Cinquenta Anos de Literatura Angolana - Ana Paula Tavares
Cinquenta Anos de Literatura Angolana - Ana Paula Tavares
Cinquenta Anos de Literatura Angolana - Ana Paula Tavares
literatura angolana
1
Tomás Vieira da Cruz – nascido no Ribatejo, Portugal, vive em Angola desde 1922. Morre em 1960.
2
V. p. ex. Cazumbi, Poesia de Angola, editada em 1950.
via atlântica n. 3 dez. 1999
[...] e nós vamos remontar [...] ao ano de 1948. Que é o ano de referência para a tal
geração chamada dos “Novos Intelectuais de Angola “ ou do “Vamos descobrir Angola” ou
da “Mensagem”. Uns situam em 48, outros em 50. Nós vamos situar em 48.
3
Citado por Salvato Trigo, A Poética da Geração Mensagem, Porto, Brasília Editora, 1979.
4
V. : “Os Poemas do Itinerário Angolano” publicados nos Cadernos Capricórniono 18, Lobito, 1974.
5
Antônio Jacinto do Amaral. Martins, nascido em Luanda (embora preferisse ter nascido no Golungo Alto) em 1922 e
falecido em Lisboa, em 1992, deixou vasta obra dispersa em muitas Antologias; autor de contos.
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Pequeno rio da localidade angolana do Golungo- Alto
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dossiê TAVARES, Cinquenta anos de...
Assumindo uma voz de griot, Antônio Jacinto resume assim como tudo co-
meçou e é testemunho de alguém que fez parte do “elenco” que havia de “Desco-
brir Angola” e navegar “Mensagem” e “Cultura”, pagar isso tudo no campo de con-
centração do Tarrafal, ser guerrilheiro, ministro, deputado e retirar-se com passos
pequenos da política e da vida, quando o projecto de nação que ajudou a desco-
brir se revelou longe da vertente cultural que sempre lhe atribuiu.
Entre quarenta e cinquenta, os quintais de Luanda acendiam-se ao ritmo do
N’Gola Ritmos e a palavra prolongava-se em torno da discussão de temas angola-
nos, em busca de um movimento de renovação que colheria os seus primeiros
frutos no “Movimento dos Novos Intelectuais de Angola”.
Conciliar um imaginário poético com uma práxis é caminho que começa apre-
sentar-se profícuo para uma geração que, se ainda não tem respostas, assumiu,
por inteiro, o direito de se interrogar.
Antônio Jacinto situa em 1948 a palestra que o caboverdeano Filinto Elísio
de Menezes, poeta da geração “Certeza”7 proferira na Sociedade Cultural de An-
gola8 para denunciar a inexistência de uma “verdadeira crítica literária” que pe-
neirasse a literatura louvaminheira e de ocasião da que começando a despontar
iria verdadeiramente rasgar os caminhos para uma literatura merecedora do qua-
lificativo angolana.
7
Movimento cultural e literário levado a cabo pelos alunos do Liceu Gil Eanes em Cabo Verde e que se pretendeu
sucessor de “Claridade”.
8
Separata da Revista Cultura, Luanda, 1949
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via atlântica n. 3 dez. 1999
[...] Tomás- Bem! A poesia, jovem, não se explica. É um fogo que nos abrasa, um ar
que nos dá. Mas enfim... Conhece o Assis?
Paulo – Qual Assis? O das musicadas?
Tomás – Quais inusicadas! O diccionário do Assis. Não? Incrível! Pois, jovem
conselho numar um: compre o Assis.
Numar dois: Leia e medite esse diccionário. E talvez lhe pareça profético mas a verda-
de é esta : sem o Assis não haverá poesia angolana!
9
Cf. Mário Antônio Fernandes de Oliveira, Reler Áftica, p.184
10
Maurício Ferreira Rodrigues de Almeida Gomes, nascido em Luanda em 1920.
11
Cf- No Reino de Caliban, 11, p. 88
12
Luandino Vieira,”Estória de família” in. Lourentinho, Dona Antônia de Sousa Neto &Eu, Lisboa, Edições 70, 1981, p.
109
13
Cf. Antônio de Assis Júnior, O Segredo da Morta,Romance de Costumes Angolenses, Luanda, U.E.A-1985.
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dossiê TAVARES, Cinquenta anos de...
Figura tutelar, deste e dos movimentos seguintes, Viriato da Cruz vai marcar
com a sua obra os intelectuais de Angola, abrindo os caminhos possíveis para os
rumos da literatura angolana, de forma tão forte que a música, a dança, o quotidiano
em mudança habitam os seus poemas numa apropriação do real que confere efi-
cácia ao caminho da literatura angolana. Juntamente com Agostinho Neto e An-
tônio Jacinto seguram as pontas de um movimento que arrastaria muitos nomes
ainda hoje com lugar marcado na literatura que se faz em Angola.
Linguagem de manifesto, documento de fundação, constituem as marcas de água
a separar a apropriação de um tempo feita por um grupo de jovens para os quais litera-
tura é também apropriação de um território da verdade para o qual apelam os lexemas
povoados de uma carga semântica positiva como : terra, canto, verdadeira.
É a fala de uma geração “mais consciente de si propria e da diferença que
tem que assumir para o futuro”. O momento de que se fala é um momento onde se
forjou e se inscreveu uma actividade literária e cultural com fortes implicações
ideológicas: trata-se dos primeiros sinais de reconhecimento de uma identidade
que se queria nacional e libertadora.
A poesia constitui-se como a voz particular que organiza e dá sentido a um
quotidiano perturbado e o poeta mesmo quando diz “Não é este este ainda o meu
poema/ o poema da minha alma e do meu sangue não/ Eu ainda não sei e não
posso escrever o meu poema/”14, assume o estatuto de uma fala outra perdida nos
misseke, recuperada no grande movimento de descoberta da terra.
Entre tradição e ruptura se faz a afirmação deste momento novo, com as
saudades da infância, lugar ameno, perdido para sempre, cidade e infância des-
cendo as avenidas de alcatrão, particular travessia do inferno cortada com o cho-
ro dos contratados.
Na palestra a que já fiz referência15, Antônio Jacinto cita Mário Antônio para
concordar que na origem de muitos destes grupos e movimentos estaria muita
boémia intelectual:
[...] O movimento nunca publicou um livro, nunca publicou uma revista, mas tudo foi
saindo nas Mensagens, antologias, cadernos antológicos... Por isso nós podemos chamar o
movimento como uma corrente, incluindo até pessoas que não se conheciam.[... ]
14
António Jacinto- “Poema da Alienação”, in No Reino de Caliban II, p. 136
15
Agradeço a Ruth Lara e a Conceição Neto a amabilidade de ma terem confiado.
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