Resenha de - A Estrada - Jack London
Resenha de - A Estrada - Jack London
Resenha de - A Estrada - Jack London
1
A origem do termo ainda é incerta, ver PERICÁS, Luiz B. “Jack London na Estrada” in: LONDON,
Jack. A Estrada. - São Paulo: Boitempo, 2008, p. 11.
2
“É bom lembrar que, quanto em português o termo ‘vagabundo’ é bastante pejorativo e não
apresenta muitos variantes, em inglês possui diversos significados” (idem anterior).
3
Plural de hobo.
1
pessoas, como elas se deslocavam, como se relacionavam, o que faziam, etc. Resumindo,
como era viver, em detalhes, nos Estados Unidos da década de 1890 sendo um vagabundo.
Em suas nove histórias, Jack London nos relata diversos casos em que testemunha as
verdadeiras faces da sociedade capitalista norte americana. Seja pela injustiça da Justiça, pela
segregação socioeconômica ou pelos valores individualistas e meritocráticos que permeiam as
diversas relações sociais, a realidade que Jack enfrenta cotidianamente é dura e desumana.
Expressão máxima disso está nos relatos de sua estadia, por 30 dias, na Penitenciária do
Condado de Erie, na Pensilvânia, em decorrência de uma ação viciada e autoritária da justiça
local (Grampeado). A realidade na prisão era violenta e repressiva, onde apenas os mais
afortunados, envolvidos no sistema interno, venciam. De certo modo, como o próprio autor
deixa claro, funcionava como um modelo da sociedade capitalista (A Penitenciária) .
Contudo, mesmo com todas essas dificuldades que enfrenta, nunca perdeu sua própria
noção de justiça social. Pelo contrário, ele a desenvolve, sempre demonstrando seu completo
repúdio pelos abusos que ele e outros sofrem diariamente. Se não age diante da injustiça, não
é por medo da lei que as reproduz, e sim porque tem consciência de que as leis são
materializadas em pessoas mais fortes. Ou seja, London vive constantemente sob um ideário
de justiça social reprimido pelo sistema vigente.
Em meio à escória, London percebe que os únicos que poderia contar de verdade eram os
mais desafortunados. Isso fica evidente na primeira história (Confissão), quando afirma que
conseguir comida dos ricos é mais difícil do que conseguir dos pobres, pois havia uma ajuda
mútua entre os vagabundos. É, portanto, na pobreza dos hoboes que London descobre a
humanidade na sociedade, perdida e abandonada entre a pobreza.
Suas aventuras também contribuíram para sua precoce formação política, tendo sido
apresentado ao Socialismo em uma de suas viagens. Mesmo de forma puramente acidental, as
experiências que London enfrenta e suas reflexões contribuem diretamente para a sua
conscientização política. Se queria apenas se aventurar, acaba por empenhar-se em causas
sociais quando acompanha o Exército de Kelly - uma massa de 2 mil homens que se dirigiam
para Washington protestando e reivindicando melhores condições de vida e trabalho (Dois
Mil Vagabundos) . Ao ler sua obra, podemos captar esses questionamentos em cada uma
dessas nove histórias, seja no cotidiano, seja em situações de descarada injustiça ou de vida ou
morte.
2
JACK LONDON, UMA VIDA
Jack London nasceu no dia 12 de janeiro de 1876, em São Francisco, Califórnia. Filho de
Flora Wellman e de William Henry Chaney, London teve mais contato com seu padrasto,
John London, que casou com sua mãe oito meses depois de seu nascimento. Assim, adquiriu
seu sobrenome. Nascido na pobreza, o pequeno Jack, criado em Oakland, logo cedo teve que
largar os estudos por falta de dinheiro para as mensalidade. Contudo, mantendo um gosto
assíduo pela leitura fantástica, frequentava sempre a biblioteca pública da cidade.
Trabalhando sob condições precárias em diversos empregos, decidiu deixar tudo para trás
quando tinha apenas 16 anos em busca de aventuras e novas experiências de vida. A partir
desse momento, passou a realizar diversas atividades no mar, principalmente na embarcação
Sophie Sutherland, passando meses próximo ao Japão. Foi nesta época que conheceu sua
companheira de vida, a bebida alcoólica, que o acompanharia até os seus últimos dias.
Retornando aos Estados Unidos, tentou a carreira como escritor. Se num primeiro momento
obteve êxito, logo em seguida as dificuldades em emplacar novamente o fizeram interromper
o sonho, mas apenas brevemente. O sonho de ser escritor estava posto.
De vagabundo à escritor, o que levou Jack London à Estrada, aos 18 anos, foi a sua
juventude e a sua vontade de viver. Grande fonte de inspiração para suas histórias, o mundo
que o cercava era rico. O dia a dia na mendicância, na pobreza e na aventura sobre as linhas
trem o fizeram um contador de histórias. Histórias que, de acordo com o próprio, contava em
troca de comida e abrigo: “foi uma troca justa”4. Mais do que isso, se tornou um sobrevivente
da sociedade norte americana em crise, violenta e individualista, mas que acabava
encontrando nos mais simples e humildes uma gentileza rara, em falta.
Lia muito, principalmente títulos recém lançados e baratos devido à defeitos de
fabricação. Comprava-os por que não tinha dinheiro e, se tinha, devia reservá-lo para
conseguir se alimentar. Durante sua vida, escreveu diversas outras obras, como O Chamado
Selvagem (1903), O Tacão de Ferro (1907) e Caninos Brancos (1910). London teria ficado
famoso em meio ao público infantil, fazendo de A Estrada (1907-8) uma exceção.
Jack London morreu em 1916, na Califórnia, aos 40 anos, em decorrência de
complicações renais e do excesso de morfina que utilizava para combater as dores crônicas.
4
LONDON, Jack. “Instantâneos”. In: A Estrada. - São Paulo: Boitempo, 2008, p. 70.
3
Jack London na juventude.
4
Em suma, a edição da Boitempo (2008 e 2016) é um trabalho profissional de qualidade,
permitindo uma maior longevidade e importância da obra dentro do campo da literatura
moderna. Ler A Estrada de Jack London requer uma passagem obrigatória por essa edição
essencial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS