Revista Linguagem Pauta With Cover Page v2

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 13

Accelerat ing t he world's research.

ECOS DO PÓS-MODERNO NA
PRODUÇÃO DO POETA DE MEIA-
TIGELA
Léo Prudêncio

Related papers Download a PDF Pack of t he best relat ed papers 

Inquiet udo: uma poét ica possível no Brasil dos anos 1970
Renan Nuernberger

Orfeu emparedado: Hilda Hilst e a perversão dos gêneros


Marcos Lemos

“A LET RA P NÃO É A PRIMEIRA LET RA DA PALAVRA POEMA” Um est udo da obra poét ica de José Luís P…
Vânia REGO
ECOS DO PÓS-MODERNO NA PRODUÇÃO DO POETA DE MEIA-
TIGELA

Leonardo Prudêncio

UVA – Sobral/CE

Francisca Liciany Rodrigues de Souza

UFC – Fortaleza/CE

Resumo: Esta pesquisa se desenvolveu sob Abstract: The study was conducted to
a perspectiva de perceber como o pós-moderno understand how the postmodern is related to
se apresenta no atual panorama cearense. the current scenario in Ceará. For a better
Para melhor delineamento metodológico, methodological design, we focused on the
enfoca-se a obras de um autor em particular, works of a particular author. Thus, it is an
por isso, este artigo trata-se de um estudo de investigative approach to literary studies with
caráter investigativo literário sobre a a postmodern perspective on the work of the
perspectiva pós-moderna na obra d'O Poeta poet Meia Tigela, a pseudonym used by Alves
de Meia-tigela, pseudônimo usado por Alves de Aquino. The study was based on the
de Aquino. Para esta pesquisa utilizou-se authors Vattimo (1996), Barthes (2004)
autores como Vattimo (1996), Barthes and Perrone-Moisés (2006). It is expected
(2004) e Perrone-moisés (2006).É esperado that this study will further research on the
que este trabalho sirva para futuras pesquisas works of the poet Meia-Tigela and
sobre O Poeta de Meia-tigela e também sobre postmodern literature.
o Pós-moderno.

Keywords: Ceará literature, Postmodern,


Palavras-chave: Literatura Cearense.
Pós-moderno. O Poeta de Meia-tigela Meia-Tigela.

1 Introdução

Entender o caso poético pós-moderno, ajuda-nos a compreender o fenômeno


tecnológico e participativo que há entre as pessoas, pois a literatura é fruto do pensamento
coletivo, sendo assim, tal estudo torna-se necessário.
Este artigo investiga os subsídios pós-modernos literários na obra do Poeta de Meia-
tigela, pseudônimo usado por Alves de Aquino. Tendo por base autores como Vattimo (1998),
Barthes (2004), Harvey (2012), dentre outros.
Por se tratar de corpus atual e pouco comentado, este trabalho se torna peça fundamental
para acadêmicos da área de Humanas e leitores do Poeta de Meia-tigela.
" Ecos do pós-moderno na produção do poeta de Meia-tigela"

2 Metodologia

Trata-se de um estudo de caráter analítico e crítico, que parte da necessidade de se


observar o fenômeno pós-moderno na produção atual. Elegeu-se a poesia do Poeta de Meia-
tigela como objeto de estudo por observar-se a necessidade de uma produção acadêmica sobre o
referido autor, como também por ele fazer parte da nova geração de poetas cearenses carentes de
maior dedicação por parte da crítica literária, tão acomodada aos mesmos autores e obras.

3 Discussão e resultados

3.1 A perspectiva pós-moderna

A literatura desenvolvida em nossa época encontra-se em um estágio pluralista, no


sentido de procurar abranger o máximo de gêneros e culturas em sua produção. A essa produção
múltipla denomina-se como pós-moderna.
O termo pós-modernismo teve sua origem na arquitetura. Era um termo utilizado para
designar as correntes arquitetônicas de base contemporânea, as menos divulgadas na França. Era
uma arte que ia contra a arquitetura funcional moderna e, basicamente, reivindicava o direito ao
43
ecletismo cultural (COMPAGNON, 1996).
O surgimento de correntes de pensamento relacionadas à busca por romper paradigmas,
contestar estruturas procurando dar espaços a novos modos de pensar, novos modos de agir,
novas óticas e lugares de fala. A metafísica ocidental (baseada no homem branco, de grande
poder aquisitivo, cristão, heterossexual e alfabetizado) é, então, questionada. A partir de teóricos
como Nietzsche, Derrida, Foucault, Deleuze, entre outros, a indagação a cerca dos módulos pré-
estabelecidos de viver e raciocinar ganha força e chega também à linguagem e às artes.
É importante lembrar que essa atmosfera vai além das fronteiras determinadas pela
geografia, pela religião e questões étnicas, essa ideia será aprimorada na estética pós-moderna.
Bhabha (1998, p. 241) em ensaio sobre a cultura pós-colonial, comenta:
A perspectiva pós-colonial - como vem sendo desenvolvida por historiadores culturais
e teóricos da literatura – abandona as tradições da sociologia do subdesenvolvimento
ou teoria da "dependência". Como modo de análise, ela tenta revisar aquelas pedagogias
nacionalistas ou "nativistas" que estabelecem a relação do Terceiro Mundo com o
Primeiro Mundo em uma estrutura binária de oposição.

A dependência literária de suprir-se apenas da essência de um único gênero literário ou de


apenas uma cultura é posta de lado pelos escritores pós-modernos, pois neles há uma defesa
constante da multiplicidade de ideias e de valores. Mais à frente, no mesmo ensaio, Bhabha

Linguag(em) Pauta v. 1 n. 1 Jan-Jun 2016 p. 42-53


PRUDÊNCIO, L.; SOUZA, F. L. R.

(1998) comenta que a linguagem literária desses textos pós-coloniais é bastante fundida à
realidade pluralista das culturas locais, ou seja, o escritor, ao compor uma obra que fale sobre a
sua região, deverá também abranger os aspectos múltiplos dela, como as raças, danças, religiões e
compreensões políticas.
O poeta moderno necessita não apenas assimilar a sua cultura, mas também ter uma
posição canibalista ao deparar-se com a cultura do outro, lembrando a fala de Oswald de
Andrade (2011), em seu Manifesto Antropófago, que pregava uma literatura produto de uma
mistura de raças, culturas e cores. É importante comentar que todas as renovações artísticas
nascem de algo já feito e acredita-se que há uma espécie de ruptura e continuação, ou nas
palavras do poeta Ferreira Gullar (2002, p. 173)
A renovação não significa romper com todo o patrimônio de experiências acumulado.
Fora revolucionária não é a mera diluição de “achados” formais e sim a forma que
nasce como decorrência inevitável do conteúdo revolucionário. São os fatos, a História,
que criam as formas, e não o contrário.

No entanto, como até mesmo a origem do pós-moderno é incerta, não há como


comentar com certeza absoluta qual a escola literária anterior a ele. Mas nota-se que, muitas
vezes, o pós-moderno é visto como algo que contribui e amplia a visão de moderno. Uma
questão interessante que envolve tanto o moderno quanto o pós-moderno é que ambos
44
defendem o antiacademicismo e uma poética voltada à cultura popular.1
Os autores vinculados ao estilo pós-moderno possuem uma predileção a produzir livros
com uma linguagem que desterritorializa objetos, coisas, lugares e conceitos. Enfim, o poeta
transmite o mundo como ele é sentido e não como ele é reconhecido. Sobre essa subtração
artística, Vattimo (1996, p. 46) defende que:
No mundo do consenso manipulado, a arte autêntica fala apenas calando, e a
experiência estética só pode ocorrer como negação de todas aquelas que foram suas
características sacramentadas na tradição, a começar pelo prazer do belo.

Note-se que a literatura, em nossa época pós-moderna, quer não apenas ser vista como
algo esteticamente “belo”, pois assim estaríamos entrando na tradição, e essa poética põe em
xeque certos valores tradicionais. Barthes (2004) comenta que o estilo de um escritor possui
dimensão vertical, ou seja, está na alma do poeta, em sua linguagem e experiência.
O poeta que dialoga com o pós-moderno utilizará a linguagem como ponto referencial de
suas composições culturais, pois é na linguagem que está a marca de uma nação, e o poeta
representante artístico de seu local de origem, deverá compreender o comportamento linguístico

1
Essa cultura popular abrange tanto a folclórica quanto a cultura pop.

Linguag(em) Pauta v. 1 n. 1 Jan-Jun 2016 p. 42-54


" Ecos do pós-moderno na produção do poeta de Meia-tigela"

de sua localidade, para devolver a sociedade como forma artística. Em defesa de uma literatura
fora da linguagem muito rebuscada, o poeta Oswald de Andrade, em seu Manifesto da Poesia
Pau-Brasil, reivindica uma escrita de caráter mais acessível “A língua sem arcaísmos, sem
erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como
somos” (ANDRADE, 2011, p. 61). Essa reivindicação, tida como modernista, irá contaminar
toda a produção pós-moderna em nosso país. Benedito Nunes (2011, p. 15), sobre essa
concepção poética comenta:
Ensina o artista a ver com olhos livres os fatos que circunscrevem sua realidade
cultural, e a valorizá-los poeticamente, sem executar aqueles populares e etnográficos,
sobre os quais pesou a interdição das elites intelectuais, e que melhor exprimem a
originalidade nativa.

A poesia de caráter menos erudita irá se desenvolver com o passar dos anos e no Brasil
resultará na Poesia Concreta, que se caracteriza por uma desconstrução semântica das frases
postas no campo da página em branco.
Sobre o pós-moderno, Perrone-Moisés (2009, p. 183) elenca algumas características
peculiares no pós-moderno artístico que são: “heterogeneidade, diferença, fragmentação,
indeterminação, relativismo, desconfiança dos discursos universais, dos metarrelatos totalizantes,
abandono das utopias artísticas e políticas”. Através desses pontos elencados pela autora, nota-se
45
o princípio de união, pois como percebido não há uma linha única de pensamento.
O pós-moderno para Harvey (2012) enquadra mais características como a participação e
interação do leitor; o silêncio; a antiforma; a dispersão; indeterminação e a anarquia.
Começo com o que parece ser o fato mais espantoso sobre o pós-modernismo: sua
total aceitação do efêmero, do fragmentário, do descontínuo e do caótico que
formavam uma metade do conceito baudelairiano de modernidade. Mas o pós-
modernismo responde a isso de uma maneira bem particular; ele não tenta transcendê-
lo, opor-se a ele e sequer definir os elementos “eternos e imutáveis” que poderiam estar
contidos nele. O pós-modernismo nada, e até se esponja, nas fragmentárias e caóticas
correntes da mudança, como se fosse tudo o que existisse (HARVEY, 2012, p. 49 - grifo
nosso).

Portanto, o conceito de pós-moderno está aflorado com a condição efêmera da vida, com
os conceitos múltiplos e fluxos de pensamento que permeiam a sociedade pós-século XX. As
verdades ditas eternas e universais caem por terra, por isso a aceitação do todo na simplicidade da
composição desses autores.
Nessa perspectiva, a poesia atual parece se propor a recriar não somente o mundo, mas
também a palavra, pois ela é a partícula mínima de mundo, o pensamento de Barthes (2004, p.
45) comenta:
A palavra tem aqui uma forma genérica, é uma categoria. Cada palavra poética é assim
um objeto inesperado, uma caixa de Pandora de onde saem voando todas as

Linguag(em) Pauta v. 1 n. 1 Jan-Jun 2016 p. 42-53


PRUDÊNCIO, L.; SOUZA, F. L. R.

virtualidades da linguagem; é portanto produzida e consumida com uma curiosidade


particular, uma espécie de gulodice sagrada. Essa Fome da Palavra, comum a toda a
poesia moderna, faz da palavra poética uma palavra terrível e desumana. Institui um
discurso cheio de buracos e cheio de luzes, cheio de ausências e de signos
supernutritivos (...)

A palavra, como se percebe, é o oráculo do mundo a partícula formadora da poesia. Há


um trabalho contínuo com a utilização da linguagem e da palavra na construção poética,
formulando assim palavras “cheias de luzes”, de “buracos” e de “ausências”.
Um exemplo disso pode ser observado na produção dos poetas concretos. Para eles, o
poema engloba todo o espaço gráfico da página em branco, afinando-se assim com a proposta
mallarmeana de poesia. A página é plateia e mundo do poema. Diante dessa percepção de
composição, esses poetas inovaram a construção poética declarando morte a unidade ritmo-
forma para a forma múltipla sintáxica da estrutura textual-poética. É uma poesia que compõe o
espaço-tempo da palavra-coisa na linguagem verbal ou não-verbal na poesia. No Plano Piloto
para a Poesia Concreta, assinada por Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari
(1975, p. 157), comenta-se:
ideograma: apelo à comunicação não-verbal. o poema concreto comunica a sua própria
estrutura: estrutura-conteúdo. o poema concreto é um objeto em e por si mesmo, não
um intérprete de objetos exteriores e/ou sensações mais ou menos subjetivas. seu 46
material: a palavra (som, forma visual, carga semântica). seu problema: um problema de
funções-relações desse material. fatores de proximidade e semelhança, psicologia da
gestalt. ritmo: força relacional. o poema concreto,usando o sistema fonético (dígitos) e
uma sintaxe analógica, cria uma área lingüística específica – “verbivocovisual” – que
participa das vantagens da comunicação não-verbal,s em abdicar das virtualidades da
palavra. com o poema concreto ocorre o fenômeno da metacomunicação; coincidência
e simultaneidade da comunicação verbal e não-verbal, coma nota de que se trata de uma
comunicação de formas, de uma estrutura-conteúdo, não da usual comunicação de
mensagens.

Esta forma pós-moderna de compor poesia compreende não somente a forma escrita da
poesia, mas todas as formas possíveis de comunicação como sons, placas de trânsito, cartazes,
luzes, imagens, estórias em quadrinhos, artes plásticas e pintura. Os poetas concretos
ambicionavam difundir a poesia em todos os gêneros possíveis. Isso nos faz lembrar o conceito
dito no início do capítulo, no qual se afirma que uma das marcas da literatura pós-moderna é a
fusão de gêneros e ritmos.
Através do signo palavresco, o poeta constrói a sua obra concreta, utilizando-se de sons,
ritmos e forma. Porém, tais formas, ritmos e sons são utilizados de modo múltiplo. Segundo
Haroldo de Campos (1975), é uma poesia que utiliza a palavra em sua dimensão gráfica-espacial,
acústico-oral e conteudística. É ainda para ele uma arte que presentifica e objetiva a palavra. É

Linguag(em) Pauta v. 1 n. 1 Jan-Jun 2016 p. 42-54


" Ecos do pós-moderno na produção do poeta de Meia-tigela"

uma arte fincada na inventividade da forma, utilizando todos os recursos de comunicação


possíveis.
Os poetas concretos criaram uma forma de linguagem que acompanha a evolução tecnológica do
mundo. Essa forma tecnológica de compor compreende o interessa da cultura de massa em também
absorver esse tipo de composição, pois faz parte do plano-piloto atingir a população de massa ao inserir
elementos cotidianos da vida e da indústria.
Há ainda mais questões que englobam a teoria pós-moderna, o assunto é vasto. Nesse primeiro
momento de nosso estudo, privilegia-se dentro do corpus pós-moderno apenas as características
necessárias para a análise dos poemas do poeta em estudo, no caso, o Poeta de Meia-tigela.

3.2 Ecos pós-modernos na produção do Poeta de Meia-tigela

Após elencar um pouco sobre a teoria do pós-moderno, percebeu-se contundentemente que a


literatura se ramificou com mais afinidade com outros gêneros artísticos (o cinema, a música, a pintura,
etc.) e que o texto poético aventura-se em quase todos os gêneros possíveis. Sendo assim, a poesia abrange
também características de prosa, assimilando também a fotografia como parte experimental de
composição. Depois dessas reflexões teóricas, chegou-se à obra literária do Poeta de Meia-tigela, escolhido
para ser analisado neste trabalho. 47
Ao investigar características pós-modernas na obra do Poeta de Meia-tigela, foi percebido, de
imediato, a predileção pela inovação poética no uso da forma e tema. O autor, mesmo ao compor em
formas clássicas, como o soneto, propõe uma reciclagem poética ao incorporar nas formas clássicas,
elementos de vanguarda como uso gráfico e espacial da folha. Isso acontece, por exemplo, no Soneto-
inferno a punho escrito à lá Gregório (2010, p. 213):

Linguag(em) Pauta v. 1 n. 1 Jan-Jun 2016 p. 42-53


PRUDÊNCIO, L.; SOUZA, F. L. R.

Nesse poema, percebemos o uso gráfico e espacial que os poetas concretos teorizaram.
Para fazer a leitura desse poema, o leitor deverá executar o movimento de sobe e desce nas
linhas. Isso evidencia o uso do espaço impensável da página.
Pensar a literatura ou o texto num espaço impensável. Levar adiante uma experiência de
linguagem como trabalho produtor inscrito na região do significante, isto é, numa região
onde o significado não existe senão como deslizamento entre superfícies significantes,
como faiscamento incessante do sgnans, ou seja, do corpo verbal, concreto, da linguagem
(DÉPRÉ apud CAMPOS, 2005, p. 9)

O uso do ‘espaço impensável’ dentro da poética de Meia-tigela é trabalhada em vários


poemas, em especial, no livro Concerto nº1nico em mim menor para palavra e orquesta (2010)2 em que o
trabalho de inovação literária é perceptível ao longo da obra. O uso gráfico muitas vezes é
utilizado para reforçar a ideia central do poema. Em Quatro Descantos (2010, p.79) a ideia de
morte é reforçada no desenho gráfico de um ser humano desenhado no soneto:

48

2
Daqui em diante a obra será abreviada para CONCERTO.

Linguag(em) Pauta v. 1 n. 1 Jan-Jun 2016 p. 42-54


" Ecos do pós-moderno na produção do poeta de Meia-tigela"

Os temas debatidos na poética pós-moderna podem soar, às vezes estranho ao leitor


acostumado com a lírica mais tradicional. Escritores contemporâneos utilizam a literatura para
inquietar os leitores. A poesia de caráter pós-moderno utiliza-se desse recurso de estranhamento.
Para utilização do estranhamento, os poetas utilizam a desconstrução poética, ou em outras
palavras, a fragmentação do texto. Esse posicionamento foi bastante enfatizado por David
Harvey (2012) e comentado na seção anterior. O poema [¿hã?] (POETA DE MEIA-TIGELA,
2010, p. 133) em que o caos linguístico se apresenta como uma forma de tentar explicar o
indizível sobre o sentido efêmero da vida:
¿Que sou eu? ¿Que sou?
¿Sou quê ou quem ou
Ou,tra qualquer coisa
Que ser coisa oisa?
Sou alguém que fuma
Mas não se acostuma
Com seu fumar. Bebe,
Mas não se concebe
Restrito ao beber.
¿Que sou? Ser é o quê?

Ser é ou. S(ou). ¿Ou?

A indagação sobre o ser e o sentido que a vida dá ao vivente é fortemente representado 49


pelo ponto de interrogação invertido, como também há palavras partidas como “ou,tra” e “oisa”,
que representam mais ainda a ideia de inversão e de repartição do eu-lírico diante da indagação
sobre si mesmo. Há outros poemas do poeta que também apresentam o caos como
representação poética. Na revista Pechicsbeque3, encontra-se o poema Femininologia do Espírito em
que a musa desconcerta o poeta. Este poema é dividido em quatro momentos, o poema em
análise trata-se da parte quatro:

3 https://revistapechisbeque.wordpress.com/2012/07/04/femininologia-do-espirito/

Linguag(em) Pauta v. 1 n. 1 Jan-Jun 2016 p. 42-53


PRUDÊNCIO, L.; SOUZA, F. L. R.

No poema acima, o eu-lírico se entorpece do corpo de uma mulher anônima, tratada


apenas pelo pronome “Ela”. A desconstrução e caos são representados nas últimas partes do
poema, em que as palavras estão embaraçadas, o que reforça, de certo modo, a ideia de desordem
que a mulher passou ao poeta através do contado físico e amoroso.
O Poeta de Meia-tigela, ao longo do livro Concerto (2010), brinca com as palavras por
resgatar algumas e reinventar outras. Isso acontece, por exemplo, no poema Finjimento (2010, p.
88) em que, para reforçar a ideia no título, as letras fingem ser outras, pois o “j” está fingindo ser
a letra “g”. O uso da página como atuante na construção do poema volta a ser utilizado em
Mantenha Distância (2010 p. 63) nele toda a página fica em branco aparecendo somente o título
do poema e uma nota de rodapé explicativa: “Este poema está temporariamente programado
para não receber chamadas”. O elemento do humor é bastante presente em produções
contemporâneas, seja em prosa, seja em verso.
Perrone-Moisés (1998, p 206) comenta que “Atualmente, a literatura parece contentar-se
com espelhar uma realidade fragmentada, desprovida de valores e, portanto, de utopia”. Tal
pensamento lembra o poema Camicase II (POETA DE MEIA-TIGELA, 2010, p. 43) nele
percebemos um eu-lírico desprovido de valores e de utopias note:
50
Quero descer no ricos a chibata
Quero reduzir seus ganhos a nada
Quero pô-los no cabo da enxada
Quero vê-los no chão em quatro patas

Quero entrar para o bando de Zapata


Quero formar as novas barricadas
Quero detonar bancos e Esplanadas
Quero afundar a Ilha-da-Mãe-Rata

Quero varrer os E-U-A do mapa


Quero banir os bichos da goiaba
Quero assistir à queda do Rei Sátrapa

Quero deixar de dar cara a tapa


Quero enrabar quem me enraba
Quero comer o cu do Santo Papa!

Neste soneto, nota-se mais que uma transfiguração de valores e utopias. Percebe-se nele
um rompimento formal e estético com os desígnios clássicos poéticos em que o poema é visto
como algo que decanta musas e sentimentos amorosos. O Poeta de Meia-tigela, no soneto acima,
discorre um pouco do pensamento de Sartre (1993, p. 13) quando afirma que “o poeta se afastou
por completo da linguagem-instrumento; escolheu de uma vez por todas a atitude poética que
considera as palavras como coisas e não como signos”, sendo assim o uso da palavra no poema

Linguag(em) Pauta v. 1 n. 1 Jan-Jun 2016 p. 42-54


" Ecos do pós-moderno na produção do poeta de Meia-tigela"

acima remete ao seu uso objetivo, e não subjetivo, a ação do que é descrito em Camicase II logo
é sinalizada na imaginação do leitor, causando dessa forma o efeito de tomar forma nas palavras.
A cultura popular é imprescindível na produção pós-moderna, Oswald de Andrade (2011)
comenta que a literatura era produzida para elites e para outros escritores, com o advento do
Manifesto da Poesia Pau-brasil, em que a arte deverá ser voltada às todas as camadas sociais,
privilegiando também a sua linguagem e costumes.
O Poeta de Meia-tigela ao publicar o livro Memorial Bárbara de Alencar (2011), propõe,
no conjunto da obra, um louvor às heróis populares e a sua cultura e linguagem. É valido lembrar
também, que um dos motivos do pseudônimo Poeta de Meia-tigela tem a sua origem em
influência de questões sociais “visto que o termo representa a metade da ração que era oferecida
ao serviçal, enquanto o seu senhor ganhava a tigela inteira” (POETA DE MEIA-TIGELA, 2009,
p. 37). Portanto, ao pontuar que a escolha de Alves de Aquino por assinar como Poeta de Meia-
tigela já explicita uma postura pós-moderna.
O uso da cultura e linguagem popular na literatura, tanto defendido por Oswald de
Andrade (2011), é comentado mais detalhadamente por Benedito Nunes (2011, p. 15):
A inocência construtiva da forma com que essa poesia sintetiza os materiais da cultura
brasileira equivale a uma educação da sensibilidade, que ensina o artista a ver com olhos
livres os fatos que circunscrevem sua realidade cultural, e a valorizá-los poeticamente,
51
sem excetuar aqueles populares e etnográficos, sobre os quais pesou a interdição das
elites intelectuais, e que melhor exprimem a originalidade nativa.

Como se percebe, a escrita dos poetas contemporâneos faz uso dos valores populares em
sua gênese literária. Não a utilizam como algo depreciativo, mas sim como uma rica fonte de
produção literária. O escritor contempla o meio popular e o devolve em uma escrita que deva
representar também o que se observa. Seguindo esses moldes, o Poeta de Meia-tigela compõe a
série de poemas denominada História Cosmológica do Boi, composta por quatro poemas, porém
será reproduzido apenas a terceira parte do poema denominado O Boi-Bumbá (2011, p. 96-97):
Todo o Universo cabe no Nordeste.
Se não fosse heresia, bem diria eu
Ser o Nordeste até maior que Deus
(Calo, pois temo qu'Este me moleste).

Também aqui o Boi, aquele Ancestre,


Avivou e depois desfaleceu.
Catirina pediu e o bom Mateo
O matou e trinchou. Ora, acontece

Que o dono protestou, fez escarcéu


Com razão (já que o Vitimo era seu).
A poder de orações, cantos e preces,

Bumba: a carne do Bicho revivesce


Virando o que era susto em grande festa.

Linguag(em) Pauta v. 1 n. 1 Jan-Jun 2016 p. 42-53


PRUDÊNCIO, L.; SOUZA, F. L. R.

Agora O relembramos sempre em êxtase.

O Poeta decanta uma festa popular respeitando rigidamente a forma do soneto,


lembrando também as composições parnasianas que se detinham a descrever imagens artísticas.
O poema O Boi-Bumbá de fato descreve uma imagem artística, porém, diferente dos poetas
parnasianos, o Poeta de Meia-tigela resgata em seus versos não somente a festa, mas também a
estória e a linguagem dos festeiros.
Sobre a mimese do real Perrone-Moisés (2006, p. 109) comenta que “trabalhar o
imaginário pela linguagem não é ser capturado pelo imaginário, mas capturar, através do
imaginário, verdades do real que não se dão a ver fora de uma ordem simbólica”, sendo assim a
percepção do real é transfigurada também através da linguagem empregada nos textos literários.
Os poemas aqui analisados demonstram ocorrências pós-modernas na obra do Poeta de
Meia-tigela. Tais percepções apontam que o autor em estudo compreende as características da
estética devolvendo-a à sua produção. Em suas intervenções poéticas percebe-se o uso de
recursos tecnográficos, valorização da cultura popular e o uso inovador da palavra. Enfim o fazer
literário do Poeta é ancorado em características pós-modernas.

Considerações finais
52

Durante este estudo, compreendeu-se melhor a utilização do pós-moderno como fonte


de gênese literária nos poemas do Poeta de Meia-tigela. Percebeu-se que a sua intimidade com a
estética: Nas proporções gráficas, em neologismos, em versos desconstruídos, no forte
pensamento pessimista e nas referências populares.
A linguagem utilizada pelo autor demonstra também uma compreensão contemporânea
em sua obra. Isso é evidenciado pela linguagem acessível e pelo uso da fala popular como
também por incrementar em sua poética elementos dessa cultura.
Esse debate proporcionou não apenas uma investigação contemporânea sobre um autor
local. Espera-se que, após a leitura e difusão deste artigo, outras pesquisas acadêmicas possam ser
feitas sobre o Poeta de Meia-tigela, como também sobre o recorte teórico aqui escolhido.

Referências

ANDRADE, Oswald de. A utopia Antropofágica. 4°ed. São Paulo: Globo, 2011.

Linguag(em) Pauta v. 1 n. 1 Jan-Jun 2016 p. 42-54


" Ecos do pós-moderno na produção do poeta de Meia-tigela"

BARTHES, Roland. O grau zero da escrita: seguido de novos ensaios. 2° Ed. São Paulo:
Martins fontes, 2004.

BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo horizonte: UFMG, 1998.

CAMPAGNON, Antoine. Os cinco paradoxos da modernidade. Belo Horizonte: UFMG,


1996.

CAMPOS, Augusto de; CAMPOS, Haroldo de; PIGNATARI, Décio. Teoria da Poesia
Concreta: Textos críticos e manifestos 1950-1960. 2° Ed. São Paulo: 1975.

CAMPOS, Haroldo de. Ruptura dos gêneros na Literatura Latino-Americana. São Paulo:
Perspectiva, 1977.

DÉPRÉ, Inês Oseki. Haroldo de Campos, ou a educação do sexto sentido. In: DÉPRÉ,
Inês Oseki. Haroldo de Campos: melhores poemas. 3º ed. São Paulo: Global, 2005.

GULLAR, Ferreira. Cultura posta em questão, Vanguarda e subdesenvolvimento: ensaios


sobre arte. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002.

HARVEY, David. Condição pós-moderna. 23º ed. São Paulo: Loiola, 2012.

MEIA-TIGELA, O Poeta de. Concerto nº1nico em mim menor para palavra e orquestra.
Poema – Combinação de realidades puramente imaginadas. Fortaleza: Expressão Gráfica Editora,
2010.
53
_______. Memorial Bárbara de Alencar & outros poemas. 2º ed. Fortaleza: Expressão
Gráfica Editora, 2011)

NUNES, Benedito. Antropofagia ao alcance de todos. In: ANDRADE, Oswald de. A utopia
Antropofágica. 4°ed. São Paulo: Globo, 2011.

PERRONE-MOISES, Leyla. Altas literaturas. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

_______. Flores da escrivaninha: ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

SARTRE, Jean-Paul. O que é literatura. 2º ed. Trad.: Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Ática,
1993.

VATTIMO, Gianni. O fim da modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna.


São Paulo: Martins Fontes, 1996.

Linguag(em) Pauta v. 1 n. 1 Jan-Jun 2016 p. 42-53

Você também pode gostar