A Pomba-Gira No Imaginário Das Prostitutas
A Pomba-Gira No Imaginário Das Prostitutas
A Pomba-Gira No Imaginário Das Prostitutas
RESUMO
O presente artigo busca compreender como se dá a relação da prostituta com a Pomba-Gira,
entidade do panteão umbandista que subverte a ordem pela livre manifestação do poder
genital feminino (Augras: 1989). Para tanto, foi investigada a Pomba-Gira no imaginário
das prostitutas, procurando compreender qual representação em nível imagético e os usos
correntes que as prostitutas fazem da referida entidade.
Palavras-chave: Umbanda; Pomba-Gira; Prostitutas; Imaginário.
ABSTRACT
The present article searchs to understand as if it gives the relation of the prostitute with
Pomba-Gira, entity of the Umbanda that subvert the order for the free manifestation of the
feminine genital power. For in such a way, Pomba-Gira in the imaginary of the prostitutes
was investigated, having looked for to understand the imaginary and current uses the
prostitutes was a make of cited entity.
Key-word: Umbanda; Pomba-Gira; Prostitutes; Imaginary.
Exu-Mulher
beleza, possuindo referências mais terrena pelos gregos antigos, era conhecida em Siracusa
como Afrodite das Belas Nádegas, em Atenas como Afrodite a Cortesã, bem como em
diferentes épocas e lugares conhecida como: Afrodite do buraco ou da copulação, Afrodite
que cavalga Astride, que se abre, a prostituta. Vênus, a versão romana da deusa do amor e
da beleza, era considerada a protetora das prostitutas. Em sua concepção como tal era
conhecida como Vênus Volgivava, e seu festival era realizado anualmente em 23 de abril,
comemorado por prostitutos e prostitutas5 (Roberts: 1998). Oba, divindade guerreira,
protetora das prostitutas na África, sincretizado com nossa senhora dos prazeres em Recife
e Alagoas6. Sem deixar de mencionar o caso clássico de Maria Madalena, que de acordo
com a imagem cristã da sexualidade – suja e degradada – arrepende-se pelos seus pecados
ligados à carne e torna-se a protetora das prostitutas.
No Brasil, encontramos as Pombas-Giras. Exus femininos do panteão
umbandista que se caracterizam pelos seus atributos “ligados” à sexualidade e à
Prostituição: luxúria, desejos carnais, lascívia, vida sexual desregrada, desordem,
escândalo, oriundos, assim como no caso dos Exus, de suas vidas na terra em que foram
prostitutas, cortesãs, mulheres de baixos princípios. Diferentes de Maria Madalena que se
caracteriza pelo arrependimento, as Pombas-Giras quando incorporadas nos médiuns fazem
apologia à Prostituição. Nos rituais em que “o povo da rua” possui papel de destaque, logo
após a incorporação dos Exus masculinos elas transformam-se em protagonistas da festa,
podendo ser observado um ritual que celebra a força da mulher sexualmente ativa, do poder
de manipular o mundo em seus mais variados aspectos através de estratégias ligadas ao
“poder genital feminino”.
Para Monique Augras, a Pomba-Gira é pura criação brasileira, tendo surgido a
partir de um processo de destituição das características sexuais de Iemanjá, sincretizada
com a Imaculada Conceição, canalizadas para nossa personagem:
civilizações do mundo”. É nesse período, em torno do segundo milênio a.c. que a Prostituição sagrada se
torna visível e tem os seus primeiros registros na escrita. (1998: 19-30)
5
Sobre as deusas Afrodite e Vênus e suas ligação à Prostituição ver Nickie Roberts – As prostitutas na
História, capítulos II e III.
6
Bastide – As Religiões Africanas no Brasil – segundo volume. 1971. pág 363 e 360.
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Motta, com base na sua experiência, nos chama atenção para o risco em se
fazer suposições sobre a origem de entidades cultuadas em religiões populares (1995). No
entanto, em consonância com Augras, no que concerne ao nome, nos colocam que advém
de Bombonjira, equivalente congo do Exu ioruba, que por assonância transformou-se em
Pomba-gira, com as associações semânticas as quais popularmente conhecemos:
mulheres muito exploradas pelos homens e discriminadas pela sociedade. Possuindo, dessa
forma, uma vida muito difícil, “então o que elas quere mesmo é dá amor pras pessoas”. Ao
indagar dona Antônia de que forma elas tiveram uma vida difícil, a informante através de
um exemplo concreto nos presenteia com um aspecto da história da Prostituição em Sobral,
na década de 1950:
nessa época ce sabe que se uma mulher se prostituía era capaz de ser
queimada né, ninguém dava valor né, era como uma pessoa que tivesse
uma, era como uma doença contagiosa, as pessoas não andava mais ela
né, tinha que ter lá seu lugar certo de viver, so andava na hora, pelo meno
quando eu cheguei aqui em Sobral mesmo em Sobral tinha hora certa das
mulheres prostituta ir pro mercado, porque se passasse daquela hora a
que pisasse no mercado ia presa, era, tinha isso (...) Nesse tempo que
aqui, bianqui depois do seu Raimundo pra lá era um cabaré (...) seu
Raimundo uma mercearia que tem biani na, no triângulo, no trilho ai (...)
daí do seu Raimundo pra lá ate chegar lá, lá, até chegar lá naquele
mercadinho da economia isso ai tudo era casa de prostituta (...) era zona,
ali era uma zona. Então ali elas, elas moravam, tudim morava ai, mas
tinha a hora de ir pra rua, ninguém se misturava com as família não (...)
acho que talvez mais rigoroso tenha sido muito mais antes né? 7
Para pai Gil, do Terreiro de Ogum e Exu, Ilê Axé de Obaluaê, nem todas as
Pombas-Giras são prostitutas, elas são classificadas mulheres, e, assim como no plano
material, existem Pombas-Giras de todas as qualidades: casadas, doutoras, juizas, médicas,
prostituas, ladras, viciadas, vagabundas. As Pombas-Giras prostitutas são as de rua, de
encruzilhada, esquina, cabaré, cemitério, mercado. Vejamos uma corimba da Pomba-Gira
Leviana:
7
O endereço citado por dona Antônia atualmente corresponde à rua Joaquim Lopes, entre as ruas Jorn.
Deolindo Barreto e a Cel. Monte Alverne.
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artísticas nacionais como a novela Carmem8, em que a personagem principal, uma jovem
do subúrbio carioca faz um pacto com a Pomba-Gira, prometendo dedicação para com a tal
em troca de poder de sedução sobre os homens. Na literatura, e na versão cinematográfica
de “O Xangô de Baker Street” de autoria de Jô Soares, Sr. Watson, assistente do famoso
detetive consagrado da literatura inglesa, Sherlock Holmes, ao visitar um terreiro é
incorporado pela Pomba-Gira. Assim como também citadas em músicas, como “canibaile”
de Guinga e Aldir Blanc, interpretada por Leila Pinheiro: “haraquiri, maracutáia, eu vou
soltar a Pomba-Gira nessa praia” e “Moça Bonita” do Cearense Evaldo Golveia e Arthur
Ramos, interpretada por Rita Ribeiro:
Uma rosa
Cor de sangue, cintila
Em sua mão
Um sorriso
Que nas sombras
Não diz nem sim nem não
Põe na boca a cigarrilha
E mais se acende o olhar
Que conhece o bem e o mal
De quem quiser amar
De vermelho e negro
O vestido à noite
O mistério traz
De colar de contas
Brincos dourados
A promessa faz
Se é preciso ir
Você pode ir
Peça o que quiser
Mas cuidado, amigo
Ela é bonita
Ela é mulher
E no canto da rua
Zombando, zombando, zombando está
8
Novela escrita por Gloria Perez e adaptada do conto “Carmem” de Porsper Merimée, publicado pela
primeira vez em 1845, na França. Roberto Motta nos revela que umas de suas maiores surpresas foi encontrar
citada neste conto “uma entidade de “Camdomblé ou de Umbanda”, uma das mais populares Pombas-giras
encontradas nos terreiros, Maria Padilha. Quisera ele, a princípio, acreditar que tal entidade fosse
autenticamente fruto do imaginário brasileiro, igual a outras entidades como Zé Pelintra, Maria do Acáis,
dentre tantos outros, sem “antepassados em mitologias européias, africanas ou ameríndias” (1995). O
pesquisador sente-se, particularmente, orgulhoso pela descoberta. Compartilhado seus sentimentos com
relação ao fabuloso achado, me sentiria mais do orgulhoso.
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O imaginário.
9
Balandier – O Dédalo – 1999, pág. 108.
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Penso nesta abordagem como a mais adequada, pois nos terreiros, o grande
capital simbólico se constitui na articulação das imagens estáticas – estátuas das entidades,
congá -, e dinâmicas – performance das entidades quando incorporadas nos médiuns, numa
encenação onde o que impera é a linguagem corporal expressa através de coreografias,
revelando, através de símbolos que se constituem em imagens e discursos, as linhas às
quais as entidades pertencem. Estas imagens são absorvidas pelo povo-de-santo e adeptos,
não através de uma razão científica, mas através de um tipo de pensamento, onde a ética do
aqui e agora inerente às religiões de matriz africana, fundamentada na realização das
necessidades prementes e dos desejos individuais, caracteriza este universo pelo seu caráter
extremamente subjetivo, dando vasão a um tipo de pensamento não limitado, onde o
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É uma mulher muito bonita, não é muito alta e nem baixa, cabelos
longros, gosta muito de vermelho e preto. (Maria Padilha)14
13
Tenho como parâmetro para esta afirmação minha própria experiência como pesquisador. Para mim a
pomba-gira é uma entidade do panteão umbandista com todas as suas atribuições míticas e rituais, mas que se
configura principalmente como “objeto” de estudo. Confesso que em alguns momentos difíceis no decorrer da
pesquisa de campo e escrita, mesmo com certa resistência, meus pensamentos voltaram-se para lhe rogar
ajuda, mas nunca passaram disto. Para você leitor, quem é a Pomba-Gira? O que ela representa para você?
São perguntas que podem servir de parâmetro para se confirmar o que se pretende acima.
14
Para não colocar em risco as identidades das prostitutas pesquisadas substituí os seus nomes pelos nomes de
seis Pombas-Giras do universo religioso pesquisado.
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(...) toda Pomba-Gira é um bicho entendeu? Ela aparece o que? tipo uma
Medusa, sabe aquele filme? isso, só que os olhos dela é de anil. Tipo
ouro. Bonita ela. (Maria Molambo)
eu sonhei com ela assim, imaginação, não sei se imaginação minha, foi
besteira da minha cabeça. Mas eu já sonhei assim que ela era uma mulher
bem bonita, assim do cabelo bem grande sabe? Eu imaginava tá
entendendo? No sonho eu via que era uma mulher do cabelo, assim, bem
grande, só usava vestido, um vestido bem bonito, bem longo, vermelho.
As unhas bem bonita, ela toda linda. (...) Eu não sei se ela é realmente o
que eu penso, mas pra mim eu já vi ela assim, toda assim de vestidão
vermelho, cabelão grande. (...) toda cheia de jóia, aquelas coisa de
chamar atenção tá entendendo? (Maria Quitéria)
Ela é muito ruim, se você fizer alguma coisa com ela, ce pode esperar
que ela lhe dar o troco, se você chegasse e oferecesse uma champanhe e
uma jóia a ela, ela fazia tudo pra me destruir, não importava se eu era
filha dela ou não, principalmente ela quando vem na linha de Exu, ela
não respeita ninguém, ela não quer saber quem é. (Maria Padilha)
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ela é uma pessoa pra mim maravilhosa, e ao mesmo tempo eu penso que
ela é uma pessoa ruim, mas eu mereço que ela seja ruim comigo tá
entendendo? Porque o que eu peço ela me ajuda, mas aí eu vou e... eu
vacilo com ela né, porque ela me dá o que eu quero, aí eu vou e não dou
o que ela quer, porque as coisa tem que ser trocada, não pode ser só eu
querer ganhar, querer ganhar e você não. (...) Pra mim ela é uma pessoa
maravilhosa, pra mim ela é tudo na minha vida pra mim, eu acho ela uma
pessoa maravilhosa, ela é demais. (Maria Quitéria)
Eu sei que ela existe, existe pra fazer o bem, e existe pra fazer o mal
também né. Depende o que você for querer pra usar ela. Agora eu uso
ela, eu uso, preciso dela assim de uns trabalho com ela, mas não é
negócio de maldade não. (Luziara)
É um santo que não representa o bem, mas ela representa o mal com
certeza, com certeza, todo mundo sabe disso. Ela é golpista (Maria
Navalha)
no passado, ela deve ter sido uma mulher muito bonita, muito chamativa
né? E pegava todos os homens, gananciosa demais ai queria todos os
homens, por isso que ela foi amaldiçoada. (Surubita)
relação travada entre os atores aqui pesquisados, ratificar a afirmação de que as concepções
que elaboram, bem como as experiências vivenciadas, estão intimamente relacionadas às
suas trajetórias enquanto pertencentes ao universo da Prostituição. Ao trazer à baila as
negociações travadas entre nossas personagens, não poderíamos deixar de mencionar o
princípio da reciprocidade: dar, receber e retribuir. “Esse princípio rege as ações dos orixás
com os homens e dos orixás entre si.” (Vallado, 2002: 29)
A relação que as prostitutas estabelecem ou que está estabelecida entre nossas
personagens pelo princípio da reciprocidade está fundamentada na troca de dádivas. Para
Marcel Mauss, na sua obra clássica, “Ensaio Sobre a Dádiva: Forma e Razão da Troca nas
Sociedades Arcaicas”, “as trocas e os contratos fazem-se sob a forma de presentes,
teoricamente voluntários, mas na realidade obrigatoriamente dados e retribuídos” (1974:
41). Entre as prostitutas e a Pomba-Gira os contratos e as trocas também fazem-se sob a
forma de presentes, no entanto, não são teoricamente voluntários, são fundamentalmente
dados e retribuídos mediante “contratos”, negociações explícitas, estabelecidas entre ambas
as partes: “tu me dá isso que eu te dou aquilo”. Sobre a reciprocidade entre os homens e os
deuses vejamos o que Mauss nos apresenta:
dádivas são rogadas pelas prostitutas e com que tipo de contrapartida as prostitutas
presenteiam a entidade:
eu ofereço cerveja pra ela, eu ofereço vela, cigarro, eu dou jóia pra ela.
(...) eu dava, dava perfume, eu dava presente pra ela. Porque sempre
também tinha ponto que eu precisava muito dela, precisava e preciso (...)
algum caso assim de algum homem, e que se torna difícil, afirmava pra
ela e sempre ela trazia o que eu precisava, quer dizer sempre ela me
agradava e eu sempre agradava a ela. (...) Com vela, cigarro, perfume,
jóia, maquiagem, roupa. Olha, já cheguei assim, num terreiro assim de
macumba, a Pomba-Gira já chegou, a rainha, ela chegou e “umbora beba
um copinho comigo” nós duas sentada, conversando e bebendo. (Luziara)
eu chego pra ela assim e peço a coisa, ela vai e me dá. Aí quando eu vejo
que ela alcança aquelas graças dela eu vou e dou em “drobo” né? Aquilo
que ela precisa, sei lá... que ela quer, as vezes é assim uma cerveja, uma
coisa (...) eu pedi, assim, que ela me desse, porque tem um cara aí que eu
gosto né (...) Aí eu quero vê ele nos meus pés. (Maria Quitéria)
agente troca com ela alguma coisa, tipo assim me dê isso que eu lhe dou
isso e ela dá, ai agente é obrigado a dar também. (... ) Meia noite eu to
cansada de quebrar cerveja nessa encruzilhada ai, que ela me dar o que
eu peço15. (Maria Navalha)
15
O cabaré onde Maria Navalha trabalha e também reside, fica no andar superior da casa da madame. Está
localizado numa esquina de um dos bairros da periferia de Sobral. No andar superior há uma área a céu aberto
onde funciona o bar. É de lá que a prostituta atira as cervejas em oferecimento à Pomba-Gira.
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entrevistar Luziara, quando conversávamos sobre de que forma, com que finalidades ela
utilizava a Pomba-Gira, respondeu-me que a usava para coisas de mulher da vida:
Coisas minha mesmo, que é coisa de toda mulher da vida né? Toda
mulher da vida é cheia de passa tempo, aí se apaixona por um homem, aí
aquele ali não liga mais, mas aí a gente vai atrás de descobrir uma foto,
vai atrás de descobrir o nome dele. Depois que descobre o nome e uma
foto, pronto. Esquece, aí faz de conta que nem conhece mais. Aí joga na
mão da Pomba-Gira, com um tempo ele aparece, aparece! Olha a gente
só assim, aí despensa, pra dar o troco né? mais sempre volta. (Luziara)
prometi também comprar a imagem dela né, no outro dia eu fiz programa
e arrumei esse dinheiro todinho pra mim comprar a imagem dela (...) O
que eu pedi a ela eu alcancei, aí eu não fiz. Aí quando foi no outro ia eu
comecei a adoecer, uma febre, dor de cabeça, aí eu fui e vim lembrar (...)
aí eu fui e senti, olhei pra parede assim, eu fui e senti, aquele cheiro de
rosa, aquele cheiro dela todinho, que eu sinto, quando ela tá aproximando
de mim assim eu sinto. Porque eu sou médium tá entendendo? (...) De
vez enquanto eu pego, trabalho e tudo. De vez enquanto, que ela baixa na
minha crôa. Aí eu me toquei logo né, que foi aquele negócio que eu fiz e
não dei pra ela, gastei o dinheiro todinho. Ainda tô doente ainda, com
uma dor na minha barriga que num... já fui no hospital, eu já fui na
farmácia comprar remédio e não passa essa dor de jeito nenhum. Aí eu
fui e melhorei, comprei as coisa toda e fiz minhas obrigação, ontem seis
horas eu fiz tudo minhas obrigação. (Maria Quitéria)
a Pomba-Gira dá e tira, ela não é fiel, não é, que se ela fosse fiel nunca
havia deixado fazer o que fizeram comigo, eu num sou filha!!! Mãe faz
mal a uma filha ou num faz? de forma alguma, ela castiga! Possa até seja
que ele me castigue né? (...) E também ó tem uma coisa, eu não falo mal
dela, que ela não merece (...) porque na hora da angústia ela também me
ajuda. (Maria Molambo)
ela é muito é falsa, interesseira, mas assim mesmo eu ainda tenho alguma
coisa a ver com ela (...) antigamente eu dava tudo a ela, mas hoje em dia,
é trocado, vai me dar, dou, pois então pegue. Ela é interesseira,
interesseira mesmo. (Maria Navalha)
Eu só fico com quem ela quer, tudo enquanto, se eu vou cortar o meu
cabelo, pintar, cortar minha unhas, tem que pedir, chegar pra ela e pedir
permissão. Eu não posso chegar assim de gaiato e cortar sem a permissão
dela ne? (...) ela castiga a pessoa que não faz o que ela quer, e tudo que
eu vou fazer eu tenho que pedir permissão pra ela. Ele16 quer que eu pinte
meu cabelo de preto, eu não posso tão cedo, que eu não fui mais no
16
Se refere a um homem com quem possui um envolvimento amoroso.
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terreiro falar com ela, perguntar se eu posso pintar o meu cabelo. Agora
no carnaval eu fui lá em Ubajara, eu fui num terreiro perguntar se eu
podia pintar e ela disse que eu podia, que era no carnaval e eu queria
brincar com o cabelo louro. Mais só que agora eu não posso pintar de
preto, porque eu tenho parte com ela e tem que ir do jeito que ela quer
né? (Maria Quitéria)
Era uma coisa que ela desde eu novinha ela já me acompanhava né? Ai
devido eu ser média ela foi se aproximando, se aproximando e perguntou
seu eu queria que ela fosse a minha mãe, minha mãe como? Era a minha
protetora, então eu aceitei, até uns dois meses atrás que eu descobri o que
ela fazia comigo, porque eu me cortava, eu fazia showzinho no mei da
rua, não podia beber que eu botava aquele maior boneco (...) há muito
tempo ela vinha me acompanhando e ela fazia o que? Ela me dava o que
queria, mas eu não podia beber que ela se aproximava, eu me cortava,
fazia show no meio da rua, qualquer lugar que eu tava botava os meus
bonecos (...) quebrar copo na boca, engolir pedaço de vidro, so que não
era eu, era ela, que ela se aproximava, ficava no meu corpo e pronto, ai
quando era para poder tirar era o maior sacrifício. ( Maria Padilha)
Esse meu lado de prostituta não é de mim, porque eu sou filha dela, ela
me possui, não é de mim, não é com minha vontade, eu não faço isso
com minha vontade, eu faço isso porque ela me acompanha, porque ela
diz que eu não sou mulher de um homem, e eu não fico fixo, não dou
certo com homem nenhum, não duro com homem (...) ela que me possui,
ela não me deixa ficar com ninguém, ela não me deixa ter um casamento.
Eu fico, mas ela toma, entendeu? Ela toma, quer dizer, é por isso que as
vezes eu quero me afastar, mas se eu me afastar é pior, toda vida que eu
me afasto eu so falto morrer, falto morrer mesmo, fico desesperada
querendo me suicidar, eu sinto que é ela. (Maria Molambo)
Eu quero é ver alguma garota de programa não ter nada a ver com ela (...)
todas tem, todas são possuída por ela, como a minha história, eu não tô
aqui porque eu quero, eu tô aqui por ela eu não vou mentir. É tipo aquela
história, eu quero sair, como eu fui junta duas vezes, mas ela me traz
(Maria Navalha)
lo, colocar a mão nos seus bolsos, sendo finalizada com um pedido sutil de dinheiro.
Almoçamos juntos, abriram a possibilidade para eu voltar a entrevistá-las e até mesmo
acompanhá-las a alguma eventual ida ao terreiro que freqüentavam. Quando já havia saído
da casa, do lado de fora do portão Maria Navalha de súbito gritou, “tá vendo, até isso eu
tenho que pedir a ela”. Referia-se a uma viagem de fim de ano que pretendia fazer para a
capital do Ceará – Fortaleza.
Maria Padilha, Maria Molambo, Maria Navalha, Maria Quitéria, Surubita,
Luziara, foram as prostitutas pesquisadas que em diferentes níveis possuem uma relação
com a Pomba-Gira, de acordo com suas experiências de vida. Para elas, como pudemos
observar, as Pombas-Giras são suas “mães”, madrinhas, protetoras, as “acompanham”.
Senhoras dos seus destinos, são responsabilizadas pelas suas trajetórias, detém o poder
sobre os seus desejos, sobre as suas conquistas, sobre os seus homens. Para Maria
Molambo e Maria Quitéria ao relatar que já viram a entidade, citam o espelho como lugar
da sua aparição, destarte, o espelho é aquilo que reflete imagens, dessa forma, poderíamos
dizer que a Pomba-Gira é a própria imagem das prostitutas refletidas no espelho.
Bibliografia
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MOURA, Carlos Eugênio Marcondes de (org.). Meu Sinal Está no Seu Corpo. São Paulo:
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MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva: Foram e Razão da troca nas sociedades arcaicas.
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Revista Homem, Tempo e Espaço. Sobral (CE), setembro de 2007. Centro de Ciências Humanas/CCH. 19
OLIVEIRA, Roberto Cardoso. Identidade, Etnia e Estrutura Social. São Paulo. Livraria
Pioneira Editora, 1976.
SOARES, Jô. O Xangô de Beker Street. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.