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FALTA DE ALIMENTOS NO MUNDO:

PROBLEMA DE ESCASSEZ OU DE DISTRIBUIÇÃO?


JULIANA CHILANTI TONIAL*
RESUMO
O presente trabalho busca analisar os aspectos da distribuição de
alimentos no mundo. A falta de alimentos de que tanto se houve falar,
está no fato de que a distribuição não está sendo feita de maneira
adequada fazendo com que, grande parte da população sofra de
inanição e, consequentemente, morra de fome. Observa-se que não é
o fato de não existir alimentos suficientes ou que o mundo não seja
capaz de produzir a quantidade necessária relativa ao número da
população, o fato de sua falta está na má distribuição desses
alimentos. Este desequilíbrio de distribuição faz surgir à pobreza que
é a principal causadora da fome. Países pobres não conseguem
adquirir maquinários, insumos, melhores sementes de países mais
ricos fazendo com que suas cultivares careçam de tecnologia,
levando à baixa quantidade na produção.
PALAVRAS-CHAVE: pobreza, fome, produção, distribuição, alimentos.
ABSTRACT
This work seeks to analyze the aspects of food distribution in the
world. The lack of food that so much if there was talk, lies in the fact
that the distribution is not being done properly causing, great part of
the population suffering from starvation and, consequently, die of
hunger. Observes that there is the fact there is enough food or that the
world is not able to produce the required amount on the number of the
population, the fact of their absence is in poor distribution of these
foods. Poverty is the main cause of hunger. Poor countries are unable
to purchase equipment, inputs, seeds of richer countries causing its
production lacks technology, leading to low amount in its production.
KEYWORDS: poverty, hunger, production, distribution, food.

SUMÁRIO
Introdução. I. A pobreza no mundo. II. O crescimento econômico, o
desenvolvimento econômico e o desenvolvimento sustentável. III.
Distribuição de alimentos e obrigação de ajudar. IV – Considerações
Finais. V – Referências Bibliográficas.

*
Graduada em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS), Pós-Graduada em
Direito Civil pela Faculdade de Ciências Sociais de Florianópolis/SC, Mestranda em
Direito Ambiental pela Universidade de Caxias do Sul (UCS). Advogada.

JURIS, Rio Grande, 14: 69-80, 2009. 69


INTRODUÇÃO

A pobreza e as condições miseráveis de vida são as


consequências das crises econômicas e sociais que, não só os
países subdesenvolvidos, mas quase a totalidade deles estão
enfrentando. É a principal causa de mortes por inanição em todo o
mundo. A fome é uma das causas da pobreza sendo um fenômeno
universal. Muitos, não se alimentam regularmente e de forma digna,
deixando de consumir as calorias necessárias para um bom
funcionamento do corpo e da mente e, com isso, doenças graves
começam a se manifestar, acarretando a desnutrição e,
consequentemente, ocasionando a morte à falta de comida.
Apesar dos enormes avanços alcançados em vários setores, a
falta de alimentos no Brasil, é uma consequência de seu passado
histórico, uma vez que é uma preocupação destacada desde o século
XVI, em virtude da monocultura. Atualmente, a Constituição Federal
Brasileira incluiu a alimentação como um direito social individual e
coletivo, atribuindo ao Estado à responsabilidade de oferecer aos
brasileiros, alimentos com qualidade e quantidade suficientes ao
número da população.
A problemática da fome é um dos assuntos discutidos na
busca do desenvolvimento sustentável. A erradicação da fome, no
mundo todo, bem como a segurança alimentar a longo prazo são
algumas diretrizes a serem alcançadas rumo ao crescimento e ao
desenvolvimento econômico.
Diferencia-se crescimento de desenvolvimento. A primeira é o
crescimento na produção de bens e serviços definidos pelo Produto
Nacional Bruto (PNB), bem como aumento de emprego e renda. Já,
o desenvolvimento é identificado quando existe um crescimento
econômico equilibrado com uma sadia qualidade de vida dos
indivíduos, em termos de saúde, higiene, moradia.
Então, buscar a sustentabilidade é, além de outros fatores,
oferecer uma vida saudável, com qualidade e quantidade de
produtos suficientes para alimentar a população do planeta.
O que se observa é que a problemática da falta de alimentos
está na má distribuição, deixando de ser uma questão de produção,
devendo o estado, juntamente com os setores privados da sociedade,
engajar-se na prestação de ajudar os que menos são favorecidos.

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I – A POBREZA NO MUNDO

As crises econômicas, sociais e morais em que quase a


totalidade dos países do mundo experimenta em algum tempo,
desencadeiam uma das coisas mais alarmantes do século XXI que é a
pobreza cumulada com a miséria, as quais percorrem o mundo inteiro.
Implica em condições precárias e miseráveis de vida caracterizadas
pela falta de renda suficiente para satisfazer as mais básicas
necessidades do ser humano, como alimentação, vestuário e moradia.
Um dos continentes mais atingidos é o africano, uma vez que
lá, a fome, por exemplo, é um problema real e eminente, mas
apesar da pobreza ser mais comum nos países subdesenvolvidos,
ela aparece em todas as regiões.
É ela a grande responsável por milhões de mortes entre bebês
e crianças em todo o mundo e, quando não há a perda da vida, a
miséria é a próxima consequência a aparecer, levando à extrema
desnutrição.
A falta de alimentos não é a única causa da pobreza no
mundo, mas é a que vai ser destacada no presente trabalho.
A alimentação insuficiente produz uma deficiência nutricional
ou falta de vitaminas necessárias para o desenvolvimento saudável
do corpo e da mente. A má alimentação, por exemplo, é a causa
crucial da avitaminose, uma enfermidade causada pela carência de
vitaminas e, por conseguinte, responsável pelo surgimento de
diversas doenças como anemia, cegueira, dermatite, esterilidade,
hemorragias, beribéri (tremedeira), dentre outras. A desnutrição
manifesta-se nas classes sociais mais baixas e as pessoas
desnutridas são as mais vulneráveis a infecções, as quais poderiam
ser supridas com uma alimentação mais adequada.
1
Peter Singer afirma que “400 milhões de pessoas não tem
as calorias, as vitaminas e os sais minerais necessários para
manter os seus corpos e as suas mentes e condições saudáveis.
Milhões de seres humanos estão constantemente famintos”.
2
O que se observa, nos ensinamentos de Albert Sasson , é
que nos países em desenvolvimento o grupo mais vulnerável à
deficiência nutricional são as crianças e mulheres grávidas.

1
SINGER, Peter. Ética Prática. São Paulo; Martins Fontes, 3ª Ed, 2002, p. 229.
2
SASSON, Albert. Alimentando o mundo de amanhã. In: Ana Ines Heredia. Rio de
Janeiro: Editora Imago, 1993.

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“uma mulher normalmente alimentada aumenta de peso 12-12,5 kg
durante a gravidez e, nos países onde é frequente a escassez de
alimentos e a deficiência nutricional, este aumento normalmente não
ultrapassa 3-4kg. Portanto, as mães deficientes nutricionais ou
desnutridas, mais vulneráveis perante as doenças, tem muitas
probabilidades de dar à luz a crianças prematuras ou hipotróficas,
com falta de peso, que podem sofrer atraso mental”.

Esta é uma situação que predomina o tempo todo no planeta,


uma vez que milhões de seres humanos estão constantemente
famintos, morrendo de subnutrição e de doenças pela falta de
alimentação.
Portanto, alimentar-se adequadamente é um direito
fundamental de todos. Está previsto como um marco jurídico para o
reconhecimento do direito à alimentação, a partir da Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948, em seu art. XXV, a qual
dispõe que “toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de
assegurar para si e sua família, saúde e bem-estar, inclusive
alimentação”. O direito a alimentação está cada vez mais presente
nas constituições nacionais, regulamentos, textos legislativos
tornando mais fácil, aos cidadãos, a sua busca.
3
Walter Belik , autor do artigo Como as empresas podem
apoiar e participar do combate à fome, na p. 86, afirma que, no
Brasil a preocupação com o problema da falta de alimentos surge
no século XVI, em função da monocultura. Nos tempos da
escravidão a produção de alimentos estava mais ligada ao auto-
abastecimento das propriedades e, como agravante, aparecia à
cobrança do dízimo, que fazia com que os produtores de alimentos
pagassem grandes quantias por sua produção, e o recrutamento,
que provocava o abandono dos lavradores em suas plantações.
Com a introdução da cultura do café, o tráfico negreiro foi acabando
e, com isso, prejudicando consideravelmente a oferta de alimentos.
Com menos pessoas para trabalhar e mais para alimentar houve
uma escassez de alimentos e, consequentemente, um aumento
considerável nos preços dos alimentos.

“O ano de 1917 representou um marco nos problemas de


alimentação. As dificuldades geradas pela carestia dos alimentos
foram o estopim para a deflagração de manifestações e da primeira

3
BELIK, Walter. Como as empresas podem apoiar e participar do combate à
fome. São Paulo: Instituto Ethos, 2003.

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greve operária da nossa história, que teve lugar na cidade de São
Paulo”. A escassez foi agravada por crescentes embarques de
alimentos brasileiros para o abastecimento das nações européias em
guerra. O mercado externo não queria café, cujos preços estavam
em baixa, e sim alimentos. Isso levou as fazendas, financeiramente
debilitadas, a desviar para a exportação o produto agrícola que
4
atenderia à população urbana brasileira”.

No Brasil, a Constituição Federal vigente, também disciplina, à


luz da Declaração dos Direitos do Homem, que o direito a alimentação
é um direito fundamental e social. Tal direito foi recentemente incluído
na Constituição Brasileira o qual passou a figurar no Artigo 6º, após a
Emenda Constitucional 064/2010, como um direito social individual e
coletivo, ficando com a seguinte redação:

São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho,


a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma
desta Constituição.

A partir de então o Estado torna-se o responsável por uma


alimentação adequada aos brasileiros, tanto do ponto de vista da
quantidade como da qualidade.
Importante ressaltar que, o consumo de alimentos exige uma
mudança cultural, ou seja, existe uma grande parcela da população
brasileira que desconhece as qualidades nutricionais dos alimentos
fazendo com que os consumidores adquiram os produtos
alimentícios, muitas vezes, em razão de campanhas publicitárias
que acontecem em todos os meios de comunicação, sem levar em
conta a qualidade e o nível nutricional dos alimentos. A influência
que a televisão, por exemplo, tem, principalmente sobre as classes
mais baixas da população, pode fazer com que muitas famílias não
possuam uma dieta saudável e equilibrada.
O que se observa, mesmo nos países mais pobres, é que a
obesidade caminha junto com a desnutrição. “Por outro ângulo países
com um vasto ncostumam conviver com um grande desperdício de
5
alimentos – seja em sua produção, distribuição ou preparação .”

II – DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, CRESCIMENTO


ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

4
Idem, p. 86.
5
Ibid. p.46.

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Em primeiro lugar deve-se ressaltar que é de extrema
importância saber a diferença entre desenvolvimento econômico e
crescimento econômico, pois uma região, um estado ou um país
pode crescer sem se desenvolver economicamente. Carlos
6
Escossia , em seu artigo “O que é crescimento e desenvolvimento
econômico” explica a distinção:
“Podemos definir crescimento econômico como o aumento da
capacidade produtiva da economia (produção de bens e serviços). É
definido basicamente pelo índice de crescimento anual do Produto
Nacional Bruto (PNB), per capita. O crescimento de uma economia é
indicado também pelo crescimento da força de trabalho, pela receita
nacional poupada e investida e pelo grau de aperfeiçoamento
tecnológico. Já, o desenvolvimento econômico, podemos conceituá-
lo como sendo o crescimento econômico (aumento do PNB per
capita), acompanhado pela melhoria da qualidade de vida da
população e por alterações profundas na estrutura econômica”.

O que pode ser observado é que o desenvolvimento


econômico deve ser analisado por uma indicação de melhoria da
qualidade de vida dos indivíduos bem como uma melhoria das suas
condições sociais, como saúde, higiene, moradia, aumento ou
diminuição da pobreza, aumento ou queda na renda do trabalhador,
dentre outros e não apenas por meio de indicadores de crescimento
do produto nacional bruto, ou crescimento monetário.
Em virtude do exposto, é possível afirmar que só há
desenvolvimento sustentável se existir um crescimento econômico e
um desenvolvimento social equilibrados. Ou seja, deve existir um meio
termo entre a tecnologia e o crescimento e, um ambiente saudável de
modo a proporcionar uma sadia qualidade de vida aos indivíduos,
satisfazendo as necessidades básicas de todo cidadão: saúde, lazer,
moradia, alimentação, educação, a fim de solidarizar-se com as futuras
gerações, conservando o ambiente, preservando a biodiversidade e os
ecossistemas, enfim todos os recursos naturais com a finalidade de
proporcionar vida às próximas gerações.
No início da década de 90, a sociedade brasileira acreditava
que se houvesse uma estabilidade nos preços e no crescimento da
economia, haveria chances para uma considerável redução dos
níveis de pobreza, no Brasil.

6
http//:www.carlosescossia.com/2009/09/o que é crescimento e desenvolvimento.html.

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“Estudos realizados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea) demonstram que a redução dos níveis de inflação e o
crescimento da economia nos primeiros anos do Plano Real deram
uma trégua ao ritmo do aumento do número de pobres e indigentes
no Brasil. Entre 1994 e 1996, o número absoluto de pobres e
indigentes foi reduzido. A partir de 1997, porém, este índice voltou a
se estabilizar. As razões dessa piora nas condições de vida podem
ser atribuídas ao aumento do desemprego e à desaceleração do
crescimento econômico. As lições dos anos 90 mostraram que as
políticas de redução da pobreza e de combate à fome devem vir
acompanhadas de movimentos que mantenham o crescimento e a
7
distribuição de renda no médio e longo prazos ”.

No ano de 1992, realizou-se uma conferência sobre o Meio


Ambiente e desenvolvimento no estado do Rio de Janeiro, também
chamada de Rio 92, onde se discutiu, principalmente, uma nova
forma de desenvolvimento. Dentre as diretrizes para se alcançar um
desenvolvimento sustentável lista-se:
 limitação do crescimento populacional: na conferência do
Rio, observou-se que o crescimento da população ameaça a vida do
planeta. Contra esse ponto de vista, Peter Singer afirma que alguns
autores sustentam que o excesso da população é um mito e
acrescenta:

“O mundo produz alimentos em abundância para alimentar


toda a sua população e, segundo algumas estimativas, teria
condições de alimentar dez vezes mais gente. As pessoas
passam fome não porque sejam muitas, mas devido à
distribuição desigual da terra, a manipulação das economias
do Terceiro Mundo pelos países desenvolvidos, ao
8
desperdício de alimentos no Ocidente, e assim por diante” .

Portanto, buscar um desenvolvimento sustentável através da


limitação da população mundial é uma diretriz divergente. Quer
dizer, para alguns este é um problema pelo qual deve ser enfrentado
buscando soluções através de um sério programa de controle de
natalidade. Já, para outros, o crescimento populacional não deve ser
encarado como um fator agravante na busca da sustentabilidade,
uma vez que o mundo produz o suficiente para alimentar todos seus
habitantes.

7
Walter, op. cit., p.29.
8
Peter, op. cit., p. 248.

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 preservação da biodiversidade e dos ecossistemas: o
desenvolvimento sustentável deve basear-se num equilíbrio entre o
desenvolvimento econômico e a preservação ambiental.
Conservando a diversidade de organismos vivos presentes na
biosfera, englobando a diversidade de ecossistemas terrestres e
aquáticos pode-se contribuir para a busca do desenvolvimento
sustentável.
 diminuição do consumo de energia: na tentativa de chegar
ao desenvolvimento sustentável sabe-se que a educação ambiental
é indispensável, atingindo a participação da população na
diminuição do consumo de energia.
 controle da urbanização: a análise da urbanização encontra-
se estreitamente relacionada à problemática do desenvolvimento.
Historicamente, o desenvolvimento resulta de transformações
estruturais que, por sua vez, são consequência de movimentos
cumulativos de recursos técnicos, materiais e humanos de uma
sociedade. Nessa perspectiva, a paisagem urbana sofre uma
evolução, em ritmos distintos, estabelecendo contornos e
organizando a paisagem física. Nesse sentido, a noção de
desenvolvimento tem a ver com a articulação da transformação da
estrutura social de uma dada sociedade. Convém esclarecer o que
se entende por desenvolvimento urbano, devendo-se considerar as
potencialidades e as limitações do ambiente urbano, pois são esses
elementos que conformam e dão concretude à realidade. Porém,
mais que isso, interessa identificar a sustentabilidade desse
9
ambiente no processo de desenvolvimento em questão .
 integração entre o campo e as cidades: A relação entre o
campo e a cidade é indispensável e fundamental, pois apesar de
serem diferentes, um depende do outro para alcançar o
desenvolvimento tanto social como tecnológico. Sabe-se que a
explosão populacional com um forte movimento migratório do campo
para as cidades não foi correspondida em termos de criação de
empregos, habitação, saneamento básico, transporte, saúde e
educação pelos centros urbanos e como resultado tem-se o
surgimento de uma população de baixa renda, vivendo em
condições precárias gerando graves consequencias para o meio
ambiente nos entornos das cidades. Em virtude desses problemas
sociais entre campo e cidade necessário se faz uma maior

9
Desenvolvimento urbano sustentável: realidade ou utopia – Trabalhos para
discussão – 140/2002 - Maria Lucila Bezerra – julho 2002 – http//:
www.fundaj.gov.br/tpd/140.html.

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integração a fim de se alcançar a sustentabilidade.
 garantia de alimentação a longo prazo: a alimentação é um
direito básico de toda pessoa, devendo, todos ter acesso aos
alimentos de forma a não comprometer sua dignidade e auto-estima
em quantidade e qualidade suficientes para garantir uma vida
saudável. Pertinente ressaltar que, a insegurança alimentar
apresenta-se num desafio para os governos nacionais e locais,
devendo buscar estratégias a fim de garantir uma alimentação a
longo prazo, e, com isso chegar ao desenvolvimento sustentável.

III. DISTRIBUIÇÃO DE ALIMENTOS E OBRIGAÇÃO DE AJUDAR

A produção de alimentos em quantidade necessária para


alimentar a população é um dos assuntos mais discutidos na
atualidade. Descreve, acerca do assunto, Peter Singer, em sua obra
Ética Prática:

“o problema não é que o mundo não seja capaz de produzir o


suficiente para alimentar e abrigar a sua população. Nos países
pobres, as pessoas consomem, em média, 180 quilos de grãos por
ano, ao passo que nos estados Unidos, essa média é de cerca de
900 quilos. A diferença resulta no fato de que, nos países ricos,
alimentamos os animais com a maior parte dos nossos grãos,
transformando-os em carne, leite e ovos. Por ser este um processo
extremamente ineficaz, os habitantes dos países ricos são
responsáveis pelo consumo de muito mais alimento do que o dos
países pobres, que comem poucos produtos de origem animal. Se
parássemos de alimentar os animais com grãos e com soja, a
quantidade de alimento poupado seria – caso fosse distribuído aos
que dele necessitam – mais do que o suficiente para acabar com a
10
fome no mundo inteiro” .

Afirma ainda, que “esses fatos sobre a alimentação não


significam que possamos facilmente resolver o problema mundial
da fome mediante a redução dos produtos de origem animal, mas
mostram que, essencialmente trata-se de um problema de
11
distribuição, e não de produção ”.
Então, pode se afirmar que a pobreza é a principal causadora
da fome, diminuindo em países que são capazes de gerar emprego
e renda.

10
Peter, op. cit., p. 231.
11
Idem, p. 232.

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O que se observa, a partir do posicionamento do autor, é que,
se as nações mais pobres utilizassem as técnicas avançadas de
agricultura, poderiam produzir muito mais. O que acontece é que
elas não tem recursos suficientes para investir em novos
maquinários, melhores sementes, fertilizantes, sequer adquirir os
grãos cultivados pelos países mais ricos, sugerindo que os países
desenvolvidos deveriam transferir parte de suas riquezas para os
mais pobres.
O mesmo autor afirma que “existe uma parcela de pobreza
absoluta que podemos impedir sem que seja preciso sacrificar nada
12
de importância moral comparável ”.
Quer-se com isso afirmar que, a renda que a maioria dos
seres humanos dispõe poderia ser privada a fim de ser usada para
diminuir a pobreza do mundo, sem que tal privação afetasse as
necessidades básicas de cada um.
Além do Estado, as empresas privadas também podem
ajudar no combate a fome, promovendo a inclusão social e
investindo na formação e incorporação no mercado de trabalho de
jovens excluídos.
Em contrapartida a estas manifestações de ajuda, tanto da
esfera pública como da privada, existem algumas críticas ao dever
de ajudar que devem ser levadas em consideração. No
13
entendimento de Albert Sasson , tais ajudas nem sempre
favorecem as populações mais desprotegidas levando ao tráfico de
influências e gerando a mentalidade de protegido. Já, Peter
14
Singer afirma que ajudar os que vivem na pobreza apenas
asseguraria que mais pessoas viessem a nascer para viver nesta
mesma pobreza e que as doações de entidades privadas somente
permitiriam que os governos furtem-se às suas responsabilidades
de ajudar.

IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS

A mais de cinco séculos o homem possui uma preocupação


com a falta de alimentos e com o dever de alimentar da população.
Desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, as
constituições nacionais de todos os países estão preocupadas com
o direito a alimentação. No Brasil, a Constituição Federal a

12
Ibidem, p. 242.
13
Albert, op. cit.
14
Peter, op. cit., p. 247.

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disciplina como um direito fundamental e social, responsabilizando
o Estado pelo dever de alimentar.
O que se denota é que a má distribuição de alimentos, no
planeta, é a causa principal da fome, das doenças causadas por
inanição e das mortes por desnutrição. Parece que não há dúvidas
desse lamentável desequilíbrio entre áreas que reinam o
desenvolvimento e áreas em que o subdesenvolvimento e a
desnutrição aparecem evidentes.
Constata-se que, não é que o mundo não seja capaz de
produzir alimentos necessários e suficientes para alimentar toda a
população. O fato é que nos países mais ricos alimentam-se os
animais com a maior parte dos grãos a fim de transformar em
outros alimentos como leite, ovos, carne. Em virtude disso, os
países desenvolvidos tornam-se responsáveis pelo consumo de
muito mais alimentos que os mais pobres. Peter Singer, afirma que
“se parássemos de alimentar os animais com grãos e com soja, a
quantidade de alimento poupado seria – caso fosse distribuído aos
que dele necessitam – mais do que o suficiente para acabar com a
15
fome no mundo inteiro ”.
Na verdade estes fatos de alimentação dos animais não
significa que poder-se-ia acabar com o problema da fome, somente
demonstra que a problemática está na distribuição e não na
produção. Os países mais pobres poderiam produzir mais se
conseguissem usar os equipamentos tecnológicos avançados das
técnicas da agricultura. O que acontece é que as pessoas mais
pobres não fazem uso desses maquinários simplesmente porque
não possuem renda suficiente para adquiri-los sendo que tal
situação poderia se tornar inversa se houvesse uma transferência
de renda dos países mais desenvolvidos para os mais pobres.
Quer-se demonstrar que a riqueza existe. Compra-se mais e
viaja-se mais do que necessita, come-se pelos prazeres do paladar
e não porque sente-se fome, adquire-se jóias, roupas e sapatos
pelo bel prazer da aparência. Chama-se a atenção para esta
riqueza contrapondo-se à pobreza, à miséria e à fome.
Urge sérias e imediatas reflexões a tais questões. Diante
disso, tem-se que a problemática da má distribuição de alimentos,
constitui num desafio da atual geração como um troféu na vitória
contra o subdesenvolvimento do planeta.

15
Idem, p. 231.

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V – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARAL, Luiz. A história geral da agricultura brasileira, no tríplice aspecto


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CASTRO, Josué de. Geografia da Fome. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
CASTRO, Josué de. Geopolítica da Fome – Ensaios sobre os problemas de
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