Katia ABUD. Musica Popular Na Sala de Aula
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Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n. 67, p. 309-317, set./dez. 2005 309
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Registro e representação do cotidiano: a música popular na aula de história
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Katia Maria Abud
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mento que tem sido dado a tais letras é no máximo o que se daria a um
documento literário. As propostas de análise para os alunos são fundamen-
talmente as que orientam para extração de informações, desprezando ou-
tros aspectos da formação, pois há que se levar em conta as simbologias, as
figuras de linguagem presentes na construção literária das letras. Luis Tatit
(2004, p. 41) nos lembra que “o canto sempre foi uma dimensão
potencializada da fala. (...) a fala contém suas próprias leis que interagem
continuamente com as leis musicais, gerando aquilo que depreendemos
como relações de compatibilidade entre melodia e letra”.
Assim, por meio da linguagem oral cotidiana, veicula-se um con-
teúdo que depende da base acústica inscrita nos fonemas e nas entonações,
mas não há necessidade de preservação da sonoridade – a fala se torna au-
tônoma enquanto canto e autores e intérpretes mandam recados, criam
polêmicas, fazem declarações ou reclamações de amor, comentam o dia-a-
dia, produzem tiradas de humor. Registram, enfim, o que acontece ao re-
dor do sujeito que escreve e interpreta a obra musical.
O registro, tratado como documento histórico em linguagem al-
ternativa, é um instrumento para o desenvolvimento de conceitos histó-
ricos e para a formação histórica dos alunos, conduzindo-os à elaboração
da consciência histórica, tal como Rüsen a concebe. Tomemos, como
exemplo, Três apitos, de Noel Rosa, de 1933 (extraído de <http://
www.musicasmaq.com.br/tresapit.htm>):
Você no inverno
Sem meias vai pro trabalho,
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A relação entre o fato de não usar meias e ser volúvel fica bastante
evidente.
Mais um elemento novo, que fora introduzido na vida urbana bur-
guesa, o automóvel também se faz presente na letra da música de Noel
Rosa. Símbolo de status e de abastada posição social, produzido no exteri-
or, o automóvel, mais que um meio de transporte, era um instrumento de
entretenimento. Com ele se fazia o corso carnavalesco e rodar pelas aveni-
das litorâneas em automóvel substituiu, para os rapazes das famílias ricas,
o antigo footing.
Não se pode pensar que todas as referências sejam propositais. O
autor e suas canções estavam inseridos em um determinado contexto que
influenciava e aparecia consciente ou inconscientemente em sua obra. Es-
sas canções estavam repletas de características do mundo burguês, criti-
cando seus valores e simbologias. Por meio da ironia e da paródia, a reali-
dade social tomou forma nos versos, característicos da visão de mundo do
compositor.
Resta ainda enfatizar que a letra se casa com a melodia que, nesse
samba-canção, se inicia com uma seqüência de quatro semitons ascenden-
tes que representam um lamento, salientado pelo próprio ritmo que a
complementa. Essa semitonalidade está presente na canção, em certos mo-
mentos abrindo para notas mais altas, demonstrando uma tentativa de su-
plantar o barulho produzido pela máquina de tecer, na qual se debruça
aquela a quem a canção se dirige. No último verso de cada estrofe, a melo-
dia adquire um tom mais alto durante um compasso e depois desce até o
final, salientando a aflição do autor por não ser ouvido e não estar integra-
do ao mesmo mundo que sua amada (Bicca Jr., 2001).
Um trabalho com a linguagem expressa das canções foge ao conven-
cional em sala de aula. Seu propósito é auxiliar o aluno a construir o co-
nhecimento histórico a partir de documentos diferenciados dos costu-
meiramente presentes nas aulas e, por isso, sua utilização está relacionada
a propostas alternativas de organização de conteúdos. Os diferentes temas
tratados na canção (trabalho, disciplina do trabalho, mentalidade, cotidia-
no, moda, comportamentos, entre outros) podem sugerir ao professor no-
vos roteiros de organização dos conteúdos a serem desenvolvidos, desvian-
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Referências bibliográficas
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