Seres Racionais
Seres Racionais
1. O desafio da humanização
O ser humano é essencialmente incompleto. É um p rojeto, cuja e xistência é
um
permanente processo de complementação. O humano no homem não é um dado
biológico fixo, mas um patamar de existência a ser conquistado.
A incompletude humana pode ser facilmente sentida. Não se encontram
pessoas completamente satisfeitas com seu estado atual ou situação de vida. A
satisfação de uma a spiração é o trampolim para o desej o de uma nova situação. É
assim co m o salário que se rece be, com o circulo de relações que se cultiva, com
a
casa em que se vive, com os conhecimentos que se têm. Até m esmo a extensão d a
vida humana biológica é insatisfatória: aspira-se à eternidade...
A necessidade de complementação é parte congênita da natureza humana, pois
está lá, ainda que dela não se tenha consciência. Esse movimento inato é identificado
como “impulso de atualização de si”. Mohana o de screve como “energia que empurra
todas as potências vitais de dentro de nós, exprimindo-as em formas de vida. Essa
energia que faz co m que eu ho je manifeste, sem precisar saber como, todos os sinais
de vida que a pedra não manifesta”. 1
A humanização se faz na mudança para o crescimento. É pela negação do
estado atuar d e co isas que cada individuo humano comp lementa -se e cresce. A
humanização se dá pelo suprimento de necessidades que sentimos, qua ndo fazemos
algo com nosso atual estado . Com efeito, a gimos de forma a sup rir carên cias,
necessidades sentidas, no nível biológico, social e transcendental, os três
componentes primários geradores de toda a atividade humana.
Caracterizado como animal racional, o ser humano é capaz de duas esferas d e
atividade: prática (animal) e teó rica (racional). Animais são c ap azes de dois
mecanismos básicos para a produção de respostas às suas necessidades: o
mecanismo instintivo, que atu a pela p ura utilização dos impul sos naturais de que é
dotado; o mecanismo automático, uma “rotina” nele incutida, geralmente pe lo homem.
Como para qualquer outro animal, para o homem a rotina é um conjunto bem -vindo
de atividades, escolhidas e mantidas, entre todas as outras atividades, por
demonstrar certo grau d e ef iciência/eficácia. Ações instintivas e/ou rotineiras
constituem-se no n ível prático de a tividade do ser humano, seu nível existencial de
vida.
Seres racionais, entretanto, são capazes também de pen sar, isto é, são capazes
de transformar necessidades sentidas em problemas e de gerar soluções para os
problemas. Em seguida, é capaz de escolher, pe lo ato voluntário -racional do arbítrio,
qual dentre as soluções geradas lhe parece a melhor resposta a ser aplicada à
necessidade geradora inicial. Ações racionais constituem a atividade teórica d o ser
humano, o nível intelectual da vida.
Ação teórica e ação prática são indissociáveis no homem, como o são sua
animalidade e racionalidade. Na verdade, a fun ção essencial da razão humana é
melhorar a vida; da teo ria, aprimorar a prática; da racionalidade, melhorar o animal
humano.
Dai o d esafio maior da vida de cada indivíduo humano, que se apresenta como
três momentos: 1. conhecer as neces sidades de que é portador, ou seja, ser capaz
de responder à pergunta: “De que preciso?” 2. conhecer as potencialidades, isto é,
aquilo que pode ser utiliza do para suprir as necessidades. Deve ser capaz de
responder à pergunta: ‘De que dispo nho?” 3. estabelecer, então, relações adequadas
entre as necessidades e as potencialidades.
A satisfação ind ividual garante -se p elo ajuste adequado entre necessidades e
potencialidades. Um conjunto signif icativo de satisfações garante a sensa ção de
realização; u m conjunto significat ivo de realizações é a quilo que se den omina
estado
de felicidade. Concomitantemente, necessidades podem não ser satisfeitas de forma
adequada, o que gera f rustração. Um conjunto significativo de f rustrações é aquilo
que se denomina estado de infelicidade. Importante ressaltar a pre sença dos dois
estados f inais na vida do se r humano. O e stado de felicidade não é incompatível com
o estado de infelicidade no mesmo ser humano: sã o momentos dialético s do pro -
cesso de realização.
2. Moral
A atividade humana, prática e teórica, se estabelece e permanece, naqueles
seus aspectos consiierados válidos pa ra a com plementação do projeto humano. Ao
conjunto escolhido e organizado de problemas, soluções e respostas que a hu -
manidade gerou para si dá-se o nome de cultura humana.
Entre as várias possibilidades de atividade, apresenta das pela cultura humana,
há a quelas julgadas melhores e aque las julgadas piores . As melho res são aquelas
indicadas como mais eficazes para a realização dos ind ividuos; piores são aquelas
menos eficazes ou, eventualmente, ruinosas para a realização ou bem do homem. O
julgamento e a conseqüente indicação ou escolha das ações se faz pela n oção de
justiça, entendida como o critério distributivo do bem (das possibilida des de
realização). Uma ação é julgada boa, porque justa, isto é, distribui o b em de
maneira
satisfatória; é má, porque injusta, isto é, distribui o bem de maneira in satisf atória ou
danosa à realização humana.
Moral é o conjunto de háb itos e costumes, efetivamente vivencíados por um
grupo humano. Nas culturas dos grupos humanos estão presentes h ábitos e
costumes con siderados válidos, porque bons; bons, porque justos; j ustos, porque
contribuem para a realização dos indivíduos. Atos gerado s confor me esses hábitos
serão julgados m orais ou mo ralmente bons. Por outro lado, há hábitos e costumes
considerados inválidos, porque maus; maus, porque inju stos; injustos, porque at rapa-
lham ou impedem a realização dos ind ividuos. Os atos gera d os conforme esses
hábitos serão julgados como imorais, ou moralmente maus. Por ex emplo, o
casamento é um costume válido, po is, como ato constitutivo de uma família, é um
mecanismo importante para a procriação , cuidados biológicos iniciais, geração de
afeto para o s indivíduos. P or isso, casar -se é considerado um ato moralm ente bom. A
propriedade privada é válida, m oralmente boa, porque a julgamos nece ssária pa ra a
manutenção de certa form a de organização social, supostam ente realizadora do
homem.
Note-se que compete ao grupo em questão o estabelecimento de padrões para
a utilização desses e de outros há bitos/ costumes, bem como os limites para sua boa
ou má utilização. Julga -se, a partir dai, moral a boa utilização e imoral a má u
tlização
dos hábitos e costumes disponíveis no meio cultural.
3. Lei
Hábitos e costumes relativos a conteúdos julgado s fun damentais, indispen sáveis
para o s individuos, são consignado s na f orma de leis. Leis são acordos de caráter
obrigatório, estabelecidos entre pessoas de um grupo, para gara ntir justiça mínima,
ou direitos mínimos de ser. P or exemplo, é um co stume, estabelecido a pa rtir de certo
modelo de produção, remunerar trabalhos desenvolvidos através de salários. Consi-
dera-se justo e bom valorizar o trabalho desenvolvido. Mas, qual é o limite
financeiro
de tal valorização? Quanto mais, m elhor . Quanto menos, pior. Torna -se necessário
estabelecer, portanto, um salário mínimo, um a cordo financeiro que indique o
indispensável para que se pratique justiça mínima...
É claro que, quanto maior o volume de indivíduos envol vidos nos acordos, maior
a complexidade do conjunto legal que prod uzem. Por isso, o sistema judiciário de
um
pais é complexo: suas leis envolvem interesses tão variados quanto são variadas as
necessidades dos seus cidadãos.
Importante ressaltar que a lei não é a justiça, ou seja, o cumprimento da lei não
é o máximo que os indivíduos conse guem desenvolver em prol da própria rea lização.
É apenas um instrumento para fazer justiça, enquanto encarregada de ga rantir justiça
mínima.