Dossiê Marxismo, Arte e Literatura
Dossiê Marxismo, Arte e Literatura
Dossiê Marxismo, Arte e Literatura
26
número 1
jan-jun/2020
Dossiê
Marxismo, arte
e literatura
PERIODICIDADE: SEMESTRAL
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dos respectivos autores.
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Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. ISSN 1981-061X. ano XV. jan./jun. 2020. v. 26. n. 1
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SUMÁRIO
Editorial ............................................................................................... 07
Miguel Vedda
DOSSIÊ
A crítica da cultura e a educação estética .............................................. 16
Elisabeth Soares da Rocha, Ronaldo Rosas Reis
TRADUÇÃO
A Estética de Hegel: introdução .......................................................... 228
György Lukács
RESENHA
O capital monopolista financeiro no Brasil ........................................ 385
John Kennedy Ferreira
Editorial
Miguel Vedda1
1
Profesor Titular Plenario de Literatura Alemana, director del Departamento de Letras (Facultad de
Filosofía y Letras, Universidad de Buenos Aires) e investigador principal del Conicet. Miembro del
colectivo marxista “Herramienta”. E-mail: miguelvedda@yahoo.com.ar.
2
Cf. Entrevista: En casa, con György Lukács. Trad. Mariela Ferrari. En: LUKÁCS, György. Testamento
político y otros escritos sobre política y filosofía. Ed. al cuidado de Antonino Infranca y Miguel Vedda.
Buenos Aires: Herramienta, 2003, pp. 113-124; aquí, pp. 118 y s.
DOI: 10.36638/1981-061X.2020.v26.565
Miguel Vedda
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3
LUKÁCS, György. Estética 1. La peculiaridad de lo estético v. II. Trad. Manuel Sacristán. Barcelona:
Grijalbo, 1982, p. 528.
Miguel Vedda
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mundo es posible, más allá de las formas concretas de explotación que todos
conocemos y, sobre todo, de la ley del valor. Bajo estas condiciones, lo estético
retiene –y debe desplegar– todo ese potencial que le reconoció
persistentemente Lukács, desde sus primeras impresiones juveniles hasta sus
reflexiones tardías: el potencial de ser más auténtico, más verdadero que esa
mentira que representa el mundo existente, sustancialmente cosificado. Como
verdad –y no como ficción, si se la entiende banalmente como un sinónimo de
mentira– tendrá la mímesis estética una función importante que cumplir,
como alternativa, en general, frente a las fantasmagorías del capitalismo
contemporáneo, pero ante todo, particularmente, ante las mistificaciones de la
industria cultural.
El autor de esta presentación querría aprovechar esta ocasión para
agradecer a los autores sus valiosas contribuciones, y a Ester Vaisman tanto
por la oportunidad de coordinar este dossier como por su persistente
compromiso y por su valiosa amistad.
***
Miguel Vedda
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Como citar:
VEDDA, Miguel. Editorial. Verinotio – Revista on-line de Filosofia e Ciências
Humanas, Rio das Ostras, v. 26, n. 1, pp. 7-15, jan./jun. 2020.
Miguel Vedda
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A crítica da cultura e a educação estética1
Resumo:
A tomada de uma consciência teorética sobre a sensibilidade humana na
perspectiva indicada por Marx nos Manuscritos de Paris, se impõe
ontologicamente no exame da arte como reflexo do mundo que realmente
existe. Com base nesse pressuposto, buscamos na Estética do filósofo húngaro
Lukács, assim como nos teóricos marxistas, Gramsci, Eagleton, Jameson,
Debord, os elementos para o exercício da crítica da cultura e do caráter social
formativo dos sentidos estéticos, manifestamente sobre a criação artística, o
conhecimento estético e a produção material sob o sistema capitalista.
Abstract:
The taking of a theoretical consciense about human sensitivity in the
perspective indicated by Marx, imposes itself ontologically in the examination
of art as a reflection of the world that really exists. Based on this assumption,
we sought in the Aesthetics of the philosopher Lukács, as well as in the Marxist
theorists, Gramsci, Eagleton, Jameson, Debord, the elements for the exercise
of cultural criticism and the formative social character of the aesthetic senses,
1 O presente artigo tem por base a tese de doutoramento Estudo crítico sobre as
políticas públicas e a formação estético-cultural em Campos dos Goytacazes,
defendida por Elisabeth Soares da Rocha, sob orientação de Ronaldo Rosas Reis, no
PPG-Educação/UFF (2017).
2 Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Professora do
DOI: 10.36638/1981-061X.2020.v26.517
Elisabeth Soares da Rocha
Ronaldo Rosas Reis
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Introdução
Se a centralidade do trabalho é, desde o ponto de vista da ontologia
crítica, determinante para compreendermos o processo de humanização do
homem, certo é igualmente que a contínua exploração do trabalho humano
pelo próprio homem se tornou o dilema central desse processo, porquanto
historicamente amparado ideologicamente pela construção de uma cultura
anti-humanista empreendida por uma classe hegemônica. Ao atribuírem ao
trabalho a atividade principal pela qual o homem se cria a si mesmo, Marx e
Engels reconhecem no caráter ontológico do trabalho a chave para esse dilema
que aflige a organização da vida social: a hegemonia ideológica que se
manifesta na cultura. Com efeito, no século XIX, refletindo criticamente sobre
as ideias pretensamente revolucionárias dos jovens filósofos hegelianos, eles
assim escreveram sobre a disputa hegemônica no campo da cultura:
Apesar de suas frases pomposas, que supostamente revolucionam o
mundo, os ideólogos da escola jovem hegeliana são os maiores
conservadores (...). Esquecem que eles próprios opõem à fraseologia
(dos seus oponentes] nada mais que outra fraseologia e que não
lutam de maneira alguma contra o mundo que existe realmente ao
combaterem unicamente a fraseologia desse mundo (...). Nenhum
desses filósofos teve a ideia de se perguntar qual era a ligação entre
a filosofia alemã e a realidade alemã, a ligação entre a sua crítica e o
meio natural. (MARX; ENGELS, 2002, p. 9)
para esse campo tem sido descontínua, quase sempre preambular, em sua
maioria pouco afeita ao estudo das relações de produção da arte e do valor
como expressão hegemônica dessas relações no mundo capitalista4. Tais
estudos passam ao largo, portanto, do esforço dedicado a uma compreensão
dialética da dinâmica estrutura-superestrutura da vida social tal como ocorre
na perspectiva humanista da ontologia crítica.
No sentido contrário a essa condição incipiente, o presente artigo adota
como pressuposto a exigência/competência particular de que a crítica da
cultura como reflexo do mundo que realmente existe deve ser o ponto de
partida para a apreensão do caráter social dos sentidos estéticos,
manifestamente sobre a criação artística, o conhecimento estético e a produção
material sob o capitalismo. Para tanto, em três seções que esperamos
complementares, buscaremos problematizar a cultura e a vida social
considerando o papel formador do campo da estética no seu interior. Por fim,
numa seção conclusiva, seguindo a ideia debordiana de cultura espetacular,
analisamos o dilema contemporâneo em que nos encontramos em face da
distopia do tempo presente.
I. Da crítica da cultura
Ao resgatar o télos da cultura, em A ideia de cultura, Terry Eagleton
(2011) não se detém ao seu significado antropológico, mas busca aprofundar o
debate sobre a dialética da natureza e da cultura numa compreensão de que
cultura não é unicamente aquilo de que vivemos. Ela também é, em grande
medida, aquilo para o que vivemos e assim, compreender seu significado é
fundamental para entendermos sua nova função política (EAGLETON, 2011).
Antes mesmo disso, em A ideologia da estética (1993), Eagleton, haveria de
considerar relevante para a compreensão dos processos materiais pelos quais
a produção cultural configurou-se na sociedade burguesa, a discussão da
estética como categoria teórica, a partir da sua defesa de que o “estético é
inseparável das formas ideológicas dominantes na sociedade”, em suas
palavras,
a categoria do estético assume tal importância no pensamento
moderno europeu porque falando de arte ela fala dessas outras
questões, que se encontram no centro da luta da classe média pela
hegemonia política. A construção da noção moderna do estético é
assim inseparável da construção das formas ideológicas dominantes
4Por toda parte tem-se antecipadamente que o valor de uma canção, um livro, uma
pintura etc. é algo “já cristalizado enquanto criação artística”; isto é, tais artefatos
detêm antecipadamente uma particularidade distinta dos demais (MARTINS, 2005,
p. 123).
Elisabeth Soares da Rocha
Ronaldo Rosas Reis
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5 Relha de arado
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Para ele, porém, é necessário que se considere que não é possível ser
filósofo, ou seja, ter uma concepção de mundo criticamente coerente, sem a
consciência da própria historicidade, assim como, ter conhecimento das fases
de desenvolvimento que esta consciência representa, e que a coloca em
contradição com as demais concepções, ou com os elementos destas
concepções. Assim, essa própria concepção de mundo, responde aos
problemas impostos pela realidade, que são ao mesmo tempo determinados e
originados em sua atualidade.
O sentido de ser filósofo, em Gramsci, passa, portanto, por um processo
de construção que busca tornar possível a elevação do senso comum para o
bom senso, num sentido em que uma filosofia da práxis só pode apresentar-se,
inicialmente, em atitude crítica, como superação da maneira de pensar
precedente e do pensamento concreto existente (ou no mundo cultural
existente). Já que para ele, neste sentido, não se pode separar a filosofia da
história da filosofia, da mesma forma que não se pode separar a cultura da
história da cultura. Assim, Gramsci reforça o sentido histórico da cultura,
colocando-a num patamar de possibilidade tal qual a elevação do homem à
condição de filósofo que lhe é possível ao transpor-se do senso comum à
consciência filosófica, analogamente, o homem pode ascender da cultura para
a crítica cultural.
Gramsci, ainda reforça a necessidade de concentrarmos forças racionais
na busca por uma concepção que forneça um sentido consciente, que precisa
ser desenvolvido e transformado em algo unitário e coerente, e aponta para a
impossibilidade de separação entre uma filosofia científica e a filosofia vulgar
e popular,
Mas, nesse ponto, coloca-se o problema fundamental de toda
concepção do mundo, de toda filosofia que se transformou em um
movimento cultural, em uma “religião”, em uma “fé”, ou seja, que
produziu uma atividade prática e uma vontade nas quais ela esteja
contida como “pressuposto” teórica implícita (uma “ideologia”,
pode-se dizer, desde que se dê ao termo “ideologia” o significado
mais alto de uma concepção do mundo, que se manifesta
implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em
todas as manifestações de vida individuais e coletivas) — isto é, o
reais, e para alcançar esses objetivos ele precisará romper com todas as
barreiras políticas, sociais, geopolíticas ou ecológicas;
2. Esse crescimento inevitável e contínuo está baseado na exploração do
trabalho vivo na esfera da produção. Assim, mesmo que o trabalho participe
e até receba uma parte desse valor, a base do crescimento para o capitalista
está sempre na diferença entre o que o trabalho retém e a totalidade do valor
que ele cria. É inexorável para que o capitalismo se perpetue, o controle
desse trabalho, tanto na produção, quanto no mercado;
3. Para continuar exercendo esse controle sobre o trabalho e
consequentemente o crescimento contínuo dos lucros, o capitalismo precisa
estar se renovando o tempo todo, provocando através de mudanças
tecnológicas e organizacionais, o aumento crescente da produtividade do
trabalho, fonte essencial de criação do valor e para isso continuar ocorrendo
é fundamental o envolvimento de um marco regulatório que irá envolver a
criação de um aparelho de estado, sistemas políticos de representação,
ideologias etc.
No período denominado como modernismo – o termo é controverso,
porém inevitável6 –, segundo o qual a cultura seria reconhecida na longa
travessia de aproximadamente século e meio desde fins do século XVIII, os
inúmeros ciclos de expansão e crise do capitalismo se fariam acompanhar da
emergência e da decadência de uma diversidade exuberante de estilos e
manifestações artísticas conforme o interesse peculiar do mercado mundial de
arte, do gosto hegemônico da burguesia e, até mesmo, dos empuxos
contraculturais singulares encabeçados por artistas e intelectuais burgueses. É
importante enfatizarmos que independentemente da forma como a evolução e
o esgotamento das linguagens artísticas e os embates teóricos no campo da
estética ficaram conhecidos no período, a cultura já tinha sido subsumida pelo
valor, deixando como lastro o pressuposto de humanidade como um fim em
si. Integrada no processo geral de produção de mercadorias, a cultura e a arte
se viram cada vez mais esgotadas levando o homem a uma constante alienação
da realidade social e de si mesmo (FISCHER, 2014). Na concepção de Marx
(2004), essa alienação, traduzida pela contradição entre realidade e aparência
no mundo em que vivemos, é definida por fetichismo. Harvey esclarece que
este conceito
se referia a várias máscaras, disfarces e distorções do que realmente
acontece ao nosso redor (...). A contradição entre realidade e
aparência é, de longe, a contradição mais geral e disseminada que
temos de enfrentar quando tentamos resolver as contradições mais
6Para Perry Anderson (1985), a noção de modernismo incorre desde a origem num
equívoco conceitual histórico, logo, conforme será abordado, a noção de pós-
modernismo seria um duplo equívoco.
Elisabeth Soares da Rocha
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7Dado o que expusemos na nota anterior, o jogo de palavras que impusemos aqui é
proposital e conveniente.
Elisabeth Soares da Rocha
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8 Ver nota 6.
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Ronaldo Rosas Reis
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10 Ao formular a sua concepção de arte dentro de uma dimensão estética do fato artístico, o
pensador sardo propõe que ela deve representar uma síntese dinâmica entre a forma e o
conteúdo, ou seja, a luta por uma nova cultura advinda de um novo humanismo, tendo como
fundamento a fusão entre a crítica dos costumes das concepções e sentimentos do mundo e a
crítica estética.
gramsciana de arte fica mais clara ainda quando ele reconhece, de certa forma
aproximando-se das concepções de Lukács, que há momentos em que essa
relação se inverte e é a arte que faz a história.
Lukács irá defender uma arte a partir do que ele denominou de realismo
crítico. Tal conceito não sugere uma escola, nem tampouco um estilo, mas sim,
um procedimento com relação a como a realidade se constitui, isto é,
historicamente, e não datada. O realismo para Lukács é uma trajetória de
autoconhecimento do homem, onde o artista examina e apreende as
possibilidades significativas da realidade, tomando posição perante essa
realidade que se traduz na seleção e reordenamento dos elementos que compõe
a obra de arte. A relação entre criador e receptor, considerando a capacidade
comunicativa e evocativa da obra de arte, proporciona possibilidades de auto
constituição do humano, elevado a uma consciência crítica da realidade que o
cerca, tornando-o capaz de sair do homem inteiro da cotidianidade ao homem
inteiramente (ALBINATI, 2014, p. 267). Na sua visão do realismo crítico,
Lukács desenvolve uma crítica à arte vanguardista, que já aparecia implícita
desde sua obra Teoria do romance, onde apontava para a crise estética
presente na modernidade decorrente da decadência do ocidente, em que a
literatura do romance, desprovida do caráter imanente e orgânico das
Tragédias da Grécia antiga, encontra-se num mundo reificado, no qual o
indivíduo perdeu seus laços com a comunidade. O romance, portanto, no qual
o herói luta em nome dos valores que a sua época renega, provoca nesse
sentido, uma distância entre o mundo objetivo e subjetivo. Ou seja, realismo é
um método para reproduzir a realidade e para tanto, pressupõe uma atitude
do escritor perante o real. Logo, o realismo vem dos gregos até os dias de hoje,
cujo modelo no qual se baseia encontra em Balzac sua melhor expressão, ao
mesmo tempo em que Lukács apresenta uma visão matizada, valorizando a
atitude perante o real, que se modifica o tempo todo, buscando a cada mudança
captar as novas etapas da realidade, tal como se segue.
Um aspecto central considerado por Lukács (1969) é o problema da
fetichização da arte na sociedade do valor. Nesse sentido, ele chama a atenção
para a necessidade de o artista romper esse invólucro a fim de desvelar o
núcleo humano da obra11. Outro aspecto importante destacado pelo filósofo
húngaro é o reconhecimento, extraído de Hegel, de que a obra de arte é uma
manifestação sensível, na qual, aparência e essência, forma e conteúdo estão
traduzidas numa unidade. Assim, Lukács enfatizará que não deve haver
predomínio de um elemento sobre o outro pois, quando se destaca
unilateralmente, a forma ou o conteúdo, a obra de arte fracassa. A ênfase dada
11No caso específico da literatura, do romance, isso significa dizer que é necessário
colocar em primeiro plano a centralidade da ação, isto é, a ação dos personagens.
Elisabeth Soares da Rocha
Ronaldo Rosas Reis
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Referências bibliográficas
ALBINATI, Ana Selva. Lukács: A perspectiva ética no realismo crítico. In:
VAISMAN, Ester; VEDDA, Miguel (Orgs.). Arte, filosofia e sociedade. São
Paulo: Intermeios, 2014.
ANDERSON, Perry. Modernidade e revolução. Revista Novos Estudos, São
Paulo, Cebrap, n. 14, pp. 2-15, 1985.
CHASIN, Ibaney. Música e mimesis: uma aproximação categorial e histórica
ao pensamento musical. Verinotio – Revista on-line de Educação e Ciências
Humanas, n. 9, ano V, nov. 2008. Disponível em:
<http://www.verinotio.org/sistema/index.php/verinotio/article/view/252/2
40>, acessado em 13 fev. 2019.
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2017.
EAGLETON, Terry. A ideologia da estética. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 1993.
13 Ver nota 9.
Elisabeth Soares da Rocha
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41
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Outras referências:
BONG, Joon-Ho. Parasita (Gisaengchung). Filme, cor, 132 minutos. Coréia
do Sul: Produtora Barunson E&A Corp. Distribuidora CJ Entertainment, 2019.
Como citar:
ROCHA, Elisabeth Soares da; REIS, Ronaldo Rosas. A crítica da cultura e a
educação estética. Verinotio – Revista on-line de Filosofia e Ciências
Humanas, Rio das Ostras, v. 26, n. 1, pp. 16-43, jan./jun. 2020.
Abstract:
This paper debates how Lukács conceives the difference between symbol and
allegory. In order to do that, the author relies on the distinctions between the
symbolic and the allegorical developed by Goethe to build his own conception
of realism. Lukacs claims that Realism is what characterizes artistic
authenticity. This is a theoretical-bibliographic study. Based on Lukacs'
Aesthetics, we sustain that avant-garde art abandons the demands of human
drama because it leans towards an empty allegory of content. On one hand,
this conducts modern art to flirt with decorative conformism and, on the other
hand, irrational non-conformity.
DOI: 10.36638/1981-061X.2020.v26.516
José Deribaldo Gomes Santos
44
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Introdução
O objetivo principal deste artigo é tematizar como Lukács diferencia
símbolo de alegoria. O caráter metodológico recai sobre um estudo teórico-
bibliográfico. Opta-se, como recurso de análise, por um exame imanente da
Grande estética de George Lukács, principalmente, sobre o capítulo XVI.
Sobre essa base, o artigo observa que, enquanto a alegoria se aproxima
da desantropomorfização, o simbólico aproxima-se ao antropomorfismo. Essa
distinção faz uma diferença basilar para a compreensão da estética marxista,
dado que a diferença e até a contraposição entre o alegórico e o simbólico
possibilitam ao edifício estético criado por Lukács em sua Grande estética se
aproxima do conceito de realismo – haja vista que, na compreensão do esteta
magiar, o realismo não é um entre outros estilos artísticos, senão a marca
maior da autenticidade da arte.
Com base em uma análise histórica, que investiga a aparição da alegoria
no barroco e na arte contemporânea, o presente artigo conclui, sempre com
base nas investigações de Lukács, que a arte moderna se desvia do autêntico
realismo. Por se produzir uma dada fragmentação decompositiva nas criações
contemporâneas, consequentemente, processa-se certo afastamento entre a
obra e aquilo que o sujeito real e concreto experimenta no seu cotidiano. A
chamada arte de vanguarda, por exemplo, opta por refigurar uma
individualidade autônoma e vazia – para ocupar a lacuna individualista
aparece o Nada com o objetivo de cumprir o papel principal. O resultado é que,
quanto mais resolutamente se remove das obras sua relação com a realidade
concreta, mais nitidamente se manifesta a natureza vazia das composições
contemporâneas, a exemplo da dita arte de vanguarda.
2 Sergio Lessa (1997) publicou instigante ensaio sobre o não-ser do reflexo em Lukács.
3 Na tradução em espanhol: “cada objeto recibe forma artística con la finalidad de que revele
su propia esencia, la esencia de sus relaciones con el mundo externo, como forma aparencial
inmediata de su mismidad”.
4 Na tradução em espanhol: “con sólo que un detalle parezca remitir a más allá de ese círculo,
ese «mundo» deja de ser tal, y se reduce a una multiplicidad desordenada o mecánicamente
acumulada de objetos heterogéneos”.
formales de lo decorativo en los que se manifiesta un lugar vacío entre la fuerza evocadora
sensible, necesariamente debilitada, y la inmediata falta de contenido”.
7 Na tradução em espanhol: “es capaz de producir una evocación estética, aunque sea de un
8 Na tradução em espanhol: “la felicidad inmerecida del paraíso, recibida como regalo de la
gracia”.
9 Na tradução em espanhol: “cuando la patria perdida aparece como Edad de Oro, significa
una acusación, un estímulo para luchar y trabajar, para reconquistar lo perdido para el
presente o para el futuro”.
10 Na tradução em espanhol: “la confesión más profunda de los grandes poetas, desde el coro
de la Antígona hasta Gorki, es la declaración de que, de todos los seres que verdaderamente
existen, el hombre es el más alto”.
11Na tradução em espanhol: “es sin duda capaz de producir un medio homogéneo, pero no
puede dar verdadera fuerza productora de mundo”
de diferente do que é”. E o que, de fato, é esse Mal? O filósofo alemão responde:
ele é exatamente o não-ser daquilo que ele ostenta ser. Explicando em outros
termos, pela natureza da essência dessa classe de aniquilação, ao mesmo
tempo em que se processa uma nulidade, carrega-se sempre determinada
eternização. Isso quer dizer que coisas e detalhes, quando são intercambiáveis
e articulados, não podem ser superados completamente no ato de superação.
A superação ocorre apenas em seu concreto ser-assim. O ato de superação
refere-se, especificamente, à sua qualidade de se voltar para cada caso singular
privado, repondo no lugar de cada caso dado algo que, pela sua estrutura
interna, é exatamente do mesmo valor.
Como resume o marxista húngaro, o substituído reaparece na
privaticidade singular, agora sob uma forma substituída por outra da mesma
magnitude. Esse tipo de superação da privaticidade é, segundo Lukács (1967b,
p. 463)15, o mesmo que sua reprodução total, pois “se mantém assim em toda
concepção ou representação alegórica, e não está em contradição alguma com
a natureza religiosamente fundamentada desses procedimentos”.
Quando a base de interpretação do barroco se ancora nas investigações
benjaminianas, é preciso considerar a seguinte novidade: na medida em que a
iluminação transcendente é executada sem possuir um conteúdo religioso
concreto, as refigurações são carregadas com o próprio Nada. Ou, como disse
Benjamin (1984, p. 207), o não-ser daquilo que ostenta, “pois a alegoria é (...)
o único divertimento, de resto muito intenso, que o melancólico se permite”.
Para este autor, não há ilustração melhor para a fragilidade da criatura
humana do que o fato de os viventes estarem também sujeitos a essa imensa
fragilidade. No barroco, como constata o filósofo alemão, o Príncipe é o
paradigma do melancólico:
Nessa herança imponente que a Renascença transmitiu ao Barroco,
e que tinha sido elaborada durante quase dois milênios, a
posteridade dispõe de um comentário mais preciso sobre o drama
barroco que qualquer outro que possa ser oferecido pela poética. Os
pensamentos filosóficos e as convicções políticas, que estão na base
da concepção da história como um drama, ordenam-se
harmoniosamente em torno desse tema. (BENJAMIN, 1984, p. 165)
15Na tradução em espanhol: “se mantiene así en toda concepción o representación alegórica,
y no está en contradicción alguna con la naturaleza religiosamente fundada de dichos
procedimientos”.
16Na tradução em espanhol: “a la mayoría de los grandes y característicos productos del arte
de vanguardia proceden de necesidades religiosas, por lo que también su configuración formal
está determinada por el contenido de dichas vivencias”.
17 Tradução em espanhol: “Hoy y aquí, sin generalidades ni impulsos sidéreos; éste es un buen
fundamento de la doble vida, y mi propia vida doble me ha resultado siempre muy agradable.
No he dejado nunca de cultivarla conscientemente”.
18 Tradução em espanhol: “Con todo esto el camino de la alegoría tiene hoy una dirección
distinta de la que tuvo em tiempos dominados por las formas religiosas de la vida”
19 Tradução em espanhol: “el cual pone individualmente, autónomamente, esa «trascendencia
vacía», la Nada como cumplimiento paradójico del vacío así producido, como glorificación
paradójica del campo de ruinas conseguido”.
20 A vida dupla, de Benn (1972), por exemplo.
21Tradução em espanhol: “Trátese del cubismo o del futurismo, del super-realismo o del arte
abstracto, la destrucción de los fenómenos y de la objetividad esencial activa en ellos tiene
siempre lugar, desde un lado o desde otro".
22Decididamente, para Lukács, tudo isso não esgota a produção estética contemporânea.
Algumas adaptações do realismo tradicional aos novos tempos podem ser encontradas
também na literatura, a exemplo de Joseph Conrad e Roger Martin du Gard, Sinclair Lewis e
Arnold Zweig, entre outras produções. Thomas Mann é, para o húngaro, quem “conseguiu
reconstruir em uma grande entidade total realista todos os elementos da vanguarda que são
realmente reflexos do atual modo de aparecer a essência, libertos das deformações desses
equilibristas experimentais” (LUKÁCS, 1967b, p. 472). Bertolt Brecht seria outro artista que
não poderia ser comparado à estranheza vanguardista. Como pensa o esteta magiar, a intenção
do dramaturgo alemão, “embarca precisamente no caminho oposto ao da chamada vanguarda”
(LUKÁCS, 1967b, p. 472). Essas poucas reações são muito mais ausentes nas artes plásticas
contemporâneas. Apenas em uma investigação histórico-materialista específica será possível
expor os motivos pelos quais o realismo foi quase que quebrado depois de artistas como, por
exemplo, Cézanne e Van Gogh. Há de se questionar também, “por que talentos tão grandes
como Matisse, ou criadores tão poderosos quanto Picasso, ficaram tão frequentemente presos
em uma experimentação problemática” (LUKÁCS, 1967b, p. 472).
A vida humana, por sua vez, recebe e abriga a irradiação desse princípio
de modo que, independentemente que venha do cubismo, do dadaísmo, do
futurismo, do surrealismo, ou de alguma corrente aparentada à dita arte de
vanguarda, consegue amparo na opinião cotidiana e no senso comum
acadêmico. Excluindo-se as sempre bem-vindas, honrosas e raras tentativas,
esse amparo consegue se fazer um atraente e confortável bibelô para a
sociedade capitalista que enfrenta, como considera Mészáros (2009), uma
crise estrutural.
A chamada arte de vanguarda, indiferente que seus produtores tenham
ou não consciência disso, por acreditar que atende à demanda do drama
humano com seu esoterismo pedante, acaba por alimentar a publicidade
mercantil, o comércio destrutivo de produtos artísticos e o terrorismo
jornalístico acordado com o capitalismo contemporâneo. O resultado dessa
conjunção de fatores caminha de mãos dadas com o sucesso do princípio
decorativo que, de um lado, possui essência conformista e, de outro, tem
inconformismo irracional. Isso tudo é muito bem demonstrado por meio das
palavras de Benn (1970), escolhidas para epigrafar estas considerações finais.
Referências bibliográficas
BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão. Trad. Sergio Paulo
Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1984.
BENN, Gottfried. Doble vida y otros escritos. Barcelona: Barral Editores,
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décadas. Crítica Marxista, n. 4, pp. 89-112, set. 1997.
LUKÁCS, G. Tragédia e tragicomédia do artista no capitalismo. Revista
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categoria da estética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
MARX, Karl. Diferença entre as filosofias da natureza em Demócrito e
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MÉSZÁROS, István. A crise estrutural do capital. São Paulo: Boitempo,
2009.
Como citar:
SANTOS, José Deribaldo Gomes. Alegoria e símbolo: a imanência cismundana
refletida artisticamente. Verinotio – Revista on-line de Filosofia e Ciências
Humanas, Rio das Ostras, v. 26, n. 1, pp. 44-63, jan./jun. 2020.
Resumo:
Ao analisar uma obra literária, Lukács a localiza em seu contexto histórico-
social. Em seus estudos sobre Tolstói, por exemplo, ele busca demonstrar
como a obra desse escritor supera certas dificuldades impostas em sua época
para o “grande realismo”, contrariando até certo ponto sua visão de mundo
reacionária. Esse fenômeno é o que Lukács entende como “triunfo do
realismo”. Nosso artigo visa assim discutir essa tese, perguntando-se quais são
as circunstâncias que tornam possível um tour de force realista. Também nos
interessa avaliar o contexto em que Lukács desenvolve essa tese, considerando
suas polêmicas contra o sociologismo vulgar, bem como seu engajamento na
frente popular nos anos 1930.
Abstract:
When analyzing a literary work, Lukacs sets it against its socio-historical
context. In his studies on Tolstoy, for instance, he seeks to demonstrate how
this writer's work surmount some difficulties that were imposed to the "great
realism" at his time, breaking to a certain point the limits of his own
reactionary world view. That’s what Lukacs calls the "triumph of realism". Our
article aims to discuss this thesis, interrogating what are these circumstances
that enable a realist tour de force. It is also our interest to evaluate the context
in which Lukacs develops this thesis, taking account of his polemics against the
vulgar sociologism and his engagement in the popular front during the 1930s.
DOI: 10.36638/1981-061X.2020.v26.544
Paula Alves Martins de Araújo
64
Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. ISSN 1981-061X. ano XV. jan./jun. 2020. v. 26. n. 1
I
Em um de seus textos, László Sziklai observa que, mesmo quando não
parece, nas contribuições de Lukács sobre o grande realismo nunca se trata
apenas do grande realismo (cf. SZIKLAI, 1976, p. 124). Haveria algo a mais. É
de se perguntar, então, do que Lukács de fato trata, para além das questões de
literatura, em seus textos dos anos 1930 e 40 - um período de sua atuação que
lhe valeu, e ainda vale, a acusação de pensador oficial do stalinismo. Pois
justamente a tematização do grande realismo parece contribuir com provas
para esse tipo de acusação. Seu interesse crítico por autores do século XIX,
como Balzac ou Tolstói, que além do mais são apresentados em sucessivas
contribuições como uma herança a ser reivindicada pelo campo socialista (em
detrimento de certas linhas do modernismo literário), é tomado muitas vezes
como mais uma evidência de um marxismo dogmático e anacrônico, nada
diferente do que se espera da boa tradição do stalinismo. Ironicamente,
contudo, se nos fiarmos nas indicações do próprio autor, somos confrontados
com o entendimento contrário, pois, para Lukács, os textos desse período são
justamente um bastião, conquanto discreto, do antisstalinismo.
De fato, é possível encontrar, em textos posteriores, diversas passagens
em que Lukács se distancia explicitamente do stalinismo. Convicto da
necessidade de reformas radicais, ele se empenha na renovação do socialismo,
o que para ele significa, fundamentalmente, uma democratização, em sentido
comunista, de toda a vida social, livrando o socialismo “dos grilhões do método
stalinista” (LUKÁCS, 1970, p. 189). Mas ao revisitar sua trajetória2, Lukács não
circunscreve sua oposição ao stalinismo àquele momento em que, após a morte
de Stálin e das resoluções do XX Congresso do Partido Comunista (1956), seu
legado estava sendo revisto e debatido nas fileiras do comunismo3, processo
que ficou conhecido como desestalinização. Ele revela ter usado uma
linguagem esópica para driblar a censura já nos textos da década de 30,
entremeando, além disso, citações protocolares de Stálin em seu argumento.
Assim, mesmo quando não endereça de maneira direta a sua crítica, até
porque, como Lukács mesmo reconhece (cf. 1970b, pp. 235-6), em certos
momentos não havia mesmo uma discordância espiritual e moral entre suas
convicções e as posições de Stálin, ele entende que, de um modo ou de outro,
ela sempre esteve presente. Nesse sentido, ele dirá ao final de sua vida “poder
2 Veja-se, nesse sentido, o texto Sozialismus als Phase radikaler kritischer Reformen (1969),
em que Lukács, de modo sintético, faz um balanço do ponto de vista biográfico de sua relação
com Stálin, ponderando suas motivações, muitas vezes eivadas de ilusões, e o acerto (ou não)
de suas escolhas no contexto histórico da época.
3 Também José Paulo Netto reforça o aspecto contínuo de sua crítica: “entre a crítica
lukacsiana elíptica dos anos 1930 aos anos 50 e a denúncia aberta do último Lukács, posterior
ao XX Congresso do PCUS, não há hiatos: há uma continuidade essencial, dissimulada
somente pela linguagem fabular utilizada na era stalinista” (2019, p. 336).
4 O que, diga-se de passagem, não impede que Lukács reconheça eventuais acertos táticos de
Stálin, no calor da hora, mas também depois, como podemos ler, por exemplo, no texto
mencionado na primeira nota, Sozialismus als Phase radikaler kritischer Reformen. Um
balanço muito lúcido dessa relação é o texto de José Paulo Netto, do qual destaco uma outra
passagem: “Com efeito, Lukács, fiel à sua ortodoxia marxista, adotou uma postura de dúplice
crítica: contra o dogmatismo da era stalinista e contra o liberalismo emergente com a sua
denúncia” (2019, p. 310). José Paulo Netto analisa ainda com bastante interesse a
problemática cultural da era stalinista e a oposição de Lukács, em sua atividade crítica, às suas
linhas gerais bem como em questões pontuais.
5 De acordo com Sziklai, essa polêmica contra a sociologia vulgar se inicia em 1936, com um
texto de Lifschitz, Der Leninismus und die Kunstkritik, nas colunas da revista Literaturnaja
Gaseta. Já antes, na revista Literaturny Kritik, essa vertente havia sido criticada, mas, na
avaliação de Sziklai, “essa polêmica foi em partes demasiadamente abstrata. Sua
argumentação se fundava em bases filosóficas lábeis”, limitações das quais o artigo de
Lifschitz, por sua vez, não compartilharia (1978a, p. 95). Nas notas dos Moskauer Schriften
podemos ler ainda que o ponto de referência da sociologia literária soviética, já que era um de
seus principais representantes, era W. M. Fritsche (LUKÁCS, 1981, p. 159). Se, àquela altura,
a polêmica talvez não tenha tido intencionalmente esse sentido, julgando-a da perspectiva dos
trabalhos de Lukács e Lifschitz, é possível interpretar essa diferenciação em relação à
sociologia vulgar como um episódio do esforço de estabelecimento do que seria (do que
poderia ser) uma estética marxista, esforço este central para a trajetória de ambos.
6 Como lembra Sziklai, “Lifschitz diagnostica de modo totalmente correto que o principal
esquema, que serve de modelo para o sociologus vulgaris na análise de todos os processos da
história da cultura, era o colisão entre a burguesia progressista com a nobreza feudal, já
madura para o declínio” (SZIKLAI, 1978a, p. 94).
7 Um comentário de Sziklai é bastante esclarecedor quanto a esse ponto: “A sua essência [do
princípio dialético da totalidade] consiste em que sempre se deve considerar, em um
determinado período do desenvolvimento histórico total, as classes e as correlações de força
que surgiram entre elas, e não em relação ao seu estado morto [Zustandshaftigkeit], mas a
suas principais tendências de movimento” (1978, p. 96).
8 Cf. Cotrim (2009, p. 337) para uma apresentação sintética e bastante clara do problema da
9 De acordo com Winfried Schröder, a primeira vez que Lukács fala do significado das notas
de Marx sobre a relação desigual entre arte e economia para a superação da sociologia vulgar
foi no artigo sobre Franz Mehring, publicado em 1933. Lukács se perfila a Marx e Engels, ao
identificar e desenvolver esse problema. Ambos teriam repetidas vezes demonstrado o
“desenvolvimento desigual no campo da história das ideologias” (LUKÁCS, 1969, p. 210).
10 E que se coloque o devido peso na palavra “relativa”, que explicita a correlação entre base
II
Quando se trata de avaliar o que é a literatura de fato progressista e qual
o papel nela exercido pelo fator subjetivo, essa concepção do desenvolvimento
12 A carta de Engels, escrita em inglês, sob o ensejo de comentar uma obra de Margaret
Harkness, desapareceu, e o que se conhece dela é um esboço. A partir de uma carta de M.
Harkness supõe-se que Engels a enviou em abril de 1888. De acordo com Jan Myrdal (1976, p.
551), a carta foi divulgada pela primeira vez em 1932 na Linkskurve em tradução alemã a partir
do russo; o original em inglês foi publicado em 1948 na coleção dos escritos estéticos de Marx
e Engels organizada por Michail Lifschitz. Na carta, depois de caracterizar o realismo bem
como o posicionamento político de Balzac, Engels nota sua mordacidade justamente em
relação àqueles com quem o escritor francês – por uma questão de classe - simpatizava: os
nobres, e conclui com as seguintes palavras: “que Balzac então tenha sido compelido a agir
contra suas próprias simpatias de classe e preconceitos políticos, que ele tenha visto a
necessidade do declínio de seus queridos nobres e os descreveu como pessoas que não
merecem um destino melhor; e que ele tenha visto os verdadeiros homens do futuro ali,
somente onde naquela época elas poderiam ser encontradas – isso eu considero um dos
maiores triunfos do realismo e um dos traços mais extraordinários do velho Balzac“ (1948, p.
104).
ideólogo da política de frente popular avant la lettre” (2017, p. 331), pois ele já havia perdido
as esperanças de que a dominação burguesa iria ser liquidada a curto prazo, o que tem, para
ele, consequências táticas e estratégicas.
15 Sziklai nota que é característico da atividade de Lukács nesse período uma orientação “sem
reserva crítica tanto pelos princípios estratégicos como táticos da Internacional Comunista”
(1990, p. 11).
16 Ainda de acordo com Sziklai, antes mesmo desse debate, Lunatscharski já havia criticado a
oposto a equiparação da RAPP entre visão de mundo e método artístico (cf. SZIKLAI, 1978, p.
120).
17 A questão do sectarismo é apresentada clara e sinteticamente por Sziklai: “com a vitória do
fascismo na Alemanha, vem para primeiro plano no modo de pensar de Lukács justamente
aqueles momentos sectários (fascistização do capitalismo, a socialdemocracia como quartel-
mestre do fascismo), que já estavam formulados nas Teses de Blum, sem que, na situação
modificada, a ideia da ditadura democrática a pudesse compensar em certa medida. Da falsa
alternativa de Lukács – fascismo ou a revolução proletária que o varre – decorre, no entanto,
linearmente que apenas o proletariado – mais exatamente – o proletariado apenas assume a
luta efetiva contra o fascismo, isto é, contra o capitalismo” (1990, p. 13).
negativo) sobre a obra – embora, como nota Lukács, “essas ilusões se tornam
tão mais vazias e perniciosas para a compreensão da realidade, quanto mais
desenvolvidas as oposições de classe” (1981, p. 123). Faz-se necessário,
portanto, nada menos, nada mais do que um tour de force realista, que a
contrapelo impõe uma ruptura com essa gramática de expectativas do artista,
que é a sua visão de mundo.
A questão que a essa altura se torna forçosa então é: como essa ruptura
pode ocorrer? Como um sujeito que “não necessariamente conhece a realidade
em suas determinações essenciais chega a se converter no meio através do qual
certo saber sobre a realidade consegue se expressar na obra?” (MARANDO,
2014, p. 18). Lukács responde a essa pergunta em diferentes textos dos anos
30 e 40; em alguns, como Marx e o problema da decadência ideológica, ou
ainda certos ensaios dos Moskauer Schriften, ele se detém mais sobre o
assunto. Justapondo essas contribuições, é possível chegar a alguns elementos
que podemos considerar como centrais para a definição de Lukács sobre a
realização do “triunfo do realismo”. Ela envolve tanto aspectos subjetivos como
objetivos, que atuam em codependência.
No nível da possibilidade abstrata, Lukács menciona como
pressupostos subjetivos o talento, isto é, “a capacidade de capturar e
apresentar a realidade em sua complexidade” (1964a, p. 229), e a “honestidade
artística”. Frequentemente, Lukács afirma sobre um determinado escritor que
ele é honesto; assim, ele diz por exemplo que Flaubert e Zola não participam
do desenvolvimento social de sua época, pois são “grandes e honestos demais”
(1971, 205) para isso; também Kleist, que “rejeita a tentativa de aliciamento do
governo”, “arruína-se material e moralmente, mas enquanto uma pessoa
subjetivamente honesta” (LUKÁCS, 1964a, p. 230). Com esse termo de
conotação aparentemente moral, Lukács procura indicar a coerência dos
escritores, que se esforçam por cunhar sua obra de acordo com “a própria
imagem de mundo, sem se preocupar com aprovação ou rejeição” (1971, p.
269). Se a “honestidade artística” envolve um posicionamento ético, ela
pressupõe também certa consequência no processo de figuração.
Diferentemente daqueles que moldam a realidade de acordo com o filtro que
convém à classe dominante – para Lukács, esses, que capitularam e se
converteram à apologética, estão perdidos como escritores –, os escritores
honestos possuem “a coragem de figurar o mundo que ele [escritor] viu e tal
como ele o viu” (1964a, p. 229). Nesse sentido, a honestidade é uma condição
importante para o triunfo do realismo, mas ela não passa de uma possibilidade
abstrata (cf. LUKÁCS, 1971, p. 269; 1981, p. 139).
Um passo na direção da concretização dessas qualidades subjetivas é o
“realismo espontâneo”. Ele consiste na preferência que o escritor manifesta na
tessitura de sua obra pelo acúmulo da realidade, em detrimento de sua própria
imagem de mundo (cf. LUKÁCS, 1971, p. 270). O realismo surge então
19Embora em seu comentário Tertulian se volte sobretudo para a estética tardia de Lukács, em
virtude das continuidades entre ela e a dita teoria do realismo, seu comentário pode também
explicá-la com precisão.
Isso não significa, para Lukács, que o escritor deva assumir a visão de
mundo do materialismo dialético. Ele deve lutar constantemente para “superar
esses preconceitos na observação e julgamento da realidade mesma” e lutar
“para superá-los na própria vida interior, na sua posição quanto as próprias
experiências interiores” (LUKÁCS, 1971, p. 271). Se a experiência imediata
reforça os fetiches da consciência cotidiana, Lukács entende que é preciso
desmontá-los através do trabalho intelectual e moral.
A situação dos escritores socialistas é em larga medida diferente.
Quando o povo organiza a vida social de acordo com seus interesses
Referências bibliográficas
BISCHOF, B; ARAÚJO, P. A. M. Pressupostos históricos e sociais da criação
artística, na perspectiva de Georg Lukács: hostilidade do capitalismo às artes.
Cerrados - Revista do Programa de Pós-Graduação em Literatura, Brasília,
v. 24, n. 39, pp. 88-107, 2015.
Como citar:
ARAÚJO, Paula Alves Martins de. Triunfo do realismo: o que é isso? Sobre
uma categoria da teoria do realismo de Lukács. Verinotio – Revista on-line de
Filosofia e Ciências Humanas, Rio das Ostras, v. 26, n. 1, pp. 64-84, jan./jun.
2020.
Resumo:
O presente artigo tem por objetivo compreender a discussão entre a alternativa
entre uma arte autônoma e uma arte política/de tendência. A partir do
referencial teórico do marxista húngaro György Lukács, o texto busca criticar
o caráter enrijecido do debate devido à limitação da concepção de sujeito e
sociedade inerente à ideologia burguesa, assim como sua tentativa de produzir
uma filosofia da arte desvinculada das questões histórico-sociais de seu tempo.
Palavras-chave: partidarismo; arte de tendência; autonomia da arte.
DOI: 10.36638/1981-061X.2020.v26.533
Bruno Daniel Bianchi
85
Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. ISSN 1981-061X. ano XV. jan./jun. 2020. v. 26. n. 1
2 Aqui, dois grupos são de relevância: o LEF, que defendia uma arte “operativa”, de intervenção
direta sobre a realidade (através, por exemplo, do agitprop), que buscava unir atividade
artística com a produção em geral, chegando ao ponto de anunciar “abaixo à arte! Viva a
técnica!”, ou seja, anulando a especificidade do reflexo artístico; e o Proletkult, que buscava
principalmente produzir uma “cultura proletária”, através, principalmente, de mudanças
linguísticas e formais. Ambos os movimentos – utilitaristas em essência – foram influentes
após a Revolução Russa, tendo seu fim decretado com a institucionalização do Realismo
Socialista em 1934.Sobre os movimentos artísticos soviéticos, ver Napolitano (1997) e
Frederico (2018).
3Para saber mais sobre o debate entre Herwegh e Freiligrath, ver o texto Tendência ou
partidariedade? (1932), de Lukács, ou a obra A filosofia da arte de Karl Marx, de M. Lifschitz.
4 Aqui, não dizemos que a ciência, por sua tendência à desantropomorfização (ou seja, à
retirada do elemento humano como ideal) exclui um componente subjetivo do pesquisador,
mas sim que sua atividade, se é realmente científica, segue a tendência da análise da realidade
por ela mesma, independente das opiniões do artista.
5 A discussão sobre a Reportagem como substituto da representação, presente durante as
primeiras décadas do século XX, é tema de debate de outro artigo de Lukács de 1932,
Reportagem ou figuração? [Reportage oder Gestaltung?].
6Tal relação entre subjetividade e objetividade já está presente na primeira tese de Marx sobre
Feuerbach: “O principal defeito de todo o materialismo existente até agora – o de Feuerbach
incluído – é que o objeto [Gegenstand], a realidade, o sensível, só é apreendido sob a forma
do objeto [Objekt] ou da contemplação; mas não como atividade humana sensível, como
prática, não subjetivamente. Daí decorreu que o lado ativo, em oposição ao materialismo, foi
desenvolvido pelo idealismo – mas apenas de modo abstrato, pois naturalmente o idealismo
não conhece a atividade real, sensível, como tal.” (MARX e ENGELS, 2007, p. 537)
Aqui, está claro que Engels defende a tomada de partido por parte do
artista. O autor deve encontrar a tendência no desenvolvimento social objetivo,
ou seja, deve conhecer profundamente a realidade em si, os conflitos que
permeiam suas relações, para que consiga romper com as ilusões
convencionais que existem sobre as relações reais, no sentido de Engels. É,
portanto, da especificidade da arte o seu caráter desmistificador, de romper
com a falsa consciência burguesa e com o reflexo cotidiano da realidade, de
revelar o movimento do real no seu aspecto mais humano; o partidarismo é,
portanto, a revelação do reflexo artístico como embate entre reação e progresso
e somente o proletariado – de acordo com Lukács – é capaz de romper com a
falsa consciência mistificada da decadência ideológica burguesa.
7Uma análise mais completa acerca destes textos pode ser vista na obra Literatura e realismo
em György Lukács, de Ana Cotrim, baseada em sua dissertação de mestrado.
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LUKÁCS, G. La peculiaridad de lo estetico v. 2: Problemas de la mímesis. Trad.
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des Realismus I: Essays über Realismus. Berlim: Luchterhand, 1971, p. 23-34.
LUKÁCS, G. Introdução a uma estética marxista. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1978.
Como citar:
BIANCHI, Bruno Daniel. Arte autônoma ou arte política? Verinotio – Revista
on-line de Filosofia e Ciências Humanas, Rio das Ostras, v. 26, n. 1, pp. 85-95,
jan./jun. 2020.
Resumo:
Os escritos estéticos de Lukács durante a emigração na URSS constituem uma
súmula de seu posicionamento contra o despotismo stalinista e a ortodoxia
soviética. A despeito das “autocríticas protocolares”, os textos expressam a
crítica interdita pelo dogmatismo e o sectarismo característicos do período e
irão repercutir a preocupação do autor de que a Estética e Para uma ontologia
do ser social, fossem consideradas como sua contribuição à urgência da
construção de um projeto de renovação e renascimento do marxismo.
DOI: 10.36638/1981-061X.2020.v26.519
Juarez Torres Duayer
96
Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. ISSN 1981-061X. ano XV. jan./jun. 2020. v. 26. n. 1
(1998); para uma defesa da atualidade do realismo para a estética marxista, ver Duayer (2015).
vanguardas estéticas dos anos 1930 e com o sectarismo das políticas culturais
do Proletkult9. De acordo com Oldrini (1996), é o momento da “virada
ontológica” responsável pela alteração radical da relação anterior de Lukács
com o marxismo e da transformação da perspectiva filosófica de História e
consciência de classe10. Enfim, e talvez o mais decisivo: das experiências do
período da emigração toma corpo e nasce o empenho lukacsiano no projeto de
renovação e renascimento do marxismo. Para Tertulian (1980, p. 287), após “a
longa noite stalinista”, o filósofo acreditava que as categorias fundamentais do
pensamento marxista deveriam ser submetidas a um reexame radical. Este foi
o sentido da preocupação manifestada mais tarde por Lukács de que suas obras
da maturidade, a Estética e Para uma ontologia do ser social, fossem
consideradas como contribuições pioneiras à construção daquele projeto no
qual trabalhará até o fim da vida.
Não surpreende portanto que após quase três décadas do retorno à
Hungria, no roteiro do esboço autobiográfico que preparou no início de 1971
(Lukács faleceu em 4 de junho) para as entrevistas que concedeu entre março
e maio do mesmo ano a István Eörsi e Erzsébet Vezér11 (Pensamento vivido),
o autor se refira à emigração soviética como um período de “sorte em tempo
de catástrofes”12.
Na edição do esboço preparado por Lukács, os responsáveis pelas
entrevistas de Pensamento Vivido se referem ao tempo da emigração como um
período de “alargamento do campo de conflito” (1999, p. 166); Netto (1983, p.
50) se referiu a ele como “os tempos difíceis” e o húngaro Szabô (2016, p. 135),
de os “anos perigosos na União Soviética onde ele [Lukács] viu de perto a
prática despótica stalinista” e lembrou que “não por acaso”, Daniel Bell se
referiu ao filósofo magiar como “o grande sobrevivente da época” (2016, p.
136). É bem provável que o sociólogo estadunidense, autor do best-seller O
fim da ideologia, tenha se reportado em seu comentário a seguinte passagem
dos depoimentos de Lukács: “Infelizmente devo dizer que, na minha opinião,
além de mim não existe nenhum escritor húngaro que tenha escapado da era
9 O Proletkult, movimento russo adepto de uma “cultura proletária”, defendia a ruptura entre
a arte socialista e o passado (a tradição cultural) em defesa de uma literatura operária como a
autêntica literatura revolucionária.
10 Oldrini considera que esta “virada” se deve ao “contato de Lukács com os Manuscritos de
1844 de Marx e os Cadernos filosóficos de Lênin e se “funda nas geniais críticas de Marx (e
Lênin) a Hegel, através dos quais Lukács vê pela primeira vez as consequências que derivam
dos contorcionismos idealistas hegelianos” (2002, p. 53).
11 Pensamento Vivido (Gelebtes Denken) foi publicado em alemão pela primeira vez em 1980
Bukharin em 1930 – “se os tivesse encontrado teria sido liquidado”; ao seu afastamento do
movimento húngaro após o “fiasco” das Teses de Blum e, a terceira, à pouca atração exercida
pela casa em que morava pelo pessoal da NKVD, a polícia política do período.
ao depoimento de Lukács na série “Escritores sobre Karl Marx” por ocasião de um congresso
internacional de escritores em Moscou.
16 Em carta à romancista Margaret Harkness de abril de 1888, Engels, cita o exemplo de Balzac
que embora “politicamente legitimista” se viu “compelido a agir contra as suas próprias
simpatias de classe e preconceitos políticos” - como um “dos maiores triunfos do realismo”
(1979, p. 70).
18 Os textos
publicados na Literatunyj Kritik foram editados pela Fondo de Cultura Económica
(México, 1966) a partir da edição original Probleme des Realismus (LUKÁCS, 1955); parte
deles foram selecionados e traduzidos por Carlos Nelson Coutinho (LUKÁCS, 1968). Uma nova
edição com o mesmo título e também com seleção, apresentação e tradução de Carlos Nelson
Coutinho foi lançada pela Expressão Popular em 2010 com a inclusão do importante Narrar
ou descrever?, de Lukács, escrito em 1936 durante a emigração.
na distinção entre arte e política20. Distinção esta tanto mais importante, como
lembrou Chasin (1989, p. 12) “quanto mais se adverte que já se trata de um
escrito de resistência pró-revolucionária no interior mesmo da revolução”
(CHASIN, 1989).
Não obstante a importância desta herança ainda persistem reedições
contemporâneas de “lamentáveis erros anteriores” que nos fazem lembrar de
perto o período dos “anos difíceis” e do “tempo de catástrofes”, como os da
“época gris” das políticas culturais nos anos sessenta e setenta em Cuba21.
Assim sendo, cabe rememorar desde os clássicos do marxismo as
melhores tradições envolvidas nas relações entre emancipação humana, arte e
revolução e lembrar que para os communards de 1871 e 1919, a arte e a
revolução deveriam sim andar juntas, mas em total liberdade em relação ao
estado.
Reivindicar, sim, a enorme herança da Revolução Russa de 1917, mas
sem esquecer com Netto, que “nenhum pensador marxista pode elidir-se de
um exame do stalinismo, um dos resultados do fracasso da Revolução no
Ocidente” (1979, p. 17)22.
Para finalizar, lembro que em Lukács “a rememoração do passado
sempre foi um veículo ideal da continuidade histórica” (1968, p. 4) mas, para
tanto,
temos que tomar o passado em um sentido ontológico, não no
sentido teórico-cognoscitivo. Se tomo o passado no sentido da teoria
do conhecimento, o passado está passado. Do ponto de vista
ontológico, o passado nem sempre é passado, mas exerce sua
influência até o presente (LUKÁCS, 1971, p. 41).
20 Para Serge, “Quando a luta tiver terminado, a divisão da sociedade em classes for abolida,
não haverá mais proletariado. A nova cultura nascente será verdadeiramente humana. Só num
sentido restrito, portanto, é que se pode falar de cultura e literatura proletárias” (1989, p. 97).
21 Os “erros lamentáveis” e a “época gris” estão em Os intelectuais cubanos e a política cultural
muito depois da marcha das tropas do Pacto de Varsóvia sobre Praga, ouvi de sua boca [de
Lukács] a seguinte declaração: ‘Parece que todo o experimento iniciado em 1917 fracassou e
tudo tem de ser começado outra vez em outro lugar.’” (1999, p. 13)
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Como citar:
DUAYER, Juarez Torres. Lukács e a emigração na URSS (1933-45): realismo e
sorte em tempos de catástrofes. Verinotio – Revista on-line de Filosofia e
Ciências Humanas, Rio das Ostras, v. 26, n. 1, pp. 96-105, jan./jun. 2020.
Resumo:
A partir da descrição das noções de reflexo artístico e de mundanidade na
estética de maturidade de György Lukács, este estudo pretende apresentar
algumas questões preliminares acerca do que vem a ser a obra de arte, suas
particularidades e seus pressupostos na Estética (1963), com o intuito de
ressaltar, por fim, o caráter absolutamente humanista dessa obra lukacsiana.
Abstract:
Based on the description of the concepts of reflexo artístico and mundanidade
presented in Gyorgy Lukacs' Aesthetics (1963), this study aims to offer some
preliminary considerations about what is a work of art, its particularities and
assumptions, in order to emphasize the profound humanistic trace of this
work.
Introdução
Ao longo de seus últimos 15 anos de vida, Lukács centralizou os seus
esforços na redação de duas obras consideradas sínteses de sua trajetória
intelectual: a Estética, que veio a público em 1963 e A ontologia do ser social,
cuja conclusão data, aproximadamente, de 1968. Apesar de ter iniciado a
escrita da Estética um pouco antes de 1956, o autor teve de suspender o projeto
por causa de acontecimentos políticos na Hungria. Devido a tais episódios, no
DOI: 10.36638/1981-061X.2020.v26.523
Renata Altenfelder Garcia Gallo
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Reflexo estético
A leitura da estética lukacsiana, de antemão, deixa claro para o seu leitor
que as investigações relativas ao fenômeno artístico não podem versar, apenas,
sobre a compreensão de elementos que mais corriqueiramente são descritos
nas estéticas, como a questão da forma artística ou da fenomenologia da
recepção e da criação das obras de arte. Para Lukács, é importante entender,
sobretudo, a gênese do reflexo e as especificidades relativas aos reflexos
estético e científico, de modo que este se torna o tema central da primeira parte
da Estética.
Segundo Lukács, arte e ciência são reflexos próprios do homem e têm
como função possibilitar aos sujeitos conhecer o mundo que os circunda e, por
conseguinte, fazer com que esses indivíduos possam dominá-lo. Nesse sentido,
a estética de maturidade lukacsiana assume como pressuposto que a esfera da
vida cotidiana é o plano de onde parte e o ponto para onde retornam os efeitos
das objetivações humanas, pois é da vida cotidiana que:
provém a necessidade de o homem objetivar-se, ir além de seus
que não dependem de outros para existir. Por conseguinte, pode-se afirmar
que a arte reflete uma totalidade intensiva da vida, ou seja, ela é “uma
totalidade fechada que figura de modo concentrado o mundo dos homens num
contexto particular” (FREDERICO, 1997, p. 62). Se a arte reflete a totalidade
intensiva da vida, o mesmo não ocorre com a ciência, que procura refletir a
totalidade extensiva da vida, visto que “o cientista busca refletir o infinito, o
universo em seu conjunto” (FREDERICO, 1997, p. 61).
Ainda sobre as especificidades do reflexo estético e do científico, Lukács
assegura que a individualidade da obra de arte é sempre determinada pela
subjetividade de seu criador, ao passo que as proposições científicas
encontram-se desvinculadas de qualquer momento subjetivo em sua origem,
podendo, apenas, de acordo com Patriota:
cumprir a finalidade que lhe foi destinada socialmente se capta a
realidade em sua legalidade ou essencialidade, depurando-a ao
máximo de condicionamentos subjetivos e formando, através de
conceitos, uma cadeia de determinações generalizadoras
(PATRIOTA, 2010, p. 18).
Por esse motivo, afirma-se que o reflexo científico é marcado por seu
caráter desantropomorfizador, pois a sua finalidade é o conhecimento da
realidade objetiva, levando à consciência seus conteúdos, suas categorias etc.,
ao passo que a arte carrega como marca um caráter antropomorfizador, pois
liga a objetividade à subjetividade, a essência ao fenômeno, aproximando,
assim, os contrários. Nesse sentido, afirma-se que o reflexo artístico atua por
meio de um movimento contrário ao reflexo científico, pois a sua projeção é
marcada por um movimento de dentro para fora. Sendo assim, a arte opera
sobre o sujeito enquanto a ciência age através de leis próprias, de forma que,
no reflexo científico, a realidade objetiva independe da consciência e
transforma em propriedades da consciência humana uma realidade que
independe da consciência do homem. Na arte, contrariamente, é alcançada a
unidade do sujeito individual com o objeto, de modo que nesta esfera o homem
está implicado como objeto e como sujeito, o que corrobora a ideia de que não
há mundo artístico sem um sujeito criador e um fruidor. Esse processo resulta
que a obra de arte, embora seja uma coisa “em-si”, é, a um só passo, um “para-
nós”, pois nela está sempre contido o sujeito criador e o fruidor.
Deve-se ressaltar, portanto, que a autoconsciência do sujeito fruidor
não está dissociada do mundo exterior; o que conduz à afirmação de Lukács de
que as reproduções artísticas da realidade transformam o ser-em-si da
objetividade em um ser-para-nós do mundo, representado na individualidade
de cada totalidade intensiva que é a obra de arte. Essa propriedade estética
amplia, alarga e aprofunda a consciência do homem sobre a natureza, sobre a
sua condição humana, sobre a história e a sociedade. É no domínio da estética
e, através da mediação entre as obras de arte e o sujeito, que o indivíduo pode
O caminho da mundanidade
Uma das peculiaridades das obras de arte é a criação de mundos
autônomos, isto é, o objeto artístico reflete uma totalidade intensiva da vida,
pois figura, de modo concentrado, o mundo dos homens em determinados
contextos, entretanto um longo caminho do desenvolvimento humano teve de
ser traçado para que adquiríssemos a capacidade de produzir obras de arte.
Seguiremos descrevendo os traços mais essenciais desse desenvolvimento,
segundo Lukács.
Primeiramente, o filósofo tece algumas considerações acerca das
pinturas rupestres produzidas pelos caçadores no período paleolítico. Sobre
e dominar o mundo ao seu redor, bem como tem sua interioridade enriquecida
– resgata a noção marxiana de que: “o conhecimento de si do homem não
ocorre sem o conhecimento do conjunto de suas relações com o mundo”
(TERTULIAN, 2008, p. 253). Dito de outro modo, Lukács assegura o elo e a
correlação entre o ato de objetivação e o desenvolvimento da sensibilidade
humana, o que, transposto à criação artística, conduz à afirmação de que a
conexão estabelecida entre o conhecimento de si e o conhecimento do mundo
está no alicerce do equilíbrio entre objetividade e subjetividade no momento
da criação artística.
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TERTULIAN, N. Lukács: etapas de seu pensamento estético. São Paulo:
Unesp, 2008.
Como citar:
GALLO, Renata Altenfelder Garcia. Origem do reflexo estético, mundanidade
e considerações preliminares sobre a obra de arte na Estética (1963) de György
Lukács. Verinotio – Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas, Rio das
Ostras, v. 26, n. 1, pp. 106-25, jan./jun. 2020.
Martín Salinas1
Resumen:
El artículo analiza la lectura de György Lukács de la segunda novela de
Soljenítsin, Pabellón de los cancerosos. La consideración de los contextos que
enmarcan las críticas del autor húngaro tiene claras implicaciones políticas,
filosóficas y estéticas: el proceso de des formalización, la coexistencia pacífica
y el "renacimiento del marxismo", que Lukács reconoce como una tarea
urgente. Dentro de este marco conceptual, la interpretación de Lukács de la
obra de Soljenítsin expresa la forma en que se articulan las nociones de
autonomía y perspectiva estética.
Abstract:
The article discusses Gyorgy Lukacs's reading of Soljenítsin's second novel,
Cancer Ward. Consideration of the contexts that frame the Hungarian author's
criticism has clear political, philosophical and aesthetic implications: the
process of de-Stalinization, peaceful coexistence, and the “Renaissance of
Marxism”, which Lukacs recognizes as an urgent task. In this conceptual
framework, Lukacs's interpretation of Soljenitsin's work expresses the way in
which the notions of aesthetic autonomy and perspective are articulated.
1Doctor en Literatura Alemana pela Universidad Buenos Aires, Docente Auxiliar de la catedra
de Literatura Alemana, Facultad de Filosofía y Letras de la Universidad de Buenos Aires
(UBA). E-mail: magallanes929@yahoo.com.ar.
DOI: 10.36638/1981-061X.2020.v26.529
Martín Salinas
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Contextos y premisas
Los ensayos dedicados a la obra de Soljenítsin, “Solschenitzyn: ‘Ein Tag
im Leben des Iwan Denissowitsch’” (1964), y “Solschenizyns Romane” (1969)
constituyen un estadio más en el dilatado desarrollo de la crítica literaria de
Lukács. Escritos luego de La peculiaridad de lo estético (1963), en simultáneo
con el ensayo Demokratisierung heute und morgen (1968; publ. en 1987), y
durante el trabajo con la Ontología del ser social (1964-1971; publ. en 1984),
en ellos se observa no solo un nuevo intento de distinguir la especificidad
ontológica de la esfera estética respecto de las diferentes formas de
objetivación del ser humano (la ciencia y la filosofía) en torno a una obra de
reciente publicación y de gran difusión, sino también el esfuerzo crítico por
especificar los contornos y las perspectivas de la renovación del realismo que
Lukács advierte en la obra temprana de Soljenítsin tras la muerte Stálin. La
articulación de categorías estéticas (la autonomía estética, el poder evocador
de la obra de arte, su carácter antropomorfizador, la función desfetichizadora),
de criterios vinculados a la crítica literaria (la confrontación con la literatura
de ilustración, con el naturalismo, con el realismo socialista del período
estalinista y con la literatura burguesa moderna), y de análisis histórico-
políticos (democratización de la vida cotidiana que implica la renovación del
socialismo) presente en los ensayos manifiesta la particularidad de un
pensamiento ontológico que, lejos de postular principios abstractos que
trascienden el plano de la historia, surge de las objetivaciones del propio
desarrollo histórico, e intenta incidir en su posterior despliegue.
En este marco de producción de la obra de Lukács, los ensayos sobre la
obra del autor ruso pueden leerse como el análisis a partir del cual la
autonomía y la perspectiva estéticas pueden ser señaladas solo como una
posibilidad concreta del desarrollo histórico y no como una utopía impuesta
de manera subjetiva. De acuerdo con la concepción estética del viejo Lukács,
la perspectiva solo puede ser sugerida a partir de la lectura de la realidad
representada en la obra y no desde el relevamiento de las expectativas
subjetivas que los autores puedan incluir en la acción narrativa “desde fuera”.
Es la propia autonomía de la obra de arte, eje estructural del pensamiento
estético de Lukács, la que permite que la perspectiva se vincule, desde “la
prioridad ontológica de la actualidad” (LUKÁCS, 1989, p. 57) con un desarrollo
que, orientado al pasado y al futuro, excede el marco de la coyuntura histórica.
Pero así como la perspectiva a que da lugar la obra excede el marco inmediato
de actualidad histórica, las consideraciones en torno a la autonomía estética
suponen un método de análisis que excede la vinculación directa entre las
obras y los autores empíricos. La autonomía y la perspectiva se presentan, de
esta manera, como categorías centrales de un pensamiento estético
ontológicamente fundado a partir de las cuales tanto el marco estrecho de la
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contexto de las purgas de Stálin2, deja de lado los debates e intercambios que
Lukács mantuvo con autores y autoras alemanes del período, tales como Anna
Seghers, Billi Bredel, o Johannes Becher. En la crítica literaria de Lukács, como
ya se mencionó, la mirada dirigida al pasado también supone una puesta en
perspectiva. En el IV Congreso de escritores alemanes de 1956, del que
participaron Anna Seghers y Johannes Becher, Lukács interviene
precisamente con una ponencia titulada “El problema de la perspectiva”. Allí,
Lukács considera, tal como lo haría en escritos e intervenciones posteriores,
que la perspectiva no representa una realidad propiamente dicha, pero
tampoco una utopía, sino una posibilidad objetiva: “si existiese, no sería
perspectiva para el mundo que configuramos” (LUKÁCS, 1968, p. 243). Pero
el carácter objetivo de la posibilidad no implica un fatalismo unilateral, sino el
reconocimiento de “la tendencia en la realidad para la realización de la misma”
(LUKÁCS, 1968, p. 243). Una “perspectiva sólo es verdaderamente auténtica y
real, cuando nace de las tendencias evolutivas de aquellos hombres concretos”
(LUKÁCS, 1968, p. 244) configurados en la obra de arte. En su estética tardía
Lukács vincula la posibilidad de la perspectiva al carácter no utópico de la obra
de arte:
Pues es propio de la esencia del arte el no ser utópico. Para la gran
mayoría de las artes, los géneros artísticos y las obras, es imposible
representar la perspectiva del futuro salvo como dirección de
movimiento, más o menos visible, siempre sólo indicada, del
presente al que dan forma. (LUKÁCS, 1966, p. 216)
2 “A despecho de las presiones de sus enemigos rusos, Lukács apenas dio cuenta oficiosa de
los altisonantes apaños del ‘’realismo soviético’. Lejos de esto, se volvió siempre hacia el gran
linaje de la poesía y la ficción europeas de los siglos XVIII y XIX, hacia Goethe y Balzac, hacia
Walter Scott y Flaubert, hacia Stendhal y Heine. Cuando escribe de literatura rusa, lo hace de
Pushkin y Tolstói, no de los poetastros del estalinismo” (STEINER, 2003, p. 367).
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Continuidad y autonomía
La mención de los distintos planos que componen el complejo de
contextos de los ensayos de Lukács sobre Soljenítsin expresa la pluralidad de
variables que lo enmarcan. La persistencia de las categorías estéticas y
ontológicas no se corresponde con la temporalidad de un análisis que no podía
considerar el desarrollo posterior del autor ruso más que desde la perspectiva
que se abría en sus primeras obras; por otro lado, también el contexto político
ha quedado en gran parte relegado por el desarrollo histórico. Como sostiene
Antonino Infranca en su análisis de Demokratisierung heute und morgen,
“[l]o que colapsó no fue el socialismo real, sino el intento de reformarlo”
(INFRANCA, 2013, p. 97). Pero el valor de documento histórico que adquieren
las consideraciones coyunturales de los ensayos de Lukács no invalida la
pertinencia de la intervención.
El trabajo con las primeras obras de Soljenítsin supone una
intervención crítica en torno al debate que se abre en el marco de un proyecto
orientado a reestructurar el socialismo burocrático. Con la muerte de Stálin y
el período de la “coexistencia pacífica” impulsado por Kruschev, Lukács
advierte también la posibilidad de un “renacimiento del marxismo”. En este
sentido, el contexto de producción de los ensayos se amplía más allá del marco
de la propia obra de Lukács; se trata de una intervención en el seno de la crítica
literaria marxista del período. Una confrontación con la postura que Ernst
Fischer, figura central en la defensa de la obra de Kafka en el ámbito socialista,
de la misma etapa histórica puede servir de parámetro. En su libro Arte y
coexistencia (1966), también Ernst Fischer responde como intelectual al
período de la coexistencia pacífica3. El análisis comparativo de La última cinta,
el drama de Beckett de 1958, y la novela corta de Soljenítsin, Un día en la vida
de Iván Denísovich, con que inicia el ensayo resulta sintomático. Desde la
perspectiva de Fischer, la representación de lo que según Hamm, personaje del
drama de Beckett, “[e]s pues un día como cualquier otro” (BECKETT apud
FISCHER, 1968, p. 13), y la narración de un buen día en la vida de Iván
Denísovich en el campo de concentración dan cuenta de la manera en que, en
la literatura de posguerra, la alienación de los individuos ha llegado a un punto
límite: “No solo ha caducado el futuro, sino también la naturaleza” (FISCHER,
1968, p. 20). La lectura de Fischer vincula el drama de Beckett y la novela corta
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4La perspectiva que presenta el libro de Fischer supone una radical modificación de los puntos
de vista esgrimidos por el autor austríaco una década atrás, incluso ya distanciado del
estalinismo, bajo cuya órbita giró tras el ascenso del fascismo en Alemania: “El libro fue testigo
de la evolución radical de los puntos de vista de Fischer en un corto período de tiempo. En
1958 había calificado Fin de juego de Samuel Beckett como un ejercicio de “estupidez
macabra”. Ahora lo emparejó con el cuento de Solzhenitsyn, Un día en la vida de Iván
Denísovich, e hizo de las dos piezas el tema del largo discurso sobre la dignidad humana en
sociedades alienadas que introdujo esta colección de ensayos (…). Fischer se defendió de la
acusación de arbitrariedad al unir las dos obras” (McCLAIN, 1977, p. 576).
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5 Resulta llamativa la crítica que, en Pabellón de cáncer, Vera dirige a los personajes de
Hemingway. En su conversación con Oleg Kostoglotov, sostiene “[q]ue los superhombres de
Hemingway eran entes que no habían alcanzado el nivel de hombres; que Hemingway era una
medianía” (SOLZHENITSYN, 1973, p. 604).
6 El narrador de la novela corta destaca el modo en que la naturaleza es considerada solo a
través de la preeminencia de una segunda naturaleza creada por los seres humanos: “Sobre
esta desolada estepa, ulula el viento: caliente, en verano, y helado en invierno. En ella, nunca
se ha cosechado nada, y menos aún entre las cuatro líneas de alambradas. El trigo solamente
crece en la panadería, y la avena echa espigas en el almacén de los productos.” (SOLJENÍTSIN,
1974, pp. 78 ss)
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Como citar:
SALINAS, Martín. Lukács y la renovación del realismo: autonomía y
perspectiva en el Pabellón de los cancerosos, de Soljenítsin. Verinotio –
Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas, Rio das Ostras, v. 26, n. 1,
pp. 126-44, jan./jun. 2020.
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Siegfried Kracauer e a teoria do romance policial
Leandro Candido de Souza1
Abstract:
Starting in 1922, Siegfried Kracauer wrote a series of texts that would make up
the book The detective novel: a philosophical tract, which would only be
published in 1971, in the first volume of his posthumous Schriften. This paper
aims to reconstruct the detective novel theory formulated by Kracauer, seeking
to analyze the bases of this theory and its key definitions. The initial purpose
is to find this theory's place within the author's more general thinking, relating
it to his previous and, especially, later writings. Next, an attempt is made to
size up the interlocution established between Kracauer and so-called Western
Marxism authors, such as Gyorgy Lukacs, Walter Benjamin, Theodor Adorno
and others
1Doutor em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Supervisor
de tutoria EaD (Ciências Sociais) da Universidade Brasil. E-mail: lecanza@yahoo.com.
DOI: 10.36638/1981-061X.2020.v26.532
Leandro Candido de Souza
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2Exceção feita ao capítulo O saguão de hotel, publicado pela primeira vez em 1963, junto ao
ensaio O ornamento da massa, em coletânea homônima.
3 Em seus Pequenos trechos sobre arte, Benjamin retoma: “Nem todos os livros se leem da
mesma maneira. Romances, por exemplo, existem para serem devorados. Lê-los é uma volúpia
da incorporação. Não é empatia. O leitor não se coloca na posição do herói, mas se incorpora
ao que sucede a este. (...) Ao comer, se for preciso, leia-se o jornal. Mas jamais um romance.
São obrigações que se excluem.” (BENJAMIN, 2012, p. 283)
4 No entanto, a influência mais decisiva na gênese do romance policial provavelmente tenha
(BENJAMIN, 2008).
6Essa relação entre a teoria da superfície e a carta roubada no conto de Poe é referida pelo
próprio Kracauer em Os empregados.
Absoluto “se apresenta como vivência (Erlebnis) intuitiva”. Pode-se dizer que
cada capítulo do tratado de Kracauer é uma demonstração ou localização de
momentos dessa constituição formal que expressam o “aspecto autêntico” de
sua “inautenticidade”. Falando em termos que nos remetem a Kierkegaard, o
homem é tido como um ser de “natureza intermediária”, em uma constante
tensão entre as esferas de cima e de baixo, de modo que as inferiores esboçam
uma “imagem deformada” das elevadas: uma “caricatura da substância
perversa” do processo civilizatório, da “ideia de uma sociedade civilizada
completamente racionalizada” (KRACAUER, 2010, pp. 24-5).
Muitas passagens confirmam que, em seus juízos, essa forma reflete
claramente a sociedade dominada pela ratio autônoma, numa mescla entre
segredo superior e perigo atomizado. Assim como o detetive “descobre o
segredo oculto entre os homens, o romance policial revela, através do medium
estético, o mistério da sociedade despojada de realidade e de suas marionetes
carentes de substância” (KRACAUER, 2010, p. 41). Por esse mesmo motivo
Kracauer fala, no segundo capítulo da obra, da psicologia nessa literatura como
comprovação de uma “ontologia negativa” que elimina a subjetividade7: “cada
determinação psicológica é, por conseguinte, um obstáculo colocado de
propósito, que a ratio condenada ao triunfo deve superar”.
A totalidade estética do romance policial se constituiria a partir “da
neblina original que envolve o saguão de hotel” (KRACAUER, 2010, p. 73), e
sua fixidez formal segue o imperativo da repetição, confirmando a força motriz
que regula a sociedade civilizada completamente estabelecida. Na medida em
que se afasta da tensão entre as esferas que caracteriza a ética, o anti-herói das
histórias de crime “vaga no espaço vazio entre as figuras na qualidade de
representante da ratio”. Mas, antes de se dirigir a ela, personifica-a: o detetive
não é trágico ou dramático porque ele é vazio de experiência, não está em
tensão. Ele é uma negação do que caracteriza um herói, “como a ratio não
admite um eu, lhe está proibido relacionar-se com o mundo aparente”
(KRACAUER, 2010, p. 75).
Se a ratio é, por excelência, “o pensamento que oscila livremente no
vazio, que só se refere a seu vazio profano” (KRACAUER, 2010, p. 81), então
um elemento de impessoalidade aboia dessa estilização de um mundo nascido
e governado pelo cálculo: para que o meio de sua manifestação se viabilize é
necessária a despersonalização do investigador. Desse modo, o que define o
detetive como guia narrativo é sua dedução intelectual. O detetive é o cura ou
monge de um mundo regido pela instrumentalidade, e que Kracauer
reconheceu literariamente no Padre Brown de G. K. Chesterton. O detetive
refuncionaliza o sacerdote porque este último não é mais pertinente ante o
sucesso da ratio. Aqui está a questão ética profunda que envolve a
7 Essa ideia é retomada no último capítulo da obra (cf. KRACAUER, 2010, p. 135).
secularização das sociedades modernas e essa analogia nas funções sociais dos
tipos em lide.
Ambos “operam por ordem superior e, por conseguinte, devem ser
interpretados como mandatários da comunidade, enviados do espaço pleno de
vida em comum, para completar a obra de união [Verknüpfung] com o
Absoluto” (KRACAUER, 2010, p. 34). O que os une em diferença ao herói
romanesco clássico é que nenhum dos primeiros se mistura com a vida
comum. Kracauer observa, inclusive, como o romance policial recorreu à figura
do religioso para atingir esse objetivo estético, uma vez que não existem
condições mais propícias à exposição da ratio que pela ausência de desejos
própria às relações estabelecidas no plano do não sensível.
O caráter anti-heroico do detetive está precisamente nesse seu
afastamento cínico que Ernst Fischer chamou “desumanização”, e que
Kracauer, mais à frente, nomeará por “metamorfoses do ser ético-existencial
em relações legais” (KRACAUER, 2010, p. 44). Ou seja, as passagens do
sacerdote ao aventureiro e deste ao detetive revelam como o “reino das formas”
é uma “transitória prefiguração do reino autêntico”. É assim que a unidade da
construção estética “faz falar um mundo e infunde sentido aos temas ali
debatidos” (KRACAUER, 2010, pp. 38-9), algo próximo ao que Jorge Luis
Borges reverenciou em Os assassinatos da Rua Morgue: “Poe não queria que
o gênero policial fosse um gênero realista, queria que fosse um gênero
intelectual, um gênero fantástico se vocês preferem, mas um gênero fantástico
da inteligência, não apenas da imaginação.” (BORGES, 1979)
Esse papel duplo de fornecer um contraste estético e assim delimitar a
unidade, também é atribuído à figura do policial e sua corporação. Nesse tipo
de narrativa, a polícia consiste na “autoridade de cujo aparato (...) também
depende o detetive”, mas que se encontra destituída de qualquer
“superioridade” (KRACAUER, 2010, p. 94). A função policial é, pois, garantir
que a vida pública transcorra com sua devida tranquilidade e ordem, enquanto
no detetive “a ratio condicionada tem o efeito de elevar o processo a um fim
em si mesmo” (KRACAUER, 2010, p. 103).
O sistema [filosófico] surge porque o pensamento se separa com
arrogância da realidade e uma vez que este escapou, tem tão poucas
possibilidades de voltar a alcançá-la quanto a polícia estilizada no
romance policial de avançar até o “porquê” que ela – sem querer –
expulsa do mero processo que a devoraria se ela não estivesse a
cargo da meta desaparecida. (KRACAUER, 2010, p. 105)
IV Crime e humanismo
Falando quase nos mesmos termos de Kracauer e mencionando seu
tratado na bibliografia, Ernest Mandel sinalizou, mais de sessenta anos depois,
“o caráter abstrato e racional da trama, o crime e o desmascaramento do
assassino” que coroam o romance policial como “auge da racionalidade
literários como a psicologia das personagens, veja-se, além do já referido escrito de Brecht, as
anotações de Antonio Gramsci recolhidas no Quaderno 21 (XVII) 1934-1935: Problemi della
cultura nazionale italiana 1º Letteratura popolare (GRAMSCI, 1977, pp. 2.107-35).
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Como citar:
SOUZA, Leandro Candido de. Siegfried Kracauer e a teoria do romance
policial. Verinotio – Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas, Rio das
Ostras, v. 26, n. 1, pp. 145-60, jan./jun. 2020.
Resumen:
En el presente artículo consideramos las aproximaciones de la crítica literaria
marxista a la obra de Charles Dickens durante el período 1933-84. Se pretende
dar cuenta del modo en que estos análisis de la obra del novelista inglés
articulan los debates acerca de la definición de una Estética marxista.
Asimismo, se indagará en la funcionalidad de la metodología de la crítica
literaria marxista para elucidar la singularidad de la literatura dickenesiana.
Abstract:
In this article we consider the approaches of Marxist literary criticism to the
work of Charles Dickens during the period 1933-1984. It aims to show how
these analyses of the English novelist's work articulate the debates about the
definition of a Marxist Aesthetics. Also, it will investigate the functionality of
the methodology of Marxist literary criticism to elucidate the singularity of
Dickens' literature.
DOI: 10.36638/1981-061X.2020.v26.534
Jesica Daniela Lenga
161
Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. ISSN 1981-061X. ano XV. jan./jun. 2020. v. 26. n. 1
Introducción
En 1865, Henry James es convocado por el periódico The Nation, para
escribir una reseña sobre Our mutual friend, novela que había sido
recientemente publicada por Charles Dickens. La crítica del joven James es
implacable; al comentar algunos de sus episodios sostiene:
Such scenes as this are useful in fixing the limits of Mr. Dickens's
insight. Insight is, perhaps, too strong a word; for we are convinced
that it is one of the chief conditions of his genius not to see beneath
the surface of things. If we might hazard a definition of his literary
character, we should, accordingly, call him the greatest of superficial
novelists. We are aware that this definition confines him to an
inferior rank in the department of letters which he adorns; but we
accept this consequence of our proposition. It were, in our opinion,
an offence against humanity to place Mr. Dickens among the
greatest novelists. For, to repeat what we have already intimated, he
has created nothing but figure. He has added nothing to our
understanding of human character. (JAMES, 1865, p. 787)
2 Caudwell se sustenta en ideas del propio Marx sobre los autores burgueses: “What makes
them representatives of the petty bourgeoisie is the fact that in their minds they cannot
transcend the limits which the latter cannot transcend in life, that they are therefore driven
theoretically to the same tasks and the same solutions to which material interest and social
position drive the latter in practice” (apud PRAWER, 1978, p. 182), para llegar a la conclusión
de que Dickens nunca podría trascender en su literatura su condición middle class. Sin
embargo, S.S Prawer sostiene que Marx creía que la gran literatura podía elevarse por sobre la
ideología prevalente y por eso, en algunos casos se vuelve un área de trabajo no alienado, en la
que el autor puede expresarse como ser humano total. El escritor es más independiente que
cualquier otro trabajador y puede elegir libremente con qué clase aliarse (PRAWER, 1978, p.
404).
3 Aquí Wilson toma distancia de los métodos de análisis de Jackson, Caudwell e incluso Orwell.
Este último sería tildado por Wilson como un simple “estudiante” del marxismo: " he is often
inconsistent; his confident predictions often turn out untrue; a student of international
socialism, he is at the same time (…) not free from a certain provincialism; and one frequently
finds him quite unintelligent about matters that are better understood by less interesting and
able critics” (Reseña publicada en New Yorker, 25 mayo 1946).
4 Wilson se vale de la antigua categoría de “gusto” para establecer una valoración jerárquica de
los textos literarios que es emocional y subjetiva. Deplora el declive de la “apreciación” en favor
del análisis puramente técnico o sociológico de los textos literarios. (WELLEK, 1978, p. 109)
nutre de las más diversas fuentes. René Wellek objeta este eclecticismo en el
artículo que escribe sobre Wilson:
I have tried to show that Wilson cannot be simply lacking a coherent
point of view. He early adopted Taine's determinism and when he
was converted to Marxism assimilated the Marxist approach,
deprived of its dialectic, to a general historical view of literature and
literary study. Marxism became a variety of genetic explanation
alongside psychoanalysis. Judicial criticism, the decision of what is
good and what is bad in art, remained reserved to a judgment of taste
independent of history Marxism. (WELLEK, 1978, p. 118)
según Wilson, kitsch) Pequeña Nell. Son estos malvados que, aunque
perversos, fascinan al público, los que salvan a la literatura de Dickens, lo más
rico de su obra. El autor de The two Scrooges se refiere a las dificultades de
Dickens, sobre todo en sus primeras novelas, para representar personajes
complejos, que en lugar de parecer figuras planas, tengan las contradicciones
propias de los seres humanos reales: “The only complexity of which Dickens is
capable is to make one of his noxious characters become wholesome, one of his
clowns turn out to be a serious person.” (WILSON, 1941, p. 65) Empero,
Wilson también sostiene que las contradicciones melodramáticas, el constante
paso del sentimentalismo al humor, son otra de las consecuencias de la
inestabilidad emocional del autor. Esto quiere decir que, las abruptas
transformaciones de los personajes se producen en su obra no porque Dickens
no sepa cómo representar los procesos psicológicos, tal como afirmaba James,
sino que estarían expresando los cambios de humor del propio autor.
Wilson encuentra una motivación psicológica para cada una de las
supuestas “debilidades” formales de la literatura dickenesiana, la
inverosimilitud de sus historias, en las que todo conflicto halla una solución
mágica, se justifica en la necesidad del Dickens niño de evadirse de una
realidad de pobreza y descontento, hay una móvil de clase en la predilección
de Dickens (y su público) por la literatura escapista. Como el propio Dickens
había manifestado en una carta: “the so happy and yet so unhappy existence
which seeks its realities in unrealities, and finds its dangerous comfort in a
perpetual escape from the disappointment of heart around it” (apud WILSON,
1941, p. 66). Asimismo, el histrionismo de Dickens, el carácter teatral de sus
obras y su propia necesidad de estar constantemente “actuando” un personaje
público -Dickens incluso se dedicaría a representar sus novelas en lecturas
públicas-se explica también en esta necesidad de Dickens de evadirse de sus
condiciones de existencia, de “ser otro”.
Empero, uno de los aspectos más interesantes de The two Scrooges es
que Wilson nunca olvida que no fueron solo factores psicológicos los que
condicionaron las novelas de Dickens. Su exhibicionismo no se debió
exclusivamente a sus carencias emocionales, sino también a que él debía
satisfacer las demandas de un público del cual dependía económicamente. El
Dickens de Wilson es también un emblema de las dificultades del escritor en
el capitalismo, Wilson observa el modo en el que el sistema de mercados y la
profesionalización de la labor del escritor repercuten en la literatura
dickenesiana: forzado a atender a las ventas, Dickens elimina personajes que
no consiguen la aprobación del público y extiende las líneas narrativas que
impactan en la audiencia. Incluso, tras su escandaloso divorcio, elige
transformar a su amante en personaje para alimentar el morbo de los lectores.
En este paralelismo que traza Wilson entre obra y vida, Dickens no puede
cancelar sus largas giras, a pesar de las advertencias de sus médicos y así
De este modo, Lukács demuestra que son vanos los debates planteados
por Jackson, Caudwell y Orwell, si Dickens fue o no un radical resulta
indiferente, su obra podría serlo aun a pesar suyo.
Dickens es incluido en La novela histórica en el marco del capítulo
titulado “La crisis del realismo burgués”. Los hechos acaecidos en toda Europa
en 1848 clausuran la era progresista de la clase burguesa, e inauguran un
período reaccionario y apologético. Como ya se ha afirmado anteriormente en
este trabajo, tras las frustradas rebeliones de 1848 la unión entre burguesía y
pueblo se quiebra, y, en consecuencia, también el enlace entre artistas y vida
popular se deshace, muchos autores antes humanistas, como Carlyle,
comienzan a percibir a las masas como una amenaza que se cierne sobre las
instituciones “civilizadas”. Estas transformaciones, según el enfoque
lukacsiano, repercuten en la forma de las novelas históricas. Ante la
decepcionante evolución de la burguesía y el aborrecimiento al capitalismo
imperialista y financiero, ciertos intelectuales se repliegan en el aislamiento.
La novela histórica se vuelve entonces un género escapista, sus creadores
intentan evadirse hacia el pasado o el exotismo para olvidar un presente
alienado, que infunde temor (cf. LUKÁCS, 1966, p. 231).
Sin embargo, Dickens es apartado de esta tendencia decadentista que
comenzaba a avizorarse, Lukács lo emparenta con el linaje de Scott y sostiene
que es “en sus rasgos esenciales, autor clásico de novela y solo en la periferia
se ve contagiado de tendencias decadentes” (LUKÁCS, 1966, p. 301). No hay
exotismo en la obra de Dickens, sus novelas preservan el realismo de la etapa
inaugural del género, Dickens plasma poéticamente relaciones sociales y
estructuras de poder tal como lo había hecho Scott. Es decir, que las constantes
contradicciones presentes en la literatura dickensiana no encontrarían su
origen en procesos psicológicos del autor -como proponía Wilson-, sino que
serían el resultado de las contradicciones de su época.
Dickens también coincide con Scott en su predilección por la medianía,
Oliver Twist, Pip o Nicholas Nickleby no se distinguen ni por su inteligencia ni
por su talento ni por su belleza. Mediante sus fábulas, Dickens pretendería
hallar un terreno neutral en el que pudieran establecerse relaciones entre las
fuerzas sociales opuestas, sus héroes son por eso “mediadores”, que pueden
vincularse con integrantes de ambos extremos de la sociedad.
Lukács analiza las dos novelas dickenesianas dedicadas a la
representación de episodios históricos: Barnaby Rudge y Tale of two cities;
en ambos casos se abordan los conflictos sociales que desencadenaron
procesos revolucionarios y se evidencia el rechazo ante los crueles métodos de
la explotación feudal. Dickens demuestra ser plenamente consciente acerca de
la imposibilidad de sostener una sociedad tan injusta como la que se
representaba en sus novelas, sin embargo, las inequidades y abusos son
interpretados como un problema moral. Así, Dickens transforma lo social en
5 Hay que considerar que esto no sucede del mismo modo en todas sus novelas. Lukács admite
que las novelas históricas de Dickens son las más débiles en su análisis social. Al escribir sobre
el mundo contemporáneo la realidad misma llevaría a Dickens “que tiene los ojos abiertos” a
detectar la raíz social de los problemas, según argumenta Lukács. Lo cual no deja de remedar
la crítica a un Dickens que detecta con sus sentidos los problemas de su entorno, pero carece
de la capacidad de reflexión necesaria para realizar abstracciones.
6 Por esta actitud pesimista, Lukács afirmaría que Adorno y los miembros de la Escuela de
trabaja con objetos que tienen mente y voluntad propia y ejercen una malicia
secreta contra las personas (HOLLINGTON, 2009, p. 4). Esta hostilidad entre
“el mundo de las cosas” y los personajes explica por qué la huida de la Pequeña
Nell, el acto políticamente revolucionario de la historia, fracasa:
Dickens solo dio una fugaz y disimulada indicación de por qué Nell
tiene que morir igualmente. En la fuga, Nell se marcha irreconciliada
con sus cosas: no es capaz de llevarse consigo nada del espacio
burgués, dicho sea en términos modernos, su éxito no lo debe a la
transición dialéctica sino a la fuga, la cual no tiene ningún poder
sobre el mundo del que ella huye y sigue siendo esclava de ese
mundo. (ADORNO, 2009, p. 503)
La lectura de Adorno dice mucho más sobre Adorno que sobre Dickens.
A pesar de su pesimismo, no hay en este ensayo temprano una defensa de la
evasión o un afán de refugiarse en “el gran hotel abismo”; inversamente, Nell
es condenada por su incapacidad de llevarse cosas de la tienda. Adorno
advierte aquí, ya a principios de la década del 30´ una señal de los peligros del
rechazo absoluto del mundo material y concreto en pos de lo irracional. El
ensayo de Adorno se opone simultáneamente al sistema capitalista de la
burguesía ilustrada en el que personas y objetos son indistintos, y al
irracionalismo fascista, que desemboca en el sacrificio de víctimas inocentes.
Hacia el final del ensayo, el Dickens de Adorno se torna menos sombrío,
y deposita ciertas esperanzas de salvación en la conciliación dialéctica entre el
mundo material y lo humano: Dickens nos recuerda que las dos viejas monedas
gastadas de un penique de la Pequeña Nell pueden resultar valiosas a ojos de
los ángeles. Esto es, es posible resignificar y subvertir el sentido de los objetos
en la cultura burguesa. El Dickens de Adorno es revolucionario porque opera
precisamente de esa manera, toma una forma burguesa, y la subvierte,
introduciendo en ella la presencia negativa de la alegoría barroca.
propone una visión integral del hombre, pero además dramatiza valores
posibles de convertirse en acción (WILLIAMS, 1997, p. 66).
Raymond Williams no es el único de los miembros de la New Left que
estudia la obra de Charles Dickens, también lo hizo Terry Eagleton, quien supo
ser discípulo en Cambridge del autor de Culture and society. Pero Eagleton no
siempre coincidiría con las definiciones de su maestro, y, especialmente en sus
primeros escritos, plantearía numerosos disensos con la obra de Williams.
No obstante, al analizar la obra de Eagleton debe tenerse en cuenta que,
a lo largo de su trayectoria, sus posiciones e influencias son reevaluadas
constantemente. Eagleton considera por primera vez la literatura dickenesiana
en Criticism and ideology (1976), un libro escrito bajo el influjo del
pensamiento althusseriano. Esto se percibe en el carácter rupturista del
discurso de Eagleton, que refuta las propuestas de los críticos marxistas que
escribieron antes que él, encontrando siempre resabios y “contaminaciones”
de la ideología burguesa en sus ideas. Por esa razón, manifiesta que la misión
de la crítica literaria marxista es destruir la mistificación de la cultura
dominante, revelando sus contradicciones que están determinadas por
contradicciones en la base material (EAGLETON, 1984, p. 18). En esta etapa,
Eagleton considera, como Althusser, que no hay manera de conciliar con la
cultura burguesa, la única manera de escapar de la “falsa conciencia” es
ponerse por fuera de la totalidad represiva para crear nuevos valores que
impulsen la revolución (WADE, 1991, p. 40).
Con esta premisa de lectura, Eagleton explora, en el cuarto capítulo de
Criticism and ideology, la obra de algunos de los autores más canónicos de la
literatura inglesa, desde Mathew Arnold hasta James Joyce. En primer lugar,
Eagleton propone que la literatura dickenesiana se nutre de dos fuentes
ideológicas: la filosofía utilitarista y el Romanticismo humanista de Ruskin y
Carlyle. Dickens recurre a las ideas de una generación que hizo una crítica
idealista de la sociedad burguesa y a la vez consagró derecho del capital. Estos
intelectuales habrían, según propone Eagleton, colaborado con las
pretensiones de la burguesía de ocupar la posición hegemónica, antes de la
burocracia y, asimismo, de integrar socialmente a la clase que explota. Para
ello, la burguesía necesitó una estética capaz de llegar a las masas y aquí,
sostiene Eagleton, cobrarían importancia autores como Dickens que, a través
de una ideología middle class, mostraban a la clase obrera sus aspiraciones
(EAGLETON, 1984, p. 78); personajes como David Copperfield, que, con su
esfuerzo personal, ascienden socialmente, fueron funcionales a ese empeño.
Sin embargo, Eagleton encuentra que existe una diferencia
fundamental entre la generación de novelistas victorianos a la que Dickens
perteneció y la de sus predecesores románticos: su origen pequeño- burgués.
Esta posición ambigua en la estructura sociales permitió que autores como
Eliot, Dickens o Hardy pudiesen abarcar un rango más rico de experiencias y
Conclusión
El seguimiento de las lecturas que los críticos literarios del marxismo
hicieron sobre Dickens nos ha permitido comprobar que existen tensiones y
problemáticas dentro de la estética marxista que permanecen irresueltas. El
vínculo entre las categorías de base/superestructura, el concepto de
determinación, o el rol de la literatura como producción social son algunas de
las cuestiones que surgen entre los escritos de Marx y Engels, pero, ante la falta
de sistematización de sus reflexiones literarias, aún siguen generando debates
entre los intelectuales de izquierda.
La literatura de Dickens, el “amigo en común” de pensadores con
orígenes e ideas tan diversas como Jackson, Wilson, Adorno o Williams se
transformó desde ya hace casi un siglo, al mismo tiempo en campo de batalla
y botín de guerra disputado por ideologías encontradas. Si bien no es posible
determinar, a partir de los escritos de los autores que nos ocuparon, si Dickens
fue un autor radical que tuvo simpatía por las causas del proletariado o un
9 Eagleton ampliaría su análisis sobre las novelas de Dickens en The English novel: an
introduction (2005). Sin embargo, este libro funciona principalmente como un manual
introductorio para el estudiante de literatura inglesa y no ofrece transformaciones con
respecto a las tesis desarrolladas en este trabajo.
Referencias bibliográficas
ADORNO, Th. W. Conferencia sobre La tienda de antigüedades de Charles
Dickens. En: ______. Notas sobre literatura. Madrid: Akal, 2009, pp. 495-
503.
______. Teoría estética. Madrid: Akal, 2011
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CAUDWELL, C. Romance and realism. Nueva Jersey: Princeton University
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EAGLETON, T. Criticism and ideology. Londres, Verso Editions, 1984.
HOLLINGTON, M. The voice of objects in the old curiosity shop. Australasian
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JAY, M. La imaginación dialéctica: una historia de la escuela de Frankfurt.
Madrid: Taurus, 1989.
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______. The two Scrooges. En: ______. The wound and the bow: seven
studies in literature. Reino Unido: University Press Cambridge, 1941, pp. 1-
105.
Como citar:
LENGA, Jesica Daniela. Dickens, “nuestro amigo en común”: un recorrido por
las aproximaciones marxistas a la obra de Dickens. Verinotio – Revista on-line
de Filosofia e Ciências Humanas, Rio das Ostras, v. 26, n. 1, pp. 161-93,
jan./jun. 2020.
Resumo:
A partir da leitura de Os sofrimentos do jovem Werther, com base nos artigos
de György Lukács e Miguel Vedda sobre esse romance de Goethe, e
considerando o conjunto da obra de maturidade de Machado de Assis, quando
o narrador assume a condução da narrativa guiando-a no ritmo frívolo e
volúvel do capricho de classe, pretende-se investigar, neste texto, de que
maneira a composição satírica de um narrador não confiável estabelece
conexões entre esses dois escritores que deram forma sensível à alienação de
uma “consciência infeliz”.
Abstract:
From the reading of The sufferings of young Werther, and based on the
articles by Gyorgy Lukacs and Miguel Vedda about this novel by Goethe, as
well as considering the whole of Machado de Assis' maturity work, when the
narrator takes over the narrative and guides it in the frivolous and voluble
rhythm of his class interests, this study seeks to investigate how the satirical
composition of an unreliable narrator establishes connections between these
two writers who have given an aesthetic form to the alienation of an "unhappy
conscience".
DOI: 10.36638/1981-061X.2020.v26.542
Ana Laura dos Reis Corrêa
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a variedade que eles trazem consigo, mas, por outro lado, percebe que essa vida
fantasmática reflete uma condição social e histórica concreta: a da alienação.
Memórias póstumas de Brás Cubas marca uma viravolta na obra de
Machado, concentrada sobretudo na composição do narrador – cujo ponto de
vista paternalista para com os de baixo, nos primeiros romances, passar a ser
o de cima. Schwarz demonstrou que essa mudança do ponto de vista de classe
não se resume “na troca da crítica (moderada) pela apologética, ou do ângulo
dos oprimidos pelo dos opressores”, mas é parte “do novo dispositivo formal”,
no qual
o narrador plantado no alto do sistema local de desigualdades (...) é
uma consciência abrangente, que incita à leitura a contrapelo e à
formação de uma superconsciência contrária [à do narrador]
(SCHWARZ, 2004, p. 25).
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Werther brasileiro, que, rejeitado por sua amada, uma linda morena, que só
lhe dará atenção quando Máximo ganha uma herança de um padrinho, nega o
amor interessado da morena e o de qualquer outra mulher de carne osso, para
sair à procura da mulher mais pálida do mundo, que, desafortunada e
satiricamente, virá a seu encontro na figura da própria morte.
Sem desconsiderar essas e outras relações entre a obra de Machado e a
de Goethe, nos interessa aqui pensar especialmente, embora brevemente, na
conexão mais estrutural da forma de composição do narrador não confiável em
Memórias póstumas e D. Casmurro e em Os sofrimentos do jovem Werther.
Antes de chegar às conexões, é preciso considerar uma diferença importante
entre os dois narradores. Werther é jovem, e, de acordo com Lukács (2013),
exerce uma rebeldia que expressa “a insolúvel contradição entre o
desenvolvimento da personalidade e a sociedade burguesa” (2013, p. 11). Bento
Santiago é um homem melancólico e solitário, que rememora, cômoda e
interessadamente, sua história, já ao final da vida. Brás Cubas, por sua vez, não
é apenas um narrador velho, é bem mais que isso, é um defunto autor, tão à
vontade e acomodado em sua vida pós-túmulo, quanto o foi na infância,
juventude e velhice, jamais teve paixões extremas que ameaçassem sua paixão
inabalável por si mesmo.
Apesar dessa diferença importante, que se relaciona a muitas outras que
não poderemos abordar agora (pequena burguesia alemã e Brasil escravocrata,
por exemplo), esses narradores velhos são volúveis e não confiáveis como o
jovem Werther. Segundo Vedda (2015), o que caracteriza Werther como um
narrador não confiável é, entre outras coisas, sua incapacidade de expressar
artisticamente os fortes sentimentos e devaneios que lhe povoam o peito.
Bento Santiago demonstra semelhante impossibilidade ao tentar compor um
poema no capítulo “Um Soneto”, em que ele escreve dois versos, mas não
consegue de maneira alguma seguir adiante e conclui melancolicamente:
“nada me consola daquele soneto que não fiz” (MACHADO DE ASSIS, 2015, p.
95). De acordo com Vedda (2015), a incapacidade de Werther está ligada a sua
obsessão por cristalizar esteticamente a vida, promovendo uma relação tão
imediata entre arte e vida que impedia o distanciamento necessário para a
criação artística, assim, diz Vedda: “a contrapelo dos propósitos do autor, o
público leu o Werther nos mesmos termos em que o protagonista do romance
lia Homero ou Ossian: com aquela identificação desprovida de distância crítica
que caracteriza o diletante” (VEDDA, 2015, p. 66, tradução minha).
As declarações de Werther a respeito da vida no campo, acomodada e
simples, também não são dignas de confiança, uma vez que, salienta Vedda,
“nada está mais distante dessa existência familiar singela e sedentária que o
regime de vida de Werther, marcado sempre pela solidão e fuga” (VEDDA,
2015, p. 68). Os narradores machadianos em primeira pessoa dos romances da
maturidade também são expressões de uma extrema incoerência entre o
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Referências bibliográficas
CANDIDO, Antonio. Perversão da Aufklärung. In: Textos de intervenção. Sel.,
apres. e notas Vinícius Dantas. São Paulo: Duas Cidades/Ed. 34, 2002, pp.
320-30.
CALDWELL, Helen. O Otelo brasileiro de Machado de Assis: um estudo de
201
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Como citar:
CORRÊA, Ana Laura dos Reis. Sátira e alienação na construção do narrador
não confiável em Goethe e Machado de Assis. Verinotio – Revista on-line de
Filosofia e Ciências Humanas, Rio das Ostras, v. 26, n. 1, pp. 194-202,
jan./jun. 2020.
202
La configuración de la realidad en dos
momentos de la obra de Paul Zech
Tomás Sufotinsky1
Resumen:
Es posible revisar algunos conceptos de la estética marxista, principalmente
vinculados con propuestas teóricas de György Lukács y de Theodor Adorno en
dos textos históricamente distantes de la obra del autor alemán Paul Zech
(1881, Briesen, Prusia – 1946, Buenos Aires): Das schwarze Revier (1913) y
“Buenos Aires” (1935). En el transcurso de los veintidós años que separan un
texto del otro, se pueden observar variaciones sobre los procedimientos de
reflexión de la realidad y de la configuración formal de la obra en este autor
vinculado a la ideología marxista.
Abstract:
It is possible to revisit some concepts of Marxist aesthetics –mainly associated
to the theoretical proposals of Gyorgy Lukacs and Theodor Adorno– in two
productions by the German author Paul Zech (1881, Briesen, Prusia – 1946,
Buenos Aires): Das schwarze Revier (1913) and 'Buenos Aires' (1935).
Throughout the period of twenty-two years between the first and the second
piece, it is possible to appreciate changes over the procedures of reflection of
reality and formal configuration within the work of this author linked to
Marxist ideology.
DOI: 10.36638/1981-061X.2020.v26.531
Tomás Sufotinsky
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2Cabe destacar que la gran mayoría de los escritores e intelectuales exiliados de la Alemania
del III Reich buscaron asilo en Estados Unidos o en los países neutrales de Europa. El caso de
Zech en Argentina constituye una rareza en este sentido; el colega y compatriota más cercano
puede decirse que fue el caso más famoso de Stefan Zweig en Brasil.
Tomás Sufotinsky
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Rilke, asimismo, tal vez uno de los mayores exponentes de este tipo de
poema en la lírica alemana, plantea la autonomía del objeto en el poema –lo
que él llama objetividad– de la intromisión de un Yo que lo interprete
(OVERATH, 1987). Partiendo de la observación de la pintura de Cézanne, en
la que por la cohesión cromática se sustentaría la autonomía u objetividad de
la pintura (que prescinde ya de la línea), en el poema, esta autonomía del
objeto estaría dada, como plantea Piccoli, por “el ajustado despliegue de
recursos formales”. La preocupación aquí es por la emergencia del poema
como artefacto, una “cosa” independiente, una obra cuya factura lo hace
ingresar como si fuera un objeto al mundo: revelación de aquello que se
presenta ante los sentidos. Pero esta idea no debiéramos entenderla como una
evasión del autor en términos ideológicos y un mero “esencialismo” de la obra.
El autor elige aquello del mundo a presentar en el poema (o tal vez mejor sea
decir aquello que el poema presente o que se presente en/por medio del
poema) y el poema-objeto aflora ahí gracias a su ajustado despliegue de
recursos formales, viviendo en sí, si se trata, como nosotros creemos en el caso
se Zech, de un autor realista, “la insobornable y humilde honradez estética”
con la que la obra se compromete con los asuntos humanos (LUKÁCS, 1968,
p. 226). Es decir, en la objetividad planteada por el Dinggedicht de Zech, como
veremos –así como lo plantea Rilke–, hay un Yo que, si bien está desaparecido
o escindido, no niega sin embargo su tendencia, como sí se pretenderá que
suceda con posterioridad, por ejemplo, con la fotografía de la Neue
3 Zech ha sido muy esquivo respecto a sus datos biográficos llegando incluso a falsearlos, por
lo cual los datos que se tienen sobre esta etapa de su vida no son del todo confiables. Sin
embargo se sabe de su incursión como trabajador en las minas de carbón, muy probablemente
en la zona industrial del Ruhr, aunque dice haber trabajado también en minas de Bélgica y
Francia, lo cual no consta que haya sucedido realmente.
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6 Por motivos de extensión tratamos aquí sólo cuestiones generales acerca de estas técnicas
formales que utilizan los poemas, pero si nos adentráramos en los poemas en su lengua
original, podríamos hacer un análisis de los recursos rítmicos y fonéticos con cuyo “ajustado
despliegue” Zech “presenta” el objeto. Sólo por mencionar un ejemplo, en los últimos dos
tercetos de “El minero” (Der Hauer), el juego del Stabreim (rima aliterante de principio de
palabra) y el impulso rítmico hacia el ritmo trocaico sustentan el “compás del martillo” y el
tarareo del minero, y ritman la escena que se desarrolla en el túnel de la mina: Der Hauer
summt ein dummes Lied zum Takt / des Hammers und zum Spiel der spitzen Eisen / und
stockt nur, wie von jähem Schreck gepackt, // wenn hinten weit im abgeteuften Stollen /
Sprengschüsse dumpf wie Donnerschläge rollen, / und stockt und lässt die Lampe dreimal
kreisen.
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Decir, por lo tanto, que los personajes de los poemas de Das schwarze
Revier se condicen estrictamente con este concepto de tipo sería sin dudas
arriesgado, pues, si bien podría aplicarse aquello de “lo eternamente humano
y lo históricamente determinado”, considerándolo en términos de los vínculos
productivos en un contexto particularmente industrializado como es el de la
Alemania de los años previos a la I Guerra Mundial, parecieran ser estos
personajes más bien planos con respecto a la parte de la definición que se
refiere a las “contradicciones sociales, morales y espirituales de una época”. No
hay en ellos, por lo que podemos ver en los poemas citados, grandes
contradicciones en los personajes, se trata más bien de caracteres
estereotípicos. Sin embargo, el valor que encontramos en estos poemas a este
respecto es el de la textura, el del tejido social que en su vinculación a lo largo
del libro van constituyendo como un reflejo particular de una realidad
determinada.
Unos 20 años después, Zech llegaba a la Argentina y mostraba, en un
texto genéricamente distinto –además de autobiográfico–, un personaje más
cargado con las contradicciones que su propia situación personal le aportaban:
Quien, en momentos de desasosiego, se vea obligado a reflexionar
con absoluta claridad sobre su destino futuro, tras haber reconocido
finalmente que ya no puede respirar el aire de su entorno, quizá
recuerde, cuando ya no encuentra otra salida que la de apartarse
violentamente de esta vida, algún parentesco en el mundo. Y cuando
esta imagen ya un tanto difuminada reaparece de golpe con toda
frescura y tiene el contorno de una certeza inmediata, la fuerza del
recuerdo se extiende un poco más. Y uno intenta descifrar lo vivo
detrás de la apariencia y conocer el sentido más profundo del vínculo
de parentesco. (1997, p. 19)
Es el lugar en el que está todo aún por hacerse y desde el que los granos,
los animales, la materia prima parten
Hacia un mundo que hace mucho que ya no tiene ese viento, ese
bosque, esos campos de pastoreo y las fuerzas extraídas de ese
paisaje nutritivo. Y que por eso debe desmoronarse, sobre sí mismo,
Tomás Sufotinsky
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7 Arnold Spitta define que “El exiliado ha sido obligado a la fuga (o emigración) a causa de su
propio accionar político o bien sus visiones políticas. Él es el refugiado político en sentido
estricto. El emigrante, en cambio, debió abandonar su terruño por causas que fueron
independientes a su posición o actividad política (por ejemplo, persecución racial).” (la
traducción es nuestra) (1978, pp. 8-9).
Tomás Sufotinsky
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el hombre que sólo era uno entre muchos semejantes cuando un día
se le quitó no sólo el sentimiento de terruño y la patria, sino además
el suelo que lo nutría y la libertad personal en todas sus
manifestaciones. (1997, p. 21)
En esta etapa de su obra, Zech parece más afectado por los aspectos
contradictorios de la sociedad. De la publicación de Das schwarze Revier al
ensayo Buenos Aires (1935) pasaron 22 años y no solamente es distinto el
Tomás Sufotinsky
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8 Adorno dice al respecto de la manera en que el ensayo procede que “no lo hace
programáticamente, sino como caracterización de la intención tanteadora” (1962, p. 28);
Tomás Sufotinsky
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9 Las cursivas están indicando que Zech usa esta palabra española.
Tomás Sufotinsky
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concluir una consideración que tenía que ver con asuntos totalmente
distintos del mundo en torno a la esvástica, constatando que, incluso
separados por el océano, cerca de la selva, bajo un sol tropical
abrasador, en una ciudad donde los últimos vástagos indígenas se
mezclan con las razas blancas de Europa, uno no puede librarse de
ese escalofriante lastre (1997, pp. 30-1).
Referencias bibliográficas
ADORNO, Theodor. Notas de literatura. Barcelona: Ariel, 1962.
BENJAMIN, Walter. El libro de los pasajes. Madri: Akal, 2005.
LUKÁCS, György. Sociología de la literatura. Barcelona: Ediciones Península,
1968.
OVERATH, Angenlika. Das andere Blau: Zur Poetik einer Farbe in modernen
Gedicht. Stuttgart: J. B. Metzler, 1987.
PICCOLI, Héctor. Prólogo. In: ZECH, Paul. Yo soy una vez Yo y una vez Tú:
Antología poética. Rosario, Argentina: Editorial Serapis, 2010.
SPITTA, Arnold. Paul Zech im südamerikanischen Exil 1933-1946. Berlim:
Colloquium Verlag, 1978.
ZECH, Paul. Das schwarze Revier. Berlim: A.R.Meyer Vlg., 1913.
______. La Argentina de un poeta alemán en el exilio 1933-1946. Buenos
Aires: Facultad de Filosofía y Letras UBA, 1997.
Tomás Sufotinsky
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Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. ISSN 1981-061X. ano XV. jan./jun. 2020. v. 26. n. 1
Como citar:
SUFOTINSKY, Tomás. La configuración de la realidad en dos momentos de la
obra de Paul Zech. Verinotio – Revista on-line de Filosofia e Ciências
Humanas, Rio das Ostras, v. 26, n. 1, pp. 203-15, jan./jun. 2020.
Tomás Sufotinsky
215
El pensamiento utópico en Christa Wolf
Resumen:
La propuesta se detiene en analizar el eco del pensamiento utópico de Ernst
Bloch presente en los ensayos de Christa Wolf Der Schatten eines Traumes.
Karoline von Günderrode -ein Entwurf (1978) y Nun ja! Das nächste Leben
geht aber heute an. Ein Brief über die Bettine (1979). Asimismo, se
profundizará la caracterización del romanticismo de Wolf como revolucionario
utópico, que implica una crítica a la modernidad y a la civilización capitalista
y que está ligado al feminismo.
Abstract:
This paper will analyze the echo of the utopian thought of Ernst Bloch present
in the Christa Wolf’s essays Der Schatten eines Traumes. Karoline von
Günderrode -ein Entwurf (1978) and Nun ja! Das nächste Leben geht aber
heute an. Ein Brief über die Bettine (1979). Likewise, we will focus in the
characterization of Wolf's romanticism as utopian revolutionary, which
implies a critique of Modernity and capitalist civilization and that is linked to
feminism.
Introducción
Sayre y Löwy (1995, p. 104) caracterizan a Wolf como una escritora
romántica ya sea por su fuerte interés por los escritores alemanes románticos
sino también por su cosmovisión romántica Weltanschauung, que implica una
crítica a la modernidad y a la civilización capitalista tecnológica que surge en
el siglo dieciocho, inspirada en aquellos valores pre-modernos. Este aspecto
que aparece en sus escritos tempranos, se vuelve central en Kein Ort. Nirgends
y en los ensayos sobre Karoline von Günderrode y Bettine von Arnim, ya que
DOI: 10.36638/1981-061X.2020.v26.530
María Belén Castano
216
Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. ISSN 1981-061X. ano XV. jan./jun. 2020. v. 26. n. 1
2 La traducción es mía.
(1780-1806), hija mayor huerfána de una familia aristocrática que tuvo que
vivir en un convento de mujeres y que formó lazos con distintos miembros del
círculo de los Románticos de Heidelberg a principios del siglo XIX; entre ellos
con Bettine Brentano (1785 -1859), hermana del poeta Clemens y más adelante
esposa del poeta Achim von Arnim. De Bettine en particular Wolf declara
admirar su modo directo de decir las cosas, su coraje que mostró en la vida en
general y su activismo político feminista en Berlín. La amistad entre las dos
mujeres fue documentada en la novela epistolar Die Günderrode publicada en
1839 por Bettine Brentano. Wolf rescata la protesta de Anna Seghers en el
intercambio epistolar que tuvo en 1938-9 con Lukács, al señalar que
Günderrode había sido excluída del canon literario por él considerado junto
con otras figuras outsiders de los inicios del siglo XIX como Büchner, Kleist y
Hölderin. En la carta del 28 de junio de 1938, Seghers le recuerda a Lukács que
Goethe se había pronunciado muy desvaforablemente a propósito de una
generación de escritores con su confrontación categórica en la que asocia el
clacisismo con lo saludable y el romanticismo con la enfermedad (LUKÁCS,
1971, p. 345) y menciona la manera fría con la que acogió a Kleist y a muchos
otros. Vedda encuentra similitudes entre la preferencia de la autora de Das
siebte Kreuz por autores envueltos en los conflictos de la época, que habían
manifestado agitación y consternación por su época, en oposición al concepto
de obra orgánica y cerrada como expresión de acomodamiento del statu quo
(2010, p. 127). Y sostiene que la capacidad de Wolf, de representar una realidad
desgarrada se corresponde con una representación del ser humano entero que
“no implica ver al hombre como entidad armónica; a contrapelo de la literatura
y la estética del clasicismo alemán, Wolf concibe al hombre como una entidad
múltiple y paradójica”, con la convicción de que “la misión de la literatura es
poner de manifiesto esa diversidad conflictiva, sin recubrir las contradicciones
bajo una ‘bella apariencia’ estética” (VEDDA, 2010, p. 127).
El ensayo Der Schatten eines Traumes. Karoline von Günderrode -ein
Entwurf, sobre Karoline Von Günderrode, fue publicado en 1978. Nos interesa
resaltar cómo el mismo da cuenta de una denuncia implícita al patriarcado,
inusual para la época.
Kuhn (1988, pp. 149ss) sostiene que en dicho estudio Wolf caracteriza a
los personajes cómo víctimas de una transición histórica y señala que en este
ensayo es posible identificar el concepto de Ungleichzeitigket de Ernst Bloch.
McPherson (1988, p. xix) sostiene que en la lectura de Wolf, tal como
indica el título del poema de Günderrode que es también el de este trabajo, se
arraiga en la visión de que la vida de Günderrode estaba ubicadas en los
márgenes de la sociedad, una vida en la sombra de un sueño.
Se destaca el hecho que este ensayo plantea una serie de lamentos por
parte de Günderrode ligados a su género: al no haber nacido hombre, señala la
dificultad de querer escribir siendo mujer. Su autorrealización a través de la
3Cabe destacar que Wolf replica la variabilidad del nombre Bettine a veces escrito con “a” y
otras con “e”.
mujeres como intelectuales habían tenido cada vez menos influencia en los
procesos determinantes de las vidas de la esfera social y que la severidad de
esta transformación habría llevado a ambos a un lugar de outsider (WOLF,
1990, p. 880).
Wolf declara que no se había interesado tanto por el concepto de
Romanticismo como movimiento y no considera a Günderrode como un
personaje romántico en sentido estricto (WOLF, 1990, p. 880). Lo que a ella le
interesa explorar es la incapacidad de algunos autores de esta generación para
cooperar con su tiempo, con su talento, con la literatura y con su vida personal;
quienes en términos burgueses pero también para la teoría literaria marxista
fracasan [scheitern] ((WOLF, 1990, p. 881). Wolf confiesa que gracias a
Seghers había conocido por primera vez el nombre Günderrode y luego había
comenzado su investigación sobre ella. Lo que más le interesa a Wolf de los
románticos es la experiencia de vida que transmiten, su vida en grupos, en los
márgenes de la sociedad: aquellas figuras literarias centrales que, estaban en
los bordes de la sociedad burguesa. Asimismo, se interesa por el modo en el
que las mujeres del romanticismo inician ese proceso, al ser las que más tenían
la necesidad de expresarse a través de los márgenes. Con este nuevo interés de
Wolf por el romanticismo, a diferencia de lo que había estudiado sobre
literatura alemana, descubre el componente de los románticos de experimento
social protagonizado por un pequeño grupo de personas progresistas.
Conclusiones
Nos propusimos indagar elaboración ficcional que realiza Wolf de las
trayectorias de vida de las poetas del romanticismo temprano con el fin de, por
un lado, dar cuenta de su vínculo con el aspecto revolucionario utópico del
movimiento romántico que exploran Sayre y Löwy (1995), afín a una crítica a
la modernidad y a la civilización capitalista que nos permite evidenciar la
potencia de los reclamos del feminismo que los ensayos de Wolf sobre
Günderrode y Bettine Brentano traslucen. Por otro lado, exploramos la
relación que estos ensayos tienen con las imágenes utópicas de emancipación
femenina que Bloch propone en Das Prinzip Hoffnung. Al indagar el proceso
histórico de los sueños de liberación del movimiento feminista a fines del siglo
XIX, Bloch plantea que solo en una sociedad socialista, libre de explotación
económica y social, podrá la mujer desarrollar las posibilidades latentes de su
feminidad (BLOCH, 2006, p. 172).
Para Bloch “el mundo se encuentra pleno de disposiciones, tendencias
y latencias que apuntan a algo, y ese algo es la realización de la intención
utópica: un mundo liberado de sufrimientos indignos, de angustia, de
alienación” (LÖWY, 2007, p. 16). En este sentido, es que identificamos en
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______. Die Dimension des Autors. Essays und Aufsätze Reden und
Gespräche 1959-1985 Band 2. [1987]. Darmstadt: Sammlung Luchterhand,
1990c.
______. Die Dimension des Autors. Essays und Aufsätze Reden und
Gespräche 1959-1985 Band 1 [1987]. Darmstadt: Sammlung Luchterhand,
1990c.
Como citar:
CASTANO, María Belén. El pensamiento utópico en Christa Wolf. Verinotio –
Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas, Rio das Ostras, v. 26, n. 1,
pp. 216-27, jan./jun. 2020.
György Lukács
DOI: 10.36638/1981-061X.2020.v26.551
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I
O vínculo orgânico das concepções históricas com as teórico-
sistemáticas se constituiu pela primeira vez, também no campo da estética e
na história da filosofia burguesa, na filosofia clássica alemã. É claro que esta
concepção também teve seus precursores, como Vico, que, no entanto, não teve
nenhum efeito sobre seus contemporâneos diretos, cuja influência no século
XVIII foi, por assim dizer, "subterrânea": não há evidências de que Hegel
conhecia Vico.
As tentativas de criar uma história da literatura e da arte que
precederam a filosofia clássica eram de natureza principalmente empírica, e se
de vez em quando era feita uma tentativa de lhes dar uma base filosófica, a
concepção demasiadamente abstrata, "atemporal", "supra-histórica" dessas
ideias impedia que se tornassem propícias ao registro concreto das legalidades
da arte e da história, assim como impedia que fossem aplicadas à estética. O
problema em si, o vínculo entre concepção estética e conhecimento histórico,
surgiu das questões cotidianas da literatura e da arte. A luta de classes da
burguesia tornou necessário defender teoricamente a literatura e a arte
emergentes não apenas contra as tradições da arte feudal, mas também contra
a teoria e a prática que a teoria da arte classicista e a prática da monarquia
absoluta haviam desenvolvido. Essas discussões começaram já na virada dos
séculos XVII e XVIII (Querelle des anciens et des modernes). Por volta de
meados do século XVIII, essa luta assumiu uma forma mais nítida. Os maiores
representantes teóricos da burguesia revolucionária, Lessing e Diderot, já
haviam dado à nova arte uma base ampla e profunda. Como resultado de toda
essa impostação, a ideologia burguesa revolucionária se manifestou no
desenvolvimento estético dos princípios da arte burguesa como uma defesa da
arte autêntica contra a pseudoarte, como uma proclamação de princípios
"eternos" da estética contra todas as aberrações e interpretações errôneas
(relação de Lessing com Aristóteles). É aqui que entram em cena os mesmos
princípios ideológicos que, na economia clássica, anunciam a ordem de
produção capitalista como o único modo de produção sensato e em
conformidade às leis.
Certamente, no curso do Iluminismo, a fim de alcançar uma justificativa
teórica para a nova arte, surgem outros pontos de vista históricos sobre a
concepção da literatura e da arte. Rousseau adverte muito claramente para a
natureza problemática e contraditória da cultura baseada na propriedade
privada, e especialmente da arte; e Herder tenta fornecer uma representação
histórica coerente de toda a cultura humana e, nela, da literatura e arte. As
tentativas amplas e significativas no campo da estética, no entanto, não
levaram à apreensão sistemática da história e de sua legalidade. O pessimismo
cultural de Rousseau às vezes levava à subestimação de toda arte, e Herder era
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mais além de Kant. Essas tentativas teriam de ser, é claro, também de natureza
puramente contraditória, pois, ainda que Schiller tenha ido além do conteúdo
da concepção de Kant, ele se esforçou vigorosamente para desenvolver o
idealismo objetivo, mas, ainda assim, em sua teoria do conhecimento se
apegou ao idealismo subjetivo de Kant. Em oposição à visão burguesa, que
simplesmente o classifica como aluno deste, Schiller deve ser visto como um
fenômeno de transição entre o idealismo subjetivo e o objetivo. O caráter de
transição da filosofia de Schiller se manifesta acima de tudo no fato de que ele
vai muito além da natureza não histórica da estética de Kant. O novo método,
a análise da atividade do sujeito estético, torna-se expressamente um problema
histórico. Em um de seus estudos mais importantes (Sobre poesia ingênua e
sentimental), ele coloca pela primeira vez a questão da oposição entre a nova
e a antiga arte do ponto de vista filosófico, tentando demonstrar o direito à vida
da nova arte de maneira filosófica. Porém, em Schiller isso ainda é realizado,
em grande parte, no marco das categorias do idealismo subjetivo, com base
nas mudanças estruturais feitas no sujeito estético. No entanto, para além de
suas limitações gnosiológicas, Schiller tem bastante sensibilidade histórica
para, pelo menos, suscitar a conexão dessas categorias subjetivas com
mudanças históricas e sociais.
O efeito da estética de Kant nos escritos teóricos de Goethe é de outra
natureza. Goethe sempre teve uma inclinação ao materialismo espontâneo, e
em sua estética nunca rejeitou completamente a teoria materialista do reflexo.
Ao mesmo tempo, também é um dialético espontâneo, motivo pelo qual critica
mais de uma vez a teoria mecânica do reflexo (veja seu estudo sobre as obras
estéticas de Diderot) e, principalmente com base em sua própria prática,
transfere para o campo da teoria estética a diferença histórica entre a arte
moderna e a antiga (O colecionador e os seus parentes etc.).
De uma maneira completamente diferente, a iniciativa metodológica de
Kant é mais desenvolvida pelo romantismo, desde o início assumindo uma
direção reacionária. Até o jovem Friedrich Schlegel, que, sob a influência de
Schiller, levantou a questão do contraste estético filosófico entre a literatura
antiga e a moderna, introduziu alguns traços marcantes da decadência nas
características da literatura moderna. Os críticos, tradutores etc. do
romantismo, ao mesmo tempo, ampliaram extraordinariamente os horizontes
da literatura mundial e da arte. Foram eles que renovaram Dante e a literatura
medieval, trouxeram a público os grandes tesouros da literatura espanhola,
foram os tradutores pioneiros da literatura indiana. Sobre essa base, o jovem
Schelling escreveu sua primeira estética resumida (1805), em que tratou
filosoficamente as questões históricas. Com Schelling, a transição para o
idealismo objetivo foi concluída e, por conseguinte, efetuou-se a tentativa de
expor filosoficamente a dialética como a força que move a realidade objetiva.
No primeiro período do idealismo objetivo, em Schelling se encontrava
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II
A estética de Hegel é um compêndio crítico enciclopédico de todas essas
tendências. O desenvolvimento precedente havia reunido tanto material sobre
a história da arte e a teoria da arte que tornou possível a Hegel dar uma síntese
histórica abrangente e filosófica do desenvolvimento da arte. Esse
desenvolvimento, no entanto, abrange a história e o sistema de emergência,
decadência e mudança das categorias estéticas na história real da humanidade
e no sistema completo das categorias filosóficas.
Esse tratamento enciclopédico de problemas estéticos naturalmente
amadureceu lentamente, apenas passo a passo, mesmo em Hegel. Embora
tenha se envolvido com literatura e arte desde tenra idade, a estética como
ciência independente tem um papel relativamente tardio em seu pensamento.
Em seus escritos de juventude de Berna e Frankfurt (até o ano de 1800),
Hegel trata o problema da arte exclusivamente nos contextos históricos ou
sociofilosóficos. Hegel era republicano em sua juventude e, embora se
opusesse às concepções jacobinas, ainda se reconhecia como um defensor
entusiasta da Revolução Francesa. Como tal, ele ficou entusiasmado com a arte
antiga, cuja conexão interna com as condições de vida democráticas das
repúblicas da cidade antiga enfatizava com frequência e determinação. Sob a
influência de Georg Forster – líder da Revolta de Mainz Jacobina que morreu
como exilado em Paris –, rejeitou, em nome da Antiguidade – cuja renovação
ele esperava que fosse empreendida pela Revolução –, a arte do cristianismo
e, com ela, toda a arte moderna da maneira mais veemente.
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arte da Antiguidade pode ser vista como arte autêntica. Os capítulos estéticos
da Fenomenologia contêm muitas análises inteligentes e profundas sobre a
escultura grega, os épicos homéricos, a Antígona de Sófocles, a comédia grega.
Essas análises também são de grande importância porque, na análise estética
das maiores obras de arte, Hegel relaciona a origem dos gêneros, sua sucessão,
seu desaparecimento etc. ao desenvolvimento da sociedade grega. A comédia
antiga aparece nele como o gênero das repúblicas gregas em desintegração.
Dessa maneira, a obra juvenil de Hegel lança as bases para a dialética histórica
das categorias estéticas. Nesse período de Hegel, o processo de dissolução da
arte grega antiga significou o fim do desenvolvimento da arte. A comédia
antiga não é seguida por um novo gênero, mas a arte é substituída pela
categoria da "situação jurídica" como expressão apropriada para esse nível de
desenvolvimento do "espírito". Para Hegel, o domínio de Roma, que entra no
lugar da hegemonia grega, também significa a substituição da arte pela lei. O
trabalho de Hegel, portanto, não lida com os problemas estéticos da Idade
Média e dos tempos modernos. (No entanto, Hegel analisa a obra-prima de
Diderot em detalhes: O sobrinho de Rameau; essa análise detalhada, no
entanto, trata exclusivamente de questões de moralidade social, e Diderot
figura aqui como representante do Iluminismo que prepara a Revolução
Francesa; sobre o fato de ter sido Diderot, em sua obra, um grande artista
nenhuma palavra foi dita.)
Encontramos a mesma concepção na primeira edição da Enciclopédia
(1817). A única diferença é que, nesta obra, o "espírito absoluto" na
terminologia de Hegel aparece pela primeira vez. A estética ocupa o primeiro
capítulo sob o título: "Religião da arte", seguido pelo tratamento da religião e
da filosofia; a esse respeito, já aparece aqui o sistema de divisão triádico, que
mais tarde se desenvolveu plenamente no sistema hegeliano. O tratamento da
arte em si ainda corresponde totalmente ao espírito da Fenomenologia. Aqui,
também, apenas a arte grega antiga obtém uma caracterização séria.
Este modo de tratamento mudou apenas na segunda edição da
Enciclopédia (1827), a saber, tornou-se mais radical. O próprio título muda, a
palavra "arte" permanece. Essa mudança de título é o reflexo de uma mudança
fundamental no conteúdo e na metodologia. Aqui encontramos a periodização
básica da estética hegeliana: a distinção e análise dos períodos da arte
simbólica (oriental), clássica e romântica (medieval e moderna).
Hoje não podemos seguir em suas fases específicas o processo em que a
forma metodológica definitiva da estética hegeliana surgiu. E não podemos
fazê-lo porque a maioria dos manuscritos que Hotho, o estudante de Hegel,
tinha disponível no momento da primeira impressão deve ser considerada
definitivamente perdida. Hegel realizou dois cursos de estética em Heidelberg
(1817 e 1819) e quatro em Berlim (1820-1, 1823, 1826 e 1828-9). Hotho teve
acesso a muitos cadernos de ouvintes desses cursos, principalmente dos anos
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de 1823 e 1826, bem como às próprias anotações de Hegel. Por meio desses
registros, Hotho observa que os mais antigos foram escritos em Heidelberg em
1817, e Hegel os reformulou completamente em 1820. Nos últimos anos, Hotho
acredita que não houve mudanças fundamentais, apenas acréscimos. A partir
disso, pode-se dizer que, na construção da estética hegeliana, a inflexão efetiva
ocorre no ano de Heidelberg e nos primeiros anos de Berlim, por volta de 1820.
Os alunos de Hegel, no entanto, que prepararam seus trabalhos para
impressão, foram muito descuidados com o seu legado e, portanto, a maior
parte desses registros foi perdida.
O próprio Hotho não se importava minimamente com as origens da
estética hegeliana. Apenas uma coisa era importante para ele: montar um livro
perfeitamente legível e uniforme das palestras de Hegel. Isso ele conseguiu. No
entanto, os documentos mais importantes sobre a origem da estética hegeliana
foram perdidos. Georg Lasson, que começou a publicar uma nova edição da
estética há pouco tempo, conseguiu, com bastante esforço, detectar o texto
original de Hegel nos suplementos de Hotho; ele também apontou algumas
diferenças no ordenamento entre as palestras de 1823 e 1826; tudo isso se
refere apenas à primeira parte da estética. Dessa forma, a fase decisiva de
desenvolvimento da estética hegeliana permanece uma questão em aberto.
A partir deste breve esboço, pode-se ver que a reorganização da estética
hegeliana está principalmente relacionada ao método e à realização da
periodização; esta cria os fundamentos histórico-sistemáticos da estética. Seria
muito superficial pensar que a incorporação do desenvolvimento artístico
moderno na estética depende exclusivamente da época em que Hegel dominou
todo o material concreto dessa arte. Obviamente, ele adquiriu passo a passo
seu conhecimento diversificado e extenso. Já em Iena, onde mantinha contato
estreito com Goethe, Schiller, Schelling e alguns românticos, ele teve muitas
oportunidades para se familiarizar com obras notáveis de arte moderna.
(Vimos que, por exemplo, na Fenomenologia Hegel examinou
minuciosamente o trabalho de Diderot, que acabara de aparecer, pouco antes,
na tradução de Goethe.) Em 1805, quando Hegel negocia com Voss – o notável
poeta e tradutor de Homero – sobre sua nomeação em Heidelberg, ele se
declarou pronto para realizar palestras estéticas. E, em sua Propedêutica
filosófica (1809-11), examinou dois estilos artísticos fundamentais, o antigo e
o moderno; caracterizou o primeiro como estilo plástico e objetivo, o segundo
como estilo romântico e subjetivo. No entanto, é significativo o fato de suas
análises subsequentes tratarem apenas do estilo antigo. Devemos considerar
tudo isso em relação ao fato de que, na estética de Hegel, a Antiguidade é
considerada o período autêntico e próprio da arte. Na seção introdutória sobre
arte romântica, ele olha para a Antiguidade e diz: "Algo mais belo não pode
haver nem haverá mais." (HEGEL, 2001, p. 251)
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III
É, portanto, evidente que a construção e reconstrução da estética
hegeliana se concentra na questão de como conceber histórica e dialeticamente
o passado e o desenvolvimento artístico anteriores e posteriores à Antiguidade.
Isso é, no desenvolvimento da arte, Hegel quer concretizar o caráter e o valor
estético histórico e dialético daqueles períodos que, em sua opinião, não
correspondem ao conceito puramente estético da arte, em que a arte não
possui a forma fenomênica apropriada para o grau de desenvolvimento dado
do "espírito", em que o desenvolvimento do "espírito" ainda não atingiu ou já
superou o grau de desenvolvimento filosófico do estético, cujo caráter
fundamental, portanto, contradiz a essência da estética. A elaboração
aprofundada dessas contradições dialéticas peculiares que caracterizam esses
períodos é um dos grandes méritos da estética hegeliana. Em oposição ao
romantismo, que reverenciava acriticamente, anti-historicamente, a arte da
Idade Média e, mais tarde, a arte oriental, ele contrapôs abstratamente essas
artes às grandes obras artísticas da Antiguidade e do Renascimento, para pô-
las, distorcendo os princípios básicos da estética, muito acima dessas; assim,
Hegel elabora a linha do desenvolvimento histórico que fornece o fundamento,
ou pelo menos o ponto de partida, para a correta avaliação histórica e estética
dos fenômenos específicos em quase todas as questões do desenvolvimento
artístico. A profundidade e a generosidade dessa visão histórica são
particularmente evidentes na arte contemporânea, em cujo tratamento, por
um lado, Hegel comprova de maneira aguda o quão desfavorável é a sociedade
capitalista para o desenvolvimento da arte e, por outro, mostra uma profunda
sensibilidade em relação à importância artística das grandes figuras desse
período – especialmente de Goethe.
Em Hegel, o tratamento da história da arte está em estreita relação com
a elaboração das categorias estéticas. Como idealista objetivo, Hegel luta
vigorosamente – contra Kant e contra os empiristas – pelo reconhecimento da
verdade objetiva e absoluta das categorias estéticas. Como dialético, no
entanto, Hegel vincula essa essência absoluta das categorias ao caráter
histórico, relativo, de sua aparência concreta; ele tenta em todos os lugares
investigar a conexão dialética entre o absoluto e o relativo, especificamente em
relação ao curso do processo de desenvolvimento histórico. Do ideal estético
até a teoria dos gêneros específicos de arte, a estética de Hegel tenta a todo
momento trazer à tona esse entrelaçamento indissolúvel e dialético do
absoluto e do relativo.
Essa relação entre as categorias sistemáticas e históricas da estética não
é, de maneira alguma, na estética hegeliana, a contemplação de afirmações
abstratas por meio de "exemplos" históricos – como em seus sucessores, que
fizeram todas as perguntas de maneira muito mais abstrata –, mas significam
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2 [NT] Embora não apareça entre aspas no texto original, este trecho consiste na citação de
uma passagem dos Manuscritos econômico-filosóficos (MARX, 1982, p. 292, trad. nossa; ed.
bras.: MARX, 2014, p. 123).
3 [NT] Na edição de 1951 encontra-se: “Marx, Engels, Lênin e Stálin”, aqui substituídos por
“clássicos do marxismo”.
4 [NT] Na edição de 1951: “... Marx, Engels, Lênin e Stálin...”.
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questões estéticas cruciais que são as principais fontes dos erros e distorções
idealistas particulares da estética hegeliana.
A primeira dessas questões é o problema do reflexo. O idealismo
hegeliano é um idealismo objetivo que afirma reconhecer a realidade objetiva
independente da consciência humana e expressá-la de forma racional,
coerente e dialética. Para isso, o método científico exclusivo e consistente é a
teoria dialética do reflexo, que reconhece plenamente a realidade objetiva, que
existe independentemente de nós, sua dialética objetiva e a dialética subjetiva
que ocorre em nossa consciência como o reflexo mais aproximado do processo
objetivo-dialético. O conceito de objetividade de Hegel é, no entanto, idealista,
ou seja, em essência, de natureza espiritual ou consciente. O conceito básico
da dialética idealista hegeliana é, portanto, completamente contraditório, um
anel de ferro de madeira, como costumam dizer os húngaros: é a consciência,
mas não a consciência do sujeito, do homem; Hegel, a fim de poder dar-lhe um
portador, tem de elaborar o espírito, o espírito do mundo, como um princípio
de natureza espiritual, semelhante à consciência, mas que, ao mesmo tempo,
existe independentemente de toda consciência humana subjetiva, e é até
mesmo o produtor ou criador desta consciência humana. A consequência de
tal mistificação é que a filosofia hegeliana, que pretende apreender a realidade
objetiva em sua essência real, perde-se em um misticismo religioso.
Assim, enquanto a dialética materialista é capaz de determinar a relação
do mundo objetivo em si com a consciência subjetiva de maneira precisa e
científica, com o auxílio gnosiológico da teoria do reflexo, a dialética idealista
hegeliana deve se refugiar na teoria mística do sujeito-objeto idêntico.
Segundo Hegel, a consciência subjetiva do homem é o produto de um processo,
cuja força motora é precisamente o espírito do mundo, cuja revelação
consciente é a consciência que surgiu historicamente no homem. O processo
de conhecimento não vai na direção da aproximação progressiva da realidade
objetiva que existe independentemente da nossa consciência, mas na direção
da união perfeita de sujeito e objeto, para o surgimento do sujeito-objeto
idêntico. A objetividade da realidade objetiva não é, portanto, uma
propriedade necessária da realidade objetiva, mas apenas a forma fenomênica
do fato de que o espírito do mundo ainda não alcançou completamente a si
mesmo, o fato de que o sujeito-objeto ainda não foi realizado. O conhecimento
perfeito seria, se a filosofia de Hegel fosse levada às últimas consequências, a
dissolução de toda objetividade, a fusão completa de toda objetividade no
sujeito-objeto idêntico: portanto, um misticismo completo.
É claro que essa consequência extrema contradiz totalmente a direção
progressiva do método dialético, que constituía a arma poderosa do
conhecimento mais completo da realidade objetiva. A contradição
indissolúvel, que Engels enfatizou particularmente como uma contradição do
sistema hegeliano e de seu método, está intimamente relacionada a essa
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questão. É claro que Hegel também era um pensador sério demais, e seu
conhecimento enciclopédico da realidade era grande e extenso demais, para
coroar sua filosofia com um absurdo místico, com a retirada de qualquer
objetividade na esfera do sujeito. O fato de ele não ter feito isso foi apenas um
desvio das consequências gnosiológicas finais de seu sistema. E essa
contradição entre sistema e método pode ser sentida em todas as suas análises.
Portanto, não é possível que, como alguns imaginam, com a inversão
materialista da filosofia hegeliana simplesmente adotemos as considerações
concretas de Hegel e apenas substituamos o materialismo pelo idealismo, que
se poderia substituir o sujeito-objeto idêntico pela teoria do reflexo5. Pelo
contrário, temos de ver claramente que essa contradição fundamental da
dialética idealista hegeliana, a contradição entre sistema e método, influencia
profundamente todas as análises concretas de Hegel. Devemos ler suas
discussões específicas com as maiores críticas, mesmo onde e quando Hegel
capta certas conexões concretas profunda e corretamente, porque a
contradição fundamental de sistema e método também penetra nelas. A
exigência da inversão materialista e do exame crítico da dialética idealista deve
se estender ao exame de cada problema singular, de todos os detalhes
singulares da estética. Ao analisar a lógica hegeliana, Lênin deu aos marxistas
um modelo metodológico de como essa inversão materialista deveria ser
realizada. Em relação ao todo e aos detalhes da estética, esta tarefa ainda está
por realizar.
Da contradição fundamental da dialética idealista segue-se que Hegel
não está em condições de determinar, de maneira concreta e consequente, o
lugar da estética nas ciências filosóficas. Não há dificuldade metodológica
intransponível para a dialética materialista; para ela, o reflexo estético é um
caso especial de reflexo em geral. A tarefa da estética marxista é reconhecer
com precisão as categorias da estética, formulá-las e determinar
cientificamente seu lugar na teoria geral do reflexo. Os artigos de Stálin sobre
linguística realizaram também para esta questão importantes trabalhos
metodológicos preparatórios.
O problema é bem diferente para a dialética idealista hegeliana. Em sua
polêmica contra Kant, Hegel faz corretamente o acerto de contas com os
princípios formais do idealismo subjetivo e agnósticos na estética. Ele também
tem razão – também em relação a Kant – quando se opõe fortemente à rígida
divisão de forma e conteúdo, àquela concepção kantiana que afirmava que os
elementos da estética só podem ser encontrados na forma. A lógica hegeliana
estabeleceu uma interação, uma mudança constante recíproca de conteúdo e
forma entre si. Este é um grande passo adiante em relação a Kant; no entanto,
a lógica idealista hegeliana foi incapaz de determinar consequentemente a
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IV
Apenas Marx e Engels poderiam realizar a inversão materialista da
estética. Os discípulos de Hegel, na medida em que eram idealistas, apenas
exageraram os erros de seu sistema, conduziram seu idealismo objetivo de
volta a um idealismo subjetivo, ou diluíram e engrossaram as contradições
entre seu método e seu sistema. E mesmo quando Feuerbach criticou Hegel,
com frequência de maneira correta, ele o fez do ponto de vista gnosiológico do
antigo materialismo mecânico e, portanto, foi incapaz de fazer progressos reais
e concretos para realmente resolver as contradições. O que Engels acusou na
filosofia de Feuerbach, particularmente em sua filosofia da religião e em sua
ética, também é totalmente válido para as críticas de Feuerbach à estética
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uma brochura com uma série de declarações de Hegel nessa direção. O jovem
Marx apoiou o trabalho de Bauer nessa área na época. Infelizmente, seus
próprios trabalhos estéticos (Sobre a arte religiosa, Sobre o romantismo,
1841-2) permaneceram meros projetos; inúmeros comentários e observações
que ele escreveu sobre livros de estética e arte cristã mostram o quão
seriamente ele considerou esses planos.
Os democratas revolucionários russos começaram sua luta pela
renovação da estética em um nível significativamente mais alto que o de Heine,
para não mencionar o de Bauer. Aqui não é possível elaborar em detalhes a
direção positiva de sua filosofia e seus limites diante do parco desenvolvimento
do movimento revolucionário de seu período. Só precisamos enfatizar que eles
percorreram o caminho que leva do idealismo ao materialismo e, no que diz
respeito à concepção filosófica do materialismo, às consequências
revolucionárias e à aproximação da dialética, foram muito mais além de
Feuerbach. Certamente, esse ir além se manifesta de maneira muito mais
decisiva e concreta nas exposições estéticas individuais desses grandes
pensadores do que em sua teoria do conhecimento e na elaboração dos
princípios gerais da estética. Nesse último campo, eles estão naturalmente
mais próximos do materialismo antigo, como todos os pensadores anteriores
a Marx.
Essa abordagem da dialética materialista no campo da análise estética
concreta é ainda mais evidente. Nesse âmbito, o que Engels afirmou sobre
Diderot se aplica em maior grau. Nesse sentido, os democratas revolucionários
criticaram a estética hegeliana e, especialmente, seus discípulos, que caíram
no liberalismo de direita e no idealismo subjetivo. (Crítica de Tchernyshevsky
a Vischer.) No entanto, a percepção dialética deles é mais bem demonstrada
ao levantar problemas literários concretos e ao respondê-los. A importante
nova periodização de Belinsky já foi mencionada. Os democratas
revolucionários russos foram os primeiros a elaborar os princípios
fundamentais do realismo crítico e, assim, foram os primeiros a estabelecer os
fundamentos teóricos para a avaliação correta da literatura e da arte nos
séculos XVIII e XIX; essa é a grande importância teórica deles. Ao fazer isso,
eles não apenas foram muito além de Hegel, que mal viu esse problema, mas
também foram além de Feuerbach, que, devido a suas críticas abstratas a
Hegel, foi incapaz de levar em conta os novos problemas da época e formulá-
los teoricamente.
Certamente, esses democratas revolucionários eram apenas a ala
esquerda dos pensadores que estavam, imediata ou mediatamente, sob a
influência teórica de Hegel. A maioria dos estetas que tinham uma afiliação
filosófica com Hegel e queriam desenvolver seus ensinamentos em um sentido
idealista estava no campo do liberalismo. (F. Th. Vischer, Rosenkranz, Ruge,
Rötscher, Hotho etc.) Enquanto na Alemanha antes de 1848 a preparação
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V
Apenas por meio da crítica e da inversão materialistas o núcleo vivo e
fecundo da estética hegeliana pode ser preservado e, assim, tudo o que é
progressivo para a ciência da estética pode ser usado para desenvolvimento
posterior. Marx e Engels passaram a vida inteira lidando com os problemas da
literatura e da arte, mas nunca tiveram tempo de resumir sistematicamente
suas concepções ou escrever uma crítica abrangente da estética hegeliana.
(Sabe-se que Marx queria escrever um livro sobre Balzac, mas este permaneceu
apenas um plano e sequer foi fixado na forma de notas.) No entanto, os
princípios básicos da inversão materialista foram deixados muito claros para
nós na forma de expressões que Marx e Engels fizeram a propósito de questões
concretas específicas.
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Hegel não deve ser criticado se quisermos que o núcleo fecundo oculto nele
seja útil para o futuro. Ele escreve para Conrad Schmidt:
Sob nenhuma circunstância você deve ler Hegel como o Sr. Barth
leu, a saber, para descobrir os paralogismos e truques preguiçosos
que serviram de alavanca para a construção. Isso é puro trabalho de
garoto da escola. É muito mais importante descobrir o que há de
certo e genial sob a forma incorreta e do contexto artificial. Assim,
as transições de uma categoria ou de uma oposição para a próxima
são quase sempre arbitrárias (...). Permanecer muito nisso é uma
perda de tempo. (ENGELS, 1979, p. 204)
VI
O fato de a literatura marxista sobre estética, especialmente aquela que
lida com a relação de Marx com a estética hegeliana, ser tão pobre não é de
forma alguma um acaso. As tradições no período da II Internacional foram as
mais prejudiciais nesse campo. Para os teóricos da II Internacional, Hegel era
de fato um "cão morto". Até um marxista tão importante, esteticamente
educado e profundamente versado na literatura como Franz Mehring vê na
estética de Kant o trabalho teórico fundamental deste campo – embora
ocasionalmente faça um elogio sem sentido sobre o conhecimento universal de
Hegel. Plekhânov tratou a estética de Hegel de maneira mais profunda e
detalhada. No entanto, também suas análises não tocam nas questões
fundamentais da crítica materialista em relação à estética hegeliana e sua
aplicação; ele não trata das consequências metodológicas e teóricas concretas
desses princípios. O que Lênin comentou criticamente sobre ele – sem deixar
de reconhecer-lhe os méritos –, a saber, que ele lidou detalhadamente com
muitas questões da filosofia hegeliana, mas não abordou os problemas
cruciais, aplica-se perfeitamente à atitude de Plekhânov em relação à estética
hegeliana.
Somente as críticas agudas que Lênin e Stálin fizeram a respeito de toda
a teoria da II Internacional, a respeito da ingenuidade com a qual aplicou os
princípios do marxismo ao período do imperialismo durante as guerras
mundiais e a revolução proletária, tornaram possível que o marxismo se
desenvolvesse ainda mais no campo da estética. A partir desse grande
complexo de temas é claro que podemos apenas tocar aquelas questões
específicas que estão intimamente ligadas à estética hegeliana.
A primeira questão é a concepção dialética do reflexo da realidade
objetiva. Lênin explicou que, embora a dialética fosse o foco principal no
tempo de Marx, quando o materialismo dialético foi fundado e desenvolvido,
no período do imperialismo, a ênfase teve de ser mudada para o lado
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VII
Stálin6 concretizou esses ensinamentos de Lênin para os grandes
problemas de nosso tempo. Aqui, podemos apenas enfatizar alguns pontos de
vista teóricos fundamentais, cujo conhecimento é essencial se queremos
estudar e criticar a estética hegeliana correta e com sucesso, no espírito do
marxismo-leninismo, e tornar seu núcleo racional útil para o futuro. Acima de
tudo, devem ser enfatizadas as discussões fundamentais de Stálin sobre a luta
do novo contra o antigo como legalidade principal de qualquer
desenvolvimento dialético. É particularmente importante ressaltar que,
segundo essa concepção7, o novo, o que está em desenvolvimento, é mais
importante que o antigo, o moribundo, mesmo que seja mais fraco no
momento, ainda menos desenvolvido que o velho. Com a ajuda desse princípio,
o desenvolvimento da arte, a luta das teorias estéticas pode ser integrada
organicamente em todo o desenvolvimento social, a mudança pode ser vista
não apenas onde enormes diferenças qualitativas se tornaram aparentes (o
drama antigo e shakespeariano em Hegel), mas também em todas as partes da
vida cotidiana da literatura e da arte. Dessa maneira, o desenvolvimento do
estilo, dos gêneros de arte, perde completamente seu caráter estático, por
assim dizer, um caráter puramente comparativo, semelhante a um museu, e se
apresenta como fenômeno contraditório e combativo da sociedade humana.
Isso porque já não se observa esse desenvolvimento no passado, como Hegel,
mas como um processo chamado a realizar o futuro da arte. Esses princípios
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13 [NT] Na edição de 1951: “Stálin levantou essa questão e os representantes da teoria da arte
soviética...”.
14 [NT] Na edição de 1951: “... Marx, Engels, Lênin e Stálin”.
15 [NT] Na edição de 1951: “... como Lênin e Stálin”.
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necessário enfatizar mais uma vez que em relação a essa questão não se deve
adotar o ponto de vista que consiste em afirmar que, como Hegel é idealista,
nada que ele afirme pode estar certo, nem que Hegel esteja realmente certo em
todas as questões essenciais e apenas o sinal idealista deve ser trocado por um
materialista. A esse respeito, gostaria de salientar o que Engels escreveu sobre
o método crítico correto e como não se deve criticar a estética hegeliana. Os
clássicos do marxismo16 nos mostraram o método da crítica correta, que faz a
crítica concreta, ao mesmo tempo e de modo inseparável um do outro, das
distorções teóricas e históricas que a filosofia idealista necessariamente
implica, e ao mesmo tempo permite extrair em cada caso, com a ajuda do
mesmo método, as intuições corretas, muitas vezes geniais, da verdade que
tanto enriquecem a estética de Hegel.
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Ausgust 1844. Berlim: Dietz Verlag, 1982.
______. A sagrada família. Trad. Nélio Schneider. São Paulo: Boitempo,
2003.
György Lukács
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Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. ISSN 1981-061X. ano XV. jan./jun. 2020. v. 26. n. 1
Como citar:
LUKÁCS, György. A Estética de Hegel: introdução. Trad. Ronaldo Vielmi
Fortes. Verinotio – Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas, Rio das
Ostras, v. 26, n. 1, pp. 228-62, jan./jun. 2020.
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La otra teoría de la reflexión de Lênin: la formulación de una
segunda teoría leninista del reflejo en el
Resumen de la Ciencia de la lógica
Resumen:
Este artículo analiza la teoría del reflejo desarrollada por Lênin en su
confrontación con la filosofía hegeliana en los comentarios que escribió a La
ciencia de la lógica en 1915. En estos comentarios, Lênin presenta la reflexión
en el contexto de una relación reflexiva adaptativa entre el movimiento del
conocimiento y el movimiento de realidad; La dinámica del conocimiento
sigue el movimiento de la realidad y la influencia. Para Lênin de estos
comentarios, la reflexión es un momento (mental) en el proceso de
objetivación humana que transforma la realidad y origina al ser humano.
Abstract:
This article discusses the “theory of reflection” developed by Lenin in his
confrontation with the Hegelian philosophy in the commentaries he wrote to
the Science of logic in 1915. In these commentaries Lenin presents the
reflection in the context of an adaptive reflective relationship between the
movement of the knowledge and the movement of reality; the dynamics of
knowledge follows the movement of reality and influences it. For the Lenin of
the commentaries, the reflection is a (mental) moment of the process of human
objectification that transforms reality and creates the human being.
1. Introducción
La difusión de la teoría del reflejo en los debates de la filosofía
contemporánea se ha atribuido tradicionalmente a Lênin, y en particular con
DOI: 10.36638/1981-061X.2020.v26.481
Manuel Alejandro Bonilla
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Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. ISSN 1981-061X. ano XV. jan./jun. 2020. v. 26. n. 1
2
En los textos de Lênin citados, la traducción es nuestra.
Comenzando con las reservas con las que fue recibida la publicación del libro
en Alemania en 1927 (KORSCH, 1975, p. 111), ha sido prácticamente unánime
la crítica por parte de los representantes del marxismo occidental a los
presupuestos epistemológicos presentes en la teoría del reflejo leniniana, que,
se consideró, conducía a una simplista definición del conocimiento como
“fotocopia” mecánica de la realidad exterior (ADORNO, 1966, p. 205;
HABERMAS, 1971, p. 396; SCHMID, 1974, p. 31; HORKHEIMER, 1978, pp.
171-88). La interpretación de Boer, que en un artículo reciente colocaba
Materialismo y empiriocriticismo como ejemplo de la dialéctica “vulgar” y
“mecanicista” con respecto de la relación sujeto y objeto (BOER, 2015, p. 58),
pone en evidencia lo que sigue siendo dictamen corriente entre los
intelectuales occidentales vinculados al marxismo, y en el panorama filosófico
contemporáneo.
En la vasta producción literaria de Lênin existe, sin embargo, una obra
que confronta la dialéctica mecanicista de Materialismo y empiriocriticismo,
y que, en lo que hace al caso presente, incluye una reformulación sustancial de
la teoría del reflejo. Nos referimos al breve Resumen a la Ciencia de la lógica
[1929] (LÊNIN, 1976b). Este texto es el resultado de las investigaciones
históricas y filosóficas a las cuales Lênin se dedicó en el transcurso de su exilio
en Suiza después de iniciada la I Guerra Mundial. Aprovechando el tiempo
libre que le permitía su exilio en el país helvético, a partir del mes de
septiembre de 1914, Lênin pasó un considerable número de horas en la
biblioteca pública de Berna estudiando diversos libros filosóficos e históricos,
a los cuales anotó, citó y comentó, en varios cuadernillos que fueron luego
recogidos y editados en un tomo de las obras completas bajo el nombre de
Cuadernos filosóficos [1933]. Parte de este material bibliográfico recogido
corresponde a un estudio específico dedicado a la hegeliana Ciencia de la
lógica [1812-6] (HEGEL, 1986). En este texto Lênin establece una valoración
renovada de la obra y figura del pensador alemán -que ha sido un
“redescubrimiento de Hegel”, así como de una restitución de la importancia y
la influencia tenida por aquél en la historia intelectual del marxismo
(ANDERSON, 1992, p. 302).
Una típica página del Resumen de la Ciencia de la lógica consiste
principalmente en extractos en alemán de parágrafos de Ciencia de lógica,
resúmenes, comentarios y marginalia con reflexiones de diversa naturaleza. A
pesar de ser éste el resultado de un trabajo realizado en el año 1915, la primera
publicación es de 1929, en Ruso, como volumen IX de la colección Miscelánea
de Lênin; después el texto es publicado, junto con otros escritos vinculados a
las mismas investigaciones de aquellos años tales como el Resumen a las
Lecciones de historia de filosofía, las anotaciones a las Lecciones de la filosofía
de la historia, y el pequeño ensayo Sobre la cuestión de la dialéctica, en el tomo
XLII de la edición rusa de las Obras completas [1933].
3. Conclusión
Al interpretar las determinaciones de los conceptos presentes en la
lógica hegeliana, Lênin establece una argumentación por la cual encuentra en
los procesos objetivos (ya sea de la naturaleza, o de la actividad humana) las
mismas cualidades que distinguen a los conceptos dialécticos hegelianos. Esto
le lleva a ver una convergencia entre el movimiento del pensamiento y el
movimiento de los procesos objetivos. Mediante el esquema del reflejo Lênin
comprueba la existencia de aquella correspondencia en el propio devenir en la
historia, y a la vez que salvaguarda, en contraposición con Hegel, la prioridad
ontológica del movimiento de lo objetivo frente a la subjetividad. La teoría del
reflejo desarrollada en los comentarios que conforman el Resumen a la Ciencia
de la lógica arriba a una comprensión compleja de la relación sujeto-objeto, la
cual supera el mecanicismo materialista de Materialismo y empiriocriticismo,
al poner en primer plano la existencia de una dinámica interdependencia entre
el movimiento del pensamiento y el movimiento de los procesos sociales y
naturales. Según Lênin la interdependencia de ambos movimientos se
encuentra justificada por la necesidad que tiene el ser humano de dirigirse
hacia el mundo objetivo exterior y comprenderlo efectivamente en sus
cambios. Al ser una instancia enmarcada en el complejo proceso de
transformación de la realidad exterior, el reflejo que hace el pensamiento del
mundo exterior es considerado no solamente como imagen pasiva de lo
material, sino como un elemento que influye activamente en el objeto. Se llega
a una afirmación del papel activo de la conciencia, al señalar que la
correspondencia que sucede entre el movimiento del pensamiento y el
movimiento de lo real interviene siempre en el proceso de creación y
trasformación del mundo humano, y es efectivizada por aquél. Todas estas
cualidades permiten hablar de la emergencia de una sui generis teoría del
reflejo en los estudios dedicados por Lênin a la lógica hegeliana durante su
estancia en Suiza el año 1915, y que terminan en el texto de el Resumen a la
Ciencia de la lógica; y esta teoría amerita ser traída a discusión siempre que se
estudie la contribución de Lênin a este importante problema de epistemología
y ontología marxistas como es del reflejo.
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Como citar:
BONILLA, Manuel Alejandro. La otra teoría de la reflexión de Lênin: la
formulación de una segunda teoría leninista del reflejo en el Resumen de la
Ciencia de la lógica. Verinotio – Revista on-line de Filosofia e Ciências
Humanas, Rio das Ostras, v. 26, n. 1, pp. 263-77, jan./jun. 2020.
Henrique Coelho1
Resumo:
O texto visa a mostrar, a partir das análises do Roberto Schwarz e György
Lukács, como a análise de lastro marxista autêntico é divergente da leitura
meramente sociológica, procurando superar a dualidade “esteticismo x
sociologismo”, dois reducionismos antidialéticos. Em outros termos, trata-se
de expor, dentro de nossos limites, como o autor brasileiro, ao buscar a inflexão
realista de algumas obras, não deixa de debater problemas da especificidade
estética, portanto, sem que a vida social explique absolutamente a arte, mas ao
mesmo tempo, seja seu substrato indispensável. Para tanto, faremos uma
primeira reflexão sobre o decurso em que György Lukács, referência
importante para Schwarz, deslinda a arte através, primeiramente, de posições
idealistas e, logo após, a partir da emergência e redescoberta gradual da
ontologia marxiana e da valorização do realismo crítico.
Abstract:
The text aims to show, from the analyzes of Roberto Schwarz and Gyorgy
Lukacs, how the analysis of authentic Marxist ballast is divergent from the
merely sociological reading, seeking to overcome the duality "aestheticism x
sociologism", two anti-dialectical reductions. In other words, it is a matter of
exposing, within our limits, how the Brazilian author in seeking the realistic
inflection of some works does not stop debating problems of aesthetic
specificity, therefore, without the social life explaining art absolutely, but at the
same time, is its indispensable substrate. To do so, we will make a first
reflection on the Lukacsian course (Gyorgy Lukacs) where the Marxist author,
an important reference for Schwarz, breaks the art through, firstly, Idealist
positions and then afterwards emergence and gradual rediscovery of Marxian
ontology and appreciation of critical realism.
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I
O tema da autonomia da arte deve ser colocado e travejado pela querela
acerca de sua inflexão absoluta ou sua inflexão relativa. Nesse sentido,
seguindo a dicção e o decurso teórico lukacsiano, podemos observar esta dupla
natureza de teorias. Em primeiro momento, a que apreendeu a arte de maneira
absoluta e hermética – mesmo que não se empenhe, necessariamente, nas
inflexões causais do “gênio” ou do “desinteresse” (SILVA, 2008) –, como
também, mais adiante, em sua maturação teórica marxista, a inflexão que
captura as determinações reflexivas entre a arte e as demais esferas da vida
social. No último caso – referente à autonomia relativa –, não fica suspensa a
especificidade da arte, quer dizer, sua lógica específica enquanto práxis e esfera
social, mas impressa a demarcação ontológica da totalidade e da articulação
(interrelação peculiar às entificações sociais), lineamento marxiano de
primeira ordem filosófica.
Acerca do jovem Lukács, Arlenice Almeida da Silva diz que:
Se para os antigos a reflexão sobre a arte estava fundada, grosso
modo, na pesquisa do bem e da verdade, em Lukács a estética é
pensada nos quadros teóricos da modernidade, isto é, a partir de
questões formais referentes à constituição interna da própria obra
de arte, e na autonomia que a obra reivindica para si. Nestes estudos,
em sua maioria fragmentados e redigidos na forma de ensaios,
Lukács estabelece um diálogo não só com o cerne do idealismo
alemão e com o romantismo (Kant, Fichte, Schelling, F. Schlegel,
Novalis, Hegel), mas também com a fenomenologia de Husserl e o
existencialismo de Kierkegaard, sem falar da presença latente de
Nietzsche. (SILVA, 2008, p. 1)
Ou seja, tem-se uma primeira posição lukacsiana que não toma uma
bem equacionada posição marxista. O travessão idealista (seja influenciado
pelas filosofias da vida, seja, logo depois, influenciado por Hegel) dura, com
grande acentuação, até os marcos de seu último livro travejado pela lente
hegeliana, História e consciência de classe (1923). É possível, ainda, ver certa
influência mais à frente, no que tange ao suposto vínculo lógico Hegel-Marx,
como em Introdução a uma estética marxista (1957) e na própria Estética
(1963), porém, aqui o materialismo já está mais demarcado (CHASIN, 2009).
Na fase anterior, de tino idealista, depreende-se da arte um “automovimento”
(referência ao seu hermetismo enquanto objeto e práxis), seja como faculdade
estética a priori, seja como essência metafísica autoposta.
Neste momento, para o autor, há, como emblema da “modernidade”
(expressão que será menos usada quando o marxismo passa a predominar em
sua teoria; expressão típica das filosofias da subjetividade), uma “ruptura”
(SILVA, 2008) desagregadora e fundamental entre indivíduo/arte e mundo.
Por mundo, pelo viés anticapitalista romântico (“modernidade”) adstrito à
época, entende-se a referência às entificações cotidianas reificadas, o
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aborda a perda da totalidade, sem, contudo, poder dar uma resolução objetiva
ao problema, quer dizer, posta-se como uma lírica do impossível que denota as
“fragmentariedades do mundo” (LUKÁCS apud COTRIM, 2009). No mundo
em que a vida empírica está apartada da essencialidade, configuração objetiva
da “modernidade”, a epopeia tem de dar lugar ao romance, de modo tal que o
romance aparece como uma atitude estética desesperada e de fracasso em
busca da essência e totalidade perdida, dada a cisão pungente entre
individualidade e objetividade (COTRIM, 2009).
Segundo este jovem Lukács, eivado pelo idealismo (do subjetivo,
primeiramente, ao objetivo, por fim), o herói do romance (assim como o
artista) segue em uma “busca infeliz”, porquanto só em sua alma, em sua
interioridade, poderia mover-se para a essência, contudo, essa essência mesma
se escapa, é inalcançável, configurando a busca do indivíduo problemático
(COTRIM, 2009), da alma inquieta, diante da assustadora pletora do
inautêntico que está objetivada na exterioridade moderna, isto é, um
insurgente – fracassado – contra a mendacidade e perfidez da efetividade. Ao
passo que evidencia a problemática do mundo, é dação de tom e corolário da
sua própria problemática, já que, diante da puerilidade e ardil da
exterioridade, resta-lhe o autoisolamento da “busca infeliz”. Trata-se de uma
desintegração pujante da ética, da integração entre individualidade e
comunidade que plasmariam uma totalidade em harmonia, em plenitude
canora. O tom pessimista está posto em sua nuança clara, já que o herói dá-se
como fracassado, como quem procura e não acha, o ser ausente de
comunidade, uma vez que é perene e instada a “inessencialidade” insuperável
da vida. No prumo dessa busca, atinge um mero “vislumbre”, como parca
aproximação da totalidade e integração, pseudorrealização, já que cativo de
seu solipsismo forçado, dada a hostilidade do mundo moderno. Permanece no
romance, segundo o jovem húngaro, a “intenção ética”, uma espécie de
evocação da comunidade perdida, acompanhada de certo desolamento e
insubordinação.
O imanentismo da obra de arte deságua na incomunicabilidade tanto
com o autor quanto com o receptor, ainda que o produtor, ao ser seu portador
e via, esteja em estado de “suspensão fugaz” em relação à vida cotidiana. A arte
não serve, portanto, para o jovem Lukács, para reconciliar indivíduo e mundo,
não tem esse poder. Vejamos, desta forma, que há para ele uma divisão
rigorosa entre subjetividade e objetividade, tendo na segunda (a objetividade
enquanto “modernidade”) o reino da perdição e embrutecimento contra o qual
as personalidades se defrontam. Neste instante, a dialética materialista entre
objetividade e subjetividade não é sequer suspeitada, assim como as
determinações reflexivas entre as esferas sociais.
Para o jovem Lukács, portanto, há uma dissonância na produção
estética, já que entre indivíduo e mundo há um terreno do incomunicável: arte
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Ademais:
A relação entre historicidade e atemporalidade na obra de arte é o
tema que marcará toda a produção do jovem Lukács, bem como boa
parte de seus escritos de maturidade, e é, por outro lado, o que
singulariza sua reflexão diante da estética dita, grosso modo,
romântica. Para Lukács, Schelling percebeu com profundidade,
mais do que todos os românticos, que “toda obra é a eternização de
um momento histórico determinado” – “que a obra sai do tempo e
para ele retorna”: “ela arranca um instante do fluxo temporal, lhe
conferindo a perenidade do tempo” (SILVA, 2008, p. 220). Mas,
enquanto os românticos ainda permanecem ligados a uma teoria
platônica da arte, Lukács procura tirar outras consequências do
procedimento formal da obra, de sua incontornável materialidade.
Não só toda obra suscita um mundo novo, abrindo um campo vasto
de possibilidades, como ativa um campo de negatividade, o “mal-
entendido” na relação do eu com o mundo. (SILVA, 2008, p. 5)
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II
Em contraste com o desenvolvido até aqui, em Meu caminho para Marx
(1933), vemos a autoconstatação definidora de um engate teórico que revela a
preza pela “leitura imanente” (CHASIN, 2009) da obra de Karl Marx,
modificando o padrão de investigação de György Lukács. Se a matriz idealista
(existencialista, fenomenológica, kantiana-hegeliana etc.) prevaleceu nas
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III
Roberto Schwarz (2000), em Um mestre na periferia do capitalismo,
reconhece, a partir das pegadas machadianas, o valor e o peso da historicidade
no fazer estético. Nesse sentido, trata-se, em outros termos, de superar um
certo contato tacanho e rebaixado com a cultura e a história, qual seja, aquele
“pitoresco e patriotista”, em que a história aparece mais como plano singular
irrepetível, imagem exótica e inconfundível, do que como complexo social
observado e narrado: contextura efetiva na/da totalidade da história humana.
Com larga astúcia, Veríssimo referia-se ao talento universalista de
Machado como tônica que reposicionava o nacional na generidade humana
(SCHWARZ, 2000), dando-lhe figuração concreta de sociabilidade típica do
capital periférico. Nesse intuito, as marcas de uma imaginação idealista e
romântica estariam dispensadas da dialética machadiana, vez que o perfazer
figurativo instaura, sobretudo, as marcas preponderantes da realidade, de um
escritor “imbuído de seu tempo e país”. A astúcia machadiana (largamente
valorizada por Schwarz), sua inflexão realista na consignação da ação e do
típico brasileiros, denota imponência tanto ao demonstrar a preponderância
do conteúdo social quanto ao negativar a fórmula do descritivismo naturalista.
Em outras linhas, a resolução metodológica do romance e a dimensão técnica
servem como deslinde de rigor em que fica “apurado um jogo de pontos de
vista produzido pelo funcionamento mesmo da sociedade brasileira”
(SCHWARZ, 2000, p. 9).
Trata-se, outrossim, de dramatizar o país por meio de um complexo
literário no qual a particularidade não desemboca em particularismo, quanto
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COTRIM, Ana. O realismo nos escritos de György Lukács dos anos 30: a
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LUKÁCS, G. Narrar ou descrever? In: Ensaios sobre literatura. Rio de Janeiro:
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______. Realismo crítico hoje. Brasília: Coordenada Editora, 1969.
______. Meu caminho para Marx. In: CHASIN, J. (Org.) Marx hoje. São
Paulo: Ensaio, 1983.
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Como citar:
COELHO, Henrique. Roberto Schwarz e György Lukács: uma aproximação
dialética. Verinotio – Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas, Rio
das Ostras, v. 26, n. 1, pp. 278-300, jan./jun. 2020.
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Os Manuscritos de 1844 de Karl Marx e a retomada da economia
política no pensamento pós-hegeliano
Resumo:
O presente artigo visa à análise e caracterização das rupturas e continuidades
presentes nos manuscritos produzidos em Paris por Karl Marx no ano de 1844
a partir das relações com a economia política, com o pensamento pós-
hegeliano e Hegel. Nesse sentido, os cadernos intitulados Manuscritos
econômico-filosóficos foram produzidos a partir das preocupações filosóficas
da tradição dos novos hegelianos que se formou após a morte de Hegel – e se
estendeu até meados da metade do século XIX –, e ocupam uma posição
privilegiada no desenvolvimento do pensamento de Marx pois permitem
apreender o movimento dos diálogos e práticas que o autor estabelecia. Ainda,
ao retomar os estudos da economia política junto a uma interpretação da
dialética hegeliana, Marx realiza um movimento de, ao mesmo tempo,
aproximar-se e afastar-se de Hegel, bem como aproximar-se e afastar-se dos
jovens hegelianos. A partir de uma análise crítica e da reconstituição do
cenário de produção dos manuscritos, buscamos deixar apontada a
importância da reaproximação crítica da economia política com a dialética
hegeliana para a importância do destaque e prevalência do pensamento de
Marx em meio a estes pós-hegelianos.
Abstract:
This article aims to analyze and characterize the ruptures and continuities
present in the manuscripts produced in Paris by Karl Marx in the year 1844
from the relations with political economy, with post-Hegelian and Hegel
thought. In this sense, the notebooks entitled Economic-philosophical
manuscripts were produced from the philosophical concerns of the tradition
of new Hegelians that was formed after Hegel's death – and extended until the
middle of the 19th century –, and occupy a privileged position in the
development of Marx's thought because they allow to apprehend the
DOI: 10.36638/1981-061X.2020.v26.469
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movement of dialogues and practices that the author established. Still, after he
resumes the studies of political economy with an interpretation of the Hegelian
dialectic, Marx makes a movement, at the same time, to approach and distance
himself from Hegel, as well as to approach and distance himself from the young
Hegelians. Based on a critical analysis and the reconstitution of the manuscript
production scenario, we seek to point out the importance of the critical
rapprochement between political economy and Hegelian dialectic for the
importance of the prominence and prevalence of Marx's thought among these
post-Hegelians.
Introdução
Buscaremos analisar a evolução do pensamento de Karl Marx a partir
das rupturas e continuidades que este sofreu e promoveu a partir das relações
e debates com os intelectuais alemães pós-hegelianos, os socialistas franceses,
a economia política e o próprio Hegel. Para tanto, consideramos que alguns
textos ganham evidência por sua posição histórica, política e epistemológica
privilegiada, de modo que os intitulados Manuscritos econômico-filosóficos é
um conjunto desses escritos e apresenta os primeiros traços que prepararão a
ruptura dialética de Marx com os pós-hegelianos dos anos seguintes. Também
buscaremos apontar, além da importância para o pensamento de Karl Marx,
os manuscritos produzidos no ano de 1844 em Paris como uma tentativa – não
levada à cabo por não terem sido publicados – de retomada e consolidação da
economia política junto ao pensamento pós-hegeliano (que havia sido
esquecida pelos herdeiros diretos, os chamados velhos hegelianos) antes da
dissolução de seu domínio intelectual na Alemanha na metade do século XIX.
Nesses marcos, destaca-se que a virada dos anos de 1843 e 1844 em Karl
Marx deve ser analisada com cuidado. Após a metade do ano de 1843 o jovem
passa por mudanças bastante amplas: desde o casamento com a noiva Jenny,
a fundação de uma revista – os Anais Franco-Alemães [Deutsch-französische
Jarhbücher] –, até a mudança com a família para Paris e os primeiros contatos
com organizações proletárias. Nesse período, ao todo, surgem pelo menos seis
escritos2 do autor, ao passo que nem todos foram publicados e acabaram
servindo como material de estudos e pesquisa. O cuidado, então, se deve à
caracterização dos distintos momentos da vida e do pensamento de Marx, de
2 São eles:
Crítica da filosofia do direito de Hegel; Sobre A questão judaica; Crítica da filosofia
do direito de Hegel – Introdução; os Manuscritos econômico-filosóficos de 1844; Glosas
críticas marginais ao artigo “O rei da Prússia e a reforma social”. De um prussiano; e por
fim, A sagrada família.
Gans, discípulo direto de Hegel, “velho hegeliano” e professor de Marx, escreveu: “Neste livro,
nada que poderia se reportar ao estado é, portanto, deixado de lado. As questões políticas são
tratadas de modo detalhado e, mesmo a ciência da economia política encontrou o lugar e o
tratamento que lhe convém, na sociedade civil.” (WASZEK, 2011, p. 56)
5 Cabe fazer uma pequena distinção: os cadernos de anotações, publicados no Brasil como
Cadernos de Paris (MARX, 2015, pp. 179-233), se tratam das notas de estudos que visavam
fundamentar os manuscritos que seriam publicados, e não o foram, mas que seriam
encontrados e publicados no século XX como Manuscritos econômico-filosóficos (MARX,
2010a).
6 A partir de 1924 marcaria, ainda, um giro fundamental nas políticas programáticas da
enquanto forma abstrata da riqueza” (2013, pp. 52-4). Desse modo, o dinheiro
reduz todo o movimento do ser à sua abstração e a um ser quantitativo,
reduzindo as carências do ser humano apenas àquelas fisiológicas – agora
medidas quantitativamente e realizadas apenas pela posse do dinheiro. Ainda
segundo Daniel Bensaïd, posteriormente Marx e Freud serão responsáveis por
transformar o sentido do conceito de “fetichismo”, deixando de ser um
conceito etnológico (e racista11) e passando a assumir um conteúdo social e
psicologicamente críticos, respectivamente.
No segundo capítulo do primeiro manuscrito, denominado “Lucro do
capital” (Profit des Kapitals), Karl Marx confronta o conceito de capital de
Adam Smith enquanto “trabalho armazenado”. Em Smith esta ideia de
trabalho acumulado e capital estava relacionada diretamente à noção de
geração de riqueza de uma nação à generalização das relações de produção
capitalistas e do trabalho assalariado como produtor de riqueza. Para Marx,
por sua vez, os teóricos da economia política escondiam que, de fato, o capital
se tratava da “propriedade privada dos produtos do trabalho alheio” (MARX,
2010a, p. 39). Ainda diferente daquele conceito de capital como valor que se
valoriza de seu pensamento posterior, é importante destacar que para Marx já
irá aparecer um processo de abstração que domina a atividade de trabalho e de
produção da sociedade. Nessa perspectiva, a economia política enquanto
ciência, vai aparecer como uma “guerra de conquista” (MARX, 2010a, p. 37)
dos interesses econômicos na sociedade burguesa, sendo ela mesma voltada
para a posse e concentração da riqueza em uma classe social particular e não
para a distribuição e produção da felicidade dos seres humanos.
Mesmo com essas questões, definitivamente um dos pontos que tornam
as concepções econômicas do jovem Marx bastante frágeis é a sua falta de
noção sobre os fenômenos do valor e do mais-valor – que ele até admite logo
no início de seus cadernos de estudos12. Esta debilidade levará o autor a tratar
13 O que também deve ser levado em consideração em relação aos estudos de Marx sobre
Ricardo no ano de 1844 é, que além de ter aparentemente abordado as questões econômicas
colocadas pelo mesmo de maneira fragmentária, ele também utilizou uma edição da obra
ricardiana comentada por Say.
14Em relação a Schelling e sua função no contexto histórico, esclarece Benedicto Sampaio e
Celso Frederico: “Pelo mesmo motivo – a insegurança dialética desse núcleo conceitual da
realidade –, a monarquia prussiana acabou por retirar o seu apoio semioficial ao pensamento
de Hegel. Em 1841 o rei convidou Schelling para preencher a cátedra de Hegel em Berlim, vaga
desde a sua morte, Schelling, nesse período, entendia a história como epifania, como
manifestação relevadora de Deus, e este como o fundamento da realidade. Desse modo, o
estado racional passou a ser substituído, no plano teórico, pelo estado teológico de investidura
divina. Com sua autoridade e prestígio, o velho Schelling deveria opor-se à influência crescente
dos jovens hegelianos. Significativamente, ele defendia há vários anos um conceito de
realidade que denominava ‘empírico-superior’, que consistia na recusa de toda e qualquer
fundamentação racional que escapasse à experiência religiosa da revelação: ‘fica sempre, no
fundo, o irregular, o não sujeito a normas (...) (que é) nas coisas, a base inapreensível da
realidade (...) algo que não é possível reduzir ao entendimento’. Para o velho Schelling, o real
não podia ser reduzido ao desenvolvimento racional, e isso, com certeza, reassegurava a
confiança da monarquia conservadora na fidelidade permanente dos súditos. Os cursos de
Schelling foram frequentados por Engels e Kierkegaard, como a representarem as duas
vertentes dissidentes do pensamento de Hegel: a da crítica ateia à teologização da razão e da
realidade, e a da crítica religiosa contra a sujeição de Deus à razão e, por conseguinte, contra a
racionalização da chamada realidade primeira. O pensamento filosófico da época iria,
portanto, cindir-se em torno da questão da natureza, do substrato autopropulsor, da realidade
na filosofia de Hegel. As divergências se centralizariam nas teorias a respeito de Deus e do
estado. Foi justamente nos termos dessa discussão que Marx se baseou, na busca da autonomia
doutrinária, sua proposta de um desdobramento racional ativo do futuro, contraditoriamente,
por meio de uma filosofia crítica, a de Feuerbach, que se dispunha antes à contemplação
passiva do mundo do que à sua modificação ativa.” (SAMPAIO; FREDERICO, 2009, pp. 22-3)
15 Questão que já apareceu no artigo de Friedrich Engels publicado nos Anais Franco-Alemães
e intitulado Umrisse zu einer Kritik der Nationalökonomie (Esboço para uma crítica da
economia política).
16 No sentido que concebe Hegel no §81 da Enciclopédia das ciências filosóficas: “A dialética,
17 Como boa parte das concepções do direito natural, que entendem o surgimento da
propriedade de maneira “imaginária”. Como por exemplo, vemos a concepção romântica de
Rousseau: “Da cultura de terras resultou necessariamente a sua partilha e, da propriedade,
uma vez reconhecida, as primeiras regras de justiça, pois, para dar a cada um o que é seu, é
preciso que cada um possua alguma coisa; além disso, começando os homens a alongar suas
vistas até o futuro e tendo todos a noção de possuírem algum bem passível de perda, nenhum
deixou de temer a represália dos danos que poderia causar a outrem. Essa origem mostra-se
ainda mais natural, por ser impossível conceber a ideia da propriedade nascendo de algo que
não a mão-de-obra, pois não se compreende como, para apropriar-se de coisas que não
produziu, o homem nisso conseguiu pôr mais do que seu trabalho.” (ROUSSEAU, 1983, p. 266)
Ainda, também poderia destacar parte dos liberais contratualistas, como John Locke, para
quem a propriedade privada é um produto do trabalho: “De tudo isso, é evidente que, embora
a natureza tudo nos ofereça em comum, o homem, sendo o senhor de si próprio e proprietário
de sua pessoa e das ações ou do trabalho que executa, teria ainda em si mesmo a base da
propriedade (...). Assim o trabalho, no começo, proporcionou o direito à propriedade sempre
que qualquer pessoa achou conveniente empregá-lo sobre o que era comum, que constituiu
durante muito tempo a maior parte e ainda é hoje mais do que os homens podem utilizar.”
(LOCKE, 1978, pp. 51-2)
A partir dessa exposição, Karl Marx chega a um dos pontos altos dos
Manuscritos, apresentando (e retomando) uma série de questões que
buscavam servir de instrumento e armas contra as tendências filosóficas e
políticas que atuavam no período – desde os jovens hegelianos (Max Stirner
principalmente), os economistas políticos vulgares, passando pelos herdeiros
dos socialistas utópicos e, em menor peso, por Proudhon. Se entre os debates
Dessa maneira, no mesmo capítulo, o jovem Marx ainda vai concluir que
o trabalho alienado e a propriedade privada, com força de necessidade lógica,
se engendrarão historicamente de forma mútua. Eis aqui, então, uma noção
ainda germinal do autor, mas que já apreende o núcleo do surgimento e
consolidação histórica da propriedade privada: será através da apropriação e
acumulação privada dos meios de produção, produtos e do excedente
produtivo, bem como da própria atividade de trabalho alienado, que a
propriedade privada será consolidada. Desse modo, a atividade de trabalho
alienado avançará ao ponto de ser compreendida como um processo histórico
de expropriação dos instrumentos da atividade de trabalho e que adquire uma
forma social permanente, ou melhor, adquire a particularidade das relações de
produção entre sujeitos sociais específicos, ao mesmo tempo que põe uma
forma de riqueza e a sociabilidade abstrata efetivas (MARX, 2010a, p. 87).
Considerações finais
Como se nota, encontra-se nos Manuscritos econômico-filosóficos de
Karl Marx – e nas posições de 1844 como um todo – um importante momento
no desenvolvimento do pensamento filosófico e científico do autor, uma vez
que, ainda que não apresente sua noção posterior acabada, já evidencia alguns
elementos que fundamentarão sua nova concepção materialista junto a
Friedrich Engels. Além disso, a importância desses manuscritos também se
mostra em relação aos debates e ruptura com os jovens hegelianos, a posição
a Feuerbach e Hegel, bem como ao papel e função do encontro com as questões
da economia política nesse processo. No mais, também se destacam as noções
e interpretações que serão abandonadas, bem como outras que serão
aprimoradas, durante o início do caminho que será percorrido na elaboração
da crítica da economia política que será consolidada mais de duas décadas
depois em O capital.
Vemos, então, o quão importante foi a concepção e crítica do trabalho
pelo jovem Marx, apesar destas estarem baseadas na divisão social do trabalho
de Adam Smith e na dialética da dominação e servidão de Hegel. A partir de A
ideologia alemã, em meados de 1845-6, no entanto, ele anuncia seu abandono
dessa relação sujeito-objeto e reelaborará o conceito de alienação, aderindo a
uma nova filosofia materialista junto a Engels e fundando a análise filosófica-
científica da sociedade a partir das relações entre as “forças produtivas” e as
“relações de produção”. Isso não significaria, porém, o abandono completo da
crítica ao conceito de trabalho, pelo contrário, pois com o encontro das
questões do valor, Marx poderá amadurecer e fundamentar sobre as mesmas
o fenômeno do “fetichismo da mercadoria” – apresentando-o filosoficamente
como característico das relações de produção capitalistas.
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Como citar:
MARTINS, Douglas Rafael Dias. Os Manuscritos de 1844 de Karl Marx e a
retomada da economia política no pensamento pós-hegeliano. Verinotio –
Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas, Rio das Ostras, v. 26, n. 1,
pp. 301-29, jan./jun. 2020.
Data do envio: 15 maio 2020
Data do aceite: 8 jun. 2020
Resumo:
Pretendemos mostrar, a partir daquilo que J. Chasin chamou de análise
imanente, o modo pelo qual Karl Marx, em seu Teorias do mais-valor,
analisou o trabalho produtivo ao ter em conta o desenvolvimento da burguesia
e o surgimento de camadas intermediárias entre o proletariado, a burguesia e
o processo imediato de produção. Em um primeiro momento, com Smith e a
crítica diante da sociabilidade feudal, haveria um elogio do trabalho produtivo
e uma crítica à improdutividade do trabalho de comerciantes, juristas,
funcionários públicos, entre outros. Depois, porém, a classe burguesa teria
adotado a mesma postura que criticara na nobreza. E, assim, desenvolve-se
uma concepção apologética no que toca ao sentido da categoria trabalho
produtivo. Os juristas, antes olhados com desconfiança, vêm a ser vistos de
modo acrítico em um processo em que, ao mesmo tempo, tem-se um
capitalismo senil e possibilidades abertas à superação deste.
Abstract:
We intend to show, with resource to what J. Chasin called immanent analysis,
the way in which Karl Marx, in his Theories of surplus value, analyzed the
productive work having the development of the bourgeoisie in account as long
as intermediary social categories emerge between proletariat and the
bourgeoisie. First, with Smith and a critique of feudal sociability, there was
certain attachment to work and to the critique the unproductiveness of the
work of merchants, lawyers, public contracts, among others. But then the
bourgeois class adopted the same stance which it had criticized in the nobility.
1Doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e
professor da do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG). E-mail: vitorbsartori@gmail.com. Revisão ortográfico-gramatical de Vânia
Noeli Ferreira de Assunção.
DOI: 10.36638/1981-061X.2020.v26.485
Vitor Bartoletti Sartori
330
Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. ISSN 1981-061X. ano XV. jan./jun. 2020. v. 26. n. 1
Introdução
No presente artigo, procuraremos analisar um aspecto importante da
obra de Karl Marx no que toca ao direito. Trata-se da relação entre a posição
do jurista e a concepção marxiana de trabalho produtivo. Para tanto,
passaremos por um texto pouco analisado na área de estudos de marxismo e
direito, as Teorias do mais-valor. Tal abordagem se justifica diante do enfoque
quase exclusivo da tradição brasileira de crítica marxista ao direito no livro I
de O capital. Na esteira da análise de Pachukanis (1988) e, no Brasil, de Márcio
Naves (2000; 2014), tem-se enfatizado a relação existente entre forma jurídica
e forma mercantil. Isto se dá, principalmente, tendo em conta o primeiro e o
segundo capítulos de O capital. De nossa parte, acreditamos que, mesmo tal
abordagem possuindo inúmeros méritos (cf. SARTORI, 2015), que não podem
ser negados, há de se analisar o corpus da obra marxiana – quando se pensa
no campo de estudos crítica marxista ao direito – tendo em conta toda a
extensão do tratamento marxiano ao direito.
Só para que mencionemos alguns exemplos de relevo: o papel ativo do
direito no capital portador de juros é algo de grande importância a ser
compreendido (cf. CASALINO, 2015; SARTORI, 2019a); também é essencial
analisar o estatuto dúbio da regulamentação fabril em Marx (cf. SARTORI,
2019b); outros temas, como a posição de Marx quanto à teoria do direito (cf.
SARTORI, 2018a; 2017b) ou à noção justiça (SARTORI, 2017a), também são
essenciais na formação de um pensamento marxista sobre a esfera jurídica.
Não se pode, de modo algum, reduzir a crítica marxiana ao direito à relação
entre forma jurídica e forma mercantil2.
Poderíamos citar aqui outros exemplos3. Nosso ponto, porém, não é
esgotar o assunto. Antes, é: supondo o que deveria ser óbvio – que Marx tem a
2 Não é isso que Pachukanis faz, embora, deva-se frisar que os leitores destes dois autores, não
raro, tragam consigo tal leitura da obra marxiana, a qual, de nossa parte, acreditamos limitada.
3 Só para que mencionemos três outros exemplos: é importante ter em conta os primeiros
momentos da formação do pensamento de Marx no que toca ao direito. De 1837 a 1842, há
consideráveis questões a serem levantadas e estudadas com calma no que diz respeito à
compreensão marxiana do direito (cf. PEREIRA LEITE, 2018). A relação entre gênero
humano, democracia e direitos humanos na Crítica à Filosofia do direito de Hegel é um
aspecto bastante central no entendimento da formação do pensamento marxiano (cf. PALU,
2019). Por fim, vale mencionar a posição de Marx quanto ao direito penal, o encarceramento
e o estatuto do crime (cf. MEDRADO, 2018).
4 Como diz Chasin: “tal análise, no melhor da tradição reflexiva, encara o texto – a formação
ideal – em sua consistência autossignificativa, aí compreendida toda a grade de vetores que o
conformam, tanto positivos como negativos: o conjunto de suas afirmações, conexões e
suficiências, como as eventuais lacunas e incongruências que o perfaçam. Configuração esta
que em si é autônoma em relação aos modos pelos quais é encarada, de frente ou por vieses,
iluminada ou obscurecida no movimento de produção do para-nós que é elaborado pelo
investigador, já que, no extremo e por absurdo, mesmo se todo o observador fosse incapaz de
entender o sentido das coisas e dos textos, os nexos ou significados destes não deixariam, por
isso, de existir” (CHASIN, 2009, p. 26).
5 Como diz Marx: “trabalho produtivo é uma qualificação que, de início, absolutamente nada
tem a ver com o conteúdo característico do trabalho, com sua utilidade particular ou com o
valor de uso peculiar em que ele se apresenta” (MARX, 1980, p. 395).
6 Aponta Marx que “a força de trabalho do trabalhador produtivo é, para ele mesmo,
mercadoria. O mesmo se estende ao trabalhador improdutivo. Mas, o trabalhador produtivo
produz mercadoria para o comprador de força de trabalho. Para este, o trabalhador
improdutivo produz mero valor de uso e não mercadoria; valor de uso imaginário ou real. O
trabalhador improdutivo, e isto o caracteriza, não produz mercadoria para seu comprador; ao
contrário, deste recebe mercadorias” (MARX, 1980, p. 139).
7 Diz Marx na Crítica ao Programa de Gotha, e contra Locke e Lassalle: “os burgueses têm
excelentes razões para atribuir ao trabalho essa força sobrenatural de criação; pois
precisamente do condicionamento natural do trabalho segue-se que o homem que não possui
outra propriedade senão sua força de trabalho torna-se necessariamente, em todas as
condições sociais e culturais, um escravo daqueles que se apropriaram das condições objetivas
do trabalho. Ele só pode trabalhar com sua permissão, portanto, só pode viver com sua
permissão” (MARX, 2012, p. 24).
12 Diz Marx no 18 brumário de Luís Bonaparte: “e não se trata aqui de mera forma de falar,
de moda, de tática de partido. A burguesia tinha a noção correta de que todas as armas que ela
havia forjado contra o feudalismo começavam a ser apontadas contra ela própria, que todos os
recursos de formação que ela havia produzido se rebelavam contra a sua própria civilização,
que todos os deuses que ela havia criado apostataram dela. Ela compreendeu que todas as
assim chamadas liberdades civis e todos os órgãos progressistas atacavam e ameaçavam a sua
dominação classista a um só tempo na base social e no topo político, ou seja, que haviam se
tornado ‘socialistas’” (MARX, 2011, p. 80).
13 Contra as limitações desta centralidade do trabalho produtivo, cf. Marx (2012) e Sartori
(2018b).
burguês possa empregar sua irmã e irmão como criados e seu primo como
guarda ou soldado; tudo isso com o mais-valor produzido por esta mesma
operária. A questão, de certo modo, é essencial ao tema tratado neste artigo.
Em primeiro lugar, há de se notar que as tendências apontadas por
Marx não são aquelas que transformam a sociedade, sem mais, em uma grande
fábrica; tal como destacado no livro III de O capital (cf. SARTORI, 2019c), aqui
se tem Marx apontando certo crescimento daquilo que hoje é chamado de
“setor de serviços” (embora não seja esta a expressão que o autor utiliza) em
meio às tendências do próprio capitalismo, e não como um desvio de rota
contingente. Outra questão importante é: com o desenvolvimento do modo de
produção capitalista, há uma separação entre função e propriedade em um
duplo sentido: no plano “público”, o burguês traz um assalariado para realizar
o trabalho de supervisão da produção que se dá em sua propriedade; no plano
“privado”, não é mais a família burguesa (geralmente, pela estrutura patriarcal
da sociedade capitalista, a mulher) a realizar o cuidado da propriedade privada
de uma casa, do lar. Antes, tem-se assalariados – improdutivos – que, de modo
análogo ao que ocorria com a nobreza, realizam o trabalho doméstico em um
regime de dependência, que, inclusive, é pago com o mais-valor extraído dos
trabalhadores propriamente produtivos. E, é bom destacar: de acordo com
Marx, no caso, não se trata de qualquer resquício feudal. Tal imitação por parte
da burguesia faz parte do próprio processo em que esta classe desenvolve uma
concepção apologética e deixa de ser real e efetivamente uma classe social
capaz de uma postura crítica diante da realidade social. O próprio modo de
vida burguês, assim, passa a efetivar-se em uma simbiose com aquilo que a
burguesia enquanto classe criticou em sua fase ascendente: o regime de
dependência, o ganho decorrente da simples propriedade (antes, com a renda
da terra, agora com a propriedade dos meios de produção dissociada da função
de supervisão), o trabalho improdutivo colocado na maquinaria estatal e
naqueles que ela orbitam, como os magistrados, os juristas, os padres etc. A
respeitabilidade transcendente dos juristas passa a ser acompanhada de Deus,
família e propriedade.
14 O processo é dúplice: “as potências intelectuais da produção, ampliando sua escala por um
lado, desaparecem por muitos outros lados. O que os trabalhadores parciais perdem
concentra-se defronte a eles no capital. É um produto da divisão manufatureira do trabalho
opor-lhes as potências intelectuais do processo material de produção como propriedade alheia
e como poder que os domina. Esse processo de cisão começa na cooperação simples, em que o
capitalista representa diante dos trabalhadores individuais a unidade e a vontade do corpo
social de trabalho. Ele se desenvolve na manufatura, que mutila o trabalhador, fazendo dele
um trabalhador parcial, e se consuma na grande indústria, que separa do trabalho a ciência
como potência autônoma de produção e a obriga a servir ao capital” (MARX, 2013, p. 541).
15 Para os meandros da questão das cooperativas, bem como das sociedades por ações, cf.
Sartori (2019c).
Ou seja, no que diz respeito ao tema de nosso artigo, o processo que Marx trata
nas Teorias do mais-valor é aquele em que s potências intelectuais da
produção são desenvolvidas de modo proeminente. Mas isto envolve um
processo dúplice, em que tal modo de produção se torna senil ao mesmo tempo
em que surgem possibilidades objetivas antes indisponíveis. A classe burguesa
adquire uma posição acrítica quanto a padres, juristas e ao regime de
dependência, antes criticados por ela. Tem-se uma concepção apologética de
trabalho produtivo. Ao mesmo tempo, a autogestão já é, mesmo que de modo
limitado, uma realidade. Uma sociabilidade calcada na valorização do valor e,
portanto, no trabalho produtivo traz consigo tais contradições.
No que é importante que nos posicionemos mais claramente quanto ao
modo pelo qual Marx traz à tona, nas Teorias do mais-valor, a defesa burguesa
da produtividade de sua atividade:
A defesa da classe burguesa do trabalho produtivo, de certo modo,
mesmo na fase ascendente desta classe social, tinha curto alcance. O seu
enfoque unilateral na esfera produtiva, compreendida sob os ditames do
capital, fez que a subordinação de todas as atividades à lei do valor fosse o
essencial. Com isso, a ciência só poderia se tornar uma força produtiva de
modo contingente, ou seja, enquanto estivesse subordinada à extração do
mais-valor. No entanto, segundo Marx, o desenvolvimento científico não tem
como se subordinar simplesmente à lei do valor.
Diz o autor nas Teorias do mais-valor: “o produto do trabalho
intelectual – a ciência – está sempre muito abaixo do valor”. E continua: “é que
o tempo de trabalho necessário para reproduzi-la não guarda em absoluto
proporção alguma com o tempo de trabalho requerido pela produção original.
Um colegial, por exemplo, pode aprender em uma hora o teorema do binômio”
(MARX, 1980, p. 339). Ou seja, as forças produtivas, as capacidades humanas
desenvolvidas, na figura da ciência, no solo do modo de produção capitalista
ultrapassam em muito as relações de produção burguesas. O efetivo
desenvolvimento das forças produtivas e a aplicação destas na produção
passam a ser, até certo ponto, incompatíveis; as capacidades humanas trazidas
com o desenvolvimento científico não se realizam na produção capitalista por
não poderem mais se conformar à medida do valor. E, assim, há uma tensão
bastante grande: de um lado, a subordinação das potências intelectuais da
produção à unilateralidade da lei do valor, doutro, a possibilidade de liberar
tais potências intelectuais da “prisão” em que estão colocadas pelas relações de
produção capitalistas. Tais tendências estão igualmente presentes nas
contradições da produção capitalista.
Trata-se de uma tensão entre uma produção calcada na valorização do
valor e capacidades humanas que não são mais adequadas a esta medida. Não
se trata, pois, da inefetividade da lei do valor em condições capitalistas de
produção, como quer Negri (2016). O aumento dos intermediários significa,
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Como citar:
SARTORI, Vitor. Os juristas nas Teorias do mais-valor de Karl Marx:
produtividade e desenvolvimento capitalista diante da concepção marxiana de
socialismo. Verinotio – Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas, Rio
das Ostras, v. 26, n. 1, pp. 330-52, jan./jun. 2020.
Resumo:
Ao longo de sua obra, Karl Marx sempre manifestou preocupação com a
particularidade do capitalismo em cada país. Nosso principal objetivo neste
artigo é o de discutir algumas passagens da teorização marxiana acerca da
constituição do capitalismo na Alemanha. Pretendemos fazer isso por meio da
leitura imanente de alguns textos de Marx.
Abstract:
Throughout his work, Karl Marx has always expressed concern about the
particularity of capitalism in each country. Our main objective in this article is
to discuss some passages of Marx’s treatment of the constitution of capitalism
in Germany. We intend to do this by means of the immanent reading of some
of Marx’s texts.
Nas discussões que trazemos agora à baila, Karl Marx mostra-se fiel a
uma intenção manifesta já em suas primeiras críticas à filosofia de Hegel, a
saber, a de captar a “lógica específica do objeto específico”. Trata-se, no caso
presente, de um esforço constante na obra marxiana, a de apreender os modos
particulares de constituição e desenvolvimento do capitalismo. Ao contrário
do tratamento generalizante que marca grande parte das produções
supostamente inspiradas em sua obra, Marx tinha em mente que “a ‘sociedade
atual’ é a sociedade capitalista, que, em todos os países civilizados, existe mais
DOI: 10.36638/1981-061X.2020.v26.524
Vladmir Luis da Silva
353
Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. ISSN 1981-061X. ano XV. jan./jun. 2020. v. 26. n. 1
I
Os textos que escolhemos para nossa análise são a Introdução à Crítica
da filosofia do direito de Hegel (1843-4), Sobre A questão judaica (1843-4), A
ideologia alemã (1845-6) e alguns artigos da Nova Gazeta Renana (de fins dos
anos 1840). Com exceção desses últimos, os materiais selecionados foram
compostos por Marx (e também por Engels) com vistas à crítica da especulação
de talhe hegeliano e neo-hegeliano. Trata-se, diga-se de passagem, de um
movimento duplo, instaurador do pensamento próprio de Marx nas esferas da
filosofia e da política2. No exercício mesmo da crítica filosófica à especulação,
Marx traz já de saída a apreciação igualmente crítica do complexo da política.
Nos escritos da Nova Gazeta Renana, por sua vez, temos a continuação desta
última crítica, mas agora com relativa autonomia em relação ao solo originário
do acerto de contas com a filosofia especulativa. Esta contextualização
acelerada tem em vista apenas explicitar a razão de nosso tema não constituir
o centro das preocupações de Marx nos escritos em questão, especialmente nos
primeiros. O problema da constituição particular do capitalismo alemão,
apesar de ser o momento basilar do tipo de teorização empreendida por Marx,
aparece de modo tímido nos textos iniciais e apenas ganha maior densidade à
medida que o autor foca nas lutas políticas, o que é feito em particular nos
últimos artigos do período em questão. A miséria alemã é o momento
preponderante na determinação de diversas problemáticas tratadas por Marx.
Daí a necessidade de nos dedicarmos a questões aparentemente estranhas ao
tema anunciado.
O primeiro escrito que selecionamos com vistas à discussão de nosso
objeto é a Introdução à Crítica da filosofia do direito de Hegel (1843-4). Em
um país onde a crítica da religião já foi realizada, Marx considera essa última
“a autoconsciência e o sentimento de si do homem, que ou não se encontrou
ainda ou voltou a se perder”. No entanto, como não entende o homem
enquanto ser abstrato, mas sim como o “mundo do homem, o estado, a
sociedade”, apreende-os, na condição de “mundo invertido”, como produtores
2Seguimos aqui a posição de J. Chasin, autor segundo o qual a práxis teórica propriamente
marxiana é instaurada com a realização de três críticas ontológicas, a partir de meados de
1843, tendo por objeto a filosofia especulativa, a política e a economia (cf. CHASIN, 1995, pp.
345-89).
uma faceta nova ao já exposto, o autor declara que “Somos [os alemães] os
contemporâneos filosóficos da época atual, sem sermos os seus
contemporâneos históricos”. Tendo em vista que a situação alemã “está abaixo
de toda a crítica”, Marx atina aqui para o único ponto em que, na “pré-história”
alemã, parece ser possível atingir os problemas da época atual, a crítica das
“oeuvres posthumes” de sua história ideal, “a filosofia”. É deste raciocínio que
advém a conclusão que aponta os termos em que os problemas se colocam em
cada país: “O que para as nações avançadas constitui uma ruptura prática em
relação às modernas condições políticas é, na Alemanha, onde tais condições
ainda não existem, virtualmente um corte Crítico em relação à sua reflexão
filosófica.” (MARX, 2005, p. 150)
Pautado na consciência dessas condicionantes, Marx assinala o teor
irrestrito do futuro almejado. Não se deve parar no limite da “facção política
prática” – “abolir a filosofia sem a realizar” –, nem tampouco da “facção
teórica” originada na filosofia – “realizar a filosofia sem a abolir”. O horizonte
é clarificado pela especificação da natureza dupla do problema: se, por um
lado, a filosofia especulativa do direito é uma sublimação ideal própria da
realidade alemã, por outro, o fato de não tomar em conta o “homem real”
decorre da abstração que o próprio estado moderno realiza em relação a este
mesmo homem. A advertência das correspondências entre o status quo
político alemão e a consumação do ancien régime, e entre a ciência política
alemã e a imperfeição própria do estado moderno, eleva a crítica proposta por
Marx aos níveis exigidos pela realidade: já declarada inimiga da forma de
consciência política alemã, sua crítica se orienta “em tarefas que só podem ser
resolvidas por um meio: a atividade prática”. Em outros termos, Marx expõe
os delineamentos de uma “revolução” que eleva a Alemanha “não só ao nível
oficial das nações modernas, mas ao nível humano, que será o futuro imediato
das referidas nações” (MARX, 2005, p. 151).
A propositura da passagem de uma realidade de “caráter unilateral e
atrofiado” ao futuro imediato das nações modernas leva, imediatamente, o
autor a sumariar suas possibilidades. Do lado positivo, elenca a crítica da
religião, que dá força à doutrina de acordo com a qual o homem é o ser
supremo para o homem, e a “emancipação teórica” representada pela Reforma,
processo que transformou a luta externa entre leigo e padre em conflito entre
o leigo e sua própria “natureza sacerdotal”. Mas é no tocante às dificuldades
para a realização da “revolução radical” que encontramos o problema que nos
interessa mais de perto: o hiato entre as necessidades teóricas e práticas do
povo alemão (cf. MARX, 2005, p. 152, § 5º). Isto é, a profunda diferença entre
um país que passou por uma “emancipação teórica” e os que passaram pela
“emancipação política”. Esse é o tom do lamento marxiano:
a Alemanha não atravessou os estágios intermediários da
emancipação política ao mesmo tempo em que os povos modernos.
3 Como fica claro em Sobre A questão judaica, ao falar dos pilares do edifício político Marx
refere-se aos pressupostos do estado moderno, a religião, a propriedade privada etc.
II
Em Sobre A questão judaica (1843-4), Marx resvala em nosso problema
ao contrapor-se à posição de Bruno Bauer acerca do problema exposto já no
título do texto: a afirmação da incompatibilidade entre estado político e
religião. Na perspectiva de Bauer, a permanecerem as diferenças religiosas
entre judeu e estado cristão, o primeiro será incapaz de receber a emancipação,
e o segundo, de outorgá-la. De acordo com Marx, Bauer pensa ver o problema
de modo universal, independente das condições especificamente alemãs
(carência de emancipação política e o caráter cristão do estado). Bauer quer
uma solução baseada na questão geral das relações entre religião e estado e
sugere uma superação religiosa total, que deixaria para a ciência a tarefa de
4 De acordo com o autor, a configuração dupla é verificável mesmo nos casos mais radicais:
“nos períodos, em que o estado político é gerado por meio da violência como estado político a
partir da sociedade burguesa, em que a autolibertação humana procura realizar-se sob a forma
da autolibertação política, o estado pode e deve avançar até a abolição da religião, até a
destruição da religião; porém, somente na medida em que avance até a abolição da
propriedade privada, até o maximum, até o confisco, a taxação progressiva, em que avance até
a abolição da vida, até a guilhotina. Nos momentos em que está particularmente
autoconfiante, a vida política procura esmagar seu pressuposto, a sociedade burguesa e seus
elementos, e constituir-se como a vida real e sem contradição do gênero humano. No entanto,
ela só consegue fazer isso caindo em contradição violenta com suas próprias precondições de
vida, ou seja, declarando a revolução como permanente, e, em consequência disso, o drama
político termina tão necessariamente com a restauração da religião, da propriedade privada,
de todos os elementos da sociedade burguesa, quanto a guerra termina com a paz” (MARX,
2010, p. 42).
5 Nesse sentido, Marx declara que, “na democracia plenamente realizada, a própria consciência
religiosa e teológica se considera tanto mais religiosa, tanto mais teológica, quanto mais
aparenta ser destituída de relevância política, de propósitos terrenos, quanto mais aparenta
ser um assunto do espírito avesso ao mundo, expressão da mentalidade estreita, produto da
arbitrariedade e da fantasia, quanto mais for uma vida realmente transcendente” (MARX,
2010, p. 45).
a esta fica clara quando Marx assinala que “a emancipação social do judeu
equivale à emancipação da sociedade em relação ao judaísmo” (MARX, 2010,
p. 60). Em síntese, significa o fim de uma dada sociedade, pois, se a
sociabilidade burguesa é aquela na qual se dá a realização da essência real do
judeu, somente a superação do judaísmo prático, a supressão do conflito entre
a existência individual-sensível e a existência genérica do homem, roubará ao
judaísmo sua base subjetiva, a necessidade prática.
Quanto à nossa questão de fundo, Marx vislumbra com nitidez qual a
dimensão e a natureza da incompletude alemã. Reconhecendo o primado da
sociedade civil sobre as formas de estado, o autor apreende, em contraste com
os casos dos estados norte-americanos e francês, uma obra irrealizada, um
estado cristão, prova da ausência da emancipação política na Alemanha. Em
outros termos, a distinção marxiana entre os estados modernos e o quadro de
atraso alemão tem seu prisma na prática da emancipação política, a qual
sinaliza patamares mais elevados de civilização.
Frise-se aqui que a razão da irrealização alemã não é localizada por
Marx na impotência meramente volitiva dos segmentos sociais que poderiam
encarnar o novo, mas em uma processualidade histórica e objetiva, a qual não
engendrou os elementos possibilitadores de uma atuação política consequente
no sentido da constituição de uma sociabilidade estruturada pelo capitalismo
verdadeiro.
III
Em A ideologia alemã (1845-6) encontramos uma reafirmação, desta
vez mais esmiuçada, das posições já esboçadas nos dois textos vistos
anteriormente. Desta forma, Marx e Engels asseveram que sua concepção
consiste
em desenvolver o processo real de produção a partir da produção
material da vida imediata e em conceber a forma de intercâmbio
conectada a esse modo de produção e por ele engendrada, quer
dizer, a sociedade civil em seus diferentes estágios, como o
fundamento de toda a história, tanto a apresentando em sua ação
como estado como explicando a partir dela o conjunto das diferentes
criações teóricas e formas da consciência – religião, filosofia, moral
etc. etc. – e em seguir o seu processo de nascimento a partir dessas
criações, o que então torna possível, naturalmente, que a coisa seja
apresentada em sua totalidade (assim como a ação recíproca entre
esses diferentes momentos) (MARX; ENGELS, 2007, p. 42).
6O autor especifica, porém, que se deve excluir dessa consideração os casos em que as colônias
constituem “simples bases militares ou centros comerciais”.
7A respeito dessa relação entre fragilidade da tessitura social e emergência do estado, devemos
observar que, para Marx e Engels, a “expressão idealista dos limites econômicos existentes não
é apenas puramente teórica, mas também existe na consciência prática, quer dizer, a
consciência que se emancipa e está em contradição com o modo de produção existente não
forma apenas religiões e filosofias, mas também estados” (MARX; ENGELS, 2007, p. 36).
IV
Se nos primeiros textos que selecionamos para exame temos um quadro
geral da trajetória alemã para o capitalismo, na Nova Gazeta Renana (editada
entre 1 de junho de 1848 e 19 de maio de 1849) Marx oferece um
acompanhamento jornalístico das lutas políticas que constituem um dos
capítulos desse processo8. Ao longo de diversos artigos, o autor traça os
descaminhos da Revolução de Março, acompanhando o vacilante partido da
burguesia. Este, como Marx denuncia já no segundo número do periódico (2
jun. 1848), atinge, agindo cautelosamente no decorrer da pós-revolução,
posição intermediária entre o partido democrático e os absolutistas, ora
progressista contra o absolutismo, ora reacionário contra a democracia.
Um dos alvos centrais da análise marxiana nesse jornal é a atuação de
Camphausen, cujo ministério9 teve sua origem impulsionada pela insurreição
de março em Berlim, mas que manteve a posição segundo a qual teria se
formado “depois e não por meio” da revolução (cf. MARX, 2010, p. 84). O
autor chama a atenção para o caráter conciliador do ministério Camphausen
em uma série de episódios: elaboração da “teoria ententista”; defesa do retorno
8 A edição brasileira dos artigos de Marx contidos na Nova Gazeta Renana conta com uma
apresentação instigante e uma tradução primorosa, ambas de autoria de Lívia Cotrim. O leitor
de fôlego mais amplo pode consultar também a tese doutoral desta cientista política, dedicada
aos mesmos artigos marxianos (cf. COTRIM, 2007).
9 O ministério Camphausen (29 mar. 1848 a 20 jun. 1848) foi formado após a insurreição de
março em Berlim, com os chefes da oposição da Dieta Unificada (cf. MARX, 1993, p. 45; 2010,
p. 112).
10 Este notório inimigo da população berlinense, tendo fugido para a Inglaterra por medo do
povo, teve seu retorno defendido pelo Ministério no início de maio, ato que mereceu artigo
carregado de ironia por parte de Marx (cf. 2010, pp. 102-3).
11 A Assembleia Nacional Prussiana (de Berlim, ou ainda, Assembleia Ententista) reuniu-se de
maio a dezembro de 1848, visando à formulação de uma constituição pela via do entendimento
com a Coroa, tendo sido dissolvida ao mesmo tempo em que era outorgada a Constituição de
5 de dezembro pelo rei da Prússia. A exposição ministerial que acompanhou sua dissolução a
13O conde Brandenburg chefiou o ministério contrarrevolucionário de nov. 1849 a nov. 1850.
14O “governo de ação” (25 jun. a 21 set. 1848), que sucedeu o de Camphausen, tinha em
Auerswald seu chefe formal e novamente Hansemann como ministro das Finanças, este, o
verdadeiro chefe do “ministério de ação” (cf. MARX, 1993, p. 48, nota).
15A primeira Dieta Unificada se reuniu de 11 abr. a 26 jun. 1847, tendo sido suspensa pelo rei
após se declarar incompetente para aprovar o empréstimo solicitado. Sua segunda convocação
se deu em 2 abr. 1848, adotando, a 8 abr., a lei eleitoral para a formação da Assembleia
Nacional Prussiana (cf. MARX, 1993, pp. 49-50, nota).
ainda de acordo com a letra marxiana, o fato de toda a Europa, sob a vigilância
da Rússia, viver um momento de reação, o que coloca o arremedo
revolucionário alemão sob suspeita, ainda que seus agentes não tivessem
envergadura suficiente para se alçar à condição de representante de “toda a
sociedade moderna”, mas apenas à de “casta”, entificação atolada no velho.
O horizonte almejado pela burguesia alemã era, em sua mesquinhez,
viver sob condições impróprias à essência de classe burguesa, isto é, enquanto
coadjuvante em uma “monarquia constitucional”. Sintetizando o sonho dessa
burguesia em todo o seu acanhamento, Marx afirma: “A Coroa sacrificaria a
nobreza à burguesia, a burguesia sacrificaria o povo à Coroa. Nesta condição o
reino seria burguês e a burguesia seria régia.” (MARX, 1993, p. 61) Desta
forma, enquanto nos países constituídos pela revolução de “tipo europeu” a
dominação política era afirmada de modo inconteste pela burguesia, seu
arremedo germânico ansiava por uma dominação política amalgamada,
amistosamente, com os interesses dos representantes do feudalismo.
Essa projeção burguesa é arrimada, no entanto, em uma interpretação
equivocada das reais possibilidades de efetivação do domínio burguês na
Alemanha. Nessa direção, entendia estar no terreno da constituinte, baseado
na divisão de poderes entre a Assembleia Nacional Prussiana e a Coroa,
objetivando desse modo a conversão da monarquia feudal em burguesa sob a
forma de um acordo. No entanto, Marx assinala a inevitabilidade do conflito
inerente a essa propositura, pois o terreno do embate não era de modo algum
constitucional, mas revolucionário, e os contendores, em vez de poderes
separados, duas sociedades distintas; de um lado, a “velha sociedade feudal-
burocrática”, de outro, “a moderna sociedade burguesa”. Um conflito cuja
natureza requeria, para uma sequência mais pujante do desenvolvimento, uma
solução de mesmo talhe, isto é, radical. Diferente, portanto, da “resistência
passiva” ou “meia revolução” praticada pela burguesia prussiana, estratégia
que resultou na vitória da contrarrevolução. No entender de Marx, expresso
em diversos artigos do periódico referido, a alternativa era a “escola
preparatória da revolução plena”, isto é, uma prática que ditatorialmente
suprimisse os restos do historicamente velho (cf. MARX, 2010, pp. 212-5; 264-
6; 465-75). Uma conduta mais consequente e, portanto, firmemente articulada
pela densidade da participação popular16, único remédio à incipiência e
V
Em tom já conclusivo, pudemos observar que, no tratamento das mais
diversas problemáticas, Marx sempre identifica no modo particular de
constituição do capitalismo o núcleo estruturador das múltiplas configurações
espirituais e práticas. Nesse sentido, o acerto de contas com a filosofia
especulativa alemã e a constituição da própria posição teórica sempre se dão
em contato com o exame crítico da realidade histórico-social. Daí a presença
constante do tema da particularidade do capitalismo alemão, ainda que com
níveis distintos de elaboração. Mesmo em sua formulação mais incipiente, a
crítica marxiana deixa clara a complexidade do tema em questão, pois
estabelece a coexistência, em solo alemão, de atraso social e político, de um
lado, e modernidade teórica, de outro. De modo geral, as mazelas presentes no
quadro do atraso alemão são denunciadas por Marx enquanto resultados da
quanto ao conteúdo efetivo da luta, isto é, seus objetivos, o mesmo autor assinala as
alternativas e seus perigos, divisando a partir daí o caminho a ser seguido: “O interesse do
proletariado opunha-se tanto à prussianização da Alemanha como à perpetuação de sua
divisão em pequenos estados. Exigia imperiosamente a unificação definitiva da Alemanha em
uma nação, única forma de limpar de todos os mesquinhos obstáculos herdados do passado a
arena em que teriam de medir forças o proletariado e a burguesia. Entretanto, o interesse do
proletariado opunha-se também a que essa unificação se realizasse sob a hegemonia da
Prússia: o estado prussiano, com todas as suas instituições, suas tradições e sua dinastia, era
precisamente o único inimigo interno sério que a revolução alemã tinha que derrubar; além
disso, a Prússia só podia unificar a Alemanha desmembrando-a, deixando de fora a Áustria
alemã. Dissolução do estado prussiano, desmoronamento do estado austríaco, unificação real
da Alemanha, sob a forma de uma república: este, e só este, podia ser nosso programa
revolucionário imediato. E esse programa podia ser posto em prática através da guerra contra
a Rússia, e só por esse meio.” (ENGELS, 1976, p. 174)
frutíferos nas obras de autores como Vladimir Lênin, György Lukács e Antonio
Gramsci17.
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Como citar:
SILVA, Vladmir Luis da. A particularidade da constituição do capitalismo
alemão em Marx: algumas passagens dos anos 1840. Verinotio – Revista on-
line de Filosofia e Ciências Humanas, Rio das Ostras, v. 26, n. 1, pp. 353-84,
jan./jun. 2020.
DOI: 10.36638/1981-061X.2020.v26.528
John Kennedy Ferreira
385
Verinotio - Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. ISSN 1981-061X. ano XV. jan./jun. 2020. v. 26. n. 1
como nas concessões. São duas faces possíveis da ação e alargamento ou não,
das políticas monopolistas financeiras e seu estado.
Ou seja, a caracterização do estado como monopolista e financeiro
define ainda dois momentos de análise: o primeiro, mostrando as dimensões e
particularidades nacionais em comparações com outras experiências. Rocha
toma, por exemplo, os países que fizeram rupturas com o sistema financeiro
mundial (Cuba, China etc.), chama a atenção que as concessões feitas ao
sistema capitalista foram realizadas por estados sobre o controle de
organismos revolucionários e comunistas e, em seguida, mostra que as
concessões feitas pelo estado brasileiro foram promovidas por um estado
burguês sobre controle do capital monopolista financeiro. Daí decorre algumas
falsas compreensões: a mais notória de todas é de limitar o universo das ações
do proletariado ao limite da ordem burguesa, crendo por falsa análise da
realidade e da história em que há “uma etapa” de democracia burguesa,
decorrendo novos pactos com a burguesia nacional anti-imperialista etc.
A segunda, e tão importante quanto primeira, é a limitação teórica que
a falsa análise da realidade produz, já que limita a ação e a imaginação dos
partidos e movimentos dentro de um estado dominado (interna e
externamente) pela ação imperialista e de seu condomínio monopolista
financeiro.
Voltemos a Antônio Ermírio de Moraes, este, ao fundar o Banco
Votorantim (BV), disse que “a ideia era não pagar os juros cobrados pelo
mercado e estabelecidos pelo Banco Central”. Poucos anos depois, o BV já era
um dos mais importantes bancos financeiros do país. Antônio Ermírio de
Moraes Neto, herdeiro desse importante grupo econômico, saúda o
crescimento explicando a habilidade e mobilidade que a financeirização
possibilitou à corporação.
O livro de Ronald Rocha é uma contribuição que chegou silenciosa e aos
poucos vai ganhando voz no debate após o golpe de 2016. Enquanto alguns se
preocupam em criar uma nova burguesia, em crer na autonomia das frações
burguesas, Rocha mostra o inverso, como deve se organizar e se preparar as
classes proletárias e populares para os embates no centro de uma nova
realidade concreta: o capitalismo monopolista financeiro.
Por fim, as de 148 páginas do livro são bem escritas, acinzentadas
cansando menos ao leitor. O autor é conhecido pelo seu refinado marxismo e
exigente erudição, a orelha vem com um bom comentário do líder sindical José
Reginaldo Inácio e, na outra orelha, uma breve apresentação biográfica do
autor. Já no corpo, segue uma apresentação muito boa de Carlos Machado,
diretor do Sinpro-MG.
Um bom texto e uma boa contribuição para os dias que se seguem!
Referências bibliográficas
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Como citar:
FERREIRA, John Kennedy. O capital monopolista financeiro no Brasil
(resenha). Verinotio – Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas, Rio
das Ostras, v. 26, n. 1, pp. 385-9, jan./jun. 2020.