Midia e Cotidiano - Uma Cartografia de Pesquisas

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MÍDIA E COTIDIANO:

uma cartografia de pesquisas


Conselho Editorial
Série Letra Capital Acadêmica

Ana Elizabeth Lole dos Santos (PUC-Rio)


Beatriz Anselmo Olinto (Unicentro-PR)
Carlos Roberto dos Anjos Candeiro (UFTM)
Claudio Cezar Henriques (UERJ)
Ezilda Maciel da Silva (UNIFESSPA)
João Luiz Pereira Domingues (UFF)
João Medeiros Filho (UCL)
Leonardo Agostini Fernandes (PUC-Rio)
Leonardo Santana da Silva (UFRJ)
Lina Boff (PUC-RIO)
Luciana Marino do Nascimento (UFRJ)
Maria Luiza Bustamante Pereira de Sá (UERJ)
Michela Rosa di Candia (UFRJ)
Olavo Luppi Silva (UFABC)
Orlando Alves dos Santos Junior (UFRJ)
Pierre Alves Costa (Unicentro-PR)
Rafael Soares Gonçalves (PUC-RIO)
Robert Segal (UFRJ)
Roberto Acízelo Quelha de Souza (UERJ)
Sandro Ornellas (UFBA)
Sergio Azevedo (UENF)
Sérgio Tadeu Gonçalves Muniz (UTFPR)
Waldecir Gonzaga (PUC-Rio)
Larissa Morais
Pablo Nabarrete Bastos
Renata Rezende
Renata Tomaz
Organizadores

MÍDIA E COTIDIANO:
uma cartografia de pesquisas
Copyright © Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos,
Renata Rezende e Renata Tomaz (Orgs.), 2020
Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei nº 9.610, de 19/02/1998.
Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os
meios empregados, sem a autorização prévia e expressa do autor.

Editor João Baptista Pinto


Capa Luiz Guimarães
Projeto Gráfico/Editoração Luiz Guimarães
Revisão Rita Luppi

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
M573
Mídia e Cotidiano : uma cartografia de pesquisas / organização Larissa Morais ... [et al.].
- 1. ed. - Rio de Janeiro : Letra Capital, 2020.
220 - p. : il. ; 15,5x23 cm.
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-87594-61-3
1. Ciências sociais. 2. Sociedade da informação. 3. Mídia social. 4. Comunicação de
massa - Aspectos sociais. I. Morais, Larissa.
21-69640 CDD: 303.4833
CDU: 316.77

Meri Gleice Rodrigues de Souza - Bibliotecária - CRB-7/6439

Letra Capital Editora


Telefax: (21) 3553-2236/2215-3781
letracapital@letracapital.com.br
Este livro foi gestado no ano da pandemia da Covid-19,
um tempo que evidenciou, ainda mais,
a importância das mídias no cotidiano.
Sumário

Apresentação................................................................................... 9

Prefácio.......................................................................................... 17
Uma obra, uma vida, uma história
Marialva Barbosa

Políticas, ativismos e competências


de uma comunicação emergente................................................. 23
Adilson Cabral
Andrea Medrado
Marco Schneider

Mídia, Ludicidade e Design no cotidiano de contextos


contemporâneos de ensino-aprendizagem.................................. 48
Alexandre Farbiarz

MULTIS – narrativas e imaginários


que nos atravessam e definem..................................................... 75
Denise Tavares
Renata Rezende

Mídias, Redes e Jovens: trajetória, conceitos e abordagens ...... 99


Carla Baiense Felix
Larissa Morais

Laccops: caminhos metodológicos para uma construção


teórica a favor da vida e da transformação social.................... 124
Patrícia Gonçalves Saldanha
Pablo Nabarrete Bastos

Apropriação ideológica de causas sociais na sociedade


de consumo midiatizada: confrontos entre as lógicas
do capital e a luta política.......................................................... 148
Ana Paula Bragaglia
Lorena Campos Rui
Comunicação Institucional e suas Interfaces............................ 168
Flávia Clemente de Souza
Milena de Azeredo Pacheco Venancio
Priscila dos Santos Silva

Um outro tempo é possível ....................................................... 184


Rachel Bertol

Sobre os autores e autoras......................................................... 207

Índice remissivo.......................................................................... 214


Apresentação

O exercício da cartografia envolve olhar atento para o


todo e as partes, a correta leitura e reprodução do
espaço, suas vicissitudes, as minúcias da escala e o cuidado com
as fronteiras. E ainda assim há limitações, a cartografia não
capta todos os detalhes da realidade, suas relações, imbricações,
diálogos e trocas. Ao buscar explicar ao leitor seu “ofício de cartó-
grafo” no campo da comunicação, Jesús Martín-Barbero (2004)
pergunta “mas quem disse que a cartografia só pode representar
fronteiras e não construir imagens das relações e dos entrelaça-
mentos, dos caminhos em fuga e dos labirintos?” (p. 12). A provo-
cação do cartógrafo mestiço mobiliza a feitura deste livro, a prática
dos organizadores e autores, desde o seu cotidiano e as diversas
formas de institucionalização do saber científico. Realizar um
livro representativo de um campo de estudos a partir das parti-
cularidades dos Grupos de Pesquisa, que compõem o Programa
de Pós-graduação em Mídia e Cotidiano, envolve, nesse sentido,
contínuo exercício de uma cartografia de pesquisas, buscando
cotidianamente conhecer seus alcances e limites.
A proposta do Programa de Pós-graduação em Mídia e
Cotidiano da Universidade Federal Fluminense (PPGMC-UFF) é
expandir as análises sobre os meios e as mídias no cotidiano –
esse “lugar comum” onde se engendram diferentes fenômenos
e acontecimentos, mas que, por muitas vezes, ficam soterrados
entre saberes já consolidados. Nesse contexto, nosso programa
tem investido em pesquisas que se debruçam, dialeticamente,
sobre as relações entre as mídias e a “vida de todo dia”, investi-
gando diferentes potencialidades, perspectivas, ações e também
tensões e conflitos, tanto nas estruturas e nos agentes midiáticos,
quanto por meio de influências ideológicas, referenciais culturais
e transformações sociais.
Aprovado pela Capes em 2012, o PPGMC-UFF é o único
programa de pós-graduação no Brasil em Mídia e Cotidiano.
Com duas linhas de pesquisas (“Linguagens, representações e
produções de sentidos” e “Políticas, discursos e sociedade”), o

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Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

programa desenvolve estudos que exploram as diversas relações


entre mídia e vida cotidiana, considerando “mídia” como todos
os suportes e aparatos tecnológicos e institucionais utilizados
para mediações discursivas, e “cotidiano” como ambiente espaço-
temporal em que se processam as representações, as disputas e as
transformações sociais.
A cartografia que gerou este livro se inicia nos debates
internos dos próprios Grupos de Pesquisa, na tarefa de conjugar
os interesses e projetos individuais e coletivos, os diferentes
percursos formativos, as inquietações que movimentam as
perguntas e trajetórias científicas de cada um dos seus membros
e do grupo. Ato contínuo, trata-se de compreender, mobilizar e
articular as inquietudes e proposições dos grupos na amplitude
dos estudos em Mídia e Cotidiano desenvolvidos por seu coletivo
de pesquisadores. Em escala mais ampla, o exercício cartográ-
fico se complexifica, pois envolve mapear e compreender esse
lugar específico dos estudos em Mídia e Cotidiano no Campo da
Comunicação e da Informação, as fronteiras, diálogos e super-
posições. Obviamente, não é especificidade da área de concen-
tração “Discursos Midiáticos e Práticas Sociais” a lida com as
mídias e os diferentes cotidianos como elementos constitutivos
de objetos de pesquisa, contudo, trata-se de particularidade do
nosso subcampo o contínuo exercício intelectual para a elabo-
ração e atualização teórica-epistemológica desse par conceitual.
Este livro contribui com essas tarefas ao apresentar as histórias
de cada Grupo de Pesquisa do PPGMC-UFF, suas trajetórias cien-
tíficas, teórico-metodológicas, suas indagações centrais, formas
de organização e atuações acadêmicas.
No capítulo “Políticas, ativismos e competências de uma
comunicação emergente”, sobre o Centro de Pesquisas e Produção
em Comunicação e Emergência (EMERGE), o fundador Adilson
Cabral e os integrantes Andrea Medrado e Marco Schneider
explicam que o grupo nasce da proposta de realizar pesquisas,
mas também ações de ensino e extensão, que fomentem articu-
lações entre o meio acadêmico e os diferentes grupos e organi-
zações sociais. O objetivo é articular formas compartilhadas de
atuação. O EMERGE não se contenta, portanto, em contribuir
para uma reflexão teórica no campo da Mídia e Cotidiano, vincu-

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Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

lada ao universo das organizações sociais, mas atua no sentido


de conciliar reflexão conceitual e mudança social. Os autores
explicam que o grupo procura auxiliar seus interlocutores a
produzir o que chamam de processos comunicacionais emer-
gentes – nos quais haja a apropriação das Tecnologias de Infor-
mação e Comunicação (TICs) como instrumento de afirmação da
comunicação como direito humano. Um dos mais antigos, entre
os grupos apresentados, o EMERGE é de 2005 e, assim como
o Multis e o educ@mídias.com, foi incorporado ao PPGMC na
fundação do programa. Suas principais áreas de atuação são as
políticas de Comunicação Comunitária, carro-chefe das pesquisas
de Adilson Cabral; o ativismo digital e o midiativismo de favelas,
especialidade de Andrea Medrado; a competência crítica infor-
macional, no centro das atuais pesquisas de Marco Schneider.
Outros campos, incorporados tanto pelos integrantes como por
seus orientandos de mestrado e doutorado, são as mídias regio-
nais, a apropriação social das TICs e a diversidade cultural.
O capítulo “Mídia, Ludicidade e Design no cotidiano de
contextos contemporâneos de ensino-aprendizagem”, do autor
Alexandre Farbiarz, líder do grupo Educação para as Mídias
em Comunicação (educ@mídias.com), apresenta as articula-
ções teóricas entre a Comunicação, a Educação e o Design, que
fundamentam as pesquisas do grupo, caracterizadas pela inter-
disciplinaridade, com destaque para as aproximações entre a
Educação Crítica para as Mídias, a Ludicidade e o anticipation
Design. O grupo teve início ainda em 2008, antes do surgimento
do PPGMC-UFF, por meio de pesquisas e orientações do autor.
O capítulo destaca a complementaridade entre teoria e práxis
nas pesquisas desenvolvidas, o que contribui para a atuação coti-
diana dos membros como pesquisadores, educadores e sujeitos
da sociedade midiatizada. O autor também contextualiza as
pesquisas realizadas pelos discentes do PPGMC-UFF e pesquisa-
dores do educ@mídias.com – alguns deles membros oriundos
do Laboratório Linguagem, Interação e Construção de Sentidos
(LINC-Design), vinculado ao PPG Design da PUC-Rio.
Em “MULTIS – narrativas e imaginários que nos atravessam
e definem”, Denise Tavares e Renata Rezende Ribeiro nos
convidam a observar de dentro o funcionamento do processo

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Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

de construção das pesquisas que compõem o grupo Núcleo


de Estudos e Experimentações do Audiovisual e Multimídia
(MULTIS). Elas apresentam um processo orgânico, impulsio-
nado pela chegada de alunos do mestrado e, mais recentemente,
do doutorado, oferecendo novas questões. De acordo com as
pesquisadoras, essa dinâmica dá liga ao modo como os conceitos
são pensados no grupo, particularmente os de imaginário e de
narrativa, problematizados a partir da produção audiovisual em
ambientes multimídias. Em um segundo momento, o capítulo
expõe como se dá esse movimento em uma das pesquisas desen-
volvidas pelo Multis, “Juventude e suicídio”, contemplada com
o Edital Faperj para Grupos Emergentes1. O projeto congrega
diferentes enquadramentos sobre o assunto a partir das dife-
rentes perspectivas originárias das investigações de professores
e alunos.
Partindo do entendimento de que não há uma única juven-
tude, mas diferentes modos de vivenciar essa fase de vida – quase
sempre relacionados a interseccionalidades entre raça e gênero
– Carla Baiense Felix e Larissa Morais apresentam no Capítulo 4
a proposta de pesquisa do grupo Mídias, Redes e Jovens. Criado
em 2013 pelas duas autoras e a professora Helen Britto, com
a participação de graduandos e pós-graduandos, o grupo tem
articulado diferentes metodologias de pesquisa no esforço de
compreender como as juventudes brasileiras consomem notícias
e, ao mesmo tempo, como esse consumo interfere em suas vidas
cotidianas. Tais questões dão suporte ainda ao debate sobre
modelos de produção e distribuição de notícias apropriados para
essas audiências cada vez mais conectadas. A narrativa sobre a
trajetória do grupo é pontuada com os conceitos centrais para
a realização de seus estudos. No relato de experiências mais
recentes, quando o referencial do letramento midiático ganha
centralidade, fica evidente que suas pesquisas se tornam cada
vez mais engajadas e incorporam ao seus métodos de trabalho o
retorno social, seja através da realização de oficinas do interesse
dos pesquisados, seja pelo ritual de partilhamento de resultados.
Patrícia Gonçalves Saldanha e Pablo Nabarrete Bastos,
1
Edital Faperj 14/2019 – Apoio a Grupos Emergentes de Pesquisa do Estado do
Rio de Janeiro. Processo n. E-26/010.002166/2019.

12
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

líderes do Laboratório de Investigação em Comunicação Comu-


nitária e Publicidade Social (Laccops), são os autores do capítulo
“Laccops: caminhos metodológicos para uma construção teórica
a favor da vida e da transformação social”, que apresenta a
história do laboratório e seu engajamento científico e político
com a comunicação comunitária e a publicidade social como
metodologias de transformação da sociedade. O capítulo narra
o percurso teórico e acadêmico do Laccops desde os primeiros
estudos sobre publicidade comunitária no início deste século,
passando pelo encontro com a publicidade social, em 2011, a
partir de desafio empírico colocado pela necessidade de engajar
a sociedade em ação para impedir o fechamento do Instituto
Benjamin Constant, a oficialização do grupo de pesquisa certi-
ficado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) em 2014, até a chegada de novos membros:
professores, estudantes e egressos da graduação e da pós-gradu-
ação, que seguem fortalecendo as pesquisas, ações, campanhas,
eventos e projetos. Outro marco importante do laboratório foi a
conquista do edital da FAPERJ2 – “Apoio a Grupos Emergentes
de Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro” –, em 2019. Os autores
apresentam também os principais fundamentos teóricos, epis-
temológicos e metodológicos que estruturam as pesquisas do
Laccops, resultados de ações recentes e acenam para projetos
futuros com o PPGMC.
O capítulo “Apropriação ideológica de causas sociais na
sociedade de consumo midiatizada: confrontos entre as lógicas
do capital e a luta política”, das membras do Grupo de Pesquisa
Ética na Sociedade de Consumo (ESC), a pesquisadora Ana Paula
Bragaglia e Lorena Campos apresentam recorte de pesquisas
desenvolvidas no grupo sobre produtos midiáticos, com refle-
xões críticas sob a perspectiva da ética. O capítulo apresenta
estudo desenvolvido sobre a websérie Eu sou Bonita?, promovida
pela marca Avon, veiculada em 2018 no YouTube. A partir de
pesquisa bibliográfica sobre estereótipos, gênero e performance,
política e movimentos sociais, cultura midiática e teorias críticas,
e com base na análise do discurso, as autoras analisam os cinco
2
Edital 14/2019 – Apoio a Grupos Emergentes de Pesquisa do Estado do Rio
de Janeiro. Processo n. E-26/010.002166/2019.

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Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

vídeos da websérie e desenvolvem instigante reflexão sobre os


limites e contradições da apropriação de pautas da luta feminista
pela lógica da publicidade e do consumo. Conquanto a presença
de pessoas invisibilizadas pela mídia hegemônica seja algo
positivo na publicidade contraintuitiva, as autoras ponderam
que é necessário analisar todo o contexto e refletem criticamente
sobre a apropriação de pautas feministas realizadas pela marca,
que valoriza a perspectiva de empoderamento individual em
detrimento do coletivo.
O debate conceitual sobre as vertentes da Comunicação
Institucional é o ponto de partida da apresentação do grupo
“Comunicação Institucional e suas Interfaces”, trazida por
Flávia Clemente de Souza, Milena de Azeredo Pacheco Venancio
e Priscila dos Santos Silva. As pesquisadoras remontam, em
seguida, à história da criação do grupo e suas linhas de pesquisa
e à interlocução com o debate sobre Mídia e Cotidiano. Uma
das linhas tem o foco na preservação da memória institucional;
outra no desenvolvimento de metodologias para a pesquisa em
comunicação institucional; e a terceira, em articulação com as
outras duas, na pesquisa sobre linguagens, discurso, imagem
e representação nas práticas midiáticas. A partir de estudos
iniciais da professora Flávia Clemente, que fundou o grupo e
o lidera, demonstrou-se a necessidade de estudar modelos que
possibilitem avaliar o impacto da ação das fontes nos processos
de criação de narrativas do jornalismo, sem a necessidade de
interação com aquelas, usando como método a dinâmica esta-
tística e estocástica na coleta de informações públicas, aliadas a
uma análise qualitativa que permita perscrutar diferentes corpus,
a partir de materialidades já constituídas pela linguagem. O foco
analítico desloca-se, assim, para a produção de sentidos, a partir
de processos de identificação do sujeito, argumentação, subjeti-
vação e construção da realidade, como detalham as autoras.
O capítulo “Um outro tempo é possível”, escrito por Rachel
Bertol, exibe um importante exercício de revelar como estão
sendo elaborados os fundamentos do grupo Temporalidade dos
Meios Comunicacionais, Linguagem e Cotidiano (Tempos), o
mais recente no PPGMC-UFF. Ao longo do texto, identificamos
a construção de uma problemática que pensa as materialidades

14
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

dos meios de comunicação, considerando questões históricas e


historiográficas. É nessa busca, por compreender de que maneira
as linguagens advindas dos diferentes dispositivos criam modos
de dizer, que o cotidiano se impõe. Para investigá-lo em sua inter-
locução com as mídias, o grupo se vale, nesse sentido, da perspec-
tiva das temporalidades, como mostra a problemática desenhada
ao longo do capítulo pela pesquisadora e fundadora do grupo.
As diferentes histórias e temporalidades que marcam os
percursos desses oito grupos de pesquisa, ao mesmo tempo tão
distintos, mas tão próximos no que se refere à proposição de
pensar a imbricação entre Mídia e Cotidiano no nosso tempo e
à preocupação com a transformação social, estão devidamente
mapeadas nas páginas a seguir. A propósito, a necessidade
da contribuição social das universidades e outras instituições
públicas tornou-se ainda mais evidente no período em que os
textos a seguir foram escritos: a segunda metade do ano de 2020,
no auge da pandemia de Covid-19, no Brasil. Esse foi também um
momento no qual múltiplas telas invadiram, mais do que nunca,
as diferentes esferas da nossa vida cotidiana, com consequências
que ainda vamos custar a mapear e compreender de modo mais
profundo. Entender nosso tempo demanda, também mais do que
nunca, uma reflexão sobre a interação dialética entre o cotidiano
e as diferentes mídias que o invadem e modificam incessante-
mente. Na cartografia de pesquisas a seguir, a totalidade e cada
peça são fundamentais para contar um pouco da nossa história
e do nosso lugar, da mídia e do cotidiano no campo da Comu-
nicação, e a marcar nossa proposta de contribuição. Esperamos
que apreciem a viagem.

Referência
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Ofício de cartógrafo. São Paulo: Loyola, 2004. 

15
Prefácio

Uma obra, uma vida, uma história

Marialva Barbosa1

A presentar um livro pode parecer a princípio, sobretudo


para um pesquisador que atua como docente há mais
de quatro décadas na área de Comunicação, uma tarefa corri-
queira. Mas não é. Cada livro possui uma vida, uma história, um
desenrolar de reflexões e de imaginações, sempre produtivas,
que lhes dão singularidade. Mas há mais: cada livro tem também
um momento de concepção, uma história de sua produção,
caminhos e desvios que fazem parte de um todo que se enuncia,
afinal, como uma obra.
Isso torna o ato de apresentar o livro uma ação que deve
ser profundamente responsável e que não se limita a enunciar
conteúdos que os leitores irão encontrar nos capítulos que cons-
tituem suas partes, que afinal irão construir um todo, isto é, uma
narrativa completa e que produz aproximações entre olhares
muitas vezes situados numa pluralidade teórica e temática. Apre-
sentar um livro é descobrir, também, a singularidade da obra e
os vínculos que nos colocam como autor daquela apresentação.
Com essa perspectiva busquei encontrar as razões pelas
quais os organizadores me convidaram para apresentar este livro.
Procurei, então, descobrir os vínculos evidentes e encobertos que
me tornaram – pela generosidade dos organizadores – a voz que
o apresenta.
Na lista dos autores aparece, pelo menos para mim, uma
das razões. Dos oito capítulos que constituem a obra, seis foram

1
Professora titular de Jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
foi presidente da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
(2014 a 2017). Publicou diversos livros, entre eles, História da Comunicação no Brasil
(Vozes, 2013), História Cultural da Imprensa - 1900-2000 (MAUADX, 2007), Escravos
e o Mundo da Comunicação (MAUAD, 2016) e Os Manuscritos do Brasil. Uma rede de
textos no longo século XIX (EDUFF, 2018).

17
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

escritos por pesquisadores que hoje são reconhecidos pelos seus


méritos e competências nas reflexões sobre a densa temática mídia
e cotidiano, mas que passaram pela minha vida desde um tempo
longínquo. Cinco deles foram meus alunos em vários momentos
das suas trajetórias, o que indica também uma pluralidade de
tempos de convivência e trocas múltiplas. Além disso, também
um dos autores conviveu comigo muito tempo das nossas vidas,
partilhando um mesmo departamento de ensino, ele e eu como
professores, num já longínquo período do século XX2.
Assim, a primeira razão (e a mais importante, na minha
concepção) para eu assinar este prefácio é a vinculação afetiva,
é a história comum, é o sentido de trajetória, é, enfim, a certeza
de que cada conhecimento que julgamos produzir será adensado,
suplantado por aqueles que foram nossos alunos e que comple-
mentam diariamente a nossa trajetória com os passos seguintes
que dão na mesma área que partilhamos.
Esses vínculos profundos – que só a atividade de ser professor
constrói – são afinal determinantes para que no momento em
que escrevo este prefácio, os gestos autorais da maioria dos
produtores dos capítulos sejam ofuscados pelos trabalhos da
minha memória. Assim, as temporalidades, as relações mídias
e jovens, os ativismos e sua relação com a comunicação – entre
outras temáticas que compõem o livro – são encobertas pelas

2
Não apenas para “matar a curiosidade” dos possíveis leitores, mas também
para revelar, ainda que brevemente vínculos duradouros, relembro o passado.
Adilson Cabral foi meu aluno de graduação na UFF; Flávia Clemente de Souza
foi minha aluna no mestrado em Comunicação da UFF, do qual sua mãe,
Tania Clemente foi uma das primeiras docentes e, sobretudo, voz importante
na construção do programa; Rachel Bertol foi minha aluna no doutorado em
Comunicação e Cultura da UFRJ; Carla Baiense Felix foi minha orientanda de
monografia de graduação, no Curso de Comunicação da UFF, no final dos anos
1980; e Renata Rezende, a quem conheci como uma jovem repórter recém-
saída da graduação na Universidade Federal do Espírito Santo, no primeiro
ano do século XXI, foi minha aluna do mestrado em Comunicação da UFF
e minha orientanda de doutorado no mesmo programa. Além disso, Renata
Tomaz, também uma das organizadoras do livro, foi minha aluna de mestrado
e doutorado no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura
da UFRJ. Todos ainda hoje me chamam de professora. Já o docente a quem
faço menção é Alexandre Farbiarz, de quem ainda hoje lembro o dia em que
ingressou no então Departamento de Comunicação e Artes da Universidade
Federal Fluminense, no início da década de 1990.

18
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

imagens de jovens rostos, inquietos, animados, esperançosos,


iluminados pela juventude. Um desfile de rostos dos autores
que assinam esta obra, quando ainda eram alunos de graduação
ou no início das suas pós-graduações, vão se sucedendo como
imagens duradouras de um passado. Imagens que construíram
vínculos profundos e afetos infinitos.
A segunda razão talvez tenha sido em decorrência da longe-
vidade da minha própria atuação na área de Comunicação e dos
vínculos que, durante esse tempo longo, criei e construí com a
Universidade Federal Fluminense (UFF). Durante mais de 30
anos teci minha história de vida e minhas práticas acadêmicas
na UFF. Lá, fiz graduação no Curso de Comunicação, mestrado
e doutorado em História, fui professora do Instituto de Artes
e Comunicação Social (IACS) por três décadas, participei da
criação do primeiro programa de Comunicação do instituto.
Enfim, liguei vida vivida e mundo acadêmico também num tempo
longo passado nessa universidade. Mas não cabe aqui falar dessa
temática, apenas ficar orgulhosa de apresentar um Programa
de Pós-Graduação com uma proposta inovadora, surgido já no
século XXI, e que tem se mostrado – como se poderá perceber
nos textos que compõem esta coletânea – maduro e produ-
zindo reflexões importantes na área diante das transformações
no universo comunicacional e que impactam profundamente o
mundo da vida.
O título do livro – Mídia e Cotidiano: uma cartografia de
pesquisas – não só define o que o leitor irá encontrar, mas singu-
lariza a pluralidade de abordagens envolvendo a relação mídia
e cotidiano como uma cartografia. Se o conceito de cartografia
pressupõe o envolvimento mais do que completo, de certa forma
atávico, com o universo pesquisado, o que deixa antever ações
profundas, que levam até mesmo à troca de lugares, ou melhor,
indefinições de posições em contato com o objeto de pesquisa,
o livro de fato é uma cartografia. Isso porque os textos elabo-
rados indicam posições dedicadas por completo às temáticas que
são objetos de reflexão, produzindo, de certa forma, uma indis-
tinção entre vida e pesquisa, tal o envolvimento dos autores com
as ações desenvolvidas no âmbito da Pós-Graduação em Mídia e
Cotidiano e, sobretudo, com os estudos que realizam.

19
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

Cada capítulo expõe trajetórias dos grupos de pesquisa,


indicando ações teóricas e metodológicas privilegiadas, a partir
do lugar fundador de reflexão, qual seja, a Mídia-cotidiano.
Mídia-cotidiano define-se como lugar de centralidade absoluta
das mídias na vida contemporânea, nas práticas mais ordiná-
rias, por vezes amplificadas, por vezes encobertas, que se desen-
rolam na vida vivida. Daí, propositalmente excluí o e que liga
dois universos que, no mundo contemporâneo, são muito mais
do que complementares: se constituem como um único lugar que
cimenta o mundo da vida.
Outro aspecto que se torna presente para o leitor é a plura-
lidade teórica em torno da noção de cotidiano adotada pelos
pesquisadores. Uma pluralidade, sempre bem-vinda, já que o
resultado de olhares plurais deságua invariavelmente no aden-
samento conceitual, na partilha de olhares advindos de lugares
múltiplos, tornando patente a ação da ciência de fomentar a
multiplicação de saberes, já que o conhecimento científico se
define por seu caráter provisório e por ser também cumulativo.
Afinal, a ciência é sempre democrática: admite invariavelmente
o divergente e o convergente, o novo e o velho, o conhecimento
que veio antes e o que está sendo construído agora. O diálogo é
a sua essência.
São textos, teorias, reflexões, busca de métodos, para
produzir problematizações em torno do conceito de cotidiano,
como fundamento/cimento da vida social, atravessado e arti-
culado nesses tempos complexos que vivemos pelas práticas e
processos midiatizados. São, enfim, pesquisas que produzem um
retrato, individual e coletivo, do trabalho dedicado que se desen-
volve nos diversos grupos do programa, procurando ampliar o
debate sobre práticas e processos midiatizados que produzem
sentidos e diálogos.
No início do prefácio indiquei que apresentar um livro é
fazer dois movimentos: descobrir por que fomos colocados neste
papel de voz que apresenta e descobrir as singularidades da obra.
Em relação ao primeiro ponto apresentei o que acredito terem
sido as razões para que eu assinasse este prefácio. Em relação ao
segundo ponto, é necessário tornar mais explícito o que estou
denominando singularidade da obra.

20
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

Na minha compreensão, o que faz a singularidade desta


obra é exatamente a pluralidade reflexiva capaz de construir
particularidades e, ao mesmo tempo, generalizações. Assim, as
pesquisas desenvolvidas nos diversos grupos institucionalmente
constituídos e integrados pelos docentes do programa mostram
a dinâmica de diversas proposições teóricas e conceituais e a
multiplicidade de filiações a diversas linhagens teóricas. Mas o
que une tudo isso? O que permite a partir desta multiplicidade
de olhares construir um Programa de Pós-Graduação com a
produção de vínculos unívocos?
A singularidade advém não só do lugar – Mídia-Cotidiano –
mas, sobretudo, da maneira como as pesquisas são realizadas, em
que o gesto cartográfico, enunciado no título do livro, revela uma
posição de pesquisa: vínculo profundo e envolvimento completo
com a produção de reflexões e saberes. É isso que vem pavimen-
tando o caminho seguido pelos docentes. Afinal, compreender
as relações cotidianas atravessadas no contemporâneo sempre
pela dimensão midiática obriga a um envolvimento completo.
É isso que o livro mostra. Mais do que uma coletânea, de fato, o
livro é uma cartografia de pesquisas.

21
Políticas, ativismos e competências
de uma comunicação emergente
Adilson Cabral
Andrea Medrado
Marco Schneider

O presente texto se propõe apresentar as linhas de


pesquisa e a atuação acadêmica de professoras(es)
e pesquisadoras(es) do Centro de Pesquisas e Produção em
Comunicação e Emergência (EMERGE) no âmbito do PPGMC.
A partir de uma trajetória da formação e consolidação do grupo
de pesquisa junto à UFF e ao PPGMC, são trabalhados aspectos
característicos de suas pesquisas e atividades acadêmicas que
contribuem para o fortalecimento do EMERGE, no que diz
respeito ao entendimento dos processos comunicacionais
emergentes, do PPGMC, no que tange às relações entre mídia e
cotidiano e, por fim, da produção de conhecimento em torno de
suas próprias áreas de atuação.

1. O EMERGE
Criado junto ao Departamento de Comunicação em
março de 2005, foi credenciado junto ao Diretório de Grupos
de Pesquisa do CNPq logo em seguida e posteriormente incor-
porado ao PPGMC, desde o início do seu funcionamento. Seu
objetivo é realizar projetos de ensino, pesquisa e extensão que
fomentem debates, articulações e encontros envolvendo grupos
e organizações sociais e acadêmicas, interessados na implemen-
tação de processos comunicacionais em suas atividades, permi-
tindo consolidar formas interativas e compartilhadas de atuação.
No que tange à área da Comunicação, trata-se de conceber
processos comunicacionais emergentes, capazes de se apro-
priar socialmente das TICs, aproveitando-se de espaços dispo-
níveis e a se conquistar, no sentido de afirmar a comunicação

23
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

democrática como um direito humano. Suas áreas gerais


de atuação são as políticas de Comunicação Comunitária, o
ativismo digital, o midiativismo de favelas, a competência
crítica informacional, as mídias regionais, a apropriação social
das TICs e a diversidade cultural.
A criação do EMERGE foi inspirada no conceito de Emer-
gência, de Stephen Johnson, a partir de livro homônimo, que
estudou o fenômeno em organizações sociais aparentemente
díspares, tratando de compreender e verificar a caracterização
de “processos organizados de baixo para cima e de forma adap-
tativa” (2003, p. 54). Dentro do entendimento desse modelo
organizativo, as possibilidades de pesquisas sobre a comunicação
compreendem aspectos tecnológicos, políticos e socioculturais,
no contexto da apropriação das TICs por parte da sociedade.
A primeira formação do grupo se constituiu numa rede de
proximidade entre parentes e melhores amigas(os), também arti-
culados em ações conjuntas que compreenderam o movimento
estudantil, o movimento pela democratização da comunicação
e uma presença que já começava a amadurecer no meio acadê-
mico, em nossas instituições e associações articuladoras de nossos
campos de atuação. Com o passar do tempo, colegas passaram a
formar seus próprios grupos de pesquisa junto ao próprio Depar-
tamento de Comunicação e em suas instituições de origem, possi-
bilitando parcerias e ações conjuntas e/ou complementares que
contribuem para potencializar campos de conhecimento.
Atualmente, o EMERGE tem uma base na UFF que conta
com uma professora e dois professores, que aqui assinam este
texto, além de professoras(es) que atuam em distintas institui-
ções: Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia
(IBICT), Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), Universidade
Federal do Ceará (UFC) e Escola Superior de Propaganda e Marke-
ting (ESPM-RS) / Universidade do Vale dos Sinos (UNISINOS),
além de pesquisadoras(es) que realizaram suas pesquisas de pós-
doutorado sob supervisão de professoras(es) do PPGMC. Em
breve iremos incorporar ao grupo as(os) doutoras(es) que defen-
derem suas teses. Contamos também com uma pesquisadora da
Universidad de Córdoba, parceira em diversas atividades relacio-
nadas aos temas que abordamos. Em relação à(ao)s estudantes

24
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

envolvidas(os) no EMERGE, são doutorandas(os), mestres,


mestrandas(os), graduadas(os) e graduandas(os) entre orientan-
das(os), bolsistas e colaboradoras(es) que reforçam as pesquisas
e atividades realizadas pelo grupo, além de egressas(os) que já
concluíram suas atividades de pesquisa e/ou formação relacio-
nadas às pesquisas de pós-graduação e graduação nas áreas de
Comunicação Comunitária, Políticas Culturais, Ativismo Digital,
Competência Informacional, dentre outras, consolidando uma
perspectiva de grande interesse e potencial nas áreas de Comuni-
cação, Cultura e Informação.
Entre outras atividades de destaque, o EMERGE já realizou
quatro encontros próprios com convidados internacionais: o I
Encontro do EMERGE em 2007, sob o título “Processos comunica-
cionais emergentes e as políticas públicas de comunicação” (com
a professora Vicki Mayer, da Tulane University); o II Encontro do
EMERGE, em 2009, sob o título “A Emergência na Comunicação
em suas múltiplas experiências” (com o professor Eduardo Vizer,
da Universidad de Buenos Aires); o III Encontro do EMERGE,
em 2014, sob o título “Governança global da Internet” (com o
professor Luís Miguel Loureiro, da Universidade Lusófona do
Porto); e o IV Encontro do EMERGE, em 2018, realizado na
FCRB, sob o título “A emergência da comunicação comunitária e
do ativismo digital por uma sociedade mais democrática” (com a
professora Maria Soledad Segura, da Universidad de Córdoba e
atualmente integrante do EMERGE).
Além de mídias sociais nas quais o EMERGE divulga seus
eventos, como Facebook, Instagram e Youtube, o site Comuni-
cação em Movimento funciona como uma revista virtual que
articula a veiculação de matérias noticiosas com divulgação das
pesquisas e atividades realizadas por seus integrantes, buscando
também abrir diálogo com a comunidade acadêmica e também
alunas(os) do ensino médio, interessadas(os) em assuntos que
movimentam nossas atividades. Em 2020 começamos uma
parceria com o Movimento Nacional de Rádios Comunitárias,
promotor do Jornal Integração, programa da Rádio Planeta Ilha,
de Florianópolis (SC), no qual apresentamos o quadro Comu-
nicação em Movimento, de 20 minutos a cada duas semanas,
trazendo temas relacionados a nossas pesquisas.

25
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

Em parceria com a FCRB, também realizamos o Colóquio


de Economia Política da Comunicação e da Cultura (CEPCC)
desde 2017, reunindo pesquisadoras(es), professoras(es), estu-
dantes e produtoras(es) de diversas áreas relacionadas ao campo
da Economia Política da Comunicação, envolvendo temas rele-
vantes para o debate sobre a afirmação de políticas democráticas
relacionadas à comunicação e à cultura que visam estimular a
compreensão e consequentes reflexões sobre a importância da
Comunicação e da Cultura em nossa sociedade.
No âmbito da UFF são desenvolvidos projetos de
iniciação científica e inovação, com caráter extensionista, que
compreendem estudantes bolsistas de graduação, apoiados por
editais de fomento da instituição, nos quais também participam
estudantes de pós-graduação a partir de reuniões de orientação,
de projetos e de grupos de leitura. Desse modo, são trabalhados
temas relacionados às Políticas de Comunicação, Comunicação
Comunitária, Ativismo Midiático, Diversidade Cultural e Compe-
tência Crítica em Informação e Comunicação, que reforçam e
revitalizam a atuação do EMERGE e seus integrantes.
Desse modo, a identidade presente do EMERGE se asse-
melha mais à de uma rede de redes de atuações em torno de
uma base comum que de um grupo reunido especificamente em
torno de uma pesquisa. Nossas áreas de atuação compõem uma
área ampla de tangência, na qual se encontram pesquisadores e
estudantes, refletindo em nossa atuação no PPGMC. A partir de
nossa atuação na linha de Políticas, Discursos e Sociedade, nossas
trajetórias contribuem com visões distintas, porém articuladas,
de pesquisa e produção de conhecimento que já proporcionaram
diversas contribuições para a formação e a difusão científica no
âmbito do EMERGE e em função do PPGMC.
Algumas atividades realizadas em parceria no âmbito do
programa foram a organização e participação no workshop “Media,
new technologies and development in Latin America: political,
social and economic perspectives”, em parceria com a City Univer-
sity London (CUL). Realizado em duas fases no Instituto de Artes
e Comunicação Social (IACS/UFF), em março de 2019 e na CUL,
em julho do mesmo ano, o workshop contou com pesquisadoras(es)
latino-americanas(os) especialistas no tema. Outra iniciativa que

26
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

mobilizou parcerias foi a participação na Rede eVoices, que inves-


tigou diferentes usos de tecnologias digitais para combater a
marginalização e explorava as trocas entre países do Sul Global,
em especial, do Brasil com o Quênia, com o compartilhamento de
experiências, lições e desafios entre eles.
Foram também publicados dois artigos envolvendo parce-
rias entre integrantes do EMERGE:
– Na Revista Matrizes, o artigo “O legado de Stuart Hall e
a Comunicação Comunitária”, de autoria de Adilson Cabral e
Marco Schneider, que advoga a relevância do legado de Stuart
Hall para o estudo e a prática da Comunicação Comunitária,
defendendo uma reaproximação entre os Estudos Culturais e a
Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura,
como movimento capaz de descortinar horizontes pouco explo-
rados para a práxis da Comunicação Comunitária;
– Na Revista EPTIC, o artigo “A mediação de vídeos pelo
YouTube: política conectiva na Comunicação de um partido e
de dois movimentos sociais”, de autoria de Andrea Medrado,
Simone do Vale (pesquisadora de pós-doutorado junto ao
EMERGE) e Adilson Cabral, que analisam a atuação do YouTube
como intermediário de conteúdo audiovisual por meio de seu
sistema de recomendação, a partir do mapeamento de redes de
vídeos relacionados à estratégia de “política conectiva” propor-
cionada pela candidatura de Guilherme Boulos, do Movimento
dos Trabalhadores sem Teto (MTST) e Sonia Guajajara, da Asso-
ciação dos Povos Indígenas Brasileiros (APIB) à presidência nas
eleições de 2018. Esse último artigo foi publicado originalmente
em inglês, na coletânea Visual Political Communication, de
autoria de Anastasia Veneti, Daniel Jackson e Darren G. Lilleker,
pela editora Palgrave-Macmillan.

2. Pesquisas e atuação acadêmica


A atuação continuada nos campos acadêmicos da Comuni-
cação Comunitária, das Políticas de Comunicação e da Economia
Política de Comunicação nos aproximou da coordenação de
Grupos de Trabalho e participação como integrantes de Direto-

27
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

rias de associações científicas do campo, como a União Latina de


Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura
(ULEPICC), a Associação Brasileira de Pesquisadores e Comu-
nicadores em Comunicação Popular, Comunitária e Cidadã
(ABPCOM) e a International Association for Media and Commu-
nication Research (IAMCR).
Trouxemos para a UFF e participamos da Comissão Organiza-
dora da Conferência Brasileira de Comunicação Cidadã (CBCC),
o evento anual da ABPCOM, bem como realizamos outras parce-
rias institucionais e políticas com a Rede Folkcom, os grupos de
pesquisa EPCC (da FCRB), o Perfil-i (do IBICT), coordenados por
integrantes do EMERGE; o Laboratório de Estudos em Comu-
nicação, Tecnologia, Educação e Criatividade [(LECOTEC), da
UNESP, cujo coordenador foi integrante do EMERGE] e da Red
de Investigación en Comunicación Comunitaria, Alternativa y
Participativa (RICCAP), da qual o EMERGE faz parte.
Em relação às áreas de pesquisa específicas de seus inte-
grantes, Adilson Cabral vem buscando articular o conceito mais
geral de processos comunicacionais emergentes às relações
com o direito humano à comunicação e à apropriação social
das TICs. Ao compreender que a luta pelo direito humano à
comunicação está diretamente relacionada à mobilização, tanto
daqueles que buscam exercê-la mais diretamente na prática –
ativistas e jornalistas, por exemplo – como expandir esse direito
àqueles que têm competência para tanto, ou seja, à sociedade
como um todo, identifica como fundamental a necessidade de
articulação entre movimentos sociais e acadêmicos relacionados
diretamente à comunicação ou que compreendam a comuni-
cação como constitutiva de suas atuações, para além de uma
mera condição instrumental.
Para isso, articula debates circunscritos ao Brasil com exis-
tentes em dimensões internacionais (na América Latina, em
regiões distintas ou globais), demandando a necessidade de maior
amplitude do direito à comunicação, com foco na dimensão do
consumo de produtos e veículos por parte da população em
geral. Entretanto, esse conceito diz respeito ao direito à comuni-
cação em sua essência, tal como ela nunca deveria ter deixado de
se afirmar e disseminar.

28
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

Compreende a importância da comunicação para a trans-


formação social como afirmação do conceito de um direito à
comunicação de todos, para todos e por todos, nas dimensões
de conceber, produzir, veicular, disseminar e incrementar a parti-
cipação de mais atores. Desse modo, mais que democratizar a
atividade, trata-se de englobar outras noções como a liberdade
de expressão e de imprensa, o direito à informação, o direito
de se comunicar, bem como a própria democratização da comu-
nicação, a diversidade cultural e as questões relacionadas à
produção e disseminação do conhecimento.
Localiza a formulação atual do direito à comunicação na
definição de políticas públicas e marcos regulatórios, na forma
de princípios a serem estabelecidos e reivindicados pelos diversos
segmentos da sociedade, mais do que pela simples demanda por
leis democratizantes a serem efetivadas nos diversos países. Ou
seja, a mobilização pela democratização da comunicação, proces-
sada de diferentes formas em distintos países, passa a se tornar
cada vez mais articulada de modo global, buscando uma agenda
comum a partir de realidades que cada vez mais se entendem
como semelhantes, possibilitando, pela afirmação de processos
comunicacionais emergentes, a constante troca de informações
entre participantes desses processos de reivindicação, formulação
e implementação de políticas públicas, que atuam em conjunto
nas situações em que há acordo comum, mas guardam suas parti-
cularidades no desenvolvimento de ações específicas.
Do mesmo modo, não é por ser globalizada a mobilização
desses atores que ela não se determine também por aspectos
locais. Pelo contrário, o local reconfigura o global, através das
articulações de diversas redes que buscam soluções a partir de
suas cidades, regiões e países, promovendo intercâmbios em
fóruns mais amplos, nos quais possam compartilhar melhores
práticas. A solidez da organização das estruturas locais deter-
mina um melhor envolvimento em escalas superiores, sendo
referência para a participação das organizações da sociedade
civil que reivindicam a comunicação como direito humano em
processos cogestionários, que buscam se consolidar e gerar
frutos na formulação de propostas, reivindicações e protestos,
bem como no monitoramento de políticas públicas.

29
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

Numa dimensão histórica de atuação, compreende que, a


partir dos anos 1970, com o desenvolvimento do movimento
ambientalista, passou-se a tecer a ideia de pensar globalmente e
agir localmente, já nos anos 1990, com o fortalecimento das orga-
nizações da sociedade civil em redes globais. Essa perspectiva
veio se construindo com base no ideário do pensamento global
e da ação global. No entanto, o crescimento das articulações nos
mais diferentes níveis e a necessidade de contar com pessoas das
mais diversas comunidades, dos níveis mais simples aos níveis
mais complexos, a partir de consensos em torno de melhores
práticas e estratégias, reforçou demandas relacionadas ao pensar
e agir global, mas com os pés no local. Um local que compreende
o global e a extensão de suas possibilidades, assim como gera
movimentos em escala nacional e que recebe de volta os frutos
das articulações regionais e globais geradas a partir daí, tal como
nos debates em torno da comunicação como interesse público.
Já a professora Andrea Medrado vem desenvolvendo
pesquisas relacionadas ao ativismo digital e ao midiativismo
de favelas. Compreende que a luta antirracista permeia todos
esses esforços, embora não trate especificamente do movimento
negro, abordando o ativismo digital de forma geral e global e
mais objetivamente o midiativismo de favelas.
Numa perspectiva histórica relacionada ao ativismo digital,
sua referência é o Movimento Zapatista, iniciado em 1994 pelo
Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) no México e
em atividade até os dias atuais. No início, o movimento buscava
a tomada de poder para a instauração de um governo socialista
no México. No entanto, com o tempo, esse posicionamento
político foi se alterando, sendo hoje um movimento emblemá-
tico por fazer um competente uso da Internet para estabelecer
um diálogo com a sociedade organizada mexicana, mas também
com a sociedade internacional, mais ampla. Dessa forma, os
problemas enfrentados pelas comunidades de Chiapas são colo-
cados em um contexto de luta global, denunciando a exclusão
social causada por políticas neoliberais. A visibilidade midiática
é utilizada como instrumento importante para o fortalecimento
de grupos sociais marginalizados, como indígenas, mulheres e
grupos LGBTQ+.

30
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

Outro caso tratado em suas referências históricas é o das


manifestações ocorridas durante a III Reunião Ministerial da
Organização Mundial do Comércio (OMC), em novembro e
dezembro de 1999, em Seattle, nos Estados Unidos. Essas mani-
festações ficaram famosas por fazerem uma crítica contundente à
cobertura midiática de protestos pela mídia corporativa e centra-
lizada como os noticiários da CNN, ABC e NBC e, no Brasil, da
Rede Globo. Essa narrativa midiática mostrava (e ainda mostra)
uma tendência de representar os protestos como “badernas
promovidas por delinquentes”. Assim, nesse contexto marcado
pela necessidade de confrontar essas narrativas generalizantes e
simplistas, foi criado o Independent Media Center (IMC ou, em
português, Centro de Mídia Independente), com ação baseada
predominantemente na Internet.
Com Renata Souza, deputada estadual pelo PSOL e inte-
grante do EMERGE, tendo feito pesquisa de pós-doutorado
sob sua supervisão, vem abordando o conceito de feminicídio
político. Além disso, está desenvolvendo a elaboração de um
modelo batizado de “Escalas de Visibilidade”. Compreende
que o conceito de “visibilidade”, adaptado dos estudos de
gênero e minorias para as ciências sociais, tem sido associado
às pessoas que foram negligenciadas, ignoradas ou tornadas
invisíveis na sociedade. Então, a visibilidade desponta como
ferramenta essencial para o empoderamento e o reconheci-
mento na sociedade.
Questões como política de identidade, classe e desigualdade
social dependem da visibilidade para serem abordadas, enquanto
os movimentos sociais precisam tornar visíveis as muitas injus-
tiças sociais para que possam lutar contra elas e conquistar a
empatia do grande público para suas causas. Invisibilidade, por
outro lado, cria exclusão e marginalização. As novas tecnologias,
particularmente as mídias sociais, surgiram como ferramentas
importantes para promover a visibilidade em um sentido empo-
derador. Algumas de suas vantagens incluem a facilidade de
acesso e a capacidade de contornar a mídia de massa, ajudando
grupos marginalizados, como mulheres negras, a gerenciar sua
própria imagem social ou simplesmente contar suas próprias
histórias em seus próprios termos.

31
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

No entanto, a visibilidade é uma faca de dois gumes, porque


também pode funcionar como um meio de controle. A visibili-
dade que as tecnologias da Internet conferem a grupos minori-
tários e marginalizados pode facilmente resultar em vigilância.
O que sua pesquisa vem demonstrando é que o alcance de níveis
significativos de visibilidade também gera grande vulnerabilidade
para as mulheres negras e, em especial, as que estão ocupando
espaços na política institucional – com ataques virtuais, discursos
de ódio, tentativa de destruição de reputações, acontecendo não
apenas com a própria Renata Souza, como também com Talíria
Petrone, deputada federal pelo PSOL, tema de dissertação de
mestrado de Monique Paula, de quem é coorientadora.
Nessa trajetória, compreende que a potência do ativismo
digital para as mulheres negras na política está muito conectada
ao ato de conseguir administrar o que chamam de “crise da visi-
bilidade”, que vem quando mulheres que sempre foram invisibili-
zadas, de repente tornam-se visibilizadas, mas, ao mesmo tempo,
vulnerabilizadas como consequência dessa visibilidade. Assim, o
assassinato de Marielle Franco é o exemplo mais traumático e que
deixou feridas ainda abertas, sendo a proteção das mulheres e,
em especial, das mulheres negras na política, uma pauta urgente.
O professor Marco Schneider, também integrante do
grupo, vem atuando no campo da literacia midiática, em busca
de contribuir para o amadurecimento teórico de sua modali-
dade crítica. Procura colaborar com o entendimento e o enfren-
tamento das novas formas de desinformação em circulação no
atual ecossistema infocomunicacional, mediante uma articu-
lação entre produção de conhecimento e promoção de ações
voltadas ao fomento da literacia midiática crítica, compreen-
dendo que, embora a realidade em sua plenitude não possa
ser textualmente reproduzida, permanece legítimo e necessário
enfrentar, por razões éticas, políticas e epistemológicas, a ideia
da verdade, entendida como a elaboração discursiva de uma
apreensão intelectual correta, ou mais acurada do que outras
em disputa, sobre os fatos e suas razões.
Admite, contudo, o caráter histórico das diversas posições
envolvidas em cada disputa discursiva em torno da verdade; o
complexo gradiente conceitual entre os polos da mentira e seu

32
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

oposto; e as disputas de poder que condicionam a cada momento


o debate e os próprios fatos debatidos. Diante disso, sua atuação
busca empreender uma pesquisa teórica e documental em torno
das noções de desinformação, relevância, credibilidade, ética e
literacia midiática, que remetem, todas elas, direta ou indireta-
mente, ao problema filosófico da verdade.
Desse modo, seu enfoque se dá sobre a desinformação e
suas nuances no mundo contemporâneo, da anticiência às fake
news, passando por outras modalidades (des)informacionais. Ao
atualizar a reflexão em torno da problemática correlata da lite-
racia midiática, no diálogo com os estudos sobre credibilidade
da informação (e de suas fontes), espera-se fundamentar práticas
inovadoras no campo da literacia midiática, tomando por refe-
rência experiências bem-sucedidas ou elaborações teóricas
promissoras, na prevenção e combate à desinformação.
Dessa trajetória se compreende a ideia de competência crítica
da informação como a faculdade sociocognitiva que orienta nossa
atenção e seleção informacionais, com base no conhecimento
acurado e autorreflexivo de nossas próprias demandas, em meio
ao infinito informacional inadministrável que, hoje e sempre,
nos confronta. Entende que essa atenção e essa seleção devem
articular de modo eficiente a compreensão de nossas próprias
necessidades informacionais – ou de outra ordem, mas para cuja
satisfação a informação é imprescindível – com a identificação da
informação capaz de supri-las, destacando-a da massa de infor-
mação relativamente irrelevante que a cerca.
A partir daí, propõe um modelo no qual compreende a
competência crítica em informação em sete níveis e respectivas
diretrizes para mediadores e usuários da informação:

l nível da concentração – suspensão da cotidianidade,


foco de toda a atenção em um determinado problema ou
conjunto de problemas, abstração da espontaneidade, do
imediatismo, dos juízos provisórios, das generalizações,
da mimese, dos preconceitos;
l nível instrumental – conhecimento dos recursos informa-
cionais existentes e domínio técnico das tecnologias de
informação;

33
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

l nível do gosto – problematização da noção de necessidade


informacional aliada ao estímulo à curiosidade intelectual
e à formação do gosto pelo pensamento questionador e
rigoroso;
l nível da relevância – questionamento sistemático da rele-
vância da informação e da própria noção de relevância,
bem como dos mecanismos e critérios sociotécnicos de
atribuição de relevância aos enunciados, aos dados e aos
metadados;
l nível da credibilidade – questionamento sistemático da
credibilidade das fontes de informação e dos produtores
de dados e metadados, bem como dos mecanismos e crité-
rios sociotécnicos de atribuição de credibilidade às fontes,
e aos produtores de dados e metadados;
l nível da ética – reflexão séria e responsável sobre o bem
ou o mal, resultantes dos usos da informação, com ênfase
nos problemas articulados da mentira, da opressão e do
sofrimento, numa perspectiva intercultural, sem perder
de vista as contradições entre o singular, o particular e o
universal; e, por fim,
l nível da crítica – articulação de todos os níveis anteriores
em uma perspectiva emancipatória realista, bem como da
própria noção de realismo.

3. Pensar o cotidiano
O cotidiano é trabalhado de formas distintas, porém articu-
ladas e complementares, nas pesquisas dos autores, sendo dire-
tamente relacionadas aos campos de conhecimento nos quais
se filiam as reflexões trabalhadas. Desde o entendimento do
conceito alinhado a estudiosos de suas articulações com a teoria
social à sua dimensão operativa na construção de identidades e
produções de sentido em diversas atividades e setores sociais,
articulados fundamentalmente à apropriação social das TICs e
ao ativismo midiático e digital por parte das populações vulne-
rabilizadas.

34
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

Compreendido como arena de lutas por Adilson Cabral, o


cotidiano é um espaço de intervenção por excelência, no qual
pessoas, grupos, organizações e movimentos da sociedade se
articulam em torno de diversas questões sociais e se apropriam
das TICs para afirmar, disseminar e valorizar sua cultura. Desse
modo, ao pensar a comunicação a partir do seu fazer cotidiano,
esta é entendida como um direito humano fundamental compo-
nente determinante e comum de vários setores sociais, relacio-
nado diretamente à construção de identidades e à produção de
sentido nas relações cotidianas, capaz de contribuir para o incre-
mento da qualidade nesses diferentes contextos e a própria valo-
rização de outros direitos humanos fundamentais. Tomando-a
como definição de trabalho, ao mesmo tempo em que aproxima
a Comunicação de outros direitos, fundamenta-se a necessidade
de recompor outras bases para seu aprendizado e processo
formativo, bem como sua estruturação profissional.
Ancorada na formulação de políticas públicas para o
setor, tal proposta defende e afirma a importância dos territó-
rios de atuação social que se apropriam dos meios e veículos
de comunicação em prol da elaboração de práticas democrá-
ticas, promovendo a gestão de processos comunicacionais em
espaços como escolas, centros de saúde, centros culturais,
entre outros, que incentivem não apenas a apropriação de
tecnologias de informação e comunicação, como a produção
de narrativas que constroem, para Martín-Barbero (2004,
p. 309), políticas culturais alternativas de Comunicação: a
“ativação da competência cultural das pessoas, socialização da
experiência criativa e no reconhecimento de diferenças e afir-
mação de identidades”.
Alerta que ao ser colocada como coadjuvante ou mesmo
como tema tabu em determinados contextos políticos locais/
nacionais, a Comunicação deixa de ser compreendida como tema
prioritário/necessário para o desprendimento de energias por
parte de políticos, partidos, movimentos e mesmo coletivos, estes
mais diretamente relacionados à viabilidade de suas ações. Por
outro lado, ao serem tornados visíveis temas como o combate às
opressões e a afirmação de territórios periféricos, a temática da
comunicação se dilui para condições identitárias, que deslocam o

35
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

foco na formulação de políticas públicas específicas para a área de


Comunicação, mesmo que a compreendam como processo cons-
titutivo de suas identidades e narrativas, para além da dimensão
meramente instrumental.
Assim, salienta a necessidade de compreender as distintas
realidades político-regulatórias na área de Comunicação entre
os distintos países da América Latina, com especial interesse
na fragilidade do investimento por parte do Estado na consoli-
dação de um sistema democrático, dotado de iniciativas público
-estatais e sociocomunitárias fortes, para além do já conhecido
domínio das iniciativas privadas no setor. Tarefa esta que vem
sendo trabalhada através do ProLocal (http://www.prolocal.uff.
br), um site desenvolvido para disponibilizar informação neces-
sária para o fomento de pesquisas nos meios acadêmico e social,
possibilitando identificar demandas a serem implementadas na
forma de políticas públicas a serem definidas e/ou colocadas em
prática pelos distintos países.
Essa plataforma busca oferecer um amplo mapeamento a
respeito das políticas locais de Comunicação na América Latina,
especialmente a Comunicação Comunitária, compreendendo a
investigação qualitativa das estruturas de Estado para lidar com
o setor, das legislações de referência e principais atores sociais
que se mobilizam pela formulação, aprovação e implementação
de suas políticas. Os conteúdos disponibilizados fazem do portal
uma plataforma de articulação acadêmica e social, pautada na
ideia de que setores de comunicação atuem como um conjunto
interligado, que operam em complementaridade e na promoção
de interfaces.
Por essas distintas vias circulam os conteúdos que se
pretendem plurais e diversos, democráticos e inclusivos, capazes
de proporcionar um sistema de comunicação que se paute por
novas visões em debate na sociedade, que valorize o conjunto
dos direitos humanos em relação ao qual a comunicação está
inserida, articulando demandas específicas do movimento pela
democratização da comunicação e de movimentos gerais.
Para Andrea Medrado, é preciso compreender o ativismo
digital como ferramenta para combater a opressão, a injustiça
e o assassinato da juventude negra e favelada; entender como

36
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

funcionam as redes de ativismo digital de favela, apresentando


algumas de suas características e táticas comuns, e caracterizá-lo
como uma forma de infraestrutura comunicacional urbana,
sendo utilizado como importante recurso cotidiano e até de
sobrevivência pelos moradores.
Tendo como referência a antropologia digital e, mais espe-
cificamente, a netnografia, termo cunhado por Robert Kozinets
(2010), que caracteriza uma derivação da etnografia, porém
conduzida no ambiente da Internet, mesmo não se atendo a
comunidades virtuais, na medida em que as comunicações
mediadas assumem um papel significativo no cotidiano das
pessoas, torna-se evidente que o etnógrafo precisará se inserir
nessas dinâmicas de comunicação mediada de forma orgânica e
em paralelo com qualquer interação face a face que possa vir a
ocorrer (HINE, 2005).
A pesquisadora compreende que o olhar antropológico,
dotado de riqueza de detalhes e nuances, pode oferecer uma
contribuição significativa para os estudos de ativismo digital e,
em particular, para uma pesquisa mais acurada sobre ativismo
digital de favelas, valendo destacar o emprego do termo ativismo
digital no lugar de ciberativismo, já que o último termo traz
consigo a carga de um contexto temporal em que havia maior
separação entre o real e o virtual.
Tais iniciativas ativistas alcançaram significativa ressonância
por conta do contexto marcadamente urbano em que se
manifestam, representando formas de mídia urbana, o que, por
sua vez, nos leva ao conceito de territórios midiáticos, utilizado
por Simone Tosoni e Matteo Tarantino (2013). Os autores
destacam que a era digital é dominada por cidades e regiões
metropolitanas em um nível sem precedentes na história da
humanidade. Dessa forma, em um contexto de cidades altamente
midiatizadas, os atores sociais mergulhados em uma realidade de
conflito urbano como é, aliás, o caso do Rio de Janeiro, utilizam
diversas táticas simbólicas para promover representações
específicas de si mesmos.
Esse conceito de território midiático se assume como mais
voltado às diversas formas de produção de mídia por pessoas
“comuns”, sendo uma das premissas a de que, nos grandes

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Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

centros urbanos, as audiências são formadas também por pessoas


que dispõem de ferramentas tecnológicas com potencial de
promover impactos significativos sobre o que se produz de mídia,
sendo possível observar que esses grupos estão imersos em cons-
tantes conflitos urbanos e em espaços de intensa produção midiá-
tica, o que promove um sentimento de “[...] esgotamento sobre
formas mais tradicionais de mídia” (TOSONI; TARANTINO,
2013, p. 574). É esse contexto de cidades esgotadas de mídia que
faz com que haja uma busca, principalmente por populações
normalmente marginalizadas, por novos espaços midiáticos em
que consigam fazer valer o seu “eu” e retratar suas experiências
a respeito da disputa de território.
Outros estudos dentro dessa linha voltam-se para as formas
mediadas de vivência urbana, analisando a cidade como símbolo
e texto, e apontando para as maneiras como os conceitos de
mídia e cidade estão imbricados. Assim, algumas das questões
abordadas são a mediação da vizinhança e da comunidade;
respostas comunicativas a crises urbanas; as maneiras pelas quais
a organização e função de algumas infraestruturas urbanas se
assemelham à noção de mídia, em um sentido mais amplo; e,
por último, a constatação de que a compreensão das tecnologias
e usos da mídia se torna incompleta se estiver localizada fora de
seu contexto urbano.
Dessa forma, as infraestruturas comunicacionais, consti-
tuídas em uma gama de sistemas tecnológicos que regulam e admi-
nistram a comunicação urbana cotidiana, representam elementos
ricos e diversos, embora contestados, de infraestrutura urbana
(GEORGIOU; MOTTA; LIVINGSTONE, 2016). É justamente
nessas diversas e ricas maneiras pelas quais o ativismo digital
de favelas representa formas de infraestrutura comunicacional
urbana que se apresentam em diversos contextos territoriais na
cidade do Rio de Janeiro e em outros contextos periféricos.
Marco Schneider remete a Agnes Heller (2004, p. 27) para
compreender a cotidianidade como marcada pela dispersão
e pela heterogeneidade dos pensamentos e ocupações, em
oposição aos momentos de suspensão, que, ao contrário, são
caracterizados pela concentração, pela intensidade, pela homo-
geneidade das ações e pensamentos. A heterogeneidade da vida

38
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

cotidiana é trans-histórica, variando os pensamentos e atividades


dispersos conforme hierarquizações determinadas por diferentes
estruturas econômico-sociais. Assim, as pessoas, em sua rotina,
dedicam-se na maior parte do tempo a diversas atividades e pensa-
mentos imediatistas, desarticulados entre si, conforme a posição
que ocupam em meio às relações de produção em cada época,
em cada contexto. Essa hierarquização de atividades e pensa-
mentos parece “natural”, espontânea, embora um olhar pers-
crutador, característico da suspensão da cotidianidade, revele as
determinações sócio-históricas, em última instância econômicas,
que estruturam essas hierarquias de fazeres e pensares.
Compreende que a articulação de elementos como espon-
taneidade, pragmatismo, economicismo, analogia, precedentes,
juízo provisório, ultrageneralização, mimese e entonação crista-
lizados em absolutos (fé) forma aquilo que Heller define como
alienação, que “[...] é sempre alienação em face de alguma coisa
e, mais precisamente, em face das possibilidades concretas de
desenvolvimento genérico da humanidade” (HELLER, 2004, p.
38). Contudo, salienta que a dialética, segundo a autora, impede
que essa linha de raciocínio conduza ao niilismo, pois a estru-
tura da vida cotidiana, mais ou menos alienada, não constitui,
em termos gerais, uma barreira intransponível à sua suspensão.
Nesse sentido, Heller propõe a noção de “condução da vida”
como uma práxis que faz a mediação entre a cotidianidade e sua
potencial suspensão, no próprio seio da cotidianidade, sendo que
o problema dos preconceitos se torna extremamente relevante
na atualidade, podendo ser compreendido pelos traços da vida
cotidiana: caráter momentâneo dos efeitos, natureza efêmera
das motivações, rigidez do modo de vida, pensamento fixado na
experiência, empírico, ultrageneralizador. Chegamos a ultrage-
neralizações pelos estereótipos, que podem vir tanto da tradição
quanto de atitudes às quais ela se contrapõe.
Articulando preconceito, afeto e fé, e com isso tecendo uma
crítica ao caráter ingênuo do ideal iluminista de eliminação dos
preconceitos mediante a mera difusão da ciência, para a autora
“temos sempre uma fixação afetiva no preconceito. Por isso,
era ilusória a esperança dos iluministas de que o preconceito
pudesse ser eliminado à luz da esfera da razão. Dois diferentes

39
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

afetos podem nos ligar a uma opinião, visão ou convicção: a fé e


a confiança” (SCHNEIDER, 2004, p. 47). Dessa forma, a noção
de “condução da vida” se coloca como um movimento para além
da alienação e do preconceito. Tal movimento pressupõe a matu-
ração do pensamento crítico, sendo elemento fundamental na
formulação de sua Competência Crítica em Informação.
Assim, diante dos argumentos de que as “estruturas cogni-
tivas utilizadas pelos agentes sociais para conhecer praticamente
o mundo social são estruturas sociais incorporadas” ou “o
produto da incorporação das estruturas fundamentais de uma
sociedade” (SCHNEIDER, 2019, - p.92), é possível conceber as
estruturas fundamentais da sociedade capitalista como estru-
turas autoritárias de divisão desigual da propriedade dos meios
de produção e circulação, no regime autoritário do trabalho assa-
lariado “livre” e em relações de poder altamente hierarquizadas,
cujo caráter autoritário é camuflado pela (limitada) liberdade de
ação política, econômica, discursiva na prática cotidiana, propor-
cionada aos agentes sob o regime da democracia representativa
do Estado liberal ou democrático de direito.
Nesse sentido, acredita que uma ênfase atualizada nos
aspectos econômicos subjacentes à dominação simbólica, tratados
a partir da perspectiva marxiana não economicista, pode reequi-
librar a análise global e a crítica à dominação de classe que
solapa a emergência de competências críticas em informação sob
o regime de informação hegemônico na atualidade, no sentido
de não a reduzir à sua dimensão simbólica, sem, contudo, igno-
rarmos o papel decisivo desta.

4. Referenciais teóricos e áreas de vinculação


As diferentes trajetórias e enfoques por parte dos autores
determinam referenciais teóricos e áreas de vinculação distintas,
mas complementares:
Para Adilson Cabral, as adjetivações que buscam definir o
setor que se caracteriza pela distinção com o público-estatal e o
privado-comercial consideram aspectos políticos, organizativos e
identitários, em torno dos quais podem ser compreendidas adje-

40
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

tivações de distintos propósitos, mas com base comum. Adjetivos


como popular, participativa, participatória, horizontal, dialógica
ou mesmo social reforçam atributos de articulação dos grupos
envolvidos ou destinação dos conteúdos produzidos, mais carac-
terísticas que qualidades das iniciativas empreendidas e ressaltam
contribuições de grupos de apoio e de assessoria na articulação
com as pessoas para as quais são destinados os produtos reali-
zados. Outros termos como alternativa ou independente afirmam
uma dimensão política dos processos e produtos comunicacio-
nais, ressaltando, no entanto, uma distinção que se define pelo
descolamento com a mídia tradicional, apesar de também utili-
zados por esta, quando se referindo à caracterização específica
de qualidade estética.
Já o termo contra-hegemônico evidencia posicionamento
político contraposto a um determinado modo de produção
comunicacional, incidindo na política que dá sustentação e
viabiliza a continuidade desse modelo, privilegiando dirigentes,
programadores e produtores em torno desse processo. Boaven-
tura de Sousa Santos (2014, p. 33) o compreende como “um
trabalho organizado de mobilização intelectual e política contra
a corrente, destinado a desacreditar os esquemas hegemônicos
e fornecer entendimentos alternativos credíveis da vida social”.
No entanto, a existência de um setor comunitário na área das
Comunicações não o define necessariamente como integrante de
um terceiro setor, apesar de a terminologia ser recorrentemente
usada no ideário neoliberal e mesmo em certos contextos sociais
e acadêmicos nas Políticas de Comunicação e, mais especifica-
mente, na Comunicação Comunitária. As críticas a tais iniciativas
como não pertencentes ao terceiro setor se relacionam tanto à
compreensão deste para o desmonte do Estado, como ao reforço
à marginalidade de um setor assumido dentro do reforço de um
estigma periférico. Nos termos da crítica de Montaño (2007, p.
54-55), “ao considerar o ‘terceiro setor’ como a sociedade civil,
historicamente ele deveria aparecer como o ‘primeiro’. Esta falta
de rigor só é desimportante para quem não tiver a história como
parâmetro da teoria”.
A sociedade mantém o Estado e pode almejá-lo, ao parti-
cipar de partidos e campanhas políticas voltadas para cargos na

41
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

sua gestão e estrutura. Da mesma forma, mantém o Mercado,


nos moldes dos empreendimentos privados que implementa.
Distintas do Estado e do Mercado, as iniciativas em torno desse
outro sistema demandariam critérios que as tornem de evidente
interesse e acesso para a coletividade, sem distinção, reconhe-
cendo suas particularidades em função da autonomia que
afirmam e sustentam.
Andrea Medrado sustenta que as questões relacionadas às
políticas de identidade e de classe se apoiam em discussões sobre
a visibilidade, ao passo que os movimentos sociais, na sua luta
contra as injustiças, precisam que essas mesmas injustiças sejam
visibilizadas. Em contrapartida, a invisibilidade cria exclusão e
marginalização (BRIGHENTI, 2010; ULDAM, 2017, p. 44). As
novas tecnologias, em particular as mídias sociais, emergem nesse
cenário como ferramentas importantes para promover a visibili-
dade com fins de empoderamento. Entre algumas das vantagens
estão a facilidade de acesso e a capacidade de não depender dos
meios de comunicação de massa, expondo arbitrariedades dos
governos ou ajudando os grupos marginalizados a gerenciar a
sua própria imagem social ou simplesmente narrar suas histórias
em seus próprios termos.
A visibilidade, no entanto, pode também atuar como um
meio de controle. A visibilidade que as tecnologias da Internet
conferem aos atores da sociedade civil alternativa pode facil-
mente resultar em vigilância. Companhias privadas e governos
podem usar tais tecnologias para monitorá-los, censurá-los e
conter suas vozes dissidentes. Andrea Brighenti chama a atenção
para a natureza assimétrica da visibilidade. Ele afirma que num
contexto natural ideal, “a regra é que se eu posso lhe ver, você
pode me ver”, mas as coisas não são assim tão simples. A relação
de visibilidade é com frequência assimétrica, e o conceito de
intervisibilidade, de reciprocidade de visão, é sempre imperfeito
e limitado (BRIGHENTI, 2007, p. 326).
Ao mesmo tempo, o papel da invisibilidade não é simples-
mente acentuar o poder das autoridades que vigiam, mas tornar o
panóptico eficiente através da incerteza. Recorrendo à tecnologia
da invisibilidade com o panóptico, o espetáculo da vigilância (a
torre) pode ser realizado. Mais ainda, de nada vale a vigilância,

42
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

por si, não estimular a disciplina, desde que haja a necessidade


da ameaça (e presumivelmente, em determinado ponto, a concre-
tização) da punição. Isso significa que a vigilância tem que ser
respaldada pelo poder. Ela pode ampliar o poder, mas não serve,
por si só, de base para ele. Ainda segundo Brighenti (2010, p. 3),
estamos diante de “regimes de visibilidade”, que são altamente
dependentes de contextos e disposições sociais, técnicas e polí-
ticas complexas, o que torna a visibilidade um fenômeno profun-
damente ambíguo.
A autora busca enfatizar o que intitula como percursos de
visibilidade dos ativistas. Em outras palavras, em vez de analisar
visibilidade e mídias sociais em um dado evento em larga escala,
são adotadas as perspectivas de ativistas do Sul Global, em função
dos quais são acompanhados seus percursos de visibilidade, refle-
tindo sobre as implicações que o alcance dessa visibilidade (ou,
ao contrário, a invisibilidade) pode ter para eles.
Marco Schneider, a partir de uma perspectiva lukacsiana
(2003), destaca dois dilemas centrais da concepção moderna de
liberdade, que compõem, para ele, as contradições centrais da
própria política moderna, enquanto teoria e prática: a neces-
sidade de equilíbrio entre liberdade econômica, política e de
costumes, e a necessidade de compatibilização da liberdade indi-
vidual com a coletiva. Quanto ao primeiro problema, a máxima
liberal sustenta que a liberdade econômica – isto é, a liberdade de
concorrência entre empresas privadas, o estímulo à competição
generalizada de proprietários, sem intervenções externas, leia-se
do Estado – é condição para as demais, o que absolutamente não
condiz com a experiência histórica. Pelo contrário, com frequ-
ência, a liberdade econômica tem sido responsável, mais direta
ou indiretamente, pelas formas mais brutais de opressão política
ou dos costumes, muitas vezes se mostrando seu algoz, apesar
do discurso dominante ainda hoje sustentar o que se necessita
denunciar como uma falácia.
Quanto ao segundo problema, que na realidade é a
essência do primeiro, a solução dominante reside na máxima
liberal utilitária “a liberdade de cada um termina onde começa
a do outro”. Aparentemente não havendo nada de errado com
a formulação, que parece assegurar, se respeitada, um convívio

43
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

harmonioso entre os indivíduos que compõem a sociedade, o


autor aponta outro modo de ler a mesma sentença, segundo o
qual o que a máxima estabelece é um princípio geral que joga
todos contra todos, já que cada um é interpelado a enxergar o
próximo como um limite, um obstáculo para a própria liber-
dade. Essa moral individualista, que parte do indivíduo e a
ele retorna, ignora a coletividade enquanto condição para a
própria emergência da individualidade. Propõe, assim, outra
solução para o problema, ainda que formal, inspirado em
conhecido manifesto redigido por Marx e Engels: a liberdade
de cada um deve ser não um limite, mas a condição para a
liberdade do outro e de todos.
Nessa perspectiva, que parte do indivíduo e a ele retorna,
sem ignorar que a própria emergência da individualidade se
dá no âmbito coletivo, o princípio maior que orienta a ação
deixa de ser a competição e passa a ser a colaboração. Infeliz-
mente, na realidade histórica, essa solução alternativa nos é
distante, mas deve permanecer como horizonte civilizatório.
Nosso tempo ainda oscila entre a opressão mais brutal e graus
de liberdade negativa. Por essa razão prática, postula que o
modo mais seguro de se abordar por ora a questão da liber-
dade é partindo do que ela não é, opressão, sendo também
importante pensar ambas as questões de modo articulado,
tanto quanto a mentira pode ser uma forma de opressão e a
verdade uma forma de liberdade.

5. Perspectivas acadêmicas
As áreas de atuação em orientações dos autores são comple-
mentares às suas pesquisas e reforçam as linhas de pesquisa do
EMERGE e a inserção do grupo de pesquisa no PPGMC. Sendo
os três autores integrantes da linha de Políticas, Discursos e
Sociedade do PPG, seus objetos de interesse são alinhados com
o fortalecimento de análise dos processos hegemônicos, contra-
-hegemônicos e não hegemônicos da comunicação midiatizada
e seus dispositivos, a partir de uma perspectiva crítica sobre o
cotidiano, a sociedade civil e o Estado.

44
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

Adilson Cabral acolhe projetos relacionados às políticas


de comunicação comunitária, contextualizadas num cenário
de convergência transmidiática em ambientes multiplataforma,
sendo seus enfoques específicos a produção audiovisual comu-
nitária e a regulamentação do setor no continente latino-ameri-
cano, a partir de uma perspectiva decolonial, enfocando aspectos
relacionados à cidadania, à democracia e à participação de movi-
mentos sociais.
Andrea Medrado tem como interesse projetos voltados para
o ativismo digital nas favelas e contextos marginalizados no Sul
Global, com estratégias de visibilidade que ativistas necessitam
levar em conta em suas participações, articulando diferentes
territórios midiáticos de atuação a partir de suas necessidades e
perspectivas percebidas e enfrentadas no cotidiano.
Marco Schneider orienta pesquisas mais relacionadas à
competência crítica em informação, compreendendo reflexões
e iniciativas de literacia midiática aplicada, bem como processos
de desinformação e/ou pós-verdade.

6. Para lapidar um cotidiano futuro


É possível compreender a necessidade e/ou a perspectiva de
projetos comuns de pesquisa, que envolvam o conjunto ou boa
parte dos integrantes do EMERGE, embora este não seja nem
seu propósito nem sua vocação, dada a característica heterogênea
do grupo e as ramificações distintas de agendas acadêmicas e
de atuação de cada um de seus integrantes. Essa diversidade é
reflexo de nossa própria compreensão política, embora seja um
desafio adicional conduzi-la cotidianamente.
Assim, espaços como os Encontros do EMERGE e o site
Comunicação em Movimento, como veículo de divulgação cien-
tífica, além da atualização constante de nossas mídias sociais, são
iniciativas essenciais para manter ativa a proposta e as contribui-
ções do grupo, revitalizadas a cada nova leva de orientandas(os)
e bolsistas que assumem pesquisas articuladas com suas/seus
respectivas(os) pesquisadoras(es).
Nossa perspectiva é a de consolidar áreas de atuação insti-
tucional e intelectual e vislumbrar produtos críticos e sistêmicos

45
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

de incidência acadêmica e social, pela formação de redes que


estreitem laços entre campos distintos de conhecimento, bem
como fortaleçam contribuições para mais bem aprimoradas
compreensões analíticas em torno das imbricações entre mídia e
cotidiano a partir de nossas pesquisas, produções e atuações no
campo acadêmico e social.

Referências
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Research. New York: Palgrave Macmillan, 2010.
CABRAL, Adilson; SCHNEIDER, Marco. O legado de Stuart Hall e a
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tural London: final report. The London School of Economics and Political
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-and-communications/assets/documents/research/Comm-Infrastruc-
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HELLER, Agnes. O cotidiano e a História. São Paulo: Paz e Terra, 2004.
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KOZINETS, Robert. Netnography: doing ethnographic research online.
London: Sage, 2010.
LUKÁCS, György. História e consciência de classe: estudos sobre a dialé-
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MEDRADO, Andrea; VALE, Simone do; CABRAL, Adilson. A mediação
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Disponível em https://seer.ufs.br/index.php/eptic/article/view/11641.
MEDRADO, Andrea; SOUZA, Renata; GONÇALVES, Tasynara. Ativismo
digital de favelas como formas de infraestrutura comunicacional urbana.
In: BRAIGHI, Antônio Augusto; LESSA, Cláudio; CÂMARA, Marco Túlio
(Orgs.) Interfaces do midiativismo: do conceito à prática. CEFET-MG:
Belo Horizonte, 2018, p. 278-299.

46
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

MONTAÑO, Carlos. Terceiro Setor e Questão Social: crítica ao padrão


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SANTOS, Boaventura de Souza. Se Deus fosse um ativista dos direitos
humanos. São Paulo: Cortez, 2014.
SCHNEIDER, Marco. CCI/7: Competência crítica em informação (em 7
níveis) como dispositivo de combate à pós-verdade. In: BEZERRA, Arthur
et al. iKrítika: estudos críticos em informação / Arthur Coelho Bezerra ...
[et al.]. Rio de Janeiro, RJ: Garamond, 2019.
TOSONI, Simone; TARANTINO, Matteo. Media territories and urban
conflict: exploring symbolic tactics and audience activities in the conflict
over Paolo Sarpi, Milan. International Communication Gazette, 2013.
Disponível em: http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.
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ULDAM, Julie. Social media visibility: challenges to activism. Media,
Culture & Society, Oxfordshire, v. 40, n. 1, p. 41-58, 2017. Disponível em:
https://doi.org/10.1177/0163443717704997. Acesso em: 2 maio 2020.

47
Mídia, Ludicidade e Design no cotidiano
de contextos contemporâneos de ensino-
aprendizagem1
Alexandre Farbiarz

Introdução

O s contextos de ensino-aprendizagem passam por


processos de realinhamento das práticas vivenciadas
em seus cotidianos em decorrência das constantes transfor-
mações atravessadas pela sociedade contemporânea. Entre os
vários fatores para tanto estão as constantes inovações tecnoló-
gicas, as mudanças nas relações de tempo-espaço cotidianas e a
prevalência da lógica não linear do pensamento. Essa realidade
nos faz questionar sobre como os meios e métodos orientados
para ações engajadas podem ser adotados e remodelados, a
fim de nos ajudar a projetar e posicionar estratégias acessí-
veis para enfrentar o futuro dos contextos de ensino-apren-
dizagem. As pesquisas do grupo Educação para as Mídias em
Comunicação (educ@mídias.com) se interessam em discutir a
relação entre a Comunicação, a Educação e o Design, atraves-
sada pelo espectro da cotidianidade. Nossos estudos envolvem
a discussão sobre o letramento midiático crítico e o papel dos
agentes formadores no processo de midiatização social, enten-
dido como um processo discursivo. Eles são sustentados pela
intersecção das linguagens e práticas midiáticas em diálogo
com a educação formal, não formal e informal, sendo essa
intercessão sempre percebida como processo de construção
crítica da sociedade. Nossa sustentação permite o enfoque na
proposição de experiências e conhecimentos pautados pela
interdisciplinaridade, somando os paradigmas propostos pelos
campos da Educação Crítica para as Mídias, da Ludicidade e
1
A construção deste texto contou com a inestimável contribuição de Jackeline
Lima Farbiarz, Leandro Marlon Barbosa Assis, Guilherme de Almeida Xavier e
Eloisa Fatima Figueiredo Semblano Gonçalves.

48
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

do anticipation Design aos contextos de ensino-aprendizagem


vivenciados no cotidiano escolar.
Nesse sentido, vimos desenvolvendo pesquisas e orientações
desde 2008, ainda antes da criação do Programa de Pós-Graduação
em Mídia e Cotidiano em 2013, ao qual estamos vinculados, por
meio do Laboratório de Pesquisas Aplicadas em Mídia e Cotidiano
(LaPA). Desde então, além das orientações de Iniciação Científica
na graduação da UFF, e de coorientações de pesquisa em nível de
mestrado e doutorado em outros programas de pós-graduação,
agregamos pesquisas da área da Comunicação e Informação, com
foco na área de concentração do programa, Discursos Midiáticos
e Práticas Sociais, especificamente na nossa linha de pesquisa,
Linguagens, Representações e Produção de Sentidos.
Assim, o texto ora apresentado repercute discussões inter-
disciplinares primordialmente nas áreas da Comunicação,
Educação e Design, representando o nosso projeto de pesquisa
coletivo mais recente. Ele apresenta e compila debates ainda em
curso, resultantes de estudos de nossos pesquisadores formados
e em formação, em um processo dinâmico de construção do
conhecimento. Especialmente, nossas pesquisas adentram o
cotidiano escolar, as práticas cotidianas de gestores, educadores
e educandos, refletindo sobre as táticas e estratégias adotadas
(CERTEAU, 2014), o macrossocial e o microssocial desses coti-
dianos (LEFEBVRE, 1961), na compreensão de que a coletivi-
dade é composta pelos valores do humano (HELLER, 2016), e
que sua expressão comunicacional é prenhe de sentidos ideoló-
gicos (BAKHTIN, 2006[1929-1930]).
Nossa pesquisa articula teoria e práxis em uma constante e
mútua revisão, contribuindo para nossa atuação como pesqui-
sadores, educadores e sujeitos imersos nesta sociedade midiati-
zada. Esperamos, contudo, que nossas reflexões possam também
contribuir para os que nos leem, para a construção de uma socie-
dade mais justa na qual a educação, por intermédio das mídias
e do design, possa alcançar os que estão à margem, relegados ou
esquecidos, afastados ou impossibilitados de dela fazerem parte.
“Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta,
impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com
o mundo e com os outros” (FREIRE, 2015b, p. 33).

49
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

Nossas reflexões
As pesquisas do grupo educ@mídias.com resultam em
análises, discussões e proposições sobre/de contextos, práticas
e mídias analógicas e/ou digitais, interativas e/ou colabora-
tivas, inscritas em diferentes dispositivos e suportes, ancoradas
em questões de linguagem, comunicação, ludicidade, interação
e construção de sentidos que compõem o referencial teórico do
grupo e são base de nossas reflexões.
Partimos da compreensão de que o mundo contemporâneo
está dominado pelo fluxo constante de informações e pelas
mudanças tecnológicas (SODRÉ, 2013), na mesma medida em
que ocorrem disputas hegemônicas (MORAES, 2009; 2010)
que penetram no cotidiano escolar. Assim, avaliando as poten-
cialidades dos usos das mídias nas práticas docentes, compreen-
demos que nossos dias são marcados pelo acesso naturalizado
a elas, o que propicia um campo aberto ao debate acadêmico
sobre como reconhecer/propor/aprimorar/resistir/combater
de forma crítica sua presença dentro das escolas.
Por essa perspectiva, concordamos com Kellner e Share
(2008, p. 688) quando afirmam que mudanças na sociedade
contemporânea têm possibilitado alterações também na forma
como os sujeitos usam as mídias e aprendem a partir delas.

As inovações tecnológicas, a expansão dos impérios globais


da mídia, uma explosão de novos tipos de mídia e um ili-
mitado bombardeio comercial têm contribuído, atualmen-
te, para a formação de um ambiente em que a juventude
está crescendo num mundo mediado, muito diferente do de
qualquer geração anterior.

Ao considerarmos o imaginário social sobre o uso das


mídias, entendemos que “o homem nasce já inserido em sua coti-
dianidade” (HELLER, 2016, p. 18) e que “o pensamento comum
é a forma ideológica do agir humano de todos os dias” (KOSIK,
1976, p. 15). A forma de ver nos permite problematizar a natura-
lidade do uso das mídias, para afastar o fenômeno da coisa em
si e alcançar a essência que não é posta direta e imediatamente a
nossa cognição.

50
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

Ao considerar as mídias no cotidiano escolar, compreen-


demos o educando como sujeito de uma sociedade em midiati-
zação e, ainda, das transformações que esse processo promove na
lógica dessa mesma sociedade. Assim, compactuamos com o que
Hjarvard (2015, p. 54) chama de “lógica da mídia”.
Por uma “lógica da mídia”, não nos referimos a uma lógica
única ou unificada comum a todos os formatos de mídia; a lógica
da mídia representa, aqui, uma simplificação conceitual do modus
operandi institucional, estético e tecnológico da mídia, incluindo-se
aí as formas pelas quais a mídia distribui recursos materiais e simbó-
licos assim como opera com a ajuda de regras formais e informais.
Hjarvard (2015, p. 52) sinaliza que “[...] os primeiros estudos
em midiatização interessavam-se pelo papel das mídias de massa
e seu controle sobre os recursos comunicativos”. Entretanto, com
a disseminação do acesso propiciado pela Internet, os estudos
passaram a considerar as funções sociais da mídia, para além de
sua capacidade técnica, deixando de focar nos tipos particulares
de mídia e respectivas tecnologias, visando “[...] compreender
como as novas mídias podem influenciar a cultura e a sociedade”
(HJARVARD, 2015, p. 52). Neste âmbito, Hjarvard nos oferece
aporte para compreender os educandos da escola contempo-
rânea e a “lógica da mídia” que os constitui.
Esses educandos transitam por espaços mediados pelas
mídias, que propiciam formas próprias de pensar e agir no
mundo. As práticas cotidianas desses sujeitos da contemporanei-
dade, potencializadas pela cibercultura, se remetem à multiplici-
dade de linguagens e ao “[...] universo oceânico de informações
que a Internet abriga, assim como os seres humanos que navegam
e alimentam esse universo com suas histórias, seus rastros e suas
itinerâncias” (SANTOS; SANTOS, 2013, p. 52). De acordo com
Santos, Maddalena e Rossini (2016, p. 93),

A linguagem que surge na cibercultura – hipermídia


– a partir da convergência das matrizes sonora, visual
e verbal, tem como características a plasticidade e a
hipertextualidade [...] A multidimensionalidade propiciada
pela interligação de computadores em rede permite que
percursos sejam construídos de acordo com a necessidade

51
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

a partir de fragmentos de textos que podem ser associados


dinamicamente (hipertexto).

Essa forma de mediação comunicativa multiforme promove


espaços discursivos e tipos de enunciados próprios, constituindo
assim as mídias como gêneros discursivos a partir dos quais
sujeitos produzem sentidos e constroem suas subjetividades em
um processo de interação social, que podemos destacar como um
movimento mediado e constituído por uma linguagem especial
e adaptada ao seu meio de circulação. Tornam-se, portanto,
espaços sociais e semióticos ao mesmo tempo.
Especificamente, os estudos de Bakhtin sobre os gêneros do
discurso nos auxiliam ao suscitarem uma mudança nas concep-
ções de gênero estudadas pela Poética e pela Retórica, bem como
pelos estudos literários, como ressalta Machado (2014). A partir
desses estudos, “[...] gêneros e discursos passam a ser focalizados
como esferas de uso da linguagem verbal ou da comunicação
fundada na palavra”, distanciando os gêneros discursivos da
teoria clássica e conferindo-lhes uma manifestação de plurali-
dade, dando lugar às “manifestações discursivas da heteroglossia”
(MACHADO, 2014, p. 152), não restringindo as codificações à
palavra, mas entendendo a diversidade social de tipos de lingua-
gens. Em especial, interessa-nos em Bakhtin (2011[1895-1975],
p. 268) sua concepção de que os gêneros discursivos são uma
forma de agir, se desenvolvem histórica, social e culturalmente
e “[...] refletem de modo mais imediato, preciso e flexível todas
as mudanças que transcorrem na vida social”. É nesse contexto
de abertura conceitual que Machado (2014, p. 152) aponta ser
possível “[...] considerar as formações discursivas do amplo
campo da comunicação mediada, seja ela processada pelos meios
de comunicação de massa ou das modernas mídias digitais, sobre
o qual, evidentemente, Bakhtin nada disse, mas para o qual suas
formulações convergem”.
Para o grupo educ@mídias.com, pensar a utilização das
mídias requer a Educação, a Comunicação e o Design cami-
nhando juntos ao conceito de Freire (1967; 2011; 2015b) de
leitura crítica do mundo. A construção desse conceito/prática
pelos educadores perpassa praticamente todas as obras de

52
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

Freire, podendo ser exemplificada pela certeza de que “[...]


como educadores, temos de saber o que fazer para minimizar
esse poder exacerbado nas mãos de um grupo antipopular, para
aumentar a capacidade crítica das grandes massas populares,
sobre quem recai o peso dos comunicados” (FREIRE, 2011, p.
33). A mesma proposição pode ser encontrada no pensamento
de Barzotto e Ghilardi (1999), quando propõem a educação
como o mecanismo mais poderoso da sociedade, desde que
se consiga aplicar a leitura crítica do mundo nas salas de aula
através do uso das mídias.
Nossa intenção é extrapolar a visão generalizada de que a
instituição escolar se tornou defasada aos educandos. Por um
lado, valorizamos o desejo de aprender dos educadores que, reco-
nhecemos, buscam de variadas formas o conhecimento fora dos
muros escolares. Essa necessidade pode ter ocorrido por conta de
o ambiente escolar ter se fechado sobre si mesmo e ter procurado
ditar modos de ensino, de vida, de comportamento e de práticas
sociais que muitas vezes não condizem nem refletem o cotidiano
que cerca os contextos de ensino-aprendizagem. Por outro lado,
constatamos, também, o afastamento de educandos do espaço
de produção do conhecimento e o movimento de silenciamento
de suas vozes dentro das salas de aula – em uma aproximação à
educação bancária criticada por Freire (2015b). Nessa situação,
os educandos não se reconhecem como potenciais produtores do
saber e, menos ainda, reconhecem a escola e os educadores como
aqueles que podem auxiliá-los na produção de conhecimento e
na tomada de consciência nesse mundo “fluído” (BAUMAN,
2001) e com novas relações de saber, ensinar e viver (BANNELL
et al., 2016). Diante de perspectivas multifacetadas, entendemos
nossas pesquisas como inscritas no paradigma da complexidade
(MORIN, 1990).
Nesse paradigma onde dicotomias como verdadeiro/falso
perdem valor, Morin (1999) apresenta a ideia do pensamento
em espiral, onde os seres humanos são considerados produtos e
produtores. Para o autor, há um ciclo na sociedade, que nasce das
interações entre os indivíduos, mas que, com a sua cultura, seu
saber retroage sobre os indivíduos e os produz para tornarem-se
indivíduos humanos.

53
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

Frente à complexidade do cotidiano escolar, sustentamos


nosso argumento na Pedagogia da comunicação, proposta por
Freire (1967). Nela, o autor coloca o diálogo como forma de
romper com a Pedagogia do silêncio que nos oprime. Assim como
Freire, Kaplún (2014) e Castillo (2014) apresentam propostas que
caminham com a dialogia, como oposição ao modelo educacional
operado nas escolas de abordagem tradicional (MIZUKAMI,
1986). Estas reproduzem tanto hierarquias quanto a falta de troca
de saberes em um modelo que deforma, por reproduzir diversos
preconceitos em seu interior e por simplificar a complexa distri-
buição e o exercício do poder. Essa visão decorre da constatação
de que, tradicionalmente, a escola é o espaço estabelecido para
que ocorra a educação formal (MELO; TOSTA, 2008). Contudo,
as transformações sociais, com o apogeu da contemporaneidade
e o desenvolvimento tecnológico, colocaram em xeque o papel
da escola como detentora dos saberes do mundo. Nesse sentido,
compreendemos que a educação deve se perceber como parte
do mundo que a rodeia e gerar um sentimento de pertencimento
nos agentes formadores.
Em nossa visão, as mídias propiciam o fortalecimento
de redes educativas que garantam à escola o papel ativo na
complexa sociedade em que vivemos. As redes possibilitam,
também, saberes que os educandos possuem e que vão desen-
volver ao longo de sua experiência em contato com diversos
agentes sociais, com a troca de conhecimentos e a construção de
sua identidade cidadã.
Em nossas pesquisas, as reflexões residem na conside-
ração de que os educadores precisam de um posicionamento
crítico sobre sua prática docente e essa atuação, baseando-
nos em Freire (1967; 2011; 2014; 2015a; 2015b), parte de um
processo dialógico e dialético para, a partir disso, inserir as
mídias nas salas de aula. Assim, acreditamos na necessidade
dessa inserção das mídias, considerando sua potência (LEV Y,
2011; CASTELLS, 2013), a partir de uma reflexão quanto ao
seu uso e aos sentidos semânticos que agregam nos processos
de ensino-aprendizagem.

54
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

A Educação Crítica para as Mídias


Defendemos no grupo a Educação Crítica para as Mídias
como proposta em construção. Nesse sentido, baseamo-nos em
Soares (2011) que argumenta que os macrocampos da Educação
e da Comunicação já se relacionam. O autor estabelece a impor-
tância do pensamento latino na construção de uma área real-
mente ativa e integrada, chamada por ele de Educomunicação.
Vemos ainda a escola, dentro do pensamento de Freire (2015a, p.
45), entendendo que ela não deveria ter “[...] medo de conviver
com eles [meios de comunicação], chegando mesmo até, riso-
nhamente, a dizer: ‘vem cá, televisão, me ajuda! Me ajuda a
ensinar, me ajuda a aprender!’, não?”. Por essa compreensão,
conforme relata Soares (2000), a história nos ensina que tanto
a Educação quanto a Comunicação, ao serem instruídas pela
racionalidade moderna, tiveram seus campos de atuação demar-
cados, no contexto do imaginário social, como espaços indepen-
dentes, aparentemente neutros, cumprindo funções específicas:
a Educação administrando a transmissão do saber necessário ao
desenvolvimento social e a Comunicação responsabilizando-se
pela difusão de informações, pelo lazer popular e pela manu-
tenção do sistema produtivo através da publicidade. No entanto,
no mundo latino, certa aproximação foi constatada, graças à
contribuição teórico-prática de filósofos da Educação como
Célestin Freinet e Paulo Freire; e da Comunicação, como Jesús
Martín-Barbero e Mario Kaplún.
Assis (2015) relata que a UNESCO datou a década de 1920
como a do surgimento da Media Education na Europa. Para a
organização, o estudo dessa temática garante o desenvolvimento
da educação do século XXI por compreender que ela:

a) lida com todos os meios de comunicação e inclui a palavra


impressa e gráficos, o som, a captura de uma imagem em
movimento, obtida de qualquer tipo de tecnologia; b) permite
que as pessoas compreendam como os meios de comunicação
são utilizados na sociedade e o seu modo de operar e adquirir
habilidades que eles usam para se comunicar com os outros;
c) garante que as pessoas aprendam: c.1) analisar, refletir
de modo crítico e criar textos de mídia; c.2) identificar as

55
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

fontes dos textos midiáticos, seus interesses políticos, sociais,


comerciais e/ou culturais, e seus contextos; c.3) interpretar
as mensagens e valores oferecidos pela mídia; c.4) selecionar
a mídia apropriada para comunicar suas próprias mensagens
ou histórias para atingir seu público-alvo; c.5) obter acesso
aos meios de comunicação tanto para recepção quanto para
produção2 (FEDOROV, 2008, p. 1-2, tradução nossa).

As interpretações apontadas acima são próximas ao que


Melo e Tosta (2008) sinalizam como as interações mais evidentes
dos macrocampos mencionados por Soares (2011) e, ainda, ao
observado como sendo a leitura crítica da mídia. Baccega (2009,
p. 19) afirma, nesse sentido, que,

[...] o campo Comunicação/Educação, fundamental para


a construção da cidadania, inclui – mas não se resume
– à educação para os meios, leitura crítica dos meios,
uso da tecnologia em sala de aula, formação do professor
para o trato com os meios [...]. Ele se rege pela busca do
conhecimento do processo de constituição dos signos e seus
significados sociais, sua operação no cotidiano, e, sobretudo,
pela consciência de que os significados desses signos [...]
refletem/refratam a disputa entre os valores hegemônicos,
mantenedores do status quo, e os valores emergentes, em
construção, que apontam o caminho da transformação e que
tudo fazem para não ser sufocados.

Já Buckingham (2005), pesquisador britânico, utiliza a deno-


minação Media Literacy para explicar seu entendimento de como
a Comunicação e a Educação convergem. Para o pesquisador, o
educador não pode ser compreendido como aquele que transfere
2
a) deals with all communication media and includes the printed word and
graphics, the sound, the still as well as the moving image, delivered on any kind
of technology; b) enables people to gain understanding of the communication
media used in their society and the way they operate and to acquire skills
using these media to communicate with others; c) ensures that people learn
how to: c.1) analyze, critically reflect upon and create media texts; c.2) identify
the sources of media texts, their political, social, commercial and/or cultural
interests, and their contexts; c.3) interpret the messages and values offered by
the media; c.4) select appropriate media for communicating their own messages
or stories and for reaching their intended audience; c.5) gain or demand access
to media for both reception and production.

56
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

o conhecimento para o educando, sendo seu papel, portanto, “[...]


a capacidade de acessar, compreender e criar comunicações em
variados contextos3” (BUCKINGHAM, 2005, p. 2, tradução nossa).
Retornando às observações de Assis (2015), à luz do pensa-
mento de Frau-Meigs (2006, p. 20, tradução nossa), por se
tratarem de elementos distintos, a “Media Education, então, seria
o processo de ensinar e aprender sobre mídia; Media Literacy
é o resultado – o conhecimento e as habilidades que os alunos
adquirem4”. Ou seja, Media Education seria o processo de ensino
que parte do educador com a finalidade específica de ajudar na
compreensão crítica do mundo e não só para servir de instru-
mental tecnológico para determinadas disciplinas escolares.
Assumindo a existência de mais uma literatura sobre a
temática, podemos apontar Grizzly e Calvo (2013, p. 7, tradução
nossa) por estabelecerem uma definição – Media and Informa-
tion Literacy (MIL) – orientada como sendo,

[...] a base para a melhoria do acesso à informação e ao


conhecimento, liberdade de expressão e educação de
qualidade. Isso descreve habilidade e atitudes que são
necessárias para valorizar as funções da mídia e outros
fornecedores de informações, incluindo aqueles na
Internet, nas sociedades e para encontrar, avaliar e produzir
informações e conteúdos de mídia; em outras palavras, a
Media Information Literacy abrange as competências que são
vitais para as pessoas estarem efetivamente comprometidas
em todos os aspectos do desenvolvimento5.

Contudo, como aponta Assis (2015), Grizzly e Calvo (2013)


seguem uma estrutura de três níveis, já proposta por Buckingham

3
“[...] the ability to access, understand and create communications in a variety
of contexts.”
4
“Media Education, then, is the process of teaching and learning about media;
Media Literacy is the outcome – the knowledge and skills learners acquire.”
5
“[...] is a basis for enhancing access to information and knowledge, freedom
of expression, and quality education. It describes skills, and attitudes that
are needed to value the functions of media and other information providers,
including those on the Internet, in societies and to find, evaluate and produce
information and media content; in other words, it covers the competencies that
are vital for people to be effectively engaged in all aspects of development.”

57
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

(2005), mas são interpretados da mesma maneira que o pesqui-


sador britânico por Frau-Meigs e Torrent (2009), que colocam
a Media Education como o amadurecimento do que teria sido
a Media Literacy. Pautando-nos, assim, em concordância ao
apontado por Assis (2015), abandonamos no grupo de pesquisa
a busca por um batismo dessa área acadêmica, pois existem em
ambas as definições a compreensão de que o pensamento crítico
sobre os meios deve ser aprofundado como mote para o desen-
volvimento de uma sociedade crítica e democrática.
A partir do pensamento latino-americano, as ações que
buscam uma inserção dos educandos na Educação são colocadas
nas pesquisas do grupo sob a luz do pensamento de Castillo (2014,
p. 49), quando o pensador argentino afirma que “[...] um intelec-
tual que se preze não só recorre a outras vozes para fazer peda-
gogia, mas também desenvolve a sua, produz uma obra e a propõe
para promover e acompanhar aprendizagens”. Ou seja, reconhe-
cemos que a concepção de práxis proposta no pensamento frei-
reano encontra ressonância no pensamento de Castillo (2014) e,
também, nas afirmações de Melo e Tosta (2008) sobre Kaplún.
Somamos aos autores, que embasam nossas pesquisas, o
pensamento de Lyotard (1998) quando afirma que “[...] a multi-
plicação das máquinas de informação afeta e afetará a circulação
de conhecimentos, do mesmo modo que o meio de circulação
dos homens, (transportes), dos sons, e em seguida das imagens
(media) o fez”. Percebemos então, que os estudos e as reflexões
acerca do impacto das mídias se direcionam para um novo para-
digma não só de conhecimento, mas também de formas de inte-
ragir com a sociedade e sua(s) identidade(s). Pois as mídias e, em
especial, o mundo digital, cada vez mais, colaboram na possibili-
dade de os sujeitos experimentarem, imaginarem e construírem
seu mundo físico, por intermédio de sua produção de sentidos,
a partir do que experimentam, produzem e devolvem ao meio.
Ressaltamos que as mídias digitais, em especial as supor-
tadas pela Internet e, mais recentemente, pelos celulares, propi-
ciam o desenvolvimento de formas próprias de organização do
pensamento, sob a ótica agora visível do hiperlink, de um parâ-
metro próprio de leitura e de leitura de mundo (FREIRE, 2011),
de um modo de organizar o raciocínio, de se relacionar com as

58
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

formas e com as linguagens presentes e constituintes desse meio


(BOLTER, 1991).
Dialogamos com Castillo (2014) em sua afirmação de que
o desenvolvimento tecnológico permite o rompimento com o
discurso dominante por existir uma rede conectada de saberes
que se acessa a todo momento para se saber uma infinidade de
informações. Assim, analisa o pensador, “[...] as redes de aprendi-
zagem põem em jogo todos esses elementos: participação, colabo-
ração, ativismo cidadão, criação coletiva e alianças voluntárias”
(CASTILLO, 2014, p. 55). Contudo, levamos em consideração,
em um ponto de inflexão, Aparici (2014, p. 35), que sinaliza que a
tecnologia por si só não significa uma mudança, pois “[...] muitas
das experiências educativas e comunicativas que recorrem às
tecnologias digitais não deixam de ser gutenberguianas por
usarem a web, já que continuam repetindo os mesmos modelos
análogos do século passado”.
Entendemos como Soares (2000) – partindo da Educomuni-
cação – a importância de retomarmos os escritos freireanos, na
compreensão de que o homem é resultado de seu contato com
o mundo e marcado pelos atos comunicativos. Assim, a comu-
nicação assume um ato dialógico no processo educacional. Em
outras palavras,

[...] ser dialógico é vivenciar o diálogo, é não invadir, é não


manipular, é não sloganizar. O diálogo é o encontro amoroso
dos homens que, mediatizados pelo mundo, o pronunciam,
isto é, o transformam e, transformando-o, o humanizam.
(FREIRE apud SOARES, 2000, p. 20).

Dessa forma, existe no grupo de pesquisa o entendimento


da relação horizontal de comunicação/educação proposta por
Freire e não um imperativo tecnológico para a reflexão. Nesse
sentido, o discurso exemplificado pelo pensamento de Roppel
e Mendes (2017, p. 29), ao afirmar que “[...] não se pode mais
pensar em ensinar com aulas tradicionais, expositivas e cansa-
tivas. [Pois, ...] a maneira clássica de lecionar não cabe mais nas
novas gerações de estudantes” [grifo do autor], soa distante do
projeto educativo proposto por nossas análises.

59
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

Assim, conforme Soares (2014, p. 22) aponta, “[...] o


indivíduo é inteligente porque ele faz. As tecnologias, como
subprodutos da técnica, ganham, assim, nova dimensão, repre-
sentando a evolução ou o retrocesso do modo de o ser humano
estar no mundo”. E a ação possível dos agentes envolvidos no
processo reside, portanto, na participação efetiva e ativa no
ensino-aprendizagem. Em síntese, como Assis (2015, p. 40)
analisa, “[...] a Educomunicação necessita de um espaço dialó-
gico, participativo e com gestão compartilhada das tecnolo-
gias e conhecimentos para funcionar. Mais: necessita de um
‘ecossistema comunicativo’”. Cabe aqui a compreensão de
que, então,

[...] a educomunicação não é simplesmente um método


que prevê a utilização, na educação, dos instrumentos e
das tecnologias da comunicação. Mais do que isso, ela se
propõe a fazer uma reflexão sobre as formas tradicionais e
hegemônicas de comunicação e sua influência na formação
do imaginário da sociedade (LIMA; OLIVEIRA, 2013, p. 2).

Ou seja, “[...] nos apresenta uma filosofia e uma prática da


educação e da comunicação baseadas no diálogo e na partici-
pação, que não exigem somente tecnologias, mas também uma
mudança de atitudes e de concepções pedagógicas e comunica-
tivas” (APARICI, 2014, p. 37). E, por isso, nossas pesquisas, ao
adentrarem na análise de práticas, buscam o entendimento do
“[...] papel dos educadores [em] oportunizar o diálogo com a
mídia, criando situações de reflexão e a participação do aluno,
que lhe possibilitem tornar-se interlocutor dos atos de comuni-
cação” (BARZOTTO; GHILARDI, 1999, p. 108).
Nesse sentido, a nomenclatura “Educação Crítica para as
Mídias” parte de Kellner e Share (2008) quando propõem uma
educação para a leitura crítica da mídia. Os autores defendem a

[...] alfabetização crítica da mídia, que vise a ampliar a noção


de alfabetização, incluindo uma ampla variedade de formas de
cultura midiática, informações e tecnologias da comunicação
e novos meios de comunicação, além de aprofundar o
potencial da alfabetização para analisar criticamente relações

60
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

entre os meios de comunicação e as audiências; a informação


e o poder (KELLNER; SHARE, 2008, p. 687)

Conforme Thurler (2018, p. 26) sinaliza em suas interpre-


tações sobre a relação Comunicação e Educação, “[...] mais do
que tentar definir políticas ou tentar encaixar ações em deter-
minado conceito, o que buscaremos discutir aqui é o olhar para
o processo comunicacional”. Ou seja, concordando com o que
Fernandes (2012, p. 29) sugere, “[...] a postura de questiona-
mento, na qual a educação é entendida como a análise de forma
e do conteúdo da comunicação que, quando mediada, representa
um potencial para equilibrar as desigualdades sociais e favorecer
a democracia”.
Nossas discussões se aproximam, portanto, ao que Soares
(2014, p. 17) aponta ao afirmar que “[...] não existe, como
muitos manuais fazem supor, um modelo único de se promover
a Educação Midiática”. Conforme Thurler (2018, p. 30) conclui,
procuramos “[...] alavancar iniciativas que ajudem crianças e
jovens a tornar cada vez mais conscientes suas relações com a
mídia, os meios de comunicação e seus conteúdos”. Além disso,
buscamos promover a compreensão de que as mídias e as tecno-
logias que as suportam são prenhes de sentidos, que tais mídias,
ao se constituírem como gêneros discursivos, participam da
produção de sentidos do discurso em sala de aula.

A ludificação no ensino
No que tange à ludificação nos contextos de ensino-apren-
dizagem, concordamos com Fardo (2013) que a educação resiste
em atender às demandas da cultura digital por várias razões,
dentre elas o fato de os educadores terem dificuldades em aderir
às mídias digitais (ALVARENGA, 2011) e à falta de recursos das
instituições de ensino. Mas, segundo o autor, essa barreira precisa
ser rompida, pondo em foco não só as relações entre educandos
e educadores, mas, em especial, a formação desses educandos
para uma sociedade cada vez mais digitalizada.
Nesse sentido, o uso de jogos, em especial de videogames,
vem se inserindo como uma estratégia de aproximação dos

61
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

educandos, não somente no que se refere à linguagem, como


também às estratégias pedagógicas. Essa estratégia se justifica,
segundo Fardo (2013, p. 7), pois,

Com os elementos dos games, dispomos de ferramentas


valiosas para criar experiências significativas, que podem
impactar de forma positiva a experiência educacional dos
indivíduos, pois ela pode fornecer um contexto para a
construção de um sentido mais amplo para a interação, tanto
nas escolas como em outros ambientes de aprendizagem,
potencializando a participação e a motivação dos indivíduos
inseridos nesses ambientes.

O autor ainda afirma que “[...] essas tecnologias romperam


muitas barreiras que se impunham sobre as formas de criar,
compartilhar e consumir conhecimentos, informações e saberes,
fazendo com que a cultura incorporasse as características trazidas
por essas tecnologias” (FARDO, 2013, p. 28).
Outro elemento relevante para o educ@mídias.com, no
contexto da discussão da inserção de videogames como estratégia
pedagógica, tem como base dados da pesquisa da Entertainment
Software Association (ESA), de 2018, indicando que a idade média
dos jogadores de videogames é de 34 anos. Ou seja, as chances
de educadores em formação terem jogos eletrônicos como ativi-
dades de seu interesse são maiores a cada ano, uma vez que games
constituem um importante modelo de entretenimento que não
é abandonado com a idade, muito pelo contrário, é apurado
conforme o indivíduo aumenta seu repertório pelas novidades
disponíveis no mercado. Entretanto, estabelecer relações interes-
santes entre aquilo que conhecem e utilizam em seu momento de
lazer e aquilo que reconhecem e usam como instrumento no coti-
diano de suas aulas ainda é um grande desafio para a maioria.
Seja pela impossibilidade imposta pelas decisões de gestão educa-
cional – definindo o que pode e o que não deve –, seja pela inca-
pacidade de se trazer o jogo para o ambiente escolar nos mesmos
termos qualitativos de sua fruição doméstica.
Assim, valorizamos o investimento nos jogos, pois eles poten-
cializam a oferta de ferramentas didático-pedagógicas, disponibi-
lizando recursos a educadores e educandos que reduzem o hiato

62
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

hoje predominante em sala de aula. Além disso, a compreensão


de repertórios culturais, formulações sígnicas e estratégias
discursivas permitem ao educador ampliar seu conhecimento
do enquadre e adotar posturas dialógicas condizentes com os
objetivos de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, em nossas
pesquisas temos percebido que apropriar-se de conceitos lúdicos
em práticas pedagógicas permite ao educador estabelecer um
canal de comunicação concreto com os educandos, partindo de
um repertório comum a esse público, alicerçando a construção
de novas competências.
Assim, temos como pressuposto em verificação que a utili-
zação dos jogos como ferramentas de interlocução, como ferra-
mentas interativas de construção de conhecimento, pode apri-
morar o processo de ensino-aprendizagem, aproximando o
educador do universo simbólico do jovem educando, pois, como
visto, a distância não é tão grande. Além disso, ao agregar o
caráter lúdico-interativo ao processo comunicacional, temos obser-
vado o ampliar do envolvimento do educando com os conteúdos
propostos. Alves (2009, p. 141) afirma que “[...] o contato com
os jogos possibilita aos jovens, habilidades fundamentais para o
sucesso do processo de ensino-aprendizagem na medida em que
proporcionam habilidades e competências para que se mante-
nham ‘vivos’ na sociedade e no mundo do trabalho”. Para tanto,
nos apoiamos na pedagogia construcionista que “[...] fundamenta-
se na ideia de que as pessoas aprendem através da manipulação
ativa de novos conhecimentos em detrimento de ter informações
‘depositadas’ em suas cabeças” (PASSARELLI, 2007, p. 28).
Tal como na Pedagogia da Libertação (FREIRE, 2015b), nos
jogos o educando também pratica seu próprio “processo de
descoberta e construção”. Encontramos, assim, nos jogos, a possi-
bilidade de um diálogo, de troca entre o educando e o educador,
que se explica pela própria natureza de atuação do jogo, que é
a interatividade. A interação entre os próprios educandos, por
sua vez, caracteriza o aprendizado colaborativo e cooperativo
(MATTAR, 2009) e gera motivação e atenção entre eles, além de
diminuir a sensação de isolamento.
A liberdade oferecida no jogo, eletrônico ou analógico, em
que os jogadores são construtores de seu próprio percurso de

63
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

aprendizagem, nos indica que nele existem condições que propi-


ciam a flexibilidade e a plasticidade intelectual, em que o jogador,
no seu próprio ritmo, pode avançar e retroceder de acordo com
a sua vontade e a potencialidade intelectual do momento. “Para
Vygotsky, [...] os jogos atuam como elementos mediadores entre
o conhecimento já cristalizado, construído, presente no nível de
desenvolvimento real, e nas possibilidades e potencialidades exis-
tentes na Zona de Desenvolvimento Proximal” (ZDP) (ALVES,
2009, p. 145).
No percurso do jogo, o jogador é motivado a pensar,
planejar suas ações e traçar estratégias com o intuito de encon-
trar um melhor caminho para resolver as situações-problema que
lhe são propostas. Desse modo, o raciocínio lógico, a criativi-
dade, a atenção, a visão estratégica, a capacidade de solucionar
problemas e o desejo de vencer são algumas das competências
que podem ser desenvolvidas pelos jogadores. “Jogar pode ser
uma atividade interessante para motivar os educandos a mobili-
zarem recursos e superarem desafios, em uma situação em que
agir sem pensar, sem planejar e sem respeitar os limites não
serve, não produz bons resultados, os quais ela realmente quer
conquistar” (MACEDO; PETTY; NORIMAR, 2005, p. 36).
Esse conjunto de habilidades desenvolvidas pelos joga-
dores pode ser utilizado também na vida real, em situações
do cotidiano. Além disso, os jogos possibilitam um ambiente
de aprendizagem diferente dos tradicionais, permitindo que
se desenvolvam novos conteúdos e objetos de aprendizagem
utilizando som, texto, imagens, vídeos, animações e realidades
virtuais. Esses objetos atraem a atenção do educando e podem
tornar a aprendizagem mais prazerosa, dinâmica e interativa,
permitindo novas formas de apropriação e de interação com
os conteúdos.
Compactuamos com Gee (2007) em sua proposta por uma
ampla ludoliteracia (a capacidade de produzir e compreender
sentido e significado daquilo que se joga) quando ele reco-
nhece as potencialidades presentes nos jogos – especialmente os
eletrônicos – e quando considera importante não somente que os
mesmos sejam utilizados pelos educandos, mas, principalmente,
pelos educadores, como forma de se atualizarem constantemente

64
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

em outras práticas pedagógicas e outras formas discursivas nos


contextos de ensino-aprendizagem.

O anticipation Design
O conceito de anticipation, ou anticipatory, Design, não
é propriamente recente, mas certamente é pouco difundido,
especialmente fora do campo do Design. Zamenopoulos e
Alexiou (2004) sustentam que mudanças rápidas e constantes
em diversos âmbitos da sociedade mundial têm estabelecido
contextos complexos de incertezas, que se entrelaçam como
futuros possíveis da humanidade, como também destaca Morin
(1990). Compreender suas ramificações e permanente mutabili-
dade torna-se imperativo para dar sentido aos futuros próximos
e aos distantes, e podermos traçar caminhos possíveis para nossa
sobrevivência.
O conceito anticipation Design é abrangente em relação às
atividades humanas, à geopolítica, economia e, especialmente,
à sustentabilidade humana. Ele afirma o papel do Design como
domínio produtivo, crítico e avançado de pesquisa e realização,
indo além de soluções para problemas e estética superficial,
buscando na transdisciplinaridade os meios para enfrentar o
futuro, de forma produtiva, interpretativa, imaginativa, coletiva
e inspiradora, com base na antecipação e por meio dela.
O processo de imaginar e revelar futuros possíveis, poten-
ciais e projetados perpassa pesquisadores do Design e também
da Comunicação e, sem dúvida, da Educação. Questões presentes
nos estudos de antecipação, como cultura, tempo-espaço, não
linearidade, formações de redes, processos de ensino-apren-
dizagem e, notadamente, alfabetização crítica de futuros, esta-
belecem fortes conexões com questões postas e presentes nas
pesquisas do grupo educ@mídias.com, e especialmente, em
nossa parceria com o LINC-Design da PUC-Rio.
Esse campo, ainda que não muito presente em nossos refe-
renciais teóricos é, contudo, presente em nossas reflexões, parti-
cipando das discussões e entremeando nossas propostas no
âmbito das pesquisas. Certo é que temos experimentado pensar

65
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

contextos de ensino-aprendizagem e pensar o cotidiano escolar


tomando por base um questionamento antecipatório sobre
como a relação Comunicação, Educação e Design pode auxiliar
na projetação e no posicionamento da Educação Crítica para
as Mídias no enfrentamento do futuro desses contextos, contri-
buindo, assim, para potencializar as competências e habilidades
necessárias a um futuro inscrito na sustentabilidade humana,
social e ambiental.

As pesquisas do grupo
As pesquisas realizadas pelo grupo Educação para as Mídias
em Comunicação (educ@mídias.com) apresentam como foco
a análise, a discussão e a proposição de contextos, práticas e
mídias interativas e/ou colaborativas, inscritas em diferentes
dispositivos e suportes, com foco nas questões de linguagem,
comunicação, ludicidade, interação e produção de sentidos que
perpassam os contextos de ensino-aprendizagem. A docente
Maira Gonçalves Lacerda, do Curso de Comunicação Social
da UFF, passou a integrar este grupo recentemente, trazendo
sua pesquisa “Design para educação multimodal: Design em
parceria/participativo, letramento midiático”, no qual ela se
dedica a analisar os processos restritivos ao acesso às ordens dos
discursos e ao capital simbólico, e suas consequentes formas de
interações para, por meio do design em parceria/participativo,
do letramento crítico midiático, da ludicidade e da pedagogia
da multiliteracia, ofertar objetos, sistemas, práticas, processos,
tecnologias e serviços que combinem diferentes modos de repre-
sentação e favoreçam a autoria/autonomia dos sujeitos sociais,
oportunizando, assim, não apenas o reconhecimento das inteli-
gências múltiplas como também, e principalmente, a produção/
leitura crítica de gêneros midiáticos e práticas multimodais.
Sobre nossos discentes, a primeira pesquisa orientada no
grupo, “A mediação do consumo midiático no universo escolar:
estudo de caso do projeto GENTE”, apresentada por Wagner
da Silveira Bezerra em 2015, tinha como foco discutir uma
nova abordagem educacional proposta pela então Prefeitura do

66
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

Município do Rio de Janeiro, envolvendo primordialmente o


uso de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). Já em
2016, Fernanda Ribeiro Barros apresentou sua pesquisa “Curtir,
comentar e compartilhar: as redes sociais e a sexualidade no
cotidiano e formação da escola pública brasileira”, discutindo
como o tema da sexualidade, presente nas redes sociais de
alunos da rede pública de ensino, adentra o universo escolar,
participando do seu cotidiano. Em 2017, Milena de Azeredo
Pacheco Venancio apresentou sua pesquisa “Diálogos da dife-
rença: alteridade e preconceito a partir da narrativa ficcional
infanto-juvenil”, discutindo como fãs da série audiovisual Harry
Potter se apropriavam da hexis educativa (SODRÉ, 2013) nas
questões de alteridade e preconceito.
Em 2018 tivemos duas defesas, sendo uma de Paula Ceccon
Thurler, “Vozes sobre imagens: produção de sentidos a partir
do audiovisual na infância”, na qual ela discutiu a produção de
sentidos de crianças em fase de alfabetização sobre produtos
audiovisuais assistidos em diferentes mídias e suportes e sua
relação com os seus cotidianos. Tivemos também a apresentação
de Debora Ribeiro Gonçalves, “Gamificação para engajar na
m-learning: motivação e participação na educação a distância”,
relatando iniciativas de gamificação no âmbito da EaD e seu
potencial na motivação e engajamento discente.
As duas últimas pesquisas defendidas, até este momento,
foram a de Leandro Marlon Barbosa Assis, “Mídias Digitais,
práticas docentes e cotidianos escolares: discussão do paradigma
da escola do século XXI a partir da Educação Crítica para as
Mídias”, em 2019, revisitando e discutindo temas e conceitos
centrais em Educação Crítica para as Mídias (KELLNER; SHARE,
2008) propondo-se ao desenvolvimento e aplicação de iniciativas
de incentivo à conscientização sobre leitura crítica da mídia na
educação. E, finalmente, a de Fábio Carvalho Pimenta, em 2020, “A
hexis educativa da animação na construção do cotidiano infantil”,
retomando o conceito de Sodré (2013) e discutindo a formação do
cotidiano de crianças até os seis anos de idade, pré-alfabetizadas, a
partir da assistência de animações audiovisuais.
Atualmente temos seis pesquisas em andamento: “A inter-
ferência que a espetacularização do cotidiano do educador e a

67
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

representação do eu desse educador/influenciador em mídias


sociais têm na relação professor/aluno”, de Jader Lúcio da Silva
Júnior; “Os jogos narrativos e sua contribuição para o letramento
midiático no processo de ensino-aprendizado”, de Juliana Bitten-
court Santiago Vieira; e “Mídias Digitais, Comunicação e Apren-
dizagem: Jogos Digitais como mediadores comunicacionais no
processo de ensino-aprendizagem no cotidiano escolar”, de Késia
Adriany do Nascimento Feitosa, estas em nível de mestrado; e
“Aplicação de jogos como ferramentas em projeto de alfabeti-
zação crítica da mídia para desenvolvimento de competências
ligadas a processos de pesquisa científica de estudantes da Facul-
dade Católica Salesiana”, de Lucas Lopes Albuquerque Bastos;
“Representação visual e midiatização das relações étnico-raciais
na formação de futuros professores”, de Fernanda Pereira da Silva;
e “Tecnologias digitais: mediação e interação entre educadores e
educandos”, de Eloisa Fatima Figueiredo Semblano Gonçalves,
estas últimas em nível de doutorado. Além dos discentes do
PPGMC, o grupo conta atualmente com duas pesquisas em nível
de Iniciação Científica, sendo “A ‘Saúde da Mulher’ na Educação
Básica: um estudo híbrido do canal ‘Drauzio Varella’”, com Bruna
Rezende Leite, e “Game, Comunicação e Educação”, com Bruna
Lopes Cabral Lima.
Além dos membros internos à UFF, o educ@mídias.com
conta com membros oriundos do LINC-Design, vinculado ao PPG
Design da PUC-Rio, sendo atualmente: Jackeline Lima Farbiarz,
colíder do grupo de pesquisas educ@mídias.com, doutora em
Educação e Linguagem pela Universidade de São Paulo (USP),
docente do PPG Design e do curso de Design da PUC-Rio;
Guilherme de Almeida Xavier, doutor em Design pela PUC-Rio
e docente do curso de Design da PUC-Rio; Cynthia Macedo Dias,
doutora em Design pela PUC-Rio e docente da Escola Politécnica
de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz).
Além de suas pesquisas específicas, desde 2017 os membros
do educ@mídias.com dedicam-se ao projeto “Commercium et
Cognitionis” de gamificação da disciplina Linguagens Visuais e
Gráficas do Curso de Jornalismo da UFF. O projeto busca novas
formas de interação entre educandos, educadores e conteúdos,
alinhando tecnologia e prática de forma lúdica. O foco está

68
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

na implementação de ferramentas pedagógicas que valorizam


o conteúdo didático e a interação, auxiliando e estimulando o
aprendizado dos educandos com a adoção de métodos pedagó-
gicos ativos que potencializam competências e habilidades por
meio do jogo. Isso possibilita conjugar a avaliação sistêmica e
processual na disciplina, bem como a avaliação na construção de
conhecimentos.
Em 2019, os membros do projeto passaram a se dedicar
também ao projeto “Dodecaedria”, sob coordenação de Jackeline
Lima Farbiarz, que é desenvolvido no âmbito do Núcleo Interdis-
ciplinar de Jogos Aplicados (NINJA), do Departamento de Artes
e Design da PUC-Rio, como parte do programa “PUC Por Um
Semestre”, desenvolvido pelo Programa de Integração Univer-
sidade, Escola e Sociedade (PIUES). O projeto busca, por meio
da gamificação dos processos e da pedagogia projetual, engajar
educandos do ensino médio em atividades que potencializem
as competências e habilidades necessárias ao designer de forma
que eles possam, em grupos, desenvolver soluções projetuais em
consonância com os 17 Objetivos de Desenvolvimento Susten-
tável da Agenda 2030 da ONU para o Desenvolvimento Susten-
tável, tendo por objetivo apresentar o curso aos educandos em
momento de vestibular.

Considerações
Tendo como ponto de partida a interconexão entre a Mídia
e o Cotidiano, podemos refletir que o educador “[...] não vai
pensar dogmaticamente o que deve ser a educação, mas vai,
pouco a pouco, refletir a educação a partir dos problemas que
já existem na ação” (FURTER, 1966, p. 26). Isso se dá, segundo
Baccega (2009), pelos meios ocuparem lugares privilegiados na
sociedade contemporânea.
Mas, diante de um cenário de constantes incertezas, estamos
preparados para desembaraçar o “futuro presente” e para traba-
lhar com as necessidades e os desafios de amanhã? Como os
meios e métodos orientados para o futuro podem ser adotados
e remodelados, por meio da Comunicação, da Educação e do

69
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

Design, a partir de ações engajadas, que possam nos ajudar a


projetar e posicionar estratégias e meios acessíveis para enfrentar
o futuro (BOMFIM, 1999)?
Nesse cenário, a Comunicação, vista como um campo de
natureza social, que investiga os fenômenos comunicacionais de
massa, os modos e meios de interlocução entre os sujeitos (MELO,
1978), e o Design, visto como um campo de natureza tecnológica
e vocação interdisciplinar, (COUTO; NEVES, 1997) habilitado a
transformar circunstâncias existentes em almejadas e em traba-
lhar com visões sistêmicas e futuros estratégicos (FRASCARA,
2000), são entendidos como agentes produtores-mediadores
desses processos. Entende-se aqui as mídias como gêneros discur-
sivos, produtos, sistemas e serviços que propõem formas, funcio-
nalidades e modos comunicacionais diversificados e que geram a
demanda por formadores habilitados a desenvolver práticas que
considerem as novas relações solicitadas nos contextos forma-
tivos, na perspectiva da reflexão na ação (SCHÖN, 2000).
Assim, partindo da compreensão sobre a interface entre o
campo da Educação com a Comunicação e o Design, percebemos
a importância e a urgência de uma formação crítica para a leitura
e a produção discursiva nas e das mídias. Dessa forma, buscamos
meios para tornar o futuro acessível, usando métodos mistos para
criar mundos em perspectiva e suportar atividades generativas
(WAHL, 2019), como foco nos sujeitos, linguagens, narrativas,
cenários e modos subjuntivos de modelar futuros alternativos.

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74
MULTIS – narrativas e imaginários
que nos atravessam e definem
Denise Tavares
Renata Rezende

Introdução

A“ morte pode se aproximar com prontidão do xamã que


deixa a sua casa de espíritos envelhecer sem motivo.
Por isso, ele deve se dedicar o tempo todo a cuidar da sua manu-
tenção”, explica Davi Kopenawa (KOPENAWA, ALBERT, 2015,
p. 164) referindo-se às “casas de espíritos”, habitação de vida
e morte que entrelaça o cotidiano dos yanomami, conforme o
relato “de um velho xamã” que nos permite conhecer um pouco
das mais fecundas cosmogonias indígenas do Brasil. A frase,
recortada de um contexto muito mais denso e encantado, é aqui
assumida como uma inspiração para a produção deste texto,
sem a pretensão, é claro, de uma autorreferência como xamã. A
despeito, portanto, desta gigante distância de quem somos e qual
é o nosso papel, as autoras deste texto o iniciam com essa citação
pois essas palavras ecoam, para nós, como um alerta essencial
para quem, hoje, vive um período de terra desolada e devastada
por tantas marcas de dor e ruína que cercam os últimos anos da
pesquisa no Brasil. Assim, neste momento atravessado pela neces-
sidade de ser resiliente, entendemos que cuidar da “nossa casa”,
o Grupo de Pesquisa MULTIS (Núcleo de Estudos e Experimen-
tações do Audiovisual e Multimídia), é, antes de tudo, investir na
sua contínua manutenção. E, assim como ocorre com o xamã na
relação com sua “casa de espíritos”, concordamos que

Para manter boa saúde, (o xamã) deve renovar seu teto de


folhas e limpar bem sua clareira (da casa) quando é preciso.
Mas isso não é tudo. É também necessário que ele dê de beber
yãkoana com frequência aos espíritos que a habitam. Caso
contrário, eles fugirão e sua moradia, uma vez abandonada,

75
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

envelhecerá por si só, vazia e silenciosa (KOPENAWA,


ALBERT, 2015, p. 164).

Não abandonar nossa moradia, mantê-la viva e renovada


significa, neste texto, discutir duas “chaves” de investigação
que atravessam e definem o MULTIS, vinculado à Linha de
Pesquisa “Linguagem, representações e produção de sentidos”,
do Programa de Pós-Graduação Mídia e Cotidiano. A abor-
dagem pretende contribuir para duas percepções fundamentais:
a própria travessia de pesquisa do grupo ao longo de sua exis-
tência e os diálogos que esses dois conceitos centrais trouxeram
para definir tal percurso. A estratégia busca explicitar reflexões
que norteiam, em especial, as discussões e contribuições à área e
ao conhecimento promovidas no e pelo Núcleo. E, de certo modo,
também colaborar para futuras parcerias, seja no âmbito do
acolhimento de novos ingressantes (discentes do PPGMC), seja
no estabelecimento de interlocução com outros pesquisadores da
Comunicação e Informação e/ou áreas afins. Uma pretensão que
se estrutura no texto a partir da problematização dos diálogos
que os dois conceitos trazem ao MULTIS, isto é, os autores que
têm estudado os campos da memória, da identidade e da repre-
sentação, mantendo-se, sempre, a delimitação do objeto-tema
“audiovisual e mídias sociais”. Por último, e não menos relevante,
vale ressaltar que todas as questões que trazemos aqui são fabu-
ladas sob o reconhecimento do lugar que, intrinsecamente, nos
define: os discursos midiáticos e as práticas sociais, locus que
traduzimos como “mídia e cotidiano”. O lugar, como assumimos
hoje, consolida-se no diagnóstico já bastante debatido (e reco-
nhecido) na área da Comunicação e Informação, de que vivemos
em um cenário midiatizado, estruturante do modo como a socie-
dade contemporânea se organiza, numa conversão, inclusive,
cada vez maior da vida em emoção. A dimensão ampliada de
uma era na qual as imagens e as tecnologias conjugam ainda
mais as relações cotidianas, inserem também os afetos (como
afetividade e também como afetação) nas redes de sociabili-
dades. Não compreender ou não se reconhecer nesse processo
de midiatização, implica não nos movimentarmos no sentido
que assumimos como essencial ao caráter das nossas pesquisas:

76
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

a insistência na possibilidade da transformação social decor-


rente da ação humana guiada pela necessidade e pelo desejo de
um mundo menos perverso, mais equilibrado e igualitário em
termos sociais, culturais, científicos e econômicos.
E hoje, tal propósito anela, ainda, alguns esclarecimentos
antes de, efetivamente, iniciarmos as questões que trataremos
neste texto. O primeiro deles pretende deixar mais clara a recor-
rência à obra de Kopenawa e Albert como ponto de partida desta
Introdução. Trata-se de um vínculo que tem por objetivo localizar
uma nova visada quanto aos referenciais teóricos que guiam as
investigações do MULTIS. Em outras palavras, a despeito dos
fecundos diálogos com autores como Paul Ricoeur, Michel Maffe-
soli, Jacques Aumont, Didi-Huberman, Henri Lefebvre, Michael
Löwy e tantos outros que integram o campo teórico de matriz
eurocêntrica, buscamos, cada vez mais, incluirmos os olhares de
autoras como Lélia Gonzalez, Sílvia Rivera Cuzicanqui, María
Lugones, Sarri Vuorisalo-Tiitinen, Julieta Paredes, Luciana
Ballestrin, Miriam Lang, entre outras que têm fecundado novos
olhares para as questões que atravessam nossas pesquisas. Além
delas, também nos interessa a proposta centralizada por Boaven-
tura de Sousa Santos (2019) em relação à existência de alterna-
tivas político-metodológicas de interpretação da sociedade que
ele denomina abrigadas nas “epistemologias do Sul”. Afinal,
como ele nos lembra

Numa época como esta, os que lutam contra a dominação


não podem contar com a luz no fim do túnel. Terão de levar
consigo uma lanterna portátil, uma luz que, mesmo sendo
trêmula ou fraca, ilumine o suficiente para que sejam capazes
de identificar o caminho como sendo o seu caminho e, assim,
evitar acidentes fatais. Esse é o tipo de luz que as epistemologias
do Sul se propõem gerar (SANTOS, 2019, p. 11).

Esse giro, que inclui também a crítica necessária ao giro deco-


lonial – sem deixar de lhe reconhecer os méritos – só foi possível
graças a uma situação que mudou o percurso do próprio Mídia
e Cotidiano: a abertura do Curso de Doutorado. Este permitiu o
ingresso de um corpo discente que incluiu mestres em Mídia e
Cotidiano determinados a repensar com bastante profundidade e

77
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

pertinência os desdobramentos e realinhamentos que a condição


de egressos do programa lhes parecia trazer. Em outras palavras,
o acompanhamento que fazíamos via Grupo de Pesquisa, com
boa parte dos discentes que conquistaram o título de mestre
no PPGMC, se densificou na medida em que os agora douto-
randos acresciam não só novas inquietações temáticas, como
compartilhavam os percursos decorrentes do tempo “fora da
academia”. Na prática, os questionamentos teóricos provocaram
um delineamento mais objetivo das pretensões investigativas do
MULTIS, justamente porque o processo de maturidade se deu
em embates objetivos do mercado de trabalho da Comunicação
e da Educação, além de investimentos em militância engajada,
ativa e potente nos movimentos sociais.
Não bastassem esses fatores de impacto, a própria indicação
da CAPES quanto ao acompanhamento da formação, conso-
lidou relações que, apesar da aparência extra-acadêmica, são, na
verdade, a confirmação de uma rede de sólidos laços conquis-
tados pela sintonia dos objetivos que nos fabula. Nesse sentido
destacamos, por exemplo, o vínculo com Sandra Pereira que,
em 2020, foi coautora, com Denise Tavares, de um capítulo de
livro que advém da sua dissertação, defendida em 2015 – ano
da formação da primeira turma de egressos do PPGMC, a qual
Pereira pertence – acrescida de todas as discussões e reflexões
que a sua vida profissional, já mestre em Mídia e Cotidiano,
lhe trouxe. Roteirista premiada1, o texto escrito com Tavares
confirma a articulação entre sua formação no mestrado e sua vida
profissional posterior a este. A continuidade pode ser contatada
tanto na sua atuação como roteirista e professora, que mantém o
recorte em torno do objeto da dissertação, isto é, o audiovisual de
não ficção, quanto o temático, que é o território do movimento
LGBTQI+. Reverberam tais decisões, diagnósticos como os que
1
Sandra Pereira é roteirista do documentário Diga meu nome (2020), dirigido
por Juliana Chagas Gouveia. Com 78 minutos, o filme centra sua narrativa
em duas pessoas trans, de gerações distintas, acompanhando o cotidiano de
cada uma, os desafios que enfrentam em situações que héteros jamais teriam
problemas, como, por exemplo, a emissão de documentos pessoais. A despeito
da situação de pandemia, o filme tem circulado em festivais e amealhado vários
prêmios, incluindo o de roteiro. Está disponível no NOW, plataforma da Net,
além de já ter sido projetado no Canal Brasil.

78
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

afirmam “que a sociedade ocidental se estruturou, do período


medieval ao moderno, a partir da concepção naturalizada de
que o homem e a mulher são os gêneros exclusivos da natureza”
(TAVARES; PEREIRA, 2020, p. 253), o que não impede que se
configure um novo território em oposição a este “que se gestou
por um largo tempo trazendo, com ele, classificações estereoti-
padas, exclusão e punições” (ibid.).
São situações como a descrita acima que podem localizar
de modo mais completo a atuação do MULTIS. Entretanto, o
limite de espaço trouxe, para nós, a decisão de focar aqui, com
mais profundidade, como já colocado, as duas “chaves” concei-
tuais que atravessam a quase totalidade das pesquisas desenvol-
vidas no âmbito do Grupo de Pesquisa. A opção não esgota, é
claro, as temáticas e objetos que são investigados, nos dois níveis
– mestrado e doutorado – e, também, no âmbito dos professores-
-pesquisadores que participam do MULTIS, bem como das redes
das quais este é parceiro. De todo modo, a expectativa é que
essas breves discussões colaborem para maior transparência dos
debates empreendidos. Começaremos, portanto, focando nestes
dois tópicos – narrativas e imaginários – e, em seguida, desta-
camos a pesquisa sobre “Juventude e suicídio”, que realizamos
com outras professoras e doutorandos do PPG Mídia e Cotidiano,
por entendermos que esta, por ter sido contemplada pelo Edital
de Apoio aos Grupos Emergentes/2019, da Faperj, traduz muito
dos nossos propósitos. E, nas considerações finais, concluindo
o texto, buscamos ressaltar as perspectivas de continuidade do
Núcleo de Estudos, ora colocadas, incluindo a travessia realizada
nos encontros de 2020.

Descamar as narrativas, reinterpretar imaginários


Não é difícil aventar que as especificidades da narrativa
audiovisual podem parecer, em uma primeira abordagem, como
irredutíveis. No entanto, a singularidade dos processos que a
constituíram indica que sua decomposição é possível, desde
que os métodos de análise não impliquem “esquartejamentos”
que rompam com a sua organicidade. O cuidado, em termos de

79
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

arcabouço teórico, alavanca não só uma gama de autores que


congregam determinadas percepções estético-narrativas, mas
também aqueles que, por caminhos de distintas disciplinas, a
interpelam e a interrogam. Uma abordagem que não pode se
desviar de dar um passo para trás, ou seja, antes mesmo de
discutir a narrativa audiovisual, cabe recuperar os embates
que cercam a definição do que é, exatamente, uma narrativa.
“Empregamos corretamente a palavra narrativa2 (récit) sem nos
preocuparmos com sua ambiguidade, por vezes sem a perce-
bermos, e algumas das dificuldades da narratologia derivam
talvez de tal confusão”, alerta Gérard Genette (1995, p. 23).
Para o autor, é preciso distinguir pelo menos três sentidos de
narrativa. O primeiro, que ele considera mais evidente, designa
o enunciado narrativo, isto é, o discurso oral ou escrito que
referencia algum ou alguns acontecimentos.
Já o segundo sentido define a própria sucessão de aconte-
cimentos, sejam eles reais ou não, que são o objeto do discurso.
“Análise da narrativa significa, então, o estudo de um conjunto de
ações e de situações consideradas nelas mesmas, com abstração
do médium, linguístico ou outro, que dele nos dá conhecimento”
(1995, p. 24). Esta “independência” do conceito em relação à
mídia (ou suporte, podemos dizer), permite que as narrativas,
incluindo a audiovisual, possam ser também discutidas a partir
das diversas relações que ocorrem entre os acontecimentos, ou
seja, como se dão os encadeamentos das situações e/ou persona-
gens que são narradas. Finalmente, o terceiro e último sentido
inclui o ato de enunciação como determinante para a compre-
ensão da narrativa. Isto é, só existem ações ou aventuras sendo
narradas porque há um ato de narrativa, há um enunciador
que é determinante do enunciado e conteúdo deste. Em outras
palavras, o autor nos alerta que esse terceiro aspecto é essencial
para compreendermos o narrar e, em consequência, as delimita-
ções que este aponta. Tal sentido, ainda de acordo com Genette
(1995), nem sempre foi percebido ou valorizado na sua impor-
tância, sendo colocado, não raro, como um aspecto secundário
para a teoria da narrativa.

2
Grifo do autor.

80
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

Ora, se em termos dos estudos literários esse terceiro


sentido pode ter sido relegado, quando falamos de narrativa
audiovisual não tem sido assim. A diferença ocorre em função
da própria natureza e constituição do audiovisual, que se conso-
lidou em uma trajetória multifacetada em termos de linguagem,
a partir da matriz-cinema. Essa matriz colocou a relação com a
câmera e com a montagem como aspectos definidores da narra-
tiva, além da conjunção de indicadores oriundos do teatro e
da literatura que foram “fontes” objetivas da construção da
linguagem cinematográfica. Esses imbricamentos são sinteti-
zados por Ismail Xavier:

Diante de qualquer discurso narrativo, posso falar em


fábula (grifo do autor), querendo me referir a uma certa
história contada, a certos personagens, a uma sequência de
acontecimentos que se sucederam num determinado lugar
(ou lugares) num intervalo de tempo que pode ser maior ou
menor; e posso falar em trama (grifo do autor) para me referir
ao modo como tal história e tais personagens aparecem para
mim (leitor/espectador) por meio do texto, do filme, da
peça. Uma única história pode ser contada de vários modos;
ou seja, uma única fábula pode ser construída por meio de
inúmeras tramas, com formas distintas de dispor os dados,
de organizar o tempo (XAVIER, 2003, p. 65).

O caminho apontado pelo autor é claro e define, substan-


tivamente, as diferenças de abordagens das diversas disciplinas
quando tomam o audiovisual como objeto ou tema de pesquisa.
No caso do MULTIS, interessa debater, em especial, o que carac-
teriza o audiovisual em suas especificidades enquanto expressão
criativa de uma linguagem. Um olhar que torna as questões que
atravessam a narrativa audiovisual significativamente robustas,
pois evocam um diálogo inter e transdisciplinar das pesquisas
realizadas no escopo do grupo. Não à toa, em sintonia a essa
abordagem, novas palavras-chaves são acionadas pelas investi-
gações aqui realizadas, tracejando um percurso que, não raro,
as sobrepõe à centralidade do “objeto”. Foi dessa forma, por
exemplo, que as redes sociais, abrigo fértil de tantas produções
audiovisuais, tornaram-se para o MULTIS um locus privilegiado

81
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

de pesquisa, ao nível do pareamento, como bem expressa a sua


identidade enquanto Núcleo de Estudos e Experimentações do
Audiovisual e Multimídia. Assumindo esse diagnóstico que foi
se consolidando ao longo da sua trajetória, o grupo, em postura
aberta, vem acionando suas discussões em torno da narrativa.
Um movimento, por exemplo, foi revisar momentos-chave da
consolidação pública do romance, tempo exemplar em termos da
afirmação do lugar da subjetividade e de uma estratégia narra-
tiva centrada no sujeito. Afinal, considerando os valores culti-
vados pelo romantismo, não se pode negar que este traz, mesmo
que intuitivamente, críticas contundentes às diversas caracterís-
ticas da sociedade moderna, tais como “...a dissolução de todos
os laços humanos qualitativos, a morte da imaginação e do
romanesco, a aborrecida uniformização da vida, a relação pura-
mente ‘utilitária’ dos seres humanos entre si e com a natureza...”
(LÖWY; SAYRE, 2015, p. 58-59).
Em outras palavras, se um dos eixos que estrutura o grupo
é sua posição fincada na perspectiva da necessidade de transfor-
mação social, incluir as revisões históricas quanto à inevitabili-
dade do capitalismo e os valores que afirma, aciona diálogos que
tanto recuperam buscas de um “espírito” que persiste e, de certo
modo, é alimentado pelo imaginário social – como ocorre com
o romantismo, conforme colocam os citados Löwy e Sayre, com
quem concordamos – quanto, em perspectiva de futuro, alinham
autores com questionamentos epistemológicos que, de certo
modo, tensionam nossas referências. Trata-se, então, de não
recusar aparentes paradoxos, isto é, se é inegável que a revisão
do romantismo nos remete às posições eurocêntricas, tal vereda
também fortalece negá-las, a partir de um mesmo processo de
revisar uma origem que é bastante potente nos estudos do coti-
diano: uma certa leitura do marxismo que embute, de forma
rasa, a ideia de que o capitalismo seja, inevitavelmente, qualifi-
cação da vida humana.

Nós também tivemos uma ideia errônea – e por isso me


expressei contra o conceito de progresso –, a ideia dessa
forma linear que fazia pensar que tudo passava de uma
fase para outra fase melhor. Não: a opressão, tal como a

82
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

emancipação, a subjetividade, é um palimpsesto em que


as formas mais extremas de desigualdade e de exclusão
convivem com outras mais inclusivas e menos extremas. Por
isso é preciso ter uma teoria sociológica, política, que dê
conta dessas especificidades (SANTOS, 2007, p. 65).

Destacar esse aspecto vem no sentido de reforçar uma


percepção de quem é o MULTIS nessa proposta de explicitar
o como e o quanto lida com as questões que envolvem a narra-
tiva audiovisual e os imaginários sociais. Isto porque há um
desafio colocado na Linha 1 do PPGMC, que é a dificuldade de
compreendê-la, também, no terreno do político. No entanto, essa
é uma falsa questão já que é do político que advém uma demanda
bastante relevante para a constituição da linguagem. Estamos
falando aqui, entre outras abordagens que também poderiam ser
miradas, de uma produção vinculada à memória e à resistência
gestadas a partir do final das ditaduras militares vigentes nos
países da América Latina, em especial as que se multiplicaram a
partir dos anos 1960. Sob essas duas chaves analíticas (memória
e resistência) localizam-se as obras audiovisuais e multimídias
que permitem não só um olhar ao passado, mas também ao que
sobrevive dele nos períodos subsequentes nesses países que tanto
elegeram projetos neoliberais, como governantes que se posicio-
naram no espectro da esquerda. No entanto, ambos momentos
históricos não foram capazes de eliminar, entre outros, os “pilares
que sustentaram o poder repressivo justamente porque criaram
uma separação nítida entre a população que combateu e resistiu,
e a vida prosaica das ruas, alheia, o quanto conseguiu, às contra-
dições engendradas pela política fortemente excludente das dita-
duras (TAVARES, 2018, p. 430).
O foco nessa vida prosaica, no caso brasileiro em particular,
remete a uma produção audiovisual originada ou veiculada pela
televisão que, sabemos, ocupa um papel central no imaginário
do país, inclusive sobre sua própria identidade. Tal arco agrega
tanto as produções de não ficção, das quais se destacam o tele-
jornalismo, como as obras ficcionais que delinearam, tantas
vezes, os movimentos de consolidação e pretensas “quebras” de
preconceitos relacionados à identidade social, cultural e econô-

83
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

mica. Nessa duplicidade, entre as diversas narrativas, essa mídia


elegeu, ao longo dos anos, a telenovela como um fenômeno
capaz de traduzir certos níveis de autopercepção da sociedade,
de modo amplo, o que sempre incluiu os conflitos de classe. Sem
focar, exatamente, essas narrativas, o MULTIS registrou, com um
dos seus integrantes, outra característica que dirige suas inves-
tigações. Isto é, não ignorar a intermedialidade como processo
metodológico colocado para quem, de fato, tem pretensões de
compreender a complexidade do cenário de realização e veicu-
lação do audiovisual. O contexto abrangente permite percep-
ções para além das que são focadas apenas nos dispositivos. Por
exemplo, a partir de uma das pesquisas realizadas no grupo
discutimos a representação da empregada doméstica, perso-
nagem-chave para a compreensão das relações sociais brasileiras.

Neste contexto de choque de identidade, domésticas são


apresentadas pela mídia ora pela relativização das diferenças
entre patroas e empregadas, por meio de discursos que
tendem enfatizar as semelhanças entre os dois grupos
e, assim, aplacar o conflito reconhecido pela exploração
trabalhista; ora na transmutação dos tipos ‘mãe-preta’ e
‘mulata sexualizada’ para estereótipos como a empregada
cômica ou a doméstica criativa, capaz de, com astúcia,
resolver problemas do cotidiano (MELLO, 2015, p. 97).

O debate proposto, portanto, traz, no arcabouço da represen-


tação, um dos mais terrivelmente persistentes imaginários sociais
sobre a identidade do país: seu racismo estrutural e o modo como
a mídia lida com ele. Como já alertava Castoradius, “o mundo
social é cada vez mais constituído e articulado em função de um
sistema de significações e essas significações existem, uma vez
constituídas, na forma do que chamamos o imaginário efetivo (ou
o imaginado)”3 (1982, p. 176). A compreensão desse fenômeno,
em termos de produção audiovisual e multimídia, torna-se ainda
mais imperativa quando reconhecemos (e reconhecemos!) que
o desenvolvimento tecnológico, no caso da produção audiovi-
sual, tem ampliado os hibridismos de linguagem “não apenas

3
Grifos do autor.

84
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

na produção dos conteúdos televisivos, mas na apropriação


por parte da recepção que, muitas vezes, não percebendo onde
começa um gênero e termina o outro, configura a narrativa
como pertencente a determinado mundo, ora da realidade, ora
da ficção” (REZENDE, 2014, p. 101). Além disso, a própria ideia
de representação é abalada pela tecnologia digital pois, se antes,
a representação significava uma distância entre “o objeto e sua
figuração, uma barra entre o signo e o referente, uma distância
fundamental entre o ser e o parecer. Com a imagerie (grifo do
autor) informática, essa diferença desaparece: não há nada além
da máquina, que cobre todo o processo e exclui tudo o mais”
(DUBOIS, 2004, p. 48).
O mundo, tornado “maquínico”, na visão de Dubois rompe,
desse modo, com o conceito fechado da representação. Algo que,
segundo Didi-Huberman, foi antecipado por Freud pois este, com
o sonho, arrebenta a noção de imagem: “Longe de comparar o
sonho com um quadro ou um desenho figurativo, (Freud) insistia,
ao contrário, no seu valor de deformação (Entstellung) e no jogo
das rupturas lógicas que atinge com frequência o ‘espetáculo’ do
sonho, como uma chuva perfurante” (DIDI-HUBERMAN, 2013,
p. 191). A quebra do circuito traz à tona a temática da imaginação,
colando-a à narrativa e ao imaginário social. Este, conforme
Maffesoli (2010), tem papel fortalecido na vida cotidiana, apre-
sentando-se como experiência vivida que é narrada a partir do
emaranhado das relações afetivas, do tumulto das paixões que
se viabilizam cotidianamente, pelo acionamento de metáforas
míticas ou presentes na cultura, cumprindo, assim, um papel de
costura do real e de sua compreensão. Nesse processo, relativiza
as racionalidades que, no esteio da construção da modernidade,
reduziram o mundo social a categorias econômicas e políticas
e expulsaram o poético, o maravilhoso, o mágico como vetores
estratégicos do conhecimento “oficial”. Vale ressaltar, no entanto,
que o autor não ignora os poderes instituídos, mas provoca o
lugar de pesquisa ao tensionar as categorias que se consolidaram
como exclusivas do processo científico.
Nesse terreno em que o simbólico ganha força e presença,
a dissociação da razão e do imaginário perde sentido. Para o
MULTIS, “a percepção do imaginário é, talvez, considerada como

85
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

uma representação caleidoscópica, como uma pintura impres-


sionista: porém ela se funde com a existência social, irrigando-a
de uma substância comum” (LEGROS et al., 2014, p. 110). Um
comum que é objeto e sentido da existência do PPGMC, que o
problematiza tanto na chave da compreensão de uma resistência
que, muitas vezes, está submersa e desqualificada pela própria
estrutura e conceituação do que seria o campo da Comunicação;
quanto na inflexão que o termo provoca quando observado à luz
da sua posição imobilizadora, congelante e conservadora, capaz
de alimentar a manutenção dos preconceitos, ódios e outras
situações que negam a qualificação da vida humana. Isto é, não
há como negar a relação dialética que se coloca nessa abor-
dagem em que nenhum conceito ou posição pode ser fixado. Ao
contrário, se podemos resumir, enfim, a organicidade do Grupo
de Pesquisa, esta se apresenta em um continuum movente, em que
novos vetores e compreensões são incorporados, tensionados e
problematizados. Afinal, a ideia de que determinadas palavras-
-chave possam ser suficientes para a delimitação de um território
de pesquisa, contraria a própria natureza do que são pesquisas e
pesquisadores. Trata-se, portanto, de assumir que o escopo das
investigações que o Grupo de Pesquisa traz concentra trabalhos
que têm, de modo geral, se debruçado sobre as práticas sociais
que emergem do campo da resistência e do posicionamento
crítico às desigualdades sociais, culturais, raciais e econômicas
do país, observando-as como se dão na mídia audiovisual e multi-
mídia, sendo esta última focada, em especial, nas redes sociais.
Dito isso, como síntese, seguimos com o texto destacando um
projeto que, neste momento, talvez seja um tradutor significativo
da identidade do MULTIS.

Movimentos inter e transdisciplinares: juventude e


suicídio
O objetivo principal deste projeto de pesquisa que foi
contemplado com o apoio da FAPERJ, em 2019, via Edital de
Apoio aos Grupos Emergentes, é investigar a relação “juventude/
suicídio” em um recorte que foca o tema em seu “trânsito” midi-

86
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

ático, isto é, considerando o papel da mídia como produtora de


sentidos e elaboradora de representações dessa temática. Cons-
truído como pesquisa analítica e aplicada, o projeto também
busca analisar e discutir como os citados percursos/objetos
dialogam com a educação formal. A abordagem implica este
projeto em três eixos: levantamento e análise das produções midi-
áticas; identificação dos impactos deste levantamento junto aos
jovens de escolas públicas do Rio de Janeiro e oficinas de caráter
formativo com alunos do Curso de Pedagogia da Universidade
Federal Fluminense (UFF).
O histórico da constituição da proposta remonta a 2018,
quando os grupos de pesquisa MULTIS (Núcleo de Estudos e
Experimentações do Audiovisual e Multimídia) e o Mídias, Redes
e Jovens, ambos da UFF , organizaram, em conjunto com os
Grupos de Pesquisa Comunicação e Saúde (Fiocruz) e Comuni-
cação, Cidade e Memória (Universidade Federal de Juiz de Fora),
um colóquio de dia inteiro intitulado “Narrativas da saúde, da
memória e dos afetos: entrelaçamentos midiáticos e geracionais”.
A ideia que gestou o evento foi buscar contribuições de pesqui-
sadores que investigassem objetos e/ou temas próximos e, nesse
horizonte, trouxessem outras abordagens e/ou discussões. Além
disso, teve como eixo norteador tratar as temáticas que a mídia,
quase sempre, tem relegado. Dentre elas, a questão do suicídio
e sua relação com a juventude mostrou-se relevante não só pelas
diversas estatísticas cruzadas que as pesquisas apresentadas trou-
xeram, como também pelo debate relevante demandado por esse
dístico, algo que colocou como imperativo aprofundar o tema, o
que foi “abraçado” pelo projeto enviado e aprovado pela Faperj.
No entanto, é preciso ressaltar que a atuação dos pesquisa-
dores envolvidos mantém a fundamentação teórica das pesquisas
que já vêm realizando. Desse modo, o projeto, previsto para
ser desenvolvido em três anos (2020-2022), se constituiu como
atividade integrada às pesquisas que cada componente da
equipe já investigava. Isto é, metodologicamente, incorpora os
estudos sobre juventude e letramento midiático, desenvolvidos,
mais pontualmente, pelas pesquisadoras Larissa Morais e Carla
Baiense Felix; os estudos sobre o audiovisual e as mídias sociais
no recorte das construções de narrativas e produção de sentidos,

87
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

que formam o amplo escopo das investigações de Renata de


Rezende Ribeiro e Denise Tavares e, finalmente, os conceitos e
usos da tecnologia digital e suas relações com o contexto educa-
cional (em especial nos processos educativos que têm se desen-
volvido na escola), que norteiam as pesquisas desenvolvidas por
Walcea Barreto Alves. Os mesmos cruzamentos e nortes pautam
a atuação dos três doutorandos envolvidos no projeto: Antonio
Vianna, Diego Cotta e Max Milliano.
Enfim, o destaque dado a este momento do MULTIS, neste
texto, pauta-se, em especial, pelas tensões entre narrativas e
imaginários que cercam, de forma ampla, o suicídio, e, no cruza-
mento recortado, o vínculo definido pelo projeto entre esse tema
e a juventude. Do ponto de vista da chamada morte voluntária,
as narrativas, conforme Georges Minois, variam muito histori-
camente, sendo que “desde o célebre tratado de Durkheim, O
suicídio, publicado em 1897, sociólogos, psicanalistas e médicos
utilizaram as estatísticas contemporâneas para analisar o suicídio
do ponto de vista de sua disciplina” (MINOIS, 2018, p. 2).
Sem entrar aqui nas discussões propostas pelo autor quanto às
demandas geradas por esde diagnóstico sintético, outras estatís-
ticas advindas da sociedade atual, incluindo as veiculadas pela
mídia, confirmam a urgência do estudo. Por exemplo, o portal
G1 publicou matéria de Braitner Moreira (20/09/2018) sobre
dados fornecidos pelo Ministério da Saúde nessa data, indicando
que em 2016 houve, no Brasil, 11.433 mortes por suicídio, o que
significava um acréscimo de 2,3% em relação ao ano anterior.
Detalhando os números, apontou que 44,8% dos suicídios de
2016 haviam ocorrido entre indígenas, na faixa entre 10 a 19
anos. E, ainda, que em uma década a taxa de suicídio no Brasil
era de 9,2 homens e 2,4 mulheres a cada 100 mil habitantes.
Outra publicação mais recente, do UOL (Grupo Folha de São
Paulo), reproduziu reportagem de O Estadão (09/09/2019)
trazendo um alerta da Organização Mundial da Saúde (OMS)
quanto ao suicídio ser a segunda causa de morte entre jovens de
15 a 29 anos, no mundo, atrás somente de acidentes de trânsito.
A mesma reportagem afirmava que, ainda segundo a OMS, a
cada 40 segundos uma pessoa no mundo se suicida, sendo que
79% dos casos se concentram nos países de baixa e média renda.

88
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

Mas, se esses indicadores confirmam uma situação epidê-


mica, outros dados do Ministério da Saúde, veiculados por seu
Boletim Epidemiológico (2017), apontaram uma situação que, ao
fim, acabou sendo determinante para o investimento do MULTIS
no projeto citado: considerando o período de 2011 a 2016, 84%
dos casos de tentativa de suicídio ocorreram nas próprias resi-
dências. Tal fato, como se pode inferir, aciona um imaginário
social que pode indicar uma relação de “ausência” dos fami-
liares quanto aos quadros depressivos (especialmente) que, em
tese, poderiam ser percebidos. Um diagnóstico que alimenta um
cenário de culpa, que se expande em avaliações negativas tanto
aos mais próximos do suicida quanto às relações mais amplas que
este tem, em especial, sua relação com a mídia. Essas perspectivas
são tão objetivas que a cartilha Suicídio: informando para prevenir,
elaborada em conjunto pelo Conselho Federal de Medicina e
pela Associação Brasileira de Psiquiatria (2014, p. 11), indica
que além de falar sobre suicídio como um dos instrumentos de
prevenção possíveis, também “a mídia tem obrigação social de
tratar deste importante assunto de saúde pública e abordar este
tema de forma adequada. Isto não aumenta o risco de uma pessoa
se matar; ao contrário, é fundamental dar informações à popu-
lação sobre o problema”. O que está em sintonia com a posição
da OMS, para quem 90% dos suicídios que ocorrem no mundo
podem ser prevenidos se a vítima tiver uma rede de apoio.
Com esse cenário, o vínculo entre juventude e suicídio foi
posicionado como relação que merece ser investigada sem mais
tardar, especialmente quando se acrescenta um outro olhar sobre
a mídia, ou seja, os produtos culturais em circulação que, direta
ou indiretamente, podem ser observados como narrativas que
impactam o imaginário social. Aqui, vale mencionar a pesquisa
realizada por Renata Rezende Ribeiro, desde seu doutorado (a
morte nas redes sociais), em que a autora, entre outras discus-
sões, ressaltava o quanto certos paralelos entre temporalidades
históricas diferentes podem nos ajudar a compreender os desafios
colocados pela morte, observada por quem está vivo:

Como é possível verificar na Divina Comédia, a intenção de


Dante ao recitar os nomes dos mortos, por exemplo, não se

89
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

limita a fazer com que sejam recordados, mas deseja torná-los


outra vez presentes a fim de que contem suas histórias, para
que a lembrança perenize, após a morte, o elo estabelecido
em vida. No século XXI, as comunidades virtuais dos mortos
parecem se apropriar desse sentido: o objetivo de evocar
os mortos é semelhante ao ritual eucarístico de torná-los
presentes (RIBEIRO, 2015, p. 139).

Desdobrando, portanto, esse estudo realizado em seu


doutorado, a pesquisadora trabalhou as situações de intolerância
nas redes sociais, em percurso que focou os múltiplos aspectos
do fenômeno, incluindo linguagem e representação social, ou
seja, percebendo o tema em suas construções estéticas e esti-
lísticas, além das delimitações de protagonismos. Em processo
similar, mas fazendo, de certo modo, um caminho inverso, isto
é, partindo do “objeto” para a construção de uma “cartografia”
temática, a pesquisadora Denise Tavares encontrou em quanti-
dade significativa produções audiovisuais cujos roteiros tinham
como matriz o suicídio. E, apesar de não poderem ser apontadas
como obras que poderiam delimitar um “subgênero”, trata-se
de produtos culturalmente relevantes por seu poder de mobili-
zação cultural, em especial entre os jovens. Por exemplo, o docu-
mentário Elena, de Petra Costa, de amplo público nos cinemas,
circulou (e continua circulando), como “elemento disparador”
para se debater o tema nas escolas, incluindo os cursos de
Pedagogia. Esses e outros diagnósticos têm sido trabalhados
pelo Grupo Emergente como um todo e, no caso do MULTIS,
acionou alguns direcionamentos das pesquisas em andamento.
Potente incorporação vem da pesquisa do doutorando Diego
Cotta que, investigando a situação das “bixas pretas”4 em canais
do YouTube, encontrou um nível dramático de suicídio e/ou
tentativas de suicídio entre jovens negros gays e/ou transexuais.
Uma situação que foi incorporada à sua pesquisa, impactando
novos caminhos de investigação em que a resistência, nas suas
múltiplas faces, ganha um olhar ainda mais inquiridor:

4
O termo é assumido, hoje, como uma expressão positiva da identidade
social do grupo a que se refere.

90
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

Observando brevemente o funcionamento do Flsh Mag, sem


ir a campo, percebo um fluxo de conteúdos produzidos por
tais seres ‘abjetos’ que neste novo lugar virtual ganham voz,
força e prática. Nas multiplataformas do Flsh Mag temos
a oportunidade de acessar representações outras, corpos
contra-hegemônicos empoderados e performatizados,
em um esforço reiterativo de desconstrução da norma e
celebração da dissidência. Ou seja, dentro dessa atmosfera
que chamo de asfixia existencial, podemos identificar
brechas capazes de desestabilizar tal normalidade excludente
(COTTA, 2018, p. 441).

Considerações finais: lugar, perspectivas


A centralidade do audiovisual e das redes sociais no cenário
midiático contemporâneo traz para o MULTIS o imperativo de
se desenvolver pesquisas que localizam uma série de conceitos
e palavras-chave que envolvem a constituição dos territórios do
audiovisual e das mídias sociais, observados a partir da própria
definição do que é a área da Comunicação e Informação. Ou seja,
uma área que se assume em diálogos inter e transdisciplinares,
sem que tal movimento impacte sua singularidade. Como espe-
ramos ter mostrado, trata-se, evidente, de investir em processos
de revisões contínuas dos “objetos” de pesquisa, já que o século
XXI não nos deixa qualquer dúvida quanto ao aceleramento das
transformações que o território da Comunicação e Informação
vivencia, o que redesenha, não raro, nossas pesquisas. Nesse
sentido, o dístico “mídia e cotidiano” nos parece estabelecer uma
relação absolutamente apropriada porque define um espaço-
tempo que se abre, seguidamente, para o reconhecimento muito
ágil das modificações e de seus impactos na organização da
sociedade, resultante, entre outros, do processo de midiatização
que, segundo Stig Hjarvard (2014), não se limita à formação da
opinião pública, mas atravessa praticamente todas as relações e
instituições sociais e culturais do nosso cotidiano.
Conforme apontamos desde o início, a midiatização como
“fenômeno-conceito”, também assumido nestes tempos como
âncora para nos localizarmos e compreendermos quem somos

91
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

e o que podemos ou queremos almejar, é observado pelo nosso


Grupo de Pesquisa como uma das bússolas que não podem ser
ignoradas se a perspectiva das investigações é o da transformação
social, visando uma sociedade mais justa e igualitária.
Como sabemos, não se trata de uma contextualização
simples ou fácil. Ao contrário, como vimos, implica em processos
de autoavaliação contínuos, quase todos decorrentes da relação
estruturante com as pesquisas que são desenvolvidas pelo grupo.
Em outras palavras, a cada novo diálogo que ocorre, deman-
dados pelo ingresso discente nos níveis do mestrado e douto-
rado, o MULTIS se interroga e se abre para as contribuições
sempre bem-vindas dos novos pesquisadores e estudantes que o
procuram. Trata-se de uma fértil travessia, como comemoramos
neste texto. Assim, se quando constituído inicialmente, há quase
10 anos, vislumbrávamos um determinado percurso, hoje, o
que percebemos é o quanto novas veredas se impuseram como
significantes e significativas ao sentido da existência desse grupo
de pesquisa. Por isso, as questões que desenvolvemos de modo
sintético aqui – dado os limites do espaço – não se desviaram
totalmente desse histórico pois, ao final, este se tornou norte e
caminho, simultaneamente. Dito de outra forma, reconhecermos
que a vivacidade e as contribuições que o MULTIS pode oferecer
a seus integrantes, ao Programa de Pós-Graduação a que está
vinculado, à área e, claro, à sociedade de modo geral, sempre vai
depender dessa postura aberta, em equilíbrio com o locus que o
gestou, isto é, o audiovisual e as redes sociais.
Ora, todo universo, para ser percebido, depende das deli-
mitações. Os muros que nos circunscrevem, em relação ao que
podemos chamar de matriz da existência do MULTIS, advêm da
Linha de Pesquisa à qual o grupo pertence. Localizado na linha
de “Linguagens, representações e produção de sentidos”, como
mencionamos na Introdução, o MULTIS, nesta breve reflexão,
considerou que debater os conceitos e questões que envolvem
os temas narrativas e imaginários, não se esquivando de apontar
algumas articulações que hoje mobilizam suas pesquisas, seria
um bom início para compartilhar, por aqui, um território das
suas pretensões, que não se esgotam, é claro, neste debate. Por
exemplo, nesse mesmo ano de 2020, os encontros promovidos

92
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

pelo MULTIS, que são mensais, tiveram como temática “O reen-


cantamento do mundo”.
A proposta de focar nessa temática que, em princípio, não
estaria vinculada de modo objetivo às pesquisas dos integrantes
do grupo, decorre da construção de um evento que teria acon-
tecido em 2020, caso não tivesse ocorrido a pandemia provo-
cada pelo coronavírus (Covid 19). Este foi debatido a partir
da percepção do MULTIS quanto ao reconhecimento que o
campo da Comunicação deve, cada vez mais, se concretizar
pelo esforço de impacto qualificado junto à Educação em todos
os níveis. Esse objetivo demanda, para nós, promover espaços
de atuações e discussões interdisciplinares, como a que dese-
nhamos para o referido evento. Aqui, o “mote inspirador” foi
um dos microcontos de Severino Antônio, publicado em 2019,
cujo título é “a forma e o sentido” (em caixa baixa, mesmo),
que enfatiza as possibilidades do olhar infantil como caminho
de criação, rompendo, desse modo, com a estagnação concei-
tual do universo simbólico.

A página em branco chama a criação.


A menina, de quatro anos, horizontaliza o papel em cima da
pequena mesa.
Pega uns tijolinhos de giz de cera, desenha no meio da folha,
de baixo para cima, algumas linhas, depois pinta entre elas,
com uma cor de cada vez.
Para os adultos que veem, seria um arco-íris.
Indagada, responde com precisão de autora, suave, como se
meditasse:
É o caminho de cada um.
Os adultos ficam quietos. Sentem em seus próprios corpos o
símbolo, que se torna parte deles, não será esquecido, nunca
será arrancado. (para Helena.) (ANTÔNIO, 2019, p. 26).

A trajetória densa como educador e poeta de Severino


Antônio, que tem se apresentado em diversos espaços do país,
fabulando projetos de Educação junto às Secretarias de Educação
de cidades pequenas e médias do interior do Brasil (especial-
mente nas regiões Sudeste e Sul) e em eventos nas metrópoles
promovidos pelo SESC e por universidades, impactaram, posi-

93
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

tivamente, o Grupo de Pesquisa MULTIS, em 2019. Isto porque


o grupo, a partir das discussões que promoveu internamente,
considerou que era momento de reelaboração das suas pers-
pectivas e investigações. Não só por todas as mudanças que têm
sido colocadas pelo Ministério da Educação (MEC) – para as pós-
-graduações – mas também por reconhecer o avanço contínuo
do processo de midiatização da sociedade, o que modifica, sobre-
maneira, a vida cotidiana dos cidadãos. Em outras palavras, o
MULTIS observou, entre suas perspectivas de continuidade, a
necessária invocação de uma “revisão do olhar”, situação que
abriu horizontes para a incorporação de novas bibliografias em
suas investigações que, por sua vez, desdobraram a necessidade
de outras interlocuções dentro e fora do campo da Comunicação,
sem perder de vista os “objetos” que centralizam suas pesquisas:
o audiovisual e a produção multimídia. Tal revisão aproximou
o grupo, ainda mais, do diagnóstico de Jesús Martín-Barbero
quando este observa o que, às vezes, repetimos sem refletirmos,
talvez, como devêssemos, a extensão do que é colocado, ou seja,
que “estamos passando de uma sociedade com sistema educativo
para uma sociedade do conhecimento e aprendizagem contínua,
isto é, sociedade cuja dimensão educativa atravessa tudo: o
trabalho e o lazer, o escritório e a casa, a saúde e a velhice”
(MARTÍN-BARBERO, 2014, p. 121).
Essa dimensão da Educação tem feito emergir de forma
potente, sabemos, o papel da Comunicação Social nesse processo,
pois se há aprendizagem contínua essa se dá, hoje, também, via
mídias, particularmente o audiovisual e as redes sociais digitais.
A questão é que se trata de um diagnóstico paradoxalmente
amplo e redutor. Amplo, pelo enorme volume de informação
que é acessível hoje em quase todos os territórios urbanos do
país (por menor que sejam esses espaços) e em boa parte da área
rural. E, redutor, porque essas informações/formações, articu-
ladas em rede, implicam, sabemos, na imensa dificuldade de
seleção, agravada, agora, pelo circuito das chamadas fake news.
Resumindo: o cenário não é novidade para as ciências humanas
em geral e todo o esforço dos pesquisadores tem sido fomentar
encontros que permitam aflorar o reconhecimento das singula-
ridades dos problemas que atualmente nos envolvem e, assim,

94
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

atuarmos juntos no sentido de uma aliança que traga vitalidade


aos mais diversos campos do saber.
Enfim, concordando mais uma vez com o educador Severino
Antônio, dizemos, com ele, que “faz muito tempo, sabemos da
necessidade de religar o conhecimento escolar e a vida cotidiana.
Sabemos também da necessidade de propor experiências que
despertem a curiosidade, o raciocínio, a imaginação” (2013, p.
92). Nessa convocação inclui a necessidade de formar/educar
não só considerando a inteligência, mas também a sensibilidade.
Trata-se de um dístico do qual poucos discordam. A questão são
as veredas que podem ser percorridas no processo educacional
para que isso se realize em sua potência e graça. E aqui tratamos
“graça” como nível de percepção e entrega ao que é ofertado,
partilhado, em situação de cumplicidade que ocorre quando se
descobrem os interesses e inquietações comuns, independente-
mente das singularidades de cada indivíduo. Tal lugar-tempo se
desenha quando há correspondência de interrogações, desejos,
ansiedades, buscas. Enumeração que em um primeiro olhar
parece um arrolar abstrato, mas que, quando se é educador há
algum tempo, é absolutamente tangível e possível. Tudo depende,
é claro, de um investimento que implica organização, parcerias,
muito trabalho, apoio de órgãos de fomento, clareza de objetivos
e – pedindo licença pelo termo pouco ortodoxo ou que pode
soar pouco modesto – vontade de fazer e realizar.
Mas, como dito, não foi possível realizar o evento. No
entanto, o mote “reencantamento do mundo” foi mantido pelos
integrantes do MULTIS pois “indo bem além de uma observação
weberiana, chegamos a crer que o ‘desencantamento do mundo’ –
correlativo ao desenvolvimento da ciência e da técnica – poderia
igualmente aplicar-se à vida subjetiva, aos fenômenos de massa,
à vida política e cotidiana” (MAFFESOLI, 2010, p. 201). Ou seja,
balizaram a escolha dos textos que foram discutidos ao longo
de 2020, a construção de um elo entre a temática definida e o
propósito de se discutir as matrizes que qualificam nosso coti-
diano, independentemente das instabilidades e caos que o sobre-
carregam pelas mais distintas veredas. Demarcamos, por essa
via, os conceitos-chave que orientam as pesquisas do MULTIS,
observados nesse percurso sob fecundo diálogo, justamente com

95
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

as narrativas e os imaginários que circundam nossos dias nesta


perspectiva de “encantar” (transformar) a sociedade em que
vivemos. A abordagem visou partilhar com os participantes dos
encontros a necessária abertura às apropriações, assimilações e
adaptações de temáticas que poderiam ainda se apresentar como
“estranhas” ao campo, mas que hoje, nos novos contornos da
organização social e do desenvolvimento tecnológico, se colocam
como imperativas e necessárias. Assim, reafirmamos, durante
o ano, o caráter interdisciplinar da área da Comunicação sem,
é claro, desqualificar o arcabouço teórico que lhe é próprio,
como já colocado neste texto, em outros momentos. Justificando
tal afirmação, a nosso ver, a organização atual da área que se
apresenta, talvez mais do que nunca, em processos sobrepostos,
embaralhados e com margens fluidas. O que sempre foi e será
um desafio bem-vindo para o MULTIS.
Finalmente, a título de encerramento, talvez uma fértil
clareira sobre os propósitos desse Núcleo de Estudos e Experi-
mentações do Audiovisual e Multimídia5 implique assumir uma
visada voltada ao conhecimento integral. Este lugar, para nós,
inclui junto à ciência desenvolvida no Ocidente – que conhe-
cemos em registro oficial – outros caminhos que pesquisadores
formados e reconhecendo essa mesma ciência como potente,
não deixam, no entanto, de interpelá-la por diferentes códigos
e saberes. Sem temor das controvérsias e não ignorando todos
os movimentos de massacre que o conhecimento científico fez
em sua travessia pró consolidação como referência inequívoca da
supremacia racional no processo de gestação e gestão da socie-
dade contemporânea. Sob esse horizonte é que lembramos de
uma das mais instigantes pesquisas realizadas nos últimos tempos
sobre como a consolidação do capitalismo implicou a opressão
feminina, em múltiplos aspectos e situações. Não só: também se
voltou brutalmente contra a magia popular, esse outro modo de
lidar com “as coisas do mundo”. O que não foi surpresa para a
pesquisadora: “A batalha contra a magia sempre acompanhou o
desenvolvimento do capitalismo, até os dias de hoje. A premissa
5
Para conhecer mais sobre o histórico do MULTIS, bem como suas atividades
e pesquisas, vale acessar seu site (http://multis.sites.uff.br/) e Instagram
(https://www.instagram.com/grupomultis/?hl=pt-br).

96
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

da magia é que o mundo está vivo, que é imprevisível e que


existe uma força em todas as coisas (...)” (FEDERICI; SILVIA,
2017, p. 312). Concordamos, profundamente, com esse diagnós-
tico. Como evidenciou o próprio cenário da pandemia de 2020:
sempre haverá o imponderável.

Referências
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eira Paulista/SP: Passarinho, 2019.
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coletivo chamado FSLH MAG. In: BARROS, Chalini Torquato Gonçalves
de; CARRERA, Fernanda Ariane Silva. Mídia e diversidade: caminhos para
reflexão e resistência. João Pessoa: Xeróca, 2018.
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de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Diante da imagem. São Paulo: Ed. 34, 2013.
DUBOIS, Phillippe. Cinema, vídeo, Godard. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa – Mulheres, corpo e acumulação primitiva.
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HJARVARD, Stig. A midiatização da cultura e da sociedade. São Leopoldo:
Ed. Unisinos, 2014.
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LEGROS, Patrick; MONNEYRON; Frédéric; RENARD, Jean-Bruno; TACUSSE,
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LÖWY, Michael; SAYRE, Robert. Revolta e melancolia. São Paulo: Boitempo,
2015.
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MARTÍN-BARBERO, Jesús. A comunicação na educação. São Paulo: Ed.
Contexto, 2014

97
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

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doméstica na televisão brasileira. Comunicologia – Revista de Comunicação da
Universidade Católica de Brasília, v. 8, n. 1, jan./jun. 2015, p. 90-111.
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TAVARES, Denise. Nem perdão, nem esquecimento: o aparato repressivo no
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TAVARES, Denise; PEREIRA, Sandra. Identidades cambiantes, corpos instá-
veis: notas sobre gênero, visibilidades e cotidiano em narrativas documentá-
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XAVIER, Ismail. Do texto ao filme: a trama, a cena e a construção do olhar no
cinema. In: PELLEGRINI, Tânia... [et al]. Literatura, cinema e televisão. São
Paulo: Editora Senac São Paulo / Instituto Itaú Cultural, 2003, p. 61-90.

98
Mídias, Redes e Jovens: trajetória,
conceitos e abordagens 
Carla Baiense Felix
Larissa Morais

O s estudos sobre juventude têm um peso importante na


produção acadêmica recente. Uma busca pelos termos
juventude, jovem e jovens no diretório da Capes mostra que
foram feitos 39.979 trabalhos a respeito do tema, entre os anos
de 2010 e 2019. A área de Ciências Humanas é a responsável pela
maior parte dessa produção, com 15.473 teses e dissertações,
sendo a Educação a área do conhecimento com maior destaque,
contemplando 7.858 delas.
Na Comunicação, identificamos 450 dissertações e 113 teses,
o que a coloca em destaque na grande área de Ciências Sociais,
que reúne 2.376 trabalhos. A maior parte dessas pesquisas, 78%,
está vinculada a programas de pós-graduação da região Sudeste,
revelando as limitações e o alcance dessa enorme produção. 
Uma análise a partir dos títulos, resumos e palavras-chave
nos permite apreender a diversidade de abordagens e interesses
em torno do tema. Dentro do conjunto de trabalhos produzidos
no Sudeste, as representações midiáticas das juventudes são o
assunto mais recorrente, com 70 trabalhos, seguido por consumo
(47), educação (31), sociabilidade (26), cultura (17), política (13)
e religião (2).
A entrada no campo das juventudes e sua relação com a
mídia, portanto, nos colocava diante do desafio de compreender
um fenômeno que se apresenta sob diversos ângulos e traz como
complicador o fato de que não há uma única juventude no Brasil,
mas diferentes modos de ser jovem (MARGULIS, URRESTI,
1996). Ainda que, formalmente, no Brasil sejam jovens os indi-
víduos entre 15 e 29 anos, há uma série de condições que dife-
renciam a experiência juvenil, entendida como “o modo como
tal condição é vivida a partir dos diversos recortes referidos às

99
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

diferenças sociais – classe, gênero, etnia etc. (DAYRREL, 2007,


p. 1.108)”.
Nosso problema de pesquisa se apresentou, primeiro, dentro
das salas de aula do Curso de Jornalismo, onde constatamos que
nossos futuros jornalistas simplesmente não liam jornal. Essa
provocação nos levou, em 2013, à criação do Grupo Mídias, Redes
e Jovens, primeiro no Departamento de Comunicação da Univer-
sidade Federal Fluminense, mais tarde vinculado ao PPGMC.
Naquele momento, as redes sociais se consolidavam como uma
importante ferramenta para as empresas jornalísticas, utilizada
sobretudo pelos jovens. Diante da incerteza sobre o futuro da
mídia tradicional e do declínio do investimento publicitário
nos jornais, nos perguntávamos sobre os modelos de produção
e distribuição de notícias apropriados para audiências cada vez
mais conectadas. Criado pelas professoras Carla Baiense Felix,
Larissa Morais e Helen Britto, teve também como integrantes
nos últimos seis anos diversos alunos de graduação, mestrado e
doutorado.
Muitas análises sobre a juventude apontavam como traço
geracional a capacidade de se relacionar com a tecnologia de
maneira distinta das gerações anteriores (TAPSCOTT, 2010),
percepção reiterada por diversas pesquisas que enfatizam o
aspecto quantitativo das interações, inclusive no Brasil. A ideia
de geração, pensada a partir de um conjunto de atributos que
caracterizam indivíduos situados na mesma posição geracional,
é bastante problemática, mas nos pareceu profícuo pensar, a
partir de Mannheim (1952), como determinadas juventudes,
ou unidades geracionais, se relacionam com as mídias. A ideia
era investigar em que medida esses comportamentos expressam
traços geracionais ou, ao contrário, estão atrelados a outras vari-
áveis, que não a etária. 
Partíamos, portanto, de uma desconfiança a respeito das
visões que tomam determinadas juventudes como modelos cultu-
rais, sem considerar os contextos históricos onde esses indivíduos
vivem. Nossa hipótese era de que determinadas unidades gera-
cionais – urbanas, moradoras dos grandes centros, sobretudo das
camadas de renda médias e altas – antecipam mudanças culturais
ainda não consolidadas. Isso não significa que considerávamos

100
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

os jovens como “naturalmente” mais aptos a lidar com as novas


tecnologias de comunicação, a despeito das condições desiguais
de acesso e letramento midiático e informacional (TORNERO,
2009). Suas respostas aos problemas do seu tempo são “atraves-
sadas por outras posições sociais, tais como classe, gênero, raça,
local de moradia etc.” (CORROCHANO; DOROW; JARDIM,
2018, p. 51). Mas reconhecíamos que, de um algum modo, o
comportamento midiático dos jovens nos dava pistas sobre as
transformações culturais produzidas pela aceleração dos fluxos
de informação e pela midiatização do cotidiano (SODRÉ, 2006;
GÓMEZ, 2006; FAUSTO NETO, 2012).
Como assinala Peralva (1997, p. 25), “enquanto o adulto
vive ainda sob o impacto de um modelo de sociedade que se
decompõe, o jovem já vive em um mundo radicalmente novo, cujas
categorias de inteligibilidade ele ajuda a construir”. Voltando a
Mannheim, o fato de estarem em determinada posição geracional
confere aos sujeitos um conjunto de experiências não disponíveis
a outras gerações, “simplesmente porque se trata de uma história
que está nascendo com eles” (PERALVA, 1997, p. 4).
 Nesse sentido, entendíamos que as juventudes, sobretudo
aqueles cujo comportamento observávamos nas nossas salas de
aula, nos permitiam vislumbrar transformações mais profundas
na estrutura de sentimento do contemporâneo, tal como propõe
Williams (1979).
 
[...] Uma experiência social que está ainda em processo, com
frequência não reconhecida como social, mas como privada,
mas que na análise (e raramente de outro modo) tem suas
características emergentes, relacionadoras e dominantes,
e na verdade suas hierarquias específicas. Essas são, com
frequência, mais reconhecíveis numa fase posterior, quando
foram (como ocorre muitas vezes) formalizadas, classificadas
e em muitos casos incorporadas às instituições e formações
(WILLIAMS, 1979, p. 134).

Assim, começamos nossa investigação a partir da amostra


que estava mais próxima de nós, os estudantes do curso de Comu-
nicação Social, habilitação Jornalismo. A primeira pesquisa do
grupo “Juventude, produção e consumo de notícias: novas dinâ-

101
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

micas, usos e apropriações”, iniciada em novembro de 2015, com


apoio da FAPERJ (Auxílio Instalação Faperj/2014), foi realizada
em três etapas. Nela, procuramos analisar em que medida os
jovens respondentes, de 18 a 23 anos, moradores de áreas urbanas
dos municípios do Rio de Janeiro e Niterói, se constituíam como
um grupo específico em relação ao consumo de notícias e de que
modo variáveis como educação e renda tinham impacto sobre
seu comportamento. Procuramos avaliar, ainda, o que eles consi-
deram como notícia, que critérios de confiabilidade adotam para
avaliar a imprensa e de que maneira isso molda seu consumo.
A análise buscou identificar a relação entre dados demo-
gráficos e hábitos de consumo e percepções, num ambiente
marcado pela proliferação de conteúdos e dispositivos midiá-
ticos. Na primeira etapa da pesquisa, desenvolvemos um ques-
tionário estruturado, com 47 perguntas, produzido em Google
Forms e disponibilizado on-line. O questionário foi elaborado
tendo em vista conjuntos de dados considerados relevantes para
a análise: situação socioeconômica (renda, local de moradia,
arranjo familiar, idade e nível de escolaridade dos moradores da
residência); acesso e utilização de diferentes tipos de produtos
de mídia; acesso e utilização de diferentes tipos de TICs; acesso
a notícias em diferentes tipos de mídia/suporte; preferências de
uso, acesso e tipo de notícias (incluindo locais e plataformas);
usos e apropriações da notícia em rede; confiabilidade de fontes
de notícias. 
Para aplicação, selecionamos dois grupos de 50 jovens cada:
estudantes de diferentes períodos do curso de Comunicação
Social, habilitação Jornalismo, da UFF, e estudantes de pré-vesti-
bular da UFF, ambos fora do mercado de trabalho. A intenção
dessa seleção foi garantir uma amostra “jovem” não apenas no
sentido etário, mas dotada de uma moratória social (GROPPO,
2009), ainda sem a pressão do trabalho para o sustento.
Entre os jovens universitários, chamou atenção o fato de
apenas 24,2% terem afirmado nunca ler jornal, um percentual
muito inferior à média nacional na faixa etária correspondente,
identificada pela Pesquisa Brasileira de Mídia 2015: 78%. Já
no grupo com menor escolaridade, se destacou o percentual
daqueles que disseram nunca ler jornal. Esse segundo grupo

102
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

também foi o que apontou as redes sociais digitais como princi-


pais fontes de notícias, em 69,4% das respostas. 
Esse dado, somado ao nível de confiabilidade que atribuíram
a veículos tradicionais, como os jornais, mostrava uma clara dife-
rença na relação com as mídias em comparação ao grupo de
universitários. Enquanto os estudantes de Jornalismo apontavam
o jornal como fonte de informação mais confiável, com 45%
das respostas, o grupo de pré-vestibulandos atribuiu ao veículo
o maior índice de confiabilidade apenas em 2% das respostas.
Interpretamos essa baixa citação do meio mais ao desconheci-
mento ou distanciamento do que propriamente à desconfiança,
percepção que iríamos rever à luz de novas investigações e refe-
renciais teóricos. O tema viria a ser aprofundado em etapas
seguintes da pesquisa, como relatado mais adiante.
Outro dado que reiterava a diferença entre as duas amostras
era o comportamento diante do conteúdo distribuído através da
Internet. A rede já se consolidava como plataforma de acesso
primário ao noticiário: 98,5% dos universitários e 91,8% dos pré-
vestibulandos utilizavam portais e redes sociais para se informar,
antecipando uma tendência que viria a se tornar predominante
entre outros grupos.   
No entanto, enquanto 97% dos estudantes de Jornalismo
diziam ir sempre ou eventualmente à fonte para checar informa-
ções recebidas por redes sociais, 85,8% dos pré-vestibulandos
afirmaram que nunca ou quase nunca faziam isso. Embora as
redes sociais fossem quase sempre a porta de entrada para o
universo noticioso, os futuros jornalistas consideravam impor-
tante confirmar a procedência do que chegava à sua timeline.
Apesar da análise apontar uma forte influência dos aspectos
sociodemográficos sobre o consumo noticioso, como os hábitos
da família, havia um componente para além da posição de classe.
Entre as duas amostras havia diferenças não apenas em termos
de renda, acesso a bens e serviços e rotinas cotidianas. O conhe-
cimento sobre a mídia os diferenciava de maneira inconteste.
Conforme assinalamos num artigo que consolidava os achados
da pesquisa: “Não é possível associar estes dados simplesmente a
um aumento de renda e escolaridade, nem tampouco desprezar o
fato de que estudantes de jornalismo recebem uma formação mais

103
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

crítica em relação ao que circula nas redes” (FELIX; MENDES;


FONTES, 2017, p. 31).
Essa percepção, que para nós ainda não se apresentava
de maneira conclusiva, nos levou, mais à frente, a investigar a
relação entre jovens e mídias a partir de um outro marco teórico-
conceitual: o de letramento midiático e informacional. Os desdo-
bramentos políticos desse novo cenário não estavam no nosso
horizonte, nesse primeiro momento, mas se apresentaram com
destaque na segunda etapa da pesquisa, realizada com jovens
entre 19 e 23 anos, estudantes de Comunicação Social/Jorna-
lismo da Universidade Federal Fluminense, em Niterói, entre
setembro e outubro de 2017.  
Através de três grupos focais, composto de sete a oito parti-
cipantes, mediamos os debates dos estudantes em torno de um
tema amplo: como os jovens se relacionam com as notícias e qual
é a relevância delas no seu cotidiano? A técnica não era nossa
primeira escolha metodológica, mas ao longo das discussões se
mostrou a mais adequada para a obtenção dos dados que nos
interessavam, uma vez que partíamos da compreensão de que “o
que ocorre nas redes digitais em que os jovens constroem a socia-
bilidade contemporânea não pode ser apartado do que acontece
no cotidiano midiatizado das nossas cidades concretas” (FELIX;
CASTRO, 2018, p. 4-5).
O fato de terem conhecimento prévio a respeito dos processos
midiáticos foi considerado como dado e contribuição impor-
tante ao longo do processo, conforme sugere Bonin (2016, p.
116), para quem os desenhos investigativos precisam considerar
as competências midiáticas da amostra. Embora não tenhamos
repetido a experiência com outro perfil amostral, a investigação
junto aos jovens estudantes de Jornalismo nos permitiu uma série
de insights sobre a relação entre letramento midiático e produção
de sentidos. 
Naquele momento, porém, nossas análises privilegiavam
a investigação sobre os “efeitos” das mídias no cotidiano.
Partimos dos estudos de midiatização (SODRÉ, 2006; HEPP,
2014; COULDRY e HEPP, 2013; BARROS, 2012), que reco-
nhecem a “comunicação como elemento estruturante da cultura”
(BARROS, 2012, p. 87). A partir dos depoimentos nos grupos

104
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

focais, pudemos compreender as formas pelas quais mídia e


cultura estão imbricadas no cotidiano juvenil. Percebemos que

(...) os jovens não apenas consideram que estão ligados


o tempo todo a diferentes plataformas, mas também
conformam rotinas a partir delas – desde aquelas herdadas de
suas famílias, como o hábito de assistir TV em determinados
horários (ou o tempo todo, como simples companhia), até os
rituais que preenchem os espaços ociosos ou não no dia seu
dia-a-dia (FELIX; CASTRO, 2018, p. 14).

Embora lidando com jovens hiperconectados, observamos


que expressavam certa frustração diante da fragmentação do
noticiário, sobretudo o que circula nas redes sociais digitais.
Da mesma forma, externavam sua ansiedade pela impossibi-
lidade de saber tudo ao mesmo tempo, ainda que estivessem
o tempo todo “se informando”. Reconheciam, ainda, a exis-
tência de um corte geracional na sua relação com o noti-
ciário, conforme expresso na fala de um dos respondentes que
declarou: “Ainda acho que o jovem tem um pouco mais de
consciência do que os próprios adultos nas redes sociais. A
gente (...) tem mais noção do que é verdade e do que não é na
internet, porque tá mais acostumado com esse meio do que os
adultos, do que os idosos”.
Por outro lado, muitos dos insights fornecidos pelos grupos
focais anteciparam discussões que viriam a se acirrar quase um ano
depois, no auge do debate eleitoral brasileiro: tanto a consciência
de que as “bolhas” informativas, produzidas por algoritmos, produ-
ziam uma falsa percepção da realidade, quanto a constatação de que
os comportamentos individuais reforçavam esse fenômeno se apre-
sentavam de forma bastante explícita nos depoimentos.

Outra coisa que eu percebo, pelo menos no meu caso, é


que as notícias são sempre segmentadas. O conteúdo que
vai aparecer nas suas redes sociais é aquele que você já tá
interessado, é aquele assunto que você já tá correndo atrás
(Grupo focal 03/10/2017).
A bolha social tem a ver com isso. A gente se isola,
normalmente, com pessoas que compartilham da mesma

105
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

opinião. Pessoas de opinião contrária, que conflitam, a gente


tem tendências a afastar (Grupo focal 03/10/2017).

Os comportamentos em relação a esse fenômeno variavam,


mas a constatação de que a informação que circulava em suas
redes, apesar de gerar conforto, limitava sua própria tomada de
decisão nos pareceu um dado importante, diferenciando essa
amostra do conjunto da população. Reconhecendo o fenômeno
como um risco para a democracia, um relatório da Câmara
dos Comuns (DESINFORMATION, 2019, p. 56) afirmava que
“é difícil diferenciar nas mídias sociais entre o conteúdo que é
verdadeiro e o que é enganoso ou falso, especialmente quando
essas mensagens são direcionadas a um nível individual” (Ibidem,
p. 85). Nossos respondentes não só tinham consciência do que
acontecia em suas “bolhas”, como também se questionavam a
respeito dos desdobramentos desse cenário, ainda que nem
sempre fizessem algum esforço para sair do imobilismo. Em
depoimentos colhidos em 26 de setembro de 2017, registramos:
“Eu já me coloquei na bolha, excluindo quem não tinha nada
a ver comigo, no Facebook, porque eu não sou obrigada a ver
essas pessoas”; “Eu excluo mesmo, eu me fecho mesmo, porque
eu tô na rede social para não passar estresse”; “Não bloqueio,
porque eu sei que é o único fiozinho de contato que eu tenho
com pessoas que pensam diferente de mim”.
Ressaltamos que essas reflexões ocorreram antes que a inter-
ferência da Cambridge Analytics sobre diferentes processos elei-
torais viesse à tona. As ligações entre o Facebook e empresas
de análise de dados, como a Strategic Communications Labora-
tories (SCL), do qual a Cambridge Analytics faz parte, ocorreu
apenas em 2018, revelando os riscos da manipulação de informa-
ções em rede para as democracias. Isto nos levou a considerar
que o letramento midiático e informacional, entendido como um
conjunto de fatores tanto de ordem ambiental quanto pessoal,
nos fornecia uma chave interpretativa importante para compre-
ender esse comportamento dos jovens estudantes de Jornalismo. 
Nos grupos focais também pudemos aprofundar dados,
obtidos na fase anterior da pesquisa, sobre a relação de confiança
que os jovens estabelecem, no seu consumo cotidiano de notícias,

106
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

com as mídias que costumam acessar e com os jornalistas que


seguem nas redes sociais (MENDES; AMARAL, 2019) e ainda
sobre os hábitos de interação desse público com as notícias
(MENDES; AMARAL, 2019b).
Tomamos o conceito de cotidiano nos termos de Michel
de Certeau (1994), como o tempo corriqueiro no qual produtos
culturais são apropriados e/ou reapropriados, muitas vezes de
modo tático. Consideramos que bens culturais, como as notícias,
podem, portanto, ser absorvidos de modo criativo e distinto do
imaginado inicialmente pelos produtores. Já a noção de consumo
midiático foi usada conforme propõem Jacks e Toaldo (2013),
para entender a relação dos jovens com os meios de comuni-
cação, no contexto de convergência. Partindo da compreensão
esboçada por Canclini, as autoras tomam o consumo midiático
como uma vertente do consumo cultural, abrangendo desde o
consumo de artes e música, até produtos condicionados pela
pressão econômica, tais como os veiculados na televisão, rádio,
cinemas etc. (CANCLINI, 2005 apud JACKS; TOALDO, 2013).
Tínhamos conhecimento, pela Pesquisa Brasileira de Mídia
(BRASIL, 2015), que os jovens apresentam um razoável índice
de confiança na imprensa, principalmente nos jornais (em versão
impressa ou on-line). Detínhamos ainda a informação que os
veículos tradicionais que ainda dominam a cena midiática nacional
ocupam lugar de destaque na preferência desse público, conside-
rando o recorte dos estudantes de Jornalismo da UFF e dos estu-
dantes do pré-vestibular respondentes do levantamento anterior. 
Contudo, não conhecíamos as justificativas para esses fatos –
algo que só seria possível captar em uma abordagem qualitativa
–, tampouco havíamos conseguido estabelecer relações entre as
escolhas dos jovens e determinados hábitos de consumo midiático.
A credibilidade foi compreendida como um predicado
epistêmico atribuído ao enunciador e a seus relatos (LISBOA;
BENETTI, 2017). As autoras sustentam que essa atribuição é
feita por alguém, em uma relação intersubjetiva entre um veículo
e seu público, amparada em valores éticos e morais. Da validação
dessa negociação, pelo interlocutor, é que o jornalismo se cons-
titui socialmente como discurso aceito e respeitável pelos dife-
rentes grupos sociais, inclusive o juvenil. 

107
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

A correspondência com o real foi apontada pelas autoras


como aspecto central para justificar a credibilidade da produção
noticiosa. Para elas, por ter se firmado como uma “crença verda-
deira justificada”, o jornalismo pode se consolidar como forma
de conhecimento, na contemporaneidade. O conteúdo é cons-
truído a partir de testemunhos verossímeis da realidade colhidos
a partir de métodos e procedimentos que buscam reduzir o erro
e os relatos falsos, em um processo amparado por um conjunto
de normas morais e éticas assumidas pelos profissionais do ramo.
Confirmando a etapa anterior da pesquisa, os estudantes
dos três grupos focais foram praticamente unânimes em dizer
que acompanham prioritariamente a grande imprensa, por
considerá-la mais confiável do que veículos com menor tradição.
Quando perguntados sobre os veículos que acompanham, as
principais citações foram G1 e Globo.com, de acesso gratuito. O
Twitter, onde os jovens seguem diferentes veículos e jornalistas,
também foi mencionado como importante fonte de informação
nos diferentes grupos. 
A confiança no compromisso da grande imprensa em
seguir determinados procedimentos e normas, como apontado
por Lisboa e Benetti (2015), apareceu em todos os grupos como
justificativa para a relação de confiança mantida com determi-
nados veículos. Uma participante disse que, numa época em
que circulam muitas notícias duvidosas, nos grandes veículos
ao menos se pode confiar que as informações são verdadeiras:
“Sabemos que ali há um trabalho responsável”. No mesmo
grupo, outra estudante registrou: “Se o assunto é político,
ficamos meio assim [desconfiados], mas em outras notícias
não tem problema. Tipo: posso ler despreocupada sobre um
tiroteio em Las Vegas”. Quer dizer, quanto mais factual é o
noticiário, maior é a confiança.
Outro jovem acrescentou que a grande imprensa consegue
ter fontes melhores do que veículos de menor porte ou alterna-
tivos. Quando perguntados sobre que critérios de credibilidade
reconhecem, diferentes estudantes citaram a importância da
fonte “ser oficial”. O depoimento de um jovem indicou que, ao
menos para alguns participantes, para uma notícia ser conside-
rada assim, precisa ser veiculada por veículo conhecido. Outros

108
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

critérios mencionados foram a matéria ter dados, números,


provas ou vídeos, ou ainda ser feita por um repórter conhecido. 
Os depoimentos dos estudantes indicaram que os jovens
reconhecem valor dos métodos e procedimentos estabelecidos
por veículos da grande imprensa e confiam que o que está dito
ali é verdadeiro, mas que essa confiança esbarra em limites.
Uma estudante registrou que, “no caso de uma manifestação,
por exemplo, a gente busca [a notícia] na mídia alternativa”.
Contudo, nem ela nem os colegas, nos três grupos, citaram
espontaneamente veículos com essa linha de atuação entre os
que costumam consultar.
O tema da proliferação de notícias falsas (mais frequente-
mente mencionadas como fake news) apareceu nos três grupos,
mesmo sem ter sido posto em pauta, e aqui se faz necessário
lembrar que a pesquisa antecede em dois anos as eleições de 2018,
quando o tema ganhou maior relevo. A análise dos depoimentos
apontou que a preocupação com as notícias falsas termina por
fortalecer a relação dos jovens com veículos que eles já conhecem,
nas suas qualidades e defeitos. Inversamente, aumenta a descon-
fiança em relação a veículos pouco familiares.
O meio apontado como preferencial para o acesso a
notícias foi o celular. Os formatos de texto e audiovisual foram
mencionados como favoritos, mas alguns jovens disseram que só
costumam acessar os vídeos quando têm acesso a uma rede wi-fi
de acesso gratuito. A leitura de matérias mais longas também
costuma ficar para um depois que nem sempre se concretiza.
“Vou salvando, mas na maioria da vezes não acesso”, resumiu
um estudante.
Participantes dos diferentes grupos contaram que leem as
notícias superficialmente – muitas vezes só os títulos. Diferentes
estudantes deram a entender que leem o mínimo para não pare-
cerem desinformados ou se sentirem excluídos das conversas
entre colegas ou no trabalho. Uma estudante verbalizou que a
falta de informação constrange socialmente: a gente [estudante
de Jornalismo] tem que saber o que todo mundo sabe”, opinou.
O noticiário da televisão foi lembrado como “o que mais
aprofunda as notícias”. Os telejornais citados foram o Jornal da
Globo e o Jornal Nacional. Uma participante chegou a dizer que

109
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

se sente culpada por não assistir ao Jornal Nacional todos os dias. 


O Twitter também tem usuários entusiasmados entre os
jovens, para o consumo de notícias. Além da possibilidade de
ter um bom panorama dos acontecimentos do dia, sem perder
muito tempo, os participantes da pesquisa mencionaram como
vantagem comparativa do Twitter, em relação a outras formas
de acesso ao noticiário, a oportunidade de obter informações
diretamente de jornalistas ou outros formadores de opinião que
consideram confiáveis e/ou relevantes.
Trata-se de processo aqui abordado como uma forma de
desintermediação. Não é uma desintermediação total, tal como
imaginada por Lévy (2000). Mesmo assim, os jovens apreciam
um tipo de acesso à informação que não passa necessariamente
pela mediação dos veículos; vão direto aos jornalistas que mais
admiram e/ou em quem mais confiam. A desintermediação é
compreendida, portanto, como uma redução no número de
agentes envolvidos no processo de distribuição das notícias. Esse
acesso aparece para os jovens como uma espécie de antídoto
contra as notícias falsas. Nesse contato, têm expectativa prin-
cipalmente de conhecer opiniões e, desse modo, compor seus
próprios pontos de vista sobre os assuntos que consideram
importantes.
Na etapa dos grupos focais, investigamos ainda práticas
relativas à interação cotidiana do público jovem com o notici-
ário jornalístico, nas redes sociais. Além de mapear as interações
mais utilizadas, buscamos entender como elas se davam, nas dife-
rentes plataformas, e como influíam na experiência de consumo
de notícias, no cotidiano juvenil altamente midiatizado de hoje.
Ficou claro, tal como preconizado na teoria da midiatização
(HEPP, 2014), que especialmente para os jovens as tecnologias
de comunicação ambientam o cotidiano e as relações sociais, e
mediam as interações simbólicas, inclusive com as notícias. Em
busca de uma compreensão mais abrangente quanto à transfor-
mação sociocultural embutida nesse processo, sistematizamos
algumas conclusões detalhadas em artigo publicado (MENDES;
AMARAL, 2019b). 
De modo sintetizado, em relação às interações observamos
que o conteúdo noticioso quase sempre chega e é consumido

110
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

via smartphone, por meio de diferentes redes e aplicativos, que


são também os canais de expressão de formas de interação
distintas, como enviar um texto a um amigo por WhatsApp, sele-
cionar um meme que expresse algum sentimento ou impressão
em relação a uma notícia ou deixar um comentário num site de
notícias (pouco comum entre os jovens) ou rede social (prática
um pouco mais utilizada).
A tecnologia interfere em cada etapa do processo, seja por
meio da exibição de conteúdos que combinam com o perfil de
cada usuário, seja pela ação dos algoritmos. Na teoria, a reação
a um conteúdo pode ser mais ativa, com tantas opções dispo-
níveis; na prática, percebemos que, para o jovem, é difícil – e
nem sempre desejável – romper a passividade. Se por um lado
os participantes dos grupos focais reconheceram a necessidade
de “conhecer outras bolhas”, por outro, ao evitarem temas polê-
micos, demonstraram receio quanto ao que isso possa resultar.
Para eles, interagir tornou-se um ato natural e cotidiano
para a geração que já cresceu em contato com as redes na web.
Percebemos que, em determinadas situações, eles interagem sem
se dar conta de que o que fazem é interagir. Num dos grupos
focais realizados, quando a mediadora perguntou se os partici-
pantes costumavam interagir com as notícias, nas redes, um deles
disse: “Como assim?”. Só quando foram mencionados exemplos
como curtir, mandar o conteúdo para outra pessoa ou comentar,
esse e outros integrantes acenaram com a cabeça, num gesto de
compreensão quanto ao que desejávamos saber.
Se por um lado interagir é ação corriqueira, por outro nos
surpreendemos com o quanto essas interações podem ser tímidas,
em relação a questões políticas da atualidade. Observamos que
as interações reativas a um estímulo (PRIMO, 2000), como curtir
uma notícia, são mais utilizadas do que aquelas caracterizadas
por uma participação mais complexa, envolvendo processos de
negociação, por exemplo debater uma notícia. Como relatado,
alguns jovens admitiram que, quando acham que um tema pode
suscitar discussão, deixam até de compartilhar conteúdos para
evitar embates. Eles demonstraram particular repulsa a discutir
com desconhecidos, representados na fala dos jovens ouvidos
pela figura do “tio de alguém”.

111
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

Os resultados da pesquisa, em cruzamento, com outros dados


disponíveis, remetem a um quadro complexo. Como indica a
Pesquisa Brasileira de Mídia (BRASIL, 2016), os jovens não leem
jornais impressos, mas usam a Internet e as redes sociais com
grande frequência para o consumo de notícias. Nossa pesquisa
confirmou que eles interagem o tempo todo com o conteúdo que
acessam, mas na maior parte das vezes não utilizam todo o poten-
cial dos processos interativos que têm à disposição. Os jovens
valorizam a tecnologia e suas redes de relacionamento, na web,
mas desconfiam das relações que estabelecem ali: temem que
suas opiniões sejam usadas contra eles, seja no ambiente on-line
(onde se esforçam pela construção de imagem positiva) ou off-line
(citaram, por exemplo, o ambiente de trabalho).
Num contexto em que a liberdade de expressão é potencia-
lizada pelas mídias digitais, a juventude nos parece demandar o
que estamos chamando de uma moratória cultural – um tempo
demandado para conseguirem constituir e solidificar seus conhe-
cimentos e suas opiniões sobre um mundo que se transforma
num ritmo frenético. Essa construção de opinião se dá, em
grande medida, por meio das próprias redes sociais, tanto no
consumo de notícias e opiniões, como das práticas interativas
envolvidas nesse processo.
Partindo do conjunto de reflexões reunidas a partir dos
depoimentos dos grupos focais, buscamos uma nova amostra
para retomarmos a investigação, desta vez já amparados por um
outro conceito teórico-analítico, o de letramento midiático e
informacional. Partindo desse novo marco conceitual, detalhado
a seguir, fomos construindo também novas estratégias metodo-
lógicas para investigar hipóteses levantadas nas pesquisas ante-
riores e, ao mesmo tempo, oferecer algum tipo de contribuição
aos jovens que colaboravam conosco.

Marco conceitual
O primeiro documento internacional ressaltando a impor-
tância de uma educação para as mídias foi a Declaração de
Grünwald, produzido em 1982. Assinado por educadores, comu-

112
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

nicadores e investigadores de 19 países, reunidos na Alemanha,


é considerado um marco no desenvolvimento do que viria a ser
reconhecido, quase três décadas depois, como letramento ou
alfabetização midiática e informacional (AMI). 
A partir daí, muitos outros documentos e iniciativas
buscaram sistematizar e incentivar práticas e políticas voltadas
à leitura crítica e ao uso dos meios para uma cidadania ativa.
Apesar da diversidade de termos que o campo abrange, nos
documentos da Comunidade Europeia se consolidou a expressão
media literacy, enquanto a Unesco passou a adotar media and infor-
mational literacy (MIA).
Um dos esforço para consolidar o conhecimento em torno
do tema foi realizado em 2009, a pedido da Comissão Europeia. O
Study on Assessment Criteria for Media Literacy Levels (CELOT;
PEREZ-TORNERO, 2009) sistematiza um quadro de referência,
em forma de pirâmide, para identificar não só os níveis, mas
também os fatores que influenciariam o letramento, dividin-
do-os entre ambientais e individuais. Um aspecto importante do
estudo é a relação que estabelece entre ambos e a conclusão de
que só quando os fatores ambientais são encontrados de forma
satisfatória é que as competências individuais passam a ser efeti-
vamente determinantes.
Igualmente importante é a relação entre competência midiá-
tica e informacional e cidadania ativa. Embora reconheça a impor-
tância de políticas públicas voltados para o letramento, o estudo
também aponta a importância do papel de outros atores sociais,
incluindo a sociedade civil e a própria indústria midiática. 
Dessa perspectiva derivam as duas dimensões básicas do
mapa conceitual: fatores ambientais, que incluem a disponibili-
dade da mídia e o contexto de letramento midiático, e compe-
tências individuais. Embora os fatores ambientais, que, como
assinalado, estão na base, dependam de esforços conjuntos, as
competências individuais podem ser desenvolvidas tanto em
programas formais quanto em iniciativas pontuais, uma longa e
profícua tradição desenvolvida no Brasil por instituições e cole-
tivos ligados à comunicação popular e contra-hegemônica. 
Inspirados por esse movimento, que se inicia no Brasil nos
anos 1960, na esteira das pesquisas e ações de Paulo Freire, conce-

113
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

bemos uma nova pesquisa cujo objetivo era não apenas observar,
mas também intervir sobre os níveis de competência midiática
da amostra. Também optamos por trabalhar com um grupo mais
juvenil e com menos conhecimento das estruturas midiáticas. 
Iniciamos, assim, a pesquisa “Juventude e midiatização: usos
e apropriações das mídias a partir do cotidiano escolar”, também
desenvolvida em duas etapas. A primeira teve como campo o
Colégio Pedro II, unidade Niterói (na área metropolitana do Rio
de Janeiro), uma escola pública de referência, que atende exclu-
sivamente a jovens do Ensino Médio, em dois turnos. O fato de
congregar esses dois aspectos – gratuidade e ensino de qualidade
– atrai estudantes de diferentes origens sociais e localizações,
embora funcione numa zona periférica da cidade.
Nossa estratégia investigativa compreendeu três tipos de
técnicas: a pesquisa documental, o questionário e a pesquisa
empírica qualitativa. Pretendíamos complexificar o referencial
europeu para a avaliação dos níveis de letramento midiático
(CELOT; PEREZ-TORNERO, 2009), correlacionando variáveis
de ordem demográfica e cultural aos parâmetros definidos no
mapa conceitual. Partindo do arcabouço teórico europeu, inves-
tigamos como os alunos enxergam os conteúdos e as estruturas
midiáticas e o que essa percepção nos diz sobre a relação entre
mídia e democracia.
O principal instrumento de coleta de dados qualitativos foi
a observação participante, a partir de uma oficina de produção
e leitura crítica da mídia oferecida gratuitamente aos alunos da
unidade, e realizada em oito encontros no contraturno das aulas,
entre outubro e novembro de 2018. A partir do convite, feito
através de cartazes, obtivemos mais de 20 inscrições por e-mail,
mas apenas 15 alunos se apresentaram para a atividade, dos
quais 13 a concluíram.
A investigação contou com a participação de 11 pesqui-
sadores, que atuaram na condução da oficina e na observação
dos informantes, produzindo notas de campo. Nossa estratégia
foi estruturada para a ação: enquanto debatíamos exemplos de
notícias, gêneros jornalísticos e processos de produção, encami-
nhávamos o trabalho de reportagem, propriamente, que os estu-
dantes realizaram como culminância da oficina. O formato esco-

114
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

lhido por eles, um programa de rádio, foi fruto da discussão do


grupo e fazia parte de uma proposta do próprio grêmio escolar
de implantar uma rádio.
Boa parte das atividades propunha algum tipo de produção
escrita ou oral, o que nos possibilitou recolher um número
considerável de informações para análise sobre as competências
midiáticas individuais. Além disso, contamos com os dados do
questionário, cujo objetivo era recolher informações sobre o
perfil sociodemográfico dos participantes, disponibilidade e uso
de mídias.
Complementamos nossa busca de informações a partir de
pesquisas sobre envolvimento da indústria midiática, existência
de regulação e investimento da sociedade civil no processo de
letramento midiático. Também entrevistamos integrantes do
corpo docente e da direção da escola, para entender o investi-
mento em recursos pedagógicos sobre a compreensão crítica da
mídia na escola, que pudéssemos relacionar ao letramento midiá-
tico naquele contexto particular.
Nossa principal observação foi a de que o grupo possuía
uma boa habilidade para realizar leituras críticas, mas não
conhecia o funcionamento das estruturas midiáticas, nem os
processos que regem a produção de notícias. A crítica à mídia,
nesse sentido, vinha não apenas da capacidade de desconfiar
dos conteúdos, mas também da falta de conhecimento sobre
como são produzidos. 
Vale a pena destacar, também, que parte da desconfiança dos
jovens observados em relação à mídia gerava bastante ansiedade,
em consonância com os achados de outra pesquisa do gênero
(NATIONAL s/d), realizada no Reino Unido, resvalando, em
muitos casos, em um total descrédito sobre a mídia tradicional.
Num dos primeiros encontros, quando perguntamos sobre
fontes confiáveis de informação, alguns informantes citavam
veículos não profissionais. À medida que avançamos na oficina,
eles passaram a considerar que, embora os veículos tradicionais
precisem de mais transparência e ética, também são regidos por
critérios objetivos e padrões de conduta profissional.
Sobre os dados obtidos, cabe observar que a situação dos
jovens – urbanos, de classe média, num colégio de referência

115
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

–, o perfil etário (a maioria entre 15 e 16 anos), e a forma


de recrutamento impunham alguns limites. Não seria possível
ampliar os resultados para outros estratos sociais, o que nos
incentivou a buscar outras configurações escolares em etapas
posteriores da pesquisa
Buscamos, então, a parceria do Colégio Estadual Pinto
Lima (Ceplim), localizado no centro do município de Niterói.
Além de verificar a relação entre contexto e competências indi-
viduais, correlacionando o resultado com variáveis demográficas
e culturais, nos propomos a observar como um tema especifi-
camente ganharia sentidos na fala dos observados: a própria
condição juvenil. A tematização da condição juvenil já aparecia
com destaque na etapa anterior da pesquisa, de onde pudemos
concluir que havia uma percepção da importância da juven-
tude enquanto ator político. Um dos depoimentos, expressos
no relatório, resumia essa posição: “Eu não vejo nenhum adulto
querendo mudar o mundo” (FELIX, 2019, p. 31). À pergunta
sobre relação entre o letramento e uma participação informada
e uma cidadania ativa nos pareceu pertinente acrescentar outra
questão: como ambos estão imbricados com as percepções dos
jovens sobre sua própria condição na sociedade?
Nosso critério de seleção do campo se deu justamente em
função da necessidade de uma amostra diversa da anterior. Deci-
dimos buscar um colégio estadual também localizado no muni-
cípio de Niterói, e a partir de contatos feitos com a equipe peda-
gógica chegamos ao Colégio Estadual Pinto Lima (Ceplim).
Embora tenhamos solicitado algumas vezes, não tivemos
acesso ao Projeto Político-Pedagógico (PPP) da instituição, mas
realizamos entrevistas com a direção e algumas conversas infor-
mais com os professores antes de iniciar o trabalho. Entre as
informações colhidas, nos chamou atenção o relato dos profes-
sores sobre o desinteresse dos estudantes e o desalento da direção
em relação à continuidade dos estudos dos egressos. Boa parte,
ao deixar a escola, entra para o mercado de trabalho em ocupa-
ções de baixa remuneração, em geral no comércio local, e sequer
tenta ingressar na universidade.
Consideramos, nesse sentido, que nossa intervenção seria
importante não apenas enquanto pesquisa, mas também como

116
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

forma de aproximação da universidade de um público com


pouco ou nenhum acesso a ela. Assim iniciamos o recrutamento
dos participantes entre os estudantes do Ensino Médio, que se
dividem em oito turmas, todas no turno da manhã. Visitamos o
colégio em duas ocasiões, fazendo o convite pessoalmente em
cada turma, com a anuência dos professores, e solicitando que os
interessados deixassem seu nome e contato numa folha de inscri-
ções, que recolhemos ao final das aulas. Considerando as três
séries do Ensino Médio, tivemos pouco mais de 20 inscrições.
Procuramos seguir as características do processo sistemati-
zado na primeira pesquisa, no Colégio Pedro II, com a expecta-
tiva de que poderíamos fazer adaptações para atender ao grupo.
Mantivemos, por exemplo, a lógica de realizar as oficinas no
contraturno das aulas, na parte da tarde, logo após o almoço,
a fim de evitar a dispersão dos estudantes. No primeiro dia
da oficina, no entanto, apenas um dos inscritos se apresentou
no local marcado, apesar de a direção ter se comprometido a
lembrar todo o grupo do compromisso.
Dado o desenho metodológico proposto, não foi possível
descobrir a causa ou causas do desinteresse ou da impossibili-
dade de participação dos estudantes que se inscreveram espon-
taneamente. Em conversas informais com os alunos mapeamos
algumas pistas, sendo a mais importante delas o horário. Como
uma parte considerável dos alunos já trabalhava no contraturno,
em empregos tradicionais ou no programa Jovem Aprendiz, não
poderia ficar depois da aula, revelando que o mundo do trabalho
é uma mediação importante na constituição da condição juvenil
(DAYRREL, 2007). A falta de professores, que deixaria os alunos
livres mais cedo, a realização de cursos de capacitação à tarde
ou mesmo a proibição dos responsáveis foram outros motivos
apontados.
Também nos ocorreu que os alunos não tivessem entendido
a proposta ou percebido um ganho concreto na participação da
oficina. Por fim, não podemos descartar a falta de interesse em
estudar e aprender sobre a mídia. Vale lembrar que no primeiro
colégio estudado, boa parte dos estudantes tinha a pretensão de
ingressar na faculdade e seguir alguma carreira ligada ao campo
da comunicação. Ou ao menos pensava em fazer o Enem, consi-

117
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

derando a oficina, então, uma forma de se preparar para o exame. 


Diante da visível desistência do primeiro grupo recrutado, a
escola nos apresentou uma opção: oferecer a oficina a um grupo
de estudantes do 8º ano que estava momentaneamente sem aulas
nos dois primeiros tempos, às terças-feiras, em função da falta
de professor de matemática. Apesar de não haver aulas, havia
um número significativo de alunos que ia à escola no horário
regular, almoçando e permanecendo no pátio até o início do
terceiro tempo.
Uma das características da escola escolhida era um índice
importante de alunos com defasagem na relação idade/série.
No 8º ano, muitos estudantes já haviam completado os 15 anos,
ingressando, formalmente, na fase da juventude. Diante dessa
constatação e da possibilidade de fazer uma primeira apro-
ximação entre a universidade e a escola, decidimos iniciar o
trabalho, conscientes de que os dados gerados não seriam passí-
veis de uso comparativo com a outra amostra.
Dos 20 alunos que aceitaram o convite para participar da
oficina, cinco já haviam completado os 15 anos e uma tinha
17 anos. Os outros estavam entre 13 e 14 anos. A maior parte
do grupo, portanto, não se encaixava na fase da juventude, no
sentido jurídico. Do ponto de vista empírico, no entanto, obser-
vamos algumas especificidades que poderiam problematizar essa
conceituação, como a presença de uma gestante ou de outra estu-
dante que já não morava com os pais, embora dependesse econo-
micamente deles.
Embora nossa proposta seja a de promover uma Educação
Midiática, dado o caráter pontual da oficina, nos dedicamos a
um universo midiático em particular, o do jornalismo. Assim,
todo o conteúdo apresentado foi retirado de reportagens, posta-
gens, notícias e outros gêneros do jornalismo. Nossas primeiras
impressões a respeito do público nos sugeriram algumas adap-
tações no conteúdo e formato da oficina, para contemplar estu-
dantes mais jovens e falantes. 
Percebemos que a distância entre o tema proposto – o
universo jornalístico – e nosso público era bem significativa.
Não que estivessem isolados do que ocorre no mundo. Através
de diferentes mediações – mensagens no Whatsapp, conversas

118
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

na escola, comentários em família, notícias nos telejornais – se


informavam e eram informados sobre o noticiário. Mas isto não
significava que se interessassem sobre os modos pelos quais essas
informações se tornavam notícias e chegavam até eles. 
Isso não quer dizer que houvesse desinteresse pelo jorna-
lismo e sua relação com o espaço público. Os estudantes perce-
biam que o exercício de uma cidadania comunicativa represen-
tava uma possibilidade de intervenção no espaço escolar. Discutir
mídia, nesse sentido, era dar forma aos embates cotidianos em
torno de suas demandas, reconhecendo a assimetria nas relações
e as lógicas a partir das quais poderiam definir suas estratégias.
A possibilidade de uma intervenção social via cidadania comuni-
cativa, no entanto, era relativizada por uma percepção de fragili-
dade da própria condição juvenil.
Como afirma Martín-Barbero (2002), a despeito do maior
acesso à educação e meios, os jovens continuam a ser vistos
mais como pacientes do que como agentes no espaço público.
Uma situação que se agrava em períodos de crise, como os que
vivemos no Brasil desde meados dos anos 2010. Conforme reite-
rado por diversas pesquisas, “conjunturas econômicas desfavo-
ráveis tendem a atingir com mais intensidade a ocupação dos
jovens, que também leva maior tempo para se recuperar poste-
riormente” (SOCIETY..., 2016, apud IBGE, 2020).
Pesquisar a relação entre mídias e jovens nos ajuda a conhecer
melhor um universo que do ponto de vista numérico e simbólico
nos aponta para o futuro. Nesse sentido, os modelos e estereó-
tipos a partir dos quais essa relação é representada na cultura e na
mídia não expressam os desafios que sujeitos e sujeitas concretos
enfrentam para exercer sua cidadania. 
A pesquisa nos mostrou também um pouco mais sobre os
desafios do letramento midiático junto a esse público, sobre-
tudo os gaps encontrados e as possibilidades e modalidades de
intervenção. Estratégias de letramento devem considerar novos
formatos de aprendizagem, como jogos e quizzes, mas também
podem ser combinadas com modelos tradicionais, como aulas
expositivas.

119
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

[1] Participaram da investigação Carla Baiense – doutora (coordenadora);


Larissa Morais – doutora; Helen Britto – doutoranda; Maria Cristina
Guimarães Rosa – mestra; Patrícia Fernandes Viana Franco Castro
– mestra; Victor Rocha Nascimento – mestrando; Marcella Tovar –
mestranda; Luiza Gould – mestranda; Igor Simões – graduando (bolsista
PIBIC); Victor Gabry – graduando; Bruna Leite – graduanda. A etapa de
finalização do rádio jornal, realizada como produto da oficina, contou com
o trabalho do técnico em áudio Marcelo Santos, que participou dos dois
últimos encontros e fez a sonorização do produto entregue aos alunos.

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123
Laccops:
caminhos metodológicos para uma
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e da transformação social
Patrícia Gonçalves Saldanha
Pablo Nabarrete Bastos

1. Introdução

O princípio estruturante do conceito de Publicidade


Social pesquisado e desenvolvido pelo Laccops1 baseia-
-se na retomada de seu sentido originário do próprio fundamento
da Publicidade: “tornar algo público” (SALDANHA, 2019). No
entanto, este não é o único ponto de partida para apreender
esse eixo de pesquisa, já que há perspectivas epistemológicas
divergentes em relação ao entendimento sobre o assunto, como
aprofundaremos no decorrer deste capítulo. Se, por um lado, há
correntes que perscrutam o viés social da comunicação publici-
tária alinhando-se aos preceitos do Marketing Social, por outro,
há uma corrente formada por diversos pesquisadores engajados,
na acepção crítica e reflexiva do termo (BASTOS, 2020a).
Nota-se, portanto, que dois caminhos epistemológicos anta-
gônicos disputam o sentido sobre Publicidade Social. Numa
ponta reverberam-se temáticas sociais em suas produções, como
é o caso das conceituações desenvolvidas e sustentadas nas inicia-
tivas realizadas nos Estados Unidos e na Espanha. Nesse viés,
geralmente, seus criadores têm pouca ou nenhuma proximidade
com a causa divulgada, pois o interesse prioritário das veicula-
ções é valorizar positivamente a reputação da marca institucional
do cliente anunciante.
Na outra extremidade, evidenciam-se as causas dos movi-
mentos sociais e dos direitos humanos que passaram a se inte-

1
Laboratório de Investigação em Comunicação Comunitária e Publicidade
Social.

124
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

ressar em compreender como a interface de técnicas publici-


tárias com as práticas cidadãs contribuiu para reconfigurar a
comunicação publicitária, que também passou a ser compre-
endida pela ótica contra-hegemônica, na perspectiva original
de Raymond Williams (1979). Para o autor galês, a hegemonia
como processo, com estruturas internas complexas, precisa
ser continuamente renovada e recriada. Ainda conforme
Williams, a hegemonia “sofre resistência continuada, é desa-
fiada por pressões que não são as suas” (p. 115), por isso a
necessidade de acrescentar os conceitos de contra-hegemonia
e hegemonia alternativa, enquanto fundamento para o avanço
de nossas investigações.
Foi justamente a correlação desses conceitos com o de
comunidade que originou a reflexão sobre Publicidade Comu-
nitária que, mais tarde, impulsionou os estudos sobre Publici-
dade Social. Logo na virada para o novo século, a publicação
da dissertação de mestrado intitulada “Publicidade Comunitária:
uma nova possibilidade de ser publicitário” (SALDANHA, 2002),
sob a orientação da professora Raquel Paiva, deu início a uma
nova angulação para a pesquisa em Publicidade. Desde então,
a práxis dos estudos sobre a atividade publicitária pautados na
vertente contra-hegemônica foram desenvolvidos no Laboratório
de Estudos em Comunicação Comunitária (LECC-ECO/UFRJ)2.
Em 2009, após ingresso da pesquisadora da Universidade Federal
Fluminense (UFF), alguns projetos iniciados na ECO/UFRJ
tiveram continuidade (Projeto Caravelas) no Departamento de
Comunicação da UFF e, paralelamente, temáticas novas come-
çaram a ser realizadas e apresentadas em eventos acadêmicos
nacionais e internacionais.
Mais precisamente em 2011 houve uma retomada do
projeto, dessa vez intitulado “Levanta Caravelas!”, com o viés
da comunicação comunitária voltado apenas para os aspectos
publicitários. Concomitantemente, um desafio da vida prática
cotidiana se impôs aos estudos sobre Publicidade Comunitária
até então desenvolvidos e, justo aí, toda a base conceitual foi
repensada. O projeto desencadeador dessas mudanças foi o
2
Laboratório de Estudos em Comunicação Comunitária – Escola de
Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

125
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

lançamento de uma campanha publicitária convidando a socie-


dade civil para participar de uma ação que tinha como objetivo
dar robustez a uma petição pública com um número significativo
de assinaturas de cidadãos comuns para impedir o fechamento
do Instituto Benjamin Constant. Naquela altura, a participação
da comunidade envolvida “na” e afetada “pela” causa não seria
suficiente para que chegássemos a resultados concretos e conti-
nuidade do instituto. Resumidamente, o Estado propôs renovar
o Plano Nacional de Educação (PNE) para o período de 2011
a 2020. No plano, a Meta 4 tinha como objetivo universalizar o
atendimento escolar aos estudantes de 4 a 17 anos com neces-
sidades especiais, inclusive os que tinham transtornos globais
e altas habilidades ou superdotação. A ideia era transferir os
alunos para a rede pública convencional, aglomerando-os em
turmas regulares de ensino, dessa vez sem a presença das mães
que, por sua vez, eram acolhidas pelo instituto até os filhos
obterem autonomia para deslocarem-se no espaço físico. Obje-
tivamente, naquele momento o quadro era o seguinte: quase
3.000 assinaturas e duas semanas para chegar a 10 mil, ou o IBC
seria fechado. Foi aí que a turma de Realização de Campanha
(2011.1) entrou no circuito e no decorrer das semanas produ-
zimos e implementamos diversas ações não só para comunicar
o problema, mas para engajar e convocar a sociedade civil para
participar do projeto de mudança. Fizemos passeatas, ações de
guerrilha, buscamos visibilidade em jornais de grande circu-
lação, publicamos vídeo no YouTube e angariamos apoio no
próprio Congresso. Resultado: pulamos de quase 3.000 para
50.897 assinaturas no limite do tempo estipulado, e o IBC segue
em atividade (SALDANHA, 2018).
A efetividade da ação era urgente, pois o fechamento do
instituto afetaria dezenas de famílias que, por seu turno, impacta-
riam em outras dezenas de famílias e assim por diante. Percebeu-
-se, naquele instante, que não se tratava de uma prática publi-
citária voltada a dar visibilidade à causa comunitária ou a uma
comunidade em si, mas de uma causa que poderia atingir, em
alguma medida, uma parcela significativa de toda a sociedade,
em efeito cascata. Foi aí que decidimos envolver a sociedade civil
na resolução de uma causa, que também passou a ser dela. E

126
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

é nesse sentido que o caráter contra-hegemônico torna-se mani-


festo pois,

Se na hegemonia gramsciana, o subalterno toma pra si


a causa do dominador como se fosse sua, aqui acontece o
contrário: envolve-se o cidadão comum na resolução de um
problema que, aparentemente não lhe pertence, como se
fosse seu. Esse tipo de publicidade usa as tecnologias digitais
para reverberar reivindicações internas [das comunidades]
e sensibilizar os membros da Sociedade Civil para a causa
divulgada (SALDANHA, 2019, p. 9).

Esse espírito demarcou o início dos estudos em Publicidade


Social na vertente que é trabalhada até hoje em nosso grupo
de pesquisa. Foi o ponto de partida que, há quase uma década,
impulsionou docentes e discentes3 para paulatinamente desen-
volver projetos que culminaram, anos depois, num time estru-
turado e oficializado como grupo de pesquisa certificado pelo
CNPq em 2014: o Laboratório de Investigação em Comunicação
Comunitária e Publicidade Social (Laccops).
Para nós, a publicidade social não é um tipo de contra-
publicidade, mas uma possibilidade metodológica para a
promoção de transformações concretas do/no espaço social.
Ora seguindo a trilha da contra-hegemonia, ora construindo
alternativas capazes de operar em outra lógica, desvenci-
lhadas das opções vigentes e funcionando num viés não hege-
mônico, ou seja, à margem das práticas dominantes, mas sem
necessariamente se contrapor diretamente a elas, ou a seus
processos e lógicas correspondentes. A proposta de Publici-
dade Social4 trabalhada pelo Laccops possibilitou sistema-
tizar as tipificações conceituais que permitiram desenvolver,
testar e inovar metodologias eficazes para a implementação de
projetos com propostas de soluções ligadas a situações factuais
do cotidiano.

3
O grupo era formado por professores e estudantes de graduação do Curso
de Publicidade da UFF.
4
Conceito guarda-chuva com a seguinte tipificação: Publicidade Social
Afirmativa, Publicidade Social Comunitária, Publicidade Social de Causa,
Publicidade Social de Interesse Público e Publicidade Social Transversal.

127
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

Nesse sentido, trabalharemos o presente capítulo em três


partes: inicialmente discorreremos sobre a história do grupo
de pesquisa incluindo a atuação dos integrantes nucleares na
estrutura que viabiliza seu fluxo de funcionamento, além de
apresentarmos as pesquisas centrais desenvolvidas desde o
credenciamento do grupo no CNPq. Em seguida, debateremos
as perspectivas conceituais que estruturam a construção epis-
temológica e metodológica que fundamentam as investigações
desenvolvidas pelo laboratório, recentemente contemplado pelo
edital da FAPERJ5 – “Apoio a Grupos Emergentes de Pesquisa
do Estado do Rio de Janeiro”. Por fim, após a discussão teórico-
-metodológica, refletiremos sobre as possibilidades de projetos
futuros em consonância com o Programa de Pós-Graduação em
Mídia e Cotidiano da UFF.

2. Nossa História, nossa caminhada, nossa estrutura


Seguindo nessa trilha, já em 2013, iniciamos o processo
de internacionalização com a implementação da mesma
dinâmica desenvolvida no “Levanta Caravelas!”, em duas
etapas, no arquipélago São Tomé-Príncipe, no continente
africano. Na primeira, a professora Patrícia Saldanha desen-
volveu várias oficinas de capacitação para os agentes locais
abordando a estrutura da comunicação publicitária para os
canais de televisão e rádio locais e finalizamos a missão com a
realização de quatro planejamentos estratégicos direcionados
aos negócios locais e apresentados oficialmente na embaixada
brasileira. Na segunda missão, realizamos os planejamentos
anteriormente finalizados e produzimos diversas campanhas
publicitárias com base nos princípios da Publicidade Social,
que já avançava nos estudos brasileiros realizados na UFF.
Após o retorno da segunda missão realizada no “Projeto São
Tomé e Príncipe Plural: sua gente, sua história, seu futuro”,
com base no acúmulo de experiências práticas, iniciou-se a
redação para a construção do Grupo de Pesquisa, finalizada

5
Edital 14/2019 – Apoio a Grupos Emergentes de Pesquisa do Estado do Rio
de Janeiro. Processo nº E-26/010.002166/2019.

128
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

por Patrícia Saldanha, que seria submetido para aprovação.


Naquele ano, o ingresso de Guilherme Lima na UFF foi funda-
mental para iniciar a estruturação da parte audiovisual, que
passou a compor o projeto logo após sua aprovação. O intuito
foi construir estratégias alternativas para produções práticas
perfiladas à perspectiva teórica de Publicidade Social, que
também estava em construção.
E em fevereiro de 2014 as propostas iniciais do Laccops
foram aprovadas tanto pelo departamento de Comunicação
Social (GCO) como pelo Programa de Pós-Graduação em Mídia
e Cotidiano (PPGMC-UFF). Oficializou-se o primeiro grupo
dedicado à Pesquisa em Publicidade Social numa vertente
brasileira contra-hegemônica com a certificação pelo CNPq: o
Laccops. Desde então, enfatizamos e aprofundamos as investiga-
ções sobre publicidade social com pesquisas teóricas e empíricas
e um investimento de tempo hercúleo, ainda que com poucos
componentes. Num curto espaço de tempo novos professores
constituíram o “núcleo duro” do Grupo de Pesquisa e todos têm
um eixo comum que move a participação coletiva no labora-
tório. Outro ponto relevante é considerar que cada pesquisador
se mantém em pleno envolvimento com seus próprios projetos
de pesquisa que dialogam com o grupo. Nesse sentido, retoma-
remos o percurso e a participação docente na estruturação do
nosso grupo de pesquisa.
Um dos pontos fortes da atuação do pesquisador Guilherme
Lima foi implementar capacitações que instrumentalizassem os
agentes de microespaços para que pudessem protagonizar suas
próprias narrativas. As oficinas e os cursos de curta duração
sobre produção audiovisual que se destacaram nos últimos
tempos priorizaram o uso de dispositivos móveis como ferra-
menta crucial para a captação de imagens. Uma das experiências
de grande impacto, intitulada “Produção Audiovisual com smar-
tphone: criação de conteúdo visando uma Publicidade Social”,
foi parte das atividades do 42º Congresso Brasileiro de Ciências
da Comunicação, Universidade Federal do Pará, o Intercom
2019. A última contribuição, antes do seu desligamento no início
de 2021, foi a organização do banco de dados audiovisual que
alimenta o canal do Youtube do Laccops, bem como as redes

129
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

sociotécnicas do grupo de pesquisa, além das transmissões ao


vivo que ficaram sob sua coordenação.
No final de 2016, logo após ingressar no Departamento
de Comunicação Social da UFF, Pablo Nabarrete Bastos passou
a fazer parte do Laccops. O pesquisador vinha de trajetória
marcada por pesquisas com movimentos sociais: o Movimento
Hip Hop, no mestrado (2008), e o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) (2015), no doutorado, ambos cursados
na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São
Paulo, com destaque para as discussões sobre comunicação
popular, hegemonia e contra-hegemonia. Logo que chegou, o
laboratório tinha sido contemplado no edital da Secretaria de
Cultura do Estado do Rio de Janeiro para realizar o Projeto
“Publicidade Comunitária: uma produção coletiva entre a juven-
tude do Morro da Providência e a Juventude da Laccops”. O
projeto “Provi Criativa: A melhor visão do Morro”, assim deno-
minado pelos estudantes participantes do Laccops, fez parte
do programa “Territórios Culturais RJ e Favela Criativa”. O
projeto foi realizado com o patrocínio da Secretaria de Cultura
do Estado do Rio de Janeiro, a Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel) e a Light. Realizamos oficina de audiovisual,
sob a coordenação do professor Guilherme Lima, na qual o
conteúdo do vídeo foi criado e produzido por aparelho celular,
com a participação de três turmas com sete alunos cada, tota-
lizando 15 vídeos produzidos por jovens do Morro da Provi-
dência e do Colégio Estadual Dom Walmor, localizado no
município de Nova Iguaçu, orientados por professores e estu-
dantes do Laccops em parceria com o corpo docente da escola.
Foram sete projetos do Morro da Providência contemplados
pelas oficinas de audiovisual: Epicentral, Galeria Providência,
Rolé dos Favelados, Providenciando Vidas, Cineclube Revo-
lucionário, Meu Cantinho Verde e Impacto das Cores. Essas
atividades fizeram parte do projeto do Laccops contemplado
com o edital; as ações com o Morro da Providência estavam
alinhadas por meio de campanhas de publicidade comunitária
e social desenvolvidas pela AÊ!UFF!, a agência experimental da
UFF, coordenada por Patrícia Saldanha e Pablo Nabarrete, com
suporte audiovisual de Guilherme Lima. As pesquisas desenvol-

130
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

vidas no Laccops alimentam a metodologia da AÊ!UFF e vice-


-versa (BASTOS; SALDANHA, 2018).
Mais recentemente os professores Rômulo Normand Correa,
do curso de Jornalismo, e Andréa Hecksher, do curso Comu-
nicação Social – Publicidade e Propaganda, da UFF, também
passaram a compor o Núcleo do Laccops. Ambos os professores
trouxeram contribuições inestimáveis ao laboratório na área
de Imagem, tanto no conhecimento técnico como na produção
científica, Rômulo na área da Fotografia e Andréa Hecksher na
Direção de Arte.
Na perspectiva do pesquisador Rômulo Correa, a produção
de imagens de grupos sociais constitui também sua produção
de memória visual e reforça aspectos relacionados à identidade.
O grupo tem o controle da produção das imagens que os repre-
sentam e que constituem sua própria identidade. As imagens
servem como reflexo para o mundo exterior, mas também
como um espelho do próprio grupo. As imagens servem para
propagar a identidade do grupo, ao mesmo tempo em que a
reafirmam internamente. Esse pressuposto é utilizado em nossas
pesquisas externas, mas também será utilizado internamente,
pois pretende-se organizar todo o arquivo de imagens (fotogra-
fias, produção audiovisual e artes gráficas) produzidas ao longo
da existência do Laccops para termos a real dimensão de nossa
identidade visual e o controle de nossa memória. Memória
entendida não apenas como a salvaguarda do passado, mas
como um instrumento do presente: olhar para o passado para
resolver os desafios do futuro.
Andréa Hechsher assumiu o Núcleo de Direção de Arte e
direciona sua experiência em pesquisa e criação para projetos de
comunicação comunitária e publicidade social, além de cuidar
da identidade visual do laboratório. Seguindo o conceito de
Publicidade Social desenvolvido no Laccops, atua na orientação
e trabalho junto ao grupo de alunos, não só na produção, mas
na análise de elementos constituintes da mensagem visual em
diferentes mídias: percepção, experimentação e criação visual.
A pesquisadora destaca que sua atuação no laboratório envolve:
estimular o engajamento dos envolvidos em dinâmicas voltadas à
leitura crítica; os diálogos com as comunidades e representantes

131
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

locais dos projetos em andamento; a análise das imagens/mensa-


gens divulgadas pelos meios de comunicação, suas propagações e
as motivações que levam ao compartilhamento; compreendendo,
dessa forma, como tudo isso pode afetar o indivíduo, uma comu-
nidade ou toda a sociedade.
Podemos dizer que a pesquisa inaugurada em 2002 se forta-
leceu com a participação de um coletivo que envolve atualmente
cinco docentes fixos da UFF, além de doutorandos, mestrandos,
estudantes de graduação e egressos, que permanecem em cola-
boração produtiva com a proposta do laboratório, enquanto
têm suas matrículas ativas, e de egressos que permanecem em
atividade. Um dos destaques que tem grande relevância no
percurso do Laccops é a recém-doutora Tatiane Mendes, egressa
de mestrado do PPGMC. Como serão vistos à frente, os recentes
trabalhos de produção de conteúdo digital na perspectiva jorna-
lística tiveram, em grande medida, sua contribuição, principal-
mente em tempos de pandemia.
Importante ressaltar que o Laccops tem por objetivo forta-
lecer a pesquisa em Comunicação Comunitária, com ênfase na
Publicidade Social, a partir de experimentações e inovações
metodológicas que viabilizem transformações sociais vinculadas
a projetos concretos. Para tanto, nos reunimos mensalmente
no Geccops6, em período letivo, para incrementarmos nossos
estudos teóricos, bem como as reflexões sobre métodos de
pesquisa cabíveis a nossa realidade. Nossa programação pedagó-
gica é semestralmente publicada no site oficial, como uma forma
de divulgarmos o que estamos estudando e costumamos acolher
ouvintes que queiram participar de nossas discussões. Geral-
mente, são alunos de outros cursos da própria UFF ou mesmo
representações dos movimentos sociais. Ou seja, é uma possibili-
dade de fomentarmos a pesquisa empírica que, por conseguinte,
fortalece a pesquisa-ação enquanto pesquisa participativa e inclu-
siva que reflete o espírito de nossas investigações.

6
“Grupo de Estudos do Laccops”, geralmente vinculado a uma disciplina de
tópicos especiais que é ministrada pelos professores em sistema de rodízio e,
portanto, dá oportunidade aos alunos de dialogar com as propostas do grupo
de pesquisa e conhecer as diversas perspectivas de investigação, atendendo
graduação e pós-graduação.

132
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

Outra parte que consideramos essencial para nosso


avanço é a estrutura do grupo de pesquisa. Nesse sentido, nos
guiamos por nosso organograma com a divisão de responsabi-
lidades por professor e todas são unificadas pela linha institu-
cional do Laccops.

Figura 1 – Organograma Laccops

Fonte: elaboração estrutural, p. Saldanha, e elaboração de Direção de Arte,


A. Hecksher.

Na prática, nossa estrutura funciona da seguinte maneira:


durante o ano letivo desenvolvemos projetos concretos em
diálogo com a sociedade civil a partir das demandas da
própria sociedade e, paralelamente, nos reunimos no Geccops
para debater e refletir sobre os projetos em andamento ou
finalizados e em que medida houve ou não contribuição para
uma mudança social efetiva e, por fim, fazemos uma expo-
sição pública dos resultados. Para consolidar o processo do
que reconhecemos como uma pesquisa viva, produzimos cien-
tificamente de forma coletiva e individual com publicação de
artigos científicos em anais de congressos da área e com publi-
cação em periódicos qualificados.
O diálogo com a sociedade toma dois rumos: o primeiro
é a instrumentalização que ocorre todos os anos em oficinas e

133
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

cursos de curta duração, que podem ocorrer presencial ou remo-


tamente; a segunda, no evento “Mobilize-se”, que é organizado
por mesas formadas por representantes da sociedade civil, seja
de movimentos sociais ou ONG’s, por exemplo; por docentes
da UFF e pesquisadores convidados de outras universidades,
e por alunos de graduação ou de pós-graduação que tenham
participado efetivamente dos projetos ao longo do ano. Trata-se
de uma congregação dialógica, cuja periodicidade tem sido de
três anos consecutivos, com um ano de intervalo para balanço,
quando realizamos nosso seminário interno. A primeira edição
ocorreu em 2016, “Mobilize-se: a Publicidade Social na sua mão”;
a segunda em 2017, “Mobilize-se: Publicidade Social e re-exis-
tência”; e a terceira, em 2018, “Mobilize-se: Publicidade Social,
Emergência e Urgência”. No seminário interno em 2019, com
ampla participação de membros e convidados para a apuração
de resultados, foi exatamente o ano em que fomos contemplados
como Grupo de Pesquisa Emergente. Em 2020, na primeira
versão remota, tivemos a quarta edição do evento “IV Mobilize-
se: Cidadania e Equidade”, em parceria com o Intercom. Dessa
vez, financiado com verba pública.
Atualmente, temos um sistema de comunicação formado
por redes sociotécnicas que estão em ampla expansão, como
veremos mais à frente, uma mascote e uma premiação que vem
enriquecendo, de forma lúdica, a interação com discentes da UFF
e externos, além de ser uma forma de aumentar nosso diálogo
com os movimentos sociais. A mascote e o prêmio foram criados
na edição do Mobilize-se em 2018: “3º Mobilize-se: Publicidade
Social, emergência e urgência”. O nome Paulinho, uma referência
ao educador brasileiro Paulo Freire, referência fundamental para
nossas pesquisas sobre comunicação comunitária e publicidade
social, foi escolhido em votação popular. O objetivo principal
do Prêmio Laccops é dar visibilidade às propostas de reconfi-
guração das ferramentas e a inovação dos formatos ligados aos
projetos de Publicidade Social e de Comunicação Comunitária
que contemplem a transformação social de maneira inclusiva,
incluindo as pesquisas acadêmicas que buscam compreender
essas transformações.

134
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

Figura 2 – Post para escolha Figura 3 – Post de divulgação


do nome da mascote. do Prêmio Laccops.

Fonte: Facebook do Laccops. Fonte: Facebook do Laccops.

3. Perspectivas conceituais que estruturam a


construção epistemológica e metodológica do
Laccops
Os Estados Unidos inauguram a Publicidade Social para
divulgar os serviços públicos que atenderiam às necessidades da
população norte-americana. Historicamente, essa perspectiva da
publicidade está atrelada às duas Grandes Guerras Mundiais e,
portanto, se desenvolve em duas etapas: em tempos da I Guerra
Mundial, por volta de 1917, foi criado o Committee of Public
Information (CPI) pelo presidente norte-americano Woodrow
Wilson, que funcionou até 1919 e ajudou a propagar para a
população o envolvimento do país nessa guerra (LIMA, 2015).
O CPI usava técnicas publicitárias para disseminar mensagens
com ideais políticos em cartazes, panfletos, filmes e conteúdos
nos noticiários que equiparavam o “ódio ao inimigo” ao “amor
à pátria” gerando nos cidadãos o desejo de contribuir para o
sucesso da nação no decorrer da guerra.
Seguindo a lógica de propagação dos serviços governa-
mentais para a população, na época da II Guerra Mundial, no
então War Advertising Council (WAC), ou Conselho Publici-
tário de Guerra (CPG), iniciou-se o entendimento sobre o que

135
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

se consolidaria mais tarde como Publicidade Social. O propó-


sito dessa nova categoria de publicidade na década de 1940
era mobilizar a indústria da propaganda para dar suporte aos
esforços de guerra. Conquanto as primeiras campanhas incen-
tivassem a compra de títulos de guerra, bem como a conser-
vação dos próprios materiais de guerra (AD COUNSIL, 2020).
Com o fim da II Guerra Mundial, o entendimento do governo
estadunidense era que os fundamentos dessa publicidade
deveriam seguir na chamada Publicidade de Serviços Públicos
(Public Service Advertising). Foi nesse segundo momento que
os publicitários e executivos de meios de comunicação usaram
técnicas de comunicação publicitária para divulgar serviços
do governo. E, portanto, o Conselho Publicitário de Guerra
(antigo WAC) passou a se chamar Conselho Publicitário (Ad
Council) e começou a direcionar não só o termo Publicidade
Social para divulgar as agências governamentais, mas para
todos os tipos de anunciantes interessados em fortalecer sua
imagem institucional. Por isso, que nos

anos de 1950 as empresas atentaram para a importância


da imagem institucional positiva e foi nessa época
que a temática da Responsabilidade Social ganhou
destaque. Uma das primeiras conceituações para o termo
Responsabilidade Social foi demarcada por Howard Bowen,
em 1953 na publicação do livro ‘Social Responsabilities of
the Businessman’ (SALDANHA, 2019, p. 6).

A Responsabilidade Social significa “a obrigação social do


homem de negócios de adotar orientações, tomar decisões e
seguir linhas de ação que sejam compatíveis com os fins e valores
da sociedade” (MARCOS, 2005, s/p). De lá pra cá, várias atuali-
zações sobre o conceito foram pensadas desde a década de 1950,
inclusive as voltadas para o terceiro setor. Ou seja, a modalidade
começou a ser adotada por empresas, serviço público, movi-
mentos sociais etc.
Nessa mesma perspectiva segue o viés espanhol de
compreensão da Publicidade Social, que por sua vez se alinha às
noções de Marketing Social enquanto

136
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

ferramenta estratégica de marketing e de posicionamento


que associa uma empresa ou marca a uma questão ou causa
social relevante, em benefício mútuo, [...] é uma forma de
melhorar a imagem corporativa, diferenciando produtos e
aumentando tanto as vendas quanto a fidelidade (PRINGLE;
THOMPSON, 2000, p. 3).

Para o pesquisador espanhol Emilio Feliu Garcia, por


exemplo, a Publicidade Social está para a Publicidade, assim
como o Marketing Social está para o Marketing. De acordo com
Garcia,

Desde hace ya algún tiempo se ha aceptado la especificidad


del Marketing Social, que ‘es una extensión del marketing
que estudia la relación de intercambio que se origina
cuando el producto es una idea o causa social’ (MOLINER
TENA, 1998: 41). Si se entiende que la publicidad es
un instrumento del marketing dirigido a los públicos
externos, podemos considerar la Publicidad Social como
‘una extensión de la publicidad’. Así, la Publicidad Social
es a la publicidad lo que el Marketing Social al marketing
(GARCIA, 2004, p. 2-3).

Os tópicos fundantes de sua pesquisa estão alinhados às


determinações da publicidade social norte-americana. Em seus
escritos, o ponto “função social da publicidade” (2004) se dire-
ciona aos processos de produção e impactos que a reprodução
social das peças pode proporcionar ao mercado e para as causas
sociais, pois tecnicamente é um “conjunto de determinadas
técnicas e instrumentos de comunicación informativo-persua-
siva” (Idem, Ibidem). Ou seja, o social pode ser utilizado como
objeto e, por conseguinte, como temática da campanha. Nesse
sentido, se equipara ao Marketing de Causas Sociais, seguindo
a natureza das marcas cobranding que, por sua vez, vinculam a
publicidade a uma empresa que tenta fortalecer sua imagem a
partir do apoio dado às causas sociais em evidência, por fim,
reconhece a publicidade social pelo eixo norte-americano.
Em outras palavras, tanto nos Estados Unidos como na
Espanha a publicidade é pensada a partir dos conteúdos que

137
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

devem ou não ser publicizados, seja pelas políticas públicas como


pelas empresas, quiçá as grandes corporações. O outro aspecto
que tem se desenvolvido e destacado no continente europeu é
formado por pesquisadores portugueses sob a nomenclatura de
“Publicidade Participativa”, cujo viés se aproxima do desenvol-
vido na América Latina. Seus princípios se compatibilizam com
o pensamento crítico em relação à publicidade, sem que haja o
reducionismo da discussão conceitual às práticas de divulgação
sobre temáticas sociais. A proposta desse viés é problematizar
as relações da comunicação publicitária enquanto “interesses
privados vs. públicos, econômicos vs. culturais, corporativos vs.
comunitários” (MELO; DUQUE, 2018, p. 9). Nesse sentido, o
enfoque alternativo embasa a denominação Publicidade Partici-
pativa, capaz de potencializar a participação cidadã. Em 2018,
organizado por Ana Duarte Melo e Marcela Duque, no livro inti-
tulado PartipanAd – Publicidad Participativa: una perspectiva global
com un enfoque latino-americano, apresentou-se uma tendência
publicitária colombiana, demonstrando a perspectiva da hege-
monia alternativa para tratar de assuntos de interesse da Socie-
dade Civil.
Nesse sentido, vale retomar Raymond Williams para
esclarecermos teoricamente as relações entre os conceitos de
hegemonia, contra-hegemonia e hegemonia alternativa. Na
acepção primária de hegemonia, formulada por Lênin (2009
[1905]) no contexto da Primeira Revolução Russa, esta signi-
fica fundamentalmente o processo de aliança de classes consti-
tuído para alcançar o poder. Quando o conceito é apropriado
por Gramsci (1978 [1926]), inicialmente o sentido é o mesmo
proposto por Lênin, mas o filósofo sardo dá maior destaque
à participação dos camponeses no processo revolucionário
(BASTOS, 2020b). Williams (1979, p. 111), a partir da perspec-
tiva do materialismo cultural, salienta que hegemonia inclui
e ultrapassa os conceitos de cultura e ideologia. O teórico
galês propõe que hegemonia é um “senso de realidade para a
maioria das pessoas na sociedade”, de maneira absoluta, pois
envolve as experiências, significados e valores que são vividos
como “cultura” no sentido mais forte da palavra, mas consi-
derando as relações de subordinação e domínio vividas por

138
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

determinadas classes (ibid, p. 113). Nos textos de Williams,


por vezes os conceitos de hegemonia alternativa e de oposição
aparecem como equivalentes. O teórico galês (2005 [1973], p.
217) argumenta que “em qualquer sociedade e em qualquer
período há um sistema central de práticas, significados e
valores, que podemos definir propriamente como dominantes
e efetivos”. Adiante, postula que há práticas culturais alterna-
tivas e de oposição à cultura dominante efetiva (ibid., p. 218).
Williams (ibid., p. 219) afirma que, embora a distinção teórica
entre alternativo e de oposição possa parecer simples, ou
seja, alguém que não quer ser perturbado e deseja um modo
de vida diferente, ou alguém que quer mudar a sociedade a
partir de suas práticas e experiências, na realidade, “a linha
entre alternativo e de oposição é geralmente muito tênue”.
Boaventura de Sousa Santos (2002) argumenta que a condição
de conversão de práticas não hegemônicas em práticas
contra-hegemônicas reside na capacidade de articulação do
movimento social com outros movimentos, suas formas de
organização e objetivos.
Em relação aos estudos desenvolvidos no continente lati-
no-americano, além da Colômbia, no Brasil é possível notar a
emergência de iniciativas contra-hegemônicas, de hegemonia
alternativa e mesmo do desenvolvimento de táticas operacio-
nais não hegemônicas, na medida em que, dependendo da ação,
operam em uma lógica desconexa da hegemônica e não simples-
mente em oposição à lógica e à técnica dominantes. No caso
da Colômbia, a Publicidade Popular vem ganhando relevância,
principalmente em Bogotá, e no Brasil, uma das correntes de
Publicidade Social que vem ganhando destaque é exatamente a
desenvolvida no Laccops.
Os primeiros resultados sobre a Publicidade Popular
foram apresentados no Congresso da Associação Latino-Ame-
ricana de Investigadores da Comunicação (ALAIC) de 2018,
na Costa Rica, quando os investigadores da Unipanamericana
Fundación Universitaria apontaram como fundamentais as
iniciativas observadas na cidade de Bogotá, para que houvesse
a compreensão das diferentes formas de interpretação da
mensagem publicitária

139
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

desde el diseño visual y la publicidad, y aquellas relacionadas


con aspectos estéticos que vienen del pop art y del kitsch,
y que son fundamentales en la concreción de la estrategia
publicitaria: el mensaje, aspectos formales y estructurales,
y la cultura, son solo algunos indicadores que pueden dar
cuenta de la enorme riqueza simbólica que se encuentra en
la publicidad popular (CORTÉS et al., 2018, p. 1).

É possível verificar no Brasil duas vertentes de investi-


gação: uma delas é desenvolvida em São Paulo (na Universidade
Mackenzie) e se alinha com o pensamento norte-americano, pois
conecta as definições de responsabilidade social com as práticas
de gestão das organizações (KUNSCH, 2003, - p.138); e outra em
Niterói, Rio de Janeiro, desenvolvida pelo Laccops.
Nosso objetivo central é compreender como o processo de
reconfiguração da comunicação publicitária na contemporanei-
dade pode se reinventar e contribuir para o fortalecimento de
uma cidadania comunicativa e engajada política e socialmente,
a partir do entendimento de uma das posições brasileiras sobre
a Publicidade Social. Desde o princípio de nossas intervenções,
nos fundamentamos em questões ligadas à Comunicação Comu-
nitária pela perspectiva da Publicidade Social enquanto metodo-
logia de transformação estrutural, a partir da criação de soluções
com técnicas operacionais simplificadas e de baixo custo voltadas
para ações de resistência às diversas formas de exclusão, sejam
elas de ordem simbólica, política, social ou econômica. Nesse
sentido, as Tecnologias Digitais popularizadas são usadas para
a viabilização das ações que são desenvolvidas in loco através de
minicursos, oficinas e capacitações que democratizam e criam
coletivamente novos modos de fazer, com plena participação
dos membros do laboratório em diálogo com os movimentos
sociais. Em linhas gerais, como dito anteriormente, a metodo-
logia conjuga a pesquisa participativa, com ênfase na pesquisa
-ação, e com base na pesquisa bibliográfica e, ultimamente, as
adaptações para versão remota com investimento em softwares de
transmissão.
Para tanto, apresentaremos o mapeamento com a tipificação
construída a partir das seguintes derivações dessa proposta de

140
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

publicidade contra-hegemônica: afirmativa, comunitária, causa,


interesse público e transversal.

Figura 4 – Mapa epistemológico da publicidade social

Fonte: Saldanha, 2019.

4. Considerações finais: projetos futuros em


consonância com o Programa de Pós-Graduação
em Mídia e Cotidiano da Universidade Federal
Fluminense
O ano de 2020 foi bastante profícuo para as produções do
laboratório, apesar da abrupta mudança no cotidiano de todas
e todos participantes. Um dos autores fundamentais para a
compreensão do cotidiano, Henri Lefebvre (1969), argumenta
sobre a necessidade de compreender o cotidiano no global, na
totalidade, no conjunto social – o Estado, as técnicas, a cultura
– como chave para compreender a sociedade. O autor postula
ainda que é no cotidiano que se estabelecem e se mantêm as
superestruturas – ideologias do Estado, de organizações políticas
e sistemas filosóficos. Durante a pandemia, os discursos midiá-
ticos hegemônicos, do Estado e as políticas desenvolvidas escan-
cararam um cotidiano marcado pela confluência de explorações
e opressões de classe, raça e gênero. Nesse ínterim, devido ao
caráter dessas relações sociais, políticas e aos constrangimentos
cotidianos vividos pelas classes populares, a Covid-19 passou a
ter alvo preferencial com classe e raça definidos: o povo pobre e

141
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

preto moradores das periferias. Logo no início da pandemia de


Covid-19, passamos a organizar nossas reuniões para discutir o
que poderia ser feito na perspectiva da comunicação comunitária
e da publicidade social para superar ou diminuir as angústias
vividas. A partir dessas interações e reflexões iniciais, chegamos
ao slogan aplicado em nossas peças e ações deste ano: “Laccops,
fortalecendo vínculos para superar o isolamento”.
Conforme texto de apresentação do projeto Laccops
Contra Covid-19/FAPERJ (MENDES e SALDANHA, 2020),
uma das primeiras ações realizadas foi o vídeo que identificou
a atenção necessária a idosos que estão em situação de vulne-
rabilidade, criado pelo professor Guilherme Lima e narrado
pelo professor João Batista de Abreu Jr. O vídeo está dispo-
nível nas nossas redes sociais e em nosso canal no Youtube7.
A segunda produção audiovisual8 da parceria dos professores
Guilherme Lima e Pablo Nabarrete Bastos, que compôs o slam
e fez a narração, reflete sobre cidadania em tempos de Covid-
19. Na mesma linha, a edição temática do blog9 sobre Comuni-
cação Cidadã no Covid-19, coordenada pela professora Tatiane
Mendes, contou com artigos dos professores sobre produção
audiovisual, direção de arte, fotografia, cinema, educação e
memória, repensando a potência da Publicidade Social para
a transformação. Sob a mesma coordenação e contribuição
dos alunos de graduação e de pós-graduação do Laccops,
iniciamos o projeto “Boletim Covid-19”, com periodicidade
semanal, reunindo ações solidárias, culturais, plataformas de
conhecimento e informações científicas. Paralelamente, foram
pensadas ações para fortalecer a comunicação em tempos de
pandemia, a exemplo da série de cards “Máscaras” criada para
o Instagram, com o objetivo de informar trabalhadores sobre
seus direitos em relação ao uso de máscaras. Outra ação10
7
Disponível em: https://www.youtube.com/channel/UCeqXO6mVdslFGIJ
MI5djKZg . Acessado em: 31/08/2020.
8
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=MKAupMMcLv
Q&t=2s . Acessado em: 31/08/2020.
9Disponível em: https://laccops.wixsite.com/laccops/blog . Acessado em:
31/08/2020.
10
Disponível em: <https://www.facebook.com/LACCOPS/photos/pcb.12000
42793687723/1200051597020176>. Acesso: 2 set. 2020.

142
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

marcante foi desenvolvida em parceria com os coletivos Favela


Cineclube e Viaduto Literário, que resultou na elaboração de
um zine e de cartazes informativos sobre como se prevenir do
avanço do coronavírus no Morro da Providência, com a partici-
pação ativa da equipe de comunicação digital, coordenada pela
professora Tatiane Mendes, destacando Lorena Rui, mestranda
pelo PPGMC-UFF, na revisão textual e Letycia Nascimento,
membro do Laccops e mestre também pelo PPGMC-UFF, na
direção de arte. A partir da proposta original do zine, a partir
de iniciativa do professor Pablo Nabarrete, criamos versão em
parceria com o Setor de Saúde do Movimento dos Trabalha-
dores Rurais Sem Terra (MST), com adaptações na linguagem
para a utilização em oficinas de formação do movimento11. A
versão do zine, em parceria com o MST, circulou em oficinas de
formação do movimento e orientou a sua base e de outros movi-
mentos sociais do campo e da cidade em diversos territórios do
país e também no exterior, preservando muitas vidas por meio
da comunicação comunitária e da publicidade social, conforme
depoimento dado por Edinaldo Novaes, do Setor de Saúde e
da Direção Nacional do MST12. As ações com os coletivos do
Morro da Providência inspiraram o fortalecimento do projeto
institucional do Laccops com a estruturação de uma campanha
de Publicidade Social Afirmativa, cuja proposta central é desen-
volvermos ações adaptáveis às demandas e necessidades de
cada localidade, com destaque às favelas cariocas. O projeto
coordenado pela professora Patrícia Saldanha (coautora de
redação) foi pensado em duas etapas: na primeira, começamos
com o projeto-piloto desenvolvido no Jacarezinho e em Mangui-
nhos, por sugestão da discente Diana Anastácia, mestranda do
PPCULT/UFF, coautora da redação da campanha e pela adap-
tação da linguagem das peças. A direção de arte ficou por conta
da professora Andréa Hecksher, e Ana Carolina Esteves ficou
responsável pela ilustração. Já a estratégia digital foi elaborada
e organizada por Carolina Saldanha.
11
Disponível em: < https://www.facebook.com/LACCOPS/photos/a.405874079
771269/1234195950272407/>. Acessado em: 2 set. 2020.
12
O depoimento foi dado no IV Mobilize-se e está disponível em: https://www.
youtube.com/watch?v=FLSsrgF3Gso. Acesso em: 14 dez. 2020.

143
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

Nossa expectativa é consolidar nosso posicionamento


enquanto referência em projetos de Publicidade Social de
maneira sistematizada. Precisamos consolidar o mapa epistemo-
lógico elaborado pelo Laccops com o incremento dos projetos
empíricos a partir das experiências do Estado do Rio de Janeiro.
Nós montamos a estrutura de comunicação, agora espe-
ramos fomentá-la para, na sequência, fortalecermos nossa
pesquisa e gerarmos resultados concretos em relação às propostas
de inovação e às soluções direcionadas às questões pulsantes na
Sociedade Civil. Pretendemos encadear nossos parceiros e segui-
dores atuais e atrair novos, de forma orgânica, para que possamos
manter nosso diálogo com os protagonistas da Publicidade Social
dos projetos nos quais já atuamos (que viraram parceiros), além
de ampliar o diálogo com os protagonistas da Publicidade Social
aos quais ainda não tivemos a oportunidade de conhecer ou com
quem ainda não trabalhamos e mapear: nos Movimentos Sociais,
nas favelas, nas cidades, comunidades físicas e virtuais de forma
geral, na academia etc.
Vale destacar que tivemos um crescimento de interessados
em publicidade social desde 2019, enquanto grupo emer-
gente. Após a checagem do Mobilize-se 2020, comparamos
com os dados inicialmente levantados em 2019 e chegamos
aos seguintes resultados desde que nos organizamos: subimos
de 2.000 para 2.500 contatos ativos (incluindo coletivos) em
nosso mailing list, de 820 para 1.084 seguidores no Facebook,
de 380 para 885 seguidores Instagram do Laccops e de 120
para 726 assinantes do nosso canal do YouTube. As três edições
do “Mobilize-se” (nos anos de 2016, 2017 e 2018) e a criação
do Prêmio Laccops aumentaram o engajamento orgânico de
alunos e pesquisadores no Grupo de Pesquisa, o que significa
um bom começo para impulsionarmos nosso engajamento
cívico nos anos posteriores. E quando falamos de engaja-
mento, não nos referimos apenas a sua quantificação, mas
às conexões vinculativas resultantes das interações sociais e
afetivas do sujeito com determinada ideologia, configurando-
se, portanto, como dimensão comunicacional atuante no engen-
dramento de processos hegemônicos e contra-hegemônicos
(BASTOS, 2020a).

144
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

Importante frisar que conquistamos essa articulação inicial


com trabalho árduo, recursos próprios, tanto financeiros como
em uso de equipamento próprio, principalmente nos primeiros
anos, e com uma equipe dedicada. Confiamos que, com mais
recursos, aumentaremos o alcance através da divulgação nos
canais com nossos apoiadores e consolidaremos nossa rede que
conta com a parceria de poder público, comunidade acadêmica,
estrutura interna da universidade, ONG ́s e com os próprios
membros dos projetos que realizamos.
De modo geral, nosso objetivo para os próximos anos é forti-
ficar nosso arcabouço teórico com base nas pesquisas e orienta-
ções de TCC’s, dissertações de mestrado e teses de doutorado,
além das pesquisas docentes; aumentar nosso engajamento cívico
através da implementação de projetos concretos e aumentar
nossa visibilidade nas redes sociotécnicas através das realizações
dos eventos e capacitações.
Acreditamos que para ser efetivada, a Publicidade Social
deverá se apropriar de aparatos maquínicos hegemônicos advindos
da ciberpublicidade, para reinterpretá-los numa concepção contra
-hegemônica. O ponto é que o usuário não se serve de tais equipa-
mentos apenas para reprodução de um discurso dominante, mas
também pode usá-los para modificar sua realidade local, tanto
com projetos de reafirmação identitária, como com projetos de
resistência, de retomada da história local etc. Quando se fala de
Publicidade Social aqui, intenta-se fortificar a noção de que esta
publicização não está sob a custódia do mercado, mas pode ser
a brecha para o Social tomar as rédeas de seu próprio comando.

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147
Apropriação ideológica de causas sociais
na sociedade de consumo midiatizada:
confrontos entre as lógicas do capital
e a luta política
Ana Paula Bragaglia e Lorena Campos Rui

Introdução

E ste texto faz parte dos estudos realizados pelo grupo de


pesquisa Ética na Sociedade de Consumo (ESC), criado
em 2014 na UFF, junto ao Programa de Pós-graduação em Mídia
e Cotidiano (PPGMC). Coordenado pela professora do PPGMC,
Ana Paula Bragaglia, e sob a vice-coordenação da professora
Patrícia Burrowes, da ECO/UFRJ, o grupo conta com aproxima-
damente 20 pesquisadores de diferentes universidades e regiões
brasileiras, como docentes da UFF, UFRJ, UFMT, UFRGS, UFC,
bem como pesquisadoras da FIOCRUZ, da FLACSO (Argentina),
entre outros polos.
A investigação apresentada neste capítulo sobre a apro-
priação ideológica de lutas sociais pela publicidade comercial,
tendo como recorte a marca Avon, vincula-se ao projeto amplo que
orienta atualmente o grupo, intitulado “As violências do capital:
mídia, ideologia e subjetividade nas sociedades de consumo
contemporâneas”. O projeto tem como objetivo realizar estudos
críticos sob a perspectiva geral da Ética em cenários envolvendo
produtos midiáticos variados difundidos nos contextos das socie-
dades de consumo. Busca, portanto, analisar como são atraves-
sadas pelas lógicas de consumo tanto as ações de publicidade
e de marketing como um todo, como produções de comuni-
cação de massa e da indústria criativa em geral, distintos (pelo
menos à primeira vista) do campo essencialmente mercadoló-
gico (jornalísticos, obras fílmicas do campo do Cinema, plata-
formas da Internet, entre outras), e os próprios comportamentos
ou as subjetividades de consumo, no intuito de compreender as

148
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

implicações éticas desse processo, isto é, as violências dele decor-


rentes, bem como levantar alternativas de transformação/resis-
tência tanto em termos de produção quanto de recepção midiá-
ticas (incluindo leitura crítica de mídia e outras ações).
É justamente nessa perspectiva de estudo que peças publi-
citárias da marca Avon são aqui problematizadas. E como
ponto de partida desta análise, é importante destacar que a
Avon é uma popular marca de cosméticos que se consolidou
no mercado através do relacionamento entre as consultoras e
consumidora; falamos no feminino partindo do pressuposto
que a marca de cosméticos mirava no público-alvo feminino
e construiu seus argumentos de venda voltados para esse
público, exceto quando, obviamente, os produtos anunciados
eram rotulados como masculinos. A marca foi apontada como
a líder em vendas de maquiagem no Brasil[1] e vem passando
por um processo de reposicionamento no mercado, explo-
rando o mote do empoderamento feminino em sua estratégia
de comunicação[2 ].
O problema de pesquisa consiste no questionamento sobre
qual é a responsabilidade de uma marca de beleza ao representar
sujeitos marginalizados pela norma. Quais são os limites positivos
dessas representações contemporâneas para a quebra de estereó-
tipos negativos que produzem preconceitos? O case analisado,
a web série Eu sou Bonita? é uma parceria da marca com a Think
Eva[3] e o Huffington Post[4], em cinco episódios, veiculados no
canal da marca na plataforma de vídeos YouTube.
Como objetivo principal, o artigo visa discutir os efeitos
de sentido da representação de sujeitos antes invisibilizados nos
anúncios de cosméticos através da diluição dos estereótipos, bem
como apontar as contradições possíveis frente às lutas sociais
em questão, quando ocorre a apropriação de reivindicações
advindas de movimentos sociais por marcas de cosméticos que
visam lucro financeiro. A partir desse objetivo central, podemos
listar também como um objetivo secundário o fomento para a
discussão sobre os limites da representatividade midiática na
construção de um debate sobre exclusões que podem ser fomen-
tadas e instrumentalizadas pela própria mídia hegemônica. O
trabalho também pretende debater a estratégia do femvertising[5],

149
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

por ser um conceito recente e ainda pouco estudado (HAMLIN,


PETERS, 2018).
Como referencial teórico, serão trabalhadas as noções de
Estereótipos (LIPPMANN, 2008), com a contribuição da Psicologia
Social (JABLONSKI, ASSMAR, RODRIGUES, 2010; LEITE, 2009;
PEREIRA, 2002), gênero e performance (WOLF, 2018; BUTLER,
2017); política e movimentos sociais (MIGUEL, BIROLI, 2016;
FRASER, 2009; DAVIS, 2016) e influência da cultura midiática
(KELLNER, 2001; LIPOVETSKY, SERROY, 2015). Como metodo-
logia empírica, serão adotados os pressupostos básicos de Análise
de Discurso relatados por Orlandi (2009).
Conforme situamos anteriormente, este texto consiste em
um dos recortes investigativos delineados pelo grupo Ética
na Sociedade de Consumo (ESC), que atua em duas linhas de
pesquisa: a) “Publicidade e marketing sob o enfoque ético”; b)
“Políticas, discursos e sociedade”, campo idêntico à linha 2 do
PPGMC que, no ESC, se refere a estudos sobre produtos midiá-
ticos diversos e não apenas sobre a comunicação mercadológica
propriamente dita.

Publicidade, estereótipos de gênero e


representação dos sujeitos na luta política
Os estereótipos se fazem presentes no cotidiano, como repre-
sentações simplificadas dos sujeitos. Se difundem como crenças
compartilhadas e, no nível cognitivo, cumprem a função de
facilitar a nossa leitura social dos indivíduos (LIPPMAN, 2008).
Uma projeção estereotipada sobre um indivíduo, de acordo com
Lippman, não parte da neutralidade, mas é atravessada pelas
nossas próprias experiências, funcionando como um dispositivo
que provê um julgamento imediato, que pode ser tanto positivo
quanto negativo: “Na maior parte dos casos nós não vemos em
primeiro lugar, para então definir, nós definimos primeiro, e
então vemos. Na confusão brilhante, ruidosa do mundo exterior,
pegamos o que a nossa cultura definiu para nós e tendemos a
perceber aquilo que captamos de forma estereotipada para nós
por nossa cultura” (LIPPMAN, 2008, p. 85).

150
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

Na publicidade, os estereótipos fazem parte do discurso ao


simplificar e categorizar personagens dentro do tempo limitado
das inserções. Outros produtos culturais também fazem uso
de estereótipos para construir o sentido de suas mensagens. A
função de “representação mental simplificada” (JABLONSKI,
ASSMAR, RODRIGUES, 2010) tem seus efeitos negativos: a
naturalização de práticas, introjetadas no sujeito; e os precon-
ceitos que podem advir de uma leitura rasa e imediata, fixada
pela repetição dos estereótipos. De acordo com Pereira (2011, p.
88), “definimos estereótipos como crenças compartilhadas que
têm como diferentes padrões de conduta ou atributos comuns
dos membros de um ente social, geralmente uma categoria cujos
fundamentos são encontrados em teorias explicativas a respeito
desses predicativos”.
Em nossa sociedade ocidental, a construção das percepções
sobre gênero é altamente influenciada por estereótipos. Butler
(2017) trata o gênero como uma categoria discursiva, dotada
do que ela chama de “performatividades”. De acordo com ela,
o sujeito social introjeta essas performatividades e se constitui.
Inclusive, ela critica alguns setores do movimento feminista
durante a terceira onda do movimento[6], por tentarem encaixar
a categoria “mulheres” como o sujeito representativo do femi-
nismo, sendo que, de acordo com ela, a própria representação do
“ser mulher” carece de problematizações.

Por um lado, representação serve como o termo operacional


no seio de um processo político que busca estender visibilidade
e legitimidade às mulheres como sujeito político; por outro
lado, a representação é a função normativa da linguagem que
revelaria ou distorceria o que é tido como verdadeiro sobre a
categoria ‘mulheres’ (BUTLER, 2017, p. 18).

Butler levanta a problemática da noção de sujeito e da ideia


que seu estado natural anteceda as estruturas que o interpelam.
O contrato social silenciado, naturalizado pelas estruturas, colo-
caria em xeque a legitimidade constitutiva individual. Procurar
uma representação unificada e uma base comum para as opres-
sões de gênero a partir de uma ótica ocidental acaba por apagar

151
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

contextos culturais em que a dominação de gênero se dá por


diferentes mecanismos: “O gênero nem sempre se constitui
de maneira coerente ou consistente (...) porque gênero estabe-
lece intersecções com modalidades raciais, classistas, étnicas,
sexuais e regionais de identidades discursivamente construídas”
(BUTLER, 2017, p. 20). De acordo com Butler, os sistemas jurí-
dicos produzem os sujeitos mediante a regulamentação da vida
política, logo, sujeitos condicionados sob a existência de uma
estrutura são, subsequentemente, a representação dela.
Wolf (2018) aponta que a relegação da mulher americana
média à esfera privada, no contexto de meados do século XX,
culminou em uma carência de modelos de representação, graças
à dominância de narrativas masculinas no âmbito histórico. Os
referenciais femininos eram provenientes da convivência com
mulheres próximas e das representações dos produtos culturais.
Fraser (2005) aponta que nesse momento, concomitantemente à
chamada segunda onda do feminismo no Norte global, pautas
de movimentos sociais foram sequestradas e ressignificadas pela
mídia, sendo associadas a uma lógica de iniciativa individual
típica do sistema econômico neoliberal dominante. Parcialmente,
a mulher doméstica foi perdendo espaço nas inserções publicitá-
rias e dando espaço às representações estereotípicas de beleza
(VESTERGAARD, SCHROEDER, 2004). Essa segunda onda
promoveu uma reinterpretação cultural da vida familiar, supos-
tamente trazendo avanços não contabilizados na esfera jurídica
e econômica. Nessa época, para fins políticos, se fez necessário
intersecionar epistemologias que trouxessem à luz não apenas o
gênero como fator de exclusão, mas raça, classe e sexualidade;
além da luta pelos direitos civis de minorias, essa onda feminista
também se pautou a favor dos direitos reprodutivos e contra a
exploração do trabalho doméstico (FRASER, 2005; DAVIS,
2016). Em países da América Latina, a chamada segunda onda
do feminismo irrompeu na década de 1970.
Durante anos, a publicidade de cosméticos trabalhou com
estereótipos de beleza excludentes, trazendo modelos de femini-
lidade prontos para serem assimilados pelo público e represen-
tando, em geral, mulheres brancas. É necessário compreender
raça e classe também como problemáticas de exclusão que se inter-

152
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

seccionam com o gênero, por isso a crítica de Butler. Davis (2016)


[7], quando fala da perspectiva histórica da segregação racial nos
Estados Unidos, situa a condição de que muitos dos avanços das
mulheres brancas se deram às custas da exploração do trabalho
de mulheres negras. Podemos filtrar e aplicar essa perspectiva
ao contexto brasileiro, visto que passamos por processos histó-
ricos semelhantes. Além disso, a mulher negra ainda se encontra
em posição de desvantagem em relação às mulheres brancas que
gozam dos privilégios de raça e classe (MIGUEL, BIROLI, 2014).
Corpos negros, até recentemente, eram invisibilizados pela publi-
cidade, ou representados em posição hierárquica subserviente
em relação às pessoas brancas (PEREIRA et al., 2011)[8].
Como alternativa aos estereótipos trabalhados pela publici-
dade, cabe na análise desse produto cultural a noção de publici-
dade contraintuitiva. A publicidade contraintuitiva trabalha cons-
truções diferenciadas dos estereótipos tradicionais, podendo
ser aproveitada para a construção de um discurso favorável a
minorias, ao expor representações que “quebram” estereótipos
anteriores (PEREIRA, et al., 2011). Se os estereótipos podem
fornecer a “base cognitiva para o preconceito” (JABLONSKI,
ASSMAR, RODRIGUES, 2010, p. 110), para Leite (2009, p. 97):

Em outros termos, a publicidade contraituitiva pelas


‘inovações’ abordadas em seu discurso, pautadas em
contextos e situações mais favoráveis às minorias pode, com
seu estímulo, preparar a estrutura, do lembrar (memória)
dos indivíduos receptores de sua mensagem para captar,
assimilar e armazenar novas informações a respeito do
grupo/indivíduo-alvo do conteúdo estereotípico tratado na
narrativa publicitária.

Logo, a publicidade contraintuitiva vai de acordo com o


que Pereira (2002) propõe como alternativa para a diluição de
crenças negativas: o contato e a conversão (p. 162-163). Através
dessas dinâmicas, a percepção simplificada seria reduzida, graças
à oportunidade em se permitir o contato com experiências
diversas às que ele tem construídas em sua memória, e talvez
de mudar de opinião. Graças a essa perspectiva, o nosso objeto
de análise é uma web série em cinco episódios, que traz a narra-

153
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

tiva de personagens reais, exploradas com uma profundidade


maior do que as inserções publicitárias tradicionais com tempo
limitado.

Sobre femvertising, capitalismo artista e a “astúcia


da História” a partir da análise da web série da
AVON Eu sou bonita?
A marca AVON é popular no segmento de cosméticos no
Brasil e se consolidou no mercado com um modelo de venda
direta. Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Venda
Direta (ABVED) (2020), o conceito de “venda direta” remete a

Um modelo de negócios utilizado tanto pelas grandes


marcas como por pequenas empresas para vender seus
produtos e serviços diretamente aos consumidores finais,
sem a necessidade de um estabelecimento comercial fixo
e eliminando, assim, uma cadeia de intermediários e de
custos. O contato com os potenciais clientes é feito por meio
de empreendedores independentes, que são chamados de
revendedores, consultores, distribuidores, agentes, entre
outros (ABVED, 2020a).

Cabe acrescentar aqui que esse processo que acaba “elimi-


nando (...) custos” se dá inclusive pela possibilidade de ausência
de vínculo empregatício e, portanto, de encargos trabalhistas
para o empregador. Isso porque essa seria uma possível interpre-
tação do artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),
como se observa claramente no tópico “Relação de emprego”
no site da ABVED: “Conforme o artigo 3º da Consolidação das
Leis do Trabalho (Decreto Lei nº 5.452 /1943), o vendedor
direto não preenche os requisitos necessários que caracterizam
uma relação de emprego com as empresas”. (ABVED, 2020b).
Segundo discussões de juristas, no entanto, o referido artigo 7º,
que consiste na frase “Considera-se empregado toda pessoa física
que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob
a dependência deste e mediante salário”, permite, sim, enqua-
drar como empregados representantes de venda direta em deter-

154
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

minadas situações (PORTAL JUSTIFICANDO, 2016). Em uma


rápida busca na Internet, inclusive, pode-se encontrar pareceres
emitido por Tribunais Regionais do Trabalho manifestando
conformidade com a acusação de representantes de venda direta
que entraram na justiça contra a AVON, buscando seus direitos
trabalhistas numa relação de vínculo empregatício (PORTAL
JUSTIFICANDO, 2016).
Só no Brasil, até 2019, a marca contava com mais de 1,5
milhão de revendedores (AVON, 2019). Esse cenário é abordado
em sua comunicação com o mote do empoderamento e da auto-
nomia, conforme descrito no site da marca:

Desde 1886, a Avon é uma das principais empresas que


promovem o empoderamento das mulheres. Seu fundador,
David H. McConnell, criou a empresa a partir da ideia de
que as mulheres poderiam ter uma renda independente ‘para
garantir o próprio bem-estar e felicidade’, em uma época em
que apenas 20% das mulheres norte-americanas trabalhavam
fora de casa e 34 anos antes de elas conquistarem o direito ao
voto nos EUA. McConnell, que costumava vender livros de
porta em porta, balizou a empresa em dois fatos: primeiro,
seus clientes, principalmente mulheres, adoravam as amostras
gratuitas de perfumes que ele oferecia como incentivo para
que elas abrissem a porta; segundo, as mulheres se sentiam
mais dispostas a comprar produtos de beleza vendidos por
outras mulheres. A história do empoderamento das mulheres
pela Avon começou quando Persis F. Eames Albee se tornou a
primeira revendedora autônoma da empresa (AVON, 2019)[9].

Apesar de explorar a noção de empoderamento feminino


em suas mensagens comunicacionais, até março de 2015 as
mulheres ocupavam menos da metade dos cargos de chefia da
empresa, mesmo compondo, na mesma época, 60% do quadro
total de funcionários [10].
Em sua comunicação institucional, palavras como “lide-
rança”, “ética” e “responsabilidade social” recebem grande
destaque (AVON, 2019). Em 2018, a marca lançou, em parceria
com a Think Eva e o Huffington Post, a web série Eu sou Bonita?,
na qual pessoas, em sua maioria mulheres não contempladas

155
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

pelos padrões hegemônicos estéticos, expunham sua trajetória


de descoberta da própria beleza. Os vídeos também foram veicu-
lados no canal do Huffington Post.
A seguir, será apresentada a descrição desses produtos
midiáticos.
O primeiro vídeo[11] da série conta a história da artista
Rosa Luz, mulher trans[12] e traz no subtítulo a citação “Falta
empatia para entender a diversidade”. Em todos os vídeos da
série, as pessoas retratadas recebem um adjetivo, e o de Rosa
é “descolonizada”. Ela diz, nos primeiros segundos: “Beleza pra
mim, hoje em dia, é um estado de espírito”. Rosa é uma das
existências marginalizadas pelas imposições de gênero e sofreu
com a depressão: ela relata os períodos em que não cuidava da
própria higiene devido ao seu estado mental.
Em seu relato, conta que revelar sua transgeneridade para
a mãe católica foi menos difícil do que ela achou que seria,
pois ao fazê-lo, ela encontrou aceitação. Também relata um
fato curioso: a mãe dela tentou impor padrões de comporta-
mento estereotipados, relacionados ao feminino: “Ah, agora
que você é mulher, você não tem que ficar assim de perna
aberta, porque mulher se senta de perna fechada”. Rosa ainda
discorre sobre a importância da Internet no processo de acei-
tação que, segundo ela, cumpriu um “papel revolucionário”.
Conta que além do apoio da mãe, a irmã esteve presente em seu
processo de descoberta. Rosa descreve o papel da maquiagem
em sua descoberta como uma mulher bonita, após a transição,
quando uma amiga a maquiou para uma sessão de fotos e o
resultado deixou-a extasiada: “É um elemento, né, um batom,
um lápis, um delineador, mas que trouxe uma revolução parti-
cular pra mim, assim”.
Rosa ainda fala da diversidade de mulheres, negras, trans
e de como o espaço midiático reservado para representar essas
existências é um espaço cômico ou de objetificação. Portanto,
para ela, estar em uma posição de representar a beleza é algo
positivo para crianças trans. O vídeo traz informações sobre assas-
sinatos de pessoas LGBTQI+[13] (a cada 25 horas, uma pessoa
LGBTQI+ é assassinada no Brasil)[14]. Rosa fala do cansaço e da
esperança em um futuro em que sua existência não dependa de

156
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

estar atrelada a uma resistência. Segundo ela, “falta empatia para


as pessoas entenderem a diferença, a diversidade”.
O segundo vídeo[15] traz Raissa Campos, cujo adjetivo
designado é “Afrontosa”, e Carol Kyoko, designada “Brilhosa”.
Tem como subtítulo a frase “Consegui reconhecer o que há
de bonito em mim”. Raissa diz em relação à imagem refle-
tida no espelho: “Quando eu me olho no espelho eu vejo
uma imagem que eu me esforcei muito para construir”. Carol
também fala sobre sua relação com o espelho: “No início eu
até evitava o espelho, onde tinha espelho, onde tinha gente
tirando foto, eu tava sempre de fora”. Essas afirmações nos
trazem a questão da subjetivação de padrões estéticos atuando
na constituição do sujeito e excluindo mulheres que não
estão dentro de uma norma estereotípica. No vídeo, as duas
mulheres falam dos seus cabelos: Raissa expõe sua história
de aceitação dos cabelos crespos e Carol fala de estereótipos
negativos, quando se refere ao preconceito que pessoas com
cabelos coloridos enfrentam, porque são lidas socialmente
geralmente como menos responsáveis. As duas contam como
foi importante encontrar modelos de identificação, e ambas
têm um número expressivo de seguidores no aplicativo de
compartilhamento de fotos Instagram. Graças a essa popula-
ridade, entre outros fatores, posicionam-se como referenciais
de comportamento.
O terceiro vídeo[16] é estrelado pela atriz Lívia La Gatto, que
recebe o adjetivo “Sonhadora”. Lívia é intérprete da personagem
cômica “Consuelo Dica Boa”[17] e o subtítulo do vídeo traz a
frase “Não me achava merecedora de ser mulher”. O testemunhal
dela começa questionando a existência de rótulos: “É como você
tentar encaixar uma estrelinha em um quadrado”. Lívia discorre
sobre o quão nocivos são os padrões de comportamento, gênero
e beleza, porque, segundo ela, “(...) (a pessoa) acaba não valori-
zando o que ela é de verdade, que ela é única”. A angústia sobre
a qual a atriz fala tem a ver com a experiência pessoal em crescer
em um ritmo diferente do crescimento dela em relação às outras
meninas. Segundo ela, as outras meninas cresciam e se desenvol-
viam, enquanto ela permanecia com o mesmo corpo. As palavras
de Lívia sobre a experiência com seu próprio corpo são duras:

157
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

ela diz que deixou de fazer muitas coisas triviais por não se achar
merecedora de ser uma mulher.
Após a declaração de Lívia, entra em cena “Consuelo”, a
personagem que dá a dica: “Você tem que se amar (...)”. A atriz
explica que a personagem fala o que a intérprete, fora do perso-
nagem, não teria coragem de falar. Segundo ela, “Consuelo”
funciona como um escudo para o silenciamento cotidiano ao
qual ela está suscetível. Em seguida, o plano passa para um trecho
do vídeo de “Consuelo” sobre assédio em transporte público, no
qual ela mostra um desenho pueril para demarcar que “o trans-
porte é público, mas o corpo da mulher, não[18]”. Ela diz de
forma didática, como se ensinasse a uma criança. Retornando
à narrativa do vídeo documental, por alguns segundos a infor-
mação de que “86% das mulheres brasileiras sofrem assédio no
transporte público[19]” é exibida na tela. A atriz explicita sua
preferência por tratar de assuntos difíceis sob a ótica do humor,
porque, segundo ela, reforçada pelo lettering na tela, “O riso
ecoa”. Ela encerra o seu testemunhal com uma ode ao amor
próprio e a todas as características que compõem o seu corpo e
diz se sentir representada por todas as mulheres que se aceitam.
O quarto vídeo[20] trata de racismo e traz o relato de
quatro mulheres negras: Samantha Cristina, adjetivo “guerreira”;
Beatrice Oliveira, “resiliente”; Carol Silvana: “persistente” e Stella
Yeshua, “idônea”. O vídeo aborda um acontecimento que elas
experienciaram enquanto estavam na praça de alimentação em
um shopping, no qual uma mulher branca recusa a ajuda de Stella
para recolher uma bandeja e presume que ela trabalha no local.
Elas decidiram ir ao banheiro do shopping e registrar o relato em
um vídeo, chamado de Se é negro tem que me servir[21], que vira-
lizou na Internet. Além disso, elas compartilham experiências
sobre como o racismo afetou a percepção da mulher negra em
geral sobre si própria. Stella conta sobre o que sofreu quando
criança, por parte dos próprios colegas; Carol complementa o
relato falando da contradição, que pode ser fonte de angústia, de
uma criança negra que cresce em um lar que preza por cultivar
a autoestima, mas que fora de casa encontra outras reações.
Samantha expõe seu apelido de infância: “Samantha bicho do
mato” e diz que já antecipava as “zoações” que receberia, como

158
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

um mecanismo de defesa. Beatrice fala sobre os padrões euro-


cêntricos e diz que, como tática, de acordo com o depoimento,
ela procurava ser amiga das pessoas para compensar a suposta
falta de beleza. Logo, em informação do lettering na tela: “Em
apenas 16% das propagandas de televisão, as mulheres negras
são representadas”[22].
Ainda nesse quarto vídeo, Samantha descreve a experiência
de sua avó, mãe de sete filhos, que, segundo ela, a ensinou a
transpor as limitações impostas pelo racismo: “As pessoas acham
que ser negro é ruim: ‘ah, mas você é mulatinho, você é café com
leite’. Mas não, nunca me rotularam como negra”. Ela entona a
palavra “negra” com orgulho. O estereótipo de beleza privilegia
mulheres brancas ainda nos dias de hoje, conforme pontuado
por Carol, porque a mulher branca dispensaria complementos
quando elogiada em sua beleza, enquanto a mulher negra
sempre seria demarcada como uma “negra bonita”. Stella traz
questões sobre solidão de mulheres fora do padrão de branqui-
tude quando afirma que, por um tempo, cedeu à tentativa de se
adequar a esse padrão, na esperança por uma relação afetiva ou
por visibilidade. Porém, ela conclui em seu depoimento que o
problema não está em fatores controláveis, como maquiagem ou
roupas. Ela diz: “O problema está na sua cor”. Stella conta que
a percepção foi mudada quando decidiu não viver para agradar
os outros.
Sua citação é reforçada pelo lettering na tela “Não vou ficar
vivendo para agradar aos outros”. Beatrice reforça a necessidade
de pessoas negras ocuparem espaços na sociedade. Samantha
expõe o cansaço que a resistência produz, por ser um trabalho
constante – “Eu só quero ser eu, só quero existir”. Carol fala da
importância da quebra de estereótipos, por trazer visibilidade
às mulheres negras. Como em toda a série, fecha-se o vídeo com
o questionamento que permeia a produção, entre imagens das
quatro mulheres negras.
A série se encerra com o vídeo que tem o subtítulo “Maquiagem
é que nem roupa: não tem gênero”[23]. Alma Negrot, performer
e artista visual diz que “maquiagem não é coisa de mulher,
maquiagem é maquiagem”. Em seu relato, fala dos preconceitos e
das limitações causadas pela imposição da performance de gênero,

159
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

dos preconceitos sofridos por artistas, da tentativa em romper


com esses padrões limitantes, partindo da experiência de alguém
que foi expulso de casa por se expressar artisticamente. Em um
momento do vídeo, Alma se emociona e na tela surge um dado
com fonte: “Entre 5% e 9% da população em situação de rua em
São Paulo pertence à comunidade LGBT[24]”.
Em um momento do vídeo, Alma aparece sem maquiagem
e, após o relato, aparece a persona, usando peruca e maquiagem
artística. “Eu gosto de chegar num lugar e que aquilo cause algum
tipo de... de indagação, é homem ou mulher, isso... tá fazendo
teatro ou tá fazendo um ritual...cada um vai entender de uma
forma diferente”. Sobre as influências de comportamento, Alma
ressalta que Madonna foi uma grande inspiração por ser uma
mulher que rompe padrões de gênero e ocupa uma posição de
poder. Alma se define como uma pessoa não binária[25] e para-
fraseia “eu sou apenas um rapaz latino-americano”. O lettering na
tela diz: “Pessoas não binárias têm uma identificação de gênero
que não é 100% masculina e nem 100% feminina”. No encerra-
mento do vídeo, a alternância de planos entre Alma e a pessoa
por trás da persona artística: “Sou Alma Negrot” caracterizada;
“Eu sou o Rafa Jacques”, sem maquiagem. O vídeo encerra com
a indagação: “Eu sou bonita?”.
Feita essa apresentação detalhada das peças publicitá-
rias e diante de leituras sobre estudos feministas apresentadas
logo adiante e das diretrizes de análise de discurso sinalizadas
por Orlandi ([1990] 2015), “efeitos de sentido” ou “marcas de
sentido” atreladas à ideia de “empoderamento” foram buscadas
principalmente nos seguintes elementos retóricos visualizados:
a) “Enunciados/histórias que compõem as falas (verbais) das
personagens”, e b) “Valores positivos/promocionais associados
ao produto e à marca anunciados”. Apresentam-se agora os resul-
tados observados a partir desse raciocínio metodológico.
O termo femvertising, de acordo com Hamilin e Peters (2014),
define “um tipo de publicidade baseado em uma proposta de
emancipação feminina concebida como ‘empoderamento’”
(2014, p. 168). No estudo de caso sobre o anúncio da marca de
absorventes Always[26], os autores apontaram que “o discurso
veiculado nessa propaganda possui, se não alusões implícitas,

160
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

pelo menos ressonâncias notáveis com reflexões acadêmicas


influentes no feminismo da segunda onda” (p. 169). Os autores
apontam que o termo “empoderamento” pode ser “altamente
polissêmico”, pois fora concebido originalmente para designar
questões coletivas, mas ao ser recorrido e revisitado na publici-
dade de produtos femininos para designar superação individual,
acaba assumindo um novo sentido (HAMILIN, PETERS, 2014).
O sentido original de empoderamento foi concebido a partir da
instância jurídica, no século XVII, e significava “dar autorização”
(a partir de quem detinha o poder jurídico). Foi ressignificado
pelos movimentos sociais e políticos em meados do século XX,
na luta por autonomia e por negar o sentido jurídico do termo. A
noção de empoderamento concebida nessa época não se descola
da ação política (FRASER, 2007).
Em um processo de reorganização capitalista, o que Fraser
denota como “perspicácia da história” ou “astúcia da história”, o
capitalismo organizado pelo Estado foi definido como a “formação
social hegemônica na era do pós-guerra, uma formação social na
qual os estados exerceram um papel ativo em conduzir as suas
economias nacionais” (FRASER, 2007, p. 15).
Em consonância com as conclusões de Wolf (2018), que fala
que as pressões estéticas são uma forma de cooptar avanços femi-
ninos, para frear uma transformação profunda nas configurações
econômicas e sociais. É nesse período da história que o capita-
lismo incorpora seletivamente dimensão simbólica e cultural do
movimento feminista e se apropria do termo “empoderamento”.
De acordo com Fraser (2007), as esferas econômica, cultural e
política compõem as desigualdades de gênero, e nesse período,
se separaram da crítica ao capital (p. 14). “Com o benefício da
visão retrospectiva, podemos dizer que elas substituíram uma
visão de justiça monista, economicista por uma compreensão
tridimensional mais ampla, abrangendo economia, cultura e
política” (FRASER, 2005, p. 18); a política econômica neoliberal
retira do Estado a responsabilidade pelo bem-estar social.

É dito frequentemente que o sucesso relativo do movimento


em transformar cultura permanece em nítido contraste
com seu relativo fracasso para transformar instituições. Esta

161
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

avaliação tem duplo sentido: por um lado, os ideais feministas


de igualdade de gênero, tão controversos nas décadas
anteriores, agora se acomodam diretamente no mainstream
social; por outro lado, eles ainda têm que ser compreendidos
na prática (FRASER, 2009, p. 14).

Nos testemunhais da série analisada, em mais de uma vez foi


ressaltada a importância de se ter modelos de comportamento
representativos na mídia e nos produtos culturais. A publicidade
é mediadora simbólica das relações entre produção e consumo, e
também produz sentidos em suas narrativas. Kellner (2001), já na
década de 1980, em sua análise dos produtos culturais da época,
já trazia luz à ideia de que estes poderiam ser uma fonte de inspi-
ração na construção identitária. No entanto, em nossa fase atual
do capitalismo, a qual Lipovetsky e Serroy (2015) chamam de “era
transestética”, a vanguarda artística se integra à ordem econômica,
evocando a valorização da experiência individual. É o chamado
“capitalismo artista” (LIPOVETSKY, SERROY, 2015), em que o
consumo e a produção vão muito além de necessidades de sobrevi-
vência. Atravessam a percepção e sensação de identidade e perten-
cimento identitário, por exemplo, complementa-se aqui.
É justamente essa valorização da experiência individual
associada especificamente à valorização da autoestima através da
beleza da mulher, no seu cotidiano, que remete à sua vida prin-
cipalmente privada, o que se vê em todos os vídeos analisados
como sinônimo de empoderamento feminino. Esse cenário
reforça a ideia de que o consumo – de cosméticos e da marca
Avon, por exemplo – é em nossa época um imperativo subjetivo
de afirmação da identidade.

Considerações finais
É importante ressaltar que o objetivo deste trabalho não é de
forma alguma criticar a representação cultural de sujeitos antes
invisibilizados pelas normas hegemônicas. Graças à influência da
mídia na formação de subjetividades, cabe avaliar os aspectos
positivos da publicidade contraintuitiva. Porém devemos pensar
a ambivalência desses signos e a necessidade em se criticar as

162
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

estruturas de mercado, mesmo entendendo que graças ao seu


alcance, se observarmos pelo viés da psicologia social, essas
inserções têm efeitos sociais positivos. Observa-se no panorama
contemporâneo da publicidade de cosméticos, tentativas de
ressignificação da beleza, que antes era restrita e se pautava em
critérios excludentes e agora é democratizada via consumo, junto
com o empoderamento ao alcance das mãos.
A AVON explora, na construção do seu discurso, ideais asso-
ciados ao neoliberalismo e da dimensão artista do capitalismo
que “é da ordem do projeto e das estratégias empresariais, não
dos resultados obtidos” (LIPOVETSKY, SERROY, 2015, p. 41).
É necessário aprofundar a análise, talvez fazer um estudo de
recepção da mensagem, através dos comentários deixados nas
redes em que a web série foi veiculada, para podermos confirmar
a efetividade na quebra de estereótipos oferecida pelas narra-
tivas reais. Em uma observação superficial, já foi levantada a
hipótese de que os efeitos de sentido da série dependem do canal
de veiculação, porque as reações foram diferentes no canal da
marca e do Huffington Post, sendo o segundo com um número
maior de comentários e reações contabilizadas como positivas,
em proporção ao canal da AVON.
A oferta de possibilidades consumatórias se espalhou por
todas as classes, e os indivíduos não dependem mais de valores
estéticos do passado: hoje buscam se reafirmar, permitindo a
subjetivação dos próprios valores. A noção de empoderamento
sofre um deslocamento de sentido, deixando de ser algo coletivo,
para se tornar individual. Há a necessidade da crítica social ao
sistema capitalista, pois o mesmo opera como produtor de desi-
gualdades, e retorna ao se apropriar dos simbolismos produzidos
por essas desigualdades. A empresa AVON se coloca discursiva-
mente como uma solução que garante a autonomia de mulheres,
mas é necessário analisar todo o contexto, pois, ao evocar as
máximas individualistas, se desliga de qualquer iniciativa que
combata o problema pelas raízes.

163
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

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JABLONSKI, Bernardo; ASSMAR, Eveline Maria Leal; RODRIGUES,
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164
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

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WOLF, Naomi. O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas
contra as mulheres. Rio de Janeiro: Rosa dos Ventos, 2018.

[1] Fonte: Nielsen Homescan, citado por AVON (2019). Disponível em:
https://www.avon.com.br/avon-responde. Último acesso em 23/07/19
às 17h30min.

[2] “Beleza que empodera: autonomia financeira e emocional para mais


de 1,5 milhão de revendedoras no Brasil e 6 milhões de revendedoras
no mundo; (...) Inclusão, representatividade e diversidade.” (AVON,
2019).
[3] O Think Eva apresenta-se como o “Núcleo de Inteligência do
Feminino” e em seu site expõe um manifesto em favor do movimento
feminista. O suposto núcleo coleciona parcerias com marcas líderes de
mercado e agências de publicidade. (THINKEVA, 2019). Disponível
em: < http://www.thinkeva.com.br/ >. Acesso em: 07/09/2019.
[4] O Huffington Post é um portal de mídia que agrega blogs e colu-
nistas, e tem em seu menu de conteúdo uma divisão específica para
tratar assuntos ligados ao feminismo. (HUFFINGTON POST, 2018).
Disponível em: < https://www.huffpostbrasil.com/mulheres/ >. Acesso
em: 07/09/2018.
[5] Terminologia em inglês, criada a partir da junção das palavras
feminism (feminismo) e advertising (publicidade).
[6] A obra Problemas de gênero teve a sua primeira edição publicada em
1990. Para fins de categorização e de recorte temporal, a literatura
acadêmica sobre o movimento feminista costuma descrever as eclosões
do movimento ao longo da história em “Ondas”. A Primeira Onda data
do século XIX e começou com o movimento sufragista, na Inglaterra;
trouxe à tona reivindicações sobre a participação de mulheres na vida
pública e o direito à propriedade (MIGUEL, BIROLI, 2014). A Segunda
Onda, puxada por movimentos sociais e endossada pela contracultura
antibelicista e de recusa à reconfiguração privada do pós-guerra nos
Estados Unidos trouxe reivindicações sobre o direito ao corpo e à
contracepção e demandas sociais interseccionadas com o movimento
pelos direitos civis de pessoas negras (DAVIS; 2016; FRASER, 2005). A

165
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

Terceira Onda data do fim dos anos 1980 e início dos 1990, trazendo
visibilidade às questões de representação de gênero, além da crítica às
falhas representativas da Segunda Onda (BUTLER, 2017). Há teóricas
que defendem que estamos vivendo uma Quarta Onda do feminismo,
potencializada pelo alcance da Internet e que traz reivindicações contra
a violência de gênero e a chamada cultura do estupro.
[7] Davis (2016) traz em seu livro uma análise histórica da segregação
racial nos Estados Unidos, desde o período escravagista. A autora
conclui que o racismo e a segregação estão conectados de forma indis-
solúvel à supremacia masculina (branca). Ela ainda aponta contradições
ao decorrer da história da luta das mulheres negras, como o machismo
enfrentado dentro do próprio movimento negro e as alianças solidárias
e estratégicas com mulheres brancas dispostas a lutar contra a segre-
gação racial.
[8] Em 2011, Pereira et al. observaram inserções publicitárias no
horário nobre da TV baiana, e apesar de amparado por dados demográ-
ficos que apontavam a maioria negra da população do Estado da Bahia,
observaram que a distribuição de personagens com cor de pele diversa
à cor branca encontrava-se desproporcional. O resultado mostrou que
a maioria das inserções publicitárias era estrelada por pessoas brancas.
[9] Disponível em: https://www.avon.com.br/aavon/historia-da-avon.
Acesso em: 09/09/2019.
[10] IDEM.
[11] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TCP6zQb67
KU&list=PLhvsTEowxBg-fjGiU6xK3PApJAUyM3Q9b&index=3. Acesso
em: 12/09/2019.
[12] “Mulher trans é a pessoa que se identifica como sendo do gênero
feminino embora tenha sido biologicamente designada como perten-
cente ao sexo/gênero masculino ao nascer” (MANUAL DE COMUNI-
CAÇÃO LGBTQI+, 2018, p. 30).
[13] Sigla para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Queer, Inter-
sexuais e mais. (Idem)
[14] Fonte: Grupo Gay da Bahia, citado por AVON (2018)
[15] Vídeo disponível em : https://www.youtube.com/watch?v=TDWW
pZ631b4&list=PLhvsTEowxBg-fjGiU6xK3PApJAUyM3Q9b. Acessado
em: 12/09/19, às 13h12min.
[16] Vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=rp1covIfY-
-8&list=PLhvsTEowxBg-fjGiU6xK3PApJAUyM3Q9b&index=5. Acessado
em: 12/09/19, às 13h13min.
[17] A personagem de Lívia é a estrela do canal do Youtube “Consuelo

166
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

Dica Boa”, no qual a atriz comenta, sob a pele da personagem e usando


uma linguagem sarcástica e carregada de sotaque espanhol, assuntos
como política e machismo. Endereço do canal: https://www.youtube.
com/channel/UC00uvUlpLJAWqtXmMY1V4pA. Acessado em:
05/09/2019, às 18h50min.
[18] O vídeo em questão está disponível no YouTube, com o título
“Assédio no transporte público: como educar”, pelo link: https://www.
youtube.com/watch?v=7vjFyYKc0BU. Acessado em: 05/09/2019, às
21h07min.
[19] Fonte: ActionAid, citado por AVONBR (2019).
[20] Vídeo disponível em https://www.youtube.com/watch?v=51cwd
ON6PgA&list=PLhvsTEowxBg-fjGiU6xK3PApJAUyM3Q9b&index=4.
Acessado em: 12/09/2019, às 13h17min.
[21] Vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=UcvGF2S
YWkY. Acessado em: 05/09/2019, às 18h04min.
[22] Fonte: Estudo Todxs (2016), citado por AVON (2019).
[23] Vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9Lm
T555I7rI&list=PLhvsTEowxBg-fjGiU6xK3PApJAUyM3Q9b&index=2.
Acessado em: 12/09/2019, às 13h19min.
[24] Fonte: Censo da Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social
da Prefeitura de São Paulo, citado por AVON (2018).
[25] De acordo com o Manual de Comunicação LGBTQI+ (2018),
o binarismo de gênero é a “ideia de que só existe macho|fêmea,
masculino|feminino, homem|mulher, sendo considerada limitante
para as pessoas não-binárias”. (CADERNO, citado por MANUAL DE
COMUNICAÇÃO LGBTQI+, 2018, p. 27).
[26] Os autores analisaram o case Like a Girl, em tradução literal “Como
uma garota”, expressão que no imaginário coletivo denota fragilidade.
O anúncio contraintuitivo mostrava o estereótipo negativo relacionado
às meninas, mostrando pessoas adultas que, quando perguntadas como
era fazer as coisas “como uma menina”, demonstravam gestos delicados
e com pouca energia. Em seguida, o anúncio expunha meninas jovens,
que não reproduziam esse estereótipo de delicadeza, mostrando vigor
ao executar os gestos. A campanha traz um questionamento sobre a
perda de confiança que as meninas sofrem ao passar pela puberdade e
tenta ressignificar a expressão que intitula a campanha.

167
Comunicação Institucional
e suas Interfaces
Reflexões sobre a práxis emergente das relações
entre teoria e prática na construção dos
conhecimentos do campo de pesquisa

Flávia Clemente de Souza


Milena de Azeredo Pacheco Venancio
Priscila dos Santos Silva

1. Introdução

O conceito de Comunicação Pública é objeto de cons-


tante discussão, dadas as diversas possibilidades de
definições, sendo o sentido de divulgação institucional uma das
acepções trabalhadas. Segundo Brandão (2012) apud Suaréz e
Zuñeda (1999), a comunicação pública deve contemplar a serie-
dade e eficácia com que as instituições se relacionam com seu
entorno. Nesse sentido, se faz necessário estudo aprofundado da
Comunicação Pública enquanto importante vertente da Comuni-
cação Institucional.
De modo a contribuir com esse debate, criou-se em 2018 o
grupo de pesquisa Comunicação Institucional e suas Interfaces,
no âmbito dos estudos do curso de Pós-Graduação em Mídia
e Cotidiano da Universidade Federal Fluminense (UFF). Visto
tratar-se de tema alinhado ao mercado, o grupo busca contribuir
para a formação de bases de discussão teórica da Comunicação
Institucional, tendo como objetivo analisar “formas de apro-
priação das plataformas digitais pela comunicação proveniente
das instituições, seja ela advinda do Marketing, da comunicação
direta com stakeholders ou ainda das interfaces utilizadas pelas
Assessorias de Imprensa” (SOUZA, 2018).
Entretanto, o grupo de pesquisa não se limita ao estudo
estrito da Comunicação Institucional. Uma vez que considera as
interfaces com o tema, tem escopo de atuação mais amplo e está

168
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

subdivido em três linhas de pesquisa: “Comunicação e Memória


Institucional”, “Desenvolvimento de metodologias para pesquisas
no campo da Comunicação Institucional” e “Linguagens, repre-
sentações e produção de sentidos”.
A linha de pesquisa “Comunicação e Memória Institucional”
tem como foco a preservação da memória institucional e sua
importância para o fortalecimento de instituições.

A memória institucional vai além da visão de recomposição


da história de determinada instituição. A recuperação
e preservação da memória institucional – por meio da
produção de interfaces com a comunicação – é uma forma
de fortalecimento da instituição e serve não somente como
demarcação do passado, mas para referenciar o presente,
ressignificando-o, e contribuir para nortear os rumos futuros
da instituição, por meio da (re)descoberta de sua identidade
(SOUZA, 2018a).

Nesse sentido, é interessante notar que há preocupação não


somente com a preservação da memória organizacional, mas
também com a função sociocultural dessa memória. Rowlinson
et al. (2010), apud Costa e Saraiva (2011), por exemplo, criticam
a visão unicamente utilitária adotada na preservação da memória
institucional, o que vai ao encontro da proposta da citada linha
de pesquisa, assim como do objetivo do grupo como um todo.
Na linha de pesquisa “Desenvolvimento de metodologias
para pesquisas no campo da Comunicação Institucional”, o
objetivo é analisar a atuação das assessorias, porém, com atenção
especial à formulação de metodologias que permitam a pesquisa
a partir de um ponto de vista externo, sem a necessidade de
inserção nos meandros das práticas dos assessores de imprensa,
nem sempre uma tarefa simples, dada a necessidade de confiden-
cialidade e acordos de sigilo entre fontes e assessorias de comu-
nicação.
Sobre a proposta dessa linha, é importante ressaltar a rele-
vância de trabalhar com dados já publicados, uma vez que os
limites de confidencialidade podem ser fatores impeditivos a
uma completa análise por meio de metodologias etnográficas
tradicionais, visto que incluem entrevistas com fontes e obser-

169
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

vação participante. Nesse sentido, vale ressaltar o papel das partes


envolvidas nas assessorias. Pois, segundo Caldas (2011, p. 323):

Para entendermos melhor a função e o comportamento dos


jornalistas que trabalham nas assessorias de imprensa e os
que atuam na mídia, é necessário compreender os costumes,
o cotidiano desses profissionais. Com base no pressuposto
de que ambos são jornalistas, o interesse comum, como já foi
mencionado anteriormente, é a divulgação da informação.
Além disso, o cultivo da ética deve ser preservado, seja
no processo de produção da notícia original, seja em sua
adaptação para a veiculação. Os princípios comuns, os ideais
do jornalista, que movem esses profissionais devem nortear
as ações cotidianas. Além disso, devem sempre colocar-se no
lugar do receptor-leitor para observar o interesse público na
informação. Notícia não é necessariamente um produto a ser
vendido, embora possa, em algumas circunstâncias, assumir
essa conotação (CALDAS, 2011, p. 323).

Já a linha “Linguagens, representações e produção de


sentidos” tem como objetivo pesquisar “formas de produção
de sentido e construção de identidade e memória social, decor-
rentes da relação entre os diferentes agentes sociais e os discursos
midiáticos em diferentes suportes” (SOUZA, 2018b). Conside-
rando esse objetivo, vale destacar a ideia de produção de sentido,
conforme a linguista Maria do Rosário Gregolin (1995): para
compreender o sentido de um texto é necessário que os partici-
pantes da ação enunciadora tenham conhecimento partilhado do
contexto sócio-histórico em que o texto está inserido para, assim,
inferir os significados.
A linha de “Linguagens, representações e produção de
sentidos” busca abranger pesquisas sobre linguagem, discurso,
imagem e representação, e consumo no cotidiano das práticas
midiáticas. Logo, se encontra em um âmbito de atuação mais
amplo que as outras duas linhas, permitindo expandir os trabalhos
do grupo para além das práticas organizacionais. Contudo, inde-
pendentemente da linha, nota-se o interesse na análise e contri-
buição das discussões sobre todas as vertentes do que caracteriza a
comunicação institucional, especialmente a comunicação pública.

170
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

Nesse sentido, o grupo busca contribuir com o debate


sobre a inclusão da Comunicação Pública como objeto de refle-
xões acadêmicas. Brandão (2012, p. 2) postula que “é crucial
que o campo científico e o campo da mídia sejam cada vez mais
próximos”. Assim sendo, não se pode desconsiderar, hoje, a
importância de todos os elementos disponíveis para a articulação
entre ciência e a comunicação, incluindo-se estudos sobre dife-
rentes tecnologias e redes de atuação. O grupo também abarca
estudos relacionados a mídias sociais e o papel não só da Comu-
nicação, mas também do comunicador nesses ambientes.
Sendo assim, o pesquisador, uma vez que atue enquanto
comunicador do objeto de seu estudo, passa a ser o investigador
e o objeto de pesquisa. Barros (2003, p. 11) ressalta que, mais que
o objeto, o comunicador deve ser sujeito da pesquisa:

Para isso, é preciso criar uma cultura de investigação que leve


o comunicador a pensar o seu fazer, a teorizar sua prática,
desenvolvendo uma verdadeira práxis, que articule forma
e conteúdo em seu fazer/pensar, permitindo o exercício
da autocrítica e a superação de uma concepção tecnicista
de sua área de atuação. Nessa operação epistemológica de
confronto entre o fazer e o pensar verifica-se uma dimensão
do que Ciro Marcondes denomina de autopoiese [BARROS,
2003, - p.11, grifo do autor].

A autopoiese ou autopoiesis (do grego auto “próprio”,


poiesis “criação”), a que se refere o professor Laan Mendes de
Barros, a partir da citação de Ciro Marcondes, seria algo que cria
a si mesmo. Essa concepção foi elaborada pela primeira vez nos
anos 1970, pelos biólogos e filósofos chilenos Francisco Varela e
Humberto Maturana, para designar a capacidade dos seres vivos
de produzirem a si próprios. Esses mesmos pesquisadores come-
çaram a aplicar o conceito para a comunicação, partindo dos
princípios da biologia. O conceito de autopoiesis é amplamente
utilizado pela Teoria Social (Cf. Niklas Luhmann) e aplicado em
áreas da comunicação e das ciências sociais e humanas.
A partir dessa visão sistêmica e organizacional, o grupo tem
em suas propostas de pesquisa refletir sobre o fazer comunica-
cional, compreendendo a importância de se divulgar o pensa-

171
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

mento científico, não mantendo-o somente no âmbito acadêmico,


mas buscando análises que permitam a relação do saber cientí-
fico com o cotidiano. O que inclui a própria crítica ao campo da
Comunicação e o papel dos comunicadores, de modo a construir
melhores práticas.
Logo, nota-se que a Comunicação Institucional é uma área
de definição complexa e que abrange diferentes campos de
estudo. No que tange à comunicação organizacional, o sentido
mais comumente atribuído à Comunicação Institucional e prin-
cipal objeto de estudo do grupo, a professora Margarida Kunsch
(2007) lembra que o processo comunicativo nesse ambiente
abrange uma série de variáveis que condicionam a relação entre a
organização, sistema micro, e a estrutura social, ou seja, o sistema
macro. Variáveis que podem ser representadas por diferentes
fatores como, por exemplo, “contextos sociais, políticos e econô-
micos” (Ibid., p. 370), bem como também pelas “culturas, visões
de mundo dos integrantes em confluência com a cultura organi-
zacional vigente, em que são compartilhados comportamentos e
universos cognitivos diferentes” (Ibid., p. 370).
O contexto, vale enfatizar, está relacionado com aspectos
cognitivos dos participantes da relação entre os sistemas. De
acordo com Jean-François Chanlat (1999, p. 49), apud Kunsch
(2007, p. 371) “(...) os contextos são modos de leitura da situação.
São as estruturas de interpretação, os esquemas cognitivos que
cada pessoa possui e utiliza para compreender os acontecimentos
que ocorrem e, em particular, compreender o que nos interessa”
[grifo da autora]. Assim, cabe compreender:

As organizações em geral, como fontes emissoras de


informações para seus mais diversos públicos, não devem
ter a ilusão de que todos os seus atos comunicativos causam
os efeitos positivos desejados ou são automaticamente
respondidos e aceitos da forma como foram intencionados. É
preciso levar em conta os aspectos relacionais, os contextos,
os condicionamentos internos e externos, bem como a
complexidade que permeia todo o processo comunicativo.
Daí a necessidade de ultrapassarmos a visão meramente
mecanicista da comunicação para uma visão mais
interpretativa e crítica (KUNSCH, 2007, p. 371).

172
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

É interessante ressaltar o pensamento de Kunsch, uma vez


que está de acordo com a proposta do grupo de considerar a
pesquisa da Comunicação Institucional para além das organiza-
ções e buscando a relação com os contextos em que se insere,
bem como outros aspectos do processo comunicativo, conforme
enunciado nas já citadas linhas de pesquisas. Porém, voltando
à Comunicação Pública como vertente de um conceito maior, a
Comunicação Institucional, é necessário considerar os demais
aspectos que permitem pensar tal conceito e também podem ser
contemplados pelos estudos do grupo.
Segundo Brandão (2012, passim), há cinco principais
áreas de conhecimento e atividade profissional da Comuni-
cação Pública. Além das citadas áreas de Comunicação Orga-
nizacional e Comunicação Científica, ela também pode ser
identificada como Comunicação Governamental, Comuni-
cação Política e comunicação da sociedade civil organizada.
Cabe às pesquisas que historicamente estão relacionadas ao
Grupo Comunicação Institucional e suas interfaces abranger
também tais relações.

O papel da comunicação mudou e é cada vez menos


profissão. É quase missão: é fazer circular a informação e
suas respostas, muito mais do que produzir. É muito mais
que visão de futuro, do que objetivo institucional. É preciso
não confundir o conceito com a formação profissional. A
comunicação é um componente da vida política de um país e
a Comunicação Pública é o resultado da organização da voz
do cidadão neste cenário político (Ibid., p. 19).

Assim, o grupo propõe uma pesquisa abrangente, com vistas


a relacionar a Comunicação Institucional com o cotidiano, permi-
tindo contribuir para o aprofundamento dos estudos do campo
no país. Para além disso, enquanto pesquisa no espaço público da
universidade, tem por interesse contribuir para a compreensão
da estrutura social na qual seus estudos se inserem, buscando
contribuir com o debate público como um todo. Portanto, o
presente artigo visa apresentar as pesquisas em andamento, bem
como as já construídas a partir do grupo “Comunicação Institu-
cional e suas Interfaces”, relacionando as questões teóricas aqui

173
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

propostas, tendo como ideia central, além desse tema, os estudos


sobre memória e imagem.

2. Vertentes teóricas
O referencial teórico que interpela as discussões do grupo de
pesquisa “Comunicação Institucional e suas Interfaces” passa por
diversos autores com estudos no campo da Comunicação Insti-
tucional, Memória Institucional, Comunicação Pública, Susten-
tabilidade e demais temáticas que dialoguem com a construção
de uma comunicação construída no seio das instituições. Kunsch
(2003, passim) vincula a Comunicação Institucional às relações
públicas, no sentido de desenvolver confiança sólida e construir
reputação positiva em uma organização a partir dos seus interlo-
cutores e dos dispositivos midiáticos. Entretanto, esse conceito
não se limita à manutenção da imagem para fins mercadológicos,
pois, ainda na definição de Kunsch (2003), entende-se por Comu-
nicação Institucional aquela que, no composto organizacional é
responsável direta pela:

[...] construção e formação de uma imagem e identidade


corporativas fortes e positivas de uma organização. [...]
[ela] está intrinsecamente ligada aos aspectos corporativos
institucionais que explicitam o lado público das organizações,
constrói uma personalidade creditiva organizacional e tem
como proposta básica e influência político-social na sociedade
onde está inserida (KUNSCH, 2003, p. 164).

Isso significa que, mais do que um diferencial para enfrentar


disputas de mercado, a identidade de uma instituição traduz sua
missão, seus valores e cultura, envolvendo um papel social e
político. Nesse sentido, a Comunicação Pública está atrelada ao
campo da Comunicação Institucional por abarcar uma grande
variedade de saberes e atividades, o que não requer, necessa-
riamente, uma associação com instituições governamentais.
Segundo Matos (2009), a Comunicação Pública é pensada como
um processo político inclusivo de interação, construída com a
participação da sociedade e tornando-a agente ativa do processo,

174
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

não somente receptora de informações. Além disso, Kunsch


(2013) acrescenta que a Comunicação Institucional das institui-
ções públicas tem um papel que vai além do composto de comu-
nicação integrada, na formatação de imagem e identidade insti-
tucionais fortes e positivas. Sua atribuição está vinculada a uma
dimensão mais relacional e dialógica em vez da mercadológica,
ou seja, o foco da Comunicação Institucional no setor público
é o relacionamento voltado para o cidadão-usuário através dos
valores de cidadania, responsabilização, transparência e controle
social. Assim, a Comunicação Pública tem um potencial de trans-
formação social, sobretudo por seu caráter educativo.
Passando pela trajetória governamental da Comunicação
Institucional, as primeiras Assessorias de Comunicação seguiam
um modelo organizacional diretamente submetido à autoridade
máxima da instituição e subdividida em três áreas: publicidade,
relações públicas e imprensa (BRANDÃO, 2007). Porém, a
concepção inicial estava mais voltada para o papel de dar visibi-
lidade às ações do governo como forma de propaganda do que
no relacionamento com o cidadão e que, em meados da década
de 2000, continuava sendo pautado em muitas Assessorias de
Comunicação Governamental:

O modelo [organizacional governamental das ACS na década


de 70] corresponde a uma prática de trabalho em que o foco
é o atendimento à cúpula da instituição, com a função de ‘dar
visibilidade’, ou seja, ‘colocar na mídia’ o órgão governamental,
ou dela defendê-lo. Algumas instituições públicas têm ousado
um novo design da comunicação, porém, de modo geral,
a concepção do trabalho de comunicação nas assessorias
governamentais tem como foco principal o relacionamento
com a mídia e não com o cidadão (BRANDÃO, 2007, p. 13).

Aktouf (1996) acrescenta, ainda, que a gestão pública na


década de 1970 retinha “diversos aspectos que, em tese, visavam
a eliminar, tais como o prestígio, o privilégio e o poder dos diri-
gentes e a crença na técnica e na tecnologia como soluções mila-
grosas”. Ou seja, existia nos meios governamentais uma cultura
burocrática a serviço das elites governamentais nos setores de
Comunicação em detrimento de ações de relacionamento com o

175
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

público ou cunho social. Essa marca permanece forte ainda nos


dias atuais em muitas instituições, mas vem sendo desconstruída
continuamente sob auxílio da produção científica na área, o que
demonstra a relevância social presente das pesquisas em Comu-
nicação e Memória Institucional.
O fim do regime militar, em 1983, e a chegada dos anos 1990
trouxeram novos estudos sobre Comunicação nas Organizações.
Kunsch (1992) aprofundou as investigações com postulados na
área da Comunicação nas universidades, possibilitando reflexões
que abarcam tanto o cunho político-cidadão quanto a divulgação
científica. A autora detectou a falta de uma política de Comuni-
cação nas universidades brasileiras para divulgação da produção
científica, além da carência de programas criativos e inovadores
em suas estruturas comunicacionais. Kunsch defendeu, ainda,
a incorporação e inovação tecnológica nos serviços de Comu-
nicação das universidades, com perspectiva integrada entre os
vários setores da instituição, considerando ambiente interno e
externo. Com isso, é possível afirmar que a política de Comuni-
cação institucional de uma IES pública e plural deve ser conce-
bida através de debates constantes entre seus agentes e a socie-
dade, além de envolver princípios e diretrizes capazes de refletir
todos os aspectos e tensões da instituição, o que vai muito além
de planejar estruturas, ações e produtos.
Assim, a Comunicação Pública pode ser identificada como
Comunicação Científica, uma vez que:

A Comunicação Científica engloba uma variada gama de


atividades e estudos cujo objetivo maior é criar canais de
integração da ciência com a vida cotidiana das pessoas, ou
seja, despertar o interesse da opinião pública em geral pelos
assuntos da ciência, buscando encontrar respostas para a sua
curiosidade em compreender a natureza, a sociedade, seu
semelhante (BRANDÃO, 2007).

Isso significa que a Comunicação Científica conecta a socie-


dade a informações de interesse público a partir da “utilização
de recursos, técnicas, processos e produtos (veículos ou canais)
para veiculação de informações científicas, tecnológicas ou asso-

176
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

ciadas a inovações ao público leigo” (BUENO, 2009, p. 162). Ou


seja, o papel da comunicação voltada para a divulgação cientí-
fica é difundir o que a instituição vem produzindo em ciência
com uma linguagem adaptada do jargão técnico para o popular,
a fim de fazer o cidadão leigo reconhecer a relevância prática da
produção científica e o impacto direto e indireto na sua comuni-
dade. Isso denota relações significativas entre ciência e opinião
pública. Henriques (2019) atenta, entretanto, para a dificuldade e
resistência dos cientistas em aceitarem a adaptação de linguagem
do conhecimento científico:

Gera-se, com isso, um ponto de tensão que não pode


ser explicado apenas pela dificuldade e resistência dos
cientistas em aceitar uma didatização (ou vulgarização)
dos conhecimentos que produzem em meios de difusão de
grande escala, fora do âmbito especializado. No limite dessa
tensão, está o juízo público que se faz sobre a própria ciência
e suas possibilidades de legitimação em campos sujeitos a
múltiplas controvérsias (HENRIQUES, 2019, p. 125).

Além disso, Bueno (2009) diz que, na grande maioria das


vezes, o agente de Comunicação responsável pela divulgação
científica não está capacitado para esse processo de decodifi-
cação da linguagem científica e que isso pode gerar uma notícia
espetacularizada, com privilégio pela ampliação da audiência em
detrimento da precisão da informação. Isso demonstra tanto a
necessidade de capacitação do profissional quanto de conscien-
tização do gestor acerca do objetivo da Comunicação Científica,
uma vez que ela não deve ser voltada para fins estritamente
mercadológicos.
É importante destacar também a importância de posicionar
a ciência no âmbito das decisões políticas e econômicas do país
e, posteriormente, a sua legitimação perante a sociedade. Isso
significa estimular interesse na opinião pública, na classe política
e, principalmente, nos veículos midiáticos, tornando públicas
as informações de relevância social para o exercício cidadão.
Destaca-se, ainda, a transparência acerca dos resultados oriundos
dos investimentos em ciência e do estímulo à valorização da
produção científica pela sociedade. Portanto, é crucial a criação

177
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

de pontes pelo profissional de Comunicação Científica entre o


campo da ciência, o campo midiático e a sociedade.
Com isso, é possível afirmar que os estudos em Comuni-
cação Institucional ainda estão em processo contínuo de estru-
turação, visto a realidade das organizações no país, com insti-
tuições governamentais que enfrentam dificuldades em lidar
com o estado burocrático e os diálogos com a sociedade. Essa
realidade pode ser amenizada através de estímulos à criação de
políticas de comunicação e da profissionalização dos agentes de
comunicação institucional, além de estabelecer como cultura o
cunho social e educacional inerente da Comunicação Pública,
evitando problemas de sensacionalismo midiático na divulgação
científica. Entretanto, a crescente popularização das tecnologias
e mídias de comunicação digital acompanha os desafios postos
à Comunicação Institucional nos dias atuais, pois essas transfor-
mações colocam em cena novos agenciamentos de linguagens e
técnicas, o que aumenta o potencial da comunicação em estabe-
lecer práticas que vão além da manutenção da imagem da insti-
tuição para fins mercadológicos. Isso abre novos horizontes para
os estudos em Comunicação Institucional, no sentido de inves-
tigar práticas alinhadas ao cenário atual e a perspectivas futuras.

3. Histórico do surgimento do grupo


A assessoria de imprensa se caracteriza como uma atividade
especializada, cujos processos e práticas são pouco conhecidos
do público em geral. Até mesmo com relação à formação univer-
sitária, o ensino de assessoria de imprensa se mostra secundário,
mesmo após a reforma curricular dos cursos de Jornalismo, a
partir das diretrizes publicadas pelo Ministério da Educação em
2013.
De acordo com as diretrizes, a assessoria de imprensa se
inclui no eixo V, que trata de aplicação processual, “cujo objetivo é
o de fornecer ao jornalista ferramentas técnicas e metodológicas,
de modo que possa efetuar coberturas em diferentes suportes”.
Este tratamento dado à atividade de assessoria de imprensa como
uma aplicação processual, no âmbito da academia, a descaracte-

178
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

riza como uma atividade central para os que buscam a formação


em Jornalismo.
O mesmo apagamento (MAINGUENEAU, 1997, p. 44) da
atividade dos assessores de imprensa ocorre na produção do
conteúdo jornalístico. A relação de mediação que se estabelece
entre as assessorias de imprensa e as redações pode ser classifi-
cada como opaca, pois o que transparece no noticiário majori-
tariamente são formações discursivas (COURTINE, 1982) que
ainda levam a crer que o contato entre os jornalistas e as fontes
se dá de forma direta, como em enunciados que traduzem as
assessorias pelas instituições: “Ministério da Saúde informa sobre
vacinação contra dengue”. Neste tipo de construção, afirma
Maingueneau (1997, p. 44), “ocorrem os apagamentos dos indiví-
duos por trás do estatuto de porta-voz”. Para os que conhecem os
mecanismos de produção da notícia, é possível perceber o papel
da assessoria de imprensa, mas o fato não é transparente para
quem desconhece esses processos de produção do noticiário.
O discurso jornalístico se transforma, no curso do tempo,
nesse caso, representado como um meio contínuo, como propõe
Halbwachs, “que não mudou e que permaneceu o mesmo hoje
como ontem, de maneira que podemos encontrar ontem dentro
de hoje” (HALBWACHS, 1990[1950], p. 120). Em princípio, a
relação direta entre fontes e imprensa era comum, no entanto,
com o passar de alguns anos, houve a necessidade de começar a
estruturar esses processos de mediação, para que o atendimento
à imprensa pudesse ocorrer efetivamente. Do ângulo do público
final, no entanto, o trabalho do assessor de imprensa é pouco
perceptível no produto final elaborado pelo jornalismo – já que
seus processos se dão basicamente na mediação entre fontes e
redações, fato que justifica que seus processos não sejam de fácil
reconhecimento.
A mediação das assessorias de imprensa no relacionamento
entre as fontes e os jornalistas tornou-se, com o passar dos anos,
indispensável para ambos os lados – tanto fontes quanto jorna-
listas – dando a ilusão, ao público, de que o relacionamento se
dá de forma direta. Este projeto de pesquisa pretende abordar
até que ponto a forma tradicional do fazer jornalístico sofreu
o impacto do crescimento das assessorias e de que forma, por

179
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

meio do desenvolvimento de um método de pesquisa específico


para analisar o resultado dessas mediações, é possível avaliar o
impacto das narrativas construídas pelas fontes nos processos de
produção de sentido do jornalismo.
Para a Análise do Discurso, não se trata apenas da trans-
missão de informação, nem da linearidade na disposição dos
elementos de comunicação, como se a mensagem resultasse de
um processo assim serializado: alguém fala, refere alguma coisa,
baseando-se em um código, e o receptor capta a mensagem, deco-
dificando-a. Desse modo, diremos que não se trata de transmissão
de informação apenas, pois, no funcionamento da linguagem,
que põe em relação sujeitos e sentidos afetados pela língua e pela
história, temos um complexo processo de constituição desses
sujeitos e produção de sentidos e não meramente transmissão
de informação. São processos de identificação do sujeito, de
argumentação, de subjetivação, de construção da realidade etc.
(ORLANDI, 2010, p. 21).
A partir dessas reflexões é que surgiu, em 2017, o grupo de
pesquisas “Comunicação Institucional e suas Interfaces”, com a
ideia inicial de compreender de que forma as pesquisas poderiam
ser aplicadas ao dia a dia da Comunicação Institucional, por
meio do desenvolvimento de metodologias que descortinassem
as interfaces dos processos comunicacionais. Em um primeiro
momento, o projeto se deu alinhavado com o projeto de extensão
“Observatório das Fontes de Informação Pública (OFIP)”,
buscando o desenvolvimento de um banco de dados que pudesse
permitir a extração de corpora variados, para diversos tipos de
pesquisas na área. Esse projeto, ao longo dos últimos três anos,
passou por diversas fases –- desde o piloto, com a participação
de turmas de alunos que colaboraram com a coleta de dados e
inserção em planilhas –, até o momento atual, no qual já há um
sistema desenvolvido e um site organizado, que estão em fase de
implantação nos servidores da universidade.
A partir do início das pesquisas, um caminho natural
derivado dos resultados foi abordar a ideia de constituição de
memória social, no caso com o viés institucional. Duas pesquisas
se destacaram nesse contexto: a primeira, sobre os 50 anos da
criação do Instituto de Arte e Comunicação Social e a segunda,

180
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

sobre as memórias das ocupações estudantis universitárias.


Ambas receberam fomento para sua realização, o que comprova
a relevância do tema.
Com a inserção da pesquisa no campo da mídia e cotidiano,
a terceira linha de pesquisa que surgiu no grupo foi voltada às
reflexões teóricas sobre linguagens, representações e produção
de sentidos, congregando as diversas pesquisas sobre os vieses
relativos à imagem, à rede e às interações sociais a partir das
imagens institucionais, com a compreensão ampla da palavra
instituição.
Atualmente, portanto, o grupo conta com três linhas de
pesquisas. Como idealizadora das pesquisas, Flávia Clemente é
professora do quadro permanente do Programa de Pós-Graduação
em Mídia e Cotidiano/PPGMC e líder do grupo, participando de
todas as linhas. O professor Mohammad Fanaee, do Instituto de
Matemática e Estatística da UFF, colabora com a visão estatística
sobre o desenvolvimento metodológico, e colabora também como
vice-coordenador no projeto de extensão OFIP. As alunas de
graduação Danielly Alves dos Santos e Thaiane Mariano Ferreira
participam das pesquisas sobre o desenvolvimento de metodo-
logias para pesquisas no campo da comunicação institucional,
sendo que Danielly atualmente é pesquisadora de Iniciação
Científica do projeto, com bolsa de fomento do CNPq. Reunidas
na linha de linguagens, representações e produção de sentidos,
Milena de Azeredo Pacheco Venancio, discente de doutorado
do PPGMC, além de Luciana Carvalho de Moraes e Priscila dos
Santos Silva, alunas de mestrado do programa, contribuem para
as pesquisas que buscam uma reflexão teórica sobre o campo,
voltando-se para objetos que estão no mercado e possibilitando,
assim, a constituição de uma práxis que contribui para a consoli-
dação dos estudos sobre Comunicação Institucional.

4. Conclusão
Neste artigo buscou-se reunir o momento atual das pesquisas
do grupo “Comunicação Institucional e suas Interfaces”, assim
como trazer reflexões teóricas sobre esse campo de pesquisas e

181
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

traçar o histórico que levou a pensar esse tipo de projeto. Devido


ao pouco tempo do projeto, os resultados ainda se encontram
em estágios iniciais, assim como as etapas necessárias para cons-
tituir um sistema público que reúna os dados para possibilitar
pesquisas em rede. Esses objetivos estão traçados e vêm sendo,
gradualmente, cumpridos.
Com o desenvolvimento das pesquisas propostas, também
ficou clara a relevância de trazer um aporte teórico às discussões,
o que derivou para uma concepção de círculo de leituras, com
encontros periódicos que reúnem os pesquisadores para debater
sobre os temas da área. Essas leituras contribuem tanto para o
amadurecimento das pesquisas do grupo quanto para o desenvol-
vimento dos projetos de pesquisa individuais.
No futuro, pretende-se ampliar a quantidade de pesquisa-
dores, a partir do momento em que o sistema esteja totalmente
operacional, por meio do conceito de rede, com outras institui-
ções nacionais e internacionais. O grupo também continuará
mantendo seu tripé que reúne pesquisa, ensino e extensão, da
forma como foi concebido desde seus estágios iniciais, promo-
vendo uma saudável interface entre diferentes áreas de conhe-
cimento e alunos de diferentes níveis, fortalecendo os vínculos
e a troca de conhecimentos e saberes constantes entre todos os
participantes.

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Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

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183
Um outro tempo é possível
Rachel Bertol

Primeiro ano

T empos – Temporalidades dos Meios Comunicacionais,
Linguagem e Cotidiano”, até o momento, é o mais novo
grupo de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Mídia e
Cotidiano (PPGMC-UFF): completamos em dezembro de 2020
um ano de existência, atravessando um período bastante atípico,
no contexto da pandemia de Covid-19. Ainda assim, apesar da
situação complexa, temos a sensação de ter conseguido abrir
caminhos produtivos. Sobretudo a partir das reuniões que
passamos a realizar periodicamente a partir de maio (sempre de
forma remota), pudemos nos conhecer em dois sentidos: seja em
termos de interesses de pesquisa e perspectiva teórica, seja em
termos pessoais. Um “grupo” de pesquisa, afinal, é composto de
ideias e gente: que graça haveria de nos reunirmos se não pudés-
semos trocar, aprendendo com o diferente, num ambiente em que
buscamos o acolhimento das inquietações e a alegria dos entendi-
mentos? Assim, Tempos encontra-se em início de construção – e
vamos torcer para que essa “construção” nunca se esgote (pois o
sentido do conhecimento não é sempre o da descoberta?). Mas
o fato de sermos muito novos certamente nos situa num ponto
peculiar no mapa dos grupos já mais consolidados no PPGMC.
Podemos começar a nos apresentar, portanto, pela palavra
que nos nomeia – “tempo”, no plural. A proposição remete,
como indica o subtítulo, à temporalidade – formas de viver ou
perceber o tempo – que experimentamos a partir das mídias.
Mas qual seria o interesse dessa temática, ou melhor, que tipo de
abordagem estamos propondo e qual sua relevância no âmbito
de um programa de pós-graduação voltado para o estudo da
mídia e do cotidiano?
Para início de conversa, não precisamos ir longe: basta olhar
à nossa volta, relembrando algo do que passamos nos últimos

184
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

meses com a pandemia. “Liberte o futuro”1; “o tempo pede um


pouco mais de calma”2; uma sensação de tempo estacionário;
o próprio tempo das economias em colapso – estas ideias ou
frases poderiam quase equivaler a slogans (entre outros possíveis)
que ecoaram nos últimos meses, em que fomos obrigados a uma
experiência inédita de recolhimento. Esse período foi abran-
dado, ou atravessado, pela presença dos meios de comunicação,
de forma mais intensa pela comunicação nos ambientes de mídia
digital. Podemos nos arriscar na afirmação de que a pandemia
está aprofundando um processo – que já vinha acentuado – de
digitalização do nosso cotidiano. Por exemplo, a própria univer-
sidade se viu obrigada a mapear quem não dispunha de acesso
pleno à conexão digital para a participação nas aulas remotas.
Foi possível detectar pontos fracos e potências. Mais do que
nunca, passamos a negociar nosso tempo, no dia a dia, através
das mídias.
Como nos ensinam alguns dos autores que inspiram o
próprio PPGMC – indicados na bibliografia básica de disciplinas
obrigatórias do programa –, com Agnes Heller (2016) e Michel de
Certeau (1998), o cotidiano é social e culturalmente construído.
Sendo uma temporalidade específica (sempre atravessada por
muitas outras), a investigação a seu respeito – um dos eixos do
PPGMC – insere-se entre os nossos objetivos de pesquisa. Heller
e Certeau, não por coincidência, são autores preocupados com
questões históricas e historiográficas. Reconhecer e dar atenção a
esses aspectos seria uma das contribuições do Tempos, no âmbito
do PPGMC, na medida em que a investigação das temporalidades
que atuam no cotidiano requer aportes desse tipo. São muitas as
dimensões pelas quais é possível se aproximar da ideia de coti-
diano – e a temporalidade foi um caminho que escolhemos.
Koselleck (2006), autor que consegue historicizar a ideia
mesma de “tempo histórico”, em sua investigação sobre a semân-
tica de conceitos históricos – como revolução –, mostra como
as arquiteturas temporais3 (como a visão que, em determinados

1 Ver: https://liberteofuturo.net/#/. Acesso em: 24 nov. 2020.


2
Trecho da canção Paciência, de Lenine, muito tocada na pandemia.
3
Sobre a ideia de “arquitetura temporal”, uma referência muito importante é
Pomian (1984).

185
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

períodos, temos de presente, passado e futuro) mantêm relação


estreita com as formas de controle social e político. O controle do
tempo – o tempo do nosso trabalho, do lazer, das nossas expecta-
tivas – é uma forma de poder e, desde o início da modernidade,
ele é crescentemente atravessado pela técnica. A partir do século
XIX sobretudo, com a invenção do que Kittler (2019) chamou de
a “primeira mídia tecnológica”, composta por filme, gramofone
e máquina de escrever, e com o aprofundamento gradativo da
vida urbana, a presença da técnica começou a se tornar decisiva
no cotidiano (ver também Benjamin, 2012). Autores que buscam
desvendar as temporalidades que atuam em nossa contempora-
neidade não se mostram indiferentes aos meios comunicacionais.
Alguns que demonstram essa preocupação são Hartog (2019),
Gumbrecht (2015), Huyssen (2003) – mas poderíamos citar
muitos outros.
Aqui, chegamos já ao termo “linguagem”, que surge no
nome do nosso grupo. Com isso, nos referimos às condições de
produção propiciadas pelas mídias, pois a partir da materiali-
dade se estabelecem as formas pelas quais se torna possível a
comunicação. Cada mídia gera “redes discursivas” (KITTLER,
1990, 2019) próprias que atuam no emaranhado da ordem
do discurso de um determinado período. Portanto, o tipo de
demanda comunicacional que havia na sociedade do início do
século XIX difere do conjunto de demandas que se passa a ter
na virada do século XIX ao XX, no momento em que as imagens
começam a se movimentar, a voz ganha autonomia (difundida
pelo gramofone) e o homem passa a escrever batendo nas teclas
de máquinas, deixando cair a pena (KITTLER, 2019). São inclu-
sive novas relações corporais – e até neurais – que se estabelecem
com os artefatos. Hoje, quais seriam, por exemplo, as “redes
discursivas” proporcionadas por um aparelho como o celular? O
que suas possibilidades técnicas ensejam em termos de produção
de linguagem e na forma de organização das demandas comuni-
cacionais e sociais (e mesmo corporais)? Nesse sentido, há uma
preocupação em se aprofundar a investigação sobre a técnica:
cada vez mais, as atuais mídias parecem tornar mais evidente o
quanto é necessário compreendê-las também por dentro, nas
suas formas específicas de funcionamento.

186
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

É preciso fazer, porém, um breve parêntesis – antes de conti-


nuarmos – que se refere ao conceito de “rede discursiva”, que
tomamos aqui a partir da tradução americana (discourse networks)
do termo alemão Aufschreibesysteme, usado no título original do
livro lançado em 1985. Trata-se de um neologismo, cuja tradução
literal poderia ser “sistemas de notação” ou “sistemas de escrita”
(ver MULLER, FELINTO, 2008).

Num pequenino e esclarecedor posfácio, disponível


na edição em inglês [de Discourse networks], Kittler
fornece uma síntese de sua proposta e afirma que a rede
discursiva (discourse networks) designa a rede de tecnologia
e instituições que propiciam a uma determinada cultura
a possibilidade de selecionar, estocar e processar dados
relevantes. A tradução para o inglês, entretanto (mesmo que
seja a tradução possível), de certa forma esmaece o sentido
de materialidade da proposta de Kittler. Não se trata
apenas de ‘discurso’, mas, poderíamos dizer, de circuitos
comunicacionais possíveis numa determinada época, a
partir das condições técnicas das mídias.
Todavia, a noção de sistema perpassa a ideia de redes
discursivas, que, por sua vez, abarcam e/ou ampliam a
de circuitos comunicacionais. As mídias não são somente
aparato como a televisão ou a internet: referem-se antes
a todo suporte material, como um corpo, um alfabeto,
um sistema numérico, o espaço urbano – os sistemas de
notação, enfim – capazes de produzir efeitos de cognição,
de informação e de comunicação (MARTINS, BERTOL,
CARDOSO JR., 2020, p. 11).

A partir desse esclarecimento, devemos ainda destacar, nesta


introdução, que a perspectiva do trabalho histórico acerca das
mídias realizado por Kittler tem como objetivo pensar os meios em
suas interconexões. Não se trata somente de investigar a história
da televisão, dos jornais, da imprensa ou da fotografia etc., mas
de observá-las interconectadas. Por exemplo: como a invenção do
filme ou da fotografia modificou a ideia que se tinha da escrita e
da literatura? A literatura – moldada a partir da mídia livro, na
modernidade – também se modifica sob o impacto das mídias
técnicas. Levando em conta a “rede discursiva”, como podemos

187
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

pensar as competições ou novas imbricações entre palavra, som,


imagem? Isso nos leva também a pensar as culturas das mídias e,
portanto, as próprias artes na (re)montagem constante das redes
discursivas. Nesse contexto, não é possível pensar em relações
muito dicotomicamente marcadas entre as ideias de ficção e não
ficção. Na apresentação de seu curso sobre mídias óticas, a fim
de justificar sua abordagem, Kittler (2016, p. 20) chega a destacar
que “a vinculação das quatro disciplinas – história das mídias,
história da arte, ciência da música e ciência do teatro – a um
único departamento (...) é inteiramente justificada”. Essa meta,
certamente, seria por demais fora do nosso alcance, mas perma-
nece como inspiração para nossas abordagens.
Assim, a entrada no grupo da professora Bárbara Emanuel,
de Design e Comunicação Visual, e do professor Michele Puca-
relli, de fotografia, ambos do curso de Jornalismo do Departa-
mento de Comunicação da UFF, fez com que nossas reuniões – e
as trocas com os alunos – passassem a ter um sabor de diversidade
de áreas de conhecimento, para a compreensão dos textos lidos
e dos processos comunicacionais. Essa perspectiva também pode
ser considerada um pano de fundo para a maneira como o grupo
quer pensar, por exemplo, a prática do jornalismo, inserido em
contextos de comunicação mais amplos. Buscamos congregar
teorias dos estudos de jornalismo com as de mídia. Seria uma
maneira de compreender essa prática a partir dos desafios que
hoje ela enfrenta no cotidiano, na medida em que notícias e
reportagens são difundidas e lidas sobretudo nos ambientes de
mídia digital – e não mais, somente, pela mídia jornal (em papel).
Essa realidade – ainda bastante nova para o pensamento sobre o
jornalismo – implica desafios teóricos e exige uma renovação dos
pontos de vista de análise.
Ao finalizarmos esta introdução – que já se alonga demasiado
–, ainda precisaríamos voltar ao tópico “tempos”, para esclarecer
algumas questões que deixamos em aberto aqui. Vamos apenas
formulá-las neste último parágrafo, como indagações, para que
possam ser desenvolvidas logo a seguir. Afinal, o grupo está inte-
ressado na pesquisa da ideia de tempo e temporalidade na contem-
poraneidade ou trata-se de uma referência à pesquisa histórica
na Comunicação? Podemos dizer logo, de maneira bem rápida,

188
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

que a resposta é positiva para as duas perguntas. E que relação


se pode estabelecer entre a abordagem dos estudos de mídias,
aberta por Kittler, e a questão da temporalidade? Acentuar essa
ligação – que percorre as análises do autor – é certamente uma
particularidade da forma como estamos nos aproximando, a
nosso modo, das suas ideias. Agora, vamos desenvolver mais um
pouco a respeito desses caminhos que abrimos.

Foco nas mídias


Kittler, autor que se encontra entre os fundadores da corrente
conhecida como “teoria das mídias”, é preocupado de forma
predominante com a história dos meios. Sua abordagem situa-se
entre, de um lado, a pesquisa histórica e, de outro, a compreensão
dos processos históricos para a análise dos fenômenos midiáticos
contemporâneos. A pesquisa histórica que realiza, sobretudo em
seu livro seminal, Discourse networks (1990), observa os fenômenos
comunicacionais – como acabamos de explicar no trecho citado
acima (mas vale repetir agora) – a partir da “rede de tecnologia
e instituições que propiciam a uma determinada cultura a possi-
bilidade de selecionar, estocar e processar dados relevantes”. É
por meio desse circuito que ele busca compreender os sentidos
de um movimento como o romantismo alemão. Sua abordagem
tem influência de correntes sociológicas como a de análise de
redes sociais – hoje em voga com as mídias sociais (ver KITTLER,
2017, p. 235) e de teorias cibernéticas que começaram a se desen-
volver em meados do século passado.
As condições proporcionadas pelas mídias, portanto,
tornam-se uma metodologia central em sua análise. É dessa
forma que o autor busca explicar como se consolida a demanda
por “crítica literária” no período do romantismo – sendo
a “crítica literária”, tal como a conhecemos ainda hoje, em
suas linhas gerais, uma invenção desse movimento literário e
cultural. Ele busca diferenciar sua visão a respeito da crítica
de outras abordagens já sedimentadas a respeito desse objeto,
como as que advêm do campo literário – com sua ênfase
hermenêutica – e sociológico.

189
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

Se a crítica hermenêutica4 – que irá emergir no tempo de


Goethe – tem na busca do sentido sua razão de ser, Kittler
lembra que a sociologia da literatura, em oposição, aproxima-
se dos textos como se fossem reflexos de relações de
produção, tendo o trabalho como importante paradigma. Na
sua perspectiva, entretanto, não há essa oposição. ‘A crítica
literária tradicional, provavelmente porque se originou a
partir de uma prática particular de escrita, investigou tudo
sobre livros, exceto a maneira como processam dados’
(KITTLER, 1990, p. 369). (BERTOL, 2020, p. 2).

O “paradigma” que põe em marcha não quer ter como


base nem a hermenêutica, nem o trabalho. Esse paradigma que
defende – tendo gerado muitas polêmicas e incompreensões
– é o da maneira como se organiza a comunicação, como se
processam os dados, em última instância. Assim, as “teorias das
mídias” se estruturam a partir desse fundamento. Sua crítica à
hermenêutica possui grande ressonância e muitas implicações,
de diversas ordens. De forma resumida, podemos dizer – indo
direto ao ponto que nos interessa aqui – que seu propósito é
apontar as limitações da hermenêutica para a compreensão
dos fenômenos midiáticos. Essas limitações teriam começado
a se tornar evidentes no que chama “rede discursiva 1900”, em
contraposição à “rede 1800”, na qual surgiu o romantismo. São
os próprios circuitos comunicacionais de então que passam a
rejeitar a hermenêutica, que ficaria circunscrita, cada vez mais,
à esfera acadêmica, distanciada das pessoas no dia a dia. No seu
livro, realiza uma espécie de genealogia da hermenêutica nos
meios comunicacionais nesses dois períodos.

No início do século XX, as vanguardas históricas podem ajudar


a explicar o que Kittler buscou mostrar. Os fragmentos de jornal
que Picasso e Braque põem em suas colagens simplesmente
representavam o que são: ‘com esse procedimento, apenas
despertam a atenção para a natureza do material (...) e para
4
Por “crítica hermenêutica”, entende-se uma prática que advém do que
Gumbrecht chama de “campo hermenêutico”, algo que começa a se estabelecer
aos poucos com a modernidade, a partir do século XVI. Ver Gumbrecht (1998,
p. 137). A hermenêutica se transfere dos textos sagrados para a “sacralidade”
do gênio do poeta.

190
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

a forma da percepção que responde a essa materialidade’


(GUMBRECHT, 1998 (...)5). A partir da ‘exterioridade’, não
se procura uma profundidade oculta sob a superfície (como
ditava a lição cartesiana), da ordem hermenêutica. Segundo
Gumbrecht (1997, p. 422)6, ‘deve-se aprender’ (o esforço é
necessário, pois não é o que se faria naturalmente) a ver os
sinais – ou os rastros – na página não como sequência, mas
também como simultaneidade, na medida em que se observam
os diferentes ‘instantâneos’ sem que haja necessariamente
relações de causa e efeito entre eles (BERTOL, 2016, p. 80).

Gumbrecht é autor que compartilha com Kittler a análise sobre


a perda da força da hemenêutica na virada do século XIX ao XX:

Entre as experiências estéticas e filosóficas que [Gumbrecht]


cita como sintomáticas das mudanças, encontram-se a
poética simbolista, as vanguardas históricas, a Programmusik
de Wagner, além de Nietzsche (são exemplos também
presentes em Discourse Networks, que enfatiza a importância
do expressionismo). Nesses casos, há um deslocamento
da questão da representação (e, por conseguinte, da
interpretação), sendo a filosofia de Nietzsche, seu estilo
econômico de escrita e sua própria figura (a partir da
corporeidade), tomados por Kittler como o emblema das
mudanças (BERTOL, 2016, p. 80).

Foi assim que a escrita de Kittler, que se empenha em


explicar os fenômenos midiáticos, passou ela própria também
a rejeitar a hermenêutica, adotando um estilo cunhado por
Welbery (1990) como “pós-hermenêutico”. A força desse estilo
contestador – muitas vezes irônico e sarcástico, incômodo em
alguns casos – seria mais evidente na língua alemã original, em
que a hermenêutica possui uma tradição e um estilo muito assen-
tados7. Mesmo assim, o leitor consegue reconhecer na versão
norte-americana de Discourse networks, pela maneira como Kittler
5
Aqui se faz referência ao texto “Cascatas da modernidade”, disponível em
Modernização dos sentidos (1998).
6
Aqui se faz referência a In 1926: living at the edge of time (1997).
7 Wilheim Dilthey (1833-1911) e Hans-Georg Gadamer (1900-2002), este com
sua Verdade e método, são dois dos autores mais referidos quando se trata de
observar a tradição da crítica hermenêutica no universo germânico.

191
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

constrói seu texto, que o objetivo não é encontrar, em primeiro


lugar, o sentido das coisas (o que seria próprio da hermenêutica),
mas trazer elementos que permitam a construção de sentidos.
Para isso, há um trabalho especialmente forte com arquivos e
fontes primárias: cartas, a própria literatura (por dentro), textos
memorialísticos, cartilhas escolares, biografias, jornais, docu-
mentos da burocracia etc.
A proposição historiográfica de Kittler possibilita que as
mídias advindas da “rede 1900” – gramofone, filme, máquina
de escrever – sejam “observadas em uma realidade histórico-
-cultural específica simultaneamente em suas restrições técnicas
e seus usos culturais” (MARTINS, BERTOL, CARDOSO JR.,
2020, p. 3). Destacar os traços culturais envolvidos em sua abor-
dagem é importante, na medida em que problematiza uma crítica
que costuma ocorrer de forma rápida, sem o devido aprofun-
damento, a respeito de uma ideia de determinismo tecnológico
que limitaria suas análises. Para Kittler, “aquele que se chama
Homem” (como costuma escrever), figura que se molda a partir
do projeto Iluminista, deveria reconhecer seus limites, diante da
razão e mesmo da técnica. Dá o exemplo da televisão: ao passo
que o filme e o cinema nascem do sonho, a tevê teria resultado
de um desenvolvimento técnico imprevisto (KITTLER, 2016).
Reconhecer que a técnica e a tecnologia muitas vezes podem
deixar o homem diante de enrascadas, das quais não sabe como
sair, parece estar entre seus objetivos.
Suas análises costumam levar em conta os aspectos técnicos
dos meios de um modo minucioso (quase como se fosse um enge-
nheiro ou músico, quando o tema exige – deixando-nos, aliás,
sempre em dúvida sobre sua acurácia). Põe em marcha nessas
análises a mirada “arqueológica” para investigação das mídias,
conforme a denominação que foi dada por muitos de seus segui-
dores. Afinal, como a técnica e a tecnologia podem explicar
configurações culturais que naturalizamos em nosso dia a dia?
Ou elas nada têm a nos dizer?
Assim como Virilio, Kittler (que cita-o muitas vezes)
compartilha a perspectiva de que os meios se desenvolvem sobre-
tudo com um objetivo bélico. Bem diferente de McLuhan, uma
influência que reconhece e a quem não é indiferente, mas que

192
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

muito critica, não há em sua perspectiva nenhum triunfalismo


acerca do capitalismo: suas análises podem ser muito (excessiva-
mente até) sombrias. Curiosamente, se muitos o criticam por ser
“desumano”, é falando da força do amor – que perscruta numa
pintura de Veermer (Moça com chapéu vermelho) – que introduz
Mídias óticas (2016), obra que reúne as palestras de um curso que
deu em Berlim. Numa viagem aos EUA, em que esperava conse-
guir ir ao museu onde se encontra a pintura, foi impedido por
motivos contingentes, o que lamentou, pois “nenhuma fotografia
é capaz de nem mesmo insinuar o brilho extraordinário das luzes
de Veermer” (2016, p. 10). Ou seja, nada substitui a presença
(algo restaria do lamento de Benjamin, apesar de tudo).
“Veermer está morto; a jovem holandesa também. Seus olhos
se escondem na sombra para dizer aos homens que o amor corres-
pondido é tão imprevisível quanto feliz” (2016, p. 9). Veermer é
um mestre na maneira como usa a câmara obscura, pintando
assim a representação da representação. Seria um pintor paradig-
mático. Segundo Kittler, “desde Descartes, holandês por opção,
sabemos que a modernidade não apenas produz representa-
ções, mas – segundo o entendimento de Heidegger – representa
a própria representação” (2016, p. 11). No primeiro plano da
pintura, encontra-se a moça e, à esquerda, pela janela retratada,
entra a luz do Sol – numa das partes dessa cena, está a câmara
obscura, que, claro, não aparece na composição. O fato de “a
mão do pintor” transformar “a aparência fugaz de uma moça,
transformar um jogo de luzes em uma imagem perene, já não é
arte, é amor” (2016. - p. 11). E se a arte provém da habilidade,
esta vem do querer. “Querer, porém – diz Heidegger, no Diálogo
ocidental – vem de amar”, lembra Kittler (2016, p. 11), pondo
assim essa força – a do querer – como capaz de atuar na técnica.
O amor é essa força8. Kittler (2016, p. 12) ainda especula sobre
a moça: “Mas sua boca já beijou mais de um homem. Já amou e
ama também agora. Se assim não fosse, nunca olharia o pintor de
forma tão sensual”. A arte que permite esse tipo de conjecturas

8 Segundo Gumbrecht (2017, p. 521), há na obra tardia de Kittler “uma


refutação explícita do dogma de McLuhan – que, de forma autorreflexiva,
afirma a mídia como mensagem – em prol de uma fabricação da existência por
meio de sons e de suas mídias”.

193
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

é “a arte que pensa”, e esta é sempre uma arte que “tem consci-
ência e revela sua interação com a mídia” – no caso, a câmara
obscura (além do suporte que a acolhe). “Acolhida pelas mídias,
[a arte] permite que a physis se desvele. Desde Picasso, Warhol e
companhia, chamamos todo o resto de valor de mercado, pois
o mercado descarta o Sol./No entanto, ‘não há coisa mais linda
sob o Sol que estar sob o Sol’ (Ingeborg Bachmann)” (KITTLER,
2016, p. 13).
Não é seu objetivo discutir o valor de mercado da arte –
ele apenas pontua, brevemente, uma oposição clássica, porém
não superada –, como se houvesse uma liberdade para além do
mercado. Sua atenção, antes, gostaria de se voltar para o Sol.
“Se nos orientássemos pela verdade pura e sincera, todo curso
sobre mídias ópticas deveria começar com um louvor ao astro
que revela aos olhos aquilo que é visível” (2016, p. 15). O Sol
propicia a visibilidade – seria uma mídia mater. “Porém, num
mundo cujo dia a dia não é determinado pelo Sol, mas pelas
ciências e as técnicas, as aulas, desde o início, sempre estão do
outro lado da luz. Todas as mídias ópticas do meu título agem e
procedem naquela sombra que, segundo Leonardo [da Vinci], o
Sol não vê” (2016, p. 15). Assim, se a Comunicação quer muitas
vezes entender aquilo que tem visibilidade, na luz dos holofotes,
sua proposta de estudo é justamente dar atenção àquilo que
não se encontra visível, mas propicia a visibilidade. Por isso, ele
quer estudar a câmara obscura, que, mesmo oculta na pintura
de Veermer e dos artistas de seu tempo, foi fundamental como
mídia para a arte do Renascimento e para uma determinada
visão de mundo. Essa “perspectiva”, entretanto, ele não adota
somente para as mídias óticas e, por isso, quer escarafunchar a
técnica e percorre as fontes primárias, desvendando até aspectos
da vida (e dos sonhos) dos pensadores e artistas de diferentes
tempos. Descartes, lembra ele, era “um amante que costumava
dormir até tarde, era tudo menos racionalista já no que dizia
respeito a fumar tabaco ou haxixe” (2016, p. 11); Nietzsche, com
seus problemas de visão, se tornou um dos primeiros entusiastas
da máquina de escrever, o que teve impacto não apenas na sua
vida, mas em sua filosofia e, portanto, no Ocidente (KITTLER,
1990; 2019); poderíamos citar muitos outros casos nos quais se

194
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

conectam as condições de vida dos autores – sua materialidade


cotidiana – às ideias que desenvolvem. Entender de que maneira
figuras como Bergson, Freud, Benjamin sentiram o impacto das
“mídias técnicas”, na virada do século XIX ao XX, é uma de suas
curiosidades (e um método) para compreender o que se pôs em
jogo a partir de então.

Kittler descreve como estas mídias técnicas promoveram


modificações profundas nas formas de registro, processamento
e circulação da informação a partir de uma conceituação
original e anacrônica, a partir das três categorias metodológicas
da teoria lacaniana, a tríade real-imaginário-simbólico. Cada
uma das mídias funcionaria como materialização de uma das
categorias: se o filme apresenta o imaginário, o gramofone
registra o real e a máquina de escrever articula o simbólico.
Além da inspiração psicanalítica, sua historiografia da mídia
busca atualizar e desenvolver a noção de discurso de Michel
Foucault e considera seriamente as condições de possibilidade
para o desenvolvimento de uma mídia ao modo do que refletiu
Jacques Derrida sobre a arquiescritura (MARTINS, BERTOL,
CARDOSO JR., 2020, p. 3).

Esses três autores – Lacan, Foucault e Derrida – formam


a base pós-estruturalista a partir da qual Kittler constrói suas
ideias (além, claro, do diálogo com a tradição filosófica alemã).
Pode ser importante ainda destacar a presença de Benjamin,
que Wellbery (1990, p. XXXI) lembra no influente prefácio à
edição norte-americana de Discourse networks: “O único crítico ou
teórico que conheço que vê o significado histórico da mídia num
jeito similarmente radical é Walter Benjamin” (tradução livre).
A análise que Kittler realiza da mídia filme, especialmente, tem
um pano de fundo comum com muitas das ideias apresentadas
por Benjamin em seu ensaio sobre a reprodutibilidade da obra
de arte. Os dois autores relacionam mídia e arte e dão atenção
às novas formas de atenção e percepção, além de enfatizarem
a importância dos choques como perturbações imprevistas da
experiência da modernidade. Muitos outros pontos poderiam
ser analisados – mas Wellbery destaca uma diferença entre eles
muito produtiva aqui:

195
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

A tese do fim da arte de Benjamin, em outras palavras, repousa


sobre um andaime diegético que permanece essencialmente
hegeliano. Kittler é um evolucionista no sentido de que
não atribui nenhuma direcionalidade a priori à mudança
histórica. A midiatização do discurso modernista é um evento
contingente, um clinâmen histórico, não a realização de um
projeto que se desdobra ao longo dos séculos (WELLBERY,
1990, p. XXXII; tradução livre).

Ainda assim, Kittler está muito atento à maneira como as


mídias proporcionam temporalidades; por exemplo, o ensaio
sobre a mídia filme (mas não apenas) destaca como esta, ao criar
temporalidades específicas, fornece novas maneiras de ver o
tempo à nossa volta.
Wellbery (1990) define três eixos como pressupostos teórico-
conceituais para as análises de Kittler: exterioridade, mediali-
dade e corporeidade. A exterioridade constitui uma perspectiva
analítica que permite a crítica pós-hermenêutica. Tem Foucault,
sobretudo, como principal inspiração, a partir de sua análise do
discurso.

[Kittler] pretende analisar a construção dos discursos a partir


de dispositivos que organizam o que se registra e se armazena,
ou seja, complexas estruturas de poder e tecnologia que
determinam o que se encontra registrado nos discursos. Dessa
forma, ao considerar a especificidade histórica das máquinas
que processam e registram o conhecimento, revelam-se
complexas estruturas que articulam poder e tecnologia. Por
sua vez, ampliar o conceito de mídia como algo determinado
pelas condições tecnológicas de um momento histórico,
o torna aplicável para todas as formas de trocas culturais,
estabelecendo-se um domínio de investigações pautadas
pela medialidade. Tal pressuposto define, por exemplo, as
condições gerais para que um discurso tome forma em uma
época específica (...) (MARTINS, BERTOL, 2019, p. 15).

A medialidade seria aquilo que é intrínseco ao ato de mídia.


Muitos autores – entre os inúmeros seguidores de Kittler na
ampla corrente das teorias das mídias, da qual é um dos autores
de referência – tomam a proposição da medialidade com uma

196
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

radicalidade que não adotamos. Em vez de um fechamento


sobre a Comunicação, preferimos manter essa especificidade em
diálogo com outros métodos dentro do campo ou fora.

No prefácio à edição americana de Gramofone, filme, typewriter


(1999), Winthrop-Young e Wutz observam que, assim como
a ‘literariedade’ foi considerada, a partir de Jakobson,
o objeto de estudo formalista da literatura, o estudo da
mídia deveria referir-se principalmente à medialidade, sem
recorrer aos ‘usuais suspeitos’ (p. XIV), como a história, a
sociologia, a filosofia, a antropologia, a literatura, os estudos
culturais. Segundo os autores, seria preciso focar naquilo que
é intrínseco à lógica tecnológica, nos links cambiantes entre
corpo e mídia, nos protocolos do processamento de dados,
em vez de observar esses aspectos do ‘ponto de vista de seu
uso social’. Sterne (2012), por sua vez, retoma o vigor da
ideia de medialidade na sua inovadora história do mp3, pois
este conceito daria mais especificidade aos estudos de mídia,
em lugar de expressões como mediação ou midiatização.
No entanto, num comentário que poderíamos considerar
tipicamente à ‘esquerda’ da observação de Winthrop-Young e
Wutz, reivindica que os ‘usuais suspeitos’ das ciências sociais
e humanas, e outros mais, sejam, sim, trazidos para analisar a
medialidade (2012, p. 252). (BERTOL, 2016, p, 76).

Esta abertura, sem dúvida, é um ponto importante para o


grupo Tempos. Finalmente, como terceira pressuposição, iden-
tifica-se na corporeidade um “ponto de referência e um foco de
preocupação” (WELLBERY, 1990, p. XIV), pois indica o corpo
como lugar onde as tecnologias culturais se inscrevem, ou seja, um
link de conexão de onde simultaneamente partem e convergem
as operações midiáticas. O corpo torna-se um aparato profun-
damente histórico, configurado e reconfigurado continuamente
pelas redes que se formam em seu entorno.

A passagem do ‘sujeito’ ao ‘corpo’ tem duas consequências


metodológicas: 1) o protagonismo do sujeito ou de sua
‘agência’ recua para um segundo plano; 2) o corpo se torna
um locus privilegiado para a análise das redes discursivas.
Neste sentido, tornam-se visíveis ‘laços de solidariedade’

197
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

que orientam a história da mídia em Kittler, contrariamente


às acusações de determinismo tecnológico, pois apresenta-
se uma inconfundível compaixão pelo pathos do corpo
em sofrimento: ‘A crítica pós-hermenêutica (...) afirma sua
responsabilidade precisamente a partir da inassimilável
alteridade do corpo singular e mortal. Este é o motivo ético
pelo qual ela deixa de fazer sentido’ (WELLBERY, 1990, XIV;
tradução nossa). (MARTINS, BERTOL, 2019, p. 16).

Na acepção “pós-hermenêutica”, os objetos são apresentados,


na escrita de Kittler, pela sua superfície, na própria superfície da
materialidade, pois aí ocorre a inscrição na rede discursiva: é
o lugar da “eficácia histórica”, como reitera Wellbery (1990, p.
XVII). Esse é o lugar próprio em que o corpo se encontra sob
o Sol – e não poderia haver coisa mais linda como essa, como
diz Kittler por intermédio de Bachmann. Os “laços de solidarie-
dade” de que fala Wellbery, a respeito da corporeidade (desse
corpo que sofre e se alegra), não estão distantes da proposição
de amor enquanto potência capaz de agir sobre e por dentro da
técnica.
Gumbrecht, de seu lado, fala em “produção de presença”
como um traço – muitas vezes desejante – da nossa contempora-
neidade: estar assim sob o Sol seria uma forma de presença. No
prefácio de Produção de presença (2010, p. 16), possivelmente seu
livro mais importante, explica que a obra se inspira na “desco-
berta que Friedrich A. Kittler fez de uma nova sensibilité intellec-
tuelle a todos os tipos de ‘materialidades’”. Portanto, possui como
eixo a busca de alternativas à hermenêutica (sem negar que ela
possui uma função), de onde deriva o conceito de presença que
desenvolve. “Por ‘presença’ pretendi dizer – e ainda pretendo –
que as coisas estão a uma distância de ou em proximidade dos
nossos corpos: quer nos ‘toquem’ diretamente ou não, têm uma
substância” (2015, p. 9). A ideia de presença o atrai, como diz,
não porque seja mais importante do que as operações de cons-
ciência e intenção, mas por ser “a mais elementar” (2015, p. 10).
Não cabe aqui neste artigo nos aprofundarmos nessa questão
(pelo tamanho mesmo do texto), mas podemos destacar que se
trata de uma análise que leva em conta a vida no mundo coti-

198
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

diano, seu possível contraste em relação à experiência estética, as


tecnologias da informação etc.

Em outras palavras, falar de ‘produção de presença’ implica


que o efeito de tangibilidade (espacial) surgido com os
meios de comunicação está sujeito, no espaço, a movimentos
de maior ou menor proximidade e de maior ou menor
intensidade. Pode ser mais ou menos banal observar que
qualquer forma de comunicação implica tal produção de
presença; que qualquer forma de comunicação, com seus
elementos materiais, ‘tocará’ os corpos das pessoas que
estão em comunicação de modos específicos e variados –
mas não deixa de ser verdade que isso havia sido obliterado
(ou progressivamente esquecido) pelo edifício teórico do
Ocidente desde que o cogito cartesiano fez a ontologia da
existência humana depender exclusivamente dos movimentos
do pensamento humano (GUMBRECHT, 2010, p. 39).

Se os atuais meios de comunicação possuem a tendência


de anular o espaço, Gumbrecht quer – a partir da historicização
da própria consciência histórica proposta por Koselleck – inves-
tigar a arquitetura do “cronótopo” em que vivemos (conceito
que, na sua acepção, pode ser comparado àquele de “regime de
historicidade”, de Hartog, 2019). Segundo o autor, vivemos num
“amplo presente”, que não corresponde mais ao “tempo histó-
rico” descrito por Koselleck. Afinal, como vivenciamos a tempo-
ralidade, qual o sentido do futuro, para onde vamos? Esta é a
pergunta sobre a qual ele se debruça, ao analisar características
da temporalidade hoje. Investigá-la, segundo Gumbrecht (2015,
p. 14), “seria fulcral” para a compreensão de uma estrutura inte-
lectual que atua no mundo contemporâneo. Aí se encontram
movimentos oscilatórios e polaridades difíceis.

No nosso presente, a disposição epistemológica para modelar


uma figura de autorreferência [no lugar do sujeito cartesiano
do tempo histórico] que esteja mais solidamente enraizada
no corpo e no espaço se depara com um desejo que emerge
como reação a um mundo determinado por uma excessiva
ênfase na consciência (...) (GUMBRECHT, 2015, p. 17).

199
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

De alguma forma, de tudo o que dissemos até o momento,


depreende-se que os fenômenos comunicacionais – que acionam
mecanismos próprios de temporalidades (como mostra a obra
de Kittler)9 – são repletos de dimensões de historicidade, que
remetem à nossa relação social com o tempo. Assim, “tempos”,
aqui neste contexto, se referem ao emaranhado do cotidiano,
contemporâneo ou não, em seus atravessamentos midiáticos. O
estudo da história dos meios – em diversas modalidades – não é
projeto estanque para ilustrar o passado, e sim relacionado ao
presente: só se pensa em termos históricos a partir do presente,
com questões da atualidade (o que não implica diretamente
anacronismo). Também, o estudo da história dos meios não
deveria ser apartado do campo comunicacional, que o realiza
com aportes historiográficos próprios – e as “teorias das mídias”
desempenham papel importante nisso, mesmo que não exclu-
sivo e nem de forma hegemônica. O grupo Tempos participa e
se engaja no esforço que vem sendo realizado nos últimos anos
no Brasil de construção de espaços e ideias que possam tornar
evidente, na área, o trabalho da historicidade no dia a dia nos
processos comunicacionais.
A seguir, apresentamos as quatro principais linhas de
pesquisa que no momento norteiam, sintetizam – e organizam –
as atividades do grupo (devemos lembrar que essas subdivisões
não são estanques e, em algumas pesquisas, elas se entrecruzam):

1. Comunicação e materialidade das mídias:


Investiga o campo da Comunicação, seus artefatos e a
inserção destes em redes sociotécnicas e discursivas. Uma das
9
Para mais elementos sobre essa questão (que apenas apresentamos aqui de
forma muito introdutória), ver, por exemplo, Kitttler (2017) e Kramer (2006),
em textos que analisam o conceito de “eixo de manipulação temporal”, que
Kittler emprega para destacar uma característica que emerge com as mídias
tecnológicas, na medida em que podem criar tempos reversíveis. Kramer
destaca: “What is unique about the technological era (from the gramophone to
the computer) is that these technologies allow one to store ‘real time’ – in other
words, those processes that cannot be fixed by syntactical structures and are
thus not irreversible, but rather contingent, chaotic, and singular – and, at the
same time, to process ‘real time’ as a temporal event. Data processing becomes the
process by which temporal order becomes moveable and reversible in the very experience
of space (KITTLER, 1997, p. 130-46; grifos da autora)”.

200
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

ênfases nessa linha é a história dos meios, a partir da perspec-


tiva das materialidades da teoria das mídias (levando em conta
enfoques de arqueologia e genealogia das mídias). Trata-se de
investigar na contemporaneidade as questões técnicas que consti-
tuem os meios e suas linguagens, o que enseja projetos de tempo-
ralidades e, por conseguinte, formas de socialização e poder.

2. Temporalidades do cotidiano:
Investiga, em seu alcance nos meios a partir do cotidiano
e da historicidade, os projetos de temporalidades que contri-
buem para arranjos em torno de memórias sociais (como de
repórteres, efemérides, vozes testemunhais, arquivos etc.) e
das temporalidades relacionadas às ideias de catástrofe, revo-
lução, nostalgia, formações utópicas (e distópicas), entre outras.
Trata-se de compreender como as mídias, em suas redes, geram
perspectivas temporais e, por conseguinte, formas de poder.
Essa linha se relaciona ainda ao projeto de extensão “Reconfigu-
rações Jornalísticas”, no qual realizamos um estudo de história
oral para a memória dos meios jornalísticos nativos digitais. É
preciso lembrar ainda que questões de raça e gênero encontram
no estudo das temporalidades do cotidiano um campo fértil de
análise, especialmente no que se refere aos estudos de memória.

3. Práticas jornalísticas:
Investiga as disputas sobre a definição da prática jornalís-
tica em processos cotidianos. Leva em conta experimentações e
a construção de práticas que buscam ampliar e reafirmar o papel
do jornalismo, em meio a outras formas de difusão de informação
nas mídias. As investigações compreendem perspectiva sincrô-
nica (redes contemporâneas) e diacrônica (perspectiva histórica),
a partir de múltiplas linguagens e questões técnicas (em torno de
texto, som, imagem, visualização, arquivo, codificação etc.). Dá-se
ênfase às condições de produção a partir das mídias digitais, com
suas diferentes linguagens, levando em conta seus dilemas sociais
e técnicos (como fazemos no projeto de extensão “Reconfigura-
ções Jornalísticas”). Também se dá atenção a questões históricas
(como de história da imprensa).

201
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

4. Circuitos editoriais:
Nessa linha investigamos os circuitos editoriais em perspec-
tiva comunicacionais, o que inclui a literatura, o próprio jorna-
lismo, a edição de livros, objetos editoriais, a crítica, a produção
cultural e as formas de leitura, além da socialização em torno
dessas práticas. Trata-se ainda de observar esses circuitos nas
transformações que ocorrem nos ambientes das mídias digitais e
em perspectiva histórica.

Ainda umas palavras finais...


Na semana em que finalizo este artigo, acabo de parti-
cipar de dois eventos importantes – pelo menos para o grupo
Tempos – que buscam discutir questões que perpassam tópicos
aqui apresentados. Um deles foi o lançamento, em novembro,
do livro Crises e catástrofes do tempo: historicidade dos processos
comunicacionais (Selo PPGCOM UFMG), do qual fui uma das
organizadoras (com Jussara Maia, UFRB; Flavio Valle, UFOP;
e Nuno Manna, UFU). O livro celebra os cinco anos da Rede
Historicidades dos Processos Comunicacionais (com dois
encontros anuais), que congrega 13 grupos de pesquisa no
país, de diferentes universidades. Além disso, coordenei (com
Phellipy Jácôme, UFMG) o grupo de trabalho de História do
Jornalismo do evento “Sudeste da Rede Alcar de História da
Mídia” (evento realizado entre 18 e 20 de novembro com coor-
denação local de Vinícius Ferreira). Também participei, em
julho, do encontro da International Association for Media and
Communication Research (IAMCR), na seção de História (da
qual participo, quando possível, desde 2016, sob a coorde-
nação de Nelson Costa Ribeiro, de Portugal). Esses são alguns
dos espaços em que são possíveis trocas de ideias relacionadas
às questões aqui abordadas, parte delas debatidas em artigos
publicados nos últimos anos, alguns redigidos com colegas
de outras universidades com quem compartilho inquieta-
ções semelhantes. Assim, temos como objetivo trazer para o
PPGMC, no limite de nossas possibilidades, algo da eferves-
cência desses debates.

202
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

É fundamental destacar, nesse sentido, as atividades inspi-


radoras do grupo de pesquisa Mídia, Memória e Temporalidade
(Memento), coordenado por Ana Paula Goulart Ribeiro, na UFRJ,
que realiza um trabalho de referência na área da Comunicação
no Brasil para que esta se abra às questões de história e memória.
Também coordenado por Ribeiro, o projeto “Memória do Jorna-
lismo Brasileiro” (MJB) é pioneiro no país ao valorizar as pecu-
liaridades da memória, a partir do método de história oral, dos
jornalistas profissionais. A obra de Marialva Barbosa é outra refe-
rência obrigatória no país para as pesquisas de história na Comu-
nicação. Alguns títulos nesse contexto que devemos lembrar são:
Ribeiro (2007), Ribeiro e Herschmann (2008), Barbosa e Ribeiro
(2011), Barbosa (2007 e 2010), Sacramento e Matheus (2014),
entre outros. O grupo Tempos é, sem dúvida, também fruto de
todo esse movimento.
Chegamos ao fim de 2020 com três orientandos. Um deles,
Marlos Mendes, desenvolve projeto sobre o jornalismo em seus
circuitos comunicacionais, levando em conta a imbricação de
mídias, a partir da passagem da “rádio-escuta”, instrumento
que era básico na cobertura policial, para as novas configura-
ções por WhatsApp e outros apetrechos do ambiente das mídias
digitais que hoje propiciam a cobertura de eventos da cidade.
A pesquisa também possui uma abordagem de memória social.
Gustavo Sixel pesquisa a linguagem dos quadrinhos, a partir da
obra de Marcelo Quintanilha, destacando aspectos de memória
e do circuito editorial, entre outros. Mateus Queiroz investiga
as mídias sociais, com a metodologia de análise de redes, para
desvendar disputas em torno de hashtags, bots etc., realizando
estudos de caso, especialmente os das eleições municipais de
2020. Também contamos em nossas reuniões, ao longo do ano,
com a participação da mestranda Rebeca Letieri, que pesquisa
desinformação.
Por fim, podemos lembrar mais uma vez Gumbrecht (2010,
p. 110), quando diz que “o tempo é a dimensão primordial em
qualquer cultura do sentido”, por meio de uma “associação
inevitável entre consciência e temporalidade”, isso porque “leva
tempo para concretizar as ações transformadoras por meio das
quais as culturas do sentido definem a relação entre os seres

203
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

humanos e o mundo”. A “cultura do sentido” se refere ao que


chama de “cronótopo” do tempo histórico (tão bem captado por
Koselleck), que hoje não seria mais predominante, existindo em
movimento oscilatório com a emergente “cultura da presença”.
O fato de darmos atenção, no grupo de pesquisa, à questão do
tempo talvez seja indício de que ainda estamos – de modo (quem
sabe?) recalcitrante, associados a um fascínio benjaminiano –
ainda um tanto presos à “cultura do sentido”. Mas pode haver
uma nova forma de se aproximar da questão das temporalidades,
como a que Gumbrecht quer realizar em sua análise do que
chama “nosso amplo presente”, para compreender impasses da
contemporaneidade.
Nos últimos meses (retomando o que dissemos na Intro-
dução), com a pandemia que exigiu o recolhimento, a questão
temporal parece ter adquirido nova densidade, com uma certa
experiência de “tempo suspenso”. O que essa experiência inédita
pode nos dizer do mundo em que vivemos e viveremos, do tempo
no qual vivíamos e que, na falta de nome melhor, passamos a
chamar de “tempo normal”, agora perdido?
Ainda que a perspectiva de Kittler não imprima “nenhuma
direcionalidade a priori à mudança histórica”, como destaca
Wellbery, isso não impede que possamos nos aproximar de suas
ideias acreditando que puxar os fios temporais e históricos dos
processos comunicacionais possa nos levar a vislumbrar outros
tempos, melhores, apesar de tudo. Mesmo que essa crença em
tempos melhores possa soar um tanto inocente, trata-se de
um voto na possibilidade da política como forma de mudar
as coisas. Kittler e Gumbrecht são alemães, mas nós somos
brasileiros. Diante das grandes desigualdades e dos problemas
sociais que enfrentamos no dia a dia, parece inevitável acentuar
o traço político no debate de ideias (assim como aconteceu com
o próprio romantismo, analisado por Kittler; sendo idealista
na versão alemã, na América Latina o movimento foi eminente-
mente político). Por isso, o título que escolhi para o artigo remete
ao slogan do Fórum Social Mundial (cuja cobertura que fiz da
edição histórica de 2001, em Porto Alegre, é uma das minhas
melhores lembranças dos anos de repórter). Havia lá um sopro
de renovação das formas de política que ainda não se esgotou;

204
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

o que se viu então permanece como uma espécie de vanguarda


política para o século XXI. Todavia, no lugar de “mundo”, esco-
lhemos a palavra “tempo”. Assim, fazemos implicitamente uma
crítica aos aceleracionistas do Vale do Silício que, diante da
ameaça de esgotamento do meio ambiente, sonham com planos
escapistas para outros mundos numa eternidade maquínica.
Não queremos outro mundo: é preciso cuidar deste. Sobretudo,
reiteramos a proposição política em torno da discussão sobre as
temporalidades.

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Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

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Networks, 1800/1900. Stanford (Califórnia): Stanford University Press,
1990.

206
Sobre os autores e autoras

Adilson Vaz Cabral Filho – Doutor em Comunicação Social pela


Universidade Metodista de São (Umesp) com pós-doutorado
em Comunicação pela Universidade Carlos III de Madrid.
Universidade Federal Fluminense (UFF) no Curso de Comu-
nicação Social e no Programa de Pós-graduação em Mídia e
Cotidiano (PPGMC). E-mail: acabral@id.uff.br
Ana Paula Bragaglia – Professora nos cursos de Graduação em
Comunicação Social e Pós-Graduação em Mídia e Coti-
diano (PPGMC), da Universidade Federal Fluminense
(UFF). Pesquisadora com ênfase em Mídia, Consumo e
Ética. Coordena o grupo de pesquisa “Ética na Sociedade
de Consumo (ESC)” e o projeto de extensão “Contatos:
diálogos sobre Mídia, Consumo e Ética”. Entre outros traba-
lhos, publicou Ética na publicidade: por uma nova sociedade de
consumo (2017). E-mail: anabragaglia@id.uff.br
Andrea Meyer Landulpho Medrado – Professora adjunta da
Universidade Federal Fluminense (UFF), atuando no Depar-
tamento de Comunicação Social (GCO) e no Programa
de Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano (PPGMC). Pós-
doutora pela Royal Holloway University of London e
doutora em Estudos de Mídia pela University of Westminster
em Londres. E-mail: andreamedrado@id.uff.br
Alexandre Farbiarz – Doutor e mestre em Design (PUC-Rio/
Brasil); mestre em Educação e Linguagem (USP/Brasil);
professor do Curso de Jornalismo do Departamento de
Comunicação (UFF/Brasil); professor permanente do
Programa de Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano (UFF/
Brasil); coordenador do grupo de pesquisas “Educação
para as Mídias em Comunicação” (educ@mídias.com)
(PPGMC-UFF), e “Design na Leitura de Sujeitos e Suportes
em Interação” (DeSSIn) (PPG Design/PUC-Rio). Pesquisa
em Comunicação, Design e Educação, com ênfase em
relações discursivas, mídias, jogos e ensino-aprendizagem;

207
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

atuando principalmente nos seguintes temas: Educação


crítica para as mídias, Mídia-educação, Literacia midiática,
Educomunicação, Educação a distância, Jogos e educação,
Gamificação, Comunicação visual, Discurso e linguagem.
E-mail: alexandrefarbiarz@id.uff.br.
Carla Baiense Felix – Professora do Departamento de Comuni-
cação e do Programa de Pós-Graduação em Mídia e Coti-
diano da Universidade Federal Fluminense (PPGMC-UFF).
Atualmente realiza sua pesquisa de pós-doutorado vinculada
ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universi-
dade Federal de São Carlos (UFSCar). É doutora e mestra
em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro (ECO/UFRJ). Graduou-se em Jornalismo
pela UFF. Lidera o grupo de pesquisas “Mídias, Redes e
Jovens”. E-mail: carlabaiense@id.uff.br
Denise Tavares – Jornalista, mestre em Multimeios (Unicamp)
e doutora em Integração Latino-americana (USP). Pesquisa
o audiovisual de não ficção, em seus trânsitos midiáticos e
diversidade de formatos, com foco especial no documentário.
Organizou, com Renata Rezende, o livro Mídias & Divul-
gação científica; com Adilson Cabral e Alexandre Farbiarz
a obra Pesquisas em mídia e cotidiano e com Maurício de
Bragança et al. o livro Audiovisual e América Latina – Estudos
comparados. Tem diversos artigos publicados em periódicos
da área e também capítulos de livros. É professora do Depar-
tamento de Comunicação Social da UFF desde 2010 e do
Programa de Pós-Graduação de Mídia e Cotidiano, do qual
foi coordenadora de 2015 a 2019. Participa, atualmente, do
projeto de pesquisa “Juventude e suicídio: percursos midiá-
ticos e suas interfaces com a Educação”, desenvolvido em
grupo, com a apoio da FAPERJ e do projeto “No rastro
das semeaduras miúdas: cotidiano, imaginário, protago-
nismo e experimentações de linguagem no documentário
ambiental contemporâneo”, que também tem apoio Faperj.
E-mail: denisetavares51@gmail.com.

208
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

Flávia Clemente de Souza – É diretora do Instituto de Arte


e Comunicação Social da Universidade Federal Flumi-
nense (UFF). Professora do Departamento de Comuni-
cação Social e membro permanente do Programa de Pós-
Graduação em Mídia e Cotidiano (PPGMC). Graduada em
Jornalismo (UFF), mestre em Comunicação (PPGCOM/
UFF) e doutora em Linguística (POSLING/UFRJ).
E-mail: flaviaclemente@id.uff.br.
Larissa Morais – É professora do Departamento de Comunicação
Social da Universidade Federal Fluminense (UFF) há pouco
mais de uma década e desde 2018 integra o corpo docente
do Programa de Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano
(PPGMC). Graduada em Comunicação Social/Jornalismo
pela Eco-UFRJ, é mestre em Comunicação pela PUC-Rio e
doutora na mesma área pelo PPGCOM da UFF. Como jorna-
lista, trabalhou em diversos veículos de impressos e digitais,
e em assessorias de comunicação. No grupo “Mídias, Redes
e Jovens” dedica-se a estudar os usos e apropriações das
notícias pela juventude, em contextos digitais. Também
pesquisa discursos, práticas e identidade profissional no
contexto de transformações do jornalismo contemporâneo.
Participa, atualmente, do projeto de pesquisa “Juventude
e suicídio: percursos midiáticos e suas interfaces com a
Educação”, desenvolvido em grupo, com a apoio da FAPERJ.
E-mail: larissamorais@id.uff.br.
Lorena Bastos Campos Rui – Mestranda do Programa de Pós-
graduação em Mídia e Cotidiano/ PPGMC (UFF), bacharel
em Comunicação Social/Publicidade. Publicou Keeping up
With the Kardashians: o mito da beleza, estigmas do feminino e
intimidade das celebridades em reality shows (CONGRESSO
TELEVISÕES II, 2019). Integra os grupos ESC, Laccops e
Dissemina Lab. E-mail: lo_campos@id.uff.br.
Marco André Feldman Schneider – Doutor em Comunicação
Social pela Universidade de São Paulo (USP). Pesquisador
do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecno-
logia (IBICT) e professor do Programa de Pós-Graduação em

209
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

Ciência da Informação (PPGCI/Ibict-UFRJ) e do Programa


de Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano (PPGMC-UFF).
E-mail: marco_feldman@id.uff.br.
Milena de Azeredo Pacheco Venancio é doutoranda em
Mídia e Cotidiano na Universidade Federal Fluminense,
mestre em Mídia e Cotidiano e graduada em Publici-
dade e Propaganda pela mesma instituição, com expe-
riência na área de Comunicação, Marketing e Finanças.
É integrante do grupo de pesquisa “Comunicação Insti-
tucional e suas interfaces” da UFF, com interesse princi-
palmente nos seguintes temas: mídia, cotidiano, redes
sociais, discurso publicitário, educação e estudos culturais.
E-mail: milena.pacheco@gmail.com.
Pablo Nabarrete Bastos – Professor do Departamento de Comu-
nicação Social, do Instituto de Artes e Comunicação Social
da Universidade Federal Fluminense. Professor permanente
do Programa de Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano
(PPGMC-UFF). Doutor em Ciências da Comunicação, linha
de pesquisa de Comunicação, Cultura e Cidadania, pela
ECA-USP. Possui pós-doutorado em Estudos Culturais pelo
Programa Avançado de Cultura Contemporânea da Univer-
sidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenador pedagógico
do Laboratório de Investigação em Comunicação Comu-
nitária e Publicidade Social (Laccops). Coordenador do
GP Comunicação para a Cidadania da Intercom. Pesquisa
hegemonia, contra-hegemonia, hegemonia popular, enga-
jamento, movimentos sociais e comunicação popular.
E-mail: pablobastos@id.uff.br.
Patrícia Gonçalves Saldanha – Professora doutora associada II da
Universidade Federal Fluminense e membro permanente do
PPGMC. Vice-coordenadora do GT de Cidadania do ALAIC
(2012-2016), coordenadora do GT de Cidadania do ALAIC
(2016-2018), coordenadora do Intercom Jr. Publicidade,
(2015). Coordenadora do Intercom Jr. Cidadania (2016-
2018). Vice-coordenadora do Laboratório de Estudos em
Comunicação Comunitária (LECC). Fundadora e atual líder

210
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

do Laboratório de Investigação em Comunicação Comuni-


tária e Publicidade Social (Laccops) e membro fundadora
do Instituto Nacional de Pesquisa em Comunicação Comu-
nitária (INPECC). Mestrado (2003) e doutorado (2009) em
Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro e atual pós-doutorado em Comunicação e Cultura
(Publicidade Sensorial). E-mail: patriciasaldanha@id.uff.br.
Priscila dos Santos Silva – Trabalha na Universidade Federal
do Pará desde 2014, mas atualmente dedica-se exclusiva-
mente ao mestrado no Programa de Pós-Graduação em
Mídia e Cotidiano na Universidade Federal Fluminense.
Possui conhecimentos e aptidões em desenvolvimento de
estratégias de comunicação, marketing e design gráfico.
E-mail: mktprisantos@gmail.com.
Rachel Bertol – Professora no Departamento de Comunicação
Social da UFF e no Programa de Pós-Graduação em Mídia
e Cotidiano (PPGMC) da mesma instituição. Doutora em
Comunicação e Cultura pela UFRJ (2016), com “sanduíche”
na Universidade de Princeton (EUA). Coordena o grupo de
pesquisa “Tempos: Temporalidade dos Meios Comunicacio-
nais, Linguagem e Cotidiano”, do PPGMC-UFF, e o projeto
de extensão “Reconfigurações Jornalísticas”. É pesquisadora
dos grupos “Imprensa e Circulação de Ideias: o papel dos
periódicos nos séculos XIX e XX”, da Casa de Rui Barbosa,
e do “Mídia, Memória e Temporalidades (Memento)”, da
UFRJ. Participa da Rede de Grupos de Pesquisa da Histo-
ricidade nos Processos Comunicacionais. Possui graduação
em Comunicação Social (Jornalismo) pela UFRJ (1993) e
mestrado em Comunicação e Cultura pela mesma universi-
dade (2003). E-mail: rachelbertol@id.uff.br.
Renata Rezende Ribeiro – Professora e atual coordenadora do
Programa de Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano (PPGM-
C-UFF) e professora do Departamento de Comunicação
Social da Universidade Federal Fluminense. Doutora em
Comunicação e mestre em Comunicação, Imagem e Infor-
mação, ambos pela UFF. Realizou pesquisas de pós-douto-

211
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

rado na Université René Descartes – Sorbonne/Paris V, com


bolsa Capes, entre 2017 e 2018 e também na Universidade
Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ), entre 2013 e 2015.
Autora do livro A morte midiatizada (indicado ao prêmio
Jabuti 2016) e Mídias e Divulgação Científica (em coautoria
com Denise Tavares). Jornalista, formada pela Universi-
dade Federal do Espírito Santo, onde também atuou como
professora adjunta, trabalhou em TV por quase 10 anos.
É líder e pesquisadora do Grupo MULTIS – Núcleo de
Estudos e Experimentações do Audiovisual e Multimídia.
E-mail: renatarezende@id.uff.br.

212
Links dos grupos de pesquisa
do programa de pós-graduação em mídia e
cotidiano/PPGMC-UFF

EMERGE: Centro de Pesquisas e Produção em Comunicação e Emergência


Link: http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/5201086980404979

EDUC@MIDIA.COM: Educação para as Mídias em Comunicação


Link: http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/2059206105821797

MULTIS – Núcleo de Estudos e Experimentações do Audiovisual e


Multimídia:
Link: http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/0778082637584126

MÍDIAS, REDES E JOVENS: usos e apropriações em contextos digitais


Link: http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/1407134840100005

LACCOPS – Laboratório de Investigação em Comunicação Comunitária


e Publicidade Social
Link: http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/5614753341948402

ESC – Ética na Sociedade de Consumo


Link: http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/5511076745730089

COMUNICAÇÃO INSTITUCIONAL E SUAS INTERFACES


Link: dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/6427237061021513

TEMPOS: Temporalidade dos Meios Comunicacionais, Linguagem e


Cotidiano
Link: http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/547559

Site do PPGMC/UFF: http://www.ppgmidiaecotidiano.uff.br

213
Índice remissivo

Afetos - p.19, 40, 76, 87 Codificação - p.177, 201


Anticipation design - p.11, 49, 65 Comunicação científica - p.173,
Aprendizado colaborativo - p.63 176, 177, 178
Arqueologia - p.201 c. Comunitária - p.11, 13,
24, 25, 26, 27, 36, 41, 45,
Assessoria de imprensa - p.178,
46, 124, 125, 127, 131,
179, 182
132, 134, 140, 142, 143,
Assessorias de comunicação - 146, 210, 213
p.169, 175, 209
c. Da sociedade civil
Audiovisual - p.12, 27, 45, 67, 74, organizada - p.173
75-84, 86, 87, 91, 92,94, 96,
c. Governamental - p.173,
109, 129-131, 142, 208, 212,
175
213
c. Institucional - p.8, 14,
Autopoiesis - p.171
155, 168, 169, 170, 172,
América Latina - p.28, 36, 73, 83, 173, 174, 175, 176, 178,
122, 138, 152, 204, 208 180, 181, 210, 213
Apropriação social das TICs - c. Organizacional - p.172,
p.11, 24, 28, 34 173, 183
Apropriação ideológica - p.7, 13, c. Política - p.173
148
c. Pública - p.168, 170, 173,
Ativismo - p.7, 10, 11, 18, 23, 24, 174, 175, 176, 178, 182,
25, 26, 30, 32, 34, 36, 37, 38, 183
45, 46, 59
c. Social - p.19, 26, 66, 73,
a. Digital - p.11, 24, 25, 30, 94, 101, 102, 104, 120,
32, 36, 37, 38, 45, 46 122, 129, 130, 131, 180,
a. Midiático - p.26, 34 207, 208, 209, 210, 211
a. Midiativismo de favelas - Comunicação institucional e suas
p.11, 24, 30 interfaces - p.8, 14, 168, 173,
Bastos, Pablo - p.3, 4, 7, 12, 174, 180, 181, 210, 213
124, 130, 142, 143, 145, Comunidade - p.25, 30, 37, 38,
146, 210 90, 113, 125, 126, 127, 131,
Bertol, Rachel - p.205, 206 144, 145, 160, 177
Bragaglia, Ana Paula - p.7, 13, Competências - p.7, 10, 18, 23,
148, 207 40, 57, 63, 64, 66, 68, 69, 104,
113, 115, 116
Cabral, Adilson - p.7, 10, 11, 18,
23, 35, 40, 45, 207, 208 Confiabilidade - p.102, 103
Cidadania - p.45, 56, 113, 116, Consumo midiático - p.66, 107
119, 134, 140, 142, 146, Contextos de ensino-
175, 210 aprendizagem - p.48, 49, 53,
Circuito editorial - p.203 61, 65, 66

214
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

Corporeidade - p.191, 196, Farbiarz, Alexandre - p.11, 18, 48,


197, 198 207, 208
Cotidianidade - p.33, 38, 39, Felix, Carla Baiense - p.11, 18, 48,
48, 50 207, 208
Cotidiano escolar - p.49, 50, 51, Feminismo - p.151, 152, 161, 164,
54, 66, 67, 68, 74, 114, 121 165, 166
Credibilidade - p.33, 34, 107, 108, Femvertising - p.149, 154, 160
122 Formas de leitura - p.202
Crítica literária - p.189, 190, 205 Futuros - p.13, 65, 68, 70, 100,
Crítica de mídia - p.149 103, 128, 141, 169
Declaração de Grünwald - p.112 Gamificação - p.67, 68, 69, 72,
Democratização da 208
comunicação - p.24, 29, 36 Genealogia - p.190, 201, 205, 206
Desinformação - p.32, 33, 45, 203 Gêneros discursivos - p.52, 61,
Diversidade cultural - p.11, 24, 70, 73
26, 29 Gerações - p.59, 78, 100, 101
Educ@mídias.com - p.11, 48, 50, Hegemonia - p.73, 125, 127, 130,
52, 62, 65, 66, 68, 207 138, 139, 146, 210
Economia política da Contra-hegemonia - p.125, 127,
comunicação - p.26 130, 138, 210
Educação bancária - p.53 h. Alternativa - p.125, 138, 139
e. Crítica para as mídias - Hermenêutica - p.189, 190, 191,
p.11, 48, 55, 60, 66, 67, 208 192, 196, 198, 205
e. Midiática - p.61, 118 Pós-hermenêutico - p.191
e. Para a leitura crítica História da imprensa - p.201
da mídia - p.60, 72 h. Do jornalismo - p.202
Hexis educativa - p.67 h. Dos meios - p.189, 200, 201
Educomunicação - p.55, 59, 60, h. Oral - p.201, 203
70, 71, 72, 73, 74, 208
Historicidade dos processos
Emerge - p.10, 11, 24, 25, 26, 28, comunicacionais - p.202
44, 45, 199
Ideologia - p.138, 141, 144, 148
Emergência - p.10, 23, 24, 25, 40,
Imaginário - p.7, 11, 12, 50, 55,
44, 46, 134, 139, 147, 213
60, 73, 75, 79, 82, 83, 84, 85,
Engajamento - p.13, 67, 131, 144, 88, 89, 92, 96, 97, 122, 167,
145, 146, 210 195, 208
Estereótipos de gênero - p.150 Imaginário social - p.50, 55, 73,
Estudos de gênero - p.31 82, 85, 89
Ética na publicidade - p.207 Inteligências múltiplas - p.66
Ética na sociedade de consumo Interações - p.53, 56, 66, 100, 110,
(ESC) - p.13, 148, 150, 207 111, 122, 142, 144, 181
Exterioridade - p.191, 196 Interdisciplinaridade - p.11, 48

215
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

Interesse público - p.30, 127, 141, Ludoliteracia - p.64


170, 176, 182, 183 Materialidades - p.14, 198, 201
Jogos - p.61, 62, 63, 64, 68, 69, 70, Medrado, andrea - p.46
73, 119, 207, 208
Medialidade - p.84, 196, 197, 206
Jornalismo - p.14, 17,68, 71, 83,
Memória institucional - p.14, 169,
100-104, 106, 107, 108, 118,
174, 176, 183
119, 121, 123, 178, 179, 180,
182, 183, 188, 201, 202, 203, Metodologias - p.12, 13, 14, 120,
207, 208, 209, 211 127, 169, 180, 181
Práticas jornalísticas - p.201 Grupo focal - p.105, 106
Juventudes - p.12, 99, 100, 101, Netnografia - p.37
120, 121 Observação participante - p.114
Laccops - p.7, 13, 124, 127, História das mídias - p.188
129-135, 139, 140, 142, 143, Estudos de mídia - p.104, 189,
144, 147, 209, 210,211 197, 206, 207
Literacia midiática - p.32, 33, 45, Teoria das mídias - p.189, 201
208
Mídia digital - p.185, 188
Alfabetização crítica da mídia -
Redes sociotécnicas - p.134, 145,
p.60, 68
200
Competência crítica em
Mídia tecnológica - p.186
informação - p.26, 33, 40,
45, 47 Mídia tradicional - p.41, 100, 115
Leitura crítica da mídia - p.56, 60, Midiatização - p.48, 51, 68, 72,
67, 72, 114 76, 91, 94, 97, 98, 101, 104,
110, 114, 120, 121, 122, 196,
Leitura crítica do mundo - p.52,
197
53
Mídias, redes e jovens - p.7, 12,
Letramento midiático e
87, 99, 100, 208, 209, 213
informacional - p.101, 104,
106, 112 Midiatização - p.48, 51, 68, 72, 76,
91, 94, 97, 98, 101, 104, 110,
Media and information literacy -
114, 120, 121, 122, 196, 197
p.57, 72
Morais, Larissa - p.3, 4,7 12, 87,
Media education - p.55, 57, 58, 72,
99, 100, 120, 121,122, 209
123
Moratória social - p.102, 121
Media literacy - p.56, 57, 58, 71,
113, 120, 123 Movimentos sociais - p.13, 27,
28, 31, 42, 45, 46, 71, 78, 124,
Mídia educação - p.71, 208
130, 132, 134, 136, 140, 143,
Literatura - p.57, 81, 98, 123, 144, 149, 150, 152, 161, 165,
147, 165, 187, 190, 192, 210
197, 202
Multimídia - p.12, 75, 82, 83, 84,
Lógica da mídia - p.51 86, 87, 94, 96, 212, 213
Ludicidade - p.7, 11, 48, 50, 66 Multis - p.7, 11, 12, 75-96, 212,
Ludificação - p.61 213

216
Mídia e cotidiano: uma cartografia de pesquisas

Narrativas - p.7, 11, 14, 31, 35, 132, 138, 139, 145, 178, 180,
36, 70, 75, 79, 80, 84, 87, 88, 188, 192
89, 92, 96, 97, 98, 129, 152, Rede discursiva - p.187, 190, 198
162, 163, 180
Redes digitais - p.104
Paradigma da complexidade -
Redes educativas - p.54
p.53
Regime de historicidade - p.199
Pedagogia - p.54, 58, 63, 66, 69,
72, 87, 90 Representações - p.9, 10, 37, 49,
76, 87, 91, 92, 99, 132, 149,
p. Da comunicação - p.54, 72
150, 152, 153, 169, 170, 181,
p. Da multiliteracia - p.66 183, 193
p. Do silêncio - p.54 Representatividade - p.149, 165
Práticas pedagógicas - p.63, 65 Romantismo - p.82, 189, 190,
Periferias - p.142 204
Pesquisa-ação - p.132 Ribeiro, Renata Rezende - p.3, 4,
Pesquisa participativa - p.132, 7, 11, 18, 75, 88, 89, 98, 208,
140 211, 212
Pesquisa brasileira de mídia - Schneider, Marco - p.7, 10, 11,
p.102, 107, 112, 120 23, 27, 32, 38, 43, 45, 46, 47,
209
Políticas culturais - p.25, 35
Saldanha, Patrícia - p.7, 12, 124,
Políticas de comunicação - p.11,
128, 129, 130, 143, 210, 211
24, 26, 27, 41, 45, 73, 178
Silenciamento - p.53, 158
Pós-verdade - p.45, 47
Simbólico - p.51, 63, 66, 85, 93,
Práxis - p.11, 27, 39, 49, 58, 125,
119, 195
168, 171, 181
Sociedade contemporânea - p.48,
Produção de sentidos - p.14,
50, 69, 76, 96
49, 58, 61, 66, 67, 74, 76, 87,
92, 104, 169, 170, 180, 181, Sociedade de consumo - p.7, 13,
183 148, 150, 207, 213
Publicidade contra-hegemônica - Souza, Flávia Clemente - p.8, 14,
p.141 18, 168, 181, 183, 209
p. Participativa - p.138 Suicídio - p.12, 79, 86, 87, 88, 89,
90, 208, 209
p. Popular - p.139
Sul global - p.27, 43, 45
p. Social afirmativa - p.127,
143 Sustentabilidade - p.65, 66, 174
p. Social comunitária - p.127 Tavares, Denise - p.7, 11, 75, 78,
88, 90, 98, 208, 212
p. Social de causa - p.127
Técnica - p.95, 104, 139, 175, 186,
p. Social de interesse
192, 194
público - p.127
Temporalidade - p.14, 15, 18, 89,
p. Social transversal - p.127
184, 185, 186, 188, 189, 196,
Realidade - p.9, 14, 29, 32, 36, 37, 199, 200, 201, 203, 204, 205,
43, 44, 48, 64, 85, 105, 108, 211, 213

217
Larissa Morais, Pablo Nabarrete Bastos, Renata Rezende e Renata Tomaz

Tempo histórico - p.185, 199, Transformação social - p.7, 13,


204 15, 29, 77, 82, 92, 124, 134,
Tempos - p.14, 18, 20, 91, 96, 147, 175
118, 129, 132, 135, 142, 184, Violências do capital - p.148
185, 188, 194, 197, 200, 202, Visibilidade - p.30, 31, 32, 42,
203, 204, 206, 211, 213 43, 45, 98, 126, 134, 145, 151,
Transdisciplinar - p.65, 81, 86, 91 159, 166, 175, 195

218

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