Saúde e Meio Ambiente

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 19

o estado da saúde e do meio ambiente

estado, dinâmica ou alteração ambiental que possui a pro-


1. A saúde e o ambiente no Brasil
o estado do meio ambiente no Brasil

priedade de exercer diretamente este papel.

Ao ser criada uma relação, eminentemente concreta, en-


Questões que incluem a urbanização acelerada estão rela-
tre a saúde e o meio ambiente, observa-se que a influência
cionadas com o crescimento de áreas de pobreza nas pe-
deste último pode ser positiva ou negativa, na medida em
riferias. Projetos de desenvolvimento não sustentáveis, a
que promove condições que propiciam o bem-estar e a
ampliação do desmatamento - principalmente na Amazô-
plena realização das capacidades humanas para todas as
nia e no cerrado, além da qualidade da água para o consu-
populações ou, por outro lado, contribuem para o apareci-
mo e o saneamento são fatores que estão associados ao
mento e manutenção de doenças, agravos e lesões trau-
aumento de doenças infecto-contagiosas, como a malária
máticas, assim como para o aniquilamento e morte da
e a diarréia, entre outras. A contaminação ambiental por
população como um todo, ou para grupos populacionais
poluentes químicos, por sua vez, é um importante fator na
particulares. No ambiente, os processos de produção e de
geração de agravos à saúde.
desenvolvimento social e econômico interferem nas rela-
ções que se desenvolvem nos ecossistemas, ao determi-
Por outro lado, não se pode restringir, na maioria dos ca-
narem e contribuírem para a existência de condições ou
sos, a presença destes agentes a um compartimento único
situações de risco que influenciam o padrão e os níveis de
ambiental. Vários compartimentos ambientais podem con-
saúde das populações, que sofrem alterações no seu per-
ter um mesmo agente abiótico (químico ou físico), desde
fil de morbi-mortalidade, a partir de diferentes fontes e
que funcione como veículo ou depósito, ou biótico (bioló-
modalidades de poluição (acumulação dos elementos
gico), desde que forneça as condições necessárias para
abióticos causadores de agravos), de contaminação (pre-
sua sobrevivência. Acrescentam-se, ainda, aquelas situa-
sença de agentes biológicos de doenças), e de maneiras
ções em que ambos os tipos de agentes são elementos ou
de constituição de dinâmicas ambientais que possibili-
substratos do ecossistema.
tam a liberação descontrolada de formas específicas de
energia. Reconhece-se, entretanto, que não é qualquer
O conhecimento científico tem avançado no sentido de elabo-
rar e estabelecer relações entre um grande número de indica-
dores ambientais e de saúde, notadamente aqueles referentes
a morbidades particulares e processos fisiopatológicos, mas
também indicadores biológicos de exposição. Portanto, para
ajuizar e explicitar cientificamente a relação ambiente-saúde,
torna-se necessário que esteja disponível um estoque de in-
formações passadas e atuais sobre os dois termos da relação.
Na realidade brasileira, não há disponibilidade dessas infor-
mações para todo o espaço delimitado pelo país, seja para o
ambiente, seja para a saúde. Além disso, são reduzidos os
estudos que têm como objeto esta relação em suas múltiplas
possibilidades, exceção feita para as doenças infecto-parasitá-
rias (DIP). Estas doenças estiveram presentes por mais tem-
po em nosso meio e possuem registros oficiais, inclusive de
notificação compulsória, e que, embora incompletos do pon-
to de vista da cobertura e falhos do ponto de vista da fidedig-
nidade, podem fornecer uma primeira aproximação sobre a
realidade desta relação específica e identificar sua distribuição
em populações selecionadas.

Historicamente construído, o quadro de saúde atual está


composto por três cenários principais, todos eles condici-
onados de maneira maior ou menor por condições sócio-

200
ambientais. O primeiro deles revela, a se difundir territorialmente e aumentar consideravelmente sua presença, cons-
predominantemente, doenças cardio- tituindo formas endêmicas-epidêmicas de marcante singularidade (AIDS, den-
vasculares e neoplásicas (respectiva- gue e malária, por exemplo).

o estado do meio ambiente no Brasil


mente primeira e terceira causas de
óbito), cuja tendência crescente nos
últimos dez anos acompanha o enve-
lhecimento da população (IBGE, 2001;
RIPSA, 2000). Esta situação se torna
possível, na medida em que as ex-
pressões mórbidas são consideradas
como efeito de condições genéticas,
de vida e trabalho vivenciados por
estas populações, principalmente
aquelas expostas a determinados po-
luentes químicos.O aumento da co-
bertura dos serviços de saúde; o aces-
so a novas tecnologias e insumos,
mesmo que sem eqüidade social, cer-
tamente favorecem a consolidação O terceiro cenário é conformado pelas chamadas causas externas, que englobam
desse cenário. os acidentes e violências. Ambos constituem-se como acontecimentos sócio-
ambientais produtores de traumas, lesões e doenças. Possuem tendência de
O segundo cenário é conformado pe- mortalidade (segunda causa de óbito) e morbidade crescentes, e demandam por
las Doenças Infecto-Parasitárias formas de prevenção, terapêutica e controle bastante diferenciadas daquelas tradi-
(DIP), nitidamente determinadas tam- cionalmente usadas para outros problemas de saúde, e que no momento atual
bém pelas condições sócio-ambien- ainda se encontram em fase incipiente de planejamento e implementação no país.
tais. A tendência declinante da morta-
lidade deste grupo de doenças (sexta Na verdade, a importância crescente dos agravos e doenças associadas a estes
causa de óbito) reflete principalmen- cenários relaciona-se estreitamente com a ampliação das disparidades sociais e
te o uso de possibilidades técnicas de com os impactos ambientais produzidos por nosso modelo de desenvolvimen-
intervenção no coletivo (programa de to. A forte concentração de renda, a existência de um alto percentual da popula-
vacinação em massa), e terapêutica ção em estado de pobreza, além das grandes desigualdades regionais, são fato-
(fornecimento de medicamentos efi- res que se associam na composição das principais forças motrizes que podem
cazes pelos programas sanitários), resultar no desencadeamento de condições propícias à contaminação ambien-
além de ganhos obtidos no que diz tal, assim como, no aumento da demanda para os serviços de saúde ambiental
respeito a determinadas necessidades (CGVAM, 2001). Os indicadores de desenvolvimento, tais como o Índice de De-
vitais básicas (alimentação e nutrição). senvolvimento Humano (IDH) apresentado no relatório da Organização das
Estes fatores atuaram, porém, de for- Nações Unidas - ONU e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimen-
ma desigual para regiões e grupos to - PNUD (OPS, 1998), revelam essas desigualdades, que se observam nas
sociais específicos. Deve-se conside- diferentes regiões geopolíticas do país, determinantes do quadro de desigualda-
rar que os fatores acima apontados de sanitária. Hoje, segundo dados da ONU (CGVAM, 2002a), quase metade da
não garantem a queda dos indicado- humanidade vive nas cidades, e a população urbana está crescendo duas vezes
res de incidência de todas as DIP, tais e meia mais rapidamente que a rural. No Brasil, dados do censo demográfico de
como a dengue, malária e hepatite, 2000 (IBGE, 2001) mostram uma grande concentração de pessoas nos centros
entre outras, mas privilegiam algumas urbanos em todas as regiões, como pode ser observado na Tabela 1.
delas, tais como sarampo e poliomie-
lite. Além disso, como efeito de no-
vas situações/condições sócio-ambi-
entais, antigas morbidades ressurgem
e novas são produzidas em diferentes
espaços geográficos, com tendência

201
o estado da saúde e do meio ambiente
2. As disparidades urbano/rurais Na análise de causas agrupadas, para o período de 1990-98,
e regionais, sob o ângulo excluindo-se as causas mal definidas, as doenças do apare-
da morbi-mortalidade
o estado do meio ambiente no Brasil

lho circulatório (principalmente doenças isquêmicas do


coração e cérebro-vasculares) constituem o primeiro grupo
Conforme dados da Organização Panamericana da Saú- de causas de morte, com o índice médio para o país de
de (OPS, 1998), os valores médios dos indicadores naci- 27,59% das ocorrências. Mesmo nas regiões mais pobres
onais não explicitam claramente as disparidades que exis- do país (Norte e Nordeste), onde ainda é relativamente gran-
tem entre as áreas urbanas e rurais, entre as grandes de a taxa de mortalidade por doenças transmissíveis, esse
regiões, entre estados de uma mesma região e entre grupo de causas ocupa o primeiro lugar (Datasus, 2002).
municípios de um mesmo estado. No período 1990-94, Destaca-se o aumento da mortalidade masculina na faixa
estima-se que 20% dos óbitos ocorridos no país não eram etária de 15-29 anos, devido a causas externas, assumindo
registrados; proporção que chega a 60% no Nordeste. relevância as mortes por homicídio, suicídio e acidentes de
Por outro lado, na maior parte do Sul e do Sudeste o trânsito e de trabalho (Datasus, 2002). Este é o segundo
registro é superior a 90%, atingindo praticamente 100% grupo de causas de morte quanto à magnitude, sendo cons-
nas áreas urbanas (Datasus, 2002). tituído pelas chamadas causas externas de morbi-mortali-
dade, que corresponderam, em 1998, a 15% dos óbitos no
Entre os óbitos registrados no país em 1998, observa-se país. Nesse grupo, destacam-se os homicídios, que assu-
que cerca de 15% foram atribuídos a causas mal defini- mem importância em todas as regiões, sobretudo nos gran-
das. No Norte e Nordeste encontram-se os maiores valo- des centros urbanos (Datasus, 2002).
res de causas mal definidas, respectivamente 24,3% e
29,8% (Datasus, 2002). Este é um indicador de que, no
Brasil, a cobertura de assistência médica ainda é insufici-
ente para extensas regiões. Este quadro tenderá a modi-
ficar-se pela implantação nacional do Programa de Aten-
ção à Saúde da Família e o Programa de Interiorização da
Assistência à Saúde. No entanto, a extensão da atenção
básica à saúde não significa a ampliação da eqüidade de
acesso às tecnologias médicas, nem tão pouco à inte-
gralidade das ações de saúde.

Nas últimas décadas, observa-se o declínio significativo


dos níveis de mortalidade da população com menos de 5
anos de idade, cuja participação proporcional no total de
óbitos registrados decresceu, entre 1980 e 1998, de 24,0%
para 7,8% - no subgrupo de menores de um ano, e de 4,6%
para 1,4% - no grupo de 1 a 4 anos. (Datasus, 2002). Dados de
1999 (RIPSA, 2001) revelam que o decréscimo nas taxas de
mortalidade infantil é maior nas populações urbanas do que
nas rurais. As disparidades entre as regiões também são
evidentes: o Nordeste (52,4 óbitos por mil nascidos vivos),
superando em 3,5 vezes a taxa observada no Sul (15,1 por mil
nascidos vivos). Verifica-se a redução histórica da mortalida-
de em menores de cinco anos, e o aumento da mortalidade
proporcional no grupo de 50 anos. A redução da mortalidade
em menores de cinco anos certamente está relacionada com
os programas de imunização, de incentivo à amamentação,
o uso da re-hidratação oral, em casos de diarréias e desidra-
tação, e um pequeno aumento da cobertura de redes de
esgotamento sanitário (10%) na região urbana (PNSB, 2000).

202
No ano de 1999, os homicídios ocuparam o primeiro lugar As mortes por doenças infecciosas e parasitárias ocu-
entre as causas externas, com uma taxa de 26,2 por 100.000 pam o sexto lugar na mortalidade da população brasilei-
habitantes, seguidos pelas mortes no trânsito, com uma ra, correspondendo a 5,24% dos óbitos por causas bem

o estado do meio ambiente no Brasil


taxa de 18,37 por 100.000 habitantes (RIPSA, 2001). Vale definidas. Apenas a região Sul apresenta proporção de
destacar que os assassinatos no campo, decorrentes dos ocorrência bem abaixo da média nacional (3,89%). Mui-
conflitos de terra, para o período de 1980 a 2000, somaram tas dessas enfermidades são decorrentes da presença
1520 óbitos (CPT, 2001). Os óbitos por acidentes de traba- de vetores e reservatórios animais, que se tornam noci-
lho, no período de 1990 a 1996, se ampliam, passando de vos à saúde humana pelas más condições ambientais,
0,77% para 1,40% em relação ao número total de acidentes decorrentes das ações antrópicas, falta de saneamento
registrados. Este quadro revela um aumento na gravidade básico, ocupação desordenada do solo e invasão dos
dos acidentes de trabalho. sistemas naturais para atividades produtivas (mineração,
exploração de madeira, agricultura).
Do ponto de vista das diferenças regionais, observa-se que
para o ano de 1998 os coeficientes de mortalidade por causas No ano de 1999, as doenças relacionadas a um saneamen-
externas (por 100000 habitantes) das regiões Sudeste (88,4) e to ambiental inadequado (DRSAI) representaram 29,5%
Centro-oeste (80,6), superam o dado médio brasileiro (72,7). dos óbitos por doenças infecciosas e parasitárias, sendo
As outras regiões apresentam coeficientes inferiores a este, a estas proporções maiores nas regiões Nordeste (46,5%) e
saber: Sul (68,1), Norte (55,9) e Nordeste (54,0). Cabe destacar Centro-Oeste (46,3%). A maior parte desses óbitos está
que em todas as regiões houve aumento destas taxas a partir relacionada a diarréias, que continuam a representar im-
do ano de 1980, revelando os conflitos inerentes ao nosso portante causa de óbito entre menores de 5 anos, mesmo
processo de desenvolvimento e urbanização neste período considerando que esses números estão subestimados
(Tambellini et al., 2001). pelos problemas de notificação em alguns estados brasi-
leiros (Costa et al., 2001).
Como terceiro grupo de causas de morte, em todas as
macrorregiões do país, aparecem as neoplasias. As taxas Quanto à morbidade, os dados gerais disponíveis perten-
de mortalidade aumentaram cerca de 10% ao longo da dé- cem aos seguintes Sistemas de Informação:
cada de 90. As mais relevantes são: câncer de estômago, do
pulmão, da mama, do colo uterino e da próstata, que na Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (para
média nacional correspondem a 11,92% do total de óbitos as doenças de notificação compulsória);
por causas bem definidas no ano de 1998. No Brasil, o Sistema Nacional de Informação Tóxico-Farmaco-
sistema de registro de câncer não está ainda bem estabele- lógica (Sinitox);
cido em todas as regiões, e também não são observadas as Sistema de Informação de Atenção Básica e Siste-
possíveis situações de exposição ambiental a agentes car- ma de Informação Hospitalar (implantado em ins-
cinogênicos, como o são nos países desenvolvidos. tituições de prestadores, vinculadas ao sistema pú-
blico de saúde, que cobre cerca de 75% da assis-
As mortes por causas respiratórias aparecem em quinto tência médico-hospitalar prestada à população do
lugar, com 11,18% do total de óbitos por causas bem defini- país). Também se observa que há diferenças regio-
das. Nas regiões Sul e Sudeste as proporções são maiores nais no perfil das causas de internação hospitalar
do que a média nacional (RIPSA 2001), e, em alguns pólos (IBGE, 2001).
industrias, esta pode ser uma das mais importantes causas
de morte, como se observa, por exemplo, no Pólo Petro- No ano de 2000, cerca de 63,6% do total de internações por
químico e Siderúrgico de Cubatão-SP. Vale ressaltar que as Doenças Infecciosas e Parasitárias foi devido a DRSAI, sen-
doenças do aparelho respiratório corresponderam a 16,22% do que no Norte e Nordeste esse percentual é maior que
da porcentagem de internações hospitalares para o ano de 70%, principalmente pelo alto número de hospitalizações
2000, ocupando o 2o lugar entre as doenças mais prevalen- por diarréia nessas regiões (Costa et al., 2001). Na análise
tes (RIPSA, 2001). Segundo a OMS (1998), as doenças res- de Sá (1998), a principal causa de internação hospitalar para
piratórias agudas e crônicas possuem uma associação a as regiões, exceto no Sul, foram as intercorrências relacio-
exposições ambientais da ordem de 50% a 60%. nadas à Gravidez, Parto e Puerpério (média nacional de

203
o estado da saúde e do meio ambiente
o estado do meio ambiente no Brasil

23,89%). Entre as internações restantes, destacam-se as frente às condições insalubres e perigosas, este processo
devidas a causas respiratórias (média nacional de 15,81%) propicia um aumento quantitativo e maior diversidade de
que, para a região Sul, é a primeira causa. As doenças situações de risco no ambiente de trabalho, assim como
respiratórias, nos grandes centros urbanos, crescem. En- dificulta o acesso aos meios necessários à subsistência do
tre elas destacam-se as asmas e as bronquites alérgicas, trabalhador e sua família. Esse quadro condiciona uma
decorrentes da exposição crescente à poluição atmosféri- maior vulnerabilidade da população de trabalhadores a uma
ca (devido os poluentes industriais, da combustão de ve- grande variedade de doenças. Nesse sentido, determina-
ículos a motores) e doméstica (principalmente pelo uso dos grupos de trabalhadores, como por exemplo os negros
de inseticidas). Em seguida, no ranking de internações que ocupam os postos de trabalho menos qualificados e
por grupos de causas, tem-se: as circulatórias (média na- mais perigosos, são mais atingidos por este processo, além
cional de 8,47%); digestivas (média nacional de 7,58%); do que há uma maior inserção do grupo infanto-juvenil no
transtornos mentais (média nacional de 7,21%, sendo que mercado de trabalho (IBGE/PNAD, 1999).
a região Norte apresenta taxa muito baixa: 0,84%); infecci-
osas e parasitárias (média nacional de 7,16%, sendo que o Embora ainda bastante subnotificadas, as doenças decor-
Norte e Nordeste superam as digestivas e por transtornos rentes dos ambientes de trabalho sofreram um acréscimo
mentais); geniturinárias (média nacional de 6,15%); lesões no número de ocorrências registradas, com cerca de 35.000
externas (média nacional de 4,97%); neoplasias (média casos registrados em 1996. Esses dados, por não envolve-
nacional de 2,81%); endócrinas e do metabolismo (média rem os trabalhadores do setor informal, ainda não de-
nacional de 2,35%) e perinatais (média nacional de 1,78%). monstram a complexidade desta problemática, pois essa
Quanto às neoplasias, vale destacar a importância do cân- limitação restringe o universo analisado – a 18,8 milhões
cer de pele – não melanoma, que tende a ser o mais fre- de trabalhadores concentrados na região Sudeste (58%) e
qüente (Datasus, 2002). Sul (19%), segundo dados de 1998 (RIPSA, 1998). No perí-
odo de 1990-1996, o percentual de doenças relacionadas
O processo de globalização, que se torna evidente e mais ao trabalho subiu 8%. A taxa de incidência dessas doen-
intenso na década de 90, tem como conseqüência a preca- ças no ano de 1998 foi de 16,24 para cada 10.000 trabalha-
rização do trabalho, a redução de empregos formais e o dores segurados, sendo 18,52 a taxa de incidência para
aumento progressivo da informalização do trabalho. Ao acidentes de trabalho típicos e 1,92 para acidentes de tra-
lado de mudanças da legislação de proteção ao trabalhador balho no trajeto.

204
3. As doenças infecciosas e para- mento progressivo dessas doenças, tanto daquelas de ori-
sitárias gem mais recente (emergentes), como de outras de natureza
mais antiga (re-emergentes).

o estado do meio ambiente no Brasil


Em relação às doenças infecciosas, o modelo amplamen-
te aceito nas décadas de 70 e 80 – chamado de transição Conforme dados disponibilizados pelo Ministério da Saú-
epidemiológica, previa que essas doenças logo deixariam de/Funasa, em 2002, desde o início da década de 1980 e,
de ser relevantes e passariam a ser substituídas, como principalmente, durante os anos mais recentes, vem-se ob-
problemas de saúde, pelas enfermidades decorrentes de servando no país o aumento de várias endemias, tais como:
estilos de vida e mudanças de hábitos, especialmente os a malária, tuberculose e a hanseníase, a ocorrência de vári-
relacionados com o consumo de produtos industrializa- os surtos ou epidemias, como meningite meningocócica,
dos, que favorecem a instalação das doenças crônicas não cólera, dengue, leptospirose, leishmanioses, febre amare-
transmissíveis. Esse modelo passou a ser revisto na últi- la, além da disseminação da AIDS e de outras até então
ma década, especialmente em países em desenvolvimen- pouco conhecidas, como, por exemplo, a hantavirose. Os
to onde se observa, na verdade, uma sobreposição das aumentos destas endemias vieram a contribuir para conso-
doenças infecto-parasitárias e crônicas, contracenando de lidar a impressão na sociedade, e entre os profissionais de
forma prolongada. Na análise da magnitude das doenças saúde, de que os serviços públicos de saúde, da forma
infecciosas e parasitárias deve ser considerada a sua ex- como estão organizados, não conseguem mais conter a
pressão em nível regional e local, tendo em vista a com- progressão destes problemas (Tabelas 2, 3 e 4).
plexidade de seus determinantes sociais, biológicos e dos
fatores ambientais condicionantes de sua ocorrência. O aumento da incidência dessas doenças não se deu de
forma homogênea em todo o território nacional. Em rela-
Na atualidade, reconhece-se que as condições de vida já ção à dengue e à malária, as Tabelas 3 e 4 mostram, res-
não oferecem mais garantias contra a disseminação de agen- pectivamente, as diferenciações geográficas de suas trans-
tes infecciosos, mesmo em países desenvolvidos. A aceita- missões no período. Na primeira, a taxa de incidência pre-
ção desse pressuposto conduz a uma perspectiva pouco oti- domina nas regiões Nordeste e Centro-Oeste, sendo eleva-
mista quanto ao comportamento das doenças transmissí- da também no Sudeste. A segunda revela elevadas taxas
veis endêmicas nos países periféricos, onde questões bási- de incidência na Amazônia e na região Centro-Oeste, espe-
cas como desnutrição, saneamento ambiental, condições cialmente na década de 90. O expressivo aumento das ta-
adequadas de moradia, controle de vetores e acesso aos cui- xas de malária, particularmente observado na região Cen-
dados básicos de saúde, ainda não foram satisfatoriamente tro-Oeste, está associado à expansão da exploração de ouro
atendidos. Assim, os últimos anos se caracterizam pelo au- nessa região, no período considerado. Na realidade, essa

205
Apesar de ter ocorrido o aumento da
incidência dessas doenças, houve
o estado do meio ambiente no Brasil

também uma maior capacidade de re-


conhecimento e registro dessas en-
fermidades com a melhoria do siste-
ma de vigilância epidemiológica, em
função da descentralização e da ex-
tensão da cobertura de serviços bási-
cos e da difusão de informações atra-
vés dos meios de comunicação, con-
tribuindo também para a compreen-
são do quadro das doenças transmis-
síveis no país. Mas, ainda assim, é
preocupante constatar a prevalência
da medicalização das questões de
saúde, com as atenções dirigidas, so-
bretudo, para o atendimento das quei-
xas e sofrimentos, sendo a promo-
ção da saúde ainda deixada para se-
gundo plano.

No panorama das doenças transmis-


síveis não se pode deixar também de
considerar, por outro lado, a redução
substancial daquelas passíveis de se-
distribuição geograficamente desigual está relacionada com as particularidades rem controladas através de ações
das dinâmicas de produção dessas doenças. Especificamente no que diz respei- pontuais, por meio de imunizantes
to aos vetores envolvidos, estes possuem características biológicas e hábitos (Tabela 5). A eliminação da transmis-
comportamentais completamente diversos. No caso da dengue, a crise ambien- são da poliomielite, a redução drásti-
tal das regiões mais acometidas tem permitido a proliferação e dispersão de seu ca do sarampo, dos casos de tétano,
vetor, o Aedes aegypti, de hábitos exclusivamente urbanos; enquanto na malá- inclusive neonatal, coqueluche, entre
ria, a ocupação desordenada tem favorecido a multiplicação de seu transmissor, outras, foram vitórias significativas al-
o Anopheles darlingi, que tem como seus principais criadouros grandes cole- cançadas pelo Sistema de Saúde nos
ções de água limpa. anos mais recentes.

206
o estado da saúde e do meio ambiente

Os dados e considerações apresen-


tados acima se constituem em in-

o estado do meio ambiente no Brasil


dicadores bastante sensíveis da
ampliação interna de desigualda-
des e da persistência de condições
precárias de vida de parte ainda sig-
nificativa da população brasileira.
Para fins de análise comparativa da
complexidade do problema, pode-
se observar no Gráfico 1 as signifi-
cativas disparidades na dinâmica
das doenças infecciosas e parasi-
tárias nas últimas duas décadas,
quando, ao lado de um expressivo
aumento dos coeficientes de inci-
dência das enfermidades infeccio-
sas não imunopreveníveis, ocorreu
uma redução substancial das taxas
daquelas passíveis de controle atra-
vés de vacinas.

Da mesma maneira, há disparidade


em relação à evolução dos coeficien-
tes de morbidade de mortalidade pe-
las doenças infecto-parasitárias como
um todo, para este mesmo período,
ou seja, as taxas de morbidade foram
crescentes e as de mortalidade decli-
nantes (Gráfico 2).

Dentre os problemas de saúde asso-


ciados à má qualidade da água potá-
vel e à precariedade na cobertura e
qualidade do esgotamento sanitário, No que diz respeito à cólera, desde sua reintrodução em 1991, foram registrados,
seguramente as doenças diarréicas se no Brasil, 163.099 casos, com 1.922 óbitos até 1998. E, em 1999, a taxa de incidência
destacam, sobretudo entre as crian- de cólera foi de 2,52 para cada 100.000 habitantes. Em alguns estados, essa taxa
ças. Entretanto, entre 1995 e 1999 (Da- chegou a alcançar 29,81 casos para cada 100.000 habitantes (RIPSA, 2000). A trans-
tasus , 2002), o número de crianças missão da cólera foi mais freqüentemente observada nos municípios onde predo-
com menos de um ano de idade, in- minavam condições precárias de saneamento. Hoje, apesar do abrandamento da
ternadas por doenças diarréicas no epidemia, torna-se fundamental a continuidade da vigilância à saúde destas popu-
sistema público de saúde, diminuiu lações e a realização de ações de saneamento ambiental e promoção da saúde nas
32% (provavelmente devido à restri- áreas de risco, para garantirmos o controle efetivo deste agravo.
ção no acesso aos serviços de saúde
das populações particularmente ex- Quanto aos resíduos sólidos, observou-se que os vetores de doenças que adap-
postas às condições acima mencio- taram seus locais de criação à nova composição do lixo urbano, rico em materi-
nadas), e os óbitos correspondentes ais ambientalmente persistentes, como garrafas de plástico, de vidro, latas de
a estas mesmas internações diminu- alumínio e pneus, passaram a contar com facilidades nunca antes observadas,
íram 54% (certamente devido à eficá- dificultando cada vez mais o controle destas doenças transmissíveis.
cia das terapêuticas instituídas).

207
o estado da saúde e do meio ambiente
alagáveis, a nova endemicidade da es-
quistossomose e das leishmanioses
nos cinturões de pobreza de muitas
o estado do meio ambiente no Brasil

cidades, a difusão da AIDS no circui-


to de uso e distribuição de drogas,
são outros exemplos de como vários
agentes patogênicos vêm se adap-
tando a novas condições de trans-
missão, produzidas pelo processo de
desenvolvimento.

Diante da carência de cuidados e da


demanda do quadro social, ainda são
limitados os investimentos públicos
em serviços e infra-estrutura de sane-
amento, diminuindo as possibilidades
de efetividade das estratégias de so-
brevivência dos grupos sociais mais
vulneráveis aos riscos de adoecimen-
to e morte por essas doenças.

Apenas como exemplo do que foi dis-


cutido acima, o Gráfico 3 demonstra
os gastos do Ministério da Saúde
com vários programas de saneamen-
to ambiental e aqueles efetuados com
o controle da dengue, no período 95/
98. Observa-se que estes gastos já es-
tavam presentes em 1995, e tiveram
aumentos consideráveis a partir de
1996. É neste ano que se verifica, de
forma mais intensa, o esforço para o
controle da dengue. Essa tentativa,
que é posterior à eclosão e intensifi-
cação dos surtos epidêmicos, revela
que esse esforço se dá, não como me-
dida propriamente preventiva, mas
Além da gama de enfermidades transmitidas por vetores associados à disposi- como forma de minimizar as conse-
ção inadequada de resíduos sólidos e pela ausência de sistemas de drenagem qüências de uma política preventiva
adequados, pode-se citar, além do caso da dengue, o da leptospirose. Esta se insuficiente. Por outro lado, pode-se
encontra endêmica nos principais centros urbanos, com picos sazonais associ- aventar que, num modelo de preven-
ados a inundações. No período 1995-2000, foram notificados 22.651 casos da ção e controle mais adequados, parte
doença, com 1.951 óbitos. O risco periódico dessas epidemias, a que a popula- dos gastos com uma única doença
ção brasileira está submetida, relaciona-se à dificuldade de se implantar uma poderia vir a ser mais bem distribuí-
política de controle permanente, que envolva agilidade no repasse dos recursos do, ajudando a resolver o complicado
financeiros, prioridade para as ações de mobilização comunitária e para interven- quadro epidemiológico atual, relacio-
ções de melhoria da qualidade ambiental local (MS/Funasa, 2001). nado a doenças vetoriais e transmis-
síveis por veiculação hídrica.
O aumento da transmissão da malária em garimpos e projetos de assentamentos
agrícolas, os surtos de leptospirose e filariose nas favelas construídas em áreas

208
4. Poluentes químicos

o estado do meio ambiente no Brasil


ambientais

Entre as diversas situações de risco


para a saúde, originadas por proces-
sos produtivos, deve-se destacar a
contaminação por agentes químicos.
Isto porque são em número elevado
e, para a grande maioria deles, ainda
não estão disponíveis conhecimen-
tos toxicológicos, ecotoxicológicos,
metodologias e tecnologias, tanto
para o diagnóstico destas situações,
como para o desenvolvimento de ati-
vidades de vigilância que visem sua
prevenção e controle. A partir da Se-
gunda Guerra Mundial, diversos pro-
dutos químicos foram sintetizados,
observando-se um grande cresci-
mento e desenvolvimento da indús-
tria química. Interessa à saúde a gran-
de produção de biocidas, entre ou-
tras substâncias químicas utilizadas
para controle de pragas e de vetores.
O uso destas substâncias, que se in-
tensificou com a mecanização da la-
voura, propiciou, além do êxodo ru-
ral e concentração de propriedades,
um processo intenso de exposição
das populações a esses agentes.
Também a desordenada ocupação
dos solos urbanos, com cidades sem
infra-estrutura de saneamento ambi- seu compromisso de preservação de seus biomas. O conceito de “gestão inte-
ental, propicia a proliferação de pra- grada de recursos naturais” é fundamental para regular a relação social e indivi-
gas, induzindo suas populações à dual do homem com a natureza, destacando-se as dimensões: ecológica, ambi-
utilização de biocidas em seus lares, ental, social, política, demográfica, cultural, institucional e espacial.
sem que sejam consideradas as sus-
ceptibilidades individuais para essas As estratégias básicas de gestão dos recursos naturais têm repercussão sobre a
exposições. Entre os poluentes quí- saúde dos seres vivos e, portanto, da saúde humana. Nelas, ressalta-se a garantia
micos, pelos seus impactos negati- de alimento saudável e de medicamento. Essas questões estão diretamente relaci-
vos à saúde humana, destacam-se os onadas à agricultura, à pesca, à proteção da flora e da fauna, incluindo os microor-
agrotóxicos, o chumbo e o mercúrio. ganismos. Mesmos os organismos patogênicos (para plantas, animais e seres
humanos) devem ser manipulados dentro de conceitos ecológicos corretos, isto
A ECO 92 produziu um acervo consi- é, de forma integrada e sistêmica, e não de forma isolada, dentro de análises
derável de convenções, protocolos e monocausais, cuja estratégia é sua eliminação (erradicação), como espécie. A
acordos. Dos 175 países que assina- agricultura orgânica e o manejo integrado de pragas, no Brasil, ainda são incipien-
ram a Convenção sobre a Diversidade tes. Como conseqüência, temos um risco químico presente em todo o meio
Biológica (CDB), 168 já reafirmaram ambiente, cadeia alimentar e nos alimentos, cujo impacto para a saúde não tem

209
o estado da saúde e do meio ambiente
sido alvo de sistemática avaliação, nem dos programas de O uso de biocidas na área urbana ultrapassa o da área rural,
vigilância à saúde. pela insuficiência de saneamento básico. As populações se
vêem incomodadas por insetos ou roedores que diminu-
o estado do meio ambiente no Brasil

O uso de produtos biocidas, como único ou preferencial em sua qualidade de vida e alguns oferecem, objetivamen-
instrumento de combate a certos vetores de endemias, deve te, riscos para a saúde. Diversos produtos são comprova-
ser revisto com urgência. O controle da malária, por exem- damente prejudiciais à saúde humana e, no entanto, seu
plo, até há pouco tempo, estava baseado no uso do DDT consumo é estimulado pela propaganda permissiva e pela
(organoclorado altamente persistente no meio ambiente), facilidade com que se obtêm registros para sua comerciali-
produto que causa danos à flora, à fauna e à saúde huma- zação e uso, sem qualquer orientação técnica. Provavel-
na. Sendo um claro exemplo de que boa parte dos proble- mente esta situação também agrava o problema das doen-
mas de saúde, decorrente de riscos ambientais, deve ser ças respiratórias, principalmente de base alérgica e a ocor-
tratada com políticas integradas. O recente termo de coo- rência de doenças hematológicas e imunológicas. Estudos
peração técnica, assinado pelos Ministérios do Meio Ambi- que investigam a associação de doenças com uso de bioci-
ente e da Saúde deve colaborar para esse processo. das domésticos são escassos, e baseados apenas nas into-
xicações agudas. A população rural, constituída em sua
Os óbitos por envenenamentos estão relacionados princi- maioria por analfabetos funcionais, tornou-se ainda mais
palmente às exposições agudas aos agrotóxicos, domissa- vulnerável aos danos pela exposição a esses produtos tóxi-
nitários e produtos químicos industriais. O Sistema de In- cos. O uso dos agrotóxicos foi incentivado por uma política
formação Tóxico-farmacológica (Sinitox) observou, no ano oficial de condicionar o crédito rural à utilização obrigatória
de 1999, 398 óbitos por exposição aos agrotóxicos. Desses, de agrotóxicos. Esta situação é responsável por inúmeras
140 foram considerados de origem ocupacional. Este tipo mortes por intoxicação aguda de trabalhadores rurais.
de dado não reflete a realidade, uma vez que o registro
apresenta subnotificação considerável, em razão da peque- A contaminação resultante deste processo produtivo agrí-
na cobertura do sistema de coleta de dados a nível nacio- cola não fica restrita à área ou aos trabalhadores, sendo
nal, que só dispõe de 29 centros, a maioria localizada nas exportada através da contaminação ambiental (ar e água) e
capitais (Sinitox, 2002). A Organização Mundial de Saúde dos alimentos. Estimativas da população urbana contami-
informa que 70% das intoxicações humanas por agrotóxi- nada são mais difíceis de serem elaboradas, mas os núme-
cos ocorrem nos países em desenvolvimento (OMS, 1995). ros oficiais demonstram claramente a importância deste
Alguns trabalhos que procuram avaliar os níveis de conta- segmento. Contribuem para estes dados a contaminação
minação ocupacional por agrotóxicos, em áreas rurais bra- resultante da utilização direta dos pesticidas, bem como a
sileiras, têm relatado níveis de contaminação humana que exposição indireta que se dá, principalmente, através do
variam de 3 a 23% (Almeida & Garcia, 1991, Faria et al., 2000, contato com ambientes ou alimentos contaminados.
Gonzaga et al., 1992). Utilizando-se o limite mínimo reporta-
do nestes trabalhos, e conhecendo-se a população rural Um estudo preliminar realizado pelo INCQS/Fiocruz para
brasileira envolvida em atividades agrícolas, pode-se esti- verificar o grau de contaminação por resíduos de pestici-
mar que o número de indivíduos contaminados diretamen- das de frutas brasileiras (morango, tomate e mamão) ven-
te por agrotóxicos no Brasil deve ser de aproximadamente didas ao consumidor, revelou contaminação em cerca de
540.000, com cerca de 4.000 mortes por ano. 35% das amostras, sendo observada também uma grande
variação de região para região. No caso específico do ma-
Ainda segundo dados do Sinitox para 1999, foram noti- mão foi verificado que, na região Nordeste, essa contami-
ficados 66.584 casos de intoxicação humana no país. O nação atingiu cerca de 70% das amostras analisadas. Deve-
Sudeste aparece com uma proporção de 42,37% do to- se ressaltar ainda, que a contaminação observada era devi-
tal das ocorrências registradas e o Sul com 33,65%. O do ao uso de um determinado agrotóxico (dicofol), cujo
ínfimo registro de casos de intoxicações nas outras re- uso não é autorizado para aquelas culturas. Isto demonstra
giões são principalmente decorrentes da falta de servi- uma total falta de orientação técnica e de fiscalização por
ços de controle de intoxicações, ou por sua desestrutu- parte dos organismos governamentais responsáveis. Este
ração. Os relacionados com o ambiente de trabalho so- agrotóxico, inclusive, está sendo submetido à reavaliação
mam 4.760 casos. pelas agências americanas de saúde e ambiente por ser
suspeito de ter ação carcinogênica, endócrina, imunotóxi-

210
ca e neurotóxica. A substância base deste produto é consi- viabilidade) (Coco, 2002). Um estudo epidemiológico reali-
derada uma das mais tóxicas para o ecossistema e para a zado a partir de dados coletados em 11 estados brasileiros,
saúde humana (Scorecard). correlacionando as vendas de pesticidas em 1985 e desor-

o estado do meio ambiente no Brasil


dens reprodutivas humanas observadas na década de 90,
Outro estudo realizado em uma importante área agrícola mostram associação positiva sugerindo uma correlação
do estado do Rio de Janeiro, encontrou níveis significati- entre estes 2 fatores (Koifman et alli., 2002).
vos de agrotóxicos anticolinesterásicos em amostras de
água de um rio que corta essa região. Esses resultados, Esse modelo tecnológico, de tipo globalizado, se caracteri-
embora preliminares, atingiram valores de até 76,80 ± 10,89 za pela lógica da transferência de riscos dos países do Nor-
µg/L (Alves, 2000), e são muito superiores àqueles reco- te para os do Sul. Na década de 70, enquanto se discutia em
mendados pela legislação brasileira para águas de abaste- Estocolmo a Primeira Conferência Mundial do Meio Ambi-
cimento doméstico e utilizada para irrigação de hortaliças e ente e Desenvolvimento, o Brasil recebia a transferência de
de plantas frutíferas (organofosforados totais e carbama- indústrias do ramo químico, consideradas altamente polu-
tos: 10 µg/L) (Conama, 1996). Esses níveis têm determina- entes em seus países de origem. Como é o exemplo de
do não apenas a contaminação da biota, mas também fa- Cubatão, cidade do estado de São Paulo, que ficou conhe-
vorecido a colonização da área por espécies mais resisten- cida mundialmente pela intensa poluição ambiental e os
tes, causando diversos efeitos sobre o equilíbrio ecológico seus danos sobre a saúde humana. É ilustrativo dessa conta-
local (Moreira et alli., 2002).

É importante realçar que a atividade agrícola, próxima dos


grandes centros, é majoritariamente de pequeno porte e
eminentemente familiar, onde adultos e crianças se aju-
dam mutuamente no trabalho. Geralmente as famílias agri-
cultoras também moram nas vizinhanças das plantações.
Isto faz com que crianças, jovens e mulheres em idade fértil
também estejam sujeitos a elevado risco de contaminação.
Essa situação é séria, devido ao pouco conhecimento que
se tem acerca da ação sobre o organismo humano de uma
exposição continuada e múltipla a estas substâncias. Atu-
almente se sabe que vários agrotóxicos são suspeitos de
apresentarem atividade carcinogênica ou hormonal.

O envolvimento de jovens e crianças no trabalho e o fato da


grande maioria das famílias morar na proximidade das áre-
as de cultivo facilitam a exposição por via ambiental e faz
com que mulheres, em todas as fases da vida, e crianças,
mesmo antes do nascimento, estejam continuamente ex- minação ambiental o número elevado de mal-forma-
postas a estes agentes químicos. Moreira et alli. (2002) rela- ção congênita, de intoxicações por exposição ocupa-
tam a contaminação de 17% de trabalhadores jovens e cri- cional ao Benzeno e organoclorados e pelo elevado
anças (de 7 a 17 anos) por pesticidas anticolinesterásicos número de internações hospitalares por doenças res-
(organofosforados e carbamatos) em uma região agrícola piratórias (Augusto, 1992 e 1994).
do estado do Rio de Janeiro, evidenciando a seriedade des-
se problema. Essa situação torna-se ainda mais preocupan- A biotecnologia dos transgênicos, na atualidade, vem sen-
te quando se sabe que vários pesticidas dessas e de outras do apresentada como uma alternativa para os processos
classes, igualmente utilizadas no meio rural brasileiro, são produtivos na agricultura, utilizando-se na justificativa para
suspeitos de produzirem efeitos endócrinos que se mani- o seu uso o mesmo discurso da era da “Revolução Verde”.
festarão tardiamente ou mesmo em gerações futuras. Den- Os organismos geneticamente modificados, em verdade,
tre esses pesticidas pode-se citar, por exemplo, o manco- podem determinar, no médio prazo, a dependência total
zeb (inibidor tiroidiano em ratos, goitrogênico), o maneb e dos produtores rurais a um monopólio multinacional. A
o metamidofos (redutor da contagem espermática e da incerteza sobre os riscos decorrentes do consumo de ali-

211
o estado da saúde e do meio ambiente
mentos transgênicos para a saúde do homem, e para o Silvany-Neto et al. (1996) investigou a exposição ao chumbo
ambiente, exige que essas tecnologias sejam submetidas em crianças residentes próximas a uma fundição e filhos
ao “Princípio da Precaução”. Neste sentido, os interesses dos trabalhadores, encontrando níveis de chumbo acima do
o estado do meio ambiente no Brasil

públicos e das coletividades devem prevalecer sobre os do limite recomendado (30mg/dl) pelo Centro de Controle de
capital. Estudos em instituições públicas idôneas devem Doenças (CDC-EUA) e sintomas de intoxicação por chum-
ser priorizados para avaliar tais riscos (Senado Federal, 1999). bo. Outras fontes de exposição ocorrem nas reformas de
casas e prédios com tinta à base de chumbo, perversões
O aumento observado nos níveis de chumbo encontrado alimentares, exposições ocupacionais (tanto primárias quan-
no ambiente provém de atividades humanas (ATSDR, to secundárias) e tabagismo (ATSDR, 1999a).
1999a). As fontes mais comuns de contaminação ambien-
tal por chumbo são aéreas e ocorrem através da queima de No local estudado existia uma fundição de chumbo que
combustível e lixo sólido, formando aerossóis, e, através funcionou entre os anos de 1960 e 1993 (Silvany-Neto et al.,
1996). As características populacionais que se relaciona-
ram com níveis mais elevados de protoporfirina do zinco
nestas crianças foram: sexo feminino, proximidade da resi-
dência à fundição, perversões alimentares, ser filho de tra-
balhador da fundição e de etnia negra. Além disso, o lugar
ocupado pela criança no espaço urbano estava fortemente
associado à intoxicação por chumbo, e a migração e a situ-
ação sócio-econômica foram fatores importantes nesta dis-
tribuição espacial, como demonstrado por estudo realiza-
do nesta mesma região por Silvany-Neto et al. (1985).

As contaminações – ambiental (ar interno e externo) e


humana, em quatro fábricas e/ou reformadoras de bateri-
as e em suas vizinhanças, todas localizadas na região ur-
bana da cidade do Rio de Janeiro, foram estudadas por
Mattos et al. (2001), Caldeira et al. (2000), Quiterio et al.
(2001) e Araújo et al. (1999). Estes estudos mostraram
elevado grau de contaminação em todos os segmentos
(trabalhadores, ambiente interno e ambiente externo). O
monitoramento do ar interior, medido na zona de respira-
ção dos trabalhadores, evidenciou níveis de contamina-
ção que variavam de 0,068 a 0,802 mg/m3. Dos trabalhado-
res das industrias estudadas, cerca de 60% apresentava
de processos industriais, vapor. A população em geral se concentrações de chumbo no sangue superiores a 40 ìg/
expõe ao chumbo através do ar ambiente, alimentos, água, dL, limite máximo recomendado pela OMS. Destes traba-
solo e poeira. Algumas das exposições mais importantes lhadores, 81% também apresentavam concentrações do
ocorrem como resultado do trabalho nas indústrias, conta- bioindicador - ácido delta-amino levulínico urinário (ALA-
minando moradias em ambientes urbanos, principalmente U) - superiores aos considerados normais (ALA-U <10
em locais próximos às fontes emissoras. mg/g creatinina), indicando que os organismos já esta-
vam sofrendo efeitos bioquímicos indesejáveis causados
Para ilustrar essa situação serão utilizados dados obtidos pelo chumbo. Medidas da concentração de chumbo no ar
pela Universidade Federal da Bahia e pelo Centro de Estu- exterior, tomadas a distâncias variáveis, a partir da refor-
dos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (CES- madora de baterias, indicaram dispersão de partículas de
TEH/FIOCRUZ), que têm estudado vários aspectos da con- chumbo num raio de cerca de 25 metros. As concentra-
taminação humana e ambiental pelo chumbo e suas con- ções atmosféricas verificadas variaram de 0,07 a 183,3 ug/
seqüências para a saúde. m3. Vários pontos amostrados excederam o valor limite
recomendado pela EPA (1,5 ug/m3), e estas concentra-
Em Santo Amaro, na Bahia, nos anos de 1980, 1985 e 1992,

212
ções foram também muito superiores àquelas observa- As formas químicas do mercúrio conferem diferentes pa-
das em ambientes não impactados (0,07 ìg/m3). Poeira drões de exposição e de efeitos adversos à saúde (ATSDR,
coletada nas áreas externas de casas localizadas até uma 1999b). A exposição ao mercúrio metálico é gerada pelo

o estado do meio ambiente no Brasil


distância de 50 m das indústrias mostraram valores que seu uso industrial, ocorrendo predominantemente nas re-
variaram de 2,2 a 5500 ìg/m2, sendo que em cerca de 50% giões Sul e Sudeste do País, sendo também utilizado para
dos pontos amostrados, esses valores excederam os ob- formar amálgamas em Odontologia.
servados na análise de poeira coletada em áreas não con-
taminadas. Esses resultados mostram claramente a con- Na Amazônia Legal, sua forma metálica é largamente usa-
taminação dos trabalhadores e a dispersão deste poluen- da na mineração de ouro. Sua utilização nessa atividade se
te, a partir das indústrias, comprometendo a qualidade dá por formar um amálgama com o ouro em pó, o que
ambiental das áreas circunvizinhas e colocando em risco a facilita a exploração desse mineral. Posteriormente, esse
saúde das populações residentes nesta área. amálgama é queimado, processo que permite a separação
desses dois minerais, permanecendo o ouro em sua forma
A proximidade a fundições de chumbo também foi identifi-
cada como fator de risco para intoxicação por este metal
entre populações de pescadores (Carvalho, 1986). Além das
crianças, um outro grupo populacional estudado foi o de
trabalhadores de oficinas para reforma de baterias. Estu-
dos da Universidade Federal da Bahia, em 1985, mostraram
que 15% dos trabalhadores apresentavam níveis de chum-
bo superiores ao limite de tolerância biológica estabelecido
pela legislação brasileira da época (Carvalho, 1985 a,b). Es-
ses níveis aumentados de chumbo correlacionaram-se com
a maior idade do operário, maior tempo de serviço na ativi-
dade, ventilação insatisfatória do ambiente de trabalho e
desconhecimento de medidas de prevenção. É importante
citar que apenas 17% dos trabalhadores sabiam que eram
beneficiários de uma legislação que considera a intoxica-
ção por chumbo neste grupo como doença profissional.

A anemia foi uma das manifestações clínicas mais comuns


cristalina quase pura, e o mercúrio, transformado em va-
encontradas nas populações expostas ao chumbo, e a infec-
por, liberado para a atmosfera. O ouro obtido nessa fase do
ção concomitante por ancilóstomo parece contribuir para o
processo de mineração ainda contém cerca de 3 a 5 % de
desenvolvimento dessa anemia (Loureiro et al., 1983). Nas
mercúrio, sendo novamente re-queimado em lojas onde é
populações estudadas, a má nutrição e a deficiência de ferro
comercializado. Nessa fase, o mercúrio liberado pode cau-
também contribuem de forma importante para o desenvolvi-
sar intoxicações tanto na população trabalhadora direta-
mento de anemia (Carvalho, 1985a).
mente envolvida, quanto na população residente nas proxi-
midades dessas lojas (Câmara e Corey, 1992).
Em crianças, a irritabilidade excessiva e o nervosismo foram
os sintomas mais relatados por seus pais ou responsáveis
Um estudo realizado entre 365 habitantes – não expostos
(Silvany-Neto, 1996). Alterações na função renal foram ob-
em sua ocupação (principalmente mulheres e crianças), do
servadas em trabalhadores de uma fundição de chumbo na
município de Poconé, estado de Mato Grosso, mostraram
Bahia, em maior número, quando comparados com traba-
dois tipos de exposição. A primeira, em pessoas que residi-
lhadores não expostos. O grau de disfunção renal associou-
am num limite de até 400 metros e na direção predominan-
se com a duração do tempo de exposição no trabalho e a
te dos ventos, a partir de lojas que compram e purificam o
idade do trabalhador. Além disso, parece existir uma associ-
ouro. Esses moradores apresentaram média de mercúrio
ação maior entre hipertensão arterial e disfunção renal nesse
na urina (4,89 mg/l) maior do que as pessoas que moravam
grupo de trabalhadores.
em uma área controle (1,25mg/l). Também 14 pessoas apre-
sentaram teores de mercúrio na urina maiores que 10 mg/l

213
o estado da saúde e do meio ambiente
para um limite recomendado pela Organização Mundial da dos cerca de trezentos mil garimpeiros, segundo censo
Saúde de 4,0 mg/l para pessoas não expostas. Um segun- realizado pelo Departamento Nacional de Produção Mine-
do tipo de exposição foi verificado entre pessoas que resi- ral. Atualmente, esse número seguramente é muitas vezes
o estado do meio ambiente no Brasil

diam na periferia da cidade, e que realizavam a queima de menor, tendo em vista a redução substancial da exploração
amálgamas de ouro-mercúrio no interior das casas. Dessas aurífera na região, tanto pela queda do preço desse produto
pessoas, 13 apresentaram teores de mercúrio na urina aci- mineral no mercado, quanto pelas pressões internacionais
ma de 10 mg/l, servindo este estudo para o desenvolvimen- no sentido de suspensão dessa atividade, em função de
to de um programa especial de educação para a saúde (Câ- seus impactos negativos sob o ponto de vista ambiental.
mara et al., 2000).

O mercúrio metálico lançado no ambiente pode se deposi- 5. Poluição atmosférica


tar nos rios e, através da cadeia biológica, se transformar
no composto orgânico metilmercúrio. Esta substância, for- A poluição atmosférica é um outro importante fator que
ma mais tóxica dentre os derivados mercuriais, tem sido provoca doenças em milhões de pessoas. Os elevados re-
encontrada em sedimentos de fundo e em peixes omnívo- gistros de óbitos por causas respiratórias, principalmente
ros (até 0,7 ppm) e carnívoros (> 0,5 ppm, podendo atingir nas regiões metropolitanas, demonstram, indiretamente, a
até 6 ppm nos exemplares maiores), capturados em rios importância do comprometimento da qualidade do ar como
amazônicos poluídos por mercúrio metálico. Como a mai- causa de adoecimento. Recentemente, o Ministério da Saú-
or fonte proteica das populações ribeirinhas é o consumo de vem trabalhando na construção de um modelo de vigi-
de peixes, a contaminação humana tem sido também relata- lância que permita correlacionar condições de saúde com a
da. Concentrações de metilmercúrio relativamente elevadas qualidade do ar. Os resultados a serem obtidos poderão,
têm sido identificadas em amostras de cabelo de índios e de num futuro próximo, permitir um conhecimento mais de-
ribeirinhos (10 – 150 ppm) daquela região (Malm, 1998). Ain- talhado sobre o perfil epidemiológico das doenças respira-
da, estudos realizados em 3 vilas de pescadores, no Rio Ta- tórias e de sua relação com os tipos e níveis de poluição
pajós, mostraram concentrações de mercúrio no cabelo vari- atmosférica do país.
ando entre 14 – 21 ppm, sendo que 73% dos pescadores
avaliados apresentavam concentrações superiores aos limi-
tes considerados normais (limite máximo de normalidade =
10 ppm). Também estudos do Instituto Evandro Chagas, na
Bacia do Rio Tapajós, apontam médias de teores de mercú-
rio acima de 10 mg/g para a maioria das comunidades estu-
dadas, para um limite de 2,0 mg/g preconizado pela OMS
(Santos, 1997), colocando estas populações sob o risco de
adoecimento por esta substância.

Todavia, ainda persistem algumas divergências quanto aos


efeitos clínicos observados nas populações amazônicas
expostas ao mercúrio, devido à precariedade das condi-
ções de vida e à ocorrência de doenças endêmicas naquela
região. Entretanto, alguns trabalhos científicos têm encon-
trado fortes correlações entre as concentrações de metil-
mercúrio observadas no cabelo e alguns danos motores
(Dolbec et alli., 2000), neurológicos (Lebel et alli., 1998) cito-
genéticos em linfócitos de populações que vivem nas mar-
gens do rio Tapajós (Amrim et alli., 2000).

O número de pessoas expostas diretamente ao mercúrio


nos garimpos, dada a amplitude da Amazônia, é difícil de
ser precisado. No final da década de 1980, foram registra-

214
Os efeitos agudos da poluição atmosférica também estão meteorológica da Cetesb, com o número médio das interna-
associados às doenças respiratórias e cardiovasculares. ções e óbitos em razão de enfermidades respiratórias.
Entretanto, já se pode associar o aparecimento de neoplasi-

o estado do meio ambiente no Brasil


as e asma relacionadas aos efeitos crônicos da contamina- No município do Rio de Janeiro, estudo utilizando dados da
ção. Os mais vulneráveis, nesses casos, são as crianças, os Feema mostrou a piora das condições do ar atmosférico,
idosos e as mulheres grávidas, que podem sofrer altera- pelo número de vezes que o padrão Conama foi ultrapassa-
ções na função pulmonar. do, quando comparados os períodos de 81/87 com 88/95. Ao
verificar a ocorrência de doenças respiratórias de pacientes
Em trabalho pioneiro no Rio de Janeiro, Duchiade (1991), atendidos em hospital de emergência, foi constatado au-
estudou a influência das variáveis sócio-econômicas, cli- mento dessas doenças nos meses correspondentes ao in-
máticas e da poluição do ar sobre a mortalidade infantil verno, quando comparados àqueles do verão, indicando uma
na região metropolitana do RJ, entre 1976 e 1986. Num relação dos fatores clima/poluição com a freqüência desses
cenário de queda dessa taxa, com paralelo aumento da agravos (Brilhante et al., 2001).
mortalidade específica por pneumonias e queda da mor-
talidade específica por diarréias, constatou-se que os ní- A sílica e o asbesto são importantes agentes de pneumopa-
veis médios da mortalidade infantil eram sistematicamen- tias, presentes de forma principal em alguns ambientes de
te maiores para a periferia metropolitana em relação à trabalho (por exemplo, indústrias extrativas, têxteis, e de
capital, e que havia grandes desigualdades entre os valo- construção civil, entre outras) e que, na ausência de controle
res dos diferentes municípios e entre as várias regiões efetivo de suas emissões, podem expor, além dos trabalha-
administrativas, quando se comparavam as áreas mais dores destes setores, outras populações que vivem nas pro-
ricas em relação às de baixa renda, que possuíam indica- ximidades. No Brasil, a identificação dos casos de pneumo-
dor 5 vezes maior. Por outro lado, as variáveis condições patias decorrentes destes agentes, tem ocorrido somente
econômicas e de saneamento – ao lado das variáveis de em trabalhadores, e se intensificou na década de 90, sendo,
indicador da poluição do ar e climáticas, explicavam as porém, exíguo o número de casos registrados em vista do
diferenças de mortalidade especifica por pneumonias, número de expostos.
diarréias e a perinatal, explicitando a convergência em
uma mesma área das piores condições ambientais e só- Alguns trabalhos têm buscado relacionar a distribuição di-
cio-econômicas, produzindo, como efeito na saúde, uma ferencial das condições materiais de vida no espaço urba-
sobremortalidade infantil. no, com a distribuição diferencial da morbi-mortalidade
(Peiter & Tobar, 1998). No Município de Volta Redonda – RJ,
No Brasil, seguramente grande parte das doenças e mortes esses autores demonstraram, por meio de análises de cor-
por problemas respiratórios nos últimos anos está associ- relação entre a dispersão de poluentes originários da Com-
ada à deterioração da qualidade do ar, sobretudo nas gran- panhia Siderúrgica Nacional (CSN) e dados sócio-ambien-
des cidades. É importante ressaltar que, entre 1970 e 2000, tais, que os grupos de baixa renda ocupam as áreas mais
houve um aumento substancial da emissão de poluentes poluídas. Essa situação coloca em evidência a história do
no país, que variou em 200% no caso do dióxido de enxofre processo de segregação sócio-econômica das classes mais
(SO2), e chegou a 500% no caso da emissão de hidrocarbo- pobres e seus claros reflexos na atual ocupação do espaço
netos. Estes gases, junto com a fumaça negra emitida pe- urbano brasileiro (CGVAM, 2002b).
los veículos, podem contribuir para o aumento das doen-
ças respiratórias (GEO, 2000). Além disso, na solução dos problemas de saúde da popula-
ção brasileira, relacionados com a poluição do ar, deve ser
Na região metropolitana de São Paulo, onde existem estu- também considerada a problemática das queimadas – prá-
dos mais detalhados, estima-se que 17.000.000 de pessoas tica corrente em extensas áreas agrícolas do país, para as
sofrem os efeitos da poluição atmosférica (Saldiva, 1995). quais poucos dados estão disponíveis. Em Alta Floresta,
Quando a poluição aumenta nessa capital, paralelamente se estado de Mato Grosso, um aumento de 20 vezes no núme-
observa um aumento dos problemas respiratórios, que pas- ro de pacientes portadores de doenças respiratórias foi ob-
sam a responder por 20 a 25% dos atendimentos e 10 a 12% servado, em 1997, durante um episódio de queima de bio-
das mortes. Especialistas do Laboratório de Pesquisa de massa (Brauer, 1998).
Poluição Atmosférica da Universidade São Paulo (USP), che-
garam a essa conclusão comparando dados da medição

215
o estado da saúde e do meio ambiente
6. A saúde e o ambiente nas duas b) Em Paulínea-SP, resíduos clorados e metais pesados
últimas décadas oriundos de uma grande empresa produtora de agro-
tóxicos e de incineração de resíduos organoclorados,
o estado do meio ambiente no Brasil

1983 - Cubatão - SP: Centenas de casos de intoxica- contaminam o solo e o lençol freático, expondo os
ção por benzeno são diagnosticados, problema este moradores do entorno da empresa.
também identificado em diversos pólos petroquími-
cos e siderúrgicos do país (Volta Redonda-RJ, Ouro c) Na Serra do Navio, no estado do Amapá, em área de
Branco-MG, Camaçari-BA, Vitória-ES), hoje com mais exploração de Manganês (na zona de influência des-
de 4.000 casos diagnosticados. sa cadeia produtiva), há um intenso processo de
contaminação, incluindo resíduos de arsênio, pre-
1985 - Ano marcado pelo descobrimento de aterros sentes no ambiente. Observou-se que a contamina-
clandestinos de organoclorados, em diversas áreas da ção se estende para áreas distantes da fonte de mi-
Baixada Santista - SP, vitimando residentes e trabalha- neração, incluindo a área urbana. Como é sabido, o
dores com resíduos de pentaclorofenol, tetracloreto manganês pode produzir nas pessoas expostas sín-
de carbono, percloroetileno e hexaclorobenzeno. Fo- dromes neurológicas, e o arsênio é cancerígeno para
ram observados resíduos de hexaclorobenzeno no lei- a espécie humana. Atualmente, a situação vem sen-
te materno de mulheres da área contaminada, e altera- do alvo de estudos de risco.
ções citogenéticas e hepáticas entre os trabalhadores
da indústria causadora da contaminação. Devem ser acrescentados a esses eventos, os chamados
“desastres ambientais”, considerados como desastres na-
1986 - Vila Socó, uma favela da cidade de Cubatão- turais ocorridos no período de 1990 a 1999 no território
SP, foi praticamente destruída pelo fogo, em razão brasileiro, tais como, inundações, estiagens, secas, desliza-
da queima de gasolina vazada de tubulações de uma mentos e incêndios florestais. Excetuando-se os desliza-
indústria de refino de petróleo. mentos, todos os outros foram, conseqüências diretas do
fenômeno “El NIÑO”, que afetou o clima e o regime das
1986 - Maior acidente com substância radioativa, chuvas de todo o país. Exemplificam o impacto deste fenô-
fora de uma planta nuclear, com o Césio137, na cida- meno, a ocorrência de incêndios florestais na região Norte,
de de Goiânia-Go. a seca na região Nordeste e as inundações na região Sul.

1996 - Caruarú-PE: mais de 60 pacientes de uma clíni- Deslizamentos de terra, durante chuvas torrenciais em áre-
ca de hemodiálise morrem, em decorrência da água as urbanas vulneráveis, matam muitas pessoas a cada ano
contaminada por cianobactérias (algas azuis), produ- em algumas das grandes cidades brasileiras. Enchentes
toras de hexotoxinas, que foi utilizada no processo em áreas urbanas têm sido responsáveis também por epi-
de diálise. Além do problema sanitário de falta de demias de leptospirose. Na Cidade do Rio de Janeiro, em
controle da qualidade da água, a causa ambiental, 1988 e em 1996, por exemplo, foi observado um aumento
ainda pouco explorada, provavelmente se relaciona na incidência anual dessa doença, entre 10 a 30 vezes (Con-
com a eutrofização das águas. falonieri, 2002).

2000 - Três importantes problemas ambientais, com Alterações climáticas também têm sido associadas ao au-
risco para a saúde, foram registrados: mento da incidência de febre amarela silvestre, como ob-
servado no Brasil no período de janeiro a junho de 2000, e
a) Um na cidade de Mauá-SP, onde se observou ema- que resultou em 77 casos da doença em 8 estados brasi-
nação de hidrocarbonetos aromáticos, entre eles o leiros, ocasionando a morte de 39 pessoas. Convém res-
benzeno, em um condomínio que foi erguido sobre saltar, que os últimos casos de febre amarela autóctone
um terreno utilizado no passado como depósito clan- tinham sido relatados em alguns desses estados (São
destino de resíduo industrial e desconhecido dos Paulo e Bahia) nos anos de 1953 e 1948, respectivamente
moradores. As conseqüências para a saúde huma- (Vasconcelos et alli., 2001).
na estão ainda sendo avaliadas;

216
Em relação ao impacto desses desastres, pode-se afirmar primeiro, está relacionado com a valorização da importân-
que um dos mais significativos foi na economia da região cia da Terra; e o segundo, ao diagnóstico da gravidade dos
Nordeste, onde vive cerca de 30% da população do país e problemas ambientais, acumulados, e que projetados para

o estado do meio ambiente no Brasil


com menor poder aquisitivo. No ano de 1998, a região um futuro não muito remoto, poderiam vir a inviabilizar
Nordeste teve 75,5 % da sua área afetada pela seca, com não apenas o modelo de desenvolvimento econômico,
1.429 municípios atingidos e 24 milhões de pessoas afeta- como também a própria sobrevivência da espécie humana.
das (CGVAM, 2001).
O reconhecimento da interdependência entre saúde, de-
Por outro lado, o Brasil tem registrado alguns acidentes senvolvimento econômico, qualidade de vida e condições
industriais ampliados, portanto não naturais, considera- ambientais, vem sendo superado pela consciência de que a
dos graves. Atualmente, pode ser incluído entre os países capacidade de interferência humana desenvolve um papel
que registraram os acidentes mais graves em termos de contundente no equilíbrio e na evolução de sistemas com-
óbitos imediatos, caracterizados pelo registro de cinco ou plexos. Isto significa constatar as possibilidades e as res-
mais vítimas fatais no momento do acidente. Consideran- ponsabilidades decorrentes da capacidade de intervenção
do que o Brasil está em fase de ratificação da Convenção da sociedade humana sobre seu destino, e o da vida no
174 da Organização Internacional do Trabalho sobre pre- planeta como um todo.
venção de acidentes industriais ampliados, a Fundação
Nacional da Saúde, órgão do Ministério da Saúde, está Hoje, o controle sobre as doenças transmissíveis, do mes-
desenvolvendo programas de treinamento para profissio- mo modo que o controle sobre outros componentes rele-
nais de saúde, de órgãos ambientais e de defesa civil para vantes das condições de vida, é cada vez mais transferido
promover a capacitação técnica destinada a enfrentar o para o lugar e para as pessoas, na expectativa de que ali
problema (Defesa Civil, 2000). sejam construídas as novas relações entre indivíduo, co-
munidade e ambiente, que venham estabelecer uma pers-
Assim sendo, na última década, dois marcos vieram contri- pectiva de desenvolvimento humano auto-sustentável.
buir para a emergência de um novo modo de pensar: o

217
o estado da saúde e do meio ambiente
O aumento das velhas doenças, com uma nova feição
sócio-ambiental, e o surgimento de inúmeras outras, de-
o estado do meio ambiente no Brasil

monstram a necessidade de se resgatar, de forma mais


ampla, a questão do coletivo. Por mais que se valorize a
importância das mudanças de comportamento e de uma
gestão ambiental direcionada para a saúde e para a sus-
tentabilidade, essas questões não podem ser desvincula-
das do quadro de referência mais amplo, onde passam a
ter outro significado.

Isso, que certamente é uma conquista de grande importân-


cia na direção de uma maior autonomia e integração socie-
dade-natureza, esbarra, por outro lado, na tendência atual
das políticas dos Estados, inclusive o brasileiro, que confi-
gurados pela fase da globalização que atravessamos, pro-
move um afastamento das necessidades e aspirações dos
grupos populares. Nesses termos, a saúde e as condições
de vida somente têm sua relevância, quando referenciadas
ao nível do lugar e das pessoas, onde deverão ser equacio-
nadas na conformidade dos recursos aí existentes.

218

Você também pode gostar