Fenomenologia e Teatro

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Revista AMAzônica, LAPESAM/GMPEPPE/UFAM/CNPq/EDUA


ISSN 1983-3415 (impressa) - ISSN 2318-8774 (digital)-eISSN 2558 1441 – (On line)

Ano 11, Vol XXI, Número 1, Jan-jun, 2018, Pág. 230-249

LUZES DA RIBALTA, A POSSIBILIDADE DE SER EU MESMO NA


CONVIVÊNCIA COM O OUTRO: A VIVÊNCIA DA CORPOREIDADE EM
PARTICIPANTES DE UM GRUPO DE TEATRO

Luyendyk Lustosa Cardoso, Denis Guimarães Pereira & Ewerton Helder Bentes de Castro

RESUMO: Sabe-se que as artes funcionam como canais de expressão de individualidades e


como espaço para se descobrirem as possibilidades e potencialidades das pessoas. Como será
que os próprios artistas enxergam suas vivências num meio artístico? Como percebem sua
evolução? A arte aqui em foco é o Teatro. O que será que pode revelar a escuta cuidadosa de
atores sobre essa atividade? Levando em consideração as idéias de Merleau-Ponty, o presente
trabalho buscou compreender as experiências proporcionadas pelo teatro a jovens participantes
de um grupo teatral, sob a luz da fenomenologia, caracterizando os sentidos atribuídos por eles
às atividades cênicas. A pesquisa, de caráter qualitativo, foi realizada por meio de entrevistas na
própria residência dos participantes. Para os participantes, não residentes em Manaus, a
entrevista foi enviada por correio eletrônico. Na obtenção das entrevistas, inicialmente, foram
feitos convites aos integrantes do grupo teatral, logo foi apresentado aos participantes do estudo
o objetivo do trabalho e a importância de sua participação e utilizou-se entrevista áudio gravada
que partiu da seguinte questão norteadora: "Que reflexos na sua vida cotidiana você percebe
como resultados das atividades desenvolvidas no grupo teatral?”. Através destas, foi
construída a Síntese e a análise Compreensiva das vivências relatadas sob o viés da
fenomenologia existencial de Merleau-Ponty. O trabalho contribuiu para levantar algumas
características sobre o fazer teatral e como ele influencia os modos de ser de seus participantes.
As categorias de análise levantadas foram: a) libertando-se das próprias amarras: superando a
vergonha e a timidez (o medo de ser julgado; timidez exacerbada; introversão/solidão; a decisão
é do outro); b) auto-afirmação (outro posicionamento diante da vida; trabalho em grupo; maior
comunicação com o outro; maior auto-confiança; expressam o que sentem); c) respeitável
público, a partir de agora seremos nós: e a comunicação é redimensionada (a percepção entre
emissor e receptor de uma mensagem; a comunicação intra e extra familiar modifica; maior
adaptabilidade às situações; liderança; novas amizades; possibilidades); d) um novo lugar: o
grupo de teatro (mudança na rotina; percepção de mudanças sob vários aspectos; mudança nas
relações familiares; o grupo vivido como família; o estar no grupo é prazeroso); e) E minha
relação com o outro modifica. O foco deste trabalho foram as mudanças pós-teatro percebidas
nas pessoas; e do processo exato, o “como” especificamente elas se operam, pudemos obter
apenas algumas pistas.

Palavras-chave: Teatro, Fenomenologia, Merleau-Ponty

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ABSTRACT: It is known that arts work are individual ways of expression, as well as a space to
people’s discovery of possibilities and potentialities. How is it that artists see their experiences
in a artistic environment? How do they perceive their evolution? The art here focused is the
Theatre. What is it that can reveal the careful listening of the characters about that activity?
Taking in consideration the ideas of Merleau-Ponty, the present work looked forwards to
comprehend the experiences provided by the theatre to young participants of a theatrical group,
under the light of Phenomenology, characterizing the meaning by them attributed to the scenic
activities. Participated in the research five integrants and five former integrants of the Shingeki
Theatrical Group, being five women and five men. The research, in a qualitative character, was
taken in the participant’s houses. For two participants, Manaus non-residents, were sent the
questions via email to be responded. For the interview obtainment, initially were made
invitations to t integrants of the theatrical group; it was presented to the participants of the study
the objective of the work and the importance of their partipation; it was used a recorded audio
interview that started from the following guiding question: “Which reflexes in your day-to-day
life you perceive as a result of the activities developed at the theatrical group?”. Through those,
it was built the Synthesis and the comprehensive analysis of the experiences reported under the
bias of Merleau-Ponty’s existential phenomenology. The work contributed to acknowledge
some characteristics about the theatrical doing and how it influences the behavior of its
participants. The analyzed categories were: a) Breaking free from its own chains: overcoming
shame and shyness (the fear of being judged; exacerbated shyness; introversion/loneliness; it’s
someone else’s decision; b) self-affirmation (another posture before life; team work; better
communication with others; greater self-confidence; expression of feelings; c) Honorable
audience, from now on it’s us: the communication is resized (the perception between emitter
and receptor of a message; the communication in and outside the family has changed; greater
adaptability to situations; leadership; new friendships; possibilities; d) a new place: the
theatrical group (routine changes; perception of changes under various aspects; change in the
relationship with relatives; the group experienced as family; being in the group is joyful; e) And
my relation with others changes. The focus of this work was the changes post-theatre perceived
in people; and the exact process, how specifically they operate, we could obtain some clues.

Key Words: Theater; Phenomenology, Merleau-Ponty

INTRODUÇÃO

A concepção positivista da ciência em relação à percepção a define como


distinta à sensação, assim, “[...] nesse sentido, a percepção é o ato pelo qual a
consciência apreende um dado objeto, utilizando as sensações como instrumento“
(NÓBREGA, 2008, p. 141). Esta visão dualista de separação da consciência em sujeito
e objeto, bem como mesmo a divisão do homem em corpo e alma, fazia parte do
pensamento filosófico ocidental desde os trabalhos de Platão, que advogava que a alma,
antecedente ao corpo e habitante primária do mundo das ideias, aprisionava-se no corpo.
Tinha-se, assim, como status quo, uma preferência evidente do intelecto, visto muitas
vezes como relacionado à moralidade, frente ao aspecto corpóreo da existência,
associado aos desejos carnais, promíscuos e tóxicos aos ditos “bons costumes”

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Descartes aprofunda, ainda, o dualismo alma e corpo proposto por Platão, trazendo uma
visão naturalista da existência humana, na qual o corpo, máquina física e regido pelas
leis da natureza, era responsável pela recepção das sensações, ditas como aspectos
físicos que podem vir a ser mensurados, para, então, serem transmitidas à alma, que
geraria a percepção do objeto (FERREIRA, 2014).
Diferentemente do racionalismo defendido por Descartes, o empirismo, de
acordo com Carmo (2004, p. 24), “[...] vê a consciência como um recipiente vazio que
seria preenchido pelos dados dos sentidos, isto é, a nossa mente, a princípio vazia, é
preenchida pelas sensações enviadas pela percepção, que lá ficam gravadas como
marcas na cera”. Assim temos, que o real é, na verdade, “[...] reduzido aos dados
sensíveis imediatos“ (p. 25). O conjunto de sensações se representa na forma de
percepções, que, em conjunto, formam as ideias abstratas que, então, enraízam-se na
mente (CARMO, 2004).
Como via intermediária entre o racionalismo e o empirismo, o intelectualismo
(ou idealismo) “acredita que a consciência é dinâmica, rica o suficiente para elucidar as
ambiguidades originadas da percepção“ (CARMO, 2004, p. 25). Assim, temos que, no
intelectualismo, ainda que seja necessária a interpretação de sensações do mundo
externo para a elaboração do conhecimento pela consciência, estas, sozinhas, são falhas
e são incapazes de gerar verdades sem a necessidade de que haja a “consciência, que
com sua vigilância, pode dar conta da realidade, apresentando-nos certezas” (p. 25).
Portanto, temos que, na visão idealista, a consciência é a entidade formadora do mundo,
sendo, então, este uma derivação daquele.
Crítico da dicotomia representada pelas teorias empíricas e intelectualistas para
o aprendizado da consciência, pode-se exemplificar a crítica de Merleau-Ponty, filósofo
francês nascido no início do século XX, fruto da geração de filósofos que ficou
conhecida como “geração dos descontentes”, em relação ao modelo da teoria de
conhecimento cartesiana com o seguinte trecho retirado de Merleau-Ponty (1945) citado
por Carmo (2004):

Estamos habituados pela tradição cartesiana a nos desprendermos do objeto;


disso resulta que, na relação consciência-mundo, há dois sentidos, e somente
dois, da palavra existir: existe-se como coisa ou existe-se como consciência.
(CARMO, 2004, p. 27)

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Para Merleau-Ponty (2011, p. 1), pode-se definir a fenomenologia como “[...] o


estudo das essências, e todos os problemas, segundo ela, resumem-se em definir
essências: a essência da percepção, a essência da consciência, por exemplo”. Temos,
assim, que a fenomenologia tem como a principal característica a crítica ao
distanciamento entre o sujeito e o objeto postulado por outras correntes do pensamento,
pregando o retorno da filosofia ao reencontro do contato ingênuo com o mundo, tido
como que “[...] está sempre ‘ali’, antes da reflexão, como uma presença inalienável [...]”
(MERLEAU-PONTY, 2011, p. 1).
O aspecto “descritivo” do mundo externo em detrimento a uma visão
“explicativa” deste era defendido por Merleau-Ponty. Este ponto de vista de uma
“psicologia descritiva” que tinha como objetivo o retorno “às coisas mesmas” tinha,
para Merleau-Ponty, como principal fundamento a desaprovação da ciência. Ele
postulou: “Tudo aquilo que sei do mundo, mesmo por ciência, eu o sei a partir de uma
visão minha ou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos da ciência não
poderiam dizer nada” (MERLEAU-PONTY, 2011, p. 3). Ou seja, para Merleau-Ponty,
a percepção do mundo, através das sensações por este oferecidas, são essenciais, de
fato, para o conhecimento formado e, na ausência dessa, não há formação deste. E a
explicação para o fato de que o pensamento científico não é capaz de dar, sozinho,
sentido ao objeto, de acordo com Merleau-Ponty, encontra-se no fato de que a ciência é
somente uma determinação ou uma explicação do mundo, não sendo parte da sensação
produzida pelo mesmo.
As informações advindas da percepção dos nossos sentidos se dão de uma forma
global, ou seja, ainda que não haja uma visão completa e perfeita do objeto, há uma
intercomunicação e, até mesmo, uma unidade entre os sentidos, sem retirar, no entanto,
a especificidade de cada sentido próprio. Podemos tocar com a visão, podemos ver com
a audição e até mesmo ver através do tato (CARMO, 2004).
Temos que, então, na fenomenologia de Merleau-Ponty, não há a tradicional
discussão da filosofia se o conhecimento parte da consciência para as coisas ou vice-
versa, visto que somente há consciência de alguma coisa e o objeto só é objeto para
uma consciência. A própria definição do objeto depende da consciência perceptiva do
sujeito. Este aspecto, então, torna o sujeito não como mero espectador do mundo, mas

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verdadeiramente participante, estando entre os objetos, interagindo com eles, um ser-


no-mundo (MERLEAU-PONTY, 2011).
O pensamento de Merleau-Ponty, no entanto, vai além da teoria organismo-
entorno, visto que esta ainda trata que as informações do meio externo são captadas
para serem decodificadas pelo organismo, ou seja, o meio externo que seriam
determinantes exclusivas das modificações no organismo. O filósofo propõe que o
próprio organismo, através do movimento, participa da reorganização da estrutura do
ser e, consequentemente, do mundo. Assim, “o meio se destaca do mundo segundo o ser
do organismo, estando claro que um organismo não pode existir, salvo, se encontra no
mundo um meio adequado” (IBIDEM, p. 39).
O movimento, na filosofia de Merleau-Ponty, é fundamental para a percepção,
pois esta é a expressão daquele, visto que o corpo só percebe aquilo que movimento
capta, seja pelo movimento ocular, seja pelo direcionamento do corpo no mundo
segundo o que lhe faz sentido, a chamada “situação do corpo no mundo”. Temos,
portanto, que a motricidade do corpo é uma intencionalidade que faz a expressão
aparecer pois, através do movimento, atitude perceptiva, que o corpo realmente se
expressa (REIS, 2011).
Levando em consideração as idéias de Merleau-Ponty, o presente trabalho busca
compreender as experiências proporcionadas pelo teatro a jovens participantes de um
grupo teatral, sob a luz da fenomenologia, caracterizando os sentidos atribuídos por eles
às atividades cênicas.
A palavra teatro, de origem da palavra grega theatron, tem como significado o
“lugar de onde se vê”. A etimologia da palavra, então, remete aos pensamentos do
filósofo clássico Aristóteles quanto à capacidade do teatro de permitir com que se
conheça, um conhecer que aprofunda-se além da superfície visível. A principal
qualidade do teatro para Aristóteles, então, residia na percepção de ensinar às pessoas a
enxergar além do próprio discurso, além das próprias aparências, para conseguir ver o
encoberto, o que se localiza nas profundezas (OLIVEIRA & STOLTZ, 2010).
Oliveira & Stoltz (2010) concorda com a visão de Aristóteles ao citar que:

De igual maneira é possível e exequível o pós-efeito cognitivo da arte. Uma


obra de arte vivenciada pode efetivamente ampliar a nossa concepção de
algum campo de fenômenos, levar-nos a ver esse campo com novos olhos, a
generalizar e unificar fatores amiúde inteiramente dispersos. É que, como

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qualquer vivência intensa, a vivência estética cria uma atitude muito sensível
para os atos posteriores e, evidentemente, nunca passa sem deixar vestígios
para o nosso comportamento. (p. 86)

O mesmo autor ainda apresenta que o teatro é capaz de estimular e desenvolver a


linguagem verbal e corporal, a memorização, a atenção e a organização espacial, sendo
todos aspectos dotados de cultura e que necessitam de interação social. O estímulo
artístico, então, é capaz de mobilizar de forma conjunta aspectos cognitivos, afetivos,
sociais e motores dos sujeitos, tendo como consequência o estímulo à aprendizagem,
aos exercícios repetitivos e a construção de conhecimento.
A interação, assim, é referenciada por Porto e Kafrouni (2013, p. 577), é
“inevitavelmente necessária na inserção social do indivíduo enquanto participante de
um processo histórico e cultural que o produz, e, consequentemente, por ele é
produzido”. Podemos perceber, então, que a interação pode ser entendida como um
processo de existência para o sujeito, visto que este só se constitui através da relação
com outros e sua identidade somente se define através da alteridade, ou seja, através de
processos de significação cultural.
Desde os momentos do crescimento e da formação, a introdução da arte e, mais
especificamente, do teatro, são essenciais para a formação do caráter e da capacidade de
perceber o outro além do superficial, além do que pode ser simplesmente visto ou
percebido imediatamente. Assim, temos que “brincadeiras de faz de conta,
dramatização, jogos dramáticos possibilitam a apropriação, por parte do sujeito, de
diversos papéis sociais” (SMOLKA, 2009). As experiências adquiridas nessas
brincadeiras acontecem por meio da linguagem, permitindo que os seres em formação
possam internalizar, elaborar, antecipar e projetar conhecimentos, afetos ou relações.
Os aspectos claramente notáveis e indiscutíveis são os relacionados à timidez.
Junto das transformações de postura (melhor forma de se expressar através da fala ou de
gestos; perda de vergonha; desinibição do corpo; incentivo da criatividade) são mais
rápidas em uns, mais lentas em outros, mais ou menos contundentes dependendo da
pessoa.

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MATERIAL E MÉTODOS

O escopo da pesquisa visou compreender a influência da atividade teatral no


cotidiano vivido de um grupo de teatro, levando em conta os significados existentes
em seu discurso, considerando a corporeidade e teoria da Psicologia Fenomenológico
Existencial de Merleau-Ponty.

Utilizou-se da abordagem qualitativa em pesquisa, haja vista que se pretendeu


obter os significados da vivência, buscando informações junto às pessoas integrantes
do grupo teatral. E também a opção pelo método fenomenológico que nos
possibilitou investigar a vivência das pessoas e assim chegar à compreensão da
mesma (CASTRO, 2009; CASTRO & GOMES, 2010; PEREIRA &¨CASTRO,
2017).

O Método Fenomenológico para a pesquisa em Psicologia se apresenta como


possibilidades e caminhos que a ciência pode levar em conta nos estudos da
corporeidade, visto que as pesquisas em Psicologia “tem se mantido presas a estudos
que não possibilitaram o conhecimento do homem” (CASTRO, 2009, p. 78).
Giorgi e Souza (2010) apropriaram-se de conceitos da Fenomenologia e
demonstraram sua relevância para a Psicologia, trazendo conceitos tais como: mundo-
vivido, consciência, intencionalidade, significado.
A Fenomenologia é um “método de acesso à realidade concreta do mundo”
(HOLANDA, 2014, p.35), e dessa forma, a pesquisa fenomenológica é basicamente
uma pesquisa de natureza e que pretende dar conta do que acontece pelo clareamento do
fenômeno (CASTRO, 2009).
A captação da experiência no grupo teatral deu-se através do ouvir a fala dos
participantes e da convergência das unidades de significado (das falas), culminando com
a revelação do fenômeno. A posição fenomenológica implica dirigir-se aos fenômenos
de maneira aberta, livrando-se das especificidades e pré-conceitos. O pesquisador
fenomenológico dirige-se para o fenômeno da experiência em sua forma pura e, diante
dele, suspende qualquer julgamento e abandona os pressupostos a respeito deste. O
relato é tomado na sua intencionalidade própria e constitutiva, isto é, não é tomado pelo
que ele revela, mas pelo que é (O que ele pretende efetivamente dizer?) “se colocando

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na posição de interlocutor que sente surgir de dentro de si mesmo a necessidade de


resposta” (CASTRO, 2009, p. 89).
O método fenomenológico, que possui como referência a compreensão,
possibilita chegar à essência do próprio conhecimento por meio das falas dos sujeitos
envolvidos, pois é em seu discurso que ele tem a possibilidade de se explicitar, de
revelar o sentido do ser e do existir humanos, captando também o significado de suas
experiências, bem como desvelando suas verdades.

A entrevista sob o olhar da fenomenologia procura perceber o sentido do


comportamento, efetuando a leitura da verdade, que culmina em ter uma visão de
unidade e totalidade, visão de ultrapassagem do pensamento objetivo situando o
comportamento para além de conteúdos particulares motores e visuais, é a
“mostração de sua totalidade e não de seus fragmentos” (CASTRO, 2009, p.75).

Para a análise das entrevistas seguimos as orientações de Martins e Bicudo


(2005) propostas em vários momentos: a) Leitura de cada entrevista do princípio ao
fim no objetivo de compreender a linguagem do participante e consequente visão do
todo, ou seja, neste momento não se buscara ainda qualquer interpretação do que está
exposto e sem tentativa de identificação de quaisquer atributos ou elementos ali
contidos; b) Releitura atenta de cada entrevista, quantas vezes foram necessárias,
com a finalidade de discriminação de unidades de significados dentro da perspectiva
do pesquisador. Foi uma análise psicológica que seguiu critério psicológico, sendo,
assim, consequência da análise e diretamente relacionado à atitude, disposição e
perspectiva do pesquisador diante da questão norteadora; c) Diante das afirmações
significativas, houve uma postura reflexiva e imaginativa, para expressar o que se
intuiu dentro delas mesmas, deste modo buscando-se expressar o insight psicológico
nelas contido, mais diretamente; d) Foram sintetizadas todas as unidades de
significado transformadas em uma proposição consistente, referentes à experiência
do sujeito. Assim, buscou-se a convergência das unidades significativas numa
afirmação sobre a experiência dos participantes, de forma a constituir as categorias
temáticas que expressam o que sentem os entrevistados.

Ao pesquisador coube, após a análise individual de cada transcrição, buscar


as convergências ou invariantes, o aspecto comum que permaneceu em todas as

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transcrições das entrevistas, construindo as categorias de análise. O pesquisador


também levou em consideração as divergências, as idiossincrasias, de modo a
aprender o fenômeno em toda a sua complexidade.

Para a efetivação da análise de dados, deu-se conta que uma das propostas
existentes para a compreensão, no sentido fenomenológico, do real, foi a
identificação neste do seu caráter de fenômenico e não de empírico. A partir daí,
pode-se afirmar que para entender o discurso dos participantes da pesquisa pensou-se
o processo a partir da Fenomenologia Existencial. Partir para a análise numa
perspectiva fenomenológico-existencial consiste, dentre outras coisas, em um
remeter-se a uma análise do existir na dimensão ontológica conforme a analítica da
existência.

O mundo próprio constitui-se com suas próprias possibilidades e limites. A


pesquisa, nesta perspectiva, não pensa em termos de realidade, mas de possibilidades.
Recordemos que nada é a priori e que o processo de análise é construído no decorrer do
desenvolvimento da pesquisa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir deste momento, serão expostas as categorias de análise encontradas
considerando os discursos dos participantes.
Libertando das próprias amarras: superando a vergonha e a timidez:
Os colaboradores da pesquisa, trazem em seus excertos de discursos, a
compreensão de que participar de um grupo de teatro trouxe – dentre as variáveis
possíveis – a superação de dois aspectos, a vergonha e a timidez. Ressaltam que
conseguiram ir além da insegurança anteriormente vivenciada por cada um em vários
ambientes pelos quais transitaram:

O medo de ser julgado

Uma das primeiras coisas que a gente tende a mudar é a vergonha, então de
uma forma ou de outra pra você se apresentar na frente, da forma que você
quer, pra mostrar tudo o que você quer... É essa mudança de saber o que eu
tenho de fazer não pode ser impedido pelo que eu tenho medo de fazer. Então
é isso, traduzido como vergonha, ter medo de ser julgado, ter vergonha de
não parecer bom, ou de não parecer normal. (SIRIUS)b

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No trabalho, nas apresentações da faculdade que eu fazia antes e tal, eu já


conseguia traçar uma linha-limite da vergonha diária e da vergonha de estar
se apresentado, né quando eu estou me apresentando eu não me sentia tão
envergonhado quanto eu sou na vida cotidiana porque na vida cotidiana eu
sou tímido se eu pudesse não falar com estranhos eu não falaria que eu não
sou proativo em comunicação, mas o teatro me ajudou nesse sentido.
(REGULUS)

Timidez exacerbada

(...) por exemplo pra sala né, em apresentação de seminários coisa assim, eu
creio que eu melhorei porque antes eu ficava toda, sabe meio, encostada
assim tímida, aí quando eu vou apresentar eu já sinto mais “ah, apresentar’’
uma coisa normal, uma coisa que que basicamente melhorou. E em questão
de... eu comecei o teatro por que eu era muito tímida (...) acho que eu não me
sentia bem, mas eu queria pelo menos ser um pouco mais espontânea. E eu
com esse, nesse processo consegui até perder um pouco da timidez e acho
que eu melhorei um setenta por cento por aí e que tem coisa mais pra ser
trabalhada. (ACRUX)

A minha maneira de me relacionar com as pessoas, principalmente na minha


faculdade que eu era bem retraída, bem introvertida, eu ainda sou um pouco,
mas eu tenho mais desenvoltura ao falar, acho que isso é a principal
mudança. (POLARIS)

Eu nunca pensei que isso ia mudar tanto a minha vida no sentido de trabalhar
essa minha timidez. Eu sou muito tímida e eu morro de medo de falar com as
pessoas, não gosto que as pessoas me olhem. (...) Então o teatro me ajudou
muito nesse quesito, porque, eu estar na frente de várias pessoas
interpretando alguém ou mesmo sendo eu, só que um pouco modificada,
transformou muito essa vergonha, eu continuo com vergonha, mas assim, é
bem reduzido, mas a, o teatro, estar com um grupo, e passar por experiências
diferentes me auxiliou bastante nessa minha timidez. (ANTARES)

Introversão/solidão

É, antes eu era o tipo de menina introvertida, tímida demais, a um nível que


eu não conseguia falar em público, eu tinha poucos amigos por conta disso,
tinha muita dificuldade em fazer trabalho, eu era realmente assim um pouco
isolada. (VEGA)

A decisão é do outro

Sempre fui uma pessoa muito tímida, com dificuldade de me aproximar e


fazer amizades, gostava de estar na minha zona de conforto com pessoas que
já conhecia. Devido à timidez estar em público era sacrificante. Deixava os
outros decidirem e resolverem as coisas por mim, pois não queria expor
minhas opiniões e nem ser criticada. (POLLUX)

Merleau-Ponty (2011) revela em sua obra Fenomenologia da Percepção que é


através de nossa experiência cotidiana, caracterizada por ser singular e própria, que
conhecemos o mundo. Os colaboradores revelam que, antes de adentrar o espaço do

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grupo de teatro, antes de se sentirem pertencendo ao grupo, inúmeras dificuldades no


que concerne ao relacionamento interpessoal e até mesmo na relação consigo mesmos
tornavam difícil o seu dia a dia.
Segundo Ferreira & Castro (2017, p. 27) amparados no pensamento
merleaupontyano

É a experiência vivida do homem que origina e sustenta todas as explicações


posteriores a ele. Esse homem – o eu – existe por si só [...] em sendo a fonte
de nossos pensamentos e de todas as nossas percepções, o mundo existe antes
de nossas ações reflexivas. Para alcançar o sentido do mundo, não podemos
deixar de lado a subjetividade plenificada de ser e tempo, não se pode ignorar
a reflexão como um acontecer [...]

Esse outro passa a existir para si mesmo, enquanto existente, a partir de sua
inserção no grupo de teatro, uma vez que percebem o antes e o depois, quando
caracterizam mudanças em sua forma de se relacionar com o outro e consigo mesmos.

Autoafirmação: outro posicionamento diante da vida:


Dentre os elementos trazidos pelas falas, ressalte-se que participar de um grupo
de teatro, significa ir além de si mesmo. Significa reconhecer-se. Significa perceber que
a pari passu outra postura, outro modo de ser, outra atitude diante das situações do
cotidiano.

Trabalho em grupo

Agora nessa, na faculdade de gastronomia que a gente trabalha com brigada,


então é um grupo, e eu basicamente sou a vice líder desse grupo, então,
quando eu vou me comunicar com as pessoas eu falo pra líder “ah a gente vai
fazer tal prato, pode ser?” Então eu acho que antigamente eu não fazia esse
tipo de coisa, eu deixava os outros pesquisarem, eu só fazia minha parte,
digamos assim, agora trabalhando em grupo tanto no Geki tanto quanto na
faculdade eu já começo a dar minhas opiniões. (ACRUX)

Maior comunicação com o outro

Hoje em dia eu continuo não sabendo dançar e continuo fugindo disso, mas
depois que tudo isso aconteceu eu fui mudando com as pessoas, eu fui
tornando, me tornando um tipo de pessoa mais comunicativa. Hoje em dia
quem me conhece fala que eu não preciso falar para eu aparecer, que só das
pessoas olharem pra mim já é diferente, e antes eu não era assim, eu chegava

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num local, e eu saía e não fazia diferença, hoje em dia não, hoje em dia eu me
destaco de uma certa forma que eu mesma não acho que , não achei que isso
um dia fosse acontecer, eu sempre achei que eu sempre ia ser aquela pessoa
que sempre ia ser um número a mais, que ia tá ali, só mesmo pra enfeite, hoje
em dia não, eu já tenho uma facilidade em falar com as pessoas. (VEGA)

Maior auto-confiança

As atividades teatrais me ajudaram a ser uma pessoa mais confiante e, que


mesmo tendo o risco de ser ridicularizada, querer sempre mostrar meu ponto
de vista. Consegui me expressar mais com a minha família também, mostrar
que podia fazer minhas próprias escolhas e não aceitar o que era imposto para
mim. (POLLUX)

Expressam o que sentem

Eu me diminuía bastante, digamos assim, tanto minha presença, eu não tinha


voz ativa e nem nada, isso por conta da vergonha porque eu era uma pessoa
envergonhada, e agora eu já consigo falar mais o que eu penso, entende?
Consigo dar o meu veredicto sobre as coisas, não tenho vergonha de fazer
isso. (POLARIS)

Acho que mudou um pouco, no sentido de explanar minhas ideias, eu sempre


fui uma pessoa que ficou calada e ficou no seu canto e não falou muito a sua
opinião sempre fiquei na minha, sempre ouvi demais, então essa mudança na
minha personalidade foi bastante, assim eu me sinto menos como é que é,
inibida pelas ideias dos outros eu prefiro falar a minha opinião agora.
(ANTARES)

Resgatar o pensamento do filósofo, significa adentrar por um dos aspectos mais


relevantes de sua teoria, a de que o homem é situado, ele é “permanente” enquanto
sujeito, não existimos fora de um tempo e de um espaço, afinal, como nos diz
Matthews (2011) na obra compreender Merleau-Ponty

Sou necessariamente incarnado ou incorporado em certa situação histórica


(essa ideia da subjetividade humana como necessariamente corporificada é de
crucial importância na filosofia de Merleau-Ponty). Minhas experiências são
experiências do mundo e é o mundo que dá sentido às experiências que
tenho. Por isso, não posso separar o próprio mundo do mundo enquanto
significados para mim: ser humano, é ser-no-mundo (p.28).

Ser-no-mundo sendo participante de um grupo de teatro é poder perceber que a


caminhada se tornou sobremaneira plena de auto percepções, e dentre estas, a de que a
trajetória possibilitou ir além de si mesmos, a se auto afirmarem enquanto seres com

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capacidade de seguir adiante e conseguir ter um olhar mais abrangente sobre si mesmos
e sobre a vida.

Respeitável público, a partir de agora seremos nós: e a comunicação é


redimensionada
O novo posicionamento apresentado na categoria anterior, um fenômeno vem
somar: a eloquência. Os participantes afirmam que a prática da arte teatral propiciou que
conseguissem ter maior comunicabilidade com o outro. E, nesse ínterim, são variados os
elementos que se fizeram presentes.
A percepção entre emissor e receptor de uma mensagem

Ah, desenvoltura, porque no teatro você tem de transmitir uma mensagem e


pra transmitir essa mensagem você tem de saber transmitir e saber como a
outra pessoa vai receber essa mensagem, então isso pra mim parte da
desenvoltura de você saber ter essa eloquência de transmitir o que você quer
e com o tempo você vai lapidando, você vai errando, você vai percebendo
que aquilo você acha que as pessoas tão vendo não é exatamente aquilo que
você tá transmitindo ou que você achava que tava transmitindo. (SIRIUS)

A comunicação intra e extra familiar modifica


Acho que eu ser mais comunicativa com as pessoas, por exemplo, eu não te
conheço mas eu vou querer conversar contigo e te conhecer, antigamente eu
não fazia, ficava na minha, quieta e deixava outra pessoa conversar contigo
pra então eu me introduzir, digamos assim ou até ficar na minha [...] acho que
a forma de me comunicar com a minha família também, que eu sou o tipo de
pessoa que observa, então eu fico muito calada e observadora sim, eu não me
comunicava direito com a minha família ou algumas vezes falava pouca
coisa, mas agora eu consigo falar mais. (ACRUX).

Maior adaptabilidade às situações

Minha maior dificuldade era essa questão da comunicação e foi com o teatro
que eu aprendi isso, e é uma coisa que eu vou levar pra sempre, foi com o
teatro que eu aprendi a falar com as pessoas, que eu aprendi a ouvir as
pessoas, porque eu tinha que ouvir muita coisa que eu não tava preparada,
porque como eu tinha aquela personalidade assim um pouco egocêntrica pra
mim eu era boa do jeito que eu era e pronto, se alguém quisesse me aceitar,
tinha que me aceitar do jeito que eu era e pronto. Mas às vezes a gente tem
que se modelar as situações, tem que se adaptar as situações e hoje eu me
sinto assim, hoje eu consigo me adaptar as situações que são apresentadas a
mim, que não me incomodam né? (VEGA)

Eu era mais tímida, eu ainda sou um pouco, mas eu consigo falar quando, por
exemplo, se eu vou conhecer alguém novo antes eu não conseguia trocar uma
palavra com uma pessoa que eu não conhecia, nenhuma mesmo, até passava
mesmo como mal educada, que eu ficava com a cara fechada, que eu não
conseguia falar nada, não conseguia conversar e isso mudou também, se tu
me apresentar alguém hoje em dia, eu já vou saber falar com essa pessoa,
puxar conversa, tentar criar alguma relação (POLARIS)

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Eu tinha um problema muito grande que eu era muito fechado com as


pessoas e geralmente eu, eu começava a fazer minhas próprias atividades
para mim mesmo, eu não envolvia ninguém e aí depois que eu comecei a
frequentar o teatro eu comecei a participar mais de atividades em grupo e isso
me ajudou bastante com relação à ao relacionamento com as pessoas e
atividades em público que normalmente eu não teria feito nenhuma atividade
em público se não fosse por causa do teatro (ALDEBARAN)

Liderança

Após ingressar no grupo de teatro a comunicação melhorou de forma


significativa, passei a compreender melhor e a respeitar as opiniões de cada
pessoa. Quando me tornei parte da diretoria do grupo percebi que liderar é
uma tarefa muito difícil, nem sempre as opiniões combinavam e não era
possível fazer apenas o que achava melhor sem ouvir os outros integrantes. O
mais importante que aprendi foi sempre tentar o diálogo (POLLUX)

Novas amizades

É muito difícil pra mim, como pessoa, me aproximar de alguém, conversar,


então, me ajudou muito a fazer amizades novas e também a querer fazer
amizades novas externamente. (...) depois que eu fiz teatro eu botei na minha
cabeça que mesmo que eu tenha esse círculo de amigos eu preciso de outro
círculo de amigos e outro círculos de amigos então eu tenho que ter “n”
círculos de amigos, então eu consegui fazer mais grupos de amigos, um
pouco demorado, demora porque é complicado chegar em alguém, mas
assim, eu melhorei porque eu consegui falar. (ANTARES)

Possibilidades

O que mais me ajudou eu acho, isso é um lado totalmente pessoal eu acho


que é uma característica minha, porque eu sou japonês, o que me fez mesmo
modificar foi o meu desenvolvimento da língua portuguesa, de você saber
falar em diferentes dialetos diferentes (REGULUS).

Sempre me achei introvertido, nunca fui bom de interagir, iniciar ou manter


conversa com pessoas que não conheço muito bem, mas com o tempo e
amizade isso vai mudando. No teatro acho que essa transição acontecia mais
rápido, afinal a ideia era ser extrovertido, se não, qual o objetivo de estar lá?
Era pra gritar, se jogar no chão, fazer poses sem sentidos e ser algum
personagem legal, ter uma carta branca comportamental. (BETELGEUSE)

E a experiência que me faz sentir no mundo a partir da imersão de meu corpo


nas situações cotidianas. O corpo vive e está no mundo, é o meu corpo, e, portanto, não
pode ser reduzido a um mero objeto (FERREIRA & CASTRO, 2017). Afinal, como diz
Merleau-Ponty (2011), existir significa ser um corpo, que o viver sempre se dá
corporalmente e que é no corpo que se dá a relação homem-mundo.
O corpo não é apenas uma massa material, pois toda experiência humana é
sempre corporal. Dessa forma, não se pode separar corpo e consciência. Como nos diz a

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teoria de Ponty (2011), onde há corpo, há história vivida. E os colaboradores da


pesquisa revelam esse aspecto, no sentido de que ao reconhecerem o próprio corpo no
processo de aprendizagem teatral, percebem que um dos aspectos notadamente
modificado, diz respeito à comunicação, que se revela sob nova dimensão.

Um novo lugar: o grupo de teatro

Pertencimento. O não-pertencimento deixa de existir. O grupo se torna parte de


cada um e, dessa forma, um novo modo-de-ser diante de si mesmos e da vida. Assim, os
excertos de discursos trazem:
Mudança na rotina
Todo mundo começou a me notar e parece que todo mundo começou a
perceber a dificuldade que eu tinha em me apresentar em público, tanto que o
teatro ele acaba mexendo um pouco com as emoções. (...) depois eu comecei
a interagir mais com o grupo e a gente começou a sair, começou a ir pra casa
de um e outro né, tu lembra? E a gente fazia um churrasco e aí eu fui
conhecendo cada vez mais cada um e fui me acostumando com cada um e eu
acho que todo mundo foi se acostumando comigo e me ajudando nessa
dificuldade, eu acho que eles não sabiam disso, mas eles estavam me
ajudando nessa dificuldade que eu tinha [...] O teatro ele servia pra aquelas
pessoas como uma forma de fuga, de libertação dos problemas, eu ia pro
teatro pra me sentir bem, eu ia pro teatro pra me sentir feliz, quando eu tinha
algum problema em casa, eu dava graças a deus quando eu tinha um ensaio
no domingo, então tinha muitas pessoas que eram assim. (VEGA)

Percepção de mudanças sob vários aspectos

A minha experiência no teatro foi maravilhosa, só me trouxe boas coisas, se


hoje sou uma pessoa mais alegre, extrovertida, simpática e confiante foi por
causa dessa experiência.(POLLUX)

O grupo significa muito tempo da minha vida gasto aqui, amizades, vários
sentimentos que foram passados, compartilhados e vividos juntos, então é
uma coisa muito valiosa. (ALTAIR)

Mudança nas relações familiares

Eu to bem mais mais leve, mais, com menos peso na costa, que antes eu tinha
um, como eu posso dizer, eu tinha um problema com meu pai, tinha problema
com a família e hoje basicamente não influencia em nada, tanto porque no
teatro eu consegui me livrar disso [...] Consegui ter um “escape”, a gente vai
pro ensaio pra tentar se livrar das coisas do dia a dia e se focar só ali, então
isso aconteceu no teatro, e aí passei a me importar menos com esse tipo de
coisa, com problemas do dia a dia e tentar viver o dia de hoje, e tentar o
amanhã sem me preocupar com o que eu fiz no passado [...] Hm teatro, ele
significou pra mim... é uma segunda família, porque eu gostava bastante de
me encontrar com o pessoal, fazer os ensaios e as confraternizações tanto que
hoje eu tenho contato com esse pessoal e praticamente como se fosse parte da
minha família. (ALDEBARAN)

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O grupo vivido como família

Eles representam muito na minha vida porque a minha transformação partiu


daí. Então o teatro pra mim é uma família, tem suas diferenças e tudo mais, a
gente briga briga, puxa a orelha mas é porque a gente é uma família, então de
algum jeito a gente “quebrando pau’’ a gente vai se resolver, então é mais
que um grupo de lazer, é um grupo realmente que é minha família mesmo, é
a parte de mim, um pedaço meu tá ali. (ANTARES)

O estar no grupo é prazeroso

As pessoas e os ensaios eram essencialmente engraçados, uma boa reunião


teatral era uma reunião com risadas e piadas do início ao fim, às vezes nem
nos preocupávamos tanto com o andamento da peça, no fim daria tudo certo,
porque gostávamos de estar lá. Diria que o principal pilar do grupo e o que
ele mais significava pra mim era diversão (BETELGEUSE)

Considerando o exposto nas falas, cumpre neste momento resgatar o que


Merleau-Ponty (2011) compreende enquanto espacialidade do corpo. Acentua que não é
semelhante à dos objetos – espacialidade de posição -, mas uma espacialidade de
situação, ou seja, “a fixação do corpo ativo em um objeto, a situação do corpo em face
de suas tarefas” (FERREIRA & CASTRO, 2017, p. 29).
O sujeito é destinado ao mundo, já enfatizava Ponty (2011). Dessa forma, o
mundo é percebido como o cenário natural de todos os meus pensamentos e percepções,
uma vez que, sou consciente de minhas próprias experiências e, através da
intencionalidade, consciente dos objetos dessas experiências. E, nesse contexto, os
participantes do grupo de teatro, percebem que pertencem a esse lugar, ao grupo. É,
partindo do pressuposto do filósofo francês, a partir da vivência desse corpo,
mergulhado na atividade grupal, que o grupo torna-se eles, eles se tornam o grupo.

E minha relação com o outro, modifica


As transformações inerentes à participação no grupo de teatro possibilitam
perceber que a modificação interna de cada um vai além deles mesmos. O outro passa a
ser compreendido sob outra perspectiva, a de co-participante da vida de cada um dos
colaboradores, conforme nos mostram as falas:

Houve realmente um período no meu caso, em que eu desprezava a presença


de um grupo, porque eu achava, eu achava que era bom suficiente por eu
mesmo, então eu não preciso de grupo porque eu, eu já me basto. E o teatro
ele ajudou, ele ajudou também a me provar errado, a me provar errado, eu
daquela época né, porque quando eu entrei no teatro eu já tinha mudado de

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opinião, mas me ajudou a provar que certas coisas você não faz sozinho, você
só consegue em grupo, certas tarefas você não, é... certas tarefas você pode
até fazer mas não vai fazer tão bem quanto você faria se não tivesse ajuda de
outros pontos de vista, ajuda de outras habilidades, e outras histórias, ali
dando o seu backup (SIRIUS).
Eu não sei se isso aconteceu por causa de minha criação porque eu sou filha
única, então eu nunca precisei de outras pessoas para fazer as atividades que
eu precisava fazer, eu sempre brinquei sozinha, sempre estudei sozinha então
eu sempre fiz tudo só e quando eu me deparei em uma situação em que eu
tinha que me inserir em um grupo pra eu conseguir alguma coisa, eu tive
dificuldade e eu acho que o teatro me ajudou, me ajudou nisso, porque me
mostrou pessoas diferentes, me mostrou pessoas que pensam de uma forma
diferente, mas que podem me favorecer de uma certa forma (VEGA).

Saber coordenar as pessoas em cada função porque se acaba tendo que


interagir pra poder dizer o direcionamento, no caso, e daí você saber dar
opiniões de forma que não machuque a pessoa, que seja construtivo pra ela, e
tendo essas interações, fora que você vai ter que lidar com vários sentimentos
não só seus como dos outros, então é bem legal, de certa forma, que às vezes
acontece uns atritos, mas nada de anormal, é coisas da vida então (ALTAIR).

Eu não era uma pessoa acostumada [a trabalhar em grupo] porque como eu


disse, eu gosto, eu prefiro fazer as coisas sozinha, mas é bom, tu aprende a
aproveitar melhor os outros pontos de vista, tu se deixa aberta a outros pontos
de vista, e isso te ajuda nas tuas próprias ideias, é muito bom. (POLARIS)

Eu sou mais aberto a novas opiniões, um tipo de visão diferente do que eu


tinha antes, eu era muito fechado, eu não discuto mais, opinião e nem razão
em nenhum meio social, nenhum tipo de política nem religião. Antes eu
defendia com unhas e garras porque eu tinha uma filosofia única eu acho que
eu posso dizer isso, de vida que se resumia somente a mim, que o mundo
girava em torno de mim e não era assim (ALDEBARAN).

Em qualquer lugar que você trabalha em grupo você tem que ser mais ou
menos assim é, um diplomata porque você tem que lidar com tipos de
pessoas, então não é uma coisa muito fácil, então eu já sou uma pessoa que
sei lidar com vários tipos de pessoas, mas assim, tem algumas pessoas né que
a gente nunca vai se identificar, porém, a gente tem que levar porque é um
grupo (ANTARES).

Merleau-Ponty (2011) revela que o eu de que tenho consciência na experiência,


antes de quaisquer fatores, é aquilo que sou consciente ao agir. Afinal, como dizia esse
autor “o trabalho da mente só existe em ato” (MERLEAU-PONTY, 2011, p. 36). A
experienciação da unidade do meu eu, me mostra que, meu passado, incluindo aí minhas
escolhas passadas, me dá os motivos e razões para minhas ações presentes, que têm
consequências para meu futuro. Minha unidade – que sou eu mesmo – está em contínua
transformação. O que sou é o que estou permanentemente vindo a ser. Minha vida
desdobra-se em tempo histórico, em uma continuidade histórica. Não no sentido
reducionista, pelo contrário, a história de vida pessoal é uma sucessão de eventos.

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E, nessa sucessão do vir-a-ser, os participantes percebem o quando suas vidas


foram redimensionadas, apresentando detalhes e nuances que foram possibilitando que
se percebessem a si mesmas e, principalmente, ao outro. O outro é importante. O outro
me locupleta. O outro me possibilita ir além de mim mesmo. Afinal, ser-no-mundo é
ser-com-o-outro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um dos autores desta pesquisa, tendo completado 10 anos como integrante do


grupo teatral em questão, observou a mudança de comportamento que ocorria nos
amigos ao longo do tempo: mudavam a postura, as expressões faciais, o jeito de vestir,
de falar, se tornavam mais simpáticos e interagiam mais. Mas o quanto dessas mudanças
foi devido ao teatro? Se houvesse uma hipótese a ser testada neste trabalho, ela seria
confirmada: o teatro influenciou positivamente o modo de ser das pessoas.
Mesmo a “hipótese” tendo sido confirmada, fomos surpreendidos com um
aspecto que não tinha sido imaginado, inesperado mesmo, e que foi o mais presente nas
falas: a aquisição do poder de se comunicar. Não havíamos pensado nisso pois
acreditávamos que todos sempre tiveram essa capacidade, mesmo que introvertidos, e
que pudessem usá-la sempre que quisessem. Não imaginávamos o quanto retraídas e
engasgadas estavam suas vozes, e o quanto deixaram de fazer por não ousarem se
expressar. O método fenomenológico de pesquisa propiciou nos colocarmos na posição
de pesquisador ingênuo, onde descobrir e redescobrir angústias passadas e presentes
com mais clareza, bem como suas vitórias.
Mesmo quando trabalhado em contextos menos favoráveis, como em presídios,
unidades socioeducativas, instituições de amparo a crianças ou a cidadãos que vivem
em contexto de vulnerabilidade, ou em grupos da melhor idade ou em escolas, tal
atividade é sempre mencionada como enormemente influenciadora, integradora, enfim,
querida. Mas então, que elementos fazem do teatro uma arte com tal destaque, tão
laureada? O foco deste trabalho foram as mudanças pós-teatro percebidas nas pessoas; e
do processo exato, o “como” especificamente elas se operam, pudemos obter apenas
algumas pistas. Que outros tantos significados e que outras mudanças podem advir do
teatro, além das expostas aqui? Provavelmente em contextos diferentes emerjam

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conteúdos diferentes. Fica o desafio para a fenomenologia encontrar a essência dessa


arte; fica a expectativa de diferentes enfoques sobre o tema; espera-se que mais estudos
corroborem a importância de tal arte na re-significação do “ser-no-mundo” de
indivíduos nos mais variados contextos.
Considerando ainda os contextos desfavoráveis, acreditamos que o teatro possa
fazer uma diferença mais notável ainda; que possa dar voz a pessoas não somente
oprimidas por seus medos ilusórios, mas por contextos sociais reais de violência,
hostilidade, dureza, etc. É, pois, de pretensão aprofundar sobre o assunto e usar essa
ferramenta como instrumento de intervenção psicossocial em futuros estudos.

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Recebido em 20/4/2018.
Aceito em 20/6/2018.

Sobre os autores e contato:

Luyendyk Lustosa Cardoso, Universidade Federal do Amazonas,


E-mail: dik.card@gmail.com

Denis Guimarães Pereira, Universidade Federal do Amazonas,


E-mail: denis.guimaraes33@gmail.com

Ewerton Helder Bentes de Castro, Universidade Federal do Amazonas,


E-mail: ewertonhelder@gmail.com

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