Kelly Letícia Da Silva Sakata - Dissertação
Kelly Letícia Da Silva Sakata - Dissertação
Kelly Letícia Da Silva Sakata - Dissertação
IRATI
2018
KELLY LETÍCIA DA SILVA SAKATA
IRATI
2018
Trabalho dedicado ao meu companheiro, Sérgio,
pela ajuda diária; e aos meus filhos, Pedro e
Manuela, por serem a luz da minha vida.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pela vida e saúde para desenvolver meu projeto de pesquisa. E
também por colocar pessoas maravilhosas no meu caminho.
Aos meus filhos, Pedro e Manuela, que foram a minha motivação diária e que
compreenderam os momentos de ausência. Ao meu companheiro, Sérgio, que sempre esteve
ao meu lado, me ajudando em todos os aspectos.
À minha família: meus pais, pelo carinho e pela participação em todos os momentos
da vida; e minhas irmãs, Carla e Kátia, pelas conversas e incentivos.
Agradeço à minha Orientadora, Profa. Dra. Michelle Fernandes Lima, pela atenção e
dedicação durante todo o mestrado, especialmente por incentivar a minha autonomia. Sua
competência e compromisso com a classe trabalhadora foram fontes de inspiração.
Ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Unicentro e aos professores da linha
de Políticas Educacionais, pela oportunidade de estudar nesse espaço público e de qualidade.
Aos professores membros da banca, Profa. Dra. Monica Ribeiro da Silva e Prof. Dr.
Adair Ângelo Dalarosa, pelas sugestões, correções e por toda receptividade e
comprometimento em colaborar com a minha pesquisa.
Aos professores que foram espelho para mim durante toda a minha trajetória estudantil
e acadêmica, em especial à Profa. Dra. Simone de Fátima Flach, pelas conversas e incentivos.
À minha segunda família, que foram meus amigos de estudo, de viagens e com os
quais compartilhei minhas dificuldades: Gregory Luís Rolim Rosa, Luana Aparecida Moraes,
Perla Enviy e Sabrina Corrêa da Silva.
Os fatos maturam na sombra; poucas mãos não vigiadas por
nenhum controle, tecem a teia da vida coletiva, e a massa ignora
porque não se preocupa. Os destinos de uma época são
manipulados conforme as visões restritas, as finalidades
imediatas, as ambições e paixões pessoais dos pequenos grupos
ativos, e a massa dos homens ignora-os porque não se preocupa.
Mas os fatos amadurecidos acabam por desaguar; mas a teia
tecida na sombra acaba por se cumprir: e então parece que é a
fatalidade a derrotar tudo e todos, parece que a história não é
mais do que um enorme fenômeno natural, uma erupção, um
terremoto de que todos são vítimas, quem quis ou não quis, quem
sabia ou não sabia, quem tinha estado ativo ou indiferente.
(GRAMSCI,1976, p. 122).
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Trabalhos sobre PPP na esfera administrativa municipal – Brasil – 2018 ........................... 63
Figura 2 – Mapa: Novas redes participantes do Programa Gestão para a aprendizagem no final de 2016
– 2018 .................................................................................................................................................. 111
Figura 3 – Mapa: Redes participantes do projeto Formar 2018 – 2018 .............................................. 116
Figura 4 - Município de Castro (PR) e Ponta Grossa (PR) – limites – 2018 ...................................... 119
LISTA DE QUADROS
O objetivo central da presente pesquisa foi investigar a atuação da Fundação Lemann (FL) nas
políticas educacionais brasileiras, especialmente o Programa Gestão para a Aprendizagem -
PGA nos municípios de Castro e Ponta Grossa, no Estado do Paraná. Para tanto, o capítulo 1
problematiza a relação entre Estado e políticas educacionais, com ênfase na presença dos
agentes privados na condução das políticas educacionais por meio das parcerias público–
privadas (PPP). Analisa, por uma perspectiva sócio histórica, as políticas municipais, com
destaque para a discussão do não desenvolvimento de um Sistema Nacional de Ensino – SNE
e do município como ente federado, com vistas a desvelar a emergência da atuação dos
agentes privados no contexto municipal. Identifica os principais agentes privados presentes no
âmbito educacional brasileiro e as pesquisas acadêmicas que discutem as PPP no âmbito
municipal. O capítulo 2 investiga a relação entre a FL e os Organismos Internacionais, sua
atuação no contexto brasileiro, seus principais programas voltados para o âmbito educacional
e sua concepção de gestão educacional e de políticas de formação continuada. Por fim, o
capítulo 3 problematiza a atuação do PGA nos municípios e estados brasileiros e,
especificamente nos municípios de Castro e Ponta Grossa, adentrando as concepções de
gestão educacional e políticas de formação continuada nos dois municípios. A pesquisa
documental realizou-se com foco em 29 (vinte e nove) documentos e 37 (trinta e sete) vídeos
emitidos pela FL e localizados por meio de seus sites, para além dos Termos de Parceria
firmados entre a FL e os municípios de Castro e Ponta Grossa e o Edital de Seleção do PGA.
O estudo identificou: a) há uma direção posta no Brasil de um projeto societário pautado pelas
leis de mercado e do neoliberalismo, bem como sua consonância com o paradigma
educacional proposto pela FL; b) a emergência da estratégia posta por meio da Terceira via e
materializada pelas PPP, que propagam o discurso de justiça social, principalmente no âmbito
municipal; c) a atuação da FL na educação pública brasileira está além dos programas de
parcerias público–privadas (PPP), ela interfere nas políticas educacionais, elabora materiais
didáticos e aperfeiçoou-se em desenvolver conferências, seminários e palestras; d) a
concepção de políticas de formação continuada posta pela FL é pautada no discurso de
formação voltada para a emergência de líderes e gestores de sala de aula; e) a concepção de
gestão é a gestão por resultados, em que se propõe a lógica empresarial no âmbito escolar.
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 16
CAPÍTULO 1 - RELAÇÃO ENTRE ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS: A
PRESENÇA DOS AGENTES PRIVADOS NA CONDUÇÃO DAS POLÍTICAS
EDUCACIONAIS ............................................................................................................................... 26
1.1 RELAÇÃO ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL: APROXIMAÇÕES
INICIAIS ............................................................................................................................................... 27
INTRODUÇÃO
1
Para Lima (2005), o liberalismo, ao longo do tempo, possuiu diferentes formas e sofreu algumas modificações
a partir da necessidade de manter o capitalismo vivo. Neste sentido, o princípio imutável é a defesa da
propriedade privada e a conservação do capitalismo como forma de produção.
2
Dilma Rousseff sofreu um processo de impeachment cujos trâmites duraram de 17 de abril a 31 de agosto do
ano de 2016 e, como resultado, foi destituída do cargo.
17
3
Resultado de um trabalho coletivo que estuda o processo de dominação de classe exercido pela classe burguesa
no Brasil a partir da década de 1990, capitaneado pela professora Lúcia Neves e realizado pelo Coletivo de
Estudos de Política Educacional da Universidade Federal Fluminense e da Fundação Oswaldo Cruz. Para
maiores esclarecimentos, indicamos a entrevista com a professora Lúcia Neves. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=Wb35ZFGvoMs>.
4
O Instituto brasileiro de geografia e estatística - IBGE classifica as FASFIL por grupos: 1) habitação; 2) saúde;
3) cultura e recreação; 4) educação e pesquisa; 5) assistência social; 6) religião; 7) partidos políticos; 8)
sindicatos, associações patronais e profissionais; 9) meio ambiente e proteção animal; 10) desenvolvimento e
defesa de direitos; e 11) outras instituições privadas sem fins lucrativos. Mais informações em:
<ftp://ftp.ibge.gov.br/Fundacoes_Privadas_e_Associacoes/2010/fasfil.pdf >.
18
estatais não exclusivos como educação, saúde e assistência social, almejando ganhos de
eficiência e eficácia” (ARAÚJO; PINTO, 2017, p. 44).
A privatização, antes realizada de forma direta e explícita, neste formato, ganha novos
contornos e estão sendo identificadas pelas pesquisas como Parcerias Público-Privadas - PPP.
“O conceito de público estatal e público não estatal abriu novas perspectivas para o
empresariado: a gestão por concessão. Desta forma, aquela divisão fundamental entre o
público e privado ficou matizada” (FREITAS, 2012, p. 386).
Neste sentido, Pereira e Pronko (2015) indicam que essas ações de parcerias,
atualmente, estão em concordância com a Estratégia de Educação 2020, emitida no ano de
2000 na organização do Fórum Mundial da Educação, realizado em Dakar. Este fórum foi
organizado por diversos organismos internacionais, entre eles o Banco Mundial – BM e a
Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura – Unesco. Esta estratégia
possui como meta principal alcançar a Aprendizagem para Todos, indicando ênfase em um
enfoque colaborativo.
5
O município de Castro está localizado na Região Centro-Sul do Estado do Paraná (Região dos Campos Gerais),
tendo por Municípios limítrofes Carambeí, Campo Largo, Cerro Azul, Doutor Ulisses, Itaperuçu, Piraí do Sul,
Ponta Grossa e Tibagi. População estimada 71.501 habitantes, área territorial 2.533,247 km². Informações
acessadas no site da prefeitura e no caderno do IPARDES (2018). Mais informações em:
<http://www.castro.pr.gov.br/>; <http://www.ipardes.gov.br/cadernos/MontaCadPdf1.php?Municipio=84160>.
6
Ponta Grossa é um município localizado no Segundo Planalto Paranaense, na região dos Campos Gerais.
Situado no centro do entroncamento rodoferroviário, torna-se importante devido a sua participação no Corredor
de Exportação do Paraná. É possuidor do maior parque agroindustrial do Estado e integrante da Rota dos
Tropeiros, criado pela Lei provincial nº 34 de 07 de abril de 1885, com território desmembrado de Castro.
População Estimada 344.332 habitantes, área territorial 2.025,697 km². Informações acessadas no site da
prefeitura e no caderno do IPARDES (2018). Mais informações em: <http://pontagrossa.pr.gov.br/acidade>;
<http://www.ipardes.gov.br/cadernos/MontaCadPdf1.php?Municipio=84000>. Acesso em: 01 fev. 2018.
19
legais e políticos. O interesse em estudar o tema proposto foi sendo delineado após algumas
situações pontuais:
A divulgação de uma notícia7 emitida no site da prefeitura de Ponta Grossa que indicava
a parceria da FL via o PGA com o município;
Questionamentos que apareceram no desenvolvimento de estudos já realizados no
Trabalho de Conclusão de Curso- TCC, sob o tema Conselho Municipal de Educação em
Ponta Grossa; e
Inquietações que emergiram no estudo desenvolvido no grupo de Pesquisa Estado,
Políticas e Gestão em Educação da Universidade Estadual do Centro-Oeste –
UNICENTRO8. Neste grupo os municípios de Castro e Ponta Grossa foram estudados e
caracterizados em pesquisa.
Nessa direção, a problemática central deste estudo pode ser assim apresentada: Qual a
concepção de gestão educacional e de formação continuada presentes no PGA efetivado
pela Fundação Lemann nos municípios de Castro e Ponta Grossa (PR)? A partir desta
pergunta central foram emergindo outras: Em que momento histórico brasileiro as FASFIL
começaram a atuar no âmbito educacional? Qual o contexto histórico em que emergiu as PPP,
especificamente, na esfera administrativa municipal? Como as pesquisas acadêmicas discutem
sobre as PPP na esfera administrativa municipal? Quais são as particularidades do projeto
educacional proposto pela FL? Qual a sua relação com os organismos internacionais? Como a
FL atua no contexto das políticas educacionais brasileiras da atualidade? Visto que o
programa a qual estamos nos debruçando se chama Programa Gestão para a aprendizagem-
PGA, por que a gestão ocupa um lugar de destaque pela FL?
Diante dessas problemáticas, a presente pesquisa teve por objetivo geral:
Investigar o programa Gestão para aprendizagem, observando seu funcionamento,
objetivos e estratégias em duas Redes Municipais de Educação do Estado do Paraná,
Castro e Ponta Grossa.
De forma específica, visando a:
Estudar e problematizar a relação entre Estado e políticas educacionais, com ênfase na
presença dos agentes privados na condução das políticas de formação docente;
7
Texto na íntegra disponível em: <http://www.pontagrossa.pr.gov.br/node/34738>. Acesso em: 20 mai. 2017.
8
A valorização docente é um dos temas chaves estudados no Grupo de Pesquisa: Estado, Políticas e Gestão em
Educação da Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO, ao qual a autora do projeto está vinculada.
Atualmente, o Grupo desenvolve pesquisas sobre os planos de carreira das regiões Sudeste e Centro Oriental do
Paraná. Para maiores informações: <http://www2.unicentro.br/gepoge/quem-
somos/?doing_wp_cron=1494522958.8640210628509521484375 >.
20
[...] não é a crítica, mas a revolução a força motriz da história e também da religião,
da filosofia e de toda forma de teoria. Essa concepção mostra que a história não
termina por dissolver-se, como “espírito do espírito”, na “autoconsciência”, mas que
em cada um dos seus estágios encontra-se um resultado material, uma soma de
forças de produção, uma relação historicamente estabelecida com a natureza e que
os indivíduos estabelecem uns com os outros; relação que cada geração recebe da
geração passada, uma massa de forças produtivas, capitais e circunstâncias que,
embora seja, por um lado, modificada pela nova geração, por outro lado prescreve a
esta última suas próprias condições de vida e lhe confere um desenvolvimento
determinado, um caráter especial – que, portanto, as circunstâncias fazem os
homens, assim como os homens fazem as circunstâncias (MARX; ENGELS, 2007,
p. 43).
pautada nas investigações de Antônio Gramsci9. Assim, esta proposta metodológica não é
fácil de ser concretizada. Segundo Gramsci (2016, p. 38, grifos do autor);
[...] Estado localiza nas sociedades modernas a presença de outra esfera de poder
além do Estado stricto sensu ou sociedade política, esfera esta que Gramsci chamou
de sociedade civil. A complexidade das relações políticas modernas, que Gramsci
denominou de ocidentalização, fez com que esse teórico notasse que o Estado
moderno demandava algo mais que a dominação, a coerção, a ditadura, isto é, o
Estado moderno necessita do consenso entre governantes e governados para ser
legítimo e esse consenso é produzido na sociedade civil (SANDRI, 2016, p. 17).
9
Antônio Gramsci nasceu em 23 de janeiro de 1891 em Ales e faleceu em 37 de abril de 1937. Foi o fundador do
partido comunista da Itália, sendo um dos grandes teóricos da linha marxista. Mais informações em:
<http://www.artnet.com.br/gramsci/arquiv79.htm>. Devido às limitações de tempo e de compreensão, vista a
extensão e as dificuldades de interpretação de sua obra, os Cadernos do cárcere, escritos pelo autor durante sua
prisão, foram a principal fonte utilizada durante a pesquisa (GRAMSCI, 1999; 2001; 2016).
10
Segundo Sandri (2016), a elaboração gramsciana de Estado também é chamada, por alguns autores, de Estado
ampliado ou Estado integral. Assim, nós também optamos, por vezes, a utilizar estas expressões ao remetermo-
nos à concepção gramsciana de Estado; ou seja, sociedade política e sociedade civil.
22
11
Os protocolos e seus respectivos ofícios encontram-se em anexo.
24
12
Cópia da resposta em anexo.
13
E-mails em apêndice.
25
14
Grande parte de sua obra foi escrita durante o período em que esteve no cárcere. Devido às dificuldades de
escrita por motivo de doenças e pelas condições carcerárias, as obras deste período foram organizadas
posteriormente em agrupamento temático, sendo a mais expressiva Os cadernos do Cárcere. Ela começou a ser
escrita em 1929. Além de fragmentários em razão do processo de produção e censura, a partir de sua morte,
suas obras sofreram interpretação e organização para publicação, conforme interesses do Partido Comunista
Italiano - PCI e de seu organizador, Palmiro Togliatti. A versão brasileira, principalmente as traduções de
Carlos Nelson Coutinho, também foi reorganizada conforme interesses e objetivos de edição, sem privilegiar
ordem cronológica ou temas tratados. Estes fatos dificultam a interpretação e uso dos textos. Neste sentido. o
conjunto da obra precisa ser observado.
29
15
“[...] por ter como fundamento o trabalho associado, ela sim constitui o patamar mais alto da liberdade
humana” (TONET, 2007, p. 05).
30
[...] a sociedade civil como uma instância de poder tal qual a sociedade política,
Gramsci define o Estado como uma expressão orgânica da relação entre ambas. Com
base nessa definição, concebemos a relação público privado como um processo
contraditório que permeia a sociedade política e a sociedade civil. A condição legal
de representante do interesse público contribui para que o Estado stricto sensu seja
alvo de disputas por classes sociais e/ou por grupos que buscam afirmar os seus
projetos e os seus interesses pela via da legitimidade (SANDRI, 2016, p. 28, grifo
nosso).
[...] deve ser concebido como “educador” na medida em que tende precisamente a
criar um novo tipo ou nível de civilização. Dado que se opera essencialmente sobre
as forças econômicas, que se reorganiza e se desenvolve o aparelho de produção
econômica, que se inova a estrutura, não se deve concluir que os fatos de
superestrutura devam ser abandonados a si mesmos, a seu desenvolvimento
espontâneo, a uma germinação casual e esporádica.
Entendemos que Gramsci avança no conceito de Estado, pois indica que, para a
manutenção do capital, o Estado utiliza estratégias e um aprimoramento que ultrapassa os
limites da coerção. Esta estratégia encontra-se na dominação pelo convencimento da classe
trabalhadora pela classe dominante, de que o capitalismo é a forma mais indicada de
sociabilidade. Assim, para Gramsci (2016, p. 121), “o Estado tem e pede o consenso, mas
‘educa’ este consenso através das associações políticas e sindicais, que, porém, são
organismos privados, deixados à iniciativa privada da classe dirigente”. São os chamados
aparelhos utilizados para o convencimento, para o consenso da população a certo tipo de
ideologia social. Para Gramsci, os aparelhos de hegemonia são fundamentais para o seu
exercício,
O exercício “normal” da hegemonia, no terreno tornado clássico do regime
parlamentar, caracteriza-se pela combinação da força e do consenso, que se
32
equilibram de modo variado, sem que a força suplante em muito o consenso, mas, ao
contrário, tentando fazer com que a força pareça apoiada no consenso da maioria,
expresso pelos chamados órgãos da opinião pública – jornais e associações –, os
quais por isso, em certas situações, são artificialmente publicados (GRAMSCI,
2016, p. 96, grifo do autor).
16
Para o aprofundamento, BIANCHI, A. Minicurso sobre o pensamento político de Antônio Gramsci - Aula
2. Vídeo, 2017. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=zxwzNZtFS7MB>.
33
Esta luta travada constantemente faz com que nosso cotidiano, nossos direitos e nossos
avanços, dentro do âmbito das políticas educacionais, dependam da relação de forças e dos
espaços que a classe subalterna consiga ocupar. Sendo uma destas relações de forças,
atualmente, as questões relacionadas às PPP. Entendemos que esta situação não é atemporal.
Neste sentido, emerge a questão: Quando, historicamente, iniciaram estas PPP? Por que,
principalmente no senso comum, paira a ideia de que essas PPP são positivas e indicam
avanços?
Entendemos que a problematização do senso comum é relevante, pois Gramsci ressalta
que um trabalho científico
[...] deveria partir da análise crítica da filosofia do senso comum, que é a “filosofia
dos não-filósofos”, isto é, a concepção do mundo absorvida acriticamente pelos
vários ambientes sociais e culturais nos quais se desenvolve a individualidade moral
do homem médio. O senso comum não é uma concepção única, idêntica no tempo e
no espaço: é o “folclore” da filosofia e, como o folclore, apresenta-se em
inumeráveis formas; seu traço fundamental e mais característico é o de ser uma
concepção (inclusive nos cérebros individuais) desagregada, incoerente,
inconsequente, conforme à posição social e cultural das multidões das quais ele é a
filosofia (GRAMSCI, 1999, p. 114, grifos do autor).
17
Nascido em 18 de janeiro de 1938, Anthony Giddens é membro do King’s College e foi professor de
Sociologia da Universidade de Cambridge. Foi diretor da London School of Economics and Political Science
34
divisão nas sociedades atuais. Fomenta o discurso sob os princípios da democracia formal,
como alternância de líderes no poder, conciliação de interesses postos pelos grupos sociais,
participação da população nas questões políticas, auto-organização, trabalho voluntário e
ideologia de responsabilidade social das empresas. Neste sentido, omite-se a relação entre
exploração e explorados e, consequentemente, a luta de classes.
Assim, a terceira via é uma estratégia que visa à regulação das contradições entre o
poder público e o privado para a manutenção do capital, em que emerge a setorização do real,
identificada por meio de três instâncias separadas: o primeiro setor é o Estado, a esfera
política; o segundo, o mercado, considerado a esfera privada das atividades econômicas,
empresas que visam lucro; e o terceiro setor, a sociedade civil não estatal, empresas que não
visam lucro e são conhecidas como Fundações, Institutos ou Associações, são as Fundações
privadas e Associações sem fins lucrativos-FASFIL (ADRIÃO; PERONI, 2008, p. 38).
A terceira via é, indicada por Neves (2010, p. 19), como um programa difundido “[...]
a partir de uma nova pedagogia da hegemonia: uma educação para o consenso em torno de
ideias, ideais e práticas adequadas aos interesses privados do grande capital nacional e
internacional”. A relação estabelecida pela terceira via traduz-se em uma estratégia política,
com o discurso de que seria para a contenção da crise que teria advindo do papel interventor e
regulador do Estado.
Esta estratégia se auto intitula, ideologicamente, para além das doutrinas de esquerda e
de direita; porém, identificamos que este discurso é infundado. A terceira via não foi
implementada para conter a crise, pois as crises são inerentes às sociedades capitalistas: a
terceira via foi implementada como estratégia de manutenção do capital, para a manutenção
da ordem social vigente.
No âmbito das políticas educacionais, foi uma alternativa para a privatização direta e
uma forma de disseminação da ideologia18 burguesa. Deste modo, a PPP é a materialização
dos processos de privatização, estrategicamente menos perceptível para sociedade.
Para Gramsci (2016, p. 13), estratégia, assim como tática, está materializada em um
plano orgânico, em que os elementos que são observados empiricamente e apresentados de
modo caótico no campo das ciências políticas podem “[...] ser situados nos vários níveis de
relação de forças, a começar pela relação de forças internacionais”.
Assim, identificamos que a estratégia de PPP não é uma realidade posta somente no
Brasil. Este projeto é a materialização de uma pedagogia hegemônica internacional via o
movimento chamado Educação para Todos - EPT19.
De acordo com Rabelo, Jimenez e Segundo (2015), o movimento EPT foi o início da
materialidade desta estratégia, caracterizando-se como global, sistemática e contínua. É regido
por princípios postos em declarações, documentos e conferências que são elaborados e
patrocinados por organismos internacionais, os quais o Banco Mundial orienta e monitora.
Assim, a organização burguesa para a manutenção do capital dispõe da ação dos
intelectuais orgânicos, cuja função, para Gramsci, define-se
19
Para maiores esclarecimentos, consultar a Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das
necessidades básicas de aprendizagem Jomtien, 1990. Disponível em:
<http://unesdoc.unesco.org/images/0008/000862/086291por.pdf>.
36
sistema das Nações Unidas, o BM, a OCDE e outros doadores internacionais para o
desenvolvimento” (PEREIRA; PRONKO, 2015, p. 98).
Tal programa tem como principal interesse a universalização de um paradigma
educacional, pautado pelas leis do mercado e do neoliberalismo. A intenção deste tipo de
educação está para além de qualificar as pessoas para o mercado de trabalho, ela se encontra
na indução de valores que foram sendo incluídos nos sistemas educacionais periféricos.
De acordo com Neves (2010, p. 12), a adesão popular não se desenvolveu de forma
pacífica, ocorreu e ocorre segundo uma coerção emitida com a ajuda de um forte componente
educativo. Sobre esta questão, Gramsci (2016, p. 23, grifo do autor) indica que a tarefa
educativa e formativa do Estado é
O papel do Estado brasileiro, nesta perspectiva, foi redefinido a partir dos anos 1990,
por medidas de regulação. No primeiro mandato do governo de Fernando Henrique Cardoso -
FHC (1995 a 1998), uma proposta de reforma do Estado foi emitida, e para isto foi criado o
Ministério da Administração e reforma do Estado – MARE, que gerou o documento: O Plano
Diretor da Reforma do Aparelho de Estado (1995), em que
[...] transferir para o setor privado as atividades que podem ser controladas pelo
mercado. Daí a generalização dos processos de privatização de empresas estatais.
Neste plano, entretanto, salientaremos um outro processo tão importante quanto, e
que no entretanto não está tão claro: a descentralização para o setor público não-
estatal da execução de serviços que não envolvem o exercício do poder de Estado,
mas devem ser subsidiados pelo Estado, como é o caso dos serviços de educação,
saúde, cultura e pesquisa científica. Chamaremos a esse processo de “publicização”.
Através desse programa transfere-se para o setor privado a tarefa da produção que,
em princípio, este realiza de forma mais eficiente. Finalmente, através de um
programa de publicização, transfere-se para o setor público não-estatal a produção
dos serviços competitivos ou não-exclusivos de Estado, estabelecendo-se um
sistema de parceria entre Estado e sociedade para seu financiamento e controle
(BRASIL, 1995, p. 12-13, grifo original).
As PPP emergem no conjunto das propostas incluídas nas reformas. Elas foram
direcionadas para uma abertura de mercado nos setores de políticas sociais e, para isto, o
discurso de crescimento econômico e de estratégias necessárias foi propalado para a
superação da crise, deixando ao cargo do mercado as responsabilidades que deveriam ser
exercidas pelo Estado. A publicização indicada por Bresser-Pereira (1998, p. 70) seria um
programa que prevê “[...] a transformação desses serviços em ‘organizações sociais’ - uma
entidade pública de direito privado que celebra um contrato de gestão com o Estado e assim é
financiada parcial ou mesmo totalmente pelo orçamento público”.
Para legitimar o movimento de reforma e com o intuito de naturalizar a relação
público-privada, vários textos foram escritos20, como posto no trecho abaixo:
20
Mais informações em: <http://www.bresserpereira.org.br/INDEX_g.asp>.
38
privado aquilo que é voltado para o interesse dos indivíduos e suas famílias, está
claro que o público não pode ser limitado ao estatal, e que fundações e associações
sem fins lucrativos e não voltadas para a defesa de interesses corporativos mas para
o interesse geral não podem ser consideradas privadas (BRESSER-PEREIRA,
1998, p. 66 e 67 grifo nosso).
Neste prisma, o papel dos professores também foi redefinido. Na indicação de Leher
(2010, p. 44), passam a ser concebidos “como um obstáculo à eficiência do sistema”, e de
forma pragmática, o MEC criou a Secretaria de Desenvolvimento, Inovação e Avaliação
Educacional – Sediae, na indicação da gestão qualidade total em educação; ou seja, o poder
regulador do Estado desviou-se para o final das atividades docentes, em forma de Avaliações.
Em 1997, ainda segundo Leher (2010, p. 44), novos parâmetros curriculares foram
criados, aumentando o “controle sob o conteúdo” e definindo “competências a serem
adquiridas”; assim, a expropriação “[...] do conhecimento docente foi uma das recomendações
do Programa de Promoção da Reforma Educacional na América Latina e no Caribe (Preal) e
de analistas da – Cepal”.
O âmbito da gestão educacional, principal ponte entre as PPP, também entrou no bojo
das reformas. A partir da concepção do MEC, de ineficiência deste âmbito quanto às questões
de financiamento, instituiu, a partir da Emenda Constitucional – EC nº 14/1996, o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério -
FUNDEF. Como resultado, sabemos que o FUNDEF aprofundou a municipalização espúria,
sendo uma ferramenta de política educacional com foco no ensino fundamental, de fundo
economicista21. O MEC também criou o Programa Dinheiro Direto na Escola - PDDE,
estimulando a relação nas escolas “[...] de uma pessoa jurídica de direito privado, acenando
para uma maior interação com parceiros, como ficaria evidente nos programas de
voluntariado (Amigos da Escola e Alfabetização Solidária, entre outros)” (LEHER, 2010, p.
45- 46).
Verificamos que, no decorrer da década de 1990, iniciou uma articulação de todo o
âmbito educacional, com as reformas do Estado alinhadas às políticas de cunho neoliberal de
21
De fato, com o Fundef, a União pode seguir se desobrigando de sua função suplementar em termos de
financiamento do ensino fundamental. O dever da União restringia-se a complementar os recursos do Fundo,
quando, em algum estado da Federação, o valor fosse inferior a R$ 300,00/aluno-ano (1997) e, nos anos
seguintes, ao valor per capita definido pela Lei nº 9424/1996. Para não repassar recursos aos estados, a União
não hesitou em burlar a lei do Fundef, corrigindo o valor do custo-aluno-ano conforme um índice inferior ao
previsto na referida lei, o que levou a um calote da União de R$ 12,8 bilhões no período 1998 a 2002.
Acrescente-se a isso a Desvinculação de Recursos da União (DRU), aprovada em 1994, que desvinculou 20% da
receita de impostos, reduzindo a obrigação constitucional do governo federal de aplicação em manutenção e
desenvolvimento de 18% para 14,4%, provocando uma perda superior a R$ 40 bilhões no período do governo
Cardoso (LEHER, 2010, p. 46).
39
[...] embora definida como “uma aliança” de esforços para o bem da nação, é, na
verdade, uma forma inovadora de se obter consenso em torno de um projeto criado e
dirigido pela classe empresarial. Nesse movimento, a responsabilidade social se
afirma como referência ideológica que assegura a unidade política da “direita para o
social” em seu trabalho de legitimação da sociedade capitalista e de um projeto
restrito de educação para as massas.
Entendemos que este projeto não se restringiu ao âmbito educacional: foi um projeto
societário global que ainda está em curso, e que pode ser verificado pela continuidade entre os
governos de FHC (1995-2002) e o de Luiz Inácio Lula da Silva - Lula (2003-2010). A
continuidade, principalmente entre as alianças que se formaram, foi posta antes mesmo da
candidatura de Lula, por meio da Carta aos brasileiros22,
Assim, o TPE foi a materialidade deste projeto societário global no Brasil, formado
por líderes empresarias, tais como Fundação Lemann, Gerdau, Itaú, Rede Globo, Bradesco,
22
Documento disponível na íntegra em: <http://www.iisg.nl/collections/carta_ao_povo_brasileiro.pdf>.
23
Foram escolhidos, para o Banco Central, Henrique Meirelles (Banco de Boston); para a Agricultura, Roberto
Rodrigues (liderança destacada do agronegócio); para o Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan (da Sadia, e
representante do setor de commodities); e para a Fazenda, Antônio Palocci que, embora filiado ao PT,
representava a ortodoxia neoliberal no governo, delegando toda a direção superior do ministério aos
representantes da alta finança (LEHER, 2010).
40
Unibanco, BID24, dentre outros25. Estas organizações somam esforços para forjar um tipo de
educação balizada pelas regras de mercado: uma educação básica que busque proporcionar
consensos para a classe trabalhadora, naturalizando a sua condição de classe.
Verificamos que as indicações de parcerias emitidas na década de 1990 se inclinavam
para as questões financeiras de cunho mercadológico economicista; com o TPE, as questões
ideológicas ganham destaque. Ele pode ser acurado por meio da autora Martins (2013, p. 145-
146), em sua dissertação Movimento Todos Pela Educação: um projeto de nação para a
educação brasileira, em que indica o TPE
24
Maiores informações em: <https://www.todospelaeducacao.org.br/quem-somos/mantenedores-e-apoiadores/>.
25
Para um aprofundamento sobre o tema, ler a Questão meridional de Gramsci, tradução Carlos Nelson
Coutinho.
26
Para Décio Saes (1987), a democracia difere ao longo da história e é vinculada ao tipo de Estado vigente,
sendo nomeada como democracias pré-burguesas (democracia antiga e democracia medieval), democracia
burguesa e democracia socialista. A democracia burguesa é a forma de Estado em que a classe social
exploradora (capitalistas) logra, por predominar invariavelmente no Parlamento, formalmente aberto a todas as
classes sociais, repartir com a burocracia de Estado a capacidade de definir e implementar a política de Estado.
Também é, correlatamente, o regime político no qual a competição partidária com vistas à conquista do controle
do Parlamento existe, mas é dominada invariavelmente pelos partidos políticos objetivamente comprometidos
com a conservação do capitalismo.
41
a “[...] esfera municipal de poder e os mais diferentes organismos da sociedade civil que
atuam em movimentos diversos e complementares com vistas a manter a coesão social”.
O âmbito público da PPP a qual estamos nos debruçando, é a esfera administrativa
educacional municipal e, neste sentido, perguntamos: Quais foram os movimentos históricos,
legais e econômicos que propiciaram as parcerias deste âmbito específico com o setor
privado? Alguns pesquisadores (ADRIÃO; PERONI, 2008; BOLAMINO, 2003; BEGO,
2017) indicam, em seus estudos, que estas PPP emergem, no Brasil, como decorrência da
Reforma Gerencial do Estado brasileiro, como já pontuado pelo presente estudo, e pelo
processo de municipalização do Ensino Fundamental.
Com o intuito de nos aproximarmos do nosso objeto de estudo, que visa ao
entendimento sobre a concepção das políticas de gestão educacional presentes na FL,
especificamente no PGA nos municípios de Castro e Ponta Grossa, no próximo tópico
pontuamos as principais características da esfera municipal de ensino público e sua relação
com os agentes privados.
Para tanto, discutimos alguns aspectos históricos da constituição do Estado federativo
brasileiro, no que concernem as competências do ente federado municipal. Para além da
descentralização e municipalização, especialmente o não desenvolvimento de um Sistema
Nacional de Ensino – SNE e o regime de colaboração. Após, elencamos alguns aspectos
legais que respaldam as PPP e indicamos os principais agentes privados no setor educacional
do Estado brasileiro.
municipal. Estas características passam pela discussão acerca da constituição legal brasileira
enquanto república federativa, da implementação de um SNE, das discussões sobre a
constituição histórica do munícipio enquanto ente federado (incluindo os processos de
descentralização e municipalização) e pelo regime de colaboração.
Oficialmente, o Brasil constitui-se como uma República Federativa em que a União,
Estados e Municípios possuem autonomia, ao mesmo tempo em que exercem suas
competências em regime de colaboração. A primeira Constituição republicana brasileira foi a
de 1891, considerada o resultado de uma República repleta de contradições. “Proclamada pelo
Exército, tendo à frente um monarquista, desde seu nascedouro esta é assinalada por conflitos
entre deodoristas e florianistas, que representam os dois segmentos das forças militares que
tomam o poder” (VIEIRA, 2007, p. 294). Ou seja, a república federativa brasileira emerge de
forma complexa e patrimonialista, principalmente no que tange o ente federado municipal
(ARAÚJO, 2013).
O município foi reconhecido como ente federado, adquirindo consolidação de sua
autonomia, somente pela Constituição Federal de 1988. Isto implicou tornar-se ente jurídico
com recursos e responsabilidades próprias, organizando-se político-administrativamente. No
âmbito educacional, a forma de organização está posta no Artigo 30, VI e no Artigo 211 da
CF 1988:
Art. 30. Compete aos Municípios:
VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas
de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 53, de 2006) [...]
Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em
regime de colaboração seus sistemas de ensino.
[...]
§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação
infantil. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996)
[...]
§ 4º Na organização de seus sistemas de ensino, a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a
universalização do ensino obrigatório (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
59, de 2009) (BRASIL, 1988).
Na mesma direção normativa, a LDB 1996 traz, em seu Artigo 11, a incumbência
referente aos municípios:
Neste sentido, destacamos que os obstáculos econômicos postos nos munícipios para a
concretização das políticas se traduzem nas estratégias de descentralização da política
governamental brasileira. Entendemos tal política como um descomprometimento do Estado
em relação ao ensino básico. As políticas educacionais são traduzidas pela descontinuidade,
principalmente por se tratar de um embate ideológico e político nas discussões de garantias de
direitos sociais.
Desde o período do Império, os municípios apesar “[...] de passarem a ser
responsáveis pela instrução, conforme previsto em 1828 na lei de criação das Câmaras
Municipais, não dispunham de recursos para tal empreitada” (GOUVEIA, 2008, p. 43). A
responsabilidade das ações educacionais está atrelada, entre outras questões, às condições de
implementação das políticas. Neste sentido, a descentralização educacional brasileira,
historicamente, foi realizada somente no âmbito administrativo, e não econômico e financeiro.
Com a constituição do período republicano, emergiu a chamada política dos coronéis;
neste cenário, o descaso com a educação continuou o mesmo. Assim, “[...] a educação ficou
posta como um encargo não da centralização política, mas, eminentemente da
descentralização política e administrativa, mantendo a tradição do Ato Adicional de 1834 27”
(ARAÚJO, 2013, p. 198). Isto significou mudanças apenas no aspecto legal, e não em maior
27
Foi uma medida legislativa tomada durante a Regência Trina Permanente, contemplando os interesses dos
grupos liberais. Alterava a Constituição de 1824 e foi uma tentativa de conter os conflitos entre liberais e
conservadores nas disputas pelo poder político central. O texto está disponível na íntegra em:
<http://www.planalto.gov.br/cciv il_03/leis/lim/lim16.htm>.
45
autonomia local, ao que concerne aos aspectos financeiros, cabendo aos estados a
responsabilidade pela instrução pública. Para Araújo (2013, p. 232),
Percebemos que, desde a sua origem, o município foi uma instância de disputas e que
servia aos interesses das elites. Esta característica também está posta quanto ao regime de
colaboração vertical entre municípios, Estados e a União, indicado na CF/1988 e,
posteriormente, na LDB/1996. Por sua dependência financeira com a esfera administrativa
estadual, especialmente quando inexiste um SME, a União faz emergir necessidades quanto à
implementação das políticas educacionais.
Identificamos o surgimento de uma proposta de fortalecimento e implementação do
regime de colaboração por meio de Arranjos de Desenvolvimento da Educação - ADEs28
(ARAÚJO, 2012), que foi realizada em 2011 pelo Conselho Nacional de Educação - CNE,
aprovado pelo Parecer nº 9 (BRASIL, 2011), esta proposta foi regulamentada pela Resolução
nº1/2012. O parecer indica como objetivo
28
Embora a pluralização de siglas não esteja prevista na língua portuguesa, mantivemos a grafia em razão de
constarem em citações diretas.
46
[...] desde 2008, em parceria com os três níveis de governo, fundações e institutos de
empresas, deu início à operacionalização do chamado Arranjo de Desenvolvimento
da Educação (ADE). Para o TPE, o ADE se define por um trabalho em rede, no qual
um grupo de municípios, com proximidade geográfica e características sociais e
econômicas semelhantes, buscam trocar experiências e solucionar conjuntamente
dificuldades na área da educação. Os primeiros ADE’s foram operacionalizados pelo
TPE, a partir de 2009, no Recôncavo Baiano, com o apoio do Instituto Votorantim, e
na linha férrea de Carajás (MA), com o apoio da Fundação Vale (ARAÚJO, 2012, p.
518).
em redes, o Estado-região. Assim, os ADEs emergem dos Arranjos produtivos locais – APL,
pensados como nomenclatura para contemplar as políticas em que o Estado-nação fica
responsável por criar ambientes favoráveis, estimulando os investimentos privados dentro de
redes ligadas territorialmente. Isto significa o desenvolvimento de uma agenda estratégica
tendo o local como referência única, ao mesmo tempo em que não atende suas
particularidades.
A ação posta pelo Parecer não se encontra isolada, ela faz parte de um projeto societário
pensado em diferentes níveis, principalmente pela esfera econômica global. Um exemplo
deste fato é que o BM:
[...] não parou de promover reformas baseadas nos critérios de rentabilidade
econômica. A preocupação pela educação como direito humano, estabelecida na
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), desaparece [...] seguindo os
princípios do capital humano, a educação é considerada, principalmente, um
investimento fundamental socialmente produtivo e chave para o crescimento
econômico, o desenvolvimento social e a redução da pobreza que o banco afirma
pretender alcançar (PEREIRA; PRONKO, 2015, p. 115-116).
Seguindo esta ordem, criaram-se arranjos que incidem em PPP, as quais foram
implementadas no lugar de uma organização sistêmica legal e efetiva. Neste sentido, as
estratégias e reformas emergentes na década de 1990, indicadas no Plano Diretor da Reforma
do Aparelho do Estado, continuam a permear os dias atuais. Para tanto, elas incluem uma
reforma moral e ideológica com o intuito de sua naturalização. Nesta perspectiva, para
Gramsci (2016, p. 19), uma reforma “[...] intelectual e moral não pode deixar de estar ligada a
um programa de reforma econômica; mais precisamente, o programa de reforma econômica é
exatamente o modo concreto através do qual se apresenta toda reforma intelectual moral”.
Neste contexto, os municípios, mesmo sem aporte de um SNE, após as regulamentações
da CF 1988, ficaram respaldados legalmente para organizarem seus SME. Entendemos que
somente a inclusão legal não basta para efetivar a organização de um SME. Como vimos, são
necessárias condições de implementação, articulação com as outras esferas administrativas,
elaboração de uma proposta pedagógica para além de criação e ou desenvolvimento de
Conselho e Secretaria.
Assim, de forma pragmática, na década de 1990, a educação das crianças até seis anos
emerge como dever do Estado e responsabilidade do município, em que
[...] devem responsabilizar-se pelo atendimento a crianças até seis anos nas creches,
pré-escolas e ensino fundamental, tanto na zona urbana quanto rural. Essa
vinculação com a zona rural acrescenta ao sistema municipal de educação a
responsabilidade pelo transporte de alunos e de professores, a fim de atender às
inúmeras povoações e populações dispersas, periféricas, das estradas vicinais e das
48
A esfera municipal, no período de 1991 a 2001, mais que dobrou o seu número de
matrículas, sobrecarregando os municípios. Paralelamente, observamos uma reestruturação no
que concerne às questões de financiamento, como já enunciado, principalmente com o
FUNDEF e o PDDE. Neste sentido, Bonamino (2003, p. 272) ressalta, nesta restruturação, a
estabilização “[...] da tendência a redesenhar um novo arranjo federativo, derivado da
transferência de funções, decisões e recursos educacionais do plano federal para os estados e
municípios”. Como vimos, este novo arranjo ocorreu no plano vertical, desde a
municipalização na década de 1990, como exposto por Bonamino; e no horizontal em 2011,
com o Parecer nº 9, indicado pelos ADEs. Assim, para Pinto (1996, p. 11), o arranjo da
década de 1990 indicou que
Neste prisma, verificamos, no âmbito legal, o marco posto pela Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional - LDB nº 9394/1996, que pode ser considerada “[...] a estratégia mais
importante acionada pelo novo Governo Federal para garantir a adesão dos governos locais à
descentralização administrativa e financeira da educação fundamental” (BONAMINO, 2003,
p. 262). Isto abriu espaço para os ADEs de 2011.
29
Dados referentes às matriculas da pré-escola, Ensino Fundamental e Ensino Médio.
30
Os dados referentes às esferas Federal e Privada ainda não estão disponíveis no portal do Inep.
49
31
Documento disponível na íntegra em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4024.htm>.
50
Para esclarecer como são tratadas as questões legais no que concerne as Fundações,
indicamos que o atual Código Civil Brasileiro – CCB, instituído pela Lei no 10.406/2002, em
seu Art. 40, separa as pessoas jurídicas em dois grupos, a de direito público, “a União; os
Estados; o Distrito Federal; os Territórios; os Municípios; as autarquias; as associações
públicas e demais entidades de caráter público criadas por lei”; e a de direito privado,
consideradas “as associações; as sociedades; as fundações; as organizações religiosas; os
partidos políticos; as empresas individuais de responsabilidade limitada” (BRASIL, 2002,
grifo nosso).
As FASFIL brasileiras classificam-se em associações e fundações. O CCB, ao tratar
sobre as fundações, do Art. 62 ao Art. 69, indica que devem ser criadas por meio de escritura
pública ou testamento, para fins de assistência social, cultura, educação, entre outros, sendo o
seu controle de responsabilidade do Ministério Público (BRASIL, 2002).
Neste sentido, indicamos que “[...] são diversas as ambiguidades sobre as organizações
que compõem o terceiro setor, amalgamando estatutos jurídicos com termos que se
constituem tão somente em convenções” (SILVA et al., 211, p, 45). Com o intuito de
esclarecimentos, indicamos o quadro abaixo.
32
O estudo não se encontra disponível nos sites da União. Deste modo, ancoramo-nos nos dados do documento
As Fundações Privadas e Associações Sem Fins Lucrativos no Brasil 2010 (BRASIL, 2012).
51
Este dado indica um aumento em relação a um total de 290, 7 mil indicados pelo
documento intitulado As Fundações Privadas e Associações Sem Fins Lucrativos no Brasil
2010 (BRASIL, 2012), realizado em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – IBGE e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA.
Identificamos, a partir deste último estudo, as unidades de FASFIL referentes ao âmbito
educacional, sistematizado na tabela a seguir.
Tabela 2 - Unidades locais das fundações privadas e associações sem fins lucrativos - Brasil - 2010
Classificação das entidades sem Número de unidades locais das fundações privadas e
fins lucrativos associações sem fins lucrativos
Total Percentual
Educação infantil 2 193 0,8
Ensino fundamental 4 475 1,5
Ensino médio 2 107 0,7
Educação superior 1 395 0,5
Estudos e pesquisas 2 059 0,7
Educação profissional 531 0,2
Outras formas de 4 904 1,7
educação/ensino
Grupo 4: Educação e pesquisa 17 664 6,1
33
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Cadastro Central de Empresas (2010). Elaborado pela autora .
Apesar da percentagem não ser significativa, 6,1%, o total de 17.664 é expressivo,
sendo a concentração referente ao ensino fundamental e outras formas de educação. Este dado
está em consonância com nossos estudos, em que uma das estratégias de regulação, desde a
década de 1990, era com vistas à estruturação da Educação Básica, desde o fomento da EPT
até a Aprendizagem para Todos.
Para ser classificada como FASFIL, o documento aponta cinco critérios: 1. “Ser
privadas não integrantes do aparelho de Estado”; 2. “Sem fins lucrativos”, que não distribuem
excedentes, não visando lucro; 3. “Legalmente constituídas”; 4. “Capazes de gerenciar suas
próprias atividades”; e 5. “Voluntárias”, que podem ser constituídas livremente por qualquer
grupo de pessoas (BRASIL, 2012).
Entendemos, assim como Mezarobba (2017, p. 221), que o empresariado no Brasil,
procurando dar consistência em suas ações, começou “[...] a criar organizações que dessem
homogeneidade em suas práticas. Assim, foram criadas as fundações e institutos que
arregimentavam várias empresas num projeto só”. Com o intuito de ilustrar essas
organizações, listamos os principais Institutos, Fundações e Grupos de educação do Brasil.
33
Mais informações em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/Fundacoes_Privadas_e_Associacoes/2010/pdf/tab02.pdf>. Acesso
em 05 de set. 2017.
52
O Instituto Ayrton Senna - IAS34 foi criado em 1994, após a morte de Ayrton Senna e
é presidido pela irmã do piloto. É formado por um conselho consultivo com vários setores da
sociedade empresarial, tanto de nível nacional quanto internacional. As pesquisadoras Peroni
e Comerlatto (2017), ao analisarem a parceria entre sistemas públicos de educação básica e o
IAS, indicam que esta análise implica, assim como já discorrido pelo presente texto, na
consideração ao contexto de redefinição do papel do Estado.
Esta redefinição está inserida em um movimento maior do capitalismo, em que suas
principais estratégias para superação da crise são “[...] o neoliberalismo, a globalização, a
reestruturação produtiva e a Terceira Via. Essas estratégias acabaram redefinindo as fronteiras
entre o público e o privado” (PERONI; COMERLATTO, 2017, p. 114).
Para além das parcerias, identificamos que várias empresas, institutos e fundações
procuraram criar suas próprias escolas. Assim, o Instituto Germinare – Escola de Negócios35
foi fundado em 2009, em São Paulo, por um poderoso holding brasileiro, o J&F
34
Mais informações em: <http://institutoayrtonsenna.org.br/pt-br.html.>.
35
Mais informações em: <http://www.escolagerminare.org.br/>.
53
como grupo informal em 1989, foi instituído como Grupo de Institutos, Fundações e
Empresas em 1995, por 25 organizações36. A seguir, listamos as principais, Instituições e
Fundações que compõem o GIFE.
36
Mais informações em: <https://gife.org.br/quem-somos-gife/>.
55
37
Disponível em: <https://www.todospelaeducacao.org.br/quem-somos/mantenedores-e-apoiadores/>. Acesso
em: 11 de mar. 2018.
57
Fonte: Catálogo de Teses e Dissertações e Portal de periódicos - CAPES. Elaborado pela autora.
60
Identificamos que, das cinco pesquisas, três indicam que realizaram entrevistas
semiestruturadas, duas indicam uma natureza qualitativa e todas fizeram levantamento e
análise documental. Quanto aos resultados, nenhuma pesquisa indicou pontos positivos. Elas
ressaltaram a desresponsabilização do âmbito público, a homogeneização dos conteúdos
curriculares, bem como o entendimento de que o âmbito educacional público pode ser
convertido em bens e produtos comercializáveis.
No segundo grupo, localizamos as pesquisas que tratam das PPP no que concerne aos
Arranjos, Educação a distância - EAD e conveniamentos na Educação Infantil.
Neste grupo, três pesquisas indicam que as PPP, em alguns municípios, são a única forma
de atendimento da Educação Infantil e, para além da desresponsabilização do setor público,
está a questão de financiamento. No terceiro grupo, selecionamos as pesquisas que buscam a
compreensão das PPP, no que concernem ao âmbito da gestão.
Neste último grupo, ressaltamos os trabalhos que tiveram como objeto de estudo o
IAS: eles concluíram que as PPP firmadas intensificam o trabalho do professor e são pautadas
com base na competitividade e na busca por resultados.
Destacaram-se duas teses e uma dissertação concernentes as PPP no município de
Campinas-SP, que tiveram como objeto o Programa Naves-mãe: elas indicam que está
ocorrendo um processo de privatização da Educação Infantil no município. Ressaltam o baixo
valor pago aos profissionais e as salas superlotadas, dificultando a garantia do direito à
educação das crianças deste segmento educacional.
Assim, percebemos a ausência de trabalhos sobre a FL, nosso objeto de estudo, e que
as pesquisas, de forma geral, devido a alguns grupos de estudos38, concentram-se na região
sudeste-SP. Das 20 pesquisas elencadas, 11 se localizam na região de São Paulo e apenas uma
no Estado do Paraná, em que se encontram os dois municípios estudados pelo presente
trabalho. Estas informações podem ser observadas no mapa a seguir.
38
Como o GREPPE da Unicamp-SP. Mais informações em: <https://greppe.wordpress.com/>.
63
Fonte: Catálogo de Teses e Dissertações e Portal de periódicos - CAPES. Elaborado pela autora.
Após a análise dos resumos, identificamos que o trabalho da autora Miranda (2013)
trata de um estudo multicasos, que visa a esclarecer as parcerias público-privadas na área
educacional, desenvolvidas por duas organizações: a Fundação Lemann, em São Paulo; e o
Instituto Delta, em Minas Gerais. A matriz epistemológica ancorou-se no materialismo
histórico-dialético e teve por objetivos: apreender a estrutura e funcionamento das ações das
organizações supracitadas e seus impactos na educação; identificar as fontes de recursos para
subsidiar tais ações, apreender o conteúdo e o teor das propostas da iniciativa privada e sua
instalação na gestão da escola pública. A autora concluiu que as ações desenvolvidas pelas
entidades não resolvem a crise encontrada nas localidades e colaboram para a manutenção da
sociedade de classes.
O pesquisador Brustolin (2014) objetivou, na tese, analisar as práticas de geração e
aquisição de tecnologias, principalmente, no uso dual (tanto civil, quanto militar) no Brasil,
elucidando os processos adotados pelo Brasil e nos Estados Unidos. O autor desenvolveu uma
revisão de literatura e concluiu que é proposto, no Brasil, um modelo para produzir inovações
de uso dual a partir de uma cooperação governamental militar com indústrias e universidades.
O trabalho contou com uma bolsa de estudos da Capes e uma bolsa de estudos da Fundação
Lemann.
A tese defendida por Leonardo Pina (2016) trata de uma investigação sobre a relação
entre responsabilidade social e educação escolar. O autor objetivou captar os fundamentos
das ações desenvolvidas pelos empresários socialmente responsáveis e identificar seus
desdobramentos na política educacional, desde 1994 até 2014. Para tanto, a perspectiva
epistemológica utilizada foi o materialismo histórico, e a pesquisa analisou quatro
65
textos constantes dos portais dos movimentos empresariais na internet, contraditados por
textos da produção acadêmica de autores nacionais. Após, o pesquisador analisou a disputa de
projetos educacionais voltados à gestão das escolas e dos sistemas públicos de educação.
Ao final de seu estudo, o autor abordou como o TPE e os movimentos empresariais
publicizam suas propostas e como apresentam realidades de sistemas nos quais os gestores
públicos, seguindo a lógica da cultura de metas e resultados, da responsabilização, da
meritocracia e da privatização, buscam desenvolver modelos compartilhados de gestão da
escola pública com organizações sociais do terceiro setor (PINHEIRO, 2018).
Assim, este levantamento possibilitou aproximarmo-nos da nossa temática e
entendermos que são poucos os trabalhos acerca do nosso objeto de estudo, a FL, emergindo a
necessidade de estudos tanto que problematizem as PPP na esfera municipal quanto deste
agente em questão. Isto torna a nossa pesquisa significativa e inicial quanto ao esclarecimento
das PPP, tendo como agente a FL na realidade dos municípios brasileiros. Isto nos leva a
nossa problemática inicial: Como ocorre a atuação da FL por meio da PPP realizada no PGA
nos municípios de Castro e Ponta Grossa no Estado do Paraná? Assim, no capítulo 2, tratamos
especificamente da FL em relação ao seu paradigma educacional vinculado aos Organismos
Internacionais, às suas ações no âmbito da educação brasileira e as suas concepções de
políticas de formação continuada de professores e de gestão educacional.
67
Como vimos no capítulo anterior, desde as reformas de 1990 apresentadas pelo Plano
Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (BRASIL, 1995), há uma direção posta no Brasil,
de um projeto societário pautado pelas leis de mercado e do neoliberalismo que desobriga o
aparelho estatal quanto às realizações de políticas públicas. Este projeto foi posto,
especialmente, pela publicização, vista como “[...] alternativa necessária para delimitar as
funções da aparelhagem estatal e, assim, diminuir o seu tamanho, entenda-se reduzir os gastos
públicos com o pessoal e serviços sociais de modo a garantir a remuneração dos credores
financeiros” (DOCENA, 2016, p. 170).
No percurso deste projeto, o ente administrativo municipal, especialmente em
decorrência do movimento posto pela municipalização e descentralização da gestão, aumenta
a sua demanda de instrução elementar. Pela desobrigação do aparelho estatal, pelas aberturas
legais, pela busca de qualidade e do cumprimento desta demanda, alguns municípios fazem
parcerias com o setor privado, principalmente no que concerne ao âmbito da gestão.
Assim, pela crise do próprio movimento do capital, identificado como uma
desarticulação no regime de colaboração e uma descontinuidade administrativa e política,
emerge a estratégia posta por meio da Terceira via e materializada pelas PPP. As FASFIL,
neste sentido, propagam o discurso de justiça social e uma solução de conciliação entre as
esferas públicas e privadas para conter a crise posta. Neste movimento, problematizamos:
Como conciliar interesses no âmbito público e privado que seriam, por princípio, tão opostos?
Neste sentido, concordamos com Sandri (2016, p. 21), quando indica que
[...] as formas que a relação público-privado assume, por meio das Parcerias
Público-Privado, ressaltam as contradições existentes entre interesses públicos e
interesses de cunho privado. Pois, as PPPs tendem a priorizar uma das dimensões
dessa relação. Ao priorizarem aspectos privados, o que ocorre em geral, as PPPs
acentuam a distância de se ter uma política pública no sentido de ser para todos.
o tema, que o resultado destas PPP em algumas localidades foi a desobrigação do aparelho
estatal quanto ao cumprimento do direito à educação, baixos salários dos professores e salas
superlotadas. Para além de uma privatização quase direta da Educação Infantil em algumas
localidades. Os agentes privados, aproveitando-se deste nicho econômico que se tornou a
abertura posta pelas PPP, vendem seus produtos identificados como apostilamentos, formação
continuada dos professores, formação de gestores, programas de gestão, etc. Seu intuito está
para além do financeiro: encontra-se na propagação da ideologia burguesa.
A FL, similarmente aos seus pares, possui um projeto alinhado aos princípios do
neoliberalismo. Porém, sob a perspectiva do materialismo histórico e dialético, a realidade
não é simples de ser apreendida: existem contradições e determinantes para que consigamos
nos aproximar do nosso objeto de pesquisa.
Assim, visto que a FL foi fundada em 2002 e intitula-se uma organização familiar sem
fins lucrativos indicamos o quadro com a biografia referente aos negócios realizados por
Jorge Paulo Lemann, fundador da FL.
Para além das informações contidas no quadro, indicamos que Jorge Paulo Lemann
está, segundo a Forbes39, no 29º lugar na lista dos homens mais ricos do mundo e em 1º lugar
na lista dos homens mais ricos do Brasil. Sua fortuna é estimada US$ 27,4 bilhões. A pesquisa
intitulada Carreiras em transformação, da Page Talent, empresa de recrutamento especializada em
estágios e trainees, e da Inova Business School, indica que Steve Jobs, fundador da Apple, e Jorge
Paulo Lemann estão entre as figuras que mais inspiram e influenciam a carreira dos jovens da geração
Z (nascidos a partir da década de 90) (G1ECONOMIA, 2017).
Esta influência é exercida pelo Império que se tornou seus negócios e pela elaboração de
vídeos, entrevistas e palestras que são disponibilizados no site da FL e em outros meios midiáticos.
Neste sentido, sua biografia auxilia na compreensão do viés meritocrático e neoliberal posto como pilar
dos seus negócios e, como consequência, do PGA da FL.
Neste movimento, apontamos algumas problematizações específicas quanto à FL:
Quais são as particularidades deste projeto? Qual a sua relação com os organismos
internacionais? Como a FL atua no contexto das políticas educacionais brasileiras da
atualidade? Visto que o programa sobre o qual estamos nos debruçando se chama Programa
Gestão para a aprendizagem- PGA, por que a gestão ocupa um lugar de destaque pela FL?
São muitas questões a serem analisadas. Assim, com o intuito de nos aproximar desta
discussão de forma apropriada, selecionamos o total de 29 documentos emitidos pela FL e que
foram analisados no decorrer do presente capítulo, os quais estão dispostos no quadro a
seguir.
Quadro 15 - Relação dos documentos emitidos pela Fundação Lemann selecionados para análise – 2018
MATERIAIS40 TÍTULO
Relatórios anuais Relatórios de atividades anuais (Total de 15 relatórios de 2002 até 2016)
DOC01 Boas práticas em sala de aula: estratégias de professores de redes e escolas públicas que se
destacam no Brasil
DOC02 Conselho de Classe: A visão dos professores sobre a educação no Brasil
DOC03 Excelência com Equidade: dois estudos, um qualitativo e um quantitativo, sobre escolas
que conseguem bons resultados com alunos de baixo nível socioeconômico
DOC04 Excelência com Equidade: Os desafios dos anos finais do Ensino Fundamental
Continua na página seguinte
39
É uma revista estadunidense de negócios e economia. De publicação quinzenal, a revista apresenta artigos e
reportagens originais sobre finanças, indústria, investimento e marketing. Mais informações em:
<https://www.forbes.com/billionaires/list/>. Acesso em: 16 de mai. 2018.
40
Forma que os materiais foram citados no corpo do texto.
70
41
Devido à sua extensão, os quadros com os vídeos (título, conteúdo, data e link da página) encontram-se
dispostos nos apêndices F e G.
71
Para Gramsci (2016, p. 93, grifos do autor), o “[...] esforço contínuo para se distinguir
o elemento internacional’ e ‘unitário’ na realidade nacional e local é, na verdade, a ação
política concreta, a única atividade que produz o progresso histórico”. Deste modo buscamos,
neste tópico, responder a seguinte questão: Qual a relação da FL com os organismos
internacionais? Esta pergunta encontra-se vinculada à perspectiva metodológica a qual nos
propomos, ao princípio da totalidade de determinantes que perpassam o nosso objeto de
estudo.
Entendemos que a FL não está isolada e que suas práticas e princípios estão de acordo
com um projeto societário global pensado e articulado antes da década de 1990, cujas
reformas foram seu marco. Neste sentido, de acordo com Akkari (2011), após a segunda
guerra mundial, emergiram organizações internacionais com o intuito de subsidiar os países
subdesenvolvidos no que concerne a políticas educacionais como, por exemplo, Fundo das
Nações Unidas para a Infância – UNICEF e a Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO. Essas políticas seriam implementadas pelos
países participantes com o objetivo de trabalhar a favor do capital, melhorando a qualidade da
educação e, principalmente, a economia. Ainda segundo o autor, com a queda dos governos
ditatoriais e com o movimento de abertura democrática nos países da América latina, ocorreu
um enfraquecimento dessas organizações internacionais e, concomitantemente, o
fortalecimento do Banco Mundial – BM e do Fundo Monetário Internacional - FMI.
Desta forma, Libâneo, Oliveira e Toshi (2012) e Akkari (2011) apontam um processo
de junção de paradigmas ideológicos entre as Organizações Internacionais. Para exemplificar,
a UNESCO, que possuía uma visão humanista; e o BM, possuidor de uma visão operacional,
entre outras organizações. Essa união teve o intuito de alavancar a expansão do capital em
nível global,
A expansão da educação e do conhecimento, necessária ao capital e
à sociedade tecnológica globalizada, apoia-se em conceitos como modernização,
diversidade, flexibilidade, competitividade, excelência, desempenho, ranking,
eficiência, descentralização, integração, autonomia, equidade etc. (LIBÂNEO;
OLIVEIRA; TOSHI, 2012, p. 107).
Para que o sistema capitalista se expandisse, após a década de 1980, com a abertura
democrática, desenvolveu-se um movimento de regulação em sentido global. Assim, o marco
deste projeto societário para orientar globalmente os rumos da educação foi a Conferência
Mundial de Educação para Todos, realizada em 1990 em Jomtien, financiada conjuntamente
72
pela UNESCO, pelo BM, pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento –
PNUD e pela UNICEF. Este movimento culminou nas reformas da década de 1990, como já
vimos, especialmente nos países periféricos. Após, outros eventos foram sendo estabelecidos
com o intuito de planejamento do âmbito educacional.
No movimento das reformas, destaca-se o PREAL, financiado pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento – BID e pela UNESCO. O PREAL surgiu a partir do
Projeto Principal de Educação para a América Latina e Caribe – PROMEDLAC, o qual foi
coordenado pela Oficina Regional de Educação para a América Latina e o Caribe – OERLAC,
subordinada à UNESCO (WERLANG; VIRIATO, 2012, p. 11).
Destacamos o PREAL, pois, na busca por documentos que esclarecessem como ocorre
a vinculação da FL diante deste projeto global, encontramos o documento, já citado na
introdução deste capítulo (DOC14), intitulado Saindo da Inércia? Boletim da Educação no
Brasil (FUNDAÇÃO LEMANN; PREAL, 2009), o qual foi realizado em parceria entre a FL
e a PREAL. Assim, para além dos outros documentos elencados, o DOC14 será estudado de
forma aprofundada neste tópico. Para adentrarmos de maneira clara esta discussão, antes,
faremos alguns apontamentos acerca da constituição da FL e dos seus princípios.
Fazem parte do Conselho da organização da Fundação Lemann Jorge Paulo Lemann,
Presidente e fundador; Susanna Lemann; Paulo Lemann; Peter Graber; Prof. Dr. Peter Nobel;
e Dr. Christoph Peter, Assistente do Conselho. Para além, indicamos os principais parceiros,
listados no quadro a seguir.
Observamos que as parcerias estabelecidas pela FL são complexas, visto seu vínculo,
tanto no setor público, quanto com organizações de diversas naturezas (de origem
empresarial, familiar, independente ou comunitária). Entendemos que este movimento de
organização, que se tornou complexo, pode ser problematizado a partir da categoria
hegemonia, como já tratado no capítulo 1.
Gramsci (2016), ao tratar da relação de forças necessárias para conseguir a hegemonia,
indica a necessidade de distinguir momentos fundamentais, a relação de forças sociais que é
objetiva e independe da vontade dos homens, a relação de forças políticas e forças militares.
Em relação às forças políticas, destacamos que
Deste modo, estamos de acordo com Sandri (2016, p. 31, grifos da autora), quando
indica que a
[...] unicidade dos fins políticos, intelectuais e morais de uma dada classe social, são
fundamentais para a ampliação da sua força social e para a disseminação da sua
cultura”. Neste sentido, quando observamos o movimento da FL e sua forma de
organização com os seus pares e com organizações de diversas naturezas, vemos que
existe uma “unicidade cultural”,
A qual é disseminada nas escolas públicas por intermédio dos seus programas.
Emerge, assim, a relação do papel educativo do Estado, principalmente no âmbito da
sociedade civil.
Deste modo, Mezarobba (2017, p. 254) indica que, de forma geral, o projeto que vem
sendo desenvolvido pela FL:
[...] visa [a] defender seus interesses econômicos e ideológicos, a filantropia não
passa de um disfarce para enganar a população e os representantes políticos
desavisados. Outras iniciativas empresariais, desenvolvidas pelos institutos e
fundações, que influenciam as políticas públicas de educação são patrocinadas por
diversas corporações bilionárias.
A FL, sob este prisma, possui ações semelhantes aos seus pares e, ao mesmo tempo,
algumas particularidades. O autor supracitado indica que a FL está dentre as principais
organizações42 que “não exploram comercialmente a educação”, mas realizam os “maiores
lobbys empresariais sobre a escola pública” (MEZAROBBA, 2017, p. 50).
Desta maneira, é importante ressaltar a variedade de parcerias que a FL estabelece,
tanto em nível nacional quanto internacional. Assim, podemos voltar a atenção às concepções
que as perpassam, e ao alinhamento e concordância com a estratégia de uma proposta
educacional global e hegemônica posta, principalmente, pelos Organismos Internacionais.
Pereira e Pronko (2015, p. 98, grifos dos autores) analisam a PPP não apenas de maneira
local, e indicam que
42
Martins (2013) indica que as principais corporações nacionais são: Itaú Social, Bradesco, Telefônica, Gerdau,
Camargo Correa, Unibanco, Itaú BBA, Santander, Suzano, Fundação Lemann, Instituto Península, DPaschoal,
Instituto Ayrton Senna, Fundação Victor Civita, Instituto Natura, Saraiva, além do sistema S (instituições de
interesse de categorias profissionais).
75
43
Advogado formado pela USP, foi visiting scholar na Universidade Columbia e Yale World Fellow na
Universidade Yale. Fundou e preside o conselho do Instituto Sou da Paz. É membro do conselho da Fundação
Roberto Marinho e do GIFE – grupo de Institutos, Fundações e Empresas (FUNDAÇÃO LEMANN, 2018a, on-
line).
76
apontam que essa mudança foi sugerida pela “crescente ênfase nos conceitos de justiça,
equidade, coesão social, inclusão, empowerment, oportunidade e segurança” (SHIROMA;
CAMPOS; GARCIA, 2005, p. 428).
A proposta da FL apresenta o discurso economicista; porém, com um forte apelo aos
conceitos de justiça social, oportunidade, inclusão social, meritocracia, eficiência, entre
outros. No Relatório Anual de 2002 da FL, Jorge Paulo Lemann indica este paradigma de
forma explicita:
Acreditamos que melhorar o nível educacional brasileiro é essencial para o país
se tornar mais competitivo a médio e longo prazo e para diminuir as
desigualdades e tensões sociais.
Visando uma utilização eficiente dos seus recursos, a Fundação Lemann tem
pretendido especializar-se e dedicar-se à área de melhoria da metodologia gerencial
na educação, ou seja, o aperfeiçoamento de uma cultura de avaliação de
resultados. Advindos da área empresarial e sabendo da importância da avaliação
de resultados, acreditamos que um foco similar, mas adaptado à educação, trará
grandes benefícios.
Começamos devagar em 2002, “testando as águas” com parceiros institucionais
mais experientes. Para o futuro, esperamos desenvolver um conhecimento próprio e
um nicho de atuação específico, colaborando onde for possível para a introdução
de uma cultura de avaliação de resultados na área.
Quando tivermos um histórico de resultados, captaremos recursos de instituições ou
indivíduos estrangeiros com objetivos similares e interesse em atuar no Brasil.
Educação baseada em resultados = maior competitividade e igualdade social.
Jorge Paulo Lemann (FUNDAÇÃO LEMANN, 2002, p. 2, grifos nossos).
Por meio deste discurso, entendemos a vinculação que o capitalista faz entre
desenvolvimento econômico e educação, em que atribui as desigualdades e tensões sociais à
ineficiência educacional. Enfatizamos que, na realidade, o modo de produção capitalista em
que vivemos, extremamente exploratório, é o que sustenta tais desigualdades sociais. A lógica
do capitalismo não permite a oferta de condições de vida digna à classe subalterna, mesmo
que ela proporcionasse uma educação de qualidade, como indica o discurso de Jorge Paulo
Lemann (D’ÁVILA, 2013). Assim, a concentração de riqueza e de miséria é devido ao
acúmulo de capital, como exemplo, o Império construído pelo empresário, constatado no
início do presente capítulo. Neste sentido, o
Ressaltamos que o Estado capitalista, pela sua natureza, não resolve os problemas
sociais. Neste sentido, de acordo com Pinheiro (2018, p. 13-14), percebemos que os modelos
de gestão planejados, organizados e realizados no âmbito dos municípios possuem um grau de
78
“autonomia legal, federativa, política e pedagógica,” que acabam permitindo, por parte de
setores da sociedade civil, um direcionamento. Infelizmente, esta autonomia foi uma
bandeira de luta de setores progressistas no Brasil, durante os anos 1980, e que,
posteriormente, adquiriu desvios semânticos. Estes desvios proporcionaram uma
vulnerabilidade à incursão de propostas alternativas, baseadas na cultura de metas e na
corresponsabilidade entre governos e sociedade.
A proposta da FL emite um discurso contraditório, em que utiliza desvios semânticos
como forma de adesão no seio social. Ele se pauta em melhorar a qualidade da educação,
entendida com foco em tecnologias, metodologia gerencial e avaliações. Porém, indicamos
que, atualmente, o tecnicismo se apresenta
A FL, com o intuito de legitimar seu discurso, elabora materiais que discutem
educação, com um forte apelo ao rigor científico. Eles são elaborados com base em
parâmetros de qualidade pautados em indicadores e índices desenvolvidos por Organismos
Internacionais, como o BM, OCDE, UNESCO e PREAL. Para além, citam prêmios
conquistados em rankings elaborados pelos mesmos organismos. Como forma de ilustração,
dispomos trechos sobre a relação entre os Relatórios anuais emitidos pela FL e os Organismos
Internacionais no quadro a seguir.
Quadro 18 - Excertos dos Relatórios Anuais da Fundação Lemann e sua relação com os Organismos
Internacionais – 2018
Relatório/ano Excerto
Em 2003, a Fundação Lemann investiu U$ 412.000 no projeto Gestão para o sucesso escolar,
que conta, ainda, com os seguintes parceiros:
2003
• UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura: membro
da comissão de seleção e premiação (...) (p. 32).
Continua na página seguinte
79
Podemos perceber que o paradigma educacional posto pela FL não está apenas em
sintonia com o projeto de educação global, que como já discutido, constitui-se como
neoliberal e trabalha em prol do capital. A FL trabalha em parceria com os Organismos
Internacionais, os quais são articuladores do projeto educacional global. Assim, os materiais
da FL, para além dos seus projetos, propagam a visão de mundo, o consenso emitido pela
ideologia burguesa. Neste sentido, ressaltamos que a articulação entre força e consenso é
entendida por Gramsci “[...] como uma ação hegemônica “comum” no contexto do Estado
stricto sensu. Porém, Gramsci também identificou que o processo de direção política de
determinada classe social, pode ocorrer independentemente da sua presença no âmbito do
aparelho estatal” (SANDRI, 2016, p. 29).
Este fato acontece, pois entendemos que sociedade civil é a esfera por excelência de
lutas em que ocorrem as competições entre as classes sociais. Essa luta ocorre pela defesa de
diferentes visões de mundo quanto aos projetos societários, cada qual tentando angariar
adeptos, produzindo, assim, consensos com o intuito de conquistar ou manter a hegemonia.
Nos documentos selecionados para análise, em sua maioria pesquisas direcionadas
para educadores, a articulação entre a FL e os Organismos internacionais converge em uma
ideologia comum, com o intuito de se manter enquanto classe hegemônica. Estes podem ser
verificados pelos excertos no quadro da página seguinte.
80
Quadro 19 - Excertos dos documentos selecionados para análise da Fundação Lemann e sua relação com
os Organismos Internacionais – 2018
DOCUMENTO EXCERTO
DOC03 Características dos diretores de escolas efetivas dentre os aspectos organizacionais da
escola para a melhoria do ensino e do ambiente de aprendizagem, a liderança escolar
cumpre um papel central (OECD, 2013) (p. 33).
DOC03 Geralmente exercida pelos diretores, ela é crucial ao delineamento do dia a dia e
desenvolvimento profissional dos professores. Em geral, estudos revelam que escolas
com líderes escolares efetivos são aquelas em que o diretor incentiva os professores,
ajuda-os a identificar e solucionar dificuldades na prática escolar, reconhece o bom
desempenho dos docentes e promove maior colaboração e interação entre os professores
(OECD, 2013; SOARES et al., 2012) (p. 34)
DOC03 OCDE. Avaliação e Enquadramento Analítico do PISA 2012. Paris: OCDE Publishing,
2013.
OCDE. Pisa 2012 Resultados em Foco: o que os jovens de 15 anos sabem e o que podem
fazer com o que sabem. Paris: OECD Publishing, 2014.
PREAL - Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina e El Caribe
como as escolas podem oferecer educação de qualidade aos pobres, em:< http: //
www.preal.org/ENGL/BibliotecaDes.asp? Id = 30 & Camino = 70 | Educação%
20Synopsis>. (acessado em 18/09/12). (Referências utilizadas no documento)
DOC08 A equipe de educação do Banco Mundial realizou um estudo para medir o impacto do
programa gestão de sala de aula e algumas ações complementares na qualidade do ensino
na rede estadual do Ceará os resultados indicaram que: o programa teve impacto positivo
na administração do tempo das aulas pelos professores. (p. 04)
Fonte: Elaborado pela autora.
Neste sentido, podemos mensurar a dimensão e o peso do projeto societário que está
em curso e o imperialismo que já se constituiu na esfera econômica. Deste modo, este império
está recebendo o capital humano44 necessário para a sua expansão. Este, por sua vez, é
constituído pelo paradigma educacional que está sendo pensado em nível global.
Assim, chegamos ao documento intitulado Saindo da Inércia? Boletim da Educação
no Brasil (FUNDAÇÃO LEMANN; PREAL, 2009), realizado entre a FL e a PREAL. Este
documento, para além dos documentos e relatórios já citados, representa e exemplifica a
vinculação da FL diante do projeto educacional global em curso. A PREAL indica, em seu
documento Educação na América Latina: problemas e desafios (PREAL; 2018a), que
[...] almeja levar a educação para o topo da agenda política de países em toda a
região e constituir um grupo de apoio para a reforma educativa. O PREAL é dirigido
em conjunto pelo Diálogo Interamericano e pela Corporação Para Desenvolvimento
de Pesquisa (CINDE), Santiago do Chile. Os fundos são fornecidos
maioritariamente pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Fundos
adicionais são fornecidos pelo Centro Internacional de Desenvolvimento de
Pesquisa do Canadá, pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento
Internacional (U.S. Agency for International Development - USAID) e pelo Fundo
44
O conceito surgiu na teoria econômica nos anos 1950, com os escritos de Pigou e foi, posteriormente,
popularizado por Gary Becker nos anos 1960, na escola de Chicago. O conceito neoclássico de capital
humano abarca todo gasto para consumo; em verdade, representa um gasto para investimento em capacidade
produtiva própria a um indivíduo. Desta forma, o conceito de capital coloca-se já de pronto na esfera individual,
e não mais na esfera social, como pensava Marx. O conceito de capital humano sustenta a hipótese de que os
trabalhadores são também detentores de capital, de meios de produção. Assim sendo, os economistas
neoclássicos definem capital como meios de produção, ao contrário de Marx, que definiu capital como uma
forma de sociabilidade em que riqueza abstrata (valor) gera mais riqueza abstrata (mais-valor). Em suma, o
conceito de capital humano, tão difundido nos dias de hoje pelos jornais, revistas e canais de televisão, nada mais
faz do que acobertar a cisão social existente entre produtores de riqueza (os trabalhadores) e os apropriadores da
riqueza (capitalistas), ao massificar todos nós como capitalistas detentores de nosso próprio capital na esfera
individual. A ideia de capital humano apaga, no plano cultural, as divisões de classe postas no plano econômico
(MARX 21, s.d.).
83
GE (GE Fund). Entre suas atividades, o programa encomenda estudos sobre o estado
da arte em áreas fundamentais de política da educação. Estes trabalhos são
apresentados e divulgados através da Série de Estudos Ocasionais e de conferências
realizadas em países do hemisfério. Os estudos da série são publicados
simultaneamente em inglês e espanhol.
O documento pauta-se em especialistas para legitimar o seu discurso, estes com uma
formação pautada nos princípios neoliberais. Entre estes especialistas, identificamos Jeffrey
Puryear45 Codiretor do PREAL que, no Relatório Anual (2010, p. 14), discorre sobre a
parceria entre o PREAL e a FL:
45
Puryer anteriormente serviu como chefe do escritório regional da Fundação Ford para os Andes e do Cone Sul,
e como pesquisador da Universidade de Nova York e na Universidade de Stanford. (THE DIALOGUE, s.d.).
85
divulgação e vimos com satisfação que várias universidades estão usando o boletim
em suas discussões com professores e alunos.
O PREAL compartilha com a Fundação Lemann a dedicação à expansão e melhoria
da qualidade da educação no Brasil e se alegra de ter participado de uma iniciativa
tão bem-sucedida. A Fundação Lemann está se firmando como uma liderança
regional na promoção de uma educação melhor e é um exemplo para outras
organizações não governamentais que também buscam melhorar o aprendizado e
performance dos alunos.
dominação de classe. Na BNCC, evidenciou-se que seu direcionamento esteve nas mãos do
Estado e dos empresários (D’AVILA, 2018, p. 68).
Sabemos que a dominação do grupo dirigente é exercida pela coerção e pelo consenso.
Assim, as organizações da sociedade civil, a qual a FL é integrante, trabalham em prol do
convencimento da população acerca do paradigma educacional que defendem. Neste sentido,
no Relatório anual (2015, p. 10), a FL menciona a relação da BNCC com o desafio de
construir consensos.
[...] o processo de construção da Base deixou claro que promover amplos debates
sobre políticas públicas é tão fundamental quanto complexo – especialmente no
contexto do nosso país, que nunca discutiu abertamente o que se espera que seus
alunos aprendam. Para que a Base realmente chegue ao cotidiano das escolas, o
diálogo e a transparência no processo serão decisivos. Mas para que cumpra seu
papel de garantir uma educação com maior equidade e excelência, a qualidade do
documento é inegociável. Nesse sentido, melhorias importantes no texto preliminar
se mostram necessárias: será preciso resolver, especialmente, os desafios de
coerência, progressão e rigor. Chegar a consensos, combinando ampla participação
pública com um debate técnico de alta qualidade, é talvez o maior desafio associado
à Base nesse momento.
“Nós aprendemos coisas além do que a professora ensina por causa da Khan
Academy. As aulas são muito criativas, têm assuntos que a gente nunca tinha visto e
fica curioso, assiste, faz os exercícios, conversa com os colegas e aprende. Gostei
tanto que acessei da minha casa. Todo mundo que tem computador fez isso”. Maria
Chaiany Fernandes Albuquerque, 11 anos, aluna de escola Municipal, Sobral-CE
(2013 p. 12).
“Nossos alunos relatavam que alguns professores não mantinham a atenção deles.
Tentávamos de tudo, mas sem resultado. Então encontramos o Aula Nota 10 e os
vídeos das Técnicas Didáticas. Aplicamos as técnicas e tudo começou a melhorar.
91
Algumas questões emergem a partir destas falas: Quais melhorias educacionais foram
propagadas pela FL? Qual é o tipo de educação que permeia essas formações? A quem essa
educação serve? Assim, entendemos que o viés propagandista em que são elaborados a
maioria dos materiais da FL trabalham em prol do desenvolvimento de consensos acerca do
aspecto positivo que as relações PPP estabelecem no âmbito educacional.
Neste sentido, para Gramsci (2016, p. 95), “[...] a organização do consenso é deixada a
iniciativa privada, sendo, portanto, de caráter moral ou ético, já que se trata de consenso dado
‘voluntariamente’ de um modo outro de outro”. Entendemos que, para implementar o projeto
societário global, o Estado age, como já vimos, por meio da força e do consenso. Este
consenso é disseminado, adocicado por valores éticos e morais que se adequam a um discurso
progressista, sendo aceitos, inclusive, por profissionais do âmbito educacional. Na verdade, o
que hoje se chama de bem público são os discursos que, ao mesmo tempo,
Quadro 23 - Indicadores elaborados pela Fundação Lemann para acompanhar seus programas e projetos
– 2018
INDICADORES FUNÇÃO
1- Indicadores de Contabilizam o número de candidatos ou solicitantes a participar de uma determinada
demanda iniciativa. Evidenciam a adequação de cada uma delas às aspirações, interesses e
necessidades de seus possíveis beneficiários.
2- Indicadores de Quantificam o número de pessoas diretamente impactadas pela iniciativa e explicitam a
cobertura sua relevância dentro de seu próprio contexto, quando comparada a uma demanda ou
problema pré-identificado.
3 - Indicadores Mostram o quanto os beneficiários ou parceiros operacionais estão alinhados com os
de qualidade princípios da Fundação Lemann, ao avaliar o seu desempenho nas atividades
patrocinadas.
Continua na página seguinte
92
Sob este prisma, a concepção de políticas de formação continuada que perpassa todos
os documentos, relatórios e vídeos da FL são pautadas no discurso de uma formação voltada
para a emergência de líderes e gestores de sala de aula. Esta formação tem como finalidade o
desenvolvimento econômico. Como já apontado, possui o “[...] propósito de formar
professores pautados na teoria do capital humano de forma que, os futuros trabalhadores
devem ser formados para garantir o processo de mundialização e acumulação de capital”
(D’ÁVILA, 2013, p. 11566).
Neste sentido, concordamos com Sandri (2016, p. 216-217), quando indica que a
ideologia da “meritocracia e a teoria do capital humano” servem como manobra para esconder
a realidade determinada pelas “relações econômicas capitalistas”. Desta forma, por meio da
educação, responsabilizam os jovens pelo seu sucesso escolar e econômico. Nesta
perspectiva, propagam uma ideologia que, quanto maior o capital humano adquirido e medido
por meio de indicadores, como já vimos, maior será o sucesso financeiro.
No último Relatório anual analisado, Jorge Paulo Lemann pontua que a missão da FL
é “[...] formar líderes que resolvam os problemas sociais do país, levando o Brasil a um salto
de desenvolvimento com equidade” (2016, p. 5). Entendemos que, quando as políticas de
formação continuada se pautam em mudanças pragmáticas e voltadas para o acúmulo do
capital, não há um desenvolvimento educacional voltado para a emancipação dos professores
e, consequentemente, dos alunos. Em outras palavras, não se desenvolve uma verdadeira
mudança social.
De acordo com Masson (2009, p. 17-18) existem, atualmente, duas concepções acerca
das políticas de formação de professores: a “sócio histórica” e a “neopragmática”. A
neopragmática caracteriza-se pela “implementação da epistemologia da prática”, ou seja, de
formação voltada para a lógica das competências. Esta concepção possui uma abordagem
técnico-instrumental, contribuindo para a reprodução da desigualdade, pois não possui
reflexões teóricas, mas aspectos vinculados “à prática profissional de forma utilitarista”
(MASSON, 2009, p. 17-18).
A concepção sócio histórica que defendemos busca a formação voltada para a
emancipação dos sujeitos, ou seja, por meio de um projeto coletivo e autorregulado que
desenvolva uma continuidade entre formação inicial e continuada. Tal
95
Quadro 25 - Excertos dos documentos selecionados para análise da Fundação Lemann e sua relação com
as Políticas de formação continuada de professores – 2018
DOCUMENTO EXCERTO
DOC01 Conhecer e disseminar estratégias didáticas de professores das redes e escolas que se destacam
no país: estes foram os objetivos da pesquisa “Boas Práticas em Sala de Aula”, da Fundação
Lemann. A pesquisa observou 70 professores de quatro redes que têm consistente mente
alcançado ótimos resultados de aprendizagem (p. 06).
DOC02 As avaliações externas são vistas como instrumentos que contribuem para a Educação. Ao
mesmo tempo, o professor deseja formação para ter melhor apropriação dos resultados (p. 38).
O professor quer ser visto como profissional da educação, com reconhecimento e
responsabilidades (p. 50).
DOC03 As dificuldades de atingir essa meta são muitas e conhecidas: uma grande parte dos alunos já
chega com déficits de aprendizagem no Ensino Fundamental, a formação de professores é
deficiente e com pouco foco em didática, em muitos casos os recursos financeiros são bastante
aquém do ideal, a legislação dá pouca autonomia aos gestores e falta priorização da educação por
parte dos governantes. Ainda assim, enfrentando essas mesmas dificuldades, algumas escolas
conseguem. Redes inteiras conseguem (p.10).
DOC04 Muitos professores não dominam todos os conteúdos que estão sob sua responsabilidade. Ou,
mesmo quando dominam esses conteúdos, frequentemente não dominam os recursos
necessários para ensiná-los (p. 12). Essa sensação de satisfação dos professores com o próprio
ofício parece ter relação com um conjunto de fatores objetivos promovidos pelos gestores, que
envolvem oferecer as melhores condições materiais possíveis para o trabalho docente (mesmo
quando a infraestrutura é precária) [...] (p. 33).
Continua na página seguinte
96
[...] oferecidos pela Fundação Lemann é baseado no livro Aula Nota 10,
desenvolvido pelo educador norte americano Doug Lemov. Nesse livro, o autor não
leva em conta se os professores dominam ou não os conteúdos pedagógicos. Segue
na direção de que os mesmos não possuem as técnicas adequadas para repassar aos
alunos o conhecimento necessário para sua formação. Porém, a análise do livro
citado nos permitiu concluir que o mesmo não possui um embasamento filosófico
educacional capaz de repassar conhecimentos necessários e adequados para ampliar
a aprendizagem dos alunos. [...] Esse material é mais um manual didático, que
expressa um receituário ao docente (D’ÁVILA, 2013, p. 11564).
Neste sentido, o professor aprende a seguir as indicações expressas em livros, que são
manuais didáticos. Retira-se o princípio real do trabalho do professor, desrespeitando sua
autonomia, pois o conteúdo disciplinar já vem pronto, estruturado, para apenas ser repassado.
97
Esta metodologia desloca um ensino acabado e que comprovadamente obteve êxito em uma
localidade para outras com realidades diversas. Assim, para Gramsci (2001, p. 44),
[...] o nexo instrução-educação somente pode ser representado pelo trabalho vivo do
professor, na medida em que o professor é consciente dos contrastes entre o tipo de
sociedade e de cultura que ele representa e o tipo de sociedade e de cultura
representado pelos alunos; e é também consciente de sua tarefa, que consiste em
acelerar e disciplinar a formação da criança conforme o tipo superior em luta com o
tipo inferior. Se o corpo docente é deficiente e o nexo instrução-educação é
abandonado, visando a resolver a questão do ensino de acordo com esquemas
abstratos nos quais se exalta a educatividade, a obra do professor se tornará ainda
mais deficiente: ter-se-á uma escola retórica, sem seriedade, pois faltará a
corposidade material do certo e o verdadeiro será verdadeiro só verbalmente, ou
seja, de modo retórico.
Art. 3º. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação
dos sistemas de ensino;
19.2) ampliar os programas de apoio e formação aos (às) conselheiros (as) dos
conselhos de acompanhamento e controle social do Fundeb, dos conselhos de
alimentação escolar, dos conselhos regionais e de outros e aos (às) representantes
educacionais em demais conselhos de acompanhamento de políticas públicas,
garantindo a esses colegiados recursos financeiros, espaço físico adequado,
equipamentos e meios de transporte para visitas à rede escolar, com vistas ao bom
desempenho de suas funções;
19.3) incentivar os Estados, o Distrito Federal e os Municípios a constituírem Fóruns
Permanentes de Educação, com o intuito de coordenar as conferências municipais,
estaduais e distrital bem como efetuar o acompanhamento da execução deste PNE e
dos seus planos de educação;
19.5) estimular a constituição e o fortalecimento de conselhos escolares e conselhos
municipais de educação, como instrumentos de participação e fiscalização na gestão
escolar e educacional, inclusive por meio de programas de formação de
conselheiros, assegurando-se condições de funcionamento autônomo (BRASIL,
2014).
Seguindo este pressuposto, para nós, a verdadeira qualidade educacional estaria para
além do aprendizado de conteúdos sistematizados historicamente. Está associada a uma visão
de mundo que o educando possa adquirir. Sob este aspecto, Bravo (2014, p. 43) discorre:
O autor indica a participação e uma visão mais ampla acerca dos determinantes que
incidem no processo de ensino-aprendizagem no âmbito escolar, como princípios de
qualidade. Assim como a contribuição heterogênea dos sujeitos envolvidos no processo,
proporcionando uma diversidade de atuações.
Após a discussão e a indicação do nosso posicionamento acerca da concepção de
gestão democrática como princípio de gestão no âmbito educacional, trataremos do
posicionamento da FL quanto à concepção de gestão educacional. Selecionamos alguns
excertos sobre a concepção de gestão postos em seus Relatórios anuais e sistematizamos o
quadro 26.
Quadro 26 - Excertos dos Relatórios anuais da Fundação Lemann e sua relação com a concepção de
gestão educacional – 2018
RELATÓRIO EXCERTO
2003 O foco de atuação escolhido pelo Conselho da Fundação Lemann é a consolidação da cultura
de gestão por resultados, centrando o aprendizado do aluno como razão de ser de toda a escola e
valorizando a utilização de instrumentos de avaliação como ferramenta de trabalho. Esta é uma
escolha natural para um Conselho formado por pessoas com vivência no uso dos princípios de
qualidade e na lógica de que todo recurso deve ser otimizado de forma a se obter o máximo
com o que está disponível (p. 12).
A Fundação Lemann e o IGE escolheram gestão educacional como prioridade para seus
investimentos em iniciativas que contemplam os aspectos abaixo, medidos pela melhoria do seu
desempenho escolar: • Gestão de aprendizagem, • Gestão administrativa, • Gestão de recursos
humanos. Os membros dos Conselhos da Fundação Lemann e do IGE acreditam que a
responsabilidade de garantir educação de qualidade a uma nação é de toda a sociedade e não
apenas das autoridades competentes.
A primeira edição do programa Gestão para o Sucesso Escolar Curso à distância de capacitação
2004 para diretores de escolas públicas representou um investimento de US$ 1,2 milhões,
funcionando como piloto. O desenvolvimento do conteúdo, a familiarização com as ferramentas
de educação à distância e a verificação da sua eficácia resultaram na definição de um modelo
ajustado para novas edições. Dez por cento das escolas participantes que obtiveram os melhores
resultados foram premiadas: o diretor com uma viagem técnica ao Instituto de Planejamento da
Educação da Unesco em Buenos Aires (Argentina) e a escola com uma verba de U$ 3 mil para
investir em projetos de melhoria da aprendizagem (p.15).
A abordagem do investimento social da Fundação é a escola vista por dentro, ou seja, pelas
2005 lentes da gestão no seu sentido mais amplo: a otimização dos recursos disponíveis para que os
alunos possam desenvolver o máximo de seu potencial (p. 9).
A abordagem tem três pilares, cada um serve de suporte para um grupo de desafios de
investimento e, conseqüentemente, de projetos: >> Gestão da aprendizagem – é a gestão dos
recursos envolvidos no atendimento aos alunos, quer nas escolas, quer nas secretarias. Os
projetos deste pilar envolvem treinamento e formação das lideranças de gestão (nas escolas
ou nas secretarias) e o estímulo à avaliação de desempenho dos alunos e seu uso qualificado.
Fonte: Fundação Lemann. Sistematizado pela autora.
101
Assim, a lógica empresarial no âmbito educacional encontra legitimidade por meio das
PPP, em que o direcionamento das políticas públicas educacionais volta-se para o teor
102
[...] é uma ideologia que serve como justificativa para as diferenças sociais, como
critério para se instituir uma sociedade hierarquizada, sendo que os primeiros da
ordem hierarquia são considerados os melhores e merecedores de postos superiores,
pois se esforçaram para atingirem o topo da organização. A meritocracia entendida
como ideologia, refere-se ao mérito ou a possibilidade de cada indivíduo ser notado,
reconhecido socialmente por meio da sua capacidade, ou ainda, se refere ao destaque
que cada indivíduo conquista em certa hierarquia devido ao seu talento e a sua
dedicação.
Identificamos indicadores elaborados pela FL que orientam seu conselho para diversos
tipos de tomada de decisão e na utilização de novas oportunidades de mercado. Também
identificamos que a atuação da FL na educação pública vai além dos projetos, programas,
movimentos e materiais elaborados: ela se aperfeiçoou em desenvolver conferências,
seminários e palestras. Estes eventos, como já discorrido, são desdobramentos dos seus
programas e projetos.
No final do capítulo 2 chegamos à sua concepção de gestão educacional, entendida
como gestão por resultados, em que se propõe a lógica empresarial no âmbito escolar. Este
fato ocorre na medida em que os recursos a serem utilizados são otimizados e possuem
prioridade em relação à finalidade de cunho pedagógico. A concepção de políticas de
formação continuada posta pela FL é pautada no discurso de formação voltada para a
emergência de líderes e gestores de sala de aula, tendo como finalidade o desenvolvimento
econômico social. Assim, emerge a questão: A concepção de Gestão educacional e políticas
de formação continuada posta pela FL em seus documentos e programas gerais está em
consonância com a concepção posta no PGA? Quais são as particularidades deste programa?
O PGA desenvolvido nos municípios de Castro e Ponta Grossa possuem as mesmas
características? Por que os dois municípios foram escolhidos para participar deste programa?
Assim, no presente capítulo, propomo-nos a discutir o Programa Gestão para a
aprendizagem – PGA desenvolvido pela FL e realizado especificamente nos municípios de
Castro e Ponta Grossa. Para tanto, utilizamos o Relatório anual de 2016, o qual já foi
analisado no capítulo 2; porém, no presente capítulo focamos no PGA. Também utilizamos o
Edital de seleção do PGA e os Termos de parceria estabelecidos entre a FL e os municípios
supracitados, dispostos no quadro a seguir.
Quadro 27 - Documentos sobre o Programa Gestão para a aprendizagem – PGA em parceria com Redes
Municipais de Educação selecionados para a análise – 2018
MATERIAIS TÍTULO
DOC15 Relatório anual de 2016
DOC16 Gestão para a Aprendizagem – Edital de Seleção
DOC17 Termo de parceria Fundação Lemann e Castro
DOC18 Termo de parceria Fundação Lemann e Ponta Grossa
Fonte: Fundação Lemann e as Prefeituras de Castro e Ponta Grossa. Sistematizado pela autora.
Para além destes materiais, fizemos uma pesquisa no site da FL utilizando como
descritor o termo Gestão para a aprendizagem. Localizamos 310 vídeos e, após,
selecionamos 09 deles, que auxiliaram a refletir e nos aproximarmos do nosso objeto de
pesquisa. Em um segundo momento, na busca por outros parceiros que trabalham com a FL
106
Quadro 28 - Vídeos sobre o Programa Gestão para a aprendizagem – PGA e sobre a Elos Educacional
selecionados para a análise – 2018
MATERIAIS LINK TÍTULO
VÍDEO1 https://www.youtube.com/watch?v=ugFH6T Foco pedagógico: como garantir a
1rLIE aprendizagem dos alunos
VÍDEO2 https://www.youtube.com/watch?v=ahHMN Formação em Gestão para Aprendizagem
X9fz1Y
VÍDEO3 https://www.youtube.com/watch?v=ycBWna Formar - Redes que transformam a educação
w8pIE
VÍDEO4 https://www.facebook.com/fundacaolemann/ 1º Encontro Redes Que Transformam – Formar
videos/1602008099859763/ (com a fala da Secretária de Educação de Ponta
Grossa)
VIDEO5 https://www.youtube.com/watch?v=Ss7_Rc Novas Redes - Gestão para a Aprendizagem
5kGYM 2017
VÍDEO6 https://www.youtube.com/watch?v=hEhtyT Edital Gestão para a Aprendizagem - Edição
KgoxQ 2017
VIDEO7 https://www.youtube.com/watch?v=VoFiLf Quem são os consultores do Gestão Para a
TVTU0 Aprendizagem?
VIDEO8 https://www.youtube.com/watch?v=zQ0Gir Pela Aprendizagem dos Alunos - Sonia
UNPek Guaraldo46
VÍDEO10 https://www.eloseducacional.com/quem- Conheça a Elos Educacional
somos-2/
Fonte: Fundação Lemann. Sistematizado pela autora.
46
Possui mestrado em Educação pela Universidade de São Paulo - USP - na área de didática, Teorias de Ensino
e Práticas escolares, Pós-graduação em gestão escolar pela Universidade Federal de São Carlos - UFSCAR,
graduação em Pedagogia e Letras. É diretora de escola concursada na Prefeitura Municipal de Birigu, cargo do
qual está afastada. Atualmente é Consultora do Formar da Fundação Lemann.
107
Pensar em ações que vão desde a Secretaria da Educação até a sala de aula têm um
alinhamento que vai fazer com que toda a rede esteja focada no mesmo objetivo que
é fazer com que todos os alunos aprendam (VIDEO1).
Segundo o seu Relatório anual de 2016 (DOC15), o programa atua de forma integrada
em quatro níveis: na secretaria, ele contempla lideranças pedagógicas, equipes técnicas,
formadores da secretaria, além de gestores escolares. Oferece desde apoio personalizado para
identificar desafios e desenhar ações com as secretarias de educação, até formações em gestão
pedagógica e didática específica de português e matemática para coordenadores e diretores
das escolas e formadores das próprias redes.
Entendemos que o PGA age de forma sistêmica desde a secretaria até a sala de aula.
Ao problematizar sua ação, identificamos, no decorrer da pesquisa que, para chegar a esta
organização sistêmica, o PGA passou por algumas etapas, as quais foram evoluindo para
chegar a esta estrutura apresentada.
Identificamos que a FL, desde o início da implementação do PGA, trabalha em
parceria com a Elos educacional. Esta empresa, em suas palavras, tem como missão contribuir
para a “melhoria da Educação por meio de consultoria”, formação de educadores, produção de
conteúdo, pesquisa e acompanhamento de práticas educacionais com vistas ao “fortalecimento
do ensino e da aprendizagem”, das políticas educacionais e da gestão das escolas.
109
Segundo seus dados, ela nasceu da experiência acumulada de duas educadoras47 que
atuaram como professoras e gestoras de escolas públicas e privadas da grande São Paulo, e
decidiram compartilhar suas experiências com educadores que desejam ser agentes de
transformação da educação brasileira. A Elos Educacional possui algumas parcerias,
verificadas no quadro a seguir.
47
As duas educadoras são Silvana Tamassia e Claudia Zuppini Dalcorso. A primeira é mestre em Educação:
Currículo, pela PUC-SP, na linha de pesquisa sobre formação de professores. Formada em Pedagogia com
especialização em Psicopedagogia e Educação Infantil pela UNIA. Atualmente, é aluna do MBA em Gestão
Empresarial da FGV. Atua em programas de formação de professores e gestores, e membro da rede de Talentos
da Educação da Fundação Lemann. Claudia Zuppini Dalcorso, doutoranda e mestre em Educação pela PUC-SP,
é formada em Pedagogia, com especialização em Ensino Fundamental pela FEUSP/USP e em Gestão Escolar
pela UFABC. É Conselheira Consultiva da Associação Nova Escola e integrante do Programa Talentos da
Educação da Fundação Lemann.
48
Todos os dados referentes ao formato inicial do Programa Gestão para a aprendizagem estão disponíveis no
Site da Porvir: <http://porvir.org/fundacao-lemann-elos-educacional-oferecem-formacao-de-professores-
gestores/>.
110
“Com este novo programa, o impacto é mais duradouro nas redes, com uma
abordagem sistêmica, que vai da secretaria às escolas, entendendo a necessidade real
em cada nível da rede”, conta Guilherme Antunes, gerente de projetos da Fundação
Lemann (DOC15).
Deste modo, o PGA desenvolveu-se de forma sistêmica, desde a secretaria até a sala
de aula. Em 2016, em seu relatório anual constam os municípios que estabeleceram parceria no
final daquele ano.
111
Figura 2 – Mapa: Novas redes participantes do Programa Gestão para a aprendizagem no final de 2016 –
2018
Fonte: Relatório anual da Fundação Lemann, 2016 (DOC15). Sistematizado pela autora.
2016 a julho 2018). Ele é dividido em seções: para melhor visualização, as seções no quadro
abaixo, e os conteúdos foram indicados de forma resumida.
Quadro 30 - Edital de seleção do Programa Gestão para a aprendizagem: Seções e Conteúdos - 2018
SEÇÃO CONTEÚDO
I. Contexto A FL indica que a meta do PGA é um aprendizado de alta qualidade, e que o programa foi
criado para que atinja esse objetivo com o desenvolvimento da gestão pedagógica
articulada entre as secretarias de educação e a escola.
Os consultores atuam como parceiros na elaboração de diretrizes estratégicas para a
gestão pedagógica das secretarias, com apoio na elaboração e monitoramento dos planos
II. Programa de ação implementados pela secretaria de educação. É indicado que as redes parceiras
Gestão para a receberão da Fundação Lemann: a. Consultoria em gestão pedagógica para a liderança
Aprendizagem pedagógica da secretaria e equipe técnica de acompanhamento pedagógico das escolas; b.
Formação de gestores escolares e técnicos pedagógicos da secretaria; e c. Formação de
professores, em que os professores da rede também recebem formação continuada nesta
temática em formato online, com módulos semestrais.
Além das questões administrativas, como prazo para inscrição e documentação, a FL
III. Requisitos de
indica que é necessária a Disposição para reavaliar a estrutura organizacional do
elegibilidade
departamento pedagógico da secretaria de educação e atribuição funcional de servidores.
IV. Processos e
Estão dispostas as fases da seleção, com datas e links para formulários que serão
critérios de
necessários.
seleção
V. Não consta -
VI. Compete às redes selecionadas: Designar uma equipe na Secretaria responsável por: -
Responsabilidades Coordenar as ações do programa na rede e acompanhar resultados; - Realizar reuniões
e compromissos semanais entre equipe pedagógica da Secretaria com a equipe de coordenação do
programa; - Articular e facilitar comunicação entre equipe de coordenação do programa
com escolas da rede; - Participar de um curso de aperfeiçoamento profissional durante
a implementação do programa. Garantir condições para realização de encontros
presenciais: - Disponibilizar local e definir horário para realização de encontros
presenciais com equipes técnicas, gestores e professores ao longo do projeto, bem como a
participação de todos inscritos no programa; - Garantir, no calendário escolar, as datas
de encontro presencial e de reuniões pedagógicas referentes ao programa; - Arcar com
despesas de formadores do parceiro técnico para os encontros presenciais, incluindo
deslocamento (aéreo e/ou terrestre), alimentação e hospedagem; - Assegurar a
infraestrutura para realização de encontro presencial; - Disponibilizar um funcionário
da Secretaria para prestar assistência para instalação de equipamentos de multimídia, e
organização do ambiente em encontros presenciais. Assegurar condições para realização
das atividades pedagógicas do programa; - Fornecer condições para que as equipes
técnicas, os gestores e professores realizem atividades a distância, por meio de
computadores com câmeras e microfone e com acesso à internet; - Permitir o uso de
filmagens de sala de aula e de feedback como metodologia de aperfeiçoamento docente;
- Preparar cópias dos materiais didáticos necessários para formações, de acordo com a
quantidade indicada pela coordenação do programa.
VII.
A FL indica, de forma geral, que o PGA será cancelado, caso não houver a participação da
Cancelamento do
Secretaria nas indicações postas pelos formadores do PGA.
Programa
Fonte: Gestão para a Aprendizagem – Edital de Seleção (DOC16, grifos nossos). Sistematizado pela autora.
ao encargo das redes, como arcar com despesas de formadores do parceiro técnico; assegurar a
infraestrutura; e assegurar condições para realização das atividades pedagógicas do programa.
Neste sentido, identificamos que a FL não arca com as despesas na implementação do
PGA, somente com a mão de obra dos formadores que se deslocam, com tudo pago pela
prefeitura, até as secretarias de ensino. Esta PPP também propõe mudanças que influenciam a
autonomia das escolas, como participar de um curso de aperfeiçoamento profissional; garantir,
no calendário escolar, as datas de encontro presencial e de reuniões pedagógicas referentes ao
programa; monitorar e acompanhar, conforme o cronograma de atividades, a formação de
gestores para que atinjam critérios de certificação, etc. Ou seja, toda a rede tem que se adequar
ao calendário e determinações do PGA.
Entendemos que, ao firmar a parceria com a FL via PGA, as secretarias precisam
seguir as exigências da FL, para além de arcar com as despesas do deslocamento dos
formadores, equipamentos, locais e reprodução de materiais. Em contrapartida, a meta a ser
alcançada se encontra na qualidade da aprendizagem dos alunos. Como problematizamos no
capítulo 2, esta qualidade está atrelada aos índices de Avaliações, tanto as externas quanto as
desenvolvidas pela própria FL.
Ao problematizar a qualidade, concordamos com Adrião e Peroni (2008, p. 125 – 126)
que, ao estudar o Instituto Ayrton Senna, verificam:
[...] que a gestão democrática fica muito prejudicada quando, desde o secretário de
Educação até os professores, as tarefas são definidas por um agente privado.
Questionamos o que significa o sistema público abrir mão de suas prerrogativas de
ofertar educação pública de qualidade e comprar um produto pronto, desde o
currículo escolar – já que, como vimos, as aulas vêm prontas e os professores não
podem modificá-las – até a gestão escolar (monitorada por um agente externo), e
transformar os sujeitos responsáveis pela educação em burocratas que preenchem
muito papéis. Isto, inclusive, contraria a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB) no que se refere à festão democrática da Educação.
Deste modo verificamos, por meio do Edital selecionado para análise e das reflexões
realizadas, que para além de ferir a autonomia das escolas e de perpetuar uma educação
atrelada a um projeto societário global que concebe a educação como fomento de uma
formação voltada ao capital humano, impondo ao professor uma prática neopragmática, a PPP
posta no PGA fere o princípio legal de educação posta por meio da gestão democrática.
Este fato ocorre, visto que as secretarias têm que seguir as recomendações do PGA, para além
de mudar a sua estrutura organizacional.
114
Após a análise do Edital, identificamos que, em 2017, ocorreu uma nova parceria da
FL e da Elos educacional para a realização do PGA, o MATHEMA49, que entra na formação
em didáticas específicas. O objetivo dessa frente é preparar formadores das secretarias, para
que eles possam repassar, aos professores da rede, um conhecimento das melhores estratégias
de ensino e aprendizagem em disciplinas específicas, no caso na especialidade de Matemática.
Em formato semipresencial, as formações do Mathema contemplam encontros
presenciais e online, nos quais são discutidos tanto o conteúdo da Matemática quanto temas
relacionados à didática de ensino, como gestão para a sala de aula, metodologia, avaliação,
recursos e teoria da aprendizagem. Tudo isto por meio de uma perspectiva metodológica que
garante, ao formador, as aprendizagens em Matemática e didática da Matemática, que eles
compartilharão com os demais professores.
Assim, verificamos que, no começo de 2018 o PGA não constava no site da FL. Em
seu lugar, com o mesmo formato sistêmico, a FL implementou o programa denominado
Formar. Todas as redes que formaram parceria no PGA estabeleceram parceria no Formar, mas
com duração de três anos. Separamos alguns excertos dos vídeos sobre o programa:
49
É uma instituição que, há mais de 20 anos, pesquisa e desenvolve métodos pedagógicos para melhorar a
“qualidade do ensino da Matemática”. Diretora: Maria Ignez Diniz. Informações disponíveis em:
<http://mathema.com.br/uncategorized/mathema-e-parceira-da-fundacao-lemann-no-programa-gestao-para-a-
aprendizagem/>. Acesso em: 20 set. 2018.
115
A FL discorre, ainda, que o Formar possui três anos de duração, que é customizado e
atende aos desafios da rede. Para isso, trabalha nas seguintes frentes:
Assim, os dados mais recentes50 indicam que o programa Formar está em parceria em
24 redes públicas de norte a sul do país. Em parceria com mais de 2.000 profissionais da
educação, entre equipes das secretarias, gestores escolares e professores, influenciando a
aprendizagem de mais de 850 mil alunos. Dispomos, na página seguinte, o mapa que consta
no site da FL, em que estão as redes que estabelecem parceria no programa Formar.
50
Datado de outubro de 2018.
116
A FL indica, ainda que, para a realização deste novo programa, existem as parcerias
com a Elos educacional, a Mathema e a Sincroniza educação51. Entendemos que o movimento
desenvolvido pela FL em relação ao PGA não é estático. O nosso objeto de estudo, o PGA,
modificou-se com o passar do tempo, de acordo com rearranjos desenvolvidos pela FL.
Identificamos que existe uma articulação sistemática e contínua entre a classe burguesa para
se manter enquanto classe hegemônica. Como vimos, desde a articulação entre seus pares,
como o TPE, que dão amplitude às suas ações, até articulações de parcerias para o
desenvolvimento de programas próprios.
51
Somos educadores com experiência em projetos de implementação de tecnologia em escolas públicas e
privadas. Nosso trabalho envolve formação inicial e continuada do corpo docente e dos gestores para uso
qualitativo das ferramentas tecnológicas. A equipe de formadores acompanha essa utilização por meio de
relatórios de dados, reuniões e visitas às escolas. Além disso, a Sincroniza Educação realiza a gestão
compartilhada do projeto com todos os envolvidos, oferecendo suporte na solução de problemas e propondo
formas inovadoras de uso das plataformas, de acordo com as diferentes realidades brasileiras (SINCRONIZA
EDUCAÇÃO, s.d.).
117
Para além, e de acordo com Pinheiro (2018), a FL, ao se aproximar das redes públicas
por meio do PGA, desenvolve conhecimentos acerca do espaço em que está atuando. Ou seja,
por meio destas experiências de parcerias, a FL passa a conhecer a máquina pública, desde
seu funcionamento, propostas de formação, planos de carreira, estrutura das redes, processos
pedagógicos, curriculares, avaliativos, etc. Portanto, por intermédio das parcerias, há um
movimento em dois sentidos, de fomentar a finalidade educacional voltada à ideologia
empresarial neoliberal e de conhecimento dos processos educativos que são desenvolvidos nas
escolas públicas. Assim, a FL desenvolve estratégias, articulações e rearranjos internos, como
fez com o PGA, para ir difundindo um projeto societário, como visto, global. A atuação
empresarial
[...] bem estruturada vai se redesenhando, atendendo a um número maior de
escolas, formando mais gestores, coordenadores, professores e equipes técnicas.
Alinhando objetivos, com atuação mais “profunda, sistêmica e convergente”,
modificando projetos político pedagógicos, e ocupando espaços nas redes públicas
de ensino. Todas essas ações permitem perceber que o interesse empresarial de
aproximação com as escolas públicas é crescente e fazem parte de um movimento
constante de construção de outro cenário no país, que não está presente somente na
educação, ocupa diversas áreas nas quais os entes federados eram planejadores e
executores das políticas (PINHEIRO, 2018, p. 266).
Entre a estrutura econômica e o Estado com a sua legislação e a sua coerção, está a
sociedade civil, e esta deve ser radical e concretamente transformada não apenas na
letra da lei e nos livros dos cientistas; o Estado é o instrumento para adequar a
sociedade civil à estrutura econômica, mas é preciso que o Estado “queira” fazer
isto, isto é, que o Estado seja dirigido pelos representantes da modificação ocorrida
na estrutura econômica.
Fonte: IPARDES – Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (2018). Sistematizado pela
autora.
Quanto aos aspectos educacionais, apresentamos dados gerais, no que se refere aos
dois municípios, por meio de tabelas, principalmente no que concerne à esfera administrativa
municipal, foco da nossa pesquisa. Iniciamos com o número de matrículas.
Tabela 3 - Número de Matrículas em Castro (PR) e Ponta Grossa (PR) – por dependência administrativa
2017 – 2018
MUNICÍPIOS ETAPA DA ESTADUAL MUNICIPAL PARTICULAR TOTAL
EDUCAÇÃO
BÁSICA
Município de Creche - 750 285 1.035
Castro Educação Pré- - 1.773 361 2.134
Infantil escola
Ensino Fundamental 4.754 5.035 923 10.715
Município de Educação Creche - 2.341 1.877 4.218
Ponta Grossa Infantil Pré- - 7.078 2.216 9.294
escola
Ensino Fundamental 20.442 20.518 9.659 50.619
Fonte: IPARDES (2018). Sistematizado pela autora.
Tabela 4 - Funções Docentes no Ensino Regular – Município de Castro (PR) e Ponta Grossa (PR) – 2017 –
2018
MUNICÍPIOS MODALIDADE ESTADUAL MUNICIPAL PARTICULAR TOTAL
DE ENSINO
Município de Creche - 106 31 137
Castro Educação Pré- - 170 28 198
Infantil escola
Ensino Fundamental 255 290 81 604
Município de Educação Creche - 184 173 357
Ponta Grossa Infantil Pré- - 501 159 659
escola
Ensino Fundamental 954 1.128 605 2.593
Fonte: IPARDES (2018). Sistematizado pela autora.
Tabela 5 - Estabelecimentos de Ensino Regular – Município de Castro (PR) e Ponta Grossa (PR) – 2017 –
2018
MUNICÍPIOS MODALIDADE DE ESTADUAL MUNICIPAL PARTICULAR TOTAL
ENSINO
Município de Creche - 12 7 19
Castro Educação Pré- 25 9 34
Infantil escola -
Ensino Fundamental 15 26 7 48
Município de Creche - 53 45 98
Ponta Grossa Educação Pré-
Infantil escola - 89 41 98
Ensino Fundamental 43 84 30 157
Fonte: IPARDES – Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social. Sistematizado pela autora.
da competência da esfera privada na gestão da esfera pública que permeia o seio social, como
já discutido no capítulo 1, sobre as vantagens de se firmar parcerias.
Para além, trata-se de uma escolha política que ocorreu em alguns municípios
brasileiros, como identificado no mapa disposto na Figura 3, sobre as redes municipais
participantes do projeto Formar 2018. Neste sentido, destacamos a fala da Secretária de Ponta
Grossa, sobre a parceria com a rede Formar:
“Eu acho que essas trocas de experiências são fundamentais e só vem engrandecer
nosso trabalho e o trabalho da rede Formar” (Secretária de Educação de Ponta
Grossa) (VÍDEO4, grifos nosso).
Esta fala exemplifica a escolha política feita pelos municípios, ao aderirem às PPP.
Assim, no movimento de pesquisa sobre a PPP entre o município de Castro e a FL,
identificamos, por meio do Relatório anual da FL (2008) que, em 2008, o Centro de Educação
Profissional Olegário Macedo, que fica em Castro – PR, participou do programa Parceiros
Vitae de Apoio ao Ensino Técnico e Agrotécnico. Este programa teve o aporte de recursos da
FL, do Instituto Unibanco, do Banco Itaú BBA, da Fundação José Carvalho e da Fundação
Itaú Social.
O programa Parceiros Vitae de Apoio ao Ensino Técnico e Agrotécnico foi
continuação de uma iniciativa idealizada pela Vitae em 1996, gerido pela Fundação de Apoio
à Tecnologia (FAT), com o patrocínio de um fundo formado por vários investidores. Teve
como objetivo estimular iniciativas de modernização curricular e tecnológica de escolas
técnicas e agrotécnicas de nível médio em todo o Brasil. Este programa foi realizado no
Centro de Educação Profissional Olegário Macedo de forma pontual, não verificamos outros
programas entre os municípios de Castro e Ponta Grossa e a FL.
Ao adentrar os Termos de cooperação técnica (DOC17; DOC18), indicamos que eles
possuem vigência de 2 anos. Para além da FL e dos municípios estudados, consta como
parceiro nos Termos de cooperação técnica a Elos orientação e planejamento educacional
Ltda., como já problematizado no tópico anterior. Os Termos de cooperação técnica
fundamentam-se no artigo 116 da lei 8.666/93, que regulamenta o art. 37, inciso XXI da
Constituição Federal de 1988, e institui normas para licitações e contratos da Administração
Pública, dando outras providências:
Art. 116. Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, aos convênios,
acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades
da Administração.
§ 1o A celebração de convênio, acordo ou ajuste pelos órgãos ou entidades da
Administração Pública depende de prévia aprovação de competente plano de
122
52
Maiores informações em: <http://www2.unicentro.br/gepoge/quem-
>.somos/?doing_wp_cron=1494522958.8640210628509521484375>.
53
Para além dos municípios de Castro e Ponta Grossa (Região Centro Oriental), os municípios estudados nesta
pesquisa foram os das Regiões Sudeste e Centro-Oriental do Paraná: Antônio Olinto; Bituruna; Cruz Machado;
Fernandes Pinheiro; General Carneiro; Guamiranga; Imbituva; Ipiranga; Irati; Ivaí; Mallet; Paula Freitas; Paulo
Frontin; Porto Vitória; Prudentópolis; Rebouças; Rio Azul; São João do Triunfo; São Mateus do Sul; Teixeira
Soares; União da Vitória. Arapoti; Carambeí; Imbaú; Jaguariaíva; Ortigueira; Palmeira; Piraí do Sul; Reserva;
Sengés; Telêmaco Borba; Tibagi; Ventania.
125
54
Dados de 2016 disponíveis nos sites das prefeituras.
126
Além das questões financeiras, indicamos que a Secretaria precisou reorganizar toda a
sua estrutura organizacional, como calendário e remanejamento de profissionais. Neste
sentido, percebemos que esta parceria está em consonância com os estudos de Peroni (2018,
p. 223, grifos do autor) ao indicar que,
[...] não são mudanças apenas de natureza técnica, mas na gestão, no currículo, nas
concepções e objetivos, o que temos chamado, em nossas últimas pesquisas, de
“conteúdo da educação”: o poder público repassa para o setor privado a direção e
execução das políticas educacionais, que seria sua incumbência.
Desta maneira, as políticas permanecem como uma execução estatal; porém, o privado
interfere no conteúdo da educação, desde o currículo, pela via das suas próprias avaliações,
até a gestão e organização escolar. Entendemos que, destas obrigações, a FL acaba ditando e
monitorado o conteúdo da gestão escolar.
Verificamos que a contrapartida da FL e da Elos educacional posta nos Termos de
cooperação técnica limita-se ao desenvolvimento do PGA, junto dos coordenadores
pedagógicos e diretores. Estes disseminarão o PGA para o restante da rede, para além dos
professores e de todos os segmentos da comunidade, como especificado no item a, elencado
no quadro 31.
Destacamos que, na cláusula sexta, Dos direitos autorais do curso, no item 6.3,
Entendemos que os dados adquiridos pela FL acerca do munícipio ficam sem o acesso
do próprio município após o encerramento do programa. Assim, esta PPP fere a autonomia do
município, visto que ele não pode seguir ou modificar as determinações do PGA. Este age de
forma sistêmica e cíclica, para além de ser uma fonte de informação à FL sobre a estrutura
organizacional e gestacional do município.
De modo geral, percebemos que os Termos de cooperação técnica analisados são
simplistas e sem detalhamento sobre como irá ocorrer a PPP em sua operacionalização. A
cláusula principal a ser analisada concentra-se nas obrigações das partes envolvidas, as quais
já foram explicitadas. Para além, indicamos que, apesar de ser mencionado na cláusula
Segunda, item 2.1.5. “Publicar o extrato do presente Termo na imprensa oficial” (DOC17;
DOC18), não obtivemos êxito na busca pelos Termos no diário oficial dos dois municípios, o
127
Neste sentido, Sandri (2018, p. 111) apresenta apontamentos acerca da gestão por
resultados:
A concepção de Gestão Escolar para Resultados, por exemplo, resume a participação
da comunidade escolar em ações pontuais como reparar danos da estrutura da escola,
mobilizações do estilo "gincanas”, campanhas de arrecadação de recursos e de
materiais, trabalho voluntário, enfim participação em atividades imediatas, de curta
duração e pragmáticas. Tais ressignificações, além de aparecerem no contexto das
políticas educacionais, estão nas propostas de gestão escolar das mais diversas
naturezas, como são os casos dos projetos sugeridos pelo empresariado brasileiro
para as escolas públicas [...].
A lógica empresarial é transferida para o âmbito educacional, fazendo com que perca o
princípio de um direito social. Neste sentido, a meritocracia é fomentada como medição de
avaliações internas, para além das já postas externamente. Assim, os professores mais
competentes são premiados. Como já verificado no capítulo 2, a Educação pública não se
encontra atualmente como um serviço exclusivo do Estado stricto sensu. Percebe-se que
130
[...] abrindo espaço para que entes privados ou organizações do terceiro setor
influenciem no gerenciamento dos sistemas de ensino em determinada região, num
modelo de gestão compartilhada ou por concessão, em que o público é administrado
privadamente, a pretexto de melhorar a qualidade da educação, numa noção de
qualidade instrumental ao mercado. Nesse bojo, encontram-se também propostas de
construção de um “indicador nacional” de eficiência na gestão e de ampliação das
parcerias com o setor privado (PINHEIRO, 2018, p. 121).
Como refletimos ao longo do trabalho, esta conjuntura posta ocorre via o conjunto das
ideologias burguesas, que são constituídas por meio da mídia, amplas propagandas, igrejas e
todo o aparelho da sociedade civil em meio à correlação de forças. O PGA, de forma
específica, é propagado pelos seus inúmeros vídeos postados no site da FL, pelas suas
palestras, conferências e pela sua página55 no facebook.
Para além da questão dos resultados incluídos na gestão, emergem as problemáticas ao
PGA: Por que Gestão para a aprendizagem? Gestão que possibilita a aprendizagem de quem?
Qual o sentido de vincular Avaliações internas como forma de monitoramento? Neste sentido,
entendemos que a proposta gestacional localiza-se na gestão por resultados, principalmente
nas avaliações propostas. A título de ilustração, trouxemos o excerto a seguir.
A autora indica que, atualmente, pela crise profunda de uma tradição cultural,
emergem as escolas do tipo profissional, as quais possuem interesses de ordem prática. Neste
sentido, a nossa perspectiva indica a vinculação entre a teoria e a prática para o
desenvolvimento do ensino-aprendizagem. Em contrapartida, percebemos que
Com novos programas, que coincidem com uma queda geral do nível do corpo
docente, simplesmente não existirá mais nenhuma “bagagem” a organizar. Os novos
programas deveriam ter abolido completamente os exames; prestar um exame, hoje,
deve ser muito mais um “jogo de azar” do que antigamente. Uma data é sempre uma
data, qualquer que seja o professor examinador, e uma “definição” é sempre uma
definição; mas e um julgamento, uma análise estética ou filosófica?
Desta forma, este livro vivo, que visava a atender as necessidades de um povo situado
em uma determinada época, explica necessidades políticas localizadas em um determinado
tempo e espaço. E atualmente? Quem é o condottiero presente nas políticas educacionais?
Como ele se materializa nos municípios e determina a vontade coletiva? Restam, ainda,
algumas questões proporcionadas, especialmente pelo movimento do objeto de análise: Por
que a mudança de nome para Formar? Qual o significado desta mudança? Existem outros
programas da FL com o mesmo formato sistêmico?
134
CONCLUSÕES
Identificamos, por meio das pesquisas sobre o tema, que o resultado das PPP foi a
desobrigação do aparelho estatal quanto ao cumprimento do direito à educação, baixos
salários dos professores, salas superlotadas e privatização quase direta da Educação
Infantil em algumas localidades. Os agentes privados, aproveitando-se deste nicho
136
econômico que se tornou a abertura posta pelas PPP, vendem seus produtos
identificados como apostilamentos, formação continuada dos professores, formação de
gestores, programas de gestão, etc. Seu intuito está para além do financeiro: encontra-
se na propagação da ideologia neoliberal burguesa.
A FL, para além do projeto de parceria entre as redes públicas, propaga o paradigma
educacional neoliberal no seio social por outros meios, como seminários e distribuição
de documentos. Identificamos indicadores elaborados pela FL que orientam seu
conselho para diversos tipos de tomada de decisão e na utilização de novas
oportunidades de mercado. Também identificamos que a atuação da FL na educação
pública vai além dos projetos, programas, movimentos e materiais elaborados, pois ela
se aperfeiçoou em desenvolver conferências, seminários e palestras. Estes eventos são
desdobramentos dos seus programas e projetos.
humano, ou seja, a formação tanto profissional quanto dos alunos como vinculadas aos
interesses do empresariado.
No início do ano de 2018, o PGA não constava no site da FL. Em seu lugar, com o
mesmo formato sistêmico, a FL implementou o programa denominado Formar. Todas
as redes que formaram parceria no PGA estabeleceram parceria no Formar, mas com
duração de três anos. Assim, podemos inferir que o nosso objeto de estudo, o PGA,
modificou-se com o passar do tempo, de acordo com rearranjos desenvolvidos pela
138
FL. Identificamos que existe uma articulação sistemática e contínua entre a classe
burguesa para se manter enquanto classe hegemônica.
Em relação à PPP entre a FL e os municípios de Castro e Ponta Grossa, por meio do PGA,
inferimos que:
Há um movimento em dois sentidos, de fomentar a finalidade educacional voltada à
ideologia empresarial neoliberal e de conhecimento dos processos educativos que são
desenvolvidos nas escolas.
Após esta visão geral sobre as nossas principais conclusões, indicamos que não temos
ingenuidade no entendimento de que a PPP estabelecida entre os dois municípios estudados e
a FL obteriam outros resultados. Contudo, temos clareza do papel que possui a pesquisa na
área de políticas educacionais. Neste sentido, objetivamos, neste estudo, sistematizar a
realidade para que, com a apropriação e aproximação do real, possamos avançar no
conhecimento e estabelecer um movimento de denúncia e de outra hegemonia, para além de
reorganização de nossas bases enquanto pertencentes à classe subalterna.
Neste sentido, ressaltamos a perspectiva gramsciana, a qual indica que a classe subalterna
precisa se organizar e construir novos modos de ação e concepção de mundo próprios e
críticos, desvinculados da filosofia burguesa. Eles são necessários e precisam estar
comprometidos com a transformação social e o trabalho associado.
A partir das nossas análises, podemos realizar algumas reflexões da teoria com a
prática. A classe burguesa comumente desenvolve uma educação diferente para a classe
subalterna e para a elite dominante. Para a classe subalterna há uma educação voltada ao
trabalho assalariado; às elites, uma educação voltada para a direção de classe. Neste sentido, a
educação propagada pelas PPP, voltada para o trabalho como sinônimo de qualidade, não é a
mesma educação de qualidade oferecida para a classe dominante.
A qualidade educacional para o proletariado, segundo Gramsci ao analisar a
conjuntura do âmbito escolar de seu tempo (1976, p. 101), seria posta por
[...] uma escola desinteressada. Uma escola em que seja dada a criança a
possibilidade de formar-se, de se tornar homem, de adquirir os princípios gerais que
servem para o desenvolvimento do caráter. Uma escola humanista, em suma, como a
entendiam os antigos e os mais recentes homens do Renascimento. Uma escola que
não hipoteque o futuro da criança e não obrigue a sua vontade, a sua inteligência e a
sua consciência em formação a mover-se num sentido pré-estabelecido. Uma escola
de liberdade e de livre iniciativa e não uma escola de escravidão e mecânica.
Para Gramsci, uma escola de qualidade está para além de uma formação voltada para o
trabalho assalariado e explorador; a qualidade consiste em uma escola desinteressada, em que
haja uma formação humanista, que englobe o trabalho como ato fundante do ser social.
140
Assim, para que o aluno não possua uma formação pré-determinada. Neste sentido, a escola
de qualidade propagada pela classe burguesa seria uma escola a qual Gramsci denomina como
interessada, em que a elite dominante educa a classe subalterna para o trabalho assalariado,
incutindo nela uma cultura burguesa de submissão.
Assim, superar o senso comum no seio social, que tem como base a filosofia burguesa,
significa “[...] redirecionar a práxis política no sentido de propiciar às classes subalternas a
libertação das formas de pensar homogeneizadas pelo pensamento liberal e o fortalecimento
de seus projetos e ações na construção de uma contra-hegemonia” (SIMIONATTO, 2009, p.
45); em outras palavras, a construção de outra hegemonia, que supere a hegemonia capitalista
burguesa. Gramsci (1999, p. 103, grifo do autor) indica que
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APÊNDICES
155
melhoria da
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A prioridade da Izolda Cela, secretária de educação do 10/04/201 https://www.youtub
educação na Estado do Ceará, falou ao público do 5º 3 e.com/watch?v=uY
gestão pública - Seminário Líderes em Gestão Escolar TyjALH8Sw
5º LGE sobre os desafios de gestores para
alcançar o aprendizado dos alunos de
suas rede.
Fundação Sobral é referência nacional em 10/04/201 https://www.youtub
Lemann educação se destacando no Ideb (Índice 7 e.com/watch?v=Fqs
Transforma: de Desenvolvimento da Educação wuHTH3IY
Gestão Para a Básica) e em temas como gestão para a
Aprendizagem aprendizagem. Júlio da Costa, ex-
secretário da Educação da cidade, fala
sobre a importância da gestão para
garantir uma educação de qualidade para
todos os alunos.
7º Seminário Temas: Liderar- educar e transformar 20/05/201 https://www.youtub
Líderes em (playlist com 17 vídeos) 5 e.com/watch?v=Jlh
Gestão Escolar 9JOaxdL0&list=PL
LGE - Mesa de iRvxKpahS15xi2A
abertura - Denis qXbKDUawqG0sfy
Mizne nbC
3º Seminário Aula Nota 10 (Palestra) 3º SEMINÁRIO 02/11/201 https://www.youtub
LGE: A Líderes em Gestão escolar. XX Fórum 1 e.com/watch?v=IAI
importância dos Estadual da UNDIME/SP (play lista 7W_T_BaM&list=
padrões com 17 vídeos) PL172E8B4137B3
educacionais - 362C
ANEXOS
167
09/01/2018
179