delação espontânea e do papel dos informantes colaboradores ou duplos. A
delação ainda é um tema aberto nas pesquisas historiográficas brasileiras.
Afortunadamente, alguns trabalhos já trazem essas preocupações, mesmo que
diluídas em textos mais abrangentes. É em meio a esse universo que procuramos
delinear o presente estudo.

Um dos primeiros autores a se atentar para o tema foi Marion Brepohl


(MAGALHÃES, 1997). Em artigo publicado na Revista Brasileira de História, ao fazer
uma análise dos aparelhos repressivos da Ditadura Militar3, chamou a atenção
para dois pontos: a) a existência do informante como colaborador espontâneo
da polícia política; e b) o governo, através da sua rede de informações, garantia a
invisibilidade e o anonimato desses colaboradores. Esse artigo teve importante
repercussão na época em que foi publicado e ainda hoje serve como parâmetro
para análises próximas. Marion Brepohl ainda voltou ao tema em outro artigo,
publicado em 2009. Nele, a autora procurou analisar o comportamento concreto
de alguns indivíduos que colaboraram voluntariamente para a vigilância e
repressão exercidas durante a ditadura militar. Tomando como fontes algumas
cartas de denúncias encontradas nos arquivos das polícias políticas (DOPS) do
Brasil, Brepohl chamou a atenção para o fato de que, na maioria dos casos, esses

3
Ressaltamos que o instituto da delação acompanha a história brasileira. Não é o caso aqui de
dar exemplos, mas precisamos indicar que alguns trabalhos extemporâneos à ditadura militar
são importantes para entender a questão da delação em conjunturas autoritárias. São os casos
dos livros de Elizabeth Cancelli (1994) e de Marcos Tarcísio Florindo (2006).

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colaboradores tinham a mesma formação social ou profissional das pessoas


denunciadas, e que essas pessoas eram sempre acusadas de serem inimigas
radicais do governo militar e de colocar em risco a ordem social estabelecida
(MAGALHÃES, 2009).

Carlos Fico (2002) também se utilizou das cartas encaminhadas por


cidadãos, anônimas ou assinadas, à Divisão de Censura de Diversões Públicas
(DCDP), órgão do Ministério da Justiça, para analisar a censura da produção
cultural do período militar. Pesquisando a documentação da DCDP, depositada
no Arquivo Nacional, encontrou aproximadamente 200 cartas enviadas ao órgão
censor, questionando programas de TV, filmes, livros e revistas, que
apresentavam algum conteúdo moral ou de costumes. Segundo o autor, boa
parte dessas cartas solicitavam providências contra o que a TV exibia, como
filmes violentos, menção às drogas, depreciação de algumas profissões, como
por exemplo, mostrar enfermeiras retratadas como prostitutas ou professores
de educação física descritos como simples cultivadores da boa aparência. No
entanto, a maioria das cartas abordavam mesmo questões morais, relacionada à
sexualidade, prostituição, libertinagem, pornografia etc. Fico republicou esse
texto, com pequenas modificações, no livro Além do golpe, publicado em 2004
(FICO, 2012).

Recentemente, veio à luz o artigo de Janaina Martins Cordeiro (2019) que


trata especificamente sobre o tema da delação. No artigo, analisa alguns casos
da prática delatória no Brasil, durante a Ditadura Militar, buscando compreender
as formas que cidadãos, geralmente informantes eventuais, passaram a recorrer
ao Estado para delatar autoridades locais, vizinhos e colegas de trabalho. Esse
caminho nos possibilita também compreender como a ditadura, a partir de uma
linguagem própria e de um modus operandi específico, invadiu e moldou
“aspectos diversos da vida cotidiana da sociedade brasileira” (CORDEIRO, 2019, p.
238).

Algumas dissertações e teses recentes também têm discutido o assunto.


Daniel Trevisan Samways (2014), em sua tese, destaca que a Ditadura Militar,
além de realizar forte divulgação do regime através de suas agências de
propaganda, arregimentava informantes e colaboradores espontâneos que

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pudessem contribuir na vigilância da sociedade. Samways enfatiza a existência


de três tipos de colaboradores: a) aqueles recrutados no serviço público; b)
pessoas que eram membros de organizações próximas ao regime; e c)
colaboradores espontâneos e voluntários que atuavam individualmente, mas que
mantinham “vínculos ideológicos com o regime” ou ainda buscavam obter
“alguma vantagem ou atingir um desafeto político” (SAMWAYS, 2014, p. 124).

No estudo que realizou sobre controle social no âmbito da educação


superior, Jaime Valim Mansan (2014) constatou que, além dos informantes
objetivamente vinculados ao Estado, que atuavam no processo de vigilância e
controle social dentro das universidades, a ditadura contou também com
colaboradores voluntários, geralmente reitores e outros dirigentes da estrutura
burocrática universitária, que se utilizavam dos seus cargos para denunciar, aos
órgãos de segurança, opositores ou desafetos. Essas delações geralmente eram
motivadas “por afinidades ideológicas, por busca de vantagens ou em razão de
divergências pessoais” (MANSAN, 2014, p. 109).

Reginaldo Cerqueira Sousa (2016) também dedicou algumas páginas de sua


tese de doutorado para analisar o papel do informante e do colaborador do
regime. Tomando como referências os estudos de Michel Foucault, Hannah
Arendt e Pierre Ansart, Sousa analisa que o informante ou o colaborador constitui
uma figura emblemática na cadeia do sistema repressivo brasileiro, pois a
“compreensão de suas práticas” pode lançar luz ao rol de motivação que os
levaram a “compactuar com determinadas forças de comando e sistemas
políticos baseados na violência” (SOUSA, 2016, p. 111). Emblemática e complexa,
pois diz respeito a um conjunto de aspectos psicológicos e subjetivos, já que
tudo isso tem a ver com as “crenças, atitudes ou valores que impulsionam o
indivíduo à ação e com as necessidades psicológicas que oferecem condições
para que ele aceite uma ideia dessa natureza” (SOUSA, 2016, p. 111).

Foucault também serviu de inspiração para Marcília Gama da Silva (2007).


Ao analisar a construção do estado de exceção no Brasil a partir da perspectiva
do DOPS de Pernambuco, Silva percebeu que a ditadura militar articulou uma
potente rede do sistema de informação, desde o SNI às Delegacias de Ordem
Política e Social nos Estados, para organizar e implantar na sociedade um

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ambiente propício à colaboração de indivíduos com os órgãos de segurança.


Nesse caso, a informação é vista como uma microfísica do poder, colocada em
ação por aparelhos e instituições de estados, mas cujo "campo de validade se
coloca de algum modo entre esses grandes funcionamentos e os próprios corpos
com sua materialidade e suas forças (FOUCAULT, 1993, p. 29). Esse poder é
exercido também, através das "denúncias anônimas, das delações, do repasse
de informações relevantes, da colaboração com o regime e da vigilância que
passa a ser comungada pelos órgãos, mas também pelos cidadãos” (SILVA, M.,
2007, p. 64).

Uma das dissertações mais completas sobre o assunto é a de Rodrigo


Pereira da Silva (2017). No estudo, Silva analisa a atuação e a colaboração dos
informantes, voluntários ou profissionais, que tinham algum vínculo com a
Delegacia de Ordem Política e Social do Paraná (DOPS-PR) no período da Ditadura
Militar. O autor parte de uma hipótese simples, mas correta, de que a ação dos
delatores gira em torno da influência exercida pelo imaginário anticomunista,
propagado e disseminado tanto por setores civis quanto militares. Porém, Silva
enfatiza que essas delações são movidas, muito mais, pelas paixões políticas do
que propriamente por troca de interesses materiais, como dinheiro, facilidades
para o exercício de certas atividades, promoção para algum cargo etc. Ao se
apropriar do discurso anticomunista, os delatores acreditavam que através de
suas denúncias conseguiam a manutenção da estabilidade da ordem pública, ao
mesmo tempo em que preveniam a sociedade paranaense do perigo comunista.

Como se pode ver nos estudos citados, a historiografia recente brasileira


ainda está debutando sobre o tema. Mas é alentador que alguns trabalhos já
tenham jogado luz sobre o papel das denúncias e das delações, em particular,
durante a ditadura militar. O esforço deste artigo é contribuir com o assunto.

3. Delatores e sociedade na Ditadura Militar


Para melhor esclarecer os leitores sobre a ação dos delatores e dos
informantes colaboracionistas, restringiremos nossa análise ao ano de 1964 e a
centraremos em três pontos ocorridos durante a operação limpeza: delações
realizadas na cidade de Curitiba; as atuações desses colaboradores no interior

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do estado, para mostrar que as garras da vigilância estavam para além dos
grandes centros; e por fim um caso de estrangeiro, que era bastante recorrente
neste tipo de prática.

Em 15 de maio de 1964, o General de Brigada Dario Coelho, comandante


da 5ª Região Militar do Exército, com sede em Curitiba, recebeu uma longa carta,
assinada por uma tal “Mme Felicidade”, que se reconhecia como “brasileira e
mãe” e que tinha, segundo ela, se perfilado ao lado “de outras patrícias, vigilantes,
nos dias sombrios que nosso país atravessou, quando governado por
irresponsáveis”, numa referência evidente à sua participação nas Marchas da
Família com Deus pela liberdade. “Madame Felicidade”, logo no início de sua
carta, enaltecia o papel dos militares e fazia um agradecimento a Dario Coelho,
pela valorosa contribuição do general ao “movimento revolucionário” vitorioso
em março de 1964. Como se considerava partícipe do “movimento vitorioso”, se
julgava também na obrigação de contribuir com o novo regime de alguma forma.
“Agora que o exército brasileiro acrescentou à nossa história mais uma brilhante
página, estamos também interessadas em contribuir para a ‘consolidação e
salvaguarda da democracia’ e completa erradicação do comunismo”. E sua
contribuição vinha em forma de algumas denúncias, com o objetivo de “extirpar
de vez a erva daninha” para semear uma “boa sementeira” nos novos tempos
que se inauguravam com o golpe civil-militar (DEAP, Fundo DOPS, pasta 797.94,
p. 105).

“Madame Felicidade” tinha pressa no fortalecimento desses novos tempos.


Da mesma forma que enaltecia o novo governo, reclamava da lentidão das
autoridades em tomar providências contra os chamados “inimigos” do regime.
Na carta, ela deixava clara esta preocupação: “temos fornecido a várias
autoridades de nossa cidade, uma lista de nomes, de alguns comunistas e, no
entanto, estes indivíduos estão por aí, serenos e despreocupados, pois até agora,
já passado quase dois meses do movimento revolucionário, não foram
molestados”.

Na carta, ela deixava transparecer certa desconfiança nas autoridades


policiais subalternas e demonstrava um certo temor de que essas autoridades
não cumprissem com o seu destino de limpar a sociedade. Enfática, evidenciava

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sua temeridade: “as autoridades a quem apelamos, não quiseram tomar


conhecimento, o que muito nos tem intrigado, assim como a várias outras
pessoas”. Segundo ela, sua carta representava um sentimento coletivo, “de
outras pessoas”, “de outras patrícias”, como destacou algumas vezes no texto.

Foi comum, durante a sua história, o DOPS receber informações de


colaboradores, anônimos ou identificados.4 Logo após o golpe civil-militar,
percebemos que o Exército também passou a ser uma instituição recorrente
para o envio desses bilhetes e cartas. E como era de praxe, o comandante da 5ª
Região Militar do III Exército, ao receber esses informes5, enviava-os à DOPS, para
que aquela delegacia verificasse se tinha anotações sobre os acusados ou então
para abrir investigações sobre os mesmos. Em ofício datado de 21 de maio de
1964, o comandante da 5ª Região Militar do III Exército encaminhou ao DOPS uma
lista com os nomes de nove pessoas para que o órgão policial pudesse averiguar
a sua vida pregressa.

No ofício, o comandante ressaltava que os nomes haviam chegado até


aquela Região Militar através de denúncias anônimas (DEAP, Fundo DOPS, pasta
797.94, p. 101). Nas denúncias, as informações praticamente se repetiam. As nove
pessoas eram acusadas de serem comunistas, de distribuírem jornais, de fazer
propagandas ou de possuir livros supostamente comunistas em suas residências.
Diante dessas informações, em ato contínuo, o DOPS fez diligências sobre os
acusados, apontando que dos nove “suspeitos”, dois já eram fichados naquela
Delegacia (DEAP, Fundo DOPS, fichas nominais 02.809 e 46.563).

4
Cláudia Monteiro (2007, p. 102), analisando a experiência dos militantes comunistas entre os
ferroviários de Curitiba, comenta sobre um indivíduo que se identificava com a letra "X", que
recorrentemente escrevia ao DOPS, informando das atividades realizadas pela célula Olga
Benário Prestes, do PCB, naquela cidade, entre os anos 1934-1945. Para a fonte, ver no DEAP, o
Fundo DOPS (Pasta temática 264.29, p. 211-212). Outros casos semelhantes, no mesmo período,
podem ser encontrados nas pastas 832.100, 833.101 e 834.101.
5
Em relação aos informes é pertinente salientar que também eram produzidos a partir de
informações levantadas por agentes da polícia política, infiltrados nos grupos de esquerda. Por
exemplo, no Informe n. 64-E/64, constavam informações de que o PCB pretendia realizar um
atentado contra o comandante do III Exército. O Informe n. 152-E2/65, remetido pelo
comandante da 5ª RM ao delegado do DOPS/PR, destacava que os comunistas usavam o teatro,
as associações de classe e os centros culturais como canais para difundir ideologias exógenas.
Em outro Informe, o de n. 75-E2/66, havia a afirmação de que o PCB furtaria as armas das
Organizações Militares com o propósito único de preparação de guerrilhas (DEAP, Fundo DOPS,
pasta 1465, s/p.). Portanto, a DOPS precisava estar atenta, vigiando e reprimindo os focos e as
ações dos comunistas, e manter o comando da 5ª RM sempre informado (BRUNELO, 2009).

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Um outro caso é da delatora que se intitulou “uma mãe e esposa


brasileira”. Na sua carta manuscrita de duas folhas, enviada uma semana após o
golpe (07/04/1964), ela indica um endereço na cidade de Curitiba (uma casa na
rua Marechal Deodoro), dizendo que aquele local, antiga sede do Centro Popular
de Cultura6, tinha se transformado em um “foco de comunistas [...] frequentados
por estudantes e mulheres formadas em Filosofia” (DEAP, Fundo DOPS, pasta
797.94, p. 154-155).

A “mãe e esposa brasileira”, que na carta pede desculpas por não se


identificar, por medo de que “abram no correio”, ao que tudo indica, é moradora
vizinha do endereço denunciado, pois a riqueza de detalhes com que ela
descreve sobre a rotina do local é surpreendente e vale a pena destacar. Em um
parágrafo diz: “Também há um carro Sinca de placa 1-56-30 que é da turma e
vai seguidamente na referida casa e é guardado na garagem”. Em outro informa:
“O homem que alugou a casa, não residia na mesma até hoje, porém hoje chegou
com uma mulher e estão instalados nela. Dizem que ele é gaúcho e ela de Campo
Grande”. Ainda dá detalhes de outros moradores da casa: “Existem estudantes
de engenharia que moram lá, um é japonês, mas há uns que não se sabe que é
que são (sic), pois não parecem ser estudantes”. E por fim, comenta parte da
rotina interna da casa: “O movimento era muito grande e passavam filmes, agora
estão quietos, mas continuam a entrar e sair, mas agora só pelo porão, até ontem
estavam na casa toda” (DEAP, Fundo DOPS, pasta 797.94, p. 154-155). A carta,
plena de detalhes, chamou a atenção da direção do DOPS, que anotou: “é caso
de investigação”.

Uma outra moradora, que também declinou de se identificar por ser


“visinha (sic) da comuna e não ficaria bem para mim”, enviou uma carta
datilografada à polícia política em 14 de abril de 1964. Nessa carta, a “vizinha da
comuna” parabenizava o delegado do DOPS por sua brilhante ação anticomunista
e pela “magnífica batida na residência da famigerada dona Mimi”. Mas a delatora
não se contentava com a batida policial, porque “faltou a principal”. E a
“principal”, segundo a “vizinha da comuna”, era Alcina Silveira7, uma das líderes

6
O Centro Popular de Cultura do Paraná (CPC/PR) é uma das organizações populares que o DOPS
manteve em constante vigilância (DEAP, Fundo DOPS, pasta 212.24).
7
Alcina Silveira ou Alcina Chamine da Silveira teve seu primeiro registro no DOPS/PR em

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do Movimento das Donas de Casa contra a Carestia. E enfatizava: “Principal,


ainda, porque é comunista fanática, considerada entre os vermelhos como
doutrinadora de primeira grandeza, participou ativamente na retirada dos
documentos comprometedores da sede do Partido no Jornal Novos Rumos,
levando grande parte para a sua residência, que fica na rua Dr. Murici” (DEAP,
Fundo DOPS, pasta 797.94, p. 156).

Um ponto convergente entre os vários delatores anônimos, ou mesmo


entre os que assinavam as colaborações, era o elogio às autoridades policiais. No
caso da “vizinha da comuna”, que vimos acima, ela reconhecia que o Delegado
do DOPS, Miguel Zacarias realizava um brilhante trabalho frente àquela Delegacia
e na repressão aos comunistas. O mesmo procedimento tomou E.J.M., em carta
endereçada no dia 24 de novembro de 1964, ao Secretário de Segurança Pública
do Estado do Paraná, Ítalo Conti. Na carta, o delator elogiava o Secretário de
Segurança, reconhecendo que este teve “magnífica atuação durante os primeiros
dias da Revolução no trato com os inimigos da Democracia” (DEAP, Fundo DOPS,
pasta 797.94, p. 177). Entretanto, mesmo com o elogio, E.J.M. demonstrava certa
preocupação com o futuro da ação das forças repressivas: “Infelizmente, a
Revolução está tendendo a ‘amolecer’ a sua linha de ação contra os comunistas,
e eles já começaram a levantar a cabeça”.

O missivista fazia referência ao funcionamento de uma livraria,


denominada Livraria do Povo, que estava fazendo liquidação de livros e que,
segundo ele, essa literatura era “podre, subversiva e caluniosa”. E para combater
a venda desses livros na livraria citada, solicitava que a polícia tomasse “as
providências cabíveis ao caso, em defesa da nossa Revolução. Espero que tais
livros sejam imediatamente apreendidos e destruídos pela polícia, a fim de não
contaminarem ainda mais o espírito dos inocentes úteis de Curitiba”. E terminava
sua carta, mais uma vez apelando ao Secretário de Segurança Pública, que para
a continuidade da revolução Moralista, que estava sendo levada à cabo no país,
era necessário dar continuidade à atuação eficaz que ele teria colocado em
prática nos primeiros dias de abril daquele ano.

16/12/1950 e a última anotação em sua ficha foi em 17/12/1971 (DEAP, Fundo DOPS, ficha nominal
41.463).

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Eram constantes também as denúncias contra pessoas sobejamente


conhecidas do cenário político do Estado, como é o caso de José Rodrigues Vieira
Netto. Advogado e professor da Universidade Federal do Paraná, Viera Netto era
uma personagem bastante conhecida no Estado do Paraná. Advogado “brilhante”,
um “sujeito de grande cultura” e que tinha um “dote oratório pelo próprio fato de
ser advogado” – constatou Milton Ivan Heller (2008, p. 107). Vieira Netto foi
candidato a Deputado Federal pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) em 1945,
não logrando se eleger. Mas, dois anos depois, foi eleito Deputado Estadual
Constituinte no Estado do Paraná, pelo PCB, no breve interregno de legalidade
daquele partido. E a partir daí participou das mais diversas lutas sociais do Estado
do Paraná e na direção clandestina do PCB, o que lhe tornou figura muito
conhecida nos órgãos de segurança do Estado, sendo que sua ficha no DOPS é
uma das mais extensas entre os militantes comunistas fichados.8

Numa das denúncias contra Vieira Netto, o anônimo delator, ao dirigir-se


ao chefe do DOPS, registra: “É obrigação de todos os cidadãos colaborar com o
Sr., na tarefa de reprimir o comunismo”. E indica que o desmantelamento da
atuação dos comunistas do Paraná “torna-se incompleto [...] enquanto não for
neutralizado o Dr. Vieira Neto” (DEAP, Fundo DOPS, pasta 797.94, p. 65), dando
mostras de que o colaborador da polícia política sabia da importância e do papel
exercido pelo velho militante comunista na resistência à ditadura militar que se
iniciava.

Essas dúvidas em relação à atuação das autoridades policiais foram


questionadas por outros colaboradores. Em documento sem data, mas
arquivado no DOPS, no mês de outubro de 1973, um colaborador que se
identificou como um “bom brasileiro”, reclamava da ineficiência da polícia do
Estado do Paraná, que segundo ele, havia se transformado em uma “polícia de
costumes” e servia apenas para prender “mulheres da vida”, enquanto não se
fazia nada para as “outras barbaridades que andam por ahí”. O informante não

8
José Rodrigues Vieira Netto teve vida longa nas anotações do DOPS. O primeiro registro é de
23/08/1944 e o último datado é de 21/02/1972, já que há uma última anotação sem data,
informando que o mesmo havia “falecido”, conforme suas fichas nominais (DEAP, Fundo DOPS,
fichas nominais 45.992 e 45.994) e pastas individuais (DEAP, Fundo DOPS, pastas individuais
2193.400 e 2194.400). Vieira Netto nasceu em 15 de dezembro de 1912 e faleceu em 05 de maio
de 1973, em decorrência de um câncer no pulmão.

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especificava quais eram estas “outras barbaridades”, embora deixasse


transparecer seu incômodo com “esse sistema abominável” existente e com
certas notícias “pouco recomendáveis” que eram publicadas nos rádios e nos
jornais. No final da sua carta, enfatizava: “a revolução foi feita para corrigir,
devemos fazer o possível, para chegar nessa meta” (DEAP, Fundo DOPS, pasta
797.94, p. 65).

Essa mesma preocupação encontramos nos informes de E.F.G., que


denunciavam várias casas noturnas, locais ideais para o uso de drogas e de
prostituição (DEAP, Fundo DOPS, pasta 798.94, p. 11). Não é de todo sem sentido
as reclamações dos informantes, pois durante as décadas de 1970 e 1980, a
Ditadura Militar solidificou todo um aparato repressivo em defesa da moral e dos
“bons costumes”, sobretudo na repressão às prostitutas e aos homossexuais
(QUINALHA, 2017). No Estado do Paraná, desde o ano de 1956, a Secretaria de
Segurança Pública havia criado a Delegacia de Costumes (Decreto No. 7250, de
15 de dezembro de 1956) com o objetivo de investigar, prevenir e reprimir a
prostituição, evitando que afetassem a moralidade pública, as ações que
pudessem afetar a honra e a dignidade das famílias, as manifestações que
contrariassem a moral e os bons costumes, além da venda e exposição de livros,
desenhos e gravuras que ofendessem a moral (ROLIM, 2000).

No interior do Estado, a maior preocupação dos delatores era com as


questões rurais. Uma das cartas mais significativas que encontramos na
documentação do DOPS foi escrita pelo vigário de Santa Amélia (pequena cidade
da região norte do Paraná) com data de 07 de maio de 1964. Em carta dirigida ao
governador do Estado e depois encaminhada ao DOPS para providências, o padre
enfatiza que sua carta é para protestar contra a “liberdade que se encontram os
inimigos da democracia”. E cita três vereadores da cidade que, segundo sua
delação, eram adeptos das ideias de Brizola e de Jango e que faziam “rasgados
elogios dos comuno petebistas (sic) e isto com a complacência do prefeito”.
Dizendo-se ameaçado de morte, o padre estava indignado que, depois de quase
40 dias do golpe, as pessoas por ele citadas ainda estavam à frente do município.

Na carta, o vigário de Santa Amélia ainda reclamava da atuação do


delegado da cidade, que não ficava o tempo todo na localidade, e com isso

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“comunistas declarados” continuavam andando de “cabeça erguida” por todos


os lugares. E sugeria ao governador que trocasse imediatamente o atual
delegado, por outro “bom delegado ou mesmo agente do DOPS”. O padre ainda
oferecia hospedagem em sua casa aos agentes do DOPS. Na conclusão de sua
missiva, cobrava: “limpe por amor de Deus Santa Amélia. Acabe com os comuno
petebistas daqui. Mande cassar os mandatos e colocar na cadeia esta gente, é
uma grande obra de misericórdia” (DEAP, Fundo DOPS, pasta 797.94, p. 92-94).

A indignação demonstrada pelo vigário de Santa Amélia com a


complacência de autoridades locais com supostos militantes comunistas não era
isolada. Na cidade de Ibaiti (região norte do Paraná), trabalhava na delegacia local
o Sub-Tenente Augusto da Silva. No ano de 1966 ele foi transferido para a
localidade de Harmonia, distante aproximadamente 85 km de Ibaiti. A
transferência do Sub-Tenente não foi vista com bons olhos por um cidadão local.

Em carta anônima, dirigida ao próprio Sub-Tenente Augusto da Silva e


deixada em baixo da porta da Sub-delegacia da localidade de Harmonia, o
missivista fez diversos elogios ao destinatário: “amigo sargento as coisas aqui não
está (sic) boa, os comunistas depois que você saiu daqui estão agindo, quando
você estava aqui eles tinham medo do senhor [...] o único homem que pode
denunciar esses bandidos vermelhos é o senhor” (DEAP, Fundo DOPS, pasta
797.94, p. 114). Na sequência, o colaborador anônimo da polícia vai detalhando e
denunciando algumas situações relevantes, embora não haja nos documentos
pesquisados dados que possam confirmar as acusações. A maior preocupação é
com a presença dos supostos comunistas na cidade. Na carta, ele informa que
um “amigo” de nome Jonas foi morto na cidade, “a mando dos vermelhos”; que
os comunistas se “reúnem pelos sítios e [...] na cidade”; que a cidade de Ibaiti
estava servindo para “campo de ação para estes bandidos traidores e vingativos”;
e que um “amigo de [João] Goulart, veio para Ibaiti, como tomador de terras, e
agora é dono de Cartório” (DEAP, Fundo DOPS, pasta 797.94, p. 114). Como se vê,
o rol de denúncias é amplo e diverso. E o delator termina sua carta fazendo um
apelo muito próximo do que solicitou o vigário de Santa Amélia, apelando “pelo
amor de Deus que mande esta carta para as autoridades de Curitiba” (DEAP,
Fundo DOPS, pasta 797.94, p. 114).

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As cidades de Ibaiti e Santa Amélia ficam localizadas na região denominada


no Paraná como Norte Pioneiro. Nessa região, os comandos nacionalistas,
também conhecidos como Grupo dos Onze Companheiros tiveram forte
presença. Criado no final de 1963, por Leonel Brizola, o Grupo dos Onze tinha
como missão reivindicar junto ao governo de João Goulart a imediata realização
das reformas de base, a luta contra o imperialismo e defesa da democracia.
Como o nome indica, era formado por onze companheiros, que se reuniam uma
vez por semana, geralmente às sextas-feiras à noite, quando Leonel Brizola
transmitia seus famosos discursos pela Rádio Mayrink Veiga.

Luana Pradela (2019, p. 85 e ss.) identificou, na sua pesquisa realizada com


a documentação do DOPS, mais de 60 grupos no Paraná, sendo 14 só na região
do Norte Pioneiro. No Paraná, a grande maioria desses grupos foram constituídos
no campo, já que entre as reformas de base, o tema da reforma agrária era o que
mais galvanizava interesse e disputas políticas (REGGIANI, 2015).

Embora esses grupos não tenham tido uma ação prática mais eficaz, a
documentação do DOPS (DEAP, Fundo DOPS, pasta 1084.131) demonstra que a
polícia política fazia um constante monitoramento dos G-11 e depois do golpe de
31 de março de 1964, prendeu a maioria das lideranças que o integravam9. Para a
polícia política, esses grupos eram tratados como células comuno-petebistas, o
que de certa forma contribui com a confusão apresentada pelos delatores acima,
confundindo muitas vezes os participantes do Grupo dos Onze com militantes
comunistas.

A questão da terra sempre foi um problema grave e belicoso na história


do Paraná. Há centenas de pastas no arquivo do DOPS. Alguns conflitos de terras
marcaram a história do Estado bem como a história do Brasil. Três deles se
destacam: a guerra do Contestado (MACHADO, 2004), a revolta de Porecatu
(PRIORI, 2012) e a revolta do Sudoeste (AMANCIO, 2009; KOLING, 2018). Outros
conflitos de menor intensidade têm sido objetos de pesquisas nos programas de
pós-graduação, o que tem demonstrado a dimensão do problema. Esses

9
Vários integrantes do Grupo dos Onze prestaram depoimentos à Comissão Estadual da Verdade
do Paraná. Alguns desses depoimentos foram publicados por Carla Silva e Alfredo Batista (2016).

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conflitos de terras tornaram-se referências para a atuação de partidos e


movimentos políticos no campo. Um deles foi a atuação do Partido Comunista
Brasileiro (PCB) na organização da revolta de Porecatu e na sindicalização rural
(PRIORI, 1996, 2012).

A Igreja Católica também teve papel considerável, principalmente na


organização sindical (ALVARENGA, 2008; BRITO, 2015). O Grupo dos Onze foi outro
movimento, como vimos acima, influenciado pela atuação de Leonel Brizola, que
teve forte presença no Paraná. E, durante a Ditadura Militar, pelo menos três
organizações revolucionárias tentaram montar campos de guerrilha rural no
Estado: o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), a Vanguarda Popular
Revolucionária (VPR) e a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares – VAR -
Palmares (CAMPOS, 2014; HERLER, 2015).

Um personagem persistente nas denúncias e nas delações dos


colaboradores da polícia política é o estrangeiro. Líderes operários anarquistas e
comunistas, de origem europeia, sempre foram vigiados ou denunciados aos
órgãos policiais, desde o final do século XIX. Mas foi durante o Estado Novo, e
mais especificamente a partir do Brasil aderir aos aliados durante a Segunda
Guerra Mundial, que os estrangeiros, sobretudo alemães, japoneses e italianos se
tornaram alvos constantes da polícia política. Márcio José Pereira (2017, p. 217 e
ss.) relata diversos casos de alemães que foram denunciados à polícia, por
delatores populares, pelo simples fato de serem vistos falando o idioma alemão
na rua. Nos arquivos do DOPS/PR há uma imensidão de documentos recolhidos
nas casas de poloneses e ucranianos, por exemplo.10

“Madame Felicidade”, que já apresentamos acima, preocupada que o golpe


instaurado em 1964 obtivesse êxito, na longa carta que enviou ao General de
Brigada Dario Coelho, comandante da 5ª Região Militar, apresentou uma lista de
nomes de “comunistas” que “estão por aí, serenos e despreocupados”. E em
poucas linhas, retratou um desses indivíduos denunciados:

10
Desde o final do século XIX houve uma intensa imigração de poloneses e ucranianos para o
Estado do Paraná. Esses grupos se radicaram na capital e no seu entorno e, também, na região
dos Campos Gerais. No século XX foram constantemente monitorados pelo DOPS.

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É um comerciante estrangeiro, que nos dias áureos [...] do governo


deposto, agia abertamente, vendendo ou presenteando sua
freguezia com o jornaleco "Novos Rumos"; quis organizar um
sindicato comunista das empregadas domésticas em nossa
Capital; conferenciou com Luis Carlos Prestes, quando da última
visita deste à nossa cidade; mandou seu filho fazer uma prévia na
sua classe, em um dos grupos escolares daqui, cujo resultado o
menino deu ao pai dizendo que sua sala, dos 36 alunos, só 3 eram
reacionários. (DEAP, Fundo Dops, pasta 797.94, p. 105)11

Como se percebe, “Madame Felicidade” tinha relações muito próximas


com o comerciante estrangeiro, ou por ser sua cliente, ou por ser sua vizinha,
pois a riqueza de detalhes que ela expressa em sua carta é impressionante. Mas
a missivista não se contentava em fazer apenas a denúncia. Muito provavelmente
incentivava outras pessoas a denunciarem o estrangeiro também, pois segundo
ela:

Um amigo nosso telefonou ao DOPS também denunciando este


comunista, e a resposta daquele Departamento foi que não
dispunha de condução para atender, naquela hora. Nosso amigo,
então, pôs à disposição daquela Delegacia, um dos seus veículos
e nem assim foi tomada uma providência. É preciso não
esquecermos que se o golpe viesse do lado de lá, talvez o
"paredon" nos recebesse no dia seguinte. (DEAP, Fundo DOPS,
pasta 797.94, p. 105)12

E como não estava satisfeita com a atuação do DOPS, ainda perguntou ao


comandante da 5ª Região Militar, finalizando a sua carta: “E porque essa
benevolência com essa gente?”.

Teremos mais detalhes sobre as atividades do estrangeiro a que se refere


“Madame Felicidade” em outras duas denúncias realizadas diretamente ao DOPS,
datadas de 16 de abril e de 22 de abril de 1964. As duas denúncias anônimas
devem ter sido realizadas por uma mesma pessoa (provavelmente a tal Madame
Felicidade13), pois as cartas são datilografas e são idênticas na letra e na forma
da escrita. A partir dessas cartas, ficamos sabendo que o estrangeiro delatado
era Bogdan Bogusiak14, residente na rua 13, no bairro Barreirinha, em Curitiba. Na
primeira carta, de 16 de abril, assim se referia:

11
Manteve-se a grafia do original.
12
Manteve-se a grafia do original.
13
Como ela confessa na delação que fez ao comandante da 5ª Região Militar, Dário Coelho, tem
enviado listas de nomes de comunistas a várias autoridades.
14
Na documentação do DOPS não aparece nenhuma informação sobre a sua nacionalidade.

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Há muito tempo que o mesmo está frequentando as reuniões dos


comunistas, possue muitos livros [...] e também convida muita
gente para assistirem estas reuniões. Há muito tempo que este
homem vem prometendo matar gente, diz que apenas está
esperando a hora, diz que vae acabar com a Democracia e com
os sacerdotes, que isso não precisa existir [...]. Dizia o mesmo que
depois que terminou a guerra na Alemanha, êle com mais 3
companheiros mataram muita gente, até as crianças dos berços.
(DEAP, Fundo DOPS, pasta 797.94, p. 107)15

E na segunda carta, de 22 de abril, voltava aos mesmos argumentos:

Podemos assegurar a V. Excia. que o Bogdan é um comunista e


que desde que mora nesta Capital o mesmo vem prometendo
queimar as casas, matar gente, cortar a cabeça fóra do corpo,
quebrar os braços, pernas etc. e ainda diz que apenas está
esperando a hora que precisa acabar com esta gente, com a
Democracia. Sendo que a partir de 1o. de abril o mesmo deixou de
trabalhar, permanecendo em sua residência, armado e torcendo
as mãos, dizia, agora está chegando a minha hora vou começar de
matar do mais velho ao mais moço, vou fazer o mesmo o que fiz
na Alemanha com os meus colegas logo após a guerra. (DEAP,
Fundo DOPS, pasta 797.94, p. 108)16

Acreditamos que o DOPS não tenha dado muita importância para essas
denúncias, pois não há registro de que o tal Bogdan Bogusiak tenha sido
investigado ou preso. Pelo menos, na documentação do DOPS, não localizamos
nenhuma pasta individual ou ficha nominal em seu nome. Em outro documento,
há uma denúncia contra um tal M. Felipedes, de origem grega e tachado de
agente de Moscou, “proprietário da casa de Carnes A Democracia”, que distribuía
o jornal Novos Rumos, era acusado de querer “fundar nesta capital o sindicato
das empregadas domésticas” e de ter se encontrado com “Luis Carlos Prestes
no sindicato do edifício Mauá” (DEAP, Fundo DOPS, pasta 797.94, p. 102). Não foi
possível saber se os dois denunciados eram a mesma pessoa, embora as
informações sejam coincidentes. M. Felipedes também não foi fichado no
DOPS/PR.

15
Manteve-se a grafia do original
16
Manteve-se a grafia do original

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4. As práticas da delação
A narrativa documental das delações que detalhamos no tópico anterior
nos leva a fazer algumas reflexões. A primeira delas é pensar a prática da delação.
Na linguagem jurídica, delatar é diferente de denunciar. Uma denúncia
geralmente é uma peça acusatória que inicia um processo judicial. Atualmente é
apresentada pelo Ministério Público e que leva ao conhecimento do Poder
Judiciário um ato delituoso ou criminoso. No limiar da Ditadura Militar, quando
foram instaurados os primeiros Inquéritos Policiais Militares para julgar casos de
infração aos dispositivos da Lei de Segurança Nacional, a denúncia era realizada
por um promotor militar, que remetia à Justiça Comum, até 27 de outubro de
1965, quando por força do Ato Institucional No 2 (AI-2), os mesmos passaram a
ser remetido para a Justiça Militar (ARNS, 1985, p. 170 e ss.).

Já a delação é diferente. No Brasil atual, o tema das delações, sobretudo


as delações premiadas, tem ganhado cada vez mais espaço de discussão, tanto
na imprensa como na sociedade. O tema ganhou relevância, principalmente, a
partir da nomeada Operação Lava Jato, mecanismo da Polícia e da Justiça
Federal para investigar lavagem e desvio de dinheiro público. Juridicamente, a
delação foi instituída, através da Lei No. 8.072, de 25 de julho de 1990, que ao
regulamentar o crime hediondo, também permitiu ao participante ou ao
associado de alguma quadrilha ou de organização criminosa, denunciar à
autoridade um ou mais membros, que permitisse ao Estado desmantelar a
organização, e com isso teria a sua pena reduzida. Mas não é o caso aqui. Delatar,
como nos exemplos que estudamos acima, é um ato geralmente individual,
espontâneo, de um cidadão comum, que comunica ao Estado um certo delito,
apontando algumas especificidades ou evidências e solicita que se aplique
alguma pena, geralmente a prisão. A delação é uma denúncia interessada, por
mais perversa e desprezível que possa ser. Embora, quando um delator se dirija
a uma autoridade policial, ele esteja movido das suas melhores intenções
(CORDEIRO, 2019; JOLY, 2012).

Marion Brepohl caracterizou os delatores como “homens comuns, sem


nenhum comprometimento formal com o sistema, mas que enviavam cartas-
denúncias ao DOPS sobre quaisquer pessoas ou movimentos, entendido por eles

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como suspeitos de subversão” (BREPOHL, 2012, p.145). Gellately (2011), ao analisar


a relação das pessoas comuns com o nazismo indaga: por que tanta gente
colaborou com o regime? E muitas vezes, esse apoio não se dava,
necessariamente, por questões ideológicas, mas sim, por motivos pessoais
egoístas, às vezes até por denúncias falsas, com o objetivo de resolver disputas
pessoais, conflitos familiares, rivalidades e desavenças no trabalho, entre outras
questões, geralmente para obter algum benefício material ou social.

Gellately classificou esse movimento como uma “manipulação do sistema


desde abaixo”, ou seja, uma parte da população percebeu que podia utilizar do
sistema de terror para o seu próprio benefício. Era uma “cumplicidade quase
ubíqua”, como ressaltou Hannah Arendt no seu Eichmann em Jerusalém. Ao
explicar o porquê cunhou o termo “banalidade do mal”, Arendt descortinou para
seus leitores um fenômeno que acompanha os historiadores e os cientistas
sociais que estudam ditaduras e regimes totalitários. Eichmann não era nenhum
Macbeth. “A não ser por sua extraordinária aplicação em obter progressos
pessoais, ele não tinha nenhuma motivação” (2007, p. 310). Assim mesmo
Eichmann foi o responsável pelo transporte de milhões de judeus rumo aos
guetos e aos campos de extermínio. Mas Arendt vai além: “Para falarmos em
termos coloquiais, ele simplesmente nunca percebeu o que estava fazendo”
(2007, p. 310, grifo do autor). Qual o espaço do banal, do trivial, do lugar comum
nestes regimes, totalitários ou ditatoriais? Por que o cidadão comum faz
denúncias, delata ou participa de atos criminosos contra pessoas, geralmente
inocentes?

Esses estudos desmistificam a imagem de que as pessoas comuns eram


vistas, quase sempre, como personagens da resistência e da oposição ao regime.
Pelo contrário, tanto nos regimes totalitários como nas ditaduras militares latino-
americanas, estudos recentes têm demonstrado que houve uma impressionante
colaboração de amplos setores da sociedade que podem ser categorizados
como “cidadãos comuns”.

Nos estudos de Sheila Fitzpatrick e Robert Gellately (1996a; 1996b), eles já


haviam indicado que as práticas da delação são comuns em aproximadamente
todas as sociedades organizadas. Porém, fazem a ressalva de que em algumas

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delas, ou em momentos históricos distintos, essas práticas podem ser mais ou


menos difundidas, dependendo de uma série de fatores e de tradições políticas
e culturais e, obviamente, do grau de encorajamento por parte do Estado. Para
os autores, tais práticas são como um elo de referência entre os cidadãos e o
Estado.

As delações que estamos estudando são dirigidas ao Estado, mas contra


pessoas consideradas inimigas do povo ou da Nação (como são os casos das
acusações contra Bogdan Bogusiak, José Rodrigues Viera Netto, Alcina Silveira e
os três vereados da cidade de Santa Amélia) ou contra grupos estigmatizados
(como os estudantes e as mulheres que se reuniam na casa da rua Marechal
Deodoro, as prostitutas, o Grupo dos Onze Companheiros e os comunistas, de
forma em geral).

Se no Brasil os estudos históricos sobre delações ainda são raros, já existe


uma historiografia bastante consolidada em outros países da América e da
Europa. E todos esses estudos têm confluído para uma ideia de que a delação
foi um importante mecanismo para a estruturação dos diversos regimes
ditatoriais e totalitários, já que as práticas acusatórias revelam não só a
conveniência pessoal de quem delata, mas também proporcionam que os
Estados ampliem as suas medidas de repressão. Alguns exemplos.

Robert Gellately, no seu livro Apoiando Hitler (2011), mas em outros estudos
também, tem sustentado que as delações tiveram considerável importância nas
ações da Gestapo e no funcionamento do sistema de terror adotado na
Alemanha nazista. Na Espanha franquista, o Estado amparou e impulsionou o
exercício da delação, sobretudo de cidadãos comuns, nas grandes cidades, mas
também nas pequenas localidades rurais, com o objetivo de localizar e de punir
anarquistas, comunistas e guerrilheiros que sobreviveram aos horrores da Guerra
Civil Espanhola. Ángela Cenarro (2002) ressalta que as delações serviram para
azeitar a solidificada máquina repressora do regime, mas também para montar
as bases das futuras acusações e dos processos judiciais instaurados durante e
depois da guerra, contra os chamados “perdedores”, ou seja, os republicanos.

Essas práticas delatoras se espalharam por toda a Espanha, embora se


possa verificar que tiveram resultados devastadores na Catalunha, seja no campo

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e nas pequenas localidades rurais (CURCÓ, 2000a; 2000b) ou nas grandes


cidades como Barcelona (FABRE, 1984). Em Barcelona, por exemplo, o Tribunal
Regional de Responsabilidades Políticas divulgava nos jornais o endereço e o
horário de atendimento do órgão, incentivando as pessoas a fazerem denúncias
contra os inimigos do regime. Essa mesma evidência vamos encontrar na
Argentina, durante a última ditadura militar (1976-1983). Daniel Lvovich (2017)
reforça que a ditadura militar argentina, obviamente, não precisou das delações
para montar os modos mais cruéis da repressão, como foram as detenções, os
desaparecimentos e os assassinatos, mas se utilizou dessas práticas para obter
as informações necessárias para os mais diversos serviços de inteligência
militares e policiais.

E no Brasil? Obviamente, o instituto da delação não é uma característica


singular da ditadura militar. Temos exemplos ao longo da história. Dois casos
históricos de delatores ganharam certa repercussão política e historiográfica:
Domingos Fernandes Calabar, que em 1632, desertou das fileiras portuguesas e
se juntou aos holandeses, facilitando assim, o processo de ocupação de
Pernambuco. “Homem muito ativo e inteligente” - escreveu Boxer (1961, p. 70-71)
– “não poderiam os holandeses ter achado melhor guia e informante para indicar
os pontos fracos do inimigo”; e Joaquim Silvério dos Reis, que durante a
Inconfidência mineira, delatou para o Visconde de Barbacena, então governador
de Minas, os seus colegas conjurados, sonhando com “dinheiro, mercês,
comendas”, como cravou Cecília Meireles no seu Romanceiro da Inconfidência
(MEIRELES, 1989). Em defesa de Calabar, registramos que, ao contrário de
Joaquim Silvério, parece que não foi por “interesse pecuniário” que ele desertou,
pois ele achava que “os holandeses fossem melhores para o Brasil” (SOUZA,
2004, p. 504), embora isso não esteja claro na historiografia sobre o tema.

Mas foi a partir do Governo Vargas, com o fortalecimento e a estruturação


da polícia política, que o governo criou diversos instrumentos de propaganda,
com o objetivo de fazer com que a população se sentisse engajada na construção
de um novo país e que criasse um “sentimento de regeneração nacional”
(CANCELLI, 1994, p. 47).

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Delatores e práticas de delação no limiar da Ditadura Militar do Brasil
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Durante essas campanhas, os comunistas se tornaram os alvos


preferenciais de perseguição e de repressão do Estado e a delação se tornou
uma das “formas de engajamento participativo muito estimulada pelas
autoridades” (CANCELLI, 1994, p. 93). Constituía-se “ato de bravura” entregar um
comunista à polícia. Essas campanhas foram se fortalecendo, sobretudo a partir
de 1935 e atingiram o seu auge com a criação da primeira Lei de Segurança
Nacional e depois com o golpe do Estado Novo. Já no Estado Novo, quando o
Brasil entrou na guerra ao lado dos aliados, os estrangeiros também se tornaram
alvos de delação, sobretudo os alemães, os italianos e os japoneses.

Desde Vargas, portanto, a polícia política passou a ser a “sentinela


avançada da ordem” (APOLONIO, 1954) e criou ampla rede de espionagem,
utilizando seus agentes profissionais, mas também “colaboradores voluntários”
que passaram a “vigiar” companheiros de organização, vizinhos, lugares públicos
etc. como bem demonstrou Tarcísio Florindo em seu importante trabalho sobre
o DOPS/SP (FLORINDO, 2006). Problematizando a questão do controle social,
Florindo enfatiza as necessidades que as elites e o Estado tinham em
transformar a agência policial em uma grande rede de vigilância do tecido social.
E para um bom funcionamento dessa rede, ela dependia da “utilização de
agentes não ligados oficialmente à burocracia estatal” que, espalhados pelos
“recantos da sociedade, pudessem funcionar como informantes do órgão,
avisando e prevenindo sobre os delitos e apontando os suspeitos e responsáveis”
(FLORINDO, 2006, p. 33). Segundo o autor, a delação era um alicerce para os
“trabalhos desenvolvidos pela agência responsável pela repressão política e
social” (FLORINDO, 2006, p. 99) e que os motivos da delação eram geralmente
por questões pessoais e ideológicas, que muitas vezes se misturavam
(FLORINDO, 2006, p. 129). Na visão da polícia, através dessas denúncias, o cidadão
ou a cidadã que fazia uma delação, além de se sentir útil, expressava um
arraigado senso de patriotismo e de nacionalidade.

O incentivo de que a população participasse como colaboradora do regime


é uma norma espraiada em todos os órgãos de segurança e foi amplamente
utilizado pela Ditadura Militar. Marcília Gama da Silva (2007, p. 65) observou que
nos registros policiais do DOPS de Pernambuco existiam documentos que

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conclamavam as pessoas comuns a colaborar com aquele órgão, pois a delação


deveria ser uma "tarefa de todos", como enfatizava um prontuário interno
daquele órgão. E a população atendia o chamado. Silva analisa a carta de uma
mãe, cuja filha era aluna de medicina da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE), denunciando os responsáveis por um panfleto distribuídos aos
estudantes, no ano de 1973, que criticava o governo Médici, cobrava o fim do
ensino pago nas universidades e denunciava os abusos cometidos contra
populações rurais, na construção da rodovia Transamazônica: "Como não quero
que futuramente minha filha seja influenciada pelas ideias aqui expostas, venho
por meio desta, alertar as autoridades para o foco pernicioso que ali está se
instalando” (SILVA, M., 2007, p. 65).

Marion Brepohl também detectou esse movimento organizado pelos


órgãos de segurança e disseminado pelo DOPS do Paraná, através de propaganda,
geralmente de caráter restrito, e dirigida a uma “pequena parcela da população
por meio de documentos sigilosos, que eram dados a conhecer segundo a
confiabilidade que o regime dispensava aos receptores, e que possuía uma
finalidade mais organizativa” (MAGALHÃES, 1997, p. 209).

Em 1969, O II Exército17 produziu um documento Intitulado Decálogo da


Segurança. Este documento foi distribuído pelo Serviço Nacional de Informações
(SNI) para todo o todo o sistema de informações, com a recomendação de que
fosse realizada “ampla difusão e distribuição do mesmo” (DEAP, Fundo DOPS,
pasta 1870.213, p. 119). Nesse documento, que posteriormente foi publicado em
forma de panfleto, o II Exército elaborou um roteiro de dez pontos alertando a
população para ficar atenta contra os “inimigos do regime”. Para efeito da nossa
discussão, apresentamos os pontos 1 e 9:

1: Os terroristas jogam com o medo e o pânico. Somente um povo


prevenido e valente pode combatê-los. Ao ver um assalto ou
alguém em atitude suspeita, não fique indiferente, não finja que
não viu, não seja conivente, avisa logo a polícia. As autoridades lhe
dão todas as garantias, inclusive do anonimato. (DEAP, Fundo
DOPS, pasta 1780.213, p. 121)

17
Na época, o II exército compreendia os Estados de São Paulo e Mato Grosso, integrado pelas
2ª e 9ª Regiões Militares.

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9. Quando um novo morador se mudar para o seu edifício ou para


o seu quarteirão, avise logo a polícia ou o quartel mais próximo.
As autoridades lhe dão todas as garantias, inclusive do anonimato.
(DEAP, Fundo DOPS, pasta 1780.213, p. 122)

Na lógica da polícia política, todo indivíduo, até que se prove ao contrário,


é um suspeito. E como suspeito, a população também precisa exercer a
constante vigilância, harmonizando-se com o Estado nessa função. Foucault, ao
tratar do poder disciplinar, enfatiza que o poder tem a "função maior de adestrar
ou adestrar para melhor retirar e se apropriar" (FOUCAULT, 1993, p. 29) de
indivíduos ou de parte da sociedade. De certa forma, os órgãos de segurança
estabeleceram essa relação com a sociedade em diversas conjunturas, como no
caso da Ditadura Militar e já apontado por Marcília Silva (2007), algumas laudas
acima. No caso dos delatores, eles podem ser observados, na linguagem de
Foucault, como corpos adestrados em benefício da ordem e da segurança do
país. As Cartas e os bilhetes, como vimos no terceiro tópico, podem ser definidos
como uma mentalidade da informação, ou como um tipo específico de poder, já
que o ato de informar pode ser caracterizado como uma forma de exercer,
perante a sociedade, um comportamento vigilante, que torna o informante um
sujeito participante da manutenção da ordem.

Uma das práticas mais recorrentes da delação é o anonimato. No Decálogo


da Segurança elaborado pelo II Exército e ao qual nos referimos acima, ao final
de cada item era reforçada a expressão: “As autoridades lhe dão todas as
garantias, inclusive do anonimato”. De certa forma, essa indicação reforçava a
prática da delação, já que o delator se sentia seguro pelo exercício do anonimato
e da segurança que não seria descoberto pelos delatados e autoridades. Mas não
era uma questão tranquila para eles. Vejamos.

Na carta que a mãe de uma estudante de medicina enviou ao DOPS/PE,


conforme analisou Marcília Gama da Silva, encontramos a justificativa da
delatora: "Como se trata de assunto sigiloso e perigoso, não posso revelar minha
identidade, mesmo fazendo com respeito à minha filha, pois poderia sofrer
consequências funestas, caso descobrissem que ela é minha filha e que eu os
denunciei" (SILVA, M., 2007, p. 66).

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Delatores e práticas de delação no limiar da Ditadura Militar do Brasil
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Nos exemplos dos delatores do Paraná, que estamos analisando, quase


todos vão ao encontro dessa ideia. A “mãe e esposa brasileira” diz que não pode
se identificar por medo de que abram a carta no correio. A “vizinha da comuna”
não se identificou pelo temor de que “não ficaria bem para mim”. A maioria
utilizava pseudônimos, como a “a mãe e esposa brasileira”; a “brasileira e mãe”
ou o “bom brasileiro”. Outros não se identificavam. E uma minoria assinava a
denúncia, embora não tenhamos certeza de que esse fosse o seu nome
verdadeiro, como é o caso de E.M.J.

A “máscara do anonimato” [Le masque de l’anonymat, no original] cunhou


Marion Brepohl para denominar uma prática de “homens comuns” mas que se
achavam encorajados, exatamente pelo anonimato, a denunciar, de maneira
perniciosa, os opositores do regime militar, independente de qual papel exerciam
nos movimentos de resistência à ditadura (MAGALHÃES, 2009).

Segundo Hannah Arendt, o anonimato é uma “condição essencial no


processo de denúncia” (2004, p. 81). Ao fazer uma denúncia, delatando uma
pessoa, o homem comum se sente envergonhado, embora, paradoxalmente, se
sinta encorajado pela propaganda do regime autoritário, pois o seu ato de delação
contribui para manter a ordem social estabelecida e livrar a nação dos inimigos
mais nefastos; o comunista, o estrangeiro, o estudante, a mulher. Logo, eles não
precisam prestar contas. Como suas denúncias são anônimas não são chamados
a nenhuma responsabilidade jurídica, política ou social.

5. Considerações finais (algumas chaves explicativas)


A delação e a colaboração com os órgãos de segurança, em si, são
“práticas irresponsáveis” (RODRIGUES, 2016), pois são atos que ferem vários
valores, como a vida, a honra, a reputação, a imagem, a própria dignidade
humana. E suas motivações, se por um lado, revelam algo mais concreto, visível,
como a preocupação com a ordem pública e o bem da sociedade, por outro,
revelam sentimentos ocultos, como a inveja, o ódio, o ressentimento, a intriga, o
desejo de vingança pessoal ou política. Portanto, sem ter a intenção de esgotar
o assunto, o que seria impossível no limite de um artigo, expomos algumas
chaves explicativas.

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Delatores e práticas de delação no limiar da Ditadura Militar do Brasil
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Primeiro é a questão clássica do anticomunismo. Nos bilhetes e nas cartas


encaminhados à polícia, algumas frases são emblemáticas. Os autores exigem a
“completa erradicação do comunismo”, a “repressão aos comunistas”, a
“apreensão e destruição de livros comunistas” e vinculam os comunistas como
sujeitos nocivos, ora tratando-os como “bandidos vermelhos”, “perigosos”,
“degenerados” “bárbaros” etc., ora vinculando-os à figuras depreciativas, tais
como “erva daninha” e “monstros”. No seu importante trabalho sobre o
anticomunismo e o imaginário anticomunista, Rodrigo Patto já alertava para esse
processo de evidenciar todos os malefícios que supostamente os comunistas
poderiam provocar para a sociedade liberal e cristã.

O comunismo foi identificado à imagem do “mal”, tal qual as


sociedades humanas normalmente entendem e significam o
fenômeno, ligando-o à ideia de sofrimento, pecado e morte. A
ação dos comunistas traria formas de sofrimento como fome,
miséria, tortura e escravização; a nova organização social por eles
proposta implicaria em pecado, pois questionava a moral cristã
tradicional. (MOTTA, 2002, p. 73)

Não é sem sentido que o demônio seja a mais expressiva imagem utilizada
para representar o comunista como um sujeito do mal. “O diabo é vermelho”,
como bem sentenciou Carla Rodeghero. A literatura especializada sobre o
anticomunismo no Brasil tem revelado uma impressionante e infindável lista de
vocábulos e expressões depreciativas contra os comunistas (ASSUNÇÃO, 2006;
IPÓLITO, 2016; MOTTA, 2002; PRIORI; MATHAIS; FIORUCCI, 2017; RODEGHERO,
2003; SILVA, R., 2017). “Madame Felicidade”, a inquieta delatora que vimos acima,
solicitava que a polícia extirpasse a “erva daninha”18 da sociedade (os comunistas)
para semear uma boa sementeira, ou seja, uma nova sociedade inaugurada
através da força de um golpe militar. Portanto, o anticomunismo nos remete à
ideologia do “perigo vermelho” e à disseminação de concepções e de projetos
conservadores de cunho autoritário. A ditadura militar, as prisões, os exílios, as
torturas e os desaparecimentos de pessoas, no pós-março de 1964, foram
resultados, por excelência, dessa cultura política.

18
“Erva daninha” cujo “sentido é atribuído dentro do imaginário social para se referir a algo que
nasce de forma espontânea e indesejada e interfere sempre de maneira negativa onde floresce,
nesse caso: na pátria” (SILVA, R., 2017, p. 89).

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Delatores e práticas de delação no limiar da Ditadura Militar do Brasil
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Uma outra chave explicativa é a questão do medo. Em uma das cartas que
vimos acima, a autora expressava o temor de que as autoridades não
cumprissem com o seu destino de limpar a sociedade dos comunistas. Em outra
carta, dizendo-se ameaçado de morte, o vigário de Santa Amélia clamava por
uma limpeza dos comuno petebistas da cidade. Uma terceira manifestava
preocupação com a atuação das forças da repressão, pois segundo o autor,
estava havendo um “amolecimento” e, com isso, os comunistas já estavam
novamente “levantando a cabeça”. Esse temor contra o triunfo dos comunistas
é recorrente na maioria das denúncias.

Mas, como enfatiza Jean Delumeau, "nada é mais difícil de analisar do que
o medo, e a dificuldade aumenta ainda mais quando se trata de passar do
indivíduo ao coletivo" (2009, p. 29). No sentido estrito do termo, o medo individual
é uma “emoção-choque” que provoca uma tomada de consciência de um perigo
e que pode provocar a ameaça da conservação da vida humana, como por
exemplo, o medo de um acidente de avião ou de uma tempestade. E o coletivo?
Delumeau, ao pensar a transformação do individual ao coletivo, pergunta: "o que
se entende por coletivo?" e agrega dois significados. Primeiro: que coletivo pode
designar uma multidão, pensando a multidão das mais diversas formas, sofrendo
as ações de pânico e de medo (como por exemplo o medo do desabastecimento
provocado pela greve dos caminhoneiros em 2018, para ficar em um caso recente
do Brasil). Segundo: que coletivo pode ser um homem qualquer na qualidade de
amostra anônima de um grupo. Nos parece que os casos dos delatores que
estamos analisando se adequam mais a esta segunda característica, pois como
enfatiza, neste caso, Delumeau:

O termo medo ganha um significado menos rigoroso e mais amplo


do que nas experiências individuais, e esse singular coletivo
recobre uma gama de emoções que vai do temor e da apreensão
aos mais vivos terrores. O medo é aqui o hábito que se tem, em
um grupo humano, de temer tal ou tal ameaça (real ou imaginária).
(DELUMEAU, 2009, p. 32)

Portanto, o medo é um sentimento produzido por uma “causa identificada,


que ameaça a segurança, a existência ou a integridade do indivíduo ou da
sociedade" (LAURO, 2019, p. 510). Zygmunt Bauman em seu livro Medo Líquido

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(2006) nos fornece algumas reflexões que ajudam na compreensão do


fenômeno. Para ele, o medo é o nome que nós damos para a nossa incerteza. E
se torna mais assustador quando é difuso, disperso ou assombroso. Bauman diz
que os seres humanos conhecem um medo de segundo grau, um medo derivado,
que é um sentimento suscetível ao perigo. Um medo social. Isso traz uma
sensação de insegurança e vulnerabilidade. E o que traz insegurança para os
delatores é o medo do comunismo. “O sentimento anticomunista nasceu
espontaneamente, gerado pelo medo e pela insegurança”, escreveu Rodrigo Patto
(MOTTA, 2002, p. 5).

O comunismo desperta medo. Para os católicos, como a “brasileira e mãe”


que marchou nas manifestações da “Família, com Deus pela Liberdade” ou para
o anônimo que clamava “por Deus” ao delegado da localidade de Harmonia, o
problema do comunismo não era a defesa dos trabalhadores ou dos
camponeses, mas sim a concepção de suas doutrinas, que questionava as bases
da religião, como por exemplo, a negação de Deus e o apego ao materialismo. Na
concepção desses delatores, o medo pela vitória dos “comunistas” era ter suas
bases católicas corroídas até a extinção de sua religião. A ideia de que os
comunistas colocavam a família brasileira em perigo sensibilizou, sobretudo, as
mulheres de classe média. O principal lema das Marchas da Família com Deus
pela Liberdade era exatamente a preservação da instituição familiar, o que
explica algumas delatoras se qualificarem nas suas denúncias como “mãe e
brasileira”, “mãe e esposa brasileira”. No mesmo sentido, os campos político e
empresarial conservador também tinham um discurso intenso de medo do
comunismo. Não é à toa que nos primeiros meses de 1964, o medo do
comunismo provocou poderosas mobilizações conservadoras com o apoio da
chamada grande imprensa. O medo era mais amplo e coletivo.

Mas teria algum fundamento esse medo? Que ameaça representavam os


comunistas à ordem social estabelecida ou à instituição familiar, por exemplo?
Evidente que essas questões só podem ser respondidas tendo como parâmetro
a análise da conjuntura do momento. As cartas e os bilhetes que estamos
analisando foram escritos em uma conjuntura política pós-golpe civil-militar. Se
fosse no momento anterior, talvez, o medo seria real, pois existia uma

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Delatores e práticas de delação no limiar da Ditadura Militar do Brasil
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mobilização comunista bastante intensa. Mas com o limiar da Ditadura,


lembremos, a operação limpeza avançou com eficaz destreza na prisão dos
comunistas, dos sindicalistas, dos operários e dos camponeses. Logo, a ameaça
comunista naquela conjuntura era muito mais imaginada, inventada, do que real.

O medo nos permite enxergar os delatores pela sua dimensão política e


social, mas também pelos seus sentimentos, mentalidade e cultura. O
sentimento do vigário de Santa Amélia é sincero, quando ele enfatiza que limpar
a cidade (ou seja, exterminar os comunistas) é uma obra de misericórdia. Ou
quando o delator E.J.M. cobrava da polícia o confisco de livros vendidos em uma
livraria, por ser literatura "podre, subversiva e caluniosa" e que poderia
contaminar o espírito inocente dos curitibanos. Não é só o medo do comunismo.
É um conjunto de medos. Medo da falta de segurança, das ideias conflitantes, da
ineficiência da polícia em combater o inimigo, real ou imaginário, do outro
(estrangeiros, mulheres, prostitutas, estudantes) e medos morais (defesa da
moral e dos bons costumes). Essas dimensões do ser humano permitem aos
historiadores compreender a sociedade em toda a sua complexidade. A bela
definição de Cervantes, em Don Quijote ajuda a elucidar: “O medo tem muitos
olhos e enxerga coisas no subterrâneo” (CERVANTES, 1999, p. 104, tradução
nossa). Cabe aos historiadores explorar esses subterrâneos e, como alertou
Delumeau (2009, p. 14), rever esse silêncio prolongado sobre o medo na história.

O ressentimento é outra chave explicativa. Nós vimos nas denúncias


apresentadas no terceiro tópico que a maioria dos delatores tinham proximidade
quase íntima com os delatados. Uma delatora que se intitulava “vizinha da
comuna”; uma outra que era moradora vizinha do endereço denunciado, a ponto
de detalhar a rotina da casa; um outro delator conhecia os livros “podres e
subversivos” da livraria; uma outra delatora que denunciou com detalhes a vida
do comerciante estrangeiro; um outro relatava as atividades do líder comunista
José Rodrigues Vieira Netto, apontando que se ele não fosse neutralizado não
haveria o desmantelamento da atuação dos comunistas no Estado; o vigário que
relatou informações próximas dos vereadores de Santa Amélia e outros
suspeitos do interior do estado.

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Delatores e práticas de delação no limiar da Ditadura Militar do Brasil
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Como podemos verificar, o bairro, a rua, a casa, o estabelecimento


comercial são espaços cotidianos que de certa forma, foram afetados pela lógica
da suspeição em relação ao outro, ao diferente. E com isso, as relações de
convivência, de vizinhança, de trabalho e de amizade também são afetadas a
partir da ação do Estado.

As delações e a vingança impõem sua lógica nesses contextos de climas


conflitivos. O golpe civil-militar e a instauração da ditadura podem ter sido um
subterfúgio para se resolver problemas locais, rivalidades pessoais, inimizades,
brigas de vizinhos etc. O ódio e o rancor – dos desde abaixo, como dizia Gellately
– se materializam nas delações e isso permite a intervenção da polícia política e
de outros órgãos de segurança do Estado na ação de investigação e, muitas
vezes, na prisão e na condenação dos delatados. As instituições, desde acima
portanto, arbitrando esses ressentimentos, muitas vezes manchados de sangue.

Mas o que é o ressentimento? Segundo Maria Rita Kehl, o ressentimento é


uma "constelação afetiva que serve aos conflitos característicos do homem
contemporâneo, entre as exigências e as configurações imaginárias próprias do
individualismo, e os mecanismos de defesa do eu a serviço do narcisismo" (2004,
p. 11). Max Scheler (1958), em seu texto centenário, publicado em 1912, já apontava
que o ressentimento é uma “constelação afetiva”, constituída de uma conjunção
maligna formada pelo rancor, pela raiva, pela maldade, por ciúmes, pela inveja,
pela malícia e por uma boa dose de desejo de vingança. Ou seja, para o
ressentido, o desejo de vingança exerce um papel predominante. Pierre Ansart
(2004) também alertava para essas questões. Segundo ele, é preciso considerar
os rancores, as invejas, os desejos de vingança, o ódio, as hostilidades ocultas e
os fantasmas da morte, pois são exatamente esses os sentimentos e
representações designados pelo termo ressentimento.

A vingança é um prato que se come frio, diz um ditado popular. E a delação


pode ser a resposta de algo que aconteceu há algum tempo, fantasmas que
estavam suspensos, escondidos em algum baú da memória, mas sempre
alimentados pela raiva, pela inveja, pelo ódio. Esses sentimentos podem ficar
silenciados por tempos, nos subterrâneos da memória, mas não são esquecidos.
E no momento oportuno eles emergem à superfície. E os delatores perceberam

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que a conjuntura do golpe, da caça às bruxas, das ações policiais, da chamada


operação limpeza promoveram oportunidades para poder delatar à polícia
política e aos órgãos de segurança o seu vizinho, o seu parente, o seu colega de
trabalho, por alguma injustiça que tenham sofrido ou que pensam ter sofrido, e
que até então não tinham tido coragem de agir. É a reação adiada, a vingança
adiada, como nos explica a teoria psicanalítica sobre o ressentimento.

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Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC


Programa de Pós-Graduação em História - PPGH
Revista Tempo e Argumento
Volume 13 - Número 32 - Ano 2021
tempoeargumento@gmail.com

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