Estudo Da Personagem e Do Discurso
Estudo Da Personagem e Do Discurso
Estudo Da Personagem e Do Discurso
AVANÇADOS
DA TEORIA
LITERÁRIA
Francisco de Souza Gonçalves
Estudo da personagem
e do discurso
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
Introdução
A personagem é um dos elementos mais importantes de uma narrativa.
Ela é uma das primeiras estâncias responsáveis por cativar o leitor e
prendê-lo ao enredo. Deve, via de regra, reunir características com as
quais o leitor se identifique ou que rechace.
Independentemente de despertar amor ou ódio, a personagem
precisa prender a atenção daquele que lê e servir aos propósitos da
ação narrativa: movimentá-la e ajudar a compassá-la. São os atos das
personagens, em função dos acontecimentos do enredo, que tecem os
fios da trama de uma história.
Assim, para cada finalidade, o autor lança mão de um tipo de perso-
nagem, mistura outros e dá o toque de originalidade de que sua narrativa
necessita. Neste capítulo, além de estudar a personagem de ficção, você
vai conhecer os tipos de discurso que podem estar presentes em uma
narrativa: o discurso direto, o indireto e o indireto livre.
2 Estudo da personagem e do discurso
Personagem de ficção
A personagem pode ser conceituada, de maneira geral, como a representação
de uma figura humana ou humanizada (REIS, 2018), de uma identidade ou de
uma entidade cuja criação se dá em um trabalho de ficção. As personagens
não se restringem apenas a representações de seres humanos, como fica
aparente na conceituação que você acabou de ler. Elas podem ser huma-
noides, entidades extraterrestres, animais, divindades, seres fantásticos,
objetos inanimados.
Etimologicamente, o termo latino persona era usado para descrever a
máscara que o ator usava nas peças teatrais. Por sua vez, o sufixo “age” vem do
verbo agere, que em português significa “agir”. Assim, o termo “personagem”
designaria aquele que é representado pela máscara, encarnado por um ator;
aquele que age. Esse termo, que era, no passado, usado para descrever o papel
desempenhado pelo ator na ação dramática, evoluiu e passou a designar “todo
aquele que age” numa narrativa.
Na obra literária, os delineamentos da personagem ficam, gradativamente,
mais claros ao longo do desenvolvimento do enredo (REIS, 2015). Ou seja, na
medida em que se lê um texto, compreende-se mais o universo em que aquela
representação está imersa, o modo como ela interage com os outros elementos
narrativos e a maneira como os afeta e é afetada por eles.
A construção da personagem
A força dramática de um enredo reside nos anseios de uma personagem por
atingir determinada meta ou aplacar seus desejos. Além disso, reside nos
conflitos que dificultam ou impedem que a personagem alcance o seu objetivo.
A personagem vai se construindo para o leitor aos poucos. Isso acontece a
partir de uma rede de relações e oposições com as outras personagens e com
os demais elementos narrativos, especialmente o narrador.
Há duas linhas de força que dirigem essa caracterização: os aspectos físicos
e os aspectos psicoemocionais. A descrição é a tipologia textual mais usada
para apontar ambos os aspectos. Outra maneira usual para a demarcação da
personagem, especialmente no segundo caso, é a circunscrição minuciosa de
seus atos, pensamentos e até intenções.
Os aspectos físicos concernem à descrição da aparência das personagens,
auxiliando o leitor na montagem da figura ao longo de sua leitura. Essa des-
Estudo da personagem e do discurso 3
Quem antes afiançar que essa moça não se conhece senão através de
ir vivendo à toa. Se tivesse a tolice de se perguntar “quem sou eu?” cairia
estatelada em cheio no chão. É que “quem sou eu?” provoca necessidade.
E como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto.
A pessoa de quem vou falar é tão tola que às vezes sorri para os outros
na rua. Ninguém lhe responde ao sorriso porque nem ao menos a olham
(LISPECTOR, 1977, documento on-line).
Tinha-me lembrado a definição que José Dias dera deles, “olhos de cigana
oblíqua e dissimulada”. Eu não sabia o que era oblíqua, mas dissimulada
sabia, e queria ver se podiam chamar assim. Capitu deixou-se fitar e
examinar. Só me perguntava o que era, se nunca os vira, eu nada achei
extraordinário; a cor e a doçura eram minhas conhecidas. A demora da
contemplação creio que lhe deu outra ideia do meu intento; imaginou
que era um pretexto para mirá-los mais de perto, com os meus olhos
Estudo da personagem e do discurso 5
Tipos de personagem
Protagonista
É a personagem mais bem desenvolvida na obra e em torno da qual os acon-
tecimentos orbitam. Suas experiências são o foco da narrativa. Além disso,
ela é a referência do que o leitor sabe a respeito do enredo.
Coprotagonista
É a segunda personagem mais importante da história, pois ela está muito
próxima do protagonista e o auxilia a atingir seus objetivos no enredo. Os
coprotagonistas trazem complexidade à trama, permitindo a focalização de
aspectos distintos do tema central. Em alguns casos, pode existir mais de um
coprotagonista.
Antagonista
Ele pode ser um objeto, um animal, um monstro, um espírito, uma institui-
ção, um grupo social, uma limitação de ordem física, psicológica, social ou
cultural. Esse tipo de personagem dificulta ou impede que o protagonista
alcance seu objetivo.
Oponente
Esse tipo de personagem está muito ligado ao antagonista e partilha do mesmo
desejo que ele. Os dois são parceiros, em uma relação similar à existente entre
protagonista e coprotagonista.
Falso protagonista
Esse tipo de personagem é apresentado a fim de induzir o leitor a acreditar
que ele pode ser o protagonista da trama. Contudo, no decorrer da história, o
verdadeiro foco principal do enredo é revelado.
Ned Stark, da série de livros Crônicas de Gelo e Fogo (adaptada para a TV como Game
of Thrones), parece ser um dos heróis/protagonistas no primeiro livro, mas ele morre
no final da obra. A partir do segundo livro, percebe-se que há muitos protagonistas
na narrativa e que nenhum personagem é simplesmente “bom” ou “ruim”.
Coadjuvante
Esse personagem é secundário, pois ajuda no desenrolar da trama. As suas
aparições e a sua importância podem variar conforme o enredo.
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Figurante
Esse tipo de personagem serve mais para ilustrar e compor um cenário. Ele
não tem relação profunda com as demais personagens.
Personagem e discurso
Agora, você vai conhecer os tipos de discurso que compõem uma narrativa.
Eles se constituem de acordo com o modo como as falas das personagens são
expostas e intermediadas pelo narrador. O discurso é a prática humana de
construir textos orais ou escritos. Como a personagem é uma representação
humana ou humanizada num texto, a voz é primordial para a sua condição.
No momento em que se dá voz a uma personagem é que o discurso aparece.
Num texto narrativo, as histórias podem ser marcadas por diálogos e falas.
Há pelo menos três modos de inserir o discurso no texto, como você vai
ver a seguir.
Discurso direto
Acontece quando o narrador abre espaço para a personagem falar de forma
direta. Nesse tipo de discurso, a fala da personagem é visível, ou seja, não
é parafraseada pelo narrador. Assim, o discurso direto caracteriza-se pelo
uso do verbo dicendi (dizendo). A introdução desse tipo de verbo quer dizer
que o narrador abre espaço para a personagem falar por meio dos “próprios
lábios”. Outros verbos dicendi são: exclamar, afi rmar, dizer, indagar, per-
guntar, ordenar, pedir, responder, etc. Outra marca importante desse formato
de discurso é o uso do travessão quando a personagem se expressa e, em
alguns casos, de aspas. No exemplo a seguir, repare na expressão “disse o
motorista” (segunda linha):
Discurso indireto
Ocorre quando o narrador fala pela personagem. Veja:
Verbos
Pronomes
Advérbios
Leituras recomendadas
ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Site. [c2018]. Disponível em: <http://www.academia.
org.br/>. Acesso em: 15 out. 2018.
ASSIS, M. Memórias póstumas de Brás Cubas. [S.l.]: Ciranda Cultural, 2007.
BRAIT, B. A personagem. São Paulo: Contexto, 2017.
CÂNDIDO, A. et al. A personagem de ficção. São Paulo: Perspectiva, 2017.
CHRISTIE, A. Tragédia em três atos. Porto Alegre: L&PM, 2012.
EAGLETON, T. Teoria da literatura: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
FLAUBERT, G. Madame Bovary. Londres: Penguin, 2011.
MARTIN, G. R. R. As crônicas de gelo e fogo. [S.l.]: Casa Da Palavra, [2012]. 5 v.
ROWLING, J. K. Caixa Harry Potter. São Paulo: Rocco, 2017.
TOLKIEN, J. R. R. O Senhor dos Anéis. São Paulo: Martins Fontes, 2013. 3 v.
WEISBERGER, L. O diabo veste Prada. Rio de Janeiro: Record, 2004.