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Epilepsy and
Clinical
Neurophysiology
J Epilepsy Clin Neurophysiol 2005; 11(4 suppl. 1):16-19
Estudos Epidemiológicos
Marleide da Mota Gomes*, Li Min Li**, Valentina Nicole-Carvalho***
Comissão de Epidemiologia Clínica da Liga Brasileira de Epilepsia
RESUMO
Os estudos epidemiológicos podem ser primários ou secundários. Dentre os primeiros, arrolamos os seccionais
(transversais ou de prevalência) de maior viabilidade de realização, além dos longitudinais (como os que
avaliam incidência) e destacamos os que enfocam taxas de morbidade ou mortalidade, e também os de
qualidade de vida, de qualidade de atendimento, além dos de análise econômica. Dentre os secundários,
mencionamos os advindos de registros regulares, como os da Vigilância Epidemiológica e do DATASUS. Os
estudos de intervenção comunitária a serem enfatizados podem ser os relacionados a autocontrole dos pa-
cientes, com base cognitivo-comportamental. A realização e difusão das revisões sistemáticas podem ser
úteis para o estudo auto-dirigido e melhoria da qualidade de atendimento pelos clínicos gerais, com papel
primordial no atendimento qualificado de grande parte da população com epilepsia ou com evento similar.
Unitermos: epilepsia, estudos comunitários, epidemiologia, medicina baseada em evidências.
ABSTRACT
Epidemiological Studies
The epidemiological studies can be primary or secondary. Among the former, we mention the cross-sectional
studies (controlled or not - prevalence studies), which is rather easier in execution, and longitudinal studies
(such as those of incidence evaluation). We highlight studies that focus on morbidity or mortality rates, but
also those aiming to assess quality of life, quality of care, and economical analysis. Among the secondary
ones, we mentioned those from regular registers, such as the Epidemic Surveillance and of DATASUS. The
community-based interventional studies should regard patients’ self-control, in particular to approaches
cognitive-behavioral based intervention. The construction and spreading of the systematic revisions can be
useful for the medical continuous education and improvement of the general practitioner quality of care
that covers great part of the population with epilepsy or with event alike.
Key words: epilepsy, community studies, epidemiology, evidence based medicine.
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Estudos epidemiológicos
clui-se que a Epidemiologia associada à Medicina Social dissociam muito de padrão básico encontrado. Acredita-
envolve-se mais com o comunitário e a MBE, ao indivi- mos que não se deva despender muito mais capital para
dual. A primeira prática é mais voltada a programas em gerá-los em nosso meio, a menos que se considere que a
saúde pública e a outra, indiretamente também, pois pode população a ser estudada divirja da média por estar mais
promover a qualificação dos clínicos e de suas práticas atra- sujeita a alguns fatores de risco ou devido a peculiarida-
vés da educação continuada oferecida principalmente pe- des socioculturais. Vários estudos já foram realizados em
las diretrizes clínicas e outras revisões sistemáticas. Alguns nosso meio, a mencionar dois que redundaram em outros
aspectos epidemiológicos sobre as pessoas com epilepsia estudos secundários que podem contribuir com as carac-
(PCE) são fundamentais para delinearmos estudos comu- terísticas da distribuição das PCE na população: um estu-
nitários da área(2,3), tais como:1. as populações mais sujei- do porta-a-porta, de uma pequena comunidade de baixa
tas a ela encontram-se na infância e na terceira idade; renda(6) e outro de amostra de uma população grande(7).
2. as PCE predominantemente são controladas clinicamen- No primeiro, ressaltamos a abordagem dos seus resultados
te em unidades ambulatoriais; 3. em unidades de cuidados falso-positivos e, assim, o perfil dos casos de eventos não
primários, a prevalência de epilepsia é de apenas 0,72%, epilépticos na população(8). Isso é de especial valia, pois os
0,49-1,38%(4); 4. mas, 15% dos pacientes dos mais refratá- clínicos usualmente vão lidar mais com eles e muito me-
rios perfazem ≥ 50% do custo total da doença, (Begley nos com os eventos propriamente epilépticos. Outra pos-
et al., 1994, apud Platt e Sperling, 2002(5)). Esses aspectos sibilidade é a partir da prevalência da epilepsia na popula-
se associam à particularidade das pessoas com epilepsia ne- ção se estimar o hiato entre os tratados e os não tratados
cessitarem de tratar não somente da sua epilepsia e co- com DAE, e assim, a deficiência da cobertura de trata-
morbidades, mas também de superar a sua baixa estima e mento na população(9).
o estigma, além de usar adequadamente as DAE e ter esti- Nos casos prevalentes, podemos fazer um estudo
lo de vida adequado. No nosso meio, necessitamos de me- transversal ao se estimar a associação com co-morbidade
lhores definições sobre causas, freqüência e tipos/gravida- psicopatológica(10) ou carga da baixa qualidade de vida en-
de da condição entre faixas etárias, etnias e comunidades, tre pessoas com epilepsia com particularidades para faixas
bem como dos recursos utilizados e sua adequação. Isso etárias, como crianças, adolescentes e idosos, por exem-
representa grande impasse, pelas diversidades geográficas plo. Assim, se identifica disparidades de saúde e necessi-
e sócio-econômicas no Brasil. No entanto, esses dados dades não atendidas com sugestão para mais cuidados com
podem ser inferidos de outras avaliações. Com esse pre- os grupos desfavorecidos. Outra questão importante é a
âmbulo, podemos conduzir alguns tipos de estudos: pri- da qualidade de atendimento em populações específicas.
mários, pela facilidade de execução, mais os que avaliam Lembra-se que nessa avaliação há coleção sistemática,
prevalência do que incidência (os ideais), relacionados a análise e interpretação de dados de saúde necessários para
taxas mortalidade/morbidade, avaliação de fatores de ris- projetar, implementar e avaliar programas de saúde públi-
co/co-morbidades/qualidade de vida ou qualidade de aten- ca relacionados à epilepsia. Os resultados desses estudos
dimento e análise econômica. Nesses estudos primários, podem favorecer políticas públicas desenhadas para me-
se incluem os de intervenções amplas, principalmente os lhorar as características do atendimento(11). Em todos os
de natureza psicossocial e de autocontrole. Os estudos tam- níveis de atendimento podem ser realizadas auditorias (re-
bém podem ser derivados de dados secundários a partir de trospectivas e/ou prospectivas) para serem reconhecidas a
registros regulares. Tendo em vista a importância das revi- estrutura (recursos existentes), processo (como se diagnos-
sões sistemáticas, os epileptologistas podem se envolver na tica e trata, por exemplo) e resultados dos atendimentos
realização dessas revisões sobre questões da área. A seguir, (quantos PCE controlados, por exemplo). Pela reconheci-
vamos procurar desdobrar esses estudos epidemiológicos da precariedade de atendimento às PCE, mais ainda o exis-
com maior impacto populacional. tente em países em desenvolvimento(4,12), sugerimos que a
LBE desenvolva premissas de atendimento nos seus vários
ESTUDOS SECCIONAIS•
níveis(13) que poderão ser seguidas por auditoria pros-
Os estudos de prevalência de epilepsia se desdobram pectiva. Isso a ser efetivado idealmente com a parceria do
na literatura médica. As taxas encontradas não se MEC e MS. Os estudos sobre qualidade de atendimento
também poderiam ser mais circunscritos, tipo o que ora se
* Os estudos seccionais se dividem entre os de prevalência e os trans- inicia como o de avaliar a prática/processo em laborató-
versais. Os primeiros estudam as taxas de ocorrência dos eventos na rios de EEG, em uma capital nordestina(14). A avaliação
população e os demais, o quanto esses eventos estão relacionados a
fatores causais, por exemplo: em um estudo comunitário porta-a- das propensões e práticas, inclusive de referência dos pa-
porta sobre a prevalência de epilepsia (estudo de prevalência), tam- cientes, por parte dos clínicos gerais pode dar uma idéia
bém se estuda o quanto os epilépticos e os não epilépticos apresen-
tam eventualmente relação com a doença cerebrovascular (estudo da qualidade de atendimento dessa clientela(15). Principal-
transversal). mente, por sabermos que o reconhecimento da sua com-
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Gomes MM, Li LM, Nicole-Carvalho V
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Estudos epidemiológicos
mília(23), este fundamentado no modelo cubano de cuida- 10. Baker GA, Jacoby A, Chadwick DW. The associations of
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atendimento nesse nível. Os mencionados estudos tam- das sindromicamente pela adaptação da proposição de Panayioto-
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